Projetil 63

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Jornal Laboratorio do Curso de Jornalismo da UFMS

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2Editorial

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federalde Mato Grosso do Sul – Produzido pelos acadêmicos do 3º ano de Jornalismo, sob orientaçãodos professores José Márcio Licerre (Planejamento Gráfico II), Mário Luis Fernandes (Edição)e Mario Marques Ramires (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II). Jornalistas responsá-veis: Mário Luis Fernandes (DRT-PR 2513) e Mario Marques Ramires (DRT-SP 12602)

Produção: Alessandra Frazão, Aline Maziero, Andriolli Costa, Bruna Morales, CatarineSturza, Elton Gabriel, Fernanda Kintschner, Jeozadaque Garcia, Izabel Arruda, Laryssa Cae-tano, Lucas Marinho, Mariana Lopes, Maurem Fronza e P. Jesus.

Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Jornalismo (DJO/ CCHS) – Cidade Universitária s/nº - CEP 79070-900 – Campo Grande – MS. Fone (67)3345-7600 – E-mail: projé[email protected]. Tiragem: 5.000 exemplares. Impresso na CentroImagem (Contrato ....) Distribuição Grátuita

As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS

ou de seus dirigentes, nem da totalidade da turma.

Nossos leitores podem estar seguros de que este jornal continuará saindo regular-mente, proporcionando boa informação à comunidade e rica experimentaçãolaboratorial aos alunos do curso de Jornalismo da UFMS, apesar da recente decisãodo Supremo Tribunal Federal que acabou com a exigência do diploma universitáriopara o exercício da profissão de jornalista no Brasil.

Claro que muita coisa deve mudar a partir de agora. E não estamos com isso nosreferindo à possibilidade de mudar o formato, nome ou proposta editorial deste jornalque, por seu caráter laboratorial, sempre esteve aberto a mudanças e experimenta-ções. Tampouco falamos de mudar, porque não mudaremos, esse caráter prioritárioque sempre procuramos assegurar em nossas pautasaos temas diretamente ligados a nossas particularidadesregionais.

Nesta edição isso fica evidente em várias matérias,como a que indaga sobre as perspectivas das monoculturasque dominam as paisagens desta região diante da emer-gência inegável do aquecimento global. Ou a que questio-na a intrigante dificuldade da prefeitura de Campo Grandeem efetivar um sistema de reciclagem do lixo, medida deinteresse coletivo já bastante avançada em outras capitais.Ou a que investiga quem sofre mais entre os sul-mato-grossenses nas filas de espera para transplantes. Ou a quedirige sua curiosidade para o esforço de ambientação cultural dos universitários africanosque vêm estudar na UFMS. Ou ainda a matéria que acompanha os esforços encabeça-dos por um promotor público local para restabelecer o sentido de autoridade nas escolasdo estado a fim de combater a violência e a evasão escolar.

A propósito, também não faltam nesta ediçao aquelas matérias em que o repórteracaba revelando verdadeiro comprometimento com as nobres causas defendidas porsuas fontes de informação. Como, por exemplo, a que mostra as dificuldades financei-ras da casa de auxílio às crianças infectadas pelo vírus da AIDS, ameaçada de fechar.Ou a que se encanta com a solidariedade dos jovens norte-americanos que durante asférias vêm prestar auxílio médico às crianças pobres de Corumbá. Ou a que abre aoleitor as portas da associação dos anônimos ex-viciados na jogatina, preocupadoscom a possibilidade de que a legalização dos bingos seja apenas mais um passo paraa legalização dos cassinos no Brasil. Ou ainda a matéria que mostra os riscos à comu-nidade que representam os trotes e alarmes falsos nos telefones de emergência.

Não falta também nesta edição esse tipo de matéria, quase sempre presente noProjétil, que parece movida sobretudo por um gosto especial pela polêmica. É o caso dareportagem sobre as mobilizações contra e a favor de uma possível mudança do nome doEstado. Nossa repórter tem sua opinião mas não deixa de ouvir com atenção os doislados da questão, revelando-nos assim um complexo entrevero de razões objetivas echiliques identitários que seria cômico se não fosse um caso sério.

Atenção ao outro lado que infelizmente não pudemos encontrar na cobertura dagrande imprensa à decisão do STF sobre o diploma de jornalista. Neste caso o outrolado, ou seja, os jornalistas, entidades e cidadãos contrários à decisão do STF, foram

completamente ignorados ou evitados, numa prova evidente de que quando a notíciaafeta os interesses dos grandes empresários da comunicação, os critérios de objetivi-dade, isenção e imparcialidade vão pros quiabos.

Ao falar claramente em “desregulamentação” da profissão, os juízes que votarampela extinção da obrigatoriedade do diploma não extinguem a profissão de jornalista,mas apostam na sua desvalorização. Atendem com sua decisão a uma demanda for-malizada pela associação patronal dos proprietários de rádio e televisão, muitos delessenadores e deputados. A partir de agora são eles, empresários e donos das conces-sões, que decidem quem é jornalista ou não, e com isso ganham também mais forçapara baixar, se quiserem, conforme seus interesses, os níveis salariais, as condições detrabalho e a qualidade dos serviços prestados à população.

Ao silêncio forçado dos opositores se junta na cobertura desse tema umapapagaiada retórica plena de sofismas e reducionismos, que mente e chantageiaapontando uma suposta ameaça à liberdade de expressão e enumera países que não

exigem o diploma, sem esclarecer se a qualidade da im-prensa e o respeito ao jornalista é maior nesses países doque aqui e que relações objetivas e comprováveis issopode ter com a exigência ou não do diploma para o exercí-cio da profissão.

Completam esse cerco ideológico de inegável cará-ter “neoliberal”, maliciosas ironias que comparam jornalis-tas com cozinheiros, escritores e artistas, como se tambémo jornalismo pudesse basear-se tão somente na inspira-ção, gosto e subjetividade de quem o pratica, sem necessi-dade de compromisso direto, público, pessoal e coletivocom a compreensão e interpretação da realidade social

ou da construção social que entendemos como real. E ao apoiar sua decisão noentendimento de que jornalismo não precisa de diploma porque seu exercício nãorequer o conhecimento de “verdades científicas”, os juízes do Supremo criam quemsabe a jurisprudência que faltava para a desregulamentação também de outras profis-sões como, por exemplo, a de professor. Ou de advogado e de juiz, que também nãorequerem “verdades científicas”, pois, como o jornalismo, se apóiam em preceitoséticos e filosóficos para orientar entendimentos, narrativas, julgamentos e decisões emâmbitos públicos dominados pela subjetividade das dúvidas e opiniões.

Mas o leitor não é bobo. E se muita coisa deve mudar, como dissemos no início,certamente não será a cobrança, cada vez maior, de leitores e telespectadores, por infor-mações e análises de melhor qualidade e confiabilidade nos grandes meios de comuni-cação. Como não deverá mudar também a opção de muitos aspirantes a jornalista debuscar nos cursos universitários de jornalismo a compreensão crítica e técnica necessá-ria para atender a essa pressão qualitativa da demanda no mercado.

O que deve mudar é a quantidade e a qualidade dos cursos oferecidos, bem comodos aspirantes a jornalistas dispostos a dedicar alguns anos de suas vidas para buscarna universidade um conhecimento mais amplo do jornalismo do que o que certamentepoderiam encontrar nos programas de treinamento das empresas de comunicaçãocaso viesse a ser contratado sem diploma por alguma delas. Como também devemmudar, e para melhor, tanto os esforços em torno das diretrizes curriculares e do contro-le de qualidade dos cursos de jornalismo, quanto as mobilizações sociais, institucionaise parlamentares pela democratização dos meios (e sistemas de concessões) de co-municação do Brasil.

De tal modo que, repetimos, o Projétil continuará saindo, com os mesmos propósi-tos, e cada vez melhor. Nosso Curso de Jornalismo, que está completando 20 anos devida, já tem consolidada sua importância dentro da UFMS e perante a sociedade local,formando profissionais qualificados para ocupar espaços dos mais cobiçados na impren-sa local e nacional e caminhando para a implantação, em breve, do primeiro curso demestrado em comunicação desta região.

Participe você também deste esforço assegurando sua honrosa posição de destina-tário do Projétil e de outros trabalhos jornalísticos e experimentais produzidos pelo nossocurso. Avalie nosso trabalho e envie suas críticas e sugestões à nossa redação ou direta-mente aos nossos repórteres. E vamos em frente que atrás vem gente!

Visi te nosso Blog ht tp: / / jornal ismoufms.wordpress.com

O Projétil continua

Os juízes que votarampela extinção da obrigatoriedade

do diploma não extinguema profissão de jornalista, mas

apostam na sua desvalorização.

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3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Mariana Lopes

Em um ato de amor que ultra-passa as barreiras do preconceito, asmissionárias da Associação das IrmãsFranciscanas Angelinas (Afrangel) de-dicam suas vidas ao cuidado diário decrianças portadoras do vírus da Aids-HIV. Há 13 anos, as religiosas lutampara manter a casa em funcionamen-to com o pouco que possuem. Únicode Mato Grosso do Sul, o lar atende28 pequenos de todo estado, além dedoar cestas básicas a 115 famílias comcasos de contaminação do vírus. Po-rém, a entidade corre o risco de fe-char as portas por falta de recursosfinanceiros.

As coordenadoras do Lar, irmãsMadalena Apare-cida, Eliane SouzaAmaral e Emari-anne CampanhaTeixeira, fazem umapelo à populaçãolançando a campa-nha “Adote UmaCriança”. A meta ébuscar um padri-nho para custear asdespesas da institui-ção e de um assis-tido, o que implicaem R$ 500 pormês. O trabalhovoluntário de fisio-terapeutas, assisten-tes sociais e babássão necessidadesemergenciais.

Flávia Palha-no de Figueiredo,benfeitora do pro-jeto há dois anos,ajuda com produ-tos materiais. “Pa-ra mim é gratificante ajudar aquelascrianças. Lá, a gente encontra o ver-dadeiro sentido da vida e do amorque, vindo deles, é gratuito e incon-dicional. Isso tudo é muito impor-tante e eu, sinceramente, não consi-

go imaginar acordar sem tê-los porperto”, declara.

RecursosPara ter uma vida longa e saudá-

vel, as crianças necessitam de cuidadosespeciais e de medicamentos específi-cos. A alimentação, por exemplo, é ade-quada à patologia. O cardápio deve aju-dar o portador a manter o peso, reporvitaminas e fortalecer o sistemaimunológico. A prática esportiva tam-bém ajuda nesses fatores.

Outra questão que exige atençãoé o coquetel. O portador do vírusdeve tomar duas doses diárias domedicamento. Embora o governoofereça o remédio, o problema estána dosagem. De acordo com a irmã

Emarianne, os co-quetéis vêm nadose adulta, que éforte para as crian-ças e muitas vezesé preciso mandarmanipular em do-sagem infantil, ser-viço que o gover-no não cobre.

A partir desteano, o governo re-passou o recursodo Fundo de Assis-tência Social para asprefeituras munici-pais que são res-ponsáveis pelo re-passe às entidadesbeneficentes. A ad-ministração da ca-pital repassa R$ 5mil por mês ao Lar,o suficiente apenaspara ali-mentação,material didático,produtos de higie-

ne e limpeza. Ao final de cada mês aentidade presta contas à prefeitura.

Por conta disso, a maior dificul-dade está em cobrir a folha de paga-mento dos funcionários, além das con-tas básicas como água, luz e telefone,

já que não há recursos pú-blicos para sanar tais des-pesas.

DedicaçãoO projeto teve início

em 1996 e funcionava emuma residência onde eramatendidas 12 criançasinfectadas. Com o tempo,a procura pela assistênciaaumentou e o espaço fi-cou pequeno para abrigaros necessitados. Em 2003,as irmãs apostaram nacons-trução de uma novasede para a entidade. A realização des-se sonho se tornou possível por meioda parceria firmada entre a Afrangel eos governos da Itália, Alemanha e Suí-ça, que forneceram todo material ne-cessário para levantar o prédio atual doLar das Crianças com Aids.

Atualmente, a entidade conta umaequipe de nove funcionários, entre co-zinheiras, faxineira, psicóloga, babá e al-guns voluntários, como professores eum médico. Segundo a irmã Emarianne,o Lar teve que despedir dois funcioná-rios por não ter condições de pagá-los,entre eles a assistente social que acom-panhava o tratamento das crianças. “An-tes recebíamos bastante doações emdinheiro, mas muitas pessoas cancelarama ajuda e tivemos que reduzir alguns gas-tos”, diz a missionária.

As religiosas dividem a rotina se-manal das crianças entre estudo, recre-ação e esporte. Pela manhã, os peque-nos vão à escola, depois almoçam epassam o resto do dia no lar. Na parteda tarde, as crianças têm reforço esco-lar, além de aulas de capoeira, música eartesanato. Outro momento da tarde édestinado à espiritualidade, no qual asirmãs rezam com a garotada. Pacientedo Lar há cinco anos, o pequeno C.H.,de 10, acha esse momento muito im-portante. “Eu rezo para a minha mãeparar de fumar”, conta o menino, quecresceu vendo a mãe usar drogas.

Os assistidos que moram em

Jogo de empurra-empurra ameaça fechamento do únicolar que atende crianças portadoras do HIV em MS

Um grito de ajuda

“A maioria delastem uma história

de vida muito sofrida e,quando chegam aqui,precisam de muitoscuidados e carinho”

Irmã Emarianne Campanha

Campo Grande passam o dia no Lar.A congregação é responsável porbuscá-los nos terminais de ônibus elevá-los para o abrigo. Os que moramno interior passam a semana no Lar eas sextas-feiras retornam às suas casas.Essa viagem é de responsabilidade dasprefeituras de cada cidade. “Antes elasficavam direto aqui no Lar. Até mes-mo as crianças de Campo Grande aca-bavam morando aqui conosco. Porém,acreditamos que o convívio com a fa-mília é importante para a formaçãodelas, sendo assim, mudamos o siste-ma”, diz a irmã Emarianne.

Algumas crianças são tiradas daguarda dos pais por sofrerem maustratos e, então, são encaminhadas ao Larpelo Conselho Tutelar. “A maioria de-las tem uma história de vida muito so-frida e quando chegam aqui precisamde muitos cuidados e carinho”, decla-ra a religiosa.

Em risco

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Fernanda Kintschner

mudança do nome de MatoGrosso do Sul nunca esteve tão pertode acontecer. A Assembléia Legislativade Campo Grande recebeu na terçafeira, 16 de junho, um documento daLiga Pró-Estado do Pantanal, repre-sentada pelo seu coordenador-geral,Wagner Sávio dos Santos, que ressus-cita e inclui nas pautas de discussões odebate sobre a mudança de Estado deMato Grosso do Sul (MS) para Esta-do do Pantanal (PN). O documentofoi assinado por 26 entidades que, se-gundo estimativa de Wagner, represen-tem cerca de 80% do Produto InternoBruto (PIB) do estado. Entre elas es-tão a Fiems, Famasul, Fecomercio,Sebrae, Acrissul, Atratur, Acicg, Gopan,Abav, entre outras.

O presidente da Federação dosConventions Bureau e da Associação Bra-sileira de Locadoras de Automóveis emMS (Ablasms), Marco Antônio Lemos,que assinou o documento pelas duas en-tidades, diz que “nunca viu um docu-mento tão consistente e com quase todoo PIB do estado concordando com acausa, que só trará benefícios e agregarámuito valor aos produtos daqui”.

A discussão foi intensa na Assem-bléia. O deputado Antonio CarlosArroyo (PR) defende que o debatedeve ser promovido pelo Legislativo,com audiências públicas, e que um ple-biscito seja realizado após a populaçãoser informada e sensibilizada sobre aimportância do “bom marketing” queserá feito para o estado caso troque denome. “O nome Mato Grosso do Sulnão foi discutido com a população, nosfoi imposto. Agora temos uma novaoportunidade. Cabe à Assembléia pe-dir um plebiscito a custo zero juntocom as eleições de outubro de 2010,

colocando mais uma opção para todocidadão votar”, enfatiza Arroyo.

O deputado Zé Teixeira (DEM)apresentou argumentos contrários àmudança. “Mudar o nome só vai ge-rar gastos e não vai alterar em nada aarrecadação do estado e a Assembléiatem coisas mais importantes a discu-tir”, critica. Ele se apóia em pesquisafeita por um tradicional jornal do es-tado, que aponta que se fosse realiza-do um plebiscito hoje, a populaçãonão iria aderir à mudança. Arroyocontesta que “isso é porque ainda não

proporcionaram o debate à popula-ção. E se pesquisas fossem 100%corretas não haveria necessidade deeleições”.

Contra o argumento sobre custosaltos caso haja a mudança, o empresá-rio Wagner Sávio diz que “com a erada informática, as mudanças nos pa-péis seriam bem mais rápidas e fáceis”e que “não precisa mudar tudo da noi-te para o dia. Queremos apenas o de-bate, não que se troquem todas as pau-tas da Assembléia por essa”. O depu-

tado Arroyo complementa: “Até pou-co tempo atrás eu tinha minha carteirade identidade de Mato Grosso e ela éaceita normalmente. Então podemosdeixar um longo prazo para que tudoseja mudado”.

Pelo turismoA Fundação de Turismo de Mato

Grosso do Sul (Fundtur) calcula que, em2008, passaram pelo estado 10 milhõesde passageiros. Mas, de acordo com odepartamento de estatística da Funda-ção, não há dados de quantos desses pas-

sageiros eram, de fato,turistas. Além desses,cerca de 90 mil estran-geiros também passamtodo ano por aqui ecalcula-se que 90% de-les sejam para turismo.Ainda de acordo coma Fundtur, 1 milhão dehóspedes ficam, emmédia, 2,6 dias no es-tado e gastam diaria-mente R$ 120, geran-do dividendos de R$360 milhões. WagnerSávio estima que estesnúmeros podem

triplicar com a mudança do nome, pois“além do Pantanal ser reconhecido, sernome de grife famosa e agregar um va-lor incalculável para os produtos do es-tado, a realização da Copa do Mundono Brasil já fará uma bela propagandapara a gente. Agora é a hora!”.

Os empresários do ramo do tu-rismo alegam que a mudança represen-taria um avanço inadiável para MatoGrosso do Sul, pois aumentariam osinvestimentos em hotelaria, gastronomia,ecoturismo, transportes, artesanatos,

entre outros, gerando mais emprego erenda.

Para Helinton da Costa Marques,empresário de Miranda (MS), a trocado nome “é uma obrigação do povodaqui. Sou a favor da mudança sim.Seríamos referência se chamados dePantanal porque internacionalmente,por exemplo, as pessoas ouvem falarem pantanal, mas não em Mato Gros-so do Sul. Isso elevaria o turismo a umpatamar nunca visto antes.”

Reforça este argumento o fatode que cerca de 70% dos 250 milkm² do Pantanal estão em MatoGrosso do Sul e apenas 30% noMato Grosso. Os opositores alegamque o Pantanal não está presente emtodo o estado, portanto, não se iden-tifica com todos os moradores da-qui , como enfat iza o campo-grandense acadêmico de Letras daUFMS, Yan Marcel: “E quem nas-cesse aqui seria chamado de que?Pantaneiro? Puta merda! Se a inten-ção for chamar a atenção pro Pan-tanal que está presente em nosso es-tado, que se modifique a propagan-da que é feita em torno disso. OBrasil não precisa mudar o nomepara ‘país do futebol’ e futebol temno mundo inteiro”.

Quanto à identidade sul-mato-grossense, aposta positivamente namudança o deputado corumbaensePaulo Duarte (PT): “É inegável quecom mais de 30 anos, muitas pessoasnão conseguem chamar o estado pelonome certo. Não fazem questão decolocar o ‘do Sul’. Tocantins é umnome de um rio, que não corta todo oestado deles. Pantanal não tem emtodo o estado, mas é o que mais com-bina conosco”, defende.

é sobrenome!Polêmica sobre a mudança do nome do estadoressurge com debate na Assembléia Legislativa

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Deputados recebem documento da Liga

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Opiniões que vem de fora

Para quem mora fora do estado,a mudança parece ser mais tranqüila (oualgo por aí). “É um jeito de acabar coma confusão dos dois estados vizinhosaqui de Minas, que pra muitos é comose ainda fossem um só”, diz Guilher-me Miranda, mineiro, estudante de His-tória pela Universidade Federal deUberlândia.

O mesmo argumento apresentaMiguel Pio, gerente de uma agência daCaixa Econômica Federal em São Pau-lo há sete anos: “Já abandonei a idéiade corrigir que sou de Mato Grossodo Sul e não de Mato Grosso, por-que ficou algo irritante para mim e paraquem é corrigido. E para explicar,você tem que inventar um ‘do norte’em Mato Grosso, que não existe. OBrasil mudou de nome várias vezes esó ganhou com isso. Brasil vem depau-brasil, que é riqueza. Por que nãomudar para Pantanal, que também épura riqueza?!”.

A jornalista sul-mato-grossense,Luana Schabib, que mora em SãoPaulo e escreve para a revista CarosAmigos, completa que “por mais quea gente lute por espaço na mídia, es-crevendo coisas da terra para veícu-los nacionais, sempre existe a con-fusão com os nomes dos estados. Eo pior é que quando erram, o erro étido como irrelevante. O que não é!Vendo hoje, não pela Copa, não pelabusca de uma identidade - que aliástemos sim e não é constituída só debois e vacas - mas acredito que mu-dar o nome poderia ser uma alter-nativa para uma nova mudança embusca de respeito às diferenças. Masque isso não signifique uma negaçãoda história do estado”.

Para o cuiabano Maurício Ro-drigues, “Cuiabá ganhou a Copa porconta de pressões econômicas e políti-cas, então essa polêmica em torno donome é apenas uma panfletagem paradesviar a atenção disso. Eu não me im-portaria com a mudança, mas acho quese trocar, os políticos daqui vão fazermuito barulho com essa notícia”.

Já para o advogado e tambémmato-grossense, André Queiroz, amudança do nome não é o que faráa diferença. “Eu tenho minhas dú-vidas se a mudança vai alterar tantoassim as coisas, ou fazer o estadoser lembrado pelo resto do país. Afi-nal, ninguém sabe que o Amapáexiste e não é por causa do nome.Bem, pelo menos os sul-mato-grossenses vão parar de falar que a

culpa de todas as coisas no estado éde nós, mato-grossenses”, ironizaQueiroz.

Liga que ligaO publicitário Roberto Duailibi,

de origem campo-grandense, é outrogrande entusiasta da mudança do nomepara Pantanal. Juntamente com WagnerSávio, foi um dos fundadores da LigaPró-Estado do Pantanal, em 1999, querecebeu apoio do ex-governador doestado, Zeca do PT, a partir de seu pri-meiro ano de mandato. Em 2004,Wagner Sávio assumiu a coordenaçãogeral da Liga que reúne empresários detodos os setores produtivos de MatoGrosso do Sul que, segundo Wagner,argumentam que a mudança é neces-sária, pois “primeiro, é um ‘do Sul’ quenão existe, pois ficamos no Centro-Oeste! Depois não adianta querer co-

locar ‘do norte’ em Mato Grosso. Issoé um problema nosso e não deles. Setivessem colocado, à época, teríamosum contraponto para não confundir,mas não colocaram. O nome é o úni-co patrimônio que se tem! Temos queaproveitar para mudar agora que ain-da não há nenhum município com onome Pantanal. Aliás, você já viu quenão tem nenhuma rua ou estabeleci-mento com o nome Mato Grosso doSul? Cadê o patriotismo que tanto sefala? Com Pantanal tem um monte!Não é ser oportunista, mas garantir ofuturo com postura de evolução. É sairdo anonimato!”.

Para o advogado e corretor deimóveis, Heitor Freire, “temos um so-brenome ‘do Sul’. Mato Grosso é queé o nosso nome e ainda muito forte,tanto que sempre prevalece sobre o ‘doSul’. A mudança é muito válida, desde

Já em 1999, matéria de capa do Projétil (nº 28) abordava a polêmica emtorno do nome do estado. Trazia uma interessante pesquisa, aqui

reproduzida, sobre as várias denominações que, ao longo dos séculos,identificaram a região:

1492 – Terra Mbayânica – Terras dominadas pelos índios Mbayá – Guaicuru.

1534 – Província Del Rio de la Plata – Primeiro nome dado pelos conquistadores espanhóis.

1727 – Mar de Xarayés – Primeira denominação geográfica do Pantanal.

1763 – Camapuânia – O estado já era bem delimitado entre o rio Taquari ao norte e o rio Apa ao sul.

1823 – Estado dos Andradas – Após a independência do Brasil, os irmãos José Bonifácio e Antônio

Carlos de Andrada tentaram reorganizar as províncias do império.

1849 – Departamento de Camapuan – O historiador Varnhagen propunha, em “Memorial Orgânico”, que

nossa região fosse uma das vinte e uma unidades administrativas do império.

1870 – Território do Baixo Paraguai e do Alto Paraná – Essas denominações provieram da obra “A

província”, em que o autor Tavares de Bastos dividia o território em dois.

1880 – Província de Amambahy – Nome surgido na tese “Estudo Sobre a Divisão Territorial do Brasil”, do

major Fausto de Souza.

1892 – República Transatlântica – Tentativa separatista frustrada, sugerida em manifesto pelo coronel

João da Silva Barbosa.

1894/1911 – Estado de Vacaria ou Campos da Vacaria – Os rebanhos trazidos pelos espanhóis no

séc. XVII disseminaram-se e retornaram ao estado selvagem. Com a migração gaúcha (1895), gado e

terra vão sendo apropriados, num surto de “terra prometida”.

1924 – Estado de Brasilândia – Com a revolução de 1922 e o início do Tenentismo, os revoltosos

Juarez Távora e Izidoro Dias pretenderam criar aqui uma república provisória.

1932 – Território/Estado de Rio Pardo – Nome proveniente do plano Segados Viana – Teixeira da

Silva. Nele teríamos quase a mesma configuração atual.

1932 – Estado de Maracajú – Mato Grosso adere à Revolução Paulista. O médico Vespasiano Barbosa

Martins é nomeado para o governo civil constitucionalista. Durou 82 dias, sendo sua sede instalada na

Av. Calógeras, no prédio da atual maçonaria.

1933 – Território de Maracajú – Nascido da proposta de se criar territórios federais em toda a fronteira

do Brasil.

1943 – Território de Ponta Porã – Criado por Getúlio Vargas, durou apenas 3 anos, sendo extinto em 1946.

1977 – Estado de Campo Grande – Nome constante no ante-projeto enviado ao Congresso, o qual

propunha a criação de um novo estado, e não a divisão do Mato Grosso.

1977 – Estado de Mato Grosso do Sul – O nome anterior criou polêmica no meio político. Então, em

11 de outubro o presidente Ernesto Geisel assina a Lei Complementar nº 31, criando enfim o novo

estado.

2009 – Será que muda para Estado do Pantanal?

que se faça algo com base legal. A legi-timidade é do povo!”.

A Constituição Estadual não prevêcompetência à Assembléia Legislativapara convocar um plebiscito. Mas Qual-quer deputado pode apresentar propos-ta de emenda à Constituição (PEC) paraque a Assembléia torne-se apta a solicitara realização de um plebiscito ao TribunalRegional Eleitoral. Para isso, de acordocom o artigo 66 da Carta Federal, sãonecessárias assinaturas de mínimo 1/3 dosparlamentares, ou seja, oito deputados.Até o fechamento desta edição, 13 de-putados declararam apoio ao plebiscito,sendo 11 destes a favor da mudança donome. Outros nove já se declararam con-tra a troca do nome. Os demais aindanão se posicionaram publicamente. O de-putado Arroyo entregou na quinta feira,dia 25, uma proposta de emenda à Cons-tituição para a realização do plebiscito.

De acordo com o art. 67, pará-grafo 2º, da Constituição Federal, quedispõe sobre propostas de lei de inici-ativa popular, se os deputados reuni-rem, no mínimo, 1% de assinaturas doseleitores do estado, distribuídos em nomínimo 20% dos municípios, um ple-biscito pode ser convocado diretamen-te por iniciativa popular. Para que a po-pulação chegue a um consenso sobreo assunto, todos os órgãos competen-tes, juntamente com a imprensa, devempromover o debate público para quehaja uma decisão consciente sobre amudança do nome ou não.

O prefeito Nelson Trad Filho(PMDB) disse à imprensa que apóia arealização do plebiscito, assim como ogovernador do estado, André Puccinelli(PMDB). Mas o governador afirmanão ver vantagem alguma na mudan-ça, embora acredite que “também nãodeverá trazer prejuízos”. Há ainda osque não decidiram ou não se impor-tam com a questão, como LeandroBoeira, que veio de Jardim estudar Psi-cologia e História em Campo Grande:“Pra mim tanto faz, não vai mudar nadana minha vida mesmo”.

Mas há também, e parece que cadavez mais, os que acabaram mudandode opinião, como o deputado DiogoTita (PMDB): “Na época que eu fuiprefeito de Paranaíba, eu era contra.Mas agora, com a experiência e ama-durecimento, aprendi que a mudança éessencial. Temos que ter a coragem deousar, ouvir e mudar. Somos um apên-dice de Mato Grosso. Temos que mu-dar isso”.

Uma pauta que vem de longe

[email protected]çam suas apostas!

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Em MS, não faltam doadores.Faltam pessoas qualificadas para a realização

do transplanteAlessandra FrazãoAline Maziero

Recentemente, a informação deque os órgãos de uma mulher de 43anos ajudaram a salvar a vida de seispessoas e, dias depois, a notícia deatrope-lamento e morte do meninoGui-lherme e a impossibilidade de do-ação de seus órgãos mesmo comautori-zação da família, fizeram comque buscássemos nos informar a res-peito da situação de doação de órgãose transplantes em Mato Grosso do Sul.

A Central de Transplantes de MatoGrosso do Sul – (CET – MS), coor-denada por Claire Carmen Miozzo, éa responsável pela notifi-cação de to-dos os transplantes rea´-lizados no es-tado. Mato Grosso do Sul tem estru-tura, segundo Claire, para realizar trans-plantes de córneas, rim, coração e os-sos.

O ortopedista Eduardo Seiji Ni-shi esclarece que o transplante de os-

sos pode ser realizado de três manei-ras distintas: por enxerto, ou transplan-te autólogo, quando o osso do pró-prio paciente pode ser introduzido emsubstituição a um osso danificado; otransplante heterólogo, quando o paci-ente recebe o osso de um doador ca-dáver; e o transplante homólogo, noqual ossos de outros animais são usa-dos em substituição aos ossos huma-nos.

O médico ressalta que “CampoGrande ainda não tem banco de os-sos. Em caso de a cirurgia precisar degrande quantidade, nós temos que pe-dir para o Banco de Ossos de Curitiba,com quem temos cooperação”.

Para a coordenadora da Central,a maior dificuldade para a realizaçãode transplantes no estado, não é a quan-tidade de doadores, mas a falta de co-municação imediata da morteencefálica, ou a incompatibilidade en-tre doador e receptor.

Em 2008, a Central contabilizou

173 transplantes de córnea e 49 de rim.Até o fim de maio deste ano registra-vam-se 67 transplantes de córneas, 14de rim e um de ossos. Atualmente, são444 pessoas na lista de espera por umórgão no estado.

Claire enfatiza que para a pessoaser doadora de órgãos, pela legisla-ção em vigor desde 2000, não temmais validade a inscrição na CarteiraNacional de Habilitação (CNH), nemqualquer outro documento escrito. So-mente a família pode intervir na doa-ção ou não dos órgãos. Por isso éimportante que a doador avise a fa-mília de seu desejo, para tornar me-nos complicada a tarefa da equipe deentrevista familiar.

De acordo com os dados da Cen-tral de Transplantes, o transplante rea-lizado com maisfreqüência no es-tado é o de cór-neas, devido prin-cipalmente à exis-tência do Bancode Olhos Estadu-al. Por outro lado,não se faz trans-plantes de co-ração em MS háquatro anos.

Para a en-fermeira AdrianaBottaro, coordenadora da Comissão deTransplantes e responsável pelo Bancode Olhos da Santa Casa de CampoGrande, no estado se realizam maistransplantes de córneas pois o risco derejeição é menor do que o apresenta-do por outros órgãos. Ela destaca quena Santa Casa, que em 2001 foi refe-rência nacional de transplantes por mi-lhão de habitantes, esse tipo de cirurgianão a-contece desde fevereiro, princi-palmente em razão do cancelamento

de todas as cirurgias eletivas do hospi-tal, há aproxima-damente quatro me-ses. Devido a esses problemas, os trans-plantes de córneas vêm sendo realiza-dos desde maio apenas no Hospital SãoJulião.

Essa dificuldade não é a única queafeta a capacidade de captação de ór-gãos em MS. De acordo com Adriana,há 12 pessoas na fila de espera por umtransplante de coração, mas estes nãose realizam mais na cidade por falta depreparo e organização da equipe res-ponsável pela captação de órgãos e re-alização do transplante e também pelaausência de médicos responsáveis pelopós-operatório. Essas pessoas, mesmosem pers-pectiva, podem se deslocarpara a fila de transplantes de outroestado, apenas em casos de extrema ne-

cessidade.A d r i a n a

explica tam-bém a funçãoda Comissãode Trans-plan-tes: “é necessá-ria a morteencefálica dopaciente, quepassa a sermantido vivopor respirado-res. No caso

dos tecidos, como os ossos, a morteen-cefálica não pode existir, podendoapenas haver parada cardio-respirató-ria”.Então, a comissão procede aidentificação do possível doador, de-pois notifica a família do caráterirreversível da morte neurológica, umatriagem para verificação de possíveisimpedimentos da doação, e por últi-mo a decisão de doar ou não os ór-gãos fica a cargo de seus familiares.

O rim é o órgão mais esperado

Decisão que

Há 12 pessoasna fila de espera por um

transplante decoração,mas há quatro

anos este tipo detransplante não acontece

em MS

Doação

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7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

na fila estadual de transplantes. Dasmais de 400 pessoas que cadastradas,em torno de 300 precisam de um novorim. Maura Jorge da Silva, 52 anos, tam-bém esperou. Há 13 anos, ela precisoude um transplante.

Ela conta que teve uma forte in-fecção urinária, mas sem saber quepoderia adquirir os medicamentos noposto de saúde, não se tratou confor-me prescrição médica.

Com o passar do tempo, Maurafoi sentindo cada vez mais falta de ar,inchaço nos pés e dificuldade de cami-nhar, além de um corte abrupto damenstruação. Como também tinhapressão alta, consultou o cardiologistae este lhe informou que “o seu cora-ção está inchado e seus rins estão po-dres”.

Após tratamento para desinchar ocoração, Maura foi encaminhada parauma nefrologista, com o objetivo derealizar o tratamento da infecçãourinária. A médica recomendou-lhe trêssessões semanais na “máquina” dehemodiálise que duravam quatro ho-ras por dia.

Ela diz que, naquela época, tevede se aposentar como auxiliar de ser-viços gerais pois “tinha dia que eu nãoconseguia andar”.

Além da doação de órgãos sóli-dos, também pode-se doar, em vida,tecidos. Em Campo Grande, é possí-vel fazer o cadastro de doador demedula óssea desde 2001 Até essa data,o cadastro de doadores só era possí-vel no Rio de Janeiro. O serviço estádisponível em quatro locais da capital:Hospital Universitário, Santa Casa,Hospital Regional e Hemosul. Algu-mas cidades do interior também fazema coleta de sangue como Dourados,Três Lagoas, Paranaíba e Ponta Porã.

No estadosão mais de 50 mildoadores cadastra-dos. Desde o iníciodo funcionamentodo banco de da-dos já ocorreramcinco transplantescom doadores deMato Grosso doSul. Podem ser do-adores de medulaóssea pessoas de 18a 55 anos, que nãotiveram hepatitedos tipos B ou C eque não se subme-teram a tratamen-to qui-mioterápico.

A respon-sável pelo setor demedula óssea doHemosul, LucéiaMaria Fernandes,explica oprocedimen-to: “Para fazer o cadas-tro co-mo doador de medula óssea,retira-se uma pe-quena quantidade desangue, que é levada para análise emum labora-tório de genética da cidade.Em seguida, seus dados ficam dispo-níveis no Redome (Registro Nacionalde Doadores de Medula Óssea).” To-dos os dias estes dados são atualizadose, em caso de confirmação de compa-tibilidade, o doador se desloca ao lo-cal onde se realizará o transplante, comas despesas pagas pelo SUS.

O preconceito e a falta de infor-mação, segundo Lucéia, têm sido osprincipais obstáculos para aumentar o

número de doadores “As pessoasacham que doar medula óssea seja re-tirar uma parte da medula espinhal. Amedula óssea é composta de células queproduzem o sangue e geralmente éretirada do osso da região sacro-ilíaca(bacia)”.

Existem duas formas de doaçãoda medula óssea: uma por meio depunção, realizada em hospital comanestesia e na qual é tirado 10% do san-gue total da pessoa, calculado a partirda medidas de peso e autora. A segun-

da maneira é aingestão de medi-camento que faz ascélulas da medulamigrarem para acorrente sanguínea esão retiradas comseringa, como umadoa-ção de sangueconvencional. Nãohá possibili-dadede rejeição paratransplante de me-dula óssea, pois estesó é rea-lizado emcaso de 100% decompa-tibilidade.

ConformeLucéia, antes dotransplante é pre-ciso destruir as cé-lulas da medula ós-sea doente, pormeio de sessões dequimioterapia para

depois im-plantar as cé-lulas saudáveis.Magda Matos, 32 a-nos, é uma

dentre milhares de brasileiros que sebenefi-ciam de trans-plante de medulaóssea todos os anos. Em abril de 2002Magda sentiu fortes dores abdominaise foi internada com suspeita de cólicade rim, em um hospital do interior doestado, onde residia. Como não se con-firmaram as primeiras suspeitas, ela fezvários exames, entre eles umhemograma simples, que detectou pre-sença de leucócitos – células respon-sáveis pela defesa do organismo – emquantidade muito acima da esperada.Ela foi encaminhada para um

hematologista em Campo Grande, quedescartou a possibilidade de qualquerproblema, e não se preocupou emfazer exames mais complexos. MasMagda havia ficado alarmada e como auxílio de familiares se dirigiu aoHospital do Câncer de Barretos, in-terior de São Paulo, onde, por meiode um simples hemograma, consta-tou que estava com leucemia, diag-nóstico que recebeu em fins de no-vembro daquele ano.

Magda foi então encaminhadaao hospital das clinicas da USP de Ri-beirão Preto (SP), onde os médicosreafirmaram que ela tinha leucemiaem fase inicial e que só o transplantepoderia ser a solução. Como a com-patibilidade para transplantes de me-dula tem de ser de 100%, primeirorecorre-se aos familiares mais próxi-mos, irmãos, pais, e depois aos ban-cos de medula. Ela tem um único ir-mão e três primos irmãos.

No mês seguinte retornou aBarretos, onde havia iniciado oacom-panhamento médico e recebeua notícia do médico, quase choran-do: “Menina, eu acabei de dar a no-tícia para um rapaz que tinha dez ir-mãos, que nenhum deles era compa-tível. Você tem um único irmão, e eleé 100% compatível com você. Vocêganhou na loteria acumulada”.

Após receber essa notícia, Mag-da iniciou a preparação para o trans-plante. Os médicos a con-sideravamcom muita sorte, pois apenas 17% desua medula estava doente. Ela relataque teve de passar por uma semanade quimioterapia, para matar as cé-lulas doentes, e neste período tinhade ingerir cerca de 130 comprimidosdiariamente.

Depois do transplante, Mag-dateve de tomar remédios imunossu-pressores para impedir qualquer es-pécie de rejeição, e ainda assim, teverejeição de pele, mas não grave o bas-tante para que tivesse de continuar atomar os remédios.

Hoje, seis anos após o trans-plante, Magda, que já trabalhava naárea de saúde, faz faculdade de en-fermagem e trabalha no Centro deTerapia Inten-siva de um hospital dacapital. Leva uma vida normal, semnenhum tipo de restrição e diz quenão se lembra que é transplantada,exceto quando tem de falar sobre oassunto.

[email protected]@hotmail.com

Doação e transplantede medula óssea

Magda ganhou naloteria. Ela descobriu

a doença no inícioe recebeu a medulasaudável do irmão

Essa rotina se repetiu por trêsanos, pois Maura não tinha alguémcompatível na família, modo mais fá-cil de se conseguir um transplante derim, com o doador vivo. Ela levouum ano entre o início do tratamentocom hemodiálise até sua decisão deentrar na fila de transplantes. Só depoisde cinco tentativas frustradas de testede compatibilidade, um dia foi avisa-da pelos companheiros de RE-CROMASUL (Associação dos RenaisCrônicos de Mato Grosso do Sul), queiria receber seu novo rim, de um doa-dor cadáver.

Após o transplante, Maura tevede fazer mais sete sessões dehemodiálise, pois o órgão estava so-frendo rejeição de seu organismo, cau-sada possi-velmente por outra infec-ção urinária, dificuldade que algumasvezes por ano ainda a mantêm inter-nada. Ela faz exames a cada seis me-ses, toma sete comprimidos diáriosrelacionados ao transplante, e para evi-tar quaisquer problemas de saúde devetomar imunos-supressor pelo resto davida. “Embora tenha conseguido mi-nha aposentadoria, não consigo ficarparada. Algumas vezes eu não agüen-to o esforço que faço, mas preciso fa-zer”, finaliza.

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8Impasse

Catarine SturzaElton Gabriel

Bitucas de cigarro, chicletes, restos dealimento, latas de refrigerante e cerveja oumateriais plásticos. Diante de tudo o quedescartamos sem muita preocupação, emqualquer lugar e todos os dias, é impressio-nante que nosso planeta não se torne umlixão a céu aberto. A produção de lixo éprópria da existência humana e suadestinação final é motivo de preocupaçãodesde os tempos mais remotos, principal-mente com o crescimento das cidades.

Dados da Secretaria Municipal deMeio Ambiente e Desenvolvimento Urba-no (Semadur) revela que, neste ano, Cam-po Grande tem gerado uma média de 670toneladas de lixo por dia, ou 925 gramaspor habitante. Este montante representa,mais ou menos, 20.100 toneladas de resí-duos sólidos por mês. Se comparada a ci-dades com população próxima de Cam-po Grande, a média é parecida.

No último 5 de junho, Dia Mundialdo Meio Ambiente, completou-se três anosda assinatura de convênios pelo prefeitoNelson Trad Filho, para o reaproveitamentodo lixo gerado em Campo Grande. Osconvênios resultaram na implantação doPrograma Reciclar de Coleta Seletiva emagosto de 2006. Mas alguém sabe, ou aindase lembra, do programa?

Programa ReciclarEm 26 de agosto de 2006, durante o

desfile cívico em homenagem aos 107 anosde Campo Grande, Nelsinho Trad anun-ciou a primeira iniciativa oficial para a coletaseletiva do lixo na capital, em parceria comos supermercados locais. A idéia era queestes estabelecimentos disponibilizassem aosclientes, junto com as compras, sacolas nascores branca e laranja, para que posterior-mente fossem utilizadas no acondiciona-mento de resíduos sólidos. Nas sacolas bran-cas deveria ser depositado o lixo orgânico,e nas sacolas laranja, os materiais recicláveis.Para facilitar a separação, as sacolas laranja

traziam no verso uma ta-bela com a relação de ma-teriais que deveriam ser co-locados em seu interior.

O Programa Reciclarde Coleta Seletiva foi o des-dobramento de um pro-jeto-piloto realizado nobairro Vilas Boas em no-vembro de 2005. Pormeio de uma parceria en-tre a antiga Secretaria Mu-nicipal de Meio Ambientee Desenvolvimento Sus-tentável (Semades) e a em-presa de reciclagem Metap,o bairro foi dividido emquatro áreas, e quatrocatadores foram contrata-dos para percorrer umadeterminada rota duas ve-zes ao dia. Para facilitar aação destes trabalhadores,o lixo era separado pelosmoradores e recebia umadesivo que identificava os materiais depo-sitados nas lixeiras. Os resíduos eram sepa-rados em recicláveis (inorgânicos), a exem-plo de papéis, plásticos, vidros e metais, enão-recicláveis (orgânicos), como sobras dealimento, que também já são reaproveitadas.

Para verificar a aceitação dos mora-dores, o projeto foi dividido em duas eta-pas: na primeira, a população não foi infor-mada da campanha. Em seguida, recebe-ram a visita de equipe da Semades e mate-rial educativo sobre coleta seletiva. Durante15 dias, a equipe visitou todas as residênciasdo bairro, explicando como realizar a sepa-ração dos materiais recicláveis e dos que ne-cessitam de acondicionamento especial (lâm-padas, pilhas, latas de tinta, entre outros), bemcomo do lixo orgânico. O material da cam-panha era composto de calendário, para osmoradores saberem quando depositar o lixoreciclável em frente de suas casas, e adesivoscoloridos, para identificação dos resíduosacondicionados em sacos plásticos.

No mesmo período, os catadores que

já atuavam na região foram cadastrados nosprogramas sociais mantidos pela SecretariaMunicipal de Assistência Social (SAS) erebatizados de agentes autônomos dereciclagem. Os garis foram instruídos a nãorecolher o lixo separado e identificado comas etiquetas coloridas eos catadores a realizara coleta dos materiaisrecicláveis em datas es-pecíficas. Além da co-leta nas casas, foi ins-talado um contêinerno bairro, para o re-cebimento de lâmpa-das, pilhas e baterias.

De acordo coma Semades, o projetoresultou em um aumento de 80% dos ma-teriais recolhidos pelos agentes, o que fezcom que a prefeitura de Campo Grandetomasse a decisão de expandir a iniciativapara toda a cidade.

Segundo o vereador Marcelo Bluma, o

Programa Reciclar foi elaborado consideran-do-se a menor intervenção possível nos pro-cessos existentes na sociedade. “Se existem pes-soas que separam o lixo, catadores e empresasque compram materiais recicláveis, por quealterar essa lógica? Nossa missão é reforçaresses procedimentos, treinando os catadores,

conscientizando a popula-ção sobre a necessidade deseparar o lixo e aumentaros estabelecimentos co-merciais que participam doprograma”, explica.

O programa tam-bém previa a instalação decontêineres nos super-mercados, para o descar-te de lâmpadas, pilhas e

baterias, latas de tinta, assim como existia nobairro Vilas Boas, e nos pontos de ônibusda cidade, para a entrega voluntária de ma-teriais recicláveis. Medidas estas que não fo-ram implantadas.

Enquanto durou o programa, apenas

Prefeitura tenta há três anos implantarprograma de coleta seletiva emCampo Grande

“Campo Grandeproduz em média670 toneladasde lixo por dia”

Dona Flausina percorre diariamente bairros da cidade recolhendomateriais recicláveis e sente o peso da crise ao vendê-los.

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LIXOSe-pa-re seu LIXO

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9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

a rede Comper e os supermercados Extrae Carrefour ofereciam as sacolas laranja.Hoje, nem mais estes estabelecimentos fa-zem a distribuição.

“Parada Natural”Para o diretor-executivo da antiga

Semades, André Luiz de Franco Ribeiro, a“parada natural” na divulgação do progra-ma ocorreu em virtude de recessos e restri-ção de propagandas durante o período elei-toral de 2006. Essa interrupção pode tercontribuído para o desconhecimento da ini-ciativa por grande parte da população, queignorava até mesmo a diferença das sacolasbrancas e laranja. Inclusive operadores decaixa dos supermercados parceiros desco-nheciam a diferença das mesmas, assimcomo do Programa Reciclar.

Entre os moradores que separavamo lixo, a reclamação mais comum era que omaterial separado acumulava nas lixeiras,pois os catadores não passavam para reco-lher. Assim, os garis começaram a levar no-vamente todos os resíduos, não fazendomais sentido separar o lixo nas sacolas.

Após assistirem a uma reportagem natelevisão sobre coleta seletiva, a dona de casaMarly da Silva Freitas e a filha Samara, mo-radoras do bairro Dom Antônio Barbosa,tiveram a idéia de separar o lixo em casa.Mas a iniciativa não durou muito tempo.“Como não passavam catadores no bair-ro, minha família parou de separar o lixo”,comenta Marly. Segundo ela, o hábito nãoera seguido pelos vizinhos.

A ausência de catadores também erapercebida no bairro Nossa SenhoraAparecida, como relatou a presidente daassociação de moradores, Maria Santana.“Aqui não vinham os catadores, só os garisque levavam todo o lixo no caminhão”. Oque torna semelhante as duas realidades é ofato de não haver grande volume de mate-rial a ser recolhido, se comparado aos des-cartes realizados na área central.

“Os catadores atuam em toda a cida-de, mas a maioria prefere o centro, ondeconcentra grande parte do comércio”, dizJosé Pedro Tavares, presidente da Coope-rativa dos Agentes Recicladores Vida Nova(Coopervida). Para ele, o Programa Reciclarteria sido um sucesso se tivesse o apoio daprefeitura. “É complicado um catador iraté o bairro Maria Aparecida Pedrossian,por exemplo, para recolher os recicláveis etrazer até a sede da cooperativa [no bairroAero Rancho]. A distância é muito grandee não compensa pela pouca quantidade demateriais recolhidos”. Tavares diz que a as-sistência do município seria na implantação,em diferentes locais da cidade, de pontosde descarte, o que facilitaria o trabalho doscatadores. “Assim, eles não precisariam maispercorrer longas distâncias. Deixariam o

* Valores referentes a junho de 2009. Preço pago por Kg. Fonte: Metap.

** Fonte: Revidro.

*** Segundo dados da empresa Supply Service e da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.

material coletado nesses locais, onde a coo-perativa passaria com o caminhão para le-var até a sede”, explica.

O desconhecimento da populaçãosobre o Programa Reciclar foi um dos fa-tores de maior relevância para o fracassoda iniciativa. Entre as propostas de divulga-ção estavam campanhas educativas no rá-dio, na TV, outdoor, busdoor e panfletagem.Além da propaganda, um funcionário daprefeitura deveria ser mantido nos super-mercados para orientar os clientes sobre oprograma.

“Não podemos desejar que um sis-tema de coleta seletiva se consolide comum grande volume de informações a se-rem passadas para as pessoas que vão se-parar o lixo em casa. Divulgar uma listaenorme dos materiais recicláveis e outramaior ainda dos que não são torna inviávelo programa. Para o morador, é mais fácil eprático, quando se fala apenas em separarresíduos secos e úmidos”, explica FábioTadeu Buonavita, consultor ambiental.

Nova propostaAntes mesmo de prestar contas à po-

pulação do Programa Reciclar, a antiga

Semades encomendou à empresa Financial,atual responsável pela coleta de lixo na capi-tal, um novo projeto-piloto de coleta seleti-va. Desta vez, o bairro escolhido foi a VilaPlanalto.

Pela nova proposta, a coleta seletivaseria feita de porta em porta. O projeto,realizado de outubro a dezembro do anopassado, contou com a participação daFinancial no fornecimento de recursos fi-nanceiros e humanos; e da Semades, nadisponibilização de técnicos e informaçõesnecessárias ao processo, bem como na co-ordenação dos trabalhos de campo.

Segundo o Compromisso Empresa-rial para Reciclagem (Cempre), associaçãode empresas dedicada à promoção dareciclagem e gestão integrada do lixo, o sis-tema de porta em porta está presente em51% das cidades que realizam a coleta sele-tiva. Destas, 74% disponibilizam postos deentrega voluntária (PEVs) de materiaisrecicláveis.

“A soma destes fatores não somenteaumenta a responsabilidade dos municípi-os, seus governantes e da sociedade, masalarga os horizontes de possibilidades de omunicípio efetivamente ser o catalisador da

transição do desenvolvimento tradicionalpara o desenvolvimento sustentável. É umatarefa árdua para a qual Campo Grande jávem sendo preparada”, pondera Buonavita.

Além da coleta de porta em porta, aFinancial ficou responsável também pela tri-agem dos materiais recicláveis. Durante osquatro dias destinados à separação do lixona Vila Planalto, percebeu-se um aumentona quantidade de recicláveis. Para aconsultoria TRS Ambiental, contratada paraelaboração do relatório final do projeto, istoocorreu em virtude da instalação de PEVsno bairro, associados a outras formas dedivulgação, como visitas técnicas e distribui-ção de material educativo, o que certamen-te criou um clima favorável a este cresci-mento, representando maior adesão dosmoradores.

Ao que tudo indica, o dado mais ex-pressivo observado neste projeto é a dis-posição do campo-grandense em contri-buir com a separação do lixo. “Eu não merecordo do Programa Reciclar, mas se omunicípio implantasse a coleta seletiva, seriauma boa. Aqui em casa, já separamos ospapelões e as garrafas PETs do restante dolixo. Não seria difícil separar outro tipo dematerial”, comenta a dona de casa SebastianaGonçalves de Souza, 51 anos, moradorada Vila Olinda.

Segundo a Associação Brasileira deEmpresas de Limpeza Pública e ResíduosEspeciais (Abrelpe), em 2007, dos 5.564municípios brasileiros, 3.500 possuíam al-gum tipo de coleta seletiva. As regiões Sule Sudeste alcançaram os índices mais ele-vados, com 82,4% e 85,4% respectivamen-te. Na região Centro-Oeste, dos 466 mu-nicípios, 181 possuíam algum tipo de co-leta seletiva.

Em Mato Grosso do Sul, o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)aponta que dos 78 municípios, apenas oitocontam com o sistema: Brasilândia, Caarapó,Chapadão do Sul, Corumbá, Dourados,Iguatemi, Paranhos e Nova Andradina. Ape-sar de ser responsável pela produção de quase200 mil toneladas de lixo por ano, a capitalde Mato Grosso do Sul não conta com pro-grama de coleta seletiva.

As informações acima são relevantese os resultados significativos, refletindo a re-alidade de um processo de implantação decoleta seletiva em Campo Grande. O maisimportante é saber das limitações para agirsobre elas. E é importante saber, também,que em uma campanha educativa, mesclan-do diferentes formas de comunicação, atendência é uma participação maior das pes-soas. É uma onda positiva que pega!

[email protected]@gmail.com

Todos os dias, toneladas de materiais para reciclagem saemdos galpões da Metap rumo a outros estados

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10

Maurem Fronza

As notícias divulgadas pelos orga-nismos internacionais de monitoramentoeconômico e climático do planeta nãoanimam. Até 2020, a temperatura da ter-ra pode subir 1ºC. O regime de chuvasmudará e eventos extremos como ven-tos, inundações e estiagens prolongadas,serão mais intensos e freqüentes. Comoconseqüência, extensas áreas ficarãoimprestáveis para a agricultura, diminu-indo a produção em 25% até 2050. Alémde menos abundante, a comida será dis-putada por mais pessoas. A populaçãomundial deve aumentar em dois bilhõesde pessoas nesse período.

No Brasil de 2009, as mudançasclimáticas caracterizam um ano atípico.A seca no Sul contrasta com fortes en-chentes no Nordeste acostumado a lon-gos períodos sem chuvas. Embora pou-pado das intempéries deste ano, o Cen-tro-Oeste está na previsão de áreas afe-tadas pelo novo clima. Alterações na pre-cipitação atmosférica devem atingir aregião e provocar perdas de até 50%no principal produto de exportação deMato Grosso do Sul: a soja.

Estado agrícolaApelidada de “ouro verde” em

décadas passadas, a soja espalha-se por

1,7 milhão de hectaresem Mato Grosso doSul, segundo dadosdo Instituto Nacionalde Geografia e Esta-tística (IBGE). A áreasó perde para a do re-banho bovino de 17,4 milhões de cabeças,que ocupam média deum hectare por indi-víduo. Depois da soja,vem o milho com 860mil hectares e a emer-gente cultura da cana-de-açúcar, que alastraseus pendões por 190mil hectares.

Os reflexos dadistribuição do espaço agrícola incidemna balança comercial do estado. Os cin-co produtos mais exportados são pri-mários: carne bovina, soja em grãos,carne de frango, farelo de soja e milho.A granel, triturada ou em óleo, a soja éresponsável por 33,5% das exporta-ções, ou US$ 157 milhões. A carne bo-vina representa 23% dos produtos en-viados para fora do país, 108 milhõesde dólares, e o frango contribui com12% das exportações, US$ 55 milhões.

Para o engenheiro agrônomo ecoordenador técnico regional da Agên-cia de Desenvolvimento e Extensão Ru-ral de MS (Agraer), Paulo Marcio Vieira,essa situação não é confortável. “Ter aeconomia agrícola baseada em poucosprodutos deixa o estado vulnerável”, afir-ma. Ele lembra como um surto de fe-bre aftosa ocorrido há três anos de-sestabilizou as finanças sul-mato-grossenses, empobreceu municípios e dei-xou criadores em dificuldade.

Para evitar que ocorra problemasemelhante com o cultivo da soja de-vido às mudanças climáticas, Paulo de-fende maior participação de outrasculturas na matriz agrícola regional.

Nesse ponto, considera que aAgraer desempenha o papel de incen-tivar a produção diversificada de ali-mentos. A agência encontra dificulda-

des para atingir esse objetivo devido asua clientela ser quase toda debeneficiários da reforma agrária. Essetipo de agricultor precisa desenvolveruma renda emergencial e providenciarinfra-estrutura assim que recebe seulote. Para os assentados, é mais rápidoaderir às cadeias produtivas já organi-zadas do leite, carne e até soja em lugarde investir em culturas alternativas cujoescoamento esbarraria na pequena es-cala de produção.

Comida que vem de longeEnquanto a matriz agrícola do es-

tado continua baseada nos mono-cultivos de soja, milho, cana e na cria-ção de gado, Elza de Moraes Ramiresmantém a rotina de contatos com pro-dutores distantes, sobretudo paulistas.Ela administra as compras do setor defrutas, legumes e verduras (FLV) deuma rede de supermercados na qual70% do faturamento vem dos alimen-tos in natura. “A não ser pelos vegetaisde folhas, os agricultores do MS nãoconseguem produzir em quantidadesuficiente para nos abastecer durante oano todo. Além disso, ainda não sãocomerciais, não tem noção de tama-nho mínimo nem maturação”.

A empresa onde trabalha primapela qualidade acima de preços acessí-veis. Por isso, Elza procura os melho-res fornecedores e é rigorosa na sele-ção. “Visito as hortas para ver se nãousam muitos agrotóxicos e se é tudobem cuidado”. Em contrapartida, o su-permercado atrai consumidores exi-gentes como Yone e Airton Motta. Ocasal diz que gostaria de comprar tudode Mato Grosso do Sul, mas por en-quanto opta pela qualidade. Para ascompras da semana, escolhem três ma-ços de alface e almeirão sul-mato-grossenses, mantidos fresquinhos nagôndola por meio de jatos de irriga-ção automática. Depois passam para aseção de frutas, 100% importadas.

No outro extremo do mercadoespecializado, as feiras de bairro aten-dem o comércio popular, mas nem porisso a proporção de produtos regio-nais aumenta. Todas as quartas-feiras,Adelina e Onésimo Lima armam suabancada no bairro Jockey Clube emCampo Grande. Mesmo aposentados,o casal continua no ramo em que in-gressou há 24 anos. Eles comercializamcerca de R$ 500 por semana em abó-bora, milho e uma variedade pequenade legumes. Ao seu lado, a barraca de

O agravamento do efeito estufa pode inviabilizar a principallavoura de exportação de Mato Grosso do Sul e forçar o estadoa mudar sua matriz econômica

Agricultura além da soja

Produtos do estado são minoria nos supermercados

Soja pode perder 50% da produção porcausa do efeito estufa

Mudança

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11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS Mudança

Diego Nogueira é mais ampla e ofere-ce abundância de frutas.

Às cinco horas, os vizinhos feirantescomeçam o dia na Central de Abasteci-mento (Ceasa) para escolher os melho-res produtos e carregar seus caminhões.Em comum, eles têm o fato de atuarcomo distribuidores no varejo com fru-tas e verduras que nem sempre sabemonde foram produzidas. “A única coisaque compro da região é a mandioca. Seique o abacaxi vem de Guaraçaí e a laran-ja é de Jales (ambos em São Paulo). Oresto, nem tudo sei de onde vem”, contaDiego. E arremata “aqui na feira só osjaponeses das verduras vendem o queproduzem”.

A banca à qual Diego se refere per-tence a Shiguero Ku-bota, a única feiran-te que negocia seusprodutos direto comos consumidores. Atímida agricul-toracultiva 3,5 hectares dehortaliças em umachácara nos arredoresda capital junto como marido e três em-pregados. Aos 72anos, Shiguero conta que criou quatro fi-lhos produzindo hortaliças e só conse-gue manter a atividade porque um poçoartesiano garante água suficiente para asplantas, mesmo nos períodos de seca. En-tretanto, considera que os tempos estãocada vez mais difíceis devido à concor-rência dos supermercados, onde são ne-cessárias grandes quantidades para seraceito como fornecedor.

Ao perceber a falta de participaçãono mercado regional, o gerente da Divi-são de Mercado da Ceasa/MS, CristianoChaves, defende que os agricultores deMato Grosso do Sul poderiam produ-zir alimentos básicos para serem consu-midos dentro de seu próprio território.Das 123 mil toneladas de produtoscomercializados na Ceasa em 2008, 80%eram provenientes de outros lugares doBrasil. Mais de um terço veio de São Pau-lo, 16,5% do Paraná e 13% de SantaCatarina. O estado participou com 20%,principalmente verduras vindas de Cam-po Grande, Sidrolândia, Terenos e DoisIrmãos do Buriti.

Nem mesmo o gasto com trans-porte diminui a preferência pelos pro-dutos trazidos de fora. “O saco de 20kg de limão produzido em MatoGrosso do Sul, por exemplo, custa R$10 e o de São Paulo, R$ 18. Mesmoassim, os compradores preferem oproduto paulista porque tem mais qua-lidade e eles vendem por um preço mai-or”, explica.

Diante dessa realidade, a Ceasaresolveu investir na qualificação dosagricultores locais. Em 2007, promo-veu um estudo cujo resultado elenca21 culturas de alimentos com viabili-dade econômica para consumo inter-no, que inclui mandioca, berinjela, aba-caxi e quiabo, entre outros, sem dis-tinção de prioridade. “Todas essas la-vouras têm mercado e dão lucro”, ale-ga Cristiano. Um dos exemplos é amaçã gala, cujo primeiro fornecedorregional deve começar a produzir emdois anos.

O imperativo do clima“Os agricultores sempre vão op-

tar pela lavoura que der lucro”. Aconstatação é do engenheiro agrôno-

mo Renato Ros-coe, consultor deagronegócios emCampo Grande.Doutor em ciênciasambientais pela Uni-versidade Wagenin-gen, da Holanda, eleobserva que gran-des plantações só

fazem sentido se tiverem rentabilidadee facilidade de escoamento. “Imaginasubstituir um milhão de hectares de sojapor abacaxi. Onde iríamos vendertudo isso?”, brinca. “A soja ocupa qua-se dois milhões de hectares no estadoporque dá retorno e tem mercado. É afonte de proteínas mais usada no mun-do”, defende. Por outro lado, não se-ria possível alimentar a população mun-dial sem substituir parte da vegetaçãonativa de todos os continentes por agri-cultura.

Quanto aosdemais alimentos,seriam aptos paraserem cultivadosem espaços meno-res e por agriculto-res com menos ca-pacidade de investi-mento, de preferên-cia em regime de integração comagroindústrias.

Porém, ele adverte que o princi-pal cultivo de Mato Grosso do Sul estáameaçado. A planta é sensível à faltade água. Se ficar 25 dias sob estiagemno período de floração, pode perder até80% da produtividade. Por isso, será umadas primeiras lavouras a sofrer as conse-qüências do aumento na temperatura at-mosférica. “Não temos mais tempo paraevitar o aquecimento. Ele irá acontecer eprecisamos nos preparar”.

Roscoe salienta que a agricultura

em geral sofreráos impactos donovo clima. Emais, é um dosagentes causadoresdo problema, mastambém pode aju-dar a minimizar ostranstornos.

A produçãoprimária agravao efeito estufaquando promo-ve o desmata-mento, consomegrande quantida-de de combustí-veis fósseis e re-volve o solo, re-duzindo a maté-ria orgânica. Já aspastagens degra-dadas mantidasem locais ondeum dia houveflorestas, fazemcom que as ár-vores altas e ca-pazes de reterbastante gás car-bônico sejam substituídas por plantasbaixas, cuja massa verde retém poucaquantidade do gás.

Além disso, as lavouras de arrozirrigado e o uso de forrageiras de bai-xa qualidade na alimentação do gadoemitem metano. Essa substância favo-rece o aquecimento da atmosfera 24vezes mais que o gás carbônico.

No entanto, as práticas agrícolastambém podem suavizar as mudanças

climáticas se privile-giarem sistemasagroflorestais, plan-tio direto, recupera-ção de pastagensdegradas, e o uso deresíduos orgânicoscomo fertilizantes.

Mas a maiorcontribuição para o

ambiente é a geração de novas fontesde energia. “O uso de etanol e álcool,por exemplo, evita a queima de com-bustíveis fósseis, extremamente maisdanosos”, explica Roscoe.

Mesmo que as mudanças não se-jam tão rápidas quanto o esperado, oengenheiro agrônomo prevê um desa-fio para os melhoristas e geneticistasadaptarem as plantas às novas condi-ções climáticas impostas pelo efeitoestufa. Ele lembra que técnicas detransgenia permitem aumentar a resis-tência à falta de água, o que poderia [email protected]

ser utilizado pelos agricultores de MatoGrosso do Sul. Outra alternativa ésubstituir parte da lavoura de soja porgado e espécies mais aptas ao estressehídrico (falta ou excesso de água) comocana-de-açúcar, mandioca e florestasenergéticas, entre as quais o eucalipto.

Já o pesquisador da Empresa Bra-sileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa), Ivo Motta, considera quea substituição das lavouras resolve oproblema econômico emergencial, masnão restabelece o equilíbrio do ambi-ente. Na opinião do cientista, que é dou-tor em produção vegetal com ênfaseem agroecologia pela UnversidadeEstadual de Maringá, o ideal é a diver-sidade. “Toda monocultura favorece osurgimento de pragas e doenças porcausa do grande número de indivídu-os de uma só espécie”.

Nesse sentido, a produção dealimentos básicos estimula a seguran-ça alimentar e deve ser aliada aosprincípios da agricultura ecológicaque são a rotação e integração entreculturas, manejo ecológico do solo,reciclagem dos materiais dentro dapropriedade e diversificação da pai-sagem utilizando diversas espéciesanimais e vegetais.

Berinjela,abacaxi, quiabo.

“Todas essas lavourastêm mercado e

dão lucro”.

Não temos mais tempopara evitar o

aquecimento. Ele vaiacontecer e precisa-mos nos preparar.

Atravessadores são maioria dos feirantes

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Bruna Morales

A evasão e a violência escolar atin-giram índices alarmantes em CampoGrande e chamaram a atenção de edu-cadores e autoridades. Para tentar supe-rar essa situação, o Ministério Público Es-tadual, a Secretaria de Estado de Educa-ção e a prefeitura estão implementandoo “Plano de Ação do Ministério Público,da Rede Estadual e Rede Municipal deCampo Grande em favor da permanên-cia e sucesso do aluno”.

Com o objetivo de adequar asmedidas às necessidades reais da escolae debater o assunto, inúmeros encon-tros têm sido realizados entre o pro-motor de Justiça Sérgio Harfouche, da27ª Promotoria da Infância e da Juven-

tude, professores, diretores, estudiososem educação, secretarias, pais e alunos.

Só no mês de abril, das 120 au-diências para tentar resolver delitos co-metidos por adolescentes, 80 forampara infrações a mão armada e 100%delas praticadas por alunos evadidos.Pesquisa realizada com 3 mil alunos darede pública verificou que 80% já de-sacataram funcionários, professores,diretores, e a agressão física entre osestudantes chega a 70%.

A origem do problemaEssa realidade está relacionada a

mudanças sociais ocorridas nos últimos50 anos. O professor doutor AntônioHilário Aguilera Urquiza, que ministraa disciplina de Antropologia na Uni-

versidade Federal de Mato Grosso doSul, explica que as famílias, de nume-rosas e rurais, passaram a pequenas eurbanas; os meios de comunicação demassa aumentaram; as mulheres forampara o mercado de trabalho e o mo-delo familiar mudou. SegundoHarfouche, dos alunos pesquisados,70% não são cuidados por pai e mãe.Esse problema é sentido pelos profes-sores. “Hoje em dia, cada mãe tem fi-lho com um pai diferente e a maioriadas crianças é criada na rua. Não hárespeito, eles não têm a mínima noçãode comportamento”, afirma a profes-sora de Educação Física da rede mu-nicipal Mara Sandra Garcia.

Além desses fatores, a pedagogae especialista em psicopedagogia,Valdeni Assis Pereira, lembra que osatos indisciplinares, em todos os paí-ses, se devem em grande parte, a umaleitura equivocada do movimento decontracultura do final da década de 60.“Os simpatizantes daquele movimen-to propunham a substituição de todosos valores morais ligados à tradição,que no entender deles significava repres-são. E a partir desse movimento, a lei-tura de regras, normas e condutas re-sumiam-se ao slogan - É proibidoproibir”, analisa.

Esse cenário ajudou a formar umafalsa idéia de que as crianças e adoles-centes podem fazer o que quiserem. Oprofessor Urquiza acrescenta que foiretirado algo repressor da escola, masnão foi colocado nada no lugar. Alémdisso, hoje há uma geração que foi opri-mida pelos pais e que não quer repetirisso com seus filhos, no entanto aca-bam tornando-se reféns dos mesmos.“Esses jovens estão sem parâmetros deautoridade. Mas quem ama educa e nãoé preciso usar a violência para colocarlimites”, explica.

O professor doutor AntônioCarlos do Nascimento Osório lembraque a escola passou a refletir as incoe-rências da sociedade sendo tambémcontraditória, pois abriu mão do seupapel social que é educar. “A escola está

apaziguando o colapso social. Com issoa realidade de hoje é esta: o professordeixou de ser professor, seu papel agoraé de assistência social”, enfatiza.

A escola era apenas um local ondea criança passava parte do seu dia. Hoje,é cada vez mais um ponto de perma-nência integrada à sociedade. Urquizaexplica que atualmente não existe es-cola sem a comunidade e sem a famí-lia. “A escola tem que interagir com ospais, mas ela tem o papel dela. A ques-tão da formação e da transmissão deconhecimento não substitui o papel dospais, ela serve apenas como um apoio”.Para a estudante do 2º ano da EscolaEstadual Joaquim Murtinho SibellyGonçalves Sanches, 15 anos, não é de-ver do professor ensinar bons modose sim dos pais.

Diante do descontrole da situaçãoe dos filhos, a família transferiu para aescola o papel de educar. “Essa é umasituação real e irreversível. Está na horada escola assumir esse fato. Porque vi-vemos em um mundo capitalista, to-dos precisam trabalhar e não se temtempo para os filhos, nem onde deixá-los”, diz a pedagoga Valdeni.

O caos nas escolasA super-lotação das salas de aula,

que também são mal iluminadas e ven-tiladas, possuem carteiras descon-fortáveis, falta de material didático eaulas teóricas sem motivação para osalunos, também preocupam. Sibellyfreqüenta as aulas por obrigação, nãose sente estimulada pela escola e dizque o colégio precisa de reformas.“Ventiladores não funcionam, salassem piso, janelas quebradas e o ba-nheiro é uma tragédia. Mas eu sei tam-bém que se eles reformarem, em me-nos de uma semana tudo vai estar umaporcaria. Lidar com adolescentes nãoé fácil”, analisa.

Valdeni acredita que a escola nãoé um espaço agradável para os alunose que eles são conscientes dos atos quepraticam. “A concepção de indisciplinaque eles têm é a única forma de mos-

O aluno do 7º ano R.F.F.C., 14 anos,

cumpre medidas sócio-educativas na

Escola Estadual Profª Thereza Noronha

de Carvalho

Resgate da autoridadeMais autonomia às escolas para combater a violênciae a evasão escolarBruna Morales

Violência escolar

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13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

trar que a escola não está atendendosuas expectativas”, pondera.

Para os alunos, os professores sãoos responsáveis pelo bom ou mau an-damento da ordem dentro da sala deaula. Sibelly revela que “se o professornão é bom e não explica coisa alguma,a gente bagunça. Mas se ele é um pro-fessor de verdade e não admite essetipo de coisa, a situação muda. Minhasala já ganhou um ponto negativo namédia por bagunçar demais”. ThiagoÁlbaro, 17 anos, aluno da Escola Esta-dual Joaquim Murtinho, conta que oprofessor afirma continuar ganhandoo salário dele dando aula ou não. “Qualé a diferença de fazermos tumulto en-tão?”, protesta. F. E., 16 anos, alunodo 1º ano da mesma instituição, acres-centa: “O professor já é formado, tema vida dele e não está nem aí”.

Do lado dos professores, as quei-xas são da falta de educação dos alu-nos e em relação aos funcionários.Katiuce Fernandes Rocha é professorade Matemática do município há umano e diz que sua maior dificuldade écom as agressões verbais. “Eu não es-perava encontrar isso com tanta inten-sidade. Os jovens não têm noção daimportância do ensino”, lamenta. Paratentar contornar essa situação, a pro-fessora pára a aula, chama atenção, con-versa e fala de valores éticos e morais.“É sempre muito difícil dar aula, a todoo momento interrompemos para ten-tar criar uma certa harmonia e isso pre-judica o andamento do ensino”, recla-ma Katiuce. Em relação a essa atitude,Sibelly diz: “eu acho perda de tempo,ninguém nunca ouve”.

Outra situação conflitante se apre-senta. “É só pagar uns R$ 5 que a gentemata aula a semana inteira”, denuncia oaluno F. E., referindo-se à facilidade desubornar funcionários. Esse fato, para aprofessora de Educação Física MariaCecília Costa da Silva, da Escola Muni-cipal Danda Nunes, é uma realidadeentre os alunos e nas instituições de ensi-no. “A corrupção na escola é muitomaior do que a gente pode imaginar. Esão essas mesmas pessoas que ensinamos alunos. Olha a contradição!”

Para a pedagoga Valdeni, a edu-cação é mal distribuída, o modelo edu-cacional encontra-se em crise e novosrumos precisam ser tomados. “Um dosprimeiros passos talvez seja a vontadepolítica. A escola pública é um divisorde massas. De 100 alunos, cinco serãopessoas renomadas, o restante será amão-de-obra barata que o mercadoprecisa. Por que será que muitos pro-fessores da rede pública lutam para

pagar um colégio particular para seusfilhos? Se eles não querem esse ensinopara os seus, alguma coisa deve estarerrada”, questiona.

Novas medidas de combateO plano de ação proposto pelo

promotor já foi aplicado em Glória deDourados e Ponta Porã, atingindo umamelhora de 83% nos índices de violên-cia e evasão escolar.

Harfouche explica que a finalida-de é proteger a criança e o adolescenteda maneira como está estabelecido noEstatuto da Criança e do Adolescente.“Não temos como fazer isso com osjovens nas ruas.Com o aluno naescola temos nãosó condição de tra-balhar o aprendiza-do, porque isso éuma função doprofessor, mastambém como darproteção integral.Lembrando queisso será exigidoigualmente dospais. Eles precisamter controle dosseus filhos”. Para acoordenadora doNúcleo Regional daAliança pela Infân-cia, professoradoutora ÂngelaMaria Costa, a pro-posta é inusitada.“Nunca tivemos alei tão perto”, exal-ta.

Quando um aluno comete algumdelito na escola, a diretora precisa cha-mar o estudante e seus responsáveispara informar as medidas a serem to-madas. Caso não exista acordo, elapoderá encaminhar esse jovem à Pro-motoria. Lá, ele assinará um atoinfracional e passará a ser um infrator,respondendo a processo. No entanto,o promotor não quer punir, mas ori-entar esse jovem a voltar para a escolae se entender com o diretor, o grandeconciliador nisso tudo. “Estou levan-do a Promotoria para dentro da esco-la. Oriento os professores, comunida-de e diretores, para que resolvam osproblemas mais simples na própria ins-tituição, usando os meios que a escolapermite para solucionar as pendências,como as medidas sócio-educativas, porexemplo. O sistema não pode ser su-focado com pequenas coisas, são 300mil alunos e sete mil professores na ci-

dade”, explica.Essa orientação também se esten-

de aos pais, conselhos e secretarias. “Jáestou providenciando que o ConselhoTutelar se aproxime mais da comuni-dade. As vezes o Conselho Tutelar aten-de coisas de menor importância que adiretoria da escola poderia resolver. Aorientação agora é que se chegar mãereclamando de aluno ou professor, épara mandar falar com o diretor”, es-clarece Harfouche.

A professora Mara Sandra afirmaque nunca houve esse tipo de discus-são e acredita que agora existirá o res-paldo necessário para poder executar

a lei e exigir bomcomportamentodos alunos. “Antesdo promotor, nin-guém tinha cora-gem de enfrentaros pais e os alunos,porque eles liga-vam diretamentepara os órgãos su-periores e falavammal da escola, dosprofessores e dodiretor. Nós ficá-vamos sem autori-dade para mantera ordem. Tem di-reção que vai lá efaz o que precisaser feito, mas amaioria recuavacom medo do alu-no riscar todo seucarro, por exem-plo”, argumenta.

A diretora daEscola Municipal Iracema de SouzaMendonça, Tânia Conceição LeiteCheker, já realizava esse tipo de medi-da. “Sempre conversei com alunos nomomento em que eles faziam as coisaserradas. Imponho obrigações aos es-tudantes e resolvo com eles em primei-ro lugar. Fazemos o que está no regi-mento escolar. Em momento algumusamos da autoridade”, conta Tâniaque exerce a função há 14 anos.

Harfouche constata a situação deabandono dos filhos nas escolas porparte dos pais, atribuindo isso a perdade autoridade. “Pais trabalhadores ehonestos colocam os filhos na escola edizem – Eles não me obedecem mais,agora você cuida. E eu quero resgatara autoridade desses pais. Se isso signifi-ca para eles uma varinha nas pernas dosseus filhos, não sou eu quem vouprocessá-los. Irei proteger o ambientefamiliar e os pais farão a parte deles:

disciplinar com amor e diálogo. Exa-geros, espancamentos, jamais serão per-mitidos. Se essa família errar com seusfilhos, ela irá responder por isso e apena será vê-los nas ruas como infra-tores, mortos ou usando drogas”.

A Polícia Militar também recebeuorientações para realizar rondas nasescolas. O sargento Mark, do Policia-mento Escola/1º Batalhão, destaca queé comum eles serem acionados. Forada escola, os casos de briga são cons-tantes. Mas dentro, a autoridade é dodiretor. Eles só levam adiante quandoo caso muda para agressão. “Verifica-mos a presença de pessoas que não sãoda escola e também evitamos a evasãoescolar. Quando identificamos do ladode fora um aluno da instituição queestamos fazendo o policiamento, oorientamos para freqüentar as aulas,sem repressão. Em princípio é paraeducar, mudar a visão do aluno de umapolícia repressiva”, explica.

Para um futuro melhorMinistério Público, estudiosos,

professores e diretores sempre buscamprojetos para tentar melhorar o qua-dro educacional. Paralelo a isso, os paisprecisam acompanhar a situação de per-to. A mãe da aluna Sibelly, Siami Gon-çalves Sanches, acredita que as escolaspoderiam, sim, ser mais rigorosas e con-sidera muito importante acompanharo rendimento da filha na escola. “Nemtodas as escolas são 100% confiáveis,por isso é sempre bom estarmos deolho para verificar se existe alguma di-ficuldade e se podemos ajudar em al-guma coisa”, enfatiza.

A palavra da vez é autoridade, oque é bem diferente de autoritarismo.Urquiza destaca a importância de nãocriar um terrorismo na escola, para nãovoltar àquela sociedade autoritária.“Tem que educar para autonomia, paracidadania, liberdade. As crianças têmque entender quais são as regras dojogo e respeitá-las. Não é por medo.Elas sabem quais são seus limites, issoé o verdadeiro aprendizado”.

Diante de todas essas dificuldades,a professora Katiuce chegou a pensarem largar a profissão. Chegou a cho-rar durante uma palestra sobre violên-cia escolar ministrada pelo promotor,mas ela não cedeu. “Eu me emocioneiporque eu senti uma esperança de mu-dança. Eu não posso desistir. Tenho quedar o meu melhor até o fim”.

[email protected]

“Eu quero resgatar aautoridade desses

pais. Se isso significapara eles uma

varinha nas pernasdos seus filhos, não

sou eu quem vouprocessá-los”

Sérgio Harfouche

Bruna Morales

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Izabel ArrudaLaryssa Caetano

issionários norte-americanos trabalhamcom famílias carentes emCorumbá e Ladário, lu-tando contra doenças eplantando a auto-estima.

Entre os milhares dequilômetros que separamos Estados Unidos doBrasil, existem voluntári-os dispostos a cruzar ocontinente, ficar horas emvôos internacionais e car-regar na bagagem maisdo que roupas: expecta-tivas de uma nova reali-dade e doação de tem-po, amor e carinho paraquem precisa.

Baseado nesta inici-ativa, mais uma ediçãodo Projeto Pantanal ini-ciou no mês de junho,um intercâmbio de tra-balho voluntário queacontece emCorumbá. Háquase 20 anos,grupos de mis-sionários esta-d u n i d e n s e svêm ao Brasil para auxiliar comunida-des carentes das cidades de Corumbáe Ladário, na região noroeste do MatoGrosso do Sul, contra a fome e as do-enças. O grupo é originário de diver-sas partes dos Estados Unidos, comoVirgínia, Mississippi e Arkansas. Em ju-nho deste ano, a primeira equipe esta-va voltada para a comunidade NovaAliança, em Ladário, continuando as ati-vidades de encorajamento agrícola,como hortas e criação de peixes, exer-cidas há cinco anos como suporte narenda das famílias envolvidas.

Corumbá é uma das cidades maisantigas do Mato Grosso do Sul. Suasraízes remetem à busca pelo ouro apartir de 1524, por portugueses e, pos-teriormente, por espanhóis. Tambémremetem à guerra do Paraguai e aoporto que foi, até 1930, o maior daAmérica Latina. Seus prédios emanamem cada parte de suas estruturas sécu-los de miscigenação entre os povos daregião do Prata, de história de antepas-sados que construíram a cidade, pas-sos percorridos hoje pelas gerações quelá ainda residem.

Cidade tombada como pa-trimônio histórico nacional, com ruasde paralelepípedos e árvores centená-

rias, Corumbá tem problemas sociaisque acompanham seu desenvolvimen-to: há mendigos nas ruas, em despro-porção ao número de habitantes. Emmuitos bairros pobres, as casas que seequilibram em pedaços de madeira ematerial reciclável e se escondem entremorros e casarões antigos.

Projeto Pantanal e as Mission TripsO Projeto Pantanal foi fundado

pelo casal missionário norte-america-no Carl e Wanda King em 1990. Elesvieram ao Brasil com sua família e seinstalaram em Campo Grande por al-guns anos. Desde então, começou aser gerado o projeto que atua no inte-rior fronteiriço, com viagensmissionárias e convites de conterrâneospara auxiliar o desenvolvimento dascomunidades locais.

As chamadas Mission Trips são vi-sitas de missionários ao Brasil para tra-balhar por alguns dias em prol da po-

pulação carente. Hoje, elas ocorremtrês ou quatro vezes por ano, sempreentre junho e setembro, período de fé-rias de verão no hemisfério norte.

As visitas contam com um apeloreligioso maciço, sendo que os aten-dimentos são geralmente feitos nas ins-talações das igrejas (muitas construídaspelos próprios missionários no decor-rer de suas visitas). No entanto, o ob-jetivo mais claro da evangelização étentar direcionar a vida da populaçãopara práticas mais saudáveis, longe daprostituição e das drogas, além de lhestrazer perspectiva de vida e um senti-mento de que estão recebendo a de-vida atenção.

A primeira equipe deste ano é doestado da Virgínia, que ofereceu con-sultas médicas e entregou medicamen-tos à população de bairros pobres deLadário. Além de distribuir cerca de250 óculos de grau e realizar recreaçãoinfantil, com brinquedos e brincadei-

ras enquanto os pais sãoatendidos. Cada grupovem uma vez por ano -tempo que leva para ar-recadar fundos e orga-nizar a próxima viagem- e fica cerca de uma se-mana na cidade, em rit-mo de trabalho intenso,longe do descanso espe-rado das férias.

O foco das ativida-des são os diagnósticose tratamentos médicosbásicos, que possam serfeitos imediatamente,pois não há instalaçõesapropriadas para o aten-dimento de casos maiscomplexos. Mesmo as-sim, a população carentenão reclama, pelo contrá-rio, “aqui a gente já con-sulta, não tem que espe-rar, e eles já dão o remé-dio na hora. Às vezes agente não tem o dinheiropara comprar”, diz a mo-

radora IsamaraMoraes daConceição, queexemplifica umdos problemasmais recorren-

tes no sistema de saúde de Corumbá eLadário: a falta de medicamentos nospostos de saúde.

As autoridades locais assumem asituação precária de boa parte da po-pulação. Segundo a funcionária da Se-cretaria de Assistência Social deCorumbá, Letícia Gomes do Couto,os esforços feitos pelos missionáriosnão resolvem os problemas da popu-lação a longo prazo, mas absorvemuma demanda que o governo e a pre-feitura não dão conta. E confirma aopinião de Gary Greene, coordenadorda equipe da Virginia, que acredita queo sucesso das Mission Trips se dá emrazão do tempo de espera no SUS paraatendimentos e pela falta de remédios,já que nas missões tudo é dado na hora.Ele avalia que, mesmo que as ações te-nham ação band-aid, e apenas resolvamo problema superficialmente, pelo fatode estarem aqui apenas uma vez aoano, é melhor uma solução paleativado que nenhuma. O médico TomSchildwachter concorda: “ações falammais alto que palavras”. De acordocom o brasileiro Ademir Berbet, co-ordenador do projeto em CampoGrande, o número de atendimentosmédicos chega a duzentos por dia.

Missionários norte-americanos trabalhamcom famílias carentes em Corumbá e Ladário,

lutando contra doenças e plantandoa auto-estima.

Solidariedade atravessa fronteiras

Voluntariado

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15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS

Além da mobilização intensivadas Mission Trips, as atividades tam-bém incluem treinos de beisebol du-rante o ano todo, com instrutores ca-pacitados, aulas de inglês e distribui-ção de cestas básicas.

Os grupos são convidados pelogoverno brasileiro. “Estamos gratospelo convite, não importa que go-verno seja, nós estamos aqui para tra-balhar para aqueles que na base da pi-râmide, os marginalizados”, afirmaGary. Ele conclui que “as pessoas cos-tumam reclamar para os seus gover-nos fazerem mais por elas, mas es-quecem que isso vai custar mais emimpostos” .

O Projeto Pantanal é uma parce-ria entre a Convenção Batista Sul-Matogrossense, a Convenção Batistado Sul dos Estados Unidos, a Uni-versidade Uniderp/Anhanguera (quefornece acadêmicos da área da saúdepara auxiliarem os médicos, dentistase farmacêuticos estrangeiros) e da or-ganização não-governamental GEM(Global Encouragers Ministries).

Jovens em açãoEm Campo Grande, Ademir re-

cruta voluntários bilíngües, para traba-lhar como intérpretes, e acadêmicos daárea da saúde que se interessem em au-xiliar durante o período de cada MissionTrip. Os intérpretes servem como umaponte entre a comunidade e os missio-nários estrangeiros que não falam por-tuguês. Eles visitam as famílias, interpre-tam os sintomas dos pacientes e ajudama derrubar a única barreira que impedevisitantes e visitados de serem iguais, oidioma. Ademir explica o entusiasmo dogrupo em fazer viagens para o Brasiltodos os anos: “para algumas pessoas énecessário sair da sua zona de conforto,eu não conseguiria desenvolver esse tipode trabalho em Campo Grande, ondetenho negócios, celular tocando, coisasme distraindo”, diz.

Para o estudante de medicina Jú-lio César Mercadante, pela primeira vezno projeto, participar de um trabalhovoluntário é um crescimento pessoal.“Acredito que tudo que chega fácil, vaifácil. Dar um pouco de mim é valori-zar o que eu ganhei, pois até hoje eusempre ganhei tudo dos meus pais.Agora é hora de me doar um pouco”.Como Júlio, a maioria dos jovens queparticipa do projeto acredita que devedoar parte do seu tempo para o pró-ximo. Guy Dudley e Eric Redinger afir-mam ser difícil participar já que o rit-mo de vida acaba “endurecendo” a ro-tina das pessoas. “É colégio, depois fa-culdade e por fim a profissão. Procu-ramos as brechas para o voluntariado”.Eric ainda afirma que consegue parti-cipar desse tipo de viagem, pois as uni-

versidades norte-americanas aceitamo voluntriadocomo crédito parao aproveitamentode matérias extra-curriculares, eletambém se consi-dera um represen-tante de seu país, eresponsável pelaimagem dos Esta-dos Unidos ao fa-zer boas ações.

CuriosidadesO ortopedista

Tom Schildwachterparticipa do proje-to desde 2001 e conta porquê ajudar opróximo tão distante da sua realidade.“Descobri o pro-jeto através doGary e do JohnGrishan, que veioem 1990 e escre-veu um livro so-bre o projeto, quevirou best-seller;daí ele voltoupara os EstadosUnidos e nosconvidou a parti-cipar..” “O pro-jeto tocou meucoração”.

O livro que Tom se refere é a fic-ção The testament, que narra a aventurade uma jovem americana no Pantanalsul-mato-grossense, personagem inspi-

Voluntariado

A África recebe cerca de 35% dos missionários. Tal número podeser explicado por alguns antropólogos por fatores como a dívida his-tórica em relação aos escravos trazidos para o Brasil, a facilidadelingüística em relação aos países de língüa portuguesa, e também aextrema pobreza de populações africanas que identificam a missãocomo um compromisso solidário com os mais pobres.

Já o continente americano absorve 40% dos voluntários. Na Améri-ca do Norte, o serviço restringe-se ao auxílio dos imigrantes brasileirose hispânicos (40%). A América Latina absorve a maior força missionáriabrasileira além-fronteiras (36%), sendo que a proximidade geográficapermite um intercâmbio rápido entre as congregações religiosas, alémda proximidade lingüística entre o português e o espanhol.

Os dados confirmam que 19% dos missionários brasileiros estãona Europa, na maioria para atender às congregações religiosas. No ori-ente o número de brasileiros missionários se restringe a apenas 6%.

Fonte: http://www.pime.org.br/mundoemissao/estatisticasbrasil.htm

[email protected]@msn.com

Atendimentos médicos chegam 200 por dia

Voluntário em atividades com crianças

rada em uma das voluntárias do pro-jeto, Eliane Félix. Grishan, ao voltar aos

Estados Unidoscom a história,passou a contagi-ar amigos e co-nhecidos. Naépoca, ele acom-panhou o grupoque atuava no bar-co Pantavida,atendendo as po-pulações ribeiri-nhas do rio Para-guai dos dois la-dos da fronteira.Tom conclui “o

projeto tocou meu coração”.

Voluntariado transfronteirasnas Américas e na África

“Para algumas pessoasé necessário sair da

sua zona de conforto.Eu não conseguiria

desenvolver esse tipode trabalho em Campo

Grande, onde tenhonegócios me distraindo”

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No estacionamento do Cepol(Centro de Polícia Especializada deCampo Grande), os carros dividem oespaço da cobertura com centenas demáquinas caça-níqueis. Pedaços de ma-deira soltos, componentes eletrônicosarrancados e anos de poeira acumula-da trataram de esconder seus botõescoloridos; mas a velha forma domaquinário permanece inconfundível.A situação não é muito diferente nogabinete do delegado Silvano Mota.Todo o lado esquerdo e a parte trasei-ra da sala estão tomados pelasvideoloterias. Os modelos variam bas-tante: do tradicional ao portátil, disfar-çado em forma de mala, até os maisrecentes, com tela de LCD e formatode um pequeno computador. Na sala,as formas, cores e estilos dos apare-lhos podem variar, mas a procedênciaé a mesma: são todos frutos de apre-ensão da operação Las Vegas.

Iniciada em 20 de maio, e de-flagrada pelo Gaeco (Grupo de Açãoe Repressão ao Crime Organizado),com o apoio das polícias Federal e Mi-litar, a operação prendeu 20 pessoasem Campo Grande e Corumbá. Tam-bém apreendeu 18 veículos e um aviãoparticular, além de R$ 77 mil e US$1,7 mil. A ação desmantelou a quadri-lha de jogos de azar liderada pelo ma-jor aposentado da PM, Sérgio Robertode Carvalho. O militar já havia sidopreso em 2007 durante a operação Xe-que-Mate, que decretou o fim da erados bingos na Capital. Outros dois po-liciais militares faziam parte da quadri-lha: o capitão Paulo Roberto Xavier eo cabo Marco Massaranduba.

Durante a Las Vegas, foram fecha-dos dois cassinos em Campo Grande:o Casarão, na Vila Planalto, e o Caju, no

ças. A proposta foi vo-tada no dia 17 do mes-mo mês, mas apenas osbingos foram legaliza-dos. Cassinos permane-cem na ilegalidade.

O jogo tornou-seilegal no país em 1946,durante o governo domarechal Eurico Gas-par Dutra, pelo De-

creto-Lei nº 9.215. Nele, justifica-se aproibição considerando que “a tradi-ção moral, jurídica e religiosa do povobrasileiro é contrária à prática e à ex-ploração de jogos de azar”. Jogador eempresário da jogatina se enquadramna lei, que estabelece reclusão de trêsmeses a um ano, podendo se estendera perda dos móveis da propriedade.

O delegado Silvano Mota ressalta:“as pessoas que jogam não apresentamperigo à sociedade. A máquina (caça-níquel) é a mais lesiva. Seu hardware éprogramado para só liberar o prêmiodepois que juntar dinheiro suficientepara dar lucro ao empresário”. Defen-sores do jogo de azar afirmam que alegalização poderia ser a maneira de vis-toriar as máquinas, tornando-as maisseguras. No artigo A Legalização dos Cas-sinos no Brasil e América Latina, publica-do em 2006, o coordenador do Cur-so de Turismo da Universidade Positi-vo (PR), Dario Luiz Paixão, apresentaoutro argumento a favor da legaliza-ção: “é voz corrente que em mais de50% dos países do mundo, os cassinosse apresentam como eficaz meio de ob-tenção de divisas. Quem duvida que areabertura dos cassinos no país repre-sentaria não só a construção de gran-des e novos complexos hoteleiros e ge-raria milhares de empregos?”. O arti-go cita diversas cidades que prospera-ram devido ao turismo gerado peloscassinos. Um exemplo clássico é o deLas Vegas, construída no meio do de-serto de Nevada, e tornada uma po-tência turística mundial.

O projeto aprovado na CâmaraFederal ainda precisa passar por outrasinstâncias para se tornar lei. Se apro-vado, os estabelecimentos não pode-rão se localizar a menos de 500 metrosde igrejas ou estabelecimentos de ensi-no e nem poderão ser visualisados davia pública. As apostas poderão ser fei-tas somente a vista, para evitar dívidas.É proibida a presença de menores deidade, assim como de pessoas viciadasem jogos de azar, que serão identi-ficadas através da criação de um ca-dastro nacional de dependentes, quedeverá ser criado em 180 dias após aaprovação da proposta.

Vidas por trás dos números“Os anos que eu passei jogando,

vivi um inferno muito grande”, relembraJoão*. “Eu comecei a jogar em 1994 eem oito anos eu estava completamentefalido. Hoje, eu penso como é irracio-nal um ser humano passar das 11h até amadrugada do dia seguinte no jogo, semse preocupar com nada! Eu andavacom o sapato furado, a roupa toda ras-gada... Para você ver, na véspera doNatal eu fui pro bingo. No Dia dasMães? Bingo! O jogo tira de você todo

Legalização de jogosde azar volta à

discussão.Proposta prometeempregos e lucro

para MS, mase quanto aos

jogadores?

Só por hoje, evitarei a primeira

Andriolli Costa

“Véspera de Natal eufui pro bingo. Dia das

Mães? Bingo!O jogo tira todo seu

sentimento decomunidade”

Jardim São Ben-to. No total, fo-ram encontradas97 computado-res e máquinascaça-níqueis. Delá para cá, a per-seguição àsvideoloterias setornou cada vezmais freqüente, etodas as apreensões são enviadas para asede da Polícia Civil. As constantes mo-vimentações da polícia na repressão aojogo de azar reacenderam o antigo de-bate da legalização dos cassinos e bingos,abandonado desde 2004. Em 3 de ju-nho, o site da Câmara Federal apontavaa legalização dos jogos de azar comouma das pautas da Comissão de Finan-

“aposta”

Foto: Andriolli Costa

Jogo de azar

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[email protected]

“O dinheiro parece que ésó um pedaço de papel.

Uma nota do BancoImobiliário”

* s nomes foram alterados a pedido dosentrevistados

o sentimento de comunidade...”.João é um jogador compulsivo,

daqueles que terão que se identificarcaso o projeto de lei seja aprovado.Sem apostar desde o final de 2003, or-ganizou em parceria com Cláudia*, em19 de abril de 2004, a primeira reuniãodos Jogadores Anônimos (J.A) deCampo Grande. Iniciado em LosAngeles, nos Estados Unidos, em 1957,baseado nos 12 passos do AlcoólicosAnônimos, o J.A busca ajudar pessoasa superar a dependência do jogo. “Éum programa de recuperação”, expli-ca João, “mas recuperação do que? Dedinheiro? Não. Da dignidade, da auto-estima, de uma vida familiar saudável”.

Todas as quintas-feiras, a campai-nha toca pontualmente às 19 horas, in-dicando o início da sessão. A neblina eo feriado de 11 de junho intimidavam,mas sete participantes estavam presen-tes. Sentada à mesa, Cláudia, a única jo-gadora na sala inicia a sessão. “Não so-mos filiados a nenhuma seita ou organi-zação, nem com-batemos ou defen-demos nenhumacausa. Nosso pro-pósito é um só: le-var uma vida equi-librada e feliz”. Apalavra passa paracada um dos pre-sentes. Todos têmdez minutos para falar de sua recupera-ção. Sentados em círculo nas cadeirasde plástico, entre goles nervosos de café,eles ouvem em silêncio as histórias deseus companheiros. Diferem na etnia,classe social e religião, mas se identifi-cam no relato dos colegas.

“O jogo na minha vida foi piordo que qualquer droga ou qualquer be-bida poderia ter sido”, testemunhaCláudia. “Eu tinha uma loja, e bem dolado abriram um local que tinha umamaquininha de jogo. Um dia, fui lá comR$ 1 e voltei com R$ 40! É incrívelcomo você sempre ganha na primeira!Você vê o quanto rendeu e pensa quevai ganhar sempre. Eu era dependentedo meu marido e queria minha auto-suficiência. Comecei a ir ao bingo, e sóvoltava para casa as 2 da manhã. Che-guei a deixar meus filhos para a direto-ra da escola levar para casa, porque euficava jogando”.

Matheus* também comenta suarecuperação e conta que na família sóquem jogava era sua mãe. “Ela ia dire-to ao bingo e eu sempre ia buscá-la.Foi só dez anos depois que eu comeceia ir para jogar. Vintão, trintão, e issoaqui pode render? Beleza né!” E conti-

nua: “o pior do jogador é a mentira.Ela desgasta qualquer relacionamento.A gente mente para o chefe, mente paraa mulher.... Eu chegava a deixar umacamisa limpa no porta-malas do meucarro, mas não adiantava. Existe umcheiro do jogo. Aquele cheiro de cigar-ro impregnado naquele ambiente fecha-do não sai da gente. Minha esposa sem-pre sabia quando eu tinha ido jogar.Quase deu separação”. Este é seu quar-to retorno ao grupo. “O jogo é umacoisa muito forte em mim. Se eu nãodeixar ele estacionado, eu sei que elevolta”.

Os períodos de abstinência dosparticipantes são variáveis: alguns anos,meses ou dias. Não importa. “O passa-do ficou para trás, e o futuro ninguémconhece. O importante é o hoje”, co-menta Alberto*, sentado ao lado de suaesposa. Seus cálculos são precisos: “nãoaposto nada há dois anos, nove meses e11 dias, nem mesmo par ou ímpar!”.Ainda assim, diz saber que possui um

jogador compul-sivo dentro de si.“Essa nossa doen-ça é crônica, e o J.Aé nosso remédiopara a vida toda.Estou parado sóaté agora. São 24horas de cada vez.Esse é nosso lema:

Só por hoje, evitarei a primeira aposta”.A primeira vez que João entrou

num ambiente de jogo foi em 1994,na inauguração do Real Bingo. Curio-so com a movimentação, perguntouaos seguranças do local do que se tra-tava. Era um ambiente festivo e cheiode luzes, onde desfilavam belas mulhe-res de vestido longo, empresário e de-putados. “Só gente ricaça!”. Garçonscirculavam constantemente pelas me-sas, levando uísque e refrigerante decortesia. “Parece que é aquilo que mefazia ser gente”.

Alberto não ligava para o ambientedo bingo. “Olha, eu nem sei o que meatraía. Não era o glamour, não era nemvontade de ganhar. Se eu ganhasse, óti-mo, mas o negócio é que eu tinha prazerem jogar. Eu jogava porque eu ficava en-cantado quando o meu número apareciano telão. Parecia que eu tinha um orgas-mo quando via as figurinhas todasenfileiradas nas máquinas caça-níqueis,sabe? Nosso dinheiro parece que é só umpedaço de papel. Uma nota do BancoImobiliário”

A psicóloga Eleide Lopes Félixdestaca que a compulsão ao jogo vemde uma busca para aliviar uma ansie-

dade ou uma carência. “O jogadorcompulsivo é uma pessoa emocional-mente fragilizada. O ambiente do cas-sino e a possibilidade de vitória me-xem com a idéia de poder e onipotên-cia”. É difícil saber quais pessoas têmtendência a se tornarem compulsivas,uma vez que, por vezes, a falta de con-tato com o jogo não permite que ovício latente se desenvolva.

O jogo patológico afeta cerca de4% da população mundial, podendochegar a até 17% em países como aAustrália, onde o jogo é legalizado. Osdados são da dissertação Jogos de Azar:Análise do Impacto Psíquico e Sócio-Famili-ar do Jogo Patológico a partir das Vivênciasdo Jogador, defendida na UCDB (Uni-versidade Católica Dom Bosco) em2007 por Sálua Omais. A autora citaestudos que mostram que em países quelegalizaram os cassinos, como EstadosUnidos e Canadá, houve grande au-mento no número de pessoas viciadasem jogo. Muitas vezes, é o jogo socialque acaba servindo como pontapé ini-cial para o jogo compulsivo.

A legalização dos cassinos e bingosno Brasil pode gerar empregos, pro-mover o desenvolvimento turístico etrazer divisas para o Estado. No en-tanto, a exposição e a publicidade emtorno dos jogos de azar deverão atin-gir um número maior de brasileiroscom tendência ao vício, o que acabarágerando novos problemas para a po-pulação. Sálua Omais conclui sua pes-quisa dizendo: “torna-se impossível afe-rir o tamanho real do impacto do jogosobre o indivíduo, a família e a socie-dade, tendo em vista que os prejuízosemocionais da identidade e da auto-

estima, a distância afetiva, as mágoas eas agressões extrapolam qualquer ten-tativa de se mensurar as reais dimen-sões desse problema”.

Como entidade, o J.A não seposiciona sobre nenhuma questão mas,como envolvidos, seus participantesdesaprovam fortemente a legalizaçãodos jogos de azar. João se manifesta:“Eu vejo isso como uma aberração doponto de vista humano! Não se podesaber quem é um jogador compulsivo.Pode ser um pai de família que passa odia inteiro quebrando asfalto, ganha R$400, e vai acabar deixando tudo numamáquina de jogo”. Caso as previsõesprovem ser corretas ou não, João res-salta: “qualquer pessoa, não importaidade, classe social, raça ou religião quetenha problema com qualquer tipo dejogo, que nos procure. Não só eles,como também seus familiares. Nós osreceberemos com o coração aberto”.

“Vinte e quatro horas paratodo mundo”

Videoloterias empilhadas no estacionamento do Cepol

Foto: Andriolli Costa

Jogo de azar

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Pablo de JesusJeozadaque Garcia

Era meia-noite e meia quando umaambulância do Corpo de Bombeirosfoi acionada para atender um acidentede trânsito na avenida Três Barras, emCampo Grande. Em menos de dezminutos, a viatura chegou ao local econstatou que não existia acidente al-gum naquela área, apenas ruas vazias epouco movimentadas para aquele ho-rário. Pouco depois, nova ligação paraatender acidente de trânsito no bairroTijuca, a nove quilômetros dali. Imedi-atamente, os bombeiros se deslocarame cerca de dez minutos depois estavamno local. Desta vez, um grave acidentevitimou três pessoas e outra encontra-va-se em estado grave devido à coli-são de dois carros. O atendimento foirápido, mas o homem não resistiu aosferimentos e morreu antes de chegarao hospital. Se os bombeiros estives-sem no quartel na hora do acidentegastariam a metade do tempo e, tal-vez, aquele senhor teria sobrevivido.

Casos como esse são rotina nosserviços de atendimento de emergên-cia em Mato Grosso do Sul. Os cha-mados trotes telefônicos têm prejudi-

cado a rapidez e a qualidade do aten-dimento de ocorrências no estado.Samu (Serviço de Atendimento Mó-vel de Urgência), Corpo de Bombei-ros e Polícia Militar são alvos fáceis depessoas que utilizam os serviços dee m e r g ê n c i apara fazer tra-vessuras ou pi-lhérias. Ao aci-onar os núme-ros 190, 192 ou193, sem real-mente precisarde um tipo deatendimento,algumas pesso-as não se dãoconta de que,ao deslocaruma viaturapara uma ocor-rência que nãoexiste, podemprejudicar o atendimento de outra si-tuação real que esteja acontecendo.

O trote ocorre com mais freqüên-cia em certos horários do dia e as cri-anças e adolescentes respondem pelamaioria dos casos. A maior incidênciaocorre entre as 10 e 14 e entre as 16 e

19 horas. Não por acaso, esses horári-os são de saída e entrada de estudantesnas escolas.

De acordo com o delegadoFernando de Paula Lousada, diretordo Centro Integrado de Operações

de Segurança(Ciops), duran-te o período deférias a quanti-dade de trotesaumenta. “Nasférias escolaresas crianças eadolescentes até17 anos sãoquem mais pas-sam trotes paraos serviços deemergência. Namaioria das ve-zes, eles não sa-bem que cau-sam prejuízos

financeiros e até podem contribuirpara que uma pessoa em estado gra-ve morra caso uma ambulância estejaempenhada em uma ocorrência fal-sa”, alerta.

Para o especialista, a mudança decomportamento é fundamental para

diminuir os trotes. “É preciso havermudança de cultura de que passar tro-te é algo legal. Isso requer muitos anose deve começar com campanhas deconscientização”.

Em Mato Grosso do Sul, oCorpo de Bombeiros tem desenvol-vido nos últimos anos palestras emescolas. As instruções são para alu-nos do ensino médio e fundamentale alertam sobre os riscos de passarum trote. “Os pais também são muitoimportantes na aprendizagem dos fi-lhos e devem mostrar a eles o por-quê do trote prejudicar os serviçosde emergência”, pondera o tenentecoronel Sidnei Ribeiro, chefe do se-tor de comunicação do Corpo deBombeiros. Assim como os bombei-ros, a Polícia Militar também temencontros comunitários de seguran-ça nos quais um dos assuntos fre-qüentes são os trotes.

No Ciops, setor responsável porreceber todas as ligações 190 e 193 edespachar as viaturas de atendimentopara as ocorrências, a Polícia Militarconta com quatro atendentes e o Cor-po de Bombeiros, três. Esse número ébaixo para a quantidade de ocorrênci-as da capital, principalmente em horá-

“É preciso haver mudançade cultura de que passar

trote é algo legal.É necessário que ocorramudança cultural, que

requer muitos anos e devecomeçar com campanhas

de conscientização”Fernando de Paula Lousada

Trotes telefônicosdificultam o trabalho

do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar,

colocando em riscoa vida das pessoas

Ligaçõesperigosas

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Ameaça

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rios de pico. O capitão dos bombei-ros Leandro da Motta Arruda, coor-denador do Ciops, lembra que em vir-tude do baixo efetivo de atendentes,os trotes prejudicam a comunicação.“Ocorre que muitos de nossosatendentes perdem tempo com pesso-as que ligam para os serviços de emer-gência e congestionam as linhas. Outrasituação real deixa de ser atendida nes-se momento”, diz.

A experiência em atender diver-sos tipos de situações facilita a identifi-cação de um trote. Na maioria das ve-zes, oatendente per-cebe o troteao fazer umatriagem das li-gações e algu-mas perguntasbásicas. “Ge-ralmente liga-mos de volta ese a pessoanão atender éporque acon-teceu o trote.Ou também identificamos quando umacriança liga e começa a entrar em con-tradição sobre locais e circunstâncias”,afirma Geliane Bitencourt, atendentedo Ciops.

Apesar da experiência dos milita-res nessas situações, é comum aconte-cer o trote consumado – aquele no qual

a ligação passou pela triagem de iden-tificação e uma viatura é deslocada paraatender a suposta ocorrência. “Isso émais difícil de acontecer, mas, às vezes,o trote passa pelos atendentes”, lem-bra Lousada. Afirma ainda que nessescasos a delegacia de polícia mais pró-xima de onde ocorreu a ligação é acio-nada para verificar a origem e tentaridentificar o autor do trote.

Passar trote é crime, de acordocom o Código Penal Brasileiro. O au-tor que for flagrado pode ser preso eenquadrado em falsa comunicação de

crime ou contra-venção, previstano artigo 340,que estabelecepena de um aseis meses oumulta. O artigo266, tambémdo Código Pe-nal, prevê penade um a trêsanos, além demulta, para ca-sos de perturba-

ção do serviço telefônico. Apesar deraro, o delegado Lousada lembra quealgumas pessoas já foram presas e res-ponderam pelo crime. “Justamente pelapena ser pequena e difícil localizar oautor, as pessoas se sentem impunes aopassar trote telefônico”.

Apenas no mês de maio, em Cam-

po Grande, o Ciops recebeu 12,5 miltrotes telefônicos, média de 416 ao dia,número considerado muito alto pelasautoridades de segurança pública. O te-lefone público (orelhão) é usado em30% dos casos. Como os serviços 190e 193 são gratuitos, fica difícil localizaresses autores. “A conscientização é fa-tor preponderantepara a redução nonúmero de ocor-rências. Enquanto asociedade não per-ceber os prejuízosdecorrentes dessaatitude infantil o ser-viço público deemergência estarásobrecarregado edesviado de suafunção principal”,alerta Sidnei Ribeiro.

O índice de tentativas de trote res-pondeu por 15% do total de chama-dos para os números de emergêncianos primeiros seis meses do ano. Es-ses números são preocupantes, masdiminuiram em relação ao ano passa-do. A média em 2008 era de 25% dototal de ligações.

CVV, posso ajudar?Além das pessoas mal intencio-

nadas que ligam somente para preju-dicar o serviço de emergência, o quechama a atenção nos trotes são as li-gações inusitadas que acontecem to-dos os dias. Muitas pessoas ligam ape-nas para agradecer um atendimento,o que não é recomendado, porquecongestiona a linha. Outras, utilizam-se do 190 ou 193 para desabafar umasituação problemática, como aconte-ceu quando a soldado Geliane aten-deu uma ligação em abril. “Logo nocomeço, percebi que não se tratava deuma emergência, mas sim de um ci-dadão que estava em depressão e que-ria alguém para ouvi-lo nessa situaçãodifícil”, conta.

As pessoas, muitas vezes, espe-ram respostas amigas e de consolo dooutro lado da linha. Mas o capitãoArruda lembra que essa não é a fun-ção dos telefones de emergência e ori-enta a não fazer isso. “Indivíduos de-primidos ou com problemas familia-res devem recorrer a serviços de aju-da social como o Centro de Valoriza-ção da Vida, por exemplo”.

Também são freqüentes pedidosde informação nos números de emer-gência. Eles responderam por 20% dototal de ligações em maio. Ligaçõeserradas são 3% do total. São aquelas

Cerca de 27% dosatendimentos de

emergências do Corpode Bombeiros são

acidentes de trânsitourbano com vítimas

não fatais

[email protected]@hotmail.com

Fernando de Paula Lousada é diretor do Centro Integradode Operações de Segurança (CIOPS)

que as pessoas ligam e se desculpamdizendo que discaram um número er-rado.

Para se ter uma idéia de comouma ligação errada ou mal intenciona-da pode prejudicar os órgãos de segu-rança pública, o Corpo de Bombeirosatende uma média de 54 ocorrências

por dia em Cam-po Grande.

Outro fatoque merece desta-que é a distribuiçãode bairros quemais passam trotesutilizando orelhõespúblicos. Na mai-oria dos casos, sãolocalidades de bai-xa renda que assu-mem os primeiros

lugares. Na primeira posição em mar-ço aparece o bairro Canguru, distantedez quilômetros do centro, com 77 cha-madas. O bairro Los Angeles, tambémconhecido pelos altos índices de vio-lência, fica em segundo lugar, com 51casos. Isso reforça a idéia do delegadoLousada de que as campanhas deconscientização são muito importantes,principalmente nos locais mais afasta-dos do centro. “Com base nas estatís-ticas, sabemos os lugares que apresen-tam maior quantidade de trotes e, comisso, fazemos campanhas mais intensasnesses locais”, mostra.

O tempo médio de deslocamen-to de uma viatura do Corpo de Bom-beiros ou do Samu até o local da ocor-rência é de aproximadamente noveminutos, considerando um trânsitobom. Quando se fala de vidas em jogo,um minuto pode fazer a diferença. Porisso, é tão importante não sobrecarre-gar o sistema de atendimento de emer-gências com ligações falsas ou com pe-didos de informação. Atrás da linha te-lefônica pode ter alguém que realmenteprecise de atendimento urgente. E essapessoa um dia pode ser você.

Jeozadaque Garcia

Trotes em situações deurgência podem

prejudicar oatendimento de vítimase significar a diferençaentre a vida e a morte

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Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20Vida Nova

Longe de casaOs estudantes estrangeiros vêm para UFMS com esperança de melhorar seu país

Juvinal Fanda em frente onde mora com mais 14 africanos

Lucas Marinho Mourão

Estudantes de diversos países dei-xaram sua terra natal para estudar emuma instituição e cidade que nunca ou-viram falar: Universidade Federal deMato Grosso do Sul (UFMS), emCampo Grande. São os 42 jovensconveniados ao Programa de Estudan-tes-Convênio de Graduação (PEC-G),do Governo Federal.

Os estrangeiros chegam com di-ploma de ensino médio, visto tempo-rário, sustento financeiro e falando por-tuguês. Como a maioria dos paísesadota a língua de Portugal, a barreirado idioma praticamente não existe.Para Yurema Duarte, caboverdiana, 18anos, o ensino no Brasil é difícil. Ela éacadêmica de Medicina na UFMS, cur-so que não tem em seu país. Sobre suaadaptação com os brasileiros, acha que“a população aqui é muito diferente daafricana. Tenho visto que os brasileirossão fechados, se comparados com meupovo. Essa é uma barreira que tenhoenfrentado”.

Juvinal Manuel Fanda, aluno doterceiro ano de Administração e nasci-do em Guiné Bissau, afirma ter “or-gulho de ser africano e viver a experi-ência de estudar em uma cidade dife-rente” da sua. Ele tem uma rotina bemocupada com aulas matutinas e estágiono período da tarde. “Nos fins de se-mana sou escoteiro e também doucatequese. Gosto muito de CampoGrande, uma cidade muito boa paraestudar. Aqui tenho muitos amigos eparticipo de todas as atividades que meconvidam”, afirma.

Acrescenta que na África quem es-

tuda fora do país tem reconhecimentoquando retorna. “Em Guiné Bissauexiste uma concorrência entre os estu-dantes para conseguirem vaga nos in-tercâmbios estudantis. Tenho irmãosem Marrocos e Portugal”. Juvinal veioao Brasil de uma forma diferente: sus-tentado pelos pais. Por isso não temobrigação de retornar ao país quandoterminar o curso. “Com os recentesconflitos em meu país - tivemos atépresidente assassinado - não pretendoretornar. Quero fazer pós-graduaçãoe não parar de estudar. Talvez eu aindamude para outro país”.

Dia 25 de maio a África come-morou a proclamação da Organizaçãode Unidade Africana (OUA) ocorridaem 1963. Os estudantes africanos co-

memoraram e compartilharam suastradições com os brasileiros no salãoda ASSUFMS, com comidas e desfilesde roupas típicas. Organizaram tam-bém uma palestra no anfiteatro doCCHS debatendo temas relacionadosao continente africano.

Pec-G foi criado pelo Ministério dasRelações Exteriores e Ministério da Edu-cação na década de 1920 e serve comoinstrumento de cooperação educacionala outros países em vias de desenvolvi-mento, como África e América Latina.São mais de 48 países conveniados (vejaquadro com cursos e países). A intenção doBrasil em adotar tal programa é manterum intercâmbio produtivo e organiza-do, cooperando culturalmente com paí-ses que tenham interesse e necessidade doensino brasileiro.

Segundo o atual coordenadordo programa na UFMS, Daniel Santin,o PEC-G não afeta o sistema de ensi-no ou a organização da universidade.“Nós sempre conversamos com oscoordenadores e eles estudam a possi-bilidade de ceder vagas para estrangei-ros. Nós só encaminhamos estudantesse o curso tiver estrutura para receber”,explica. Destaca que “as vagas cedidasa esses estudantes não subtraem as quesão oferecidas no vestibular”.

Brasil como solução

Em Campo Grande, a maioriados estudantes é do continente africa-no (69%), o restante vêm da AméricaLatina. Eles deixam suas nações paraobter boa formação acadêmica e pos-teriormente contribuir com o quadrode desenvolvimento de seu país.

A questão dos conflitos tribais naÁfrica é algo que afeta a política da-quele continente até hoje. A professo-ra de inglês, Priscila Elbert, que pas-sou sua infância em Moçambique eÁfrica do Sul, conta que os conflitosexistem porque quando um homemsobe ao poder, ele representa sua tri-bo. A oposição sempre é a tribo ini-miga. “O povo africano tem comoqualidade a união e o desprendimen-to do individualismo. As pessoas pen-sam sempre no bem da família e datribo”, conta a professora.

Priscila diz que o continente afri-cano realmente tem marcas das recen-tes guerras travadas, mas só pode cres-cer com suas próprias pernas. “Os pro-blemas políticos e sociais incentivamfamílias e governos a buscarem umasolução. Os africanos que vêm estudarno Brasil servem para esse propósito.Eles aprendem e se qualificam, passan-do a ser uma saída para nações queprecisam de melhorias em diversoscampos sociais”.

Desfile em festa africana

[email protected]

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