projeto de monografia

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3 1. OBJETO O termo lavagem de dinheiro, traduzido do inglês money laundering, tem origem nas investigações realizadas pela polícia norte-americana para descrever o método utilizado pela máfia dos anos 1930 para colocar “de maneira legal” em circulação comum o dinheiro advindo da criminalidade: utilizavam-se de empresas legais de lavanderias, nas quais o dinheiro ilícito entrava em cash ou “dinheiro vivo” e passava a ter aparência legal quando tivesse sua saída. Posteriormente, a expressão foi utilizada em um processo judicial nos EUA em 1982 e, desde então, permaneceu na literatura jurídica. 1 Nesse sentido, a lavagem de capitais pode ser conceituada, segundo o Juiz José Paulo Baltazar Júnior, “como atividade de desvinculação ou afastamento do dinheiro da sua origem ilícita para que possa ser aproveitado2 . Conforme os ensinamentos do professor Carlos Rodolfo Maia Tigre 3 , o processo de lavagem de dinheiro envolve um complexo conjunto de operações conectadas pelas etapas de conversão, dissimulação e integração de bens, direitos ou valores, com a finalidade de tornar legítimos os ativos advindos da prática de ilícitos penais. Isto é, imprimir-lhes uma aparente legalidade e mascarar a sua origem criminosa, para dificultar a repressão judicial. 1 BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.10. 2 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.812. 3 MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. 2007, p. 22.

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projeto de mnografia sobre a nova lei de lavagem de dinheiro

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1. ObjetoO termo lavagem de dinheiro, traduzido do ingls money laundering, tem origem nas investigaes realizadas pela polcia norte-americana para descrever o mtodo utilizado pela mfia dos anos 1930 para colocar de maneira legal em circulao comum o dinheiro advindo da criminalidade: utilizavam-se de empresas legais de lavanderias, nas quais o dinheiro ilcito entrava em cash ou dinheiro vivo e passava a ter aparncia legal quando tivesse sua sada. Posteriormente, a expresso foi utilizada em um processo judicial nos EUA em 1982 e, desde ento, permaneceu na literatura jurdica. [footnoteRef:1] [1: BADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.10.]

Nesse sentido, a lavagem de capitais pode ser conceituada, segundo o Juiz Jos Paulo Baltazar Jnior, como atividade de desvinculao ou afastamento do dinheiro da sua origem ilcita para que possa ser aproveitado [footnoteRef:2]. [2: BALTAZAR JUNIOR, Jos Paulo. Crimes Federais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p.812.]

Conforme os ensinamentos do professor Carlos Rodolfo Maia Tigre[footnoteRef:3], o processo de lavagem de dinheiro envolve um complexo conjunto de operaes conectadas pelas etapas de converso, dissimulao e integrao de bens, direitos ou valores, com a finalidade de tornar legtimos os ativos advindos da prtica de ilcitos penais. Isto , imprimir-lhes uma aparente legalidade e mascarar a sua origem criminosa, para dificultar a represso judicial. [3: MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro. 2 ed. So Paulo: Malheiros. 2007, p. 22.]

O processo clssico de lavagem de capitais compreende, em sntese e sequncia, a insero ou placement do dinheiro ilegal[footnoteRef:4] lquido no mercado financeiro para afastar o capital de sua fonte ilcita, seguida pela dissimulao ou layering com vistas a camuflar a origem ilcita do capital, para afast-lo o mximo possvel de sua fonte original e ilegal, por meio da multiplicao da operao anterior. Por fim, tem-se a etapa da integrao ou recycling com o exaurimento do processo atravs da reintroduo do dinheiro lavado ou reciclado na economia legal, por meio de operaes legtimas. [4: Adota-se o termo dinheiro ilegal como sinnimo do produto financeiro advindo de ilcitos penais. ]

Entretanto, como muito bem ressalta Luiz Rgis Prado[footnoteRef:5], esse processo, tido como clssico, no o nico existente, ante a evoluo e o aperfeioamento contnuo das diversas tcnicas empregadas em sua prtica, uma vez que essas fases no so estanques e independentes, mas comunicantes e, at mesmo, superpostas, pois a reciclagem um processo [footnoteRef:6]. [5: PRADO, Luiz Rgis. Direito Penal Econmico. 5 edio. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.368.] [6: MAIA, C.R.T., op. cit., p. 38.]

Nesse diapaso, Chantal Cutajar[footnoteRef:7] prope um novo modelo classificatrio, embasado na finalidade do delito, para classificar a lavagem de dinheiro em: (a) elementar: marcada pela liquidez e pouco volume financeiro, a exemplo das trocas de divisas em casas de cmbio; (b) elaborada: reinvestimento do dinheiro ilcito em atividades legais, como a especulao imobiliria simulada; (c) sofisticada: de volume financeiro elevado e em pouco tempo, com problemas de credibilidade, como a especulao financeira cruzada. [7: CUTAJAR, Chantal. La description du processos de blanchiment. In: CUTAJAR, Chantal (Org.). Le blanchiment des profitis illicites. Strasbourg: Presses Universitaires de Strasbourg, 2000, p.19-22.]

Apesar da inegvel antiguidade da lavagem de capitais como fenmeno socioeconmico, a sua criminalizao relativamente recente, a qual primeiro ocorreu na Itlia. Segundo aponta Ral Cervini[footnoteRef:8], com a edio do Decreto-lei n. 59 em 21 de maro de 1978, que introduziu o art. 648bis no CdigoPenalItaliano, incriminou-se a substituio de dinheiro ou de valores provenientes de roubo qualificado, extorso qualificada ou extorso mediante sequestro por outros valores ou dinheiro. [8: CERVINI, Ral; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flvio.Lei de Lavagem de Capitais.So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.18.]

Fbian Caparrs[footnoteRef:9] assevera com exatido: [9: FBIAN CAPARRS, Eduardo.El Delito de Blanqueo de Capitales.ApudDE CARLI, Carla Verssimo.Lavagem de Dinheiro Ideologia da Criminalizao e Anlise do Discurso.Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2008, p.79.]

O art. 648-bis de 1978 no s foi o ponto de partida para a polticacriminala qual respondem a maioria das reformas penais que, em matria de lavagem de dinheiro, se tem produzido em diferentes sistemas jurdicos nacionais, como foi tambm o antecedentejurdicosobre o qual, consciente ou inconscientemente, tm sido construdas muitas das normas repressivas da lei de lavagem de dinheiro emdireitocomparado.O tipo penal da lavagem de dinheiro tem, em sua origem, o escopo de lucro do agente por meio da atividade delituosa e, como pedra angular, o disfarce da origem desses valores. Ou seja, visa-se desvinculao do dinheiro da sua procedncia delituosa, para conferir-lhe uma aparncia lcita a fim de poder aproveitar os ganhos ilcitos, considerado que o mvel de tais crimes justamente a acumulao material [footnoteRef:10]. Nesse nterim, correto afirmar ser o delito em tela parasitrio[footnoteRef:11] ou derivado, uma vez que, para a sua configurao, deve haver o pressuposto objetivo como conditio sine qua non da existncia de uma infrao penal antecedente geradora de ativos. [10: BALTAZAR JUNIOR, J.P., op. cit., p.812.] [11: MAIA, C.R.T., op. cit., p.22.]

De acordo com o professor Renato Brasileiro[footnoteRef:12], h trs geraes de leis que tipificam a lavagem de capitais de acordo com o referido delito antecedente. [12: BRASILEIRO, Renato.In: GOMES, Luiz Flvio. CUNHA, Rogrio Sanchez. Legislao Criminal Especial. Vol.6, 2 ed.Coleo Cincias Criminais. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.]

A primeira gerao, de concepo original ou restritiva, incrimina a lavagem de capitais advinda apenas do delito de trfico de drogas, consoante a Conveno de Viena da ONU de 1988[footnoteRef:13]. [13: A Conveno de Viena ou Conveno da ONU contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e de Substncias Psicotrpicas foi referendada pelo Brasil no Decreto-Lei 151/91.]

Posteriormente, com a segunda gerao de concepo mista ou intermediria[footnoteRef:14], houve uma ampliao no rol, ainda taxativo, de crimes antecedentes para abranger os valores advindos de outras atividades delituosas. Seguiu-se, pois, as recomendaes da Conveno de Palermo, uma vez que, como bem ressalta Srgio Pitombo: a estratgia internacional focou-se no objetivo de perseguir o produto e o proveito de determinados crimes; em particular, o dinheiro obtido pelas organizaes criminosas por meio do trfico ilcito de entorpecentes[footnoteRef:15]. [14: LEBAILLY, B. La rpression du blanchiment des profits illicites dans I, ordre juridique internacional.In: CUTAJAR, Chantal (org.), op. cit., p.179-180.] [15: PITOMBO, Srgio A. Moraes. Lavagem de Dinheiro. A Tipicidade do Crime Antecedente. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.41.]

Por fim, a ltima gerao, de concepo extensiva ou ampla, comina ao tipo a abrangncia de toda e qualquer espcie de infrao penal, conforme os objetivos traados na Conveno do Conselho da Europa. [footnoteRef:16] [16: PRADO, L.R., op. cit., p.373.]

Em decorrncia da presso mundial para a represso da criminalidade organizada e da lavagem de capitais, o Brasil, aps ter assinado a Conveno de Viena e a de Palermo, editou a Lei n. 9.613, de 3 de maro de 1998, dotada de mecanismos para a represso lavagem de dinheiro. Dentre eles, destaca-se o rol numerus clausus [footnoteRef:17]em relao aos crimes antecedentes, no seu artigo primeiro no texto primrio, na esteira da referida segunda gerao. [17: Art. 1 Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:I - de trfico ilcito de substncias entorpecentes ou drogas afins;II - de terrorismo; III - de contrabando ou trfico de armas, munies ou material destinado sua produo; IV - de extorso mediante sequestro; V - contra a Administrao Pblica, inclusive a exigncia, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condio ou preo para a prtica ou omisso de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organizao criminosa.]

Entretanto, com o tempo, identificaram-se, nesse diploma legal, diversos bices (como a dificuldade de levar ao Judicirio o conhecimento de prticas de lavagem de dinheiro por particulares, uma vez que suas condutas antecedentes no estavam presentes no rol do art. 1 da Lei n. 9.613/98) atuao da Polcia Judiciria e do Ministrio Pblico.Desse modo, na guarida da terceira gerao de concepo extensiva, a Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012, alterou a Lei anterior, com vistas a coibir a prtica de lavagem de capitais, por meio da ampliao da atuao dos rgos incumbidos no combate criminalidade organizada e lavagem de capitais. O atual[footnoteRef:18] diploma legal tambm trouxe a revogao do rol taxativo dos crimes antecedentes, para substitu-lo pela expresso infrao penal[footnoteRef:19], alm de ter ampliado o poder investigativo da polcia judiciria e determinado outros mecanismos de controle legal sobre as atividades financeiras. [18: Adotar-se h o termo atual ou nova para a Lei n. 12.683/2012 e antiga para a Lei n. 9.613/98.] [19: A Lei de Introduo ao Cdigo Penal diz, em seu art. 1, que crime a infrao penal que a lei comina pena de recluso ou de deteno, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa e contraveno, a infrao penal a que a lei comina, isoladamente, penas de priso simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Assim, infrao penal todo crime e contraveno penal, logo a conduta que afronte a norma tipificada em legislao penal, seja o Cdigo Penal Brasileiro ou a Lei de Contravenes penais, bem como quaisquer delitos tipificados na vasta legislao penal extravagante.]

Assim, dentre as inmeras alteraes trazidas pela Lei n. 12.683/2012, por este trabalho visar seno apenas a uma anlise da dogmtica penal do crime de lavagem de dinheiro, importa analisar, criticamente, as seguintes alteraes na antiga Lei e suas respectivas consequncias: (a) a extino do rol dos crimes antecedentes lavagem; (b) a supresso da expresso que sabe do art. 1, 2, I; (c) a criao de uma modalidade especial de quadrilha, no art. 1, 2, II; (d) a previso de causa especial de aumento da pena do art. 1, 4; (e) a incluso implcita, no art. 9, XIV, do advogado, do cliente supostamente delituoso, na ampliao do rol das pessoas sujeitas s obrigaes da poltica de preveno lavagem de capitais.No obstante, antes mesmo de se analisar as modificaes acima referidas, a fundo na monografia e superficialmente neste projeto, far-se- imprescindvel, no trabalho monogrfico, discorrer acerca da teoria do bem jurdico tutelado pela lavagem de dinheiro, ante a imensa divergncia doutrinria. que, como pontua Luiz Rgis Prado, [...] sem dvida alguma, uma das questes mais tortuosas da matria veiculada exatamente a do bem jurdico protegido. Inmeras so as posturas doutrinarias a respeito, sendo prevalentes as que o consideram como sendo a Administrao da Justia e a ordem socioeconmica [footnoteRef:20]. [20: PRADO, L.R., op. cit., p.374.]

Portanto, resta discorrer, brevemente, sobre as crticas dogmtico-penais presentes nos seguintes pontos:(a) a extino do rol dos crimes antecedentes lavagemA nova lei trouxe uma ampliao desmedida ao abolir o rol taxativo dos crimes antecedentes, pois antes apenas bens provenientes de determinados crimes graves (como o trfico de drogas e o contrabando de armas) eram passveis de lavagem. Contudo, agora, a lavagem de qualquer produto de qualquer delito ou contraveno penal por menos ofensiva que seja configurar a figura tpica da lavagem de capitais.Reside a primeira crtica nesse exagerado expansionismo penal, uma vez que o apenamento da lavagem de capitais, muitas vezes, ser superior quele cominado para o delito antecedente. Como aponta Pierpaolo Bottini: ainda que bem intencionada, a norma desproporcional, pois punir com a mesma pena mnima de 3 anos o traficante de drogas que dissimula seu capital ilcito e o organizador de rifa ou bingo em quermesse que oculta seus rendimentos [footnoteRef:21]. Desse modo, revela-se a desproporcionalidade na penalizao da lei, pois, consoante Rodolfo Tigre Maia, no h como se justificar uma apenao completamente desproporcional quela que cominada para determinados crimes antecedentes [footnoteRef:22]. [21: BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Sobre a nova Lei de Lavagem de dinheiro. O Estado de S. Paulo, 27.06.2012, Seo B2.] [22: MAIA, C.R.T., op. cit., p.33.]

Nesse diapaso, a posio de Rodrigo Snchez Rios[footnoteRef:23]: [23: RIOS, Rodrigo Snchez. Alteraes na lei de lavagem de dinheiro: breves apontamentos crticos. Boletim IBCCRIM, ano 20, n. 237 agosto/2012, p.3.]

Uma singela reflexo revela, de fato, o quadro inquietante que se descortina diante da vigncia das alteraes empreendidas no diploma legal em comento. Repercusso imediata dever ser a constatao da perda da linha reitora que sempre primou por envidar esforos de preveno e persecuo dirigidos aos delitos mais graves. Significa dizer: no que concerne aos recursos disponveis ao combate da lavagem, a premissa passar formalmente a nivelar o produto do crime de trfico de entorpecentes mera irregularidade tributria passvel de regularizao na esfera administrativa com efeitos extintivos de punibilidade.(b) a supresso da expresso que sabe do art. 1, 2, IA nova previso normativa[footnoteRef:24] do inciso I do 2. do art. 1. suprimiu da redao antiga[footnoteRef:25] a expresso que sabe, no sentido, para alguns, de remover a cincia da provenincia ilcita, para consagrar a modalidade do dolo eventual como elemento subjetivo do tipo. [24: Art. 1 Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infrao penal.[...] 2 Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econmica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infrao penal;] [25: Art. 1 [...] 2 Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econmica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;]

Nas palavras de Rodrigo Snchez Rios:Desse modo, incidir na figura tpica quem utilizar na atividade econmica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe ou deveria saber serem provenientes de infrao penal. No obstante esta inovao possa ser auspiciada por alguns estudiosos da matria, quer nos parecer que as dificuldades de distino entre condutas especialmente aptas e condutas neutras continuaro existindo, sobretudo quando, numa perspectiva social, seja necessrio esclarecer se um sujeito realizou o juzo de atribuio em que se fundamenta o dolo do resultado, ou se, diversamente, se possa conferir verossimilhana a sua alegao de no haver realizado dito juzo. [footnoteRef:26] [26: RIOS, R.S., op. cit., p.4.]

Nesse nterim, segundo Badar e Bottini[footnoteRef:27], o dispositivo em tela, com a supresso do dolo direto, indica a inteno do legislador em admitir a forma do dolo eventual, apesar de no ser a melhor tcnica legislativa a ter se adotado. Isto , para tanto, deveria ter se usado na lei uma expresso clara que exigisse o conhecimento de uma situao (a origem ilcita dos capitais) como condio prvia admisso do dolo eventual. Porm, para os professores, a restrio ao dolo direito, que existe no caput, no existe para o referente pargrafo segundo. [27: BADAR, G.H; BOTTINI, P.C., op. cit., p.36.]

Se admitida a existncia do dolo eventual, restar-se- acolhida a aplicao da Teoria da Cegueira Deliberada ou das Instrues do Avestruz[footnoteRef:28]. Essa doutrina presume atuar dolosamente aquele que preenche o tipo objetivo ao ignorar as peculiaridades do caso concreto e ter se colocado voluntariamente em posio de alienao diante de situaes suspeitas, sem perquirir a fundo o conhecimento das circunstncias objetivas. Dessa forma, a referida teoria imputa o crime em razo da assuno de um risco, nos moldes da Teoria da Responsabilidade Objetiva de Claus Roxin[footnoteRef:29]. [28: DA SILVA, Marcelo Rodrigues. Lavagem de Capitais e alteraes decorrentes da Lei 12.683/2012. Disponvel em: http://atualidadesdodireito.com.br/marcelorodrigues/2013/03/20/lavagem-de-capitais-e-alteracoes-decorrentes-da-lei-12-6832012. Acesso em 14/07/2013.] [29: ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte general. Tomo I. Fundamentos. La estructura de La teoria Del delito. (trad. Diego Manuel Luzon Pena). 2 ed. Madrid: Civitas, 1997.]

Entretanto, a posio do professor Celso Sanchez Vilardi afirma apenas existir o dolo direito:Ao excluir a expresso que sabe o legislador, ao que parece, pretendeu tornar criminosa qualquer utilizao de bem, direito ou valor na atividade econmica ou financeira. Ao que parece, tentou endurecer tambm essa conduta. A tentativa, se que foi essa, parece-me incua. A cincia, pelo agente, da infrao penal anterior e a vontade de utilizar o bem, direito ou valor, com aparncia de licitude, na atividade econmica ou financeira permanecem inalteradas. [...] O fato de o agente utilizar bem, direito ou valor, ainda que tenha condies de intuir que a origem criminosa, no se enquadra na hiptese de lavagem de dinheiro, por dolo eventual [footnoteRef:30] [30: VILARDI, Celso Sanchez. A cincia da infrao anterior e a utilizao do objeto da lavagem. Boletim IBCCRIM, ano 20, n. 237 agosto/2012, p.17.]

(c) a criao de uma modalidade especial de quadrilha, no art. 1, 2, IINas palavras do professor Marcelo Rodrigues da Silva:No inciso II, h uma modalidade especial de quadrilha, porque h necessidade de concurso e dolo direto. Este delito autnomo em relao lavagem, cabendo concurso material entre as condutas para aquele que faz parte do grupo de forma estvel e que tambm executa as condutas de lavagem anteriormente descritas. [footnoteRef:31] [31: DA SILVA, M.R., op. cit..]

Assim, restar dirimir a dvida sobre qual crime se dever aplicar: se o previsto no diploma referido ou o tipo do Cdigo Penal (art. 288).(d) a previso de causa especial de aumento da pena do art. 1, 4Debater-se- a aplicao da causa do presente artigo frente ao instituto do crime continuado (art. 71 do Cdigo Penal), alm de se perquirir as implicaes da insero do termo organizao criminosa no referido pargrafo.(e) a incluso implcita, no art. 9, XIV, do advogado de cliente supostamente delituoso na ampliao do rol das pessoas sujeitas s obrigaes da poltica de preveno lavagem de capitais.Diante da incluso dos advogados no referido rol, restam grandes preocupaes a serem discutidas, como ressaltam Heloisa Estellita e Pierpaolo Bottini:A preocupao deriva, evidentemente, da estreita relao (ou frico?) entre os novos deveres e o dever de sigilo profissional, imposto pelo Estatuto da OAB. Ser lcito exigir que o advogado comunique aos rgos de fiscalizao a prtica de atos suspeitos de lavagem de dinheiro por seu cliente? Ser que tal imposio no viola a relao legalmente imposta de confidencialidade entre o profissional e seu cliente? Mais: ser que no se afeta com tal determinao a faculdade do ru de no produzir prova contra si mesmo? Afinal, a obrigao de delao por parte do profissional de confiana do cliente no deixa de ser uma obteno indireta de informao autoincriminadora. [footnoteRef:32] [32: ESTELLITA, Heloisa; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Alteraes na legislao de combate lavagem: primeiras impresses. Boletim IBCCRIM, ano 20, n. 237 agosto/2012, p.2.]

2. ObjetivoO trabalho monogrfico tem como escopo a anlise crtica, por meio da dogmtica penal, do delito de lavagem de capitais e, principalmente, das alteraes (e suas implicaes) trazidas pela Lei n. 12.683/2012 Lei n. 9.613/98.Pretende-se tambm analisar o(s) bem(ns) jurdico(s) tutelado(s) pelo crime de lavagem de dinheiro e os seus tipos objetivos, equiparados e derivados. Sobressair-se-, ademais, dentre as inmeras modificaes trazidas pela Lei nova, a anlise crtica das seguintes alteraes e suas respectivas consequncias: (a) a extino do rol dos crimes antecedentes lavagem; (b) a supresso da expresso que sabe do art. 1, 2, I; (c) a criao de uma modalidade especial de quadrilha, no art. 1, 2, II; (d) a previso de causa especial de aumento da pena do art. 1, 4; (e) a incluso implcita, no art. 9, XIV, do advogado, do cliente supostamente delituoso, na ampliao do rol das pessoas sujeitas s obrigaes da poltica de preveno lavagem de capitais.Desse modo, como previamente demonstrado, perquirir-se- importantes dvidas sobre como se aplicar institutos do Direito Penal (como a questo dolo direito x dolo eventual e a questo da Teoria da Responsabilidade Objetiva mesclada com a Teoria da Cegueira Deliberada) ao delito de lavagem de dinheiro, ante as alteraes sofridas pela legislao ptria.

3. JustificativaJustifica-se o presente trabalho ante a tendncia do expansionismo penal, na qual se enquadra a nova lei, pois, com o escopo de combater a grande criminalidade, acabou por criar regras e dispositivos que exageram em sua amplitude punitiva. Alm disso, o atual dispositivo no s afeta com significativas penas atividades sem maior gravidade, como tambm passa para o setor privado a poltica de preveno lavagem, o que turba o normal exerccio de determinadas atividades. Busca-se, tambm, demonstrar como equilibrar os exageros da reforma, por meio da aplicao cautelosa dos institutos do Direito Penal ao delito em anlise, com foco na percepo da melhor dogmtica penal e de que o combate lavagem de dinheiro visa a coibir o grande crime organizado.Nesse sentido, nota-se que a banalizao e o desvio de foco, presentes na atual legislao, podem comprometer todos os avanos alcanados, pois o sistema brasileiro, agora, tem por objetivo punir qualquer lavagem de bem, direito ou valor provindo de qualquer infrao penal. Uma lei desse tipo, sem rol taxativo de crimes antecedentes, pode ser considerada moderna ou de ltima gerao em alguns pases da Europa, mas, no Brasil, representa, no contexto penal e processual penal do pas, um retrocesso. Conforme assevera Celso Sanchez Vilardi, [...] nosso Judicirio no est preparado para o nmero de processos novos; as polcias estaduais ainda no sabem investigar o crime de lavagem; e muitos operadores do Direito ainda confundem a ocultao da lavagem com o exaurimento do crime anterior [...] [footnoteRef:33]. [33: VILARDI, C. S., op. cit., p.17.]

4. MetodologiaA anlise das modificaes trazidas pela Lei n. 12.683/2012, para o enfrentamento do problema da lavagem de dinheiro no pas, ser realizada com base levantamento de informaes atravs de pesquisas bibliogrficas, fontes envolvidas em livros, artigos e revistas, a fim de ensejar um devido embasamento do tema em anlise. Isto , constituir-se- um arcabouo terico slido, o que necessrio para o estudo da dogmtica penal do crime de lavagem de capitais (Lei n. 9.613/98). Nesse nterim, a pesquisa foca em delinear como os aplicadores do Direito podem resolver as problemticas trazidas pelas alteraes, de modo hbil a garantir a efetivao do Direito Penal, com respeito aos seus princpios basilares e s garantias dos indivduos, ante o sistema penal repressor do Brasil.

5. RoteiroA monografia ser realizada a partir do seguinte esquema:Introduo1. A Lavagem de Dinheiro1.1. Conceito1.2. Evoluo histrica das legislaes que tipificam o processo de lavagem2. A Problemtica do Bem Jurdico Tutelado3. O Tipo da Lavagem de Capitais (Bens, Direitos ou Valores)3.1. Autonomia do delito3.2. Tipos objetivos3.3. Tipos equiparados3.4. Tipos derivados4. A Extino do Rol Taxativo de Delitos Antecedentes4.1. O excesso e a banalizao5. A problemtica do dolo direto x dolo eventual no tipo derivado de lavagem de dinheiro 5.1. A teoria da cegueira deliberada e a teoria da responsabilidade objetiva5.2. Dolo direto x dolo eventual5.3. Tipo doloso ou culposo?6. Uma modalidade especial de quadrilha7. Causa especial de aumento da pena 7.1. Art. 1, 4 x art. 71 do CP7.2. Organizao criminosa8. A problemtica da incluso do advogado no rol das pessoas sujeitas s obrigaes da poltica de preveno lavagem de capitaisConclusoReferncias bibliogrficas6. Cronograma1 e 2 meses Levantamento bibliogrfico e jurisprudencial3 ao 5 ms Seleo e leitura dos textos6 ms Redao inicial7 ao 11 ms Ajustes e orientaes finais12 ms Redao final e entrega da monografia

7. RefernciasBADAR, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.BALTAZAR JUNIOR, Jos Paulo.Crimes Federais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. BATISTA, Nilo. Introduo Crtica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007.BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 14 edio. So Paulo: Saraiva, 2009.BRANDO, Cludio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008. (coord). CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra coord. ADEODATO, Joo Maurcio Leito coord. Princpio da legalidade: da dogmtica jurdica teoria do direito. 1 Ed. Rio de Janeiro: GEN, Forense, 2009.BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Sobre a nova Lei de Lavagem de dinheiro. O Estado de S. Paulo, 27.06.2012, Seo B2.BRUNO, Anbal. Direito Penal: Parte geral. Tomo I. Introduo, norma penal, fato punvel. 3 ed. Rio de Janeiro. Forense. 1978. . Direito Penal: parte geral. Tomo II. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense. 1967.CARNELUTTI, Francesco. Teora general del delito. Madrid: Reus. 2008.CERVINI, Ral; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flvio.Lei de Lavagem de Capitais.So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.CINCIAS CRIMINAIS NO SCULO XXI: estudos em homenagem aos 180 anos da Faculdade de Direito do Recife / coordenadores: Ivan Luiz da Silva, Teodomiro Noronha Cardozo, Gamil Fppel; apresentao Ricardo de Brito A.P. Freitas, Cludio Brando.CONDE, Francisco Muoz; ARN, Mercedes Garca. Derecho Penal parte general. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998.

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