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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Eliara Santana
PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:
as estratégias discursivas da grande imprensa na
cobertura das eleições 2014
Belo Horizonte
2016
Eliara Santana
PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:
as estratégias discursivas da grande imprensa na
cobertura das eleições 2014
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestra em Análise do
Discurso.
Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari
Belo Horizonte
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Santana, Eliara
Produção de sentido no discurso de informação: as estratégias discursivas da
grande imprensa na cobertura das eleições 2014 / Eliara Santana, Belo
Horizonte, 2016.
135 f. : il.
Orientador: Hugo Mari
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Mídia (Publicidade) - Planejamento. 2. Análise do discurso - Aspectos
políticos. 3. Imprensa e política. 4. Intencionalidade (Filosofia). I. Mari, Hugo.
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Letras. III. Título.
CDU: 800.85
Eliara Santana
PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:
as estratégias discursivas da grande imprensa na
cobertura das eleições 2014
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestra em Análise do
Discurso.
____________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari – PUC Minas (Orientador)
____________________________________________________
Profa. Dra. Ângela Maria Carrato Diniz – UFMG (Banca Examinadora)
____________________________________________________
Profa. Dra. Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues – PUC Minas (Banca Examinadora)
Belo Horizonte, 29 de fevereiro de 2016.
À minha mãe querida, por apostar em mim e torcer incrivelmente por tudo o que faço.
Ao meu sogro, pelas ótimas discussões (das quais sempre saio vencedora), mesmo
que tenhamos opiniões um pouco diferentes.
Aos meus filhotes muito amados, João Pedro e Maria Clara, por compreenderem (com
reclamações, claro) a minha ausência e por vibrarem com as descobertas malucas da mãe
pesquisadora.
Ao meu companheiro de jornada, de ideias, de militância e de crença numa imprensa
democrática, João Carlos, por acreditar tanto em mim (e também por compreender o abrupto
sumiço do fim de semana nos últimos meses).
À sua maneira, cada um de vocês foi muito importante para que esse projeto fosse adiante.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e grande mestre, Hugo Mari, pela acolhida carinhosa, pela extrema
gentileza na orientação e, sobretudo, pelo agudo olhar crítico em relação à imprensa
brasileira.
À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –, pela bolsa
concedida durante o período de duração do Mestrado.
Ao Departamento de Letras da PUC Minas, em especial às professoras Juliana Assis, Jane
Quintiliano, Sandra Cavalcante, Maria Ângela Paulino, Arabie Hermont e Daniella Lopes,
pela acolhida tão carinhosa.
À Secretaria do Programa de Pós-graduação em Letras, em especial a Berenice e Rosária, pela
gentileza cotidiana, que tanto nos ajuda.
Aos meus amigos do curso, companheiros de descobertas, angústias, trabalho e,
principalmente, ótimos encontros.
Ao professor João Feres Jr., do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, por acreditar em meu trabalho e me possibilitar fazer parte de um
projeto tão importante como o Manchetômetro.
À professora Ângela Carrato, da Universidade Federal de Minas Gerais, pela voz aguda em
defesa de uma imprensa democrática e pela grande gentileza em discutir comigo os meus
projetos.
“De um modo geral, o sistema de informação procura definir-se ou justificar-se por
uma ideologia da transparência absoluta entre o enunciado e o fato, como se a
linguagem funcionasse ao modo de uma pintura realista do mundo” (SODRÉ, 2009)
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar o processo de produção de sentido no discurso de
informação e descrever as estratégias discursivas utilizadas pelos veículos da grande imprensa
comercial no Brasil na cobertura das eleições presidenciais brasileiras de 2014. Para o
desenvolvimento deste trabalho, as unidades de análise escolhidas foram as manchetes e
chamadas de capa de três veículos – os jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo e a revista
Veja – no período especificado. A partir da descrição das estratégias discursivas, foi possível
observar padrões discursivos presentes nas manchetes e chamadas de capa que consolidam
modos de dizer do discurso de informação, direcionando, de modo intencional, para certas
interpretações das informações divulgadas. Para ancorar este trabalho, foram utilizadas
abordagens que enfocam mídia, sistema de informação, intencionalidade, argumentação e
ideologia a partir de autores como Charaudeau, Maingueneau, Verón, Ducrot, Thompson e
Searle. Com o desenvolvimento da pesquisa, foi possível constatar, entre outros aspectos, que
a mídia é um sistema complexo que não deve ser considerado somente sob o viés da técnica,
que informação é uma questão de linguagem, não sendo, portanto, transparente, neutra ou
objetiva, e que a direcionalidade é uma característica relevante do discurso de informação.
Palavras-chave: Mídia. Discurso de Informação. Imprensa. Intencionalidade.
ABSTRACT
This research aims at analyzing the production process of meaning in discourse information
and to describe the discursive strategies employed by large commercial press vehicles in
Brazil during the coverage of the 2014 Brazilian presidential election. The units of analysis
chosen for the development of this work were headlines and cover stories of three vehicles -
the newspapers Estado de Minas and Folha de S. Paulo and the magazine Veja – throughout
the specified period. It was noticed, from the description of the discursive strategies, that
discursive patterns are present in the headlines and cover stories that consolidate the discourse
information ways of saying, pointing, intentionally, to certain interpretations of the publicized
information. The work is anchored in approaches focused on media, information systems,
intentionality, reasoning and ideology from authors such as Charaudeau, Maingueneau,
Verón, Ducrot, Thompson and Searle. Along with the development of the research, it was
found, among other aspects, that the media is a complex system which should not be only
considered under the technical bias, that information is a matter of language, not being,
therefore, transparent, neutral or objective, and that directionality is an important feature of
information discourse.
Keyords: Media. Information Discourse. Press. Intentionality.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Manchete Folha de S. Paulo: “Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o
final de 2018” ........................................................................................................................ 33
FIGURA 2 – Manchete Folha de S. Paulo: “Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra
Ibope” ..................................................................................................................................... 34
FIGURA 3 – Manchete jornal Estado de Minas: “O voto mais cobiçado?” ........................... 36
FIGURA 4 – Manchete revista Veja: “Como Dilma e Aécio tentam para
Marina” ................................................................................................................................... 38
FIGURA 5 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ........................................................... 39
FIGURA 6 – Manchete revista Veja: “As armas para a decisão” ........................................... 40
FIGURA 7 – Manchete jornal Estado de Minas: “Em meio à crise, Dilma rifa
Mantega” ................................................................................................................................ 46
FIGURA 8 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Dilma diz que falta experiência para
Marina” ................................................................................................................................... 47
FIGURA 9 – Manchete jornal Estado de Minas: “Petista admite uso dos Correios na
campanha de Dilma e Pimentel” ............................................................................................. 48
FIGURA 10 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Dilma afirma que Mantega não fica em
um 2º mandato” ....................................................................................................................... 49
FIGURA 11 – Manchete revista Veja: “Todos atrás dela” ..................................................... 57
FIGURA 12 – Chamada jornal Estado de Minas: “Qual será o nome dele?” ......................... 59
FIGURA 13 – Manchete revista Veja: “O fator surpresa” ..................................................... 63
FIGURA 14 – Manchete revista Veja: “A fúria contra Marina” ............................................ 64
FIGURA 15 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Copa melhora o humor do país, e Dilma
cresce” ..................................................................................................................................... 74
FIGURA 16 – Chamada revista Veja: “Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de
miseráveis para dar dinheiro a políticos” ................................................................................ 76
FIGURA 17 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Entre domésticos, renda sobe mais, mas
ocupação cai” .......................................................................................................................... 83
FIGURA 18 – Título jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja
deve subir” .............................................................................................................................. 84
FIGURA 19 – Título jornal Folha de S. Paulo: “BC indica alta do juro, mas inflação menor
deixa dúvidas” ......................................................................................................................... 84
FIGURA 20 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação federal sobre, mas fica
aquém da meta oficial” ........................................................................................................... 85
FIGURA 21 – Título jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação é recorde, mas não bate
meta” ....................................................................................................................................... 85
FIGURA 22 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Desemprego cai ao menor nível, mas
renda sobre menos” ................................................................................................................. 86
FIGURA 23 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Dilma mantém liderança, mas empata com
Aécio no segundo turno” ......................................................................................................... 86
FIGURA 24 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Inflação recua, mas reajuste da energia
deve pressioná-la” ................................................................................................................... 87
FIGURA 25 – Manchete revista Veja: “Plano Real 20 anos” ................................................ 92
FIGURA 26 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ......................................................... 95
FIGURA 27 – Manchete revista Veja: “O doleiro fala” ......................................................... 95
FIGURA 28 – Manchete jornal Estado de Minas: “Petista admite uso dos Correios na
campanha de Dilma e Pimentel” ............................................................................................. 98
FIGURA 29 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de
Minas” ..................................................................................................................................... 99
FIGURA 30 – Manchete jornal Estado de Minas: “Um país em recessão” .......................... 100
FIGURA 31 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em
Minas Gerais’” ...................................................................................................................... 101
FIGURA 32 – Chamada jornal Estado de Minas: “Para Aécio, a presidente perdeu
moral” .................................................................................................................................... 101
FIGURA 33 – Manchete jornal Estado de Minas: “Na defensiva” ...................................... 102
FIGURA 34 – Manchete revista Veja: “Eram malas e malas de dinheiro” .......................... 109
FIGURA 35 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ....................................................... 109
FIGURA 36 – Manchete revista Veja: “Fraude – CPI da Petrobras” ................................... 110
FIGURA 37– Manchete revista Veja: “Plano Real 20 anos” ............................................... 110
FIGURA 38 – Manchete revista Veja: “Marina presidente?” .............................................. 111
FIGURA 39 – Manchete revista Veja: “Vai sobrar para ela?” ............................................. 112
FIGURA 40 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da
calúnia’” ................................................................................................................................ 113
FIGURA 41 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “País registra recorde de empresas
inadimplentes” ...................................................................................................................... 115
FIGURA 42 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Presidente do BB pagou multa para se
livrar da Receita” .................................................................................................................. 115
FIGURA 43 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de
Minas” ................................................................................................................................... 117
FIGURA 44 – Manchete jornal Estado de Minas: “A grande batalha pela grande
BH” ....................................................................................................................................... 117
FIGURA 45 – Manchete revista Veja: “A fúria contra Marina” .......................................... 118
FIGURA 46 – Uso de cores nas capas da Revista Veja ........................................................ 119
FIGURA 47 – Manchete revista Veja: “Eles sabiam de tudo” ............................................. 121
FIGURA 48 – Manchete jornal Estado de Minas: “TCU vê gestão temerária em obras da
Petrobras” .............................................................................................................................. 121
FIGURA 49 – Manchete jornal Estado de Minas: “Qual será o nome dele?”....................... 124
FIGURA 50 – Capa do jornal Estado de Minas .................................................................... 129
FIGURA 51 – Capa do jornal Estado do Minas ................................................................... 129
FIGURA 52 – Capa do jornal Folha de S. Paulo ...................................................................130
FIGURA 53 – Capa do jornal Folha de S. Paulo....................................................................130
FIGURA 54 – Capa do jornal Estado de Minas .....................................................................131
FIGURA 55 – Capa do jornal Estado de Minas .....................................................................131
FIGURA 56 – Capa do jornal Folha de S. Paulo ...................................................................132
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Argumentação – Ruth Amossy .................................................................... 25
QUADRO 2 – Situação de comunicação ............................................................................. 30
QUADRO 3 – Processos enunciativos nos jornais .............................................................. 32
QUADRO 4 – Esquematização do discurso relatado .......................................................... 44
QUADRO 5 – Lugares de construção do sentido da máquina midiática ............................ 55
QUADRO 6 – Processo informativo ................................................................................... 62
QUADRO 7 – Trajetória e alvo ........................................................................................... 93
QUADRO 8 – Caminho do intencional .............................................................................. 94
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 – Menções ao candidato Aécio Neves na capa do jornal
Estado de Minas .................................................................................................................... 125
GRÁFICO 2 – Menções à candidata Dilma Rousseff na capa do jornal
Estado de Minas .................................................................................................................... 126
GRÁFICO 3 – Menções à candidata Marina Silva na capa do jornal
Estado de Minas .................................................................................................................... 126
GRÁFICO 4 – Menções ao candidato Aécio Neves na capa do jornal
Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 127
GRÁFICO 5 – Menções à candidata Dilma Rousseff na capa do jornal
Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 127
GRÁFICO 6 – Menções à candidata Marina Silva na capa do jornal
Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 128
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 17
2. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO .......................................................... 21
2.1 Metodologia ............................................................................................................... 21
2.2 O signo ideológico em Bakhtin ................................................................................ 22
2.3 Ideologia e comunicação na perspectiva de Eliseo Verón ..................................... 24
2.4 A argumentação na perspectiva de Ruth Amossy ................................................. 27
2.5 A intencionalidade na perspectiva de Searle ......................................................... 28
2.6 Processo enunciativo ................................................................................................ 30
2.6.1 Bakhtin........................................................................................................................ 30
2.6.2 Verón .......................................................................................................................... 31
2.6.3 Charaudeau ................................................................................................................ 32
2.6.3.1 Jornal Folha de S. Paulo .......................................................................................... 35
2.6.3.2 Jornal Estado de Minas............................................................................................. 38
2.6.3.3 Revista Veja ............................................................................................................... 40
2.7 Sentido e enunciado .................................................................................................. 43
2.7.1 Discurso relatado ....................................................................................................... 47
2.7.2 Cena enunciativa ........................................................................................................ 52
3. MÍDIA, UM SISTEMA COMPLEXO ................................................................... 54
3.1 O discurso de informação ........................................................................................ 56
3.1.1 O que significa informar? .......................................................................................... 63
3.1.2 Contrato de comunicação .......................................................................................... 71
3.1.3 A construção de um enredo ........................................................................................ 73
3.2 Estratégias do discurso midiático ........................................................................... 74
3.2.1 As leis do discurso ..................................................................................................... 75
3.2.2 O dito e o modo de dizer ............................................................................................ 76
3.3 Padrões de manipulação .......................................................................................... 80
4. USO DO CONECTIVO “MAS” NAS MANCHETES DE JORNAL ................. 83
4.1 Padrões identificados nas manchetes ...................................................................... 84
4.2 Argumentação ........................................................................................................... 84
4.3 O conectivo “mas” e o uso nas manchetes de jornal ............................................. 86
5. AÇÃO E INTENCIONALIDADE .......................................................................... 94
5.1 O agir intencional nas manchetes da Veja ............................................................. 94
5.2 Força ilocucional, intencionalidade e discurso relatado – uma análise do jornal
Estado de Minas........................................................................................................ 99
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107
Padrões discursivos............................................................................................................... 111
Uso de conectivos nas manchetes ........................................................................................... 111
Enquadramento ...................................................................................................................... 111
Discurso relatado ................................................................................................................... 115
Cena enunciativa .................................................................................................................... 117
Jornal Folha de S. Paulo....................................................................................................... 117
Jornal Estado de Minas ......................................................................................................... 119
Revista Veja ............................................................................................................................ 121
Menções aos candidatos nas chamadas de capa dos veículos ........................................... 128
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 137
17
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção de efeitos de sentido
no discurso de informação e, sobretudo, averiguar em que medida as estratégias discursivas
utilizadas pela imprensa se articulam para a construção de determinado sentido. Para a
pesquisa, foram tomadas como base manchetes e chamadas de capa de publicações da grande
imprensa comercial, unidades que são tradicionalmente tidas como elementos basicamente
informativos, e não opinativos ou argumentativos. O período considerado para a análise foi a
Eleição 2014, em que foi escolhido o novo presidente da República. Em relação ao discurso
de informação, é importante considerar que amaneira como se opera a construção de sentido,
levando-se em conta as estratégias discursivas utilizadas em tal processo, é um aspecto muito
significativo, considerando-se a influência dos meios de comunicação na sociedade de modo
geral e em diversas instâncias – política, econômica, jurídica.
Por isso, abordar tais estratégias, observando como se estruturam e se constroem,
trabalho que se consolida como proposta desta análise, configura-se como ponto relevante por
alguns motivos. Primeiramente, não se pode ignorar que uma lógica de mercado é o que
regula em boa medida a prática da instância midiática, com várias consequências para o
desenrolar de suas ações. Em segundo lugar, com forte ligação com esse primeiro aspecto,
tem-se a perspectiva da informação como produto midiático. Aliada a essa constatação, tem-
se a consideração de que tal produto é uma construção repleta de sentidos que não pode ser
considerada somente como fato que se transmite, de modo neutro e transparente, revelando
algo (um acontecimento) a alguém que não detém aquele conhecimento específico. Como
pontua Charaudeau (2013), a informação deve ser observada como uma questão de
linguagem, e é preciso considerar que a linguagem não é transparente.
Sendo, portanto, uma questão de linguagem, a informação se insere no quadro de um
discurso de informação midiática. Nessa abordagem, consideramos aqui o discurso, de modo
geral, e o discurso de informação de modo particular, na perspectiva em que o faz Sodré
(2013), como o espaço em que se dá a produção de sentido, resultante de um trabalho social
que é ideológico e heterogêneo. É uma prática social, com uma vinculação direta a um
contexto sócio-histórico, regida por convicções oriundas das estruturas sociais estabelecidas e
que é assumida por um sujeito. No discurso de informação, as estratégias discursivas
empregadas direcionam para a produção de determinados sentidos e, por isso, é relevante
averiguar como se dá o processo de construção de sentido, que estratégias são utilizadas e
com que propósito.
18
Em relação ao discurso aqui considerado, torna-se fundamental considerar também
que ele é socialmente ancorado pela credibilidade de que desfrutam os meios de comunicação
e encontra suporte nas relações de poder que se estabelecem. Portanto, é um discurso que se
revela significativo por ser capaz de influenciar os mais diversos meios – político, social,
econômico – e por operar na perspectiva do simbólico, construindo e transmitindo sistemas de
valores. Precisamos considerar ainda a perspectiva de que “as mídias não transmitem o que
ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do espaço público”
(CHARAUDEAU, 2013, p. 19), ou seja, o fato reportado, a informação noticiada, é sempre
uma “visão” do acontecimento, um construto, não é “a” realidade.
A ideologia do “mostrar a qualquer preço”, do “tornar visível o invisível”, e do
“selecionar o que é o mais surpreendente” (as notícias ruins) faz com que se
construa uma imagem fragmentada do espaço público, uma visão adequada aos
objetivos das mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel. Se são um espelho, as
mídias não são mais do que um espelho deformante, ou mais ainda, vários espelhos
deformantes. (CHARAUDEAU, 2013, p. 20)
Assimilar a dimensão da mídia como “espelho deformante” do espaço público
significa também compreender que o discurso construído nessa instância, portanto, tem uma
estrutura que utiliza estratégias várias para a produção de sentido, e que esse discurso, ao
cumprir o papel de informar, seleciona aspectos e abordagens, revela muitos, omite outros,
torna outros opacos. Dessa forma, não é incorreto pontuar que o discurso de informação, que
molda as práticas discursivas da imprensa, ao construir e produzir sentido, assume papel
significativo na construção de consensos e formação de realidades sociais. Segundo Abramo
(1988), uma das principais características da imprensa é a manipulação da informação, cujo
efeito principal “é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade” (p. 23), sendo que a
informação faz nessa perspectiva, portanto, uma referência indireta à realidade.
Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para representar
outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade
artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar
da realidade real. (ABRAMO, 1988, p. 23)
Analisar tal discurso e suas estratégias de produção de sentido é também pertinente
porque se mostram nesse processo os estereótipos projetados pela mídia por meio da
linguagem – transmitidos e retransmitidos via discurso de informação –, não considerando
somente os aspectos linguísticos, da materialidade do texto, mas buscando compreender esse
discurso como entrecortado e envolvido por aspectos culturais, socioeconômicos e
19
identitários. Portanto, trata-se de, na análise das estratégias de produção de sentido, observar
de que maneira, no discurso de informação, as estruturas linguísticas são manuseadas para
produzir determinado sentido.
Ao observar as estratégias ou a forma de manuseio do código linguístico pelos
veículos da mídia, podemos perceber, nesse percurso, o que é oculto, o que não é revelado, o
que é ofuscado, aquilo que se torna opaco, ou, de outro modo, ao identificarmos o modo de
utilização dessas estruturas discursivas, podemos verificar se e como estratégias discursivas
são trabalhadas e utilizadas para produzir ideias, crenças e disseminar valores. Pois, como
salienta Fowler (1998), o conteúdo publicado nas notícias divulgadas por jornais, revistas e
TVs não são fatos em si, mas trata-se, na verdade, de ideias, crenças, valores, proposições,
teorias, ideologia, e por isso é fundamental a preocupação, como o autor pontua, com o papel
da linguagem na construção de ideias na imprensa. A notícia, ele destaca, é o objeto de uma
transformação, em que a seleção e a transformação são guiadas pela referência de ideias e
crenças. Ela desempenha o papel de uma entidade mítica que administra a verdade, como
aponta Sodré (2013), uma instituição capaz de assegurar ao cidadão que ele tenha acesso à
verdade sobre os fatos. Tal papel, que se estabelece como um consenso entre os cidadãos –
em que o bordão “saiu na imprensa” comprova seu reconhecimento –, é também uma
construção, sendo o discurso oriundo dessa instância conformado por crenças como
objetividade, neutralidade e imparcialidade, que muito bem encobrem o jogo de poder que
está presente no discurso de informação.
Nesta análise, foram priorizadas as manchetes e chamadas de capa porque, como
descreve Mouillaud (2008), elas são títulos informacionais, em que se destaca, de um real,
determinada superfície, e no âmbito dos produtos jornalísticos, são como portas de entrada
dos veículos, destacando para o leitor o que é relevante. Os títulos também têm o poder de
agir sobre os leitores, como lembra Emediato, pois “se encontra subjacente a esses enunciados
uma orientação argumentativa” (2008, p. 90). Além disso, e muito importante, há também o
fato de que o conteúdo trazido pelas manchetes e principais chamadas dos veículos da grande
imprensa reverberam por outros meios, não se limitando à circulação do impresso,
repercutindo nas redes sociais, em rádios e TVs, com um grande alcance da população. Outro
aspecto também relevante nessa abordagem é o contexto em que se produziram tais
manchetes – um período eleitoral de grande relevância para o país, com a escolha do
presidente da República, em que houve diversos acontecimentos marcantes, como a morte de
um dos principais candidatos na disputa, Eduardo Campos, a ascensão vertiginosa da
candidata Marina Silva, que tornou-se candidata após a morte de seu colega na chapa, e a
20
grande polarização em torno da disputa, mais uma vez, entre PT e PSDB. Tal contexto, e o
jogo de interesses nele presente, pode ser uma chave importante para que se compreendam as
estratégias discursivas que configuraram os ditos.
Nesse sentido, é preciso considerar também o elemento “verdade” que compõe e
integra os discursos dessas publicações – jornais e revistas – da grande imprensa. Como
aponta Mouillaud (2013), a informação deve sempre dar a impressão de que está
reproduzindo a verdade, ou a realidade, para que não corra o risco de se parecer com uma
mentira, ou de não parecer uma informação. Pois os meios, para que se façam ouvir, para que
sejam lidos e considerados como referências, para terem credibilidade, precisam levar ao
leitor/espectador a ideia de que prestam um serviço ao informar e de que a informação é uma
reprodução do fato social, neutra e objetiva. A informação não pode aparecer como ponto de
vista, recorte do fato ou ainda como interpretação – sendo, portanto, fundamentais as
estratégias discursivas empregadas para dar o tom preciso de objetividade à informação.
Para estruturar a análise, foi considerado o arcabouço teórico de autores que abordam
categorias como intencionalidade, argumentação, sentido e enunciado, ideologia, enunciação,
abordagens que compõem o quadro teórico-metodológico, tal como descrito no Capítulo 2.
No Capítulo 3, propõe-se uma abordagem sobre a mídia como um sistema complexo de
informação, e não apenas como aparato técnico de transmissão de conteúdo. O Capítulo 4 traz
uma discussão sobre o uso do conectivo “mas” nas chamadas e manchetes do jornal Folha de
S. Paulo. O agir intencional e os usos do discurso relatado são enfocados a partir de exemplos
da revista Veja e do jornal Estado de Minas, no Capítulo 5. Nas Considerações Finais,
apresentamos os padrões discursivos observados ao longo da análise.
21
2. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Este capítulo apresenta uma descrição das etapas da pesquisa, a metodologia utilizada
para desenvolvimento da análise e uma apresentação dos quadros teóricos que embasam e
deram suporte à formatação e ao desenvolvimento do trabalho. Em relação a alguns autores,
buscamos uma perspectiva teórica mais geral, que não necessariamente se presta a uma
utilização metodológica, mas que, no conjunto do trabalho, define e consolida um caminho a
seguir.
2.1 Metodologia
O primeiro passo para a estruturação e o desenvolvimento da pesquisa foi a definição
de um objetivo geral, consolidado na perspectiva da identificação de estratégias discursivas
utilizadas pelo discurso de informação no processo de produção de sentido. Alguns objetivos
específicos foram derivados dessa ideia geral:
a) identificar as estratégias discursivas presentes no discurso de informação, analisando
como elas foram utilizadas nas manchetes dos veículos para construir um discurso que
potencializou a rejeição a determinada candidatura no processo eleitoral brasileiro, em
2014;
b) apontar se esse discurso é marcado pela intencionalidade;
c) demonstrar que a construção de tais estruturas discursivas revela a representação de
determinados valores e crenças disseminados pelo discurso de informação.
O passo seguinte foi a definição do corpus. Para analisar o processo de construção de
sentido no discurso de informação, consideramos o contexto das Eleições 2014 para a
presidência da República, sendo definida como suporte a imprensa escrita e, nela, três
veículos tradicionais foram escolhidos – os jornais diários Folha de S. Paulo e Estado de
Minas e a revista Veja.
Estabelecemos, como unidades de análise, as manchetes e chamadas de capa das
edições diárias dos jornais e das edições semanais da revista no período definido para a
análise – julho a outubro de 2014. Priorizei tais unidades pelo fato de serem as manchetes os
elementos mais atraentes e visíveis para o leitor, que “vendem” um conteúdo interno. Em
relação ao jornal Folha de S. Paulo, consideramos ainda o período de janeiro a julho de 2014,
22
especificamente com relação às chamadas e manchetes de economia, em que se observa o uso
de uma estrutura específica própria do veículo (conforme descrito no Capítulo 5).
Concomitante à definição do corpus, procuramos estabelecer o quadro teórico-
metodológico para o desenvolvimento da pesquisa, conforme explicitado no Capítulo 3.
A partir dessas definições, sobretudo com relação às unidades de análise, deu-se início
à coleta de dados, obedecendo ao seguinte esquema: (a) Observação das estruturas discursivas
em cada veículo; (b) Mapeamento das menções aos principais candidatos nas capas dos
veículos no período específico; (c) Mapeamento de padrões discursivos que se estabeleciam
nas chamadas e manchetes; (d) Estabelecimento de comparações entre as chamadas e
manchetes dos veículos para observação de padrões de semelhanças/diferenças entre as
estruturas discursivas na abordagem de um mesmo acontecimento.
Após a coleta geral de dados, propus a seleção de diversas unidades de análise,
focando mais detalhadamente em recortes de momentos significativos, no período geral
estabelecido, de acordo com acontecimentos relevantes, como: início da copa do Mundo;
morte de Eduardo Campos, até então candidato à presidência da República; ascensão e queda
da candidata Marina Silva; momentos finais da campanha e o segundo turno. Iniciamos a
análise propriamente dita focando, por um lado, na descrição das estratégias discursivas em
cada veículo e, por outro, na descrição dos padrões que se estabeleceram, com o objetivo de
pontuar qual o significado dessa estrutura observada para a produção de sentido no discurso
de informação.
2.2 O signo ideológico em Bakhtin
O horizonte social que determina a criação ideológica de determinado grupo social em
determinada época, englobando instâncias como ciência, literatura, imprensa, sendo que um
produto ideológico, como ressalta Bakhtin, faz parte de uma realidade social. Mas, ele lembra,
o produto ideológico reflete também outra realidade, posto que “tudo o que é ideológico é um
signo” (BAKHTIN, 2014, p. 31), e sem signos não há ideologia. Fundamental considerar
também que esse signo ideológico não é somente um reflexo ou sombra da realidade – ele é
um fragmento dessa realidade, faz parte dela, tem um lastro material.
Sendo a palavra orientada em função de um interlocutor, ponto que é fundamental para
Bakhtin, ela é então o produto da interação entre o locutor e o ouvinte, servindo como
expressão de um sujeito a outro, seu interlocutor, sendo como uma ponte entre “eu” e “outro”.
23
Nesse contexto, e considerando-se a perspectiva do signo como ideológico, o que significa a
materialização da palavra como signo?
De modo geral, significa considerar que a palavra é também ideológica, ela não é
neutra ou transparente, pois, como signo1, é extraída de um estoque de signos que é social, e a
realização desse signo é determinada pelas relações sociais. Nesse quadro da determinação
social também se insere a enunciação, na perspectiva do autor, uma vez que, para Bakhtin, a
situação social e o meio social determinam completamente a estrutura da enunciação, dão
forma a ela, que é socialmente dirigida.
Ao enfocar o conceito de ideologia cotidiana, Bakhtin traz uma perspectiva muito
relevante para a análise do discurso – considerando-se o discurso de informação em particular
– que se refere à manifestação do ideológico não centrada apenas nos grandes sistemas
constituídos – a arte, o direito, a moral –, mas representada pela atividade mental que é
determinada social e culturalmente. Essa ideologia do cotidiano é constituída pelo domínio da
palavra interior que é dominada pela manifestação exterior, mas não está fixada num sistema.
Segundo Bakhtin, ela é constituída nos encontros cotidianos, no nascedouro dos sistemas de
referência, na proximidade com as condições de produção da vida (onde está presente, como
instância significativa, a imprensa, entre outras). “A ideologia do cotidiano constitui o
domínio da palavra interior e exterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha
cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência” (BAKHTIN,
2014, p. 118).
Essa percepção de uma ideologia do cotidiano é também pertinente porque deixa à
mostra o fato de que se o pensamento é determinado pelo mundo exterior, assim também o é a
palavra proferida pelo sujeito. Os sistemas ideológicos constituídos, portanto, se cristalizam a
partir da ideologia do cotidiano.
Ainda que o referencial teórico de Bakhtin não seja utilizado como um referencial
metodológico para a análise, ele é muito relevante para a abordagem que se faz sobre o
discurso de informação, porque traz para a discussão a concepção de que a palavra proferida,
como signo, não é natural, e sim carregada de significados, sentidos e simbologia. Isso nos
leva a considerar que a palavra tem duas dimensões de significado – uma dimensão do
significado dicionarizado e outra socialmente construída, que agrega valores, crenças,
ideologia. Sendo assim, não deve ser tomada como neutra ou não carregada de sentidos. A
1 A palavra, para Bakhtin (2014), é a materialização da expressão, é o produto da interação entre locutor e
interlocutor, posto que procede de um e se dirige a outro. O signo é socialmente construído e carrega em si
valores e crenças determinados totalmente pelas relações sociais, pelo contexto social e histórico. O signo se
realiza na enunciação.
24
palavra é um signo ideológico que carrega as entoações de diálogos e de valores sociais de
determinadas épocas.
2.3 Ideologia e comunicação na perspectiva de Eliseo Verón
Verón (2005) considera que o contexto contemporâneo é o de uma sociedade
midiatizada, em que a imprensa escrita representa um domínio importante para a análise do
discurso, e aponta que essa imprensa não deve ser tratada apenas como o lugar de
manifestação de uma materialidade textual, e sim como “um dos terrenos onde se desenham,
sob uma forma dominante específica – a da materialidade da escrita – os objetos que são os
seus: os discursos” (p. 240). Nesse contexto, o autor traz a perspectiva de que há
macrofuncionamentos discursivos (cujo lugar de manifestação são as mídias2) que
determinam os microfuncionamentos linguísticos. No nível dos macrofuncionamentos,
percebe-se a influência das condições de produção sobre os discursos, bem como o
enraizamento desses discursos na sociedade e no decorrer do processo histórico. Nesse
contexto, se insere o discurso de informação, que pode ser considerado como o discurso que
tem como objetivo a atualidade, a divulgação de uma informação, que se articula à dimensão
tecnológica dos meios, ao conjunto de regras que definem a profissão de jornalista e também
às modalidades de construção do destinatário genérico, o leitor ou espectador ou ouvinte.
Em relação às estratégias discursivas presentes nesse discurso e fundamentais para a
produção de efeitos de sentido, Verón as conceitualiza como as variações declaradas dentro
de um mesmo tipo de discurso que se devem à concorrência entre os meios. Considero, no
entanto, que tais estratégias não se devem somente à concorrência, mas também – e talvez
fundamentalmente – em decorrência de determinado contexto social, histórico ou político, a
um posicionamento ideológico dos meios em relação a determinados cenários e à
intencionalidade na produção de determinados efeitos de sentido.
Segundo o autor, ao se analisarem textos da imprensa escrita, importa considerar o
acontecimento real subjacente, ou seja, aquele a respeito do qual se observa a manifestação
por meio do discurso. E tal acontecimento é o tema de que tratam os discursos – ou o discurso
de informação da imprensa. Nesse percurso de análise dos textos, a ideologia terá um papel
relevante, sendo o ideológico considerado aqui na perspectiva de “relação entre o textual e o
2 O termo mídia é considerado aqui como um sistema complexo, que reúne um suporte e um conjunto de
práticas discursivas, e não apenas um meio tecnológico. Essa conceituação será abordada detalhadamente no
Capítulo 3.
25
extratextual, relação que surge sob a forma de hipóteses, ligando certos aspectos dos textos às
condições de produção dos mesmos” (VERÓN, 2005, p. 95). Assim, essa relação vai indicar
caminhos para a compreensão ou entendimento de determinado texto na grande imprensa,
considerando-se, num primeiro movimento para a análise, que os acontecimentos sociais, os
fatos, estão inseridos nos meios de comunicação da grande imprensa, de modo regular e em
períodos temporais definidos – se há um fato relevante sob determinado aspecto (econômico,
político, social), haverá referências a ele em praticamente todos os veículos de maior
expressão, com conotações às vezes diversas.
Num segundo momento, é preciso levar em conta de modo atento que o efeito – ou
efeitos – de sentido de cada texto dependerá em grande medida da forma de organização do
suporte – distribuição de seções, modo das chamadas, uso maior ou menor de imagens – e dos
gêneros. O leitor, por exemplo, ao se deparar com um editorial, fica claro para ele que se trata
de um texto, pelo gênero, que traz um posicionamento marcado do veículo, sua opinião
expressa. E nesse aspecto é que reside um dos problemas do discurso de informação: opinião
e pontos de vista acerca de determinando acontecimento estão presentes também em outros
gêneros desse discurso, como reportagens e manchetes, mas seguem escamoteados pelas
estratégias discursivas utilizadas. Ou seja, o leitor não identifica claramente tais estratégias,
muitas vezes muito sutis, nem percebe os modos de dizer naquele discurso.
Ao analisar as publicações dos meios de comunicação de massa, especificamente as
revistas semanais, Verón enfatiza que é absolutamente relevante considerar as condições de
produção dos meios, que têm grande complexidade. Há um conjunto de procedimentos
técnicos que garante a fabricação do produto revista e que está inserido num modelo
estruturado, que orienta o processo de produção e produz “o primeiro agenciamento do
material para o leitor e, sem dúvida, contribui de modo significativo para o efeito de sentido
de cada texto” (VERÓN, 2005, p. 95).
Nesse processo, o autor também aponta como relevante o que ele denomina de
consumo diferencial das revistas, que é marcado por “fronteiras de classe”, é estável e
constitui universos de leitura. Compreender esses universos é particularmente relevante
porque nos permite perceber qual o perfil de leitor que consome aquele determinado veículo
e, portanto, é um indicativo do próprio perfil da publicação, que vai se dirigir a um leitor
padrão. E tal conformação também mostra que a percepção (do leitor) está focalizada no
universo de leitura de uma classe determinada.
Tais aspectos apontados por Verón formam um conjunto relativo à conceitualização
das condições de produção dos textos considerando-se a grande imprensa, que é um fator
26
capitular para uma abordagem do ideológico no discurso, a saber: “Isso significa – mais uma
vez – que o ideológico no discurso não consiste em propriedades imanentes aos textos e sim
em um sistema de relações entre o texto, de um lado, e sua produção, circulação e consumo,
de outro” (VERÓN, 2005, p. 101).
Há, portanto, um sistema complexo de relações – que envolve o processo de produção
– que passa pelo texto e o formata, o molda, dando a ele um viés ideológico. O texto não é,
portanto, apenas uma materialidade ali expressa numa publicação, ele é o lugar, o espaço em
que esse sistema complexo de relações vai se constituir como uma produção discursiva de
sentido. As condições de produção deixam um rastro no discurso, e é assim que devem ser
compreendidas como relevantes em relação a um determinado discurso.
Ao abordar o enquadramento do acontecimento como feito pelo discurso de
informação nas revistas semanais, Verón aponta duas dimensões fundamentais para o que ele
nomeia como “título” da publicação e que aqui consideraremos como as manchetes e/ou
chamadas. As dimensões são a metalinguística, pois se trata sempre do título de um discurso
que o segue, que nomeia e qualifica tal discurso; e a dimensão referencial, pois o título, como
o discurso que o segue, também está falando sobre algo, um acontecimento, e o que interessa
perceber é a relação que se estabelece entre o título e o acontecimento a que ele faz referência,
o que será relevante para percebermos o destaque do enquadramento em cada situação.
Considerando-se o cenário de produção do discurso de informação, que é determinante
para que se compreendam as suas propriedades e estratégias, Verón aponta três níveis:
a) produção do leitorado: é o primeiro nível do processo, em que as condições de
produção dizem respeito ao conjunto de características que possibilitam definir um
conjunto de leitores que é visado pelo veículo. Essa produção de um leitorado se
estabelece a partir das representações que fazem os atores implicados no processo de
produção do produto em questão, o jornal ou revista, em relação aos atores tidos como
alvo, os leitores;
b) posicionamento do título em virtude dos títulos concorrentes: segundo Verón, a
formação do leitorado pressupõe que se constitua um vínculo com o receptor já na
estruturação do título, o que se configura num contrato de leitura (que é da ordem da
estratégia, segundo o autor);
c) valorização do leitorado: o que ocorre por uma representação particular do discurso
do título. Essa valorização tem o objetivo, para os meios, de vender esse leitorado
como um importante coletivo de consumidores potenciais junto aos anunciantes.
27
Ainda que muito relevantes para compreender em que níveis se estrutura o discurso de
informação, as etapas apresentadas pelo autor precisam ser observadas com cuidado,
consideradas como modelos hipotéticos. Sobretudo em relação ao primeiro passo, a produção
do leitorado, uma vez que a produção não controla totalmente a recepção, mesmo que haja a
construção de um leitor ideal e o jornal ou revista se paute por essa perspectiva, a instância da
recepção nunca será totalmente previsível.
2.4 A argumentação na perspectiva de Ruth Amossy
Segundo Amossy (2011), não se pode negligenciar a dimensão argumentativa do
discurso, pois, ainda que uma fala não tencione convencer um público, há a perspectiva de um
locutor que busca influenciar um alocutário ou uma audiência, perspectiva essa que
identificamos como presente no discurso midiático, mais especificamente, como tratamos
aqui, do discurso de informação. Como aponta a autora, é relevante considerar a concepção de
argumentação como uma tentativa de modificar ou reorientar, pela linguagem, uma certa
visão por parte do alocutário. E essa dimensão, de uma reorientação da visão do alocutário, a
partir dos recursos da linguagem, para determinados modos de ver, é que nos interessa
particularmente na abordagem do discurso de informação.
Proponho, a seguir, um quadro argumentativo, na perspectiva da autora, que
possibilita perceber diversos aspectos da análise argumentativa e da abordagem da
argumentação no discurso para facilitar a compreensão de como ela se insere no interior do
discurso de informação. No decorrer da análise, com os exemplos apresentados de estruturas
argumentativas nas manchetes e chamadas, esses aspectos, formulados pela autora, ficarão
mais claros.
28
Quadro 1 – Argumentação – Ruth Amossy
Dimensão institucional e
social
–
Argumentação
se inscreve no
interdiscurso
Dimensão
argumentativa
do discurso
Discurso
argumentativo
se insere numa
situação de
comunicação
Heterogeneidade
constitutiva é um
dos fundamentos
da fala
argumentativa
Saímos do domínio do
universal atemporal (a lógica)
para o domínio do social, com
as variações históricas
–
Ela não está
inscrita somente
na
materialidade
discursiva (com
escolha de
verbos,
expressões,
conectores),
mas também o
modo como
assimila a voz
do outro
(discurso
relatado,
discurso direto)
Nesse caso, a
persuasão é
indireta e não
admitida.
Segundo
Amossy, ela
aparece na
verbalização
que produz um
discurso, cujo
objetivo é
outro (a
informação)
Ele não está
inserido num
espaço de lógica
pura, mas numa
situação real de
comunicação em
que o locutor
apresenta seu
ponto de vista na
língua natural
Há uma reação à
palavra do outro,
seja para retomá-
la, para refutá-la
ou ainda para
modificá-la. Por
isso, diz a autora,
é relevante
conhecer a
essência do que é
dito ou escrito em
determinada
sociedade sobre o
tema em questão
O ponto de
vista do
locutor
situa-se em
um “já
dito”
preexistente
Ethos
(construção
da
identidade de
si) e Pathos
(construção
da emoção
no discurso)
Os argumentos
são estudados
na
materialidade
do discurso
A
argumentação
está situada
numa situação
de enunciação
precisa
Abordagem
essencialmente
discursiva
Dimensão
linguageira e
argumentativa
Necessário,
então,
observar a
organização
textual e o
modo como
o locutor
escolheu
para dispor
os elementos
do seu
discurso
A estratégia
de persuasão
mobiliza
meios
discursivos
que põem em
destaque tanto
o logos,
quanto o
ethos e o
pathos
Não apenas,
mas nesse
sentido são
considerados
como elementos
integrantes de
um
funcionamento
discursivo
global
Nesse caso,
importa
conhecer
todos os
elementos que
a compõem,
como
participantes,
espaço, tempo,
lugar,
circunstâncias
Essa abordagem
se distingue da
“argumentação
na língua”, numa
abordagem
pragmática-
semântica, como
presente nos
trabalhos de
Ducrot e
Anscombre
Segundo a autora,
um texto –
qualquer que seja,
documentos,
ensaios, notícias –
não pode ser
apreendido
devidamente se
não se levar em
conta essa
dimensão
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de AMOSSY, 2011.
2.5 A intencionalidade na perspectiva de Searle
De acordo com Searle, a intencionalidade é direcionalidade, é “aquela propriedade de
muitos estados e eventos mentais pela qual estes são dirigidos para, ou acerca de, objetos e
estados de coisas no mundo” (2002, p. 1). Para o autor, somente alguns estados mentais têm
intencionalidade, como crenças, desejos, temores, que devem sempre se referir a alguma coisa
29
– se um estado é intencional, ele deve responder a determinadas questões: você crê em quê?
Teme o quê? Deseja o quê? E um estado intencional somente determina suas condições de
satisfação (somente é o estado que é) dada a posição numa rede de significação, pois os
estados intencionais não são individuados, e as condições de satisfação não são determinadas
independentemente dos outros estados da rede.
Em relação às direções de ajuste, em fenômenos como a cognição (tendo, como um
exemplo, o ato de informar), há uma relação de ajuste mente-mundo, em que a minha
atividade perceptiva se ajusta ao objeto discursivo no âmbito do real-mundo.
A partir dessas considerações preliminares sobre intencionalidade, vamos abordar o
aspecto da intenção no âmbito dessa teoria. Para Searle, a intenção é um aspecto da
intencionalidade, tal como a crença e o desejo, sendo orientada para um querer, para um
pretender fazer algo. Partindo dessa concepção em relação a esse viés da intencionalidade, há
duas questões que buscamos elucidar a partir da análise proposta: 1) Podemos considerar que,
com as chamadas de capa de uma revista, existe a intenção de fazer algo (informar, que se
pode traduzir por uma direcionalidade na produção de sentido ou por pretender incutir uma
crença ou um desejo) por parte do falante/jornal?; 2) Podemos inferir um querer do falante a
partir da chamada de uma revista?
Consideramos que, no processo que envolve a produção de uma informação que chega
à capa de uma revista ou de um jornal, temos uma forma de intencionalidade, expressa pelo
querer, ou, mais especificamente, expressa pelo desejo de incutir algo – um temor (de
descontrole da inflação, de crise) ou uma crença (de que a corrupção se vincula a determinado
grupo político). Para avançar nessa discussão, alguns exemplos retirados das manchetes
analisadas podem ser pertinentes.
Levando-se em conta que a intenção é realizada se, e somente se, o mundo se torna
aquilo representado pela intenção, podemos considerar que o mundo representado se ajusta ao
que projeta o desejo do jornal e da revista3 em relação aos fatos narrados. A direção de
causalidade é mente-mundo, pois é a mente que produz o efeito de “fazer ver” o governo
como corrupto ou ligado a escândalos ou ainda incompetente para lidar com a inflação. O
falante – locutor/jornal – cria uma forma de intencionalidade por impor condições de
satisfação sobre algo que ele produziu, e um exemplo pode ser a utilização de elementos
simbólicos que criam uma percepção em relação ao objeto.
3 Quando aqui fazemos referência ao querer da revista e/ou do jornal, queremos salientar que se trata de
considerar a perspectiva da linha editorial que cada publicação adota e que orienta as pautas, a produção de
reportagens, o viés nas abordagens e o tom das matérias, diferentemente de um querer individual desse ou
daquele jornalista ou editor.
30
Outro aspecto a se considerar na abordagem da intencionalidade diz respeito ao fato de
que o sentido do falante é diferente do sentido do enunciado, sendo que há uma orientação
pragmática, e o EU falante anuncia algo para reportar um estado de coisas.
2.6 Processo enunciativo
Neste subcapítulo, trago a abordagem sobre enunciação como proposta pelos autores,
com elementos que foram importantes ao longo da análise.
2.6.1 Bakhtin
A expressão – ou enunciação – é, para Bakhtin (2014), o elemento que organiza a
atividade mental, sendo que qualquer aspecto dela será determinado por condições reais da
enunciação, pela situação social mais imediata. A palavra, lembra o autor, está em função do
interlocutor, ela procede de um sujeito e se dirige a outro, no quadro do meio social como
prisma que molda o modo de ver as coisas do mundo dos sujeitos autônomos. E a organização
de toda e qualquer enunciação está no exterior, no meio social – o mesmo que envolve o
indivíduo – portanto, ela é organizada fora desse indivíduo pelas condições externas do meio.
A enunciação tem, assim, uma natureza social e não pode ser considerada como mera
expressão do mundo interior do indivíduo, posto que somente se realiza no curso da
comunicação verbal, sendo as dimensões e forma determinadas pela situação. É a estrutura do
contexto social que determina a estrutura da enunciação – locutores, ouvintes, as formas de
expressão de determinados temas (como o exemplo dado pelo autor, a fome).
Bakhtin também nos leva a considerar que a língua não pode ser tomada apenas do
ponto de vista de um encadeamento de formas linguísticas com significado – é preciso
compreender que seu substrato é o fenômeno social da interação verbal, que se realiza pela
enunciação. Como sistema estável de formas, ela é uma abstração, observa o autor, e tal
abstração não dá conta da realidade concreta da língua. Bakhtin também nos leva a perceber
que o ideológico é uma instância que está presente, que compõe a vida social, não é um
elemento distante, que se identifica como pertencente apenas a alguns grupos. O ideológico
está imbricado na vida social, em suas várias e diversas manifestações, sendo a imprensa um
sistema ideológico instituído, como destaca o autor.
31
2.6.2 Verón
Como explicita Verón (2005), a enunciação é da ordem dos modos de dizer, das
modalidades do dizer de um locutor, sendo que os elementos relativos a esse processo se
encontram ligados a uma situação de enunciação. Em relação à imprensa escrita, há que se
considerar que não existe propriamente uma situação de enunciação em que se encontrem o
locutor e o alocutário4, o que não impossibilita de se considerar a oposição
enunciado/enunciação no âmbito do discurso de informação – o que é essencial para se
compreender o que é dito e as modalidades desse dizer, ou seja, como se dá o processo de
produção de sentido nesse discurso. Verón aponta um dispositivo de enunciação, que
comporta a distinção entre o dito e as modalidades do dizer em um discurso, e se estrutura
como segue:
a) imagem de quem fala: é o enunciador, sendo que a imagem refere-se ao lugar que
aquele que fala atribui a si. Creio que se pode apreender, dessa colocação de Verón,
que se trata na verdade do papel a que se atribui o enunciador, que comporta uma
imagem construída. No caso aqui considerado, da imprensa escrita, esse enunciador é
o jornal – ou o jornalista genérico – a quem cabe o papel de informar objetivamente;
b) imagem daquele a quem a mensagem se destina: é o destinatário do discurso. Na
imprensa escrita, é o leitor, que pode ser considerado genericamente, mas que pode
também comportar especificidades, de acordo com o veículo. Note-se que o produtor
do discurso, como lembra Verón, constrói seu lugar, seu papel, e também o lugar do
destinatário;
c) relação entre enunciador e destinatário: proposta no e pelo discurso, ou seja, não
existe essa relação a priori, ela é dada no processo discursivo.
Como ressalta Verón, “deve-se também distinguir bem, no início, o emissor “real” do
enunciador; depois, o receptor “real” do destinatário. Enunciador e destinatário são entidades
discursivas” (VERÓN, 2005, p. 218). Essa distinção que o autor coloca é muito relevante para
termos a compreensão de que um mesmo emissor pode construir enunciadores diferentes, a
depender do alvo do discurso, ou da situação contextual ou ainda do resultado pretendido, da
mesma forma que também poderá construir seu destinatário ideal. E o contrato de leitura, que
4 Essa questão, relacionada ao discurso de informação, será mais amplamente discutida no Capítulo 3.
32
engloba o dispositivo de enunciação na imprensa escrita, com as modalidades do dizer, será o
responsável pelo vínculo que se estabelece entre o suporte e o leitor. Essa perspectiva parece
relevante para a análise aqui proposta porque se pode considerar que há um vínculo
relativamente forte entre determinados perfis de leitores e os veículos Veja, Estado de Minas e
Folha de S. Paulo, como destacaremos adiante no quadro enunciativo. E, aqui, um elemento
mencionado e que se configura como muito relevante nesse processo é a crença, pois o leitor é
fiel às mídias, ou aos veículos, nas quais ele acredita, em que ele deposita sua crença.
Importante também é estar atento à consideração, feita pelo autor, de que um efeito de
sentido não é algo automático, dado instantaneamente pelas propriedades linguísticas da
mensagem, numa relação linear de causa e efeito. O efeito de sentido existe e é resultado de
um processo de construção, que encontra suporte na linguagem, não sendo um processo
natural.
2.6.3 Charaudeau
Segundo Charaudeau (2014), o ato de linguagem não deve apenas ser considerado
como um ato de comunicação, que é somente o resultado da intenção do emissor, ou como
fruto de um processo simétrico entre emissor e receptor. O ato de linguagem vai resultar de
um jogo entre implícito e explícito e “(i) vai nascer de circunstâncias de discurso específicas,
(ii) vai se realizar no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; (iii)
será encenado por duas entidades, desdobradas em sujeito de fala e sujeito agente”
(CHARAUDEAU, 2014, p. 52)
Assim, esquematicamente, pode-se representar o ato de linguagem como sugerido pelo
autor:
33
Quadro 2 – Situação de comunicação
Fonte: CHARAUDEAU, 2014, p. 52.
Há, como o autor indica, duas instâncias de produção do saber: o espaço interno, que é
o circuito de fala configurada, onde estão os seres de fala, instituídos como sujeito enunciador
(EUe) e sujeito destinatário (EUd), que resultam do saber ligado às representações de
linguagem das práticas sociais; e o espaço externo, local da fala configurada, onde estão os
seres agentes, instituídos como sujeito comunicante (EUc) e sujeito interpretante (TUi), que
se configuram a partir de um saber que está ligado a certa organização de real que determina
esses sujeitos. O esquema de Charaudeau possibilita a descrição de estratégias discursivas
simples – como mentira, provocação, segredo ou demagogia – e também as mais complexas,
como presentes no discurso de informação na estrutura de manchetes e chamadas dos
veículos.
A partir do proposto por Charaudeau, descrito esquematicamente no quadro acima,
podemos estabelecer, em relação às unidades de análise no período proposto:
a) situação de comunicação: o jornal ou revista se dirige a um público-leitor específico
em determinado contexto (período eleitoral). Não há uma troca propriamente dita – o
locutor transmite algo (uma informação) ao interlocutor, que não tem a possibilidade
de um feedback imediato;
b) finalidade: informar;
c) projeto de fala: direcionar o leitor a determinados caminhos de interpretação em
relação a um tema específico – eleição;
34
d) espaço interno: realização discursiva das chamadas jornalísticas de cada suporte em
circunstâncias enunciativas próprias;
e) espaço externo: contexto social de campanha eleitoral, demarcando posições
ideológicas dos suportes midiáticos a partir de projetos e interesses políticos, de
posicionamentos de classe etc;
f) EUc: é o locutor, jornal, que carrega em si um sistema de valores dado pela máquina
midiática. Ele se dirige a um receptor, um sujeito interpretante, um ser social (TUi);
g) TUi: o leitor, considerado de modo geral – leitor de jornal ou de revista, cidadão
crítico, que acompanha os fatos transmitidos pela imprensa;
h) EUe: podem ser jornalistas, redatores em geral que expressam a voz da empresa
jornalística e põe em cena o material discursivo. Ele se dirige a um destinatário, um
ser de fala (TUd);
i) TUd: é um leitor de certa forma idealizado, que pode compartilhar o sistema de
valores do locutor original.
Na análise proposta sobre as chamadas de capa dos veículos da grande imprensa, e a
partir dessa estrutura esquematizada, observamos que é fundamental, como adverte
Charaudeau, perceber, a partir das estratégias discursivas, quem o texto faz falar, ou melhor,
que vozes o texto coloca em evidência e que direcionamentos dá ao leitor para a interpretação.
Assim, temos um esquema de processo enunciativo, como mostrado no Quadro 2, com as
descrições subsequentes:
35
Quadro 3 – Processos enunciativos nos jornais
Processo enunciativo
Folha de São Paulo Estado de Minas Revista Veja
EUc – a entidade jornal
(sujeito enunciador original –
constrói a imagem de um
veículo plural, que traz
diversas vozes para se
manifestarem, democrático,
neutro e objetivo, que
privilegia uma linguagem
apurada, para se aproximar
de um leitor mais
intelectualizado)
TUi – a instância de
recepção, formada pelo leitor
real, que não é totalmente
controlada pela instância de
produção
Contexto/situação de
enunciação: eleições 2014
para escolha do presidente da
República
EUe – jornalistas, editores ou
outras vozes trazidas pelo
jornal (um locutor original,
no caso do discurso
relatado).
TUd: leitor (se identifica
com a imagem proposta pela
publicação)
EUc: jornal (sujeito
enunciador original –
constrói a imagem de
“grande jornal dos mineiros”,
o grande veículo de
comunicação do estado,
responsável por também
transmitir e ressaltar os
valores de Minas Gerais)
TUi – a instância de
recepção, formada pelo leitor
real, que não é totalmente
controlada pela instância de
produção
Contexto/situação de
enunciação: eleições 2014
para escolha do presidente da
República
EUe – jornalistas, editores ou
outras vozes trazidas pelo
jornal (um locutor original,
no caso do discurso relatado)
TUd: leitor (que compartilha
da imagem criada pelo jornal
e tem nele uma grande
referência de informação)
EUc – revista (sujeito
enunciador original – como
veículo da grande imprensa,
busca reforçar a imagem de
neutralidade e objetividade,
mas que tende também ao
emotivo nas construções de
chamadas, no que se
diferencia, sobretudo, da
Folha de S. Paulo)
TUi – a instância de
recepção, formada pelo leitor
real, que não é totalmente
controlada pela instância de
produção
Contexto/situação de
enunciação: eleições 2014
para escolha do presidente da
República
EUe – jornalistas, editores
(ou outras vozes trazidas pela
revista - um locutor original,
no caso do discurso relatado
– o que se observa com
menos frequência na
publicação)
TUd – leitor (que se
identifica com a proposta da
publicação)
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de CHARAUDEAU, 2014.
2.6.3.1 Jornal Folha de S. Paulo
No jornal Folha de S. Paulo, é comum a estratégia de utilização da terceira pessoa
marcada nas chamadas e manchetes, indicando um sujeito genérico, como em “Mercado teme
alta do dólar” ou “Especialistas afirmam que...”, sobretudo em relação a temas econômicos e
políticos, em que a voz do locutor original – jornal – dá espaço a vozes que podem trazer um
peso maior de verdade à informação, como as entidades “mercado” e “especialistas”.
Vejamos um exemplo que ilustra essa tendência:
36
Figura 1 – Manchete Folha de S. Paulo:
“Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o final de 2018”
Fonte: Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o final de 2018. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.177, 12 ago. 2014.
Observa-se também uma dissimulação do enunciador, sem a marcação de um sujeito
que diz, ou que se identifica, e também a utilização de um segundo locutor, na estrutura de
discurso relatado, como em “Dilma diz que falta experiência para Marina”.
A marcação espaço-temporal traz verbos predominantemente no presente, que dão um
peso ao acontecimento que está sendo relatado – é como se aquele fato não tivesse esgotado
num tempo anterior. Com relação a modos de trazer ao conhecimento esse acontecimento, na
quase totalidade das manchetes e chamadas observadas, são feitas asserções (afirmativas ou
negativas) com a predominância da estrutura sujeito + verbo + predicado, prioritariamente na
ordem direta (tendo exceções significativas, como abordaremos em capítulos posteriores).
Em relação ao destinatário, o público leitor que o jornal de certa forma constrói, há
que se observar, diferentemente de outros veículos, que a Folha de S. Paulo traz uma
linguagem mais apurada, rebuscada do ponto de vista de estruturas linguísticas, numa
manobra enunciativa, como aponta Verón (2005), que atribui um saber ao destinatário,
dotando-o de certo conhecimento, certo perfil refinado em relação aos demais, sendo mais
informado, mais culto, capaz de perceber como refinadas as estratégias discursivas do jornal.
Esse alocutário (TUd ou TUi, na dimensão de Charaudeau) a quem o jornal se dirige é
formado por um público-leitor que se identifica, predominantemente, com leitores de classe
média, classe média alta, com nível elevado de escolaridade e que também compactua com a
imagem do veículo de um jornal plural, não acessível ao público em geral, mas a um público
específico.
37
Nas manchetes e chamadas de capa exibidas, percebe-se que há um privilégio das
modalidades do dizer em relação ao dito. O jogo de linguagem, que demanda uma linguagem
bem estruturada do ponto de vista linguístico, como aparece no jornal, além de construir uma
cumplicidade com esse perfil de leitor, serve também, pela opacidade do discurso, a uma
estratégia de direcionar a certas interpretações, como em “Marina venceria Dilma no segundo
turno, mostra Ibope”, em que há o uso do verbo “vencer” no futuro do pretérito, como ilustra
a figura abaixo:
Figura 2 – Manchete Folha de S. Paulo:
“Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra Ibope”
Fonte: Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra Ibope. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.192,
27 ago. 2014.
O complemento que falta à informação, propositalmente ou não, é especificar que
“Marina venceria” se e somente se houvesse segundo turno nas eleições, pois, no momento
daquela manchete, tal possibilidade não estava confirmada. Em nome da pretensa objetividade
jornalística nas manchetes, o uso de outra estrutura poderia ser mais adequada, caso se
priorizasse a divulgação de um fato concreto ocorrido, comprovado, a ser destacado, e não
somente a especulação de uma possibilidade. Caso o leitor fosse além da manchete, ele
perceberia que o fato concreto, naquele momento, era que Dilma estava à frente de Marina na
pesquisa realizada.
Os enunciados se constroem geralmente com o uso de estrutura representada por
sintagma nominal + sintagma verbal + proposição. Não se observa, como padrão, a ausência
38
de verbo. Há forte recorrência à figura de um locutor, que não é o sujeito enunciador, num
movimento de apagamento do locutor original que traz outras vozes ao enunciado. Em que se
nota, particularmente, o uso da categoria “especialistas” (sempre com uso no plural), que
merece atenção por ser um recurso bastante utilizado. Ela aparece sempre na afirmação ou
negação em relação a temas polêmicos (como política e economia, sobretudo no viés
desemprego, crescimento econômico, política econômica). O uso dessa categoria, que é
demarcada por uma adjetivação (especialista é aquele que detém conhecimentos ou
capacidades especiais), mas não é identificada por um sujeito nominado, parece referendar,
dar sustentação a um dizer que o jornal quer colocar em evidência, mas que, pela imagem de
neutralidade que deve preservar, precisa trazer uma voz de autoridade. Outro recurso bastante
utilizado pela Folha na construção argumentativa é o uso do conectivo “mas”, em que se
observa um uso sistemático quando se trata de matérias de caráter econômico, de política
econômica do governo, tema que abordaremos no Capítulo 4.
2.6.3.2 Jornal Estado de Minas
As chamadas e manchetes do jornal Estado de Minas utilizam com frequência o
apagamento enunciativo, sem um locutor que explicite a enunciação. Há nas manchetes e
chamadas uma grande utilização do discurso relatado marcado pela menção ao sujeito que
fala (“Aécio: querem fraudar a eleição em Minas”) ou por discurso marcado por aspas. Há
ainda, marcadamente, a apropriação de termos genéricos que se referem a coletivos ou
grupos, como “Brasil” ou “Brasileiros”, “Minas Gerais” ou “Mineiros”, que aparecem como
sujeitos de sintagmas verbais que expressam desejo, vontade, ação de um sujeito genérico –
como no exemplo “Dividido, Brasil vai às urnas”.
Há frequentemente o uso de modalizações apreciativas e verbos que qualificam a ação
de um agente, dando peso à asserção, como em “Em debate duro, Aécio desconcerta Dilma”,
quando se qualifica o evento, ou acontecimento, mostrado – o debate – que ganha o adjetivo
duro, dando a entender que foi um processo de fortes embates, difícil, em que há um
vencedor. O sujeito agente da ação é Aécio, cujo verbo que define a ação denota um tom
jocoso, numa encenação de um acontecimento (o debate). O jornal recorre também, com
bastante frequência, a estruturas linguísticas, reiteradamente no caso das manchetes, em que
se opera a supressão do verbo, como em “Um país em RECESSÃO”. Essa supressão marca
linguisticamente uma não referência à dimensão temporal, que seria marcada pelo verbo,
dando força ao substantivo que, na edição, aparece em letras maiúsculas e corpo maior em
39
relação aos demais termos da construção. Além disso, a supressão da marcação temporal pode
deixar para o leitor a impressão de um acontecimento que não se finda, não tem um término.
No jornal, as manchetes não obedecem a um padrão de composição – podem trazer a
estrutura completa (sintagma nominal + sintagma verbal) ou simplesmente apresentar um
substantivo sozinho ou uma expressão sem verbo, acompanhada de um sinal de exclamação
ou interrogação, o que contribui para provocar emoções no leitor ou interpelá-lo, como na
chamada abaixo, sobre eleição.
Figura 3 – Manchete jornal Estado de Minas:
“O voto mais cobiçado?”
Fonte: O voto mais cobiçado?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.506, 5 set. 2014.
Comparativamente, a Folha de S. Paulo não utiliza (em chamadas de capa) essa
estrutura. Observa-se ainda forte utilização de outras vozes, na forma do discurso relatado. As
manchetes do período que traziam falas do candidato Aécio Neves foram todas em forma do
discurso direto, com utilização de aspas. Muitas manchetes foram estruturadas somente com
as aspas do candidato.
40
O jornal utiliza com frequência versal para as chamadas, o que já antecipa para o leitor
o tema principal que está sendo abordado. Quando o tema da manchete é economia, a forma
de interpelar o leitor busca sempre ressaltar um tom apelativo, com adjetivações, pejorativo,
com uso de fontes em tamanho bem exagerado nas chamadas/títulos que enunciam o “caos” e
problemas “graves”. Nesses casos, quase não é utilizada a figura do sujeito enunciador no
título, como outros veículos utilizam, mas a forma impessoal prevalece. Não há um sujeito
explícito – economista, governo, Institutos – que afirma que a economia está estagnada, isso é
dado como fato pela manchete.
Há marcações nas falas e na estruturação das manchetes com termos, expressões e
verbos que mostram assertividade (Aécio) ou incapacidade, fragilidade (Dilma) e indecisão
(Marina). A interpelação ao leitor é também elemento relevante, pois as manchetes são
trabalhadas sempre na perspectiva de proximidade, ressaltando certo tom emotivo.
Em relação às chamadas que se referem a Aécio Neves, uma observação importante
refere-se aos verbos utilizados. São sempre verbos assertivos, que denotam ação, firmeza,
decisão: “critica”, “questiona”, “compromete”, “cobra”, “destaca”, “denuncia”. Há também
um conjunto de valores positivos que se associam a seu nome: “ideais”, “sonhos”, “ética”,
“compromisso”, “tradição”. Um aspecto interessante é que o jornal não se dedica muito aos
partidos – nem para elogios, nem para críticas. Há pouquíssimas menções, ao contrário de
outros veículos. A abordagem é muito mais personalista, focada na figura do candidato.
Nas capas, pode-se observar, por exemplo, que há sempre menção a algum assunto
negativo de economia, em chamadas sempre próximas da chamada para as eleições.
2.6.3.3 Revista Veja
A Veja difere dos demais veículos aqui considerados pelas características próprias do
suporte, uma revista semanal que, portanto, não traz o acontecimento imediato em que, como
já pontuou Verón (2005), o referente é menos a notícia em si, como ocorre com os jornais,
mas um conjunto discursivo em que a dimensão simbólica tem uma relevância acentuada,
sendo que a atividade verbal está fortemente ancorada em atividades não verbais
(imagens/fotomontagens/fotos/ilustrações). A manchete busca quase sempre a qualificação do
acontecimento, com o texto que a acompanha (o bigode) na capa, trazendo um enquadramento
do discurso que é o enquadramento do próprio acontecimento e que, dessa forma, direciona o
leitor para determinado enfoque.
41
Na Veja, encontramos, em manifestações frequentes, a ocorrência de manchetes e
chamadas pouco usuais ou convencionais – há orações sem verbo, orações muito curtas,
seguidas de enumeração de fatos, frases incompletas e certa indeterminação em muitas
manchetes, com uma perspectiva do acontecimento que não traz uma informação clara, e os
títulos (manchetes que se destacam no conjunto da chamada principal) trazem muitas vezes
denominações, destacando uma “classe” de sujeitos, quase sempre numa conotação negativa
(como “corruptos”, “delator”, “petistas”), sendo que a ligação entre o título e o acontecimento
em si (a que teoricamente ele faz referência) não está posto na estrutura da chamada, ele é
dado pelo contexto, por inferências que o leitor deverá fazer.
Vejamos os dois exemplos a seguir:
Figura 4 – Manchete revista Veja:
“Como Dilma e Aécio tentam parar Marina”
Fonte: Como Dilma e Aécio tentam parar Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.389, n. 36, 3 set. 2014.
42
Figura 5 – Manchete revista Veja:
“O delator fala”
Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.
Na Figura 4, temos uma manchete pouco usual do ponto de vista de transmitir uma
informação, e a imagem, com grande destaque, mostra, de maneira humorada, os dois
candidatos – Aécio e Dilma – numa tentativa de “segurar” ou “parar” a outra candidata,
Marina, literalmente segurando-a por uma corda. O leitor terá de fazer inferências, recorrendo
ao contexto, mesmo que a imagem revele uma cena, para que interprete o que significa
“parar” no processo de uma eleição, ou seja, fica a cargo do leitor a contextualização para
buscar o sentido.
Na Figura 5, há uma composição da imagem para qualificar (negativamente) um
sujeito, o “delator”, uma classe específica, e o título em si não traz uma perspectiva contextual
do acontecimento em si. Isso é dado muito mais pelo versal que está acima do título.
Há ainda uma forte tendência a manchetes e chamadas com uma interpelação aos
leitores, por meio de questionamentos diretos. Essa é uma característica importante para o
processo enunciativo porque a revista, no contrato que estabelece com o leitor, está sempre
buscando interpelá-lo, inquietá-lo, trazê-lo para “perto” daquela proposta de enquadramento
do acontecimento que está sendo feita.
E a busca do enquadramento revela muitas vezes um ponto de vista do locutor
(revista), que enumera e destaca aspectos que julga serem relevantes, como em:
43
Figura 6 – Manchete revista Veja:
“As armas para a decisão”
Fonte: As armas para a decisão. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.392, n. 39, 24 set. 2014.
Pode-se observar, pela composição da capa, que o locutor é quem define e revela ao
leitor quais são as “armas” dos candidatos. Tal perspectiva – dada aqui como fato ou realidade
– não é corroborada por nenhum outro locutor; quem diz que a “arma” de Aécio é a
racionalidade, a de Marina, a emoção, e a de Dilma, o poder, é a revista. E os discursos
trazidos de cada um reforçam, em sua estrutura, essa ligação explicitada.
Nos três veículos, a despeito de estratégias e jogos de linguagem distintos, percebe-se
que há uma clara intenção de buscar a proximidade com o leitor, seja pela linguagem
rebuscada, pela tom de alarmismo das manchetes ou pela interpelação desse leitor, o que se
torna um ponto relevante para a direcionalidade na produção de sentido, posto que se
estabelece e se fortalece o vínculo do suporte com o destinatário, criando-se um elemento de
reconhecimento do leitor em relação ao veículo.
2.7 Sentido e enunciado
Ao pontuar a abordagem da pragmática linguística, Ducrot (1983) faz uma série de
questionamentos ao pressuposto da unicidade do sujeito, que considera a ideia de que cada
enunciado tem apenas um autor, e aponta assim a perspectiva da existência de múltiplas vozes
que falam em um texto. Neste capítulo, retomarei alguns dos pressupostos que ele discute e
44
que se tornam relevantes para a análise, sem a pretensão de um aprofundamento na
pragmática semântica.
Segundo Ducrot, um grande problema que se coloca, e que é propriamente linguístico,
é saber “o que se considera que a fala, segundo o próprio enunciado, faz” (1983, p. 163),
sendo importante a consideração de que uma incitação para agir ou uma obrigação de
responder são dadas pela enunciação. Para o autor, todo enunciado traz uma qualificação da
enunciação, que constitui o sentido do enunciado. O sentido, podemos então considerar, não
está no encadeamento sintagmático do enunciado, mas na enunciação, naquilo que a fala faz
com que seja feito. Nesse sentido, Ducrot faz uma distinção entre enunciado e frase, sendo a
última considerada como um objeto teórico, uma “invenção” da gramática, e o enunciado se
firma como o elemento que, de fato, interessa ao linguista, é o objeto observável, a
manifestação particular de uma frase.
Ao enfocar discurso e relacioná-lo a uma segmentação em enunciados, que reproduz
uma sucessão de escolhas “relativamente autônomas” de um sujeito, Ducrot refere-se à noção
de autonomia relativa, que se liga a duas condições: coesão e independência. Um segmento
tem coesão se a escolha de cada outro segmento – que compõe o conjunto – é determinada
pela escolha desse conjunto, ou seja, cada segmento não é escolhido por si mesmo, mas em
função do conjunto; e é independente se a sua escolha não se impõe pelo conjunto do qual faz
parte. Ao estabelecer essa distinção e estabelecer uma definição do enunciado pela autonomia
relativa, o autor questiona a ideia de que se possa segmentar o texto em uma pluralidade de
enunciados, ressaltando que o que se considera habitualmente como texto “é, na verdade, um
discurso que se supõe ser objeto de uma única escolha, e cujo fim, por exemplo, já é previsto
pelo autor no momento em que redige o começo” (1983, p. 166). Nessa abordagem, Ducrot já
insere a perspectiva de que outras falas estão presentes num texto, que não é um objeto
acabado e fechado numa escolha única de uma única voz que pode ser segmentado em partes
totalmente autônomas.
O enunciado é considerado, então, como fragmento de um discurso, e deve ser
distinguido da frase, construção do linguista. Quanto à enunciação, ela comporta três
acepções, segundo o autor, que indicam as etapas de um processo, a saber:
a) atividade psicofisiológica implicada pela produção do enunciado, num primeiro
momento;
b) produto da atividade do sujeito falante, um segmento de discurso;
45
c) acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado, em que se dá
existência a algo que não existia antes da fala, antes de ser pronunciado, e que não vai
existir depois. É esse terceiro ponto que Ducrot considera como sendo o definidor de
enunciação, em que o autor não considera a perspectiva de um ato de um sujeito, de
um autor da enunciação, o que não significa que ele considere espontâneo o
surgimento de um enunciado. Ducrot ressalta que, ao considerar essa perspectiva, ele
precisa, para construir uma teoria do sentido, de um conceito de enunciação que não
encerre em si mesmo uma noção de sujeito falante, de autor. A perspectiva de um
autor da enunciação não é um aspecto que toma sua atenção nesse momento.
Após essa primeira oposição, entre enunciado e enunciação, Ducrot estabelece outra,
muito fundamental, particularmente relevante para o discurso de informação: significação e
sentido. Para o autor, significação refere-se a uma caracterização semântica da frase, e sentido
é a caracterização semântica do enunciado.
Assim, Ducrot toca num ponto muito significativo em relação ao sentido, quando
questiona a concepção de que o sentido de um enunciado é a significação da frase moldada
por elementos da situação de fala. Taxativamente, ele o define como um conjunto de
instruções, dadas ao interlocutor, para interpretar dado enunciado, instruções essas que
“especificam que manobras realizar para associar um sentido a esses enunciados” (1983, p.
169). A significação, portanto, contém instruções de interpretação; podemos considerar,
portanto, que de algum modo a significação dará uma direcionalidade à interpretação, ponto
que será de grande relevância na abordagem do discurso de informação.
Nessa perspectiva se insere também a consideração sobre argumentação, em que as
variáveis argumentativas5 (exemplo do conectivo “mas”) estão ligadas a esse viés instrucional
da significação, ou seja, tais variáveis inserem instruções para a interpretação. Segundo
Ducrot, o sentido apresenta a enunciação, ele é uma descrição dela, e o que é apresentado no
enunciado é uma qualificação da enunciação. Essa qualificação, lembra o autor, consiste em
se atribuir à enunciação certos poderes (uma direcionalidade na interpretação, por exemplo)
ou certas consequências. Sobretudo, “o enunciado assinala, em sua enunciação, a
superposição de diversas vozes” (1988, p. 172), marcando, assim, a perspectiva de uma
concepção polifônica do sentido.
5 Na abordagem relativa ao uso do “mas” nas manchetes, retomaremos essa discussão de maneira um pouco
mais ampla.
46
A abordagem sobre contexto e a relação entre sentido e enunciado, conforme
Maingueneau (2013) explicita, são importantes para a abordagem sobre o discurso de
informação. Conforme o autor, não se pode considerar que o contexto é um elemento que está
somente ao redor de um enunciado, desempenhando um papel periférico, um quadro que
permite compreender possíveis ambiguidades. Nessa concepção, o enunciado é o portador de
um sentido estável, sendo assim, para compreender o sentido de um enunciado, basta ter o
domínio do léxico e da gramática específica. Entretanto, como demonstra o autor, nada se
configura mais equivocado que tal concepção, pois “[...] fora de um contexto, não podemos
falar realmente do sentido de um enunciado; na melhor das hipóteses, falaremos de coerções
para que um sentido seja atribuído à sequência verbal proferida em situação particular”
(MAINGUENEAU, 2013, p. 22).
Aqui se explicita, portanto, o primeiro aspecto de uma relação entre enunciado e
contexto: não é possível pensar no sentido de um enunciado fora de um contexto. Não há um
sentido fixo, estável, que exista a priori, independentemente de considerações sobre contextos
sociais, históricos, políticos etc. Para interpretar um enunciado, primeiramente é preciso
atribuir a ele uma fonte que enuncia, como ressalta Maingueneau, que é o sujeito que tem a
intenção de transmitir algo (um sentido) a um destinatário. Em segundo lugar, é necessário
considerar que o enunciado tem um valor pragmático, ou seja, ele pretende instituir uma
relação com o destinatário, portanto, pela enunciação, ele precisa mostrar o ato que vai
realizar. E nessa relação que se estabelece, o destinatário não apenas vai compreender o
sentido do enunciado, há também a presunção de que aquela instância que comunica é séria e
tem a intenção de comunicar aquilo que se desenha no enunciado.
Outro aspecto relevante também para compreender essa relação e, nela, as estratégias
do discurso de informação, é tomar como princípio que o meio, ou o lugar de manifestação
material do discurso, não pode ser considerado apenas como um suporte, posto que ele impõe
“coerções sobre seus usos e comanda os usos que dele podemos fazer” (p. 81). Desse modo, o
meio não é somente aquele suporte a partir do qual se faz circular uma mensagem/informação
já pronta e estruturada, o que é particularmente relevante considerar em se tratando do
discurso de informação, posto que há uma tendência a se considerar apenas um viés técnico
ao se abordar o discurso e seu produto, a informação. Uma mudança do meio, aponta
Maingueneau, é capaz de modificar o próprio gênero do discurso, pois as mudanças de
condições materiais do suporte implicam mudanças nos próprios conteúdos e nas maneiras de
dizer esse conteúdo.
Há três tipos de contextos de que fala o autor, a saber:
47
a) contexto situacional – serve à interpretação de unidades (esse lugar, aquele palácio
etc.), é o ambiente físico da enunciação;
b) cotexto – sequências verbais localizadas antes ou depois da unidade a ser interpretada,
que assegura a interpretação;
c) conhecimento de mundo – são os saberes compartilhados anteriores à enunciação, que
dão um destaque importante ao papel da memória.
2.7.1 Discurso relatado
É o ato de comunicação em que um locutor relata o que foi dito por outro locutor
(locutor original), dirigindo-se a um interlocutor que, em princípio, não é o locutor de origem,
sendo que o locutor de origem e o dito relatado estão situados num espaço-tempo diferente
daquele do dito original. Charaudeau (2013) representa esquematicamente o discurso relatado
da seguinte maneira:
Quadro 3 – Esquematização do discurso relatado
Eo / To Er / Tr
[Loc/o Do Interloc/o ---------[Loc/r DrInterloc/r
Sendo:
Eo / To – espaço/tempo original
Loc/o – locutor original que proferiu o discurso
Do – discurso original
Interloc/o – interlocutor original
Er/Tr – espaço/tempo do relato
Loc/r – locutor relator, que relata o discurso
Dr – discurso relatado
Interloc/r – interlocutor final
Fonte: CHARAUDEAU, 2013, p. 162.
Há, portanto, um dito dentro de outro dito, sendo preciso considerar que pelo menos
parte do que é relatado pode ser atribuído a um locutor diferente daquele que fala e, muitas
vezes, o locutor-relator apaga o locutor original, englobando seu discurso e fazendo ver que
aquilo que é enunciado somente pertence a ele, não se tratando de outra voz. Segundo
Charaudeau, é nesse jogo – de marcação-integração-demarcação – que se situa o discurso das
mídias de informação, em que há também uma operação de reconstrução e desconstrução,
48
pois um dito é reintegrado a uma nova enunciação e passa a depender de um novo locutor (o
relator).
Em sua relação com o destinatário, ou os outros, o discurso relatado é capaz de
produzir diferentes provas num discurso, como de autenticidade daquilo que foi falado,
responsabilidade do sujeito que disse (se ele falou é porque acredita no que disse), verdade
daquilo que foi dito (que fundamenta o propósito do locutor-relator). O discurso relatado
também pode demonstrar um posicionamento do relator, que pode ser de autoridade (na
medida em que, ao relatar, o locutor mostra que sabe), de poder (pois relatar é transmitir ao
outro algo que ele ignora, revelar o que foi dito, o que é particularmente relevante no discurso
de informação das mídias), engajamento (pois o ato de relatar e os modos de dizer podem
revelar uma adesão ou não do locutor-relator ao locutor original ou ao dito de origem, aspecto
também significativo para o discurso de informação).
Em relação às maneiras de relatar um dito, há também diferentes formas:
a) citação do dito de origem relatado. Pode se dar de maneira integral, e a construção
linguística se apresenta como a reprodução literal do que foi dito anteriormente, numa
modalidade de discurso em estilo direto, em que há uso de aspas ou dois pontos. A
identificação do locutor de origem pode se dar no enquadramento com aspas, após
ponto final (caso da imprensa francesa, não usual no Brasil) ou apenas pela menção do
nome do locutor de origem e dois pontos abrindo o discurso (mais utilizado no Brasil);
b) integração parcial do dito de origem – é feito em terceira pessoa, no dizer daquele
que relata, sendo que há modificações no relato de origem, uma vez que os pronomes
e o tempo verbal referem-se ao momento da enunciação do relator. Na gramática
tradicional, temos a indicação de estilo indireto e estilo indireto livre;
c) narrativização do dito de origem – ele é totalmente integrado ao dito de quem relata,
tornando-se o narrador um agente do dizer. Segundo o autor, é uma forma bastante
comum nas chamadas e manchetes (títulos) dos jornais, como em “Petista admite uso
dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel” (jornal Estado de Minas,
01/10/2014);
d) evocação do dito de origem, que aparece apenas como lembrança daquilo que o
locutor de origem costuma dizer. Pode aparecer nas formas “como ele gosta de dizer”,
“como se diz”, ou ainda com um recorte entre aspas. Charaudeau também aponta essa
estratégia como bastante usual na imprensa.
49
Segundo o autor, há três modos ou categorias linguísticas que possibilitam a
identificação do discurso relatado: denominação (o locutor de origem é designado por um
nome, título ou função – até mesmo de forma coletiva ou vaga, como em “assessores da
presidente disseram que...” ou “O Palácio do Planalto afirmou que”); determinação (define a
denominação pelo emprego de um nome, marca de deferência ou mesmo um possessivo. Isso
assinala, conforme o autor, uma relação da instância midiática no modo de tratar os atores do
espaço público); e a modalização (é o meio de que o locutor-relator dispõe para expressar
uma atitude de crença – ou não – em relação ao dito que ele relata ou aos propósitos do
enunciador. Tal postura é mostrada pelos verbos escolhidos que apontam a declaração –
declara, relata, informa, anuncia, indigna-se etc. – ou pelas marcas de distanciamento –
segundo x, de acordo com).
Outro aspecto referente ao discurso relatado relevante para o discurso de informação é
com relação ao tipo de posicionamento do locutor-relator, que tem uma ligação direta com as
formas de modalização e opera transformações nos ditos de origem. Charaudeau aponta
quatro modos de intervenção do locutor-relator que revelam seu posicionamento e seu ponto
de vista em relação ao dito original. São elas:
a) intervenção na significação enunciativa da declaração de origem, transformando o dito
em ação e o locutor de origem em agente da ação, como exemplificado abaixo:
Figura 7 – Manchete jornal Estado de Minas:
“Em meio à crise, Dilma rifa Mantega”
Fonte: Em meio à crise, Dilma rifa Mantega. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.510, 9 set. 2014.
A manchete faz menção a declarações da presidente sobre a nova equipe de governo, caso
vencesse a eleição. Sua fala original remete ao seu mote de campanha, “governo novo, equipe
50
nova”, que insinua a possibilidade de mudança de membros da equipe. Em sua fala,
comprovada pelas agências de notícia e pela própria reportagem no jornal e em outros jornais,
não há menção direta ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega.
b) intervenção nas palavras da enunciação de origem, operando uma transformação da
modalidade do dito (de afirmação para dúvida, por exemplo, ou de uma afirmação não
dita pelo locutor de origem) como no exemplo abaixo.
Figura 8 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“Dilma diz que falta experiência para Marina”
Fonte: Dilma diz que falta experiência para Marina. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.190,
25 ago. 2014.
A enunciação de origem, de Dilma Rousseff, pode ser esclarecida na chamada que
complementa a manchete, em que ela responde a um comentário anterior de Marina Silva e o
atribui a “quem nunca teve experiência administrativa”. Mesmo sutil, há uma intervenção na
fala de origem, pois a declaração feita se altera.
c) intervenção nas palavras do enunciado de origem, com uma transformação lexical.
Pode ocorrer da seguinte maneira: há o despacho de uma agência de notícias
informando sobre determinado acontecimento ou uma entrevista com a fala de uma
determinada fonte e a manchete dada altera a descrição. Como no exemplo a seguir:
51
Figura 9 – Manchete jornal Estado de Minas:
“Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel”
Fonte: Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel. Estado de Minas, Belo
Horizonte, n. 26.532, 1 out. 2014.
Note-se que, no texto que complementa a manchete e no trecho em destaque como legenda da
foto, a fala do deputado Durval Ângelo, que podemos considerar como o “petista” nominado
na manchete, não “admite” um “uso” dos Correios na campanha. Em sua fala, reportada entre
aspas em outros trechos, ele agradece a equipe dos Correios pela capilaridade do trabalho e
afirma que a campanha deve muito a esse trabalho. A dedução da manchete não encontra
respaldo na fala literal original.
d) intervenção na enunciação do locutor-relator, marcando uma distância em relação ao
dito de origem. Pode ser mostrado pelo modo condicional e o uso de diversos
componentes introdutórios, como “segundo”, “diz que”, “de acordo”, “afirma que”,
como mostra a figura abaixo.
52
Figura 10 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“Dilma afirma que Mantega não fica em um 2º mandato”
Fonte: Dilma afirma que Mantega não fica em um 2º mandato. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.201, 5 set. 2014.
Como esclarece Charaudeau (2013), essas intervenções são, muitas vezes, difíceis de
serem apontadas, pois é necessário que se tenha acesso aos ditos de origem, o que nem
sempre é possível.
Pelo que até aqui foi abordado, é possível considerar que o discurso relatado, sem
dúvida, reforça o papel da imprensa como porta-voz, espelho e eco dos vários ditos e das
vozes do espaço público.
2.7.2 Cena enunciativa
Para Maingueneau (2013), pode-se considerar um texto como o resultado de um rastro
deixado por um discurso em que há uma encenação da fala. Assim posto, ele enumera três
cenas:
a) englobante – corresponde ao tipo de discurso (político, religioso, de informação etc.)
em que há um certo quadro de espaço-tempo;
b) genérica – é preciso considerar que os gêneros de discurso são importantes na
definição dessa cena, pois cada gênero define os papéis no interior de uma cena, e o
coenunciador trata com os gêneros discursivos, não com o enunciador em si. O quadro
cênico – que garante o espaço estável onde o enunciado adquire sentido – é formado
então pelo tipo e pelo gênero de discurso, pelas duas cenas (englobante e genérica);
c) cenografia – leva o quadro cênico a se deslocar para o segundo plano, passando a ser
importante a apresentação da cena, que é o elemento com o qual o leitor se depara. A
53
cenografia não deve ser confundida com um quadro ou simplesmente um cenário em
que aparece o discurso, sendo independente dele. Ela é um dispositivo de fala
constituído na enunciação. Assim, a cenografia é, ao mesmo tempo, “a fonte do
discurso e aquilo que ele engendra” (MAINGUENEAU, 2013).
A consideração sobre as cenas enunciativas se faz relevante para o discurso de informação
porque, primeiramente, qualquer discurso pretende convencer um interlocutor, e é a cena que
vai legitimar esse discurso. Quando a cenografia promove um deslocamento do quadro cênico
para um plano secundário, em que tipo e gênero importam menos que o cenário, abre-se a
possibilidade de que dizeres estejam ocultos ou implícitos. A cenografia permite, portanto,
que se enuncie desta ou daquela forma (como convém) algumas instâncias – política,
economia, ciência, filosofia etc.
A cenografia se adapta ao produto e não é definida ao acaso, ela pretende se harmonizar a
certos perfis colocados em cena. O sentido, portanto, não se reduz apenas ao conteúdo, ele é
inseparável da encenação, que se constitui, portanto, num elemento fundamental para a
construção de sentido no discurso.
54
3. MÍDIA, UM SISTEMA COMPLEXO
A partir de Thompson (1995), tomo a mídia como um sistema cultural complexo com
duas dimensões: a simbólica e a contextual. A dimensão simbólica é marcada por um jogo
constante entre signos e sentidos, em que ocorre construção e reconstrução, armazenamento,
produção e circulação de produtos que são repletos de sentidos. Em relação à dimensão
contextual, ela envolve aspectos temporal e espacial, sendo que os produtos desse sistema são
fenômenos sociais em determinados contextos.
Como prática discursiva, a produção midiática opera a partir da seleção e, sobretudo,
da reconfiguração de repertórios, cuja significação não se restringe ao significado etimológico
de expressões e termos, mas o extrapola num processo de reconstrução de sentido. Dessa
forma, termos como “inflação”, corrupção”, “crise econômica”, “mensaleiros”, que
compuseram as capas dos jornais e da revista analisados no período da eleição 2014 de
maneira acentuada e com expressiva presença, têm seu sentido reconstruído ao interagirem
com outros objetos discursivos nas chamadas de capa – com a possibilidade de variadas
associações, e ao ganharem foco, tornando-se elementos importantes para a construção de
sentido.
O discurso midiático6 é o responsável por dar visibilidade aos acontecimentos, sejam
eles políticos, econômicos ou sociais, e nesse processo, e por meio desse poder, a mídia se
torna a responsável por reconfigurar as dimensões do público e do privado. Portanto, a mídia
tem uma grande relevância na construção e circulação de repertórios, e o discurso é a peça
fundamental nessa engrenagem. Os repertórios fazem parte das produções discursivas da
mídia e adquirem visibilidade acentuada no processo de produção do discurso, tornando-se
disponíveis para as pessoas e passando a integrar suas práticas discursivas cotidianas. E esse é
um aspecto importante para que se possa compreender a dimensão dos repertórios no discurso
midiático, pois, ao se integrarem às práticas discursivas dos sujeitos no cotidiano, adquirem o
status de “verdade” e contribuem para a disseminação e consolidação de conceitos.
É inegável, como aponta Medrado, que “a mídia introduziu transformações substantivas nas
práticas discursivas cotidianas, ou seja, nas formas como as pessoas produzem sentidos sobre
fenômenos sociais e se posicionam” (MEDRADO, 2013, p. 217).
6 Thompson faz referência ao discurso midiático, de forma mais genérica, ao se referir às mídias. Mais adiante,
retomaremos formulação de Charaudeau que considera o discurso midiático a especificidade do discurso de
informação, veiculado pelos meios de comunicação.
55
Portanto, é imprescindível, para qualquer análise do discurso midiático que se
pretenda realizar, considerar que a mídia influencia a prática discursiva cotidiana e, assim, o
modo de produção de sentido. Essa instância desfruta de um poder simbólico, como afirma
Thompson (1995), que pode ser descrito como a capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos, de influenciar ações e de produzir eventos a partir da divulgação das formas
simbólicas. Tal poder nasce no processo de produção, transmissão e recepção do significado
dessas formas, sendo o meio técnico o substrato material necessário para a transmissão desse
conteúdo e o exercício do poder simbólico, cuja utilização possibilita novas maneiras de
organizar o espaço e o tempo. E uma característica significativa das formas simbólicas – que
denotam sua importância para a análise do discurso midiático – é a sua capacidade de serem
reproduzidas, num processo de mercantilização em que as inovações tecnológicas são
relevantes. Os bens simbólicos dos meios de comunicação de massa são produzidos por um
contexto e transmitidos a outro contexto, dessa forma, não há possibilidade de um feedback.
Em relação à influência da mídia nas práticas discursivas, Thompson faz uma releitura
do conceito de interação, em que salienta três vertentes: a interação face a face, a interação
mediada e a quase-interação mediada. Na interação face a face, temos a conversa do dia a dia,
onde há um contexto de troca direta e os participantes presentes nesse contexto compartilham
referências de tempo e espaço e estruturas linguísticas que os capacitam a transmitir e
interpretar as mensagens. A interação mediada é aquela em que há o uso de meios técnicos
para possibilitar a comunicação, uma vez que os participantes estão distantes temporal e/ou
espacialmente.
Em relação à quase-interação mediada, ela se refere a relações sociais que são
estabelecidas pelos meios de comunicação de massa7 (THOMPSON, 1995) e o que a
caracteriza são a grande disponibilidade de informação e conteúdo simbólico, a lacuna
temporal entre emissão e recepção, o fato de se dirigir não a um outro específico, uma pessoa
em particular, mas a muitas, um outro generalizado, e o fluxo da comunicação
predominantemente de sentido único, de um emissor para muitos receptores, sem
possibilidade de feedback, sendo que as formas simbólicas são construídas em um contexto
determinado e transmitidas a uma multiplicidade de contextos, em que não há a possibilidade
de interferência dos receptores em relação à estrutura de produção. Cabe, aqui, apontar dois
atributos importantes dos meios técnicos de comunicação, segundo Thompson (1995): o
7Segundo Thompson, em relação ao conceito de comunicação de massa, o que importa considerar não é a
quantidade de pessoas que recebem os produtos midiáticos, mas sim o fato de que tais produtos estão
disponíveis para uma pluralidade de destinatários.
56
primeiro refere-se ao fato de que o meio técnico (TV, livro, jornal, revista, rádio etc.) permite
certo grau de fixação da forma simbólica8, ou seja, o meio possibilita a preservação dessa
forma; outro atributo está relacionado ao grau de reprodução9 dessas formas, o que diz
respeito diretamente à exploração comercial dos meios, como esclarece Thompson:
A reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na
base da exploração comercial dos meios de comunicação. As formas simbólicas
podem ser “mercantilizadas”, isto é, transformadas em mercadorias para serem
vendidas e compradas no mercado, e os meios principais de mercantilização das
formas simbólicas estão justamente no aumento e no controle da capacidade de sua
reprodução. (THOMPSON, 1995, p. 46)
A prerrogativa de que as interações – no caso da comunicação – são sempre mediadas
e, em relação à mídia, por meios tecnológicos, é uma constatação relevante do ponto de vista
de considerarmos os processos de produção de sentido no discurso midiático, pois a mídia não
apenas cria e faz circular informações, mas, pelo discurso e a partir desses repertórios, ela
transforma as práticas discursivas das pessoas no cotidiano e difunde valores, ideias e crenças,
formatando um modo de ver, configurando e reconfigurando sentidos.
A exploração comercial dos meios de comunicação, que enfatizam seu aspecto
mercantil, é também uma concepção considerada por Sodré (2009), para quem o jornalismo é
uma prática industrial que tem implicações ético-políticas. Assim, a estrutura da mídia opera a
partir de uma lógica mercadológica, estando atrelada às instâncias de poder. Nesse processo,
há que se considerar, ainda, a dimensão da mediação simbólica, que estabelece “roupagens”
que cobrem o objeto discursivo e o ressignificam.
3.1 O discurso de informação
Charaudeau (2013) define o discurso de informação como atividade de linguagem
“que permite que se estabeleça nas sociedades o vínculo social sem o qual não haveria
reconhecimento identitário” e aponta o que ele denomina de “máquina midiática”, isto é, os
grupos empresariais responsáveis por “fabricar informação”, estabelecendo um cenário para
que seja possível compreender de que se trata, afinal, esse discurso. O autor traz a concepção
de que as mídias são um suporte organizacional para o discurso de informação e buscam
integrá-lo em suas diversas lógicas: a econômica (fazer viver uma empresa), a tecnológica
8 De acordo com o autor, os bens de comunicação adquirem uma dimensão simbólica porque são produtos que
têm significado para quem os recebe. Eles são uma reelaboração de caráter simbólico da vida. 9 Considerada pelo autor como a capacidade de multiplicar as cópias de certa forma simbólica.
57
(estender a qualidade e a quantidade de sua difusão) e a simbólica (difundir a ideia de que
presta um serviço à democracia cidadã). Valendo-se dessas lógicas, as mídias conquistam
grande relevância no contexto sócio-econômico-cultural, pois as várias instâncias, como o
mundo político, o setor de tecnologia, educação e cultura voltam sua atenção e seu interesse
para elas. Compreendendo as primeiras lógicas como relevantes, Charaudeau aponta, no
entanto, o destaque da lógica do simbólico10
no campo de estudos das mídias e do discurso de
informação, pois,
É a lógica simbólica que nos interessa aqui: trata-se da maneira pela qual os
indivíduos regulam as trocas sociais, constroem as representações dos valores que
subjazem a suas práticas, criando e manipulando signos e, por conseguinte,
produzindo sentido. (CHARAUDEAU, 2013, p. 16).
O discurso de informação tem o pretenso posicionamento de se colocar contra o poder
e a manipulação, de onde decorrem alguns mitos, em forma de preceitos desse discurso, que o
envolvem e conformam sua imagem diante do público: neutralidade, transparência e
imparcialidade. Considero tais elementos como mitos porque esses preceitos são tidos como
inerentes ao discurso de informação, quando, na verdade, são representações idealizadas dessa
prática discursiva. Não é possível transmitir informações de modo absolutamente neutro, pois
o que temos são interpretações, e não o ato de apenas reportar fatos tal como ocorrem; por
outro lado, no texto jornalístico, a informação, que é o conteúdo, não deve ser tomada
isoladamente da forma como é transmitida, e tal concepção se faz relevante quando se
consideram as formas que manchetes e chamadas de capa adquirem nos veículos.
É importante também atentar para o que afirma Charaudeau ao considerar que as
mídias, na verdade, impõem aquilo que constroem do espaço público, portanto, não apenas
transmitem o que ocorre na realidade social. Para o autor, a informação é uma questão de
linguagem, e a linguagem não é transparente, visto que apresenta uma opacidade a partir da
qual é construída uma visão particular do mundo. No processo de mostrar o invisível, revelar,
selecionar aspectos – papéis atribuídos à imprensa – imagens são construídas, imagens que
retratam um espaço público determinado, que é fragmentado, recortado e que atende aos
interesses dos meios midiáticos em determinado contexto.
Aliado a isso, temos o fato de que a imprensa está inserida num sistema de informação
onde se fazem presentes uma lógica mercadológica e empresarial e também o elemento
simbólico, fortemente definidor, que é uma “máquina de fazer viver as comunidades sociais,
10
Nas referências diretas ao autor, mantenho o termo como utilizado por ele, “lógica simbólica”; em minhas
colocações, prefiro a utilização do termo lógica do simbólico, por considerá-lo mais pertinente
58
que manifesta a maneira como os indivíduos, seres coletivos, regulam o sentido social ao
construir sistemas de valores” (CHARAUDEAU, 2013, p. 17). Desse modo, temos, portanto,
as duas lógicas que regulam o funcionamento das mídias e que devem ser compreendidas para
que se possa compreender o discurso de informação: a lógica econômica, que determina que
os meios midiáticos funcionem como empresas que produzem determinado produto e ocupam
um lugar no mercado; e a lógica simbólica, que faz com que esses meios participem da
construção de uma opinião pública. É necessário, sobretudo, como aponta Charaudeau,
compreender qual a relação que se estabelece entre essas duas lógicas na instância midiática,
averiguando se há sobreposição de uma em relação à outra ou se há uma existência
independente entre elas.
No processo de compreensão das duas lógicas integrantes e conformadoras da
instância midiática, precisamos enfocar os seus lugares de construção de sentido, que são
representados, no modelo proposto por Charaudeau, pelas instâncias de produção e de
recepção, sendo que “o sentido resultante do ato comunicativo depende da relação de
intencionalidade que se instaura entre essas duas instâncias”, o que determina três lugares de
pertinência: a instância de produção, a instância de recepção e a instância do produto (o texto,
estando submetido a certas condições de construção). Vejamos o esquema do quadro a seguir,
de acordo com Charaudeau:
Quadro 5 – Lugares de construção do sentido da máquina midiática
Fonte: CHARAUDEAU, 2013, p. 23.
59
De acordo com esse quadro teórico proposto pelo autor, há três lugares de produção de
sentido da máquina midiática:
a) produção – lugar das condições de produção, que é representado pela instância
produtora da informação, o organismo ou meio de comunicação e seus atores, e
comporta dois espaços: externo-externo e externo-interno. O primeiro engloba as
condições socioeconômicas da máquina midiática enquanto empresa, cuja organização
é regulada por certas práticas institucionalizadas que, para serem justificadas, é
necessário que os atores envolvidos produzam discursos de representação que
circunscrevem uma intencionalidade orientada por efeitos econômicos. O espaço
externo-interno compreende as condições semiológicas (que presidem a realização do
produto midiático) – assim, o chefe de redação, o editor, é que vai conceitualizar o que
se coloca em discurso, aquilo que pode despertar o interesse do público. As práticas e
os discursos circunscrevem uma intencionalidade orientada por efeitos de sentido
visados, pois não há garantia de que os efeitos pretendidos serão realmente alcançados.
b) condições de recepção – comporta também dois espaços, interno-externo e externo-
externo. O primeiro corresponde ao lugar do destinatário ideal, o alvo (que é
“imaginado”, ou concebido, pela instância midiática), é o lugar dos efeitos esperados,
segundo Charaudeau. Em relação ao segundo espaço, é ali que se encontra o público, o
receptor real, aquele que interpreta as mensagens. Nesse aspecto, entram em cena as
sondagens, recurso de que as mídias se utilizam para a medida do seu alvo.
c) condições de construção do produto – é o espaço onde o discurso se configura em
texto, a partir de uma combinação de formas, que podem pertencer ao sistema verbal
ou a outros sistemas semiológicos (icônico, gráfico, gestual). Nesse sentido, é
importante reiterar que as imagens (geralmente fotos, mas também ilustrações e
gráficos) compõem o sentido das chamadas e manchetes dos veículos analisados,
portanto, não se pode considerar apenas a materialidade do texto, sua estrutura verbal,
para os efeitos de sentido visados, pois a imagem também contribui para compor o
dizer. E para que se construa o sentido, é necessária a estruturação em consonância
dessas formas, que deverão ser reconhecidas pelo receptor para que haja a troca
comunicativa.
A capa a seguir pode ilustrar tal aspecto:
60
Figura 11 – Manchete revista Veja:
“Todos atrás dela”
Fonte: Todos atrás dela. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.393, n. 40, 1 out. 2014.
O sentido que se pretende destacar – de que há muitos indecisos na eleição – compõe-
se e se estrutura não somente pelo sistema verbal dado pela manchete “Todos atrás dela”, mas
também pela composição da imagem. Existe uma duplicidade na interpretação, posto que não
está claro a quem se refere o pronome “dela”, o que somente se torna evidente pelo
complemento do bigode “Mais mulheres do que homens estão entre os órfãos do primeiro
turno”. E isso é reforçado pela formatação da imagem, que representa uma mulher usando um
bottom semelhante aos utilizados por eleitores simpatizantes de determinados candidatos, mas
que, em lugar do símbolo do partido, traz os dizeres “Eu era indecisa. Agora não tenho mais
tanta certeza”. Os símbolos dos partidos dos candidatos que concorrem às eleições estão
estrategicamente colocados fora do bottom, como se fossem desprezados pelos indecisos.
Na mesma capa, uma chamada no alto faz referência a um “núcleo atômico da
delação” que menciona a campanha anterior da então candidata, Dilma Rousseff. Nessa
estrutura, o adjetivo atômico traz uma qualificação ao substantivo núcleo, aludindo a uma
possibilidade de explosão, a algo capaz de causar estragos à campanha da candidata em
questão.
A partir da especificação desses três lugares de produção, Charaudeau destaca que tal
estrutura possibilita perceber que a informação não pode ser considerada apenas como fruto
de uma intenção do produtor, ou do receptor, mas sim como resultado de uma
61
cointencionalidade “que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os efeitos
produzidos”, em que os lugares incidem uns sobre os outros.
Trazendo o quadro formulado por Charaudeau para o contexto proposto por este
trabalho, considerando-se os veículos referidos e o cenário brasileiro nas eleições 2014,
temos, no lugar de produção, um aspecto mercadológico fortemente marcado, pois se trata de
grandes grupos midiáticos, com uma orientação para a ocupação de um lugar no mercado e a
consequente captação de verba publicitária – de meios públicos (governos e órgãos estatais)
ou privados. Essa orientação vai, sem dúvida, marcar as escolhas discursivas empregadas nas
chamadas e manchetes e a forma final dada a tais unidades. Mas não é apenas o aspecto
mercadológico que impõe regras de operação. Mesmo com o discurso de informação
indicando um comportamento voltado a certa neutralidade e objetividade, há orientações
ideológicas – com viés político e social, um posicionamento direto contra uma determinada
campanha eleitoral – que também definem a forma como se estruturam essas unidades,
sobretudo em função da realidade do sistema de informação no país, em que há forte
concentração dos meios de comunicação e o domínio de poucos grupos que controlam esses
meios, o que contribui para um cerceamento ao direito à informação.
Ainda numa referência ao quadro de Charaudeau, em que ele questiona se é possível
determinar a natureza do desejo do editor11
– ao escolher e conceitualizar o que será destacado
como notícia (e, no caso aqui exposto, o que será definido como manchete ou chamada) –,
cabe questionar se esse desejo reside também numa tentativa de convencimento do público,
em direção a determinada interpretação de determinado tema. Por outro lado, se os jornais
pautam suas estratégias em função de um perfil de público que se quer atingir e que se supõe
ser o público daquele veículo, não estaria, nas estratégias discursivas desenvolvidas, o poder
de convencer o público em relação a determinada abordagem? Os efeitos de sentido visados,
de que Charaudeau nos fala, devem ser compreendidos a partir das práticas discursivas dos
veículos, suas estratégias discursivas. Consideremos alguns exemplos:
a) Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai;
b) Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir;
c) Arrecadação federal sobre, mas fica aquém da meta fiscal.
11
Quando aqui me refiro a essa concepção, de um possível desejo do editor, não considero o editor como
sujeito individual, ou seja, o seu desejo, como ator desempenhando tal função, está em sintonia com as
determinações e orientações do veículo como empresa. Esse esclarecimento é importante para que as
estratégias utilizadas não sejam consideradas meramente iniciativas individuais.
62
O jornal Folha de S. Paulo, ao deliberadamente utilizar o conectivo mas12
em
chamadas e manchetes relativas à política econômica do governo federal e aos seus
desdobramentos, insere um ruído, um novo argumento no enunciado principal, adotando uma
estrutura discursiva que não se baseia em critérios de simplicidade, clareza, objetividade, uso
da ordem direta, elementos que são típicos do discurso de informação e previstos pelo
contrato de comunicação. Que efeitos de sentido visados justificam tal uso, que de certa forma
corrompe uma estrutura padrão para o jornalismo? Em um dos exemplos, “Entre domésticos,
renda sobre mais, mas ocupação cai”, a estrutura discursiva formada chega a colocar em
proximidade dois termos – a conjunção “mas” e o advérbio “mais”, comumente trocados no
uso coloquial – potencializando um ruído para o público leitor. Pode-se falar numa tentativa
de convencimento do público com base no uso reiterado dessas estratégias?
Em se tratando agora do exemplo do jornal Estado de Minas com a seguinte capa, do
dia 04/09/2014:
Figura 12: Chamada jornal Estado de Minas:
“Qual será o nome dele?”
Fonte: Qual será o nome dele?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.505, 4 set. 2014.
12
Abordaremos em detalhe, mais adiante, tal estratégia. A referência, aqui, é para ilustrar o ruído para a
informação.
63
Nota-se que há uma imagem em destaque, de um gorila, com a chamada “Qual será o
nome dele?”, que ocupa grande parte da capa, com bastante destaque. E a capa não traz
informações relevantes sobre a eleição, como o fato de que a candidata Marina Silva estava
abrindo uma grande vantagem em relação ao candidato Aécio Neves. Temos aqui uma
composição discursiva que altera o enquadramento do tema “eleições” e retira o foco da
discussão, privilegiando o enquadramento pelo entretenimento, com um assunto banal. Tal
proposta evidencia o papel da linha editorial do jornal, que escolhe deliberadamente e define o
que deverá ser destacado e enquadrado como informação que terá destaque na capa, e também
revela um posicionamento do locutor. Não é possível, portanto, desconsiderar que orientações
ideológicas, como Charaudeau pontua, são também definidoras das estratégias discursivas.
3.1.1 O que significa informar?
Para Charaudeau, a informação está intrinsecamente ligada à linguagem, que não deve
ser considerada somente numa referência aos signos linguísticos, mas também estando ligada
a sistemas de valores que vão direcionar o uso desses signos em determinadas situações e em
certos contextos. Nesse sentido, o ato de informar, que poderia ser uma atividade discursiva
praticada por todos, portanto, torna-se um fenômeno restrito a alguns “especialistas” que
passam a ter a prerrogativa de poder informar.13
. E as mídias, inseridas num modelo tecnicista
de comunicação, precisam mostrar sua credibilidade e dizer, a todo o momento, por que têm o
direito de “fazer saber” aos cidadãos. No entanto, Charaudeau aponta, em relação a esse
modelo, que há um ponto de vista ingênuo referente à informação:
Segundo esse modelo, tudo acontece como se houvesse, entre uma fonte de
informação (que poderia ser a própria realidade, ou qualquer organismo dispondo de
informações) e um receptor uma instância de transmissão (um mediador individual
ou um sistema intermediário) encarregada de fazer circular um certo saber da fonte
ao receptor. (CHARAUDEAU, 2013, p. 35)
O autor define a fonte de informação, nesse modelo, como sendo o lugar em que
haveria certa quantidade de informações, sem se levar em conta a natureza dessa fonte. O
receptor é sempre considerado capaz de decodificar a informação que é transmitida, sem que
se considere a questão da interpretação – ele apenas decodifica a informação. Por outro lado,
da instância de transmissão considera-se apenas que ela assegura a transparência da
13
A abordagem com relação aos especialistas que têm a prerrogativa de informar é relevante considerando-se o
meio impresso, nosso objeto nesta análise. Mas é relevante pontuar, para abordagens e discussões futuras, que
essa dimensão ganha novos contornos com a internet.
64
transmissão entre fonte e recepção. Trata-se, portanto, como Charaudeau classifica, de um
modelo que “define a comunicação como um circuito fechado entre emissão e recepção,
instaurando uma relação simétrica entre a atividade do emissor, cuja única função seria
codificar a mensagem, e a do receptor, cuja função seria decodificar essa mesma mensagem”
(p. 35).
Essa conceituação é particularmente relevante para uma reflexão sobre a imprensa
brasileira porque a visão técnica, ou tecnicista, ainda está bastante em voga, o que colabora
para que não haja questionamentos em relação às práticas discursivas dos meios em questão,
que operam como se se pautassem somente pelo ato de transmitir informação de modo
objetivo e neutro, e os meios operando apenas e tão somente como meios técnicos, instâncias
de transmissão, em que o discurso tem apenas o compromisso com a clareza, a objetividade,
não fazendo parte de um sistema complexo e eivado de interesses.
A informação precisa ser compreendida, portanto, como discurso, para além das regras
gramaticais de uso da língua e das regras técnicas da comunicação jornalística. É uma prática
discursiva em que o sentido é perceptível pelas formas e se constrói num duplo processo de
semiotização, que envolve a transformação e a transação. De acordo com Charaudeau, o
processo de transformação consiste em transformar o mundo a significar num mundo
significado, em que estão presentes categorias que nomeiam os seres do mundo (qualificando-
os), narra as ações (descrevendo-as), argumenta (dando motivos para as ações) e modaliza
(avaliando seres, propriedades, ações e motivos). E é nesse processo que se insere o ato de
informar, que vai descrever o fato, contar sobre ele e explicá-lo.
Quanto ao processo de transação, ele consiste em dar uma significação ao ato de
linguagem, atribuindo-lhe um objetivo em função de parâmetros – hipóteses sobre a
identidade do outro (o destinatário), o efeito que se quer produzir, o tipo de relação que se
pretende instaurar, o tipo de regulação que se prevê em função dos parâmetros estabelecidos.
Nesse processo, o ato de informar faz circular entre os parceiros um objeto de saber – a
informação sobre algo – que um possui e o outro não, sendo que a transação é que vai
comandar o processo de transformação, uma vez que o principal objetivo do sujeito, ao se
comunicar, é se colocar em relação com o outro.
Considerando-se especificamente o discurso de informação, temos que considerar que
a informação somente poderá ser construída pelo sujeito informador em função da situação de
troca, que fornece elementos específicos, sendo que tal discurso depende do alvo que o
informador escolhe, do ponto de vista da linguagem. E uma vez que toda informação depende
do tratamento dado a ela na transação, onde se atribui um objetivo, é uma postura de certa
65
forma inocente considerá-la no âmbito da transparência ou da neutralidade, sendo, portanto,
inútil,
Colocar o problema da informação em termos de fidelidade aos fatos ou a uma fonte
de informação. Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência,
à neutralidade ou à factualidade. Sendo um ato de transação, depende do tipo do
alvo que o informador escolhe e da coincidência ou não coincidência deste com o
tipo de receptor que interpretará a informação dada. (CHARAUDEAU, 2013, p. 42)
Em relação ao processo informativo, o quadro construído por Charaudeau pode ser
resumido da seguinte maneira:
Quadro 6 – Processo informativo
Processo informativo
Mundo a significar Mundo significado
Nesse processo de transformação, atribui-se um objetivo ao ato e há circulação de um objeto de saber
Fonte: CHARAUDEAU, 2013.
Nessa descrição, é importante ressaltar que o saber colocado em circulação não tem
natureza, posto que é o resultado de uma construção humana, pela linguagem, que, ao
categorizar o mundo, torna-o inteligível. E a forma como o saber é estruturado depende da
direção do olhar humano – se está voltado para o mundo, estrutura-se como categorias de
conhecimento; se se volta para o próprio homem, constroem-se categorias de crença. Ao
mesmo tempo, o saber também se estrutura de acordo com a atividade discursiva para dar
conta do mundo, que pode ser descrito, contado ou explicado, configurando, assim, os
sistemas de interpretação. Nesse sentido, dado que o saber é fruto de uma construção, pode-se
considerar que a informação, sendo um saber, também é uma construção.
Pela experiência e pelos dados técnicos e científicos, o homem constrói os
conhecimentos, que passam pelo filtro da vivência social e cultural. Em relação aos saberes de
crença, eles são fruto da atividade humana voltada a comentar14
o mundo, ou seja, que faz com
que ele exista a partir do olhar de um sujeito sobre esse mundo. Tal saber depende de sistemas
de interpretação que avaliam o provável nos comportamentos, criando as predições, e que
apreciam comportamentos, de acordo com critérios de positivo ou negativo (bom ou mau,
14
Em sua abordagem, Charaudeau utiliza o termo “comentar” o mundo, em lugar de narrar. É relevante
pontuar a diferença entre os dois verbos, nessa consideração, por que o saber de conhecimento narra o
acontecimento, o reconstrói. Mas o saber de crença comenta, inserindo nesse processo um ponto de vista, um
modo de ver.
66
bonito ou feio etc.). Estabelecendo uma diferenciação entre os dois saberes, Charaudeau
destaca que os saberes de conhecimento se beneficiam do preconceito de objetividade e
realismo e promove uma certa estabilidade da visão estruturada do mundo. Os saberes de
conhecimento trazem uma descrição do acontecimento, ou dos objetos do mundo, por meio de
reconstituições, e quando se inscreve numa enunciação informativa, fará o leitor ver ou
imaginar ou ainda perceber como algo se passou, como foi aquele acontecimento.
Situando os saberes de crenças no âmbito da informação, o autor afirma que ao se
inscreverem em enunciações informativas, as crenças farão com que um outro compartilhe
julgamentos sobre o mundo, pois
toda informação a respeito de uma crença funciona ao mesmo tempo como
interpelação do outro, pois o obriga a tomar posição com relação à avaliação que lhe
é proposta, colocando-o em posição reativa – o que não é necessariamente o caso da
informação que se refere aos conhecimentos” (CHARAUDEAU, 2013, p. 46).
De modo geral, podemos considerar, portanto, que uma enunciação informativa é um
saber de conhecimento quando ela narra o fato, o acontecimento, dando uma explicação ou
fazendo uma descrição. E é um saber de crença quando se destina a comentar o mundo,
fazendo com que ele seja visto e percebido a partir de um olhar específico do sujeito. Tal
postulado do autor, acima, nos parece muito claro quando observamos algumas capas da
revista Veja, como se segue.
Figura 13 – Manchete revista Veja:
“O fator surpresa”
Fonte: O fator surpresa. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.395, n. 42, 15 out. 2014.
67
Figura 14 – Manchete revista Veja:
“A fúria contra Marina”
Fonte: A fúria contra Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.391, n. 38, 17 set. 2014.
Nos exemplos das manchetes acima, as crenças do locutor (revista) em relação a
determinados aspectos são veiculadas sob o formato de enunciados informativos, instando o
leitor a compartilhar tais afirmações, estabelecendo apreciações da ordem do bom e do mau.
Por exemplo, em “Fúria contra Marina – nunca antes neste país se usou de tanta mentira e
difamação para atacar um adversário como agora faz o PT”, não há a explicitação de um
locutor – a revista traz uma informação que é dada como verdadeira. O estabelecimento da
marca de temporalidade – nunca antes neste país – destaca o ineditismo negativo daquele
episódio e faz clara referência ao discurso do ex-presidente Lula, que sempre utilizava a
expressão nunca antes na história deste país, referindo-se a mudanças positivas operadas pelo
seu governo. O discurso da revista se apropria desse discurso e reconfigura seu sentido numa
conotação negativa.
No outro exemplo, instaura-se “O fator surpresa” que é apresentado ao leitor, também
como elemento de crença a partir do olhar do locutor (revista), que é quem profere a
afirmação. A surpresa afirmada pela manchete adquire a conotação de elemento positivo, em
que a combinação da imagem – uma foto alegre do referido candidato, num fundo de cores
suaves e não agressivas – com o texto equilibrado, em tom de novidade positiva, expectativa.
68
Pode-se observar ainda, a partir dos exemplos dos enunciados das chamadas acima,
duas questões importantes para se compreender o processo de construção da informação, que
se referem à representação e aos efeitos de verdade. Em relação às representações, são elas
que constroem uma organização do real por meio de imagens mentais transpostas em discurso
(como em “O fator positivo”) ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos,
sendo tomadas como se fossem a própria manifestação do real. Nesse processo, há a
conformação de um sistema de valores que se torna norma de referência fazendo, portanto,
com que uma construção que representa um aspecto de real seja tomada e considerada como o
real em si (como se observa na manchete “Fúria contra Marina”).
Ocorre que o limite entre esse sistema de representação e os saberes de conhecimento
e de crença é difícil de ser determinado, como revela Charaudeau, uma vez que tais saberes
são construídos no interior desse sistema, o que nos leva a considerar que a interpretação dos
enunciados, por mais “simples” que se apresentem, é uma ação que precisa ser considerada
sob a ótica do cruzamento entre os vários discursos de representação presentes.
Por exemplo, no enunciado abaixo, uma chamada da revista Veja de 08/10/14:
1. Joaquim Barbosa:
OAB nega ao ex-ministro o registro profissional que mensaleiro preso tem
A estrutura do enunciado atribui qualificações aos atores referidos – Joaquim Barbosa,
que é ex-ministro, devidamente identificado de maneira positiva, e mensaleiro preso, uma
denominação genérica, que não identifica um sujeito específico, mas uma categoria de
sujeitos, prevalecendo a alcunha negativa. No contexto de um momento político significativo,
como um processo eleitoral para escolha de presidente da República, essas qualificações
colocam em cena na informação transmitida as crenças presentes nas representações do
locutor, com as quais ele interpela o leitor. Há um posicionamento marcado desse locutor, que
se dilui na estrutura informativa da enunciação. Portanto, pontos de vista são levados ao leitor
como mera informação.
Vejamos outro exemplo, do jornal Estado de Minas de 09/09/2014:
2. “Em meio à crise, Dilma rifa Mantega”
69
Nessa manchete, temos então uma avaliação do locutor em relação a um fato ou
acontecimento – uma declaração dada pela presidente e candidata Dilma Rousseff de que o
então ministro da Fazenda não continuaria num eventual segundo mandato. Novamente, o
ponto de vista do locutor está estruturado como uma informação, instigando o leitor e
levando-o a partilhar tal crença postulada pelo enunciado, qual seja, a de que a presidente da
República está “rifando” seu ministro da Fazenda. Assim, como afirma Charaudeau,
Nessas condições, é nosso direito indagar sobre os efeitos interpretativos produzidos
por algumas manchetes de jornais (ou mesmo sobre determinada maneira de
comentar a atualidade) quando estas, em vez de inclinar-se para saberes de
conhecimento, põem em cena saberes de crença (CHARAUDEAU, 2013, p. 47)
A questão que se coloca, que é particularmente relevante no discurso de informação, é
que as chamadas e manchetes, enunciados aparentemente neutros, como os acima expostos,
mobilizam universos de crenças que levam a interpretações – rifar, para marcar uma relação
institucional num governo pode denotar conflito, incompetência do “rifado” (Mantega),
questionamentos (por que foi mantido até então), instabilidade do governo em questão,
incompetência da presidente, que o manteve na função; “Fúria” pode incitar uma reação
negativa dirigida a quem, teoricamente, está sendo o sujeito dessa ação, como explicita a
manchete de Veja, e uma reação positiva, de proximidade e até mesmo afeição à suposta
“vítima” desse ato de fúria (no caso retratado, a candidata Marina Silva).
Numa menção aos efeitos de verdade, Charaudeau esclarece que o homem baseia sua
relação com o mundo num “crer ser verdade”, portanto, verdade e crença estão intimamente
ligadas no imaginário dos grupos sociais, o que deve ser atentamente observado em se
tratando do discurso de informação. Nesse sentido, o autor faz uma distinção entre valor de
verdade e efeitos de verdade estabelecendo que o primeiro se realiza a partir de construções
explicativas, explicações que se prendem a um saber erudito e são elaboradas com a ajuda de
um aparato científico exterior ao homem, legitimando a construção de um “ser verdadeiro”. O
efeito de verdade, por outro lado, baseia-se num “acreditar ser verdadeiro”, numa convicção, e
surge da subjetividade do homem em sua relação com o mundo.
Como descreve o autor, o efeito de verdade não existe fora de um dispositivo
enunciativo de influência psicossocial, em que está em jogo a busca de credibilidade, que é o
elemento que vai determinar o direito à palavra – para dizer, portanto, é preciso ter
credibilidade. No caso do discurso de informação, ele modula os efeitos de verdade de acordo
com as razões (supostas) para informar, sendo que o crédito dado a determinada informação
70
que circula depende da posição social de quem informa, do papel que desempenha na situação
de troca, da sua representatividade, do grau de engajamento. E os meios de comunicação,
nesse cenário, se apresentam como que desempenhando o papel de um organismo
especializado de informação, unidades institucionais responsáveis por recolher e armazenar
informação, portanto, menos suspeitas de poderem desenvolver e realizar estratégias de
manipulação. Eles se apresentam, assim, como informadores que querem tornar público um
assunto ou tema que poderia ficar oculto ou ser ignorado, que prestam um serviço para a
cidadania.
Entretanto, os meios de comunicação estão também ligados a uma lógica de mercado,
comercial – são empresas que buscam lucro a partir da venda de produtos (informação,
entretenimento etc.), atividades que não podem ser consideradas como prestação de serviço
para a cidadania. Assim, esses meios estão numa lógica de concorrência que os leva a várias
estratégias para conseguir audiência, público e, consequentemente, lucro. Desse modo, diz
Charaudeau,
O imperativo da captação a obriga a recorrer à sedução, o que nem sempre atende à
exigência de credibilidade que lhe cabe na função de serviço ao cidadão – sem
mencionar que a informação, pelo fato de referir-se aos acontecimentos do espaço
público político e civil, nem sempre estará isenta de posições ideológicas
(CHARAUDEAU, 2013, p. 59)
Portanto, essa ambiguidade que se instaura para os meios de comunicação – que se
pretendem informadores neutros, especializados, sendo também empresas que se inserem
numa lógica de mercado – é profundamente definidora da estrutura do discurso de
informação, que não pode, também por esse fator, ser considerado puramente objetivo ou
neutro. Outro aspecto também marcante para esse discurso é que, além da relação com o saber
(pois o discurso de informação detém um saber que outros não possuem), há ainda uma
ligação muito estreita com o poder, pois o saber confere poder a quem o tem. E daí decorre
que ele se torna um discurso pouco passível de contestação, com grande poder social em certa
medida, pois o fato de saber algo que outros ignoram o legitima. Ocorre ainda que o
informador (o veículo de comunicação) não deixa explícito seu engajamento, e a informação
circula como algo evidente. Observem a manchete do jornal Estado de Minas de 30/08/2014:
3. Um país em RECESSÃO
71
O termo recessão aparece num corpo de texto maior que o do restante da chamada, em
destaque, sendo a expressão mais visível. Note-se que há uma dissimulação do sujeito, o que
expressa uma pretensa neutralidade, posto que o locutor não se coloca, não se pronuncia, não
diz, apenas reporta uma pretensa verdade, o que produz um efeito de objetividade, pois não
está marcado, na estrutura da manchete, um posicionamento do sujeito enunciador. Tal
utilização se firma muito mais como recurso gráfico somente, não como posicionamento.
Note-se ainda que o termo recessão faz uma referência a um processo de crise econômica
grave, e essa informação, legitimada por um veículo que detém o saber e pode informar,
expressa a “verdade” que se evidencia.
3.1.2 Contrato de comunicação
A primeira coisa a se considerar em relação a um contrato de comunicação é que o
discurso depende das condições efetivas da situação de troca, que é onde ele surge, e é essa
situação de troca que vai se configurar no quadro de referência ao qual os indivíduos de dada
comunidade se reportam quando iniciam a comunicação. Charaudeau considera que a situação
de comunicação é, portanto, um palco, com as restrições devidas de espaço, tempo,
convenções simbólicas, práticas, valores, sendo que existe um jogo de regulação das práticas
sociais, e os indivíduos que querem comunicar precisam levar em conta os dados da situação
de comunicação.
O contrato, portanto, é um acordo prévio sobre os dados do quadro de referência, que
envolve dados externos (construídos pela regularidade comportamental dos indivíduos que
efetuam trocas no campo de determinada prática social) e internos (que são os propriamente
discursivos, que mostram o “como dizer”). Sobre os dados externos, eles podem ser
agrupados em quatro categorias: condição de identidade (requer que todo ato de linguagem
dependa dos sujeitos nela inscritos, e num contexto como o dos jornais, o fato de o locutor ser
um jornalista é um traço pertinente em muitas situações de comunicação), condição de
finalidade (todo ato de linguagem deve ser ordenado em função de um objetivo, há uma
expectativa de sentido em que a troca se baseia), condição de propósito (requer que todo ato
de comunicação seja construído em torno de um domínio de saber ou uma maneira de recortar
o mundo) e condição de dispositivo (o ato de comunicação deve ser construído de uma
determinada maneira, de acordo com as circunstâncias materiais em que se desenvolve).
Os dados internos indicam o “como dizer”, especificando como deve ser o
comportamento dos parceiros na troca, as formas de falar, os papéis linguageiros que
72
assumem, as formas verbais usadas, e se dividem em três espaços de comportamento: locução
(onde o sujeito falante administra a questão da tomada de palavra), relação (onde o sujeito
estabelece relações de força ou de aliança quando constrói sua identidade de locutor e a do
interlocutor) e tematização (onde se organiza o domínio do saber, o tema da troca). A
comunicação midiática coloca as instâncias de produção e de recepção em relação, sendo que
a primeira tem, supostamente, um duplo papel (fornecer informação e ser propulsora do
desejo de consumir informação) e a segunda esfera, também supostamente, deveria manifestar
seu interesse em consumir as informações.
Entretanto, Charaudeau chama atenção para o fato de que os processos não se dão
linearmente dessa maneira, pois, na verdade, essa relação se estabelece de diversas formas.
Primeiramente, em relação a esse processo não se trata apenas de mera transmissão de um
saber, mas, na verdade, trata-se muito mais de se inteirar dos acontecimentos do mundo,
apropriar-se deles e, então, construir um determinado saber. Desse modo, deve-se considerar a
instância de produção em duas vertentes: “ora como organizadora do conjunto do sistema de
produção, num lugar externo, ora como organizadora da enunciação discursiva da
informação” (CHARAUDEAU, 2013, p. 72). Na instância de produção estão presentes
diversos tipos de atores, e é a instância que representa a ideologia do organismo de
informação. Esse aspecto é particularmente relevante porque, em relação ao processo de
transmissão, tem-se a ideia de senso comum de que a informação já contém um conjunto de
saberes que preexistem, ou seja, para o público (leitores/espectadores), prevalece a imagem de
que o jornalista, ator nesse processo, é o sujeito que apenas “coleta” informações que já estão
prontas.
Em relação à instância de recepção – leitores, telespectadores e ouvintes – há algumas
considerações que se fazem relevantes para a compreensão do processo, como Charaudeau
elenca. Primeiramente, a diferenciação em relação ao suporte, como mencionado acima, o que
implica diferenciações em termos de reação e expectativa. Em segundo, a priori, a instância
de produção não conhece a identidade social de seu público, que é heterogêneo, apesar das
pesquisas de perfil que os veículos realizam. E aqui se instaura um problema para os meios
em relação a perceber a motivação do seu público e o impacto da informação divulgada, o
que, no entanto, não os impede de fazerem projeções – que envolvem considerações sobre
possíveis valores sociais, éticos, morais, afetivo-sociais desse público – e ajustarem suas falas
e modus operandi na produção da informação a essas projeções.
Assim, a partir dessas projeções e hipóteses, a instância de produção midiática busca e
utiliza estratégias discursivas para ir ao encontro dos interesses do seu público, despertar sua
73
atenção e motivá-lo com informações de certa forma úteis à sua conduta na vida cotidiana (em
suas atividades sociais), quando ele ocupa determinada posição social, estabelece relações
com o outro e detém o saber, tendo a capacidade de comentar a realidade. E tal suporte para o
sujeito – percebam a relevância desse aspecto – é dado pela instância midiática, pela
informação que essa instância faz circular. Há ainda que se considerar a perspectiva de um
alvo afetivo, que tem reações de ordem emocional, tomando-se como suposto que as
instâncias midiáticas também constroem informações que se voltam ao objetivo de tocar a
afetividade do sujeito, a partir de estratégias discursivas. Considerando-se o discurso de
informação, é importante observar que as estratégias discursivas mesclam os públicos-alvo na
construção da informação, trazendo elementos tanto racionais quanto emotivos no trabalho de
construção da informação, o que se torna evidente que, em se tratando de manchetes e
chamadas de capa, precisam despertar de imediato o interesse do público.
Feitas essas considerações, qual é a relevância, portanto, de se compreender o
funcionamento do contrato de comunicação para a análise do discurso de informação? Em
primeiro lugar, pela possibilidade de considerar que a transmissão de informação, que envolve
instâncias e diversos atores, é dinâmica e não se dá de modo linear, como simples
transmissão. Em segundo, considerar que há, no contrato de comunicação, a presença de
atores diversos, com papéis atribuídos e que constroem representações e saberes,
influenciando e determinando o modo como um acontecimento do mundo se transforma em
informação e se faz circular. Além do que, ter claras as relações estabelecidas nos permite
compreender que o processo de transmissão/produção de informação na comunicação
midiática não é neutro, como mero processo de transmissão. E, por último, perceber que a
informação não tem nada de preexistente, ela não está pronta, apenas esperando para ser
coletada – ela é, de fato, um objeto mediado, construído.
3.1.3 A construção de um enredo
A imagem construída em relação à imprensa – e corroborada pelo senso comum – é a
de que a ela, com seus diversos instrumentos, cabe o papel de “zelar” pela “verdade” e de
levar tal verdade ao cidadão, sob forma de notícia, o que assegura a legitimidade do bordão
“saiu na imprensa”, que lastreia várias práticas discursivas cotidianas (a conversa em família,
nos espaços sociais, no local de trabalho etc.). Em referência a essa conotação, vale tomar o
que Sodré (2009) descreve como a noticiabilidade de um fato, que se trata da condição de
possibilidade para que um determinado fato venha a se tornar notícia, sendo que os valores
74
que sustentam tal critério podem variar de acordo com o lugar do fato, as circunstâncias ou
mesmo sua importância15
.
Aliado a esse conceito há a elaboração da ideia de objetividade jornalística, em que a
mídia, mais especificamente o jornalismo, funciona como espécie de espelho do mundo. No
cenário midiático, no âmbito da informação, Sodré a considera como a construção de um
enredo, não sendo um simples retrato da realidade, mas sim o “aproveitamento de aspectos
dessa realidade para a construção de um discurso semelhante” (SODRÉ, 2009, p. 37). Fica,
então, a indagação: como podemos operar com a categoria “verdade objetiva dos fatos” se a
estrutura da mídia está dada como negócio e atrelada a instâncias de poder?
A abordagem sobre verdade, ainda que a proposta aqui desenvolvida não seja a de
uma discussão sobre o tema, faz-se relevante por sua relação com a prática discursiva
jornalística, em que, como pontua Sodré, a noção é a de uma correspondência entre enunciado
e fatos do mundo, sendo que o conceito é tomado como sendo parte do enunciado, e não da
enunciação, e em que cabe à imprensa ser esse meio que difunde a “verdade”, um instrumento
superior de esclarecimento.
3.2 Estratégias do discurso midiático
Perceber as estratégias do discurso midiático, notadamente no jornal impresso, objeto
de nossa análise, é também compreender que tais estratégias operam na construção de sentido
e, portanto, assumem papel significativo na produção de consensos, pois quem interpreta um
enunciado reconstrói seu sentido a partir das indicações que estão presentes nesse mesmo
enunciado (MAINGUENEAU, 2013). Nesse processo, há identidades que se estabelecem – a
partir de diversos recursos, como uso de verbos determinados, adjetivações (para qualificação
– positiva ou negativa), uso de conectivos, tratamento do discurso reportado (uso de discurso
direto, indireto, livre)16
– pelos jogos de poder que se materializam na linguagem. Sendo que
tais identidades se estabelecem e são reforçadas pelas estratégias do discurso midiático, como
aponta Gregolin:
Como dispositivo social, a mídia produz deslocamentos e desterritorializações. Ao
mesmo tempo, o trabalho discursivo de produção de identidades desenvolvido pela
mídia cumpre funções sociais básicas tradicionalmente desempenhadas pelos mitos
– a reprodução de imagens culturais, a generalização e a integração social dos
indivíduos. (GREGOLIN, 2007, p. 17).
15
Em “A narração do fato”, Sodré (2009) faz uma extensa discussão sobre o conceito de notícia. 16
Tais estratégias ficarão mais evidentes no decorrer da análise do corpus.
75
Em relação às indicações de interpretação de que fala Maingueneau, é claro que a
audiência – leitores e espectadores – não é totalmente manipulável todo o tempo, mas essas
indicações presentes no discurso midiático levam sim a caminhos possíveis de interpretação, a
partir de reconstruções e da assimilação de interdiscursos. Trata-se, de fato, de rechaçar a
ideia do enunciado como encadeamento de sintagmas ou sequência de signos – no caso aqui
considerado, das chamadas e manchetes, elas estabelecem uma relação com o destinatário
(leitor de jornal e/ou revista) e querem mostrar algo e direcionar uma interpretação. Nesse
contexto, há um elemento muito importante para esse processo: a credibilidade de que os
meios de comunicação desfrutam, pois para que se institua a relação com a audiência, é
fundamental que a instância que comunica desperte a confiança para poder dizer.
3.2.1 As leis do discurso
As leis desempenham um papel importante na interpretação dos enunciados, pois
permitem a transmissão de conteúdos implícitos, que estão subentendidos, sendo que o leitor
é levado, pelas estratégias discursivas, a inferir determinadas proposições. As leis são:
a) pertinência e sinceridade – a enunciação deve ser adequada ao contexto em que
ocorre, despertando interesse no destinatário. A partir dessa lei, o interlocutor vai
inferir um conteúdo implícito e procura sempre a pertinência daquela enunciação.
Retomemos o exemplo “Um país em RECESSÃO”, já citado.
Ao propor tal manchete, o locutor mostra ao destinatário (o leitor do jornal) que aquele
tema – recessão - é relevante, pois é pertinente ao contexto. Para o leitor, fica a
possibilidade de inferir que se o país está em recessão (posto que a estrutura da
manchete não dá margem a conjecturas, pois faz uma afirmação), o que significa
dificuldades, momentos ruins para a economia e as pessoas, desemprego, perda de
renda, e uma série de desdobramentos, todos com uma conotação negativa.
No caso da lei da sinceridade, ela diz respeito ao engajamento do enunciador no ato de
fala que ele realiza, pois, ao se afirmar algo, é necessário estar em condições de
garantir a verdade daquilo que é dito (MAINGUENEAU, 2013);
b) informatividade – incide sobre o conteúdo e diz que os enunciados devem fornecer
informações novas, ou seja, não se deve “falar” para não dizer nada. Dessa lei, é
76
possível que o destinatário faça inferências considerando que, se um enunciado que foi
proferido não diz nada, é porque há um outro conteúdo, um conteúdo implícito;
c) exaustividade – especifica que o enunciador deve dar a informação máxima, de
acordo com a situação. Essa lei também determina que não se esconda uma
informação importante. Tal postulado é interessante para a abordagem de chamadas e
manchetes dos veículos de comunicação porque, numa manchete ou chamada de capa,
está suposto que:
Ali está a informação a mais completa possível para que o leitor a compreenda.
No entanto, as chamadas, muitas vezes, capturam excertos da informação, até
modificando sua integralidade, o que somente será possível apreender no decorrer
da leitura da notícia;
A informação dada é a mais relevante do ponto do vista “objetivo” da informação
ao leitor. No entanto, isso não é o que ocorre, posto que os editores escolhem,
elegem, elencam aquele viés que parece mais condizente com uma série de fatores
– linha editorial do veículo, situação contextual, posicionamentos etc;
d) modalidade – prescreve clareza (pronúncia, escolha das palavras) e economia
(formulação mais direta).17
3.2.2 O dito e o modo de dizer
Em relação ao dizer, há duas dimensões que se colocam com as modalizações, de
acordo com Emediato (2013): o dito, que é o conteúdo da proposição, e o modo de dizer, que
se refere à forma escolhida, à atitude em relação ao dizer, o que pressupõe a subjetividade do
enunciador. Segundo o autor, a modalização não deve ser considerada apenas do ponto de
vista de se considerar a probabilidade de uma asserção, mas sim sob o ponto de vista de uma
apreciação, uma modalização apreciativa, que denota um julgamento do sujeito enunciador, e
também de uma modalidade intersubjetiva, que trata da relação entre sujeitos e locutores.
Ao abordar a presença da opinião no tratamento da informação jornalística, o autor
aponta que, na chamada imprensa de referência18
, há dois polos, sendo um marcado por uma
planificação sobre a heterogeneidade de opiniões, de vozes, e por outro lado, uma
dissimulação da voz do jornal. E o que caracteriza, portanto, a imprensa de referência não é
17
Tomo essas leis como referências de uma situação ideal, uma vez que a imprensa se estrutura na perspectiva
de alguns mitos, como objetividade, neutralidade e imparcialidade. A imprensa real, entretanto, age de outra
forma, contrariando, muitas vezes, tais preceitos. 18
A chamada grande imprensa, a imprensa comercial, formada pelos grandes grupos midiáticos.
77
simplesmente a presença ou não de opinião, mas a forma de gerenciamento de vozes e de
pontos de vista em relação aos fatos. Nos tipos textuais aqui considerados, as manchetes e
chamadas de capa do Estado de Minas, da Folha de S. Paulo e da revista Veja, elas trazem
uma visada pretensamente informativa, um fazer-saber, mas que se mescla, por várias
estratégias, a um fazer-crer. Tais tipos têm uma estrutura assertiva, em que o locutor reporta
um fato. No entanto, como esclarece Emediato,
Mas sabemos que, se a asserção pretende descrever o mundo tal como ele é, ela pode
também expressar, e fazer circular, um ponto de vista, pois é raro que um enunciado
não comporte uma atitude modal qualquer. (EMEDIATO, 2013, p. 70)
A manchete a seguir pode deixar mais clara tal colocação:
Figura 15 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“Copa melhora o humor do país, e Dilma cresce”
Fonte: Copa melhora o humor do país, e Dilma cresce. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.137,
3 jul. 2014.
O fato está dado, é uma afirmação do jornal, mesmo em se tratando de uma
possibilidade não confirmada por nenhum sujeito explícito na manchete. Na chamada, estão
expressos dois enunciados que trazem informações distintas, sendo que a relação se estabelece
apenas pela estrutura do enunciado (......melhora humor..... e.....cresce), dada pelo jornal. Ali
se estabelece um ponto de vista de quem enuncia, o jornal, que não aparece, pela estrutura
delocutiva da afirmação, como sujeito enunciador. E também uma opinião, ou um desejo
78
implícito, pois tal fato mencionado não é corroborado por nenhuma fonte – um economista,
governo, instituto de pesquisa – nem recorre a dados (na manchete) que o comprovam. Trata-
se de uma especulação feita a partir de outras informações distintas, mas que na forma como
se dá a enunciação pela manchete adquire o status de uma afirmação pautada por informações.
Outra estratégia a que o autor se refere é a do apagamento enunciativo do
locutor/jornal, o que não significa, entretanto, que não haja a assunção de determinados
pontos de vista desse locutor, o que se mostra procedente pelo tratamento dado ao discurso
relatado, havendo a possibilidade, pelas estratégias discursivas, de o locutor assumir ou não os
pontos de vista do segundo locutor, como na chamada:
4. “Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas’
No jornal Estado de Minas, por exemplo, é clara a diferenciação no tratamento dado
aos discursos relatados de acordo com o ator em questão. Observamos que, em se tratando do
discurso do candidato Aécio Neves, a forma é direta, utilizando-se aspas e a fala literal, no
caso dos demais candidatos, isso não ocorre. Dessa forma, como a voz do locutor/jornal está
apagada, não identificada, há uma dificuldade para o leitor em interpretar o enunciado como
ponto de vista, como salienta Emediato (2013), ainda que haja a perspectiva de que alguns
leitores possam identificar tal construção como um posicionamento do jornal.
Os enquadramentos são também importantes estratégias discursivas que Emediato
destaca, sendo eles considerados como esquematização que orienta o olhar do outro. As
operações de enquadramento, aponta o autor, têm um papel muito importante no discurso de
informação no sentido de que a instância de produção necessita prever as reações dos
destinatários, uma vez que esses enquadramentos têm a capacidade de ativar, na memória do
leitor, conteúdos e valores. Além disso, os enquadramentos são operações discursivas cuja
intenção é agir sobre as representações do outro. Os tipos de enquadramento são os seguintes:
a) pela tematização: circunscreve a argumentação pelo tema, em que o sujeito que
informa mostra um determinado objeto que ele tematizou. A mídia, por exemplo, tem
conhecimento de que há uma preocupação latente com a volta da inflação, assim, o
enquadramento nesse tema – como ocorreu fortemente durante o processo eleitoral de
2014 – é uma operação discursiva que age sobre as representações do outro ao propor
um debate inserido em seus enquadres;
79
b) por designação: impõe atributos aos seres, e ao fazer isso, revela tomadas de posição,
sendo, portanto, uma modalidade apreciativa. As designações provocam um raciocínio
dedutivo e ainda sugerem laços de causalidade, e os acontecimentos se tornam
simbólicos quando agentes são enquadrados pelas escolhas designativas do
enunciador/locutor, como se ilustra pelo exemplo da chamada a seguir, da revista
Veja:
Figura 16 – Manchete revista Veja:
“Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de miseráveis
para dar dinheiro a políticos”
Fonte: Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de miseráveis para dar dinheiro a políticos.
Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.392, n. 47, 24 set. 2014.
A designação “petistas” é assumida pelo locutor, atribuindo a determinado grupo
político uma alcunha que passa a representá-lo, utilizada prioritariamente, como observamos,
em referência a aspectos negativos (roubo, corrupção, desvio de dinheiro, escândalo);
c) pelo questionamento: em termos enunciativos, a escolha da questão chama o leitor a
uma problematização, sendo que uma única questão pode comportar efeitos de sentido
distintos;
d) pelo dizer do outro: o uso de verbos de atitude remete ao comportamento psicológico
do agente focalizado no enunciado, e quando utilizados nos enunciados da imprensa,
80
qualificam a ação do locutor. Essa estratégia indica ao leitor em que perspectiva ele
deve compreender aquele dizer.
Trazemos dois exemplos, ambos do jornal Estado de Minas, para mostrar como o
relato das ações do outro pode revelar um posicionamento do próprio locutor (jornal). O
primeiro, já mencionado anteriormente, é “Em meio à crise, Dilma rifa Mantega” – quando o
verbo que marca a ação da então candidata e presidente Dilma Rousseff pode direcionar a
uma interpretação do leitor no sentido de considerar que a presidente não sabe o que fazer
com o ministro da Fazenda, ou que está despreparada e, em sinal de problema, toma atitudes
impensadas. Há ainda uma desqualificação do ministro, pois, se há crise e ele será “rifado”,
pressupõe-se uma incompetência e a tentativa de mostrar que existe uma intriga entre os dois
principais atores da cena política do país – a presidente e seu ministro da Fazenda – uma vez
que a ação de “rifar” determinado sujeito tem um teor pejorativo.
Em outro exemplo, abaixo:
5. “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”
Temos que o sujeito agente desfere uma ação que denota força – atacar – e mostra
coragem e a sua atitude diante de um determinado cenário e em defesa do estado. Em se
tratando do contexto de disputa eleitoral, deixa nas entrelinhas, de modo implícito, que o mais
forte e corajoso é mais bem preparado para o desafio de governar. Em outros capítulos, vamos
abranger essa abordagem, que se revelou um padrão discursivo no jornal.
3.3 Padrões de manipulação
Abramo (1988) afirma que uma das principais características da imprensa é a
manipulação da informação, cujo efeito principal “é que os órgãos de imprensa não refletem a
realidade”, e a informação faz, portanto, nessa perspectiva, uma referência indireta à
realidade.
Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para representar
outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade
artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar
da realidade real. (ABRAMO, 1988, p. 23)
81
Segundo o autor, podem ser observados quatro padrões de manipulação da imprensa,
de modo geral, e um padrão específico do telejornalismo. A seguir, descreveremos os quatro
padrões gerais, e não abordaremos o padrão específico do telejornalismo por ele não ser
relevante para a análise desenvolvida. A manipulação das informações, para Abramo, se torna
manipulação da realidade, e tal fenômeno deve ser compreendido como um procedimento
geral da produção cotidiana da imprensa, ou seja, não há uma manipulação de tudo o que a
imprensa produz durante todo o tempo. Isso porque, se assim ocorresse, os meios não teriam
credibilidade, e os efeitos da manipulação seriam pouco expressivos. Portanto, o que se
observa são padrões de manipulação na produção jornalística, como descritos a seguir:
a) padrão de ocultação – Refere-se à ausência e à presença de fatos reais na produção
do material da imprensa. Não se trata de desconhecimento ou de omissão do meio. É
um silêncio deliberado em relação a determinados temas e/ou abordagens. Nesse
processo, o fato jornalístico19
é tomado como algo dado, como representação do real
em si, e não como construto;
b) padrão de fragmentação – O todo real é apresentado de modo fragmentado, como
fatos particularizados, sem uma conexão com o todo real, com o contexto, separados
de fatos antecedentes e consequentes. “O padrão de fragmentação implica duas
operações básicas: a seleção de aspectos, ou particularidades, do fato e a
descontextualização”20
;
c) padrão de inversão – Há um reordenamento das partes do fato já descontextualizado
e fragmentado, um rearranjo em que se opera uma troca de lugares e de importância
dessas partes, o que culmina na criação de outra realidade. Tal padrão opera tanto no
nível do planejamento da notícia quanto no nível da coleta da informação, mas o
“auge” desse processo se dá no momento da edição;
d) padrão de indução – Com a sistemática e constante manipulação que ocorre na
grande imprensa, como apontam os padrões já citados, os leitores e espectadores
perdem a possibilidade de compreender o que realmente ocorre, ficando expostos a
19
Abramo aponta que há uma concepção em voga de que existem fatos jornalísticos e fatos não jornalísticos, e
cabe à imprensa dar relevância aos primeiros. No entanto, “o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e
fatos não jornalísticos, pela primária razão de que as características jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não
residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação que o jornalista, ou melhor, o órgão
de imprensa, decide estabelecer com a realidade” (ABRAMO, 1988, p. 26) 20
No processo de seleção de particularidades, o fato é decomposto, atomizado, dividido em aspectos. E a
imprensa terá o papel de selecionar o que vai apresentar ou não ao público. No processo de
descontextualização, uma vez isolados os fatos, perde-se o significado original, e um outro significado emerge,
muitas vezes contrário ao originalmente exposto.
82
uma realidade criada e recriada, e são induzidos a ver uma determinada versão do
mundo, da realidade. Assim,
“a indução se manifesta pelo reordenamento ou pela recontextualização dos
fragmentos da realidade, pelo subtexto – aquilo que é dito sem ser falado – da
diagramação e da programação, das manchetes e notícias, dos comentários, dos sons
e das imagens, pela presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da
sociedade e de personagens” (ABRAMO, 1988, p. 26).
83
4. USO DO CONECTIVO “MAS” NAS MANCHETES DE JORNAL
O objetivo deste capítulo é analisar o uso do conectivo “mas” nas manchetes de
economia do jornal Folha de S. Paulo como estratégia de argumentação e intencionalidade
para construir um discurso informativo. Nesse sentido, a proposta de trabalho tem como foco
três objetivos principais:
a) discutir, a partir de perspectivas teóricas que enfocam argumentação, a construção
discursiva manifesta nessas manchetes;
b) abordar de que maneira a articulação de dois segmentos mediante o uso do conectivo
“mas” opera na construção de sentido;
c) derivar a estratégia informativa do jornal em questão a partir dessa articulação
argumentativa, relacionando-a ao contexto sócio-histórico-ideológico de produção e
recepção das manchetes.
Para empreender a análise, escolhi como objeto as manchetes das edições diárias do
jornal Folha de São Paulo no período de janeiro a outubro de 2014, totalizando 299 edições,
com a ocorrência de 69 estruturas com utilização do conectivo mas. Tais manchetes, em que
observo o uso do conectivo “mas”, estão presentes na capa do jornal – podendo ser ou não a
chamada principal – e no Caderno Mercado, que traz notícias sobre economia e mercado
financeiro. Na contextualização, é relevante observar que podemos subdividir esse período em
dois momentos, sendo o primeiro de janeiro a junho de 2014, momento imediatamente
anterior à realização da Copa do Mundo no Brasil. Nesse contexto, começa a haver uma
retomada na avaliação positiva do governo Dilma Rousseff, cujo elemento catalisador são os
índices econômicos, como emprego e renda. O segundo momento é marcado pela realização
das eleições para escolha do presidente da República, período em que há uma forte
polarização política no país.
84
4.1 Padrões identificados nas manchetes
a) O tema é, prioritariamente, relativo aos reflexos das ações de política econômica do
governo, com referência a indicativos de desemprego, renda, consumo, taxa de juros e
controle da inflação;
b) Verificamos a ocorrência dessa estrutura (p mas q) também em assuntos relativos aos
temas política e cotidiano, mas em ocorrências bastante pontuais, não significativas
para a análise;
c) Nas manchetes de caráter econômico e político que trazem a estrutura p, mas q, está
prioritariamente marcada uma oposição de enunciados, onde “mas” funciona como um
marcador argumentativo que atribui uma determinada direcionalidade na interpretação
para os segmentos que coloca em relação. Essa estrutura das manchetes retrata
tipologicamente dois tipos de situação p, mas q, em que se percebe:
Uma oposição expressa entre as conclusões decorrentes dos enunciados, em que a
segunda conclusão ganha peso maior que a primeira – ela retira a “força” da
primeira conclusão como fato jornalístico (a conclusão é que o fato positivo
noticiado no primeiro enunciado não é assim tão positivo, pois o segundo
enunciado neutraliza o primeiro)
Uma estrutura p mas q em que o segundo enunciado expressa um ponto de vista,
que neutraliza o que expressa o primeiro enunciado.
4.2 Argumentação
Para desenvolver a fundamentação da análise, buscamos o quadro da Teoria da
Argumentação na Língua, formulada por Anscombre e Ducrot (1972, 1980, 1983), a partir da
abordagem apresentada por Maingueneau (1997). Nesse quadro, os autores abordam
princípios que determinam a adequação dos enunciados com relação ao contexto linguístico
em que aparecem, destacando-se a argumentação como um dos tipos de encadeamento entre
duas ou mais orações com uma determinada direção.
Pode-se afirmar que o ponto central dessa teoria consiste em mostrar quais são os
elementos, as regras e os princípios que determinam a organização e a interpretação dos
enunciados argumentativos, sendo a argumentação vista como um fenômeno interno da
85
língua, em que o locutor manifesta sua intenção de que seu interlocutor chegue a uma
determinada conclusão. Assim,
Um locutor faz uma argumentação quando apresenta um enunciado E1 (ou um
conjunto de enunciados) destinado a fazer admitir um outro (ou um conjunto de
outros) E2. Nossa tese é que que existem coerções na língua que regem essa
apresentação. (DUCROT, ANSCOMBRE apud MAINGUENEAU, 1997, p. 161).
Em relação a essa definição, Maingueneau esclarece que quando o locutor apresenta
um enunciado A a favor de uma conclusão C, tal proposição não significa que o locutor
“leva” o alocutário a “pensar” C. O que essa formatação indica é que o locutor apresenta A
como sendo capaz de conduzir o alocutário ou destinatário da mensagem a concluir C, como
forma de acreditar em C. Além disso, esclarece, é constitutivo do discurso que haja uma
orientação para certa direção
Especificamente em relação ao conectivo “mas”, trata-se de um recurso linguístico que
serve para que o falante/locutor oriente uma direção argumentativa na construção de seus
enunciados e que fornece ao destinatário/alocutário instruções que lhe servirão de guia para
interpretar tais enunciados. Cumpre, portanto, a função de marcador argumentativo,
atribuindo uma direcionalidade, uma orientação argumentativa aos segmentos que coloca em
relação.
Como salienta Maingueneau, “os linguistas distinguem, habitualmente, dois mas: um
mas de refutação (cf. em alemão sondern e em espanhol sino) e um mas de argumentação”
(1997). Assim, esclarece Maingueneau, o mas argumentativo faz a ligação entre dois atos
distintos, em que identificamos o movimento “P mas Q”. É a perspectiva do segundo “mas”
que interessa nesta análise. “Ducrot parafraseia desta forma o movimento P mas Q: ‘Sim, P é
verdadeiro; você teria a tendência de, em decorrência disso, concluir R; mas não deve fazê-lo,
pois Q (Q é apresentado como um argumento mais forte para não-R do que P o é para R’”
(MAINGUENEAU, 1997, p.165).
Para buscarmos uma compreensão mais ampliada do significado da argumentação na
AD, trazemos aqui as reflexões de Amossy (2011) que possibilita abordar a perspectiva do
convencimento e de uma reorientação de sentido que é relevante para a análise do discurso de
informação, especificamente considerando o uso do mas em manchetes. Segundo a autora, há
uma dimensão argumentativa do discurso, em que um locutor busca influenciar um alocutário
ou uma audiência, perspectiva que identificamos como presente no discurso de informação.
86
O quadro proposto por Amossy, como exposto no Capítulo 2, possibilita perceber
diversos aspectos da análise argumentativa e da abordagem da argumentação no discurso para
ajudar a compreender como ela se insere no interior do discurso de informação. Segundo a
autora, a argumentação se inscreve no interdiscurso, não estando segregada apenas na
materialidade discursiva, quando se consideram os usos de verbos, expressões, adjetivos etc.,
mas também no modo de assimilar a voz do outro. Por outro lado, o discurso argumentativo
se insere numa situação real de comunicação, e o locutor apresenta um ponto de vista. E uma
vez que o ponto de vista do locutor está situado num “já dito” preexistente, é necessário,
então, observar a organização textual e o modo como o locutor escolheu para dispor os
elementos do seu discurso. Há, como a autora aponta, uma dimensão social e institucional do
discurso, quando se abandona o universal atemporal para um domínio do social, em que
ganham peso as condições históricas e sociais.
4.3 O conectivo “mas” e o uso nas manchetes de jornal
Observando-se a utilização do conectivo “mas” nas manchetes do jornal Folha de S.
Paulo, como nos exemplos mostrados a seguir, podemos observar estratégias importantes para
a construção de sentido.
Figura 17 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:
“Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai”
Fonte: Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,
n. 30.984, 31 jan. 2014.
87
Figura 18 – Título jornal Folha de S. Paulo:
“Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir”
Fonte: Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.038, 26 mar. 2014.
Figura 19 – Título jornal Folha de S. Paulo:
“BC indica alta do juro, mas inflação menor deixa dúvidas”
Fonte: BC indica alta do juro, mas inflação menor deixa dúvidas. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,
n. 30.977, 24 jan. 2014.
88
Figura 20 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:
“Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial”
Fonte: Arrecadação federal sobre, mas fica aquém da meta oficial. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,
n. 30.976, 23 jan. 2014.
Figura 21 – Título jornal Folha de S. Paulo:
“Arrecadação é recorde, mas não bate meta”
Fonte: Arrecadação é recorde, mas não bate meta. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,
n. 30.976, 23 jan. 2014.
89
Figura 22 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“Desemprego cai ao menor nível, mas renda sobre menos”
Fonte: Desemprego cai ao menor nível, mas renda sobre menos. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,
n. 30.984, 31 jan. 2014.
Figura 23 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:
“Dilma mantém liderança, mas empata com Aécio no 2º turno”
Fonte: Dilma mantém liderança, mas empata com Aécio no 2º turno. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.152, 18 jul. 2014.
90
Figura 24 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:
“Inflação recua, mas reajuste da energia deve pressioná-la”
Fonte: Inflação recua, mas reajuste da energia deve pressioná-la. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.157, 23 jul. 2014.
Buscando-se estabelecer um padrão do uso do conectivo mas, podemos notar que, tal
como ilustrado pelas figuras acima, as manchetes explicitam uma oposição entre dois
enunciados que abordam assuntos econômicos, em que um aspecto negativo (exposto no
segundo enunciado) se torna mais relevante que um fato positivo (expresso pelo primeiro
enunciado). Nessa estrutura, percebe-se uma tentativa de neutralização, em que o primeiro
enunciado traz sempre uma notícia positiva, que é anulada pelo que expõe o segundo
enunciado. Tal estrutura ocorre quando é noticiado um fato econômico positivo referente à
então política econômica do governo federal. É possível observar como a ideia de uma
oposição entre as notícias apresentadas fica evidente no exemplo apresentado pela Figura 17:
“Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai”.
A importância do fato de que a renda está subindo para os empregados domésticos fica
encoberta e diminuída pela ideia interposta pelo conectivo de que, apesar de a renda subir, a
ocupação está caindo. O sentido presente é o do contraditório, de que a notícia trazida pelo
primeiro enunciado não é, na verdade, um aspecto positivo. Dessa forma, o fato positivo
noticiado ou retratado no primeiro enunciado – como, por exemplo, em “Arrecadação é
recorde, mas não bate meta” (Figura 21) – é anulado pelo segundo enunciado, que traz uma
ideia de contraposição ao fato apresentado no primeiro enunciado.
Pelo padrão que se apresenta, o que se percebe é que o jornal, ao utilizar o “mas”,
busca propositadamente explicitar uma contradição na manchete, quando o segundo
enunciado abertamente contradiz o primeiro, refutando um aspecto econômico positivo. Nota-
se ainda, com essa estrutura, que há um conflito entre o dever de informar e a necessidade de
neutralizar, sendo que o “mas” aponta claramente para uma direcionalidade dirigida à
91
neutralização de um aspecto positivo, como vemos também nos exemplos das figuras 20, 22 e
23.
Como enfatiza Maingueneau (1997), o uso do conectivo coloca em jogo não somente
o enunciado, mas sim todo o movimento discursivo e, desse modo, compreender o uso dos
conectivos significa verificar a aplicação de instruções para interpretação que estão vinculadas
a esse conectivo. Podemos dizer, então, que não se trata de uma estrutura usual ou um padrão
comum nas manchetes de jornal que pretendem informar. É, de fato, uma estratégia
argumentativa que visa à produção de sentido, pois o alocutário vai buscar uma informação
fazendo o processo de reconstrução de sentido do enunciado. É o que se pode observar no
exemplo da Figura 18, em que o leitor deveria concluir R (relativo ao enunciado P –
“Arrecadação federal sobe”), no entanto, não irá fazê-lo, pois Q (“mas imposto da cerveja
deve subir”) direciona para outra conclusão, não-R. O argumento P torna-se, portanto,
“negligenciável” para o locutor. Como afirma Maingueneau, não há, a priori, uma oposição
entre os enunciados, ela se institui pelo próprio movimento do texto, com o uso do conectivo.
Ele aponta, ainda, que algumas oposições estabelecidas são legitimadas pelo contexto, o que
podemos inferir em muitas das manchetes observadas, em que uma oposição se estabelece
forçadamente entre os enunciados, pois não há aparente relação entre a arrecadação federal
bater recorde (P) e o imposto da cerveja subir (Q).
O locutor negligencia, pela estrutura argumentativa utilizada, a proposição P,
tornando-a menos forte que a proposição Q. Ainda em relação a essa chamada, podemos
questionar qual a lógica desse enunciado que está formulado, pois a estrutura utilizada,
sempre visando a uma contraposição a ações positivas do governo federal, acaba por produzir
chamadas que não têm um sentido lógico. O que esse enunciado traz? A suposição de que as
pessoas vão beber menos? Ou de que o imposto deveria baixar para se poder beber mais (o
que demonstra o desconhecimento do jornal em relação a pedidos da OMS para que o Brasil
aumente o imposto de bebidas alcoólicas, pois se trata de uma tarifação das mais baixas do
mundo)?
Considerando-se o exemplo da manchete da Figura 22, “Desemprego cai ao menor
nível, mas renda sobe menos”, podemos afirmar que o discurso traz uma tentativa de “fazer
ver” a realidade apresentada pela notícia de determinada maneira, agindo sobre o outro (no
caso, o leitor), dando uma direcionalidade que orienta um modo de ver. Importa, então,
considerar como o discurso destinado a informar – o discurso jornalístico – direciona o olhar
do alocutário para certa interpretação, que estratégias são utilizadas para esse fim.
92
Assim, na manchete citada, que relação pode-se estabelecer entre “desemprego cair” e
“renda subir menos”? Esse exemplo pontua um posicionamento do sujeito enunciador ao
construir e ressaltar, intencionalmente, um aspecto negativo, pois o segundo enunciado não é
sequer uma oposição direta ao primeiro. Na verdade, o aspecto negativo não se expressa de
fato, pois a manchete informa que a renda subiu – menos, mas subiu.
Há uma escolha do sujeito na abordagem dos fatos, no trabalho de tornar explícito ou
ocultar determinados aspectos. Nesse movimento, um aspecto secundário (“renda sobe
menos”) postulado no segundo enunciado ganha relevância ao se contrapor ao primeiro
enunciado, que traz a informação mais significativa (“Desemprego cai ao menor nível”), que
já se anuncia pela ordem disposta (está em primeiro lugar na estrutura da manchete). Note-se
que, ao se utilizar essa estrutura, o sentido da manchete se altera, pois, se numa estrutura
como “Desemprego cai ao menor nível” o sentido que se constrói para o leitor é de um fato
positivo, quando se insere o conectivo “mas”, o sentido construído se altera para o leitor.
Assim também considero a perspectiva de explorar os funcionamentos discursivos, como
destaca Amossy, para verificar de que maneira o discurso possibilita ao locutor agir sobre o
outro. Nesse sentido, importa questionar, portanto, qual o efeito de sentido que se vai produzir
com o tratamento que é dado à informação, pois a introdução do conectivo “mas” ressalta
uma oposição de informações, dado que o segundo enunciado contradiz e chega mesmo a
negar o fato positivo que o primeiro enunciado traz.
Em relação à chamada da Figura 23, importante observar que se trata de tema relativo
a política, e não a economia, que tem a quase totalidade das ocorrências. Nesse caso, o padrão
mantém-se o mesmo: o conectivo é utilizado para estabelecer um contraponto com um
primeiro enunciado que é positivo para o governo federal (Dilma mantém liderança, mas
empata com Aécio no segundo turno”). Na Figura 24, temos uma ocorrência positiva em
economia (o recuo da inflação), que é também neutralizada pela probabilidade que o segundo
enunciado lança – que não é um fato concreto, mas uma probabilidade de algo que pode ou
não ocorrer.
Nas estruturas observadas nas manchetes analisadas, o sujeito enunciador – jornal –
tem um papel expressivo marcado, pois, ao trazer o segundo enunciado, ele opera uma
contraposição à conclusão ou ponto de vista expressos no primeiro, neutralizando-o. Ao fazê-
lo, fornece ao destinatário – o leitor do jornal – instruções que lhe servirão de guia para
interpretar esses enunciados e se posiciona, marcando um ponto de vista que cria objetos
discursivos para serem lidos em uma determinada direção argumentativa. É nesse segundo
enunciado, portanto, que se localiza um “querer dizer” do jornal. Percebe-se também que o
93
implícito emerge como um elemento muito significativo que precisa ser considerado na
abordagem do discurso das mídias.
Como aponta Ducrot (1987), do ponto de vista argumentativo, o uso do ‘mas’ ressalta
a dualidade de enunciados, mascarando um ‘querer dizer’ do sujeito enunciador.
Há um jogo de encenação nas manchetes, para tentar mascarar esse querer dizer, que traz uma
pretensão ao fato jornalístico isento e faz emergir um posicionamento do sujeito enunciador –
jornal –, claramente manifesto na escolha do segundo enunciado.
Assim, o que tais manchetes intencionam? O que querem dizer ao leitor? Ou, colocado
de outra forma, qual sentido querem que o leitor construa? Por que o jornal faz um uso
recorrente dessa estrutura na abordagem de assuntos determinados? Que razões levam o jornal
a querer neutralizar aspectos ou fatos positivos, dirigindo o olhar do leitor/a leitura para
argumentos negativos? Por que o jornal quer tornar negativos aspectos positivos de fatos
econômicos? No conjunto dos enunciados de caráter econômico, transparece uma atitude que
intenciona desqualificar as conquistas econômicas do governo em questão.
Considero ainda, observando as manchetes analisadas, que ao se estabelecer uma
negligência do locutor em relação à proposição P, a proposição Q (o segundo enunciado) e a
conclusão não-R ganham força com a introdução do conectivo mas. E, assim, o emprego
desse conectivo pode gerar efeitos de sentido neste ou naquele contexto, o que não permite
que se negligencie a sutileza de muitos desses empregos, sobretudo em se tratando do
discurso jornalístico.
Podemos detectar, portanto, uma estratégia informativa de parte do Jornal Folha de S.
Paulo de neutralização ideologizada dos primeiros segmentos em favor dos segundos, sendo
que em alguns casos, essa neutralização não se sustenta de forma consistente. No conjunto
dos enunciados de caráter econômico, transparece uma atitude desqualificadora das
conquistas econômicas do governo em questão.
94
5. AÇÃO E INTENCIONALIDADE
O objetivo deste capítulo é discutir o conceito de intencionalidade e sua interface com
a ação como elementos para a produção de sentido no discurso de informação. O conceito
será tomado a partir de Searle, para quem a intencionalidade é direcionalidade, como já
abordado no Capítulo 2. Para esse desenvolvimento, utilizei as chamadas de capa da revista
Veja e do jornal Estado de Minas durante o período eleitoral, julho a outubro de 2014.
5.1 O agir intencional nas manchetes da Veja
Como aborda Searle (2002), compreender uma ação como racional implica perceber
de que maneira as pessoas orientam suas decisões para que elas sejam significativas para
aquele alvo a ser alcançado, e a decisão racional, portanto, implica uma seleção de meios para
determinados fins. Aplicando tal concepção à linguagem, tendo como material de análise as
capas da revista Veja, adotamos o conceito de intencionalidade como direcionalidade e
compreendemos que ela é, então, fundamento para razões que justificam orientações
específicas para a consecução de ações.
Nessa abordagem, vamos considerar ainda os estudos de Davidson (1993) e Livet
(2000) sobre racionalidade, intencionalidade e ação. De acordo com Davidson, na perspectiva
da linguagem como instrumento de mediação para a ação, é possível perceber uma ação como
intencional quando se qualifica o objeto ou quando há uma alteração no padrão usual da
linguagem, com adoção de arranjos que vão torná-la intencional. Assim, as manchetes em
questão mostram um agir intencional quando qualificam, quantificam, expõem críticas.
Livet, por sua vez, ao discutir as dimensões de uma ação, aponta que, por toda ação,
percebemos fatos que são homogêneos21
e outros que são heterogêneos e destaca que a
percepção da ação deve se dar por sua dimensão intencional. Desse modo, a repetição de
padrões e ideias (crise, escândalo, corrupção, recessão, de maneira direta – citando-se cada
uma dessas palavras, ou indireta, numa alusão a eventos relacionados aos termos, como lava
jato, petrolão, lavagem de dinheiro, propina, alta de preços, descontrole de preços) – são fatos
homogêneos percebidos pelos leitores. Note-se que, em 18 edições, no período de agosto a 26
de outubro, as palavras corrupção, inflação, recessão, lava jato, petrolão foram mencionadas
21
Fatos homogêneos são aqueles que mostram, segundo Livet, um conjunto de constantes, recorrentes nos
processos de ações determinadas. Os fatos heterogêneos são variáveis que se associam a contingências de
ações.
95
16 vezes, ao todo, e as chamadas que remetem a crise política ou econômica estão presentes
em quase todas as capas.
Observa-se ainda uma ordenação discursiva que remete à interdiscursividade ao trazer
à memória do leitor aspectos de um passado relativo à situação econômica do país, em
exemplos tais como mostrado na Figura 25. Assim, podemos dizer que a relação entre
inflação e crise se justifica pela crença dos leitores, ressaltada pelas manchetes, que se valem
de percepções anteriores de um contexto de hiperinflação, trazendo a memória de que a
inflação é um problema sério no país.
As manchetes funcionam como guias para direcionar a atenção para determinado
aspecto, elas podem trazer à tona – por meio de recategorizações, interdiscursos, estratégias
de recuperação de memória, predicações na nominação dos objetos discursivos – certos fatos
ou certas representações.
Figura 25 – Manchete revista Veja:
“Plano Real 20 anos”
Fonte: Plano Real 20 anos. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.380, n. 27, 2 jul. 2014.
Podemos considerar o seguinte esquema, baseado em Livet, a partir do que apontam as
chamadas:
96
Quadro 7 – Trajetória e alvo
Plano Real 20 anos
O Plano que matou a hiperinflação, estabilizou a economia e fez do Brasil um país sério corre o risco de
explodir
Mais: a inflação real de 50 produtos de 7 perfis de consumidores
TRAJETÓRIA
Estado mental: segurança dada pela credibilidade de que desfruta a imprensa
Constatação 1: o Plano Real, que acabou com a inflação no Brasil, corre riscos
Constatação 2: O Plano corre risco de explodir por causa da situação ruim da
economia
Constatação 3: há inflação real no Brasil
Predição: situação ruim da economia
ALVO Informar a partir da criação de uma realidade social de volta da inflação
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de LIVET, 2000.
Na identificação do alvo, pode-se considerar a intenção como construção de um
sujeito a partir da criação de uma realidade social (volta da inflação, possibilidade de o plano
Real explodir). Há a percepção de movimentos intencionais que é dada pelo uso de novas
invariantes, distintas daquelas que representam certo padrão nas manchetes jornalísticas (com
foco na informação objetiva, sem adjetivações ou metaforizações). Desse modo, quando se
observa a movimentação do agente (emissor/revista), que dá destaque a determinadas falas ou
construções (Plano Real pode explodir), já se pode inferir um querer do agente em conduzir
determinado sentido, com uma orientação interpretativa para o leitor.
Outro aspecto que podemos considerar aqui é que a intenção, como pontua Davidson,
é racional e visa a um fim. Ainda que o autor não tenha se valido dessas construções para
abordar o discurso, creio que podemos utilizá-las nesse sentido, com algumas limitações, e ao
explorar as premissas dadas, podemos construir um caminho do intencional. Então,
observamos que a manchete da capa (Figura 25) expressa a intenção de informar, uma razão
primária que tem uma proatitude (o poder de informar, a legitimidade de transmitir a
informação) e uma crença (acreditar que o leitor vai partilhar aquela linha de interpretação da
notícia), com causalidades.
Vejamos o esquema a seguir:
97
Quadro 8 – Caminho do intencional
DISCURSO FATOS APONTADOS
Plano Real 20 anos
O Plano que matou a hiperinflação, estabilizou a
economia e fez do Brasil um país sério corre o
risco de explodir
Mais: a inflação real de 50 produtos de 7 perfis de
consumidores
O Plano Real, que completa 20 anos, acabou com a
hiperinflação no Brasil
O Plano Real fez do Brasil um país sério
O Plano real corre o risco de se acabar – de
“explodir”
Há uma inflação real no momento atual que atinge
diversos perfis de consumidores
RACIONALIZAÇÃO
Causalidade 1: O descontrole na economia causa inflação
Causalidade 2: A inflação causa o risco de o Plano Real explodir
Proatitude do emissor (revista) – interesse de informar aos leitores o “perigo” que ameaça o Plano Real
Crença do emissor – há um problema de descontrole da economia com a volta da inflação
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de DAVIDSON, 1993.
O conjunto da chamada, marcado também pelas escolhas lexicais – que privilegiam
verbos utilizados de maneira metafórica para dar ênfase a determinados conceitos (Plano Real
matou a inflação e agora, em função de muitos fatores, pode explodir) –, é uma ação
intencional, e o uso metafórico dos verbos no modo indicativo é uma forma de modalizar.
Em outro exemplo, como mostra a Figura 26, temos uma afirmação, no presente do
indicativo do verbo, que compromete o falante (emissor/revista) com o que é dito, há a
qualificação do agente que fala (delator) pela manchete e de alguns elementos que são
apontados (megaesquema de corrupção) na enumeração sequencial de suas falas. O teor
intencional é marcado por essas instruções de interpretação que podem ser identificados por
várias estratégias discursivas – dar destaque a falas ou afirmações assertivas já traduz o desejo
do agente em comunicar certo aspecto ou conduzir determinado sentido. Como ilustra a
manchete mostrada na figura abaixo:
98
Figura 26 – Manchete revista Veja:
“O delator fala”
Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.
A condução de determinada orientação de sentido é intencional, sendo que, a partir do
alvo estabelecido, há a definição de uma trajetória a partir dos signos para alcançar o alvo
(informar o leitor sobre determinado assunto) – há uma orientação interpretativa para o leitor,
há uma direcionalidade na construção do objeto (manchete) que implica a direção para um
“ver como”. A afirmação “O delator fala” é sustentada por três informações subsequentes que
completam a informação dada inicialmente. Vejamos a próxima capa.
Figura 27 – Manchete revista Veja:
“O doleiro fala”
Fonte: O doleiro fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.396, n. 43, 22 set. 2014.
99
Ao retomar a abordagem de Searle, temos algumas colocações a respeito da Figura 27
mostrada. Em primeiro lugar, consideramos que os objetos discursivos são compreendidos
por meio das modalizações e se tornam, portanto, objetos intencionais. Uma afirmação
assertiva é uma forma de modalizar, pois o locutor/emissor assume aquele dito como
expressão de uma constatação, uma verdade – “O doleiro fala” –, sendo que essa
constatação/afirmação é acompanhada por outras afirmações, que são o conteúdo da fala
desse agente:
6. Escândalo na Petrobras
O DOLEIRO FALA
- A campanha presidencial do PT levou dinheiro do petróleo
- 28 deputados federais recebiam propinas mensais para apoiar o PT
O enunciado que se sobrepõe à manchete e compõe o versal – “Escândalo na
Petrobras” – identifica para o leitor o assunto que será abordado e que é o seu viés – trata-se
de um escândalo, e não somente de um assunto rotineiro, o tema é qualificado pelo agente
(emissor/revista) e, pela crença do leitor na credibilidade daquele meio para informar (é o
meio que detém a prerrogativa da informação), ele admite aquela asserção como verdade.
Temos, então, que o sentido do enunciado, o significado, difere do sentido dado pelo falante
(jornal), que se utiliza de uma orientação pragmática e faz um uso intencional de
determinadas escolhas lexicais e de determinadas estruturas de enunciado, por exemplo, ao
trazer para as chamadas as declarações dadas pelo agente retratado (o doleiro) em forma de
afirmações sem contestação.
5.2 Força ilocucional, intencionalidade e discurso relatado – uma análise do jornal
Estado de Minas
Em sua abordagem sobre intencionalidade, Searle (2002) discute a relação que há
entre a intencionalidade do mental e a intencionalidade do linguístico. Segundo o autor, não
podemos considerar que os sinais linguísticos que utilizamos tenham já algo de
intrinsecamente intencional, mas caracterizar crenças, desejos, temores como tais é já atribuir
intencionalidade a esses aspectos. Nesse sentido, pontuo um questionamento: podemos
considerar que, para o falante, significar algo por uma emissão é ter um conjunto de intenções
100
direcionadas a uma audiência? Acredito que sim e retomarei a abordagem desse aspecto mais
adiante, no decorrer dos exemplos analisados.
De acordo com Searle, a questão importante a se considerar é identificar quais as
características das intenções do falante em emissões significativas que fazem com que o
falante signifique alguma coisa por sua emissão. Ou seja, numa análise que aborda a
intencionalidade, é necessário que procuremos descrever qual é a estrutura de significação.
Em relação às intenções de significação, há dois aspectos apontados por Searle: o de
representar e o de comunicar. Segundo ele, a representação é anterior à comunicação e não
pode haver a intenção de comunicar sem que haja a intenção de representar. Assim, quando
fazemos um enunciado qualquer, está presente a intenção de produzir certas crenças na
audiência. No entanto, afirma Searle, a intenção de se fazer um enunciado difere da intenção
de produzir convicção ou da intenção de falar a verdade: quando tenho a intenção de produzir
um enunciado, não necessariamente está presente a intenção de produzir convicções.
Propomo-nos a explorar um pouco mais os aspectos apontados por Searle a partir da
análise das chamadas de capa do jornal Estado de Minas. O autor nos mostra que a principal
função derivada da intencionalidade pela linguagem é a sua capacidade de representar, o que
possibilita que as entidades não intrinsecamente intencionais se tornem intencionais. A
abordagem proposta por ele também considera que a essência de se fazer um enunciado é
representar algo enquanto verdadeiro e não apenas comunicar algo a um indivíduo ou
audiência. E pode-se sempre representar algo sem que se acredite naquilo que está sendo
representado, tentando fazer, como destaca Searle, com que alguma coisa seja verdadeira
representando-a como verdadeira.
Vejamos, então, como se estruturam as manchetes da capa do jornal, que são os
elementos mais visíveis numa publicação de imprensa e que não possibilitam que se façam
contextualizações, mesmo que venham acompanhadas de bigodes (outras informações
adicionais que se juntam ao todo da chamada). A impossibilidade da contextualização se dá
pelo fato de as manchetes e chamadas trazerem fragmentos do acontecimento a que fazem
referência, recortes do real, afirmações que adquirem caráter de representação da verdade. E,
se recebem o destaque de constar da capa da publicação, tal enunciado tem um grande valor,
não sendo objeto de refutação.
Como aponta Searle, quando fazemos um enunciado, temos o objetivo de fazer um
enunciado verdadeiro e temos também a intenção de produzir crenças na audiência.
101
[...] mas, apesar disso, a intenção de fazer um enunciado é diferente da intenção de
produzir convicção ou da intenção de falar a verdade. Qualquer estudo da linguagem
deve levar em conta o fato de que é possível mentir e é possível realizar um
enunciado ao mesmo tempo em que se mente. (SEARLE, 2002, p. 235)
Nas manchetes das duas publicações, observamos padrões de usos linguísticos, como
já descritos anteriormente, que podem explicar um padrão de intencionalidade nessas
construções, o que nos leva a pensar numa ação intencional, com alvo definido, do locutor ao
produzir tais enunciados. Temos então que o conteúdo proposicional especifica o estado de
coisas e, como pondera Searle, o modo indicativo do verbo, por convenção, compromete o
falante (emissor/jornal) com a existência do estado de coisas que foi especificado no conteúdo
proposicional do enunciado, sendo que a emissão feita dá ao ouvinte razões para acreditar
naquela proposição, como mostram as figuras 28 e 29:
Figura 28 – Manchete jornal Estado de Minas:
“Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel”
Fonte: Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel. Estado de Minas, Belo
Horizonte, n. 26.532, 1 out. 2014.
102
Figura 29 – Chamada jornal Estado de Minas:
“Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”
Fonte: Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.531,
30 set. 2014.
Assim, como mostra a Figura 28, o conteúdo proposicional informa que há um uso dos
Correios na campanha eleitoral de Dilma e Pimentel, e o falante se compromete com a
explicitação desse conteúdo e torna esse conteúdo verdadeiro, representando-o como
verdadeiro. Há uma afirmação na asserção com grande força ilocucionária, dada pela ordem
direta da oração, pela identificação do sujeito da oração (“Petista”), pelo verbo “admitir” no
modo indicativo.
Analisando-se outra manchete de capa, como mostra a Figura 29, temos também uma
asserção com força ilocucionária dada pela estrutura do enunciado – o agente profere um ato
que é demonstrado pelo uso de um verbo contundente (ataca) no presente do indicativo. Não
há modalização do locutor ao reportar o ato do agente, comprometendo-se com ele.
Observando-se a Figura 30 a seguir, a força ilocucionária é dada pela própria
afirmação, que representa toda a manchete. Não há verbo que compõe uma oração ou sujeito
que profere explicitamente a afirmação – esse sujeito/falante é, portanto, o próprio jornal, e a
afirmação proferida ganha contornos de um acontecimento verdadeiro, pois o falante
representa-o como verdadeiro. Note-se ainda que o substantivo “RECESSÃO” aparece em
destaque, num corpo de texto bem maior em relação à primeira parte do enunciado.
Considerando-se o conjunto da manchete de capa – “Um país em RECESSÃO –
Economia tem nova retração trimestral e faz de 2014 um ano perdido”, asserção tem o papel
de representar um cenário que é caracterizado pelo falante e representado como verdadeiro,
sem que haja a figura de um agente proferidor daquela sentença. A realidade representada
está, portanto, dada como verdadeira pelo jornal. Assim, representa-se algo como sendo
103
verdadeiro mesmo que não se acredite nesse aspecto, a essência do enunciado é representar
algo como verdadeiro.
Figura 30 – Manchete jornal estado de Minas:
“Um país em recessão”
Fonte: Um país em recessão. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.500, 30 ago. 2014.
Considerando-se outro aspecto abordado por Searle, o uso da forma “diz que”, o autor
destaca que ela já deixa claro que o emissor não assume o mesmo discurso daquele que o
proferiu – o conteúdo proposicional constante nos enunciados é o mesmo, mas isso não ocorre
com o discurso. Em relação a esse aspecto, identificamos nas manchetes/chamadas analisadas
do jornal Estado de Minas uma estrutura diferenciada em relação ao discurso relatado dos
candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff.
Em relação ao primeiro, o discurso é sempre direto, reportando a própria fala do
candidato, marcada quase sempre por aspas, e não se observa com frequência a presença da
estrutura “diz que”. A forma do discurso relatado referente à então candidata Dilma Rousseff
é pouco observada nas edições e, quando ocorre, traz prioritariamente a estrutura “diz que” ou
variantes, como “afirma que” 22
, como nos exemplos a seguir:
22
Essa abordagem relativa ao discurso relatado é feita mais detalhadamente em outros capítulos.
104
Figura 31 – Chamada jornal Estado de Minas:
“Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’”
Fonte: Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.533,
2 out. 2014.
Figura 32 – Chamada do jornal Estado de Minas:
“Para Aécio, a presidente perdeu moral”
Fonte: Para Aécio, a presidente perdeu a moral. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.515, 14 set. 2014.
Como aborda Searle, a expressão “diz que”, ou variantes, utilizada nas chamadas do
jornal que trazem o discurso relatado denota um afastamento entre o locutor e o sujeito agente
(candidata Dilma Rousseff) no sentido de que o falante não assume o que é dito. Um outro
aspecto que podemos inferir, e que decorre do primeiro, é o caráter de um construto não
verdadeiro expresso pelo enunciado que contém essa formatação, pois o jornal (emissor)
reporta sem se comprometer com o que é reportado, ao contrário do que ocorre nas figuras 31
e 32, que trazem o discurso relatado do candidato Aécio Neves. Quando alteramos a estrutura
105
original da chamada e a colocamos no padrão de um discurso relatado em que o emissor não
se compromete com o falante, temos:
7. A) Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’
B) Aécio diz que querem fraudar a eleição em Minas Gerais
Percebe-se que, em A, o discurso relatado forma um enunciado, enquanto que, em B,
trata-se apenas de um ato de emissão, em que o significado é o mesmo, mas não o discurso, a
proposição está sendo repetida, mas não a força ilocucional da fala do agente original (no
caso, Aécio Neves). Portanto, a asserção feita nos dois exemplos – A e B – é diferente, apesar
do mesmo conteúdo proposicional, uma vez que o discurso do locutor original (Aécio) está
diluído na enunciação feita pelo relator (jornal).23
Num outro exemplo, como mostra a Figura 33, temos, na mesma chamada, o discurso
relatado dos dois agentes – Aécio Neves e Dilma Rousseff – em que as estruturas narrativas
são diferentes:
Figura 33 – Manchete do jornal Estado de Minas:
“Na defensiva”
Fonte: Na defensiva. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.509, 8 set. 2014.
8. A) Dilma afirma que não existem suspeitas do mensalão da Petrobras sobre seu governo
B) Para Aécio, é impossível a presidente desconhecer propina
23
Nesse caso, podemos considerar o primeiro exemplo como um discurso encenado (já que as aspas recuperam
a encenação do discurso realizado pelo locutor) e o segundo como um discurso relatado, onde a encenação do
locutor é diluída pela do enunciador. Como explicita Charaudeau (2014). Esse processo pode ter mais de um
nível de encenação. A enunciação original é a primeira encenação, mas pode haver uma outra encenação sobre
ela (o discurso relatado do jornalista), no entanto, o discurso experienciado (EUc / TUi) continuará sendo a
empresa jornalística, por exemplo, por exemplo ao acenar com a proibição de certos verbos de relato.
106
Em A, o verbo assinala que o agente (Dilma) faz uma afirmação negando determinado
conteúdo. No entanto, pela estrutura, o locutor não está comprometido com essa afirmação em
relação ao conteúdo proposicional que traz uma negativa (não existem suspeitas sobre o
governo), ele apenas reporta o dito do agente. A estrutura da sentença e as escolhas lexicais
retiram a força da negativa expressa pelo conteúdo proposicional, o que pode levar o leitor a
inferir que as suspeitas, apesar da negativa dada, existem. Locutor e agente não expressam,
nesse caso, o mesmo discurso.
Para o leitor, portanto, os recursos sintáticos sinalizam que há uma perda da força
ilocucionária assertiva, a força da negativa contida no conteúdo proposicional se perde ao não
ser assumida pelo locutor. No caso da afirmação em B, “é impossível a presidente
desconhecer propina”, há um comprometimento do locutor (jornal) com a proposição que foi
enunciada pelo agente (Aécio) na medida em que ela é reproduzida sem que haja a marcação
explícita de que se trata de uma fala proferida por outrem, como aspas.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No século 20, com a modernização das tecnologias e o avanço da comunicação, a
imprensa assume um novo papel, diferentemente do que ocorria em séculos anteriores – ela se
torna um reflexo ou espelho das falas da sociedade, atribuindo-se um papel de porta-voz dos
cidadãos. No Brasil do século 21, no processo eleitoral de 2014 que marcou a escolha do novo
presidente da República, o que fica acentuado para a imprensa, a partir de um discurso
informativo orientado para a construção de certos sentidos, é seu papel como espelho, mas um
espelho que deforma a realidade. Neste cenário, a partir das manchetes e chamadas de capa de
três veículos da grande imprensa comercial do país, pôde-se observar como a linguagem, no
discurso de informação, produz crenças e ideias e dissemina valores e estereótipos, orientada
por um viés ideológico.
Como ressalta Charaudeau (2013), “se considerarmos o fenômeno da informação sob
o ponto de vista que propusemos, é realmente disso que se trata: uma máquina de informar”
(p. 241). E foi embasada por esta consideração que conduzi a análise aqui proposta: a mídia é
uma máquina de informar que tem engrenagens e um processo de produção bem definidos.
Mas não apenas isso – a mídia é também uma máquina que molda a informação, deformando
acontecimentos e fatos, como pudemos verificar ao longo da análise. E o objetivo final da
máquina é um produto denominado informação que é “vendido” como se se tratasse de um
fenômeno neutro, objetivo e isento de subjetividade.
É uma máquina e das mais complexas, pois, por um lado, não pode ser definida
somente pelo aparato técnico (os meios de transmissão do conteúdo, sejam eletrônicos ou
impressos), mas principalmente pelo aparato representado pela instância humana, composta
por uma heterogeneidade de atores (jornalistas, revisores, editores, chefes de redação,
repórteres-fotográficos etc.) que não deixa transparecer ou ficar claro quem é o locutor, a voz,
que se faz ouvir numa manchete de jornal, numa notícia transmitida pela TV, numa
reportagem no rádio.
A complexidade dessa máquina, pontua Charaudeau, também se dá pela tensão
presente no aparato da mídia (sobretudo da imprensa): o dever de informar e a necessidade –
ou, podemos também considerar, desejo – de modalizar (seja pela busca da audiência, seja por
questões de posicionamento político). As mídias, aponta-nos o autor, informa deformando, e,
a despeito do que ele considera, acredito que essa deformação é, quase sempre, proposital24
,
24
Segundo Charaudeau (2013, p.253), a deformação operada pelas mídias não é necessariamente proposital,
mas se deve muitas vezes à própria máquina de informar, que é “poderosa e frágil”.
108
sobretudo no objeto de análise aqui considerado. Os usos linguísticos observados
reiteradamente e que detalhei ao longo da análise, sendo agrupados em padrões observáveis –
como as escolhas para o discurso relatado, uso recorrente de termos, ressignificação de temas,
relações lexicais em determinados contextos (nas manchetes), entre outros – são elementos
que, intencionalmente, direcionam a interpretação e produzem efeitos de sentido (como crítica
ou rejeição ou indignação em relação a determinados atores).
Outro aspecto a se considerar em relação ao poder dessa máquina midiática é o fato de
que não se pode abordar o discurso de informação negligenciando o espaço da enunciação, a
instituição enunciativa – ou seja, o meio (jornal ou revista) não pode ser considerado apenas
como mero suporte técnico, um elemento exterior que serve apenas como moldura para o
discurso. Como lembra Maingueneau (2014), o discurso supõe a presença de um grupo
específico, uma instância de comunicação séria, que goza de credibilidade e, portanto,
legitima esse discurso. A técnica, então, não pode ser a única forma de reconhecimento da
mídia, especialmente da imprensa.
Portanto, o produto da máquina midiática, a informação, bem como o discurso que a
subjaz, nada tem de neutralidade ou objetividade ou mesmo isenção. Como objeto discursivo,
produto de uma máquina bem estruturada, ela é orientada, no processo de produção de
sentido, para determinados modos de ver. Essa orientação, que é característica de todo
discurso, tem, no discurso informativo, uma dimensão intencional que se constrói a partir de
diversas estratégias discursivas, que comportam a argumentação e a persuasão. Nesse sentido,
Amossy (2011) afirma que há uma estratégia de persuasão indireta que não se admite e que,
sob uma pretensão de neutralidade, o objetivo declarado é outro. Podemos então considerar
que o discurso de informação, portanto, pretendendo reforçar a ideia de neutralidade, tem
objetivos claros de persuasão.
Portanto, o que é importante é identificar e analisar a maneira como esses discursos
destinados a, antes de tudo, informar, descrever, narrar, testemunhar, direcionam o
olhar do alocutário para fazê-lo perceber as coisas de uma certa maneira.
(AMOSSY, 2011, p. 132)
Direcionar o olhar para que o alocutário possa perceber as coisas do mundo de
determinada maneira (sendo que, muitas vezes, as estratégias discursivas estão postas como
coisas naturais típicas da linguagem e não como estratégias voltadas à produção de sentido) é
um agir que integra o discurso de informação no processo de produção de sentido. Nesse
processo, as estratégias discursivas que orientam um modo de ver direcionam o olhar do leitor
109
(considerando-se aqui a imprensa escrita) para determinados aspectos e pontos de vista, que
são do locutor (jornal). É, portanto, uma questão da maior importância a se discutir dada a
influência dos meios de comunicação na sociedade de um modo geral e em diversas instâncias
– política, econômica, jurídica.
A notícia veiculada pela mídia compõe uma rede de significados e de construção de
realidades sociais – é um elemento muito relevante e não pode ser considerada somente como
uma informação que se transmite, de modo neutro e transparente, revelando um fato ou
acontecimento a alguém que não detém aquele conhecimento específico. É um discurso que
opera na perspectiva do simbólico, construindo e transmitindo sistemas de valores, e a
informação noticiada é sempre uma “visão” do acontecimento, um construto, pois “as mídias
não transmitem o que ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do espaço
público”, (CHARAUDEAU, 2013, p. 19), e por isso a função de informar não é suficiente
como ponto de partida.
A ideologia do ‘mostrar a qualquer preço’, do ‘tornar visível o invisível’, e do
‘selecionar o que é o mais surpreendente’ (as notícias ruins) faz com que se construa
uma imagem fragmentada do espaço público, uma visão adequada aos objetivos das
mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel. Se são um espelho, as mídias não são
mais do que um espelho deformante, ou mais ainda, vários espelhos deformantes
(CHARAUDEAU, 2013, p. 20)
Assimilar a perspectiva da mídia como “espelho deformante” do espaço público
significa também compreender que o discurso construído nessa instância, portanto, tem uma
estrutura que utiliza estratégias várias para a produção de efeitos de sentido, e que esse
discurso, ao cumprir o papel de informar, seleciona aspectos e abordagens, revela muitos,
omite outros, torna outros opacos. Assim, não é incorreto pontuar que o discurso midiático, ao
construir e produzir sentido, assume papel significativo na construção de consensos e de
realidades sociais, construindo ideias e um sistema de valores.
Em relação ao processo de produção de sentido no discurso de informação, há
aspectos pontuados por Bakhtin (2014) que se mostraram relevantes para a abordagem a que
me propus. Em primeiro lugar, as condições concretas em que se realiza a interação verbal são
significativas no caso da imprensa, pois importa considerar o suporte, no caso, o meio de
comunicação. Outro aspecto a se considerar é o papel do auditório que, como salienta
Bakhtin, é um determinante da forma da enunciação, que, em relação ao suporte (veículo de
110
comunicação), dependerá em parte desse leitor25
ao qual se dirige. Assim também em relação
ao papel da situação de enunciação, do contexto, e a relevância de se considerar o então
momento político do país como uma situação determinante para uma análise dos processos de
construção de sentido. Por fim, a perspectiva do discurso escrito – em que podemos inserir o
discurso de informação da imprensa – como parte de uma discussão ideológica em grande
escala, pois esse discurso “responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções potenciais, procura apoio etc.” (2014, p. 123).
Considero, como pontua Emediato, que há uma dimensão argumentativa nas
manchetes e chamadas dos veículos, elementos que tradicionalmente não são classificados
como textos opinativos ou argumentativos em sua estrutura linguística. Tal concepção ganha
relevância ao se considerar o fato de que a maioria dos leitores busca a informação apenas
pelas manchetes, portanto, a perspectiva trazida por essas chamadas é a que ficará retida para
aquele leitor.
As chamadas e manchetes de capa, pela própria estrutura editorial dos veículos, não
possibilita que se faça uma contextualização do tema que está sendo abordado, mesmo que
venham acompanhadas de bigodes (outras informações adicionais que se juntam ao todo da
chamada). Elas apenas se referem ao acontecimento, marcando-o, portanto, as chamadas de
capa, elementos mais visíveis das publicações, trazem afirmações com caráter de
representação da verdade. E, se tais enunciados recebem o destaque de constar da capa da
publicação, têm um grande valor, não sendo objeto de refutação. Como aponta Searle (2002),
quando fazemos um enunciado, temos o objetivo de fazer um enunciado verdadeiro e temos
também a intenção de produzir crenças na audiência.
[...] mas, apesar disso, a intenção de fazer um enunciado é diferente da intenção de
produzir convicção ou da intenção de falar a verdade. Qualquer estudo da linguagem
deve levar em conta o fato de que é possível mentir e é possível realizar um
enunciado ao mesmo tempo em que se mente. (SEARLE, 2002, p. 235)
Nas manchetes das publicações aqui consideradas, observamos padrões de usos
linguísticos que podem servir para explicar um padrão de intencionalidade nessas
construções, o que nos leva a pensar numa ação intencional, com alvo definido, do
locutor/jornal ao produzir tais enunciados.
25
Relevante considerar que os veículos, frequentemente, fazem pesquisas que funcionam como um
termômetro para identificar as preferências e o perfil dos leitores, o que é um direcionamento importante para
a pauta e a forma de abordagem.
111
Padrões discursivos
A partir da observação das estratégias discursivas empregadas pelos veículos, foi
possível estabelecer alguns padrões discursivos, o que se mostrou relevante para considerar
que as ocorrências que se verificaram não são aleatórias ou despropositadas, mas integram um
conjunto que opera para a conformação de uma direcionalidade na interpretação, com a
construção de determinados sentidos. Para o estabelecimento desses padrões, foram
consideradas as edições diárias dos dois jornais e as edições semanais da revista, sendo 118
edições do jornal Estado de Minas, 299 edições do jornal Folha de São Paulo e 18 edições da
Revista Veja.
Destaco os padrões a seguir:
Uso de conectivos nas manchetes
Padrão prioritariamente encontrado no Jornal Folha de S. Paulo na abordagem dos
assuntos relativos a temas de política econômica do governo com aspectos positivos. A
estratégia do jornal, já discutida no Capítulo 3, mostra uma intenção do enunciador em inserir
um ruído no enunciado original, um novo argumento que dá outra orientação de interpretação.
É uma estratégia sutil e ousada, uma vez que contraria regras de clareza, simplicidade e ordem
direta, comumente utilizadas pelo jornalismo, sobretudo em relação a manchetes e chamadas.
Enquadramento
Como aborda Emediato (2008), o enquadramento é uma forma de esquematização que
orienta o olhar do outro. Na análise aqui proposta, o enquadramento do tema é um padrão
importante que foi possível observar, sobretudo considerando-se o suporte revista. Os
assuntos relativos aos grandes temas economia e política tiveram, prioritariamente, o mesmo
enfoque nos três veículos analisados, destacando-se um viés negativo, com a recorrência a
representações que recuperam a memória discursiva do leitor (com referência frequente a
termos como inflação, recessão, desemprego, crise, escândalo – elementos que povoam a
memória histórica da sociedade brasileira com reminiscências negativas e provocam efeitos
de sentido negativos).
No caso aqui considerado, tal enquadramento ativa conteúdos simbólicos no
destinatário, os leitores dos veículos, sendo que as instâncias de comunicação preveem as
112
possíveis representações dos leitores em relação a esses temas. Isso se dá a partir de um
quadro de valores sociais, históricos e culturais, pois “o sujeito informante dá a ver um objeto
paradigmático e oferece, explicitamente ou implicitamente, as perspectivas segundo as quais
se deveria problematizá-lo” (2008, p. 81).
Considerar o enquadramento temático no quadro do processo eleitoral brasileiro de
2014 é importante porque se trata de uma estratégia discursiva que revela uma intenção do
enunciador (jornal) de agir sobre as representações de um outro, o leitor, circunscrevendo o
debate sobre o tema em determinado viés ou enquadre. Como se segue:
Figura 34 – Manchete revista Veja:
“Eram malas e malas de dinheiro”
Fonte: “Eram malas e malas de dinheiro”. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.386, n. 33, 13 ago. 2014.
Figura 35 – Manchete revista Veja:
“O delator fala”
Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.
113
Figura 36 – Manchete revista Veja:
“Fraude – CPI da Petrobras”
Fonte: Fraude – CPI da Petrobras. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.385, n. 32, 6 ago. 2014.
Figura 37 – Manchete revista Veja:
“Plano Real 20 anos”
Fonte: Plano Real 20 anos. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.380, n. 27, 2 jul. 2014.
Nas figuras acima, temos a abordagem da investigação na Petrobras sob o
enquadramento do escândalo e da corrupção generalizada, como em 34, 35 e 36. Na Figura
34, um depoimento fala em “malas e malas de dinheiro”, e a perspectiva que o locutor oferece
ao leitor é a da corrupção. O mesmo ocorre em relação às figuras 35 e 36, com um
enquadramento direto para o leitor. Na Figura 37, o enquadramento proposto pela composição
da capa como um todo ativa conteúdos simbólicos ao trazer à lembrança o Plano Real, tido
114
como um plano econômico de sucesso. O viés é novamente negativo, porque a chamada
demonstra que esse plano, que foi tão bom no passado, corre riscos devido ao descontrole
atual da inflação.
Há ainda o enquadramento pelo questionamento, também bastante utilizado pela
revista Veja, com alguns poucos exemplos no jornal Estado de Minas. Não se observa na
Folha de S. Paulo. Nesse processo, o locutor escolhe a questão por meio da qual pretende
interpelar ou instigar o leitor – e a intenção que fica oculta é a de problematizar um
determinado assunto, obrigando o leitor/eleitor a se posicionar em relação àquilo que é
proposto. Como nos exemplos a seguir:
Figura 38 – Manchete revista Veja:
“Marina presidente?”
Fonte: Marina presidente?. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.388, n. 35, 27 ago. 2014.
O leitor é interpelado com uma questão que aponta para uma possibilidade – Marina
Silva, que teve uma grande subida em termos de intenção de votos, poderia se tornar
presidente da República. A manchete, pelo questionamento, lança para os leitores uma
possibilidade de um acontecimento. Além da questão em si, o enquadramento também se dá
pela capa como um todo, que traz uma bonita imagem de Marina Silva – uma foto bem
trabalhada que retrata uma candidata serena, simpática.
115
Figura 39 – Manchete revista Veja:
“Vai sobrar para ela?”
Fonte: Vai sobrar para ela?. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.382, n. 29, 16 jul. 2014.
Nesse exemplo, há um questionamento feito de um modo coloquial na manchete,
como usualmente se dá em conversas informais – Vai sobrar pra ela? –, uma interpelação que
não traz simplesmente uma questão sobre uma possibilidade, mas que coloca a dúvida de que
algo de ruim vai recair sobre aquele de quem se fala. Note-se também que não há referência
direta ao sujeito sobre quem se fala (a então presidente e candidata, Dilma Rousseff), e a
referência é dada somente pelo pronome “ela”. E a imagem reforça a composição de sentido
ao trazer Dilma fazendo o sinal que era usado por torcedores e jogadores da seleção brasileira
antes dos jogos na Copa do Mundo 2014 (em que o Brasil saiu numa derrota histórica).
Discurso relatado
Observou-se uma discrepância em relação à apresentação do discurso relatado dos
candidatos. O uso do discurso relatado – que envolve o uso de verbos assertivos ou não,
reprodução da fala literal, integração ao dito original, como já abordado em outros capítulos,
foi observado nos três veículos analisados, com algumas variações de uso – é um recurso
menos presente na Folha de S. Paulo e na revista Veja. Tal estrutura é notadamente
discrepante no caso do jornal Estado de Minas, que prioriza a fala literal, integral, do
116
candidato Aécio Neves, com uso de aspas e a identificação, muitas vezes, do locutor
secundário (o candidato). Observamos, em relação ao discurso relatado como utilizado pelo
Estado de Minas, duas dimensões que Emediato (2008) aponta:
a) O discurso relatado é utilizado para qualificar favorável e desfavoravelmente o locutor
de origem (no caso, os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff). A qualificação
favorável, caso que se observa para o candidato Aécio Neves, se dá pelo recorte da
fala sempre assertiva, contundente, imperativa utilizada na reprodução literal, que
preferencialmente ocorre entre aspas, ou com uso de verbos de atitude, que mostram
um posicionamento e uma ação expressa do locutor de origem/candidato, remetendo
ao seu comportamento. Observar o uso desses verbos é relevante porque eles podem
indicar ao leitor qual é o comportamento por trás daquela fala, ou seja, revela um traço
psicológico do locutor original, contribuindo para uma avaliação do leitor. Segundo
Emediato, “os verbos de atitude podem representar uma opinião do sujeito
enunciador/informante sobre o dizer de um ator social” (2008, p. 83). Em relação a
Dilma Rousseff, a fala trazida é quase sempre narrativizada, com verbos na estrutura
“diz que”26
, “afirma que”, num marcado distanciamento da posição do locutor
narrador (jornal).
b) O discurso relatado é uma opinião partilhada pelo locutor que informa (jornal), que
traz a fala afirmativa do locutor de origem (o candidato que profere tal fala), sem
modalizações, como se pode ver no exemplo a seguir, com a chamada “Aécio: Dilma
tem de sair do ‘gueto da calúnia”.
Figura 40 – Chamada jornal Estado de Minas:
“Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da calúnia’”
Fonte: Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da calúnia’. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.547,
16 out. 2014.
26
O estudo sobre essa forma no discurso relatado, feita por Searle, foi discutida no Capítulo 5.
117
No caso do Estado de Minas, a modalidade se observa também pela recorrência da
estratégia de abordagens negativas em relação a Dilma Rousseff (notadamente com o relato
de casos de corrupção envolvendo empresas públicas ou o PT ou em se tratando de política
econômica). O enquadramento do discurso de Dilma Rousseff em relação à economia e a
denúncias de corrupção envolvendo empresas públicas (notadamente a Petrobras) a qualifica
de forma negativa, seja pela relação que se estabelece com a corrupção, seja pela relação que
se estabelece com uma possível atitude de negligência e despreparo da então presidente
evidenciada pelos recortes de seu discurso, descontextualizado e bastante fragmentado. Nas
falas reportadas, como veremos pelos exemplos, Dilma Rousseff sempre ignora denúncias ou
se mostra titubeante.
Cena enunciativa
Em especial ao se considerar a capa das publicações e o fato de que as manchetes e
chamadas vão estabelecer o primeiro contato com o leitor, abrindo as portas da publicação e
convencendo-o a seguir adiante na leitura, a cena enunciativa tem um grande peso. Nas
edições analisadas, a conjunção texto/imagem, com um forte apelo para os leitores, compõe
uma cena com expressiva direcionalidade para a interpretação. Na imprensa escrita, a
dimensão visual, além da materialidade textual, importa como estratégia discursiva, e nas
capas dos veículos de informação, os dois elementos devem ser considerados em conjunto
como encenação, estratégia de produção de sentido na composição da cena enunciativa.
Temos, de modo geral, a cena englobante, que é o discurso de informação da grande
imprensa; a cena genérica, marcada por manchetes e chamadas de capa; e a cenografia,
formada pelos elementos de encenação, com personagens e enredos. O quadro cênico é dado
pela cena englobante e a cena genérica, mas é a cenografia que dará para o leitor os caminhos
possíveis de interpretação, como pontua Maingueneau, “a cenografia é, ao mesmo tempo, a
fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve
legitimá-la”. Analisemos alguns casos:
Jornal Folha de S. Paulo
O uso de imagens, geralmente fotografias, compõe a cena enunciativa do jornal, sendo
um recurso bem trabalhado do ponto de vista editorial. No jornal, percebe-se uma estratégia
118
bastante utilizada que é a dimensão visual: a imagem/fotografia em destaque não
necessariamente compõe com a manchete principal – o enunciado.
No entanto, essa imagem está de tal forma disposta na cena que provoca um ruído, ou
uma possibilidade implícita de interpretação para os leitores, como no exemplo a seguir:
Figura 41 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“País registra recorde de empresas inadimplentes”
Fonte: País registra recorde de empresas inadimplentes. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.211,
15 set. 2014.
A manchete desenha o cenário de um quadro econômico ruim – recorde de empresas
inadimplentes. E a foto logo acima mostra um grande leito seco de rio – ela obviamente não
se refere à manchete, mas está no alto da página e tem um versal pequeno para identificar de
que se trata. Há uma associação involuntária entre imagem e manchete que pode levar a
inferências em relação à situação econômica.
Figura 42 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:
“Presidente do BB pagou multa para se livrar da Receita”
Fonte: Presidente do BB pagou multa para se livrar da Receita. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,
n. 31.193, 28 ago. 2014.
119
Nesse outro exemplo, a manchete traz uma denúncia, cujo locutor é o próprio jornal,
com uma asserção contundente – pagou multa para se livrar da Receita –, que remete à
corrupção, envolvendo o Banco do Brasil (BB). A foto ao lado mostra um grande prédio em
ruínas, desabando, e não há nenhuma referência a que acontecimento remete, isso está dado
apenas na legenda, o que pode provocar um ruído na leitura, já que a imagem tem um grande
destaque, bem como a manchete, que não se refere a ela. Ou seja, há dois elementos
significativos na capa – texto e imagem – que não guardam relação direta entre si.
Jornal Estado de Minas
O veículo utiliza um padrão de cena enunciativa mais convencional, em que a
dimensão visual e o texto materializado da manchete referem-se ao mesmo tema. No período
considerado para análise, relativo às eleições, o que se observa é que o discurso relatado dos
candidatos é sempre acompanhado por uma imagem ilustrativa, prioritariamente em relação
ao candidato Aécio Neves, ressaltando clima festivo, força do candidato, sendo o leitor
interpelado como leitor e como eleitor, que tem ou não uma simpatia por determinado
personagem. E, na cena, é mesmo disso que se trata – a construção de um cenário enunciativo
em que há um personagem (Aécio Neves é o candidato forte, que usa expressões
contundentes, verbos de atitude, que tem um vínculo afetivo com Minas Gerais – o que é
reforçado pelas falas trazidas pelo jornal – sempre tem uma avaliação crítica a tecer em
relação ao governo federal, apresenta propostas para o Brasil) em oposição a outros
candidatos (Dilma Rousseff, personagem construído como sujeito ligado a um partido
corrupto, em cujo governo há um cenário muito negativo da economia, que revela pelas falas
trazidas pelo jornal desconhecimento dos fatos e pouca aptidão para o gerenciamento; e
Marina Silva, personagem que aparece como secundário no processo, com pouquíssimas
ocorrências de falas literais e imagens, mesmo em momentos de tensão no processo, com a
oscilação em termos de intenção de votos).
120
Figura 43 – Chamada jornal Estado de Minas:
“Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”
Fonte: Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.531, 30
set. 2014.
Observem, nas chamadas acima, que o candidato Aécio é o sujeito que “ataca” em
defesa de “Minas”, enquanto Marina é aquela que “se complica” ao abordar determinado
assunto.
Figura 44 – Manchete jornal Estado de Minas:
“A grande batalha pela grande BH”
Fonte: A grande batalha pela grande BH. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.524, 23 set. 2014.
Nesse outro exemplo acima, a composição da cena como um todo direciona a
interpretação – na abordagem, a eleição é categorizada como “batalha”, em que os mais
preparados devem disputar votos. Logo abaixo, sem marcação de um limite entre uma
121
manchete e outra, a referência à educação, mostrando o “sufoco” dos pais com as
mensalidades escolares provocado pela inflação sem controle (sendo a inflação uma
responsabilidade do governo federal, cuja candidata novamente disputa a eleição).
Revista Veja
Obedecendo aos padrões técnicos do suporte – revista –, as capas têm uma grande
dimensão visual, com os elementos sendo utilizados de maneira a reforçar uma dimensão
simbólica de determinado tema. Há uso recorrente de ironia e metaforização, o que denota
uma intencionalidade no tratamento da dimensão visual. Prioritariamente, a imagem se casa
com o enunciado da manchete, mesmo sendo uma imagem metaforizada, não necessariamente
uma fotografia. Como na capa a seguir:
Figura 45 – Manchete revista Veja:
“A fúria contra Marina”
Fonte: A fúria contra Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.391, n. 38, 17 set. 2014.
Há destaque também para um intenso uso de cor como elemento simbólico que
direciona já a percepção do leitor/eleitor, cor que é associada a inferências ideológicas
(quando há referência a corrupção, com denúncias de delação, por exemplo, há uma tendência
a se utilizar a cor vermelha, associada reiteradamente ao PT). As categorizações de sujeitos e
temas também é recurso recorrente para compor a cena enunciativa, bem como o tratamento
dado às fotografias – que podem retratar personagens de forma positiva (alegres, com boa
expressão) ou negativa (soturnos, cabisbaixos, surpresos).
122
Figura 46 – Uso de cores nas capas da Revista Veja
Fonte: Elaborada pela autora com dados extraídos de Veja, São Paulo, 2014.
Qualificações
Alcunhas para determinados temas, como corrupção (Petrolão, Mensalão) e economia
(Brasil em crise, Crise, Recessão) e para determinados atores (“petistas”, “corruptos”,
“mensaleiros”) que se repetem como marcas que fazem referência a determinados grupos e/ou
sujeitos. Tomando o que diz Charaudeau, podemos considerar que problemas econômicos no
Brasil (alta de preços, pouco crescimento, desemprego) são problemas econômicos, mas para
que se convertam em “Crise sem precedentes” ou “Recessão” é preciso que façam parte de
sistemas de valores e que estejam inseridos em determinados discursos, ou seja, é necessário
nomear um acontecimento para que ele exista (CHARAUDEAU, 2013, p. ), o que vale
também para a emergência e consolidação de determinados personagens. E o que observamos
com as manchetes do período eleitoral foi exatamente esse movimento, de nomear, criando,
acontecimentos e personagens que passaram a alimentar o que Bakhtin denominou de uma
“ideologia cotidiana”, revelando os estereótipos que se projetam por meio da linguagem.
Identificação do locutor narrador
Nota-se a estratégia de apagamento enunciativo27
como prerrogativa para mostrar
um“afastamento” do locutor original, o jornal, em relação à informação dada. Assim, há um
grande uso de construções discursivas sem um sujeito agente que diz e o uso reiterado de
formas impessoais para agenciar uma ação, como nas formas “especialistas afirmam”,
27
O locutor não aparece identificado claramente no ato de enunciação, e o dito aparece então como verdade ou
fato não contestável, dado.
123
“mercado garante”, “analistas apontam”, que abrem a suposta fala de um sujeito que é trazida
pela voz do jornal. Mas não é o jornal que está fazendo a afirmação, é uma entidade que goza
de certa autoridade (especialistas, mercado, analistas), mesmo numa identificação genérica.
Esse uso discursivo torna mais difícil para o leitor perceber qualquer posicionamento do
locutor original, o jornal, posto que ele não está como agente daquela fala, ele apenas a
reproduz.
Outro ruído provocado por essa estratégia discursiva é que tal fala, tomada como uma
asserção com peso de verdade, é apenas o discurso de um grupo específico de “especialistas”
ou “analistas”, que tem determinada orientação econômica ou política ou social, sendo que há
outros possíveis caminhos de pontos de vista – mas isso não fica claro para o leitor, que toma
aquela fala expressa como a única possibilidade de interpretação. O uso de formas impessoais
é verificado, sobretudo, na Folha de S. Paulo, enquanto que Estado de Minas e revista Veja
usam mais marcadamente a estratégia de apagamento enunciativo, com asserções que ganham
o peso de afirmações verdadeiras, sob a forma de discurso relatado ou não, que não dão
margem a contestações.
A ênfase na dimensão negativa como forma de tocar o leitor
Observamos o uso de palavras, expressões e termos com referenciações negativas para
os sujeitos (os candidatos), como mostram os gráficos no item 6.3, além de uma dimensão
referencial negativa para determinados temas – como economia e política, prioritariamente,
com associações reiteradas a crise, tendo força o uso de termos como crise, caos, recessão,
corrupção, desemprego, escândalos – o que reforça uma representação de negatividade para o
leitor, considerando-se que a instância midiática busca o que é mais apropriado para tocar o
público, chamar sua atenção. No período considerado das eleições de 2014, abordagens com
ênfase negativa estiveram presentes em praticamente todas as edições dos três veículos,
sobretudo com relação a esses temas, havendo reiteradamente a representação de emoção pelo
aspecto negativo. Como se segue em:
124
Figura 47 – Manchete revista Veja:
“Eles sabiam de tudo”
Fonte: Eles sabiam de tudo. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.397, n. 44, 29 out. 2014.
Nesse exemplo, o tom negativo já é antecipado pela cor que predomina ao fundo,
negro. A cor da manchete, vermelho, provoca inferenciações que levam o leitor a estabelecer
uma relação com a cor predominante do Partido dos Trabalhadores – e o pronome “Eles”, que
marca os sujeitos daquela ação expressa pela manchete, demarca um distanciamento da
revista e dos seus leitores em relação a essa classe de sujeito. Quem são “eles” – os que sabem
da corrupção, compactuam com ela, atrapalham o Brasil – em oposição a um “nós”- aqueles
que não querem mais esse cenário para o país.
Figura 48 – Manchete jornal Estado de Minas:
“TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras”
Fonte: TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.547,
16 out. 2014.
125
Nesse outro exemplo acima, há duas chamadas que ressaltam aspectos negativos em
relação à conjuntura política – “TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras” – e à
economia – “Criação de vagas tem o pior setembro desde 2001” – que margeiam a chamada
para as eleições, com uma fala expressiva do candidato Aécio Neves.
Observando-se tais padrões, considero que há um forte direcionamento para a
interpretação, e não apenas mera orientação. As estratégias discursivas que se repetem como
padrões direcionam o olhar do leitor para certo aspecto, não apenas orientam certa
interpretação.
E nesse processo de produção de sentido, é importante deixar claro que o locutor, o
sujeito que informa, tem um relevante papel, pois não se pode pensar um dizer sem que
pensemos no sujeito que o diz. No processo de produção da chamada/manchete num jornal ou
revista, o locutor, podemos considerar então, é o próprio jornal28
, não se tratando de um ou
outro jornalista especificamente.
É possível estabelecer, a partir das estratégias discursivas, se há um posicionamento
marcado desse sujeito enunciador ao construir e ressaltar, ou ocultar e não revelar,
intencionalmente, determinados aspectos numa chamada de capa ou numa manchete de jornal,
pois se os fatos não representam absolutamente um acontecimento, mas antes são uma
representação, é possível dizer que existe uma escolha do sujeito enunciador na abordagem
feita. E se essa escolha se dá, ela impacta o produto do discurso de informação.
Há que se observar ainda, a respeito dessas estratégias que direcionam a interpretação
e se consolidam como padrões, que a referência a formas e estratégias de manipulação não
significa considerar, inocentemente, que isso se traduz somente em mentiras deliberadas ou
simples invenções de acontecimentos ou fatos (ainda que tal possa ocorrer). Como nos aponta
Abramo (1988), a manipulação pressupõe formas criativas de usar a linguagem, construindo
dizeres que projetam estereótipos, crenças, desejos, numa referência distorcida da realidade.
As instruções dadas pelo enunciado – materializado nas chamadas e manchetes –, de forma
criativa e muitas vezes sutil, é que orientam uma direcionalidade na interpretação, e não
apenas o conteúdo proposicional ali encontrado. É o dizer, com todas as estratégias que
carrega, que interessa, e não simplesmente o dito.
Os padrões discursivos observados, que podem ser tomados como estratégias
discursivas, integram e nos ajudam a compreender, do ponto de vista da linguagem, como se
28
Personificado pela figura do editor, que representa a linha editorial do veículo, a voz do jornal.
126
constroem e se consolidam os padrões de manipulação da grande imprensa apontados por
Abramo29
, como se segue:
a) indução – o leitor que interpreta está reconstruindo significados, ressignificando a
partir de orientações recebidas. Nesse caso, um enquadramento pelo tema, como
observamos nos veículos, leva o leitor a fazer uma série de inferências e a considerar
aquele tema abordado nos limites impostos pelo locutor (o jornal), sendo induzido a
determinados aspectos ou pontos de vista ou conclusões. Se o viés negativo é o
enquadre que norteia a abordagem sobre economia, estará consolidado um efeito de
sentido, a saber, de que a economia no país está muito ruim. Outra estratégia que
também pode ser considerada no padrão de indução é o uso do conectivo “mas”, uma
estratégia de argumentação que estabelece certa relação entre dois enunciados,
podendo provocar ruídos e direcionar a interpretação do leitor em direção a um efeito
de sentido pretendido pelo locutor;
b) inversão – O uso do conectivo “mas” nas matérias de política econômica também é
uma estratégia de argumentação que contribui para a inversão à medida em uma
mudança na relevância de aspectos, quando, pelo conectivo, o segundo enunciado
retira força do primeiro, provocando um redirecionamento na interpretação do leitor;
c) ocultação – Esse padrão se reforça pela perspectiva da criação de um acontecimento
pelo discurso de informação, considerando-se que o que se noticia são versões ou
aspectos, criando-se um outro real. Um exemplo que esclarece esse padrão é o
comportamento adotado pelo jornal Estado de Minas quando, deliberadamente, oculta
pesquisas de intenção de voto no momento em que a candidata Marina Silva, ainda no
primeiro turno das eleições, ultrapassa o candidato Aécio Neves e abre uma expressiva
vantagem em relação a ele, como na edição a seguir;
29
Esses padrões já foram abordados no Capítulo 3.
127
Figura 49 – Manchete jornal Estado de Minas:
“Qual será o nome dele?”
Fonte: Qual será o nome dele?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.505, 4 set. 2014.
Naquele momento, para o jornal, o tema eleição passa a ter um enquadramento
secundário, tornando-se menos relevante que a escolha do nome de um macaco. Tudo se
passa como se o locutor, jornal, dissesse ao alocutário, o leitor: “o tema eleição, agora, já não
é tão importante e nem merece mais estar na capa”, uma vez que, para os leitores, se o assunto
merece estar na capa de um jornal, ele tem relevância e é significativo. Se não está mais na
capa, é porque não é relevante. A chamada para eleição aparece no canto direito, sem
destaque.
d) fragmentação – Os usos do discurso relatado, que envolve a seleção de aspectos do
dito de origem, são uma estratégia que poderá levar à fragmentação da informação. Se
temos numa chamada, por exemplo, um dito como:
8. Aécio: “Não tenho medo do PT”
128
O excerto de falas reproduzidas em manchetes ou chamadas são geralmente tomadas
como a reprodução fiel daquilo que originalmente foi dito. No entanto, são apenas trechos de
falas, muitas vezes editadas, não sendo a reprodução absolutamente fiel do dito. Por outro
lado, não há contextualização para a fala, e o sentido dela está dado por aquele momento da
enunciação, sem os elementos caracterizadores do momento do dito original (o discurso), ou
seja, o que foi dito por aquele locutor original pode ter outro sentido na situação original de
enunciação. Portanto, a informação está fragmentada e perde parte do seu sentido.
Menções aos candidatos nas chamadas de capa dos veículos
A seguir, apresento gráficos que trazem uma compilação das menções feitas aos três
principais candidatos no período de julho a outubro de 2014 nas capas das edições diárias dos
jornais impressos. Essa abordagem, que foi desenvolvida pelo site Manchetômetro30
, utiliza a
metodologia de análise de valências31
.
Gráfico 1 – Menções ao candidato Aécio Neves na
capa do jornal Estado de Minas
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
30
O Manchetômetro é um site desenvolvido pelo Laboratório de Mídia e Esfera Pública, da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Lemep/UERJ) e tem por objetivo analisar a cobertura midiática. 31
A análise de valência considera se a manchete ou chamada, bem como o texto que a acompanha, é positiva,
negativa, neutra ou ambivalente para a imagem do candidato, partido, pessoa ou governo ao qual faz
referência. Não se avalia se a notícia é verdadeira ou falsa, mas sim o significado da informação para a
imagem do objeto do texto.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 78
Contrário: 1
Neutro: 22
129
Gráfico 2 – Menções à candidata Dilma Rousseff na
capa do jornal Estado de Minas
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
Gráfico 3 – Menções à candidata Marina Silva na
capa do jornal Estado de Minas
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 11
Contrário: 31
Neutro: 35
0
5
10
15
20
25
30
35
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 5
Contrário: 16
Neutro: 31
130
Gráfico 4 – Menções ao candidato Aécio Neves na
capa do jornal Folha de S. Paulo
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
Gráfico 5 – Menções à candidata Dilma Rousseff na
capa do jornal Folha de S. Paulo
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 8
Contrário: 19
Neutro: 78
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 6
Contrário: 70
Neutro: 160
131
Gráfico 6 – Menções à candidata Marina Silva na
capa do jornal Folha de S. Paulo
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.
Os gráficos apontam o total de menções aos respectivos candidatos nas capas de cada
veículo. A partir do que expõem, podemos estabelecer assim, no sentido que nos traz
Medrado (2013), um esquema associativo, a partir da leitura das manchetes e chamadas dos
veículos analisados, pontuando a inferência a uma relação entre governo federal/Dilma
Rousseff/PT e aspectos negativos (prioritariamente marcados por referências a
corrupção/crise econômica). Observamos ainda, neste período, um fator para o qual
Charaudeau (2014) chamou atenção, que se trata da ocorrência de chamadas e, sobretudo,
manchetes de certa forma muito semelhantes não apenas na estrutura, mas no enquadramento
do tema, sem espaço para diversidade de abordagens ou pontos de vista.
A utilização recorrente de temas, referências e abordagens são elementos que, no
material analisado e ao longo do período das eleições 2014, se coadunaram para construir
efeitos de sentido cuja orientação preponderante foi ressaltar aspectos negativos de
determinado candidato, no caso, a então presidente, Dilma Rousseff. Nesse sentido,
identificamos dois elementos preponderantes e direcionadores, ou repertórios, que se
vinculam de modo expressivo ao governo então atual e que pleiteava a reeleição. Assim, com
um mapeamento e o estabelecimento de associações possíveis a partir das construções
discursivas, como apontam os gráficos, temos os repertórios:
0
10
20
30
40
50
60
Favorável Contrário Neutro
Favorável: 5
Contrário: 13
Neutro: 55
132
a) Corrupção sempre associada a determinado grupo, ligado à candidata à reeleição (a
então presidente Dilma Rousseff), o que pode ser percebido pela marcação temporal –
a corrupção é sempre mencionada em referência a determinado período histórico,
levando a uma associação em termos de localização temporal – e também pelas
nominações de personagens. Como nos exemplos abaixo:
Figura 50 – Capa do jornal Estado de Minas:
Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.556, 25 out. 2014.
Figura 51 – Capa do jornal Estado de Minas:
Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.541, 10 out. 2014.
Nessas edições, há manchetes que vinculam a corrupção a Dilma Rousseff ou ao PT e outras
chamadas que mencionam problemas, como em “TSE barra tentativa de censura”.
133
Figura 52 – Capa do jornal Folha de S. Paulo:
Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.203, 7 set. 2014.
Há a manchete com a denúncia de corrupção envolvendo “petistas”, alcunha que é sempre
repetida, além de chamadas que repercutem o tema e fazem vinculações com as eleições,
como em “O veneno do petrolão pode escorrer e piorar ainda mais o humor do eleitor” e
“Empreiteiras e seus diretores serão os próximos alvos da operação da PF”.
Figura 53 – Capa do jornal Folha de S. Paulo:
Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.235, 9 out. 2014.
b) Crise econômica como elemento que perpassa toda a produção dos conteúdos e das
informações, até mesmo em chamadas e manchetes que não se referem a esse aspecto
em particular.
Alguns exemplos podem ilustrar:
134
Figura 54 – Capa jornal Estado de Minas:
Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.543, 12 out. 2014.
O tom negativo na economia, com cortes de verbas feitas pelo governo federal,
sobressai na manchete “União fecha torneira para o velho Chico”, que ainda traz um tom
apelativo emocional para o eleitor mineiro, pois se trata, a partir do que diz a manchete, de um
corte de recursos para o Rio São Francisco, importante para Minas Gerais.
Figura 55 – Capa jornal Estado de Minas:
Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.539, 8 out. 2014.
135
Na chamada “FMI prevê pibinho de 0,3% no Brasil”, a referência ao PIB no
diminutivo caracteriza uma mediocridade do desempenho da economia. Acima, outra
chamada fala do apoio de marina Silva, derrotada no primeiro turno, a Aécio Neves.
Figura 56 – Capa jornal Folha de S. Paulo:
Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.195, 30 ago. 2014.
A manchete sobre eleição está devidamente próxima à chamada – que ganha destaque
no alto da página – sobre o encolhimento da economia, e o enunciado aponta para o leitor,
sem que haja um locutor específico a dizer, que esse encolhimento é “sinal de recessão”.
Observando-se tais estratégias, padrões e repertórios, podemos considerar que se trata
de coincidência ou mera obediência à técnica jornalística e de produção de notícias a
utilização das estratégias descritas, que culminam numa produção de sentidos em determinada
direção, qual seja, a negativação da imagem de certo candidato? Não creio em tal hipótese,
sobretudo num cenário de grande disputa do poder e levando-se em conta que o discurso de
informação apresenta opiniões e pontos de vista como verdades não passíveis de
questionamento e evidências de fatos dados.
É necessário sempre considerar que a palavra, como aponta Sodré (2013), num
encadeamento sintagmático – tomemos, por exemplo, uma chamada qualquer de um jornal –,
tem significado. Mas, num discurso, o enunciado tem significado e sentido, que está ligado a
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um real histórico, ao contexto, às disputas de poder engendradas na sociedade. Enfim, a
palavra não é neutra.
Lembrando ainda o que Verón aborda a respeito da inserção dos fatos ou
acontecimentos sociais nos veículos da grande imprensa, observando-se que um fato relevante
estará possivelmente presente em todos os meios, com nuances de abordagem de um veículo a
outro, há que se considerar um aspecto significativo em relação ao macroacontecimento
“eleições 2014”. As abordagens feitas pelos veículos considerados tiveram prioritariamente o
mesmo enquadramento, o mesmo enfoque, mesmo em se tratando de meios diferentes – a
economia foi permeada pelo viés “crise” ou “recessão”, e a política teve o enquadramento da
corrupção, mesmo sendo a eleição o assunto prioritário.
E sempre é bom lembrar, como também argumenta Verón, que um leitor se torna fiel a
determinado veículo porque ele sabe o tipo de discurso que vai encontrar, a partir de
representações sociais, e os veículos também se pautam por essa perspectiva, por mais que a
grande imprensa comercial queira ampliar a tiragem. O contrato de leitura, ressalta o autor, é
essencialmente um contrato enunciativo, que “se cumpre essencialmente não no plano do
conteúdo, mas no plano das modalidades do dizer” (2005, p. 276).
A eficácia de um discurso em geral e do de informação em particular não está apenas
em transmitir um saber, ou conhecimento, ou ainda ideias que correspondem aos interesses do
próprio leitor. Como lembra Maingueneau, a eficácia reside, na verdade, no poder que tem o
discurso de suscitar crenças, pois o interlocutor é um sujeito que é interpelado e tem acesso ao
dito “através de uma maneira de dizer que está enraizada numa maneira de ser, o imaginário
de um vivido” (2013, p. 49).
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