PROJECTO ACADÉMICO DESENVOLVIDO PELOS … projecto acadÉmico desenvolvido pelos finalistas de...

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UPORTO EDITORIAL

No próximo dia 22 de Março, comemorar-se-á mais um Dia da Universidade, ao completarem-se 94 anos sobre a data da publicação do decreto com força de lei que criou a Universidade do Porto. Como instituição simultaneamente devotada à cultura e à procura de uma cada vez mais visível participação na vida da sua Cidade, decidiu associar à sessão solene, que anualmente se vem realizando, dois eventos a que atribui particular significado.O primeiro consiste na atribuição do grau de doutor “honoris causa” a Agustina Bessa-Luís e a Eugénio de Andrade. O doutoramento “honoris causa” é uma distinção idealizada para ser conferida a individualidades, de algum modo situadas na esfera de influência da Universidade, a quem esta reconhece mérito para inte-grarem e enriquecerem o seu claustro de doutores. Ora, Agustina e Eugénio são, de facto, duas personalidades de enorme prestígio no campo literário, figuras públicas de relevo na Cidade em que decidiram viver, e também acentuada-mente influentes na cultura e no tratamento do saber como grandes mestres da língua portuguesa, motivadores de vocações e inspiradores da realização de importantes estudos académicos. É, pois, com grande alegria que a Universida-de do Porto lhes atribui esta distinção, extremamente honrosa também para a Instituição que a confere.O segundo evento é a realização de uma exposição “A Universidade e a Cidade – O Património Edificado da U.Porto”, cuja abertura está prevista para o mes-mo dia 22 de Março, no piso de entrada do edifício da “Praça dos Leões”, em que ainda funciona a Faculdade de Ciências. Entretanto, espera-se que esta, com excepção dos museus, possa, a prazo relativamente curto, completar a sua transferência para o Campo Alegre, o que permitirá o regresso das instalações da Reitoria ao edifício emblemático da Universidade onde vai ocupar a sua ala poente. Com a exposição, pretende-se lançar um olhar retrospectivo sobre a presença sucessivamente mais importante da Universidade na comunidade, acompanhando a expansão do respectivo património edificado na malha urbana, mostrar algumas características arquitectónicas dos edifícios, construídos de raiz ou adaptados a novas funções, e divulgar aspectos considerados importantes de projectos ainda em curso.Convidam-se os antigos alunos da Universidade e o público em geral a partici-par na sessão solene e a visitar a referida mostra, nesta data já próxima em que a Universidade vai abrir mais amplamente as suas portas – “abrir”, não só em sentido figurado como em termos reais – à Cidade, esperando que esta iniciativa sirva adequadamente o objectivo sempre prosseguido de fortificar e consolidar o diálogo e a interacção com a comunidade envolvente.

José Novais BarbosaREITOR DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Um convite à participação da sociedade

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EDITORIAL - 2

UM CONVITE À PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE

ACTUALIDADES - 4

DIA DA UNIVERSIDADE DISTINGUE PROFESSORES EMÉRITOS

MOSTRA DE CIÊNCIA, ENSINO E INOVAÇÃO EM ABRIL

UNIVERSIDADE JÚNIOR ABREINSCRIÇÕES

VOZES DA UP - 12

QUE FAZ EINSTEIN NA MINHA SALA DE ESTAR?Por João Lopes dos Santos

CONHECER A FACULDADE DE MEDICINA DENTÁRIAFernando Peres, presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Medicina Dentária, destaca linhas de orientação e objectivos da Faculdade de Medicina Dentária

SABER EM MOVIMENTO - 16

O SEGREDO ESTÁ NUMA METODOLOGIA DE RUPTURAQuatro licenciados em Desporto e Educação Física pela UP falam sobre Periodização Táctica, a metodologia de treino adoptada por José Mourinho

ESTUDO DOS COMPOSTOS TÓXICOS NO FUMO DO CIGARRO Projecto de investigação inovador desenvolvido no Departamento de Química da Faculdade de Ciências da UP estabelece novas metodologias analíticas para caracterizar compostos tóxicos do fumo do cigarro

SUMÁRIO UPORTO

UPORTO Nº 15REVISTA DOS ANTIGOS ALUNOS DA UNIVERSIDADE DO PORTO DIRECTORJOSÉ NOVAIS BARBOSA

EDIÇÃO E PROPRIEDADEUNIVERSIDADE DO PORTO; RUA D. MANUEL II. 4050-345 PORTO. T. 226073565 + F. 226098736. PUBLICAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO COMO DEVER ESPECIAL, CONFORME ART. 8º AL. E. DOS ESTATUTOS DA ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS ALUNOS

CONSELHO EDITORIALALBERTO CARNEIRO, ARMANDO LUÍS CARVALHO HOMEM, JORGE FIEL, JOSÉ FERREIRA GOMES, LUÍS MIGUEL DUARTE, RUI GUIMARÃES E RUI MOTA CARDOSO

SUPERVISÃO EDITORIALISABEL PACHECO, JOÃO CORREIA

REDACÇÃO ANABELA SANTOS

SECRETARIADOPAULA FERREIRA

COLABORAM NESTE NÚMEROANTÓNIO CARDOSO, ANTÓNIO FIGUEIREDO, CRISTINA VALADAS, FERNANDO PERES, GÉMEO LUÍS, HELENA SANTOS, TAMI ITABASHI, JAIME MILHEIRO, JOÃO LOPES DOS SANTOS, LEONOR CUTILEIRO, MARIA TERESA VASCONCELOS, MANUELA DUARTE, ÓSCAR LIBERAL, RICARDO RIO, RAIMUNDO DELGADO, TERESA LAGO, TOMÉ RIBEIRO, SIZA VIEIRA.

FOTOGRAFIA½ FORMATO (EGÍDIO SANTOS, PAULO DUARTE)

DESIGNR+C=CR ARTE E DESIGN, LDA

EXECUÇÃO GRÁFICADIGIPRESS-EDIÇÃO ELECTRÓNICA DE IMPRESSOS, LDALUGAR DE RAMOS, 4585-053 BALTAR

DEPÓSITO LEGAL149487/00

ICS5691/2000

TIRAGEM40.000 EXEMPLARES

PERIODICIDADE TRIMESTRAL

NA CAPADESENHO. RUI MENDONÇA

MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA

DOSSIER - 22

UM CRISTAL PARA DEMOCRATIZAR O ACESSO À MÚSICAArrojado corpo cravado no solo da Rotunda da Boavista, a Casa da Música polariza as atenções e potencia uma nova expressão para a cidade.O passado e o futuro da Casa da Música em imagens recolhidas por Leonor Cutileiro, sob o olhar de Teresa Lago, Siza Vieira, Raimundo Delgado, António Figueiredo, Helena Santos e do Conselho de Administração.

PERFIL - 36

“INVESTIGAR COM PRUDÊNCIA E OUVINDO A SOCIEDADE”Ricardo Ribas, aluno do Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada (GABBA), actualmente a preparar o seu doutoramento em clonagem no Roslin Institut, sob a orientação Ian Wilmut, entrevistado por João Correia.

IDENTIDADES - 40

DOUTORAMENTO “HONORIS CAUSA” DE AGUSTINA BESSA-LUÍS E EUGÉNIO DE ANDRADEArnaldo Saraiva escreve sobre a atribuição do doutoramento “honoris causa” a Agustina Bessa-Luís e Eugénio de Andrade em Dia da Universidade.

CRÓNICA - 44

COM A MOSCA NA BEXIGAJaime Milheiro desafia leitores a desvendar mistério.

O PICATomé Ribeiro lembra o “zelo” de um condiscípulo.

A SABER - 46

TOME NOTA - 48

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UPORTO ACTUALIDADES

O Dia da Universidade do Porto deste ano, assinalado a 22 de Março, vai incluir a atribuição do Doutoramento Honoris Causa (ver secção Identidades nesta edição) a Eugénio de Andrade, um dos poetas portugueses mais divulgados no mundo, e à roman-cista Agustina Bessa-Luís, autora de “A Sibila” entre outras obras, sendo que, algumas serviram de base a filmes de Manoel de Oliveira. Trata-se de dois grandes vultos da literatura portuguesa associados normalmente à cidade do Porto, não por terem aqui nascido, mas por nela viverem há várias décadas. No Dia da Universidade decorrerá ainda, pela segunda vez, a cerimónia de atribuição do grau de Professor Emérito. Serão ho-menageados deste modo três professores catedráticos da Universi-dade do Porto: Nuno Grande, um dos fundadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e professor catedrático jubilado de Medicina, Serafim Guimarães, professor catedrático jubilado na Faculdade de Medicina, Jorge Ribeiro de Faria, professor catedráti-co jubilado da Faculdade de Direito.Decorrerá também a entrega de dois Prémios: Prémio Incentivo e Prémio Investigação na Pré-Graduação. O Prémio Incentivo é destinado aos melhores alunos do primeiro ano, e distinguirá 20 alunos das várias faculdades. O Prémio Inves-tigação na Pré-Graduação distinguirá seis equipas de docentes e investigadores e foi criado em parceria com a Fundação Ilídio Pinho. Em 15 de Novembro de 2003, abriu o concurso para pro-jectos de investigação nas áreas das Ciências Exactas e Naturais, Ciências da Saúde e Engenharias, com o objectivo de estimular o envolvimento de estudantes de pré-graduação na investigação científica como reforço das suas actividades de aprendizagem. Fo-ram apresentadas 176 candidaturas de várias faculdades e centros de investigação. O processo de análise e seriação levou, final-mente, à selecção de seis projectos que são os premiados e serão distinguidos no Dia da Universidade (ver lista dos premiados).Como habitualmente a sessão do Dia da Universidade, que decorrerá a partir das 10 horas no Salão Nobre da Faculdade de Ciências na Praça Gomes Teixeira, abre com os discursos do Reitor, de um funcionário e de um aluno.Ainda no dia 22 será inaugurada uma exposição intitulada A Universidade e a Cidade – O Património Edificado da U.Porto, patente no edifício central da Faculdade de Ciências na Praça Gomes Teixeira, até dia 1 de Maio.

Dia da Universidade distingue novos Eméritos e atribui Honoris Causa a Agustina e Eugénio de Andrade

Prémio Investigação na Pré-Graduação (em parceria com a Fundação Ilídio Pinho) - premiados

Engenharia-Nuno Apolinário, João Ribas1, Alexandre Costa1, Joana Morgado1, David Macário2 , M. Teresa Restivo1, Fernando G. Almeida1, Joaquim Mendes1, António Arede1, Dinis Santos2, Carlos Sousa3:Desenvolvimento de Transdutores de Deslocamento para Aplicações em Engenharia Civil.

1Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto, 2Departa-mento de Electrónica UA 3Centro de Apoio à Indústria Meta-lomecânica.-M. V. Correia1,2, S. Cunha2, D. Viegas1, C. Cunha2,3, P. Diniz2,3, E. Mendes3: Sistema de aquisição para ANálise de DAdos de MaRcha com próteses dos membros inferiores – ANDAR. 1Instituto de Engenharia Biomédica, Laboratório de Sinal e Imagem Biomédica ; 2 Universidade do Porto, Faculdade de Engenharia, Dept. Engenharia Electrotécnica e Computadores; 3Centro de Reabilitação Profissional de Gaia.

Ciências Exactas e Naturais-Cristina Freire, Joaquim Marques, Cosme Moura, Carla Sou-sa, Rui Morais, João Tedim, Sónia Patrício, Ana Isabel Cruz: Preparação de filmes baseados em complexos metálicos com propriedades ópticas não lineares. Departamento de Química e Departamento de Física, Facul-dade de Ciências, Universidade do Porto.-Rocha AP1, Gouveia S1, Fernandes JP1 1, Carvalho MJ2, Lago P1, Freitas AF2: Caracterização da variabilidade dos sinais cardiovasculares na “Diabetes Mellitus”1Departamento de Matemática Aplicada, Faculdade de Ciên-cias, Universidade do Porto; 2Centro de Estudos da Função Autonómica (CEFA), Hospital de São João – Porto.

Saúde-JA Costa, JL Costa, A Castro, I Tavares, D Lima: Discriminação sensorial na dor crónica. Instituto de Histologia e Embriologia, Faculdade de Medicina, e IBMC, Universidade do Porto.-Liliana Matos, Delminda Neves, Henrique Almeida: A superó-xido dismútase do córtex supra-renal no stress oxidativo. Instituto de Histologia e Embriologia, Faculdade de Medicina, e IBMC, Universidade do Porto.

NUNO GRANDE JORGE RIBEIRO FARIASERAFIM GUIMARÃES

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UP NOTÍCIAUPORTO ACTUALIDADES

Mostra de Ciência, Ensino e Inovação em Abril

A Universidade do Porto organiza, de 21 a 24 de Abril, a terceira edição da mostra das suas actividades de ensino, investi-gação e prestação de serviços, dirigida a todos os cidadãos, mas muito particular-mente aos jovens do ensino secundário que se interrogam sobre os novos cami-nhos para a continuação dos seus estudos de nível superior e sobre as possibilidades de colocação profissional. Durante quatro dias (das 10h00 às 23h00), no Pavilhão Rosa Mota, será possível contactar directa-mente com a informação, experimentação e descoberta orientadas pelas Faculdades e Centros de Investigação da Universidade do Porto, a maior universidade portuguesa.A Mostra tem constituído um espaço informal de comunicação entre o meio académico, a sociedade e os estudantes, tendo atingido aproximadamente um total de nove mil visitantes no ano passado. Na Mostra de Ciência, Ensino e Inovação da U.Porto, os estudantes encontrarão infor-mação abundante sobre todos os cursos da Universidade que poderão ajudar a decidir o futuro, mas terão também a pos-sibilidade de contactar pessoalmente, num ambiente informal, com docentes e com os seus futuros colegas, questionando-os sobre o conteúdo e organização dos cursos de licenciatura, sobre o interesse e a qua-lidade da formação, sobre expectativas de colocação profissional, sobre o quotidiano académico...A Universidade do Porto pretende, também, que esta Mostra seja uma mo-tivação para o conhecimento - Ciências, Ciências da Saúde, Engenharias, Arte e a Arquitectura, Humanidades e as Ciências Sociais. O visitante terá a possibilidade de assistir a demonstrações experimentais, realizar observações, manusear módulos interactivos e receber explicações sobre os

fenómenos demonstrados, podendo sentir um pouco do entusiasmo de produzir conhecimento.Os mais fortes institutos de interface da Universidade demonstrarão o impacto que a sua actividade de investigação tem na co-munidade e no desenvolvimento científico e tecnológico, apresentando os seus resulta-dos concretos e tornando compreensível a sua actividade e os seus projectos. A Mostra será também pontuada por espectáculos de grupos estudantis e uma livraria permitirá aos visitantes conhecer e adquirir obras editadas pela Universi-dade. Uma exposição museológica dará a conhecer um pouco do rico património de uma universidade brevemente centenária. A entrada é gratuita. Para mais informações e inscrições: Gabinete de Comunicação e Imagem, Reitoria da Universidade do Porto, Rua D. Manuel II, 4050-345 Porto, Tel: 22 607 3565; Fax: 22 609 8736; E-mail: [email protected].

A Universidade do Porto e a Caixa Geral de Depósitos, no seguimento do relaciona-mento institucional e comercial existente, firmaram um protocolo, a 4 de Fevereiro, de cooperação entre as duas instituições que garantirá à U.Porto um subsídio anual de 500 mil euros. O protocolo tem um período de vigência de dois anos, automati-camente renovável por igual período.Grande parte da verba (70%) será desti-nada ao financiamento de projectos da U.Porto nas áreas da informatização global da universidade, da valorização do seu património, na investigação científica, da promoção do conhecimento, da inovação e do empreendedorismo, da atribuição de prémios de mérito académica e científico, da divulgação da ciência e cultura e do desporto universitário. Os restantes 30% terão como destino as habituais políticas de patrocínio da Caixa Geral de Depósitos às unidades orgânicas da U.Porto e o finan-ciamento de equipamentos informáticos a sortear anualmente entre os estudantes que aderirem ao cartão bancário da Caixa.De acordo com o protocolo, a Caixa Geral de Depósitos disponibiliza também condições bancárias específicas, quer para os estudantes e funcionários, quer para as unidades orgânicas da U.Porto.Como contrapartida, a Universidade do Porto compromete-se a manter a adesão ao cartão de identificação de alunos e fun-cionários emitido pela Caixa e a autorizar a cedência de instalações, em períodos convenientes, para as actividades de promoção e implementação dos produtos e serviços que a Caixa Geral de Depósitos destina ao público da U.Porto.

Caixa Geral de Depósitos concede subsídio anual de 500 mil euros à U.Porto

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BPI dá condições preferenciais à comunidade da U.Porto

Docentes, investigadores, funcionários, alunos e organismos associados à Univer-sidade do Porto têm condições prefe-renciais no acesso a produtos do BPI, na sequência de um protocolo assinado entre as duas entidades no final do ano passado. A docentes e funcionários que domiciliem o ordenado no BPI, o banco atribui vanta-gens no acesso aos vários produtos destina-dos a clientes individuais. Por outro lado, o Crédito Formação BPI - Universidade do Porto possibilita condições vantajosas no financiamento de despesas de educação relacionadas com licenciaturas, pós-gra-duações, mestrados e doutoramentos frequentados por docentes, funcionários e alunos da Universidade do Porto, em Portugal ou no estrangeiro.Uma particularidade deste acordo tem a ver com as condições privilegiadas, por parte de faculdades e outros organismos associados à Universidade, no acesso aos produtos e serviços bancários do BPI. Essas condições especiais, que resultam da consideração da dimensão da U.Porto como um todo, beneficiam cada faculda-de e organismo, independentemente da respectiva dimensão individual.Mais informações na página específica do protocolo BPI/UP, acessível através da página da Universidade na Internet (http://www.up.pt).

Novo Conselho Directivo em Letras

Na sequência das eleições de 6 de Janeiro, a Faculdade de Letras tem um novo Conselho Directivo presidido por Maria de Lurdes Correia Fernandes, docente no Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos. Professora Associa-da de Línguas e Literaturas Modernas, a nova presidente sucede à geógrafa Ana Monteiro que assumiu o cargo em 2002. A estas eleições, das mais participadas de sempre e com uma percentagem de votan-tes superior a 80 por cento, concorreram duas listas. A Lista A, identificada como de continuidade dos mandatos mais recentes, e a Lista M que venceu com mais de 60 por cento dos votos.A tomada de posse do novo Conselho Directivo decorreu a 1 de Fevereiro.

Quartas em ano de Física e de Einstein

Dez palestras sobre temas que vão ao encontro dos programas do Ensino Básico e Secundário e onde surge a referência incontornável ao legado de Einstein constituem o programa do ciclo “Física às Quartas”. A iniciativa resulta de uma parceria entre o Departamento de Física da Faculdade de Ciências da U.Porto e a So-ciedade Portuguesa de Física para assinalar o Ano Internacional da Física em 2005.Em 2005 vão passar 100 anos desde a publicação de um conjunto de artigos, da autoria de Einstein, que revolucionaram a Física, nomeadamente relacionados com a Relatividade e com o comportamento do electrão como partícula. Os palestrantes são docentes da Universidade do Porto. As sessões, que começaram a 12 de Janeiro e decorrerão até 6 de Junho, a partir das 15 horas, estarão abertas a todos os interessados, nomeadamente alunos do ensino básico, secundário e superior. Na secção vozes da UP, João Lopes dos Santos, professor do Dept. de Física da FCUP, assina um texto sobre o tema. Mais informações em http://www.fc.up.pt.

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UPORTO ACTUALIDADES

Centro regional apoia deslocação de investigadores

A União Europeia pretende transformar- -se na mais competitiva economia baseada no conhecimento, tal como foi estabele-cido na Cimeira de Lisboa no ano 2000. Uma das vias para concretizar este objec-tivo é reforçar a troca de experiências e saberes através da deslocação de investi-gadores. No entanto, a deslocação para um meio diferente, muitas vezes desconheci-do, com a sua própria forma de organiza-ção administrativa e social, pode revestir-se de algumas dificuldades. Um local para morar, uma escola para os filhos, se houver filhos, a adaptação ao novo sistema fiscal, estão entre as primeiras preocupações do investigador quando viaja e fica durante algum tempo a residir no estrangeiro.Para ultrapassar estas dificuldades mais facilmente foi criada na União Europeia a rede ERA-MORE (European Research Area-MObile REsearchers), uma rede de centros que tem, desde o mês passado, um novo membro sediado na Universidade do Porto. O Centro de Mobilidade do Porto destina-se não só aos investigadores da Universidade do Porto que pretendam desenvolver investigação no estrangeiro e estrangeiros que pretendam desenvolver investigação na Universidade do Porto, mas a toda a região.O Centro funciona nas instalações dos serviços centrais (Serviço de Relações Internacionais) da Universidade do Porto.

O sistema de informação da Reitoria da Universidade do Porto está disponível on-line. A página acessível pela Internet dispõe do layout e de alguns módulos de acesso à informação já conhecidos nas páginas de muitas outras unidades orgâni-cas da Universidade. Neste primeira fase estão acessíveis os módulos considerados prioritários para tornar o sistema útil, em particular os relativos aos recursos humanos afectos à Reitoria, às notícias, legislação e informação sobre os serviços e instalações. Tal como tem acontecido com outras unidades orgânicas, progres-sivamente outros módulos informativos poderão ser adicionados com relativa facilidade e economia de recursos, sendo esta uma grande vantagem deste sistema de informação, o SIGARRA. Por outro lado, está prevista para finais do primeiro trimestre deste ano a dispo-nibilização on-line do sistema SIGARRA da Universidade do Porto integrando informação dos sistemas de todas as unidades orgânicas. Outra das vantagens deste sistema é a rapidez de adaptação a novas exigências, nomeadamente legislação em vigor, e a novas funcionalidades que ficarão assim disponíveis para todas as unidades orgâ-nicas que o utilizam.

SIGARRA - Sistema de informação da Reitoria on-line

De lama se faz tijolo

A lama que até agora tinha como destino o aterro sanitário, uma solução com custos ambientais elevados, incorporada em tijolo e telha, poderá abrir uma nova perspectiva de negócio para a empresa Águas do Dou-ro e Paiva. Este foi o principal resultado de um estudo de “Alternativas de Gestão de Lamas da ETA de Lever” efectuado pela Faculdade de Engenharia da U.Porto entre Março de 2003 e Julho do ano passado. A primeira Estação de Tratamento de Águas a ser submetida ao processo será a de Lever, que produz anualmente 3.500 toneladas de lama, o que corresponde a 99% do total de lama produzida pela em-presa. Resta agora obter o licenciamento do Instituto de Resíduos para se dar início aos testes das emissões de gases libertados durante o processo.

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UP NOTÍCIAUPORTO ACTUALIDADES

Vírus em águas balneares – projecto europeu envolve Farmácia

A Comissão Europeia pretende rever a Directiva das Águas Balneares 76/160/EEC e incluir a detecção deste certos vírus, adenovirus e norovirus, no controlo microbiológico destas águas, sendo para tal necessário desenvolver uma metodolo-gia efi caz e aplicável nos países membros. Algumas doenças, como as gastroenterites, são causadas por norovírus e adenovírus.Neste sentido, está a ser desenvolvido o Projecto Europeu VIROBATHE (6º Progra-ma Quadro) que conta com a participação de 9 países da União Europeia, incluindo Portugal através da Faculdade de Farmá-cia da Universidade do Porto, e que teve início em Janeiro de 2005. O projecto tem duração aproximada a 27 meses e pretende desenvolver um método para a detecção rápida destes vírus em águas balneares e que sirva de base à revisão da Directiva.Na Faculdade de Farmácia, o projecto é coordenado pela investigadora e do-cente Maria de São José Nascimento. A participação da Faculdade de Farmácia efectiva-se a partir de Janeiro de 2006 através da recolha e análise de amostras de zonas balneares do Norte do País, usando os métodos de concentração e detecção a defi nir durante este ano. A análise das águas balneares, que a legisla-ção portuguesa determina como obrigatória e periódica, inclui um controlo microbio-lógico mas neste, normalmente, são apenas avaliados parâmetros bacteriológicos.

Universidade Júnior– inscrições abertas para fi lhos de membros da U.Porto

O Ministério da Educação decidiu apoiar as iniciativas que a Universidade do Porto está a preparar tendo em vista a sensi-bilização dos alunos do ensino básico e secundário para as disciplinas científi cas e tecnológicas.Através de um protocolo fi rmado a 3 de Fevereiro pelo reitor José Novais Barbosa e o então secretário de Estado da Educa-ção, Diogo Feio, as instituições compro-meteram-se a colaborar na execução das iniciativas da U.Porto de forma a que alcancem o maior número de alunos, nas melhores condições possíveis.A primeira destas acções, a Universida-de Júnior, decorrerá já em Julho, com programas de ocupação semanais para os jovens entre o 5º e o 11º anos de escolari-dade. Apesar da inscrição ainda não estar disponível para o público em geral, os membros da U. Porto podem desde já, e até 30 de Março, inscrever os seus fi lhos nestas actividades, benefi ciando ainda de um des-conto de 50% na propina de cada programa semanal: 25 euros, em vez dos 50 que serão praticados para o público geral.A inscrição deve ser feita em http://www.up.pt/universidadejunior (onde poderá obter informações adicionais sobre o pro-jecto) e confi rmada pelo pagamento por cheque a enviar para: Universidade Júnior, Reitoria da Universidade do Porto, Rua D. Manuel II, 4050-345 Porto.

INEGI recebe fi nanciamento para a nova sede

Depois de mais de uma década de esfor-ços, o INEGI – Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial vai fi nal-mente poder arrancar com a construção da sua nova sede, agora que fi cou defi nida a comparticipação fi nanceira estatal.A boa nova foi anunciada no fi nal de Ja-neiro, numa visita do secretário de Estado do Desenvolvimento Económico, Manuel de Lencastre, à actual sede do INEGI, em Leça do Balio. No local, o membro do governo pôde comprovar a precariedade das instalações (um antigo complexo fabril dos anos 60) da instituição que é tida como um case-study europeu a nível da I&D e a urgência da construção de um novo complexo.A futura sede do INEGI será construída de raiz no campus da FEUP, nas traseiras do pavilhão de Mecânica, permitindo assim reforçar a ligação da investigação com o ensino. Com uma área total de 7609 m2, o novo complexo será constituído por uma torre destinada a gabinetes de trabalho, salas de reuniões e zonas multi-usos para organização de eventos, um corpo onde fi carão sediadas as estruturas laboratoriais e uma nave industrial que acolherá os equipamentos de produção fabril necessários à actividade do INEGI. Com início de construção previsto para antes do fi nal de 2005, o novo complexo poderá acolher a investigação do INEGI já em 2007.

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Exposição impulsiona museu Marques da Silva

Marques da Silva, para além de um dos mais importantes arqui-tectos da cidade do Porto, foi também uma figura destacada da academia. Professor de Arquitectura na Escola de Belas-Artes do Porto (antecessora da faculdade homónima e da Faculdade de Arquitectura) desde 1907, acabaria por assumir a direcção da instituição em 1913. A sua estreita ligação à academia foi reconhecida pelos seus herdeiros que confiaram o legado do arquitecto à Universidade do Porto que, por sua vez, o quis dignificar criando o Instituto Arquitecto José Marques da Silva. O organismo tem por missão a preservação e divulgação desta obra marcante na cidade do Porto e a dignificação da arquitec-tura e a profissão de arquitecto.Tendo por base a missão do Instituto e o seu espólio, o Instituto de Recursos e Iniciativas Comuns e o Instituto Marques da Silva promoveram a exposição intitulada “Marques da Silva. Imagens de Uma Época”, na sala de exposições da Biblioteca Almeida Garret, uma mostra da vida e obra do arquitecto, um olhar sobre o seu percurso através de fotografias da época e de alguns registos documentais do espólio da Universidade do Porto. Trata-se da primeira manifestação do Museu, ainda em fase de instalação. Em breve será lançado um concurso de ideias para intervenção nos números 30 e 44 da Praça Marquês de Pombal, no Porto, para, respectivamente, instalação do Instituto e do futuro Museu. Ambos os imóveis (um deles é o antigo atelier do arquitecto) são hoje propriedade da Universidade.Paralelamente à mostra, realizou-se no dia 4 de Março, no espaço de exposições da Biblioteca Almeida Garrett, uma conferência com António Cardoso, professor de História de Arte da Facul-dade de Letras e estudioso da obra do arquitecto, e Domingas Vasconcelos, arquitecta e autora de investigação sobre a Praça do Marquês, onde se destacam vários edifícios projectados por Marques da Silva. Dia 11 decorreu uma conferência seguida de mesa-redonda, com a presença de Fernando Catroga, professor da Universidade de Coimbra, e Anni Gunther, José Salgado, Lúcia Almeida Matos, Manuel Mendes e António Cardoso, como moderador.

O Arquitecto José Marques da Silva (1869-1947)Aluno do atelier de Victor Laloux nas Beaux Arts de Paris, de 1889 a 1895, Marques da Silva sucederá a Silva Sardinha na cadeira de Arquitectura da Escola portuense, e será, em períodos diferentes, o seu director.Pelo longo magistério e seu legado, pela prática da arquitectura, não alheio ao seu debate, é o verdadeiro arquitecto da Cidade (ul-trapassando-a) até aos anos 40 e, certamente, o primeiro moder-no, não pelos modos de o saber, mas pelos modos de o ir fazendo.Em prática ecléctica de época, (e por exigência de programas) aproxima-se do historicismo, com a citação do manuelino, com os projectos neo-românicos e alguma arquitectura funerária, e é pioneiro da habitação social com o projecto do Bairro operário“O Comércio do Porto”, de 1899, instituído em modelo na Cidade. É, ainda, na prática Beaux Arts da Estação Central do Porto que realiza o Teatro de S. João, num gosto de Luís XVI ao Segundo Império, ou no monumento da Rotunda da Boavista.No contexto da República, na vontade da afirmação cívica, a Gare ajuda à definição do centro e à hierarquização dos espaços. Os grupos sociais exigem a comunicação e os seus diferentes espaços. Marques da Silva, de algum modo, a eles responde com uma arquitectura de gosto europeu, de origem francesa e flamenga, (visível, como exemplo, no arranque da Avenida dos Aliados) e, com nuances, nos Liceus Alexandre Herculano e Rodrigues de Freitas (aqui com as notícias das Artes Déco).Foi, certamente, o primeiro dos modernos nos Armazéns Nas-cimento, no Porto, e noutro entendimento na Casa de Serralves, já, nos anos 30.Pela exigência e rigor, pelo prazer do desenho, por ele passa, na longa duração, o fio condutor do que de mais persistente recla-mamos para o território de um “escola portuense” ou para o seu debate ou questionamento.

António Cardoso

BIBLIOGRAFIA MÍNIMA: António Cardoso - O Arquitecto José Marques da Silva e a arquitectura no Norte do País na primeira metade do século XX, Porto, FAUP, 1997.

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UPORTO VOZES DA UP

Que faz Einstein na minha sala de estar1?

O Ano Internacional da FísicaNo ano de 1905, um obscuro funcionário de um escritório de patentes, de nome Albert Einstein, publicou cinco artigos científi-cos, sobre três assuntos distintos. A sua contribuição em cada um destes assuntos era merecedora, por si só, de um prémio Nobel: um ano mirabilis, sem sombra de dúvida.Cem anos depois, em 2005, Ano Internacional e Mundial da Física, os físicos de todo o mundo celebram a sua ciência, num contexto social de pouco apreço (quando não hostilidade) pela Física, pelos seus sucessos e pelos seus praticantes.Esta comunidade propôs-se a tarefa de recordar o extraordinário impacte das descobertas da Física no quotidiano da Humanidade. Felizmente, essa tarefa não é difícil. Tomemos como exemplo o próprio Einstein.

Efeito FotoeléctricoNum dos trabalhos de 1905, a explicação do efeito fotoeléctrico, Einstein elucidou a natureza do processo elementar de interac-ção entre a radiação (luz, raios-X, ondas de rádio, micro-ondas, radiação gama) e a matéria: estes processos envolvem sempre a absorção ou a emissão de uma partícula (quantum) de radiação, mais tarde designado por fotão. Por exemplo, ao absorver um fotão, um electrão de um material semicondutor pode passar de estados em que se encontra imobilizado (banda de valência) para estados de energia superior, em que pode ser movimentado por forças externas (banda de condução). Este processo está na base de dispositivos em que a capacidade de condução de corrente eléctrica varia com a iluminação do dispositivo: células fotoeléc-tricas. Podemos encontrá-las no sistema público de iluminação; no controlo de portas, torneiras, ou até sanitas automáticas; nas câmaras de fotografia e vídeo, para controlar os tempos de abertura; nos ratos ou joysticks dos computadores. Até o “balão” que mede a taxa de alcoolemia usa células fotoeléctricas: o álcool expirado reage com um líquido contido no dispositivo, induzindo uma mudança de cor que é medida com recurso a uma célula fotoeléctrica.

O LaserOutra descoberta de Einstein em 1917, a emissão estimulada, é um ingrediente essencial do funcionamento dos lasers. Quando um átomo decai para nível de energia mais baixo do que aquele onde se encontra emite um fotão. Einstein descobriu que esse decaimento era tanto mais frequente, quanto mais fotões com a mesma energia já existissem no sistema. Usando este facto, é possível “convencer” um sistema atómico a emitir, predominan-temente, fotões com uma dada energia e direcção de propagação, daí resultando um feixe de radiação com características muito especiais: o laser. Encontramos lasers nos CD e DVD, nas impressoras laser e nos leitores de código de barras; em cirurgia ocular, no tratamento de tumores, em tratamentos dentários, na remoção de tatuagens; as redes de comunicações têm quase sempre um componente óptica com lasers em fibra; o LIDAR (Light Detection and Ranging) usa o laser em medições de condições atmosféricas e controlo de poluentes. Os lasers são ainda usados como ferramenta de corte na indústria e as aplicações militares são inúmeras.

Relatividade, Gravitação e o GPSNum dos artigos de 1905, Einstein descobriu que o fluir do tempo é retardado pelo movimento. Quer isto dizer que temos de adiantar o relógio ao chegar ao emprego? Nessa escala o efeito é imperceptível, mas os efeitos relativistas de dilatação do tempo são cruciais para funcionamento de uma tecnologia em vias de se tornar quase tão comum como as que temos na nossa sala de estar: refiro-me ao GPS (Global Positioning System). O receptor de GPS determina a sua posição medindo a sua distância a quatro satélites GPS, cujas posições são conhecidas em qualquer instante. Estes emitem sinais característicos em instantes pré-determinados. O receptor recebe esses sinais com algum atraso, devido ao tempo que o sinal demora a propagar-se do satélite ao receptor; à velocidade da luz, 300 000 quilómetros por segundo, propagam-se 300 metros em cada milionésimo de segundo (10-6 s). Já se vê que é essencial dispor de relógios ultra-precisos nos satélites GPS2: um erro de um milionésimo de segundo traduz-se num erro de 300 metros na determinação da distância. Os satélites GPS transportam relógios atómicos, com atrasos/adiantamentos diários da ordem de alguns nano-segun-dos (milésimo de milionésimo de segundo). Mesmo assim, são sincronizados periodicamente com relógios em Terra. Contudo, sem levar em conta os efeitos relativistas, o sistema não poderia

JOÃO LOPES DOS SANTOS

PROFESSOR NO DEPARTAMENTO DE FÍSICA DA FCUP

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funcionar. O facto de um satélite estar em movimento relati-vamente à Terra, implica que o seu relógio atómico se atrase cerca de 8 milionésimos de segundo por dia, relativamente a um relógio idêntico em Terra. O efeito do campo gravítico da Terra, também previsto por Einstein na sua Teoria da Relativi-dade Geral de 1916, é ainda maior. A atracção gravítica da Terra diminui com a distância, sendo menor para um satélite em órbita do que à superfície terrestre. Por este facto, o relógio atómico de um satélite GPS adianta-se 40 milionésimos de segundo por dia relativamente a um relógio em Terra. O resultado destes dois efeitos é um adiantamento diário de 32 milionésimos de segun-do, isto é, um erro de 9,6 quilómetros por dia na determinação de distâncias. Os arquitectos da primeira geração de satélites GPS não estavam muito convencidos da necessidade destas correcções. Os satélites foram concebidos com um interruptor que se podia ligar de Terra para introduzir as correcções devidas aos efeitos relativistas. Des-cobriram rapidamente que o interruptor tinha que estar ligado.

Personalidade do séculoPoderíamos continuar a listar tecnologias que incorporam con-ceitos e ideias para os quais Einstein contribui decisivamente: a nossa sala de estar está de facto cheia de tecnologias baseadas em conhecimento para o qual Einstein contribuiu, não raras vezes decisivamente.Se tivesse tido interesse em patentear as suas descobertas, estaria, certamente, no topo da lista dos homens mais ricos de sempre, na companhia de John David Rockfeller, Andrew Carnegie, ou William (Bill) Gates III. Mas não era essa a companhia que dese-java. Como ele próprio afirmou:

De todas as comunidades à nossa disposição, não há uma a que quisesse dedicar-me, com excepção da comunidade dos verdadeiros pesquisadores que tem poucos membros vivos em qualquer época.

A verdade é que também não foi por causa do impacte tecnológi-co das suas descobertas que a conceituada revista TIME o elegeu para personalidade do século XX.Após a confirmação experimental da Teoria da Relatividade Geral, pela medição do desvio da luz no campo gravítico do Sol, durante um eclipse solar observado da Ilha do Príncipe, Einstein tornou-se uma celebridade e um ícone cultural do século XX. Na sua primeira visita aos EUA, foi recebido como um herói,

A presença de Einstein na minha sala de estar, ou na do leitor, é, possivelmente, mais forte nos objectos de cultura, ensaios, ficção, arte, na própria maneira de nos situar no mundo, do que nos dispositivos tecnológicos.

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UPORTO VOZES DA UP

desfilando em carro aberto, entre multidões que o aclamavam. A sua cara é instantaneamente reconhecida por uma boa parte da população do Planeta. Porquê?Einstein protagonizou, com a Teoria da Relatividade, a primeira mudança de paradigma dentro da Ciência Moderna. Os sucessos da Física de Newton e dos seus desenvolvimentos justificavam uma confiança inabalável na universalidade e perenidade das leis físicas conhecidas no final do século XIX. Os conceitos newto-nianos de tempo absoluto, fluindo uniformemente e de espaço absoluto, idêntico e imutável, ambos sem qualquer relação com coisas externas, pareciam tão básicos e fundamentais, que Kant os tomara como estruturas a priori do próprio pensamento. Se até a física newtoniana, com os seus portentosos sucessos, podia ser posta em causa, em conceitos tão básicos e imediatos como os de espaço e tempo, que restava de seguro e confiável? Einstein abrira uma caixa de Pandora. As repercussões fizeram-se sentir na Filosofia, na Pintura, na Literatura, na Teologia, apesar das repetidas afirmações de Einstein que a Teoria da Relatividade era uma teoria científica que nada tinha a ver com os movi-mentos que se proclamaram inspirados por ela. A sua influência atingiu mesmo estratos que nunca compreenderam uma única das suas afirmações.A presença de Einstein na minha sala de estar, ou na do leitor, é, possivelmente, mais forte nos objectos de cultura, ensaios, ficção, arte, na própria maneira de nos situar no mundo, do que nos dispositivos tecnológicos.A Física continuará a possibilitar novas tecnologias, instrumen-tação cada vez mais poderosa, um controlo cada vez mais fino da natureza, e a nossa dependência nas suas descobertas continuará a aumentar. Mais importante ainda, continuará a ser a fonte de novas ideias, tão originais, surpreendentes e influentes, como as que Einstein nos legou. As nossas responsabilidades sociais e éticas crescem também, na directa proporção da acrescida capacidade de intervenção na Natureza. A esse respeito talvez seja bom terminar com um excerto de um discurso de Einstein, de 1943, intitulado The Goal of Human Existence3:

“Senhoras e senhores:A nossa era orgulha-se do progresso que fez no desenvolvimento intelectual do Homem. A procura e a luta pela verdade e conhe-cimento é uma das mais elevadas qualidades humanas – embora, frequentemente, este orgulho seja proclamado mais notoriamente pelos que menos lutam. E, certamente, devemos ter o cuidado de não fazer do intelecto o nosso deus; tem, é claro, músculos poderosos, mas falta-lhe personalidade. Não pode liderar, só pode servir; e não é exigente na sua escolha de um líder. Esta caracterís-tica é reflectida nas qualidades dos seus sacerdotes, os intelectuais. O intelecto tem bom olho para métodos e ferramentas, mas é cego para fins e valores. Por isso, não é de admirar que esta cegueira fatal seja transmitida dos velhos para os novos e hoje envolva uma geração inteira.”

1. Versão abreviada de uma palestra com o mesmo nome integrada no ciclo Física às Quartas do Departamento de Física da UP.2. O relógio do receptor é, em geral, muito menos preciso que os relógios atómicos dos satélites. As distâncias a quatro satélites, só serão compatíveis com uma posição determinada do receptor, se todos os relógios estiverem perfeitamente sincronizados. Se confiarmos nos relógios dos quatro satélites é possível determinar a posição do receptor e corrigir o respectivo relógio.3. O leitor pode aceder a uma gravação audio deste discurso em http://jnul.huji.ac.il/einstein/sound7.html

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Conhecer a Faculdade de Medicina Dentária

especialização e de actualização nos domínios da sua especiali-dade, bem como promover a formação académica conducente à concessão do grau de doutor;- Organizar e ministrar cursos de aperfeiçoamento de ensino continuado em várias áreas das disciplinas da Medicina Dentária e disciplinas afins e ainda organizar cursos livres de extensão, de reciclagem, de aprofundamento e outros que considere necessá-rios ou úteis;- Manter, promover e desenvolver a investigação científica;- Colaborar com outras unidades orgânicas, instituições ou enti-dades que requeiram o seu apoio técnico, científico e pedagógico ou delas receber colaboração, segundo protocolo a estabelecer;- Propor e assumir a direcção técnico-científica de cursos para-médicos e técnicos de higienistas orais, assistentes dentários, técnicos de prótese dentária e técnicos de equipamento dentário;- Organizar e manter em funcionamento uma consulta externa de medicina dentária, subordinada aos interesses científicos e pedagógicos da Faculdade;- Estabelecer formas de intercâmbio, cultural, científico, técnico, pedagógico, colaboração em actividades de interesse comum com entidades públicas ou privadas, nacionais e estrangeiras;- Contribuir, no seu âmbito de actividade, para a cooperação internacional, designadamente em relação aos países de língua portuguesa e aos países europeus.

Pelo Decreto-Lei nº 368, de 15 de Maio de 1976, foi criada a Es-cola Superior de Medicina Dentária que entra em funcionamento em Novembro do mesmo ano. Como não havia em Portugal qualquer tradição na área do ensino da Medicina Dentária, houve que estabelecer um currículo global para a licenciatura e uma metodologia de ensino/aprendizagem que, ao ser-lhe aplicada, permitisse atingir os objectivos educacionais então definidos. Nesta fase de evolução da Faculdade (fase de instalação), mar-cadamente caracterizada por alguma insuficiência de recursos materiais e humanos, os docentes tiveram de fazer incidir todo o seu esforço na prossecução de objectivos considerados então como prioritários e que se traduziam pela preparação de mé-dicos dentistas tecnicamente capacitados para darem resposta adequada às necessidades insatisfeitas da comunidade na área da Medicina Dentária. Os objectivos foram cumpridos e, em Janeiro de 1989, na altura da sua integração na Universidade do Porto, a Escola tinha licenciado 458 Médicos Dentistas que, distribuin-do-se pelas diferentes regiões do país, tinham contribuído para uma distribuição geográfica mais equilibrada dos profissionais da Saúde Oral e quase eliminatória das assimetrias demográficas até então verificadas na relação profissional de Saúde Oral/número de habitantes.Actualmente o número de licenciados pela Escola/Faculdade é de 1101.A integração da Escola na Universidade e a mudança para instalações definitivas, em 1997, foram factores determinantes para a evolução no âmbito da pedagogia e do desenvolvimento de actividades pedagógicas e de investigação científica, que lhe conferiram prestígio a nível nacional e internacional.

O Corpo docente integra presentemente 33 Doutorados, sendo 7 Professores Catedráticos, 6 Professores Associados com Agrega-ção, 7 Professores Associados, 12 Professores Auxiliares, 1 Profes-sor Auxiliar Convidado, 1 Professor Auxiliar Convidado a 50%, 6 Assistentes, 8 Assistentes Convidados, 2 Assistentes Convidados a 40%, 5 Assistentes Convidados a 20%, 11 Monitores e 3 docentes contratados.

Presentemente a Faculdade de Medicina Dentária da Universida-de do Porto prossegue entre outros os seguintes fins:- Ministrar o curso e conferir a Licenciatura em Medicina Dentá-ria, bem como outros que por lei lhe venham a ser atribuídos;- Organizar e ministrar cursos de mestrado, de pós-graduação, de

FERNANDO PERES

PRESIDENTE DO CONSELHO DIRECTIVO DA FACULDADE DE MEDICINA DENTÁRIA

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UPORTO SABER EM MOVIMENTO

Acreditam na Periodização Táctica. A mesma aplicada por José Mourinho. Daí que Bruno Oliveira, Nuno Amieiro, Ricardo Barreto e Nuno Resende, licenciados em Desporto e Educação Física pela Universidade do Porto, tenham decidido publicar um livro sobre esta metodologia de treino, enriquecido com entrevistas a Mourinho e artigos de jornal sobre o melhor treinador do mundo e com a observação no terreno dos treinos no União de Leiria, no FC Porto e, mais recentemente, no Chelsea. Defendem uma ruptura com o discurso tradicional e reclamam uma nova terminologia para o treino. Acreditam que o futuro do futebol português passa por aqui.

Venceu uma Liga dos Campeões; uma Taça UEFA; duas Su-perLigas; uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Foi com este palmarés que chegou ao Chelsea, onde poderá virar uma página com o peso de cinquenta anos. Foi na temporada de 1954/55 que o clube venceu a Liga inglesa pela última vez. O melhor treina-dor do mundo diz que tem uma ‘bíblia’ à qual se poderia chamar um ‘diário de treino e de jogo’, mas que não pensa publicar. É um legado que pretende deixar apenas aos filhos. Não será, com certeza, uma bíblia, mas sim uma espécie de manual sobre a me-todologia de treino de José Mourinho, que quatro licenciados em Desporto e Educação Física, pela U.Porto, pretendem lançar. A ideia surgiu de uma conversa entre um dos seus professores, Vítor Frade, e José Mourinho. Com o lançamento previsto para Maio, o objectivo deste livro é, dizem, “clarificar a metodologia de treino de Mourinho”. Para Nuno Amieiro, “a Periodização Táctica é uma metodologia de treino que tem subjacente uma lógica metodológica muito própria, a qual obedece a critérios perfeitamente definidos e que estão sustentados cientificamente. Tanto na Periodização Convencional como no Treino Integrado, as ‘partes’ do ‘todo’ que é o ‘jogar’ são as dimensões táctica, técnica, psicológica e física. Na Periodização Táctica não se concebem estas dimensões separada-mente, mas antes em constante interacção. Aqui, as ‘partes’ são os princípios de jogo do ‘jogar’ que o treinador pretende. Este é um dos grandes pressupostos, uma das grandes rupturas. Aquilo que diariamente se trabalha são os princípios e as articulações entre princípios, com a certeza, porém, de que o vivenciar exacerba-damente desses princípios implica, por arrastamento, adaptações específicas das restantes dimensões. Mas para se compreender esta concepção é necessário abertura a um conjunto de pressupostos que a maioria das pessoas ligadas ao treino parece não estar preparada

para aceitar. Têm que se esquecer as ideias tradicionais de Carga, Pré-época, Força, Resistência, Velocidade. E conceitos como Inten-sidade, Volume e Concentração têm de ser perspectivados de modo totalmente diverso do habitual ”. Enquadramento concepto-meto-dológico semelhante existe há já, pelo menos, 25 anos como uma das ‘facções’ da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da U.Porto cuja paternidade se deve ao professor Vítor Fra-de para o qual existe uma “absoluta necessidade de transgredir em absoluto a lógica convencional do processo de treino. O rigor e a co-erência que o treino convencional requisita, ao nível da concepção e da fabricação, tem de acontecer, mas assente noutros princípios. O todo é o ‘jogar’. Há que decompor em princípios, na intenção de os integrar. Nuno Amieiro refere que “desde que o professor Vítor Frade dá aulas nesta Faculdade que fala desta metodologia de treino e diz: ‘Esqueçam força. Esqueçam velocidade, esqueçam as teorias antigas da metodologia de treino’. Mas não são só os trei-nadores de futebol que têm dificuldade em aceitar e compreender esta metodologia, também há professores que parecem olhar com um certo desprezo para esta perspectiva”. Bruno Oliveira sublinha que “esta perspectiva de treino existe há já, pelo menos, 25 anos. Mas Mourinho operacionalizou-a a 100%. Foi, e é, um dos poucos a acreditar nela. Rompeu com tudo o que estava instituído. Mas há mais casos. José Guilherme Oliveira, por exemplo, dos Juvenis do Porto, aplica-a com sucesso. E já foi várias vezes campeão nacio-nal. E é importante que não se confunda isto com moda. Temos material recolhido sobre o José Mourinho desde 1999. O Rui Faria, um dos seus adjuntos, foi convidado para trabalhar com ele após ter estado em Barcelona para recolher material para a sua tese de licenciatura. Isto prova que este tema já é preocupação de uma parte da faculdade há já bastante tempo”.

O segredo está numa metodologia de ruptura

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NUNO AMIEIRONUNO RESENDEBRUNO OLIVEIRA

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Uma nova forma de pensar o jogoDizem que as diferenças entre Mourinho e os demais treinadores não se encontram somente ao nível do treino. Bruno Oliveira explica que “as diferenças ao nível do modo como Mourinho pensa o Jogo e, consequentemente, o ‘jogar’ da equipa, são a quase todos os níveis. Daí que tenha dito que é fácil ser campeão em Portugal. Como também é fácil identificar muitas incoerências no discur-so dos ditos treinadores da nova vaga. Aliás, o nosso livro parte precisamente daí. Vamos mostrar que uma leitura longitudinal das entrevistas que Mourinho foi dando, permitia identificar um ‘comprimento de onda’ particular e único relativamente ao modo de conceber o treino e o jogo. Permitia identificar os pontos de ruptura”. Um destes pontos de ruptura prende-se com a organi-zação do jogo e com o não saber, por exemplo, onde começa o ataque e onde começa a defesa. É que, diz Nuno Amieiro, “quando uma equipa está a atacar também deve pensar defensivamente o jogo, do mesmo modo que, quando está a defender, também deve estar a pensar ofensivamente o jogo. Existe uma interacção e uma interdependência muito grande entre estes dois momentos. Há comportamentos que vão ser exigidos na defesa que têm de ser pre-parados no ataque. E vice-versa. Há um conjunto de aspectos que devem ser encarados como globais”. Para Bruno Oliveira “a equipa de Mourinho é a imagem disto, da organização de jogo que ele quer para a equipa. E com a Periodização Táctica procura-se colocar a equipa a jogar de uma determinada forma. Mas isto só faz sentido para um treinador que tenha, de facto, uma ideia de jogo, que saiba o que quer e que não mude, semana a semana, em função do adversário que tem pela frente. Porque aí não há metodologia de treino que sirva”.

O padrão defensivo das equipas portuguesasNo rol das diferenças está também o modo como José Mourinho perspectiva a organização defensiva das suas equipas. Nuno Amieiro sublinha que, em Portugal, “a generalidade das equipas, da formação ao futebol profissional, optam por uma defesa homem--a-homem, muitas vezes mesclada com marcações individuais aos jogadores adversários mais criativos. Mourinho não. Sempre colo-cou as suas equipas a defender zonalmente. Foi assim no Benfica, no Leiria, no Porto e é assim no Chelsea. E toda a gente fala na famosa pressão alta que as suas equipas fazem, mas raramente se sublinha que é feita zonalmente. Aliás, ela manifesta-se com regula-ridade e eficácia nas suas equipas precisamente por ser feita zonal-mente, embora ainda seja pensamento corrente que o pressing tem

de ser feito homem-a-homem”. Mas as diferenças não se ficam por aqui. A coerência é, segundo Bruno Oliveira, outra vantagem em relação aos outros treinadores: “Quando vai para um clube, define um Modelo de Jogo e acredita nele até às últimas consequências. É-lhe sempre fiel. As pessoas estão impregnadas com determinadas ideias que se instituíram no futebol. Eu, por exemplo, que joguei futebol vários anos, demorei um ou dois anos para desmontar tudo o que tinha aprendido. Que não era preciso ir para a mata, que não era preciso fazer treino de musculação,…Há treinadores que dizem que o Mourinho tem de ter um programa individualizado de musculação para cada jogador. Dizemos-lhes que não, mas eles não acreditam. São dogmas! Muita gente fala da importância dos testes físicos no futebol… o Mourinho não os faz. Quer saber zero de programas individualizados de musculação para os jogadores e quer saber zero de testes físicos. Não lhe interessam”.

Uma metodologia com futuroQuanto ao futuro do futebol, estão conscientes de que “se pode treinar e ganhar de várias formas”. Bruno Oliveira recorda que alguns clubes já conseguiram o título de “campeões europeus a treinarem de forma convencional, a fazerem treino militar, a treinarem três horas por dia, a subir montes,… Existem muitas formas, mas acredito que quem trabalhar desta maneira, se tiver uma ideia de jogo de qualidade, coerente, tem mais hipóteses de ganhar. Porque precisa de muito menos tempo para conseguir que a equipa manifeste em campo as regularidades que se pretendem, o tal entrosamento. O nosso objectivo é, aproveitando o facto do sucesso de Mourinho ser indiscutível, tornar mais inteligível para as pessoas esta metodologia de treino, para quem quiser aproveitar… É nesta corrente que acreditamos. Não digo que seja a melhor, ou a pior, mas… mas o certo é que ele ganhou tudo!”

BRUNO OLIVEIRARICARDO BARRETONUNO RESENDE

BRUNO OLIVEIRAJOSÉ MOURINHO

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Alguns resultados de um projecto de investigação inovador desenvolvido no Departamento de Química da Faculdade de Ciências, sob a orientação de Maria Teresa Vasconcelos e Vítor Freitas, foram recentemente objecto de uma particular atenção por parte dos meios de comunicação social. O projecto, os resultados e as questões suscitadas remetem para o âmbito sensível da Saúde Pública: o seu principal objectivo era o estabelecimento de novas metodologias analíticas para caracterizar os compostos tóxicos do fumo do cigarro (do tabaco comercializado em Portugal) nas suas vertentes gasosa e particulada. A UPORTO falou com Teresa Vasconcelos sobre os resultados obtidos e a polémica em que estiveram envolvidos

Apesar da agressividade de algumas das campanhas de controlo do tabagismo e da anunciada restrição do consumo de tabaco em locais públicos, a sua perigosidade é normalmente associada à possibilidade de desenvolvimento de patologias cancerígenas nos consumidores activos, ou ao surgimento de doenças do foro respiratório, através da exposição a ambientes de fumo nos con-sumidores indirectos. As informações constantes de cada maço de tabaco referem apenas as quantidades existentes em cada cigarro de alguns substâncias químicas – alcatrão, nicotina e monóxido de carbono -, tal como determinado pela competente legislação a nível nacional (e euro-peu). De fora, ficam um sem número de compostos, de que o con-sumidor não conhece os nomes, nem as dosagens, nem os efeitos. Conhecê-los permitirá informar com mais rigor a escolha pes-soal, na base do acto de fumar ou não fumar, que respeita não apenas ao indivíduo, como à comunidade mais alargada que é afectada pelo efeito de uma decisão pessoal. A um outro nível, o estudo das componentes do tabaco e do fumo do cigarro permitirá também informar as políticas e orientações dos órgãos a quem está cometido o aconselhamento e a legislação sobre estas matérias, particularmente no que respei-ta a uma fundamentação científica cada vez mais rigorosa das estratégias de prevenção e controlo do tabagismo que modelam as campanhas assentes na perigosidade do consumo.Teresa Vasconcelos explica que apesar do estudo de componentes de tabaco se ter vindo a desenvolver progressivamente desde os anos 50, desenrolando-se já de uma forma rotineira e sistemática o doseamento de certos compostos carcinogénicos no Canadá,

Estudo dos compostos tóxicos no tabaco e no fumo do cigarro

são ainda poucos os trabalhos que quantificam compostos orgâ-nicos no fumo do cigarro, contando-se em menos de uma dezena os artigos publicados em revistas internacionais por instituições públicas e privadas europeias nos últimos anos; sendo que os publicados por instituições americanas rondam uma quinzena. Foi neste contexto que o Conselho Nacional de Prevenção do Ta-bagismo entendeu dirigir um desafio a investigadores do Depar-tamento de Química da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no sentido de promover um maior conhecimento das componentes químicas do fumo do cigarro e do tabaco comercia-lizado em Portugal, através do estabelecimento de metodologias de análise que possibilitassem a sua detecção e quantificação.Neste quadro foi realizado um protocolo que envolveu este organismo público, a Associação para o Desenvolvimento da Faculdade de Ciências (ADFCUP), que alojou o projecto, e o Departamento de Química da Faculdade, de que resultou o financiamento da investigação pelo período de dois anos.

Saber e InovaçãoTeresa Vasconcelos, professora catedrática da Faculdade de Ciências, é Coordenadora do Grupo de Química do CIIMAR –– Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental. É, além disso, representante da Sociedade Portuguesa de Química na “Division of Chemistry and the Environment” da European Association for Chemicae and Molecular Science (EuCheMS). No âmbito da sua actividade de investigação, tem vindo a dedi-car-se à especiação de elementos vestigiais em amostras ambien-tais e ao desenvolvimento de técnicas avançadas para quantifi-cação e estimativa da biodisponibilidade de espécies vestigiais, áreas em que a sua experiência é vasta e internacionalmente reconhecida. Nos últimos 10 anos, a partir de um protocolo estabelecido entre a ADFCUP e o IDMEL (Instituto de Engenharia Mecânica) para caracterização de atmosferas interiores, tem vindo a expandir o know how à determinação de compostos orgânicos voláteis na atmosfera, o que forneceu uma parte considerável do saber neces-sário para dar início ao novo projecto.Assim, conta à UPORTO Teresa Vasconcelos “começámos por estu-dar no fumo do tabaco compostos para os quais já havia experiên-cia analítica para outros tipos de amostras; de entre os compostos orgânicos voláteis, fixámos quatro: benzeno, tolueno, xileno e etilbenzeno porque produziram resultados mensuráveis no tabaco”. O âmbito do trabalho foi, no entanto alargado, à investigação

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TERESA VASCONCELOS

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de alguns pesticidas organoclorados pertencentes ao grupo dos poluentes orgânicos persistentes. Teresa Vasconcelos explica que “a presença de resíduos de pesticidas no tabaco, produzido em diversos países, foi divulgada em 2003 numa conferência internacional sobre ‘exposição humana a contaminantes’, tendo sido nessa altura “alertada para o interesse de investigar o que se estava a passar neste domínio no nosso país”.Para esta vertente do trabalho, o grupo de investigadores “dispu-nha já de técnicas analíticas e de experiência da determinação de pesticidas em sedimentos”, que foram então adaptadas para “poderem ser utilizadas em partículas do fumo e em tabaco”. Teresa Vasconcelos acrescenta que no que respeita à extracção e isolamento dos pesticidas para análise “o grupo se baseou tam-bém num trabalho publicado em 2001 por uma equipa unversi-tária de Taiwan (“Solid Phase Microextraction Associated with Microwave Assisted Extraction of Organochlorine Pesticides in Medicinal Plants”, Anal.Chim. Acta, 111-120) para determinação dos mesmos compostos em plantas medicinais”. O facto de “se estar a aplicar um método que tinha sido optimizado para plantas medicinais”, levou a que se “começasse pela análise do tabaco, que é constituído por folhas; embora com aditivos e sujeito a tratamentos, tinha alguma afinidade com a natureza da amostra para a qual tinha sido realizado o trabalho em que nos baseámos”. Por seu turno, de partida para a análise do fumo do cigarro consistia numa máquina de fumar capaz de gerar amostras de fumo padro-nizadas. Este equipamento teve que ser adquirido na Alemanha, porque não existia no país. Depois de instalada a máquina, o projecto pôde iniciar-se, em termos práticos, em Outubro de 2003.

Contornos de uma polémicaPara delimitar à partida o universo das amostras a analisar, o grupo optou por estudar as marcas de tabaco mais vendidas em Portugal e produzidas no país, na “impossibilidade de estudar as marcas todas ao mesmo tempo”. Delimitado estava também o leque de compostos orgânicos voláteis a estudar e dos poluentes orgânicos persistentes, designadamente 18 pesticidas organoclorados.Esta fase de investigação, explica Teresa Vasconcelos ”desenvol-veu-se ao longo de um ano escolar. Depois, no dia 17 de Novem-bro de 2004, havia um seminário promovido pelo Conselho de Prevenção do Tabagismo e nós fomos convidados a divulgar o trabalho que estava a ser realizado numa mesa redonda. Foi isso que fizemos. Um jornalista da RDP interessou-se exclusivamen-te pela detecção de um pesticida no tabaco – a dieldrina – e a comunicação social divulgou a informação…”.

Acerca do eco que a notícia alcançou na comunicação social, che-gando mesmo pelos contornos da polémica a envolver a Direcção Geral de Saúde, o Ministério e a Tabaqueira, Teresa Vasconcelos explica que “foram apresentados os primeiros resultados, quer relativos ao benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos, quer relativos aos pesticidas, concretamente a dieldrina, com a intenção de aler-tar as pessoas através de casos concretos de compostos encontra-dos”, enunciando a sua concentração e perigosidade.Salienta que “a detecção dos resíduos de pesticidas no tabaco não era a parte mais importante do trabalho”, fazendo ainda notar que, dos compostos detectados o que é considerado mais perigoso é o benzeno, por ser “carcinogéneo por inalação e estar associado ao aparecimento de leucemias”. De facto, relativamente à dieldrina, substância cuja utilização foi proibida em Portugal nos anos 70, não existem dados científicos que confirmem que possa ser cancerígena por inalação, embora a sua presença não seja desejável dada a sua toxicidade. A proibição da sua utilização liga-se, conforme explica, à sua persistência nos solos – durante o ciclo de vida da planta no campo – e também em alguns casos na conservação dos produtos, para evitar e con-trolar a contaminação. Alertada a Direcção Geral de Saúde pelo impacto das notícias, foram solicitadas contra-análises a 4 laboratórios relativamente à detecção da dieldrina: em primeiro lugar ao próprio laboratório do Departamento de Química, o único laboratório universitário entre os contactados, depois a outro laboratório nacional, a um laboratório italiano e a outro inglês, sendo estes três laboratórios creditados. Destas, apenas a contra-análise do laboratório da Faculdade de Ciências obteve um resultado positivo.Teresa Vasconcelos atribui a divergência de resultados à diver-sidade das metodologias de análise utilizadas. A metodologia adoptada pelo laboratório do Departamento de Química, refere a investigadora “não está seguramente a ser adoptada em labora-tórios que prestam serviço à comunidade neste momento, porque é uma metodologia recente”, e continua explicando que normal-mente se utilizam “metodologias de extracção dos compostos das amostras através de colunas cromatográficas, que são processos muito mais laboriosos em termos de manipulação da amostra”. Quanto à prossecução da investigação com vista ao esclarecimen-to da diferença de resultados, afirma: “a única coisa que posso fazer é continuar a optimizar a metodologia, testando a exactidão, precisão e robustez dos resultados, com vista à sua publicação numa revista científica”.

1. COLOCAÇÃO DA AMOSTRA (NOS SACOS)

2. TRANSFERÊNCIA DO EXTRATO OBTIDO POR ACÇÃO

3. EXTRACÇÃO DA SOLUÇÃO PARA A FIBRA

4. COLOCAÇÃO DA FIBRA NO CROMATÓGRAFO

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UPORTO SABER EM MOVIMENTO

Selectividade e sensibilidade de um método É ao nível da extracção dos compostos da amostra a analisar e da sua introdução no cromatógrafo – instrumento em que se realiza a separação dos compostos químicos e que, associado a um detector, permite a conversão num sinal eléctrico de uma pro-priedade química que não pode ser medida directamente - que a metodologia posta em prática no Departamento de Química se diferencia das utilizadas noutros laboratórios. No laboratório do Departamento de Química, os compostos são extraídos da amostra primeiro para água, por accção de micro--ondas, e depois da solução para uma micro-fibra que, seguida-mente é introduzida directamente no cromatógrafo. Mediante este processo, como nos explica a investigadora, as interferências são substanciamente reduzidas: por um lado a amostra é muito menos manipulada; por outro, diminui também o tempo do seu processamento. Teresa Vasconcelos esclarece que “se durante o processamento da amostra, por um dado método, se perder uma fracção dos com-ponentes a determinar, que assim não chegam ao detector, então podem não ser vistos…. Ou se o detector não tiver sensibilidade suficiente para registar o sinal de um composto, ele não aparece, não é detectado. Quando um sinal não aparece, em Química, não podemos deduzir que um composto não está presente, mas apenas que não se vê, não se detecta. Mas, utilizando um método que detecta um sinal esperado, específico de uma dada espécie química, concluímos que ela está presente na amostra, até que se possa provar que o sinal que parecia inequivocamente correspon-der àquela espécie, na realidade diz respeito a outras espécies. A questão é que não se vêem espécies químicas, mas sinais, e estes às vezes podem estar mascarados devido à presença de outra coisa indesejada capaz de originar o mesmo sinal no detector”.

Perspectivas de futuroInterrogada sobre as perspectivas de desenvolvimento deste trabalho de investigação num futuro próximo, Teresa Vasconcelos esclarece: “em relação aos pesticidas, a minha intenção é concluir a optimização do método adoptado, de modo a avaliar exausti-vamente as suas capacidades e limitações para este fim. Não acho que valha a pena de momento insistir muito na investigação de pesticidas no tabaco, uma vez que não se prevê que haja, mesmo a nível europeu, legislação sobre isso a curto prazo. Também porque não são o grupo de compostos mais perigosos do tabaco”, prossegue “a ideia é neste momento continuar a investir na inves-

tigação e quantificação dos compostos do tabaco que reconheci-damente são carcinogéneos. E, se possível, avançar para o estudo de aditivos”. A exposição pública, de resto, aguçou ainda mais a exigência de rigor científico e de eliminação das margens de erro na metodo-logia desenvolvida: “como houve divergência de resultados, temos que redobrar os cuidados e utilizar metodologias diferentes e independentes entre si na detecção, para eliminar a hipótese de existirem interferências que mascarem os resultados”, afirma a investigadora explicando que “deverão explorar exaustivamente o método utilizado no sentido de verificar se ele permite ou não inequivocamente detectar este tipo de compostos. Se, de facto, ele permite ir mais longe, e detectar níveis mais baixos dos compostos do que os que estão adoptados neste momento nos laboratórios de serviço público, então isso é uma mais valia do nosso método”.Numa ampla equipa de investigação - que trabalha em coisas tão variadas como influência de cianobactérias na especiação quí-mica do meio aquático, influência das plantas nas características dos sedimentos estuarinos e na limpeza dos próprios sedimentos, estudos de certas características de vinhos, bio-disponibilidade de compostos químicos – continuará a haver um elemento pelo menos a conduzir este tipo de estudos, desde que as condições financeiras o permitam.

5. EXEMPLO DE UM CROMATÓGRAFO (INFERIOR)

E ESPECTROS DE MASSA RESPECTIVA

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para dinamizar a cultura musical da cidade, da região e do país… Quer abrir-se à cidade… esteve para ser construído em metal, mas o betão branco foi mais convincente. O corpo cristalino promove as relações entre interior e exterior, tal como establecia o objectivo traçado inicialmente, as enormes aberturas rompem a carapaça de betão e mostram inusitados ângulos que, do interior, convidam a população a entrar e participar nas actividades que terão a música como tema aglutinador. Quem está dentro assiste ao que decorre no palco interior e ao que decorre nos “palcos” da cidade; quem está no exterior observa o que se passa nos “palcos” interiores. É um importante contributo para concretizar um dos principais objectivos do projecto, como afirmava em entrevista na revista “Arquitectura e Vida” (Fevereiro de 2004) Pedro Burmester, ex-programador da Casa da Música que acompanhou o projecto desde o início: a democratização do acesso à música e a desmitifi-cação de que a música só se ouve e faz em espaços fechados.

Pele e esqueleto numa só membrana O betão branco, sem juntas, articulado em placas que são pele e esqueleto simultaneamente e que só adquiriram a plena estabilidade após a conjunção, constituiu uma solução de grande complexidade que mereceu estudo especialmente elaborado para este projecto. Na cobertura, mais sujeita à incidência directa do sol, haverá uma dupla parede de betão que foi tratado com um produto especial impedindo a infiltração da água. Arquitectura, estrutura e interiores constituem, portanto, um todo uno. A forma do edifício construiu-se a partir de um corpo base, o auditório em forma de caixa de sapatos (formato que garante melhores condições acústicas), que está isolado da estrutura envolvente para garantir melhor acústica, e à volta do qual foram acrescentados outros volumes. Os espaços intersticiais não representativos foram usados para instalar sanitários, cozinhas ou foyers. No edifício concluído haverá espaços de circulação a toda a volta do grande auditório. Os interiores aproveitam a textura e a cor do betão, são também usados azulejos produzidos manualmente e numa das salas foram aplicadas réplicas do período romântico. A luz projectada, em certas salas, e a iluminação branca das lâmpadas fluorescentes fixas às paredes e protegidas com placas de plástico transparente nos corredores e escadas, também está a ser usada como opção de decoração interior, constituindo ambas soluções que permitirão fácil adaptação a novas exigências. Quem visita o edifício sente este forte contraste entre espaços fechados - espaços de passagem

Um cristal para democratizar acesso à música

Parece um arrojado corpo que atravessou o universo e entrou pela atmosfera terrestre para se cravar no solo da Rotunda da Boavista. A Casa da Música tem esse duplo e raro efeito sobre quem a visita: convida à entrada e, simultaneamente, arrebata pela invulgaridade das formas. Koolhaas, o polémico urbanista e arquitecto, autor deste projecto e já comparado a Le Corbusier, terá partido da forma em caixa de sapatos (ideal para um auditório) e, através da justaposição de volumes, chegado à forma de diamante que o edifício aparenta. Inovador formal e estruturalmente, foi criado para, entre outros objectivos, democratizar o acesso à música.

A cidade é diversa, heterogénea, multicultural, de expressões múlti-plas. Por vezes, é difícil encontrar-lhe alguma coerência e sentido… Talvez a única coerência possível resida nesta falta dela. Na coexis-tência e no diálogo, muitas vezes pouco ameno, frequentemente gritado, entre os diferentes volumes e escalas, entre linguagens arquitectónicas e urbanísticas. A cidade resulta pois da relação entre os contributos parcelares, concretizados em momentos temporal e culturalmente distintos, onde real e virtual são duas das escalas possíveis de intervenção. É esta cidade que Rem Koolhaas, teórico de urbanismo e arquitecto autor do projecto da Casa da Música, designa “cidade genérica”, um conceito que parte do pressuposto da “impossibilidade de contro-lar globalmente o evoluir da cidade”, como escreve Siza Vieira no comentário publicado neste dossier. Se existe lugar do mundo onde se aplica o conceito, é aqui, a este tipo de urbanização característico do Noroeste de Portugal e também da cidade do Porto, em que a mancha urbana resulta, em grande parte, do somatório dos con-tributos individuais, à espera de que um dia, quem sabe, alguém consiga perceber a sua coerência. Embora os estudos de caso dos seus livros tenham sido a região de Hong Kong e de Nova Iorque, o Porto e o Noroeste de Portugal são ainda um meio urbano com características que o urbanista conhece bem.É neste tecido, no centro geográfico da cidade do Porto, que a Casa da Música se posiciona, com a sua forma radical, a sua ar-quitectura polarizadora de atenções. Nem de propósito, Koolhaas, polémico e dotado quanto baste, já foi comparado ao urbanista e arquitecto suíço Le Corbusier, expoente do modernismo no urbanismo e na arquitectura que surgiu no período entre guerras. O cristal que desenhou para o Porto parece ter aterrado inespera-damente, num antigo espaço de recolha dos transportes urbanos,

Uma nova expressão para a Boavista

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como corredores ou escadas de acesso, iluminados artificialmente - e espaços de encontro - salas ou foyers, com grandes aberturas com vistas para a cidade, onde se vê e se pode ser visto.Foi fixada a data de abertura a 14 de Abril deste ano. Apesar de ser a sexta tentativa para marcar a abertura da estrutura nos últimos seis anos, desta vez, há um sentimento geral de que a data será para valer. Durante o anúncio da nova data, Couto dos Santos afirmou que “o problema é terem avançado com datas na base do desconhecimento” e recordou uma reunião do Conselho Consultivo, em 1999, em que Siza Vieira dizia serem necessários cinco ou seis anos para concretizar o projecto. Tinha razão, cons-tatou o administrador da Casa da Música.

Espaço polivalenteO primeiro anteprojecto chegou a 31 de Dezembro de 1999. O primeiro passo do processo aconteceu com um convite a Norman Foster, Rafael Moneo, Rem Koolhaas, Dominique Perrault e Peter Zumthor a 12 de Março do mesmo ano. Depois, foi decidido realizar um concurso limitado por prévia qualificação a que responderam, numa primeira fase, 26 equipas (incluídas as cinco convidadas inicialmente), a partir do qual foram seleccionadas sete propostas, resultando em três propostas finais (de Dominique Perrault, Rafael Viñoly e Rem Koolhaas). Destas, foi escolhida a de Koolhaas. Os custos subiram para perto do triplo do custo aprovado na Assembleia Geral que aprovou o projecto (segundo relatório do Tribunal de Contas). A administração da Casa da Música justifica o aumento do custo com a revisão de vários aspectos do projecto, nomeadamente o aumento da área de equipamento de 9.500 para 22.800 metros quadrados.Na Casa existem duas salas de espectáculo, sendo uma delas um grande auditório com 1.238 lugares e outro mais pequeno com 300 lugares, e espaços onde as pessoas podem experimentar tocar instrumentos. Haverá oito salas de ensaio/estúdios de gravação, centro de documentação, lojas, espaços convívio, nomeadamente um dedicado às crianças, com janela para o grande auditório. Por baixo do edifício, haverá espaço de estacionamento para cerca de 700 veículos. A estrutura será espaço de residência da Orquestra Nacional do Porto, do Remix Ensemble e da Remix Orquestra (orquestra de jovens). Criar-se-ão o Estúdio de Ópera, embora o auditório não esteja preparado para ópera, o serviço Cibermúsica, dedicado à expressão multimédia, e o Serviço Edu-cativo. A programação na área da ópera poderá passar, segundo a

Quem visita o edifício sente este forte contraste entre espaços fechados - espaços de passagem - e espaços de encontro - salas ou foyers, com grandes aberturas para a cidade.

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24 | 24 | 25 actual administração liderada por Couto dos Santos, por acordos de co-produção com outras entidades, por exemplo, a Ópera do S. Carlos, com quem a Casa da Música já terá dialogado.Tal como tem vindo a ser anunciado e tal como decorre do pro-grama de abertura (ver coluna ao lado), a Casa da Música propõe uma programação plural. A programação para 2005, apresentada pela equipa liderada por Couto dos Santos, será composta por 50 a 55 por cento de música erudita e 20 a 25 por cento de música contemporânea.

Abertura com programação pluralDia 14 de Abril é a data escolhida para início do programa de abertura da Casa da Música, a sétima tentativa para fi xar uma data de abertura desde 1999. O programa está defi nido, começa às 22h00 do dia 14, e pretende ser plural, perspectivando uma programação futura na mesma linha. Lou Reed é a estrela convidada, com primeira parte a cargo dos Clã. A abertura, com a presença das entidades ofi ciais, decorrerá no dia seguinte, com um concerto de gala, às 21h00, em que a Orquestra Nacional do Porto fará a estreia mundial da peça “Fanfarra”, encomendada pela Casa da Música a António Vitorino d’Almeida.O programa desenrola-se em nove dias, dois fi ns-de-semana, de 14 a 17 e de 20 a 24 de Abril, envolvendo 25 eventos. Na área do pop-rock, para além de Lou Reed e dos Clã, são esperados os Rádio 4 (a 15 de Abril); no jazz está agendado para 21 um concerto de Joe Lovano com o Hank Jones Quartet; na electrónica estão previstos concertos de Madrid de los Austrias, I-Wolf, Pfadfi nderei e Modeselektor e Ellen Allien. Na área da world music, esperam-se Mariza e o guitarrista espanhol Paco Peña (a 22 e 23). Nos mesmos dias, actua o pianista Alfred Brendel, haverá a ópera infantil “Momo”, de Pascal Dusapin (produzida pela T&M de Paris); e música coral. O cartaz da música erudita inclui, para além da actuação da Orquestra Nacional do Porto, no dia 15, ainda uma outra actuação da mesma orquestra a 24, a encerrar o ciclo de abertura, com o Coro Gulbenkian, interpretando “Ressurreição” de Mahler, ainda a Philharmonia Orchestra, a 16, para além do pianista Alfred Brendel. O Remix Ensemble actua em três dias: a 15, interpretando António Pinho Vargas (“Portraits of Pain” para violoncelo e ensemble), a 16 com o colectivo Drumming, interpretando Emanuel Nunes, e a 17 com Mário Laginha e o saxofonista Julian Argüeles.Para além dos Clã e de Mariza, tocam ainda os Pluto (a 16), Xutos & Pontapés (a 16), Pedro Abrunhosa (a 20).

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Tantas Músicas, uma Casa

Mais do que o incontornável impacto arquitectónico de um edifício que se vai seguramente assumir como um novo ícone da cidade do Porto e da Região Norte de Portugal, contribuin-do para a sua dinamização turística e económica, o sucesso do projecto da Casa da Música será sempre medido pela avaliação da programação e das actividades culturais e educativas que vier a prosseguir.

Neste contexto, a missão original da Casa da Música, expressa na candidatura do Porto a Capital Europeia da Cultura, vincava já que esta “visa dinamizar o panorama musical e cultural de uma região alargada com epicentro no Porto, através de uma Progra-mação consistente, com elevados padrões de qualidade e inovação, criando e fi delizando uma audiência diversifi cada, mediante uma forte componente educativa, e colocar a cidade no circuito musical internacional.”

Para cumprir com tal desiderato, em linha com as melhores prá-ticas das suas instituições congéneres, a Casa da Música actuará sobre três domínios fundamentais: a diversidade dos géneros na programação, o apoio aos agrupamentos residentes e a inques-tionável aposta no desenvolvimento de uma área educativa e de investigação musical.Na vertente do tipo de programação, a Casa da Música assegu-rará uma oferta de muita variedade e intensidade, destacando-se como um projecto diferente, capaz de desafi ar o status-quo e com isso dinamizar o meio musical e cultural envolvente.No plano dos agrupamentos residentes, a Orquestra Nacional do Porto, o Remix e outros que, de futuro, se lhes possam juntar, assegurarão parte substancial das iniciativas desenvolvidas, constituindo-se em veículos fundamentais no prosseguimento e consolidação da marca da Casa da Música e da qualidade como atributo essencial do respectivo posicionamento, tanto no País como no exterior.Finalmente, a Casa da Música dedicará atenção especial à verten-te educacional, enquanto instrumento de criação de novos públi-cos que hão-de expandir, qualifi car e diversifi car a procura futura dos produtos da instituição, e não se demitirá jamais do pertinen-te apoio à comunidade de músicos, colmatando defi ciências de formação, fomentando a investigação e permitindo intercâmbios entre artistas locais e internacionais, razões que fundamentaram a autonomização de uma Direcção de Educação e Investigação na respectiva estrutura organizativa.

Em função destas três abordagens, o modelo de programação materializa uma oferta baseada em quatro vectores fundamentais: abertura, dinamismo, inovação e qualidade.A abertura assenta na grande variedade de géneros musicais e das actividades associadas aos concertos (visitas a ensaios, concertos comentados, sessões com participação activa do público).O dinamismo expressa-se numa programação capaz de assegu-rar, de forma sustentada, o interesse do público, na interligação frequente com outras instituições culturais e na forte aposta no marketing cultural dirigido a um largo espectro da comunidade.A inovação será patente na apresentação de conceitos novos ou ainda pouco divulgados em Portugal, na inclusão de experiências únicas em termos de reportório ou formatos de apresentação, na concessão de oportunidades a novos talentos e na promoção de produções nacionais associadas a novas tendências e tecnologias.Conforme referido, a qualidade deve ser um sinónimo de tudo quanto for feito na ou pela Casa da Música.Como bem demonstram as Programações de Abertura e para a Temporada de 2005, já dadas a conhecer publicamente, este projecto assegurará continuamente um cardápio de programação rico, diversifi cado e ambicioso. Em suma, em linha com as eleva-das expectativas depositadas na Casa da Música.Assim o demonstram os mais de 1000 músicos que pisarão os palcos da Casa só no período da Abertura, bem assim como as diversas séries temáticas de eventos que decorrerão ao longo do ano (com ciclos de Música de Câmara, de Piano, de Jazz, de Orquestras Convidadas, de Canto, entre vários outros).No próximo dia 14 de Abril, os Clã e Lou Reed franqueiam as portas para os sons do pop, do rock, do fado, do jazz, das músicas clássica, electrónica, barroca ou contemporânea e dos passos dos milhares de visitantes que farão desta a sua Casa, a Casa de todas as Músicas.

Conselho de Administração da Casa da Música/Porto 2001, S.A.

O modelo de programação materializa uma oferta baseada em quatro vectores fundamentais: abertura, dinamismo, inovação e qualidade.

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Foi com este projecto que Leonor Cutileiro, licenciada em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas-Artes da U.Porto, se candidatou a um concurso de ideias lançado em 1999 pela Capital Europeia da Cultura. O projecto “partiu de uma vontade de registar, de documentar, de guardar uma realidade especial, que iria acontecer no Porto durante um certo período de tempo: a construção da Casa da Música”. A Porto 2001 viria a confirmar o apoio ao projecto em Fevereiro do ano seguinte. O objectivo de Leonor Cutileiro é organizar um livro com fotografias de pessoas que trabalharam na construção do edifício projectado por Rem Koolhaas, respectivas entrevistas, pequenas estórias, e um CD com sons da obra musicados por artistas convidados. “Desde logo o elemento humano é determinante: as pessoas, a sua natureza e as suas músicas. O edifício em si, era ainda um objecto longín-quo, imaginado numa maquete”. Explica que esta “não pretende ser uma história linear da construção. A partir do edifício, das conversas, das fotografias, fui construindo uma história ficcio-nada” (…) “Contada através de fotografias, palavras, sons, vídeos, desenhos, coisas gráficas”. A “história da construção da Casa da Música, a partir das músicas de quem a construiu”. Para assinalar o fim da Capital Europeia da Cultura, e uma vez que a Casa da Música estava ainda em construção, no dia 22 de Dezembro de 2001 foi aberto ao público o espaço disponível, ou seja, o parque de estacionamento, transformado num percurso animado pelo trabalho de Leonor Cutileiro com fotografias e sons recolhidos no terreno. “Gostei muito de ver que não só os trabalhadores, mas também as respectivas famílias tiveram curiosidade em ver a instalação”. Ao longo deste processo pôde contar com o apoio do Departamento de Fotografia da Faculdade de Belas-Artes da U.Porto e dos Serviços de Áudio do Instituto Politécnico do Porto (para a captação de sons), mas com o fim da Capital Europeia da Cultura termina também o financiamento de um projecto cuja obra que acompanha só viria a concluir-se quatro anos mais tar-de. Ainda assim, a opção foi não deixar cair o projecto e até 2003 foram fotografadas e entrevistadas cerca de duzentas pessoas. A intenção é acompanhar o processo até ao fim e passar para o CD o tilintar dos copos no dia da inauguração. O CD que acompanha o livro será composto de músicas com poemas e sons registados durante a construção. A UPORTO publica aqui algumas das imagens captadas pela objectiva de Leonor Cutileiro, fragmentos de um trabalho que aguarda a atenção de uma editora que não seja dura de ouvido…

“O que ouve quem constrói a Casa da Música?”

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9 – MARIA ANDRÉ/ TÉCNICA ADMINISTRATIVA“MÚSICA CLÁSSICA, OUVIR PIANO, MÚSICA PORTUGUESA, BRA-SILEIRA, DE TUDO UM BOCADINHO. DEVÍAMOS TER UMA HORA POR DIA PARA NOS DEDICARMOS À MÚSICA. ÚLTIMO DISCO: DANIELA MERCURY”.

10 – ERNESTINA RIBEIRO/ TÉCNICA ADMINISTRATIVA“TENHO VÁRIAS: LUÍS REPRESAS; DULCE PONTES; RUI VELOSO; PÓLO NORTE; ALA DOS NAMORADOS; MADREDEUS E (MÚSICA) BRASILEIRA: MARIA BETHÂNIA; GAL COSTA; DANIELA MERCURY. FADO: AMÁLIA, CARLOS DO CARMO, NUNO GUERREIRO. NA CASA DA MÚSICA: MARIA BETHÂNIA.

7- ABEL RIBEIRO/ ARMADOR DE FERRO“SOU TOCADOR DE RANCHO FOLCLÓRICO; ADORO MÚSICA E A MINHA MÚSICA PREFERIDA SÃO TODAS; TOCO CONCERTINA. OS MEUS AVÓS JÁ ERAM MÚSICOS.

6 – MANUEL COELHO/ ENCARREGADO GERAL“MÚSICA ROMÂNTICA, PAULO GONZO, RUI VELOSO. A MÚSICA É COMO A COMIDA, DEPENDE DA HORA E DA DISPOSIÇÃO”.

11 – JOSÉ LUÍS REBELO/ TÉCNICO DE PREVENÇÃO E SEGURANÇA“SUNDAY BLOODY SUNDAY”, U2. MÚSICA DOS ANOS 70 E 80. NA CASA DA MÚSICA: TALVEZ OS SUPERTRAMP.

2 – JOSÉ M. GONÇALVES/ ENCARREGADO“SANTA MARIA. HÁ UMA CANÇÃO ESPECIAL, EM QUE HÁ UM JOVEM QUE FAZ AQUELA VOZ; A MÚSICA É BOA. TAMBÉM GOSTO DE MÚSICA ESTRANGEIRA, DO ROD STEWART E DO ITALIANO EROS RAMAZOTTI. ÚLTIMO DISCO: TOP +. GOSTAVA DE VER OS SANTA MARIA NA CASA DA MÚSICA.

1 – ANTÓNIO MOTA MARTINS FURTADO/ COORDENADOR DE SEGURANÇA E SAÚDE “MÚSICA DE INTERVENÇÃO; SÉRGIO GODINHO, ZECA AFONSO, ETC.”

5 – FRANCISCO DIOGO PINTO/ CARPINTEIRO – CHEFE DE EQUIPA“DELFINS. TÊM MUITA ESPIRITUALIDADE; A MÚSICA CLÁSSICA PODE TIRAR UMA PESSOA DA DEPRESSÃO”.

3 - JOSÉ BERNARDES/ ENGENHEIRO CIVIL“MISS SERAJEVO” (U2 E PAVAROTTI); PINK FLOYD E DIRE STRAITS”.

4 - JOSÉ PEDRO MATOS FERNANDES/ ENGENHEIRO CIVIL“DEPENDE DA ALTURA. QUANDO COMECEI A OUVIR E A COMPRAR MÚSICA GOSTAVA MAIS DE ROCK, MÚSICA MAIS PESADA (METTALICA; CULT; GUNS AND ROSES, ETC). DEPOIS HOUSE, DRUM & BASS E REGGAE, SEMPRE. TEM ENERGIA, FAZ-ME LEMBRAR CALOR, SOL. UM GRUPO QUE FICA SEMPRE, SEMPRE: SMASHING PUMPKINS. MÚSICA PORTUGUESA: MADREDEUS. A CASA DA MÚSICA É A MINHA PRIMEIRA OBRA. GOSTARIA DE OUVIR AQUI OS MADREDEUS OU OS GOTHAM PROJECT. PENSO QUE ESTES AUDITÓRIOS NÃO SÃO UM ‘RECINTO’ PARA CERTOS CONCERTOS”.

8 - RUI ANDRADE/ ENCARREGADO GERAL“MÚSICA CLÁSSICA; DIRE STRAITS; PINK FLOYD; ROGER WATERS; STING; PHIL COLLINS. NA CASA DA MÚSICA GOSTARIA DE OUVIR ORQUESTRAS INTERNACIONAIS A TOCAR OS TEMAS POP/ROCK”.

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TRABALHO FOTOGRÁFICO DE LEONOR CUTILEIRO

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É inevitável começar por um “ponto de situação”. Trata-se afinal de um projecto que tem sido envolto numa polémica incompre-ensível, mesmo face às paixões que desperta. É meu dever dar um contributo objectivo sobre a sua evolução nem sempre correc-tamente abordada publicamente. Até porque fui, durante mais de trinta e um meses, responsável pela condução desse projecto, numa fase crucial para garantir a sua execução. E tenho natural-mente orgulho nisso.O meu primeiro contacto informado com a Casa da Música teve lugar em Novembro de 1999, quando assumi a presidência da Sociedade Porto 2001. Até aí, mesmo como membro do Conselho Consultivo, pouco mais sabia do que tratar-se de um equipamen-to que se queria viesse a ser para variadas músicas, com diversas valências – ensaios, estúdios de gravação, concertos, pesquisa, for-mação, lazer – e de alta qualidade técnica e acústica. À semelhança de novos projectos em Inglaterra e Finlândia, entre outros.Seria a sede da Orquestra Nacional do Porto e de instituições a criar no âmbito da Capital Europeia da Cultura - o Estúdio de Ópera e o Rémix Ensemble.O programa preliminar (Março 1999) referia uma área útil de 9 500 m2 e orçamento 3,25 milhões de contos. Dos sete arquitectos convidados, três apresentaram propostas e, no final de Junho, fora pedido a Rem Koolhaas que desenvolvesse a sua. Em Agosto, o arquitecto apresentara um programa com 14 000 m2 (incluindo estacionamento subterrâneo de dois pisos); o orçamento de 6,78 milhões de contos (33,8 milhões de euros) incluia o próprio contrato de arquitectura, e a duração prevista para construção era 36 a 40 meses. O contrato, assinado em Setembro (1999), fixava a entrega do anteprojecto e orçamento para o final desse ano.O primeiro orçamento plurianual da Porto 2001 (Outubro 1999) inscrevia para a Casa da Música 6,78 milhões de contos, sem o valor do terreno. De Outubro a Dezembro as equipas técnicas de arquitectura e da Porto 2001 reúnem diversas vezes.O anteprojecto, entregue em 28 de Dezembro, contemplava uma área bruta de 22 500 m2 (com o estacionamento ampliado a três pisos) e um custo total de 9,2 milhões de contos (45,7 milhões deeuros), sem margem para contingências.A proposta ultrapassava em muito o valor orçamentado e da con-sulta aos accionistas não surgiuqualquer solução. A Porto 2001 tinha como alternativas: – pedir a reformulação do anteprojecto, o que não era viável face às cláusulas contratuais e porque a própria Porto 2001 dera instruções para ampliação da área a construir,

– identificar, com a equipa de arquitectura, cortes possíveis sem condicionar a qualidade e filosofia do projecto, e em simultâneo, garantir junto do governo um reforço financeiro e uma margem de segurança, essencial num projecto dessa dimensão e complexidade.Fixada a área do projecto, a mesma actual, e garantido o seu financiamento pelo governo, o orçamento plurianual da Porto 2001 (Abril de 2000) incluia já:– 8,5 milhões de contos (42,4 milhões de euros) para a Casa da Música, sendo 500 milcontos relativos ao valor do terreno cedido pelo Município;– 2,6 milhões de contos (13 milhões de euros) que surgem sob “Outros Projectos”, descrição considerada essencial numa fase de negociação do projecto e do concurso para construção das estruturas.Em fim de Junho de 2000, concluída a empreitada de escavação e contenção periférica, seguiu-se a das estruturas, que terminaria em Novembro de 2001.Dificuldades surgidas durante a construção, decorrentes das características geológicas (imprevistas) do terreno e do próprio projecto - a estrutura só seria autoportante quando terminada, exigindo especial atenção no escoramento – obrigaram a laborio-sas negociações com o consórcio empreiteiro, enquanto prosse-guia a construção. Em Junho de 2002 foi assinado um acordo de prorrogação do prazo que fixa 3 de Maio de 2003 para conclusão das estruturas.A Porto 2001 estava prestes a terminar a sua actividade. Por sua proposta, ficou garantida uma solução para a empreitada da Casa da Música, assegurando continuidade contratual e preservando as vantagens estatutárias da Porto 2001 – a transformação estatu-tária criando a Casa da Música/Porto 2001 S.A.Em 30 de Junho de 2002, do orçamento para a Casa da Música estavam comprometidos cerca de 6,7 milhões de contos, incluin-do já o custo global das estruturas. O remanescente destinava-se aos acabamentos.A Casa da Música está próxima da conclusão. É um projecto ambicioso, em dimensão, qualidade e visibilidade. Como poucos, no Porto, só comparável ao Parque da Cidade e Serralves.É essencial para a projecção internacional da cidade (e do pais) que o seu funcionamento venha a ter a mesma ousadia, mo-dernidade e ambição. Como projecto nacional, no Porto. Uma das marcas de uma cidade europeia, que se quer afirmar pela dinâmica e pela cultura.

Pode vir a ser uma das marcas do Porto europeu

TERESA LAGO

PROFESSORA CATEDRÁTICA DA FCUPEX-PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTO 2001

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A construção da Casa da Música suscitou enorme interesse entre a população, interesse acompanhado de contínua polémica (em geral, a obra medíocre não provoca reacção; a polémica acontece quando surge obra empenhada na qualidade e capaz de contê-la). É certo que a mais premente crítica se refere à derrapagem de custo e de tempo de execução, facto que nem deveria constituir surpresa.A construção da Casa da Música põe em relevo as consequências de uma planificação apressada e do hábito de impor um calendá-rio em que o tempo de projecto e de consolidação do programa é encarado (parece) como tempo quase irrelevante; ou com um extremo optimismo (ingénuo ou simulado). Por uma ou outra razão, ou outra ainda, esse tempo é reduzido a limites dificilmen-te compatíveis com a qualidade arquitectónica e física e (ou) com o controle de custo de obra. Quando se trata de obra pública surge, quase sempre, uma data incontornável em qualquer circunstância: evento de prestígio, eleições… Como se a fixação das datas não tivesse de incluir a programação rigorosa de todo o processo.Quando, uma ou outra vez, a perseverança de alguém que assu-me a qualidade como obrigação encontra apoios fortes, então, ainda que fora de prazo, surge essa raridade que é uma Obra de Arquitectura. Quando tal não acontece, o prazo é cumprido em circunstâncias de que resulta a rápida degradação física, para além da outra.Com raras excepções, são essas as condições do trabalho em Portugal.O projecto da Casa da Música traduz a reflexão sobre a cidade contemporânea e as convicções de Rem Koolhaas em torno aos sinais de impossibilidade de controlar globalmente o seu evoluir. Assim, constitui proposta radical de transformação urbana, assu-mindo-se como um núcleo potencialmente organizativo da cidade.Parece-me, contudo, que a Casa da Música representa algo de novo na obra do autor. A sua autonomia, enquanto objecto arqui-tectónico, aceita e inclui o encontro com um ambiente preciso. O que fora apresentado como translação de projecto não realiza-do contextualizou-se, com que isso possa revelar de contradição.A contradição transpira do espírito de cada cidade e influi em qualquer teoria de suporte.Aquela “rocha” facetada vive do contraste com um ambiente ecléctico, de escala e qualidade descontínuas mas contidas; de emergir de um contínuo de jardins (os quintais a poente, até ao mar, mais ainda do que o jardim da Rotunda).Compreende-se a reacção de Koolhaas, confrontado com o anún-

cio de outras potentes intervenções, a poente e a norte, também transformadoras - mas a descompasso. Sem a legitimidade de excepção de um equipamento profundamente transformador da vida actual e quotidiana da cidade, ao contrário do que acontece - pela própria natureza e programa - com a Casa da Música.Será incontornável a influência do seu desenho, para bem e para mal, como quase sempre acontece com obra de qualidade sin-gular. Para bem, se essa influência incluir o que de novo ocorre nesta experiência do autor (se a minha leitura não é um engano). Experiência que foi ultrapassando mudanças de governo e de autarcas, dificuldades de financiamento, tensões e conflitos entre pessoas e entre instituições. Que tenha longa e formosa vida, que a cidade a saiba usar. E que não se percam as múltiplas lições que encerra.

Que não se percam as múltiplas lições que encerra

Será incontornável a influência do seu desenho, para bem e para mal, como quase sempre acontece com obra de qualidade singular.

ÁLVARO SIZA VIEIRA

ARQUITECTOPROFESSOR CATEDRÁTICO CONVIDADO,JUBILADO DA FAUP

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UPORTO DOSSIER

A quem observa a Casa da Música ressalta, para além do ineditis-mo e da beleza da sua forma, a sua estrutura. A generalidade dos elementos visíveis são estruturais, sendo patente a necessidade da íntima articulação entre arquitectura e engenharia. A construção desta obra de arte, no mesmo sentido em que as pontes assim são designadas, exigiu desde a sua concepção inicial, dada a sua forma incomum e portanto para além da experiência existente, que houvesse uma garantia da sua exequibilidade, quer do ponto de vista da possibilidade de existência de uma solução estrutural, quer do respectivo sistema construtivo. Aliás, esta avaliação de exequibilidade dificilmente teria sido possível há trinta anos atrás em que não se encontravam desenvolvidas e disseminadas as metodologias, e os meios de cálculo automático, que permitiram realizar as necessárias análises estruturais. A complexidade da estrutura não teria permitido o seu estudo com base em modelos físicos ou modelos numéricos simplificados, os disponíveis antes do aparecimento do cálculo automático. Esta obra é também, e assim, um produto da nossa época.O edifício tem uma altura total de 55 m, sendo 40 m acima do solo, envolvendo treze pisos e uma área de construção de 20000 m2. Esta área de construção insere-se no interior de um sólido definido por um conjunto de paredes planas, em geral inclinadas em relação ao plano do solo. Porque a inclinação das paredes é de modo a que a área de construção aumenta em altura nos primei-ros pisos, resulta que a construção estreita ao contactar o solo, o que acentua a sua forma original, desafiando o senso comum para as construções e suscitando a ideia de um objecto que toca o solo como se fosse um meteorito. É esta forma que obriga a que as paredes constituam elementos essenciais na solução estrutural, sendo necessário que funcionem em conjunto para permitirem a transmissão ao solo das cargas que lhes são transmitidas. A solução estrutural é assim fundamentalmente constituída por uma casca, constituída pelo conjunto das paredes exteriores com 0,40 m de espessura, e duas grandes paredes, com uma espessura de 1,0 m e que se desenvolvem ao longo e lateralmente ao grande auditório. Complementarmente, para permitir o apoio das lajes, existem ainda vigas paredes, apoiadas na casca e nas paredes principais, e alguns pilares na zona central.O material escolhido para a estrutura foi o betão branco que, em grande parte, é aparente, pelo que é necessário garantir que para as acções correntes a largura de fendas seja adequadamente controlada, para além da definição de procedimentos a ter no decurso dos trabalhos de construção de modo a assegurar a qualidade do seu aspecto final.

Uma estrutura de Hoje

A complexidade da forma, associada ao facto de a estrutura ser aparente, exige a que se proceda a uma rigorosa avaliação dos esforços e deslocamentos estruturais. Acresce que o conjunto das paredes exteriores só ganha o seu desempenho estrutural quando todas elas se encontrarem ligadas entre si, com evidentes implicações no modelo numérico a adoptar e no correspondente sistema construtivo.O modelo numérico teve que permitir, assim, uma análise que englobasse todos os elementos estruturais, constituindo o méto-do dos elementos finitos a ferramenta que actualmente permite associar a articulação de diferentes tipos de elementos, nomeada-mente de casca, para a simulação de paredes e lajes, e elementos de barra, para os pilares e vigas. Também a construção precisou de ser convenientemente prepa-rada e estudada, já que a realização de paredes inclinadas, que só assumem a sua função estrutural quando ligadas entre si, implica uma grande diversidade de esforços ao longo da construção, pelo que a análise de diferentes fases construtivas teve que ser efectu-ada com cuidados idênticos às efectuadas durante o dimensiona-mento estrutural e em estrita articulação com este.Sem as potentes e rigorosas ferramentas de análise estrutural hoje existentes, disponibilizadas com o surgimento dos poderosos meios de cálculo automático, não teria sido possível, certamente, a concretização desta complexa construção.

RAIMUNDO DELGADO

PROFESSOR CATEDRÁTICO DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA CIVIL, FEUP

A complexidade da estrutura não teria permitido o seu estudo com base em modelos físicos ou modelos numéricos simplificados, os disponíveis antes do aparecimento do cálculo automático.

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“Face ao prazer da natureza, o prazer metropolitano é uma espécie de perda do indivíduo numa experiência partilhada muito densa e compacta. Há também o prazer de saber que temos acesso a um milhão de prazeres: para mim, é este potencial de prazeres que, exacerbado ao máximo, o prazer da cidade simboliza”.

REN KOOLHAAS (1994),in La Ville – six interviews d’architectes, Paris, Centre Georges Pompidou

Desde os passos iniciais que determinaram a sua génese, a Casa da Música está vocacionada para despertar opiniões desencon-tradas e conflitos de interpretação sobre o papel que aquele equi-pamento deve desempenhar no projecto de cidade que o deveria enquadrar. Quando se circula na placa giratória entre a velha e a nova Cidade que a Boavista constitui ninguém fica indiferente à peça de Koolhaas e seus colaboradores. Um ouvido atento sobre

o som de fundo que uma rotunda proporciona permite que o caminhante diferencie no local as inúmeras percepções que o objecto suscita, com a paixão e desassombro que a opinião espontânea de rua sempre proporciona. Como cidadão de rua e praça, também não fico indiferente. Dou comigo frequente-mente a imaginar pontes inexploradas entre as cidades (Utreque, Roterdão, Lille, Fukuoka, Berlin, Chicago e muitas outras) que acolhem projectos marcantes do autor e o cosmopolitismo dessas sensações agrada-me sobretudo porque constituem pontes de internacionalização à margem da capital, não dependentes dos laços da corte. Mas pedem-me algo de mais pensado e menos vivido. Que reflexões suscita a génese e concretização de um projecto como a Casa da Música a um universitário que trabalha nos domínios do planeamento e do desenvolvimento?

Ambição e risco de um mega-projecto

ANTÓNIO MANUEL FIGUEIREDO

PROFESSOR AUXILIAR CONVIDADO DA FACULDADE DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

32 | Entre as múltiplas entradas possíveis para uma reflexão deste tipo que poderiam ir de uma análise da própria obra de Koolhaas em termos do seu impacto no projecto de Cidade (será que existe?) à procura de um marco de diferenciação cultural para o Porto, optei por discutir o projecto do ponto de vista da relação com-plexa que hoje se estabelece entre projectos públicos de grande envergadura, planeamento, financiamento e “accountability”.A moderna teoria do planeamento elegeu o estudo dos chamados mega-projectos1 como um objecto relevante de análise, sobretu-do do ponto de vista da génese do processo de tomada de decisão que conduz à sua construção. Uma primeira questão a resolver é a de saber em que medida podemos equiparar a Casa da Música a projectos como o túnel da Mancha, a ponte Vasco da Gama ou os túneis alpinos, por exemplo. Aparentemente, existe uma diferença irreversível de dimensão. Porém, o conceito de mega-projecto tem também uma dimensão relativa, que lhe é dada pela escala de enquadramento em termos de capacidade local disponível de financiamento, execução, gestão e coordenação. Como modelo de análise, podemos considerar a Casa da Música como um mega-projecto.A investigação em torno deste tipo de projectos identificou algumas regularidades: propensão para a derrapagem de custos, sobreavaliação de estimativas de procura potencial e de impac-tos regionais e no crescimento económico, deficiente avaliação ex-ante de impactos ambientais, baixos níveis de “accountabi-lity”. Estão, pois, criadas as condições para que a Universidade do Porto e a Cidade possam conceber a Casa da Música como um caso de estudo, integrando uma “casoteca” pertinente para múltiplas fontes de saber e de formação contínua e pós-graduada que a Universidade do Porto oferece. Vale a pena, por isso, lançar algumas questões em torno do projecto, contribuindo construti-vamente para a concepção de um caso pedagógico.

Questão 1 - A que projecto de internacionalização da Cidade cor-responde a Casa da Música, tal como está formulado? Insere-se na procura de um equipamento/evento diferenciador e com-petitivo, transportando a Cidade para uma nova plataforma de visibilidade? Foram pensadas as complementaridades necessárias para que a imagem global seja diferenciadora?

Questão 2 - Constitui a Casa da Música mais um projecto virado para dentro da Cidade, valorizando a sua autonomia de centro de liberdade criativa, chamando novos públicos à cultura, recupe-

Estão criadas as condições para que a Universidade do Porto e a Cidade possam conceber a Casa da Música como um caso de estudo, integrando uma “casoteca” pertinente para múltiplas fontes de saber e de formação contínua e pós-graduada que a Universidade do Porto oferece.

UPORTO DOSSIER

rando algum do prestígio musical de outras épocas? Predomi-naram, pelo contrário, objectivos de recomposição urbana ou de fazer cidade nova a partir de uma peça tão marcante como esta? A arquitectura de Koolhaas potencia essa tipologia de objectivos?

Questão 3 – A estrutura organizacional e de gestão da Sociedade Porto 2001 estava dimensionada para acolher e acompanhar um projecto desta magnitude, gerando a intervenção a partir de um concurso de ideias com uma programação temporal de investimento tão pressionante? É concebível que no Portugal e na Cidade de hoje que um projecto desta magnitude possa arrancar com lacunas relevantes em termos de projecto físico de execu-ção? É esta prática compatível com os meandros exigentes da programação de Fundos Estruturais?Questão 4 – Foram criadas as condições para assegurar a “accountability” dos fundos públicos envolvidos neste processo? A Cidade e as suas forças vivas tiveram acesso transparente à discussão dos rumos do processo? Tem a Cidade maturidade para discutir criticamente os rumos do projecto?Perguntar estruturadamente constitui um poderoso instrumen-to de produção de novo conhecimento. Mas a produção desse conhecimento depende fortemente das condições de acesso à resposta, em termos de transparência, maturidade e “accountabi-lity”. Por isso, os casos de estudo não abundam.

1. Bent Flyvbjerg designa os projectos de infra-estruturas de multi-milhões de dólares de um novo animal físico e político: Bent Flyvbjerg, Nils Bruzelius e Werner Rothengatter (2003), Mega-projects and Risk – an anatomy of ambition, Cambridge: Cambridge University Press

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Casa da Música não pode ficar cativa de conjunturas políticas

A Casa da Música é um dos três equipamentos que a Porto 2001- -Capital Europeia da Cultura se propôs construir de raiz1, e desde a apresentação oficial do evento se apresentou como a sua “jóia da coroa”, combinando especialmente os quatro princípios da Sociedade Porto 2001: programação cultural, infra-estrutura(s) cultural(is), requalificação urbana e revitalização económica. Na quase exacta medida desse carácter simbólico, a Casa da Música haveria igualmente de servir para se constituir alvo privilegiado das polémicas, essencialmente de ordem político-institucional, que, tendo acompanhado a Porto 2001, encontraram terreno de amplificação nas mudanças políticas que se seguiram, primeiro a nível autárquico, depois governamental.A envergadura do projecto, em termos de concepção cultural e qualidade arquitectónica (de arte, dimensão internacional e desenho funcional para diversas especialidades na área musical e de serviços abertos à comunidade exterior), justifica os discur-sos emblemáticos positivos. Enquanto conceito cultural, a Casa definiu-se como a bandeira do acento dado pelos promotores ao carácter estruturante da Porto 2001: sob o lema “Pontes para o futuro”, o evento decorreu da acção cultural municipal conduzi-da ao longo de dez anos, e que assim intentava a consolidação, presente e prospectiva, de dinâmicas de participação social e de estruturação de ofertas e procuras culturais entretanto ensaiadas.Neste sentido, a Casa da Música desenvolveu uma programação musical que não só não dependeu da existência física do edifício, como marcou, desde o início, o princípio de articulação entre os vários equipamentos e o tecido sociocultural da cidade que pautava o seu projecto, e que haveria de marcar (pela positiva, se atendermos aos ecos da crítica especializada na imprensa; e aos resultados do inquérito aos públicos conduzido pelo Observa-tório das Actividades Culturais) a programação da Capital da Cultura. Por outro lado, a Casa da Música constituiu-se num conjunto de unidades orgânicas2, das quais destacamos, pela sua centralidade e inovação, a criação de um serviço educativo acti-vo, quer dizer, concebido como núcleo da Casa, parte integrante dos seus conteúdos e não um apêndice às suas actividades.A par de uma agenda musical de elevada qualidade, com uma se-lecção de reputados maestros, compositores, intérpretes e eventos da música “clássica” e contemporânea, nas suas várias vertentes, a Casa da Música protagonizou alguns dos momentos mais simbó-licos da Porto 2001. Entre eles, contam-se produções que foram experiências marcantes enquanto espectáculos artísticos e acções inovadoras bem sucedidas de formação e envolvimento com

públicos escolares e comunitários – como as óperas Brundibar (de Hans Krasa) e Wozzeck (de Alan Berg). Ao mesmo tempo, o espaço físico em construção abria-se, paulatinamente, à cidade, através, por exemplo, da possibilidade de visitas guiadas às obras – e a primeira “inauguração” pública do espaço consistiu na representação, já em 2002, de uma ópera comunitária, produzida de raiz pela instituição, nas galerias do parque de estacionamento (Demolição. A história que ides ver). Finalmente, quer a escala e o valor arquitectónicos da obra de Koolhaas; quer a dimensão (simultaneamente prestigiada, inovadora e contemporânea) da programação da Casa da Música, dão conta do carácter portuen-se e nacional do projecto.Um olhar, mesmo superficial, sobre os discursos produzidos no espaço público sobre a Casa da Música mostra como à valoriza-ção relativamente contínua da programação musical e da cons-trução identitária local e nacional se opõe a desvalorização nos planos político e mediático da obra – responsável pela produção de uma representação ambígua, senão negativa, do projecto. Na verdade, a grande fragilidade da Casa da Música tem sido, desde o início, de ordem política e institucional, na proporção inversa do seu valor artístico e cultural. Se, ao longo da Porto 2001, sobressaíram essencialmente as críticas à arquitectura e ao funcionamento financeiro e institucional global da Capital da Cultura, as mudanças políticas municipal e depois governamen-tal que se lhe seguiram vieram esvaziar progressivamente os seus conteúdos programático-culturais. A sucessão das administra-ções, a persistente insensibilidade (para não dizer distância) dos presidentes da administração em matéria de cultura, a perse-guição pela autarquia, a personalização da discussão pública do projecto, a demissão do ministério da cultura, a derrapagem economicista-liberal – praticamente paralisaram o desenvolvi-mento do projecto, com custos enormes (culturais e económicos) para a sua recuperação.Ao invés da discussão em torno de opções legitimamente diferenciadas em termos de programação e funcionamento, assistiu-se, nos últimos dois anos e meio, a um trabalho siste-mático de desresponsabilização política face a um projecto cujo curso já não se podia, pura e simplesmente, parar – como se a “Porto 2001, SA”, entretanto “Casa da Música/Porto 2001, SA - em liquidação” (finalmente decidida como futura Fundação) não fosse uma empresa exclusivamente de capitais públicos, a Câmara do Porto não fosse um dos sócios, e o Estado não tivesse nada a ver com ela. Neste sentido, a Casa da Música foi, e é ainda,

HELENA SANTOS

PROFESSORA DA FACULDADE DE ECONOMIA DA U.PORTO

34 | o bode expiatório para uma sistemática obstrução a um trabalho de durabilidade e consolidação do que teve de positivo o ensaio de política cultural da década anterior, assim como do trabalho necessário de reformulação do que esse mesmo ensaio permiti-ria identificar como contingente e menos positivo.A envergadura do projecto arquitectónico não deixará de fazer cumprir, em parte, um impacto positivo, atendendo, pelo menos, à incontornabilidade da sua qualidade edificada, incluindo a sua dimensão polémica. Porém, o trabalho de legitimação de conteúdos programáticos e de inserção identitária, local, nacio-nal e internacional, não se produz nem espontaneamente nem imediatamente, e muito menos através de programas avulsos de espectacularidade mediática. A Casa da Música, como qualquer outro projecto comparável, não pode, por isso, ficar cativa de conjunturas políticas – mesmo se se prefigura, no momento desta escrita, o horizonte de um retorno a um período mais favo-rável ao reconhecimento da importância da dimensão cultural.

Na verdade, a grande fragilidade da Casa da Música tem sido, desde o início, de ordem política e institucional, na proporção inversa do seu valor artístico e cultural.

1. Os outros dois foram a Casa da Animação (inaugurada em 2002) e a Biblioteca Almeida Garrett (inaugurada em 2001).2. A criação de um estúdio de ópera, de um grupo de música de câmara, uma orquestra de jovens músicos; a Orquestra Nacional do Porto; um serviço educativo e um departamento de cybermúsica.

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UPORTO PERFIL

Aluno do Programa Graduado em Biologia Básica e Aplicada (GABBA), Ricardo Ribas, jovem médico-veterinário licenciado pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), decidiu desenvolver a tese de doutoramento numa das áreas das ciências da vida que mais atenções tem despertado, a clonagem. E logo inserido numa equipa que ficou mundialmente famosa por ter conseguido clonar a ovelha “Dolly”, o Roslin Institut, sob orientação de Ian Wilmut. Mais interessante ainda é a sua investigação estar relacionada com uma nova técnica de clonagem que já deu origem ao ratinho “Figo” e que está bem de saúde. A tese deste portuense de 28 anos intitula-se “Factores que influenciam a clonagem de embriões” e conta com orientação, na Universidade do Porto, de Mário Sousa e Ana Colette Maurício, professores do ICBAS. Pela frente, ainda tem mais cerca de dois anos até finalizar a tese de doutoramento e, num dos curtos períodos em que esteve em Portugal falou sobre a investigação que desenvolve.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar no Roslin Institut (Escócia), com o Prof. Ian Wilmut?Na sequência do primeiro ano do Programa Graduado em Áreas da Biologia Básica e Aplicada (GABBA), quis fazer a tese de dou-toramento na área da reprodução. Falei com os Profs. Mário Sou-sa e Ana Colette Maurício, ambos interessados em doutorar um jovem veterinário na área da clonagem animal. Após o contacto de Mário Sousa com o Prof. Wilmut, comecei a trabalhar no Ros-lin Institut. O Prof. Wilmut é o meu co-orientador lá e os Profs. Mário Sousa e Ana Colette Maurício são co-orientadores cá.

Que pensou ao saber da possibilidade de trabalhar no Roslin Institut?Foi fantástico!... Obviamente, estava um pouco receoso antes da entrevista! Não sabia se seria seleccionado… mas correu tudo bem.

O desenvolvimento de uma nova técnica de clonagem foi objectivo do trabalho, logo à partida?Sim, era um dos principais interesses do trabalho. Como eu me iniciava na clonagem que, de acordo com a técnica mais comum e usada no caso da ovelha Dolly, é dispendiosa e envolve operações complexas implicando seis ou mais meses de aprendizagem, era vantajoso reduzir esse tempo de preparação usando uma técnica mais simples. Esta técnica já tinha sido usada em bovinos e foi por aí que começámos, extrapolando depois para os ratinhos.

“Investigar com prudência e ouvindo a sociedade”

Está previsto testar esta técnica noutros animais?Eventualmente, sim. Já o foi em bovinos, mas pode, eventual-mente, ser usada ainda noutras espécies. Para já, não faz parte dos meus horizontes, mas pode vir a fazer sentido numa pers-pectiva de aperfeiçoamento da técnica. Neste momento, está a ser feito trabalho com ratinhos.

Maior facilidade e rapidezA clonagem envolve sempre a substituição do núcleo de um óvulo pelo de uma célula somática, sendo o clone genetica-mente idêntico ao dador da célula somática, mas as técnicas diferem. Que há de novo nesta técnica que está a desenvolver?A diferença das técnicas passa pelas fases de desenvolvimento do óvulo e da célula somática consideradas adequadas, passa pela preparação de umas e outras e pelo método de introdução do núcleo da célula somática no óvulo. Hoje considera-se que a fase de desenvolvimento do óvulo mais adequada para a clonagem é a chamada Metafase II. A maioria dos laboratórios que trabalham em clonagem consideram que o melhor momento para células dadoras surge quando estão paradas na fase Kat 0 (G0) e a para-gem nesta fase implica técnicas específicas.As vantagens da técnica estão relacionadas, sobretudo, com as maiores facilidade e rapidez na aprendizagem, sendo por isso menos dispendiosa. Em termos de eficácia, é preciso avançar nos estudos para tirar conclusões. Mesmo que a eficácia da técnica, medida em termos de viabilidade dos embriões, seja idêntica, há uma evolução positiva tendo em conta as vantagens já referidas. Mas a grande diferença diz respeito à remoção da zona pelúcida antes da enucleação.

No seu trabalho tem comparado os resultados usando dois tipos de células, como dadoras de núcleo: células tronco (estaminais, ou seja com potencial de diferenciação noutras e cujo destino ainda não foi “decidido”) embrionárias e células cumullus (células que se situam em redor dos óvulos). A nova técnica passa pela remoção da zona pellucida do ovócito (camada protectora do ovócito e do embrião nas primeiras fases de desenvolvimento), o que facilita a manipulação… Já se tinha feito antes?Já se tinha feito noutros animais, mas não no ratinho. Sabe-se pouco sobre as funções da zona pellucida… sabe-se que serve de protecção ao embrião nas primeiras fases de desenvolvimento até à fase de blastocisto, ou seja, em alguns casos até quatro dias, noutros sete. Após essa fase, o embrião abre a zona pellucida e

Ricardo Ribas, investigador em clonagem entrevistado por João Correia

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As vantagens da técnica estão relacionadas, sobretudo, com as maiores facilidade e rapidez na aprendizagem, sendo por isso menos dispendiosa.

implanta-se no útero. Estamos a estudar os efeitos da ausência da zona pellucida. Não parece ser essencial ao desenvolvimento do embrião, mas para além de protecção, contribui para os embriões não se colarem e se individualizarem.

Aparentemente o ratinho produzido em Junho através desta nova técnica de clonagem está bem, é normal e sabe-se que é fér-til. Qual a importância científica do trabalho realizado até aqui?Para já, o resultado é bastante bom. O ratinho tem a aparência que normalmente um animal clonado tem, nomeadamente um desenvolvimento superior a um animal que resulta de um proces-so reprodutivo natural, mas para além disso, nada mais de anor-mal foi diagnosticado. Chegámos à conclusão de que é possível clonar animais usando esta técnica. A partir daqui, é preciso con-tinuar a usar a técnica para poder determinar estatisticamente a taxa de sucesso e saber se é reprodutível noutros animais, se pode ser usada com idêntico sucesso na clonagem de outros animais. Mas havendo apenas um indivíduo clonado, ainda nada se pode concluir quanto à eficácia da técnica. Trata-se, no entanto, de uma “prova de princípio” de uma tecnologia promissora quanto aos resultados de uma reprodução clonada para esta espécie.

O desenvolvimento anormal de alguns órgãos, em certos casos, esteve associado a certos problemas de saúde…Há vários problemas que podem surgir… Há uma grande per-centagem de insucesso na clonagem, muitos embriões mortos e elevada taxa de mortalidade logo após o nascimento. Há também casos de mal formação de órgãos… Foram também detectados problemas respiratórios que surgem ao longo do desenvolvi-mento do animal, problemas de obesidade e até alterações de comportamento. No entanto, a principal causa de mortalidade e de desenvolvimento de doenças pós-natais continua a ser uma desregulação do sistema imunitário. A maior dimensão dos animais é uma anomalia considerada normal no decurso da reprodução por clonagem. Mas para além desta característica, no ratinho não foi detectada qualquer outra anomalia.

Mistérios da clonagemA prudência da comunidade científica em relação à aplicação destes conhecimentos à clonagem humana justifica-se por um conjunto de outras incertezas, nomeadamente os mecanismos que controlam a expressão dos genes e o papel dos grupos metil no seu silenciamento e expressão…Os mecanismos de expressão genética e os factores que a condicionam e as primeiras fases de desenvolvimento são dois exemplos de campos de investigação ainda em aberto - e não só na clonagem. Na maioria dos casos, a presença dos grupos metil causam o silenciamento dos genes. Há artigos que referem um aumento da metilação em embriões clonados, comparativamente aos embriões resultantes do processo reprodutivo comum e, por-tanto, a expressão genética poderá processar-se com deficiências.

E que hipóteses explicativas das diferenças nesses processos se estão a testar nos estudos?No caso dos ratinhos, o desenvolvimento do embrião até às duas células faz-se à custa das condições existentes no ovócito mater-no. A partir das duas células, o desenvolvimento faz-se a partir de factores não exclusivamente presentes no ovócito, pois o embrião produz a suas próprias proteínas e começa a tornar-se um ser independente. No caso dos bovinos e ovinos essa fase acontece a partir das oito células. É um momento crucial, o chamado pro-gramming. Conhecem-se métodos para melhorar o programming. Foi também com ajuda desses métodos que se conseguiu obter a Dolly. Decorrem diversos estudos para estudar os factores que in-tervêm a este nível e poder controlá-los para aumentar o sucesso da clonagem. Outro factor que poderá ter importância é o tempo que decorre entre a fusão da célula com o ovócito e a activação. Sabe-se que existe uma relação directa entre o programming e esse intervalo de tempo.

Durante a fase de colocação de questões logo a seguir à pales-tra do Prof. Ian Wilmutt, quando esteve consigo no auditório da Reitoria da Universidade do Porto a 13 de Dezembro, alguém perguntou qual a influência do material genético mi-tocondrial nestes processos. Há pistas sobre isso?Não se sabe. Provavelmente, estará aí um campo de investigação em aberto… É uma questão interessante... Ninguém sabe ao certo. São materiais genéticos diferentes; o das mitocôndrias é menos completo do que o que está no núcleo, mas poderá ter influência no processo… A clonagem é ainda um campo novo de investigação. A Dolly foi clonada há cerca de oito anos e, desde aí,

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UPORTO PERFIL

outros animais têm sido clonados, os estudos progridem… No entanto, o número de casos é ainda reduzido e, por isso, es-tatisticamente, há ainda uma base pouco segura para tirar certas conclusões científicas.

O que justifica a diferença de eficácia das técnicas de clonagem de espécie para espécie?Bom… Desde logo, o tamanho, a resistência e outras característi-cas dos ovócitos variam de espécie para espécie e, como tal, há ne-cessidade de usar técnicas diferentes consoantes os casos. Por outro lado, os mecanismos variam de espécie para espécie. Há animais, como os cães, em que é mais difícil controlar o processo, designa-damente por ser mais difícil conseguir obter ovócitos em Metafase II, que é fase ideal para desencadear o processo. Nas vacas, ovelhas ou ratinhos é mais fácil, porque essa fase é mais lenta.

Que resta até final do período de doutoramento? Continuará a testar a técnica e avaliar os seus resultados ou haverá outros desenvolvimentos?O meu trabalho de investigação no Roslin Institut não passará apenas pelo estudo da nova técnica de clonagem nos ratinhos. O trabalho passa também por outros aspectos, mas obviamente que esta investigação vai continuar…

A nova técnica é a parte mais importante do trabalho no Roslin?É, pelo menos, o aspecto mais mediático… Há colegas meus que estão a fazer doutoramento noutras áreas tão ou ainda mais importantes cientificamente que a minha… Na investigação que desenvolvo há diversos outros aspectos também cientificamen-te interessantes, mas que, decerto, não mereceriam atenção da comunicação social.

Fala-se também no potencial terapêutico da clonagem no sentido em que, através desse processo, se podem obter células estaminais a usar, por transplante, no combate a certo tipo de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer ou Parkinson, ou eventualmente outras como acidentes vasculares cere-brais, a diabetes, doenças cardíacas ou paralisia. No entanto, também existem células estaminais, por exemplo na medula óssea, que habitualmente se diferenciam em glóbulos brancos. Há esperança que estas células estaminais possam ser usadas também para tratar doenças. Sendo assim, ainda faz sentido insistir na clonagem para fins terapêuticos?A investigação, nesta área, está também numa fase inicial… Não é a minha área de trabalho… De facto, existe esse tipo de células estaminais. À partida, essas células existem em todos os órgãos… Do que li e ouvi, depreendo que essas células, aparentemente, não têm tanto potencial de diferenciação como as células embrioná-rias e poderão existir vários factores que impedem o seu uso.

Pós-graduação que abre portasO seu orientador no Roslin Institut, Ian Wilmut, conseguiu autorização recentemente para estudar as células que indiví-duos com esclerose lateral amiotrófica (doença incurável que afecta o físico Stephen Hawking e paralisa progressivamente o paciente), trabalho que implica a clonagem de células. Vai também participar nesta investigação?Não sei… Não conheço bem essa área. Sei que há pessoas, no laboratório, que se preparam para trabalhar nela… O meu traba-lho, esse e outros, acabam por estar interligados…mas o que sei é o que tem sido publicado na imprensa.Tenho o meu próprio projecto e, nesta área específica, trabalho essencialmente sozinho, embora supervisionado por Ian Wilmut, Mário Sousa e Ana Colette Maurício, e ajudado por alguns cole-gas do Roslin.

Quantos investigadores trabalham com Ian Wilmut?Cerca de uma dezena… O laboratório está dividido, essencial-mente, em duas áreas.

Nota diferenças entre a forma de fazer investigação no Roslin e a investigação que se faz em Portugal?Já me fizeram essa pergunta várias vezes… Não tenho termo de comparação para poder enumerar as diferenças. Acabei o curso de Medicina Veterinária, a seguir trabalhei com animais na clíni-ca do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, depois entrei

A clonagem é uma área de investigação interessantíssima, com enormes potencialidades e muito promissoras perspectivas de futuro.

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no GABBA, no âmbito do qual desenvolvo esta investigação. Na realidade, nunca fiz investigação em Portugal. Sei que a investi-gação portuguesa tem evoluído imenso nos últimos anos e essa evolução tem produzido resultados muito positivos.Não há ninguém a trabalhar em clonagem animal em Portugal. Há pessoas, como o Prof. Mário Sousa (ICBAS), que têm traba-lhado muito bem na área da reprodução, incluindo na área da clonagem terapêutica humana.

Como é o ambiente de trabalho no Roslin?O ambiente é fantástico em termos profissionais e pessoais…Eu estou com uma bolsa da FCT, não me posso queixar de difi-culdades de financiamento…

Que estratégias se usam, internamente, no laboratório, para incentivar o trabalho de investigação?Num projecto de investigação, há um percurso estabelecido que se deve seguir… Ao longo desse processo de investigação vão surgindo perguntas que, umas são pertinentes para o trabalho em curso, outras podem suscitar percursos distintos de investigação…

…E o GABBA constituiu preparação suficiente para o traba-lho que está a realizar?Sim. A preparação foi óptima. Aliás, em Portugal existem ex-celentes programas de doutoramento, não só no GABBA, mas também no Instituto Gulbenkian de Ciência e em Coimbra. No GABBA são abordadas diversas áreas que, após o primeiro ano, constituem base suficiente para escolher o campo de investigação. O projecto pode ser desenvolvido em Portugal, ou noutro país. Os docentes, de mérito inegável em cada área, ajudam a decidir, abrem portas e desenvolvem contactos iniciais para obter as melhores condições de prossecução do projecto. Também temos contacto, durante os anos iniciais, com docentes estrangeiros que, a este nível, podem igualmente dar bons contributos. Não foi o caso do Prof. Ian Wilmut, que veio pela primeira vez a Portugal no final do ano passado para as conferências na Universidade do Porto mas a convite de Mário Sousa e a expensas do ICBAS.

Avançar prudentementeEmbora ainda cedo para ter ideias definidas sobre isto, que pers-pectiva para depois de terminar o projecto de doutoramento?Não sei… Depende de como evoluírem as coisas… Posso ficar lá ou cá… Gosto muito da cidade, de Edimburgo, onde trabalho, mas também gosto imenso de Portugal. O local onde possa vir a trabalhar não é muito importante.

E se se vier a concretizar a constituição de um grupo de traba-lho na área da clonagem em Portugal?Pode ser interessante… Não coloco quaisquer entraves a essa possibilidade…O Reino Unido está mais à frente do que nós, por exemplo ao nível do enquadramento legislativo da investigação em clona-gem. Assim sendo, em Portugal talvez seja mais difícil financiar e desenvolver esta área de investigação… Mas é algo a analisar a seu tempo.

Trabalhar em clonagem, uma área nova de investigação e tão mediática, é uma vantagem?Sim e não. Tem vantagens e desvantagens. As dificuldades tem a ver, por exemplo, com problemas éticos que esta área enfrenta… Há outras áreas em que se conseguem excelentes resultados, mas por não serem tão mediáticas merecem poucas atenções. Acho que a clonagem é uma área de investigação interessantíssima, com enormes potencialidades e muito promissoras perspectivas de futuro.

… Exige certa prudência… talvez mais do que a exigida nou-tros campos de investigação…Exactamente! Tem que se compreender os receios e a reserva moral da sociedade, dos vários segmentos da sociedade… Há opiniões diversas, diferentes sensibilidades morais e religiosas. No entanto, devemos seguir com o trabalho, porque a ciência sempre enfrentou e enfrentará problemas éticos.

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UPORTO IDENTIDADES

Em Portugal, os doutoramentos “honoris causa” – que continuam a ter grande relevância social ou simbólica e podem “honrar” também a Universidade que os promove – só por excepção têm contemplado escritores; até as Faculdades de Letras se lembram mais facilmente de estudiosos ou professores de literatura do que de criadores dela.Por isso, e porque nas últimas décadas se vem assistindo a alguma desvalorização da literatura, bem patente nos “media” e mesmo em livros escolares, ganha especial importância a atribuição do grau de doutor “honoris causa” a Agustina Bessa-Luís e a Eugénio de Andrade. Trata-se de autores com uma obra extensa (Agustina já publicou 38 romances, 6 livros de teatro, 5 biografias, 3 livros de contos, etc., e Eugénio já publicou mais de uma vintena de livros de poemas, 3 de prosa, várias antologias, várias traduções). Mas trata-se também de autores de invulgar qualidade, nacional e internacionalmente reconhecida até por prémios e distinções de vária espécie, e que, um em prosa outro em poesia, souberam tirar o melhor partido da língua portuguesa, que revigoraram e dignificaram como poucos.A associação dos dois escritores também parece feliz, porque são quase coetâneos (têm uma diferença etária de cerca de 3 meses), porque são amigos há cerca de meio século (desde 1956), porque escolheram há muito residir no Porto, cidade de que falam alguns dos seus melhores textos, e, curiosamente, porque nenhum deles frequentou uma Universidade.

Doutoramento “honoris causa” de Agustina Bessa-Luís e Eugénio de Andrade

Agustina Bessa-LuísNascida em Vila Meã (Amarante) em 15 de Outubro de 1922, Agustina Bessa-Luís não passou por nenhuma Universidade, mas desde muito jovem se viu “tiranizada”, como ela própria declarou, pela paixão da leitura e da escrita. Tendo feito a sua estreia literária em 1948, os seus primeiros livros logo chamaram a atenção e os elogios de escritores já então consagrados como Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Teixeira de Pascoaes e Vitorino Nemésio. E ao longo de várias décadas não se desviou “um passo” da sua paixão ou das suas responsabilidades de escritora.Hoje a sua produção literária impressiona não só pela qualidade mas também pela quantidade e diversidade de géneros: quase quatro dezenas de romances, alguns dos quais bem extensos, 6 obras de teatro, 5 biografias, 3 conjuntos de contos, e diálogos, memórias, crónicas, notas, comentários, ensaios, artigos, aforis-mos, autobiografia. Nesses textos se revela não só o seu muito saber da língua portuguesa, visível desde logo no uso de um vastíssimo léxico erudito e popular, rural e urbano, mas também o fulgor da sua inteligência, que não se conforma com visões ou lugares comuns e que gosta da vertigem e da ginástica ousada dos aforismos ou das sentenças, e ainda o seu muito conhecimento das paixões e dos comportamentos humanos, especialmente dos portugueses, antigos e modernos, célebres (como Santo António, D. Pedro I, o Marquês de Pombal, Francisco Sá Carneiro…) ou anónimos, de vários espaços (de Lisboa à Beira ou à Madeira) mas sobretudo do Norte, onde Agustina sempre quis residir, e que é o cenário exemplar ou privilegiado de uma obra que Eduardo Lourenço considerou como a odisseia da nossa “alma arcaica”.Agustina tem ganho prémios e distinções do maior prestígio, o que, pelo exposto, não admira; até aqueles que não aceitam a sua visão do mundo, às vezes irónica, às vezes cínica, às vezes trágica, podem reconhecer que se trata da mais produtiva e complexa personalidade feminina da literatura portuguesa. Assim, estamos em crer que a Universidade do Porto deverá sentir-se também honrada ao conceder-lhe o doutoramento “honoris causa”.

Uma obra que Eduardo Lourenço considerou como a odisseia da nossa “alma arcaica”.

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Eugénio de AndradeEugénio de Andrade nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia (Beira Baixa). Não concluiu o curso secundário, e, findo o serviço militar, tornou-se funcionário de Serviços Médico-Sociais, primeiro em Lisboa e a partir de 1950 no Porto, onde tem vivido. Em 1942 publicou o seu primeiro livro de poemas, Adolescente, que, como o segundo, Pureza, de 1944, viria a renegar; mas com o terceiro, As Mãos e os Frutos, de 1948, me-receu grandes elogios de críticos como Vitorino Nemésio, Jorge de Sena e Eduardo Lourenço, e começou a ser considerado por alguns como um poeta excepcional, um dos mais altos poetas do século XX. O que hoje, quando ele já publicou cerca de três de-zenas de livros de poesia, e outros livros de prosa e de tradução, parece consensual.Não é por acaso que, depois de Pessoa, é ele o poeta português mais traduzido (em quase todas as línguas românticas, incluin-do o catalão e o romeno, em inglês, alemão, checo, sueco, mas também em servo-croata, búlgaro, letão, japonês, chinês, etc.), o mais frequentado pela crítica nacional e internacional, e o mais editado e reeditado (As Mãos e os Frutos já vai em vinte edições). Além disso, já lhe foram concedidos muitos e muitos honrosos prémios nacionais e internacionais, e sabe-se como músicos, pintores, escultores, fotógrafos e outros artistas, especialmente poetas, têm ido à sua obra ou à sua personalidade colher motivos de inspiração.Poesia pouco ou nada datada, que foi sensível mas não fez con-cessões a escolásticas modernistas ou pós-modernistas, a poesia de Eugénio de Andrade inscreve-se claramente na tradição lírica portuguesa, pelo verso breve, pelo gosto coloquial, pelo tema amoroso, pelo fascínio do concreto, mas afasta-se dela pela recu-sa do enfático e do decorativo, do sentimentalismo à flor da pele, e dos arroubos saudosistas, patrióticos e religiosos. Situando-se num “aqui e agora” bem humano, elementar ou precário e fugi-dio, a poesia de Eugénio de Andrade fixa-se em figuras positivas (a Mãe, a Criança, o Pastor, o Criador, o Amante…), celebra o corpo e valoriza os sentidos, estimula o convívio harmónico com o mundo vegetal e animal, e faz do destinatário ou do leitor um companheiro e um amigo, com quem partilha o gozo e a inquietação de quem vive “rente ao chão” mas quer elevar-se pela criação ou pelo amor à mais alta condição humana, se não divina (o que explica a frequência com que nessa poesia comparecem os mitos cósmicos e solares).

O doutoramento “honoris causa” de Eugénio de Andrade pela Universidade do Porto será bem merecido por ele, mas será tam-bém uma honra para a nossa Universidade.

Arnaldo SaraivaProfessor Catedrático da Faculdade de Letras

Poesia que faz do leitor um amigo com quem partilha o gozo e a inquietação de quem vive “Rente ao Chão”

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UPORTO IDENTIDADES

O Pica foi um célebre estudante da Faculdade de Medicina de Coimbra.Fez tantas e tão poucas por lá, que foi expulso, não só da Univer-sidade, mas da própria cidade.Veio para o Porto onde foi meu condiscípulo. Era mais velho do que nós, pois em Coimbra tinha sido reprovado algumas vezes. Tornou-se um homem pacífico, sereno, com fino humor, mas de poucas palavras. Parecia viver noutro mundo, fora do nosso. Era um aluno mediano, tirou o curso e acabou médico no Algarve.Lembro-me que nas aulas teóricas de Obstetrícia, cadeira do último ano, o Pica sentava-se sempre na primeira fila. A partir do meio da aula, olhava com frequência para o relógio que usava no pulso como quem diz: “Isto nunca mais acaba”.Ao fim de algumas aulas, o professor começou a embirrar com o “zelo” do Pica pela duração da aula. E um dia disse-lhe: - “O senhor que está aí, na primeira fila, sempre a olhar para o relógio, vai ficar encarregado de uma coisa: em todas as aulas, sempre que me faltarem cinco minutos para acabar a aula, deve-me avisar, para que eu me prepare para finalizar o assunto.” E assim, passou a acontecer. A cinco minutos do fim da aula, o Pica, na primeira fila, levantava o braço e dizia: - “O senhor Professor dá-me licença? Faltam cinco minutos para acabar a aula.”- “Muito obrigado.”, respondia o Professor.Um dia, o Pica faltou à aula. O Professor, notando a sua falta, perguntou: - “Onde está o vosso colega do relógio?”- “Hoje não veio. Faltou.”, respondemos.- “Nesse caso – disse o Professor – como ele não está para me avi-sar do fim da aula, esta vai acabar quando acabar o assunto. Não olho para o relógio. Tanto pode durar uma como duas horas.”Ficámos muito apreensivos. Porém, tudo se resolveu bem.Faltavam cinco minutos para a aula acabar, a porta da sala entre-abriu-se e o Pica meteu a cabeça dizendo:- “Senhor Professor, faltam cinco minutos.”Fechou a porta e desapareceu.

Tomé Ribeiro (Medicina, 1949)Professor Catedrático Jubilado de Gastrenterologia na FMUP

O Pica

Estórias da Universidade

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ILUSTRAÇÃO DE GÉMEO LUÍS

44 | Dores insidiosas, pruridos repetidos, incómodos no baixo-ven-tre, nos últimos tempos tudo lhe corria mal. Mas eram sobretudo zumbidos, uns verdadeiros besouros, que nos mais inadequados momentos perturbavam o Senhor Aníbal. Nos erotismos, nas intimidades desejadas, desencadeavam-se algazarras naquela zona, perturbando-lhe seriamente a função. Preparava-se como deve ser, tudo parecia em bom andamento, mas quando de entusiasmos se tomava o estranho ruído surgia. Cada vez mais forte, o Senhor Aníbal comprimia-se nas roupas, apertava-se com as mãos, remexia-se quanto baste, mas nada re-solvia. E a movimentação deixava-o descorçoado e sem remédio: aquilo iria correr mal, seria imprudente continuar, experiências tristes o confirmavam. Dona Mimi já reclamava: em vez de júbi-los e sininhos havia zumbidos e desactivações. O zumbido transformara-se num tão poderoso assaltante que o Senhor Aníbal nem conseguia esquecer. Qualquer enfraquecimen-to dantes facilmente se ultrapassava, nem era muito dado a esse tipo de fragilidades, mas agora estava assim, sem perceber a razão. O que seria?

I. O médico de família pouco soube explicar. Como o zumbido não era permanente e na altura se ausentara, nada podia dizer. O Senhor Aníbal ainda insistiu: “… se encostar o ouvido, aqui em baixo, vai ver que ouve, senhor doutor …”O médico apalpou de novo, auscultou os pelos do púbis, mas só confirmou: não era nada. Receitou um antibiótico, não fosse infecção vesical. Sem sucesso, como seria de prever. Vários médicos se tornaram inevitáveis: urologistas, sexólogos, otorrinos, dermatologistas, cardiologistas, até um psiquiatra que lhe receitou doze calmantes por dia e o aconselhou a não cismar. Tudo sem resultado. Despachou-se então para Coimbra (quatro vezes), onde após sofisticados RXs, TACs, RMs e novas apalpadelas e medicamentos, também nada se adiantou. Até que, já em deses-pero de causa, consultou um professor acabadinho de chegar do Minnesota, com tecnologia de recentíssima geração. E frutuosos exames finalmente aconteceram. De algália bem metida até ao fundo, o magnífico aparelho reve-lou: havia uma mosca lá dentro, uma mosca dentro da bexiga. O Senhor Aníbal estava com a mosca na bexiga: uma mosca grande, que disfarçada pelo tom amarelado da longa convivên-cia não contrastava nas técnicas anteriores. E tratava-se duma personagem toda despachada, que com grande facilidade se

tornava frenética e de feitio imprevisível. Era ela, roçando-se pelas paredes, que tornava o zumbido insuportável. E o seu pico sonoro acontecia nos erotismos do Senhor Aníbal porque o meio ambiente aquecia e lhe estimulava a vibração. Contagiada pelo senhorio, a inquilina batia as asas cheia de sofreguidão, prova-velmente para se fazer ouvir pelo moscardo que há muito não chegava. O zumbido afinal tinha justa causa, ao contrário do que os mais ponderados clínicos tinham suposto. Tudo significava, como nota de reflexão, que os especiais regozijos da inquilina atrapalha-vam os do senhorio. Facto que deixou médico e doente bastante perplexos e sem terapêutica, porquanto muitas interrogações permaneceram sem resposta, apesar de tão feliz descoberta e das intensas investigações entretanto realizadas. De facto, as mais aturadas cogitações médicas e filosóficas apenas têm alimentado conhecimentos imprecisos: quer quanto ao Senhor Aníbal propriamente dito, quer quanto aos respectivos conceitos.

II. Muito continua por descobrir. Por isso nos atrevemos a solicitar ajudas e opiniões, pensando que debatendo melhor se possa agir. Nesse sentido, poderão os antigos alunos da U.Porto ajudar-nos?Médicos, farmacêuticos, sexólogos, engenheiros, economistas, arquitectos, filósofos, historiadores, psicólogos, etc., com a sua reconhecida inteligência e criatividade, poderão ajudar-nos a desvendar:

Como teria entrado a mosca na bexiga? Como libertar o Senhor Aníbal e a Dona Mimi deste desassosse-go, sabendo-se que naquela zona existem particulares sensibili-dades e que a atrevida mosca até já ciúmes provoca?

Respondam-nos, por favor, enviando as vossas soluções para esta Revista. Nesta ansiedade, o vosso contributo poderá ser precioso. Agradecendo desde já, amavelmente se subscreve.

Com a mosca na bexiga JAIME MILHEIRO

(MEDICINA, 1958)MÉDICO PSIQUIATRA - PSICANALISTA

UPORTO CRÓNICA

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ILUSTRAÇÃO DE CRISTINA VALADAS

46 | Violência na Família isabel dias

A importância atribuída ao discurso dos agressores, num contexto de violência familiar, constitui a nova abordagem que este estudo proporciona. O trabalho de in-vestigação sociológica incidiu sobre uma amostra retirada de uma freguesia perifé-rica do Grande Porto. A investigadora do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto concluiu que existe uma reprodução intergeracio-nal da violência, ou seja, alguns agressores do sexo masculino tinham, também eles, sido alvo de experiências de violência durante a infância. Embora na relação conjugal sejam as mulheres as principais vítimas, é ao sexo feminino que se atribui a principal responsabilidade pela agressão às crianças. Para Isabel Dias, compreen-der o discurso dos agressores é a chave para chegar à origem da violência. Este trabalho científico, é o primeiro de uma colecção de outros, igualmente elaborados no Instituto de Sociologia da FLUP, e que serão futuramente publicados.

edições: Afrontamentopreço: 22 euros

Portugal na Transição do Século Retratos e Dinâmicas Territoriaisteresa sá marques

“A geografia de Portugal está a mudar”. É esta a constatação que leva a autora a aventurar-se nos “novos desafios mundiais e os processos em curso” que estão a “pro-duzir novas territorialidades. O aumento da diferenciação social e o aparecimento das economias do conhecimento vêm a par de uma nova urbanidade e de uma forma diferente de ‘construir cidade’”. Um percurso que passa pela adaptação das ‘velhas’ áreas industriais à globalização e que procura a integração entre o local e o global; pelo surgimento de uma sociedade segmentada pelo individualismo e pelas diferenças sociais, “onde é crucial gerir a liberdade e as capacidades individuais com a necessidade de justiça social; com o novo urbanismo as cidades cresceram, estenderam-se e fragmentaram-se, tor-nando-se estruturas multifuncionais de grande dimensão, ao mesmo tempo que os outros territórios ficaram abandonados aos seus recursos naturais e procuram recriar-se. Como explica João Ferrão no prefácio, o estudo apresenta-se assente em três áreas temáticas complementa-res: “sistema urbano e ordenamento do território; competitividade, conhecimento e inovação; qualidade de vida e bem-estar. E analisa as geografias mutantes de cada uma delas à luz de tendências de âmbito mais amplo, de nível europeu e nacional”.

edições: Afrontamentopreço: 36 euros

Ética e Política Do DesenhoTeoria e prática do desenho na arte do século xvII

vitor manuel oliveira da silva

“Promover um percurso interrogativo sobre os contextos enunciativos e prescri-tivos do nome disegno, procurando pensar a ordem de pensamento que o constitui”, ou seja, questionar “a singularidade do desenho a partir do seu próprio pensa-mento” é o fio condutor desta obra que procura descobrir se “a singularidade do desenho é pensável”. A principal questão que se coloca é perceber “porque é que o seu pensamento é subjectivo?”. Para o autor, “o pensamento perceptivo e afectivo do desenho liga-se à subjectivida-de do olhar” e à “intensidade de estados sensíveis”, apenas comensuráveis “pela suposição subjectiva do pensamento”. O desenho é pensamento subjectivo porque “não se reduz nem à forma do objecto, nem à fórmula da objectividade, mas à evidência daquilo que nele permanece e sobrevive subjectivamente”. Motivou este estudo a vontade de “descobrir o desenho como exemplo de atitudes subjectivas pró-prias do seu pensamento”. João Fernandes Pereira, responsável pelo prefácio, conclui que ao longo da obra o autor apresenta o desenho seiscentista subdividido em três grandes paradigmas: “as relações entre a ética e o desenho, o estudo das fontes, principalmente as italianas, e, finalmente, o efeito da teoria em variadas praxis”. Vítor Manuel Oliveira da Silva é profes-sor auxiliar da disciplina de Desenho da Arquitectura na FAUP.

edições: FAUP publicaçõespreço: 36,80 euros (cartonado)preço: 25,10 euros (brochado)

UPORTO A SABER

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Revista Portuguesa de Ciências do Desporto

“Vinde à terra do vinho, deuses novos!Vinde, porque é de mostoO sorriso dos deuses e dos povos Quando a verdade lhes deslumbra o rosto”

É com este poema de Miguel Torga que Jorge Olímpio Bento, director da revista, abre este número dedicado ao 10º Congresso de Ciências do Desporto e Educação Física dos Países de Língua Portuguesa. Sob o lema “Os desafios da renovação”, este evento contou com a participação de docentes e investigadores provenientes de países como Espanha, Brasil, Moçambique, entre outros. Os vários estudos apresentados (desde os “Aspectos sócio-culturais do Desporto e da actividade física”; a “Aprendiza-gem e controlo motor”; a “Biomecânica do Desporto e da actividade física”; a “Organização e gestão do Desporto”, etc) encontram-se compilados neste volume 4 (nº2 de Setembro de 2004).

edição: Faculdade Portuguesa de Ciên-cias do Desportopreço: 20 euros

Arquitectura e Museus em PortugalEntre Reinterpretação e Obra Novacarlos guimarães

Partindo do “espaço como matéria-prima que a arquitectura modela” é nas respec-tivas “formas, articulações e interstícios” que se revela a natureza da obra, “síntese interpretativa de um conjunto complexo de problemas que integra”. Nesta obra, que corresponde integralmente à disserta-ção de doutoramento em Arquitectura, apresentada em 1998 à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, é apresentada, como diz Pedro Ramalho no Prefácio, uma “reflexão crítica do tema nas dimensões que são próprias ao arquitecto: na razão dos programas, do território, da forma, da função e da construção”. Propor-ciona uma “nova leitura dos museus, desde a sua localização (no território e no con-texto urbano) ao edifício, na sua dimensão e significado. Na relação entre forma arquitectónica e critérios museológicos, são tratadas as questões da complexidade do programa, da ideia e organização do espaço, das condições de conservação, exposição e iluminação das colecções”. Das primeiras décadas do século XX à década de 70 passando pela respectiva criação em Portugal, referem-se os museus que “deveriam traduzir uma política concer-tada, reveladora duma perspectiva (…) e função que (…) devem ter na afirmação da nossa sociedade nos planos nacionais e internacional”.

edição: FAUP publicaçõespreço: 34 euros (cartonado)preço: 23,80 (brochado)

A Habitação SocialProposta para a metodologia da sua arquitecturanuno portas

Arquitecturas de habitação foi a temática que serviu de alavanca a esta investigação norteada pela busca de metodologias de análise e de projectos arquitectónicos de habitação social no processo do ‘fazer cidade’ e da gestão urbanística, uma in-vestigação “dirigida para a procura de um método de análise e concepção do habitat familiar”. Trata-se da primeira síntese, so-bre este tema, elaborada por Nuno Portas que, nas palavras de Domingos Tavares, se define como “um homem sempre em movimento, sempre pressionando os acontecimentos que o rodeiam no sentido de os encaminhar para a construção posi-tiva de factos novos e necessários, na sua visão harmoniosa das coisas”. Embora com alguns ajustamentos, esta obra reproduz o trabalho apresentado por Nuno Portas ao Concurso para Obtenção do Diploma de Arquitecto e organiza--se em três volumes: texto, esquemas e gráficos; bibliografia e fichas de cerca de duzentos casos de estudo; projecto ensaio sobre um conjunto habitacional para uma comunidade mineira em S. Pedro da Cova.

edição: FAUP ediçõesPREÇO: 14,50 euros

48 | 31 DE MARÇO A 2 DE ABRILIII ENCONTRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃOA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL: BALANÇO E PERSPECTIVASAuditório da Biblioteca Almeida GarrettTemas abordados nas conferências e mesas-re-dondas: A Intencionalidade da Escola e da Edu-cação em Portugal: do Humanismo Renascentista ao Estado Novo; Teorias, metodologias e fontes; História das Instituições Escolares; História do Currículo e das Disciplinas Escolares; A História da Educação em Portugal – temas, discursos, paradigmas; História da Imprensa e do Discurso Pedagógico; História da Criança e da sua Escola-rização; Alfabetização e Escola em Portugal nos séculos XIX e XX: Os Censos e as Estatísticas; A Educação Portuguesa. Corpus Documental (sécu-los XIX-XX); A História da Educação nos Currículos de Formação de Professores; História da Educação e História da Economia: uma intersecção chamada Chapital Humano.Informações:Fátima LisboaT. 226 077 100 + E-mail: [email protected]

DISTÂNCIA MÍNIMA VER e LER LER e VERAuditório da Reitoria da Universidade do Porto, 18 h 21 AbrilPedro Tamen, comentado por Rosa Alice Branco e lido pelo próprio 19 Maio Bernardo Pinto de Almeida visita a poesia e a pintura de Mário Cesariny; leituras de António Durães 16 Junho Beatriz Pacheco Pereira (tema a anunciar) Inscrição: IRICUP Maria João Amaral T. 22 6073500 + [email protected]

CICLO DE PALESTRAS “FÍSICA ÀS QUARTAS”Auditório 120 do Departamento de Física, 15h 16 de Março“Das estrelas ao átomo”, Domingos Barbosa13 de Abril “Materiais por medida”, João Pedro Araújo 27 de Abril “Forças de atrito: uma caixa de surpresas”, Paulo Semeão Carvalho 11 de Maio “Do laser de rubi ao laser branco”, Hélder Crespo 25 de Maio“Einstein e o “Annus Mirabilis” - filme seguido de debate com Pedro Pina Avelino

6 de Junho “A unificação da física”, Carlos HerdeiroInformações:DF/ FCUPRua do Campo Alegre, 687T. 226 082 703 + F. 226 082 706+ [email protected]

FÍSICA SEM FRONTEIRAS Auditório da Reitoria da Universidade do Porto, 15hAmbiente, 9 de Abril “A Física e as alterações globais”, Filipe D. Santos Filosofia, 7 de Maio “Filosofia, Física e a Unidade da Ciência”, Olga Pombo Medicina, 25 de Junho “O futuro da Física Biomédica”, Manuel Paiva http://www.fc.up.pt/fis/members/mcosta/fisi-ca_sem_fronteiras

CIÊNCIAS NA CIDADEBiblioteca Almeida Garrett, 21H3028 Abril “e-Learning": ensino e-Aprendizagem, Álvaro Reis Figueira (Dep. Ciência De Computadores - FCUP)Será feita a distinção entre outros métodos de aprendizagem à distância e o e-Learning, realçando os seus avanços, bem como o estado da arte relativamente ao objectivo de globalizar e automatizar o ensino.24 Maio De que cor são as nossas praias: serão azuis?, Vítor Vasconcelos (Dep. Zoologia e Antropologia - FCUP e investigador do CIIMAR)As alterações de cor devidas ao desenvolvimento exagerado de populações de algas, protozoários ou cianobactérias podem ter efeitos nefastos na saúde ambiental e humana. Os riscos invisíveis podem ser ainda mais perigosos. Serão as bandei-ras azuis atribuídas às praias sempre sinónimo de qualidade? 22 Junho O Mundo à Volta dos minerais, Fernando Noronha (Dep. Geologia - FCUP)Desde o sílex às pedras preciosas, são várias as contribuições dos minerais para o desenvolvimento socio-económico. Apesar disso, muitas pessoas não têm ideia da importância que os minerais representam no seu quotidiano. Vamos falar sobre a Geologia e a Mineralogia, enquanto ciências que nos levam a uma aprendizagem e descoberta continuadas, com um papel relevante nos desafios do mundo actual.Organização: Faculdade De Ciências Da Universidade Do Porto (FCUP)

Informações:Faculdade de Ciências da Universidade do PortoGabinete de Imagem e Relações com o ExteriorT. 22 0100766 + F. 22 20100767+ [email protected]

CURSO DE TÉCNICAS DE ILUSTRAÇÃO CIENTÍ-FICA A PRETO & BRANCOCIIMAR, Universidade do Porto, R. dos Bragas, 289 Fernando Correia e Nuno Farinha, dois ilustradores científicos consagrados pelo Guild of NaturalScience Ilustrators e com trabalhos publicados na NationalGeographic, são os docentes deste curso. Inscrições sujeitas a um número limitado de vagas (18 alunos).Datas:13 a 15 Maio; 27 a 29 Maio Informações: António Paulo Carvalho, [email protected] + T. 223 401 486Contacto: António Paulo Carvalho / Ilustração Científica P&B 2005Departamento de Zoologia-Antropologia - Facul-dade de Ciências da Universidade do PortoPraça Gomes Teixeira 4099-002 PORTO

FITAS E SOCIOLOGIA Anfiteatro Nobre da Faculdade de Letras da U.Porto, 21h. 12 de Abril “Às Segundas ao Sol”, de Fernando León de Aranoa 17 de Maio “Metropolis”, de Fritz Lang Informações:Luísa Veloso ([email protected]) + Natália Azevedo ([email protected])

CINÉMOTION – CINÉCLUB FRANCOPHONEAnfiteatro Nobre da FLUP, 19h30 Le cinéma aux prises avec l’humour 17 Março – Trois vies et une seule mort, Raoul RuizLe cinéma aux prises avec l’Histoire 31 Março – L’Anglaise et le Duc, Eric Rohmer7 Abril – Adèle H., François TruffautLe cinéma aux prises avec la poésie14 Abril – L’Atalante, Jean Vigo21 Abril – La règle du jeu, Jean Renoir28 Abril – Le testament d’Orphée, Jean Cocteau19 Maio – Les 400 coups, François Truffaut (a confirmar)Informações:FLUP, Via Panorâmica, s/nT. 226077182

UPORTO TOME NOTA

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