Producao Em Massa- A Maquina Que Mudou o Mundo - Womack

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Ascenso e Queda da Produo em MassaWOMACK, James P.; JONES, Daniel T. e ROOS, Daniel. A Mquina que mudou o mundo. Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992, p. 9 37. EM 1894, S. EX." EVELYN HENRY ELLIS, abastado membro do parlamento ingls, saiu para comprar um carro.1 No se dirigiu a uma revendedora de veculos: na poca, elas no existiam. Tampouco entrou em contacto com um fabricante de automveis da Inglaterra: eles tambm ainda no existiam. Pelo contrrio, dirigiu-se renomada fbrica de mquinas-ferramentas de Panhard e Levassor, encomendando um automvel. Atualmente, a P&L, conforme era conhecida, lembrada somente por colecionadores de carros antigos ou fanticos pela histria do automobilismo; em 1894, porm, era a principal companhia automobilstica do mundo.2 Teve ela seu incio destacando-se de imediato em relao aos competidores potenciais quando, em 1887, Emile Levassor (o "L" de P&L) conheceu Gottlieb Daimler, fundador da companhia que fabrica hoje o Mercedes-Benz. Levassor obteve uma licena para manufaturar o novo motor a gasolina de "alta velocidade" de Daimler. No princpio da dcada de 1890, P&L construa centenas de automveis por ano. Os carros eram projetados de acordo com o Systme Panhard: o motor na frente, tracionando as rodas traseiras, com os passageiros sentados em fila atrs dele. Ao chegar na P&L na poca, fabricante muito mais de serras para metais do que automveis deparou Ellis com o clssico sistema de produo artesanal. A fora de trabalho da P&L compunha-se, na maior parte, de artesos habilidosos, montando cuidadosamente mo um pequeno nmero de carros. Tais trabalhadores conheciam com mincia os princpios de mecnica e os materiais com que trabalhavam. Alm do mais, muitos eram seus prprios patres, muitas vezes trabalhando como empreiteiros independentes na fbrica P&L ou o que era ainda mais freqente proprietrios independentes de instalaes fabris s quais a companhia encomendava componentes ou peas especficas. Os dois fundadores da companhia, Panhard e Levassor, e seus assistentes mais imediatos, eram responsveis pelos contactos com os consumidores, para determinar as especificaes exatas dos veculos, encomendando as peas necessrias e montando o produto final. Grande parte do trabalho, porm, inclusive o projeto e engenharia, dava-se em oficinas artesanais individuais espalhadas por Paris. Uma de nossas suposies mais bsicas na era da produo em massa de que o custo unitrio decresce consideravelmente conforme aumenta o volume de produo simplesmente no se aplicava artesanal P&L. Se a companhia tentasse fazer 200 mil carros idnticos a cada ano, o custo unitrio provavelmente no ficaria muito abaixo do custo unitrio para fazer dez carros. Ainda mais, a P&L nunca teria conseguido fazer sequer dois quanto mais 200 mil carros idnticos, mesmo que fossem construdos de acordo com os mesmos projetos. A razo? que os fornecedores da P&L no utilizavam um sistema de metrologia, e as mquinas-ferramentas dos anos 1890 eram incapazes de cortar o ao com alta dureza. Pelo contrrio, diferentes fornecedores, utilizando medies ligeiramente distintas, produziam as peas. Passavam estas, ento, por um forno, para endurecer suas superfcies de modo a resistirem ao uso continuado. Entretanto, as peas freqentemente

entortavam no forno, necessitando serem novamente trabalhadas para recuperar a forma original. Quando essas peas finalmente chegavam ao salo de montagem final da P&L, suas especificaes eram, na melhor das hipteses, aproximadas. A primeira tarefa dos habilidosos montadores consistia em ajustar as primeiras duas peas at atingir a perfeio. A seguir, encaixavam a terceira pea at que se ajustasse s duas primeiras, e assim sucessivamente at todo o veculo, com suas centenas de peas, estar completo. Tal processo de ajustes sucessivos poderia provocar, no final, o que chamamos hoje de um "susto dimensional", pois, quando os ajustadores acabavam de adaptar a ltima pea, o tamanho do veculo completo podia diferir bastante de um outro construdo conforme idntico projeto. Por ser incapaz de produzir em massa carros idnticos, a P&L sequer o tentava. Pelo contrrio, concentrava-se em ajustar cada produto ao exato desejo do comprador individual. Ela tambm enfatizava o desempenho de seus carros e a perfeio do trabalho artesanal, os espaos entre as peas individuais sendo quase invisveis. Para os consumidores que Panhard tentava agradar, isso fazia sentido. Tais clientes abastados costumavam contratar motoristas e mecnicos particulares. Custo, facilidade de dirigir e manuteno simples no se incluam entre suas principais preocupaes. A velocidade e a personalizao de cada carro, estas sim! Evelyn Ellis era sem dvida um tpico cliente da P&L. Ele no queria um carro qualquer, mas um construdo exatamente conforme seu gosto e necessidades. Ele aceitava o motor e chassi bsico da P&L conforme informou aos proprietrios da firma porm desejava uma carroceria especial de um construtor parisiense de carruagens. Ele tambm fez um pedido para Levassor que seria considerado absurdo hoje em dia por um fabricante de automveis, a saber, que a transmisso, freios e controles do motor fossem transferidos da direita para a esquerda do carro. (No porque os ingleses dirigissem pela esquerda; se fosse, transferir os controles para a esquerda do veculo teria sido totalmente errado. Alm do mais, o volante permaneceu no meio do carro. Provavelmente ele julgou que os controles seriam mais fceis de usar em tal posio.) Para a P&L, o pedido de Ellis provavelmente pareceu simples e sensato. Como as peas eram produzidas uma de cada vez, no era difcil dobrar as alavancas de controle para a esquerda em vez da direita, para inverter os controles. Para o produtor em massa atual, tal modificao levaria anos e milhes ou centenas de milhes de dlares para ser projetada. (De fato, as companhias norte-americanas at hoje no oferecem opo de volante direita nos carros vendidos para o Japo, onde se dirige pela esquerda, por acreditarem que os custos para projetar tal opo seriam proibitivos.) Uma vez pronto seu automvel, Ellis, acompanhado de um mecnico especialmente contratado para tal propsito, testou-o exaustivamente nas ruas parisienses. Pois diferentemente dos carros atuais o veculo que acabara de adquirir era, no sentido exato da palavra, um prottipo. Uma vez satisfeito com o bom funcionamento do carro certamente depois de muitas idas e vindas para a fbrica da P&L para ajustes ,Ellis retornou Inglaterra.

Sua chegada em junho de 1895 entrou para os anais da histria. Ellis foi a primeira pessoa a dirigir um automvel tia Inglaterra. Transps ele os 90 quilmetros de Southampton at sua casa de campo em apenas 5 horas e 32 minutos descontando as paradas numa velocidade mdia de uns 16 quilmetros por hora. Tal velocidade era claramente ilegal para veculos no-puxados a cavalo, cujo limite era de meras 4 milhas por hora [6,44 km/h]. Mas Ellis no pretendia permanecer um fora-da-lei. Em 1896, ele assumiu a liderana no Parlamento ingls na rejeio da denominadaJlag law, que limitava a velocidade dos automveis, tendo organizado uma "Corrida de Libertao" de Londres at Brighton, em que 'alguns carros chegaram a ultrapassar o novo limite legal de 12 milhas por hora [19,32 km/h]. Por essa poca, uma srie de firmas inglesas comeava a construir carros, sinal de que a era do automvel se alastrava de seu pas de origem, a Frana, para a Inglaterra, comeando sua marcha atravs do mundo. Vale a pena recordar Evelyn Ellis e a P&L, apesar do subseqente fracasso da firma de Panhard e da rusticidade do carro de Ellis alis, esse acabou no Museu de Cincia de Londres, onde pode ser visto at hoje. Conjuntamente, eles sintetizam com perfeio a era da produo artesanal na indstria automobilstica. Em suma, a produo artesanal possua as seguintes caractersticas: Uma fora de trabalho altamente qualificada em projeto, operao de mquinas, ajuste e acabamento. Muitos trabalhadores progrediam atravs de um aprendizado abrangendo todo um conjunto de habilidades artesanais. Muitos podiam esperar administrarem suas prprias oficinas, tornando-se empreendedores autnomos trabalhando para firmas de montagem. Organizaes extremamente descentralizadas, ainda que concentradas numa s cidade. A maioria das peas e grande parte do projeto do automvel provinham de pequenas oficinas. O sistema era coordenado por um proprietrio/empresrio, em contacto direto com todos os envolvidos: consumidores, empregados e fornecedores. O emprego de mquinas de uso geral para realizar a perfurao, corte e demais operaes em metal ou macieira. Um volume de produo baixssimo, de 1 mil ou menos automveis por ano, poucos dos quais (50 ou menos) conforme o mesmo projeto. E, mesmo entre estes 50, no havia dois que fossem idnticos, pois as tcnicas artesanais produziam, por sua prpria natureza, variaes. Nenhuma companhia poderia certamente exercer um monoplio sobre tais recursos e caractersticas, e Panhard e Levassor logo se viram competindo com dezenas de outras companhias, todas produzindo veculos de modo semelhante. Por volta de 1905, menos de 20 anos decorridos desde que P&L produzira o primeiro automvel comercialmente vivel, centenas de companhias na Europa Ocidental e Amrica do Norte estavam produzindo automveis em pequenos volumes e usando tcnicas artesanais. A indstria automobilstica evoluiu para a produo em massa aps a Primeira Guerra Mundial, e a P&L no conseguiu se converter. No entanto, algumas firmas de produo artesanal sobrevivem at hoje. Elas continuam voltadas para pequenos nichos, na extremidade superior, mais sofisticada, do mercado, composta de consumidores vidos por uma imagem personalizada e a possibilidade de lidarem diretamente com a fbrica na encomenda de seus veculos.

A Aston Martin, por exemplo, produziu menos de 10 mil carros em suas instalaes inglesas nos ltimos 65 anos, e atualmente produz um nico automvel por dia trabalhado. Sobrevive por se manter pequena e exclusiva, fazendo dos altos preos exigidos por suas tcnicas artesanais de produo uma virtude. Na sua seo de carrocerias, por exemplo, os painis de alumnio das carrocerias so cuidadosamente produzidos com marretas de madeira por trabalhadores qualificados. Nos anos 80, com o aumento do ritmo do avano tecnolgico na indstria automobilstica, a Aston Martin e firmas semelhantes tiveram de se aliar com os gigantes do ramo no caso da Aston Martin, a Ford3 a fim de obterem conhecimentos especializados em reas variando dos controles de emisso segurana. O custo do desenvolvimento independente de tais tcnicas teria sido simplesmente proibitivo. Nos anos 90, nova ameaa surgir para essas firmas artesanais, na medida em que as companhias que dominam a produo enxuta os japoneses na frente comeam a almejar suas fatias de mercado, pequenas demais para que produtores em massa, como a Ford e GM, pudessem t-las atacado. Por exemplo, a Honda acaba de lanar seu carro esporte de carroceria de alumnio NS-X, num ataque frontal ao mercado da Ferrari de carros esportivos de alto desempenho. Caso tais firmas de produo enxuta consigam reduzir os custos de projeto e fabricao e superar a qualidade do produto oferecido pelas firmas artesanais o que provavelmente ocorrer os produtores artesanais tradicionais tero de adotar, eles prprios, os mtodos da produo enxuta, para no se tornarem uma espcie extinta, aps mais de um sculo de existncia. Os nostlgicos encaram a Panhard e seus competidores como a poca urea da produo automobilstica: o que valia era a habilidade artesanal, e as companhias dispensavam total ateno ao consumidor individual. De mais a mais, orgulhosos artesos desenvolviam seus conhecimentos, muitos se tornando proprietrios independentes de pequenas empresas. Tudo isso verdade, mas as desvantagens da produo artesanal tambm saltam vista. Os custos de produo eram elevados e no diminuam com o volume, significando que apenas os muito ricos podiam se dar ao luxo de adquirir carros. Alm disso, porque cada carro produzido era, na verdade, um prottipo, a consistncia e confiabilidade eram ilusrias. (Alis, o mesmo problema que assola os satlites em geral e os nibus espaciais norte-americanos, os mais proeminentes produtos artesanais da atualidade.) Proprietrios de automveis como Evelyn Ellis, ou seus motoristas ou mecnicos, tinham de providenciar seus prprios testes nas estradas. Em outros termos, o sistema era incapaz de garantir a qualidade do produto na forma de confiabilidade e durabilidade, muito mais importantes do que detalhes ornamentais pela carncia de testes sistemticos. Tambm fatal para a poca foi a incapacidade de as pequenas oficinas independentes onde se dava a maior parte do trabalho de produo desenvolverem novas tecnologias. Os artesos individuais simplesmente careciam dos recursos para perseguirem inovaes fundamentais: avanos tecnolgicos genunos necessitariam de pesquisa sistemtica, e no apenas de tentativas isoladas. Se juntamos todas essas limitaes, fica claro, numa anlise retrospectiva, que a indstria estava atingindo um novo patamar, quando apareceu Henry Ford. Ou seja, na medida em que o desenho global de carros e caminhes convergia para o veculo, agora familiar, de quatro rodas, motor frontal e combusto interna, a indstria atingiu uma maturidade prematura, propcia ao surgimento de nova concepo da produo.

Foi a que Henry Ford descobriu a maneira de superar os problemas inerentes produo artesanal. As novas tcnicas de Ford reduzi-riam drasticamente os custos, aumentando ao mesmo tempo a qualidade do produto. Ford denominou seu sistema inovador de produo em massa.4 Produo em massa O Modelo T da Ford de 1908 foi seu vigsimo projeto de um perodo de cinco anos, comeando com a produo do original Modelo A, em 1903. Com seu Modelo T, Ford alcanou finalmente dois objetivos. Tinha em mos um carro projetado para a manufatura, como diramos hoje em dia, alm de, numa expresso atualmente em voga, user friendly [amigo do usurio]. Qualquer um era capaz de dirigir ou consertar o carro, sem precisar de motorista ou mecnico. Essas duas realizaes estabeleceram as bases para a total mudana de rumo em toda a indstria automobilstica. 5 A chave para a produo em massa no residia conforme muitas pessoas acreditavam ou acreditam na linha de montagem em movi-mento contnuo. Pelo contrrio, consistia na completa e consistente intercambiabilidade das peas e na facilidade de ajust-las entre si. Essas foram as inovaes na fabricao que tornaram a linha de montagem possvel. Para conseguir a intercambiabilidade, Ford insistiu que o mesmo sistema de medidas fosse usado para todas as peas ao longo de todo o processo de fabricao. Sua insistncia na padronizao das medidas por todo o processo decorreu de ter ele percebido os benefcios financeiros que resultariam nos custos de montagem. digno de nota o fato de ningum mais na nascente indstria ter percebido essa relao de causa e efeito; portanto, ningum mais perseguiu a padronizao das medidas com o fervor, quase religioso de Ford. Ford tambm se beneficiou dos recentes avanos nas mquinas-ferramentas, capazes de trabalhar com metais pr-endurecidos. O arqueamento que ocorria no endurecimento das peas usinadas havia impedido todas as tentativas anteriores de padronizar as peas. Uma vez resolvido o problema do arqueamento, Ford foi capaz de desenvolver projetos inovadores reduzindo o nmero de peas necessrias e tornando-as facilmente ajustveis umas s outras. Por exemplo, o bloco do motor de quatro cilindros de Ford consistia em uma nica e complexa pea fundida. J seus competidores fundiam cada cilindro em separado, aparafusando-os depois para junt-los. Tomados conjuntamente, a intercambiabilidade, simplicidade e facilidade de ajuste proporcionaram a Ford tremendas vantagens em relao aos competidores. Por exemplo, ele pde eliminar os ajustadores qualificados, que sempre haviam constitudo o grosso ela fora de trabalho de montagem. Os primeiros esforos de Ford na montagem de seus carros, comeando em 1903, compreendiam a introduo de plataformas de montagem, sobre os quais um carro inteiro era construdo, geralmente por um s ajustador. Em 1908, s vsperas da introduo do Modelo T, o ciclo de tarefas mdio de um montador da Ford tempo trabalhado antes que as mesmas operaes fossem novamente repetidas totalizava 514 minutos, ou 8,56 horas. Cada trabalhador montava grande parte de um carro, antes de prosseguir com o prximo. Por exemplo, um trabalhador poderia colocar todas as peas mecnicas rodas, molas, motor, transmisso, gerador sobre o chassis, conjunto de atividades que levava um dia inteiro para completar. Os montadores/ajustadores repetiam indefinidamente o mesmo conjunto de atividades em suas plataformas fixas de montagem. Tinham eles de obter as peas necessrias, ajust-las at que se

adaptassem (Ford ainda no havia alcanado a perfeita intercambiabilidade das peas) e, ento, aparafus-las em seus lugares. O primeiro passo dado por Ford para tornar esse processo mais eficiente consistiu em levar as peas a cada estao de trabalho, permitindo aos montadores ficarem no mesmo local o dia todo. Em 1908, tendo Ford conseguido a perfeita intercambiabilidade das peas, decidiu que o montador executaria uma nica tarefa, movimentando-se de veculo para veculo atravs da rea de monta-, gem. Por volta de agosto de 1913, s vsperas da introduo da linha de montagem mvel, o ciclo de tarefa mdio do montador da Ford havia cado de 514 para 2,3 minutos. Naturalmente, essa reduo desencadeou tremendo aumento na produtividade, no s porque a completa familiaridade com uma s tarefa permitia ao trabalhador execut-la mais rapidamente, mas tambm porque todo o ajuste de peas havia ento sido eliminado. Os trabalhadores simplesmente posicionavam partes que automaticamente ajustavam sempre. As inovaes de Ford devem ter redundado em imensas economias sobre as tcnicas de produo anteriores, exigindo que os trabalhadores limassem e ajustassem cada pea imperfeita. Infelizmente, a importncia desse grande salto para a produo em massa passou quase que despercebida, de modo que no possumos estimativas exatas do montante de esforo e dinheiro economizados pela minuciosa diviso do trabalho e perfeita intercambiabilidade das peas. Sabemos terem sido substanciais, provavelmente bem maiores do que a economia introduzida pelo passo subseqente, qual seja, a introduo, em 1913, da linha de montagem de fluxo contnuo. Ford logo reconheceu o problema trazido pela movimentao dos operrios de uma plataforma de montagem para a outra: andar, mesmo que apenas por 1 ou 2 metros, demandava tempo, da os freqentes engarrafamentos, quando trabalhadores mais velozes ultra-passavam os mais vagarosos. A grande faanha de Ford na primavera de 1913, em sua nova fbrica de Highland Park, em Detroit, foi a introduo da linha de montagem mvel, em que o carro era movimentado em direo ao trabalhador estacionrio. Tal inovao diminuiu o ciclo de trabalho de 2,3 para 1,19 minutos; a diferena resultava do tempo economizado pelo trabalhador por ficar parado em vez de caminhar, e pelo ritmo mais acelerado de trabalho, que a linha mvel podia propiciar. Essa mudana visvel chamou finalmente a ateno de todos, de modo que possumos relatos bem documentados do esforo de fabricao economizado por tal inovao. Os jornalistas Horace Arnold e Fay Faurote, por exemplo, escrevendo no Engineering Magazine de 1915, compararam o nmero de itens montados pelo mesmo nmero de operrios usando as tcnicas de montagem estacionria e mvel, proporcionando ao mundo um painel vivo e dramtico da realizao de Ford (ver Figura 2.1). Melhorias de produtividade de tal magnitude chamaram a ateno e despertaram a imaginao dos demais montadores de automveis. Os competidores de Ford logo perceberam ter ele realizado notvel descoberta. Sua nova tecnologia realmente reduzia as necessidades de capital. Esse o motivo pelo qual Ford quase no gastou nada nessa linha de montagem menos de 3,5 mil dlares em Highland Park6 alm de aumentar a produo dramaticamente que apenas a economia na reduo do estoque de peas aguardando montagem excedeu substancialmente essa simples quantia.

Figura 2.1 Produo Artesanal versus Produo em Massa na rea de Montagem: 1913 versus 1914 Minutos para montar Motor Gerador Eixo Componentes principais em um veculo completo Produo Artesanal Tardia Outono 1913 594 20 150 750 Produo em Massa Primavera 1914 226 5 26,5 93 Percentual de Reduo do esforo 62 75 83 88

Nota: A "produo artesanal tardia" j inclua vrios dos elementos da produo em massa, em particular peas consistentemente permutveis e minuciosa diviso do trabalho. A grande mudana de 1913 para 1914 foi a transio da montagem estacionria para a mvel. Fonte: Calculado pelos autores a partir de dados fornecidos em David A Hounshell, From the American System to Mass Production, 1800-1932, Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1984, pp. 248, 254, 255 e 256. Os dados de Hounshell se baseiam nas observaes dos jornalistas Horace Arnold e Fay Faurote, narradas em "Ford Methods and the Ford Shops", Engineering Magazine, 1915, Nova York.

(A linha de montagem mvel de Ford consistia em duas tiras de lmina de metal, sob as rodas nos dois lados do carro, deslocando-se ao longo de toda a fbrica. No final da linha de montagem, as tiras, montadas sobre uma correia transportadora, rolavam para baixo do assoalho, voltando ao incio. O dispositivo se assemelhava aos compridos "pisos rolantes" sobre os quais as pessoas atualmente se deslocam em alguns aeroportos dos pases centrais. Como Ford s necessitava da correia e de um motor eltrico para moviment-la, o custo era mnimo.) Ainda mais impressionante, a descoberta de Ford reduziu ao mesmo tempo o esforo humano necessrio para montar um automvel. Alm disso, quanto mais veculos Ford produzia, mais o custo por veculo caa. Mesmo quando lanado em 1908, o Modelo T de Ford, com suas peas totalmente intercambiveis, custava menos do que seus rivais. Quando, no incio da dcada de 1920, Ford atingiu o pico de produo de 2 milhes de veculos iguais num ano, havia cortado mais 2/3 do custo real para o consumidor.7 Para atender seu mercado-alvo de consumidores mdios, Ford tambm projetou seu carro com facilidade sem precedente de operao e manuteno. Pressupunha ele que seu comprador seria um fazendeiro com um modesto kit de ferramentas e o tipo de habilidade mecnica necessria para reparar a maquinria da fazenda. Assim sendo, o manual do usurio do Modelo T, escrito em forma de perguntas e respostas, explicava em 64 pginas como o usurio, usando ferramentas simples, poderia solucionar qualquer um dos 140 problemas que poderiam ocorrer com o carro. Por exemplo, o dono do carro poderia remover o carvo depositado na cabea do cilindro da cmara de combusto e coroa do pisto, que faz com que o carro bata pino e perca a potncia, soltando os 15 parafusos que prendem a tampa do cilindro e raspandoa com uma esptula. De forma similar, um nico pargrafo e um diagrama explicavam aos clientes como remover os depsitos de carvo das vlvulas do automvel com a Ferramenta de Limpeza da Vlvula de Ford, que vinha junto com o carro. 8 E, caso uma pea necessitasse de ser substituda, os proprietrios poderiam comprar uma pea de

reposio na loja da Ford, e simplesmente aparafus-la. Com o Modelo T da Ford, nenhum ajuste especial era necessrio. Os competidores de Ford ficaram to admirados com a "reparabilidade" incorporada no projeto, como com a linha de montagem mvel. Tal combinao de vantagens competitivas catapultou a Ford para a liderana da indstria automobilstica mundial, praticamente eliminando as companhias de produo artesanal, incapazes de acompanhar tais economias na fabricao. (Conforme j apontamos, porm, uma minoria de produtores artesanais europeus de carros luxuosos de baixssimo volume puderam ignorar o imenso impacto da produo em massa.) A produo em massa de Henry Ford orientou a indstria automobilstica por mais de meio sculo, e acabou sendo adotada em quase toda atividade industrial na Europa e Amrica do Norte. Atualmente, porm, essas mesmas tcnicas, to arraigadas na filosofia de fabricao, esto frustrando os esforos de muitas companhias ocidentais no salto para a produo enxuta. Quais so precisamente as caractersticas da produo em massa, da qual foi Ford pioneiro em 1913, e que persistem em tantas companhias hoje em dia? Vamos dar uma olhada. Fora de trabalho Ford no se limitou a aperfeioar a pea intercambivel, como tambm aperfeioou o operrio intercambivel. Por volta de 1915, com as linhas de montagem de Highland Park totalmente instaladas e a produo em sua plena capacidade, o nmero de trabalhadores na montagem excedia os 7 mil. Muitos eram recm-chegados em Detroit, vindos em grande parte diretamente do interior. Muitos, inclusive, tinham acabado de chegar nos Estados Unidos. Uma pesquisa de 1915 revelou que os operrios de Highland Park falavam mais de 50 idiomas diferentes, e muitos mal falavam o ingls.9 Como conseguia esse exrcito de estrangeiros cooperar entre si para produzir um volume de um produto complexo (o Modelo T) maior do que qualquer companhia j havia imaginado e faz-lo com consistente preciso? A resposta est em levar a idia da diviso do trabalho a suas ltimas conseqncias. O montador qualificado da fbrica de produo artesanal de Ford de 1908 juntava todas as peas necessrias, apanhava as ferramentas na sala de ferramentas, reparava-as se necessrio, executava a complexa tarefa de ajuste e montagem de todo o veculo e verificava seu trabalho antes de despachar o veculo pronto para a expedio. Contrastando diretamente com isso, o montador da linha de produo em massa de Ford tinha apenas uma tarefa: ajustar duas porcas em dois parafusos ou, talvez, colocar uma roda em cada carro. No tinha de de solicitar peas, ir atrs das ferramentas, reparar seu equipamento, inspecionar a qualidade ou mesmo entender o que os operrios ao seu redor estavam fazendo. Pelo contrrio, mantinha baixa sua cabea, pensando em outras coisas. O fato de talvez sequer falar ele a mesma lngua de seus colegas de montagem ou do supervisor era irrelevante para o sucesso do sistema de Ford. (O uso do pronome no masculino proposital; at a Segunda Grande Guerra, os trabalhadores das indstrias automobilsticas norte-americanas e europias eram exclusivamente do sexo masculino.)

claro que algum tinha de pensar como todas essas peas iriam se juntar, e exatamente o que cada montador deveria fazer. Essa era a tarefa de uma profisso recm-criada, a de engenheiro de produo ou engenheiro industrial. Da mesma forma, algum tinha de providenciar a entrega das peas na linha, normalmente um engenheiro de produo, que projetava correias transportadoras ou canaletas com tal finalidade. Faxineiros eram mandados periodicamente para limpar as reas de trabalho, e mecnicos qualificados circulavam para reparar as ferramentas dos montadores. J um outro especialista verificava a qualidade. Um trabalho malfeito s era descoberto no final da linha de montagem, onde outro grupo de trabalhadores desempenhava seu papel: o pessoal do retrabalho e reparos, mantendo muitas das habilidades dos antigos ajustadores. Com tal especializao do trabalho, o montador precisava de apenas poucos minutos de treinamento. Ademais, o ritmo da linha de montagem agia como constante disciplinador, acelerando os lentos e acalmando os apressados. O supervisor antes encarregado de toda uma rea da fbrica, com inmeras e amplas tarefas e responsabilidades, mas agora reduzido a um fiscalizador semiqualificado conseguia imediatamente detectar qualquer relaxamento ou falha no cumprimento de uma tarefa especfica. Resultava da serem os operrios da linha to intercambiveis quanto as peas do carro. Numa tal atmosfera, Ford achava normal seus trabalhadores no darem, voluntariamente, qualquer informao sobre as condies operacionais por exemplo, sobre uma ferramenta com defeito e muito menos sugerirem meios de aperfeioar o processo. Tais funes foram atribudas, respectivamente, ao supervisor e ao engenheiro de produo, que informavam suas descobertas e sugestes aos escales superiores de gerncia, a fim de que medidas cabveis fossem tomadas. Surgiram assim os batalhes de trabalhadores indiretos pouco qualificados: mecnicos, inspetores de qualidade, faxineiros, especialistas em reparos, alm do supervisor e engenheiro de produo. Tais trabalhadores mal existiam na produo artesanal. De fato, Faurote e Arnold jamais imaginaram procur-los, ao prepararem as estatsticas de produtividade da Figura 2.1.10 Tais cifras levam em conta somente trabalhadores diretos na linha de montagem. No entanto, os trabalhadores indiretos tornaram-se ainda mais proeminentes nas fbricas fordistas de produo em massa, na medida em que a automao no correr dos anos gradualmente reduziu a necessidade dos montadores. Ford dividia o trabalho no apenas na fbrica, como nas atividades de engenharia. Engenheiros industriais sentavam-se ao lado de engenheiros de fabricao responsveis pela maquinria mais especializada. Juntava-se a eles o engenheiro de produto, que planejava e projetava o prprio carro. Mas a especializao estava ainda nos seus primrdios. Alguns engenheiros industriais especializaram-se em operaes de montagem, outros na operao das mquinas dedicadas a fabricar peas individuais. Alguns engenheiros de fabricao especializaram-se em projetar maquinria para montagem, outros, mquinas especficas para cada pea especfica. Alguns engenheiros de produtos especializaram-se em motores, outros em carrocerias, e outros ainda em suspenses ou sistemas eltricos. Estes novos "trabalhadores do conhecimento" indivduos que manipulavam idias e informaes, mas raramente tinham contacto com um automvel concreto e quase nunca entravam na fbrica substituram os antigos donos de oficinas qualificados e o velho "supervisor" dos tempos da produo artesanal. O antigo "proprietrio-operrio"

fazia de tudo: recebia a encomenda da montadora, projetava a pea, desenvolvia a mquina para fabric-la e, em muitos casos, supervisionava a operao da mquina na oficina. J a misso fundamental desses novos especialistas consistia em projetar tarefas, peas e ferramentas que pudessem ser manuseadas pelos trabalhadores desqualificados que formavam o grosso da nova fora de trabalho na indstria automobilstica. Nesse novo sistema, o trabalhador do cho-de-fbrica no tinha uma carreira pela frente, podendo no mximo chegar a supervisor. Mas, nas novas profisses de engenharia, havia uma carreira a ser escalada. Diferentemente do arteso qualificado, porm, tal carreira no culminava na propriedade de um negcio. Tampouco se limitava a uma s companhia, como teria sido do agrado de Ford. Pelo contrrio, o avano se dava dentro da profisso: do jovem engenheiro-estagirio ao engenheiro snior que, dominando todo o corpo de conhecimento de sua profisso, encarregava-se de coordenar os engenheiros dos escales inferiores. Alcanar o topo da profisso de engenheiro significava muitas vezes pular de uma empresa para a outra no decorrer da vida profissional. Com o passar do tempo e a diviso da engenharia em mais e mais subespecialidades, tais profissionais da engenharia constataram terem muito mais em comum com seus subespecialistas do que com engenheiros de outras especialidades. Conforme carros e caminhes foram se tornando mais complicados, essa minuciosa diviso do trabalho de engenharia resultou em terrveis disfunes, que examinaremos no Captulo 5. Organizao Henry Ford no passava de um mero montador quando inaugurou Highland Park. Ele adquiria seus motores e chassis dos irmos Dodge, adicionando-lhes uma srie de itens encomendados a outras firmas para montar um veculo completo. Em 1915, contudo, Ford tinha incorporado todas essas funes a sua empresa, e se aproximava da completa integrao vertical a saber, produzir o automvel completo desde as matrias-primas bsicas. Tal evoluo atingiu sua concluso lgica no complexo de Rouge, em Detroit, inaugurado em 1931. Ford perseguira a integrao vertical em parte por haver aperfeioado as tcnicas de produo em massa antes de seus fornecedores, podendo reduzir enormemente os custos se fizesse tudo por conta prpria. Havia, porm, outra razo: sua personalidade peculiar fazia com que desconfiasse profundamente das demais pessoas. Entretanto, a razo mais importante para que fizesse tudo internamente era o fato de necessitar das peas com tolerncias bem menores e cronogramas de entrega bem mais rgidos do que qualquer um pudesse ter imaginado. Ter de comprar de fornecedores e depender do mercado pensava ele traria inmeras dificuldades. De modo que decidiu substituir a "mo invisvel" do mercado pela "mo visvel" da coordenao organizacional. Alfred Chandler, professor na Harvard Business School, cunhou o termo "mo visvel" em 1977. Em seu livro de igual ttulo, procurou ele fornecer uma defesa para as grandes firmas modernas.11 Adeptos da teoria da "mo invisvel" de Adam Smith segundo a qual, se cada um perseguir seu prprio interesse individual, o livre mercado produzir, ele prprio, o melhor resultado para a sociedade como um todo estavam inquietos com o surgimento, no sculo XX, da moderna corporao verticalmente integrada. Segundo eles a integrao vertical interferiria sobre as foras do livre mercado. Chandler argumentou que uma mo visvel era vital, se as corporaes modernas quisessem introduzir a necessria previsibilidade em suas operaes.

Chandler usou esse termo simplesmente para denotar a obteno das necessrias matrias-primas, servios etc. de divises operacionais internas coordenadas por executivos seniores dentro da prpria corporao. A mo invisvel, em contraste, implicava encomendar as peas e servios de firmas independentes sem qualquer relao, financeira ou outra, com o comprador. As transaes basear-se-iam no preo, prazo de entrega e qualidade, sem qualquer expectativa de relacionamento a longo prazo ou contnuo entre comprador e vendedor. O problema conforme veremos adiante foi que a total integrao vertical trouxe consigo uma burocracia em tal escala, a ponto de trazer novos problemas, sem soluo vista. A escala de produo possvel e necessria no sistema de Ford conduziu a uma segunda dificuldade organizacional, dessa vez causada por problemas de transporte e barreiras comerciais. Ford tinha em mente produzir o carro completo num s lugar e vend-lo para todo o mundo. Mas os sistemas de transporte daquela poca no eram capazes de deslocar grande nmero de automveis prontos de maneira econmica e sem danific-los. Alm disso, as polticas governamentais, j naquela poca, muitas vezes impunham barreiras alfandegrias sobre as unidades acabadas. Assim sendo, Ford resolveu projetar, desenhar e produzir suas peas basicamente em Detroit. Os carros, porm, seriam montados em localidades remotas. Em 1926, os automveis de Ford eram montados em mais de 36 cidades norte-americanas e em 19 outras naes.12 No decorreu muito tempo para que essa soluo gerasse ainda outro problema: um produto padro simplesmente no se adaptava a todos os mercados do mundo. Por exemplo, para os norte-americanos, o Modelo T de Ford parecia um carro pequeno, principalmente depois que as descobertas de petrleo no leste texano derrubaram os preos da gasolina, tornando as viagens mais longas de automvel economicamente viveis. Entretanto, na Inglaterra e demais naes europias, com suas cidades muito populosas e as estradas estreitas, o Modelo T pareceu bem maior. Alm disso, os europeus, no tendo encontrado petrleo em suas terras, passaram a cobrar pesados impostos sobre a gasolina nos anos 20, de modo a reduzir sua importao. Logo passaram a reclamar por carros menores do que os que Ford se propunha a fornecer. Alm do mais, investimentos diretos macios nos pases estrangeiros geraram ressentimento contra o domnio de Ford sobre a indstria local. Na Inglaterra, por exemplo, onde, em 1915, Ford assumira a liderana na fabricao de automveis, seu pacifismo na Primeira Guerra Mundial foi amplamente denunciado, e os gerentes ingleses locais da companhia finalmente convenceram Detroit a vender boa fatia minoritria do negcio para os ingleses, para acabar com a hostilidade. Tambm aps a Primeira Guerra Mundial, Ford encontrou barreiras na Alemanha e Frana, com o constante aumento das tarifas sobre peas e veculos acabados. O resultado foi que, no incio dos anos 30, Ford havia estabelecido trs sistemas de fabricao totalmente integrados na Inglaterra, Alemanha e Frana. Tais companhias manufaturavam produtos especiais de acordo com o gosto de cada pas, sendo administrados por gerentes nativos, procurando minimizar a interferncia de Detroit. Ferramentas A chave para as peas intercambiveis conforme vimos residia no projeto de novas ferramentas, capazes de cortar o metal de alta dureza e prensar chapas de ao com preciso absoluta. Mas a chave para a intercambiabilidade de peas a baixo custo seria propiciada por ferramentas que desempenhassem tal tarefa em grandes volumes e com baixo ou nenhum custo de preparao de mquinas. Ou seja, para uma mquina

operar sobre um pedao de metal, algum tem de colocar o metal na mquina e algum deve ajustar a mquina. No sistema de produo artesanal, onde uma nica mquina podia desempenhar vrias tarefas, porm com muitos ajustes, cabia ao operador da mquina qualificado tal tarefa. Ford reduziu drasticamente o tempo de preparao atravs de mquinas capazes de realizar uma s tarefa de cada vez. Ento seus engenheiros aperfeioaram instrumentos e suportes simples prendendo a pea trabalhada a essa mquina. Ao trabalhador desqualificado bastava pegar a pea e apertar um boto ou empurrar uma alavanca para a mquina executar a tarefa necessria. Isso significava que a mquina podia ser carregada ou descarregada por um empregado com cinco minutos de treinamento. (De fato, carregar uma mquina de Ford equivalia exatamente a montar as peas na linha: s havia uma maneira de encaixar as peas, e era isso que o trabalhador fazia.) Alm disso, por fazer Ford um s produto, podia dispor suas mquinas numa seqncia, de modo que, a cada passo de fabricao, imediatamente se seguisse o prximo. Visitantes em Highland Park tinham amide a impresso de que a fbrica de Ford era realmente uma imensa mquina, com cada passo da produo intimamente ligado ao subseqente. Por ter reduzido os tempos de preparao de minutos ou mesmo horas para segundos, Ford podia obter volumes bem mais elevados com o mesmo nmero de mquinas. Ainda mais importante, os engenheiros tambm descobriram uma maneira de usinar vrias peas ao mesmo tempo. A nica desvantagem desse sistema era a inflexibilidade. Adaptar tais mquinas dedicadas para uma nova tarefa consumia tempo e dinheiro. A mquina de Ford de usinar o bloco do motor constitui bom exemplo de seu novo sistema. Em quase todo motor de carro, at hoje, a parte superior do bloco do motor se adapta parte inferior da cabea do cilindro, para formar um motor completo. Para manter a compres-so dos cilindros, o encaixe entre bloco e cabea precisa ser perfeito. Portanto, o topo do bloco e a parte de baixo da cabea do cilindro tm de ser fabricados com uma ferramenta apropriada. Na fbrica do Cadillac de Henry Leland, em Detroit (onde, alis, a consistente intercambiabilidade de todas as peas de um veculo foi primeiro alcanada em 1906), cada trabalhador abastecia os blocos num torno, trabalhando-os cuidadosamente conforme a especificao. Repetia ento o processo para as cabeas de cilindros, abastecidas uma a uma na mesma mquina. Desta forma, as peas eram intercambiveis, o encaixe entre bloco e cabea era perfeito, e a mquina poderia trabalhar com grande variedade de peas. Mas tal processo tinha seu ponto fraco: o tempo e trabalho e portanto o dinheiro gastos pelo operador qualificado da mquina. Em 1915 em Highland Park, Ford introduziu duas mquinas dedicadas: uma para usinar os blocos e a outra, para as cabeas no, porm, uma de cada vez, mas quinze ao mesmo tempo, no caso dos blocos, e trinta, no caso das cabeas. Ainda mais importante, um dispositivo em cada mquina permitia ao trabalhador desqualificado organizar os blocos e cabeas numa bandeja lateral, enquanto o lote anterior estava sendo trabalhado. O trabalhador colocava, ento, a bandeja inteira no esmeril, e o processo ocorria automaticamente. Toda a habilidade em usinar, assim, passou a se incorporar na mquina, e o custo do processo despencou.

As ferramentas de Ford eram altamente precisas e, em muitos casos, totalmente ou quase automatizadas, mas tambm eram dedicadas a produzir um nico item, em alguns casos num grau absurdo. Por exemplo, Ford adquiriu prensas para peas em chapas de ao, porm permitindo tamanhos de moldes para uma s pea especfica. Quando a fbrica precisou de uma pea maior, por mudana de especificao ou, em 1927, devido ao indito Modelo A, Ford freqentemente tinha de se descartar da maquinria junto com a antiga pea ou modelo. Produto O Modelo T, primeiro produto de Ford produzido em massa, vinha em nove verses, incluindo um conversvel para duas pessoas, um carro de passeio aberto para quatro pessoas, um sedan coberto para quatro pessoas e um caminho com um compartimento de carga atrs. No entanto, todos rodavam sobre o mesmo chassi, contendo todos os componentes mecnicos. Em 1923, pico da produo do Modelo T, Ford produziu 2,1 milhes de chassis para esse modelo, cifra que se revelou um marco da produo em massa padronizada (ainda que, mais tarde, o "Fusquinha" a tenha igualado). O sucesso de seus automveis baseava-se, antes de mais nada, nos baixos preos, que no paravam de cair. Desde o dia em que o Modelo T foi lanado, Ford reduziu seu preo ininterruptamente. Algumas das redues tinham a ver com mudanas gerais nos preos para os consumidores antes que os governos tentassem estabilizar as economias, os preos para os consumidores subiam e caam mas, principalmente, resultavam de um aumento de volume, permitindo menores custos que, por sua vez, geravam volumes ainda maiores. Em 1927, ltimo ano de produo do Modelo T, porm, Ford se defrontava com uma demanda em queda, as vendas j no cobrindo os custos. (A demanda caiu porque a General Motors estava oferecendo um produto mais moderno por um preo um pouquinho maior. Alm do mais, um automvel da GM de um ano anterior custava menos do que um Ford novo.) A imensa popularidade dos automveis da Ford tambm derivava da durabilidade de seu projeto e materiais e, conforme j observamos, do fato de poder ser facilmente reparado pelo usurio comum. Preocupaes que os compradores tm atualmente mal existiam no mundo de Ford. Por exemplo, os acabamentos ou o aspecto esttico do carro, como pra-lamas inteirios, sem fendas, pintura sem respingos, portas que no fossem barulhentas, quando batidas no faziam parte das preocupaes do consumidor de Ford. No Modelo T, a nica chapa de metal externa era o cap; a pintura era to rudimentar que mal se notava algum respingo; e vrios modelos sequer tinham portas. Quanto a quebras e problemas no dia-a-dia motores rateando, ou misteriosos problemas eltricos, como o aviso de "checar o motor" em alguns carros de hoje tampouco incomodavam os clientes da Ford. Se o motor do Modelo T comeasse a ratear, era s procurar a causa no manual de perguntas e respostas fornecido pela companhia, e resolver o problema. Por exemplo, poderia ser necessrio esvaziar o tanque de gasolina e recolocar o combustvel atravs de um filtro especial, para retirar alguma gua misturada. Em essncia: se uma pea no estivesse bem ajustada ou tivesse sido colocada um pouco fora da tolerncia, cabia ao dono do carro repar-la. E, como os carros costumavam quebrar com freqncia, a facilidade de reparo era vital. Em Highland Park, Ford raramente inspecionava um automvel depois de pronto. Ningum colocava um motor em funcionamento, at que o carro estivesse pronto para

ser dirigido para fora da linha de montagem, e nenhum Modelo T jamais passou por um teste de pista. No obstante um sistema de fabricao que provavelmente no conseguia uma alta qualidade, em nosso moderno sentido, Ford conseguiu liderar uma indstria que logo se tornou a maior do mundo, por ter se tornado o primeiro a dominar os princpios da produo em massa. Somente 50 anos depois tornou-se possvel fbricas organizadas dentro dos princpios da produo enxuta produzirem com qualidade prxima da perfeio, sem precisarem de exaustivas inspees ao final da linha, ou grande volume de retrabalho. Os limites lgicos da produo em massa: o complexo de Rouge A verdadeira produo em massa comeou com Highland Park, mas o final ainda no era perceptvel. Ford acreditava que a ltima pea do quebra-cabeas consistiria em aplicar a "mo visvel" a cada passo da produo, das matrias-primas ao veculo acabado. Foi o que ele tentou introduzir no complexo de Rouge, inaugurado em Detroit em 1927. Duplicatas em menor escala de Rouge foram abertas em Dagenham, Inglaterra, e Colnia, Alemanha, em 1931. Nessas instalaes, Ford prosseguiu com sua obsesso por um produto nico: o Modelo A, em Rouge, o Modelo Y, em Dagenham, e o Ford V8, na Alemanha. Ele tambm adicionou uma fundio de ao e uma fbrica de vidros s atividades de conformao e corte de metais de Highland Park. Todas as matrias-primas necessrias entravam,agora, por um nico porto, enquanto que os carros acabados saam pelo outro. Ford lograra, assim, eliminar completamente a necessidade de auxlio externo. Inclusive, chegou ele a agregar matrias-primas e transporte "mo visvel": uma plantao de borracha totalmente prpria no Brasil, minas de ferro em Minnesota, navios prprios para transportarem minrio de ferro e carvo pelos Grandes Lagos at Rouge, e uma ferrovia interligando as instalaes da Ford na regio de Detroit. No final, Ford tentou produzir tudo em massa: de alimentos (pela fabricao de tratores e uma usina de extrao da soja), ao transporte areo (atravs da Ford TriMotor, que deveria reduzir as tarifas da aviao comercial, e do Ford "Flying Fliver", que deveria ser o equivalente areo do Modelo T). Ford pensava que, produzindo de tudo, de alimentos, passando por tratores, at avies, em grande quantidade e de forma padronizada, poderia reduzir substancialmente os custos dos produtos, tornando ricas as massas. Financiou ele todos seus projetos com recursos prprios, pois Ford odiava os bancos e investidores externos, estando determinado a manter total controle sobre sua companhia. Por fim, essas iniciativas alm de Highland Park no deram em nada, em parte porque a sinergia entre as indstrias, que os industriais repetidamente procuram sem nunca achar, jamais surgia, mas tambm porque o prprio Ford no tinha a menor idia de como organizar um empreendimento global, a no ser centralizando todas as decises numa s pessoa no topo: ele prprio. Tal concepo no funcionava mesmo no auge de Ford, e quase destruiu a companhia com o declnio de suas faculdades mentais na dcada de 1930. Sloan como complemento necessrio de Ford Alfred Sloan na General Motors j tinha uma idia melhor no incio dos anos 20, ao ser convidado para arrumar a "baguna" que William Durant, volvel fundador da General Motors, havia feito. Durant era o clssico financista erguedor de imprios. No tinha a

menor idia de como administrar um negcio, depois de adquiri-lo. Em conseqncia, acabou se enrolando com urna dzia de companhias automobilsticas, cada qual gerenciada separadamente, com alto grau de sobreposio de produtos. Por no ter informao do que ocorria nessas companhias, exceto os demonstrativos trimestrais de lucros e perdas, mais de uma vez foi surpreendido com a descoberta de que carros demais para as condies do mercado estavam sendo fabricados, ou de que faltavam matrias-primas para sustentar a produo. Um surto de superproduo, que levou depresso de 1920, finalmente liqidou com ele: seus banqueiros insistiram em algum com tino gerencial para tomar as rdeas do negcio. Foi assim que Pierre du Pont, presidente da E. I. du Pont, tornou-se presidente do Conselho Administrativo da General Motors, e, por sua vez, convidou Sloan para presidir a empresa. Graduado pelo MIT (ele contribuiu com parcela de seus rendimentos para fundar a Sloan School of Management, do MIT, aps a Segunda Guerra Mundial), Sloan assumiu, no incio do sculo XX, o controle da Hyatt Roller Bearing Company, firma adquirida por Billy Durant em 1915. Ele era vice-presidente da GM quando Durant foi destitudo; alcanou a presidncia com base num memorando escrito em 1919 sobre como administrar uma companhia multidivisional. Sloan logo percebeu os dois problemas crticos que a GM teria de solucionar, se quisessse ter sucesso na produo em massa e substituir a Ford como lder no ramo: a administrao profissional dos enormes empreendimentos necessrios e tornados possveis com as novas tcnicas de produo, e o aperfeioamento dos produtos bsicos de Ford, para servir nas palavras de Sloan "a todos os bolsos e propsitos". A Ford Motor Company no sofria, claro, do problema de sobreposio de produtos da GM, porque Ford fabricava um nico produto. Sofria ela, porm, de todos os problemas organizacionais, mas Henry Ford se recusava a reconhec-los. Ele teve sucesso com a produo em massa dentro da fbrica, mas jamais elaborou a organizao e o sistema administrativo necessrios para efetivamente administrar o sistema total de fbricas, as operaes de engenharia e os sistemas de marketing exigidos pela produo em massa. Sloan faria do sistema do qual Ford fora pioneiro um sistema completo, e a esse sistema que o termo produo em massa se aplica atualmente. Sloan rapidamente encontrou uma soluo para cada uma das dificuldades da GM. A fim de solucionar o problema gerencial, ele criou divises descentralizadas, gerenciadas objetivamente "pelos nmeros" de uma pequena sede da corporao. Ou seja, Sloan e os demais executivos seniores supervisionavam cada um dos vrios centros de lucro da companhia: as cinco divises automobilsticas e as divises de componentes como baterias (Delco), direo (Saginaw) e carbura-dores (Rochester). Sloan e seu grupo de executivos solicitavam com freqncia relatrios detalhados sobre as vendas, participao no mercado, estoques, bem como de lucros e perdas e oramentos revisados de capital, sempre que as divises solicitassem fundos dos cofres centrais da corporao. Sloan julgava desnecessrio e inadequado para gerentes seniores em nvel da corporao conhecerem bem os detalhes operacionais de cada diviso. Se os nmeros exibissem mau desempenho, estava na hora de trocar de gerente-geral. Gerentes-gerais que mostrassem consistentemente bons resultados eram candidatos potenciais para pro moo no nvel da vice-presidncia na matriz da empresa. De modo a satisfazer o mercado mais amplo a que a General Motors desejava atender, Sloan desenvolveu uma faixa de cinco mode los de produtos, em ordem

crescente de preo, do Chevrolet ao Cadillac, dando conta assim pensava Sloan de compradores potenciais de todas as rendas, por toda a vida. Sloan havia concebido tal soluo estratgica para os problema; da companhia por volta de 1925, ainda que s o tenha revelado explicitamente para o mundo fora da General Motors ao redigir sua: memrias, quando se aproximava dos noventa anos, na dcada de 1960.13 Ele tambm encontrou solues para dois outros grandes problemas da companhia. Atravs de seus vnculos com a DuPont e o Morgan Bank, obteve fontes estveis de financiamentos externos, disponveis quando necessrio. Alm disso, sua idia das divises internas descentralizadas funcionou igualmente bem na organizao e gerncia das subsidirias estrangeiras da GM. As operaes de fabricao c vendas na Alemanha Gr-Bretanha e vrios outros pases se tornaram companhias auto-sus tentveis, gerenciadas "pelos nmeros" em Detroit. Tal organizao demandava pouqussimo tempo de gerncia ou superviso direta. No exagero afirmar que as idias gerenciais bsicas de Sloan solucionaram os ltimos prementes problemas que impediam a proliferao da produo em massa. Novas profisses de gerentes financeiros e especialistas em marketing foram criadas para complementar a: profisses de engenheiro, de modo que toda rea funcional da empresa passou a ter seu especialista. A diviso do trabalho profissional tornara-se, assim, completa. No pensamento inovador de Sloan tambm parecia estar a resposta ao conflito entre a necessidade de padronizao, para reduzir custo de fabricao, e a diversidade de modelos, exigida pela variedade da demanda dos consumidores. Atingiu ele ambos os objetivos, padronizando vrios itens mecnicos, como pistes e baterias, em toda a faixa de produtos da companhia, e produzindo-os atravs dos anos por ferramentas de produo especializadas. Ao mesmo tempo, alterava anualmente a aparncia externa dos carros e introduzia uma srie enorme de "acessrios", como transmisses automticas, sistemas de ar condicionado e rdios, possveis de ser instalados nos modelo: existentes para sustentar o interesse dos consumidores. As inovaes de Sloan representaram uma revoluo no marketing e gerncia da indstria automobilstica. Entretanto, nada fizeram para modificar a idia, primeiro institucionalizada por Henry Ford, de serem os trabalhadores do cho-de-fbrica meras peas intercambiveis do sistema de produo. Portanto, no cho-de-fbrica as coisas iam de mal a muito pior. O prprio Ford no se mostrava insatisfeito com a alta rotatividade incentivada por sua filosofia e prticas trabalhistas. No obstante isso, percebeu que, com seu sistema de fluxo contnuo plenamente operando em Highland Park em 1914, a eficincia de sua companhia a tal ponto superava a de seus rivais, que podia se dar ao luxo de, ao mesmo tempo, dobrar os salrios (para o famoso "dia de cinco dlares") e reduzir drasticamente os preos. Tais medidas permitiram que posasse como um empregador paternalista (e evitando os sindicatos), ao mesmo tempo em que pressionava os competidores artesanais contra a parede. O problema com os salrios mais altos conforme se revelou foi que funcionou: a rotatividade de pessoal diminuiu, na medida em que os operrios da Ford decidiram permanecer em seus empregos. Eles acabaram desistindo de sonhar com a volta ao campo ou ao pas de origem, percebendo que o emprego na Ford poderia durar a vida

toda. Quando comearam a perceber isso, as condies de trabalho rapidamente iam parecendo cada vez menos suportveis. Alm do mais, o mercado automobilstico se revelou ainda mais cclico que o restante da economia. As companhias automobilsticas norte-americanas, claro, consideravam sua fora de trabalho um custo varivel, no hesitando em demitir os trabalhadores ao primeiro sinal de queda nas vendas. Resultou da que, na poca da Grande Depresso, as condies para um movimento sindical forte na indstria automobilstica haviam plenamente desabrochado. Tratava-se, todavia, de um movimento sindical da produo em massa. Sua liderana aceitava, tanto o papel da gerncia, como a natureza inerente do trabalho numa linha de montagem. No causa surpresa que, quando o sindicato dos trabalhadores da indstria automobilstica (UAW) finalmente assinou os acordos com o que se tornara, no final dos anos 30, as trs grandes indstrias do setor (lhe Big Three), as principais questes fossem os critrios de tempo de servio e os direitos trabalhistas; o movimento foi denominado de job-control unionism ("sindicalismo de controle de empregos").14 A natureza cclica da indstria automobilstica causava freqentes demisses de certo nmero de empregados, assim o tempo de servio e no a competncia tornou-se o fator determinante de quem seria demitido e de quem permaneceria na funo. Alm disso, por serem algumas tarefas mais fceis (ou mais interessantes) do que outras, mesmo que os salrios fossem aproximadamente semelhantes, o tempo de servio tambm se tornou o princpio a governar a atribuio das tarefas. O resultado foi uma lista sempre crescente de regras de trabalho que, sem dvida, reduziram a eficincia da fbrica de produo em massa de Ford, na medida em que os trabalhadores lutavam continuamente por igualdade e justia. O apogeu da produo em massa: a Amrica de 1955 Tomemos as prticas de fabricao de Ford, adicionemos as tcnicas de marketing e gerncia de Sloan e acrescentemos o novo papel do movimento sindical no controle das definies e contedo das tarefas: o resultado a produo em massa em sua forma final amadurecida. Durante dcadas, tal sistema colheu vitria sobre vitria. As companhias automobilsticas norte-americanas dominaram a indstria automobilstica mundial, e o mercado norte-americano representou a maior percentagem das vendas de automveis no mundo. Companhias em praticamente todos os demais ramos industriais adotaram mtodos semelhantes, normalmente deixando algumas poucas firmas artesanais em nichos de pequeno volume. Como nunca antes, 1955 foi um exemplo da amplitude e difuso da indstria automobilstica e do sistema que lhe servia de base. Foi esse o primeiro ano em que a venda de automveis nos Estados Unidos superou a marca dos 7 milhes. Foi tambm o ano em que Sloan se aposentou, aps presidir a General Motors por 35 anos. Trs grandes empresas Ford, GM e Chrysler eram responsveis por 95 por cento de todas as vendas, e seis modelos representavam 80 por cento de todos os carros vendidos. Todos os vestgios da produo artesanal, que outrora dominara toda a indstria, haviam desaparecido nos Estados Unidos. A glria, porm, passageira, conforme a outrora todo-poderosa indstria automobilstica norte-americana acabou aprendendo. Ironicamente, 1955 foi tambm o ano em que comeou a queda, conforme mostram as Figuras 2.2 e 2.3. A fatia de mercado abocanhada pelas importaes iniciou seu contnuo crescimento. A antiga

perfeio da produo em massa j no podia manter tais companhias norte-americanas em suas posies de liderana. A difuso da produo em massa Uma importante razo pela qual as "Trs Grandes" da indstria automobilstica norte-americana estavam perdendo sua vantagem competitiva foi que, em 1955, a produo em massa se tornara comum nos pases de todo o mundo. Na verdade, muitas pessoas esperavam que a liderana norte-americana declinasse bem antes, nos anos imediata-mente seguintes Primeira Guerra Mundial. Mesmo antes da guelra, um fluxo contnuo de peregrinos, incluindo Andr Citron, Louis Renault, Giovanni Agnelli (da Fiat), Herbert Austin e William Morris (da Morris e MG inglesas), haviam visitado Highland Park. Henry Ford era notada-mente aberto ao discutir com eles suas tcnicas, e, na dcada de 1930, suas fbricas em Dagenham e Colnia representaram uma demonstrao direta de cada aspecto da produo em massa na Europa. Figura 2.2 Distribuio da Produo de Veculos Motorizados por Regio. 19551989

Nota: Esta figura abrange todos os veculos produzidos dentro das trs grandes regies, por todas as companhias nelas operando. Alm disso, ela agrupa a produo das naes de industrializao recente e do resto do mundo. AN = Amrica do Norte: Estados Unidos e Canad E = Europa Ocidental, inclusive Escandinvia J = Japo NIR = Naes de industrializao recente, principalmente Coria, Brasil e Mxico. RM = Resto do mundo, inclusive Unio Sovitica, Leste Europeu e China. Fonte: Calculado pelos autores do Automotiva News Data Book, 1990, p. 3.

As idias bsicas subjacentes produo em massa j haviam, portanto, estado disponveis na Europa anos antes do incio da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o caos econmico e o nacionalismo tacanho dos anos 20 e incio dos 30, alm do forte apego s tradie da produo artesanal, impediram sua maior disseminao. No final d dcada de 1930, a Volkswagen e a Fiat iniciaram planos ambiciosos d produo em massa em Wolfsburg e Mirafiori, mas a Segunda Granel Guerra logo veio a interromper a produo para fins civis.

Assim sendo, somente no anos 50 30 anos depois do pioneirismo de Henry Ford na produo em massa de alto volume difundiu-s plenamente essa tecnologia, marcadamente comum nos Estados Unidos, para alm dos domnios nativos da Ford. Ao final dos anos 5C Wolfsburg (VW), Flins (Renault) e Mirafiori (Fiat) estavam produzindo numa escala comparvel das grandes instalaes de Detroit. Alm do mais, um nmero de firmas artesanais europias, lideradas pela Daimler-Benz (Mercedes), tambm efetuou a transio para a produo em massa. Figura 2.3 Participao das Companhias de Propriedade Norte-Americana no Mercado Norte-Americano de Automveis

Nota: Estas participaes incluem veculos importados por firmas norte-americanas d suas fbricas no exterior, prprias ou em joint-venture. Elas no abrangem importao "cativas" das firmas estrangeiras independentes. Fonte: 1955-1981 de Automotiva News Market Data Book, baseado nos registros d veculos. 19821989 de Ward's Automotiva Reports, baseado nas vendas de veculos.

Todas essas companhias ofereciam produtos bem diversos do carro e pickups preferidos pelos fabricantes norte-americanos. De incio, os europeus especializaram-se em dois tipos de automveis no oferecidos pelos norte-americanos: compactos e econmicos, exemplificados pelo "Fusca" da VW, e esportivos e gostosos de dirigir, como o MG. Mais tarde, nos anos 70, o carro de luxo foi redefinido para menor, com tecnologia mais apurada e desempenho mais esportivo (o Mercedes monobloco de 1,6 toneladas, injeo de gasolina e suspenso independente versus o Cadillac de 2,3 toneladas, com carburador, eixo reto e carroceria sobre chassi). (O carro monobloco pesa menos, para determinado tamanho de compartimento de passageiros, do que o carro de carroceria sobre chassi. Apesar de apresentar a vantagem da maior rigidez e, conseqentemente, ser mais silencioso, seu projeto bem mais dispendioso.) Aliadas aos reduzidos salrios europeus, tais variaes de produtos representaram a abertura competitiva em direo aos mercados de exportao mundiais. E, como os norte-americanos antes deles, os europeus colheram sucesso aps sucesso nos mercados estrangeiros por um perodo de 25 anos, do incio dos anos 50 at meados dos anos 70. Eles tambm se concentraram diferentemente de Detroit nessa poca na introduo de novos elementos em seus produtos. As inovaes europias nos anos 60 e

70 incluam a trao dianteira, freios a disco, injeo de gasolina, carrocerias monobloco, transmisses de cinco marchas e motores altamente possantes em relao ao peso. (Carrocerias monobloco no possuem chassi de viga de metal embaixo. Pelo contrrio, como numa lata, a chapa de metal da superfcie mantm a integridade do carro.) Os norte-americanos, em contraposio, lideravam nos itens de conforto: sistemas de arcondicionado, direes hidrulicas, aparelhos de som stereo, transmisses automticas e possantes motores (porm suaves). A histria poderia ter prosseguido na trilha norte-americana se os preos dos combustveis tivessem continuado a cair conforme ocorrera por uma gerao, at 1973 e se os norte-americanos continuassem querendo carros que os isolassem do meio ambiente. Entretanto, o combustvel subiu vertiginosamente de preo e os norteamericanos mais jovens, particularmente os abastados, pediam algo mais divertido para dirigir. O problema de Detroit era que seus acessrios, como aparelhos de arcondicionado e equipamentos stereo, podiam facilmente ser adicionados aos carros europeus existentes. Porm, seria preciso reprojetar totalmente os veculos norteamericanos e substituir as ferramentas de produo, para introduzir carrocerias com melhor aproveitamento do espao, suspenses mais sensveis e motores mais econmicos. Entretanto, conforme se tornou aparente no final dos anos 80 e conforme mostraremos nos prximos captulos, os sistemas de produo europeus no passavam de cpias dos de Detroit, mas com menor eficincia e preciso na fbrica. As indstrias automobilsticas europias experimentaram, nos anos 50, o que os norte-americanos haviam experimentado nos anos 30. Nos primeiros anos do ps-guerra, a maioria das fbricas europias empregava grande nmero de imigrantes turcos e iugoslavos, na Alemanha; sicilianos e demais italianos do sul, na Itlia; e marroquinos e argelinos, na Frana nas tarefas intercambiveis de montagem. Algumas dessas pessoas retornaram ao lugar de origem, terminado o desemprego europeu do ps-guerra. Outros, porm, permaneceram, agregando-se a eles grande nmero de trabalhadores nativos. No final das contas, conforme ocorrera nos Estados Unidos, os trabalhadores em Turim, Paris e Wolfsburg perceberam que o trabalho de produo em massa era mais do que mero trabalho provisrio, para depois voltarem para casa e abrirem um negcio; pelo contrrio, tratava-se de um trabalho para a vida toda. De repente, a intercambiabilidade e a inevitvel monotonia das fbricas de produo em massa comearam a se afigurar insuportveis. Da ter se seguido uma onda de inquietao. Os sistemas europeus de produo em massa foram afetados, nos anos 70, por salrios crescentes e jornada semanal de trabalho em constante diminuio. Os fabricantes europeus de carros conduziram, ainda, algumas experincias alternativas de trabalho participativo, a exemplo da fbrica da Volvo em Kalmar, que revivendo o salo de montagem de Henry Ford de 1910 reintroduziu as tcnicas artesanais, atribuindo a pequenos grupos de trabalhadores a responsabilidade pela montagem de um veculo completo. Alm do mais, as sombrias condies econmicas aps 1973 amorteceram as expectativas dos trabalhadores e reduziram as alternativas de empregos. Tais medidas, contudo, no passavam de paliativos. Nos anos 80, os trabalhadores europeus continuaram achando o trabalho de produo em massa to desestimulante, que a principal prioridade nas negociaes sindicais continuou sendo a reduo da jornada de trabalho.

Tal situao de estagnao na produo em massa norte-americana e europia teria prosseguido indefinidamente, no tivesse uma nova indstria automobilstica emergido no Japo. A verdadeira importncia de tal indstria estava no fato de no se tratar de mera rplica do agora venervel enfoque norte-americano para ,a produo em massa. Os japoneses estavam desenvolvendo uma maneira inteiramente nova de se produzir, que ns chamamos de produo enxuta.