Processos decisórios nos pequenos municípios
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8/14/2019 Processos decisrios nos pequenos municpios
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PROCESSOS DECISRIOS NOS PEQUENOS MUNICPIOS
Marcelo Antnio Maia de SiqueiraEngenheiro Arquiteto
Mestre em Urbanismo
1. INTRODUO
Em outro artigo(1), procuramos apresentar de forma geral a tipicidade dos
municpios de pequeno porte no Brasil.
Ali comentamos que os municpios de pequeno porte se encontram num
grande desafio, diante do grande movimento de descentralizao mundial e
particularmente nacional que os vem empurrando para o enfrentamento de suas
prprias questes.
Destacamos que isto ocorre revelia da capacidade destes municpios no
campo financeiro-tributrio, no campo institucional-administrativo e no campo scio-
poltico.
Este artigo procura abordar especificamente esta ltima questo, a nosso
ver, central para o efetivo desenvolvimento destas localidades.
Discutimos inicialmente questes relativas s relaes do Estado com a
sociedade, tema bsico para compreenso contempornea de dinmicas decisrias.Em seguida detalhamos alguns pontos desta dinmica que desde alguns anos esto
no centro do debate: novos atores sociais e novas estratgias de gesto local,
fenmenos recentes que vem reconfigurando o cenrio poltico-decisrio. Por fim
tecemos consideraes em torno da questo da prtica democrtica e os rumos
desta prtica em direo ao seu aprofundamento ou aperfeioamento. Sempre
partindo de um cenrio maior e das afirmativas vigentes para relativizar para o
universo dos pequenos municpios.
2. RELAES ESTADO E SOCIEDADE
1 A Realidade dos Pequenos Municpios no Brasil
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Estado e sociedade no so entidades ou campos estanques ou isolados,
sendo muitas vezes difcil delimitar seus contornos precisos. O Estado est ligado de
inmeras formas a grupos de interesse da sociedade. O insulamento de suas
estruturas burocrticas varia no tempo de rgo para rgo. Porm, apesar de
interpenetradas, so esferas distintas (MARQUES, 2000).Vrias linhas de estudo tem se desenvolvido para entender estas relaes.
A primeira delas aquela da tradio pluralista norte-americana, tambm
chamada de viso clssica. Para esta escola a agregao de interesses aconteceria
nos partidos polticos ou ento na forma de lobbies e grupos de presso sobre o
congresso e/ou sobre agncias governamentais. Por trs destas aes estaria
principalmente o poder econmico, dos diferentes setores do capitalismo produtivo ou
especulativo, mas tambm o poder poltico de certos grupos importantes, como
certos sindicatos (MARQUES, 2000).
Uma segunda anlise fruto de uma reviso das teorias clssicas. De
acordo com ela, os grupos de interesse agem de forma menos atomizada e atuariam
atravs de redes complexas de ligaes entre instituies e indivduos, explorando os
pontos convergentes. As fronteiras entre os grupos e empresas e entre pblico e
privado no seriam to delimitadas como acredita a viso pluralista (MARQUES,
2000).
A terceira linha aquela da tradio marxista. Coerente com sua rgidaviso da sociedade de classes, no percebe claramente a questo da permeabilidade
do Estado atravs das redes de ligaes pessoais, e entende que a influncia das
empresas sobre o Estado considerada como garantida pela estrutura da sociedade
e da economia capitalista, sendo o Estado constitudo per si voltado para estes
interesses. Mesmo quando avanam para dentro de um debate sobre autonomia
relativa do Estado, em que este teria um carter de classe indireto, via mediao,
entendem que se mudam os mecanismos de conformao no mudaram os
resultados finais. Explicam a influncia do privado no estatal atravs de mecanismos
estruturais: o maior poder do capital devido proximidade existente entre elites
estatais e capitalistas; a ao coletiva e as muitas estratgias de busca da
hegemonia; a dependncia estrutural do Estado ao capital; e os processos de
seletividade estrutural das polticas para benefcio dos setores influentes. Os
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aspectos mais importantes desta anlise estariam no destaque para os capitais como
atores fundamentais e aos interesses como motivaes imprescindveis para a
compreenso das polticas do Estado (MARQUES, 2000).
A quarta vertente a dos Neoinstitucionalistas. Esta escola preserva a viso
da importncia e insulamento das instituies estatais, mesmo em uma sociedadecapitalista, mas trazem a tona outros atores, as estratgias dos agentes e as
articulaes entre instituies. Para estes, a efetividade das aes do Estado
depende de seus laos com a sociedade. Entendem que para compreender
detalhadamente o insulamento, a autonomia e a permeabilidade seria necessrio
desagregar o estado e analisar os inmeros atores nas mltiplas arenas da
sociedade. Podemos dizer que ao contrrio da viso clssica e da sua reviso, que
idealizam muito o Estado e enxergam apenas um vetor de interesses a partir dos
grupos privados e direcionado para o Estado, esta outra viso percebe outro vetor em
sentido contrrio, buscando cooptar o setor privado para os interesses polticos, num
complexo jogo de trocas (MARQUES, 2000).
Outra contribuio para este estudo seria a literatura corporativista,
baseada na experincia europia dos grandes acordos, com a formao de pactos
tripartite entre Estado, capitais privados e trabalhadores, em nvel nacional, servindo
de sustentao poltica dos Estados de Bem Estar na Europa. Posteriormente, outros
estudos analisaram acordos do gnero de natureza sub-nacional ou setorial,chamado de meso-corporativismo. Este debate exerceu forte influncia sobre a
literatura brasileira. As propostas de pacto social estavam na ordem do dia na dcada
de 1980, havendo inclusive a instalao das cmaras setoriais, e parecem querer
ressuscitar na atualidade atravs das intenes do governo de Luiz Incio Lula da
Silva (MARQUES, 2000).
No Brasil, alguns autores tm contribudo para uma melhor compreenso
dos aspectos particulares da nossa sociedade. Fernando Henrique Cardoso revelou
os anis burocrticos, tendo sido esta a mais importante contribuio nacional ao
tema. Percebeu que o planejamento ou inrcia estatal do perodo populista no Brasil
(1945-1964) eram mecanismos polticos para suplementao dos interesses privados
e que estes interesses fluam atravs de teias de cumplicidade pessoais, sendo
estas teias diferentes de lobbies, pois so mais difusas e mais orientadas por
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relaes de lealdades pessoais. Os anis burocrticos seriam ento mltiplos crculos
baseados em relaes pessoais que ligariam de forma perpendicular inmeros
interesses em subsistemas englobando partes do governo, burocracia, empresas
privadas, sindicatos, etc. Com o golpe de 1964 teria havido incio da quebra deste
sistema de anis do populismo e a instalao de outros. Observou ainda que ocorporativismo no seria adequado para a leitura da dinmica brasileira, pois supe
alto nvel de organizao e representao das classes e no Brasil h mais a presena
de interesses polticos e econmicos individualizados (MARQUES, 2000).
A partir destes pontos, vrias pesquisas exploraram a questo das redes de
relaes pessoais envolvendo o mundo poltico e o Estado. Numa linha mais
sociolgica e antropolgica, estudos vm mostrando como em nossa cultura
princpios de lealdade familiar e de amizade so extremamente fortes a ponto de
serem moralmente superiores aos compromissos da esfera pblica, tornando
complexo o julgamento de aspectos como corrupo e clientelismo (KUSCHNIR,
2000; MARQUES, 2000; BEZERRA, 1995).
Marcos Bezerra comenta que a existncia de princpios e obrigaes sociais
que caracterizam as relaes pessoais e como isto se faz presente dentro do setor
pblico tem sido interpretado, sobretudo pelos autores que discutem a questo da
modernizao nos pases em desenvolvimento, como um resqucio de relaes de
carter tradicional. Desta perspectiva, elas (as relaes pessoais) so concebidasgeralmente como um obstculo modernizao das sociedades. A idia de que
sero automaticamente superadas ou substitudas por novos padres de relaes de
tipo racional e impessoal (..) tambm objeto de um certo consenso e desejo.
Pressupostos como estes tem impedido de se pensar nestas relaes no somente
como coisas do passado, mas como constitutivas das sociedades contemporneas.
Isto , como responsvel pela conduta das pessoas e pelo funcionamento da
instituies, inclusive oficiais (BEZERRA, 1995), ou seja, alerta-nos que um estudo
que procure entender o processo de formulao de um poltica pblica e de sua
execuo precisa considerar a existncia deste fenmeno e pesquisar como estas
relaes afetam o caso estudado.
O autor cita trabalhos mais antigos, como Oliveira Viana, que afirmou que a
sntese de nossa psicologia poltica a incapacidade moral de cada um de ns para
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resistir s sugestes da amizade e da gratido, para sobrepor s contingncias do
personalismo os grandes interesses sociais. E ainda que O tratamento de uma
pessoa de modo pessoal implica relacionar-se no em termos de papeis sociais
especficos (cliente, cidado, empregado, funcionrio, etc.) aos quais esto
vinculados direitos e obrigaes prprios mas identificando-se como algum queacumula outros papeis (...). Neste sentido (...) no se estabelecem fronteiras entre os
diferentes papeis que so desempenhados pela pessoa.
Assim, do ponto de vista das relaes pessoais, trata-se de um ato
socialmente admissvel tanto o fato de se fazer pedidos a estas pessoas quanto o de
que os pedidos seja atendidos. Isto concebvel uma vez que o exerccio de uma
funo pautada por padres impessoais, como as funes pblicas, no retira a
pessoa do seio das relaes pessoais no qual se encontra imersa. (...) Para o
funcionrio, a ruptura com os valores e as relaes que fazem parte de sua
existncia diria para que prevalea a razo organizacional est longe de ser um
ato tranqilo e natural, ao contrrio, esta uma operao difcil e conflituosa. Implica
por exemplo ser indiferente com os amigos, parentes, aliados, conhecidos
Identificando estas caractersticas como importante aspecto constitutivo de
nossa cultura e de nossa sociedade, conclui que recorrer aos padres de
relacionamento tem constitudo, na sociedade brasileira, uma estratgia socialmente
aceitae que por se viver como que imerso neste modo de agir, concebe-se comoalgo natural e legtimo acionar as relaes pessoais. Portanto constata que as
relaes de uma pessoa, e daquelas com as quais ela mantm um lao, apresentam-
se como uma modalidade de capital social ao qual se pode recorrer em certas
circunstncias(BEZERRA, 1995).
Sobre estas constataes, Eduardo Marques (MARQUES, 2000) prope o
conceito de permeabilidade do Estado. Como no Brasil os vnculos estabelecidos
fora das relaes institucionais assumem uma importncia que no encontra paralelo
no exterior, amigos, colegas de escola, parentes, podem ganhar canal privilegiado
dentro das instituies, o que faz com que os rgos pblicos sejam cimentados por
padres sempre cambiantes de relaes pessoais e o Estado adquira uma
permeabilidade maior e mais disseminada, ficando a fronteiras entre pblico e
privado menos definidas. A Intermediao de interesses fica disseminada por
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inmeros e dispersos contatos pessoais, enquanto nos Estados Unidos vigora o
padro dos lobbies e na Europa o padro do corporativismo, ambos mais claramente
identificveis e institucionalizados. Dessa forma, sendo esta permeabilidade
acentuada em nossa sociedade, passa a ser um aspecto constituinte de nosso
Estado, firmado sobre fortes caractersticas sociais fundamentais de nossa cultura.
Trazendo estas idias para o universo que pesquisamos (os pequenos
municpios), observamos que todas precisam ser relativizadas. Naturalmente vamos
nos ater aos conceitos que se aplicam mais diretamente ao caso brasileiro.
Mesmo sem ter analisado profundamente a extenso das redes sociais
locais, j que no era este nosso foco central, observamos que estas redes so muito
mais simples, compatvel mesmo com o tamanho destas sociedades. Mesmo indo
alm do mbito local, e estendendo-se por diversas cidades, acompanhando
principalmente o trajeto daqueles que emigram, no so to extensas e complexas.
Para o caso que estudamos (2), centrado na rede formada em torno de uma
determinada poltica pblica, constatamos que a teia de conexes era ainda mais
enxuta.
Alm do tamanho, destacou-se um aspecto qualitativo: a identificao de
que nestas redes os atores e os vnculos institucionais so muito importantes, mais
importantes do que vem sendo observado na literatura para as polticas e aespblicas encetadas noutras escalas.
Generalizando esta questo, notamos na realidade, a coexistncia de dois
planos distintos.
No quotidiano, as prefeituras, ou seja, o poder pblico local, bastante
afetado pelos interesses privados, mas o conceito de permeabilidade no pode ser
propriamente aplicado ao caso. que, ao contrrio do que ocorre numa situao de
permeabilidade estatal, a ao, ou melhor, a interao dos interesses privados e
pblicos no difusa como se tem notado em escalas maiores. Ela centrada na
figura do prefeito e no grupo de pessoas ligadas ao prefeito. H um controle quase
absoluto da mquina pblica, que pequena, no que diz respeito ao atendimento de
demandas e no direcionamento das polticas para o municpio.
2 Estudamos a poltica de resduos slidos nos pequenos municpios.
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Coexistente a esta realidade, quando o municpio obrigado a relacionar-se
com instituies estaduais e federais, prevalecem os vnculos e as aes de carter
formal, enquadradas na racionalidade impessoal. Acontece que a implementao de
polticas de investimento pblico nos pequenos municpios depende quase
completamente de recursos obtidos nas outras esferas de governo. Portanto estaoutra dimenso onde os vnculos formais so mais relevantes est muito presente e
presente nas questes de maior destaque na municipalidade. Isto ocorre
principalmente nos municpios de populao at 30.000 hab., mas tambm em
grande medida nos de populao entre 30 e 50 mil.
verdade que para obteno destes recursos, utilizam-se contatos de
carter pessoal, que so basicamente contatos polticos, num sistema clientelista e
no contatos advindos de parentesco, amizade, coleguismo, etc. a tpica relao de
intermediao em que o poltico detm os acessos, assume uma obrigao de
atender, que acaba por confirmar e sustentar sua posio de status social
diferenciado, e, dentro da lgica da ddiva, a comunidade, tem a obrigao de
retribuir com seus votos. (KUSHNIR, 2000).
Na relao clientelista, essencial o papel do poltico enquanto mediador
entre as demandas e as decises capazes de atende-las. Os mecanismos
impessoais e universalistas de canalizao e processamento de demandas cedem
lugar a vnculos de cunho pessoal entre lderes e sua rede de indivduos ou grupossubordinados. (...) Essa mediao como que privatiza a obteno de um bem pblico,
na medida em que o patrocnio de um poltico influente aparece como requisito
necessrio para o acesso a servios pblicos fornecidos pelo Estado ou para a
soluo de questes especficas(DINIZ, 2000)
Mas obtidos os recursos, sua aplicao passa a ter fiscalizao de rgos
onde prevalecem os aspectos tcnicos e impessoais. Na poltica estudada, apesar de
suspeitas levantadas em algumas cidades, no observamos qualquer influncia de
presses internas nestes rgos, advindas de escales superiores, de polticos, etc.
que provocassem uma atuao diferenciada.
Mas no s rgos fiscalizadores tem tido um papel importante. Outras
instituies se fazem presentes.
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Da mesma forma que recursos financeiros foram necessrios, recursos
tcnicos precisaram ser trazidos para concretizao da poltica (no caso estudado, de
gesto do lixo) e neste caso a relao formal, institucional, via contrato, foi a
estabelecida e diante da situao de absoluto domnio do conhecimento do tema por
apenas uma das partes, imperaram as idias dos contratados sem qualquerinterferncia.
Outro ator institucional muito importante revelado em nossa pesquisa foi o
Ministrio Pblico. Sua atuao em certos casos foi decisiva e permitiu reverter os
rumos da poltica para resduos slidos. Este fato permite revelar claramente que o
poder local limitado pela atuao de certas instituies. Atuando como
fiscalizadores, rgo Ambiental, Caixa, Ministrio Pblico, com maior ou menor
poder, acabam por forar prefeitos negociao ou simples implementao de
outras diretrizes.
Nos voltando agora para os vnculos de carter informal e os atores
pessoais que se fizeram presentes nas histrias, verificamos ainda aqui diferena em
relao literatura que estudou outras escalas. No observamos a presena de
interesses privados utilizando teias de cumplicidades pessoais para afetar a poltica.
Onde estas teias parecem ter atuado, no o fizeram claramente como instrumentos
de canalizao de interesses privados. Em alguns locais nitidamente estavam a
servio das foras de oposio e no o contrrio. Noutros, apesar da existncia deproprietrios insatisfeitos, no foram os seus interesses que nortearam os
posicionamentos do novo prefeito, podendo ter apenas reforado suas disposies.
Em todos os casos, as relaes de carter puramente poltico, sejam de aliados ou
de inimigos, seja numa relao clientelista ou paritria, para viabilizao do
empreendimento ou para impedi-lo, so mais centrais que outras formas de
cumplicidade pessoal, tecidas em torno de parentesco, amizade, coleguismo, ou
mesmo interesses econmicos.
Sobre as anlises marxistas, no observamos generalizadamente na regio
estudada (3), ao contrrio do que indica a bibliografia para outras regies brasileiras, a
prevalncia do capital ou um domnio de elites agrrias, que no entanto em um caso
ou outro podem vir a estar envolvidas indiretamente, dentro do contexto poltico local.
3 Sul de Minas Gerais
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Numa das cidades, ao contrrio, os trabalhadores rurais dominavam a poltica local.
Apenas em uma delas parece ter havido algum fator econmico secundrio
envolvido, mas no comprovado, que mesmo assim no foi central para a poltica
pblica ter sido definida e implementada. Prevaleceram outras motivaes. Mas no
ausente o fator interesse como mvel das aes do Estado nestas localidades,destacando-se os interesses poltico-eleitorais, que convivem ao lado de motivaes
puramente tcnicas ou estratgicas. Esta ordem de interesses, podemos afirmar,
fundamental para a deciso de implementar a soluo, apesar de que em geral
acabaram se transformando em tiros que saram pela culatra ou em algo incuo
para estas intenes. Noutras palavras, em nenhum caso, os polticos locais
conseguiram capitalizar eleitoralmente a implementao desta soluo.
3. NOVOS ATORES
Num processo de evoluo recente, as sociedades contemporneas
passaram a contar com a atuao de novos atores no vinculados a interesses
econmicos e no vinculados ao Estado. So agentes que tem assumido cada vez
mais importncia no cenrio das polticas pblicas.
So organizaes da sociedade civil voltadas para diversos interesses.
No campo poltico, vimos no Brasil movimentos como os clubes de mes daperiferia sul de So Paulo e as comisses de sade da zona leste desta mesma
cidade se estruturando num hiato deixado pela ditadura e que assumiram desde cedo
um discurso de autonomia, ou seja, de capacidade de elaborao da prpria
identidade e de projetos coletivos a partir das prprias experincias (CARDOSO,
1995; JACOBI, 1989). Assim desvinculados de partidos ou de sindicatos, acabam se
tornando uma experincia inovadora de atuao no cenrio poltico, por serem
efetivamente organizaes da sociedade propriamente civil.
Ao contrrio de outras organizaes importantes, como as CEBs, que
vinculadas igreja e com estreitas ligaes partidrias, adotam uma nova
configurao classista: tem profunda desconfiana de toda institucionalizao que
escape ao controle direto das pessoas implicadas; alargam a noo de poltica,
politizando as mltiplas esferas do cotidiano, mas; focadas para interesses
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especficos, para um local especfico ou segmento especfico; procuram atuar de
forma objetiva e pragmtica para atingir estes interesses.
Acabaram por colocar os partidos na condio de incapazes de cobrir
sozinhos todo o espao da poltica, tirando-lhes parte da substncia, na medida em
que no do conta dessa realidade. (CARDOSO, 1995)Boaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer demonstram que a grande
participao dos movimentos sociais nos processos de redemocratizao no Brasil e
noutras experincias democrticas recentes dos pases do sul vem apresentar um
panorama de mudana das relaes estado-sociedade. Mais acentuadamente que
nos pases centrais, que efetivamente tem uma forte organizao da sociedade civil,
estas organizaes no Brasil, mesmo sendo menos numerosas, tem assumido papel
mais destacado no campo poltico em geral (SANTOS & AVRITZER, 2002), e vem
dando novas dimenses nesta relao do estado com a sociedade, tornando-a ainda
mais rica e complexa.
Este grande avano na formao e estruturao do terceiro setor est
certamente constituindo uma nova esfera pblica no-estatal que talvez esteja
reconfigurando as relaes de fora e diminuindo a centralidade que o Estado em
nosso pas ainda tem (MARQUES, 2000). Em estudos de casos, como o da pesquisa
sobre a experincia de Valente-BA (NASCIMENTO, 2000) nota-se que o Estado teve
papel absolutamente perifrico.Porm, parece no ser esta a realidade para a grande maioria dos
pequenos municpios. Em nossa pesquisa, flagrante a ausncia de atores novos, de
organizaes civis. Absoluta ainda a centralidade do Estado, e mais
especificamente a centralidade das prefeituras nos processos. Esto fortemente
presentes tambm as outras esferas de governos, estadual e federal, e todas as
etapas da poltica estudada ocorrem dentro do mbito estatal.
Na cidade de Ilicnea foi de grande importncia o sindicato de trabalhadores
rurais e o Partido dos Trabalhadores. No entanto no so atores novos, sob o ponto
de vista das cincias sociais e polticas. Mas de fato so atores incomuns para
municpios como estes, o que bastante relevante. Inclusive a Usina de Lixo (4) desta
cidade que apresenta melhores resultados e teve menos custo de implantao.
4 Estudamos vrios casos de implantao de Usinas de Lixos no Sul Minas Gerais.
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Nos demais, a sociedade civil se estrutura apenas em suas expresses
tradicionais, como famlia e Igreja, sendo que mesmo em Ilicnea, tanto sindicato,
quanto partido poltico se organizaram a partir da ao da Igreja, atravs dos crculos
bblicos. Neste caso, estava presente um proco militante da Teologia da Libertao.
Porm nestes municpios o mais comum a presena de procos tambmtradicionais.
Encontramos tambm em Paraguau uma experincia autnoma que passa
por uma consolidao da condio de parceira do poder pblico. Mas trata-se da
iniciativa de uma nica pessoa e suas motivaes iniciais esto ligadas ao
assistencial da Igreja.
Em Brumadinho percebemos que h efetivamente uma organizao da
sociedade civil que de fato o cerne do trabalho e seu sustentculo: o Frum
Municipal Lixo e Cidadania. Mas trata-se de municpio da regio metropolitana de
Belo Horizonte e a constituio do trabalho e do frum se deu em funo da ao
direta de agentes externos. Mas este fato para ns importante e queremos voltar a
ele mais adiante.
4. NOVAS ESTRATGIAS NA GESTO LOCAL
Idias recentes a respeito do desenvolvimento, no apenas do setor pblico,mas das sociedades em geral, vem consolidando a necessidade de se promove-lo a
partir do mbito local e de forma integrada e sustentvel. Elas apontam para novas
estratgias de gesto local, no apenas do setor pblico, mas das sociedades locais
como um todo.
Idias de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentado (ou simplesmente
DLIS), esto presentes nas premissas da Agenda 21 e da Agenda Habitat, e so
uma espcie de paradigma da atualidade, em plena fase inicial (ONU, 1995).
Em 1998, aps a 8 Rodada de Interlocuo Poltica do Conselho da
Comunidade Solidria, concluses importantes a este respeito foram elaboradas e o
conceito de DLIS foi exposto da seguinte maneira:
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um novo modo de promover o desenvolvimento que possibilita o
surgimento de comunidades mais sustentveis, capazes de: suprir suas
necessidades imediatas, descobrir ou despertar suas vocaes locais e desenvolver
suas potencialidades especficas e fomentar o intercmbio externo aproveitando-se
de suas vantagens locais. (FRANCO, 1999)
Os argumentos para que se volte esfera local e que seja ali o lcus
principal do desenvolvimento so que na esfera local os problemas so mais bem
identificados e seria mais fcil encontrar solues; que da proximidade das
comunidades ao seu meio pode-se melhor aproveitar as habilidades e
potencialidades; que se garantiria de melhor forma a continuidade das aes pela
existncia de maior controle social.
Mas para tal, afirmam, as regies e localidades devem desenvolver uma
capacidade endgena de exercer sua interdependncia (FRANCO, 1999).
Sobre as polticas pblicas, afirma:
O Desenvolvimento Local Integrado e Sustentado exige um novo sistema
de gesto de polticas pblicas que exercite o novo paradigma da relao entre
estado e sociedade (articulao, descentralizao, parceria, transparncia, controle
social, participao) e a integrao das polticas pblicas, entre elas a polticamacroeconmica, polticas setoriais e polticas sociais, incluindo a articulao entre
as diversas instncias dos governos federal, estadual e municipal. Isso quer dizer que
as polticas pblicas devem ser concebidas e implementadas de baixo para cima,
orientadas pelos grandes objetivos e estratgias nacionais e que estejam a servio
do desenvolvimento local (FRANCO, 1999)
Mais especificamente sobre a participao do poder local:
No se advoga que o Estado, na sua manifestao local, seja o nico
provedor e empreendedor. Contudo, a ele cabe o papel estratgico e insubstituvel de
apoiar, promover e regular os processos de proviso de bens e servios bsicos e de
promover o desenvolvimento mas embora caiba aos prefeitos, no quadro
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institucional atual, o papel de gestores das polticas desenvolvidas em seus
municpios, o DLIS aponta para novas formas, mais compartilhadas com a sociedade,
de conduo de processos pblicos que contribuem para o desenvolvimento.
(FRANCO, 1999).
Assim, afirmam que o DLIS requer para sua viabilizao, a parceria entre
Estado, mercado e sociedade civil. Seria preciso obter uma sinergia entre a atuao
destas trs esferas. As parcerias tenderiam a criar crculos virtuosos, ou seja, laos
de realimentao positiva.
Identificam tambm a necessidade de encarar a questo do local no
exatamente coincidente com a diviso poltico-territorial existente em nosso pas,
reconhecendo que esta diviso absolutamente arbitrria sob a tica do
desenvolvimento:
O DLIS exige, e exigir cada vez mais, uma nova distribuio espacial do
desenvolvimento, questionando a atual diviso territorial poltico-administrativa do
pas. Que deixa de captar e dinamizar vocaes e dificulta a integrao regional. As
exigncias da sustentabilidade colocam a necessidade de pensar e praticar o
desenvolvimento em microrregies ecossociais mais homogneas, definidas a partir
da combinao de critrios humano-sociais com critrios ambientais. (...) Nascondies atuais possvel e desejvel trabalhar com consrcios intermunicipais (...)
e nesses consrcios, mais uma vez, destaca-se o papel dos prefeitos como
protagonistas de todo o processo. (FRANCO, 1999)
Quanto ao financiamento, defendem que o DLIS exige a transferncia de
recursos exgenos e a mobilizao de recursos endgenos, tanto pblico quanto
privados:
Os recursos de que dispe uma localidade em geral no so aproveitados
como insumos ao desenvolvimento. Esses recursos (...) no podem, nem deve, ser
compulsoriamente arrecadados como impostos, mas podem e devem ser mobilizados
e canalizados por meio de processos participativos. (...) O segredo aqui est em
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adotar um novo modelo de gesto participativa e um novo processo poltico local de
governana mais compartilhada. (FRANCO, 1999)
Agora sob a questo do conhecimento, das habilidades tcnicas,
reconhecem a dificuldade de se encontrar expertise em mbito local, principalmentenas prefeituras, e a necessidade da presena de agentes exgenos para
desencadear processos. Mas estes no teriam sucesso sem a participao em
nmero muito maior de agentes internos. Assim, faz-se necessrio a capacitao dos
agentes locais, governamentais ou no, sendo que esta capacitao no seria
apenas treinamento para reproduo de habilidades, mas tambm um processo
dialgico, criativo, participativo, crtico, holstico e formativo, servindo ainda como elo
entre o local e o global. (FRANCO, 1999)
Devido absoluta necessidade de uma efetiva participao da sociedade
neste processo, afirmam, por fim, a necessidade de despertar a populao,
utilizando-se estratgias de marketing e comunicao social, procurando alm de
uma conscientizao de fundo da populao em geral, criar cmplices.
Augusto de Franco (FRANCO, 1999), admite que existe uma
fundamentao terica razoavelmente consistente, uma filosofia do DLIS, porm as
experincias conhecidas de implantao desses novos modelos ainda so isoladas.
Nossa pesquisa de campo vem confirmar esta realidade, ou seja, o quo distanteainda esto estas idias da realidade dos pequenos municpios. Porm tambm
revela o quo necessrio so estas idias para que as polticas pblicas sejam mais
efetivas nestas localidades.
Outros autores, no entanto, tem demonstrado que a gesto pblica, e mais
especificamente a gesto local, vem gradualmente tomando rumos novos, em que
efetivamente novos atores tem entrado em cena atravs de parcerias com o poder
pblico para produo de polticas, que a populao j vem sendo chamada para
participao direta em questes como o oramento, e que as prefeituras comeam a
se unir em associaes e consrcios.
Peter Spink (SPINK, 2002), por exemplo, debruando-se sobre o programa
da FGV e Fundao Ford, que desde 1996 visa identificar e disseminar iniciativas
inovadoras de governo subnacionais que impliquem em melhoria dos servios
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pblicos e impacto positivo na construo da cidadania, constatou uma srie de
mudanas relevantes.
No tocante forma de organizao, ou seja, de elaborao, implantao
operacionalizao as novidades so: a preocupao com a transparncia e/ou
participao, atravs de quiosques eletrnicos, reunies, oramento participativo;maior foco em aes setoriais e no em grandes aes integradas; a formao de
consrcios municipais e presena de organizaes de diferentes esferas de governo
e da sociedade civil na elaborao e execuo das aes; tentativas locais de criar
fruns voluntrios para mobilizao de recursos e preocupaes, em substituio aos
modelos de cima para baixo; e nova arquitetura social baseada em arranjos
mltiplos entre organizaes quebrando por vez o centralismo, constituindo-se
alianas entre organizaes:
Sobre este ltimo aspecto, verificou que so muitos os tipos de
organizaes envolvidas e no somente o que se tem chamado de ONGs. Esto
presentes igrejas, associaes, cooperativas, comrcio, clubes, sindicatos, etc.
Tambm so quase absolutas as alianas com outras agncias de governo.
Em nossos casos, apesar da prtica geral ainda distante de todo este
iderio, tambm observamos a presena de alguns aspectos apontados na literatura.
Se no se fizeram presentes aspectos como parcerias com a sociedade civil
local, participao popular, transparncia, controle social, consrcios, esto presenteselementos como parceria com outras esferas de governo e ao de elementos
exgenos que induzem processos no municpio (no caso a definio pela soluo
Usina de Lixo) e capacitam tecnicamente elementos locais.
Porm estes dois fatos ao contrrio de indicarem que se iniciou um
processo de mudana da prtica poltica, na verdade se fazem presentes pela
reproduo de aspectos ainda perversos da dinmica local e da relao entre os
entes federativos.
As parcerias com outras esferas de governo se deram em condies nada
paritrias. No caso em que se fez presente a esfera federal, isto se deu por
motivao de emendas parlamentares que ao garantirem recursos alocados na
SEDU (Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidncia da Repblica)
automaticamente levaram ao o setor de desenvolvimento urbano da Caixa
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Econmica Federal, por fora do convnio deste rgo com a SEDU. Esta maneira
de envolvimento da instncia federal se deu, portanto, via mediao ao estilo
clientelista, em que o deputado detm os acessos no mbito federal e com isto
assegura sua posio de intermediador necessrio, induzindo o poder local a retribui-
lo com apoio que se materializa em votos oriundos do municpio. No caso da esferaestadual, isto tambm ocorreu, mas tambm vimos, no caso de Divisa Nova, este
ente agir em absoluta discordncia com os princpios do DLIS e das novas
estratgias de gesto pblica, induzindo de forma nada democrtica, nada paritria, a
adoo da soluo Usina. Deu-se a implantao da poltica de resduos slidos de
cima para baixo e no de baixo para cima, como prevem as novas abordagens.
Outra presena estadual em todos os casos estudados foi a do rgo ambiental, que
teve atuao apenas como fiscalizador impessoal, portanto numa relao no-
paritria.
Quanto atuao de elemento exgeno, a Universidade Federal de Viosa,
se deu tambm de forma no paritria. Apesar de formalmente tratar-se de uma
consultoria e, portanto, de uma relao formal horizontal, a maneira como esta
instituio atuou nos vrios processos foi de simplesmente carrear as suas idias pr-
concebidas, adaptando-as minimamente conforme condies puramente tcnicas de
terreno, volume e caracterstica do lixo, por exemplo. Assim, por fora das limitaes
da viso da comunidade sanitarista, da qual faz parte o LESA-UFV, compostabasicamente de engenheiros que por formao no compreendem o mundo poltico e
tendem a simplificar as questes reduzindo-as a aspectos tcnicos considerados
neutros e universais, oportunidades de uma construo social slida da poltica foram
perdidas, na verdade sequer imaginadas, por no fazerem parte do mundo desta
comunidade.
Estivessem presentes na construo desta poltica, elementos da
comunidade social e da comunidade ambientalista, ligada questo dos Resduos
Slidos, e formando uma equipe multidisciplinar, as solues poderiam ter sido
outras, ou se implantada a soluo Usina, teria ocorrido um processo mais
abrangente sob o ponto de vista social e poltico co possibilidade de sucesso e
desempenho maiores.
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Os dois aspectos presentes nos casos estudados, aparentemente afinados
com as novas propostas de gesto pblica local, so na verdade retratos da
dependncia dos pequenos municpios em relao aos recursos externos, sejam
financeiros, sejam tcnicos e desnudam como as esferas estaduais e federal se
encontram ainda despreparadas, desintonizadas com o papel que deveriamdesempenhar num contexto de DLIS.
A este respeito, a propsito, a citada 8 reunio do Comunidade Solidria
em 1998 (FRANCO, 1999), concluiu que esfera federal caberiam aes como a
definio de diretrizes nacionais; de mtodos, procedimentos e instrumentos
genricos; das formas de financiamento atravs de programas, contrapartidas, fontes
alternativas; de alternativas de capacitao dos agentes; dos mecanismos de
sustentabilidade a serem procurados e; das formas de monitoramento e avaliao.
Ou seja, constituindo algo como termos de referncia, mas deixando s esferas
locais apresentao das propostas que contariam com o apoio do Governo Federal.
Tambm caberia a esta instncia definir reas prioritrias para as primeiras
experincias-piloto; selecionar projetos; acompanhar e avaliar tais experincias; rever
as diretrizes nacionais; aperfeioar os procedimentos; direcionar e flexibilizar os
procedimentos burocrticos; divulgar resultados e; contribuir para a disseminao de
processos.
As Usinas que contaram com verbas da SEDU teoricamente participaram deprograma genrico, o PASS, em que composies de contrapartida esto definidas,
normas gerais esto estabelecidas, etc. conforme prope o Conselho do Comunidade
Solidria H um avano, j que no saem da Secretaria de Desenvolvimento Urbano
da Presidncia da Repblica projetos acabados que deveriam ser implementados, ou
seja, dando espao para a descentralizao. Tambm a utilizao da Caixa como
instrumento de acompanhamento e fiscalizao da implantao, tanto no aspecto de
engenharia, como no aspecto social (uma vez que as Representaes de
Desenvolvimento Urbano desta empresa possuem tcnicos nestas reas) um
grande passo. Mas as diretrizes dos programas deveriam adentrar-se mais na
questo da construo social das polticas, os contratos de repasse deveriam permitir
o tempo necessrio para isto e os tcnicos da Caixa deveriam receber treinamento
para auxiliarem neste processo de forma paritria e democrtica, prestando
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assessoria e no apenas assumirem postura de fiscais, j que a fiscalizao pura,
nos moldes estabelecidos para o controle do Estado so feitos por auditores. Atravs
da Caixa, aproveitando sua capilaridade, poderiam ser dados tambm treinamentos
para tcnicos municipais.
5. APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA (5)
Na atualidade, a democracia aparentemente tornou-se um axioma no que
diz respeito forma de governar.
No entanto, o prprio conceito de democracia no unnime, e se hoje, ao
nos referirmos ao termo, nos vem de imediato mente uma idia que parece ser a
nica possvel, isto se deve vitria de uma concepo que vem sendo chamada de
modelo hegemnico de democracia.
Na realidade, ocorreu, e ainda ocorre, um debate e mesmo uma disputa em
torno da questo democrtica. Este debate se deu basicamente em torno de dois
eixos: a desejabilidade da democracia e quais seriam suas condies estruturais.
Quanto ao primeiro ponto, o debate parece efetivamente ter sido resolvido a
favor da desejabilidade, ou seja, a deciso de que a democracia era o modo de
governo mais apropriado.
Porm, quanto ao segundo eixo, o debate sempre foi muito grande e a idiade democracia encontrou mais de uma resposta, tais como a democracia liberal
(esta, a hegemnica), a democracia popular do leste europeu, a democracia
desenvolvimentista dos pases recm emancipados e a democracia participativa.
No perodo da guerra fria esta disputa polarizou-se muito em torno da
questo do sistema econmico, com as posies antagnicas entre leste e oeste bem
demarcadas. Enquanto os pases capitalistas s viam democracia na liberdade de
expresso, no pluripartidarismo e na representao, os socialistas focavam mais a
estrutura produtiva e somente consideravam que democracia efetiva acontecia
quando a relao capital/trabalho fosse democratizada, ou seja, quando o sistema de
produo, e conseqentemente de poder real, estivesse nas mos do povo. Assim, a
concepo marxista de democracia caracterizava-se por uma forte soberania popular
5 Esta seo foi elaborada fundamentalmente com base em SANTOS &AVRITZER (2002)
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associada a um contedo de sociedade, enquanto a concepo liberal via a
democracia apenas como um mtodo poltico.
Mas tambm no ocidente, no caso a Europa, percebia-se a existncia de
uma tenso entre democracia e capitalismo, tendo, por exemplo, A. Przeworski (6)
mostrado as virtualidades distributivas da democracia e a tendncia dos pasesdemocrticos caminharem para a social-democracia, com limites propriedade e
distribuio de renda. A soluo encontrada para controlar esta tenso, uma vez que
o capitalismo no seria questionado, foi a priorizao da acumulao de capital em
relao distribuio e a limitao da participao cidad para no sobrecarregar o
regime com demandas sociais que ameaassem a acumulao. Interessante notar
que estas idias esto em consonncia com o paradigma ocidental de crescimento
econmico infinito, que hoje est sendo colocado em cheque, em funo da questo
ambiental.
Dessa forma chegou-se ao modelo que se tornou hegemnico e que se
caracteriza pelos seguintes aspectos: contradio entre mobilizao e
institucionalizao; valorizao positiva da apatia poltica (o cidado comum no tem
capacidade ou interesse de ir alm da escolha de lderes); debate focado nos
desenhos eleitorais; pluralismo apenas via partidos polticos e disputa entre elites;
soluo minimalista para a participao (discusso das escalas e complexidade).
Desde Max Weber, chegando a Bobbio (7
), conclui-se que a complexidadesocial contempornea exigia que as questes pblicas fossem tratadas por
especialista (tecnocratas) e tornava a participao dos indivduos na poltica
indesejvel. Haveria ento a inevitabilidade da perda de controle sobre o processo de
deciso poltica e econmica pelos cidados e seu controle crescente pela
burocracia. O cidado ao fazer opo pela sociedade de consumo de massa e pelo
estado de bem-estar social saberia que estaria abrindo mo do controle sobre as
atividades polticas e econmicas em favor da burocracia.
Sobre a maneira de exercer a democracia na grande escala, concluiu-se
que o caminho nico era a da representao. Robert Dahl (8) cunhou uma quase-
equao ao afirmar que quanto menor a unidade democrtica menos necessidade de
6 Citado em SANTOS & AVRITZER (2002)7 Idem8 Idem
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delegar, quanto maior a unidade, maior ser a capacidade de lidar com problemas
relevantes e maior a necessidade de delegar. Dentro desta linha de pensamento,
surge o conceito de autorizao , como fundamento para a representao,
argumentando-se em primeiro lugar, que haveria o consenso dos representantes em
torno desta forma de constituio de governos, em substituio aos sistemas derodzio e sorteio, e em segundo lugar, que as formas de representao teriam a
capacidade de expressarem as diferentes opinies da sociedade, tendo Stuart Mill (9)
expressado a idia de que a assemblia seria uma miniatura do eleitorado. Com
estas duas justificativas, julgava-se que os governos constitudos pelo sistema
eleitoral isonmico eram absolutamente respaldados.
Porm estas respostas nunca deixaram de ser questionadas. No h como
firmar que as eleies so suficientes como autorizao por parte dos cidados,
tampouco que os procedimentos de representao esgotam a questo da
representao da diferena, ou seja, de mltiplas agendas e identidades. Isto se
coloca de modo mais agudo em pases com maior diversidade tnica, naqueles que a
diversidade de interesses se choca como particularismo das elites e entre grupos que
tem maior dificuldade de ter seus direitos reconhecidos. Estas, em conjunto com a
questo da prestao de contas, so as dimenses que ficam mal resolvidas, quando
se associa a representao apenas a uma questo de escala.
Alm disso, no tocante burocracia, nota-se que os problemasadministrativos exigem cada vez mais solues plurais com coordenao de grupos
distintos. Por isso, o conhecimento detido pelos atores sociais passa a ser
fundamental e as burocracias centralizadas no conseguem lidar com tanta
complexidade, o que vem proporcionando o surgimento de tentativas de re-insero
de arranjos participativos para proporcionar a transferncia de contedos e
experincias da sociedade para a administrao pblica.
Tambm h a mudana de panorama para o exerccio da democracia, que
vem pondo em cheque o modelo hegemnico: a degradao das prticas
democrticas e a patologia da participao observada no grande absentesmo nas
eleies; a patologia da representao, com os cidados sentindo-se mal
representados; o fim da guerra fria que rompe a polarizao entre democracia
9 Idem
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popular e liberal; e a globalizao, que paradoxalmente vem estimulando o poder
local e a recuperao de tradies participativas mais antigas.
Por outro lado, proposies contra-hegemnicas, contemporneas
hegemnica, e que tambm se ligam ao procedimentalismo kelsiano, mas evoluindopara outras concluses, no deixaram de ser colocadas na segunda metade do
sculo XX. So idias encontradas em Lefort, Castoriadis, Habermas, Lechner, Nun e
Bron, por exemplo (10). A democracia vista como uma gramtica histrica, de
organizao da sociedade e da relao entre o Estado e a sociedade (e no apenas
uma engenharia institucional e nem fruto de algum tipo de lei natural). Negam as
formas homogeneizadoras e reconhecem a pluralidade humana, procurando, no dizer
de Silvio Caccia Bava (BAVA, 2002), recuperar a noo de processo histrico e o
reconhecimento que o fundamental no desenho das sociedades a ao coletiva dos
seus cidados.
Para alm do mbito terico, nesta ltima dcada do sculo, alguns pases
do sul experimentaram ou continuam experimentando modelos alternativos que vo
alm do modelo hegemnico e resgatam a idia da democracia participativa. So
pases como Portugal, Brasil, Moambique, ndia, frica do Sul e Colmbia. De todos,
destacam-se as experincias do Brasil e da ndia.
No Brasil, muitas formas de participao direta tm sido experimentadas,como por exemplo, o Bolsa-escola do Distrito Federal (em que os pais participavam
do processo democrtico das escolas); as creches comunitrias de Porto Alegre (em
que os pais participam da deliberao interna das creches); os fruns de finanas e
tributos de Vitria da conquista/BA (atravs dos quais conseguiu-se o aumento de
arrecadao e o aumento de confiana da populao); as associaes de usurios do
transporte coletivo de Santo Andr/SP (que participaram da regulao do sistema de
transporte e da insero da prefeitura no servio), etc, etc. No entanto a experincia
mais profunda, abrangente e difundida a do Oramento Participativo, presente hoje
em cerca de 140 municpios.
Surgida da vontade poltica de um partido no poder (PT), inicialmente em
Porto Alegre, tem como principais caractersticas: 1) a participao aberta a todo
10 Citado em SANTOS & AVRITZER (2002)
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cidado sem qualquer status especial, atravs de assemblias regionais nas quais a
participao individual; 2) a combinao entre democracia representativa e
participativa. (Com os prprios participantes definindo as regras); e 3) a alocao de
recursos para investimentos com base em critrios gerais e tcnicos, gerando
princpios distributivos para reverso de desigualdades.Estas novas experincias democrticas trouxeram tona novamente as
questes envolvidas no debate estruturalista da democracia. Percebem-se as
possibilidades de mudana das relaes estado-sociedade; a capacidade dos atores
sociais e sua contribuio com prticas e informaes para a administrao
(burocracia); e ainda como efetivamente os grupos mais vulnerveis socialmente no
conseguem que seus interesses sejam representados com a mesma facilidade dos
setores majoritrios, da o necessrio engajamento destes grupos via instncias
participativas.
Se houve perda daquilo que Boaventura de Souza Santos chamou de
demodiversidade (SANTOS & AVRITZER, 2002), ao final do breve sculo XX
(HOBSBAWM, 1995), esta, que seria a coexistncia de vrias formas democrticas,
parece ressurgir com as novas experincias. No se pode negar que a democracia
tem efetivamente um valor intrnseco, estando inserido numa matriz cultural, que a
modernidade ocidental. Mas pode e deve dialogar com outras culturas, o que
proporciona, como no caso da ndia, novas formas de exerccio democrtico. Se istoprevalecer, a riqueza da prtica democrtica poder crescer rapidamente. E no pode
ser de outra maneira, pois a vontade de impor o modelo hegemnico, como vem
acontecendo com os Estados Unidos e com agncia de fomento internacional,
representa uma absoluta incoerncia com o prprio ideal democrtico e se torna sua
anttese: imperialismo.
A globalizao no modelo neoliberal, assim como a democracia
hegemnica, so hostis participao e quando aceita, o apenas em nvel local.
A novas experincias vem mostrando a possibilidade de outro tipo de combinao
entre democracia representativa e participativa, que no seja apenas a coexistncia
da participativa em nvel local com a representativa em nvel nacional. Mostram uma
articulao mais profunda: o reconhecimento pelo governo de que o
procedimentalismo participativo pode substituir parte do processo de representao e
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deliberao. Se quisermos uma globalizao contra-hegemnica, esta deve passar
pela articulao transnacional entre diferentes experincias de democracia
participativa, o que traz a possibilidade de aprendizagem recproca e contnua,
requisito essencial para o xito das prticas democrticas de alta intensidade.
Para Silvio Caccia Bava (BAVA, 2002), muitas questes ainda permanecemsem resposta ou necessitando de maior aprofundamento dentro do universo da
participao, como por exemplo, como medir os resultados e quais resultados medir
para identificar as iniciativas que so, de fato, contribuies importantes para o
desenvolvimento humano sustentvel, indo alm da retrica de seus promotores?.
Mas preciso experimentar. Tentar novas formas e aprender com a
experincia. Foi assim que os exemplos bem sucedidos puderam surgir. Mas
preciso estar atento para que no ocorram nem cooptao, nem perverso no
processo, situaes piores que a hostilidade direta. A cooptao j vem ocorrendo no
Brasil, com setores das elites utilizando bandeiras participativas como marketing
poltico para no fundo manter tudo como est. A perverso tambm perigo
constante. Ela ocorre quando se burocratiza a participao, quando se reintroduz o
clientelismo dentro da dinmica, quando h a instrumentalizao partidria e quando
h a excluso sutil de interesses, via manipulao das instituies participativas ou
pelo simples silenciamento.
Trata-se de um processo de ruptura e, conforme nos aponta Bava (BAVA,2002), uma ruptura que aponta para um cenrio em que, havendo maior controle da
sociedade civil sobre governos, haver o fim do uso privado dos recursos pblicos,
bem como a configurao de novos espaos pblicos de negociao e uma forte
descentralizao de poder. Na verdade uma profunda redefinio dos valores
governo-sociedade. Trata-se de um aprofundamento ou uma radicalizao da
democracia, ou no dizer de Santos, de democratizar a democracia.
uma possibilidade de resgate de ideais libertrios que estavam sendo
colocados como enterrados no contexto de uma aparente unanimidade e uma
suposta fatalidade neoliberal. Por esse motivo, segundo nos mostra tanto Bava
(BAVA, 2002) quanto tarso Genro (GENRO, S/D), os governos liderados pelos
partidos afinados com estes ideais devem observar que sua principal prioridade tem
que ser o fortalecimento da capacidade dos cidados de autogovernar-se. No
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podero ser polticas de atendimento s necessidades materiais dos cidados, por
mais importantes, urgentes e necessrias sejam elas. No que no devam ser feitas,
mas no devem ser o cerne do pensamento poltico. Por esta tnica que
poderemos reconhecer o bom governo. Agindo de outra forma, como se
julgssemos naturais a pobreza e a desigualdade, a separao entre poltica esociedade e entre a lgica de mercado e as lgicas humana e cidad, pois no
estaramos promovendo mudanas estruturais, culturais e societais, e sim, mantendo
o status quo.
Infelizmente as prticas polticas vigentes hoje nos pequenos municpios, ao
menos na regio estudada, so antagnicas a estas novas concepes. E
percebemos como estas novas prticas poderiam ser extremamente positivas para
estas localidades.
Por se tratarem de comunidades pequenas, temos a tendncia a acreditar
que a vivncia comunitria, a participao, a construo coletiva seriam muito mais
fceis de ocorrer e muito mais simples de acontecer. Porm impera um estado de
apatia participacional e uma enorme centralidade do Estado, na figura das
prefeituras, por mais sejam elas incapazes de sozinhas atenderem s suas prprias
demandas, precisando recorrer a outras esferas de governo.
Porm, em concordncia com os postulados do DLIS, notamos ser
absolutamente necessrio que comece uma transformao das prticas polticasnestas localidades, caso se queira de fato leva-las a um desenvolvimento
sustentvel, o que inclui as polticas pblicas.
Mas devido enorme inrcia cultural a ser vencida, acreditamos, como
Augusto de Franco e como j constatava Pedro Jacobi (FRANCO, 1999, S/D e
JACOBI, 1989), na necessidade de agentes externos catalisando potencialidades e
estimulando transformaes.
Em nossos casos, vimos isto acontecer em Ilicnea, com a ao da Igreja
atravs dos Crculos Bblicos e em Brumadinho, com a ao da UNICEF atravs da
SEMAD, com participao da ASMARE.
Um Governo Federal afinado com os princpios aqui colocados, ciente das
responsabilidades de realizar um bom governo, conforme definiu Tarso Genro,
precisar criar instncias e mecanismos para fomentar estas prticas por toda parte e
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saber aproveitar suas instituies j existentes e de alta capilaridade, como o caso
da Caixa Econmica Federal, para iniciar um grande processo de mudana neste
pas, a partir das pequenas localidades, potencialmente ricas em coletividade, de
forma respeitosa, democrtica, mas resoluta.
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