PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO · chamadas de capa de três veículos – os...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras Eliara Santana PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO: as estratégias discursivas da grande imprensa na cobertura das eleições 2014 Belo Horizonte 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras

Eliara Santana

PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:

as estratégias discursivas da grande imprensa na

cobertura das eleições 2014

Belo Horizonte

2016

Eliara Santana

PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:

as estratégias discursivas da grande imprensa na

cobertura das eleições 2014

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestra em Análise do

Discurso.

Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari

Belo Horizonte

2016

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Santana, Eliara

Produção de sentido no discurso de informação: as estratégias discursivas da

grande imprensa na cobertura das eleições 2014 / Eliara Santana, Belo

Horizonte, 2016.

135 f. : il.

Orientador: Hugo Mari

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Letras.

1. Mídia (Publicidade) - Planejamento. 2. Análise do discurso - Aspectos

políticos. 3. Imprensa e política. 4. Intencionalidade (Filosofia). I. Mari, Hugo.

II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-

Graduação em Letras. III. Título.

CDU: 800.85

Eliara Santana

PRODUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE INFORMAÇÃO:

as estratégias discursivas da grande imprensa na

cobertura das eleições 2014

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestra em Análise do

Discurso.

____________________________________________________

Prof. Dr. Hugo Mari – PUC Minas (Orientador)

____________________________________________________

Profa. Dra. Ângela Maria Carrato Diniz – UFMG (Banca Examinadora)

____________________________________________________

Profa. Dra. Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues – PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 29 de fevereiro de 2016.

À minha mãe querida, por apostar em mim e torcer incrivelmente por tudo o que faço.

Ao meu sogro, pelas ótimas discussões (das quais sempre saio vencedora), mesmo

que tenhamos opiniões um pouco diferentes.

Aos meus filhotes muito amados, João Pedro e Maria Clara, por compreenderem (com

reclamações, claro) a minha ausência e por vibrarem com as descobertas malucas da mãe

pesquisadora.

Ao meu companheiro de jornada, de ideias, de militância e de crença numa imprensa

democrática, João Carlos, por acreditar tanto em mim (e também por compreender o abrupto

sumiço do fim de semana nos últimos meses).

À sua maneira, cada um de vocês foi muito importante para que esse projeto fosse adiante.

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador e grande mestre, Hugo Mari, pela acolhida carinhosa, pela extrema

gentileza na orientação e, sobretudo, pelo agudo olhar crítico em relação à imprensa

brasileira.

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –, pela bolsa

concedida durante o período de duração do Mestrado.

Ao Departamento de Letras da PUC Minas, em especial às professoras Juliana Assis, Jane

Quintiliano, Sandra Cavalcante, Maria Ângela Paulino, Arabie Hermont e Daniella Lopes,

pela acolhida tão carinhosa.

À Secretaria do Programa de Pós-graduação em Letras, em especial a Berenice e Rosária, pela

gentileza cotidiana, que tanto nos ajuda.

Aos meus amigos do curso, companheiros de descobertas, angústias, trabalho e,

principalmente, ótimos encontros.

Ao professor João Feres Jr., do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro, por acreditar em meu trabalho e me possibilitar fazer parte de um

projeto tão importante como o Manchetômetro.

À professora Ângela Carrato, da Universidade Federal de Minas Gerais, pela voz aguda em

defesa de uma imprensa democrática e pela grande gentileza em discutir comigo os meus

projetos.

“De um modo geral, o sistema de informação procura definir-se ou justificar-se por

uma ideologia da transparência absoluta entre o enunciado e o fato, como se a

linguagem funcionasse ao modo de uma pintura realista do mundo” (SODRÉ, 2009)

RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o processo de produção de sentido no discurso de

informação e descrever as estratégias discursivas utilizadas pelos veículos da grande imprensa

comercial no Brasil na cobertura das eleições presidenciais brasileiras de 2014. Para o

desenvolvimento deste trabalho, as unidades de análise escolhidas foram as manchetes e

chamadas de capa de três veículos – os jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo e a revista

Veja – no período especificado. A partir da descrição das estratégias discursivas, foi possível

observar padrões discursivos presentes nas manchetes e chamadas de capa que consolidam

modos de dizer do discurso de informação, direcionando, de modo intencional, para certas

interpretações das informações divulgadas. Para ancorar este trabalho, foram utilizadas

abordagens que enfocam mídia, sistema de informação, intencionalidade, argumentação e

ideologia a partir de autores como Charaudeau, Maingueneau, Verón, Ducrot, Thompson e

Searle. Com o desenvolvimento da pesquisa, foi possível constatar, entre outros aspectos, que

a mídia é um sistema complexo que não deve ser considerado somente sob o viés da técnica,

que informação é uma questão de linguagem, não sendo, portanto, transparente, neutra ou

objetiva, e que a direcionalidade é uma característica relevante do discurso de informação.

Palavras-chave: Mídia. Discurso de Informação. Imprensa. Intencionalidade.

ABSTRACT

This research aims at analyzing the production process of meaning in discourse information

and to describe the discursive strategies employed by large commercial press vehicles in

Brazil during the coverage of the 2014 Brazilian presidential election. The units of analysis

chosen for the development of this work were headlines and cover stories of three vehicles -

the newspapers Estado de Minas and Folha de S. Paulo and the magazine Veja – throughout

the specified period. It was noticed, from the description of the discursive strategies, that

discursive patterns are present in the headlines and cover stories that consolidate the discourse

information ways of saying, pointing, intentionally, to certain interpretations of the publicized

information. The work is anchored in approaches focused on media, information systems,

intentionality, reasoning and ideology from authors such as Charaudeau, Maingueneau,

Verón, Ducrot, Thompson and Searle. Along with the development of the research, it was

found, among other aspects, that the media is a complex system which should not be only

considered under the technical bias, that information is a matter of language, not being,

therefore, transparent, neutral or objective, and that directionality is an important feature of

information discourse.

Keyords: Media. Information Discourse. Press. Intentionality.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Manchete Folha de S. Paulo: “Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o

final de 2018” ........................................................................................................................ 33

FIGURA 2 – Manchete Folha de S. Paulo: “Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra

Ibope” ..................................................................................................................................... 34

FIGURA 3 – Manchete jornal Estado de Minas: “O voto mais cobiçado?” ........................... 36

FIGURA 4 – Manchete revista Veja: “Como Dilma e Aécio tentam para

Marina” ................................................................................................................................... 38

FIGURA 5 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ........................................................... 39

FIGURA 6 – Manchete revista Veja: “As armas para a decisão” ........................................... 40

FIGURA 7 – Manchete jornal Estado de Minas: “Em meio à crise, Dilma rifa

Mantega” ................................................................................................................................ 46

FIGURA 8 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Dilma diz que falta experiência para

Marina” ................................................................................................................................... 47

FIGURA 9 – Manchete jornal Estado de Minas: “Petista admite uso dos Correios na

campanha de Dilma e Pimentel” ............................................................................................. 48

FIGURA 10 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Dilma afirma que Mantega não fica em

um 2º mandato” ....................................................................................................................... 49

FIGURA 11 – Manchete revista Veja: “Todos atrás dela” ..................................................... 57

FIGURA 12 – Chamada jornal Estado de Minas: “Qual será o nome dele?” ......................... 59

FIGURA 13 – Manchete revista Veja: “O fator surpresa” ..................................................... 63

FIGURA 14 – Manchete revista Veja: “A fúria contra Marina” ............................................ 64

FIGURA 15 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Copa melhora o humor do país, e Dilma

cresce” ..................................................................................................................................... 74

FIGURA 16 – Chamada revista Veja: “Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de

miseráveis para dar dinheiro a políticos” ................................................................................ 76

FIGURA 17 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Entre domésticos, renda sobe mais, mas

ocupação cai” .......................................................................................................................... 83

FIGURA 18 – Título jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja

deve subir” .............................................................................................................................. 84

FIGURA 19 – Título jornal Folha de S. Paulo: “BC indica alta do juro, mas inflação menor

deixa dúvidas” ......................................................................................................................... 84

FIGURA 20 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação federal sobre, mas fica

aquém da meta oficial” ........................................................................................................... 85

FIGURA 21 – Título jornal Folha de S. Paulo: “Arrecadação é recorde, mas não bate

meta” ....................................................................................................................................... 85

FIGURA 22 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Desemprego cai ao menor nível, mas

renda sobre menos” ................................................................................................................. 86

FIGURA 23 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Dilma mantém liderança, mas empata com

Aécio no segundo turno” ......................................................................................................... 86

FIGURA 24 – Chamada jornal Folha de S. Paulo: “Inflação recua, mas reajuste da energia

deve pressioná-la” ................................................................................................................... 87

FIGURA 25 – Manchete revista Veja: “Plano Real 20 anos” ................................................ 92

FIGURA 26 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ......................................................... 95

FIGURA 27 – Manchete revista Veja: “O doleiro fala” ......................................................... 95

FIGURA 28 – Manchete jornal Estado de Minas: “Petista admite uso dos Correios na

campanha de Dilma e Pimentel” ............................................................................................. 98

FIGURA 29 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de

Minas” ..................................................................................................................................... 99

FIGURA 30 – Manchete jornal Estado de Minas: “Um país em recessão” .......................... 100

FIGURA 31 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em

Minas Gerais’” ...................................................................................................................... 101

FIGURA 32 – Chamada jornal Estado de Minas: “Para Aécio, a presidente perdeu

moral” .................................................................................................................................... 101

FIGURA 33 – Manchete jornal Estado de Minas: “Na defensiva” ...................................... 102

FIGURA 34 – Manchete revista Veja: “Eram malas e malas de dinheiro” .......................... 109

FIGURA 35 – Manchete revista Veja: “O delator fala” ....................................................... 109

FIGURA 36 – Manchete revista Veja: “Fraude – CPI da Petrobras” ................................... 110

FIGURA 37– Manchete revista Veja: “Plano Real 20 anos” ............................................... 110

FIGURA 38 – Manchete revista Veja: “Marina presidente?” .............................................. 111

FIGURA 39 – Manchete revista Veja: “Vai sobrar para ela?” ............................................. 112

FIGURA 40 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da

calúnia’” ................................................................................................................................ 113

FIGURA 41 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “País registra recorde de empresas

inadimplentes” ...................................................................................................................... 115

FIGURA 42 – Manchete jornal Folha de S. Paulo: “Presidente do BB pagou multa para se

livrar da Receita” .................................................................................................................. 115

FIGURA 43 – Chamada jornal Estado de Minas: “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de

Minas” ................................................................................................................................... 117

FIGURA 44 – Manchete jornal Estado de Minas: “A grande batalha pela grande

BH” ....................................................................................................................................... 117

FIGURA 45 – Manchete revista Veja: “A fúria contra Marina” .......................................... 118

FIGURA 46 – Uso de cores nas capas da Revista Veja ........................................................ 119

FIGURA 47 – Manchete revista Veja: “Eles sabiam de tudo” ............................................. 121

FIGURA 48 – Manchete jornal Estado de Minas: “TCU vê gestão temerária em obras da

Petrobras” .............................................................................................................................. 121

FIGURA 49 – Manchete jornal Estado de Minas: “Qual será o nome dele?”....................... 124

FIGURA 50 – Capa do jornal Estado de Minas .................................................................... 129

FIGURA 51 – Capa do jornal Estado do Minas ................................................................... 129

FIGURA 52 – Capa do jornal Folha de S. Paulo ...................................................................130

FIGURA 53 – Capa do jornal Folha de S. Paulo....................................................................130

FIGURA 54 – Capa do jornal Estado de Minas .....................................................................131

FIGURA 55 – Capa do jornal Estado de Minas .....................................................................131

FIGURA 56 – Capa do jornal Folha de S. Paulo ...................................................................132

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Argumentação – Ruth Amossy .................................................................... 25

QUADRO 2 – Situação de comunicação ............................................................................. 30

QUADRO 3 – Processos enunciativos nos jornais .............................................................. 32

QUADRO 4 – Esquematização do discurso relatado .......................................................... 44

QUADRO 5 – Lugares de construção do sentido da máquina midiática ............................ 55

QUADRO 6 – Processo informativo ................................................................................... 62

QUADRO 7 – Trajetória e alvo ........................................................................................... 93

QUADRO 8 – Caminho do intencional .............................................................................. 94

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Menções ao candidato Aécio Neves na capa do jornal

Estado de Minas .................................................................................................................... 125

GRÁFICO 2 – Menções à candidata Dilma Rousseff na capa do jornal

Estado de Minas .................................................................................................................... 126

GRÁFICO 3 – Menções à candidata Marina Silva na capa do jornal

Estado de Minas .................................................................................................................... 126

GRÁFICO 4 – Menções ao candidato Aécio Neves na capa do jornal

Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 127

GRÁFICO 5 – Menções à candidata Dilma Rousseff na capa do jornal

Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 127

GRÁFICO 6 – Menções à candidata Marina Silva na capa do jornal

Folha de S. Paulo .................................................................................................................. 128

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 17

2. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO .......................................................... 21

2.1 Metodologia ............................................................................................................... 21

2.2 O signo ideológico em Bakhtin ................................................................................ 22

2.3 Ideologia e comunicação na perspectiva de Eliseo Verón ..................................... 24

2.4 A argumentação na perspectiva de Ruth Amossy ................................................. 27

2.5 A intencionalidade na perspectiva de Searle ......................................................... 28

2.6 Processo enunciativo ................................................................................................ 30

2.6.1 Bakhtin........................................................................................................................ 30

2.6.2 Verón .......................................................................................................................... 31

2.6.3 Charaudeau ................................................................................................................ 32

2.6.3.1 Jornal Folha de S. Paulo .......................................................................................... 35

2.6.3.2 Jornal Estado de Minas............................................................................................. 38

2.6.3.3 Revista Veja ............................................................................................................... 40

2.7 Sentido e enunciado .................................................................................................. 43

2.7.1 Discurso relatado ....................................................................................................... 47

2.7.2 Cena enunciativa ........................................................................................................ 52

3. MÍDIA, UM SISTEMA COMPLEXO ................................................................... 54

3.1 O discurso de informação ........................................................................................ 56

3.1.1 O que significa informar? .......................................................................................... 63

3.1.2 Contrato de comunicação .......................................................................................... 71

3.1.3 A construção de um enredo ........................................................................................ 73

3.2 Estratégias do discurso midiático ........................................................................... 74

3.2.1 As leis do discurso ..................................................................................................... 75

3.2.2 O dito e o modo de dizer ............................................................................................ 76

3.3 Padrões de manipulação .......................................................................................... 80

4. USO DO CONECTIVO “MAS” NAS MANCHETES DE JORNAL ................. 83

4.1 Padrões identificados nas manchetes ...................................................................... 84

4.2 Argumentação ........................................................................................................... 84

4.3 O conectivo “mas” e o uso nas manchetes de jornal ............................................. 86

5. AÇÃO E INTENCIONALIDADE .......................................................................... 94

5.1 O agir intencional nas manchetes da Veja ............................................................. 94

5.2 Força ilocucional, intencionalidade e discurso relatado – uma análise do jornal

Estado de Minas........................................................................................................ 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107

Padrões discursivos............................................................................................................... 111

Uso de conectivos nas manchetes ........................................................................................... 111

Enquadramento ...................................................................................................................... 111

Discurso relatado ................................................................................................................... 115

Cena enunciativa .................................................................................................................... 117

Jornal Folha de S. Paulo....................................................................................................... 117

Jornal Estado de Minas ......................................................................................................... 119

Revista Veja ............................................................................................................................ 121

Menções aos candidatos nas chamadas de capa dos veículos ........................................... 128

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 137

17

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção de efeitos de sentido

no discurso de informação e, sobretudo, averiguar em que medida as estratégias discursivas

utilizadas pela imprensa se articulam para a construção de determinado sentido. Para a

pesquisa, foram tomadas como base manchetes e chamadas de capa de publicações da grande

imprensa comercial, unidades que são tradicionalmente tidas como elementos basicamente

informativos, e não opinativos ou argumentativos. O período considerado para a análise foi a

Eleição 2014, em que foi escolhido o novo presidente da República. Em relação ao discurso

de informação, é importante considerar que amaneira como se opera a construção de sentido,

levando-se em conta as estratégias discursivas utilizadas em tal processo, é um aspecto muito

significativo, considerando-se a influência dos meios de comunicação na sociedade de modo

geral e em diversas instâncias – política, econômica, jurídica.

Por isso, abordar tais estratégias, observando como se estruturam e se constroem,

trabalho que se consolida como proposta desta análise, configura-se como ponto relevante por

alguns motivos. Primeiramente, não se pode ignorar que uma lógica de mercado é o que

regula em boa medida a prática da instância midiática, com várias consequências para o

desenrolar de suas ações. Em segundo lugar, com forte ligação com esse primeiro aspecto,

tem-se a perspectiva da informação como produto midiático. Aliada a essa constatação, tem-

se a consideração de que tal produto é uma construção repleta de sentidos que não pode ser

considerada somente como fato que se transmite, de modo neutro e transparente, revelando

algo (um acontecimento) a alguém que não detém aquele conhecimento específico. Como

pontua Charaudeau (2013), a informação deve ser observada como uma questão de

linguagem, e é preciso considerar que a linguagem não é transparente.

Sendo, portanto, uma questão de linguagem, a informação se insere no quadro de um

discurso de informação midiática. Nessa abordagem, consideramos aqui o discurso, de modo

geral, e o discurso de informação de modo particular, na perspectiva em que o faz Sodré

(2013), como o espaço em que se dá a produção de sentido, resultante de um trabalho social

que é ideológico e heterogêneo. É uma prática social, com uma vinculação direta a um

contexto sócio-histórico, regida por convicções oriundas das estruturas sociais estabelecidas e

que é assumida por um sujeito. No discurso de informação, as estratégias discursivas

empregadas direcionam para a produção de determinados sentidos e, por isso, é relevante

averiguar como se dá o processo de construção de sentido, que estratégias são utilizadas e

com que propósito.

18

Em relação ao discurso aqui considerado, torna-se fundamental considerar também

que ele é socialmente ancorado pela credibilidade de que desfrutam os meios de comunicação

e encontra suporte nas relações de poder que se estabelecem. Portanto, é um discurso que se

revela significativo por ser capaz de influenciar os mais diversos meios – político, social,

econômico – e por operar na perspectiva do simbólico, construindo e transmitindo sistemas de

valores. Precisamos considerar ainda a perspectiva de que “as mídias não transmitem o que

ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do espaço público”

(CHARAUDEAU, 2013, p. 19), ou seja, o fato reportado, a informação noticiada, é sempre

uma “visão” do acontecimento, um construto, não é “a” realidade.

A ideologia do “mostrar a qualquer preço”, do “tornar visível o invisível”, e do

“selecionar o que é o mais surpreendente” (as notícias ruins) faz com que se

construa uma imagem fragmentada do espaço público, uma visão adequada aos

objetivos das mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel. Se são um espelho, as

mídias não são mais do que um espelho deformante, ou mais ainda, vários espelhos

deformantes. (CHARAUDEAU, 2013, p. 20)

Assimilar a dimensão da mídia como “espelho deformante” do espaço público

significa também compreender que o discurso construído nessa instância, portanto, tem uma

estrutura que utiliza estratégias várias para a produção de sentido, e que esse discurso, ao

cumprir o papel de informar, seleciona aspectos e abordagens, revela muitos, omite outros,

torna outros opacos. Dessa forma, não é incorreto pontuar que o discurso de informação, que

molda as práticas discursivas da imprensa, ao construir e produzir sentido, assume papel

significativo na construção de consensos e formação de realidades sociais. Segundo Abramo

(1988), uma das principais características da imprensa é a manipulação da informação, cujo

efeito principal “é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade” (p. 23), sendo que a

informação faz nessa perspectiva, portanto, uma referência indireta à realidade.

Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para representar

outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade

artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar

da realidade real. (ABRAMO, 1988, p. 23)

Analisar tal discurso e suas estratégias de produção de sentido é também pertinente

porque se mostram nesse processo os estereótipos projetados pela mídia por meio da

linguagem – transmitidos e retransmitidos via discurso de informação –, não considerando

somente os aspectos linguísticos, da materialidade do texto, mas buscando compreender esse

discurso como entrecortado e envolvido por aspectos culturais, socioeconômicos e

19

identitários. Portanto, trata-se de, na análise das estratégias de produção de sentido, observar

de que maneira, no discurso de informação, as estruturas linguísticas são manuseadas para

produzir determinado sentido.

Ao observar as estratégias ou a forma de manuseio do código linguístico pelos

veículos da mídia, podemos perceber, nesse percurso, o que é oculto, o que não é revelado, o

que é ofuscado, aquilo que se torna opaco, ou, de outro modo, ao identificarmos o modo de

utilização dessas estruturas discursivas, podemos verificar se e como estratégias discursivas

são trabalhadas e utilizadas para produzir ideias, crenças e disseminar valores. Pois, como

salienta Fowler (1998), o conteúdo publicado nas notícias divulgadas por jornais, revistas e

TVs não são fatos em si, mas trata-se, na verdade, de ideias, crenças, valores, proposições,

teorias, ideologia, e por isso é fundamental a preocupação, como o autor pontua, com o papel

da linguagem na construção de ideias na imprensa. A notícia, ele destaca, é o objeto de uma

transformação, em que a seleção e a transformação são guiadas pela referência de ideias e

crenças. Ela desempenha o papel de uma entidade mítica que administra a verdade, como

aponta Sodré (2013), uma instituição capaz de assegurar ao cidadão que ele tenha acesso à

verdade sobre os fatos. Tal papel, que se estabelece como um consenso entre os cidadãos –

em que o bordão “saiu na imprensa” comprova seu reconhecimento –, é também uma

construção, sendo o discurso oriundo dessa instância conformado por crenças como

objetividade, neutralidade e imparcialidade, que muito bem encobrem o jogo de poder que

está presente no discurso de informação.

Nesta análise, foram priorizadas as manchetes e chamadas de capa porque, como

descreve Mouillaud (2008), elas são títulos informacionais, em que se destaca, de um real,

determinada superfície, e no âmbito dos produtos jornalísticos, são como portas de entrada

dos veículos, destacando para o leitor o que é relevante. Os títulos também têm o poder de

agir sobre os leitores, como lembra Emediato, pois “se encontra subjacente a esses enunciados

uma orientação argumentativa” (2008, p. 90). Além disso, e muito importante, há também o

fato de que o conteúdo trazido pelas manchetes e principais chamadas dos veículos da grande

imprensa reverberam por outros meios, não se limitando à circulação do impresso,

repercutindo nas redes sociais, em rádios e TVs, com um grande alcance da população. Outro

aspecto também relevante nessa abordagem é o contexto em que se produziram tais

manchetes – um período eleitoral de grande relevância para o país, com a escolha do

presidente da República, em que houve diversos acontecimentos marcantes, como a morte de

um dos principais candidatos na disputa, Eduardo Campos, a ascensão vertiginosa da

candidata Marina Silva, que tornou-se candidata após a morte de seu colega na chapa, e a

20

grande polarização em torno da disputa, mais uma vez, entre PT e PSDB. Tal contexto, e o

jogo de interesses nele presente, pode ser uma chave importante para que se compreendam as

estratégias discursivas que configuraram os ditos.

Nesse sentido, é preciso considerar também o elemento “verdade” que compõe e

integra os discursos dessas publicações – jornais e revistas – da grande imprensa. Como

aponta Mouillaud (2013), a informação deve sempre dar a impressão de que está

reproduzindo a verdade, ou a realidade, para que não corra o risco de se parecer com uma

mentira, ou de não parecer uma informação. Pois os meios, para que se façam ouvir, para que

sejam lidos e considerados como referências, para terem credibilidade, precisam levar ao

leitor/espectador a ideia de que prestam um serviço ao informar e de que a informação é uma

reprodução do fato social, neutra e objetiva. A informação não pode aparecer como ponto de

vista, recorte do fato ou ainda como interpretação – sendo, portanto, fundamentais as

estratégias discursivas empregadas para dar o tom preciso de objetividade à informação.

Para estruturar a análise, foi considerado o arcabouço teórico de autores que abordam

categorias como intencionalidade, argumentação, sentido e enunciado, ideologia, enunciação,

abordagens que compõem o quadro teórico-metodológico, tal como descrito no Capítulo 2.

No Capítulo 3, propõe-se uma abordagem sobre a mídia como um sistema complexo de

informação, e não apenas como aparato técnico de transmissão de conteúdo. O Capítulo 4 traz

uma discussão sobre o uso do conectivo “mas” nas chamadas e manchetes do jornal Folha de

S. Paulo. O agir intencional e os usos do discurso relatado são enfocados a partir de exemplos

da revista Veja e do jornal Estado de Minas, no Capítulo 5. Nas Considerações Finais,

apresentamos os padrões discursivos observados ao longo da análise.

21

2. QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Este capítulo apresenta uma descrição das etapas da pesquisa, a metodologia utilizada

para desenvolvimento da análise e uma apresentação dos quadros teóricos que embasam e

deram suporte à formatação e ao desenvolvimento do trabalho. Em relação a alguns autores,

buscamos uma perspectiva teórica mais geral, que não necessariamente se presta a uma

utilização metodológica, mas que, no conjunto do trabalho, define e consolida um caminho a

seguir.

2.1 Metodologia

O primeiro passo para a estruturação e o desenvolvimento da pesquisa foi a definição

de um objetivo geral, consolidado na perspectiva da identificação de estratégias discursivas

utilizadas pelo discurso de informação no processo de produção de sentido. Alguns objetivos

específicos foram derivados dessa ideia geral:

a) identificar as estratégias discursivas presentes no discurso de informação, analisando

como elas foram utilizadas nas manchetes dos veículos para construir um discurso que

potencializou a rejeição a determinada candidatura no processo eleitoral brasileiro, em

2014;

b) apontar se esse discurso é marcado pela intencionalidade;

c) demonstrar que a construção de tais estruturas discursivas revela a representação de

determinados valores e crenças disseminados pelo discurso de informação.

O passo seguinte foi a definição do corpus. Para analisar o processo de construção de

sentido no discurso de informação, consideramos o contexto das Eleições 2014 para a

presidência da República, sendo definida como suporte a imprensa escrita e, nela, três

veículos tradicionais foram escolhidos – os jornais diários Folha de S. Paulo e Estado de

Minas e a revista Veja.

Estabelecemos, como unidades de análise, as manchetes e chamadas de capa das

edições diárias dos jornais e das edições semanais da revista no período definido para a

análise – julho a outubro de 2014. Priorizei tais unidades pelo fato de serem as manchetes os

elementos mais atraentes e visíveis para o leitor, que “vendem” um conteúdo interno. Em

relação ao jornal Folha de S. Paulo, consideramos ainda o período de janeiro a julho de 2014,

22

especificamente com relação às chamadas e manchetes de economia, em que se observa o uso

de uma estrutura específica própria do veículo (conforme descrito no Capítulo 5).

Concomitante à definição do corpus, procuramos estabelecer o quadro teórico-

metodológico para o desenvolvimento da pesquisa, conforme explicitado no Capítulo 3.

A partir dessas definições, sobretudo com relação às unidades de análise, deu-se início

à coleta de dados, obedecendo ao seguinte esquema: (a) Observação das estruturas discursivas

em cada veículo; (b) Mapeamento das menções aos principais candidatos nas capas dos

veículos no período específico; (c) Mapeamento de padrões discursivos que se estabeleciam

nas chamadas e manchetes; (d) Estabelecimento de comparações entre as chamadas e

manchetes dos veículos para observação de padrões de semelhanças/diferenças entre as

estruturas discursivas na abordagem de um mesmo acontecimento.

Após a coleta geral de dados, propus a seleção de diversas unidades de análise,

focando mais detalhadamente em recortes de momentos significativos, no período geral

estabelecido, de acordo com acontecimentos relevantes, como: início da copa do Mundo;

morte de Eduardo Campos, até então candidato à presidência da República; ascensão e queda

da candidata Marina Silva; momentos finais da campanha e o segundo turno. Iniciamos a

análise propriamente dita focando, por um lado, na descrição das estratégias discursivas em

cada veículo e, por outro, na descrição dos padrões que se estabeleceram, com o objetivo de

pontuar qual o significado dessa estrutura observada para a produção de sentido no discurso

de informação.

2.2 O signo ideológico em Bakhtin

O horizonte social que determina a criação ideológica de determinado grupo social em

determinada época, englobando instâncias como ciência, literatura, imprensa, sendo que um

produto ideológico, como ressalta Bakhtin, faz parte de uma realidade social. Mas, ele lembra,

o produto ideológico reflete também outra realidade, posto que “tudo o que é ideológico é um

signo” (BAKHTIN, 2014, p. 31), e sem signos não há ideologia. Fundamental considerar

também que esse signo ideológico não é somente um reflexo ou sombra da realidade – ele é

um fragmento dessa realidade, faz parte dela, tem um lastro material.

Sendo a palavra orientada em função de um interlocutor, ponto que é fundamental para

Bakhtin, ela é então o produto da interação entre o locutor e o ouvinte, servindo como

expressão de um sujeito a outro, seu interlocutor, sendo como uma ponte entre “eu” e “outro”.

23

Nesse contexto, e considerando-se a perspectiva do signo como ideológico, o que significa a

materialização da palavra como signo?

De modo geral, significa considerar que a palavra é também ideológica, ela não é

neutra ou transparente, pois, como signo1, é extraída de um estoque de signos que é social, e a

realização desse signo é determinada pelas relações sociais. Nesse quadro da determinação

social também se insere a enunciação, na perspectiva do autor, uma vez que, para Bakhtin, a

situação social e o meio social determinam completamente a estrutura da enunciação, dão

forma a ela, que é socialmente dirigida.

Ao enfocar o conceito de ideologia cotidiana, Bakhtin traz uma perspectiva muito

relevante para a análise do discurso – considerando-se o discurso de informação em particular

– que se refere à manifestação do ideológico não centrada apenas nos grandes sistemas

constituídos – a arte, o direito, a moral –, mas representada pela atividade mental que é

determinada social e culturalmente. Essa ideologia do cotidiano é constituída pelo domínio da

palavra interior que é dominada pela manifestação exterior, mas não está fixada num sistema.

Segundo Bakhtin, ela é constituída nos encontros cotidianos, no nascedouro dos sistemas de

referência, na proximidade com as condições de produção da vida (onde está presente, como

instância significativa, a imprensa, entre outras). “A ideologia do cotidiano constitui o

domínio da palavra interior e exterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha

cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência” (BAKHTIN,

2014, p. 118).

Essa percepção de uma ideologia do cotidiano é também pertinente porque deixa à

mostra o fato de que se o pensamento é determinado pelo mundo exterior, assim também o é a

palavra proferida pelo sujeito. Os sistemas ideológicos constituídos, portanto, se cristalizam a

partir da ideologia do cotidiano.

Ainda que o referencial teórico de Bakhtin não seja utilizado como um referencial

metodológico para a análise, ele é muito relevante para a abordagem que se faz sobre o

discurso de informação, porque traz para a discussão a concepção de que a palavra proferida,

como signo, não é natural, e sim carregada de significados, sentidos e simbologia. Isso nos

leva a considerar que a palavra tem duas dimensões de significado – uma dimensão do

significado dicionarizado e outra socialmente construída, que agrega valores, crenças,

ideologia. Sendo assim, não deve ser tomada como neutra ou não carregada de sentidos. A

1 A palavra, para Bakhtin (2014), é a materialização da expressão, é o produto da interação entre locutor e

interlocutor, posto que procede de um e se dirige a outro. O signo é socialmente construído e carrega em si

valores e crenças determinados totalmente pelas relações sociais, pelo contexto social e histórico. O signo se

realiza na enunciação.

24

palavra é um signo ideológico que carrega as entoações de diálogos e de valores sociais de

determinadas épocas.

2.3 Ideologia e comunicação na perspectiva de Eliseo Verón

Verón (2005) considera que o contexto contemporâneo é o de uma sociedade

midiatizada, em que a imprensa escrita representa um domínio importante para a análise do

discurso, e aponta que essa imprensa não deve ser tratada apenas como o lugar de

manifestação de uma materialidade textual, e sim como “um dos terrenos onde se desenham,

sob uma forma dominante específica – a da materialidade da escrita – os objetos que são os

seus: os discursos” (p. 240). Nesse contexto, o autor traz a perspectiva de que há

macrofuncionamentos discursivos (cujo lugar de manifestação são as mídias2) que

determinam os microfuncionamentos linguísticos. No nível dos macrofuncionamentos,

percebe-se a influência das condições de produção sobre os discursos, bem como o

enraizamento desses discursos na sociedade e no decorrer do processo histórico. Nesse

contexto, se insere o discurso de informação, que pode ser considerado como o discurso que

tem como objetivo a atualidade, a divulgação de uma informação, que se articula à dimensão

tecnológica dos meios, ao conjunto de regras que definem a profissão de jornalista e também

às modalidades de construção do destinatário genérico, o leitor ou espectador ou ouvinte.

Em relação às estratégias discursivas presentes nesse discurso e fundamentais para a

produção de efeitos de sentido, Verón as conceitualiza como as variações declaradas dentro

de um mesmo tipo de discurso que se devem à concorrência entre os meios. Considero, no

entanto, que tais estratégias não se devem somente à concorrência, mas também – e talvez

fundamentalmente – em decorrência de determinado contexto social, histórico ou político, a

um posicionamento ideológico dos meios em relação a determinados cenários e à

intencionalidade na produção de determinados efeitos de sentido.

Segundo o autor, ao se analisarem textos da imprensa escrita, importa considerar o

acontecimento real subjacente, ou seja, aquele a respeito do qual se observa a manifestação

por meio do discurso. E tal acontecimento é o tema de que tratam os discursos – ou o discurso

de informação da imprensa. Nesse percurso de análise dos textos, a ideologia terá um papel

relevante, sendo o ideológico considerado aqui na perspectiva de “relação entre o textual e o

2 O termo mídia é considerado aqui como um sistema complexo, que reúne um suporte e um conjunto de

práticas discursivas, e não apenas um meio tecnológico. Essa conceituação será abordada detalhadamente no

Capítulo 3.

25

extratextual, relação que surge sob a forma de hipóteses, ligando certos aspectos dos textos às

condições de produção dos mesmos” (VERÓN, 2005, p. 95). Assim, essa relação vai indicar

caminhos para a compreensão ou entendimento de determinado texto na grande imprensa,

considerando-se, num primeiro movimento para a análise, que os acontecimentos sociais, os

fatos, estão inseridos nos meios de comunicação da grande imprensa, de modo regular e em

períodos temporais definidos – se há um fato relevante sob determinado aspecto (econômico,

político, social), haverá referências a ele em praticamente todos os veículos de maior

expressão, com conotações às vezes diversas.

Num segundo momento, é preciso levar em conta de modo atento que o efeito – ou

efeitos – de sentido de cada texto dependerá em grande medida da forma de organização do

suporte – distribuição de seções, modo das chamadas, uso maior ou menor de imagens – e dos

gêneros. O leitor, por exemplo, ao se deparar com um editorial, fica claro para ele que se trata

de um texto, pelo gênero, que traz um posicionamento marcado do veículo, sua opinião

expressa. E nesse aspecto é que reside um dos problemas do discurso de informação: opinião

e pontos de vista acerca de determinando acontecimento estão presentes também em outros

gêneros desse discurso, como reportagens e manchetes, mas seguem escamoteados pelas

estratégias discursivas utilizadas. Ou seja, o leitor não identifica claramente tais estratégias,

muitas vezes muito sutis, nem percebe os modos de dizer naquele discurso.

Ao analisar as publicações dos meios de comunicação de massa, especificamente as

revistas semanais, Verón enfatiza que é absolutamente relevante considerar as condições de

produção dos meios, que têm grande complexidade. Há um conjunto de procedimentos

técnicos que garante a fabricação do produto revista e que está inserido num modelo

estruturado, que orienta o processo de produção e produz “o primeiro agenciamento do

material para o leitor e, sem dúvida, contribui de modo significativo para o efeito de sentido

de cada texto” (VERÓN, 2005, p. 95).

Nesse processo, o autor também aponta como relevante o que ele denomina de

consumo diferencial das revistas, que é marcado por “fronteiras de classe”, é estável e

constitui universos de leitura. Compreender esses universos é particularmente relevante

porque nos permite perceber qual o perfil de leitor que consome aquele determinado veículo

e, portanto, é um indicativo do próprio perfil da publicação, que vai se dirigir a um leitor

padrão. E tal conformação também mostra que a percepção (do leitor) está focalizada no

universo de leitura de uma classe determinada.

Tais aspectos apontados por Verón formam um conjunto relativo à conceitualização

das condições de produção dos textos considerando-se a grande imprensa, que é um fator

26

capitular para uma abordagem do ideológico no discurso, a saber: “Isso significa – mais uma

vez – que o ideológico no discurso não consiste em propriedades imanentes aos textos e sim

em um sistema de relações entre o texto, de um lado, e sua produção, circulação e consumo,

de outro” (VERÓN, 2005, p. 101).

Há, portanto, um sistema complexo de relações – que envolve o processo de produção

– que passa pelo texto e o formata, o molda, dando a ele um viés ideológico. O texto não é,

portanto, apenas uma materialidade ali expressa numa publicação, ele é o lugar, o espaço em

que esse sistema complexo de relações vai se constituir como uma produção discursiva de

sentido. As condições de produção deixam um rastro no discurso, e é assim que devem ser

compreendidas como relevantes em relação a um determinado discurso.

Ao abordar o enquadramento do acontecimento como feito pelo discurso de

informação nas revistas semanais, Verón aponta duas dimensões fundamentais para o que ele

nomeia como “título” da publicação e que aqui consideraremos como as manchetes e/ou

chamadas. As dimensões são a metalinguística, pois se trata sempre do título de um discurso

que o segue, que nomeia e qualifica tal discurso; e a dimensão referencial, pois o título, como

o discurso que o segue, também está falando sobre algo, um acontecimento, e o que interessa

perceber é a relação que se estabelece entre o título e o acontecimento a que ele faz referência,

o que será relevante para percebermos o destaque do enquadramento em cada situação.

Considerando-se o cenário de produção do discurso de informação, que é determinante

para que se compreendam as suas propriedades e estratégias, Verón aponta três níveis:

a) produção do leitorado: é o primeiro nível do processo, em que as condições de

produção dizem respeito ao conjunto de características que possibilitam definir um

conjunto de leitores que é visado pelo veículo. Essa produção de um leitorado se

estabelece a partir das representações que fazem os atores implicados no processo de

produção do produto em questão, o jornal ou revista, em relação aos atores tidos como

alvo, os leitores;

b) posicionamento do título em virtude dos títulos concorrentes: segundo Verón, a

formação do leitorado pressupõe que se constitua um vínculo com o receptor já na

estruturação do título, o que se configura num contrato de leitura (que é da ordem da

estratégia, segundo o autor);

c) valorização do leitorado: o que ocorre por uma representação particular do discurso

do título. Essa valorização tem o objetivo, para os meios, de vender esse leitorado

como um importante coletivo de consumidores potenciais junto aos anunciantes.

27

Ainda que muito relevantes para compreender em que níveis se estrutura o discurso de

informação, as etapas apresentadas pelo autor precisam ser observadas com cuidado,

consideradas como modelos hipotéticos. Sobretudo em relação ao primeiro passo, a produção

do leitorado, uma vez que a produção não controla totalmente a recepção, mesmo que haja a

construção de um leitor ideal e o jornal ou revista se paute por essa perspectiva, a instância da

recepção nunca será totalmente previsível.

2.4 A argumentação na perspectiva de Ruth Amossy

Segundo Amossy (2011), não se pode negligenciar a dimensão argumentativa do

discurso, pois, ainda que uma fala não tencione convencer um público, há a perspectiva de um

locutor que busca influenciar um alocutário ou uma audiência, perspectiva essa que

identificamos como presente no discurso midiático, mais especificamente, como tratamos

aqui, do discurso de informação. Como aponta a autora, é relevante considerar a concepção de

argumentação como uma tentativa de modificar ou reorientar, pela linguagem, uma certa

visão por parte do alocutário. E essa dimensão, de uma reorientação da visão do alocutário, a

partir dos recursos da linguagem, para determinados modos de ver, é que nos interessa

particularmente na abordagem do discurso de informação.

Proponho, a seguir, um quadro argumentativo, na perspectiva da autora, que

possibilita perceber diversos aspectos da análise argumentativa e da abordagem da

argumentação no discurso para facilitar a compreensão de como ela se insere no interior do

discurso de informação. No decorrer da análise, com os exemplos apresentados de estruturas

argumentativas nas manchetes e chamadas, esses aspectos, formulados pela autora, ficarão

mais claros.

28

Quadro 1 – Argumentação – Ruth Amossy

Dimensão institucional e

social

Argumentação

se inscreve no

interdiscurso

Dimensão

argumentativa

do discurso

Discurso

argumentativo

se insere numa

situação de

comunicação

Heterogeneidade

constitutiva é um

dos fundamentos

da fala

argumentativa

Saímos do domínio do

universal atemporal (a lógica)

para o domínio do social, com

as variações históricas

Ela não está

inscrita somente

na

materialidade

discursiva (com

escolha de

verbos,

expressões,

conectores),

mas também o

modo como

assimila a voz

do outro

(discurso

relatado,

discurso direto)

Nesse caso, a

persuasão é

indireta e não

admitida.

Segundo

Amossy, ela

aparece na

verbalização

que produz um

discurso, cujo

objetivo é

outro (a

informação)

Ele não está

inserido num

espaço de lógica

pura, mas numa

situação real de

comunicação em

que o locutor

apresenta seu

ponto de vista na

língua natural

Há uma reação à

palavra do outro,

seja para retomá-

la, para refutá-la

ou ainda para

modificá-la. Por

isso, diz a autora,

é relevante

conhecer a

essência do que é

dito ou escrito em

determinada

sociedade sobre o

tema em questão

O ponto de

vista do

locutor

situa-se em

um “já

dito”

preexistente

Ethos

(construção

da

identidade de

si) e Pathos

(construção

da emoção

no discurso)

Os argumentos

são estudados

na

materialidade

do discurso

A

argumentação

está situada

numa situação

de enunciação

precisa

Abordagem

essencialmente

discursiva

Dimensão

linguageira e

argumentativa

Necessário,

então,

observar a

organização

textual e o

modo como

o locutor

escolheu

para dispor

os elementos

do seu

discurso

A estratégia

de persuasão

mobiliza

meios

discursivos

que põem em

destaque tanto

o logos,

quanto o

ethos e o

pathos

Não apenas,

mas nesse

sentido são

considerados

como elementos

integrantes de

um

funcionamento

discursivo

global

Nesse caso,

importa

conhecer

todos os

elementos que

a compõem,

como

participantes,

espaço, tempo,

lugar,

circunstâncias

Essa abordagem

se distingue da

“argumentação

na língua”, numa

abordagem

pragmática-

semântica, como

presente nos

trabalhos de

Ducrot e

Anscombre

Segundo a autora,

um texto –

qualquer que seja,

documentos,

ensaios, notícias –

não pode ser

apreendido

devidamente se

não se levar em

conta essa

dimensão

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de AMOSSY, 2011.

2.5 A intencionalidade na perspectiva de Searle

De acordo com Searle, a intencionalidade é direcionalidade, é “aquela propriedade de

muitos estados e eventos mentais pela qual estes são dirigidos para, ou acerca de, objetos e

estados de coisas no mundo” (2002, p. 1). Para o autor, somente alguns estados mentais têm

intencionalidade, como crenças, desejos, temores, que devem sempre se referir a alguma coisa

29

– se um estado é intencional, ele deve responder a determinadas questões: você crê em quê?

Teme o quê? Deseja o quê? E um estado intencional somente determina suas condições de

satisfação (somente é o estado que é) dada a posição numa rede de significação, pois os

estados intencionais não são individuados, e as condições de satisfação não são determinadas

independentemente dos outros estados da rede.

Em relação às direções de ajuste, em fenômenos como a cognição (tendo, como um

exemplo, o ato de informar), há uma relação de ajuste mente-mundo, em que a minha

atividade perceptiva se ajusta ao objeto discursivo no âmbito do real-mundo.

A partir dessas considerações preliminares sobre intencionalidade, vamos abordar o

aspecto da intenção no âmbito dessa teoria. Para Searle, a intenção é um aspecto da

intencionalidade, tal como a crença e o desejo, sendo orientada para um querer, para um

pretender fazer algo. Partindo dessa concepção em relação a esse viés da intencionalidade, há

duas questões que buscamos elucidar a partir da análise proposta: 1) Podemos considerar que,

com as chamadas de capa de uma revista, existe a intenção de fazer algo (informar, que se

pode traduzir por uma direcionalidade na produção de sentido ou por pretender incutir uma

crença ou um desejo) por parte do falante/jornal?; 2) Podemos inferir um querer do falante a

partir da chamada de uma revista?

Consideramos que, no processo que envolve a produção de uma informação que chega

à capa de uma revista ou de um jornal, temos uma forma de intencionalidade, expressa pelo

querer, ou, mais especificamente, expressa pelo desejo de incutir algo – um temor (de

descontrole da inflação, de crise) ou uma crença (de que a corrupção se vincula a determinado

grupo político). Para avançar nessa discussão, alguns exemplos retirados das manchetes

analisadas podem ser pertinentes.

Levando-se em conta que a intenção é realizada se, e somente se, o mundo se torna

aquilo representado pela intenção, podemos considerar que o mundo representado se ajusta ao

que projeta o desejo do jornal e da revista3 em relação aos fatos narrados. A direção de

causalidade é mente-mundo, pois é a mente que produz o efeito de “fazer ver” o governo

como corrupto ou ligado a escândalos ou ainda incompetente para lidar com a inflação. O

falante – locutor/jornal – cria uma forma de intencionalidade por impor condições de

satisfação sobre algo que ele produziu, e um exemplo pode ser a utilização de elementos

simbólicos que criam uma percepção em relação ao objeto.

3 Quando aqui fazemos referência ao querer da revista e/ou do jornal, queremos salientar que se trata de

considerar a perspectiva da linha editorial que cada publicação adota e que orienta as pautas, a produção de

reportagens, o viés nas abordagens e o tom das matérias, diferentemente de um querer individual desse ou

daquele jornalista ou editor.

30

Outro aspecto a se considerar na abordagem da intencionalidade diz respeito ao fato de

que o sentido do falante é diferente do sentido do enunciado, sendo que há uma orientação

pragmática, e o EU falante anuncia algo para reportar um estado de coisas.

2.6 Processo enunciativo

Neste subcapítulo, trago a abordagem sobre enunciação como proposta pelos autores,

com elementos que foram importantes ao longo da análise.

2.6.1 Bakhtin

A expressão – ou enunciação – é, para Bakhtin (2014), o elemento que organiza a

atividade mental, sendo que qualquer aspecto dela será determinado por condições reais da

enunciação, pela situação social mais imediata. A palavra, lembra o autor, está em função do

interlocutor, ela procede de um sujeito e se dirige a outro, no quadro do meio social como

prisma que molda o modo de ver as coisas do mundo dos sujeitos autônomos. E a organização

de toda e qualquer enunciação está no exterior, no meio social – o mesmo que envolve o

indivíduo – portanto, ela é organizada fora desse indivíduo pelas condições externas do meio.

A enunciação tem, assim, uma natureza social e não pode ser considerada como mera

expressão do mundo interior do indivíduo, posto que somente se realiza no curso da

comunicação verbal, sendo as dimensões e forma determinadas pela situação. É a estrutura do

contexto social que determina a estrutura da enunciação – locutores, ouvintes, as formas de

expressão de determinados temas (como o exemplo dado pelo autor, a fome).

Bakhtin também nos leva a considerar que a língua não pode ser tomada apenas do

ponto de vista de um encadeamento de formas linguísticas com significado – é preciso

compreender que seu substrato é o fenômeno social da interação verbal, que se realiza pela

enunciação. Como sistema estável de formas, ela é uma abstração, observa o autor, e tal

abstração não dá conta da realidade concreta da língua. Bakhtin também nos leva a perceber

que o ideológico é uma instância que está presente, que compõe a vida social, não é um

elemento distante, que se identifica como pertencente apenas a alguns grupos. O ideológico

está imbricado na vida social, em suas várias e diversas manifestações, sendo a imprensa um

sistema ideológico instituído, como destaca o autor.

31

2.6.2 Verón

Como explicita Verón (2005), a enunciação é da ordem dos modos de dizer, das

modalidades do dizer de um locutor, sendo que os elementos relativos a esse processo se

encontram ligados a uma situação de enunciação. Em relação à imprensa escrita, há que se

considerar que não existe propriamente uma situação de enunciação em que se encontrem o

locutor e o alocutário4, o que não impossibilita de se considerar a oposição

enunciado/enunciação no âmbito do discurso de informação – o que é essencial para se

compreender o que é dito e as modalidades desse dizer, ou seja, como se dá o processo de

produção de sentido nesse discurso. Verón aponta um dispositivo de enunciação, que

comporta a distinção entre o dito e as modalidades do dizer em um discurso, e se estrutura

como segue:

a) imagem de quem fala: é o enunciador, sendo que a imagem refere-se ao lugar que

aquele que fala atribui a si. Creio que se pode apreender, dessa colocação de Verón,

que se trata na verdade do papel a que se atribui o enunciador, que comporta uma

imagem construída. No caso aqui considerado, da imprensa escrita, esse enunciador é

o jornal – ou o jornalista genérico – a quem cabe o papel de informar objetivamente;

b) imagem daquele a quem a mensagem se destina: é o destinatário do discurso. Na

imprensa escrita, é o leitor, que pode ser considerado genericamente, mas que pode

também comportar especificidades, de acordo com o veículo. Note-se que o produtor

do discurso, como lembra Verón, constrói seu lugar, seu papel, e também o lugar do

destinatário;

c) relação entre enunciador e destinatário: proposta no e pelo discurso, ou seja, não

existe essa relação a priori, ela é dada no processo discursivo.

Como ressalta Verón, “deve-se também distinguir bem, no início, o emissor “real” do

enunciador; depois, o receptor “real” do destinatário. Enunciador e destinatário são entidades

discursivas” (VERÓN, 2005, p. 218). Essa distinção que o autor coloca é muito relevante para

termos a compreensão de que um mesmo emissor pode construir enunciadores diferentes, a

depender do alvo do discurso, ou da situação contextual ou ainda do resultado pretendido, da

mesma forma que também poderá construir seu destinatário ideal. E o contrato de leitura, que

4 Essa questão, relacionada ao discurso de informação, será mais amplamente discutida no Capítulo 3.

32

engloba o dispositivo de enunciação na imprensa escrita, com as modalidades do dizer, será o

responsável pelo vínculo que se estabelece entre o suporte e o leitor. Essa perspectiva parece

relevante para a análise aqui proposta porque se pode considerar que há um vínculo

relativamente forte entre determinados perfis de leitores e os veículos Veja, Estado de Minas e

Folha de S. Paulo, como destacaremos adiante no quadro enunciativo. E, aqui, um elemento

mencionado e que se configura como muito relevante nesse processo é a crença, pois o leitor é

fiel às mídias, ou aos veículos, nas quais ele acredita, em que ele deposita sua crença.

Importante também é estar atento à consideração, feita pelo autor, de que um efeito de

sentido não é algo automático, dado instantaneamente pelas propriedades linguísticas da

mensagem, numa relação linear de causa e efeito. O efeito de sentido existe e é resultado de

um processo de construção, que encontra suporte na linguagem, não sendo um processo

natural.

2.6.3 Charaudeau

Segundo Charaudeau (2014), o ato de linguagem não deve apenas ser considerado

como um ato de comunicação, que é somente o resultado da intenção do emissor, ou como

fruto de um processo simétrico entre emissor e receptor. O ato de linguagem vai resultar de

um jogo entre implícito e explícito e “(i) vai nascer de circunstâncias de discurso específicas,

(ii) vai se realizar no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; (iii)

será encenado por duas entidades, desdobradas em sujeito de fala e sujeito agente”

(CHARAUDEAU, 2014, p. 52)

Assim, esquematicamente, pode-se representar o ato de linguagem como sugerido pelo

autor:

33

Quadro 2 – Situação de comunicação

Fonte: CHARAUDEAU, 2014, p. 52.

Há, como o autor indica, duas instâncias de produção do saber: o espaço interno, que é

o circuito de fala configurada, onde estão os seres de fala, instituídos como sujeito enunciador

(EUe) e sujeito destinatário (EUd), que resultam do saber ligado às representações de

linguagem das práticas sociais; e o espaço externo, local da fala configurada, onde estão os

seres agentes, instituídos como sujeito comunicante (EUc) e sujeito interpretante (TUi), que

se configuram a partir de um saber que está ligado a certa organização de real que determina

esses sujeitos. O esquema de Charaudeau possibilita a descrição de estratégias discursivas

simples – como mentira, provocação, segredo ou demagogia – e também as mais complexas,

como presentes no discurso de informação na estrutura de manchetes e chamadas dos

veículos.

A partir do proposto por Charaudeau, descrito esquematicamente no quadro acima,

podemos estabelecer, em relação às unidades de análise no período proposto:

a) situação de comunicação: o jornal ou revista se dirige a um público-leitor específico

em determinado contexto (período eleitoral). Não há uma troca propriamente dita – o

locutor transmite algo (uma informação) ao interlocutor, que não tem a possibilidade

de um feedback imediato;

b) finalidade: informar;

c) projeto de fala: direcionar o leitor a determinados caminhos de interpretação em

relação a um tema específico – eleição;

34

d) espaço interno: realização discursiva das chamadas jornalísticas de cada suporte em

circunstâncias enunciativas próprias;

e) espaço externo: contexto social de campanha eleitoral, demarcando posições

ideológicas dos suportes midiáticos a partir de projetos e interesses políticos, de

posicionamentos de classe etc;

f) EUc: é o locutor, jornal, que carrega em si um sistema de valores dado pela máquina

midiática. Ele se dirige a um receptor, um sujeito interpretante, um ser social (TUi);

g) TUi: o leitor, considerado de modo geral – leitor de jornal ou de revista, cidadão

crítico, que acompanha os fatos transmitidos pela imprensa;

h) EUe: podem ser jornalistas, redatores em geral que expressam a voz da empresa

jornalística e põe em cena o material discursivo. Ele se dirige a um destinatário, um

ser de fala (TUd);

i) TUd: é um leitor de certa forma idealizado, que pode compartilhar o sistema de

valores do locutor original.

Na análise proposta sobre as chamadas de capa dos veículos da grande imprensa, e a

partir dessa estrutura esquematizada, observamos que é fundamental, como adverte

Charaudeau, perceber, a partir das estratégias discursivas, quem o texto faz falar, ou melhor,

que vozes o texto coloca em evidência e que direcionamentos dá ao leitor para a interpretação.

Assim, temos um esquema de processo enunciativo, como mostrado no Quadro 2, com as

descrições subsequentes:

35

Quadro 3 – Processos enunciativos nos jornais

Processo enunciativo

Folha de São Paulo Estado de Minas Revista Veja

EUc – a entidade jornal

(sujeito enunciador original –

constrói a imagem de um

veículo plural, que traz

diversas vozes para se

manifestarem, democrático,

neutro e objetivo, que

privilegia uma linguagem

apurada, para se aproximar

de um leitor mais

intelectualizado)

TUi – a instância de

recepção, formada pelo leitor

real, que não é totalmente

controlada pela instância de

produção

Contexto/situação de

enunciação: eleições 2014

para escolha do presidente da

República

EUe – jornalistas, editores ou

outras vozes trazidas pelo

jornal (um locutor original,

no caso do discurso

relatado).

TUd: leitor (se identifica

com a imagem proposta pela

publicação)

EUc: jornal (sujeito

enunciador original –

constrói a imagem de

“grande jornal dos mineiros”,

o grande veículo de

comunicação do estado,

responsável por também

transmitir e ressaltar os

valores de Minas Gerais)

TUi – a instância de

recepção, formada pelo leitor

real, que não é totalmente

controlada pela instância de

produção

Contexto/situação de

enunciação: eleições 2014

para escolha do presidente da

República

EUe – jornalistas, editores ou

outras vozes trazidas pelo

jornal (um locutor original,

no caso do discurso relatado)

TUd: leitor (que compartilha

da imagem criada pelo jornal

e tem nele uma grande

referência de informação)

EUc – revista (sujeito

enunciador original – como

veículo da grande imprensa,

busca reforçar a imagem de

neutralidade e objetividade,

mas que tende também ao

emotivo nas construções de

chamadas, no que se

diferencia, sobretudo, da

Folha de S. Paulo)

TUi – a instância de

recepção, formada pelo leitor

real, que não é totalmente

controlada pela instância de

produção

Contexto/situação de

enunciação: eleições 2014

para escolha do presidente da

República

EUe – jornalistas, editores

(ou outras vozes trazidas pela

revista - um locutor original,

no caso do discurso relatado

– o que se observa com

menos frequência na

publicação)

TUd – leitor (que se

identifica com a proposta da

publicação)

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de CHARAUDEAU, 2014.

2.6.3.1 Jornal Folha de S. Paulo

No jornal Folha de S. Paulo, é comum a estratégia de utilização da terceira pessoa

marcada nas chamadas e manchetes, indicando um sujeito genérico, como em “Mercado teme

alta do dólar” ou “Especialistas afirmam que...”, sobretudo em relação a temas econômicos e

políticos, em que a voz do locutor original – jornal – dá espaço a vozes que podem trazer um

peso maior de verdade à informação, como as entidades “mercado” e “especialistas”.

Vejamos um exemplo que ilustra essa tendência:

36

Figura 1 – Manchete Folha de S. Paulo:

“Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o final de 2018”

Fonte: Mercado prevê PIB fraco e inflação alta até o final de 2018. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.177, 12 ago. 2014.

Observa-se também uma dissimulação do enunciador, sem a marcação de um sujeito

que diz, ou que se identifica, e também a utilização de um segundo locutor, na estrutura de

discurso relatado, como em “Dilma diz que falta experiência para Marina”.

A marcação espaço-temporal traz verbos predominantemente no presente, que dão um

peso ao acontecimento que está sendo relatado – é como se aquele fato não tivesse esgotado

num tempo anterior. Com relação a modos de trazer ao conhecimento esse acontecimento, na

quase totalidade das manchetes e chamadas observadas, são feitas asserções (afirmativas ou

negativas) com a predominância da estrutura sujeito + verbo + predicado, prioritariamente na

ordem direta (tendo exceções significativas, como abordaremos em capítulos posteriores).

Em relação ao destinatário, o público leitor que o jornal de certa forma constrói, há

que se observar, diferentemente de outros veículos, que a Folha de S. Paulo traz uma

linguagem mais apurada, rebuscada do ponto de vista de estruturas linguísticas, numa

manobra enunciativa, como aponta Verón (2005), que atribui um saber ao destinatário,

dotando-o de certo conhecimento, certo perfil refinado em relação aos demais, sendo mais

informado, mais culto, capaz de perceber como refinadas as estratégias discursivas do jornal.

Esse alocutário (TUd ou TUi, na dimensão de Charaudeau) a quem o jornal se dirige é

formado por um público-leitor que se identifica, predominantemente, com leitores de classe

média, classe média alta, com nível elevado de escolaridade e que também compactua com a

imagem do veículo de um jornal plural, não acessível ao público em geral, mas a um público

específico.

37

Nas manchetes e chamadas de capa exibidas, percebe-se que há um privilégio das

modalidades do dizer em relação ao dito. O jogo de linguagem, que demanda uma linguagem

bem estruturada do ponto de vista linguístico, como aparece no jornal, além de construir uma

cumplicidade com esse perfil de leitor, serve também, pela opacidade do discurso, a uma

estratégia de direcionar a certas interpretações, como em “Marina venceria Dilma no segundo

turno, mostra Ibope”, em que há o uso do verbo “vencer” no futuro do pretérito, como ilustra

a figura abaixo:

Figura 2 – Manchete Folha de S. Paulo:

“Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra Ibope”

Fonte: Marina venceria Dilma no 2º turno, mostra Ibope. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.192,

27 ago. 2014.

O complemento que falta à informação, propositalmente ou não, é especificar que

“Marina venceria” se e somente se houvesse segundo turno nas eleições, pois, no momento

daquela manchete, tal possibilidade não estava confirmada. Em nome da pretensa objetividade

jornalística nas manchetes, o uso de outra estrutura poderia ser mais adequada, caso se

priorizasse a divulgação de um fato concreto ocorrido, comprovado, a ser destacado, e não

somente a especulação de uma possibilidade. Caso o leitor fosse além da manchete, ele

perceberia que o fato concreto, naquele momento, era que Dilma estava à frente de Marina na

pesquisa realizada.

Os enunciados se constroem geralmente com o uso de estrutura representada por

sintagma nominal + sintagma verbal + proposição. Não se observa, como padrão, a ausência

38

de verbo. Há forte recorrência à figura de um locutor, que não é o sujeito enunciador, num

movimento de apagamento do locutor original que traz outras vozes ao enunciado. Em que se

nota, particularmente, o uso da categoria “especialistas” (sempre com uso no plural), que

merece atenção por ser um recurso bastante utilizado. Ela aparece sempre na afirmação ou

negação em relação a temas polêmicos (como política e economia, sobretudo no viés

desemprego, crescimento econômico, política econômica). O uso dessa categoria, que é

demarcada por uma adjetivação (especialista é aquele que detém conhecimentos ou

capacidades especiais), mas não é identificada por um sujeito nominado, parece referendar,

dar sustentação a um dizer que o jornal quer colocar em evidência, mas que, pela imagem de

neutralidade que deve preservar, precisa trazer uma voz de autoridade. Outro recurso bastante

utilizado pela Folha na construção argumentativa é o uso do conectivo “mas”, em que se

observa um uso sistemático quando se trata de matérias de caráter econômico, de política

econômica do governo, tema que abordaremos no Capítulo 4.

2.6.3.2 Jornal Estado de Minas

As chamadas e manchetes do jornal Estado de Minas utilizam com frequência o

apagamento enunciativo, sem um locutor que explicite a enunciação. Há nas manchetes e

chamadas uma grande utilização do discurso relatado marcado pela menção ao sujeito que

fala (“Aécio: querem fraudar a eleição em Minas”) ou por discurso marcado por aspas. Há

ainda, marcadamente, a apropriação de termos genéricos que se referem a coletivos ou

grupos, como “Brasil” ou “Brasileiros”, “Minas Gerais” ou “Mineiros”, que aparecem como

sujeitos de sintagmas verbais que expressam desejo, vontade, ação de um sujeito genérico –

como no exemplo “Dividido, Brasil vai às urnas”.

Há frequentemente o uso de modalizações apreciativas e verbos que qualificam a ação

de um agente, dando peso à asserção, como em “Em debate duro, Aécio desconcerta Dilma”,

quando se qualifica o evento, ou acontecimento, mostrado – o debate – que ganha o adjetivo

duro, dando a entender que foi um processo de fortes embates, difícil, em que há um

vencedor. O sujeito agente da ação é Aécio, cujo verbo que define a ação denota um tom

jocoso, numa encenação de um acontecimento (o debate). O jornal recorre também, com

bastante frequência, a estruturas linguísticas, reiteradamente no caso das manchetes, em que

se opera a supressão do verbo, como em “Um país em RECESSÃO”. Essa supressão marca

linguisticamente uma não referência à dimensão temporal, que seria marcada pelo verbo,

dando força ao substantivo que, na edição, aparece em letras maiúsculas e corpo maior em

39

relação aos demais termos da construção. Além disso, a supressão da marcação temporal pode

deixar para o leitor a impressão de um acontecimento que não se finda, não tem um término.

No jornal, as manchetes não obedecem a um padrão de composição – podem trazer a

estrutura completa (sintagma nominal + sintagma verbal) ou simplesmente apresentar um

substantivo sozinho ou uma expressão sem verbo, acompanhada de um sinal de exclamação

ou interrogação, o que contribui para provocar emoções no leitor ou interpelá-lo, como na

chamada abaixo, sobre eleição.

Figura 3 – Manchete jornal Estado de Minas:

“O voto mais cobiçado?”

Fonte: O voto mais cobiçado?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.506, 5 set. 2014.

Comparativamente, a Folha de S. Paulo não utiliza (em chamadas de capa) essa

estrutura. Observa-se ainda forte utilização de outras vozes, na forma do discurso relatado. As

manchetes do período que traziam falas do candidato Aécio Neves foram todas em forma do

discurso direto, com utilização de aspas. Muitas manchetes foram estruturadas somente com

as aspas do candidato.

40

O jornal utiliza com frequência versal para as chamadas, o que já antecipa para o leitor

o tema principal que está sendo abordado. Quando o tema da manchete é economia, a forma

de interpelar o leitor busca sempre ressaltar um tom apelativo, com adjetivações, pejorativo,

com uso de fontes em tamanho bem exagerado nas chamadas/títulos que enunciam o “caos” e

problemas “graves”. Nesses casos, quase não é utilizada a figura do sujeito enunciador no

título, como outros veículos utilizam, mas a forma impessoal prevalece. Não há um sujeito

explícito – economista, governo, Institutos – que afirma que a economia está estagnada, isso é

dado como fato pela manchete.

Há marcações nas falas e na estruturação das manchetes com termos, expressões e

verbos que mostram assertividade (Aécio) ou incapacidade, fragilidade (Dilma) e indecisão

(Marina). A interpelação ao leitor é também elemento relevante, pois as manchetes são

trabalhadas sempre na perspectiva de proximidade, ressaltando certo tom emotivo.

Em relação às chamadas que se referem a Aécio Neves, uma observação importante

refere-se aos verbos utilizados. São sempre verbos assertivos, que denotam ação, firmeza,

decisão: “critica”, “questiona”, “compromete”, “cobra”, “destaca”, “denuncia”. Há também

um conjunto de valores positivos que se associam a seu nome: “ideais”, “sonhos”, “ética”,

“compromisso”, “tradição”. Um aspecto interessante é que o jornal não se dedica muito aos

partidos – nem para elogios, nem para críticas. Há pouquíssimas menções, ao contrário de

outros veículos. A abordagem é muito mais personalista, focada na figura do candidato.

Nas capas, pode-se observar, por exemplo, que há sempre menção a algum assunto

negativo de economia, em chamadas sempre próximas da chamada para as eleições.

2.6.3.3 Revista Veja

A Veja difere dos demais veículos aqui considerados pelas características próprias do

suporte, uma revista semanal que, portanto, não traz o acontecimento imediato em que, como

já pontuou Verón (2005), o referente é menos a notícia em si, como ocorre com os jornais,

mas um conjunto discursivo em que a dimensão simbólica tem uma relevância acentuada,

sendo que a atividade verbal está fortemente ancorada em atividades não verbais

(imagens/fotomontagens/fotos/ilustrações). A manchete busca quase sempre a qualificação do

acontecimento, com o texto que a acompanha (o bigode) na capa, trazendo um enquadramento

do discurso que é o enquadramento do próprio acontecimento e que, dessa forma, direciona o

leitor para determinado enfoque.

41

Na Veja, encontramos, em manifestações frequentes, a ocorrência de manchetes e

chamadas pouco usuais ou convencionais – há orações sem verbo, orações muito curtas,

seguidas de enumeração de fatos, frases incompletas e certa indeterminação em muitas

manchetes, com uma perspectiva do acontecimento que não traz uma informação clara, e os

títulos (manchetes que se destacam no conjunto da chamada principal) trazem muitas vezes

denominações, destacando uma “classe” de sujeitos, quase sempre numa conotação negativa

(como “corruptos”, “delator”, “petistas”), sendo que a ligação entre o título e o acontecimento

em si (a que teoricamente ele faz referência) não está posto na estrutura da chamada, ele é

dado pelo contexto, por inferências que o leitor deverá fazer.

Vejamos os dois exemplos a seguir:

Figura 4 – Manchete revista Veja:

“Como Dilma e Aécio tentam parar Marina”

Fonte: Como Dilma e Aécio tentam parar Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.389, n. 36, 3 set. 2014.

42

Figura 5 – Manchete revista Veja:

“O delator fala”

Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.

Na Figura 4, temos uma manchete pouco usual do ponto de vista de transmitir uma

informação, e a imagem, com grande destaque, mostra, de maneira humorada, os dois

candidatos – Aécio e Dilma – numa tentativa de “segurar” ou “parar” a outra candidata,

Marina, literalmente segurando-a por uma corda. O leitor terá de fazer inferências, recorrendo

ao contexto, mesmo que a imagem revele uma cena, para que interprete o que significa

“parar” no processo de uma eleição, ou seja, fica a cargo do leitor a contextualização para

buscar o sentido.

Na Figura 5, há uma composição da imagem para qualificar (negativamente) um

sujeito, o “delator”, uma classe específica, e o título em si não traz uma perspectiva contextual

do acontecimento em si. Isso é dado muito mais pelo versal que está acima do título.

Há ainda uma forte tendência a manchetes e chamadas com uma interpelação aos

leitores, por meio de questionamentos diretos. Essa é uma característica importante para o

processo enunciativo porque a revista, no contrato que estabelece com o leitor, está sempre

buscando interpelá-lo, inquietá-lo, trazê-lo para “perto” daquela proposta de enquadramento

do acontecimento que está sendo feita.

E a busca do enquadramento revela muitas vezes um ponto de vista do locutor

(revista), que enumera e destaca aspectos que julga serem relevantes, como em:

43

Figura 6 – Manchete revista Veja:

“As armas para a decisão”

Fonte: As armas para a decisão. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.392, n. 39, 24 set. 2014.

Pode-se observar, pela composição da capa, que o locutor é quem define e revela ao

leitor quais são as “armas” dos candidatos. Tal perspectiva – dada aqui como fato ou realidade

– não é corroborada por nenhum outro locutor; quem diz que a “arma” de Aécio é a

racionalidade, a de Marina, a emoção, e a de Dilma, o poder, é a revista. E os discursos

trazidos de cada um reforçam, em sua estrutura, essa ligação explicitada.

Nos três veículos, a despeito de estratégias e jogos de linguagem distintos, percebe-se

que há uma clara intenção de buscar a proximidade com o leitor, seja pela linguagem

rebuscada, pela tom de alarmismo das manchetes ou pela interpelação desse leitor, o que se

torna um ponto relevante para a direcionalidade na produção de sentido, posto que se

estabelece e se fortalece o vínculo do suporte com o destinatário, criando-se um elemento de

reconhecimento do leitor em relação ao veículo.

2.7 Sentido e enunciado

Ao pontuar a abordagem da pragmática linguística, Ducrot (1983) faz uma série de

questionamentos ao pressuposto da unicidade do sujeito, que considera a ideia de que cada

enunciado tem apenas um autor, e aponta assim a perspectiva da existência de múltiplas vozes

que falam em um texto. Neste capítulo, retomarei alguns dos pressupostos que ele discute e

44

que se tornam relevantes para a análise, sem a pretensão de um aprofundamento na

pragmática semântica.

Segundo Ducrot, um grande problema que se coloca, e que é propriamente linguístico,

é saber “o que se considera que a fala, segundo o próprio enunciado, faz” (1983, p. 163),

sendo importante a consideração de que uma incitação para agir ou uma obrigação de

responder são dadas pela enunciação. Para o autor, todo enunciado traz uma qualificação da

enunciação, que constitui o sentido do enunciado. O sentido, podemos então considerar, não

está no encadeamento sintagmático do enunciado, mas na enunciação, naquilo que a fala faz

com que seja feito. Nesse sentido, Ducrot faz uma distinção entre enunciado e frase, sendo a

última considerada como um objeto teórico, uma “invenção” da gramática, e o enunciado se

firma como o elemento que, de fato, interessa ao linguista, é o objeto observável, a

manifestação particular de uma frase.

Ao enfocar discurso e relacioná-lo a uma segmentação em enunciados, que reproduz

uma sucessão de escolhas “relativamente autônomas” de um sujeito, Ducrot refere-se à noção

de autonomia relativa, que se liga a duas condições: coesão e independência. Um segmento

tem coesão se a escolha de cada outro segmento – que compõe o conjunto – é determinada

pela escolha desse conjunto, ou seja, cada segmento não é escolhido por si mesmo, mas em

função do conjunto; e é independente se a sua escolha não se impõe pelo conjunto do qual faz

parte. Ao estabelecer essa distinção e estabelecer uma definição do enunciado pela autonomia

relativa, o autor questiona a ideia de que se possa segmentar o texto em uma pluralidade de

enunciados, ressaltando que o que se considera habitualmente como texto “é, na verdade, um

discurso que se supõe ser objeto de uma única escolha, e cujo fim, por exemplo, já é previsto

pelo autor no momento em que redige o começo” (1983, p. 166). Nessa abordagem, Ducrot já

insere a perspectiva de que outras falas estão presentes num texto, que não é um objeto

acabado e fechado numa escolha única de uma única voz que pode ser segmentado em partes

totalmente autônomas.

O enunciado é considerado, então, como fragmento de um discurso, e deve ser

distinguido da frase, construção do linguista. Quanto à enunciação, ela comporta três

acepções, segundo o autor, que indicam as etapas de um processo, a saber:

a) atividade psicofisiológica implicada pela produção do enunciado, num primeiro

momento;

b) produto da atividade do sujeito falante, um segmento de discurso;

45

c) acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado, em que se dá

existência a algo que não existia antes da fala, antes de ser pronunciado, e que não vai

existir depois. É esse terceiro ponto que Ducrot considera como sendo o definidor de

enunciação, em que o autor não considera a perspectiva de um ato de um sujeito, de

um autor da enunciação, o que não significa que ele considere espontâneo o

surgimento de um enunciado. Ducrot ressalta que, ao considerar essa perspectiva, ele

precisa, para construir uma teoria do sentido, de um conceito de enunciação que não

encerre em si mesmo uma noção de sujeito falante, de autor. A perspectiva de um

autor da enunciação não é um aspecto que toma sua atenção nesse momento.

Após essa primeira oposição, entre enunciado e enunciação, Ducrot estabelece outra,

muito fundamental, particularmente relevante para o discurso de informação: significação e

sentido. Para o autor, significação refere-se a uma caracterização semântica da frase, e sentido

é a caracterização semântica do enunciado.

Assim, Ducrot toca num ponto muito significativo em relação ao sentido, quando

questiona a concepção de que o sentido de um enunciado é a significação da frase moldada

por elementos da situação de fala. Taxativamente, ele o define como um conjunto de

instruções, dadas ao interlocutor, para interpretar dado enunciado, instruções essas que

“especificam que manobras realizar para associar um sentido a esses enunciados” (1983, p.

169). A significação, portanto, contém instruções de interpretação; podemos considerar,

portanto, que de algum modo a significação dará uma direcionalidade à interpretação, ponto

que será de grande relevância na abordagem do discurso de informação.

Nessa perspectiva se insere também a consideração sobre argumentação, em que as

variáveis argumentativas5 (exemplo do conectivo “mas”) estão ligadas a esse viés instrucional

da significação, ou seja, tais variáveis inserem instruções para a interpretação. Segundo

Ducrot, o sentido apresenta a enunciação, ele é uma descrição dela, e o que é apresentado no

enunciado é uma qualificação da enunciação. Essa qualificação, lembra o autor, consiste em

se atribuir à enunciação certos poderes (uma direcionalidade na interpretação, por exemplo)

ou certas consequências. Sobretudo, “o enunciado assinala, em sua enunciação, a

superposição de diversas vozes” (1988, p. 172), marcando, assim, a perspectiva de uma

concepção polifônica do sentido.

5 Na abordagem relativa ao uso do “mas” nas manchetes, retomaremos essa discussão de maneira um pouco

mais ampla.

46

A abordagem sobre contexto e a relação entre sentido e enunciado, conforme

Maingueneau (2013) explicita, são importantes para a abordagem sobre o discurso de

informação. Conforme o autor, não se pode considerar que o contexto é um elemento que está

somente ao redor de um enunciado, desempenhando um papel periférico, um quadro que

permite compreender possíveis ambiguidades. Nessa concepção, o enunciado é o portador de

um sentido estável, sendo assim, para compreender o sentido de um enunciado, basta ter o

domínio do léxico e da gramática específica. Entretanto, como demonstra o autor, nada se

configura mais equivocado que tal concepção, pois “[...] fora de um contexto, não podemos

falar realmente do sentido de um enunciado; na melhor das hipóteses, falaremos de coerções

para que um sentido seja atribuído à sequência verbal proferida em situação particular”

(MAINGUENEAU, 2013, p. 22).

Aqui se explicita, portanto, o primeiro aspecto de uma relação entre enunciado e

contexto: não é possível pensar no sentido de um enunciado fora de um contexto. Não há um

sentido fixo, estável, que exista a priori, independentemente de considerações sobre contextos

sociais, históricos, políticos etc. Para interpretar um enunciado, primeiramente é preciso

atribuir a ele uma fonte que enuncia, como ressalta Maingueneau, que é o sujeito que tem a

intenção de transmitir algo (um sentido) a um destinatário. Em segundo lugar, é necessário

considerar que o enunciado tem um valor pragmático, ou seja, ele pretende instituir uma

relação com o destinatário, portanto, pela enunciação, ele precisa mostrar o ato que vai

realizar. E nessa relação que se estabelece, o destinatário não apenas vai compreender o

sentido do enunciado, há também a presunção de que aquela instância que comunica é séria e

tem a intenção de comunicar aquilo que se desenha no enunciado.

Outro aspecto relevante também para compreender essa relação e, nela, as estratégias

do discurso de informação, é tomar como princípio que o meio, ou o lugar de manifestação

material do discurso, não pode ser considerado apenas como um suporte, posto que ele impõe

“coerções sobre seus usos e comanda os usos que dele podemos fazer” (p. 81). Desse modo, o

meio não é somente aquele suporte a partir do qual se faz circular uma mensagem/informação

já pronta e estruturada, o que é particularmente relevante considerar em se tratando do

discurso de informação, posto que há uma tendência a se considerar apenas um viés técnico

ao se abordar o discurso e seu produto, a informação. Uma mudança do meio, aponta

Maingueneau, é capaz de modificar o próprio gênero do discurso, pois as mudanças de

condições materiais do suporte implicam mudanças nos próprios conteúdos e nas maneiras de

dizer esse conteúdo.

Há três tipos de contextos de que fala o autor, a saber:

47

a) contexto situacional – serve à interpretação de unidades (esse lugar, aquele palácio

etc.), é o ambiente físico da enunciação;

b) cotexto – sequências verbais localizadas antes ou depois da unidade a ser interpretada,

que assegura a interpretação;

c) conhecimento de mundo – são os saberes compartilhados anteriores à enunciação, que

dão um destaque importante ao papel da memória.

2.7.1 Discurso relatado

É o ato de comunicação em que um locutor relata o que foi dito por outro locutor

(locutor original), dirigindo-se a um interlocutor que, em princípio, não é o locutor de origem,

sendo que o locutor de origem e o dito relatado estão situados num espaço-tempo diferente

daquele do dito original. Charaudeau (2013) representa esquematicamente o discurso relatado

da seguinte maneira:

Quadro 3 – Esquematização do discurso relatado

Eo / To Er / Tr

[Loc/o Do Interloc/o ---------[Loc/r DrInterloc/r

Sendo:

Eo / To – espaço/tempo original

Loc/o – locutor original que proferiu o discurso

Do – discurso original

Interloc/o – interlocutor original

Er/Tr – espaço/tempo do relato

Loc/r – locutor relator, que relata o discurso

Dr – discurso relatado

Interloc/r – interlocutor final

Fonte: CHARAUDEAU, 2013, p. 162.

Há, portanto, um dito dentro de outro dito, sendo preciso considerar que pelo menos

parte do que é relatado pode ser atribuído a um locutor diferente daquele que fala e, muitas

vezes, o locutor-relator apaga o locutor original, englobando seu discurso e fazendo ver que

aquilo que é enunciado somente pertence a ele, não se tratando de outra voz. Segundo

Charaudeau, é nesse jogo – de marcação-integração-demarcação – que se situa o discurso das

mídias de informação, em que há também uma operação de reconstrução e desconstrução,

48

pois um dito é reintegrado a uma nova enunciação e passa a depender de um novo locutor (o

relator).

Em sua relação com o destinatário, ou os outros, o discurso relatado é capaz de

produzir diferentes provas num discurso, como de autenticidade daquilo que foi falado,

responsabilidade do sujeito que disse (se ele falou é porque acredita no que disse), verdade

daquilo que foi dito (que fundamenta o propósito do locutor-relator). O discurso relatado

também pode demonstrar um posicionamento do relator, que pode ser de autoridade (na

medida em que, ao relatar, o locutor mostra que sabe), de poder (pois relatar é transmitir ao

outro algo que ele ignora, revelar o que foi dito, o que é particularmente relevante no discurso

de informação das mídias), engajamento (pois o ato de relatar e os modos de dizer podem

revelar uma adesão ou não do locutor-relator ao locutor original ou ao dito de origem, aspecto

também significativo para o discurso de informação).

Em relação às maneiras de relatar um dito, há também diferentes formas:

a) citação do dito de origem relatado. Pode se dar de maneira integral, e a construção

linguística se apresenta como a reprodução literal do que foi dito anteriormente, numa

modalidade de discurso em estilo direto, em que há uso de aspas ou dois pontos. A

identificação do locutor de origem pode se dar no enquadramento com aspas, após

ponto final (caso da imprensa francesa, não usual no Brasil) ou apenas pela menção do

nome do locutor de origem e dois pontos abrindo o discurso (mais utilizado no Brasil);

b) integração parcial do dito de origem – é feito em terceira pessoa, no dizer daquele

que relata, sendo que há modificações no relato de origem, uma vez que os pronomes

e o tempo verbal referem-se ao momento da enunciação do relator. Na gramática

tradicional, temos a indicação de estilo indireto e estilo indireto livre;

c) narrativização do dito de origem – ele é totalmente integrado ao dito de quem relata,

tornando-se o narrador um agente do dizer. Segundo o autor, é uma forma bastante

comum nas chamadas e manchetes (títulos) dos jornais, como em “Petista admite uso

dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel” (jornal Estado de Minas,

01/10/2014);

d) evocação do dito de origem, que aparece apenas como lembrança daquilo que o

locutor de origem costuma dizer. Pode aparecer nas formas “como ele gosta de dizer”,

“como se diz”, ou ainda com um recorte entre aspas. Charaudeau também aponta essa

estratégia como bastante usual na imprensa.

49

Segundo o autor, há três modos ou categorias linguísticas que possibilitam a

identificação do discurso relatado: denominação (o locutor de origem é designado por um

nome, título ou função – até mesmo de forma coletiva ou vaga, como em “assessores da

presidente disseram que...” ou “O Palácio do Planalto afirmou que”); determinação (define a

denominação pelo emprego de um nome, marca de deferência ou mesmo um possessivo. Isso

assinala, conforme o autor, uma relação da instância midiática no modo de tratar os atores do

espaço público); e a modalização (é o meio de que o locutor-relator dispõe para expressar

uma atitude de crença – ou não – em relação ao dito que ele relata ou aos propósitos do

enunciador. Tal postura é mostrada pelos verbos escolhidos que apontam a declaração –

declara, relata, informa, anuncia, indigna-se etc. – ou pelas marcas de distanciamento –

segundo x, de acordo com).

Outro aspecto referente ao discurso relatado relevante para o discurso de informação é

com relação ao tipo de posicionamento do locutor-relator, que tem uma ligação direta com as

formas de modalização e opera transformações nos ditos de origem. Charaudeau aponta

quatro modos de intervenção do locutor-relator que revelam seu posicionamento e seu ponto

de vista em relação ao dito original. São elas:

a) intervenção na significação enunciativa da declaração de origem, transformando o dito

em ação e o locutor de origem em agente da ação, como exemplificado abaixo:

Figura 7 – Manchete jornal Estado de Minas:

“Em meio à crise, Dilma rifa Mantega”

Fonte: Em meio à crise, Dilma rifa Mantega. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.510, 9 set. 2014.

A manchete faz menção a declarações da presidente sobre a nova equipe de governo, caso

vencesse a eleição. Sua fala original remete ao seu mote de campanha, “governo novo, equipe

50

nova”, que insinua a possibilidade de mudança de membros da equipe. Em sua fala,

comprovada pelas agências de notícia e pela própria reportagem no jornal e em outros jornais,

não há menção direta ao então ministro da Fazenda, Guido Mantega.

b) intervenção nas palavras da enunciação de origem, operando uma transformação da

modalidade do dito (de afirmação para dúvida, por exemplo, ou de uma afirmação não

dita pelo locutor de origem) como no exemplo abaixo.

Figura 8 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“Dilma diz que falta experiência para Marina”

Fonte: Dilma diz que falta experiência para Marina. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.190,

25 ago. 2014.

A enunciação de origem, de Dilma Rousseff, pode ser esclarecida na chamada que

complementa a manchete, em que ela responde a um comentário anterior de Marina Silva e o

atribui a “quem nunca teve experiência administrativa”. Mesmo sutil, há uma intervenção na

fala de origem, pois a declaração feita se altera.

c) intervenção nas palavras do enunciado de origem, com uma transformação lexical.

Pode ocorrer da seguinte maneira: há o despacho de uma agência de notícias

informando sobre determinado acontecimento ou uma entrevista com a fala de uma

determinada fonte e a manchete dada altera a descrição. Como no exemplo a seguir:

51

Figura 9 – Manchete jornal Estado de Minas:

“Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel”

Fonte: Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel. Estado de Minas, Belo

Horizonte, n. 26.532, 1 out. 2014.

Note-se que, no texto que complementa a manchete e no trecho em destaque como legenda da

foto, a fala do deputado Durval Ângelo, que podemos considerar como o “petista” nominado

na manchete, não “admite” um “uso” dos Correios na campanha. Em sua fala, reportada entre

aspas em outros trechos, ele agradece a equipe dos Correios pela capilaridade do trabalho e

afirma que a campanha deve muito a esse trabalho. A dedução da manchete não encontra

respaldo na fala literal original.

d) intervenção na enunciação do locutor-relator, marcando uma distância em relação ao

dito de origem. Pode ser mostrado pelo modo condicional e o uso de diversos

componentes introdutórios, como “segundo”, “diz que”, “de acordo”, “afirma que”,

como mostra a figura abaixo.

52

Figura 10 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“Dilma afirma que Mantega não fica em um 2º mandato”

Fonte: Dilma afirma que Mantega não fica em um 2º mandato. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.201, 5 set. 2014.

Como esclarece Charaudeau (2013), essas intervenções são, muitas vezes, difíceis de

serem apontadas, pois é necessário que se tenha acesso aos ditos de origem, o que nem

sempre é possível.

Pelo que até aqui foi abordado, é possível considerar que o discurso relatado, sem

dúvida, reforça o papel da imprensa como porta-voz, espelho e eco dos vários ditos e das

vozes do espaço público.

2.7.2 Cena enunciativa

Para Maingueneau (2013), pode-se considerar um texto como o resultado de um rastro

deixado por um discurso em que há uma encenação da fala. Assim posto, ele enumera três

cenas:

a) englobante – corresponde ao tipo de discurso (político, religioso, de informação etc.)

em que há um certo quadro de espaço-tempo;

b) genérica – é preciso considerar que os gêneros de discurso são importantes na

definição dessa cena, pois cada gênero define os papéis no interior de uma cena, e o

coenunciador trata com os gêneros discursivos, não com o enunciador em si. O quadro

cênico – que garante o espaço estável onde o enunciado adquire sentido – é formado

então pelo tipo e pelo gênero de discurso, pelas duas cenas (englobante e genérica);

c) cenografia – leva o quadro cênico a se deslocar para o segundo plano, passando a ser

importante a apresentação da cena, que é o elemento com o qual o leitor se depara. A

53

cenografia não deve ser confundida com um quadro ou simplesmente um cenário em

que aparece o discurso, sendo independente dele. Ela é um dispositivo de fala

constituído na enunciação. Assim, a cenografia é, ao mesmo tempo, “a fonte do

discurso e aquilo que ele engendra” (MAINGUENEAU, 2013).

A consideração sobre as cenas enunciativas se faz relevante para o discurso de informação

porque, primeiramente, qualquer discurso pretende convencer um interlocutor, e é a cena que

vai legitimar esse discurso. Quando a cenografia promove um deslocamento do quadro cênico

para um plano secundário, em que tipo e gênero importam menos que o cenário, abre-se a

possibilidade de que dizeres estejam ocultos ou implícitos. A cenografia permite, portanto,

que se enuncie desta ou daquela forma (como convém) algumas instâncias – política,

economia, ciência, filosofia etc.

A cenografia se adapta ao produto e não é definida ao acaso, ela pretende se harmonizar a

certos perfis colocados em cena. O sentido, portanto, não se reduz apenas ao conteúdo, ele é

inseparável da encenação, que se constitui, portanto, num elemento fundamental para a

construção de sentido no discurso.

54

3. MÍDIA, UM SISTEMA COMPLEXO

A partir de Thompson (1995), tomo a mídia como um sistema cultural complexo com

duas dimensões: a simbólica e a contextual. A dimensão simbólica é marcada por um jogo

constante entre signos e sentidos, em que ocorre construção e reconstrução, armazenamento,

produção e circulação de produtos que são repletos de sentidos. Em relação à dimensão

contextual, ela envolve aspectos temporal e espacial, sendo que os produtos desse sistema são

fenômenos sociais em determinados contextos.

Como prática discursiva, a produção midiática opera a partir da seleção e, sobretudo,

da reconfiguração de repertórios, cuja significação não se restringe ao significado etimológico

de expressões e termos, mas o extrapola num processo de reconstrução de sentido. Dessa

forma, termos como “inflação”, corrupção”, “crise econômica”, “mensaleiros”, que

compuseram as capas dos jornais e da revista analisados no período da eleição 2014 de

maneira acentuada e com expressiva presença, têm seu sentido reconstruído ao interagirem

com outros objetos discursivos nas chamadas de capa – com a possibilidade de variadas

associações, e ao ganharem foco, tornando-se elementos importantes para a construção de

sentido.

O discurso midiático6 é o responsável por dar visibilidade aos acontecimentos, sejam

eles políticos, econômicos ou sociais, e nesse processo, e por meio desse poder, a mídia se

torna a responsável por reconfigurar as dimensões do público e do privado. Portanto, a mídia

tem uma grande relevância na construção e circulação de repertórios, e o discurso é a peça

fundamental nessa engrenagem. Os repertórios fazem parte das produções discursivas da

mídia e adquirem visibilidade acentuada no processo de produção do discurso, tornando-se

disponíveis para as pessoas e passando a integrar suas práticas discursivas cotidianas. E esse é

um aspecto importante para que se possa compreender a dimensão dos repertórios no discurso

midiático, pois, ao se integrarem às práticas discursivas dos sujeitos no cotidiano, adquirem o

status de “verdade” e contribuem para a disseminação e consolidação de conceitos.

É inegável, como aponta Medrado, que “a mídia introduziu transformações substantivas nas

práticas discursivas cotidianas, ou seja, nas formas como as pessoas produzem sentidos sobre

fenômenos sociais e se posicionam” (MEDRADO, 2013, p. 217).

6 Thompson faz referência ao discurso midiático, de forma mais genérica, ao se referir às mídias. Mais adiante,

retomaremos formulação de Charaudeau que considera o discurso midiático a especificidade do discurso de

informação, veiculado pelos meios de comunicação.

55

Portanto, é imprescindível, para qualquer análise do discurso midiático que se

pretenda realizar, considerar que a mídia influencia a prática discursiva cotidiana e, assim, o

modo de produção de sentido. Essa instância desfruta de um poder simbólico, como afirma

Thompson (1995), que pode ser descrito como a capacidade de intervir no curso dos

acontecimentos, de influenciar ações e de produzir eventos a partir da divulgação das formas

simbólicas. Tal poder nasce no processo de produção, transmissão e recepção do significado

dessas formas, sendo o meio técnico o substrato material necessário para a transmissão desse

conteúdo e o exercício do poder simbólico, cuja utilização possibilita novas maneiras de

organizar o espaço e o tempo. E uma característica significativa das formas simbólicas – que

denotam sua importância para a análise do discurso midiático – é a sua capacidade de serem

reproduzidas, num processo de mercantilização em que as inovações tecnológicas são

relevantes. Os bens simbólicos dos meios de comunicação de massa são produzidos por um

contexto e transmitidos a outro contexto, dessa forma, não há possibilidade de um feedback.

Em relação à influência da mídia nas práticas discursivas, Thompson faz uma releitura

do conceito de interação, em que salienta três vertentes: a interação face a face, a interação

mediada e a quase-interação mediada. Na interação face a face, temos a conversa do dia a dia,

onde há um contexto de troca direta e os participantes presentes nesse contexto compartilham

referências de tempo e espaço e estruturas linguísticas que os capacitam a transmitir e

interpretar as mensagens. A interação mediada é aquela em que há o uso de meios técnicos

para possibilitar a comunicação, uma vez que os participantes estão distantes temporal e/ou

espacialmente.

Em relação à quase-interação mediada, ela se refere a relações sociais que são

estabelecidas pelos meios de comunicação de massa7 (THOMPSON, 1995) e o que a

caracteriza são a grande disponibilidade de informação e conteúdo simbólico, a lacuna

temporal entre emissão e recepção, o fato de se dirigir não a um outro específico, uma pessoa

em particular, mas a muitas, um outro generalizado, e o fluxo da comunicação

predominantemente de sentido único, de um emissor para muitos receptores, sem

possibilidade de feedback, sendo que as formas simbólicas são construídas em um contexto

determinado e transmitidas a uma multiplicidade de contextos, em que não há a possibilidade

de interferência dos receptores em relação à estrutura de produção. Cabe, aqui, apontar dois

atributos importantes dos meios técnicos de comunicação, segundo Thompson (1995): o

7Segundo Thompson, em relação ao conceito de comunicação de massa, o que importa considerar não é a

quantidade de pessoas que recebem os produtos midiáticos, mas sim o fato de que tais produtos estão

disponíveis para uma pluralidade de destinatários.

56

primeiro refere-se ao fato de que o meio técnico (TV, livro, jornal, revista, rádio etc.) permite

certo grau de fixação da forma simbólica8, ou seja, o meio possibilita a preservação dessa

forma; outro atributo está relacionado ao grau de reprodução9 dessas formas, o que diz

respeito diretamente à exploração comercial dos meios, como esclarece Thompson:

A reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na

base da exploração comercial dos meios de comunicação. As formas simbólicas

podem ser “mercantilizadas”, isto é, transformadas em mercadorias para serem

vendidas e compradas no mercado, e os meios principais de mercantilização das

formas simbólicas estão justamente no aumento e no controle da capacidade de sua

reprodução. (THOMPSON, 1995, p. 46)

A prerrogativa de que as interações – no caso da comunicação – são sempre mediadas

e, em relação à mídia, por meios tecnológicos, é uma constatação relevante do ponto de vista

de considerarmos os processos de produção de sentido no discurso midiático, pois a mídia não

apenas cria e faz circular informações, mas, pelo discurso e a partir desses repertórios, ela

transforma as práticas discursivas das pessoas no cotidiano e difunde valores, ideias e crenças,

formatando um modo de ver, configurando e reconfigurando sentidos.

A exploração comercial dos meios de comunicação, que enfatizam seu aspecto

mercantil, é também uma concepção considerada por Sodré (2009), para quem o jornalismo é

uma prática industrial que tem implicações ético-políticas. Assim, a estrutura da mídia opera a

partir de uma lógica mercadológica, estando atrelada às instâncias de poder. Nesse processo,

há que se considerar, ainda, a dimensão da mediação simbólica, que estabelece “roupagens”

que cobrem o objeto discursivo e o ressignificam.

3.1 O discurso de informação

Charaudeau (2013) define o discurso de informação como atividade de linguagem

“que permite que se estabeleça nas sociedades o vínculo social sem o qual não haveria

reconhecimento identitário” e aponta o que ele denomina de “máquina midiática”, isto é, os

grupos empresariais responsáveis por “fabricar informação”, estabelecendo um cenário para

que seja possível compreender de que se trata, afinal, esse discurso. O autor traz a concepção

de que as mídias são um suporte organizacional para o discurso de informação e buscam

integrá-lo em suas diversas lógicas: a econômica (fazer viver uma empresa), a tecnológica

8 De acordo com o autor, os bens de comunicação adquirem uma dimensão simbólica porque são produtos que

têm significado para quem os recebe. Eles são uma reelaboração de caráter simbólico da vida. 9 Considerada pelo autor como a capacidade de multiplicar as cópias de certa forma simbólica.

57

(estender a qualidade e a quantidade de sua difusão) e a simbólica (difundir a ideia de que

presta um serviço à democracia cidadã). Valendo-se dessas lógicas, as mídias conquistam

grande relevância no contexto sócio-econômico-cultural, pois as várias instâncias, como o

mundo político, o setor de tecnologia, educação e cultura voltam sua atenção e seu interesse

para elas. Compreendendo as primeiras lógicas como relevantes, Charaudeau aponta, no

entanto, o destaque da lógica do simbólico10

no campo de estudos das mídias e do discurso de

informação, pois,

É a lógica simbólica que nos interessa aqui: trata-se da maneira pela qual os

indivíduos regulam as trocas sociais, constroem as representações dos valores que

subjazem a suas práticas, criando e manipulando signos e, por conseguinte,

produzindo sentido. (CHARAUDEAU, 2013, p. 16).

O discurso de informação tem o pretenso posicionamento de se colocar contra o poder

e a manipulação, de onde decorrem alguns mitos, em forma de preceitos desse discurso, que o

envolvem e conformam sua imagem diante do público: neutralidade, transparência e

imparcialidade. Considero tais elementos como mitos porque esses preceitos são tidos como

inerentes ao discurso de informação, quando, na verdade, são representações idealizadas dessa

prática discursiva. Não é possível transmitir informações de modo absolutamente neutro, pois

o que temos são interpretações, e não o ato de apenas reportar fatos tal como ocorrem; por

outro lado, no texto jornalístico, a informação, que é o conteúdo, não deve ser tomada

isoladamente da forma como é transmitida, e tal concepção se faz relevante quando se

consideram as formas que manchetes e chamadas de capa adquirem nos veículos.

É importante também atentar para o que afirma Charaudeau ao considerar que as

mídias, na verdade, impõem aquilo que constroem do espaço público, portanto, não apenas

transmitem o que ocorre na realidade social. Para o autor, a informação é uma questão de

linguagem, e a linguagem não é transparente, visto que apresenta uma opacidade a partir da

qual é construída uma visão particular do mundo. No processo de mostrar o invisível, revelar,

selecionar aspectos – papéis atribuídos à imprensa – imagens são construídas, imagens que

retratam um espaço público determinado, que é fragmentado, recortado e que atende aos

interesses dos meios midiáticos em determinado contexto.

Aliado a isso, temos o fato de que a imprensa está inserida num sistema de informação

onde se fazem presentes uma lógica mercadológica e empresarial e também o elemento

simbólico, fortemente definidor, que é uma “máquina de fazer viver as comunidades sociais,

10

Nas referências diretas ao autor, mantenho o termo como utilizado por ele, “lógica simbólica”; em minhas

colocações, prefiro a utilização do termo lógica do simbólico, por considerá-lo mais pertinente

58

que manifesta a maneira como os indivíduos, seres coletivos, regulam o sentido social ao

construir sistemas de valores” (CHARAUDEAU, 2013, p. 17). Desse modo, temos, portanto,

as duas lógicas que regulam o funcionamento das mídias e que devem ser compreendidas para

que se possa compreender o discurso de informação: a lógica econômica, que determina que

os meios midiáticos funcionem como empresas que produzem determinado produto e ocupam

um lugar no mercado; e a lógica simbólica, que faz com que esses meios participem da

construção de uma opinião pública. É necessário, sobretudo, como aponta Charaudeau,

compreender qual a relação que se estabelece entre essas duas lógicas na instância midiática,

averiguando se há sobreposição de uma em relação à outra ou se há uma existência

independente entre elas.

No processo de compreensão das duas lógicas integrantes e conformadoras da

instância midiática, precisamos enfocar os seus lugares de construção de sentido, que são

representados, no modelo proposto por Charaudeau, pelas instâncias de produção e de

recepção, sendo que “o sentido resultante do ato comunicativo depende da relação de

intencionalidade que se instaura entre essas duas instâncias”, o que determina três lugares de

pertinência: a instância de produção, a instância de recepção e a instância do produto (o texto,

estando submetido a certas condições de construção). Vejamos o esquema do quadro a seguir,

de acordo com Charaudeau:

Quadro 5 – Lugares de construção do sentido da máquina midiática

Fonte: CHARAUDEAU, 2013, p. 23.

59

De acordo com esse quadro teórico proposto pelo autor, há três lugares de produção de

sentido da máquina midiática:

a) produção – lugar das condições de produção, que é representado pela instância

produtora da informação, o organismo ou meio de comunicação e seus atores, e

comporta dois espaços: externo-externo e externo-interno. O primeiro engloba as

condições socioeconômicas da máquina midiática enquanto empresa, cuja organização

é regulada por certas práticas institucionalizadas que, para serem justificadas, é

necessário que os atores envolvidos produzam discursos de representação que

circunscrevem uma intencionalidade orientada por efeitos econômicos. O espaço

externo-interno compreende as condições semiológicas (que presidem a realização do

produto midiático) – assim, o chefe de redação, o editor, é que vai conceitualizar o que

se coloca em discurso, aquilo que pode despertar o interesse do público. As práticas e

os discursos circunscrevem uma intencionalidade orientada por efeitos de sentido

visados, pois não há garantia de que os efeitos pretendidos serão realmente alcançados.

b) condições de recepção – comporta também dois espaços, interno-externo e externo-

externo. O primeiro corresponde ao lugar do destinatário ideal, o alvo (que é

“imaginado”, ou concebido, pela instância midiática), é o lugar dos efeitos esperados,

segundo Charaudeau. Em relação ao segundo espaço, é ali que se encontra o público, o

receptor real, aquele que interpreta as mensagens. Nesse aspecto, entram em cena as

sondagens, recurso de que as mídias se utilizam para a medida do seu alvo.

c) condições de construção do produto – é o espaço onde o discurso se configura em

texto, a partir de uma combinação de formas, que podem pertencer ao sistema verbal

ou a outros sistemas semiológicos (icônico, gráfico, gestual). Nesse sentido, é

importante reiterar que as imagens (geralmente fotos, mas também ilustrações e

gráficos) compõem o sentido das chamadas e manchetes dos veículos analisados,

portanto, não se pode considerar apenas a materialidade do texto, sua estrutura verbal,

para os efeitos de sentido visados, pois a imagem também contribui para compor o

dizer. E para que se construa o sentido, é necessária a estruturação em consonância

dessas formas, que deverão ser reconhecidas pelo receptor para que haja a troca

comunicativa.

A capa a seguir pode ilustrar tal aspecto:

60

Figura 11 – Manchete revista Veja:

“Todos atrás dela”

Fonte: Todos atrás dela. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.393, n. 40, 1 out. 2014.

O sentido que se pretende destacar – de que há muitos indecisos na eleição – compõe-

se e se estrutura não somente pelo sistema verbal dado pela manchete “Todos atrás dela”, mas

também pela composição da imagem. Existe uma duplicidade na interpretação, posto que não

está claro a quem se refere o pronome “dela”, o que somente se torna evidente pelo

complemento do bigode “Mais mulheres do que homens estão entre os órfãos do primeiro

turno”. E isso é reforçado pela formatação da imagem, que representa uma mulher usando um

bottom semelhante aos utilizados por eleitores simpatizantes de determinados candidatos, mas

que, em lugar do símbolo do partido, traz os dizeres “Eu era indecisa. Agora não tenho mais

tanta certeza”. Os símbolos dos partidos dos candidatos que concorrem às eleições estão

estrategicamente colocados fora do bottom, como se fossem desprezados pelos indecisos.

Na mesma capa, uma chamada no alto faz referência a um “núcleo atômico da

delação” que menciona a campanha anterior da então candidata, Dilma Rousseff. Nessa

estrutura, o adjetivo atômico traz uma qualificação ao substantivo núcleo, aludindo a uma

possibilidade de explosão, a algo capaz de causar estragos à campanha da candidata em

questão.

A partir da especificação desses três lugares de produção, Charaudeau destaca que tal

estrutura possibilita perceber que a informação não pode ser considerada apenas como fruto

de uma intenção do produtor, ou do receptor, mas sim como resultado de uma

61

cointencionalidade “que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os efeitos

produzidos”, em que os lugares incidem uns sobre os outros.

Trazendo o quadro formulado por Charaudeau para o contexto proposto por este

trabalho, considerando-se os veículos referidos e o cenário brasileiro nas eleições 2014,

temos, no lugar de produção, um aspecto mercadológico fortemente marcado, pois se trata de

grandes grupos midiáticos, com uma orientação para a ocupação de um lugar no mercado e a

consequente captação de verba publicitária – de meios públicos (governos e órgãos estatais)

ou privados. Essa orientação vai, sem dúvida, marcar as escolhas discursivas empregadas nas

chamadas e manchetes e a forma final dada a tais unidades. Mas não é apenas o aspecto

mercadológico que impõe regras de operação. Mesmo com o discurso de informação

indicando um comportamento voltado a certa neutralidade e objetividade, há orientações

ideológicas – com viés político e social, um posicionamento direto contra uma determinada

campanha eleitoral – que também definem a forma como se estruturam essas unidades,

sobretudo em função da realidade do sistema de informação no país, em que há forte

concentração dos meios de comunicação e o domínio de poucos grupos que controlam esses

meios, o que contribui para um cerceamento ao direito à informação.

Ainda numa referência ao quadro de Charaudeau, em que ele questiona se é possível

determinar a natureza do desejo do editor11

– ao escolher e conceitualizar o que será destacado

como notícia (e, no caso aqui exposto, o que será definido como manchete ou chamada) –,

cabe questionar se esse desejo reside também numa tentativa de convencimento do público,

em direção a determinada interpretação de determinado tema. Por outro lado, se os jornais

pautam suas estratégias em função de um perfil de público que se quer atingir e que se supõe

ser o público daquele veículo, não estaria, nas estratégias discursivas desenvolvidas, o poder

de convencer o público em relação a determinada abordagem? Os efeitos de sentido visados,

de que Charaudeau nos fala, devem ser compreendidos a partir das práticas discursivas dos

veículos, suas estratégias discursivas. Consideremos alguns exemplos:

a) Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai;

b) Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir;

c) Arrecadação federal sobre, mas fica aquém da meta fiscal.

11

Quando aqui me refiro a essa concepção, de um possível desejo do editor, não considero o editor como

sujeito individual, ou seja, o seu desejo, como ator desempenhando tal função, está em sintonia com as

determinações e orientações do veículo como empresa. Esse esclarecimento é importante para que as

estratégias utilizadas não sejam consideradas meramente iniciativas individuais.

62

O jornal Folha de S. Paulo, ao deliberadamente utilizar o conectivo mas12

em

chamadas e manchetes relativas à política econômica do governo federal e aos seus

desdobramentos, insere um ruído, um novo argumento no enunciado principal, adotando uma

estrutura discursiva que não se baseia em critérios de simplicidade, clareza, objetividade, uso

da ordem direta, elementos que são típicos do discurso de informação e previstos pelo

contrato de comunicação. Que efeitos de sentido visados justificam tal uso, que de certa forma

corrompe uma estrutura padrão para o jornalismo? Em um dos exemplos, “Entre domésticos,

renda sobre mais, mas ocupação cai”, a estrutura discursiva formada chega a colocar em

proximidade dois termos – a conjunção “mas” e o advérbio “mais”, comumente trocados no

uso coloquial – potencializando um ruído para o público leitor. Pode-se falar numa tentativa

de convencimento do público com base no uso reiterado dessas estratégias?

Em se tratando agora do exemplo do jornal Estado de Minas com a seguinte capa, do

dia 04/09/2014:

Figura 12: Chamada jornal Estado de Minas:

“Qual será o nome dele?”

Fonte: Qual será o nome dele?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.505, 4 set. 2014.

12

Abordaremos em detalhe, mais adiante, tal estratégia. A referência, aqui, é para ilustrar o ruído para a

informação.

63

Nota-se que há uma imagem em destaque, de um gorila, com a chamada “Qual será o

nome dele?”, que ocupa grande parte da capa, com bastante destaque. E a capa não traz

informações relevantes sobre a eleição, como o fato de que a candidata Marina Silva estava

abrindo uma grande vantagem em relação ao candidato Aécio Neves. Temos aqui uma

composição discursiva que altera o enquadramento do tema “eleições” e retira o foco da

discussão, privilegiando o enquadramento pelo entretenimento, com um assunto banal. Tal

proposta evidencia o papel da linha editorial do jornal, que escolhe deliberadamente e define o

que deverá ser destacado e enquadrado como informação que terá destaque na capa, e também

revela um posicionamento do locutor. Não é possível, portanto, desconsiderar que orientações

ideológicas, como Charaudeau pontua, são também definidoras das estratégias discursivas.

3.1.1 O que significa informar?

Para Charaudeau, a informação está intrinsecamente ligada à linguagem, que não deve

ser considerada somente numa referência aos signos linguísticos, mas também estando ligada

a sistemas de valores que vão direcionar o uso desses signos em determinadas situações e em

certos contextos. Nesse sentido, o ato de informar, que poderia ser uma atividade discursiva

praticada por todos, portanto, torna-se um fenômeno restrito a alguns “especialistas” que

passam a ter a prerrogativa de poder informar.13

. E as mídias, inseridas num modelo tecnicista

de comunicação, precisam mostrar sua credibilidade e dizer, a todo o momento, por que têm o

direito de “fazer saber” aos cidadãos. No entanto, Charaudeau aponta, em relação a esse

modelo, que há um ponto de vista ingênuo referente à informação:

Segundo esse modelo, tudo acontece como se houvesse, entre uma fonte de

informação (que poderia ser a própria realidade, ou qualquer organismo dispondo de

informações) e um receptor uma instância de transmissão (um mediador individual

ou um sistema intermediário) encarregada de fazer circular um certo saber da fonte

ao receptor. (CHARAUDEAU, 2013, p. 35)

O autor define a fonte de informação, nesse modelo, como sendo o lugar em que

haveria certa quantidade de informações, sem se levar em conta a natureza dessa fonte. O

receptor é sempre considerado capaz de decodificar a informação que é transmitida, sem que

se considere a questão da interpretação – ele apenas decodifica a informação. Por outro lado,

da instância de transmissão considera-se apenas que ela assegura a transparência da

13

A abordagem com relação aos especialistas que têm a prerrogativa de informar é relevante considerando-se o

meio impresso, nosso objeto nesta análise. Mas é relevante pontuar, para abordagens e discussões futuras, que

essa dimensão ganha novos contornos com a internet.

64

transmissão entre fonte e recepção. Trata-se, portanto, como Charaudeau classifica, de um

modelo que “define a comunicação como um circuito fechado entre emissão e recepção,

instaurando uma relação simétrica entre a atividade do emissor, cuja única função seria

codificar a mensagem, e a do receptor, cuja função seria decodificar essa mesma mensagem”

(p. 35).

Essa conceituação é particularmente relevante para uma reflexão sobre a imprensa

brasileira porque a visão técnica, ou tecnicista, ainda está bastante em voga, o que colabora

para que não haja questionamentos em relação às práticas discursivas dos meios em questão,

que operam como se se pautassem somente pelo ato de transmitir informação de modo

objetivo e neutro, e os meios operando apenas e tão somente como meios técnicos, instâncias

de transmissão, em que o discurso tem apenas o compromisso com a clareza, a objetividade,

não fazendo parte de um sistema complexo e eivado de interesses.

A informação precisa ser compreendida, portanto, como discurso, para além das regras

gramaticais de uso da língua e das regras técnicas da comunicação jornalística. É uma prática

discursiva em que o sentido é perceptível pelas formas e se constrói num duplo processo de

semiotização, que envolve a transformação e a transação. De acordo com Charaudeau, o

processo de transformação consiste em transformar o mundo a significar num mundo

significado, em que estão presentes categorias que nomeiam os seres do mundo (qualificando-

os), narra as ações (descrevendo-as), argumenta (dando motivos para as ações) e modaliza

(avaliando seres, propriedades, ações e motivos). E é nesse processo que se insere o ato de

informar, que vai descrever o fato, contar sobre ele e explicá-lo.

Quanto ao processo de transação, ele consiste em dar uma significação ao ato de

linguagem, atribuindo-lhe um objetivo em função de parâmetros – hipóteses sobre a

identidade do outro (o destinatário), o efeito que se quer produzir, o tipo de relação que se

pretende instaurar, o tipo de regulação que se prevê em função dos parâmetros estabelecidos.

Nesse processo, o ato de informar faz circular entre os parceiros um objeto de saber – a

informação sobre algo – que um possui e o outro não, sendo que a transação é que vai

comandar o processo de transformação, uma vez que o principal objetivo do sujeito, ao se

comunicar, é se colocar em relação com o outro.

Considerando-se especificamente o discurso de informação, temos que considerar que

a informação somente poderá ser construída pelo sujeito informador em função da situação de

troca, que fornece elementos específicos, sendo que tal discurso depende do alvo que o

informador escolhe, do ponto de vista da linguagem. E uma vez que toda informação depende

do tratamento dado a ela na transação, onde se atribui um objetivo, é uma postura de certa

65

forma inocente considerá-la no âmbito da transparência ou da neutralidade, sendo, portanto,

inútil,

Colocar o problema da informação em termos de fidelidade aos fatos ou a uma fonte

de informação. Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência,

à neutralidade ou à factualidade. Sendo um ato de transação, depende do tipo do

alvo que o informador escolhe e da coincidência ou não coincidência deste com o

tipo de receptor que interpretará a informação dada. (CHARAUDEAU, 2013, p. 42)

Em relação ao processo informativo, o quadro construído por Charaudeau pode ser

resumido da seguinte maneira:

Quadro 6 – Processo informativo

Processo informativo

Mundo a significar Mundo significado

Nesse processo de transformação, atribui-se um objetivo ao ato e há circulação de um objeto de saber

Fonte: CHARAUDEAU, 2013.

Nessa descrição, é importante ressaltar que o saber colocado em circulação não tem

natureza, posto que é o resultado de uma construção humana, pela linguagem, que, ao

categorizar o mundo, torna-o inteligível. E a forma como o saber é estruturado depende da

direção do olhar humano – se está voltado para o mundo, estrutura-se como categorias de

conhecimento; se se volta para o próprio homem, constroem-se categorias de crença. Ao

mesmo tempo, o saber também se estrutura de acordo com a atividade discursiva para dar

conta do mundo, que pode ser descrito, contado ou explicado, configurando, assim, os

sistemas de interpretação. Nesse sentido, dado que o saber é fruto de uma construção, pode-se

considerar que a informação, sendo um saber, também é uma construção.

Pela experiência e pelos dados técnicos e científicos, o homem constrói os

conhecimentos, que passam pelo filtro da vivência social e cultural. Em relação aos saberes de

crença, eles são fruto da atividade humana voltada a comentar14

o mundo, ou seja, que faz com

que ele exista a partir do olhar de um sujeito sobre esse mundo. Tal saber depende de sistemas

de interpretação que avaliam o provável nos comportamentos, criando as predições, e que

apreciam comportamentos, de acordo com critérios de positivo ou negativo (bom ou mau,

14

Em sua abordagem, Charaudeau utiliza o termo “comentar” o mundo, em lugar de narrar. É relevante

pontuar a diferença entre os dois verbos, nessa consideração, por que o saber de conhecimento narra o

acontecimento, o reconstrói. Mas o saber de crença comenta, inserindo nesse processo um ponto de vista, um

modo de ver.

66

bonito ou feio etc.). Estabelecendo uma diferenciação entre os dois saberes, Charaudeau

destaca que os saberes de conhecimento se beneficiam do preconceito de objetividade e

realismo e promove uma certa estabilidade da visão estruturada do mundo. Os saberes de

conhecimento trazem uma descrição do acontecimento, ou dos objetos do mundo, por meio de

reconstituições, e quando se inscreve numa enunciação informativa, fará o leitor ver ou

imaginar ou ainda perceber como algo se passou, como foi aquele acontecimento.

Situando os saberes de crenças no âmbito da informação, o autor afirma que ao se

inscreverem em enunciações informativas, as crenças farão com que um outro compartilhe

julgamentos sobre o mundo, pois

toda informação a respeito de uma crença funciona ao mesmo tempo como

interpelação do outro, pois o obriga a tomar posição com relação à avaliação que lhe

é proposta, colocando-o em posição reativa – o que não é necessariamente o caso da

informação que se refere aos conhecimentos” (CHARAUDEAU, 2013, p. 46).

De modo geral, podemos considerar, portanto, que uma enunciação informativa é um

saber de conhecimento quando ela narra o fato, o acontecimento, dando uma explicação ou

fazendo uma descrição. E é um saber de crença quando se destina a comentar o mundo,

fazendo com que ele seja visto e percebido a partir de um olhar específico do sujeito. Tal

postulado do autor, acima, nos parece muito claro quando observamos algumas capas da

revista Veja, como se segue.

Figura 13 – Manchete revista Veja:

“O fator surpresa”

Fonte: O fator surpresa. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.395, n. 42, 15 out. 2014.

67

Figura 14 – Manchete revista Veja:

“A fúria contra Marina”

Fonte: A fúria contra Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.391, n. 38, 17 set. 2014.

Nos exemplos das manchetes acima, as crenças do locutor (revista) em relação a

determinados aspectos são veiculadas sob o formato de enunciados informativos, instando o

leitor a compartilhar tais afirmações, estabelecendo apreciações da ordem do bom e do mau.

Por exemplo, em “Fúria contra Marina – nunca antes neste país se usou de tanta mentira e

difamação para atacar um adversário como agora faz o PT”, não há a explicitação de um

locutor – a revista traz uma informação que é dada como verdadeira. O estabelecimento da

marca de temporalidade – nunca antes neste país – destaca o ineditismo negativo daquele

episódio e faz clara referência ao discurso do ex-presidente Lula, que sempre utilizava a

expressão nunca antes na história deste país, referindo-se a mudanças positivas operadas pelo

seu governo. O discurso da revista se apropria desse discurso e reconfigura seu sentido numa

conotação negativa.

No outro exemplo, instaura-se “O fator surpresa” que é apresentado ao leitor, também

como elemento de crença a partir do olhar do locutor (revista), que é quem profere a

afirmação. A surpresa afirmada pela manchete adquire a conotação de elemento positivo, em

que a combinação da imagem – uma foto alegre do referido candidato, num fundo de cores

suaves e não agressivas – com o texto equilibrado, em tom de novidade positiva, expectativa.

68

Pode-se observar ainda, a partir dos exemplos dos enunciados das chamadas acima,

duas questões importantes para se compreender o processo de construção da informação, que

se referem à representação e aos efeitos de verdade. Em relação às representações, são elas

que constroem uma organização do real por meio de imagens mentais transpostas em discurso

(como em “O fator positivo”) ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos,

sendo tomadas como se fossem a própria manifestação do real. Nesse processo, há a

conformação de um sistema de valores que se torna norma de referência fazendo, portanto,

com que uma construção que representa um aspecto de real seja tomada e considerada como o

real em si (como se observa na manchete “Fúria contra Marina”).

Ocorre que o limite entre esse sistema de representação e os saberes de conhecimento

e de crença é difícil de ser determinado, como revela Charaudeau, uma vez que tais saberes

são construídos no interior desse sistema, o que nos leva a considerar que a interpretação dos

enunciados, por mais “simples” que se apresentem, é uma ação que precisa ser considerada

sob a ótica do cruzamento entre os vários discursos de representação presentes.

Por exemplo, no enunciado abaixo, uma chamada da revista Veja de 08/10/14:

1. Joaquim Barbosa:

OAB nega ao ex-ministro o registro profissional que mensaleiro preso tem

A estrutura do enunciado atribui qualificações aos atores referidos – Joaquim Barbosa,

que é ex-ministro, devidamente identificado de maneira positiva, e mensaleiro preso, uma

denominação genérica, que não identifica um sujeito específico, mas uma categoria de

sujeitos, prevalecendo a alcunha negativa. No contexto de um momento político significativo,

como um processo eleitoral para escolha de presidente da República, essas qualificações

colocam em cena na informação transmitida as crenças presentes nas representações do

locutor, com as quais ele interpela o leitor. Há um posicionamento marcado desse locutor, que

se dilui na estrutura informativa da enunciação. Portanto, pontos de vista são levados ao leitor

como mera informação.

Vejamos outro exemplo, do jornal Estado de Minas de 09/09/2014:

2. “Em meio à crise, Dilma rifa Mantega”

69

Nessa manchete, temos então uma avaliação do locutor em relação a um fato ou

acontecimento – uma declaração dada pela presidente e candidata Dilma Rousseff de que o

então ministro da Fazenda não continuaria num eventual segundo mandato. Novamente, o

ponto de vista do locutor está estruturado como uma informação, instigando o leitor e

levando-o a partilhar tal crença postulada pelo enunciado, qual seja, a de que a presidente da

República está “rifando” seu ministro da Fazenda. Assim, como afirma Charaudeau,

Nessas condições, é nosso direito indagar sobre os efeitos interpretativos produzidos

por algumas manchetes de jornais (ou mesmo sobre determinada maneira de

comentar a atualidade) quando estas, em vez de inclinar-se para saberes de

conhecimento, põem em cena saberes de crença (CHARAUDEAU, 2013, p. 47)

A questão que se coloca, que é particularmente relevante no discurso de informação, é

que as chamadas e manchetes, enunciados aparentemente neutros, como os acima expostos,

mobilizam universos de crenças que levam a interpretações – rifar, para marcar uma relação

institucional num governo pode denotar conflito, incompetência do “rifado” (Mantega),

questionamentos (por que foi mantido até então), instabilidade do governo em questão,

incompetência da presidente, que o manteve na função; “Fúria” pode incitar uma reação

negativa dirigida a quem, teoricamente, está sendo o sujeito dessa ação, como explicita a

manchete de Veja, e uma reação positiva, de proximidade e até mesmo afeição à suposta

“vítima” desse ato de fúria (no caso retratado, a candidata Marina Silva).

Numa menção aos efeitos de verdade, Charaudeau esclarece que o homem baseia sua

relação com o mundo num “crer ser verdade”, portanto, verdade e crença estão intimamente

ligadas no imaginário dos grupos sociais, o que deve ser atentamente observado em se

tratando do discurso de informação. Nesse sentido, o autor faz uma distinção entre valor de

verdade e efeitos de verdade estabelecendo que o primeiro se realiza a partir de construções

explicativas, explicações que se prendem a um saber erudito e são elaboradas com a ajuda de

um aparato científico exterior ao homem, legitimando a construção de um “ser verdadeiro”. O

efeito de verdade, por outro lado, baseia-se num “acreditar ser verdadeiro”, numa convicção, e

surge da subjetividade do homem em sua relação com o mundo.

Como descreve o autor, o efeito de verdade não existe fora de um dispositivo

enunciativo de influência psicossocial, em que está em jogo a busca de credibilidade, que é o

elemento que vai determinar o direito à palavra – para dizer, portanto, é preciso ter

credibilidade. No caso do discurso de informação, ele modula os efeitos de verdade de acordo

com as razões (supostas) para informar, sendo que o crédito dado a determinada informação

70

que circula depende da posição social de quem informa, do papel que desempenha na situação

de troca, da sua representatividade, do grau de engajamento. E os meios de comunicação,

nesse cenário, se apresentam como que desempenhando o papel de um organismo

especializado de informação, unidades institucionais responsáveis por recolher e armazenar

informação, portanto, menos suspeitas de poderem desenvolver e realizar estratégias de

manipulação. Eles se apresentam, assim, como informadores que querem tornar público um

assunto ou tema que poderia ficar oculto ou ser ignorado, que prestam um serviço para a

cidadania.

Entretanto, os meios de comunicação estão também ligados a uma lógica de mercado,

comercial – são empresas que buscam lucro a partir da venda de produtos (informação,

entretenimento etc.), atividades que não podem ser consideradas como prestação de serviço

para a cidadania. Assim, esses meios estão numa lógica de concorrência que os leva a várias

estratégias para conseguir audiência, público e, consequentemente, lucro. Desse modo, diz

Charaudeau,

O imperativo da captação a obriga a recorrer à sedução, o que nem sempre atende à

exigência de credibilidade que lhe cabe na função de serviço ao cidadão – sem

mencionar que a informação, pelo fato de referir-se aos acontecimentos do espaço

público político e civil, nem sempre estará isenta de posições ideológicas

(CHARAUDEAU, 2013, p. 59)

Portanto, essa ambiguidade que se instaura para os meios de comunicação – que se

pretendem informadores neutros, especializados, sendo também empresas que se inserem

numa lógica de mercado – é profundamente definidora da estrutura do discurso de

informação, que não pode, também por esse fator, ser considerado puramente objetivo ou

neutro. Outro aspecto também marcante para esse discurso é que, além da relação com o saber

(pois o discurso de informação detém um saber que outros não possuem), há ainda uma

ligação muito estreita com o poder, pois o saber confere poder a quem o tem. E daí decorre

que ele se torna um discurso pouco passível de contestação, com grande poder social em certa

medida, pois o fato de saber algo que outros ignoram o legitima. Ocorre ainda que o

informador (o veículo de comunicação) não deixa explícito seu engajamento, e a informação

circula como algo evidente. Observem a manchete do jornal Estado de Minas de 30/08/2014:

3. Um país em RECESSÃO

71

O termo recessão aparece num corpo de texto maior que o do restante da chamada, em

destaque, sendo a expressão mais visível. Note-se que há uma dissimulação do sujeito, o que

expressa uma pretensa neutralidade, posto que o locutor não se coloca, não se pronuncia, não

diz, apenas reporta uma pretensa verdade, o que produz um efeito de objetividade, pois não

está marcado, na estrutura da manchete, um posicionamento do sujeito enunciador. Tal

utilização se firma muito mais como recurso gráfico somente, não como posicionamento.

Note-se ainda que o termo recessão faz uma referência a um processo de crise econômica

grave, e essa informação, legitimada por um veículo que detém o saber e pode informar,

expressa a “verdade” que se evidencia.

3.1.2 Contrato de comunicação

A primeira coisa a se considerar em relação a um contrato de comunicação é que o

discurso depende das condições efetivas da situação de troca, que é onde ele surge, e é essa

situação de troca que vai se configurar no quadro de referência ao qual os indivíduos de dada

comunidade se reportam quando iniciam a comunicação. Charaudeau considera que a situação

de comunicação é, portanto, um palco, com as restrições devidas de espaço, tempo,

convenções simbólicas, práticas, valores, sendo que existe um jogo de regulação das práticas

sociais, e os indivíduos que querem comunicar precisam levar em conta os dados da situação

de comunicação.

O contrato, portanto, é um acordo prévio sobre os dados do quadro de referência, que

envolve dados externos (construídos pela regularidade comportamental dos indivíduos que

efetuam trocas no campo de determinada prática social) e internos (que são os propriamente

discursivos, que mostram o “como dizer”). Sobre os dados externos, eles podem ser

agrupados em quatro categorias: condição de identidade (requer que todo ato de linguagem

dependa dos sujeitos nela inscritos, e num contexto como o dos jornais, o fato de o locutor ser

um jornalista é um traço pertinente em muitas situações de comunicação), condição de

finalidade (todo ato de linguagem deve ser ordenado em função de um objetivo, há uma

expectativa de sentido em que a troca se baseia), condição de propósito (requer que todo ato

de comunicação seja construído em torno de um domínio de saber ou uma maneira de recortar

o mundo) e condição de dispositivo (o ato de comunicação deve ser construído de uma

determinada maneira, de acordo com as circunstâncias materiais em que se desenvolve).

Os dados internos indicam o “como dizer”, especificando como deve ser o

comportamento dos parceiros na troca, as formas de falar, os papéis linguageiros que

72

assumem, as formas verbais usadas, e se dividem em três espaços de comportamento: locução

(onde o sujeito falante administra a questão da tomada de palavra), relação (onde o sujeito

estabelece relações de força ou de aliança quando constrói sua identidade de locutor e a do

interlocutor) e tematização (onde se organiza o domínio do saber, o tema da troca). A

comunicação midiática coloca as instâncias de produção e de recepção em relação, sendo que

a primeira tem, supostamente, um duplo papel (fornecer informação e ser propulsora do

desejo de consumir informação) e a segunda esfera, também supostamente, deveria manifestar

seu interesse em consumir as informações.

Entretanto, Charaudeau chama atenção para o fato de que os processos não se dão

linearmente dessa maneira, pois, na verdade, essa relação se estabelece de diversas formas.

Primeiramente, em relação a esse processo não se trata apenas de mera transmissão de um

saber, mas, na verdade, trata-se muito mais de se inteirar dos acontecimentos do mundo,

apropriar-se deles e, então, construir um determinado saber. Desse modo, deve-se considerar a

instância de produção em duas vertentes: “ora como organizadora do conjunto do sistema de

produção, num lugar externo, ora como organizadora da enunciação discursiva da

informação” (CHARAUDEAU, 2013, p. 72). Na instância de produção estão presentes

diversos tipos de atores, e é a instância que representa a ideologia do organismo de

informação. Esse aspecto é particularmente relevante porque, em relação ao processo de

transmissão, tem-se a ideia de senso comum de que a informação já contém um conjunto de

saberes que preexistem, ou seja, para o público (leitores/espectadores), prevalece a imagem de

que o jornalista, ator nesse processo, é o sujeito que apenas “coleta” informações que já estão

prontas.

Em relação à instância de recepção – leitores, telespectadores e ouvintes – há algumas

considerações que se fazem relevantes para a compreensão do processo, como Charaudeau

elenca. Primeiramente, a diferenciação em relação ao suporte, como mencionado acima, o que

implica diferenciações em termos de reação e expectativa. Em segundo, a priori, a instância

de produção não conhece a identidade social de seu público, que é heterogêneo, apesar das

pesquisas de perfil que os veículos realizam. E aqui se instaura um problema para os meios

em relação a perceber a motivação do seu público e o impacto da informação divulgada, o

que, no entanto, não os impede de fazerem projeções – que envolvem considerações sobre

possíveis valores sociais, éticos, morais, afetivo-sociais desse público – e ajustarem suas falas

e modus operandi na produção da informação a essas projeções.

Assim, a partir dessas projeções e hipóteses, a instância de produção midiática busca e

utiliza estratégias discursivas para ir ao encontro dos interesses do seu público, despertar sua

73

atenção e motivá-lo com informações de certa forma úteis à sua conduta na vida cotidiana (em

suas atividades sociais), quando ele ocupa determinada posição social, estabelece relações

com o outro e detém o saber, tendo a capacidade de comentar a realidade. E tal suporte para o

sujeito – percebam a relevância desse aspecto – é dado pela instância midiática, pela

informação que essa instância faz circular. Há ainda que se considerar a perspectiva de um

alvo afetivo, que tem reações de ordem emocional, tomando-se como suposto que as

instâncias midiáticas também constroem informações que se voltam ao objetivo de tocar a

afetividade do sujeito, a partir de estratégias discursivas. Considerando-se o discurso de

informação, é importante observar que as estratégias discursivas mesclam os públicos-alvo na

construção da informação, trazendo elementos tanto racionais quanto emotivos no trabalho de

construção da informação, o que se torna evidente que, em se tratando de manchetes e

chamadas de capa, precisam despertar de imediato o interesse do público.

Feitas essas considerações, qual é a relevância, portanto, de se compreender o

funcionamento do contrato de comunicação para a análise do discurso de informação? Em

primeiro lugar, pela possibilidade de considerar que a transmissão de informação, que envolve

instâncias e diversos atores, é dinâmica e não se dá de modo linear, como simples

transmissão. Em segundo, considerar que há, no contrato de comunicação, a presença de

atores diversos, com papéis atribuídos e que constroem representações e saberes,

influenciando e determinando o modo como um acontecimento do mundo se transforma em

informação e se faz circular. Além do que, ter claras as relações estabelecidas nos permite

compreender que o processo de transmissão/produção de informação na comunicação

midiática não é neutro, como mero processo de transmissão. E, por último, perceber que a

informação não tem nada de preexistente, ela não está pronta, apenas esperando para ser

coletada – ela é, de fato, um objeto mediado, construído.

3.1.3 A construção de um enredo

A imagem construída em relação à imprensa – e corroborada pelo senso comum – é a

de que a ela, com seus diversos instrumentos, cabe o papel de “zelar” pela “verdade” e de

levar tal verdade ao cidadão, sob forma de notícia, o que assegura a legitimidade do bordão

“saiu na imprensa”, que lastreia várias práticas discursivas cotidianas (a conversa em família,

nos espaços sociais, no local de trabalho etc.). Em referência a essa conotação, vale tomar o

que Sodré (2009) descreve como a noticiabilidade de um fato, que se trata da condição de

possibilidade para que um determinado fato venha a se tornar notícia, sendo que os valores

74

que sustentam tal critério podem variar de acordo com o lugar do fato, as circunstâncias ou

mesmo sua importância15

.

Aliado a esse conceito há a elaboração da ideia de objetividade jornalística, em que a

mídia, mais especificamente o jornalismo, funciona como espécie de espelho do mundo. No

cenário midiático, no âmbito da informação, Sodré a considera como a construção de um

enredo, não sendo um simples retrato da realidade, mas sim o “aproveitamento de aspectos

dessa realidade para a construção de um discurso semelhante” (SODRÉ, 2009, p. 37). Fica,

então, a indagação: como podemos operar com a categoria “verdade objetiva dos fatos” se a

estrutura da mídia está dada como negócio e atrelada a instâncias de poder?

A abordagem sobre verdade, ainda que a proposta aqui desenvolvida não seja a de

uma discussão sobre o tema, faz-se relevante por sua relação com a prática discursiva

jornalística, em que, como pontua Sodré, a noção é a de uma correspondência entre enunciado

e fatos do mundo, sendo que o conceito é tomado como sendo parte do enunciado, e não da

enunciação, e em que cabe à imprensa ser esse meio que difunde a “verdade”, um instrumento

superior de esclarecimento.

3.2 Estratégias do discurso midiático

Perceber as estratégias do discurso midiático, notadamente no jornal impresso, objeto

de nossa análise, é também compreender que tais estratégias operam na construção de sentido

e, portanto, assumem papel significativo na produção de consensos, pois quem interpreta um

enunciado reconstrói seu sentido a partir das indicações que estão presentes nesse mesmo

enunciado (MAINGUENEAU, 2013). Nesse processo, há identidades que se estabelecem – a

partir de diversos recursos, como uso de verbos determinados, adjetivações (para qualificação

– positiva ou negativa), uso de conectivos, tratamento do discurso reportado (uso de discurso

direto, indireto, livre)16

– pelos jogos de poder que se materializam na linguagem. Sendo que

tais identidades se estabelecem e são reforçadas pelas estratégias do discurso midiático, como

aponta Gregolin:

Como dispositivo social, a mídia produz deslocamentos e desterritorializações. Ao

mesmo tempo, o trabalho discursivo de produção de identidades desenvolvido pela

mídia cumpre funções sociais básicas tradicionalmente desempenhadas pelos mitos

– a reprodução de imagens culturais, a generalização e a integração social dos

indivíduos. (GREGOLIN, 2007, p. 17).

15

Em “A narração do fato”, Sodré (2009) faz uma extensa discussão sobre o conceito de notícia. 16

Tais estratégias ficarão mais evidentes no decorrer da análise do corpus.

75

Em relação às indicações de interpretação de que fala Maingueneau, é claro que a

audiência – leitores e espectadores – não é totalmente manipulável todo o tempo, mas essas

indicações presentes no discurso midiático levam sim a caminhos possíveis de interpretação, a

partir de reconstruções e da assimilação de interdiscursos. Trata-se, de fato, de rechaçar a

ideia do enunciado como encadeamento de sintagmas ou sequência de signos – no caso aqui

considerado, das chamadas e manchetes, elas estabelecem uma relação com o destinatário

(leitor de jornal e/ou revista) e querem mostrar algo e direcionar uma interpretação. Nesse

contexto, há um elemento muito importante para esse processo: a credibilidade de que os

meios de comunicação desfrutam, pois para que se institua a relação com a audiência, é

fundamental que a instância que comunica desperte a confiança para poder dizer.

3.2.1 As leis do discurso

As leis desempenham um papel importante na interpretação dos enunciados, pois

permitem a transmissão de conteúdos implícitos, que estão subentendidos, sendo que o leitor

é levado, pelas estratégias discursivas, a inferir determinadas proposições. As leis são:

a) pertinência e sinceridade – a enunciação deve ser adequada ao contexto em que

ocorre, despertando interesse no destinatário. A partir dessa lei, o interlocutor vai

inferir um conteúdo implícito e procura sempre a pertinência daquela enunciação.

Retomemos o exemplo “Um país em RECESSÃO”, já citado.

Ao propor tal manchete, o locutor mostra ao destinatário (o leitor do jornal) que aquele

tema – recessão - é relevante, pois é pertinente ao contexto. Para o leitor, fica a

possibilidade de inferir que se o país está em recessão (posto que a estrutura da

manchete não dá margem a conjecturas, pois faz uma afirmação), o que significa

dificuldades, momentos ruins para a economia e as pessoas, desemprego, perda de

renda, e uma série de desdobramentos, todos com uma conotação negativa.

No caso da lei da sinceridade, ela diz respeito ao engajamento do enunciador no ato de

fala que ele realiza, pois, ao se afirmar algo, é necessário estar em condições de

garantir a verdade daquilo que é dito (MAINGUENEAU, 2013);

b) informatividade – incide sobre o conteúdo e diz que os enunciados devem fornecer

informações novas, ou seja, não se deve “falar” para não dizer nada. Dessa lei, é

76

possível que o destinatário faça inferências considerando que, se um enunciado que foi

proferido não diz nada, é porque há um outro conteúdo, um conteúdo implícito;

c) exaustividade – especifica que o enunciador deve dar a informação máxima, de

acordo com a situação. Essa lei também determina que não se esconda uma

informação importante. Tal postulado é interessante para a abordagem de chamadas e

manchetes dos veículos de comunicação porque, numa manchete ou chamada de capa,

está suposto que:

Ali está a informação a mais completa possível para que o leitor a compreenda.

No entanto, as chamadas, muitas vezes, capturam excertos da informação, até

modificando sua integralidade, o que somente será possível apreender no decorrer

da leitura da notícia;

A informação dada é a mais relevante do ponto do vista “objetivo” da informação

ao leitor. No entanto, isso não é o que ocorre, posto que os editores escolhem,

elegem, elencam aquele viés que parece mais condizente com uma série de fatores

– linha editorial do veículo, situação contextual, posicionamentos etc;

d) modalidade – prescreve clareza (pronúncia, escolha das palavras) e economia

(formulação mais direta).17

3.2.2 O dito e o modo de dizer

Em relação ao dizer, há duas dimensões que se colocam com as modalizações, de

acordo com Emediato (2013): o dito, que é o conteúdo da proposição, e o modo de dizer, que

se refere à forma escolhida, à atitude em relação ao dizer, o que pressupõe a subjetividade do

enunciador. Segundo o autor, a modalização não deve ser considerada apenas do ponto de

vista de se considerar a probabilidade de uma asserção, mas sim sob o ponto de vista de uma

apreciação, uma modalização apreciativa, que denota um julgamento do sujeito enunciador, e

também de uma modalidade intersubjetiva, que trata da relação entre sujeitos e locutores.

Ao abordar a presença da opinião no tratamento da informação jornalística, o autor

aponta que, na chamada imprensa de referência18

, há dois polos, sendo um marcado por uma

planificação sobre a heterogeneidade de opiniões, de vozes, e por outro lado, uma

dissimulação da voz do jornal. E o que caracteriza, portanto, a imprensa de referência não é

17

Tomo essas leis como referências de uma situação ideal, uma vez que a imprensa se estrutura na perspectiva

de alguns mitos, como objetividade, neutralidade e imparcialidade. A imprensa real, entretanto, age de outra

forma, contrariando, muitas vezes, tais preceitos. 18

A chamada grande imprensa, a imprensa comercial, formada pelos grandes grupos midiáticos.

77

simplesmente a presença ou não de opinião, mas a forma de gerenciamento de vozes e de

pontos de vista em relação aos fatos. Nos tipos textuais aqui considerados, as manchetes e

chamadas de capa do Estado de Minas, da Folha de S. Paulo e da revista Veja, elas trazem

uma visada pretensamente informativa, um fazer-saber, mas que se mescla, por várias

estratégias, a um fazer-crer. Tais tipos têm uma estrutura assertiva, em que o locutor reporta

um fato. No entanto, como esclarece Emediato,

Mas sabemos que, se a asserção pretende descrever o mundo tal como ele é, ela pode

também expressar, e fazer circular, um ponto de vista, pois é raro que um enunciado

não comporte uma atitude modal qualquer. (EMEDIATO, 2013, p. 70)

A manchete a seguir pode deixar mais clara tal colocação:

Figura 15 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“Copa melhora o humor do país, e Dilma cresce”

Fonte: Copa melhora o humor do país, e Dilma cresce. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.137,

3 jul. 2014.

O fato está dado, é uma afirmação do jornal, mesmo em se tratando de uma

possibilidade não confirmada por nenhum sujeito explícito na manchete. Na chamada, estão

expressos dois enunciados que trazem informações distintas, sendo que a relação se estabelece

apenas pela estrutura do enunciado (......melhora humor..... e.....cresce), dada pelo jornal. Ali

se estabelece um ponto de vista de quem enuncia, o jornal, que não aparece, pela estrutura

delocutiva da afirmação, como sujeito enunciador. E também uma opinião, ou um desejo

78

implícito, pois tal fato mencionado não é corroborado por nenhuma fonte – um economista,

governo, instituto de pesquisa – nem recorre a dados (na manchete) que o comprovam. Trata-

se de uma especulação feita a partir de outras informações distintas, mas que na forma como

se dá a enunciação pela manchete adquire o status de uma afirmação pautada por informações.

Outra estratégia a que o autor se refere é a do apagamento enunciativo do

locutor/jornal, o que não significa, entretanto, que não haja a assunção de determinados

pontos de vista desse locutor, o que se mostra procedente pelo tratamento dado ao discurso

relatado, havendo a possibilidade, pelas estratégias discursivas, de o locutor assumir ou não os

pontos de vista do segundo locutor, como na chamada:

4. “Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas’

No jornal Estado de Minas, por exemplo, é clara a diferenciação no tratamento dado

aos discursos relatados de acordo com o ator em questão. Observamos que, em se tratando do

discurso do candidato Aécio Neves, a forma é direta, utilizando-se aspas e a fala literal, no

caso dos demais candidatos, isso não ocorre. Dessa forma, como a voz do locutor/jornal está

apagada, não identificada, há uma dificuldade para o leitor em interpretar o enunciado como

ponto de vista, como salienta Emediato (2013), ainda que haja a perspectiva de que alguns

leitores possam identificar tal construção como um posicionamento do jornal.

Os enquadramentos são também importantes estratégias discursivas que Emediato

destaca, sendo eles considerados como esquematização que orienta o olhar do outro. As

operações de enquadramento, aponta o autor, têm um papel muito importante no discurso de

informação no sentido de que a instância de produção necessita prever as reações dos

destinatários, uma vez que esses enquadramentos têm a capacidade de ativar, na memória do

leitor, conteúdos e valores. Além disso, os enquadramentos são operações discursivas cuja

intenção é agir sobre as representações do outro. Os tipos de enquadramento são os seguintes:

a) pela tematização: circunscreve a argumentação pelo tema, em que o sujeito que

informa mostra um determinado objeto que ele tematizou. A mídia, por exemplo, tem

conhecimento de que há uma preocupação latente com a volta da inflação, assim, o

enquadramento nesse tema – como ocorreu fortemente durante o processo eleitoral de

2014 – é uma operação discursiva que age sobre as representações do outro ao propor

um debate inserido em seus enquadres;

79

b) por designação: impõe atributos aos seres, e ao fazer isso, revela tomadas de posição,

sendo, portanto, uma modalidade apreciativa. As designações provocam um raciocínio

dedutivo e ainda sugerem laços de causalidade, e os acontecimentos se tornam

simbólicos quando agentes são enquadrados pelas escolhas designativas do

enunciador/locutor, como se ilustra pelo exemplo da chamada a seguir, da revista

Veja:

Figura 16 – Manchete revista Veja:

“Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de miseráveis

para dar dinheiro a políticos”

Fonte: Pobres pobres – ONG de petistas na Bahia roubava de miseráveis para dar dinheiro a políticos.

Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.392, n. 47, 24 set. 2014.

A designação “petistas” é assumida pelo locutor, atribuindo a determinado grupo

político uma alcunha que passa a representá-lo, utilizada prioritariamente, como observamos,

em referência a aspectos negativos (roubo, corrupção, desvio de dinheiro, escândalo);

c) pelo questionamento: em termos enunciativos, a escolha da questão chama o leitor a

uma problematização, sendo que uma única questão pode comportar efeitos de sentido

distintos;

d) pelo dizer do outro: o uso de verbos de atitude remete ao comportamento psicológico

do agente focalizado no enunciado, e quando utilizados nos enunciados da imprensa,

80

qualificam a ação do locutor. Essa estratégia indica ao leitor em que perspectiva ele

deve compreender aquele dizer.

Trazemos dois exemplos, ambos do jornal Estado de Minas, para mostrar como o

relato das ações do outro pode revelar um posicionamento do próprio locutor (jornal). O

primeiro, já mencionado anteriormente, é “Em meio à crise, Dilma rifa Mantega” – quando o

verbo que marca a ação da então candidata e presidente Dilma Rousseff pode direcionar a

uma interpretação do leitor no sentido de considerar que a presidente não sabe o que fazer

com o ministro da Fazenda, ou que está despreparada e, em sinal de problema, toma atitudes

impensadas. Há ainda uma desqualificação do ministro, pois, se há crise e ele será “rifado”,

pressupõe-se uma incompetência e a tentativa de mostrar que existe uma intriga entre os dois

principais atores da cena política do país – a presidente e seu ministro da Fazenda – uma vez

que a ação de “rifar” determinado sujeito tem um teor pejorativo.

Em outro exemplo, abaixo:

5. “Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”

Temos que o sujeito agente desfere uma ação que denota força – atacar – e mostra

coragem e a sua atitude diante de um determinado cenário e em defesa do estado. Em se

tratando do contexto de disputa eleitoral, deixa nas entrelinhas, de modo implícito, que o mais

forte e corajoso é mais bem preparado para o desafio de governar. Em outros capítulos, vamos

abranger essa abordagem, que se revelou um padrão discursivo no jornal.

3.3 Padrões de manipulação

Abramo (1988) afirma que uma das principais características da imprensa é a

manipulação da informação, cujo efeito principal “é que os órgãos de imprensa não refletem a

realidade”, e a informação faz, portanto, nessa perspectiva, uma referência indireta à

realidade.

Tudo se passa como se a imprensa se referisse à realidade apenas para representar

outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É uma realidade

artificial, não real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar

da realidade real. (ABRAMO, 1988, p. 23)

81

Segundo o autor, podem ser observados quatro padrões de manipulação da imprensa,

de modo geral, e um padrão específico do telejornalismo. A seguir, descreveremos os quatro

padrões gerais, e não abordaremos o padrão específico do telejornalismo por ele não ser

relevante para a análise desenvolvida. A manipulação das informações, para Abramo, se torna

manipulação da realidade, e tal fenômeno deve ser compreendido como um procedimento

geral da produção cotidiana da imprensa, ou seja, não há uma manipulação de tudo o que a

imprensa produz durante todo o tempo. Isso porque, se assim ocorresse, os meios não teriam

credibilidade, e os efeitos da manipulação seriam pouco expressivos. Portanto, o que se

observa são padrões de manipulação na produção jornalística, como descritos a seguir:

a) padrão de ocultação – Refere-se à ausência e à presença de fatos reais na produção

do material da imprensa. Não se trata de desconhecimento ou de omissão do meio. É

um silêncio deliberado em relação a determinados temas e/ou abordagens. Nesse

processo, o fato jornalístico19

é tomado como algo dado, como representação do real

em si, e não como construto;

b) padrão de fragmentação – O todo real é apresentado de modo fragmentado, como

fatos particularizados, sem uma conexão com o todo real, com o contexto, separados

de fatos antecedentes e consequentes. “O padrão de fragmentação implica duas

operações básicas: a seleção de aspectos, ou particularidades, do fato e a

descontextualização”20

;

c) padrão de inversão – Há um reordenamento das partes do fato já descontextualizado

e fragmentado, um rearranjo em que se opera uma troca de lugares e de importância

dessas partes, o que culmina na criação de outra realidade. Tal padrão opera tanto no

nível do planejamento da notícia quanto no nível da coleta da informação, mas o

“auge” desse processo se dá no momento da edição;

d) padrão de indução – Com a sistemática e constante manipulação que ocorre na

grande imprensa, como apontam os padrões já citados, os leitores e espectadores

perdem a possibilidade de compreender o que realmente ocorre, ficando expostos a

19

Abramo aponta que há uma concepção em voga de que existem fatos jornalísticos e fatos não jornalísticos, e

cabe à imprensa dar relevância aos primeiros. No entanto, “o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e

fatos não jornalísticos, pela primária razão de que as características jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não

residem no objeto da observação, e sim no sujeito observador e na relação que o jornalista, ou melhor, o órgão

de imprensa, decide estabelecer com a realidade” (ABRAMO, 1988, p. 26) 20

No processo de seleção de particularidades, o fato é decomposto, atomizado, dividido em aspectos. E a

imprensa terá o papel de selecionar o que vai apresentar ou não ao público. No processo de

descontextualização, uma vez isolados os fatos, perde-se o significado original, e um outro significado emerge,

muitas vezes contrário ao originalmente exposto.

82

uma realidade criada e recriada, e são induzidos a ver uma determinada versão do

mundo, da realidade. Assim,

“a indução se manifesta pelo reordenamento ou pela recontextualização dos

fragmentos da realidade, pelo subtexto – aquilo que é dito sem ser falado – da

diagramação e da programação, das manchetes e notícias, dos comentários, dos sons

e das imagens, pela presença/ausência de temas, segmentos do real, de grupos da

sociedade e de personagens” (ABRAMO, 1988, p. 26).

83

4. USO DO CONECTIVO “MAS” NAS MANCHETES DE JORNAL

O objetivo deste capítulo é analisar o uso do conectivo “mas” nas manchetes de

economia do jornal Folha de S. Paulo como estratégia de argumentação e intencionalidade

para construir um discurso informativo. Nesse sentido, a proposta de trabalho tem como foco

três objetivos principais:

a) discutir, a partir de perspectivas teóricas que enfocam argumentação, a construção

discursiva manifesta nessas manchetes;

b) abordar de que maneira a articulação de dois segmentos mediante o uso do conectivo

“mas” opera na construção de sentido;

c) derivar a estratégia informativa do jornal em questão a partir dessa articulação

argumentativa, relacionando-a ao contexto sócio-histórico-ideológico de produção e

recepção das manchetes.

Para empreender a análise, escolhi como objeto as manchetes das edições diárias do

jornal Folha de São Paulo no período de janeiro a outubro de 2014, totalizando 299 edições,

com a ocorrência de 69 estruturas com utilização do conectivo mas. Tais manchetes, em que

observo o uso do conectivo “mas”, estão presentes na capa do jornal – podendo ser ou não a

chamada principal – e no Caderno Mercado, que traz notícias sobre economia e mercado

financeiro. Na contextualização, é relevante observar que podemos subdividir esse período em

dois momentos, sendo o primeiro de janeiro a junho de 2014, momento imediatamente

anterior à realização da Copa do Mundo no Brasil. Nesse contexto, começa a haver uma

retomada na avaliação positiva do governo Dilma Rousseff, cujo elemento catalisador são os

índices econômicos, como emprego e renda. O segundo momento é marcado pela realização

das eleições para escolha do presidente da República, período em que há uma forte

polarização política no país.

84

4.1 Padrões identificados nas manchetes

a) O tema é, prioritariamente, relativo aos reflexos das ações de política econômica do

governo, com referência a indicativos de desemprego, renda, consumo, taxa de juros e

controle da inflação;

b) Verificamos a ocorrência dessa estrutura (p mas q) também em assuntos relativos aos

temas política e cotidiano, mas em ocorrências bastante pontuais, não significativas

para a análise;

c) Nas manchetes de caráter econômico e político que trazem a estrutura p, mas q, está

prioritariamente marcada uma oposição de enunciados, onde “mas” funciona como um

marcador argumentativo que atribui uma determinada direcionalidade na interpretação

para os segmentos que coloca em relação. Essa estrutura das manchetes retrata

tipologicamente dois tipos de situação p, mas q, em que se percebe:

Uma oposição expressa entre as conclusões decorrentes dos enunciados, em que a

segunda conclusão ganha peso maior que a primeira – ela retira a “força” da

primeira conclusão como fato jornalístico (a conclusão é que o fato positivo

noticiado no primeiro enunciado não é assim tão positivo, pois o segundo

enunciado neutraliza o primeiro)

Uma estrutura p mas q em que o segundo enunciado expressa um ponto de vista,

que neutraliza o que expressa o primeiro enunciado.

4.2 Argumentação

Para desenvolver a fundamentação da análise, buscamos o quadro da Teoria da

Argumentação na Língua, formulada por Anscombre e Ducrot (1972, 1980, 1983), a partir da

abordagem apresentada por Maingueneau (1997). Nesse quadro, os autores abordam

princípios que determinam a adequação dos enunciados com relação ao contexto linguístico

em que aparecem, destacando-se a argumentação como um dos tipos de encadeamento entre

duas ou mais orações com uma determinada direção.

Pode-se afirmar que o ponto central dessa teoria consiste em mostrar quais são os

elementos, as regras e os princípios que determinam a organização e a interpretação dos

enunciados argumentativos, sendo a argumentação vista como um fenômeno interno da

85

língua, em que o locutor manifesta sua intenção de que seu interlocutor chegue a uma

determinada conclusão. Assim,

Um locutor faz uma argumentação quando apresenta um enunciado E1 (ou um

conjunto de enunciados) destinado a fazer admitir um outro (ou um conjunto de

outros) E2. Nossa tese é que que existem coerções na língua que regem essa

apresentação. (DUCROT, ANSCOMBRE apud MAINGUENEAU, 1997, p. 161).

Em relação a essa definição, Maingueneau esclarece que quando o locutor apresenta

um enunciado A a favor de uma conclusão C, tal proposição não significa que o locutor

“leva” o alocutário a “pensar” C. O que essa formatação indica é que o locutor apresenta A

como sendo capaz de conduzir o alocutário ou destinatário da mensagem a concluir C, como

forma de acreditar em C. Além disso, esclarece, é constitutivo do discurso que haja uma

orientação para certa direção

Especificamente em relação ao conectivo “mas”, trata-se de um recurso linguístico que

serve para que o falante/locutor oriente uma direção argumentativa na construção de seus

enunciados e que fornece ao destinatário/alocutário instruções que lhe servirão de guia para

interpretar tais enunciados. Cumpre, portanto, a função de marcador argumentativo,

atribuindo uma direcionalidade, uma orientação argumentativa aos segmentos que coloca em

relação.

Como salienta Maingueneau, “os linguistas distinguem, habitualmente, dois mas: um

mas de refutação (cf. em alemão sondern e em espanhol sino) e um mas de argumentação”

(1997). Assim, esclarece Maingueneau, o mas argumentativo faz a ligação entre dois atos

distintos, em que identificamos o movimento “P mas Q”. É a perspectiva do segundo “mas”

que interessa nesta análise. “Ducrot parafraseia desta forma o movimento P mas Q: ‘Sim, P é

verdadeiro; você teria a tendência de, em decorrência disso, concluir R; mas não deve fazê-lo,

pois Q (Q é apresentado como um argumento mais forte para não-R do que P o é para R’”

(MAINGUENEAU, 1997, p.165).

Para buscarmos uma compreensão mais ampliada do significado da argumentação na

AD, trazemos aqui as reflexões de Amossy (2011) que possibilita abordar a perspectiva do

convencimento e de uma reorientação de sentido que é relevante para a análise do discurso de

informação, especificamente considerando o uso do mas em manchetes. Segundo a autora, há

uma dimensão argumentativa do discurso, em que um locutor busca influenciar um alocutário

ou uma audiência, perspectiva que identificamos como presente no discurso de informação.

86

O quadro proposto por Amossy, como exposto no Capítulo 2, possibilita perceber

diversos aspectos da análise argumentativa e da abordagem da argumentação no discurso para

ajudar a compreender como ela se insere no interior do discurso de informação. Segundo a

autora, a argumentação se inscreve no interdiscurso, não estando segregada apenas na

materialidade discursiva, quando se consideram os usos de verbos, expressões, adjetivos etc.,

mas também no modo de assimilar a voz do outro. Por outro lado, o discurso argumentativo

se insere numa situação real de comunicação, e o locutor apresenta um ponto de vista. E uma

vez que o ponto de vista do locutor está situado num “já dito” preexistente, é necessário,

então, observar a organização textual e o modo como o locutor escolheu para dispor os

elementos do seu discurso. Há, como a autora aponta, uma dimensão social e institucional do

discurso, quando se abandona o universal atemporal para um domínio do social, em que

ganham peso as condições históricas e sociais.

4.3 O conectivo “mas” e o uso nas manchetes de jornal

Observando-se a utilização do conectivo “mas” nas manchetes do jornal Folha de S.

Paulo, como nos exemplos mostrados a seguir, podemos observar estratégias importantes para

a construção de sentido.

Figura 17 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:

“Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai”

Fonte: Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,

n. 30.984, 31 jan. 2014.

87

Figura 18 – Título jornal Folha de S. Paulo:

“Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir”

Fonte: Arrecadação cresce, mas imposto da cerveja deve subir. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.038, 26 mar. 2014.

Figura 19 – Título jornal Folha de S. Paulo:

“BC indica alta do juro, mas inflação menor deixa dúvidas”

Fonte: BC indica alta do juro, mas inflação menor deixa dúvidas. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,

n. 30.977, 24 jan. 2014.

88

Figura 20 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:

“Arrecadação federal sobe, mas fica aquém da meta oficial”

Fonte: Arrecadação federal sobre, mas fica aquém da meta oficial. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,

n. 30.976, 23 jan. 2014.

Figura 21 – Título jornal Folha de S. Paulo:

“Arrecadação é recorde, mas não bate meta”

Fonte: Arrecadação é recorde, mas não bate meta. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,

n. 30.976, 23 jan. 2014.

89

Figura 22 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“Desemprego cai ao menor nível, mas renda sobre menos”

Fonte: Desemprego cai ao menor nível, mas renda sobre menos. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 93,

n. 30.984, 31 jan. 2014.

Figura 23 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:

“Dilma mantém liderança, mas empata com Aécio no 2º turno”

Fonte: Dilma mantém liderança, mas empata com Aécio no 2º turno. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.152, 18 jul. 2014.

90

Figura 24 – Chamada jornal Folha de S. Paulo:

“Inflação recua, mas reajuste da energia deve pressioná-la”

Fonte: Inflação recua, mas reajuste da energia deve pressioná-la. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.157, 23 jul. 2014.

Buscando-se estabelecer um padrão do uso do conectivo mas, podemos notar que, tal

como ilustrado pelas figuras acima, as manchetes explicitam uma oposição entre dois

enunciados que abordam assuntos econômicos, em que um aspecto negativo (exposto no

segundo enunciado) se torna mais relevante que um fato positivo (expresso pelo primeiro

enunciado). Nessa estrutura, percebe-se uma tentativa de neutralização, em que o primeiro

enunciado traz sempre uma notícia positiva, que é anulada pelo que expõe o segundo

enunciado. Tal estrutura ocorre quando é noticiado um fato econômico positivo referente à

então política econômica do governo federal. É possível observar como a ideia de uma

oposição entre as notícias apresentadas fica evidente no exemplo apresentado pela Figura 17:

“Entre domésticos, renda sobe mais, mas ocupação cai”.

A importância do fato de que a renda está subindo para os empregados domésticos fica

encoberta e diminuída pela ideia interposta pelo conectivo de que, apesar de a renda subir, a

ocupação está caindo. O sentido presente é o do contraditório, de que a notícia trazida pelo

primeiro enunciado não é, na verdade, um aspecto positivo. Dessa forma, o fato positivo

noticiado ou retratado no primeiro enunciado – como, por exemplo, em “Arrecadação é

recorde, mas não bate meta” (Figura 21) – é anulado pelo segundo enunciado, que traz uma

ideia de contraposição ao fato apresentado no primeiro enunciado.

Pelo padrão que se apresenta, o que se percebe é que o jornal, ao utilizar o “mas”,

busca propositadamente explicitar uma contradição na manchete, quando o segundo

enunciado abertamente contradiz o primeiro, refutando um aspecto econômico positivo. Nota-

se ainda, com essa estrutura, que há um conflito entre o dever de informar e a necessidade de

neutralizar, sendo que o “mas” aponta claramente para uma direcionalidade dirigida à

91

neutralização de um aspecto positivo, como vemos também nos exemplos das figuras 20, 22 e

23.

Como enfatiza Maingueneau (1997), o uso do conectivo coloca em jogo não somente

o enunciado, mas sim todo o movimento discursivo e, desse modo, compreender o uso dos

conectivos significa verificar a aplicação de instruções para interpretação que estão vinculadas

a esse conectivo. Podemos dizer, então, que não se trata de uma estrutura usual ou um padrão

comum nas manchetes de jornal que pretendem informar. É, de fato, uma estratégia

argumentativa que visa à produção de sentido, pois o alocutário vai buscar uma informação

fazendo o processo de reconstrução de sentido do enunciado. É o que se pode observar no

exemplo da Figura 18, em que o leitor deveria concluir R (relativo ao enunciado P –

“Arrecadação federal sobe”), no entanto, não irá fazê-lo, pois Q (“mas imposto da cerveja

deve subir”) direciona para outra conclusão, não-R. O argumento P torna-se, portanto,

“negligenciável” para o locutor. Como afirma Maingueneau, não há, a priori, uma oposição

entre os enunciados, ela se institui pelo próprio movimento do texto, com o uso do conectivo.

Ele aponta, ainda, que algumas oposições estabelecidas são legitimadas pelo contexto, o que

podemos inferir em muitas das manchetes observadas, em que uma oposição se estabelece

forçadamente entre os enunciados, pois não há aparente relação entre a arrecadação federal

bater recorde (P) e o imposto da cerveja subir (Q).

O locutor negligencia, pela estrutura argumentativa utilizada, a proposição P,

tornando-a menos forte que a proposição Q. Ainda em relação a essa chamada, podemos

questionar qual a lógica desse enunciado que está formulado, pois a estrutura utilizada,

sempre visando a uma contraposição a ações positivas do governo federal, acaba por produzir

chamadas que não têm um sentido lógico. O que esse enunciado traz? A suposição de que as

pessoas vão beber menos? Ou de que o imposto deveria baixar para se poder beber mais (o

que demonstra o desconhecimento do jornal em relação a pedidos da OMS para que o Brasil

aumente o imposto de bebidas alcoólicas, pois se trata de uma tarifação das mais baixas do

mundo)?

Considerando-se o exemplo da manchete da Figura 22, “Desemprego cai ao menor

nível, mas renda sobe menos”, podemos afirmar que o discurso traz uma tentativa de “fazer

ver” a realidade apresentada pela notícia de determinada maneira, agindo sobre o outro (no

caso, o leitor), dando uma direcionalidade que orienta um modo de ver. Importa, então,

considerar como o discurso destinado a informar – o discurso jornalístico – direciona o olhar

do alocutário para certa interpretação, que estratégias são utilizadas para esse fim.

92

Assim, na manchete citada, que relação pode-se estabelecer entre “desemprego cair” e

“renda subir menos”? Esse exemplo pontua um posicionamento do sujeito enunciador ao

construir e ressaltar, intencionalmente, um aspecto negativo, pois o segundo enunciado não é

sequer uma oposição direta ao primeiro. Na verdade, o aspecto negativo não se expressa de

fato, pois a manchete informa que a renda subiu – menos, mas subiu.

Há uma escolha do sujeito na abordagem dos fatos, no trabalho de tornar explícito ou

ocultar determinados aspectos. Nesse movimento, um aspecto secundário (“renda sobe

menos”) postulado no segundo enunciado ganha relevância ao se contrapor ao primeiro

enunciado, que traz a informação mais significativa (“Desemprego cai ao menor nível”), que

já se anuncia pela ordem disposta (está em primeiro lugar na estrutura da manchete). Note-se

que, ao se utilizar essa estrutura, o sentido da manchete se altera, pois, se numa estrutura

como “Desemprego cai ao menor nível” o sentido que se constrói para o leitor é de um fato

positivo, quando se insere o conectivo “mas”, o sentido construído se altera para o leitor.

Assim também considero a perspectiva de explorar os funcionamentos discursivos, como

destaca Amossy, para verificar de que maneira o discurso possibilita ao locutor agir sobre o

outro. Nesse sentido, importa questionar, portanto, qual o efeito de sentido que se vai produzir

com o tratamento que é dado à informação, pois a introdução do conectivo “mas” ressalta

uma oposição de informações, dado que o segundo enunciado contradiz e chega mesmo a

negar o fato positivo que o primeiro enunciado traz.

Em relação à chamada da Figura 23, importante observar que se trata de tema relativo

a política, e não a economia, que tem a quase totalidade das ocorrências. Nesse caso, o padrão

mantém-se o mesmo: o conectivo é utilizado para estabelecer um contraponto com um

primeiro enunciado que é positivo para o governo federal (Dilma mantém liderança, mas

empata com Aécio no segundo turno”). Na Figura 24, temos uma ocorrência positiva em

economia (o recuo da inflação), que é também neutralizada pela probabilidade que o segundo

enunciado lança – que não é um fato concreto, mas uma probabilidade de algo que pode ou

não ocorrer.

Nas estruturas observadas nas manchetes analisadas, o sujeito enunciador – jornal –

tem um papel expressivo marcado, pois, ao trazer o segundo enunciado, ele opera uma

contraposição à conclusão ou ponto de vista expressos no primeiro, neutralizando-o. Ao fazê-

lo, fornece ao destinatário – o leitor do jornal – instruções que lhe servirão de guia para

interpretar esses enunciados e se posiciona, marcando um ponto de vista que cria objetos

discursivos para serem lidos em uma determinada direção argumentativa. É nesse segundo

enunciado, portanto, que se localiza um “querer dizer” do jornal. Percebe-se também que o

93

implícito emerge como um elemento muito significativo que precisa ser considerado na

abordagem do discurso das mídias.

Como aponta Ducrot (1987), do ponto de vista argumentativo, o uso do ‘mas’ ressalta

a dualidade de enunciados, mascarando um ‘querer dizer’ do sujeito enunciador.

Há um jogo de encenação nas manchetes, para tentar mascarar esse querer dizer, que traz uma

pretensão ao fato jornalístico isento e faz emergir um posicionamento do sujeito enunciador –

jornal –, claramente manifesto na escolha do segundo enunciado.

Assim, o que tais manchetes intencionam? O que querem dizer ao leitor? Ou, colocado

de outra forma, qual sentido querem que o leitor construa? Por que o jornal faz um uso

recorrente dessa estrutura na abordagem de assuntos determinados? Que razões levam o jornal

a querer neutralizar aspectos ou fatos positivos, dirigindo o olhar do leitor/a leitura para

argumentos negativos? Por que o jornal quer tornar negativos aspectos positivos de fatos

econômicos? No conjunto dos enunciados de caráter econômico, transparece uma atitude que

intenciona desqualificar as conquistas econômicas do governo em questão.

Considero ainda, observando as manchetes analisadas, que ao se estabelecer uma

negligência do locutor em relação à proposição P, a proposição Q (o segundo enunciado) e a

conclusão não-R ganham força com a introdução do conectivo mas. E, assim, o emprego

desse conectivo pode gerar efeitos de sentido neste ou naquele contexto, o que não permite

que se negligencie a sutileza de muitos desses empregos, sobretudo em se tratando do

discurso jornalístico.

Podemos detectar, portanto, uma estratégia informativa de parte do Jornal Folha de S.

Paulo de neutralização ideologizada dos primeiros segmentos em favor dos segundos, sendo

que em alguns casos, essa neutralização não se sustenta de forma consistente. No conjunto

dos enunciados de caráter econômico, transparece uma atitude desqualificadora das

conquistas econômicas do governo em questão.

94

5. AÇÃO E INTENCIONALIDADE

O objetivo deste capítulo é discutir o conceito de intencionalidade e sua interface com

a ação como elementos para a produção de sentido no discurso de informação. O conceito

será tomado a partir de Searle, para quem a intencionalidade é direcionalidade, como já

abordado no Capítulo 2. Para esse desenvolvimento, utilizei as chamadas de capa da revista

Veja e do jornal Estado de Minas durante o período eleitoral, julho a outubro de 2014.

5.1 O agir intencional nas manchetes da Veja

Como aborda Searle (2002), compreender uma ação como racional implica perceber

de que maneira as pessoas orientam suas decisões para que elas sejam significativas para

aquele alvo a ser alcançado, e a decisão racional, portanto, implica uma seleção de meios para

determinados fins. Aplicando tal concepção à linguagem, tendo como material de análise as

capas da revista Veja, adotamos o conceito de intencionalidade como direcionalidade e

compreendemos que ela é, então, fundamento para razões que justificam orientações

específicas para a consecução de ações.

Nessa abordagem, vamos considerar ainda os estudos de Davidson (1993) e Livet

(2000) sobre racionalidade, intencionalidade e ação. De acordo com Davidson, na perspectiva

da linguagem como instrumento de mediação para a ação, é possível perceber uma ação como

intencional quando se qualifica o objeto ou quando há uma alteração no padrão usual da

linguagem, com adoção de arranjos que vão torná-la intencional. Assim, as manchetes em

questão mostram um agir intencional quando qualificam, quantificam, expõem críticas.

Livet, por sua vez, ao discutir as dimensões de uma ação, aponta que, por toda ação,

percebemos fatos que são homogêneos21

e outros que são heterogêneos e destaca que a

percepção da ação deve se dar por sua dimensão intencional. Desse modo, a repetição de

padrões e ideias (crise, escândalo, corrupção, recessão, de maneira direta – citando-se cada

uma dessas palavras, ou indireta, numa alusão a eventos relacionados aos termos, como lava

jato, petrolão, lavagem de dinheiro, propina, alta de preços, descontrole de preços) – são fatos

homogêneos percebidos pelos leitores. Note-se que, em 18 edições, no período de agosto a 26

de outubro, as palavras corrupção, inflação, recessão, lava jato, petrolão foram mencionadas

21

Fatos homogêneos são aqueles que mostram, segundo Livet, um conjunto de constantes, recorrentes nos

processos de ações determinadas. Os fatos heterogêneos são variáveis que se associam a contingências de

ações.

95

16 vezes, ao todo, e as chamadas que remetem a crise política ou econômica estão presentes

em quase todas as capas.

Observa-se ainda uma ordenação discursiva que remete à interdiscursividade ao trazer

à memória do leitor aspectos de um passado relativo à situação econômica do país, em

exemplos tais como mostrado na Figura 25. Assim, podemos dizer que a relação entre

inflação e crise se justifica pela crença dos leitores, ressaltada pelas manchetes, que se valem

de percepções anteriores de um contexto de hiperinflação, trazendo a memória de que a

inflação é um problema sério no país.

As manchetes funcionam como guias para direcionar a atenção para determinado

aspecto, elas podem trazer à tona – por meio de recategorizações, interdiscursos, estratégias

de recuperação de memória, predicações na nominação dos objetos discursivos – certos fatos

ou certas representações.

Figura 25 – Manchete revista Veja:

“Plano Real 20 anos”

Fonte: Plano Real 20 anos. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.380, n. 27, 2 jul. 2014.

Podemos considerar o seguinte esquema, baseado em Livet, a partir do que apontam as

chamadas:

96

Quadro 7 – Trajetória e alvo

Plano Real 20 anos

O Plano que matou a hiperinflação, estabilizou a economia e fez do Brasil um país sério corre o risco de

explodir

Mais: a inflação real de 50 produtos de 7 perfis de consumidores

TRAJETÓRIA

Estado mental: segurança dada pela credibilidade de que desfruta a imprensa

Constatação 1: o Plano Real, que acabou com a inflação no Brasil, corre riscos

Constatação 2: O Plano corre risco de explodir por causa da situação ruim da

economia

Constatação 3: há inflação real no Brasil

Predição: situação ruim da economia

ALVO Informar a partir da criação de uma realidade social de volta da inflação

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de LIVET, 2000.

Na identificação do alvo, pode-se considerar a intenção como construção de um

sujeito a partir da criação de uma realidade social (volta da inflação, possibilidade de o plano

Real explodir). Há a percepção de movimentos intencionais que é dada pelo uso de novas

invariantes, distintas daquelas que representam certo padrão nas manchetes jornalísticas (com

foco na informação objetiva, sem adjetivações ou metaforizações). Desse modo, quando se

observa a movimentação do agente (emissor/revista), que dá destaque a determinadas falas ou

construções (Plano Real pode explodir), já se pode inferir um querer do agente em conduzir

determinado sentido, com uma orientação interpretativa para o leitor.

Outro aspecto que podemos considerar aqui é que a intenção, como pontua Davidson,

é racional e visa a um fim. Ainda que o autor não tenha se valido dessas construções para

abordar o discurso, creio que podemos utilizá-las nesse sentido, com algumas limitações, e ao

explorar as premissas dadas, podemos construir um caminho do intencional. Então,

observamos que a manchete da capa (Figura 25) expressa a intenção de informar, uma razão

primária que tem uma proatitude (o poder de informar, a legitimidade de transmitir a

informação) e uma crença (acreditar que o leitor vai partilhar aquela linha de interpretação da

notícia), com causalidades.

Vejamos o esquema a seguir:

97

Quadro 8 – Caminho do intencional

DISCURSO FATOS APONTADOS

Plano Real 20 anos

O Plano que matou a hiperinflação, estabilizou a

economia e fez do Brasil um país sério corre o

risco de explodir

Mais: a inflação real de 50 produtos de 7 perfis de

consumidores

O Plano Real, que completa 20 anos, acabou com a

hiperinflação no Brasil

O Plano Real fez do Brasil um país sério

O Plano real corre o risco de se acabar – de

“explodir”

Há uma inflação real no momento atual que atinge

diversos perfis de consumidores

RACIONALIZAÇÃO

Causalidade 1: O descontrole na economia causa inflação

Causalidade 2: A inflação causa o risco de o Plano Real explodir

Proatitude do emissor (revista) – interesse de informar aos leitores o “perigo” que ameaça o Plano Real

Crença do emissor – há um problema de descontrole da economia com a volta da inflação

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de DAVIDSON, 1993.

O conjunto da chamada, marcado também pelas escolhas lexicais – que privilegiam

verbos utilizados de maneira metafórica para dar ênfase a determinados conceitos (Plano Real

matou a inflação e agora, em função de muitos fatores, pode explodir) –, é uma ação

intencional, e o uso metafórico dos verbos no modo indicativo é uma forma de modalizar.

Em outro exemplo, como mostra a Figura 26, temos uma afirmação, no presente do

indicativo do verbo, que compromete o falante (emissor/revista) com o que é dito, há a

qualificação do agente que fala (delator) pela manchete e de alguns elementos que são

apontados (megaesquema de corrupção) na enumeração sequencial de suas falas. O teor

intencional é marcado por essas instruções de interpretação que podem ser identificados por

várias estratégias discursivas – dar destaque a falas ou afirmações assertivas já traduz o desejo

do agente em comunicar certo aspecto ou conduzir determinado sentido. Como ilustra a

manchete mostrada na figura abaixo:

98

Figura 26 – Manchete revista Veja:

“O delator fala”

Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.

A condução de determinada orientação de sentido é intencional, sendo que, a partir do

alvo estabelecido, há a definição de uma trajetória a partir dos signos para alcançar o alvo

(informar o leitor sobre determinado assunto) – há uma orientação interpretativa para o leitor,

há uma direcionalidade na construção do objeto (manchete) que implica a direção para um

“ver como”. A afirmação “O delator fala” é sustentada por três informações subsequentes que

completam a informação dada inicialmente. Vejamos a próxima capa.

Figura 27 – Manchete revista Veja:

“O doleiro fala”

Fonte: O doleiro fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.396, n. 43, 22 set. 2014.

99

Ao retomar a abordagem de Searle, temos algumas colocações a respeito da Figura 27

mostrada. Em primeiro lugar, consideramos que os objetos discursivos são compreendidos

por meio das modalizações e se tornam, portanto, objetos intencionais. Uma afirmação

assertiva é uma forma de modalizar, pois o locutor/emissor assume aquele dito como

expressão de uma constatação, uma verdade – “O doleiro fala” –, sendo que essa

constatação/afirmação é acompanhada por outras afirmações, que são o conteúdo da fala

desse agente:

6. Escândalo na Petrobras

O DOLEIRO FALA

- A campanha presidencial do PT levou dinheiro do petróleo

- 28 deputados federais recebiam propinas mensais para apoiar o PT

O enunciado que se sobrepõe à manchete e compõe o versal – “Escândalo na

Petrobras” – identifica para o leitor o assunto que será abordado e que é o seu viés – trata-se

de um escândalo, e não somente de um assunto rotineiro, o tema é qualificado pelo agente

(emissor/revista) e, pela crença do leitor na credibilidade daquele meio para informar (é o

meio que detém a prerrogativa da informação), ele admite aquela asserção como verdade.

Temos, então, que o sentido do enunciado, o significado, difere do sentido dado pelo falante

(jornal), que se utiliza de uma orientação pragmática e faz um uso intencional de

determinadas escolhas lexicais e de determinadas estruturas de enunciado, por exemplo, ao

trazer para as chamadas as declarações dadas pelo agente retratado (o doleiro) em forma de

afirmações sem contestação.

5.2 Força ilocucional, intencionalidade e discurso relatado – uma análise do jornal

Estado de Minas

Em sua abordagem sobre intencionalidade, Searle (2002) discute a relação que há

entre a intencionalidade do mental e a intencionalidade do linguístico. Segundo o autor, não

podemos considerar que os sinais linguísticos que utilizamos tenham já algo de

intrinsecamente intencional, mas caracterizar crenças, desejos, temores como tais é já atribuir

intencionalidade a esses aspectos. Nesse sentido, pontuo um questionamento: podemos

considerar que, para o falante, significar algo por uma emissão é ter um conjunto de intenções

100

direcionadas a uma audiência? Acredito que sim e retomarei a abordagem desse aspecto mais

adiante, no decorrer dos exemplos analisados.

De acordo com Searle, a questão importante a se considerar é identificar quais as

características das intenções do falante em emissões significativas que fazem com que o

falante signifique alguma coisa por sua emissão. Ou seja, numa análise que aborda a

intencionalidade, é necessário que procuremos descrever qual é a estrutura de significação.

Em relação às intenções de significação, há dois aspectos apontados por Searle: o de

representar e o de comunicar. Segundo ele, a representação é anterior à comunicação e não

pode haver a intenção de comunicar sem que haja a intenção de representar. Assim, quando

fazemos um enunciado qualquer, está presente a intenção de produzir certas crenças na

audiência. No entanto, afirma Searle, a intenção de se fazer um enunciado difere da intenção

de produzir convicção ou da intenção de falar a verdade: quando tenho a intenção de produzir

um enunciado, não necessariamente está presente a intenção de produzir convicções.

Propomo-nos a explorar um pouco mais os aspectos apontados por Searle a partir da

análise das chamadas de capa do jornal Estado de Minas. O autor nos mostra que a principal

função derivada da intencionalidade pela linguagem é a sua capacidade de representar, o que

possibilita que as entidades não intrinsecamente intencionais se tornem intencionais. A

abordagem proposta por ele também considera que a essência de se fazer um enunciado é

representar algo enquanto verdadeiro e não apenas comunicar algo a um indivíduo ou

audiência. E pode-se sempre representar algo sem que se acredite naquilo que está sendo

representado, tentando fazer, como destaca Searle, com que alguma coisa seja verdadeira

representando-a como verdadeira.

Vejamos, então, como se estruturam as manchetes da capa do jornal, que são os

elementos mais visíveis numa publicação de imprensa e que não possibilitam que se façam

contextualizações, mesmo que venham acompanhadas de bigodes (outras informações

adicionais que se juntam ao todo da chamada). A impossibilidade da contextualização se dá

pelo fato de as manchetes e chamadas trazerem fragmentos do acontecimento a que fazem

referência, recortes do real, afirmações que adquirem caráter de representação da verdade. E,

se recebem o destaque de constar da capa da publicação, tal enunciado tem um grande valor,

não sendo objeto de refutação.

Como aponta Searle, quando fazemos um enunciado, temos o objetivo de fazer um

enunciado verdadeiro e temos também a intenção de produzir crenças na audiência.

101

[...] mas, apesar disso, a intenção de fazer um enunciado é diferente da intenção de

produzir convicção ou da intenção de falar a verdade. Qualquer estudo da linguagem

deve levar em conta o fato de que é possível mentir e é possível realizar um

enunciado ao mesmo tempo em que se mente. (SEARLE, 2002, p. 235)

Nas manchetes das duas publicações, observamos padrões de usos linguísticos, como

já descritos anteriormente, que podem explicar um padrão de intencionalidade nessas

construções, o que nos leva a pensar numa ação intencional, com alvo definido, do locutor ao

produzir tais enunciados. Temos então que o conteúdo proposicional especifica o estado de

coisas e, como pondera Searle, o modo indicativo do verbo, por convenção, compromete o

falante (emissor/jornal) com a existência do estado de coisas que foi especificado no conteúdo

proposicional do enunciado, sendo que a emissão feita dá ao ouvinte razões para acreditar

naquela proposição, como mostram as figuras 28 e 29:

Figura 28 – Manchete jornal Estado de Minas:

“Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel”

Fonte: Petista admite uso dos Correios na campanha de Dilma e Pimentel. Estado de Minas, Belo

Horizonte, n. 26.532, 1 out. 2014.

102

Figura 29 – Chamada jornal Estado de Minas:

“Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”

Fonte: Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.531,

30 set. 2014.

Assim, como mostra a Figura 28, o conteúdo proposicional informa que há um uso dos

Correios na campanha eleitoral de Dilma e Pimentel, e o falante se compromete com a

explicitação desse conteúdo e torna esse conteúdo verdadeiro, representando-o como

verdadeiro. Há uma afirmação na asserção com grande força ilocucionária, dada pela ordem

direta da oração, pela identificação do sujeito da oração (“Petista”), pelo verbo “admitir” no

modo indicativo.

Analisando-se outra manchete de capa, como mostra a Figura 29, temos também uma

asserção com força ilocucionária dada pela estrutura do enunciado – o agente profere um ato

que é demonstrado pelo uso de um verbo contundente (ataca) no presente do indicativo. Não

há modalização do locutor ao reportar o ato do agente, comprometendo-se com ele.

Observando-se a Figura 30 a seguir, a força ilocucionária é dada pela própria

afirmação, que representa toda a manchete. Não há verbo que compõe uma oração ou sujeito

que profere explicitamente a afirmação – esse sujeito/falante é, portanto, o próprio jornal, e a

afirmação proferida ganha contornos de um acontecimento verdadeiro, pois o falante

representa-o como verdadeiro. Note-se ainda que o substantivo “RECESSÃO” aparece em

destaque, num corpo de texto bem maior em relação à primeira parte do enunciado.

Considerando-se o conjunto da manchete de capa – “Um país em RECESSÃO –

Economia tem nova retração trimestral e faz de 2014 um ano perdido”, asserção tem o papel

de representar um cenário que é caracterizado pelo falante e representado como verdadeiro,

sem que haja a figura de um agente proferidor daquela sentença. A realidade representada

está, portanto, dada como verdadeira pelo jornal. Assim, representa-se algo como sendo

103

verdadeiro mesmo que não se acredite nesse aspecto, a essência do enunciado é representar

algo como verdadeiro.

Figura 30 – Manchete jornal estado de Minas:

“Um país em recessão”

Fonte: Um país em recessão. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.500, 30 ago. 2014.

Considerando-se outro aspecto abordado por Searle, o uso da forma “diz que”, o autor

destaca que ela já deixa claro que o emissor não assume o mesmo discurso daquele que o

proferiu – o conteúdo proposicional constante nos enunciados é o mesmo, mas isso não ocorre

com o discurso. Em relação a esse aspecto, identificamos nas manchetes/chamadas analisadas

do jornal Estado de Minas uma estrutura diferenciada em relação ao discurso relatado dos

candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff.

Em relação ao primeiro, o discurso é sempre direto, reportando a própria fala do

candidato, marcada quase sempre por aspas, e não se observa com frequência a presença da

estrutura “diz que”. A forma do discurso relatado referente à então candidata Dilma Rousseff

é pouco observada nas edições e, quando ocorre, traz prioritariamente a estrutura “diz que” ou

variantes, como “afirma que” 22

, como nos exemplos a seguir:

22

Essa abordagem relativa ao discurso relatado é feita mais detalhadamente em outros capítulos.

104

Figura 31 – Chamada jornal Estado de Minas:

“Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’”

Fonte: Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.533,

2 out. 2014.

Figura 32 – Chamada do jornal Estado de Minas:

“Para Aécio, a presidente perdeu moral”

Fonte: Para Aécio, a presidente perdeu a moral. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.515, 14 set. 2014.

Como aborda Searle, a expressão “diz que”, ou variantes, utilizada nas chamadas do

jornal que trazem o discurso relatado denota um afastamento entre o locutor e o sujeito agente

(candidata Dilma Rousseff) no sentido de que o falante não assume o que é dito. Um outro

aspecto que podemos inferir, e que decorre do primeiro, é o caráter de um construto não

verdadeiro expresso pelo enunciado que contém essa formatação, pois o jornal (emissor)

reporta sem se comprometer com o que é reportado, ao contrário do que ocorre nas figuras 31

e 32, que trazem o discurso relatado do candidato Aécio Neves. Quando alteramos a estrutura

105

original da chamada e a colocamos no padrão de um discurso relatado em que o emissor não

se compromete com o falante, temos:

7. A) Aécio: ‘Querem fraudar a eleição em Minas Gerais’

B) Aécio diz que querem fraudar a eleição em Minas Gerais

Percebe-se que, em A, o discurso relatado forma um enunciado, enquanto que, em B,

trata-se apenas de um ato de emissão, em que o significado é o mesmo, mas não o discurso, a

proposição está sendo repetida, mas não a força ilocucional da fala do agente original (no

caso, Aécio Neves). Portanto, a asserção feita nos dois exemplos – A e B – é diferente, apesar

do mesmo conteúdo proposicional, uma vez que o discurso do locutor original (Aécio) está

diluído na enunciação feita pelo relator (jornal).23

Num outro exemplo, como mostra a Figura 33, temos, na mesma chamada, o discurso

relatado dos dois agentes – Aécio Neves e Dilma Rousseff – em que as estruturas narrativas

são diferentes:

Figura 33 – Manchete do jornal Estado de Minas:

“Na defensiva”

Fonte: Na defensiva. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.509, 8 set. 2014.

8. A) Dilma afirma que não existem suspeitas do mensalão da Petrobras sobre seu governo

B) Para Aécio, é impossível a presidente desconhecer propina

23

Nesse caso, podemos considerar o primeiro exemplo como um discurso encenado (já que as aspas recuperam

a encenação do discurso realizado pelo locutor) e o segundo como um discurso relatado, onde a encenação do

locutor é diluída pela do enunciador. Como explicita Charaudeau (2014). Esse processo pode ter mais de um

nível de encenação. A enunciação original é a primeira encenação, mas pode haver uma outra encenação sobre

ela (o discurso relatado do jornalista), no entanto, o discurso experienciado (EUc / TUi) continuará sendo a

empresa jornalística, por exemplo, por exemplo ao acenar com a proibição de certos verbos de relato.

106

Em A, o verbo assinala que o agente (Dilma) faz uma afirmação negando determinado

conteúdo. No entanto, pela estrutura, o locutor não está comprometido com essa afirmação em

relação ao conteúdo proposicional que traz uma negativa (não existem suspeitas sobre o

governo), ele apenas reporta o dito do agente. A estrutura da sentença e as escolhas lexicais

retiram a força da negativa expressa pelo conteúdo proposicional, o que pode levar o leitor a

inferir que as suspeitas, apesar da negativa dada, existem. Locutor e agente não expressam,

nesse caso, o mesmo discurso.

Para o leitor, portanto, os recursos sintáticos sinalizam que há uma perda da força

ilocucionária assertiva, a força da negativa contida no conteúdo proposicional se perde ao não

ser assumida pelo locutor. No caso da afirmação em B, “é impossível a presidente

desconhecer propina”, há um comprometimento do locutor (jornal) com a proposição que foi

enunciada pelo agente (Aécio) na medida em que ela é reproduzida sem que haja a marcação

explícita de que se trata de uma fala proferida por outrem, como aspas.

107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No século 20, com a modernização das tecnologias e o avanço da comunicação, a

imprensa assume um novo papel, diferentemente do que ocorria em séculos anteriores – ela se

torna um reflexo ou espelho das falas da sociedade, atribuindo-se um papel de porta-voz dos

cidadãos. No Brasil do século 21, no processo eleitoral de 2014 que marcou a escolha do novo

presidente da República, o que fica acentuado para a imprensa, a partir de um discurso

informativo orientado para a construção de certos sentidos, é seu papel como espelho, mas um

espelho que deforma a realidade. Neste cenário, a partir das manchetes e chamadas de capa de

três veículos da grande imprensa comercial do país, pôde-se observar como a linguagem, no

discurso de informação, produz crenças e ideias e dissemina valores e estereótipos, orientada

por um viés ideológico.

Como ressalta Charaudeau (2013), “se considerarmos o fenômeno da informação sob

o ponto de vista que propusemos, é realmente disso que se trata: uma máquina de informar”

(p. 241). E foi embasada por esta consideração que conduzi a análise aqui proposta: a mídia é

uma máquina de informar que tem engrenagens e um processo de produção bem definidos.

Mas não apenas isso – a mídia é também uma máquina que molda a informação, deformando

acontecimentos e fatos, como pudemos verificar ao longo da análise. E o objetivo final da

máquina é um produto denominado informação que é “vendido” como se se tratasse de um

fenômeno neutro, objetivo e isento de subjetividade.

É uma máquina e das mais complexas, pois, por um lado, não pode ser definida

somente pelo aparato técnico (os meios de transmissão do conteúdo, sejam eletrônicos ou

impressos), mas principalmente pelo aparato representado pela instância humana, composta

por uma heterogeneidade de atores (jornalistas, revisores, editores, chefes de redação,

repórteres-fotográficos etc.) que não deixa transparecer ou ficar claro quem é o locutor, a voz,

que se faz ouvir numa manchete de jornal, numa notícia transmitida pela TV, numa

reportagem no rádio.

A complexidade dessa máquina, pontua Charaudeau, também se dá pela tensão

presente no aparato da mídia (sobretudo da imprensa): o dever de informar e a necessidade –

ou, podemos também considerar, desejo – de modalizar (seja pela busca da audiência, seja por

questões de posicionamento político). As mídias, aponta-nos o autor, informa deformando, e,

a despeito do que ele considera, acredito que essa deformação é, quase sempre, proposital24

,

24

Segundo Charaudeau (2013, p.253), a deformação operada pelas mídias não é necessariamente proposital,

mas se deve muitas vezes à própria máquina de informar, que é “poderosa e frágil”.

108

sobretudo no objeto de análise aqui considerado. Os usos linguísticos observados

reiteradamente e que detalhei ao longo da análise, sendo agrupados em padrões observáveis –

como as escolhas para o discurso relatado, uso recorrente de termos, ressignificação de temas,

relações lexicais em determinados contextos (nas manchetes), entre outros – são elementos

que, intencionalmente, direcionam a interpretação e produzem efeitos de sentido (como crítica

ou rejeição ou indignação em relação a determinados atores).

Outro aspecto a se considerar em relação ao poder dessa máquina midiática é o fato de

que não se pode abordar o discurso de informação negligenciando o espaço da enunciação, a

instituição enunciativa – ou seja, o meio (jornal ou revista) não pode ser considerado apenas

como mero suporte técnico, um elemento exterior que serve apenas como moldura para o

discurso. Como lembra Maingueneau (2014), o discurso supõe a presença de um grupo

específico, uma instância de comunicação séria, que goza de credibilidade e, portanto,

legitima esse discurso. A técnica, então, não pode ser a única forma de reconhecimento da

mídia, especialmente da imprensa.

Portanto, o produto da máquina midiática, a informação, bem como o discurso que a

subjaz, nada tem de neutralidade ou objetividade ou mesmo isenção. Como objeto discursivo,

produto de uma máquina bem estruturada, ela é orientada, no processo de produção de

sentido, para determinados modos de ver. Essa orientação, que é característica de todo

discurso, tem, no discurso informativo, uma dimensão intencional que se constrói a partir de

diversas estratégias discursivas, que comportam a argumentação e a persuasão. Nesse sentido,

Amossy (2011) afirma que há uma estratégia de persuasão indireta que não se admite e que,

sob uma pretensão de neutralidade, o objetivo declarado é outro. Podemos então considerar

que o discurso de informação, portanto, pretendendo reforçar a ideia de neutralidade, tem

objetivos claros de persuasão.

Portanto, o que é importante é identificar e analisar a maneira como esses discursos

destinados a, antes de tudo, informar, descrever, narrar, testemunhar, direcionam o

olhar do alocutário para fazê-lo perceber as coisas de uma certa maneira.

(AMOSSY, 2011, p. 132)

Direcionar o olhar para que o alocutário possa perceber as coisas do mundo de

determinada maneira (sendo que, muitas vezes, as estratégias discursivas estão postas como

coisas naturais típicas da linguagem e não como estratégias voltadas à produção de sentido) é

um agir que integra o discurso de informação no processo de produção de sentido. Nesse

processo, as estratégias discursivas que orientam um modo de ver direcionam o olhar do leitor

109

(considerando-se aqui a imprensa escrita) para determinados aspectos e pontos de vista, que

são do locutor (jornal). É, portanto, uma questão da maior importância a se discutir dada a

influência dos meios de comunicação na sociedade de um modo geral e em diversas instâncias

– política, econômica, jurídica.

A notícia veiculada pela mídia compõe uma rede de significados e de construção de

realidades sociais – é um elemento muito relevante e não pode ser considerada somente como

uma informação que se transmite, de modo neutro e transparente, revelando um fato ou

acontecimento a alguém que não detém aquele conhecimento específico. É um discurso que

opera na perspectiva do simbólico, construindo e transmitindo sistemas de valores, e a

informação noticiada é sempre uma “visão” do acontecimento, um construto, pois “as mídias

não transmitem o que ocorre na realidade social, elas impõem o que constroem do espaço

público”, (CHARAUDEAU, 2013, p. 19), e por isso a função de informar não é suficiente

como ponto de partida.

A ideologia do ‘mostrar a qualquer preço’, do ‘tornar visível o invisível’, e do

‘selecionar o que é o mais surpreendente’ (as notícias ruins) faz com que se construa

uma imagem fragmentada do espaço público, uma visão adequada aos objetivos das

mídias, mas bem afastada de um reflexo fiel. Se são um espelho, as mídias não são

mais do que um espelho deformante, ou mais ainda, vários espelhos deformantes

(CHARAUDEAU, 2013, p. 20)

Assimilar a perspectiva da mídia como “espelho deformante” do espaço público

significa também compreender que o discurso construído nessa instância, portanto, tem uma

estrutura que utiliza estratégias várias para a produção de efeitos de sentido, e que esse

discurso, ao cumprir o papel de informar, seleciona aspectos e abordagens, revela muitos,

omite outros, torna outros opacos. Assim, não é incorreto pontuar que o discurso midiático, ao

construir e produzir sentido, assume papel significativo na construção de consensos e de

realidades sociais, construindo ideias e um sistema de valores.

Em relação ao processo de produção de sentido no discurso de informação, há

aspectos pontuados por Bakhtin (2014) que se mostraram relevantes para a abordagem a que

me propus. Em primeiro lugar, as condições concretas em que se realiza a interação verbal são

significativas no caso da imprensa, pois importa considerar o suporte, no caso, o meio de

comunicação. Outro aspecto a se considerar é o papel do auditório que, como salienta

Bakhtin, é um determinante da forma da enunciação, que, em relação ao suporte (veículo de

110

comunicação), dependerá em parte desse leitor25

ao qual se dirige. Assim também em relação

ao papel da situação de enunciação, do contexto, e a relevância de se considerar o então

momento político do país como uma situação determinante para uma análise dos processos de

construção de sentido. Por fim, a perspectiva do discurso escrito – em que podemos inserir o

discurso de informação da imprensa – como parte de uma discussão ideológica em grande

escala, pois esse discurso “responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e

objeções potenciais, procura apoio etc.” (2014, p. 123).

Considero, como pontua Emediato, que há uma dimensão argumentativa nas

manchetes e chamadas dos veículos, elementos que tradicionalmente não são classificados

como textos opinativos ou argumentativos em sua estrutura linguística. Tal concepção ganha

relevância ao se considerar o fato de que a maioria dos leitores busca a informação apenas

pelas manchetes, portanto, a perspectiva trazida por essas chamadas é a que ficará retida para

aquele leitor.

As chamadas e manchetes de capa, pela própria estrutura editorial dos veículos, não

possibilita que se faça uma contextualização do tema que está sendo abordado, mesmo que

venham acompanhadas de bigodes (outras informações adicionais que se juntam ao todo da

chamada). Elas apenas se referem ao acontecimento, marcando-o, portanto, as chamadas de

capa, elementos mais visíveis das publicações, trazem afirmações com caráter de

representação da verdade. E, se tais enunciados recebem o destaque de constar da capa da

publicação, têm um grande valor, não sendo objeto de refutação. Como aponta Searle (2002),

quando fazemos um enunciado, temos o objetivo de fazer um enunciado verdadeiro e temos

também a intenção de produzir crenças na audiência.

[...] mas, apesar disso, a intenção de fazer um enunciado é diferente da intenção de

produzir convicção ou da intenção de falar a verdade. Qualquer estudo da linguagem

deve levar em conta o fato de que é possível mentir e é possível realizar um

enunciado ao mesmo tempo em que se mente. (SEARLE, 2002, p. 235)

Nas manchetes das publicações aqui consideradas, observamos padrões de usos

linguísticos que podem servir para explicar um padrão de intencionalidade nessas

construções, o que nos leva a pensar numa ação intencional, com alvo definido, do

locutor/jornal ao produzir tais enunciados.

25

Relevante considerar que os veículos, frequentemente, fazem pesquisas que funcionam como um

termômetro para identificar as preferências e o perfil dos leitores, o que é um direcionamento importante para

a pauta e a forma de abordagem.

111

Padrões discursivos

A partir da observação das estratégias discursivas empregadas pelos veículos, foi

possível estabelecer alguns padrões discursivos, o que se mostrou relevante para considerar

que as ocorrências que se verificaram não são aleatórias ou despropositadas, mas integram um

conjunto que opera para a conformação de uma direcionalidade na interpretação, com a

construção de determinados sentidos. Para o estabelecimento desses padrões, foram

consideradas as edições diárias dos dois jornais e as edições semanais da revista, sendo 118

edições do jornal Estado de Minas, 299 edições do jornal Folha de São Paulo e 18 edições da

Revista Veja.

Destaco os padrões a seguir:

Uso de conectivos nas manchetes

Padrão prioritariamente encontrado no Jornal Folha de S. Paulo na abordagem dos

assuntos relativos a temas de política econômica do governo com aspectos positivos. A

estratégia do jornal, já discutida no Capítulo 3, mostra uma intenção do enunciador em inserir

um ruído no enunciado original, um novo argumento que dá outra orientação de interpretação.

É uma estratégia sutil e ousada, uma vez que contraria regras de clareza, simplicidade e ordem

direta, comumente utilizadas pelo jornalismo, sobretudo em relação a manchetes e chamadas.

Enquadramento

Como aborda Emediato (2008), o enquadramento é uma forma de esquematização que

orienta o olhar do outro. Na análise aqui proposta, o enquadramento do tema é um padrão

importante que foi possível observar, sobretudo considerando-se o suporte revista. Os

assuntos relativos aos grandes temas economia e política tiveram, prioritariamente, o mesmo

enfoque nos três veículos analisados, destacando-se um viés negativo, com a recorrência a

representações que recuperam a memória discursiva do leitor (com referência frequente a

termos como inflação, recessão, desemprego, crise, escândalo – elementos que povoam a

memória histórica da sociedade brasileira com reminiscências negativas e provocam efeitos

de sentido negativos).

No caso aqui considerado, tal enquadramento ativa conteúdos simbólicos no

destinatário, os leitores dos veículos, sendo que as instâncias de comunicação preveem as

112

possíveis representações dos leitores em relação a esses temas. Isso se dá a partir de um

quadro de valores sociais, históricos e culturais, pois “o sujeito informante dá a ver um objeto

paradigmático e oferece, explicitamente ou implicitamente, as perspectivas segundo as quais

se deveria problematizá-lo” (2008, p. 81).

Considerar o enquadramento temático no quadro do processo eleitoral brasileiro de

2014 é importante porque se trata de uma estratégia discursiva que revela uma intenção do

enunciador (jornal) de agir sobre as representações de um outro, o leitor, circunscrevendo o

debate sobre o tema em determinado viés ou enquadre. Como se segue:

Figura 34 – Manchete revista Veja:

“Eram malas e malas de dinheiro”

Fonte: “Eram malas e malas de dinheiro”. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.386, n. 33, 13 ago. 2014.

Figura 35 – Manchete revista Veja:

“O delator fala”

Fonte: O delator fala. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.390, n. 37, 10 set. 2014.

113

Figura 36 – Manchete revista Veja:

“Fraude – CPI da Petrobras”

Fonte: Fraude – CPI da Petrobras. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.385, n. 32, 6 ago. 2014.

Figura 37 – Manchete revista Veja:

“Plano Real 20 anos”

Fonte: Plano Real 20 anos. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.380, n. 27, 2 jul. 2014.

Nas figuras acima, temos a abordagem da investigação na Petrobras sob o

enquadramento do escândalo e da corrupção generalizada, como em 34, 35 e 36. Na Figura

34, um depoimento fala em “malas e malas de dinheiro”, e a perspectiva que o locutor oferece

ao leitor é a da corrupção. O mesmo ocorre em relação às figuras 35 e 36, com um

enquadramento direto para o leitor. Na Figura 37, o enquadramento proposto pela composição

da capa como um todo ativa conteúdos simbólicos ao trazer à lembrança o Plano Real, tido

114

como um plano econômico de sucesso. O viés é novamente negativo, porque a chamada

demonstra que esse plano, que foi tão bom no passado, corre riscos devido ao descontrole

atual da inflação.

Há ainda o enquadramento pelo questionamento, também bastante utilizado pela

revista Veja, com alguns poucos exemplos no jornal Estado de Minas. Não se observa na

Folha de S. Paulo. Nesse processo, o locutor escolhe a questão por meio da qual pretende

interpelar ou instigar o leitor – e a intenção que fica oculta é a de problematizar um

determinado assunto, obrigando o leitor/eleitor a se posicionar em relação àquilo que é

proposto. Como nos exemplos a seguir:

Figura 38 – Manchete revista Veja:

“Marina presidente?”

Fonte: Marina presidente?. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.388, n. 35, 27 ago. 2014.

O leitor é interpelado com uma questão que aponta para uma possibilidade – Marina

Silva, que teve uma grande subida em termos de intenção de votos, poderia se tornar

presidente da República. A manchete, pelo questionamento, lança para os leitores uma

possibilidade de um acontecimento. Além da questão em si, o enquadramento também se dá

pela capa como um todo, que traz uma bonita imagem de Marina Silva – uma foto bem

trabalhada que retrata uma candidata serena, simpática.

115

Figura 39 – Manchete revista Veja:

“Vai sobrar para ela?”

Fonte: Vai sobrar para ela?. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.382, n. 29, 16 jul. 2014.

Nesse exemplo, há um questionamento feito de um modo coloquial na manchete,

como usualmente se dá em conversas informais – Vai sobrar pra ela? –, uma interpelação que

não traz simplesmente uma questão sobre uma possibilidade, mas que coloca a dúvida de que

algo de ruim vai recair sobre aquele de quem se fala. Note-se também que não há referência

direta ao sujeito sobre quem se fala (a então presidente e candidata, Dilma Rousseff), e a

referência é dada somente pelo pronome “ela”. E a imagem reforça a composição de sentido

ao trazer Dilma fazendo o sinal que era usado por torcedores e jogadores da seleção brasileira

antes dos jogos na Copa do Mundo 2014 (em que o Brasil saiu numa derrota histórica).

Discurso relatado

Observou-se uma discrepância em relação à apresentação do discurso relatado dos

candidatos. O uso do discurso relatado – que envolve o uso de verbos assertivos ou não,

reprodução da fala literal, integração ao dito original, como já abordado em outros capítulos,

foi observado nos três veículos analisados, com algumas variações de uso – é um recurso

menos presente na Folha de S. Paulo e na revista Veja. Tal estrutura é notadamente

discrepante no caso do jornal Estado de Minas, que prioriza a fala literal, integral, do

116

candidato Aécio Neves, com uso de aspas e a identificação, muitas vezes, do locutor

secundário (o candidato). Observamos, em relação ao discurso relatado como utilizado pelo

Estado de Minas, duas dimensões que Emediato (2008) aponta:

a) O discurso relatado é utilizado para qualificar favorável e desfavoravelmente o locutor

de origem (no caso, os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff). A qualificação

favorável, caso que se observa para o candidato Aécio Neves, se dá pelo recorte da

fala sempre assertiva, contundente, imperativa utilizada na reprodução literal, que

preferencialmente ocorre entre aspas, ou com uso de verbos de atitude, que mostram

um posicionamento e uma ação expressa do locutor de origem/candidato, remetendo

ao seu comportamento. Observar o uso desses verbos é relevante porque eles podem

indicar ao leitor qual é o comportamento por trás daquela fala, ou seja, revela um traço

psicológico do locutor original, contribuindo para uma avaliação do leitor. Segundo

Emediato, “os verbos de atitude podem representar uma opinião do sujeito

enunciador/informante sobre o dizer de um ator social” (2008, p. 83). Em relação a

Dilma Rousseff, a fala trazida é quase sempre narrativizada, com verbos na estrutura

“diz que”26

, “afirma que”, num marcado distanciamento da posição do locutor

narrador (jornal).

b) O discurso relatado é uma opinião partilhada pelo locutor que informa (jornal), que

traz a fala afirmativa do locutor de origem (o candidato que profere tal fala), sem

modalizações, como se pode ver no exemplo a seguir, com a chamada “Aécio: Dilma

tem de sair do ‘gueto da calúnia”.

Figura 40 – Chamada jornal Estado de Minas:

“Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da calúnia’”

Fonte: Aécio: Dilma tem de sair do ‘gueto da calúnia’. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.547,

16 out. 2014.

26

O estudo sobre essa forma no discurso relatado, feita por Searle, foi discutida no Capítulo 5.

117

No caso do Estado de Minas, a modalidade se observa também pela recorrência da

estratégia de abordagens negativas em relação a Dilma Rousseff (notadamente com o relato

de casos de corrupção envolvendo empresas públicas ou o PT ou em se tratando de política

econômica). O enquadramento do discurso de Dilma Rousseff em relação à economia e a

denúncias de corrupção envolvendo empresas públicas (notadamente a Petrobras) a qualifica

de forma negativa, seja pela relação que se estabelece com a corrupção, seja pela relação que

se estabelece com uma possível atitude de negligência e despreparo da então presidente

evidenciada pelos recortes de seu discurso, descontextualizado e bastante fragmentado. Nas

falas reportadas, como veremos pelos exemplos, Dilma Rousseff sempre ignora denúncias ou

se mostra titubeante.

Cena enunciativa

Em especial ao se considerar a capa das publicações e o fato de que as manchetes e

chamadas vão estabelecer o primeiro contato com o leitor, abrindo as portas da publicação e

convencendo-o a seguir adiante na leitura, a cena enunciativa tem um grande peso. Nas

edições analisadas, a conjunção texto/imagem, com um forte apelo para os leitores, compõe

uma cena com expressiva direcionalidade para a interpretação. Na imprensa escrita, a

dimensão visual, além da materialidade textual, importa como estratégia discursiva, e nas

capas dos veículos de informação, os dois elementos devem ser considerados em conjunto

como encenação, estratégia de produção de sentido na composição da cena enunciativa.

Temos, de modo geral, a cena englobante, que é o discurso de informação da grande

imprensa; a cena genérica, marcada por manchetes e chamadas de capa; e a cenografia,

formada pelos elementos de encenação, com personagens e enredos. O quadro cênico é dado

pela cena englobante e a cena genérica, mas é a cenografia que dará para o leitor os caminhos

possíveis de interpretação, como pontua Maingueneau, “a cenografia é, ao mesmo tempo, a

fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve

legitimá-la”. Analisemos alguns casos:

Jornal Folha de S. Paulo

O uso de imagens, geralmente fotografias, compõe a cena enunciativa do jornal, sendo

um recurso bem trabalhado do ponto de vista editorial. No jornal, percebe-se uma estratégia

118

bastante utilizada que é a dimensão visual: a imagem/fotografia em destaque não

necessariamente compõe com a manchete principal – o enunciado.

No entanto, essa imagem está de tal forma disposta na cena que provoca um ruído, ou

uma possibilidade implícita de interpretação para os leitores, como no exemplo a seguir:

Figura 41 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“País registra recorde de empresas inadimplentes”

Fonte: País registra recorde de empresas inadimplentes. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.211,

15 set. 2014.

A manchete desenha o cenário de um quadro econômico ruim – recorde de empresas

inadimplentes. E a foto logo acima mostra um grande leito seco de rio – ela obviamente não

se refere à manchete, mas está no alto da página e tem um versal pequeno para identificar de

que se trata. Há uma associação involuntária entre imagem e manchete que pode levar a

inferências em relação à situação econômica.

Figura 42 – Manchete jornal Folha de S. Paulo:

“Presidente do BB pagou multa para se livrar da Receita”

Fonte: Presidente do BB pagou multa para se livrar da Receita. Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94,

n. 31.193, 28 ago. 2014.

119

Nesse outro exemplo, a manchete traz uma denúncia, cujo locutor é o próprio jornal,

com uma asserção contundente – pagou multa para se livrar da Receita –, que remete à

corrupção, envolvendo o Banco do Brasil (BB). A foto ao lado mostra um grande prédio em

ruínas, desabando, e não há nenhuma referência a que acontecimento remete, isso está dado

apenas na legenda, o que pode provocar um ruído na leitura, já que a imagem tem um grande

destaque, bem como a manchete, que não se refere a ela. Ou seja, há dois elementos

significativos na capa – texto e imagem – que não guardam relação direta entre si.

Jornal Estado de Minas

O veículo utiliza um padrão de cena enunciativa mais convencional, em que a

dimensão visual e o texto materializado da manchete referem-se ao mesmo tema. No período

considerado para análise, relativo às eleições, o que se observa é que o discurso relatado dos

candidatos é sempre acompanhado por uma imagem ilustrativa, prioritariamente em relação

ao candidato Aécio Neves, ressaltando clima festivo, força do candidato, sendo o leitor

interpelado como leitor e como eleitor, que tem ou não uma simpatia por determinado

personagem. E, na cena, é mesmo disso que se trata – a construção de um cenário enunciativo

em que há um personagem (Aécio Neves é o candidato forte, que usa expressões

contundentes, verbos de atitude, que tem um vínculo afetivo com Minas Gerais – o que é

reforçado pelas falas trazidas pelo jornal – sempre tem uma avaliação crítica a tecer em

relação ao governo federal, apresenta propostas para o Brasil) em oposição a outros

candidatos (Dilma Rousseff, personagem construído como sujeito ligado a um partido

corrupto, em cujo governo há um cenário muito negativo da economia, que revela pelas falas

trazidas pelo jornal desconhecimento dos fatos e pouca aptidão para o gerenciamento; e

Marina Silva, personagem que aparece como secundário no processo, com pouquíssimas

ocorrências de falas literais e imagens, mesmo em momentos de tensão no processo, com a

oscilação em termos de intenção de votos).

120

Figura 43 – Chamada jornal Estado de Minas:

“Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas”

Fonte: Aécio ataca Fiat e PT por tirarem fábrica de Minas. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.531, 30

set. 2014.

Observem, nas chamadas acima, que o candidato Aécio é o sujeito que “ataca” em

defesa de “Minas”, enquanto Marina é aquela que “se complica” ao abordar determinado

assunto.

Figura 44 – Manchete jornal Estado de Minas:

“A grande batalha pela grande BH”

Fonte: A grande batalha pela grande BH. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.524, 23 set. 2014.

Nesse outro exemplo acima, a composição da cena como um todo direciona a

interpretação – na abordagem, a eleição é categorizada como “batalha”, em que os mais

preparados devem disputar votos. Logo abaixo, sem marcação de um limite entre uma

121

manchete e outra, a referência à educação, mostrando o “sufoco” dos pais com as

mensalidades escolares provocado pela inflação sem controle (sendo a inflação uma

responsabilidade do governo federal, cuja candidata novamente disputa a eleição).

Revista Veja

Obedecendo aos padrões técnicos do suporte – revista –, as capas têm uma grande

dimensão visual, com os elementos sendo utilizados de maneira a reforçar uma dimensão

simbólica de determinado tema. Há uso recorrente de ironia e metaforização, o que denota

uma intencionalidade no tratamento da dimensão visual. Prioritariamente, a imagem se casa

com o enunciado da manchete, mesmo sendo uma imagem metaforizada, não necessariamente

uma fotografia. Como na capa a seguir:

Figura 45 – Manchete revista Veja:

“A fúria contra Marina”

Fonte: A fúria contra Marina. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.391, n. 38, 17 set. 2014.

Há destaque também para um intenso uso de cor como elemento simbólico que

direciona já a percepção do leitor/eleitor, cor que é associada a inferências ideológicas

(quando há referência a corrupção, com denúncias de delação, por exemplo, há uma tendência

a se utilizar a cor vermelha, associada reiteradamente ao PT). As categorizações de sujeitos e

temas também é recurso recorrente para compor a cena enunciativa, bem como o tratamento

dado às fotografias – que podem retratar personagens de forma positiva (alegres, com boa

expressão) ou negativa (soturnos, cabisbaixos, surpresos).

122

Figura 46 – Uso de cores nas capas da Revista Veja

Fonte: Elaborada pela autora com dados extraídos de Veja, São Paulo, 2014.

Qualificações

Alcunhas para determinados temas, como corrupção (Petrolão, Mensalão) e economia

(Brasil em crise, Crise, Recessão) e para determinados atores (“petistas”, “corruptos”,

“mensaleiros”) que se repetem como marcas que fazem referência a determinados grupos e/ou

sujeitos. Tomando o que diz Charaudeau, podemos considerar que problemas econômicos no

Brasil (alta de preços, pouco crescimento, desemprego) são problemas econômicos, mas para

que se convertam em “Crise sem precedentes” ou “Recessão” é preciso que façam parte de

sistemas de valores e que estejam inseridos em determinados discursos, ou seja, é necessário

nomear um acontecimento para que ele exista (CHARAUDEAU, 2013, p. ), o que vale

também para a emergência e consolidação de determinados personagens. E o que observamos

com as manchetes do período eleitoral foi exatamente esse movimento, de nomear, criando,

acontecimentos e personagens que passaram a alimentar o que Bakhtin denominou de uma

“ideologia cotidiana”, revelando os estereótipos que se projetam por meio da linguagem.

Identificação do locutor narrador

Nota-se a estratégia de apagamento enunciativo27

como prerrogativa para mostrar

um“afastamento” do locutor original, o jornal, em relação à informação dada. Assim, há um

grande uso de construções discursivas sem um sujeito agente que diz e o uso reiterado de

formas impessoais para agenciar uma ação, como nas formas “especialistas afirmam”,

27

O locutor não aparece identificado claramente no ato de enunciação, e o dito aparece então como verdade ou

fato não contestável, dado.

123

“mercado garante”, “analistas apontam”, que abrem a suposta fala de um sujeito que é trazida

pela voz do jornal. Mas não é o jornal que está fazendo a afirmação, é uma entidade que goza

de certa autoridade (especialistas, mercado, analistas), mesmo numa identificação genérica.

Esse uso discursivo torna mais difícil para o leitor perceber qualquer posicionamento do

locutor original, o jornal, posto que ele não está como agente daquela fala, ele apenas a

reproduz.

Outro ruído provocado por essa estratégia discursiva é que tal fala, tomada como uma

asserção com peso de verdade, é apenas o discurso de um grupo específico de “especialistas”

ou “analistas”, que tem determinada orientação econômica ou política ou social, sendo que há

outros possíveis caminhos de pontos de vista – mas isso não fica claro para o leitor, que toma

aquela fala expressa como a única possibilidade de interpretação. O uso de formas impessoais

é verificado, sobretudo, na Folha de S. Paulo, enquanto que Estado de Minas e revista Veja

usam mais marcadamente a estratégia de apagamento enunciativo, com asserções que ganham

o peso de afirmações verdadeiras, sob a forma de discurso relatado ou não, que não dão

margem a contestações.

A ênfase na dimensão negativa como forma de tocar o leitor

Observamos o uso de palavras, expressões e termos com referenciações negativas para

os sujeitos (os candidatos), como mostram os gráficos no item 6.3, além de uma dimensão

referencial negativa para determinados temas – como economia e política, prioritariamente,

com associações reiteradas a crise, tendo força o uso de termos como crise, caos, recessão,

corrupção, desemprego, escândalos – o que reforça uma representação de negatividade para o

leitor, considerando-se que a instância midiática busca o que é mais apropriado para tocar o

público, chamar sua atenção. No período considerado das eleições de 2014, abordagens com

ênfase negativa estiveram presentes em praticamente todas as edições dos três veículos,

sobretudo com relação a esses temas, havendo reiteradamente a representação de emoção pelo

aspecto negativo. Como se segue em:

124

Figura 47 – Manchete revista Veja:

“Eles sabiam de tudo”

Fonte: Eles sabiam de tudo. Veja, São Paulo, ano 47, edição 2.397, n. 44, 29 out. 2014.

Nesse exemplo, o tom negativo já é antecipado pela cor que predomina ao fundo,

negro. A cor da manchete, vermelho, provoca inferenciações que levam o leitor a estabelecer

uma relação com a cor predominante do Partido dos Trabalhadores – e o pronome “Eles”, que

marca os sujeitos daquela ação expressa pela manchete, demarca um distanciamento da

revista e dos seus leitores em relação a essa classe de sujeito. Quem são “eles” – os que sabem

da corrupção, compactuam com ela, atrapalham o Brasil – em oposição a um “nós”- aqueles

que não querem mais esse cenário para o país.

Figura 48 – Manchete jornal Estado de Minas:

“TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras”

Fonte: TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.547,

16 out. 2014.

125

Nesse outro exemplo acima, há duas chamadas que ressaltam aspectos negativos em

relação à conjuntura política – “TCU vê gestão temerária em obras da Petrobras” – e à

economia – “Criação de vagas tem o pior setembro desde 2001” – que margeiam a chamada

para as eleições, com uma fala expressiva do candidato Aécio Neves.

Observando-se tais padrões, considero que há um forte direcionamento para a

interpretação, e não apenas mera orientação. As estratégias discursivas que se repetem como

padrões direcionam o olhar do leitor para certo aspecto, não apenas orientam certa

interpretação.

E nesse processo de produção de sentido, é importante deixar claro que o locutor, o

sujeito que informa, tem um relevante papel, pois não se pode pensar um dizer sem que

pensemos no sujeito que o diz. No processo de produção da chamada/manchete num jornal ou

revista, o locutor, podemos considerar então, é o próprio jornal28

, não se tratando de um ou

outro jornalista especificamente.

É possível estabelecer, a partir das estratégias discursivas, se há um posicionamento

marcado desse sujeito enunciador ao construir e ressaltar, ou ocultar e não revelar,

intencionalmente, determinados aspectos numa chamada de capa ou numa manchete de jornal,

pois se os fatos não representam absolutamente um acontecimento, mas antes são uma

representação, é possível dizer que existe uma escolha do sujeito enunciador na abordagem

feita. E se essa escolha se dá, ela impacta o produto do discurso de informação.

Há que se observar ainda, a respeito dessas estratégias que direcionam a interpretação

e se consolidam como padrões, que a referência a formas e estratégias de manipulação não

significa considerar, inocentemente, que isso se traduz somente em mentiras deliberadas ou

simples invenções de acontecimentos ou fatos (ainda que tal possa ocorrer). Como nos aponta

Abramo (1988), a manipulação pressupõe formas criativas de usar a linguagem, construindo

dizeres que projetam estereótipos, crenças, desejos, numa referência distorcida da realidade.

As instruções dadas pelo enunciado – materializado nas chamadas e manchetes –, de forma

criativa e muitas vezes sutil, é que orientam uma direcionalidade na interpretação, e não

apenas o conteúdo proposicional ali encontrado. É o dizer, com todas as estratégias que

carrega, que interessa, e não simplesmente o dito.

Os padrões discursivos observados, que podem ser tomados como estratégias

discursivas, integram e nos ajudam a compreender, do ponto de vista da linguagem, como se

28

Personificado pela figura do editor, que representa a linha editorial do veículo, a voz do jornal.

126

constroem e se consolidam os padrões de manipulação da grande imprensa apontados por

Abramo29

, como se segue:

a) indução – o leitor que interpreta está reconstruindo significados, ressignificando a

partir de orientações recebidas. Nesse caso, um enquadramento pelo tema, como

observamos nos veículos, leva o leitor a fazer uma série de inferências e a considerar

aquele tema abordado nos limites impostos pelo locutor (o jornal), sendo induzido a

determinados aspectos ou pontos de vista ou conclusões. Se o viés negativo é o

enquadre que norteia a abordagem sobre economia, estará consolidado um efeito de

sentido, a saber, de que a economia no país está muito ruim. Outra estratégia que

também pode ser considerada no padrão de indução é o uso do conectivo “mas”, uma

estratégia de argumentação que estabelece certa relação entre dois enunciados,

podendo provocar ruídos e direcionar a interpretação do leitor em direção a um efeito

de sentido pretendido pelo locutor;

b) inversão – O uso do conectivo “mas” nas matérias de política econômica também é

uma estratégia de argumentação que contribui para a inversão à medida em uma

mudança na relevância de aspectos, quando, pelo conectivo, o segundo enunciado

retira força do primeiro, provocando um redirecionamento na interpretação do leitor;

c) ocultação – Esse padrão se reforça pela perspectiva da criação de um acontecimento

pelo discurso de informação, considerando-se que o que se noticia são versões ou

aspectos, criando-se um outro real. Um exemplo que esclarece esse padrão é o

comportamento adotado pelo jornal Estado de Minas quando, deliberadamente, oculta

pesquisas de intenção de voto no momento em que a candidata Marina Silva, ainda no

primeiro turno das eleições, ultrapassa o candidato Aécio Neves e abre uma expressiva

vantagem em relação a ele, como na edição a seguir;

29

Esses padrões já foram abordados no Capítulo 3.

127

Figura 49 – Manchete jornal Estado de Minas:

“Qual será o nome dele?”

Fonte: Qual será o nome dele?. Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.505, 4 set. 2014.

Naquele momento, para o jornal, o tema eleição passa a ter um enquadramento

secundário, tornando-se menos relevante que a escolha do nome de um macaco. Tudo se

passa como se o locutor, jornal, dissesse ao alocutário, o leitor: “o tema eleição, agora, já não

é tão importante e nem merece mais estar na capa”, uma vez que, para os leitores, se o assunto

merece estar na capa de um jornal, ele tem relevância e é significativo. Se não está mais na

capa, é porque não é relevante. A chamada para eleição aparece no canto direito, sem

destaque.

d) fragmentação – Os usos do discurso relatado, que envolve a seleção de aspectos do

dito de origem, são uma estratégia que poderá levar à fragmentação da informação. Se

temos numa chamada, por exemplo, um dito como:

8. Aécio: “Não tenho medo do PT”

128

O excerto de falas reproduzidas em manchetes ou chamadas são geralmente tomadas

como a reprodução fiel daquilo que originalmente foi dito. No entanto, são apenas trechos de

falas, muitas vezes editadas, não sendo a reprodução absolutamente fiel do dito. Por outro

lado, não há contextualização para a fala, e o sentido dela está dado por aquele momento da

enunciação, sem os elementos caracterizadores do momento do dito original (o discurso), ou

seja, o que foi dito por aquele locutor original pode ter outro sentido na situação original de

enunciação. Portanto, a informação está fragmentada e perde parte do seu sentido.

Menções aos candidatos nas chamadas de capa dos veículos

A seguir, apresento gráficos que trazem uma compilação das menções feitas aos três

principais candidatos no período de julho a outubro de 2014 nas capas das edições diárias dos

jornais impressos. Essa abordagem, que foi desenvolvida pelo site Manchetômetro30

, utiliza a

metodologia de análise de valências31

.

Gráfico 1 – Menções ao candidato Aécio Neves na

capa do jornal Estado de Minas

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

30

O Manchetômetro é um site desenvolvido pelo Laboratório de Mídia e Esfera Pública, da Universidade

Estadual do Rio de Janeiro (Lemep/UERJ) e tem por objetivo analisar a cobertura midiática. 31

A análise de valência considera se a manchete ou chamada, bem como o texto que a acompanha, é positiva,

negativa, neutra ou ambivalente para a imagem do candidato, partido, pessoa ou governo ao qual faz

referência. Não se avalia se a notícia é verdadeira ou falsa, mas sim o significado da informação para a

imagem do objeto do texto.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 78

Contrário: 1

Neutro: 22

129

Gráfico 2 – Menções à candidata Dilma Rousseff na

capa do jornal Estado de Minas

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

Gráfico 3 – Menções à candidata Marina Silva na

capa do jornal Estado de Minas

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 11

Contrário: 31

Neutro: 35

0

5

10

15

20

25

30

35

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 5

Contrário: 16

Neutro: 31

130

Gráfico 4 – Menções ao candidato Aécio Neves na

capa do jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

Gráfico 5 – Menções à candidata Dilma Rousseff na

capa do jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 8

Contrário: 19

Neutro: 78

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 6

Contrário: 70

Neutro: 160

131

Gráfico 6 – Menções à candidata Marina Silva na

capa do jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de Manchetômetro.

Os gráficos apontam o total de menções aos respectivos candidatos nas capas de cada

veículo. A partir do que expõem, podemos estabelecer assim, no sentido que nos traz

Medrado (2013), um esquema associativo, a partir da leitura das manchetes e chamadas dos

veículos analisados, pontuando a inferência a uma relação entre governo federal/Dilma

Rousseff/PT e aspectos negativos (prioritariamente marcados por referências a

corrupção/crise econômica). Observamos ainda, neste período, um fator para o qual

Charaudeau (2014) chamou atenção, que se trata da ocorrência de chamadas e, sobretudo,

manchetes de certa forma muito semelhantes não apenas na estrutura, mas no enquadramento

do tema, sem espaço para diversidade de abordagens ou pontos de vista.

A utilização recorrente de temas, referências e abordagens são elementos que, no

material analisado e ao longo do período das eleições 2014, se coadunaram para construir

efeitos de sentido cuja orientação preponderante foi ressaltar aspectos negativos de

determinado candidato, no caso, a então presidente, Dilma Rousseff. Nesse sentido,

identificamos dois elementos preponderantes e direcionadores, ou repertórios, que se

vinculam de modo expressivo ao governo então atual e que pleiteava a reeleição. Assim, com

um mapeamento e o estabelecimento de associações possíveis a partir das construções

discursivas, como apontam os gráficos, temos os repertórios:

0

10

20

30

40

50

60

Favorável Contrário Neutro

Favorável: 5

Contrário: 13

Neutro: 55

132

a) Corrupção sempre associada a determinado grupo, ligado à candidata à reeleição (a

então presidente Dilma Rousseff), o que pode ser percebido pela marcação temporal –

a corrupção é sempre mencionada em referência a determinado período histórico,

levando a uma associação em termos de localização temporal – e também pelas

nominações de personagens. Como nos exemplos abaixo:

Figura 50 – Capa do jornal Estado de Minas:

Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.556, 25 out. 2014.

Figura 51 – Capa do jornal Estado de Minas:

Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.541, 10 out. 2014.

Nessas edições, há manchetes que vinculam a corrupção a Dilma Rousseff ou ao PT e outras

chamadas que mencionam problemas, como em “TSE barra tentativa de censura”.

133

Figura 52 – Capa do jornal Folha de S. Paulo:

Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.203, 7 set. 2014.

Há a manchete com a denúncia de corrupção envolvendo “petistas”, alcunha que é sempre

repetida, além de chamadas que repercutem o tema e fazem vinculações com as eleições,

como em “O veneno do petrolão pode escorrer e piorar ainda mais o humor do eleitor” e

“Empreiteiras e seus diretores serão os próximos alvos da operação da PF”.

Figura 53 – Capa do jornal Folha de S. Paulo:

Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.235, 9 out. 2014.

b) Crise econômica como elemento que perpassa toda a produção dos conteúdos e das

informações, até mesmo em chamadas e manchetes que não se referem a esse aspecto

em particular.

Alguns exemplos podem ilustrar:

134

Figura 54 – Capa jornal Estado de Minas:

Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.543, 12 out. 2014.

O tom negativo na economia, com cortes de verbas feitas pelo governo federal,

sobressai na manchete “União fecha torneira para o velho Chico”, que ainda traz um tom

apelativo emocional para o eleitor mineiro, pois se trata, a partir do que diz a manchete, de um

corte de recursos para o Rio São Francisco, importante para Minas Gerais.

Figura 55 – Capa jornal Estado de Minas:

Fonte: Estado de Minas, Belo Horizonte, n. 26.539, 8 out. 2014.

135

Na chamada “FMI prevê pibinho de 0,3% no Brasil”, a referência ao PIB no

diminutivo caracteriza uma mediocridade do desempenho da economia. Acima, outra

chamada fala do apoio de marina Silva, derrotada no primeiro turno, a Aécio Neves.

Figura 56 – Capa jornal Folha de S. Paulo:

Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, ano 94, n. 31.195, 30 ago. 2014.

A manchete sobre eleição está devidamente próxima à chamada – que ganha destaque

no alto da página – sobre o encolhimento da economia, e o enunciado aponta para o leitor,

sem que haja um locutor específico a dizer, que esse encolhimento é “sinal de recessão”.

Observando-se tais estratégias, padrões e repertórios, podemos considerar que se trata

de coincidência ou mera obediência à técnica jornalística e de produção de notícias a

utilização das estratégias descritas, que culminam numa produção de sentidos em determinada

direção, qual seja, a negativação da imagem de certo candidato? Não creio em tal hipótese,

sobretudo num cenário de grande disputa do poder e levando-se em conta que o discurso de

informação apresenta opiniões e pontos de vista como verdades não passíveis de

questionamento e evidências de fatos dados.

É necessário sempre considerar que a palavra, como aponta Sodré (2013), num

encadeamento sintagmático – tomemos, por exemplo, uma chamada qualquer de um jornal –,

tem significado. Mas, num discurso, o enunciado tem significado e sentido, que está ligado a

136

um real histórico, ao contexto, às disputas de poder engendradas na sociedade. Enfim, a

palavra não é neutra.

Lembrando ainda o que Verón aborda a respeito da inserção dos fatos ou

acontecimentos sociais nos veículos da grande imprensa, observando-se que um fato relevante

estará possivelmente presente em todos os meios, com nuances de abordagem de um veículo a

outro, há que se considerar um aspecto significativo em relação ao macroacontecimento

“eleições 2014”. As abordagens feitas pelos veículos considerados tiveram prioritariamente o

mesmo enquadramento, o mesmo enfoque, mesmo em se tratando de meios diferentes – a

economia foi permeada pelo viés “crise” ou “recessão”, e a política teve o enquadramento da

corrupção, mesmo sendo a eleição o assunto prioritário.

E sempre é bom lembrar, como também argumenta Verón, que um leitor se torna fiel a

determinado veículo porque ele sabe o tipo de discurso que vai encontrar, a partir de

representações sociais, e os veículos também se pautam por essa perspectiva, por mais que a

grande imprensa comercial queira ampliar a tiragem. O contrato de leitura, ressalta o autor, é

essencialmente um contrato enunciativo, que “se cumpre essencialmente não no plano do

conteúdo, mas no plano das modalidades do dizer” (2005, p. 276).

A eficácia de um discurso em geral e do de informação em particular não está apenas

em transmitir um saber, ou conhecimento, ou ainda ideias que correspondem aos interesses do

próprio leitor. Como lembra Maingueneau, a eficácia reside, na verdade, no poder que tem o

discurso de suscitar crenças, pois o interlocutor é um sujeito que é interpelado e tem acesso ao

dito “através de uma maneira de dizer que está enraizada numa maneira de ser, o imaginário

de um vivido” (2013, p. 49).

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