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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PPGE/UFES MESTRADO EM EDUCAÇÃO POLLYANA DOS SANTOS “FAZENDO A CABEÇA”: PROCESSOS DE (TRANS)FORMAÇÃO DE JOVENS EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE/UFES MESTRADO EM EDUCAÇÃO

POLLYANA DOS SANTOS

“FAZENDO A CABEÇA”:

PROCESSOS DE (TRANS)FORMAÇÃO DE JOVENS

EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

VITÓRIA 2008

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POLLYANA DOS SANTOS

“FAZENDO A CABEÇA”:

PROCESSOS DE (TRANS)FORMAÇÃO DE JOVENS

EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação, na área de concentração História, sociedade, cultura e políticas educacionais. Orientador: Prof.ª Dr.ª Luiza Mitiko Yshiguro Camacho.

VITÓRIA 2008

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Santos, Pollyana dos, 1983-

S237f Fazendo a cabeça : processos de (trans)formação de jovens em

cumprimento de medida socioeducativa de internação / Pollyana dos

Santos. – 2008.

203 f. : il.

Orientadora: Luiza Mitiko Yshiguro Camacho.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação.

1. Juventude. 2. Infrações. 3. Socialização. I. Camacho, Luiza Mitiko

Yshiguro. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação.

III. Título.

CDU: 37

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POLLYANA DOS SANTOS

“FAZENDO A CABEÇA”:

PROCESSOS DE (TRANS)FORMAÇÃO DE JOVENS

EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA

SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Dissertação apresentada ao Curso

de Mestrado em Educação da

Universidade Federal do Espírito

Santo como requisito parcial para

obtenção de Graus de Mestre em

Educação.

Aprovada em 05 de março de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Luiza Mitiko Yshiguro Camacho Universidade Federal do Espírito Santo

Prof.ª Dr.ª Janete Magalhães Carvalho Universidade Federal do Espírito Santo

Prof. Dr. Lídio de Souza Universidade Federal do Espírito Santo

Prof.ª Dr.ª Olga Celestina da Silva Durand Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................17

1 JUVENTUDES: DA VIOLÊNCIA À POLÍTICA DE ATENDIMENTO E AO

PROCESSO DE (TRANS)FORMAÇÃO...............................................................22

1.1 DE QUE JUVENTUDE ESTAMOS FALANDO?...................................................22

1.1.1 A juventude como construção sócio-cultural..............................................22

1.1.1-1 Discutindo a condição juvenil e as situações juvenis.....................................29

1.1.1-2 A condição juvenil atravessada pela situação de gênero..............................34

1.2 TECENDO CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA......................................36

1.2.1 A ética como “antídoto” para a violência.....................................................43

1.3 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO A JOVENS EM CONFLITO COM A LEI NO

BRASIL.................................................................................................................48

1.3.1 A política de atendimento a crianças e adolescentes em conflito com a lei

no Espírito Santo – 1967-2007........................................................................53

1.4 PROCESSOS DE FORMAÇÃO: AS SOCIALIZAÇÕES, O HABITUS E AS

EXPERIÊNCIAS JUVENIS...................................................................................56

2 O CAMINHO DAS PEDRAS: SE FOSSE FÁCIL ENCONTRÁ-LO, TANTAS

PEDRAS NO CAMINHO NÃO SERIA RUIM .........................................................66

2.1 O CAMINHAR DA PESQUISA.............................................................................66

2.1.1 Da pesquisa idealizada à pesquisa realizada...............................................72

2.2 MAPEANDO O ESPAÇO DA PESQUISA ...........................................................76

2.3 QUEM SE ESCONDE ATRÁS DOS MUROS? OS SUJEITOS DA PESQUISA..82

2.3.1 As jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação.....87

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2.3.2 As jovens falam sobre si mesmas.................................................................94

2.3.3 As jovens sob a ótica dos funcionários........................................................98

3 DO PRESCRITO AO VIVIDO: A PROPOSTA PEDAGÓGICA E O DIA-A-DIA DA

INSTITUIÇÃO DE INTERNAÇÃO............................................................................102

3.1 A PROPOSTA PEDAGÓGICA DA INSTITUIÇÃO.............................................102

3.2 O DIA-A-DIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE INTERNAÇÃO.................................108

3.2.1 Sexta-feira .....................................................................................................114

3.2.2 As mudanças de rotina.................................................................................115

3.2.3 A rotina dos professores..............................................................................116

3.3 “TIRANDO CADEIA”...........................................................................................120

3.3.1 “Tirando cadeia” – brincadeiras e traquinagens........................................124

4 A VIDA POR DETRÁS DOS MUROS: AS EXPERIÊNCIAS JUVENIS, AS

VIOLÊNCIAS E OS PROCESSOS DE (TRANS)FORMAÇÃO..........................129

4.1 A CONDIÇÃO JUVENIL “DIXAVADA” NA SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE

LIBERDADE........................................................................................................129

4.2 AS REDES GRUPAIS........................................................................................136

4.3 AS VIOLÊNCIAS PRATICADAS E SOFRIDAS PELAS JOVENS EM CONFLITO

COM A LEI..........................................................................................................142

4.4 “FAZENDO A CABEÇA”: OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO QUE OCORREM

DURANTE A INTERNAÇÃO...............................................................................145

4.4.1 As relações instituição-jovem, jovem-instituição e jovem-jovem............150

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: JUNTANDO AS PEDRINHAS................................154

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6 REFERÊNCIAS ....................................................................................................161

APÊNDICES.............................................................................................................167

ANEXOS..................................................................................................................187

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Idade das jovens.......................................................................................84

Tabela 2 - Idade e tempo de internação das jovens em medida sócio-educativa de

internação...................................................................................................84

Tabela 3 - Relação idade-série escolar (anterior à internação) das jovens da

internação provisória..................................................................................85

Tabela 4 - Relação idade-série escolar (anterior à internação) das jovens da

internação...................................................................................................85

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Às “minas de responsa”, as quais pude enxergar como rosas

para além dos espinhos

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Florescer

Por: Sandra Mara Herzer (ex-interna da FEBEM)

Prantos a rolar

nas faces humanas já sem compreensão flores a secar

em terras perdidas sem amor irmão. E se um dia eu tivesse

o calor que aquece dores sem igual

e na noite encontrasse a miséria que nasce com o gosto do sal.

Sei que não compreendo sei que não mais entendo

as dores do mal. E se o céu me guardasse

das dores da face todas sem feitio.

Pintaria teu sangue e as flores do mangue

no meu céu de abril.

(HERZER, A Queda Para o Alto, 12ª edição, 1985)

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi construído por muitas mãos. Ao olhar para ele, enxergo um quebra-

cabeça em que cada peça representa alguém que partilhou comigo desse processo.

Assim, não poderia deixar de agradecer a todos os que participaram desta

“empreitada”.

À minha orientadora, professora Luiza Mitiko Yshiguro Camacho, agradeço,

primeiramente, pela firme condução deste trabalho, pelas orientações preciosas e

por seus ensinamentos. Meus agradecimentos se dirigem ainda ao trabalho

realizado por ela desde a iniciação científica, que dizem respeito não somente a

minha formação de pesquisadora, mas também de profissional da educação.

Aos professores Janete Magalhães Carvalho e Cláudio Luiz Zanotelli, pelas

importantes contribuições trazidas a este trabalho no Exame de Qualificação.

Aos professores das disciplinas cursadas no Programa de Pós-Graduação em

Educação PPGE/CE/UFES pelas aprendizagens e por suscitarem incômodos que

alimentaram em mim, e acredito que também em meus colegas, a busca por novos

conhecimentos. À professora Vânia Maria Monfroi e ao Programa de Pós-Graduação

em Política Social (Mestrado) por me acolher como aluna especial para cursar a

disciplina “Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos da Política Social”.

Aos funcionários do PPGE/CE/UFES pelo dedicado trabalho.

Ao professor Thimoteo Camacho, agradeço pela disponibilidade para discussões e

sugestões de leituras. Seus ensinamentos foram muito importantes para este

trabalho.

Aos colegas da turma 20 com os quais pude dividir conhecimentos da academia e

de vida, angústias e divertimentos. Em especial aos que me acompanharam com

maior proximidade, os colegas da linha de pesquisa, Maria das Dores, Charlini,

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Marcos “Peu”, Sérgio, Daniel, Marluce e André, muito obrigada pelo apoio de todas

as horas.

Ao grupo de orientandos da professora Luiza, meus companheir@s de orientação:

Sérgio, Luanna e Alessandro, agradeço pelas observações e discussões, que muito

contribuíram para a pesquisa e, ainda, pelas conversas que não cabiam à vida

acadêmica, que ajudavam a descontrair.

À Capes, pela bolsa concedida entre 2006 e 2008.

À professora Solange Corrêa Harckbart, minha tia querida, pela revisão cuidadosa

desta dissertação.

Ao Vítor e à Carla, pela tradução do resumo desta dissertação. Obrigada pelo

carinho com que vocês me ajudaram.

Aos amigos e às amigas tão queridos(as) pelas alegrias compartilhadas, pelo apoio

e pelo carinho com que me ofereceram não só o ombro amigo, como também os

braços e as mãos quando preciso.

Agradeço à Luiza e ao Thimoteo, por me apresentarem um mundo novo, pelo

carinho construído por laços de amizade “extra-academia” e pelo tanto que

acrescentaram à minha formação pessoal.

Ao meu namorado, Flávio, com quem tenho aprendido nestes poucos meses de

convivência o doce sentido da palavra “companheirismo”.

À minha irmã, Fabíola, pela carinhosa companhia, pelos cuidados a mim

direcionados e pela sua presença em todos os momentos deste trabalho.

À minha mãe, Aida e ao meu pai, Dante, pelos ensinamentos de vida e pelo amor

incondicional, que não mede esforços e que vê nas realizações das filhas, suas

realizações. A vocês, mais esta etapa. À minha mãe, especialmente, minha gratidão

por me contagiar com a sua paixão pela profissão docente.

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Meus agradecimentos finais se dirigem ao Instituto de Atendimento Sócio-Educativo

do Espírito Santo (IASES), que autorizou minha entrada como pesquisadora nas

unidades de internação. Aos(às) funcionários(as) da UNIS e da UFI: à direção da

Unidade Feminina de Internação (UFI), por autorizar a pesquisa naquele lócus; à

equipe técnica (gerente, sub-gerentes, psicólogos(as), assistentes sociais e

pedagogas), que se puseram à disposição para o desempenho do trabalho; aos(as)

assistentes de aluno, com quem convivi diariamente, sem o empenho dos quais não

teria sido possível circular por tantos espaços; aos(as) oficineiros(as) e aos(as)

professores, pela abertura de espaço para a realização da pesquisa e por me

acolherem em suas atividades de rotina, pelas contribuições trazidas a este trabalho

quando buscavam seus “jeitinhos” para que eu me aproximasse das/dos jovens,

pelos aprendizados frutos de nossas convivências diárias. E, em especial, às

“minas” e aos “manos” que participaram desta pesquisa, jovens com ricas vivências,

que permitiram ter suas histórias narradas neste estudo. Obrigada pela confiança

em mim depositada.

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A liberdade das flores

Por: Tereza, 25/06/2007 (interna da unidade feminina pesquisada)

Nesse momento queria ser como uma flor Pois ela é livre e pode curtir o ar da natureza

Esse ar nos transmite o ar da liberdade

Quando paro pra lembrar que as rosas têm espinhos Lembro que o espinho machuca

Penso que posso me comparar a uma rosa Ela é bonita e machuca

Nós erramos e podemos acertar

Os espinhos machucam Mas se você souber ver a beleza da flor

Ela não vai te ferir

Assim como nós Com o tempo aprendemos a ver nossa beleza

Mas nem sempre as pessoas conseguem enxergar essa beleza Acabam vendo só os espinhos

Se a pessoa não se aproxima com medo dos espinhos

Jamais verá a beleza da flor!

Num jardim você encontra vários tipos de flores Umas são amarelas, outras são brancas e nem todas são iguais

Nem todas são perfeitas

Vejo que nem mesmo as flores são perfeitas!

As flores podem nos mostrar que erramos e podemos acertar Elas não são completamente perfeitas

Nós seres humanos também não Assim como as flores têm espinhos e beleza

Nós temos qualidades e defeitos

Na natureza há vida nova para as flores Ela nunca é a mesma

Sempre nasce algo de novo nela e em nós também

Podemos mudar a nossa personalidade Às vezes para pior, às vezes para melhor

Se nós não tomarmos cuidado os espinhos tomam conta de nós Por isso devemos mostrar a nossa beleza

Podar os espinhos E as pessoas verem realmente a nossa beleza!

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RESUMO

Este estudo se volta para a análise dos processos de (trans)formação vivenciados

por jovens ao longo do cumprimento de medida socioeducativa de internação. Para

tal, buscam-se apreender experiências juvenis possíveis de serem vivenciadas por

jovens em situação de privação de liberdade bem como as relações estabelecidas

entre esses sujeitos e a instituição socializadora sob a guarda da qual se encontram.

Este trabalho tenta responder ao seguinte problema: Como ocorrem os processos

de formação das jovens que se encontram em privação de liberdade? Os sujeitos da

pesquisa são jovens, na faixa etária de 12 a 18 anos, em cumprimento da medida

socioeducativa de internação em uma unidade de internação feminina situada na

Região Metropolitana da Grande Vitória – ES. A pesquisa que inspira este estudo se

propôs a um trabalho quanti-qualitativo, cuja coleta de dados se deu por meio das

seguintes técnicas: consulta às atividades escolares produzidas pelas jovens;

consulta a documentos da unidade pesquisada; observação do cotidiano da

instituição; aplicação de questionários com questões abertas para assistentes de

aluno, equipe técnica, professores e jovens. As categorias teóricas trabalhadas são:

juventude, violência, socialização, habitus e experiência. Analisando a relação

instituição-jovem, pode-se observar que aquela se pauta na intenção de promover

uma socialização ou uma “re-socialização” das jovens a partir da incorporação das

normas e dos valores que as tornem “aptas” ao convívio social. Na relação jovem-

instituição, observa-se um movimento de resistência à função socializadora da

instituição. Percebe-se ainda um descrédito no que toca à escolarização como

caminho para uma melhoria de vida. Na relação jovem-jovem é possível notar a

construção de experiências entre as internas, ou seja, a existência de outros

processos de formação que acontecem no distanciamento das jovens em relação à

instituição. Esse descompasso entre a esfera institucional e o mundo juvenil

possibilita brechas para que esses processos se desenvolvam, nos quais a

instituição não consegue interferir e nos quais outras e novas redes de sociabilidade

são construídas.

Palavras-chave: Juventude. Medida socioeducativa de internação. Processos de

formação.

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ABSTRACT

This is a study directed towards the analysis of the processes of (trans)formation

lived by youngsters while going through socio-educational internment. To accomplish

that, we tried to grasp juvenile experiences suitable for young people in a situation of

freedom deprivation as well as the relationships established between these subjects

and the institution in which they are confined. This work tries to answer the following

question: How the formation processes of young female interns develop? The

subjects of the research are young women, between 12 and 18 years of age, going

through socio-educational internment measures in an female socio-educational

internment unit situated in the “Great Vitória” metropolitan region, in the state of

Espírito Santo, Brazil. The research that is behind this dissertation proposed a

quantitative and qualitative work, whose data collection was conducted using the

following techniques: analysis of school work done by the youngsters; analysis of the

documents of the socio-educational internment unit; observation of the day-to-day

activities of the institution; questionnaires with open questions to student assistants,

technical staff, teachers and youngsters. The theoretical categories that were

considered were: youth, violence, socialization, habitus and experience. Analyzing

the relationship between institution and youngsters, we could observe that it is based

on the intention of promoting the integration or “re-integration” of the young women

into the society by the incorporation of rules and values that will make them “apt” to

social relations. In the institution/youngster relationship, we observed a resistance to

the re-integration function of the institution. We also noticed a lack of belief on

schooling as a way for improving life. In the youngster/youngster relationship it is

possible to notice the construction of experiences among the interns, that is, the

existence of other formation processes that emerge from the distancing of the interns

from the institution. This disparity between the institutional sphere and the juvenile

world create opportunities for these processes to develop and, since the institution is

not able to interfere, new socialization networks are constructed.

Keywords: Youth. Socio-educational internment measure. Formation processes.

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INTRODUÇÃO

No cenário brasileiro, as políticas voltadas para crianças e adolescentes em conflito

com a lei flutuam entre o avanço representado pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) e as práticas contraditórias que se remetem, em sua maioria, aos

antigos Códigos de Menores. Assim, embora o Estatuto represente um marco na

garantia de direitos a esses sujeitos – principalmente quando se trata daqueles que

se encontram em conflito com a lei – as práticas nele prescritas parecem não ser

cumpridas em grande parte das instituições de internação.

Volpi (1999), Silva (2001), Soares (2005) consideram a existência de tais

incoerências no tratamento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei.

Esses autores apontam ainda para a existência de estratégias de criminalização da

pobreza. Silva (2001, p.12) destaca a:

[…] Desarticulação das políticas, ações isoladas, órgãos públicos que não assumem seu papel, profissionais acuados pelo desemprego atuando em condições completamente insatisfatórias e desmonte dos serviços públicos, são algumas das principais causas de um atendimento, salvo raras exceções, que ainda se faz sob a ótica do Código de Menores.

Em 15 de março de 2006, ocorreu, em 21 estados da Federação e no Distrito

Federal, a “Inspeção Nacional às Unidades de Internação de Adolescentes em

Conflito com a Lei”. A iniciativa partiu das Comissões de Direitos Humanos do

Sistema de Conselhos de Psicologia e das Comissões de Direitos Humanos e da

Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, em colaboração com

entidades e profissionais de outras áreas. As constatações presentes no relatório

caminham para a confirmação das incoerências apresentadas pelos autores acima

citados:

[…] ainda que com relatos diferenciados, o retrato que emerge desta Inspeção Nacional é de uma realidade muito semelhante: unidades superlotadas, projetos arquitetônicos semelhantes a presídios, presença de celas fortes e castigos corporais, ausência ou precariedade dos projetos

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sócio-educativos, desconhecimento por parte dos adolescentes de sua situação jurídica, procedimentos vexatórios de revista dos familiares por ocasião das visitas, adolescentes acometidos de sofrimento mental, dentre outros. (CONSELHO FEDERAL DA OAB, CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA , 2006, p.13)

Observa-se, em âmbito nacional e estadual, um aumento significativo do número de

jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Segundo a

matéria publicada no jornal “A Gazeta” de 15 de abril de 2007, 9.555 adolescentes1

cumpriam medida de internação no país no ano de 2002. Em 2006, esse número

aumentou para 15.426, como aponta o levantamento realizado pelo Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O artigo ainda traz

outros dados sobre as instituições socioeducativas de internação no Brasil:

366. Esse é o número de estabelecimentos que abrigam adolescentes cumprindo pena em todo o país. Segundo o Conanda, pelo fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente não ser claro quanto à aplicação das medidas educativas cada estabelecimento adota um critério. 100% dos estabelecimentos atingiram a lotação máxima, sendo que vários deles já a ultrapassaram. O déficit de vagas para cumprimento de medidas socioeducativas em regime fechado no país é de 3.396. (Jornal “A Gazeta”, 15 de abril de 2007).

No Espírito Santo, o número de jovens sob medida de internação cresceu de 122, no

ano de 2002, para 406 em 2006, cumprindo internação em regime provisório2 ou

definitivo. Nessa mesma reportagem, consta que “no Estado, 26 municípios têm

adolescentes internados nas unidades do Instituto de Atendimento Sócio-Educativo

do Espírito Santo (IASES)” (Jornal “A Gazeta”, 15/04/2007).

1 O documento do SINASE detalha esse número:

“Destes, 90%(noventa por cento) eram do sexo masculino; 76% (setenta e seis por cento) tinham idade entre 16 e 18 anos; 63%(sessenta e três por cento) não eram brancos e destes 97% (noventa e sete por cento) eram afrodescendentes; 51%(cinqüenta e um por cento) não freqüentavam a escola; 90% (noventa por cento) não concluíram o Ensino Fundamental; 49%(quarenta e nove por cento) não trabalhavam; 81% (oitenta e um por cento) viviam com a família quando praticaram o ato infracional; 12,7% (doze vírgula sete por cento) viviam em famílias que não possuíam renda mensal; 66% (sessenta e seis por cento) em famílias com renda mensal de até dois salários mínimos, e 85,6% (oitenta e cinco vírgula seis por cento) eram usuários de drogas.” (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, p.19). 2 A internação provisória corresponde ao período máximo de 45 dias ao qual o(a) jovem é

submetido(a) enquanto aguarda a sentença do juiz. Durante este tempo, o(a) jovem fica sob responsabilidade da instituição de internação. Em alguns casos, o tempo de internação provisória excede os 45 dias, dependendo do andamento das audiências às quais o(a) jovem deve comparecer e nas quais cada caso é estudado até que seja definida a sentença.

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Tratar a questão dos(as) jovens em conflito com a lei divide opiniões que vão desde

a cobrança por medidas mais rígidas para autores de atos infracionais – e para este

caso a internação deveria assumir um caráter penitenciário – a posicionamentos em

defesa dos direitos a eles assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em 2007, um episódio ocorrido no Rio de Janeiro marcou o cenário nacional e

suscitou a retomada das discussões sobre os jovens em conflito com a lei: no dia 07

de fevereiro desse ano, durante um assalto, um menino de 6 anos foi arrastado por

mais de 7Km, preso ao cinto de segurança do carro que foi levado pelos assaltantes.

Esse fato trouxe à tona a discussão sobre a redução da maioridade penal. Em meio

a muita polêmica, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, no dia

26 de abril de 2007, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos “no caso de

tráfico de drogas, tortura, terrorismo e crime hediondo (como homicídio qualificado,

seqüestro, estupro e roubo seguido de morte)”3. A proposta de Emenda

Constitucional será votada ainda pelo plenário do Senado, em dois turnos. Em caso

de aprovação, será encaminhada para a Câmara.

A medida de internação é definida, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,

como medida socioeducativa aplicada ao adolescente responsabilizado por prática

de ato infracional. De acordo com o Estatuto, “art.121- A internação constitui medida

privativa de liberdade sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e

respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. (BRASIL, 2003, cap.

VI, seção VI). A medida de internação somente será aplicada quando:

Art.122 I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III- por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta;

Sobre a “condição de pessoa em desenvolvimento”, Volpi (1999, p. 14) diz que:

A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento coloca aos agentes envolvidos na operacionalização das medidas sócio-educativas a missão de proteger […]. Esse processo se dá a partir de um conjunto de ações que

3 Jornal A Gazeta, 27 de abril de 2007.

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propiciem a educação formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.

No art. 123 do referido Estatuto, parágrafo único, fica estabelecida a obrigatoriedade

do desenvolvimento de atividades pedagógicas durante o período de internação,

inclusive nas instituições de internação provisória.

Este trabalho, inicialmente, visava investigar os impactos da internação nos projetos

de futuro de jovens em cumprimento de medida socioeducativa na Unidade

Masculina de Internação do Espírito Santo. No entanto, por razões que serão a

explicitadas no capítulo 2, os sujeitos desta pesquisa foram jovens que se

encontravam na Unidade Feminina de Internação do Espírito Santo.

As mudanças dos sujeitos e do local da pesquisa incitaram outros questionamentos

que surgiram a partir da observação do cotidiano: como era ser jovem em privação

de liberdade? Elas se reconheciam como tal? Como elas eram percebidas pelos

funcionários da Instituição? De que juventude se estaria falando? O que “fazia a

cabeça” das jovens durante a internação? Qual era o sentido das atividades

socioeducativas para as adolescentes? O desenrolar da coleta4 de dados empírica

conduziu ao seguinte problema: Como ocorriam os processos de

(trans)formação das jovens que se encontravam em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

O objetivo geral que orienta este trabalho visa a analisar os processos de

(trans)formação das jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa de

internação. Como objetivos específicos têm-se: identificar experiências juvenis

possíveis de serem vivenciadas pelas jovens em situação de privação de liberdade;

investigar as concepções que os sujeitos desta pesquisa têm sobre a juventude;

analisar as concepções que as jovens internas têm a respeito de si mesmas;

analisar as concepções que os funcionários da Unidade pesquisada têm sobre as

jovens internas; identificar os processos de (trans)formação ocorridos durante o

processo de internação e analisar como ocorrem os processos de (trans)formação

das jovens sob medida socioeducativa de internação.

4 Ver capítulo 2.

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Esta dissertação está dividida em quatro capítulos. O primeiro se destina à reflexão

teórica sobre a juventude como construção sócio-cultural, sobre a condição juvenil e

a situação juvenil. Posteriormente, são tecidas considerações sobre a violência e

sobre o discurso da ética para combater esse fenômeno. Este capítulo ainda abarca

um breve resgate histórico da política de atendimento a jovens em conflito com a lei

no Brasil e no Espírito Santo. Finalizando este bloco, traçam-se discussões sobre as

socializações, analisando-se como os processos de formação ocorrem nas

sociedades atuais, no cenário da pós-modernidade.

No segundo capítulo, são narrados os caminhos percorridos no desenrolar da

pesquisa, desde os contatos iniciais com a instituição e a definição de um trabalho

de pesquisa a ser realizado até a modificação das estratégias de coletas empíricas

de dados, por força dos imprevistos do dia-a-dia e das exigências de obediência à

hierarquia institucional. Isso resultou nas mudanças dos sujeitos, do espaço da

pesquisa e do tema estudado. Apresenta-se o locus investigativo, a Unidade

Feminina de Internação do Espírito Santo e os sujeitos investigados, que

compuseram dois grupos basicamente: de um lado, as jovens em cumprimento de

medida socioeducativa de internação e de outro, os funcionários responsáveis por

elas.

No terceiro capítulo, há um aprofundamento no estudo da proposta pedagógica da

instituição e do seu cotidiano. Observa-se a existência de um descompasso entre o

prescrito e o vivido, no qual se analisam as rotinas, os imprevistos, as redes de

sociabilidade, ou seja, a vida dentro de uma instituição de internação.

O quarto e último capítulo trata de como a juventude experimenta a privação de

liberdade e busca-se identificar as estratégias de sobrevivência utilizadas pelas

jovens, construídas a partir da experiência. Dentre elas, observa-se a tentativa de

manter experiências juvenis que as aproximem da condição juvenil vivenciada em

liberdade. Os processos de formação vivenciados pelas internas são aqui

analisados. É possível destacar a existência de uma relação de distanciamento entre

as jovens e a instituição, produzindo brechas nas quais acontecem as

aprendizagens mais significativas para as jovens, mas também onde se reproduzem

práticas consideradas não educativas e indesejáveis à formação do sujeito.

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1 JUVENTUDES: DA VIOLÊNCIA, À POLÍTICA DE ATENDIMENTO

E AO PROCESSO DE (TRANS)FORMAÇÃO

[A juventude] é curtir a liberdade que os pais começam a nos dar,

sair “zuar” com os amigos, ir a escola estudar e se divertir com os colegas.

É mostrar para as pessoas que já temos mentalidade o bastante para fazer certas coisas.

Ser jovem é ter capacidade para trabalhar e se manter, cultivar suas próprias coisas, seus próprios objetos,

ter responsabilidade com si próprio, por ter afeto, carinho, amor, esperança em tudo que faz.

E ter respeito com pai, mãe e os mais velhos por exemplo. Eu acho que o essencial para o jovem é isso.

5

1.1 DE QUE JUVENTUDE ESTAMOS FALANDO?

1.1.1 A juventude como construção sócio-cultural

O entendimento da juventude enquanto construção sócio-cultural pressupõe que as

noções sobre ela variam de acordo com os contextos social, histórico, econômico e

cultural em que são formuladas. De acordo com os autores que partilham dessa

visão – como, por exemplo, José Machado Pais (1993), Marilia Sposito (2001/ 2003),

Juarez Dayrell (2001/ 2003/ 2005), Luiza Mitiko Yshiguro Camacho (2002/ 2004/

2007), Paulo César Rodrigues Carrano (2000), Levi e Schimitt (1996) – a juventude

não se traduz como um conjunto social homogêneo e único, compreendendo a

diversidade das culturas juvenis.

A juventude vista como um grupo autônomo com características próprias passou a

ser assim entendida a partir do século XIX, quando problemas referentes a essa

faixa etária emergiram e passaram a ser percebidos numa dimensão mais ampla,

5 Registro feito por Tereza em atividade escolar de Língua Portuguesa.

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delineando-se o que se poderia chamar de uma “cultura adolescente”. Segundo

José Machado Pais (1993, p.31):

[…] a noção de juventude adquiriu uma certa consistência social a partir do momento em que, entre a infância e a idade adulta, se começou a verificar o prolongamento – com os conseqüentes „problemas sociais‟ daí derivados – dos tempos de passagem que hoje em dia continuam a caracterizar a juventude, quando aparece referida a uma fase de vida.

Esse autor ressalta que a juventude pode ser compreendida a partir de duas

correntes: a corrente geracional e a corrente classista. A corrente geracional a

compreende como uma fase da vida, tendenciando a uma homogeneização

traduzida nas gerações. Admite-se a existência de uma cultura juvenil, a qual se

afirmaria pela oposição às outras gerações mais velhas.

Assim, de acordo com essa corrente, a dinâmica das relações estabelecidas entre

as gerações pode se caracterizar pela continuidade ou pela descontinuidade

geracional. A primeira seria percebida na interiorização – sem grandes rupturas –

das normas, crenças, valores, transmitidos às gerações mais novas por meio dos

processos de socialização ocorridos nas instituições como a família e a escola –

“socialização contínua”. A descontinuidade geracional se faria notar no confronto e

no questionamento à cultura transmitida pelas gerações adultas, ocasionando o que

Pais denominaria “fracionamentos culturais”. Segundo essa corrente, “as

descontinuidades intergeracionais estariam na base da formação da juventude como

uma geração social” (PAIS, 1993, p.38).

Vista pela unidade, os problemas, as experiências, as culturas, seriam

compartilhadas por todos os jovens de uma geração. Eis aí uma crítica a essa

corrente que é ressaltada por Pais: ao se tomar a juventude como uma “entidade

homogênea”, como uma “categoria etária”, estende-se a todos os membros

características percebidas em apenas um grupo juvenil. Ignoram-se ainda, as

questões de classe, de gênero, de raça, etnia, de origem urbana ou rural.

A corrente classista, por sua vez, compreende a juventude a partir das relações de

classe. Sendo assim, as culturas juvenis seriam definidas como culturas de classes,

provenientes das relações antagônicas de classe. “Por outras palavras, as culturas

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juvenis seriam sempre „soluções de classe' a problemas compartilhados por jovens

de determinada classe social”. (PAIS, 1993, p.48).

Segundo essa corrente, o trajeto percorrido pelos jovens até a fase adulta seria

sempre perpassado por desigualdades sociais, fossem elas na divisão sexual do

trabalho ou na condição social.

Dessa forma, as manifestações culturais dos diferentes grupos juvenis seriam

traduzidas como formas de contestação a uma ordem dominante. As culturas juvenis

assumiriam uma conotação política.

Embora essa corrente entenda que existem diferentes formas de manifestações

juvenis, tendo em vista a questão das classes sociais, essa compreensão acaba por

empregar uma “homogeneidade cultural ou de modos de vida” a jovens de uma

mesma classe social. Pais (1993, p.50) alerta ainda que “os processos que afetam

os jovens não podem ser unanimemente compreendidos como simples ou exclusiva

resultante de determinações sociais e posicionamentos de classe”.

Buscando estabelecer uma relação entre as duas correntes, esse autor propõe que

se realize um exercício de enxergar a juventude a partir de dois eixos: um tomando-

a em seu aspecto aparentemente unitário, que seria vê-la como uma fase da vida; e

outra, compreendendo sua diversidade em diferentes contextos sociais.

Para Margulis (1996), dois fatores caracterizam a juventude: a moratória social e a

moratória vital. A primeira é entendida como um período permitido ao jovem para

vivenciar a sua juventude sem assumir os mesmos compromissos que os adultos.

Os jovens teriam um tempo livre, socialmente aceito, para vivenciar diferentes

experiências. No entanto, quando o desemprego e a crise levam a esse tempo livre,

o que se caracterizaria para as classes médias e para a elite em uma moratória

social, traduzir-se-ia para aqueles oriundos das classes populares em um

sentimento de frustração, de impotência, de culpabilização, podendo conduzi-los à

marginalidade.

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Uma vez que o conceito de moratória social não contempla todos os jovens em

diferentes classes sociais, Margulis trabalha, de maneira complementar, a noção de

moratória vital. Segundo este autor, a moratória vital diz respeito ao aspecto

energético do corpo próprio da juventude. Essa moratória é comum a todos os

sujeitos juvenis e se identifica com a sensação de imortalidade. “Tal sensação e tal

forma de se situar no mundo se somam à falta de temeridade de alguns atos

gratuitos, com condutas autodestrutivas que colocam em risco a saúde que os

jovens julgam inesgotável, com a audácia e o lançar-se em desafios e, com a

exposição a acidentes, a excessos e a superdoses” (CAMACHO, 2004, p.332). 6

Ainda sobre as diferentes formas de se conceber a juventude, Pais (1993) destaca

que ela pode ser percebida sob dois pontos de vista antagônicos: o primeiro admite

uma idéia positiva de juventude, enxergando no jovem o “futuro da nação” e outros

chavões que exaltam o seu dinamismo e a sua vitalidade. O segundo ponto de vista

diz respeito à idéia de juventude como problema social. Segundo Camacho (2004,

p.331),

[Os jovens] ora são considerados como “problemas sociais” porque estão envolvidos em problemas de inserção profissional, em problemas de drogas, em problemas de violência, em problemas de delinqüência, em problemas com a escola, em problemas com pais, em problemas de gravidez precoce, dentre tantos outros reconhecidos socialmente como sendo juvenis.

Sobre a compreensão da juventude como problema, Bango (2003) destaca alguns

pressupostos ou enfoques que fundamentaram as políticas de juventude na América

Latina, a saber:

a) a incorporação dos jovens no processo de modernização (década de 1950) –

dava ênfase às políticas educativas, vendo no sistema educativo

possibilidades de promoção da mobilidade social. O Estado também se

encarregava de oferecer boas oportunidades de tempo livre aos jovens, como

forma de controle, para que ele fosse utilizado adequadamente;

6 Sobre as moratórias social e vital conferir, ainda, Camacho (2007).

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b) o enfoque do controle social (décadas de 1960 e 70) – emergiu com o

objetivo de controlar, suprimir, repreender as mobilizações dos setores juvenis

que haviam adquirido uma maior participação social;

c) o enfoque do “jovem problema” (década de 1980) – considerava como

setores juvenis beneficiários das políticas de caráter compensatório, aqueles

excluídos socialmente, que apresentavam condutas delinqüentes e que eram

identificados como um fator de insegurança nacional;

d) o enfoque dos jovens como capital humano (década de 1990) – começou a

generalizar um novo modelo de políticas juvenis, preocupado com a

incorporação dos jovens excluídos no mercado de trabalho.

No Brasil, segundo Sposito (2003), apesar da marcante concepção do jovem como

problema social, encontram-se transitando nas políticas de juventude diferentes

concepções dominantes em períodos anteriores. Tais concepções vão desde a

defesa de uma integração dos jovens nos moldes da modernização, observada na

década de 1950, até a compreensão dos segmentos juvenis como capital humano,

percebida nos programas implantados no Brasil na década de 1970, encontrando-se

também o caráter compensatório voltado para os jovens marginalizados.

Sposito e Carrano (2003) destacam que, no caso das ações que envolvem a

juventude, é preciso considerar dois aspectos importantes:

De um lado a idéia de que qualquer ação destinada aos jovens exprime parte das representações normativas correntes sobre a idade e os atores jovens que uma determinada sociedade constrói, ou seja, as práticas exprimem uma imagem do ciclo de vida de seus sujeitos […] A conformação das ações e programas públicos não sofre apenas os efeitos de concepções mas pode, ao contrário, provocar modulações nas imagens dominantes que a sociedade constrói sobre seus sujeitos. […] Por outro lado, é no âmbito de uma concepção ampliada de direitos que alguns setores da sociedade brasileira têm se voltado para a discussão dos adolescentes e jovens, cuja expressão maior reside no Estatuto da Criança e do Adolescente […] (SPOSITO e CARRANO, 2003, p.3-5)

Sobre a associação: “jovens e problemas”, Sposito (2003) recorre a Dubet:

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Traçadas sobretudo a partir da associação jovens e problemas, as ações operaram campos de significados que permitem duplo deslizamento semântico possível e, portanto, práticas, políticas diversas: os problemas que atingem os jovens que expõem uma série de demandas e necessidades não atendidas que resultariam no reconhecimento do campo de direitos e de formulação de políticas globais para a juventude; ou de forma mais recorrente, os problemas que atingem os jovens transformam-se nos problemas da juventude e, portanto, é o sujeito jovem que se transforma no problema para o sociedade. Nesse caso, os programas buscariam, de certa forma, minimizar a potencial ameaça que os jovens trazem para a vida social, alguns deles considerados a “nova classe perigosa” que precisa estar sob um campo forte de controle. (DUBET, 1987, apud SPOSITO, 2003, p. 67).

Tais considerações a respeito das diferentes formas de conceber as juventudes se

relacionam às noções sobre a juventude quando tomada em um sentido geral. No

que se refere aos jovens em conflito com a lei, as associações estabelecidas entre

juventude, risco social e violência se acentuam e estigmas são construídos. Nesse

caso, não se designa o sujeito por jovem, mas por “infrator”, “interno”, “menor”,

“delinqüente”, “marginal”. Tende-se a enxergar a infração praticada pelo jovem em

lugar do sujeito responsável pela ação.

A própria definição do que venha a ser “marginal” assume outra conotação, como

afirma Maria Lúcia Violante (1985, p.21):

A marginalidade é o produto de uma forma de articulação necessária e intrínseca de um modo específico de acumulação capitalista. […] As zonas urbanas têm baixa capacidade de absorver a força de trabalho em relações de produção tipicamente industriais. […] Marginal é o tipo de inserção no mercado de trabalho destes segmentos da população trabalhadora. […] Marginal não é um traço de personalidade como a psicologização do miserável faz querer.

Segundo a autora, considera-se discurso dominante a marginalidade do “menor”

como produção de seu mundo próximo, vistos as carências sociais e educacionais

que dele fazem parte, sem, no entanto, considerar os fatores que produzem essa

situação, excluindo do âmbito de análise a estrutura social. Da mesma forma que se

produz e justifica a marginalidade, constrói-se o estereótipo social do “marginal” e do

personagem “anti-social”, projetando-se sobre ele, conseqüentemente, o estigma

que o discrimina dos demais. (VIOLANTE, 1985).

Sobre a estigmatização, Luiz Eduardo Soares afirma:

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Uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ela ou ele um estigma, um preconceito. Quando o fazemos, anulamos a pessoa. […] O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos. (SOARES, 2004, p. 132-133)

Este autor aborda a invisibilidade a que estão sujeitos os jovens de classes

populares. Sendo assim:

A invisibilidade é uma carreira que começa cedo, em casa, pela experiência da rejeição, e se adensa, aos poucos, sob o acúmulo de manifestações sucessivas de abandono, desprezo e indiferença, culminando na estigmatização. (SOARES, 2004, p.138)

Segundo Soares (2004), o estigma torna o sujeito mais invisível uma vez que não

permite ver quem ele é, enxergando-se apenas as imagens caricatas formadas para

ele. Da mesma forma, tornam-se invisíveis os fatores econômicos, sociais, políticos

que envolvem a problemática de jovens em conflito com a lei. É sobre esses sujeitos

invisíveis que se perpetua o estigma do “marginal”, do “infrator”, do “anti-social”, do

“delinqüente”, e que se erguem as instituições responsáveis pela integração social

desses jovens – que a própria sociedade exclui ao torná-los invisíveis. Tais

instituições não garantem a visibilidade dos sujeitos, pelo contrário, reforçam-na uma

vez que ocultam o que a sociedade não quer ver, pois lhe imprime risco. De acordo

com Soares (2005, p.145), na sua compreensão sobre as instituições,

Na verdade, quem já freqüentou uma dessas instituições “socioeducativas” logo compreenderá o que são as tais medidas “socioeducativas”. Elas nada têm de minimamente parecido com o sentido elevado da expressão que os legisladores cunharam […] se o objetivo é afastar o jovem do crime, seria preciso oferecer oportunidades para a mudança.

Para Volpi (1999, p.9),

Os adolescentes em conflito com a lei […] não encontram eco para a defesa de seus direitos, pois, pela condição de terem praticado um ato infracional, são desqualificados enquanto adolescentes. A segurança é entendida como fórmula mágica de “proteger a sociedade (entende-se as pessoas, o seu patrimônio) da violência produzida por desajustados sociais que precisam ser afastados do convívio social, recuperados e reincluídos”. Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil e, para alguns, inapropriado.

Sendo assim, na discussão proposta por este trabalho, procura-se não eximir o

jovem de suas responsabilidades pelos atos infracionais cometidos, mas, pretende-

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se alcançar uma análise mais ampla, que envolva a compreensão dos contextos em

que esses sujeitos se situam. Questiona-se, também, a situação em que eles se

encontram nas instituições socioeducativas, que têm parecido reafirmar a condição

“marginal” atribuída ao jovem em conflito com a lei. As análises referentes à

instituição também procuram não se direcionar para o “denuncismo”. Incorrer nessa

prática significaria estigmatizá-la, tornando invisíveis aqueles profissionais que dela

fazem parte e que também se indignam com a estrutura institucional. No entanto,

não há como ignorar as condições precárias encontradas na instituição, assim como

as práticas que ferem os direitos humanos.

1.1.1-1 Discutindo a condição juvenil e as situações juvenis

Abad (2003) destaca a importância de estabelecer a distinção entre a condição

juvenil e a situação juvenil para o entendimento da juventude. A condição juvenil

seria a forma como a sociedade constitui e significa esse momento do ciclo da vida.

A situação juvenil, por sua vez, corresponderia aos diferentes percursos

experimentados pela condição juvenil a partir dos mais diversos recortes: classe,

gênero, etnia, origem rural ou urbana. Em outras palavras, segundo Sposito (2005,

p.89), a situação juvenil significaria como jovens de classes e origens diversas

experimentam a condição juvenil, enquanto que esta última seria uma construção

histórico-social.

Segundo Helena Abramo (2005), Miguel Abad (2003), Marilia Sposito (2005/2003), a

condição juvenil esteve (e está) relacionada a uma etapa do ciclo de vida marcada

pela transição entre a infância e a idade adulta na qual se destaca o papel das

instituições de transição, em especial da escola.

Abad (2003) aponta as mudanças ocorridas na maneira de se compreender a

condição juvenil ao longo dos anos:

Anteriormente, a condição juvenil estava sobretudo mediada pelas relações de incorporação à vida adulta e à aquisição da experiência, caracterizando-

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se a juventude, em certas camadas sociais, como a etapa vital entre a infância e a maturidade, determinada pela vinculação com as instituições de transição ao mundo adulto. Por outro lado, hoje dificilmente se pode negar que os jovens, inclusive os do meio rural, têm-se convertido numa categoria social, interclassista e comum a ambos os sexos, definida por uma condição específica que demarca interesses e necessidades próprias, desvinculadas da idéia de transição de suas instituições responsáveis. […] (ABAD,2003, p.23)

Abramo (2005, p.41) destaca o aparecimento de duas situações que se constituíram

elementos básicos para a caracterização da condição juvenil: 1) estar livre das

obrigações do trabalho; 2) dedicar o tempo livre ao estudo em instituição escolar.

Nessa concepção, o significado social atribuído à condição juvenil era estabelecido a

partir da noção de moratória social e, sendo assim, encontrava-se restrita aos jovens

de classes médias e das elites, e, em princípio, aos rapazes.

Segundo a autora, algumas mudanças históricas imprimem à condição juvenil um

foco mais amplo de análise, observando-se uma “extensão da juventude” na: 1)

duração da etapa do ciclo de vida; 2) abrangência do fenômeno para vários setores

sociais; 3) multiplicidade de instâncias de socialização; 4) elementos que constituem

a experiência juvenil bem como os conteúdos da noção socialmente estabelecida.

Tais alterações provocam mudanças no conteúdo da moratória, a partir da qual a

“experiência juvenil passa a adquirir sentido em si mesma e não somente como

preparação para a vida adulta” (ABRAMO, 2003, p. 43).

Abad (2003), analisando as mudanças sofridas na sociedade e que interferem na

significação da condição juvenil, aponta três fatores que reconhecem e valorizam a

condição juvenil: 1) o encurtamento do período da infância e o alongamento da

juventude para além dos 30 anos; 2) as dificuldades de as sociedades atuais

assegurarem o trânsito linear entre família-escola-emprego, o que acarreta uma

transição mais prolongada e descontínua entre jovens e adultos; 3) “a emergência

de novas formas de aldeia global, com forte influência dos meios de comunicação”

(p.24), constituindo uma cultura juvenil, com características quase universais,

heterogênea e inconstante, posicionando-se em paralelo, em substituição ou em

contradição à transmissão cultural da escola, da família e do emprego assalariado.

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O autor em questão também sinaliza para a ampliação da noção de moratória social

a fim de fazer frente a dois grandes desafios: de um lado, os jovens das classes

populares que gozam de um tempo livre que não é legitimado e valorizado pela

família e pelos pares, que os leva na direção da marginalidade e da exclusão; de

outro lado, os jovens das classes sociais que podem atrasar a sua inserção no

mundo adulto. Esse período se alonga ou pela exigência de conhecimentos cada

vez mais complexos para inserção social ou pela falta de garantia de absorção no

mundo do trabalho.

Para Abad (2003, p.25), ambos são considerados jovens, embora em situações

juvenis diferentes e compartilham de uma condição juvenil marcada por um

processo de desinstitucionalização7. Esse processo se relaciona à crise das

instituições responsáveis pela transmissão de uma cultura adulta hegemônica, “pela

perda de sua eficácia simbólica como ordenadoras da sociedade”. Assim, segundo

esse autor, este espaço “passa a ser ocupado por um maior desdobramento da

subjetividade juvenil, a mesma que se realiza num tempo liberado, embora não

ainda plenamente agenciada nem recuperada como possibilidade de liberação”. A

desinstitucionalização, para Abad, oferece uma “conquista da liberdade” que

possibilita ao jovem desenvolver-se de forma mais autônoma, com menor controle

dos adultos. Nesse contexto, a nova condição juvenil se caracteriza:

[…] por uma forte autonomia individual (especialmente no uso do tempo livre e do ócio), pela avidez em multiplicar experiências vitais, pela ausência de grandes responsabilidades de terceiros, por uma rápida maturidade mental e física, e por uma emancipação mais precoce nos aspectos emocionais e afetivos, ainda que atrasada no econômico, com o exercício mais precoce da sexualidade. (ABAD, 2003, p.25)

Sposito (2005, p.92) chama atenção para o cuidado quanto à defesa da

“desinstitucionalização” citada por Abad. De acordo com a autora, considerar esse

7 Abad (2003, p.23-24) enumera, superficialmente, algumas causas que se relacionam ao processo

de desinstitucionalização: 1) “A crise da família tradicional e a multiplicação de novas formas de família. […] as relações paterno-filiais de hoje se fundamentam mais na tolerância, na negociação e na sedução, do que no rígido padrão de autoridade paternal”; 2) “O esgotamento da mobilidade e da ascensão social que se depositou na expansão da educação secundária e universitária, vinculada à modernização industrial, à economia em crescimento e à ilusão de pleno emprego”; 3) “a emergência massificada, plural e intensa de novos atores sociais, entre eles jovens, que não encontrando acomodação nos velhos formatos institucionais, têm pressionado políticas sociais”; 4) “a dissolução das identidades ligadas à idéia de Nação ou Território, com o desajuste das crenças e valores tradicionais, numa nova realidade que pôs em marcha a globalização e impossibilitou o projeto populista de uma reprodução estável e ordenada de uma cultura „nacional‟ para as novas gerações”.

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processo apenas como um fator positivo pode levar a uma “desconsideração à

aspiração por escolaridade”, bem como a uma desconsideração aos sentidos

atribuídos à instituição escolar e à relevância das redes familiares para muitos

jovens.

Essa autora aponta para uma outra compreensão de “desinstitucionalização” trazida

por François Dubet, que a elabora ao estudar as instituições na França, como

escolas, por exemplo, e “sua crise e mutação a partir do que ele chama de

„programa institucional‟, nascido na modernidade” (SPOSITO, 2005, p.93). Esse

programa se concretizaria a partir de uma relação entre o indivíduo e as instituições,

na qual fica clara a função socializadora destas na formação dos sujeitos.

A crise de tal “programa institucional” percebida por Dubet, e retomada por Sposito,

aponta para

[…] a existência de um processo de mutação que transforma a própria natureza da ação socializadora da escola, fazendo que parte importante do processo seja considerada tarefa ou ação do próprio sujeito sobre si mesmo (DUBET, 2002). Esse processo de mutação da instituição escolar não elimina, mas transforma a natureza da dominação, pois „obriga os indivíduos a se construírem „livremente‟ nas categorias da experiência social‟ que lhes são impostas. […] a dominação impõe aos atores as categorias de suas experiências, categorias que lhes interditam de se constituir como sujeitos relativamente mestres deles mesmos […] o dominado é convidado a ser o mestre de sua identidade e de sua experiência social ao mesmo tempo em que é posto em situação de não poder realizar esse projeto‟. (DUBET, 2002, p.356, apud, SPOSITO, 2005, p.95).

A partir de então, Sposito (2005, p.95-96) propõe analisar a experiência juvenil sem

deslocá-la das instituições tradicionais de transição. A autora destaca três vertentes

que devem orientar o estudo da experiência juvenil no Brasil:

1) A primeira chama atenção para a necessidade de entendimento dos

“processos de mutação” pelos quais passam as instituições

tradicionais, como a família e a escola e, nesse contexto, como se

estabelecem as relações entre os jovens e aquelas;

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2) A segunda se remete ao fato de que é preciso considerar que a família

e a escola, atualmente, dividem terreno na formação das “novas

gerações” com “outros processos socializadores” das juventudes;

3) A terceira aponta para a necessidade de investigar os sentidos

atribuídos pelos jovens “às suas relações com essas agências para

além de uma submissão aos modelos normativos e hegemônicos de

reprodução cultural ou de uma situação meramente instrumental e

distanciada de seu modo de funcionamento.” (SPOSITO, 2005, p. 96).

Se, por um lado, o cuidado lançado por Sposito ao termo “desinstitucionalização” se

faz pertinente, tanto no que se refere à atenção que se deve dispensar às

instituições tradicionais de transição – como a escola e a família – quanto ao que se

remete à compreensão da “crise” ou das “mutações” sofridas por elas; por outro

lado, as considerações trazidas por Abad, no que diz respeito à idéia de

“desinstitucionalização”, também se fazem necessárias para compreensão da

condição juvenil:

A primeira, por alertar que a defesa por uma desinstitucionalização que aponte para

ações mais livres dos jovens em relação às instituições de formação possa ter um

efeito negativo, no sentido de perder-se o desejo e a luta por escolarização. Ainda

por atentar para a permanência da transmissão de valores e normas sociais, por

intermédio de tais “agências socializadoras”, no entanto, com outras formas de

atuação, fazendo crer em uma autonomia plena dos jovens nas suas tomadas de

decisões.

A segunda, por apresentar o processo de desinstitucionalização como a “crise das

instituições pela perda de sua eficácia simbólica como ordenadoras da sociedade”, o

que não deixa de ser uma realidade. Abad (2003) ainda contribui nas análises sobre

as culturas juvenis que se enriquecem nessa aparente liberdade frente à perda de

domínio e do controle por parte da escola e da família sem, contudo, perder de vista

os problemas que o excesso de “liberdade” ou que a extensão da juventude podem

gerar quando não há políticas públicas que englobem tais situações.

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1.1.1-2 A condição juvenil atravessada pela situação de gênero

Embora a situação de gênero não seja tema central para este trabalho, não há como

desconsiderá-la, uma vez que ela está presente de maneira marcante para as

jovens sujeitos desta pesquisa. Com respeito à questão de gênero, a realidade

presenciada trouxe a necessidade de discutir a reprodução da dominação

masculina.

Assim como a noção sobre juventude se constrói histórico-social-culturalmente, o

conceito de gênero é estruturado da mesma forma. Compreende-se que as pessoas

são biologicamente diferenciadas nos sexos feminino e masculino, entretanto, os

processos por meio dos quais os sujeitos se assumem mulheres e homens, são

construídos socialmente. Segundo Saffioti (1987, p.8):

A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da atribuição de distintos papéis que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma que escolhe os terrenos em pode atuar o homem.

Esses processos socioculturais são, por sua vez, naturalizados e tomados como

características biológicas inerentes ao sexo masculino ou feminino. Passa-se a

atribuir como característica “naturalmente feminina” ser mais emotiva, por exemplo,

enquanto se reconhece como comum à “natureza masculina” ser racional. Essa

“naturalização dos processos socioculturais” contribuem para a manutenção de

mitos da “superioridade masculina” e da “inferioridade feminina” e dimensionam a

ocupação desses sujeitos na vida social em posições socialmente reconhecidas

como mais ou menos importantes, se destinadas a homens e mulheres,

respectivamente (SAFFIOTI, 1987; CAMACHO, 1997/2002; BOURDIEU, 1999).

Luiza Camacho (2000, p.32) recorre a Thimoteo Camacho (1997) para destacar

duas dimensões a serem consideradas na discussão de gênero:

[…] a primeira seria aquela do gênero como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças perceptíveis entre os sexos, e a segunda, a do gênero como forma básica de representar as relações de

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poder em que as representações dominantes são apresentadas como naturais e inquestionáveis.

Bourdieu (1999), assim como os demais autores citados, trabalha a questão da

incorporação dos papéis sociais de “mulher” e “homem”. Para ele isso acontece a

partir da incorporação de habitus próprios no processo de socialização. Segundo

este autor:

A diferença entre os sexos parece estar „na ordem das coisas‟, como se diz por vezes para falar do que é norma, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas […], em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como esquemas de percepção, de pensamento e de ação. (BOURDIEU, 1999, p.17)

Como para Bourdieu as relações entre os gêneros são assimétricas, há juntamente

com o processo de incorporação do habitus, a reprodução da dominação masculina.

Ou seja, a socialização de homens e mulheres se orientam a partir de uma visão

androcêntrica do mundo e em conformidade com a lógica do “masculino dominante”

e do “feminino dominado”.

O autor continua seu pensamento afirmando que esses esquemas simbólicos são

introjetados no próprio corpo:

O trabalho de construção simbólica não se reduz a uma operação estritamente performativa de nominação que oriente e estruture as representações; ele se completa e se realiza em uma transformação profunda e duradoura dos corpos (e dos cérebros), isto é, em um trabalho e por um trabalho de construção prática, que impõe uma definição diferencial dos usos legítimos do corpo, sobretudo os sexuais, e tende a excluir do universo do pensável e do factível tudo que caracteriza pertencer ao outro gênero […] para produzir este artefato social que é o homem viril ou uma mulher feminina […]. (BOURDIEU, 1999, p.33)

É preciso ainda considerar que, sendo o conceito de gênero construído histórica,

social e culturalmente ele também é atravessado pelas situações de classe social,

raça/etnia, pela origem urbana ou rural, e, para o caso específico das jovens

pesquisadas, pela situação de privação ou não de liberdade.

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1.2 TECENDO CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

As considerações sobre a violência não são centrais para este trabalho. No entanto,

elas se fazem fundamentais à medida que os sujeitos da pesquisa são jovens

autoras e também vítimas de violências.

Definir o fenômeno da violência não é uma tarefa fácil. Há diferentes compreensões

a respeito dessa temática que variam desde a compreensão da violência enquanto

agressão física a formas de violência não física. Camacho (2003, p.183) destaca

dois motivos que proporcionam essa variabilidade de conceitos: o entendimento

diferenciado da violência em diferentes períodos históricos e a visão da violência de

acordo com os valores e a ética de cada pessoa.

Segundo Marilena Chauí (2003, p.41),

[…] para o conceito de violência observaremos que, etimologicamente, violência vem do latim vis, força, e, de acordo com os dicionários, significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por alguém (é violar); 4) todo ato de transgressão contra aquelas coisas e ações que alguém ou uma sociedade define como justas e como um direito; 5) conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico, contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, intimidação, medo e pelo terror.

Na tentativa de não ver diluído o que há de específico no que comumente se define

por violência, Giddens assume o conceito de violência que se restringe ao uso da

força para causar dano físico a outra pessoa, considerando que a violência em

diferentes contextos sociais está relacionada a estruturas de poder (CAMACHO,

2003, p.184).

Camacho (2003) considera que a violência, em especial no espaço escolar, não se

restringe apenas a danos físicos, como também a danos morais ou emocionais.

Para discorrer sobre a violência não-física a autora traz o pensamento de Norbert

Elias, segundo o qual, a violência na forma não física existe mesmo em espaços

considerados pacificados, livres de atos violentos. Ela se encontraria de forma

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modificada, como violência econômica, em conseqüência da imposição de um grupo

sobre o outro, possibilitada pela monopolização dos meios de produção.

Wieviorka (1997) afirma que a violência na contemporaneidade precisa ser

analisada à luz de um novo paradigma que possibilite a compreensão da mesma no

estágio do capitalismo vivenciado atualmente, a globalização. Segundo o autor:

[…] tanto como realidade histórica quanto como representação coletiva e como objeto de análise e de reflexão para as ciências sociais, a violência contemporânea parece modelar um novo paradigma. Do ponto de vista teórico, esse paradigma pede que a violência seja analisada no interior de um espaço teórico complexo, capaz de integrar o campo do conflito e o da crise. Indo mais além, ampliando-se, de um lado, no sentido de levar em consideração o sujeito, impossível, frustrado ou que funciona fora de qualquer sistema ou de normas, e de outro levando em consideração condutas que mais além da crise são reveladoras de uma verdadeira desestruturação […] (WIEVIORKA, 1997, p.14)

Wieviorka propõe quatro níveis de análise para compreender a violência. Baseando-

se em Pierre Hassner, define três níveis – o sistema internacional, os Estados, as

mutações societais – e acrescenta um quarto nível, o individualismo contemporâneo.

A compreensão da violência a partir do nível do sistema internacional supõe a

análise de dois fatores: a) o fim da Guerra Fria, a partir da qual se desenrolam

tensões mundiais em torno da utilização de armas nucleares no confrontamento

entre países e reações extremadas entre os Estados (em especial no ex-bloco

soviético) devido ao deslocamento das “energias” centradas na disputa bipolar entre

EUA x URSS8; b) a globalização da economia e o aprofundamento das

desigualdades sociais e da exclusão. O autor destaca ainda, como conseqüência

desse estágio do capitalismo, a fragmentação cultural, o retraimento identitário,

8 É importante ressaltar que, se no contexto da guerra fria o eixo das tensões estava na temeridade

do mundo capitalista frente ao avanço e consolidação do socialismo, nos dias atuais, os EUA escolhem outros inimigos para justificar suas ações bélicas, voltando-se contra os mulçumanos “no combate ao terrorismo, em defesa da paz mundial”. Compreendendo que a indústria bélica sustenta grande parte da economia estadunidense e que a conquista de países estratégicos, com territórios ricos em reservas de petróleo e outras riquezas minerais, representam acumulação de riquezas por parte dos Estados Unidos, não se pode perder de vista o caráter econômico que movimenta, ainda hoje, grandes disputas internacionais. Os EUA deslocam o eixo “capitalismo X socialismo” para “não-terroristas X terroristas” e encontra nessa justificativa um motivo para que a sua economia e a de demais países capitalistas que com eles dividem esse raciocínio mantenham o ritmo de atividades lucrativas. Segundo a matéria publicada na revista Caros Amigos (Ano X, Nº 114, setembro, 2006, p.26), no contexto neoliberal observa-se a privatização dos conflitos armados. Empresas particulares prestam serviços militares em guerras, trabalhando por encomenda de governos, em especial do estadunidense, movimentando cerca de 100 bilhões de dólares por ano, oferecendo não só produtos de guerra como também serviços de guerra.

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contribuindo para a “mundialização da violência, com suas formas fragmentárias”. A

análise do nível do Estado pressupõe que,

Se o Estado territorial clássico se desagrega, a forma de violência que está mais diretamente ligada a ele, a guerra entre Estados, passa a ter, então, também menos importância, em benefício de outras formas, guerras civis, massacres interétnicos, por exemplo. Essas formas de violência figuram entre as mais maciças e espetaculares do mundo contemporâneo. (p. 21)

O terceiro nível para análise abarca as mutações societais. O autor discorre sobre

as transformações nos modos de produção capitalista em que as idéias de

progresso e crescimento econômico da sociedade, partilhadas durante as décadas

de 50 e 60, se dissolvem no desemprego estrutural, na concentração de renda e no

agravamento das desigualdades sociais vivenciados no neoliberalismo com a

reestruturação produtiva. Assim, Wieviorka considera que a ligação existente entre

as mudanças sociais e a violência não acontecem de maneira imediata e

automática. Para o autor,

O desemprego e a pobreza, inclusive quando eles traduzem uma queda social bruta, como nos países do antigo império soviético, não se transformam imediatamente ou diretamente em violências sociais […] mas sobretudo alimentam frustrações que transitam eventualmente por um nacionalismo exacerbado, ou um apelo ao retorno dos comunistas. E, se alimentam violências coletivas, estas são mais racistas e anti-semitas, mais ligadas a referências nacionalistas do que propriamente sociais. (1997, p.22)

No quarto e último nível, estaria em foco o individualismo contemporâneo, o qual

Wieviorka considera apresentar duas faces que podem ser complementares ou

ainda opostas. No seu entender, o sujeito quer, por um lado, participar da

modernidade e usufruir dos bens que ela oferece. Por outro lado, o indivíduo quer

ser reconhecido enquanto sujeito produtor de sua existência. O autor identifica um

tríplice feixe de condições à violência: a) a racionalidade estratégica pode utilizá-la

como um recurso; b) a necessidade de identificar-se com uma identidade coletiva

pode resultar em um fanatismo ou “sectarismo belicoso”; e, c) os “processos de

fusão de sentido, em que a dupla impossibilidade de funcionar como consumidor e

como produtor de sua própria existência termine por resolver-se através da invenção

de um sentido imaginário” (1997, p.24) considerado tanto mais violento como a

inexistência de meios concretos que se traduzam em práticas.

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Wieviorka diz que a violência deve ser estudada a partir da compreensão de uma

dimensão ampla que possa abarcar alguns desses níveis de análise. Ele traz uma

diferenciação entre a violência objetiva e a violência subjetiva e considera que:

A tarefa de uma sociologia da violência é mostrar as mediações ausentes, os sistemas de relações cuja falta ou o enfraquecimento criam o espaço da violência: se essas mediações, se esses sistemas de relações parecem mais escondidos, incompreendidos ou ignorados […] porque a sociedade em questão […] se recusa a reconhecê-los e debatê-los, então a violência deve ser analisada antes de tudo como uma representação, como a subjetividade dos grupos.[…] se é possível estabelecer empiricamente que há um déficit de atores e de mediações através de sistemas de relações, a violência constitui […] uma forte realidade objetiva. (WIEVIORKA, 1997, p.25)

Otavio Ianni (2003) também se remete à globalização ao discorrer sobre as raízes

da violência, buscando traçar a provável existência de “relações diretas e indiretas

entre globalização, urbanização e violência” (p.25). O autor considera o momento

atual do capitalismo como um “novo ciclo” da revolução burguesa, marcada pelo

“globalismo” sob a “regência” do neoliberalismo. Como conseqüência, verifica-se no

cenário mundial: a) a “destruição criativa”, ou seja, a criação de novas técnicas de

trabalho e produção que demandam a obsolescência de técnicas de trabalho e

produção, mercadorias, ocupações e profissões; b) o aumento do contingente

urbano, bem como as transformações das formas de sociabilidade nas cidades; c) a

dissociação Estado-Sociedade.

Ianni considera possível traçar um paralelo entre a “voracidade urbana”, o

desemprego estrutural e o índice mais elevado de violência nas cidades,

[…] na medida em que a cidade se torna maior e mais complexa, por suas diversidades e desigualdades, acomodações e tensões, hierarquias e tensões, produzem-se e reproduzem-se as condições de ruptura, conflito e violência […] Na cidade concentram-se as mais poderosas forças sociais, com as quais se articulam e desenvolvem as estruturas de dominação e apropriação, bem como as tensões e contradições com as quais germinam os movimentos sociais e os protestos dos grupos e classes sociais subalternos. (IANNI, 2003, p.26)

O pensamento do autor é necessário, no entanto, deve-se fazer uma ressalva a fim

de não caracterizar o meio urbano como sendo o único em que transcorrem

violências, dissociando-se também a relação “pobreza-violência” – como nos aponta

Camacho (2003), Chauí (2003), Wieviorka (1997) –, dando destaque, contudo, ao

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forte papel do capitalismo em acentuar as desigualdades e injustiças sociais, das

quais depende para manter seu funcionamento lucrativo.

Ianni (2003) traz à discussão o marcante papel da indústria cultural na produção e

reprodução da violência, a partir da exaustiva exposição de documentários, filmes,

programas em que ações violentas são o principal produto à venda, contribuindo

para a manutenção de uma “cultura da violência”.

Erly Euzébio dos Anjos (2003) também aponta a mídia como reforço da “banalização

da violência” na contemporaneidade. Esse termo surgido na própria mídia relaciona-

se à insignificância atribuída a crimes e homicídios, cometidos sem razão aparente.

Para o autor, é possível que essa noção tenha sido criada no intuito de explicar o

aumento da criminalidade urbana, transmitindo-a como algo passageiro, como uma

onda de violência e não como “parte integrante da sociedade e da quebra de

sociabilidade das relações sociais” (p.66).

A idéia de banalização da violência é destinada comumente a jovens residentes em

periferias urbanas e torna invisível as práticas de violências entre os jovens de

classes médias e elites, bem como torna invisível o sujeito que pratica a violência ou

o “criminoso”,

[…] por trás de um ato individual, impensado ou „quase mecânico‟, do assaltante […] deve existir uma série de fatores sociais e estruturais. São relações marcadas por uma desigualdade, mas que se aproximam, muitas vezes, através de um contrato social com base num trabalho injusto, paternalista e por um distanciamento espacial, segregado. (ANJOS, 2003, p.68)

O autor recorre a V. Robert Merton para fazer a distinção entre o caráter

individualista dos criminosos e o comprometimento social representado pela

transgressão. Esta última possibilita a alteração de normas, o questionamento de

valores, a mudança da ordem social. O criminoso, por sua vez, objetiva ganho

“próprio e privado, às custas do interesse público”9.

9 Ao que Wieviorka (1997) denomina “privatização da violência”.

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O medo gerado a partir do aumento e da “dramatização da criminalidade” suscita,

como reação, a exigência, por parte da sociedade, da “eliminação dos bandidos”. “A

idéia de eliminar os bandidos está implícita numa outra idéia correlata: a de

naturalizar a questão social da criminalidade” (Anjos, 2003, p.70). A naturalização da

questão social, segundo o autor, embasou as idéias racistas, fascistas e nazistas.

Um questionamento levantado pelo autor diz respeito à identificação do “bandido”.

“Quais são as diferenças entre a criminalidade comum, que tanto chama a atenção

da opinião pública e o „crime organizado do colarinho branco‟?”. Observa-se uma

espécie de criminalização da pobreza, como aponta Wacquant em “As prisões da

miséria” (2001). Traça-se o estereótipo do criminoso: homem, pobre e negro. As

poucas ações de caráter social desenvolvidas sob esta ótica se revestem de um

cunho policial, a fim de controlar e conter as possíveis ações criminosas dos pobres.

Se por um lado, observa-se uma “cultura da violência” e a “banalização da

violência”, fortemente mantidas pela mídia, por outro lado, nota-se a negação da

violência no Brasil sob o mito da “não-violência essencial do povo brasileiro”,

conforme argumenta Marilena Chauí (2003). A violência que, atualmente, não pode

mais ser disfarçada seria, de acordo com esse discurso, combatida por meio de um

retorno à ética.

O discurso de “retorno à ética” contribui para a sustentação do mito10 da não-

violência do povo brasileiro. Ou seja, a manutenção de uma idéia, de acordo com a

qual o povo brasileiro é essencialmente pacífico e bom e que a violência é algo que

é externo, que não está presente nas relações tecidas na sociedade e que, assim

como uma doença, uma epidemia, é um mal que tende a passar. É nesse sentido

que a violência vigente seria combatida por meio de um retorno à ética. Chauí

destaca os mecanismos ideológicos de manutenção desse mito:

10

Marilena Chauí utiliza-se do conceito de mito e não de ideologia por considerar “que um mito é o suporte de ideologias: ele as fabrica para que possa, simultaneamente, enfrentar as mudanças históricas e negá-las, pois cada forma ideológica está encarregada de manter a matriz mítica inicial. Em suma, a ideologia é a expressão temporal de um mito fundador que a sociedade narra a si mesma” (2006, p.346).

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1) o da exclusão: produz-se a idéia de que a nação brasileira não é violenta,

atribuindo-se a violência aos outros, que não fazem parte da nação, mesmo

que nasçam e vivam no Brasil;

2) o da distinção: a violência é entendida como algo passageiro, “acidental”,

como uma epidemia, uma onda de violência que será superada, pois, a

“essência” do povo brasileiro não é violenta;

3) o jurídico: esse mecanismo reduz a violência ao campo da delinqüência e da

criminalidade, definindo-se como ataque à propriedade privada. Nesse

entender, delineia-se o “agente violento” – o pobre – e justifica-se a ação

violenta da polícia por defender “o „nós‟ do „eles‟”;

4) o sociológico: esse mecanismo recorre ao “fenômeno temporário da anomia,

no qual a perda das formas antigas de sociabilidade ainda não foram

substituídas por novas” (2003, p.51). Isto seria ocasionado pela transição

para a modernidade e pelo conseqüente aumento da população urbana em

virtude das migrações. A violência passa a ser atribuída aos “pobres e

desadaptados”;

5) o da inversão do real: esse mecanismo se mantém “graças à produção de

máscaras que permitem dissimular comportamentos, idéias e valores

violentos como se não fossem violentos” (2003, p.51). Assim, como exemplo,

a autora traz a questão do machismo, interpretado não como uma violência,

mas como necessidade que se coloca à “proteção natural à natural fragilidade

feminina”; outro exemplo: a repressão aos homossexuais como forma de

proteção natural aos valores da família;

Marilena Chauí (2003) aponta para a existência de uma não compreensão da

violência como algo que estrutura e organiza as relações sociais brasileiras,

naturalizando práticas de violência como discriminações raciais, sexuais,

desigualdades econômicas, sociais, culturais, corrupção, exclusões econômicas,

políticas e sociais. Assim, a discussão sobre o mito de uma sociedade brasileira

não-violenta, pacífica, livre de preconceitos nos leva à ilusão de que a solução para

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o fenômeno da violência é simples: trata-se de lutar por um retorno à ética e de

afastar aqueles sujeitos indesejáveis, “os violentos”.

A ação das instituições socioeducativas se direciona para o afastamento da violência

mediante o discurso de formação de sujeitos éticos, que tenham valores morais, que

sejam solidários, etc. – e no caso da instituição pesquisada, que sejam, inclusive,

cristãos.

Aqui, é necessário abrir um parênteses para introduzir a discussão realizada por

Marilena Chauí (2003/1995) a respeito do discurso do retorno à ética para o

combate à violência, questionando, ainda, o que se define por “ética” e por “agente

ético”.

1.2.1 A ética como “antídoto” para a violência

Para Chauí (2003, p.40), a ética procura definir a figura do agente ético e de suas

ações bem como, o conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma

ação que possa se considerar ética. A ética é, para a autora citada, uma construção

histórico-cultural.

As diferentes formações sociais e culturais criam para si e para o convívio em grupo

conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e

interpessoais, de comportamentos sociais a fim de que se possa “garantir a

integridade física e psíquica de seus membros e a conservação do grupo social”

(CHAUÍ, 1995, p. 336).

Ao iniciar a discussão sobre a ética, a autora apresenta, também, considerações

sobre senso moral e consciência moral, juízo de fato e juízo de valor.

Marilena Chauí (1995, p.335).conceitua como senso moral a expressão de nossos

sentimentos – ódio, orgulho, vaidade, frustração, alegria, ambição... – e de nossas

ações. A consciência moral se “manifesta” em situações que exigem uma decisão,

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que precisa ser justificada para nós e para os outros, a qual implica em

conseqüências, que por sua vez, exigem de nós a responsabilidade para assumi-las.

O senso moral e a consciência moral se referem, portanto, a valores, sentimentos,

intenções, decisões, ações relacionados ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade

segundo a estudiosa.

Quanto aos juízos de fato e de valor, Chauí apresenta a seguinte distinção: a) o

juízo de fato é aquele que diz “o que as coisas são, como são e por que são”; b) o

juízo de valor, diferente do juízo de fato, que apenas constata o que acontece, avalia

os acontecimento, sentimentos, ações, etc., como “boas, “más”, “desejáveis” ou

“indesejáveis”.

Temos, então, juízos éticos de valor e juízos éticos normativos. Os primeiros dizem o

que é o bem e o mal. Já os segundos, apontam para que sentimentos, ações,

comportamentos se devem manter para que se atinjam o bem e a felicidade.

Segundo Marilena Chauí (1995, p.336):

Frequentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles, neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos […] A naturalização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.

Chauí define que o campo ético é constituído por “dois pólos internamente

relacionados”, a saber: o agente ou sujeito moral e os valores morais, ou virtudes

éticas. Além desses dois pólos, encontram-se também como constituinte do campo

ético, os meios para que o sujeito realize seus fins.

O agente ético é definido por Chauí como um ser “racional e consciente que sabe o

que faz, livre e responsável”. A ação ética, por sua vez, só pode ser assim

considerada se,

[…] realizar a natureza racional, livre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade. A subjetividade e a intersubjetividade éticas são ações e a ética existe pela e na ação dos sujeitos individuais e sociais, definidos por laços e formas de sociabilidade criados também pela ação humana em condições históricas determinadas. (CHAUÍ, 2003, p. 41)

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O sujeito ético caracteriza-se, então, por saber distinguir o que é certo e o que é

errado. Marilena Chauí (1995, p.337) expõe de forma mais detalhada as

características do agente ético, as quais são reproduzidas a seguir:

a) o sujeito ético precisa ser consciente de si e dos outros, ou seja, ele tem que

ser capaz de reconhecer no outro também um sujeito ético;

b) o sujeito ético precisa ser dotado de vontade. Isso significa, conforme

mencionado anteriormente, que o agente ético necessita ter a capacidade de

controlar e orientar desejos, impulsos, sentimentos, saber decidir entre as

alternativas possíveis;

c) o agente ético deve ser responsável, ou seja, assumir a ação praticada, bem

como as suas conseqüências para si e para os outros;

d) o agente ético deve ser livre, isto é, precisa ter a capacidade de dar a si

mesmo as regras de conduta, autodeterminar-se;

Sendo assim, espera-se do agente ético a “atividade” no lugar da “passividade”. O

ser passivo, como o próprio nome sugere, é aquele que se deixa “governar e se

arrastar por seus impulsos […] não exercendo sua própria consciência, vontade,

liberdade e responsabilidade” (p.338). O sujeito ativo, ao contrário, se caracteriza

por conseguir controlar suas inclinações e paixões, e por ser capaz de discutir “o

sentido dos valores e dos fins estabelecidos”; por indagar “se [os valores] devem e

como devem ser respeitados ou transgredidos por outros valores e fins superiores

aos existentes” (p.338). Em resumo, pode ser considerado um indivíduo autônomo,

cuja vontade não se submete nem à vontade dos outros, nem aos próprios instintos

e paixões.

No que se refere aos valores, a ética é definida a partir da cultura e da sociedade e,

neste ponto, não há como rejeitar as condições históricas e políticas, econômicas e

culturais da ação moral. Assim, a ação ética pode variar de uma sociedade para

outra ou na história de uma mesma sociedade, no entanto, ela estará relacionada a

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uma diferença intrínseca entre condutas, segundo “o bem”, ”o justo” e “o virtuoso”

(CHAUÍ, 2003).

Quanto ao outro constituinte do campo ético – o meio –, a autora destaca que,

seguindo uma postura ética, nem todos os meios se justificam para atingir os fins.

Segundo Chauí (1995, p.339), “A relação entre meios e fins pressupõe que a pessoa

moral não existe como um fato dado, mas é instaurada pela vida intersubjetiva e

social, precisando ser educada para os valores morais e para as virtudes”.

Conforme a autora, a violência está em oposição à ética, uma vez que trata os

sujeitos como se fossem irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos,

tornando invisível a dimensão do sujeito racional, livre e responsável.

Marilena Chauí (2003) questiona o fato de a sociedade, perante a violência que não

se consegue disfarçar, clamar por um retorno à ética, como se esta fosse “coisa” que

se pode perder, reencontrar e não como uma ação intersubjetiva, como descrita

anteriormente.

A autora apresenta como seria pensada essa ética a que se almeja “retornar”:

primeiramente, como moralidade, isto é, como uma reforma dos costumes e

dos valores;

em segundo lugar, “como dispersão de éticas (ética política, ética familiar,

ética escolar...), desprovidas de qualquer universalidade porque espelham

sem análise e sem crítica a dispersão e fragmentação socioeconômica”

(2006, p.343). A ética de forma fragmentada se resume à “competência

específica de especialista” e, desta forma, diz respeito a regras e valores

localizados, que, por vezes, quando analisados em um conjunto, conflitam

com regras e valores de outros grupos localizados. Perde-se a característica

universal da ética, uma vez que seus valores não se estendem a todos os

membros de uma sociedade;

em terceiro lugar, a ética é “entendida como defesa humanitária dos direitos

humanos contra a violência” (2006, p.344). Nesse contexto, as ONGs deixam

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de ser vistas como parte integrante dos movimentos sociais para e passam a

meras prestadoras de assistência (leia-se, assistencialismo).

A ética, então, vista como ideologia, propicia o exercício da violência, uma vez que

supõe a existência da dualidade entre o “bem” e o “mal”, imprimindo a idéia de que é

preciso que a violência e o mal existam para que a eles possam se sobrepor a ação

boa, dos “sujeitos de bem”. Cria-se uma imagem dualista entre os grupos que são

“portadores de violência” de um lado e, de outro lado, o grupo dos “impotentes” para

combatê-la.

Além disso, o sujeito ético deixa de ser compreendido como um sujeito de direitos e

passa a ser dividido em dois: de um lado, o sujeito ético visto como a vítima, ao qual

é delegado o lugar de “sofredor passivo” e, de outro lado, o sujeito ético “piedoso”,

não-sofredor, ao qual cabe o papel de lutar por justiça em prol do sujeito “vítima”,

passivo. É negado a este último a condição de sujeito ético porque se torna objeto

do sujeito “não-sofredor”, uma vez que não é ele o sujeito de sua luta por justiça e

mudança de sua própria condição, ou seja, aos sujeitos “vítimas” resta esperar que

os sujeitos “não-sofredores” lutem por suas causas. Por essa razão, movimentos

como o MST são idealizados como “violentos”, pois não assumem os lugares de

vítimas inertes à espera da ajuda do outro.

Partindo desse pressuposto, percebe-se novamente a ética como ideologia atrelada

à violência. Isso porque, para que a ação ética – ou seja, a ação ética do sujeito

não-sofredor – aconteça é preciso que existam vítimas e que estas recebam o

“tratamento do outro como vítima sofredora passiva e inerte” (CHAUÍ, 2006, p.344).

Esses esclarecimentos fazem-se necessários pois, quando em defesa do sujeito

ético, trata-se de entendê-los como sujeitos de direitos.

Compreendendo a violência como um fenômeno de múltiplas facetas, destaca-se a

importância de analisá-la em suas relações objetivas, estruturais e em relações

subjetivas. Compreendê-la, como aponta Marilena Chauí, como estruturante e

organizadora das relações sociais.

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1.3 A POLÍTICA DE ATENDIMENTO A JOVENS EM CONFLITO COM A LEI NO

BRASIL

As políticas voltadas para crianças e adolescentes em conflito com a lei flutuam

entre o avanço representando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e as

práticas contraditórias que se remetem, em sua maioria, aos antigos Códigos de

Menores.

Faleiros (2006) trabalha sucintamente o surgimento e as transformações das

políticas voltadas ao atendimento desse público. Segundo o autor, a preocupação

em “combater a criminalidade de menores” com procedimentos diferentes dos

aplicados aos adultos se evidenciou no início do século XX.

Brito (2000) ressalta que “a transformação da criança em menor” se deu no final de

1920. Nesse período, estava presente a idéia de que a criança teria uma

“predisposição ao crime” e que, portanto, isso era algo biológico, inerente ao sujeito

e era preciso estar atento ao afloramento de tais tendências. Segundo a autora,

[…] Considerados portadores de acentuados defeitos morais, acreditava-se que somente por meio de reformatórios que garantissem escasso contato com o exterior e regras extremamente rígidas se conseguiria corrigir ou controlar tais “defeitos”. (BRITO, 2000, p. 116).

Posteriormente, passam a ser analisados outros fatores “responsáveis” por

“desencadear” a delinqüência juvenil: “as circunstâncias sociais, econômicas e

emocionais” (BRITO, 2000, p.116).

No Brasil, as discussões sobre uma política diferenciada para os adolescentes

culminaram no “Código de Menores” de 1927. Segundo Faleiros (2006, p.49):

Em 1902, o Congresso Nacional discutia a implantação de uma política chamada de „assistência e proteção de menores abandonados e delinqüentes‟. Em 1903, foi criada a Escola Correcional 15 de Novembro. Em 1923, foi autorizada a criação do Juizado de Menores e, em 1924, criaram-se o conselho de assistência e Proteção aos Menores e o Abrigo de Menores. Em 1927, toda essa legislação foi consolidada no primeiro Código de Menores.

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De acordo com o Código de 1927, aqueles que fossem menores de 14 anos não

seriam submetidos a processo penal, enquanto que os adolescentes entre 16 e 18

anos poderiam ir para a prisão de adultos, permanecendo separados destes últimos

– o Código Penal de 1890 havia reduzido a idade penal para oito anos.

Faleiros (2006) aponta que, entre os anos de 1937 e 1945, durante o governo de

Getúlio Vargas, foram criados:

o Serviço Nacional de Assistência aos Menores (SAM)11, que funcionou de

1941 a 1964, vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Tal

serviço foi marcado pela repressão e pela violência contra os internos;

as delegacias de menores, destinadas a receber “meninos encontrados na

rua e suspeitos de vício e crime”;

o Departamento Nacional da Criança (DNCr), em funcionamento até 1964,

responsável por estimular a amamentação materna e a vigilância dos lactários

e a criação e implantação de creches, com apoio da Legião Brasileira de

Assistência;

A extinção do SAM em 1964 cedeu espaço à criação da Fundação Nacional do

Bem-estar do Menor (FUNABEM), independente do Ministério da Justiça. Autônoma

financeiramente, caberia à FUNABEM a implantação do Estado Interventor ou do

Estado de Bem-Estar na política de assistência à infância (MARCÍLIO, 2006, p.225).

De acordo com Faleiros (2006, p.52):

A política da FUNABEM não reduziu o processo de marginalização. Durante a ditadura, acentuou-se a exclusão social, ou seja, a marginalização do menor pela pobreza da família, pela exclusão da escola, pela necessidade do trabalho e pela situação de rua, que não raramente, desemboca no extermínio.

A partir de diretrizes fixadas pela FUNABEM, foram criadas Comissões Regionais,

responsáveis pela concretização da política de assistência ao “menor”. Em 1979, um

11

Segundo Brito, até o ano de 1941 não havia institutos específicos para a internação dos “menores” considerados “infratores”.

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novo Código de Menores foi criado em substituição ao de 1927. Com o Código de

1979, ficou estabelecida a “doutrina da situação irregular” para tratar da exclusão.

“Nessa perspectiva, ser pobre era considerado doença, assim como também o eram

as situações de maus tratos, desvio de conduta, infração e falta dos pais ou

representantes legais” (FALEIROS, 2006, p.52). Crianças e jovens até então não

eram considerados “sujeitos de direitos” e os direitos destes eram garantidos

somente aos considerados em “situação de risco” ou de “doença social”.

O Estatuto do Menor de 1979 regulamentava as instituições de assistência e

proteção ao menor, submetendo-as à responsabilidade do Poder Público. Criaram-

se os institutos como as FEBEMs (institutos estaduais) que tinham como programa

de atendimento a “recepção, triagem, observação, e permanência de menores”

(MARCÍLIO, 2006, p.226). As ações desempenhadas por um corpo técnico

composto por psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e psiquiatras, focavam-se

na emissão de laudos que “forneceriam subsídios às sentenças. Em caso de

internação, elaboravam-se pareceres psicossociais, considerando-se a pertinência

ou necessidade de manutenção da internação, fundamentados nas patologias e

dificuldades identificadas segundo uma visão medicalizada” (BRITO, 2000, p.118).

A década de 1980 foi marcada, no âmbito dos direitos das crianças e dos

adolescentes, por movimentos de luta que culminaram, em 1990, no Estatuto da

Criança e do Adolescente/ Lei 8.069 (ECA). Segundo Sposito e Carrano (2003, p.5):

O Estatuto […] é o marco legal de um processo prático reflexivo que se dispôs a transformar o estatuto da menoridade brasileira, especialmente naquilo que se refere aos que estão em exclusão social ou em conflito com a lei. O ECA, além de representar radical mudança no rumo ético-político frente ao antigo ordenamento institucional configurado no segundo Código de Menores gerou estruturas colegiadas nos âmbitos nacional, estadual e municipal.

Mario Volpi (1999) considera que o ECA proporcionou “mudanças substanciais” no

que se refere ao tratamento dispensado pelo Estado à criança e ao adolescente. De

acordo com o autor:

A principal [mudança], porque dela derivam todas as outras e porque implica novos deveres do Estado para com essa parcela da população, é a mudança do enfoque doutrinário da “situação irregular” para o da “proteção

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integral” ao adolescente. Compreende-se, a partir dessa nova concepção da criança e do adolescente empobrecidos, que não são eles que estão em situação irregular, e sim as condições de vida a que estão submetidos. Portanto, a ação do governo e da sociedade não deve ser direcionada exclusivamente para o controle e repressão dessa parcela da população, mas para a garantia de condições de vida com dignidade. (VOLPI, 1999, p.48)

A partir do ECA, crianças e adolescentes passaram a ser concebidos como sujeitos

de direitos aos quais se destinaria proteção integral12. “Sua condição de sujeitos de

direitos implica a necessidade de sua participação nas decisões de seu interesse e

no respeito à sua autonomia, no contexto do cumprimento das normas legais”

(VOLPI, 1999, p.14).

O ato infracional foi definido como: conduta descrita como crime ou contravenção

penal (Art. 103). As medidas socioeducativas passaram a ser estabelecidas em

decorrência da infração cometida, das circunstâncias sociofamiliares e da

disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional e estadual.

A política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, de acordo com o

Art.86 do ECA, passou a ser desenvolvida em um conjunto articulado de ações

governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios. No Art.88, dentre as diretrizes da política de atendimento, no que diz

respeito aos jovens em conflito com a lei, ficou estabelecido:

Art. 88 […] V- integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

Sobre as entidades responsáveis pelo atendimento foi a elas atribuída, segundo o

Art.90 (ECA), a responsabilidade pela manutenção das próprias unidades, pelo

planejamento e pela execução de programas de proteção e socioeducativos.

No Art.94 foram definidas as obrigações das entidades que desenvolvem programas

de internação, dentre elas: oferecer atendimento personalizado, em pequenas

unidades e grupos reduzidos; preservar a identidade dos adolescentes; oferecer

12

A doutrina de proteção integral destina-se “não apenas a um tipo de „menor‟, mas a toda a juventude e a toda a infância” (WEYRAUCH, 2000, p.76).

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ambiente de respeito e dignidade ao adolescente; proporcionar o restabelecimento

dos vínculos familiares; propiciar escolarização e profissionalização; propiciar

atividades culturais, esportivas e recreativas; oferecer instalações físicas em

condições adequadas de habitabilidade; oferecer vestuário e alimentação suficientes

e adequados à faixa etária dos adolescentes atendidos; oferecer cuidados médicos,

psicológicos, odontológicos e farmacêuticos.

No Art. 124 (ECA) ficaram estabelecidos os direitos do adolescente privado de

liberdade, dentre eles: ser informado de sua situação processual quando solicitada;

ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; receber assistência

religiosa, segundo sua crença; manter posse de seus objetos pessoais, ter acesso

aos meios de comunicação social; corresponder-se com seus familiares e amigos;

receber visitas.

Dessa forma, segundo Volpi, a contenção não é em si a medida socioeducativa, mas

sim a condição para sua viabilização. “A restrição da liberdade deve significar

apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos

constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã”. (VOLPI, 1999,

p.27)

Embora o ECA tenha representado um avanço na política de atendimento à criança

e ao adolescente, suas pretensões não conseguiram, efetivamente, ultrapassar o

“plano jurídico e político-conceitual”. Passados 17 anos da implementação do

Estatuto, o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)

apresentou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).

O SINASE se constitui em um “conjunto ordenado de princípios, regras e critérios,

de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve

desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida

socioeducativa” (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE, 2006, p. 23). Tem como objetivos “concretizar os avanços contidos

na legislação e contribuir para a efetiva cidadania dos adolescentes em conflito com

a lei” (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE, 2006, p. 14). A construção e implementação de tal política foi

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resultado de um amplo debate, que se estendeu por cinco anos, envolvendo

organizações governamentais e não governamentais.

1.3.1 A política de atendimento a crianças e adolescentes em conflito com a lei

no Espírito Santo – 1967-2007

O Instituto de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo foi fundado em 1967

com o nome Fundação Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor (FESBEM), nos

moldes do Código de Menores e da doutrina de situação irregular. O Instituto tinha

como finalidade a execução da Política Nacional de atendimento ao menor no

Espírito Santo seguindo as diretrizes estabelecidas pela FUNABEM. (EMMERICH,

2007, p.130; GALINA, 2007, p. 90)

A implantação do mesmo se deu no início de 1969, contando com dois locais para

atendimento de menores: 1) Instituto Profissional Francisco Schwab (IPFS), que

funcionava em sistema de internato de meninos, situado em Roças Velhas,

Cariacica; 2) Centro de Formação Caboclo Bernardo (CFPCB), localizado em Santa

Cruz, que se constituía em um ginásio misto com regime de internato para aqueles

diretamente assistidos pela FESBEM e semi-internato para os menores da

comunidade (EMMERICH, 2007, p.130).

Em 1980, após ser transformada em autarquia pelo decreto nº 1496-N, a Fundação

Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor passou a se chamar Instituto Espírito-

Santense de Bem-Estar do Menor (IESBEM), ligando-se à Secretaria de Estado do

Bem Estar Social.

O atendimento aos jovens em conflito com a lei estava sob responsabilidade do

Projeto Sócio-Terapêutico13, o PROSOT. Existiam duas unidades responsáveis por

atender jovens do sexo masculino e do sexo feminino: 1) o Instituto Presidente

13

Em nenhuma das fontes pesquisadas encontrou-se a data de implementação do Projeto.

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Castelo Branco (IPCB/CRM), destinado aos “menores” do sexo masculino na faixa

etária de 14 a 18 anos considerados de “conduta anti-social (infratores) e processo

judicial formalizado”; 2) o Centro de Recuperação Feminino (CRF), para o qual eram

encaminhadas as “menores” do sexo feminino entre 12 e 18 anos “com conduta anti-

social e/ou processo judicial formalizado (EMMERICH, 2007, p.131).

Esses institutos foram desativados entre os anos de 1986 e 1987. Os internos e as

internas foram transferidos para o Centro de Recepção e Triagem (CRT). Neste local

concentraram-se outras unidades também fechadas neste período e a infra-estrutura

tornou-se inadequada. Passaram a ser atendidas crianças e jovens na faixa etária

de zero a 18 anos de ambos os sexos, que não tinham condições de serem

reintegrados às suas famílias.

Em 1989 definiu-se um sistema de atendimento aos adolescentes praticantes de

atos infracionais. A comissão responsável por essa atividade fazia parte do

Programa Co-gestão. Em fevereiro de 1990, implantou-se a Unidade de Internação

Social (UNIS)14 com fins de atender “menores infratores”, na faixa etária de 14 a 17

anos15.

Em final de 1990, o Instituto Espírito-Santense de Bem-Estar do Menor (IESBEM)

passou a se chamar ICAES – Instituto da Criança e do Adolescente do Espírito

Santo. Em 1998, o ICAES estabeleceu parceria com a Secretaria do Estado da

Educação (SEDU), que se responsabilizaria pela contratação de professores para

atuarem na Unidade de Internação Social (UNIS).

14

Faz-se necessário ressaltar que a instalação da UNIS se deu no antigo prédio construído em 1967, onde funcionava o internato. Este edifício ainda é utilizado. 15

Uma funcionária que trabalhava na unidade feminina de internação no período da coleta de dados, fez parte da comissão que, posteriormente, traçou o projeto pedagógico para a UNIS em 1990. Ela narrou que a comissão passou meses estudando. A unidade atendia meninos e meninas. O número àquela época era muito reduzido em relação ao atual (aproximadamente 200 jovens). Ela fez o seguinte relato registrado em diário de campo: “Era um show, o projeto. Os alunos acordavam às 7 da manhã. Tomavam café no refeitório! Tinha um refeitório aqui! Eles saíam em fila, por trás da unidade, passavam pela UNIP e iam andando pro refeitório, de lá iam pra aula. Ninguém ia algemado! Era assim... tinha várias salas de aula, a escolinha. Cada professor esperava pelos alunos na sala.” (04 de abril, 2007).

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No período de dezembro de 2002 a junho de 2003, o ICAES passou por uma

intervenção judicial com objetivo de implementação de novo modelo de gestão e de

atendimento ao adolescente. (GALINA, 2007, p.90).

Em 2005 a Lei Complementar Nº 314, publicada em 03 de janeiro no Diário Oficial

do Estado do Espírito Santo, previa uma reestruturação do Instituto a fim de adequá-

lo ao Estatuto da Criança e do Adolescente. O ICAES passou a se chamar Instituto

de Atendimento Sócio-Educativo do Espírito Santo. Definiram-se como objetivos da

instituição: “Art.2º - […] formular, implementar e manter o sistema de atendimento

responsável pela execução das medidas socioeducativas ao adolescente em conflito

com a lei” (GALINA, 2007, p.90).

Entre os anos de 2006 e 2007, com a implementação do Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo, o IASES buscava novas adequações do serviço

prestado às Leis competentes. O Instituto assumiu como metas:

[…] a constituição de nova forma de gestão do atendimento, utilizando-se do alinhamento conceitual, estratégico e operacional fundado em bases éticas e pedagógicas a fim de planejar, organizar, executar e articular o atendimento socioeducativo. […] O que se impõe como desafio é a formação ética para além da formação técnica dos recursos humanos, a fim de responder às novas exigências de organização do processo de trabalho e dos seus resultados. (GALINA, 2007, p.89)

Ainda entre 2006 e 2007, desenvolvia-se uma articulação entre o IASES e a SEDU

para a implantação de uma escola nas dependências do Instituto a fim de assegurar

e melhorar o atendimento escolar destinado aos jovens internos. No segundo

semestre de 2007, encontravam-se em vias de conclusão as novas instalações da

unidade de internação socioeducativa, construídas de acordo com as orientações do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

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1.4 PROCESSOS DE FORMAÇÃO: AS SOCIALIZAÇÕES, O HABITUS E AS

EXPERIÊNCIAS JUVENIS

Para acrescentar à discussão sobre os processos de formação presentes nas vidas

dos agentes sociais, trazemos algumas considerações a respeito dos processos de

socialização.

Pais (1993), ao introduzir os processos de socialização dos quais resultam as

culturas juvenis, destaca duas definições para os mesmos: a) uma primeira que se

refere à socialização como transmissão das normas e ordenamentos sociais, a um

nível “colectivo, macrossocial (normas de gerações, normas de classes sociais, etc.)”

(PAIS, 1993, p.55); b) e uma segunda, relacionada a um “nível microssociológico”

que possibilita o entendimento da reprodução ou da modificação pelos sujeitos de

tais normas.

Berger e Luckmann (2002, p.175), por sua vez, definem a socialização como a

“ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma

sociedade ou setor dela”, compreendendo-a como um processo contínuo, “nunca

total nem acabada” (p.188). Esses autores apresentam a sociedade como uma

realidade objetiva e subjetiva, compreendida a partir de “um processo dialético em

curso” do qual fazem parte 3 momentos: exteriorização, objetivação e interiorização.

Sendo assim, ao mesmo tempo que o indivíduo exterioriza-se para o mundo social,

interioriza-o como “realidade objetiva”.

É nesse sentido, que Berger e Luckmann (2002, p. 177) afirmam que “a identidade é

objetivamente definida como localização em um certo mundo e só pode ser

subjetivamente apropriada com este mundo”.

Para os autores, o indivíduo, ao nascer, se depara com regras e normas sociais

referentes a um mundo “pré-estruturado” no qual ele é inserido e o qual ele

apreende como “realidade social dotada de sentido”. Essa mediação entre a

realidade objetiva e o indivíduo é realizada a partir de um “outro significativo” (pai,

mãe, avós, irmãos, etc.). Esse processo se desenrola com base em um

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envolvimento emocional-afetivo relevante para o indivíduo socializado, que precisa

criar uma identificação com o “outro significativo”. É desde a infância que a criança

aprende a reconhecer os papéis sociais, as regras, as normas, a forma como o

mundo está estruturado e a sua localização no mesmo.

A compreensão que se tem do mundo subjetivo “passada” à criança é “filtrada” de

acordo com a visão que o outro significativo tem dessa realidade social, tomando-se

como referencial o local que ele ocupa na estrutura social.

Essa socialização que ocorre na infância, cujas aprendizagens têm um papel

fundamental na constituição do sujeito como membro da sociedade, é denominada

pelos autores de “socialização primária”.

O processo seguinte, de introdução de “um indivíduo já socializado em novos

setores do mundo objetivo da sociedade” (2002, p.175) é definido por Berger e

Luckmann como a “socialização secundária”. Os autores se aprofundam nesse

conceito afirmando que:

A socialização secundária é a interiorização de „sub-mundos‟ institucionais ou baseados em instituições. A extensão e caráter destes são portanto determinados pela complexidade da divisão de trabalho e a concomitante distribuição social do conhecimento. […] Os „sub-mundos‟ interiorizados na socialização secundária são geralmente realidades parciais, em contraste com o „mundo básico‟ adquirido na socialização primária. Contudo, eles também são realidades mais ou menos coerentes, caracterizadas por componentes normativos e afetivos assim como cognoscitivos. (BERGER e LUCKMANN, 2002, p.185)

Estreitamente relacionada à divisão social do trabalho, a socialização secundária

reveste-se de vocabulários específicos, de símbolos rituais ou materiais, além de

contar com um “aparelho legitimador”. A mediação entre essa “nova realidade” e o

indivíduo não necessita da mesma carga afetiva e da identificação empregada na

socialização primária. Na socialização secundária, fica claro o contexto institucional

e os “outros significativos” são percebidos como “funcionários individuais” (professor,

chefe, etc.).

Os conteúdos apreendidos na socialização secundária precisam estar alicerçados

nos conteúdos incorporados na socialização primária para que sejam aceitos pelo

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sujeito como “verdadeiros”. À medida que a realidade percebida na socialização

secundária toma uma dimensão mais plausível, mais fácil se torna a incorporação de

novos conteúdos aos introjetados na socialização primária.

A realidade subjetiva construída pelos indivíduos no processo de socialização pode

passar ainda por transformações, ou “alternações”, como definem os autores. Berger

e Luckmann apresentam um tipo de socialização que se assemelha à socialização

primária, pela carga afetiva empregada e pela identificação estabelecida, a qual eles

denominam de “re-socialização”. Esse processo caracteriza-se pela incorporação de

uma nova realidade plausível que, para se afirmar, precisa de uma ruptura com o

“mundo anterior” da socialização primária. Os autores dão como exemplo de “re-

socialização” a conversão religiosa, na qual a realidade anterior é vista como

pecaminosa e, por esta razão repelida. Para os autores:

O que tem que ser legitimado não é somente a nova realidade, mas as etapas pelas quais é apropriada e mantida, e o abandono ou repúdio das outras realidades (BERGER e LUCKMANN, 2002, p.211).

Existe, enfim, uma diferença entre a socialização secundária e a re-socialização:

Na re-socialização o passado é reinterpretado para se harmonizar com a realidade presente, havendo a tendência a retrojetar no passado vários elementos que subjetivamente não eram acessíveis naquela época. Na socialização secundária o presente é interpretado de modo a manter-se numa relação contínua com o passado, existindo a tendência a minimizar as transformações realmente ocorridas. Dito de outra maneira, a realidade básica para a re-socialização é o presente, para a socialização secundária é o passado. (BERGER e LUCKMANN, 2002, p.215).

Bourdieu também busca estabelecer uma relação entre a dimensão objetiva e

subjetiva do mundo social (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2006, p.27). Para isso o autor

se utiliza do conceito de habitus para explicar como se incorporam, no processo de

socialização, as formas de “sentir, pensar e agir” do grupo de origem.

Bourdieu (1998, p.111) define o habitus como “matriz geradora de respostas

previamente adaptadas (mediante uma improvisação permanente) a todas as

condições objetivas idênticas ou homólogas às condições de sua produção”. Ele

funciona como um conjunto ou um sistema de dispositivos duráveis dos quais o

agente se apropria, mesmo que de maneira inconsciente, e que lhe permite transitar

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em determinados grupos sociais. Tal dispositivo garante o reconhecimento de classe

ao agente social.

É um dispositivo durável por enraizar-se no sujeito e dele “fazer parte”. No entanto,

há situações de desequilíbrio em que o agente deve re-adaptar-se; em que há

modificação no habitus para que ele permaneça integrante a um determinado grupo.

Bourdieu define o habitus como “integrador dos grupos ou das classes”.

Segundo John Lechte (2003, p.62-63):

[…] Bourdieu afirmou que habitus tem a ver com o „sentido do lugar da pessoa‟ que emerge mediante processo de diferenciação no espaço social, e que é um sistema de esquemas para produção de práticas, bem como um sistema de esquemas de percepção e apercepção dessas práticas. As fronteiras entre um habitus e outro são sempre contestadas porque sempre fluidas – jamais firmes.

Dessa forma, o habitus, ao se configurar como um código transmitido, reproduz não

só os valores que cercam e dão sentido aos grupos sociais, como também demarca

a hierarquia social. Sendo assim, cada campo, cada grupo, tem um habitus que lhe

é próprio. É interessante observar que, sendo uma marca, o habitus se torna parte

constitutiva da subjetividade, ratificando, assim, que a subjetividade do sujeito é algo

socialmente estruturado16.

Eis aí uma relação estabelecida por Bourdieu entre as estruturas objetivas e

subjetivas do mundo social. Os comportamentos e a forma de pensar dos agentes

seriam construídas a partir de um conjunto de vivências experimentadas a partir da

posição ocupada no espaço social, ou seja, a partir de uma estrutura objetiva e

interiorizada subjetivamente.

Estreitamente ligado ao conceito de habitus está o conceito de campo. O campo se

refere a esferas da vida social que se autonomizam progressivamente. A concepção

de campo sugere, portanto, espaços de posições sociais nos quais os indivíduos se

16

SANTOS, Pollyana; SEBIM, Charlini Contarato; SILVA, Maria das Dores Santos. Contribuições de Bourdieu para pensar a educação. 2006 (em fase de publicação).

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relacionam, produzem bens que são consumidos e classificados (capitais)17. Os

grupos demarcam sua posição social com base na aquisição do habitus e dos

capitais produzidos em sua esfera social. Determinados grupos dominantes tendem

a se utilizar dessa lógica para afirmar seus bens culturais como objetivamente

superiores aos demais. Constroem-se hierarquias culturais que contribuem para

legitimar as hierarquias sociais – as divisões entre grupos baseando-se nos bens

culturais que consomem e produzem. Esse conceito amplo se estende aos diversos

domínios, traduzindo-se em campo literário, campo religioso, campo político, campo

de poder, campo da alta costura, etc., cada qual com propriedades específicas que

se configuram como campos da realidade social18. (BOURDIEU, 1989)

A reprodução do habitus de um determinado grupo e o valor atribuído a ele (tendo

como base os capitais a ele relacionados), garante a manutenção deste mesmo

grupo na esfera social. Para Bourdieu:

[…] o habitus representa a inércia do grupo, depositada em cada organismo sob a forma de esquemas de percepção, apreciação e ação que tendem com mais firmeza do que todas as normas explícitas, assegurar a conformidade das práticas, para além das gerações. O habitus, isto é, o organismo do qual o grupo se apropriou e que é apropriado ao grupo, funciona como suporte da memória coletiva: instrumento de um grupo, tende a reproduzir nos sucessores o que foi adquirido pelos predecessores, ou simplesmente os predecessores nos sucessores. (BOURDIEU, 1998, p. 112-113)

17

Bourdieu utiliza o conceito de “capital” para se referir à aquisição de “bens” que garantem um reconhecimento dentro da “hierarquia social”. Bourdieu define diferentes tipos de capital: o econômico, o cultural, o simbólico, o social, devidamente reconhecidos em determinados campos sociais. Os capitais relacionam-se entre si, constituindo-se em instrumentos de acumulação. Sendo assim, quanto maior for o investimento na aquisição de capitais, maior será a possibilidade de reconhecimento e mobilidade na estrutura social. A posse de capitais está intimamente relacionada à aquisição do habitus correspondente aos campos em que se almeja adentrar. A permanência e atuação em um campo permite a aquisição do habitus “específico” que permite ao sujeito acumular o capital necessário para participar do “jogo social” em determinado campo. Bourdieu define que o capital cultural pode existir sob três formas: o capital cultural no estado incorporado, pressupõe que a acumulação do mesmo exige uma incorporação, em um processo de inculcação e assimilação que demanda tempo. “O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da „pessoa‟, um „habitus‟”. (Bourdieu, 1998, p.74-75). O capital cultural no estado objetivado diz respeito à posse de bens materiais como: quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas. Para a compreensão simbólica de tais objetos o sujeito necessita do capital cultural incorporado. O capital cultural em seu estado institucionalizado se refere ao acúmulo de diplomas e certificações escolares e o reconhecimento institucional a eles conferido. 18

SANTOS, Pollyana; SEBIM, Charlini Contarato; SILVA, Maria das Dores Santos. Contribuições de Bourdieu para pensar a educação. 2006 (em fase de publicação).

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Sendo incorporado desde a infância, o habitus é compreendido pelo autor como

produto da socialização. Dubar (1995) define a socialização em Bourdieu como:

Um processo biográfico de incorporação das disposições sociais vindas não somente da família e da classe de origem, mas também do conjunto dos sistemas de acção com os quais o indivíduo se cruzou no decorrer da sua existência. Sem dúvida, ela implica uma causalidade histórica do passado sobre o presente, da história vivida sobre as práticas actuais, mas esta causalidade é probabilística: exclui qualquer determinação mecânica de um „momento‟ privilegiado em relação aos seguintes. Quanto mais as pertenças sucessivas ou simultâneas forem múltiplas e heterogéneas, mais se abre o campo do possível e menos se exerce a causalidade de um provável determinado. (DUBAR, 1995, p.77)

Tanto seguindo uma vertente fenomenológica, como em Berger e Luckman, quanto

uma linha estruturalista, como em Bourdieu, tais abordagens tomam como foco

principal o papel das instituições na reprodução das normas sociais para

manutenção e continuidade social. Nesse caso, a construção do sujeito está

intimamente relacionada às funções socializadoras das instituições, e o

reconhecimento de si mesmo está vinculado à posição ocupada do “espaço social”.

O reconhecimento do sujeito se dá a partir de seu reconhecimento na estrutura

social. (DUBAR 1995, DAYRELL 2005, CAMACHO, 1999).

Outras “correntes” compreendem a socialização a partir do distanciamento do sujeito

do sistema e abarcam processos de construção da identidade que extrapolam os

domínios socializadores das instituições como escola, família, religião, trabalho. Ou

seja, o sujeito não é apenas construído por e para atuar em uma realidade objetiva,

mas ele se constrói em um determinado contexto, nas práticas cotidianas que

reconstroem a realidade por ele experimentada.

Dubet e Martuccelli (1997, p.241) expressam que a socialização indica “um duplo

movimento pelo qual uma sociedade se dota de atores capazes de assegurar sua

integração e de indivíduos, de sujeitos suscetíveis de produzir uma ação autônoma”.

Esses autores entendem que a socialização se expressa por um fenômeno de

distanciamento, resultado de uma crescente diferenciação social. Para explicar

como essa outra compreensão da socialização se faz necessária para o contexto

atual, os autores buscam traçar um paralelo com as representações do indivíduo:

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A figura do indivíduo aparece como uma conseqüência mais ou menos direta de um nível crescente de diferenciação social e de racionalização. A maior densidade subjetiva dos indivíduos da sociedade moderna procede uma sociedade mais complexa, na qual o indivíduo cruza com um número cada vez mais elevado de atores e na qual está submetido a um maior número de estímulos por parte do ambiente. Pertence a diversos círculos sociais e deve cumprir um número crescente de tarefas e papéis. (DUBET e MARTUCCELLI, 1997, p.244)

Tem-se a emergência do “indivíduo moderno” em oposição ao “homem comunitário”,

o qual se encontrava submetido à coletividade. A crescente diferenciação social leva

ao indivíduo “pós-moderno”:

[…] uma diferenciação social crescente que aumenta o fosso entre as posições sociais e as motivações individuais ao ponto em que sua junção não pode mais ser assegurada por papéis. […] Certamente, há tarefas objetivas, mas daqui em diante o espaço da iniciativa individual não pára de crescer no seio de cada situação socialmente definida. Desde então, a sociedade é o aprendizado da gestão de uma distância entre as dimensões subjetivas e as posições sociais. (DUBET e MARTUCCELLI, 1997, p.247-248).

Essa perspectiva da socialização não significa uma ruptura do “ator com o sistema”,

no entanto, entende que

No contexto de uma sociedade em mutação, diz Dubet, os atores e as instituições não são mais redutíveis a uma lógica única, a um papel e a uma programação cultural de condutas, como era pensada a socialização na sociedade industrial. Passa a ocorrer uma heterogeneidade de princípios culturais e sociais que organizam as condutas, com os atores podendo adotar simultaneamente vários pontos de vista. Há mutações globais dos quadros de referência, e nenhuma delas assume centralidade. (DAYRELL, 2005, p. 181)

Ao considerar, portanto, a inserção do indivíduo em um dado contexto social,

econômico, cultural, atenta-se que esses contextos não estão estruturados em si a

partir de uma referência apenas. Assim, o sujeito que se encontra em um grupo

social experimenta, circula por outros diferentes e toma como referências para

construção de sua identidade outros modelos e valores que não são exclusivamente

aqueles transmitidos pelas instituições tradicionais socializadoras.

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Há que se considerar ainda, que as instituições responsáveis pelas socializações às

quais os sujeitos deveriam ser submetidos adquirem novas configurações. Segundo

Dubet e Martuccelli (1997, p.261):

[…] a socialização não pode ser mais vista em termos de aprendizado de papéis, mas em termos de construção de experiências. Dito de outra maneira, a unidade da socialização não está mais dada aos atores, mas deve ser construída por eles o que implica que a socialização deve ser centrada sobre o distanciamento.

Os estudos de Dubet sobre os jovens nos liceus franceses ajudam a compreender a

socialização enquanto distanciamento. Esse autor esclarece que a instituição

escolar não tem apenas uma função de transmissão e reprodução das normas

sociais via conhecimento transmitido. A escola, enquanto instituição socializadora,

tem múltiplas funções ou dimensões:

1) Dimensão do modelo cultural: existem valores, conhecimentos, ensinamentos

que as instituições educativas julgam ser indispensáveis à formação do

indivíduo. Essa função diz respeito a que tipo de sujeito que a escola

pretende construir.

2) Dimensão da seleção ou distribuição: como o nome revela, essa função

relaciona-se à reprodução ou à produção das desigualdades sociais.

3) Dimensão da organização ou integração: essa função se relaciona ao papel

integrador da escola. “Essa dimensão organizadora da escola acolhe e

reconhece a comunidade e a vida juvenis. […] Esta função está vinculada à

distância que existe entre a cultura familiar e a cultura escolar. […] A função

de integração se torna cada vez mais difícil pela massificação e pelo

desenvolvimento de uma cultura juvenil fora da escola.” (CAMACHO, 1999,

p.52).

A escola atinge seu papel socializador quando consegue articulação entre essas três

dimensões. No entanto, o que Dubet observa nas escolas francesas é a

desarticulação entre essas funções, principalmente no que diz respeito à relação

entre a “comunidade juvenil e a organização escolar”. Esse distanciamento entre as

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funções da escola possibilita aos jovens alunos a construção de “experiências”.

(CAMACHO, 2000).

A experiência escolar, por sua vez, pode ser percebida nas três dimensões:

1) Dimensão do projeto do aluno: diz respeito ao projeto de construção de futuro

que o aluno deve ter em mente: o que será, que profissão escolher. Dessa

forma, o aluno deve encontrar significado nos conhecimentos apreendidos na

escola para o seu projeto. O que se aprende deve ter “serventia” para o que

se almeja ser. Esse projeto, no entanto, não é uma escolha autônoma do

sujeito, pode ser resultado das expectativas dos pais, ou ainda, pode ser

orientado pela estrutura social.

2) Dimensão da formação do sujeito: refere-se à dimensão das relações

interpessoais entre alunos, professores e pode ser entendida “por meio de

sentimentos como sofrimento, vocação, tédio, identificação com os

ensinamentos, rejeição/alergia a certas matérias e a certos professores”

(CAMACHO, 1999, p.52). Essa é uma dimensão importante, uma vez que

trata das redes de sociabilidades tecidas entre os jovens e que se constroem

fora do controle do sistema escolar e possuem, por sua vez, papel

fundamental para constituição da personalidade do sujeito jovem.

3) Dimensão da estratégia: como expressa o próprio nome, essa dimensão

refere-se às estratégias utilizadas pelos jovens para conciliarem seus

interesses pessoais e a seleção que devem enfrentar, ou seja, o quanto

devem se dedicar aos estudos para ocuparem “uma posição definida nas

hierarquias sociais escolares”. (CAMACHO, 1999).

Para explicar os processos de formação experimentados pelas jovens em situação

de privação de liberdade essa idéia da socialização como um distanciamento entre

os atores e o sistema, apresentada por Dubet e Martuccelli, ajuda na compreensão

de que as jovens em questão acham-se inseridas em um dado contexto social, dele

fazem parte, mas os processos socializadores por elas vivenciados e a

representação que fazem de si mesmas enquanto sujeitos, não são construídos

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exclusivamente a partir dos modelos ou dos papéis traduzidos pelas instituições.

Sendo assim, um entendimento da socialização apenas enquanto internalização das

normas sociais não dá conta de abarcar a riqueza das práticas cotidianas que eram

construídas pelas jovens e que davam outros sentidos às práticas institucionais,

normativas.

Da mesma forma, essa análise auxilia a entender as instituições que se

responsabilizam pela “re-socialização” de jovens em situação de conflito com a lei e

as relações que estes últimos estabelecem com aquelas e com seus funcionários.

Entende-se, portanto, que essas instituições não se orientam apenas para a função

de transmissão da cultura, das normas sociais, dos valores que fazem dos seus

internos sujeitos aptos ao retorno ao convívio social. Há ainda uma riqueza de

práticas desenvolvidas na dimensão das relações, vividas pelas jovens na

experiência, que precisam ser aprofundadas.

É importante esclarecer que não se pretende uma transposição ou uma adaptação

dos conceitos trazidos por Dubet para a análise da realidade estudada nesta

pesquisa. Primeiro por se ter como sujeitos jovens que estão em privação de

liberdade e, portanto, não têm um convívio extra-instituição e estão, a maior parte do

tempo, sob o controle institucional. No entanto, ficou evidente que o mesmo controle

não conseguia alcançar todas as dimensões da vida das jovens, mesmo naquelas

condições descritas. Segundo, por se tratar aqui de uma instituição socializadora

que tem outras funções além daquelas presentes no sistema escolar. No entanto, os

estudos trazidos por Dubet trazem inspiração para a análise dos processos de

formação vivenciados pelas jovens durante todo o processo de internação.

Por outro lado, os primeiros esclarecimentos acerca da socialização apresentados

se fazem necessários uma vez que as instituições de internação socioeducativas

pautam-se em modelos clássicos de socialização com base nos quais traçam suas

ações e procedimentos junto às internas.

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2 O CAMINHO DAS PEDRAS: SE FOSSE FÁCIL ENCONTRÁ-LO,

TANTAS PEDRAS NO CAMINHO NÃO SERIA RUIM19

“Há outros dias que não têm chegado ainda, que estão fazendo-se

como o pão ou as cadeiras ou o produto das farmácias ou das oficinas

- há fábricas de dias que virão – […]”

(Pablo Neruda, “Esperemos”. Últimos Poemas, 1973)

2.1 O CAMINHAR DA PESQUISA

Como no poema de Neruda, o desenrolar desta pesquisa aconteceu a partir da

busca e da espera pelos dias que ainda não haviam chegado. Dias que pareciam

apontar para um caminho transitável e dias que anunciavam que era preciso parar e

aguardar um pouco mais antes de prosseguir.

Esta pesquisa teve como intenção inicial investigar os impactos causados pela

internação nos projetos de futuro dos jovens. Ao partir da proposta de um debate

mais aprofundado sobre a situação do jovem em medida de internação, pretendia-se

analisar como esse processo influenciaria na forma de pensar o futuro e, depois

disso, traçar pistas sobre como as ações desenvolvidas na instituição contribuiriam

ou não para os projetos de futuro dos adolescentes.

Isso posto, o trabalho se orientava para uma abordagem quanti-qualitativa, tendo

como opção o estudo de caso, que voltava seu olhar para jovens do sexo masculino,

na faixa etária de 15 a 17 anos, que estivessem em cumprimento da medida

socioeducativa de internação20. A pesquisa de campo seria enriquecida por uma

19

Paráfrase do trecho da música “Outras Freqüências”, por Humberto Gessinger. 20

A opção por trabalhar com um grupo formado por jovens do sexo masculino devia-se ao fato de estes estarem em maior número entre os internos das unidades de internação do Instituto de Atendimento Sócio-Educativo e vivenciarem com maior freqüência situações que implicavam riscos de morte, como os episódios de rebeliões, por exemplo.

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67

oficina de teatro. Essa oficina constituía-se em um projeto de extensão (APÊNDICE

I) – “Oficina de teatro na UNIS”, aprovado pela PROEX em reunião de 06/10/2006,

sob registro 105/2006, SIEX 28876 – que tinha como objetivo construir uma peça de

teatro na qual os jovens expressariam, em personagens, suas expectativas em

relação ao futuro21. No entanto, conforme mencionado na introdução deste trabalho,

os desvios encontrados no caminho desta pesquisa orientaram para a mudança dos

sujeitos, do lócus investigativo e, conseqüentemente da temática a ser analisada. A

seguir, estão descritos os caminhos percorridos, seus desvios, obstáculos, retornos

e avanços.

Aproximar-me do campo de observação e dos sujeitos desta pesquisa empenhou

uma caminhada que se iniciou em junho de 2006 por meio de um contato inicial e

informal com as sub-gerentes da Unidade a ser pesquisada22. Esse encontro foi de

grande relevância para compreender os passos que precisavam ser dados para a

autorização da pesquisa em uma instituição socioeducativa de internação. Também

foi relevante por possibilitar um contato direto com as profissionais que estariam

envolvidas nesse processo diariamente, para a apresentação da sugestão de

pesquisa juntamente com o trabalho de intervenção. Assim, poder-se-ia perceber se

havia aceitação ou não às atividades a serem desenvolvidas. Neste caso, a

aprovação das mesmas era fundamental para saber se a proposta seria exeqüível. A

idéia foi bem aceita pelas sub-gerentes, que orientaram os procedimentos

necessários para solicitar autorização para a pesquisa.

Após o projeto de extensão ter sido aprovado por esta Universidade, foi realizado o

primeiro contato com a direção técnica do Instituto de Atendimento Sócio-Educativo

do Espírito Santo (IASES) em 07 de novembro de 2006, mediante reunião com a

assessora da Diretoria Técnica. Foi apresentada a proposta da pesquisa bem como

21

A opção por este caminho se justificava por alguns fatores: primeiro, por considerar que o teatro, enquanto forma de expressão, poderia propiciar espaço de fala a esses sujeitos silenciados pela sociedade, constituindo-se em um momento em que o jovem pudesse se posicionar, por meio da arte, sobre o que pensava, o que sentia e o que esperava da vida. Segundo, do ponto de vista do desenvolvimento da pesquisa, esse processo possibilitaria a observação e a aplicação dos instrumentos de coletas de dados. Além disso, poderia estabelecer um maior contato com a equipe técnica e de professores que compunham a unidade pesquisada, auxiliando na compreensão de como as atividades de caráter educativo eram realizadas naquele espaço. 22

Esse encontro foi intermediado por uma aluna do Programa de Mestrado em Educação que

participava de um curso oferecido pelo PPGE no qual as funcionárias da UNIS participavam como alunas.

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a do projeto de extensão, explicadas as atividades e os prazos para realização das

mesmas. A assessora, por sua vez, relatou as dificuldades para o desenvolvimento

de qualquer tipo de atividade, tendo em vista a rotatividade de jovens em internação,

a irregularidade na ocorrência de atividades escolares em virtude de fugas,

rebeliões, intervenções policiais e pela inconstância dos próprios jovens no que diz

respeito ao interesse de participação em tarefas educativas.

Para conceder a autorização à pesquisa e ao projeto de extensão, deveria haver

uma reunião interna da assessora com o diretor técnico, na qual ela apresentaria a

proposta e os dois avaliariam a relevância desta para o Instituto. Posteriormente,

seria marcada uma nova reunião para discussão e possível aprovação das

atividades.

Um mês após a primeira reunião, foi marcada a segunda, no dia 05 de dezembro de

2006. Nela estavam presentes a orientadora desta pesquisa e coordenadora do

projeto de extensão, Prof.ª Dr.ª Luiza Mitiko Yshiguro Camacho, esta pesquisadora,

a assessora da diretoria técnica do IASES, e o diretor técnico. A pesquisa, assim

como o projeto, foram autorizados e algumas decisões foram tomadas para início

das atividades em fevereiro de 2007: a) a pesquisa e a oficina de teatro desenvolver-

se-iam em uma ala denominada „Seguro‟. Integravam essa ala jovens “jurados de

morte”23 pelos outros internos da UNIS (Unidade de Internação Sócio-Educativa).

Localizava-se em Maruípe, no Centro Integrado de Atendimento Sócio-Educativo

(CIASE); b) seria providenciada presença de assistentes de aluno (monitores) para a

segurança; c) a regularidade dos encontros para a oficina seria combinada com a

gerente do CIASE.

Os contatos com a gerente do CIASE foram estabelecidos em 07 de dezembro de

2006. Restabelecido o contato na última semana de janeiro de 2007, conforme

solicitado pela gerente, encontrou-se uma situação que impunha entraves ao

desenvolvimento do trabalho: por determinação da Justiça, a ala do Seguro seria

transferida da Delegacia de Maruípe, em Vitória, para a UNIS, em Cariacica.

23

Integram as alas de Seguro jovens que, por algum motivo, correm risco de morte se forem colocados junto aos demais. O motivo pode ser desde o cometimento de uma infração que não é admitida no “código de ética” dos internos, como estupro, ou porque os jovens poderiam pertencer a facções ou bairros rivais.

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Diante desse quadro, não haveria possibilidades de realização da pesquisa e da

oficina de teatro. A situação foi solucionada pela assessora da Direção Técnica do

IASES no dia 09 de fevereiro de 2007. Após permissão do então gerente da UNIS,

decidiu-se que o projeto de extensão e a pesquisa seriam realizados junto à ala do

Seguro transferida para aquela Unidade.

No dia 13 de fevereiro, houve uma reunião com o gerente da UNIS para

apresentação da proposta de trabalho. A receptividade foi boa. O começo das

atividades foi marcado para o dia 26 de fevereiro, após o feriado de carnaval.

No dia 26 de fevereiro, houve um retorno à Unidade para programar o andamento do

projeto24: horário, dias da semana, número de jovens, espaço para realização da

oficina, disponibilidade de monitores. A conversa, dessa vez, foi com a sub-gerente

responsável pela equipe de psicólogos e assistentes sociais. Ela expôs algumas

dificuldades para o desenvolvimento do trabalho: o reduzido número de monitores

disponíveis e o espaço precário para atividades. No entanto, ela gostou da proposta

e apresentou um local onde, possivelmente, aconteceriam os encontros, assim como

o grupo de jovens com o qual a oficina seria desenvolvida. Os jovens se mostraram

interessados pela proposta de fazer teatro e de participarem de uma pesquisa.

Ao final do encontro, todavia, a sub-gerente informou que o acerto de detalhes

relativos aos dias, horários e grupo de participantes não era responsabilidade de sua

função. Era preciso uma nova reunião com a sub-gerente pedagógica, pois essa

atividade seria desenvolvida juntamente com a equipe do Espaço Educativo.

No dia 01 de março, quinta-feira, houve a reunião com a sub-gerente pedagógica.

Explicada a proposta da pesquisa e as demandas necessárias para a oficina se

realizar, a sub-gerente informou que uma oficina de teatro já era desenvolvida por

um professor formado em Artes Cênicas, contratado pela Secretaria de Cultura do

Estado (SECULT). Segundo a mesma, havia um projeto realizado na UNIS em

parceria com a SECULT, denominado “Projeto Iluminar”, que agregava outras

oficinas, entre as quais a de teatro.

24

Até aquele momento a pesquisa realizar-se-ia a partir da oficina de teatro, pois ela possibilitaria um número fixo de jovens com os quais pudesse trabalhar diariamente.

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70

Fui apresentada ao grupo de professores e oficineiros, que estavam em reunião

para início das aulas. Um professor que dava aulas de capoeira e de música se

interessou pela idéia da pesquisa e se dispôs a ajudar no que fosse necessário.

Disponibilizou suas aulas para desenvolvimento de atividades em conjunto. Por

intermédio desse professor, foi possível retornar à Unidade na semana seguinte

para acompanhamento das atividades escolares.

O retorno se deu no dia 07 de março, quarta-feira. Dessa data ao dia 15 do mesmo

mês, o trabalho realizado foi de acompanhamento das atividades diárias dos

professores(as) na UNIS e na UFI. Acompanhar tais atividades significava trabalhar

em conjunto com o corpo docente auxiliando no que fosse necessário. Durante esse

período, não havia um posicionamento da sub-gerência pedagógica quanto à

realização da oficina de teatro.

No dia 15 de março, a sub-gerente pedagógica, em uma rápida conversa, expôs as

dificuldades em se desenvolver a oficina de teatro na Unidade. Complicações,

segundo ela, de estrutura da UNIS: falta de monitores para acompanhar os jovens

até o Espaço Educativo; dificuldade para ajustar horários e definir locais para o

trabalho.

Foi solicitado que o trabalho de intervenção se realizasse por meio de

acompanhamento das atividades dos professores, em aulas e atividades extras dos

projetos programados para cada mês. Diante da impossibilidade de realização da

oficina de teatro, mas com a abertura para acompanhar grupos de jovens durante as

aulas e oficinas, o pedido feito pela sub-gerente foi acatado e as atividades de

pesquisa se desenvolveram da maneira como foi solicitada.

Durante o mês de março, foi possível acompanhar as atividades realizadas com os

meninos na unidade de internação masculina e com as meninas na unidade de

internação feminina. Como os sujeitos desta pesquisa ainda eram os meninos, era

preciso acompanhar grupos fixos de alunos durante a semana. Dias de segunda,

quarta e sexta-feira eram acompanhadas as atividades com os jovens na unidade

masculina – as aulas desenvolvidas nas salas do Espaço Educativo e na horta – na

terça e quinta-feira, o acompanhamento ocorria nas aulas na unidade feminina.

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71

Como a periodicidade das aulas para as turmas da unidade masculina ainda não

estava regularizada, era comum freqüentar mais dias a unidade feminina.

No mês de abril, o trabalho com os jovens internos foi interrompido em virtude da

intervenção do Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar (BME)25 na UNIS. O

Espaço Educativo destinado às aulas com os internos foi transformado em

alojamento para os militares e todas as atividades de caráter pedagógico

desenvolvidas com os jovens foram suspensas.

A justificativa para a intervenção do BME foi a realização de uma reforma no prédio

da instituição. Sendo assim, era necessário reforço policial para o deslocamento dos

internos de uma ala para a outra enquanto a reforma era concretizada. A UNIS ficou

sob intervenção do BME do dia 10 de abril ao dia 02 de maio. O Espaço Educativo

foi desocupado pelos militares no dia 10 de maio. Durante esse período, os jovens

somente saíam dos alojamentos para banho de sol na quadra.

A retomada das aulas com os jovens não foi regularizada até o fim de junho.

Durante todo o mês de maio e o mês seguinte, foram realizadas tentativas,

frustradas em sua maioria, de atendimento de turmas no Espaço Educativo. O

número de monitores reduzido dificultava o trabalho dos professores. Sendo assim,

as aulas aconteciam sem a freqüência regular dos alunos, sendo por diversas vezes

interrompidas.

Tendo em vista a impossibilidade de acompanhamento de atividades junto aos

meninos e considerando que desde o mês de abril as observações estavam

acontecendo intensamente na unidade feminina, decidiu-se pela mudança dos

sujeitos e do espaço da pesquisa.

Com essas mudanças, outras questões saltaram aos olhos, como por exemplo: as

estratégias utilizadas pelas meninas para assegurarem sua condição juvenil em uma

situação de privação de liberdade; a incorporação de um novo habitus pelas jovens;

e, por fim, os processos de formação vivenciados por elas. Apesar de novos dados

25

O Batalhão de Missões Especiais (BME) no Estado do Espírito Santo equivale ao BOPE do Estado do Rio de Janeiro.

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aparecerem, a problemática da pesquisa se mantinha focada nos impactos da

internação nos projetos de futuro.

Contudo, o andamento dos trabalhos, ainda esbarrava nos trâmites burocráticos e

hierárquicos na espera de autorizações para algumas das atividades da pesquisa.

Somado a esse quadro, a imprevisibilidade das dinâmicas do dia-a-dia impunha

dificuldades em se formar um grupo de jovens para desenvolver as discussões

sobre o tema. Posteriormente, frente à impossibilidade de realizar entrevistas,

percebeu-se a necessidade de se voltar para questões que estavam presentes nas

observações diárias e, nesse sentido, o que emergia como uma problemática eram

os processos de (trans)formação vivenciados pelas jovens durante a internação. A

vida na Instituição era assim: navegar conforme os imprevistos e não conforme as

orientações precisas de uma bússola.

Um olhar mais aguçado para as estratégias de sobrevivência das jovens fez emergir

outras questões: como era ser jovem em privação de liberdade? Elas se

reconheciam como tal? Como eram percebidas pelos funcionários da Instituição? De

que juventude se estaria falando? O que “fazia a cabeça” das jovens durante a

internação? Qual era o sentido das atividades socioeducativas para as jovens? E,

finalmente: Como ocorriam os processos de formação das jovens que se

encontravam em privação de liberdade?

2.1.1 Da pesquisa idealizada à pesquisa realizada

Este estudo se baseou em um trabalho quanti-qualitativo, tendo como opção para a

pesquisa o estudo de caso. Esse proceder permitiu um aprofundamento na

instituição pesquisada, captando as práticas cotidianas nela vivenciadas. Embora

alguns autores não cheguem a um consenso sobre a conceituação do estudo de

caso, André (2005, p.16) aponta o que se pode considerar como um ponto em

comum entre os pesquisadores: “[…] é que [o estudo de caso] sempre envolve uma

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instância em ação. […] Não é um método específico de pesquisa, mas uma forma

particular de estudo”.

A abordagem qualitativa contou com: a observação (APÊNDICE II); a consulta a

documentos da instituição e às atividades escolares produzidas pelas jovens durante

as aulas e as oficinas; o registro de conversas informais (preciosas para esta

pesquisa); a aplicação de questionários de questões abertas para as jovens, os

professores, os oficineiros, os técnicos e os assistentes de alunos26 (APÊNDICE III a

VI).

Por meio de observação, buscou-se captar as interações entre os atores – jovens-

jovens; jovens-adultos – e a dinâmica da Unidade pesquisada.

Foi realizada também uma coleta de dados quantitativos a fim de saber quantos

jovens compreendidos na faixa etária de 15 a 17 anos se encontravam em

cumprimento da medida socioeducativa de internação; desse número, quantos eram

do sexo feminino e do sexo masculino; há quanto tempo as jovens sujeitos desta

pesquisa encontravam-se em internação; e o tipo de ato infracional cometido pelas

adolescentes.

As observações realizaram-se no período de março a junho de 2007, perfazendo

quatro meses completos de incursões diárias ao campo (exceto nos fins de semana

e feriados), totalizando uma média de 6 horas por dia27. Foram observados os

26

O quadro de profissionais incluía, entre outras, as seguintes funções: a) professor: este era contratado pela SEDU sendo responsável pelo desenvolvimento de atividades educativas de caráter escolar; b) oficineiro (ou instrutor de ensino profissionalizante): este profissional se encarregava de administrar cursos profissionalizantes para os/as internos/as (havia oficinas permanentes de artesanato, música e informática); c) técnico: nesta categoria se encontravam psicólogos, assistentes sociais e pedagogos que prestavam o atendimento psico-socioeducativo aos/as internos/as; d) assistente de aluno (ou monitor, como era comumente chamado): este se responsabilizava pelo acompanhamento de jovens às consultas médicas, às audiências e outros deslocamentos de internos/as. Eram também funções deste cargo: zelar pela disciplina entre os/as jovens internos/as; distribuir as refeições diárias; administrar os medicamentos prescritos aos/ às jovens; controlar os horários de saídas e de entradas nos alojamentos; distribuir materiais de limpeza ou de higiene pessoal aos/às jovens; redigir relatórios diários dos acontecimentos vivenciados na Unidade. 27

Havia dias em que a observação se dava ou no período da manhã ou no turno vespertino. Em outras ocasiões, os acontecimentos presenciados indicavam que era interessante permanecer na instituição nos dois horários. Havia, ainda, dias em que se optava por não ir a campo, por questão de segurança.

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momentos de aula, de “recreação”, e de “tranca”28, sempre na companhia dos

professores ou dos assistentes de alunos. O contato com as jovens era inconstante

tal qual a rotina da unidade pesquisada. Havia semanas em que era possível

encontrar as internas de segunda a sexta. Em outras, passavam-se dois, três ou

todos os dias sem poder vê-las. Isso porque ou as meninas não compareciam às

aulas – resultado da indisposição que sentiam para saírem dos alojamentos ou em

razão de medidas disciplinares aplicadas que excluíam o banho de sol – ou em

virtude de a situação do momento implicar risco à segurança dos profissionais.

Em companhia dos professores e oficineiros29, foi possível transitar por espaços de

sala de aula, pela secretaria e gerência da instituição, pela sala dos técnicos, pela

sala dos professores, pela unidade feminina de internação, pelos alojamentos das

internas na unidade feminina e pelos alojamentos dos internos da ala do Seguro da

unidade masculina30, pela quadra externa da unidade, pelos espaços onde se

desenvolviam as oficinas – como a padaria, a sala de artes e as salas de informática

–, pela horta utilizada por alguns jovens da unidade masculina, pela unidade de

saúde, pela unidade de internação provisória masculina, pelo auditório onde

aconteciam reuniões com as famílias. Em alguns destes espaços, como a sala dos

professores, a gerência, a padaria, não era necessária a companhia de professores

e/ou oficineiros. Para os demais, fazer parte do grupo dos funcionários facilitava o

acesso.

Foi feito um diário de campo – totalizando 155 páginas digitadas – no qual se

registrou o máximo das informações obtidas nas observações, descrição dos

acontecimentos, dos espaços e dos sujeitos. Foi realizado um exercício de

memorização, uma vez que não era possível andar com papel e caneta anotando o

que mais chamava atenção. Assim, ao chegar do campo de observação, o registro

28

A tranca se refere ao horário de reclusão nos alojamentos. Nesses momentos, a observação se dava por meio das visitas que eram realizadas junto aos professores, a cada ala, conversando com as jovens, perguntando por que não compareceram às atividades, entregando exercícios escolares para reposição de aulas perdidas. Enfim, era um momento informal que permitia descortinar um universo juvenil que não se fazia à mostra nos momentos de “liberdade”. 29

O oficineiros eram os educadores responsáveis por oficinas de artes, música, capoeira, contratados pelo Instituto de Atendimento Sócio Educativo do Espírito Santo, por intermédio da Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo. 30

A visita aos alojamentos sempre contava com a presença de professores ou de monitores. Ao alojamento da unidade feminina tive acesso regular, quase diário. Quanto ao alojamento masculino, isso só foi possível uma vez, em companhia de um grupo de professores.

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diário era indispensável. Buscou-se, dessa maneira, escrever tudo o que foi possível

memorizar. Conforme o dia, se este era muito intenso de acontecimentos, as

anotações chegavam a ocupar dez páginas digitadas do diário de campo. Em

outros, porém, não se estendiam por mais de duas folhas.

Em algumas ocasiões foi possível, por meio da conversa informal, direcionar

questões para as jovens e fazer uma espécie de coleta de “depoimentos”. Com o

auxílio dos professores, que me emprestavam folhas de papel e lápis, tornava-se

viável anotar as principais falas das jovens. Esse material era, posteriormente,

registrado em diário de campo.

A proposta inicial desta pesquisa incluía a entrevista individual (APÊNDICE VII) nos

instrumentos de coleta de dados. No mês de abril, foi realizada uma entrevista com

três adolescentes. Dias depois, o teor da entrevista chegou às autoridades que

decidiram recolher as fitas, o que não chegou a se concretizar. A partir desse

episódio, tomou-se a decisão, em nome da segurança de todas as envolvidas –

entrevistadas e entrevistadora – pelo redirecionamento da coleta de dados, ou seja,

pela não realização das entrevistas individuais e/ou grupais. Cabe esclarecer que

aquela entrevista de 1 hora e 30min não foi utilizada neste trabalho.

Sendo assim, optamos por substituir as entrevistas pelos questionários, que

continham questões abertas e foram aplicados às jovens em internação provisória e

definitiva, aos professores (das unidades feminina e masculina), aos oficineiros (das

unidades feminina e masculina), aos assistentes de aluno da unidade feminina, aos

técnicos (das duas unidades) e às sub-gerentes. Como a resposta ao questionário

tinha um caráter não-obrigatório, nem todos responderam. No total foram devolvidos

45 questionários; destes 22 eram de jovens (em internação e internação provisória),

5 de técnicos, 9 de professores, 5 de oficineiros e 4 de assistentes de aluno.

A aplicação desse instrumento de coleta ocorreu em dias alternados. Durante uma

semana, houve dedicação exclusiva aos professores e técnicos da unidade

masculina de internação. Quando um número significativo já havia sido devolvido

para esta pesquisadora, outra semana foi destinada à aplicação de questionários

somente aos funcionários da unidade feminina. Para as meninas, foi dispensado um

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dia no qual a entrega do material foi realizada pela manhã e o recolhimento do

mesmo foi feito ao fim da tarde. Como nem todas retornaram o material nesse dia e

nos dias seguintes, outra data foi reservada para re-aplicação dos questionários

àquelas que não haviam respondido.

A consulta a documentos incluía: o Regimento Interno da Instituição e o projeto para

implantação de uma escola estadual (este se encontrava em fase de elaboração)

que continham lista de alunos, número de professores, oficinas oferecidas, bem

como os seus objetivos, os fundamentos pedagógicos e um histórico da instituição.

Também foi possível ter acesso às pastas que reuniam as atividades escolares

produzidas pelas jovens.

Os sujeitos principais desta pesquisa foram jovens do sexo feminino na faixa etária

entre 12 e 18 anos, que se encontravam sob medida socioeducativa de internação,

em regime provisório ou definitivo. A instituição locus da investigação foi a Unidade

de Feminina Internação (UFI), integrante do Instituto de Atendimento Sócio-

Educativo do Espírito Santo.

2.2 MAPEANDO O ESPAÇO DA PESQUISA

O Instituto de Atendimento Sócio-Educativo se situava na Região Metropolitana da

Grande Vitória, mais precisamente, na sede do município de Cariacica-ES, em uma

região onde também se localizavam outras instituições: o hospital psiquiátrico, o

presídio feminino e o centro formações da polícia militar.

O Instituto compreendia as seguintes unidades de internação: A Unidade de

Internação Masculina, as Unidades de Internação Provisória Masculina e Feminina,

a Unidade de Atendimento ao Deficiente, Unidade Feminina de Internação. Os

prédios foram construídos em um mesmo local, formando um “Complexo”, como

definido pelos próprios funcionários que lá trabalhavam. A área onde o Instituto se

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situava ficava próximo a um vale, era arborizado, possuía um ar bucólico de cidade

de interior e a paisagem extra-muros era muito bonita.

Os muros altos separavam o Instituto da rua. Existiam duas entradas para carros e

uma entrada para pedestres, ambas vigiadas por guaritas. Na entrada principal, um

pequeno “posto” policial. Para entrar era necessário mostrar documento de

identidade e assinar uma lista de controle de entrada e saída de pessoas.

O terreno onde os prédios das unidades foram construídos era irregular. Na parte

mais alta, pouco mais a frente da entrada principal ficava a unidade de internação

masculina e a sala da gerência do Instituto. Próximo a ela, tinham-se as alas

destinadas ao Seguro e à unidade de saúde.

A escola situava-se em uma região à direita em relação à guarita principal e atrás do

prédio da unidade masculina de internação. As instalações da escola encontravam-

se em dois grandes galpões. O primeiro era dividido em quatro pavilhões. No

primeiro, encontravam-se sete salas de aulas, dois banheiros e uma sala de

informática. No segundo, funcionava a padaria e a sala de artes. No terceiro, estava

a sala dos professores e a sala dos técnicos. E no quarto funcionava um

almoxarifado. O galpão era coberto por um telhado de zinco. Nos dias de calor, a

temperatura no interior do prédio era altíssima e insuportável.

Em um segundo galpão, funcionava o auditório da escola: um salão sem divisórias,

também com cobertura de telhado de zinco, igualmente quente em seu interior. As

paredes eram revestidas por uma pintura antiga, gasta e era coberta por recados

escritos pelos jovens e por algumas pinturas envelhecidas.

Seguindo em frente à entrada principal (a guarita policial), passando pelo prédio da

unidade masculina de internação, chegávamos a mais duas unidades do Complexo.

Em frente funcionava a horta. Continuando à direita, contornando a lateral do prédio

da unidade de internação masculina situava-se a entrada para a unidade de

internação provisória.

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Tomando novamente como referência a entrada do Instituto, à esquerda da guarita

policial estava o acesso para a unidade feminina. O edifício, de dois andares, ficava

situado na parte mais baixa do terreno. O primeiro pavimento abrigava a unidade de

atendimento para portadores de deficiência mental. O acesso a ela se dava pela

área externa do Complexo. No térreo, funcionava a unidade feminina que era de

pequeno porte e abrigava em um mesmo prédio as alas de internação provisória, de

internação definitiva e do Seguro. Esta última ficava isolada das demais, as quais

ficavam em um mesmo setor.

Ao entrar na unidade feminina, deparava-se com uma grande sala de recepção,

contendo uma mesa grande próxima a uma das paredes, umas cadeiras do outro

lado, um bebedouro, e uma geladeira, na qual eram guardados os mantimentos

trazidos pelas famílias para as meninas. Havia outros cômodos que davam para

essa recepção: um banheiro, uma pequena cozinha para uso dos funcionários e

uma outra sala que anteriormente era para uso dos professores e abrigava os

armários dos assistentes de aluno, depois passou a alojar a diretoria/secretaria.

Interno a esta sala havia um pequeno almoxarifado. De frente para a entrada, um

corredor pequeno dava acesso a mais duas salas: a sala dos técnicos (psicólogo e

assistente social) e a sala que já havia sido utilizada pela diretoria e passou a ser a

sala dos professores e assistentes de aluno. Neste cômodo ficavam os armários

utilizados por professores e assistentes de aluno, uma mesa grande, uma mesa

menor, algumas cadeiras e um banco comprido, um local para guardar as chaves

dos cadeados que trancavam os portões e alguns medicamentos usados pelas

jovens.

A unidade havia passado por reformas no primeiro semestre de 2007 e estava com

pintura nova, em tons pastel, o que tornava o ambiente mais agradável. Alguns

cartazes produzidos em aulas pelas meninas ficavam expostos nas paredes. Havia

também um quadro de avisos com informes para os funcionários e para os pais.

Folders distribuídos pelos agentes de saúde também ocupavam espaço no quadro

de avisos e nas paredes.

Ao fim do pequeno corredor, um portão de grades reforçadas dava acesso a um

outro corredor em formato de “L” onde se localizavam: à esquerda, o portão de

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acesso à quadra de esportes; em frente, a sala de informática; e, virando à direita no

corredor, duas salas utilizadas como ala de “seguro”31. Todas as salas tinham uma

porta de madeira e outra de grade de espessura grossa e eram trancadas por

cadeado (fechadura tetra).

No fim desse corredor, à esquerda, mais um portão dava passagem a outras duas

salas de aula: uma com o quadro em más condições de uso e outra com um quadro

em condições menos precárias. Os recintos eram divididos por uma parede. Não

havia portas. No início do ano, havia cadeiras e mesas de plástico, mas, no meio do

semestre esses objetos foram levados para os alojamentos das meninas a pedido

delas. Se o professor quisesse fazer uso desses materiais, era preciso solicitar às

meninas que os emprestassem.

As paredes também tinham sido pintadas em verde claro, porém infiltrações do

prédio estragaram o trabalho feito. Em alguns locais, a cobertura de tinta havia

descascado. Nas paredes havia escritos feitos pelas meninas com seus nomes,

seguidos dos artigos em que foram enquadradas. Algumas registravam palavras de

incentivo, outras traziam declarações de amor.

O último portão no fim do recinto em que se localizavam as salas de aula era a

entrada para os alojamentos das meninas. Havia um estreito e longo corredor que

dava acesso a todos os seis cômodos. Cada alojamento tinha beliches de alvenaria.

Dentro das habitações, uma “meia parede” separava o banheiro, com um chuveiro e

um vaso sanitário (no estilo “banheiro turco”, com apenas um buraco no chão). O

piso era de cimento e as paredes eram cobertas por tinta envelhecida. Os

dormitórios eram escuros e úmidos. Nas paredes, as meninas escreviam

declarações de amor aos namorados e às namoradas, deixavam recadinhos para as

amigas, colavam fotos de familiares ou recortes de revistas. Alguns tinham um varal

preso às pilastras dos beliches onde eram penduradas roupas, lençóis, toalhas. Não

existiam armários para depositar os pertences. Algumas jovens conseguiam caixas

de papelão para guardá-los próximos às suas camas. Dependendo do grupo que

31

Uma dessas salas era destinada aos assistentes de aluno, mas precisou ser desativada para instalar três meninas. Nesse cômodo havia banheiro e duas janelas com grades, uma que dava acesso ao beco externo e outra que dava para o corredor interno. Esta era mantida fechada pelas meninas e era coberta com lençóis, impossibilitando enxergar o interior do recinto.

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ocupasse o alojamento, havia escalas de limpeza e regras internas daquele

dormitório.

Do “quarto de dormir” não era possível avistar o céu. Era comum as jovens nos

perguntarem se na noite anterior havia muitas estrelas no firmamento ou se a lua

estava bonita.

Do lado oposto aos dormitórios, havia um beco que se estendia pela lateral direita

do prédio e cujo acesso era pelo lado de fora da unidade feminina. Desse local,

exalava um cheiro forte e desagradável, pois era comum que os internos da unidade

de atendimento para deficientes jogassem de suas janelas em direção ao beco os

restos de comidas ou fezes e urina.

No lado esquerdo do prédio da unidade feminina, situava-se uma quadra de

esportes que era utilizada em horários distintos pelas meninas e pelos meninos do

Seguro da unidade de internação masculina. A quadra possuía muros altos,

reforçados por alambrados. De um lado da quadra, havia uma arquibancada,

próxima a um muro muito alto que separava a unidade da rua. Na parede próxima

ao portão que dava acesso à unidade feminina, havia um chuveiro.

A quadra não era coberta. Desse modo, tinha-se visão da parte mais alta do terreno,

na qual se situava o prédio da unidade masculina, o seguro masculino e a unidade

de saúde.

Essa quadra era o “veículo de comunicação” entre as meninas e os meninos em

pelos menos duas situações. A primeira, quando permitia que as meninas vissem os

meninos da ala do Seguro que podiam ficar do lado de fora, na frente do prédio. Ou

ainda quando qualquer outro interno fosse para a unidade de saúde. Assim, era

possível conversar com eles. A conversa geralmente começava com uma pergunta

das meninas: “Qual é, menor?” e o “papo” se desenvolvia. Outro modo que as

meninas e meninos encontravam para se comunicar era deixando recados nos

muros que cercavam a quadra. Em geral, eram recadinhos apaixonados. Por

exemplo:

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R.32

não “dá jelo”33

J. C.

34 – 157

35

Num tô “dando jelo”36

. R. Para as mina da UFI

37

Fé em Deus Que a liberdade vem Amo vocês tudo A. te amo!

38

Os muros da quadra também serviam para a expressão da “veia poética” de alguns

jovens:

Todos tem um sonho neste mundo Nunca desista Se você acredita core Atraz basta sonha e Espera seu sonho vai se realisa Pois eu acredito Ass.: C.

39

Quando estou sozinho Quero esta acompanhado Quando estou acompanhado Quero estar sozinho Isto faz parte de mim Mais agora que estou sozinho Quero te você eternamente Ao meu lado... Em cada rosto vejo seu rosto Em cada olhar vejo seus olhos Em cada riso vejo sua boca A cada palavra ouço sua voz Onde quer que eu vá lá está você

Te adoro

32

“R”. representa o nome da jovem. 33

A gíria “dar gelo” indica que alguém está indiferente com a outra pessoa. Na forma como era utilizada por estes/estas jovens, “dar gelo” significava que alguém não estava mais respondendo aos bilhetinhos (“catuques”) e às cartinhas que eram trocados. Neste caso, uma menina reclamava que o menino não respondia mais aos seus bilhetes. E ele deixa a resposta logo abaixo da reclamação dela. 34

Representa o nome do rapaz. 35

157 – Este é o número do artigo que enquadra o assalto a mão armada no Código Penal. Era comum que os/as jovens se identificassem escrevendo o nome do lugar onde residiam (neste caso “C.”) e/ou identificando o artigo no qual foram enquadrados. 36

Cabe observar que nesta dissertação todas as escritas dos sujeitos (jovens e demais funcionários) serão fielmente transcritas. 37

UFI: Unidade Feminina 38

“A” representa o nome de uma das jovens internas. 39

“C.” representa o nome do lugar onde o/a jovem mora.

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Outros recados escritos demarcavam a assunção de uma condição de “bandido”:

Tudo na vida tem seu preço E valor, então não pague A prestação irmão Nois é ladrão. 157 da UNIS.

40

Bandido que é bandido Não se ilude Vive no crime E morre no estilo Hollyowd Vida Loka – 157

Outros recados escritos nos muros eram ilegíveis pois a tinta estava desgastada

pelo tempo.

A estrutura física do “Complexo” era inadequada e muito antiga. Estava passando

por reformas durante o período da pesquisa de campo. Os funcionários, em especial

os professores, lamentavam as limitações que as más condições dos prédios

impunham ao trabalho.

2.3 QUEM SE ESCONDE ATRÁS DOS MUROS? - OS SUJEITOS DA PESQUISA

Participaram desta pesquisa as jovens da unidade feminina de internação e os

funcionários da instituição: professores, oficineiros, assistentes de aluno e equipe

técnica.

Os professores que trabalhavam nas unidades eram contratados pela Secretaria de

Educação do Estado do Espírito Santo na categoria de designação temporária para

atuarem na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Não existiam turmas de

ensino médio. Havia nas unidades professores: de 1ª a 4ª séries; de Ed. Física e de

Artes de 1ª a 8ª séries; de Língua Portuguesa; de Matemática; de Ciências; de

História e de Geografia, todos de 5ª a 8º séries. Dos professores que responderam

40

Unidade masculina de internação.

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83

aos questionários, todos declararam possuir curso superior completo ou em

andamento. A graduação cursada não correspondia, necessariamente, à disciplina

ministrada. Havia também docentes com cursos de pós-graduação (latu senso e

stricto senso).

Os(as) professores(as) estavam na faixa etária de 25 a 50 anos. O tempo de

trabalho na unidade variava de 4 meses a 2 anos.

Os assistentes de aluno, os oficineiros e os técnicos eram contratados pelo Instituto

de Atendimento Sócio-Educativo. Na unidade feminina, tive contato com 10

assistentes de aluno, 2 oficineiros, 4 técnicos (1 psicólogo, 1 pedagoga, 1 assistente

social e 1 chefe de segurança – responsável pela supervisão dos assistentes de

aluno), 1 diretora da unidade e 2 sub-gerentes (responsáveis pelas áreas

pedagógica e de atendimento das demais unidades).

Os(as) assistentes de aluno que responderam ao questionário tinham entre 26 e 50

anos e o tempo de atuação na unidade variava de 1 ano e 6 meses a 3 anos.

Declararam possuir segundo grau completo (formação em cursos técnicos) e um

curso superior completo.

Os(as) oficineiros(as) estavam na faixa etária de 25 a 45 anos. O tempo de atuação

na unidade variava entre 10 meses e 8 anos. Afirmaram ter curso de graduação em

andamento e um tem formação técnica.

Os(as) técnicos(as) encontravam-se na faixa etária de 30 a 55 anos. O tempo de

atuação se estendia de 9 meses a 25 anos na instituição. Todos declararam possuir

curso superior completo ou em andamento.

Na unidade feminina, 12 jovens (3 delas encontravam-se no Seguro) cumpriam

medida socioeducativa de internação. Destas, 9 responderam aos questionários

aplicados. Treze jovens em regime de internação provisória que estavam na unidade

durante o período da aplicação dos questionários também responderam aos

mesmos. Precisar um número de jovens em cumprimento de regime provisório não

foi uma tarefa fácil, uma vez que o fluxo de entrada e saída de jovens era intenso.

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84

No último mês da pesquisa de campo, a atualização do número de internas

aguardando pelos resultados de suas audiências registrava 19 jovens.

A faixa etária das jovens que responderam aos questionários variava de 12 a 18

anos – no fim de maio e início de junho, meses da aplicação dos questionários –

como mostra a tabela abaixo:

TABELA 01- Idade das jovens

Idade Internação provisória41

(1 não respondeu) Internação42 (1 não respondeu)

12 anos 01 __

13 anos 01 __

14 anos __ __

15 anos 03 01

16 anos 01 04

17 anos 06 02

18 anos __ 01

Para as jovens que estavam sentenciadas, o tempo de internação variava de 3

meses a 1 ano e 7 meses. A tabela a seguir relaciona a idade e o tempo de

internação:

As jovens estudavam em escolas regulares quando em liberdade. As tabelas a

seguir mostram as séries cursadas pelas jovens no período anterior à internação.

41

A internação provisória compreende as jovens que aguardam a sentença do juiz. 42

Na internação encontram-se as jovens já sentenciadas.

TABELA 02- Idade e tempo de internação das jovens em medida socioeducativa de internação

(1 não respondeu idade, está há 3 meses)

Idade 3 a 5 meses 6 a 8 meses 9 a 12 meses Acima de 1 ano

15 anos ___ 01 ___ ___

16 anos 02 ___ ___ 02

17 anos ___ 01 ___ 01

18 anos ___ ___ ___ 01

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As meninas da internação provisória disseram estar matriculadas nas seguintes

séries43:

As jovens já sentenciadas declararam que, quando estavam em liberdade, cursavam

as séries:

TABELA 04- Relação idade-série (anterior à internação) das jovens da internação

(1 não respondeu)

Idade 4ª série E.F.

5 série E.F.

6ª série E.F.

7ª série E.F.

8ª série E.F.

1º ano E. M

2º ano E. M

3° ano E. M

Em liberdade

Em internação

15 anos 15 anos __ __ __ __ 01 __ __ __

15 anos 16 anos __ __ __ 02 __ __ __ __

16 anos 16 anos __ __ __ __ 02 __ __ __

16 anos 17 anos __ __ 01 __ __ __ __ __

17 anos 17 anos __ __ __ 01 __ __ __ __

17 anos 18 anos __ __ __ __ __ __ 01 __

43

É importante ressaltar que as meninas da internação provisória não eram matriculadas pela escola da instituição. Se a jovem fosse sentenciada, dava-se início a um processo de “transferência” escolar e seria efetuada a sua matrícula na modalidade de ensino oferecida pela Instituição. No entanto, havia um acompanhamento de participação das jovens em internação provisória em atividades socioeducativas. Estas eram arquivadas e registradas nos relatórios das internas, que eram apresentados ao juiz responsável por cada caso. Quando saía da unidade, a jovem levava consigo uma declaração afirmando ter cursado disciplinas escolares referentes à série na qual ela estaria matriculada.

TABELA 03- Relação idade-série (anterior à internação) das jovens da internação provisória

(1 não respondeu)

Idade

4ª série E.F.

5 série E.F.

6ª série E.F.

7ª série E.F.

8ª série E.F.

1º ano E. M

2º ano E. M

3° ano E. M

12 anos __ __ 01 __ __ __ __ __

13 anos __ __ __ __ 01 __ __ __

15 anos __ 01 __ 01 __ 01 __ __

16 anos __ __ __ 01 __ __ __ __

17 anos __ __ 01 __ 02 __ 02 01

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É possível observar que havia uma defasagem idade/série no período anterior à

internação, compensada pela escolarização na unidade, oferecida na modalidade de

ensino supletivo44.

Das 12 jovens que cumpriam medida de internação 7 foram sentenciadas por tráfico

de drogas (artigo 12), 3 por homicídio (artigo 121), 2 por assalto à mão armada

(artigo 157) e envolvimento com tráfico de drogas.

Ficou claro que a maioria das jovens, tanto em regime provisório quanto definitivo,

tinham envolvimento com o tráfico de drogas. Geralmente, as jovens entravam para

o tráfico por influência de seus parceiros e era comum serem detidas junto com eles.

Relacionando-se com homens maiores de idade, era comum escutar as meninas

dizerem que assim que saíssem da unidade iriam tirar “seus homens” da cadeia.

Uma experiência vivida por uma jovem da internação provisória chamou atenção

quanto ao envolvimento de jovens com os gerentes do tráfico de drogas. Durante o

período em que estive na unidade, foi possível acompanhar o desenvolvimento

desse caso. A jovem em questão namorava um traficante (maior de idade). A

menina morava com a avó e esta, sem saber o que fazer com a neta, pediu que ela

escolhesse entre morar com ela ou viver com o namorado. A jovem decidiu ir com o

companheiro. Tempos depois, a jovem, o namorado e os irmãos dele foram detidos.

Durante o tempo em que aguardava sua audiência na unidade de internação

provisória, a jovem repetia o discurso de sair para tirar “seu homem” da cadeia.

Na primeira audiência, todos os envolvidos foram ouvidos pelo juiz que

acompanhava o processo da jovem. Na ocasião, o namorado e os irmãos apontaram

a jovem como gerente da boca de fumo, para poderem se livrar da condenação por

tráfico de drogas e corrupção de menores. A menina, que poderia ter sido liberada

nesta audiência, retornou para internação e outra audiência foi marcada para que a

justiça pudesse apurar as novas informações apresentadas. A jovem conseguiu sua

liberação na audiência seguinte.

44

O avanço nas séries durante o período da internação não significa que as alunas tenham freqüentando regularmente às aulas e tenham apreendido o conteúdo referente à série cursada.

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Durante o período da pesquisa empírica, só foi registrado um caso como esse. No

entanto, os professores e assistentes de aluno mais antigos relataram que não foi a

primeira vez que uma jovem da unidade era incriminada por seu parceiro para que

ele ficasse livre. Segundo os funcionários, os traficantes namoravam meninas

menores de idade para que, em uma eventualidade como essa, as apontassem

como responsáveis. Assim, eles ficariam livres, ou pegariam uma pena menor e as

jovens ficariam em internação por no máximo 3 anos.

Grande parte dos relatos feitos pelas jovens indicava que, quando elas se envolviam

em assaltos, havia a presença de parceiros do sexo masculino na ação executada.

A situação de classe também atravessava a condição juvenil das jovens internas da

unidade. Das jovens na unidade, apenas uma parecia ser de classe média. As

demais jovens eram das classes populares e residiam em bairros pobres dos

municípios da Grande Vitória.

2.3.1 As jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação

“Não sou bandida, Sou apenas artista da arte proibida.”

45

As jovens sujeitos deste estudo tinham um comportamento irreverente no falar e no

vestir, entretanto, eram reservadas com respeito às suas histórias de vida. Falavam

pouco sobre si mesmas, como forma de se proteger46.

Algumas meninas se destacaram na pesquisa pela influência que tinham sobre as

demais (ou pelo seu entrosamento em grupos que se destacavam); outras pelas

45

Carolina, 17 anos. 46

Uma jovem chegou a criar uma identidade. Apresentou-se com um nome fictício, disse ter vindo de outra cidade, inventou um artigo no qual teria sido enquadrada. Sua verdadeira identidade foi descoberta quando a jovem foi transferida para o “Seguro” e se fez necessário entrar em contato com sua família. Ao levantar a ficha da interna, desvendou-se o “disfarce”.

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contribuições que trouxeram a esta pesquisadora para o entendimento da instituição,

das regras institucionais e grupais e das estratégias de sobrevivência por elas

utilizadas. A seguir as jovens serão apresentadas47:

1) Joana, 17 anos, era uma jovem alta, magra, com os cabelos crespos, curtos e

loiros. Tinha um pouco de sardas no rosto. Estava sempre de short e top

curtíssimos. Era divertida e namoradeira. Tinha por costume ficar na quadra com

suas amigas dançando funk ou gritando para os meninos da unidade masculina. A

jovem começou a namorar um interno da unidade, mas não tinha certeza se ele

correspondia aos seus sentimentos. [“Então os dois se acharam na escuridão/ Ela

com os pés no chão e ele não/ Seu destino cego a lhes conduzir/ Sua sorte à solta a

lhes indicar um caminho”]48. Joana não gostava de fazer atividades escolares. O

temperamento forte e as respostas ríspidas escondiam uma menina sensível e

carente de atenção. Sua mãe se encontrava detida no presídio feminino. O motivo

de estar na unidade seria o envolvimento com o tráfico de drogas. Joana recebeu

seu alvará no fim do primeiro semestre de 2007, após onze meses de internação.

2) Iolanda, 16 anos, morava em outro Estado e foi detida no Espírito Santo por porte

de drogas. Ela era diferente das demais. Tinha boa escolaridade, era muito

educada, lia muitos livros, possuía roupas caras49, falava outras línguas como:

inglês, francês, italiano, espanhol, árabe. Ela gostava de ser “classificada” pelos

professores como uma “lady”. Essa jovem foi transferida para seu Estado após oito

meses de internação no Espírito Santo. A jovem tinha os cabelos cacheados, de

tamanho médio, tingidos de loiro. Era baixa e magra. Não tinha afinidade com as

demais internas por ser considerada pelas outras como “metida”.

3) Bia, 16 anos, era morena, estatura mediana. O cabelo castanho era cacheado, na

altura dos ombros. Rosto de menina. Olhos pretos e muito expressivos. Tinha um

comportamento “espevitado”, falava alto, mexia com todo mundo. Era companheira

com as suas amigas e prestava uma acolhida às jovens recém-chegadas. Era um

pouco arredia com os adultos desconhecidos. Dengosa e um pouco mimada,

47

Os nomes utilizados são fictícios e retirados de letras de músicas. (Ver as letras nos ANEXOS I a XVI). 48

Ver ANEXO I. 49

Segundo relato dos funcionários, seus pertences estavam apreendidos na Polícia Federal.

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chateava-se quando não tinha suas vontades satisfeitas. Bia estava grávida de sete

meses quando a conheci. Foi possível acompanhar sua gravidez até o fim. Ela foi

autuada por assalto a mão armada. Seu companheiro, pai de seu filho, também foi

preso. Ele faleceu meses depois. Bia pôde ir ao velório. Ela ficou deprimida por um

tempo até começar a trocar “catuques” com Léo, um jovem da unidade masculina de

internação. [“Como se a vida fosse um perigo/ Como se houvesse faca no ar/

Qualquer maneira de amar valia/ E Léo e Bia souberam amar”]50. Começaram a

namorar e se tornaram o “casal promissor” da instituição. Bia foi liberada após o

parto.

4) Natasha, 18 anos, era magra, de estatura média. Pele morena, olhos grades e

castanhos, cabelos de mesma cor e cacheados. De comportamento imprevisível, ela

era agressiva no falar. Agitada, mexia com todo mundo, fazia gracinhas para tentar

desviar a atenção para si. Vestia-se com roupas masculinas e assumiu-se como

liderança na unidade. Ela tinha uma tatuagem nas costas e outra no antebraço, com

o nome “Jesus Cristo”. Seu braço tinha várias marcas de cortes, que pelo tamanho e

espessura pareciam ter sido feitos com estilete ou faca pequena, tipo canivete.

[“Tem sete vidas/ Mas ninguém sabe de nada/ Carteira falsa com idade adulterada/

O vento sopra enquanto ela morde/ Desaparece antes que alguém acorde/ Um

passo sem pensar/ Um outro dia/ Um outro lugar”]51. Segundo a história contada

sobre ela na unidade, a jovem foi detida por homicídio. Ela teria um parceiro de

“trabalho”, que estaria cumprindo internação na unidade masculina, em companhia

de quem realizava assaltos à mão armada e participava de crimes mais graves.

Natasha tinha domínio sobre as jovens na unidade. Namorou Iolanda por alguns

meses. Por motivos de ciúmes, houve uma briga entre as duas, que resultou no

término do relacionamento. Em seguida, começou a namorar Bete e, ao mesmo

tempo, mantinha um relacionamento com Zoraide, o que não a impedia de ter

recaídas por Iolanda.

5) Bete, 16 anos, era uma jovem muito bonita. Chamava atenção por ser alta e ter

um corpo bem definido. Tinha pela clara, rosto arredondado, olhos grandes e azuis.

Cabelos lisos e negros, na altura dos ombros. Usava de sua sensualidade para

50

Ver ANEXO III. 51

Ver ANEXO IV.

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convencer as pessoas a fazer o que ela queria. [“Pode seguir a tua estrela/ O teu

brinquedo de „star‟/ Fantasiando um segredo/ No ponto aonde quer chegar”]52. Bete

era animada, gostava de conversar com as amigas. Era firme na maneira de falar e

um pouco dura, às vezes. Ela participava pouco das aulas, mas gostava de estar

nas apresentações feitas para as famílias em eventos realizados na unidade. Bete

foi enquadrada por homicídio.

6) Fátima, 17 anos, tinha a pela clara, os cabelos curtos, crespos e negros e olhos

da mesma cor. Era pálida e tinha um ar abatido. Muito segura em se expressar,

afirmava não ter medo de nada. Somente não queria morrer antes de ver seu filho

novamente. Quando falava sobre ele deixava transparecer ternura e o fazia com

uma [“voz suave que era uma lágrima”]53. Muito inteligente, com raciocínio ágil, era

ela quem organizava as regras na sua ala do Seguro. Nos raros momentos de

alegria, expressava um sorriso bonito. A jovem foi enquadrada por homicídio.

7) Tereza, 15 anos, era negra, altura mediana, tinha cabelos curtos, crespos e

negros e olhos da mesma cor. Seu olhar era calmo. Tereza descobriu-se grávida

durante a internação. Pude acompanhar sua gestação até o oitavo mês. Também foi

possível presenciar a sua trajetória de internação provisória para definitiva. Muito

engraçada e divertida, garantia momentos de risadas durante as aulas. Era assídua

nas disciplinas dos professores dos quais gostava. Era conhecida entre os

professores pelo seu capricho, pela sua dedicação e por escrever textos muito

bonitos. Apesar de ser muito amiga das meninas do seu grupo, não se deixava

influenciar por ele. Ela sabia “escorregar” entre as normas internas de seu grupo de

amizades, entre as regras da instituição e tinha suas próprias convicções sobre o

que seria “certo” ou “errado”. Sua mãe e seus irmãos encontravam-se presos. Eles

tinham envolvimento com o tráfico de drogas. Na tentativa de se manter e de ajudar

seus familiares, entrou para o tráfico e foi “pega” pela polícia.

8) Maria, 16 anos, era baixinha, negra, tinha cabelos crespos, curtos e negros. Os

olhos eram dessa mesma cor. De olhar triste, Maria estava deprimida nos últimos

meses da pesquisa de campo. Quando a conheci, ela participava ativamente das

52

Ver ANEXO V. 53

Ver ANEXO VI.

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aulas, era alegre e divertia as colegas com piadinhas. Maria [“mistura a dor e a

alegria”]54. Ela era articulada e sabia “negociar” com a direção técnica da unidade.

Maria tinha um papel importante no seu grupo. Ela ditava algumas ações e tinha o

respeito das demais jovens. Tinha também seus desafetos, principalmente com as

jovens do Seguro. Maria namorava Rubens, que era da internação provisória. De

temperamento calmo, às vezes nos surpreendia com atitudes violentas. O motivo de

estar cumprindo sua segunda internação seria envolvimento com tráfico de drogas.

Na primeira vez, foi detida por furto, mas foi liberada pouco tempo depois.

9) Ana, 16 anos, era morena, de baixa estatura, tinha os cabelos crespos, curtos e

negros. O olhos eram da mesma cor. Tinha um corpo muito bonito e chamava

atenção. Gostava de dançar e passava o dia ensaiando coreografias. Tinha um jeito

sedutor de falar, sempre com o tom de voz baixo como se estivesse choramingando

e com meiguice. No entanto, estava freqüentemente envolvida em confusões. [“O

teu olhar sempre distante/ Sempre (...) engana”]55. O motivo central das brigas era

provocação de ciúmes nas demais internas. Como resultado, teve que ser

transferida para o Seguro para garantia de integridade física. Ela era da internação

provisória e estaria sendo acusada de homicídio. Participava das aulas e fazia

atividades. Era inteligente e muito crítica.

10) Juraci, 18 anos, era talvez a mais irreverente das internas. Imprevisível em suas

ações, fazia o que lhe “desse na telha” (como ela mesma afirmava). Não havia quem

escapasse de suas piadinhas. Engraçada na maneira de se expressar, arrancava

gargalhadas das pessoas com quem convivia. Lidar com Juraci, no entanto, não era

muito fácil. Ela somente aceitava as opiniões de suas amigas, Natasha e Maria.

Freqüentava as aulas no começo do ano, mas no meio do semestre “desistiu” de

fazer atividades escolares. Juraci era negra, tinha os cabelos bem curtos, crespos e

negros. Olhos da mesma cor. Alta e de corpo avantajado, a jovem era forte. Juraci

chegou à unidade por tráfico de drogas.

11) Camila, 17 anos, era uma jovem reservada e séria. Era firme no falar. Tinha um

olhar assustado e expressão de abatimento. [“Os olhos que passavam o dia a (...)

54

Ver ANEXO VIII. 55

Ver ANEXO IX.

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vigiar”] 56. Ela dividia a ala do Seguro com Ana e Fátima. Camila era morena clara,

cabelos longos e castanhos, com os olhos da mesma cor. Feições infantis.

Participava das atividades escolares com freqüência. O motivo que a levou para a

unidade de internação foi tráfico de drogas. Assim como Ana, Camila teve que ser

transferida para o Seguro após brigas com as internas.

12) Judite, 16 anos, era uma jovem divertida, embora tivesse um olhar triste.

Quando chegou à internação provisória, Judite era calada, andava se esgueirando

pelas paredes e quase não interagia. Tinha o costume de chupar o dedo polegar

enquanto segurava nas mãos uma tira de tecido. Um mês depois, Judite já

conversava com os professores, fazia as atividades escolares e tinha algumas

colegas. Judite não tinha o hábito de andar com o grupo maior, que tinha mais

influência na unidade. Ela se mantinha, como diziam as jovens, “na sua”. Assim

como Tereza, Judite também se descobriu grávida durante a internação. Enquanto a

confirmação médica não havia chegado a jovem costumava dizer: “Qu‟é isso gente.

Que neném o quê? Tem nada aqui dentro não! É gravidez psicológica!”; em seguida

ela ria. Judite era branca, cabelos crespos, curtos e negros. Olhos da mesma cor.

Era alta e magra. Tinha aparência infantil. Foi sentenciada por tráfico de drogas.

13) Zoraide57 era uma jovem arredia, agressiva e de poucas palavras. Quando a

conheci, ela estava na internação provisória. Foi sentenciada em alguns artigos.

Para mim, ela apenas disse que foi assalto à mão armada. Informações não

confirmadas pela jovem incluíam formação de quadrilha e tráfico de drogas. Zoraide

era branca, de estatura baixa e magra. Os olhos grandes eram castanhos claros. Os

cabelos cacheados e longos eram tingidos de vermelho. Zoraide ficou deprimida

após o término do relacionamento com Natasha. A partir de então, tornou-se mais

acessível aos funcionários. A jovem teve que mudar de alojamento, pois estava

sendo agredida pela então namorada.

14) Carolina, 17 anos, era uma menina alegre, animada e atrevida. Não gostava de

ser contrariada. Tinha pouca paciência e, constantemente, entrava em conflito com

os funcionários. Carolina era reincidente e estava na internação provisória. O motivo

56

Ver ANEXO XI. 57

A jovem recusou-se a declarar a idade. Aparentava ter entre 15 e 16 anos.

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era envolvimento com o tráfico de drogas. As possibilidades de ela ser sentenciada

desta vez eram grandes. A jovem tinha uma filha de 1 ano de idade e morava com o

pai de sua filha. Os dois a visitavam na unidade. Carolina era alta, magra e morena.

Tinha os cabelos cacheados, na altura dos ombros, e castanhos. Os olhos,

pequenos e apertados eram da mesma cor. Tinha um sorriso bonito e cheio de vida.

[“Carolina é uma menina bem difícil de esquecer”]58. Não freqüentava as aulas, mas

gostava de participar das apresentações promovidas pelos educadores para as

reuniões com os familiares, em datas comemorativas ou em eventos.

15) Rubens59 era uma jovem que adotava nome e posturas “masculinas”. Não

gostava de ser chamada pelo seu nome verdadeiro, apenas pelo codinome

masculino por ela adotado. Por essa razão, optei por manter um nome fictício

também masculino. Era de estatura baixa, branca, olhos esverdeados e grandes.

Seu cabelo era castanho, cortado rente ao coro cabeludo. [“Um jeito diferentão”]60.

Usava roupas masculinas: camisões, bermudas largas e, segundo informações de

suas colegas de alojamento, recusava-se a usar calcinhas, preferia cuecas. Rubens

foi detida por assalto à mão armada e essa não era sua primeira internação. De

comportamento arredio, falava pouco com os funcionários, mas era bem articulada

com as internas. Juntamente com Natasha, Juraci e Maria mantinham as jovens sob

um certo controle. Ela também articulava as ações de motins ou de rebeliões.

Rubens, ao chegar para a internação provisória, causou um “frisson” com as

meninas, mas firmou namoro com Maria. Ela também foi pivô da briga entre Maria e

Ana, que resultou, como mencionado anteriormente, na transferência desta para o

Seguro.

16) Rita, 17 anos, era a “figura lendária” da unidade, como diriam os funcionários.

Não só pelo comportamento da jovem como pelo número de vezes em que reincidia.

Ela morava nas ruas por opção. Era encaminhada para a internação provisória não

por cometimento de infrações, mas por causar muito transtorno nas ruas. Na

unidade, era difícil manter a “tranqüilidade” com a presença de Rita. Ela gostava de

fazer brincadeiras, mexer com as pessoas, confundir os funcionários. Suas

58

Ver ANEXO XIV. 59

Assim como Zoraide, Rubens se recusou a declarar a idade. Aparentava ter aproximadamente 17 anos. 60

Ver ANEXO XV.

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confusões eram por vezes hilariantes. Em outras ocasiões tinha resultados graves.

Rita incorporou-se ao grupo de Natasha, Rubens, Juraci, Maria.

2.3.2 As jovens falam sobre si mesmas

Nós jovens somos frutos de uma geração Que nos julgam totalmente INCAPAZES

DE RESOLVER NOSSOS PRÓPRIOS PROBLEMAS.

Por isso amamos de uma maneira loka Mas totalmente real.

Por isso nós não somos Nem melhores e nem PIORES.

61

As meninas apresentaram algumas compreensões sobre si mesmas e sobre o que

entendiam por juventude.

Houve, nas respostas dadas pelas internas, diferentes noções sobre a juventude.

Algumas (06 de um total de 21) apontaram para o entendimento desta apenas como

uma fase da vida, ou ainda, como uma essência que permaneceria “para sempre”,

ou a relacionariam com a “felicidade”, como é possível observar a seguir:

A juventude é apenas uma face [fase] da vida. (QJs62

09, 17 anos) Datas marcadas que se passa na vida de uma pessoa. (QJs 03, 17 anos) É saber ser jovem, pois jovem não é aquele que sai bebe, curti pra KCT e sim isso vem de dentro pois quem é jovem uma vez, guarda essa essência, para viver sempre em plena juventude. (QJs 05, 18 anos) É uma fase ótima que todos passam na vida, é onde se deve organizar seus planos futuros, tentar ser uma pessoa feliz e brilhante, é a fase que se amar, curtir as coisas boas da vida, ter e ser uma pessoa responsável, procurar colher desde então experiencias viver de passado, presente, resgatar as experiencias boas do passado, tranformar seu futuro em uma “passagem” brilhante e construir um futuro de grande realizações, é na

61

“Recado” deixado por Maria no preenchimento do questionário. As palavras escritas em caixa alta foram assim registradas pela jovem. 62

Legenda para a identificação dos questionários: QJs – questionário de jovem em internação já sentenciada; QJp – questionário de jovem em internação provisória.

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juventude que se deve aproveitar a vida, para construi-lá e organizar seus planos. (QJp 07, 17 anos) Ser jovem e feliz. (QJp 04, 17 anos)

A juventude também foi abordada a partir da moratória social. As jovens atribuíram

como características da juventude “o estudar”, “o divertir-se”, “o curtir a família e os

amigos”. Essa foi uma visão presente na maioria das respostas dadas (08 de um

total de 21). Ao partir dessa noção apresentada, uma jovem declarou que a

juventude era uma coisa que ela nunca teve. Alguns registros podem mostrar como

se expressaram as jovens que tiveram essa compreensão:

A juventude é livre, estuda, curtir á vida nós samos jovem para ser livre para fazer o que gosta. (QJp 06, 15 anos)

Curti, sai estudar, curti a família, etc... (QJs 01, não informou a idade) Juventude, é estudar se diverti e não fazer coisas pra não perde-las, pois é os melhores momento de um adolescente. (QJp 02, 17 anos)

Outra resposta associou a moratória social e a moratória vital para definir a

juventude como:

É curti a vida como se ela fosse um jogo, ganhando e perdendo. (QJs 08, 15 anos)

Seis jovens não responderam a essa questão. Foi perceptível, nas respostas de todas as jovens, que as experiências juvenis não

eram semelhantes para todas que se encontravam na mesma faixa etária. Quando

questionadas se se sentiam jovens, as internas apresentaram respostas próximas à

noção da moratória social para avaliar se poderiam se considerar jovens ou não.

Sentiam-se jovens aquelas que “curtiam a vida” e, conseqüentemente, não se viam

como tais aquelas que afirmavam ter muitas responsabilidades. Uma jovem

apontaria para a existência de situações juvenis que limitariam a vivência da

juventude.

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Mantiveram-se como justificativas para explicar o porquê de se sentirem jovens a

juventude tomada enquanto uma fase da vida, a faixa etária e a juventude enquanto

sinônimo de alegria, de animação. Quatro jovens não responderam a essa questão.

Com a palavra, aquelas que se declararam jovens:

Pó eu so jovem. Só muito nova pode crê. (QJs 01, não informou a idade) Todos um dia passa pela juventude e ela e apenas um obstaculo. (QJs 03, 17 anos) Sim porque sou espivitada. (QJs 04, 16 anos) Me sinto muito jovem alias não é por que eu tenho uma filha que deixei de ser jovem. (QJp 02, 17 anos) Me sinto jovem sim porquê eu me sinto jovem e bonita. (QJp 06, 15 anos) Sim. Porque sou uma pessoa otimista, gosto de ter aventuras, amo muito e apesar de por agora estar um pouco perdida, faço o possível para organizar meus planos de vida e meu relacionamento amoroso, talvez seja cedo, mais penso em construir uma família, mas logo que após me formar e conseguir uma boa formação profissional, me preparar melhor para este mundão cheio de surpresas, muitas surpresas desagradáveis, mas se você é um jovem de responsá, todas as surpresas de sua vida serem boas, tudo depende da forma que você vive e constrói a sua vida. (QJp 07, 17 anos) Sim, por que eu sou uma pessoa que tenho esperança, adoro me divertir e ser jovem e saber crescer. (QJp 12, 16 anos) Jovem talvez, hoje sei pondera mais o real, não viver de fantasias, jovem ao tanto do que o mundo pode oferecer e assim nóis vivemos. (QJs 05, 18 anos)

As internas que não se consideravam jovens se expressaram da seguinte forma:

Não, pois vivo a vida com responsabilidade que muitos jovens jamais imaginam ter. (QJs 02, 16 anos) NÃO, NÃO ME SINTO. (QJs 06, 16 anos) Não. Porquê? Eu não sou feliz. (QJp 04, 17 anos)

Embora as respostas dadas demonstrassem, em sua maioria, um certo otimismo ao

se reconhecerem jovens, quando questionadas sobre como se viam, as meninas

traçaram sua “auto-identificação” a partir de um sentimento que a situação de

privação de liberdade lhes causava: angústia, solidão, tristeza, revolta.

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Foi interessante observar que as poucas respostas de jovens que apresentaram

análises positivas de si mesmas foram, em sua maioria, observadas entre as

meninas da internação provisória. Dos 12 questionários entregues por elas, 5

respostas apresentaram um tom mais otimista; enquanto 6 expressaram suas

angústias e revoltas. Uma interna não respondeu. Segundo as jovens:

Eu me vejo como qualquer ser humano que era [erra] e depois se arrepende. FALO MANÉ. (QJp 08, 15 anos) Me vejo determinada e com força de vontade e muito amor e esperança no meu coração para poder superar tudo isso. (QJp 10, 17 anos) Eu me vejo uma pessoa de garra e muita determinação, porque quero ser feliz com o amor da minha vida e acho que não vou mais sofrer. (QJp 12, 16 anos) Me vejo como uma presidiária e que isso sempre vai ficar guardado no meu coração e na minha vida. (QJp 02, 17 anos) Me sinto um pouco feia porque na minha casa minhas unhas não fica suja, meu cabelo não fica duro. Me cuido mais que possível para fica bonita. (QJp 06, 15 anos) Me sinto mal pois agora daqui pra frente vai mudar pois quando sair daqui todo mundo vai fazer perguntas, e eu vou me sentir muito mal pois eu e as pessoas não vão me acha mais a mesma menina de antes “pois fui presa”. Me vejo diferente não só pra mim. Mas acho que as pessoas também não vão me ver como antes. (QJp 11, 12 anos) Eu hoje! Me vejo uma idiota, pois destruir aliás atrasei minha vida por uma pessoa que mau conheço com medo do que podia vir á acontecer comigo no futuro. Mais pelo outro lado uma garota otimista que mais do que nunca deseja sair deste lugar e seguir sua vida, e colher o que passei neste lugar como uma experiência. (QJp 07, 17 anos)

Das 9 jovens sentenciadas, 7 demonstraram suas revoltas (contra a sociedade, com

a situação de privação de liberdade), 1 analisou-se positivamente e 1 não

respondeu. A seguir, algumas respostas podem nos dar exemplos sobre o que as

jovens pensavam a respeito de si mesmas:

Agora eu me vejo uma menina que se prendeu e não consegue se soltar aquela [pessoa] alegre conseguia transmiti aquela alegria para todos que se misturava comigo porque a [unidade de internação] conseguiu fazer isso comigo. (QJs 06, 16 anos) Como uma menina privada de sua família e liberdade. (QJs 08, 15 anos) Pó como um bicho? Porque quem fica preso é bicho. (QJs 01, não informou a idade)

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Eu me vejo como uma pessoa normal, só simplesmente contra a sociedade, pois nós somos humanos como qualquer outro seres humanos. (QJs 09, 17 anos ) Eu me vejo uma mina responsa e muito sincera há já ia me esquecendo um pouquinho baraqueira. (QJs 04, 16 anos) Eu me vejo como apenas mais uma dessa vida loka, porém com uma diferença a determinação de querer o melhor para mim querer mudar, mais sei que serei muito criticada, mas ai nem jesus que nunca pecou conseguiu escapar das críticas não vai ser eu que vou escapar, mas falem bem ou falem mal, mas falem de mim pois eu levo uma frase comigo: “Hoje eu encontrei chorando quem riu de mim no passado”. (QJs 07, 16 anos)

As falas das jovens expressaram o que foi possível observar durante o período da

pesquisa empírica. Passar pela experiência da internação era para elas um

processo de amadurecimento, ou de endurecimento. Ainda que resistissem ao

“sofrimento”, buscando manter-se jovens na privação da liberdade, era possível

perceber que, conforme o tempo de internação se prolongava, “endurecer” diante da

situação vivenciada, se tratava, também, de uma estratégia para sobreviver à

“cadeia” (este era o modo como as meninas denominavam a unidade de internação),

à saudade dos que ficaram no “mundão”, à falta de esperança na mudança do curso

de vida, às situações quase desumanas às quais estavam expostas.

2.3.3 As jovens sob a ótica dos funcionários

Os funcionários também foram convidados a expressar suas compreensões sobre a

juventude. De maneira geral, as respostas orientaram para a noção da juventude

como uma fase transitória da vida (12 de 22 respostas). No entanto, foram atribuídas

diferentes características para essa fase: a vitalidade própria da idade, aproximando-

se a uma noção de moratória vital; as mudanças biológicas ocorridas na puberdade;

a crise e a transformação na construção da identidade, sendo esta última a mais

citada. Algumas das respostas podem nos esclarecer como pensavam os

funcionários a respeito da juventude como uma fase de transição:

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É uma fase da vida que se tem mais energia para desenvolver o ser. (QO63

02, 29 anos) É a fase da integração à corporação, da conquista da maturidade, das interrogações do “eu”, da procura da imagem do certo e do errado. (QT 03, 53 anos) Juventude é uma fase onde todo ser humano passa. Alguns conseguem absorver bem outros entram em conflito consigo mesmo, e acabam não se dando bem. (QO 04, 39 anos) Uma fase que nada tem a ver com a “aborrecência”, os ritos de passagem marca a humanidade é só uma fase a juventude se caracteriza com o “novo”. Em todas as fases o jovem vem com sua força e a vontade de mudar. (QT 05, 35 anos)

Outras respostas apontaram para compreensões diversas: a juventude como

sinônimo de “futuro da nação”, ou seja, a juventude não é o presente ela será o

futuro. Nesse entender os jovens não “são”, eles “estão em construção” e “serão”

adultos promissores para a sociedade. Uma outra compreensão indicava para a

relação estabelecida entre os jovens e a modernização. Assim, a juventude era

percebida a partir da própria capacidade de acompanharem as mudanças:

Quando se fala em juventude a idéia é que seja uma pessoa jovem de pouca idade. Pra mim juventude é todos aqueles que consegue acompanhar as mudanças, vivendo com responsabilidade e assim temos muitos jovens que se preocupa com seu futuro, sem deixar o tempo passar e não viver a cada momento, mas toda liberdade com responsabilidade, isto acontecendo com as classes baixas como nas classes altas, isto é juventude viver sempre com limites, pra não se prejudicar. (QA 03, 50 anos) Juventude é sinônimo de futuro. São seres em formação para assumirem uma vida profissional, uma família e construírem uma sociedade. (QT 04, 50 anos) É ser jovem. É aproveitar a idade com mais responsabilidade e pensar no futuro de sucesso. (QP 04, 43 anos) É aproveitar a vida todos os momentos, mas se atualizando ou seja se informando cada vez mais para garantir o sucesso em sua velhice. (QP 08, 29 anos)

Outras noções sobre a juventude a enxergavam como aprendizagem, como

diversão, como tutela. Uma compreensão sobre a juventude problematizava a

situação de classe que atravessava a condição juvenil das jovens internas:

63

Legenda para a identificação dos questionários dos funcionários: QO – questionários de oficineiros; QA – questionários de assistentes de alunos; QP – questionário de professores; QT – questionários de técnicos.

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Juventude para mim e a melhor fase que o ser humano passa, mas infelizmente a desigualdade social e muito grande e atinge a maioria que são os “favelados”. Apontar os erros dos outros é fácil difícil é passar por situações que vejo no meu dia-a-dia, mães vindo comer na cadeia porque em casa não tem nada nem mesmo passage para ver o filho que na sua juventude errou, como posso dizer para um jovem que quando ele sair daqui tudo vai melhorar se a realidade não é essa, a melhor parte da vida que é a juventude eles passam melhorar a vida mas de forma mais fácil que é drogas etc... (QP 05, 25 anos)

A maioria dos conceitos de juventude apresentados convergiam para um ponto em

comum: a idéia de um bloco homogêneo, com as mesmas características.

Quando questionados sobre como viam as jovens que se encontravam sob medida

socioeducativa de internação, as opiniões dos funcionários se dividiam em diferentes

olhares: uns viam as jovens como alguém sem perspectiva de futuro; como jovens

que não tinham muita opção de vida além do crime; como perdidas e rebeldes; como

desinteressadas; como pessoas que buscavam aventuras:

Meninas que na maioria das vezes não tiveram oportunidade nenhuma na vida. São adolescentes que devido os mais variados problemas (financeiros, familiares, afetivos, etc.) não conseguem enxergar outro caminho senão o crime. Algumas, no entanto, demonstram até interesse em mudar de vida, porém, nem sempre isso é possível, já que, não há um trabalho fora da instituição que possa dar condições efetivas para que essa mudança aconteça na prática. (QP 09, 29 anos) Uma boa parte são vitimas mesmo antes de nascerem da desigualdade social daí nasce cresce se alimentando das migalhas que sobra de uma sociedade cada vez mais hipócrita que diz em se preocupar no bem estar de todos, na verdade a maioria que está no poder só pensa no seu bolso, e a outra parte, nasceu e cresceu tendo tudo que possa oferecer uma vida decente estudando nas melhores escolas enquanto outras nem estudar conseguem tem as melhores casas, enquanto outras nem casa tem e por aí vai, mas mesmo assim se envolve no crime, muita das vezes não recebeu limites, as vezes pensam só porque pode fazer o que quer e nada vai acontecer, e quando vem p/ instituição vê que na vida tudo tem limites pra muitos já é tarde demais pra outro sempre é tempo de recomeçar. Eu vejo que um jovem adolescente sempre buscando uma aventura mesmo que isto custa sua liberdade, eles são imediatistas, sem se preocupar com o futuro. (QA 03, 50 anos) Revoltados, a maioria, e sem um futuro certo fora da instituição. (QP 06, 29 anos)

As jovens eram vistas ainda: como alguém com o objetivo de fugir; como alunas;

como alguém em fase de desenvolvimento; como jovens iguais a quaisquer outras

de sua idade. As falas a seguir mostram as jovens na visão dos funcionários:

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Vejo os jovens como outros, com sonhos, em busca de uma vida melhor, às vezes não pensam muito nas conseqüências, por isso vêem parar aqui. (QO 04, 39 anos) Vejo e enxergo só possibilidades. (QT 05, 35 anos) Os vejo em alguns casos anciosos por liberdade, antes de estarem “prontos”. O fato de receberem a Medida Sócio-educativa lhes causa impacto no início, depois a convivência os faz “iguais” a todos e após algum tempo querem se sentir melhor, crescendo como adultos, maduros e conscientes do erro, “pagando” para conseguir a liberdade. (QT 03, 53 anos) São jovens com sonhos, ideais, angústias, instabilidade... como qualquer outro jovem. O que os diferencia dos demais, é que, cometeram delitos. Compreendê-los é verificarmos o quadro das populações marginalizadas e, acima de tudo, a sua condição de infrator. É preciso antes de tudo dar oportunidade às famílias... emprego, moradia, educação de qualidade, melhorar os sistemas de saúde (Acesso). Educar portanto é criar espaços, dar oportunidade para a realização de seus ideais e satisfação das necessidades sociais, afetivas/emocionais (básicas). (QT 01, 54 anos) Para mim são alunos que precisam de um atendimento personalizado, com as particularidades de cada um. (QP 07, 37 anos)

O discurso de que as jovens sob medida de internação são iguais a quaisquer

outras, com a única diferença de estarem privadas de liberdade, opõe-se às

respostas dadas às questões sobre a existência de projetos de futuro para estas

jovens. Neste caso, o futuro das jovens não era visto como algo promissor, o que

parece ser contraditório à noção de “jovem como qualquer outra”.

É interessante observar em algumas falas que, se no entendimento da juventude

predominavam os aspectos positivos e pouco se mencionavam as questões de

classe, nas respostas que caracterizavam as jovens em privação de liberdade, a

situação de classe, as carências presentes no contexto social das jovens, a situação

de infratoras apareceram com maior freqüência, como se as jovens em cumprimento

de medida de internação não fizessem parte integrante da juventude; ou se, ao

analisar os sujeitos “reais”, a juventude deixava de ser esse “símbolo” construído a

partir de um tipo de juventude (em geral baseado nas experiências juvenis dos filhos

da elite) e emergiam as situações juvenis que recortavam a condição juvenil das

jovens em questão e configuravam, desta forma, outras maneiras de se perceber a

juventude.

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3 DO PRESCRITO AO VIVIDO: A PROPOSTA PEDAGÓGICA E O

DIA-A-DIA DA INSTITUIÇÃO DE INTERNAÇÃO

Aqui cada dia é um dia. É tudo diferente! Começa tudo outra vez […]

Aqui nós temos o plano „A‟, „B‟, „C‟, „D‟, ... É um alfabeto inteiro!!!”

64

3.1 A PROPOSTA PEDAGÓGICA DA INSTITUIÇÃO

O SINASE fixa que o projeto pedagógico socioeducativo a ser desenvolvido com os

jovens deve considerar que

As ações socioeducativas devem exercer uma influência sobre a vida do adolescente, contribuindo para a construção de sua identidade, de modo a favorecer a elaboração de um projeto de vida, o seu pertencimento social e o respeito às diversidades (cultural, étnico-racial, de gênero e orientação sexual), possibilitando que assuma um papel inclusivo na dinâmica social e comunitária. Para tanto, é vital a criação de acontecimentos que fomentem o desenvolvimento da autonomia, da solidariedade e de competências pessoais relacionais, cognitivas e produtivas. (SINASE, 2006 , p. 60)

Segundo o documento fornecido pela instituição, o trabalho realizado estava

pautado em uma “abordagem existencialista”, que contemplasse a “formação

subjetiva do ser humano”, visando a formar um sujeito “consciente”, capaz de

reconhecer suas responsabilidades a fim de garantir o seu bem estar “pessoal,

individual e coletivo”. Assim, o processo educativo tinha como objetivo promover

“mudanças profundas” na vida do jovem a ser reintegrado à sociedade.

O documento definia como resultados esperados na formação do egresso:

No decorrer da sua formação escolar o educando egresso deve construir aprendizagens, posturas e valores que possam (re)significar sua vida para:

64

Registro em diário de campo de conversa informal com professores.

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Ser um cidadão capaz de desenvolver cada vez mais as habilidades humanas, usando senso crítico para saber discernir e atuar com eficiência na sociedade.

Ser sujeito ativo, crítico e solidário, comprometido com o sucesso pessoal e com a construção de uma sociedade justa para todos.

Valorizar o estudo e a capacidade de Aprender a Aprender, com possibilidade de realização pessoal e profissional.

Atuar com competência no mercado de trabalho, utilizando o conhecimento construído, sendo participativo e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

Ser um cidadão empreendedor, capaz de encontrar e propor soluções para os diversos problemas, com princípios éticos, morais e cristãos.

Não ficou muito claro o que a instituição entende por “desenvolver cada vez mais as

habilidade humanas” citadas por diversas vezes em seus documentos. No entanto,

ficou claro o tipo de sujeito almejado como resultado da ação educativa: “um sujeito

ativo, crítico, solidário, ético e cristão”. Essa última característica pressupõe que tipo

de atuação junto aos jovens? Foi possível observar que grande parte das atividades

propostas tinham princípios cristãos. No entanto, não havia aula de ensino religioso

ou algo parecido. As jovens recebiam assistência religiosa segundo suas crenças,

como previsto no ECA (art.124)65.

Nos questionários aplicados aos funcionários, perguntou-se sobre os objetivos da

Instituição. Das 23 respostas fornecidas, 8 apontaram como objetivo da unidade a

“ressocialização” ou “reintegração” do jovem em conflito com a lei na sociedade,

como foi possível observar a seguir:

Fazer com que o interno tenha condições de cumprir a pena e sair reintegrado a sociedade. (QP 07, 37 anos) Tentar reintegrar o adolescente ao meio social. (QO 02, 29 anos) A ressocialização dos adolescentes. (QT 02, 40 anos)

Nesse mesmo grupo de respostas, apareceram aquelas que destacaram os

conteúdos de um processo educativo com vistas à “ressocialização”, como por

exemplo:

65

A unidade de internação feminina recebia a visita de um pastor evangélico que fazia a pregação para as meninas interessadas em ouvir e cantava hinos, como se fosse um culto. No entanto, não havia um momento em que todas as jovens fossem chamadas a participar. A ação do pastor ocorria paralelamente às aulas e ao banho de sol. A unidade também recebia semanalmente a visita da Pastoral da Igreja Católica. Nesse caso era um grupo que ia visitar as meninas, conversava com elas, levava doações de roupas ou outro material necessário.

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Ressocializar e retornar com os mesmos a sociedade com uma visão e atitudes diferentes da sociedade e do mundo afim de tira-los do mundo do crime. (QA 04, 27 anos) De acordo com o estatuto da criança e do adolescente é para ressocialização dos menores. Onde ele possa refletir no erro e sair da instituição de cabeça erguida e com uma nova visão do mundo e assim prosseguir sua vida com dignidade e assim respeitar o próximo. (QP 05, 25 anos) Na teoria seria a reintegração dessas adolescentes à sociedade. Seria criar condições de ressocialização. Retirá-las das inúmeras situações de risco nas quais elas se encontram. Seria também proporcioná-las uma nova visão de mundo, novas perspectivas de vida. (QP 09, 29 anos)

Em um outro grupo de respostas, 7 funcionários definiram como objetivos o

desenvolvimento de valores, uma re-avaliação de atitudes:

Formar cidadãos de bem e fazer com que eles tenham um objetivo quando sair da unidade. (QP 04, 43 anos) Fazer com que o menor possa estabelecer um pensamento crítico social. (QP 08, 29 anos) Re-significar, re-educar e disciplinar conhecendo as adolescentes, resgatando o respeito, o amor e o vínculo familiar. (QT 03, 53 anos) Objetivos da unidade e resgatar os adolescentes que estão em conflito com a lei, dando-lhes oportunidade de rever suas atitudes. (QA 03, 50 anos)

Há ainda respostas de cunho legalista que se limitaram a definir como objetivos da

instituição o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, como por

exemplo:

A responsabilidade primeira da Instituição é a de atender adolescente em cumprimento de Medidas Sócio-educativas de Internação e Internação Provisória no Estado do Espírito Santo encaminhados pelas Varas da Infância e Juventude da Grande Vitória e do interior do Estado e demais objetivos estabelecidos na lei. (QT 01, 54 anos)

Outras duas respostas apontaram para uma visão pessimista quando à finalidade da

instituição:

Depositor de menor infrator (QA 02, não informou a idade) No meu ponto de vista nenhum. Não vejo algo de concreto. (QO 05, 29 anos)

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As intenções expressas no currículo prescrito66 da Instituição parecem confrontar

com uma realidade dura. As condições de trabalho oferecidas na unidade de

internação feminina dificultavam o desenvolvimento dos processos educativos que

atingissem tais resultados. A começar pelo caráter punitivo conferido às internas em

algumas ocasiões. Por exemplo, como medidas disciplinares, as jovens ficavam sem

sair de seus dormitórios para banho de sol e para estudos.

A inexistência de locais adequados e os materiais pedagógicos escassos para o

trabalho de professores e “oficineiros” resultavam em práticas que dependiam da

“boa vontade” e do empenho desses funcionários para a realização de projetos que

estimulassem as jovens a participar das aulas.

Quando perguntados sobre o alcance ou não dos objetivos da Instituição, os

funcionários (12 dos 23 questionários) responderam negativamente:

Não. A reeducação desses adolescentes torna-se algo praticamente impossível, porque […] isto aqui nada mais é do que um presídio, que não obedece as mínimas exigências a um órgão socioeducativo para menores, por idade, por delito, etc.. (QP 02, 43 anos) Não, falta mais mão de obra qualificada, cursos profissionalizantes e uma maior integração entre os profissionais que aqui exercem as suas funções. (QP 06, 29 anos) Ao meu ver existem alguns funcionários que se esforçam em ensinar algo de bom para essas meninas. Esses, preocupados com o futuro delas tentam evitar o retorno de algumas. No entanto, outros só estão aqui para cumprir horário e receber seu “mísero” salário no fim do mês. Assim sendo, os reais objetivos da instituição raramente são alcançados. (QP 09, 29 anos) Na maioria das vezes não. São inúmeros os problemas, como deficiência física, pois internos de diferentes situações e grau de periculosidade num mesmo espaço tende a se igualarem até mesmo para uma questão de sobrevivência entre eles. Também uma questão administrativa que se

66

Perrenoud (1995) tece suas considerações sobre o currículo prescrito ou formal e o currículo real. O primeiro está explicitado nos objetivos da escola, diz respeito à organização da ação educativa previamente planejada e sistematizada, seja na seleção de conhecimentos a serem transmitidos, seja na forma de plano de aula ou Projeto Político-Pedagógico. Ele dá uma uniformidade ao trabalho. O currículo real, por sua vez, abrange tanto a dimensão prática do currículo que foi previamente sistematizado: é a execução do currículo formal ou prescrito, como a dimensão do vivido na instituição escolar, ou seja, abarca também as aprendizagens que são construídas nas práticas cotidianas, nas relações inter-pessoais. O currículo real, portanto, garante a diversidade das práticas educativas presentes no universo escolar. Há ainda o que o autor denomina de “currículo escondido”, que diz respeito às práticas e intenções da escola que não estão inteiramente explícitas e que se orientam à formação do sujeito em conformidade com a ordem moral e social, que compreende as desigualdades a partir do respeito à hierarquia, etc..

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impõe pouco afim de impor limites os quais sabemos que ele (os internos) não tem não dando assim tratamentos iguais a todos no oferecimento das atividades que já são precárias devido as instalações físicas que dando melhores oportunidades e previlégios aos mais indisciplinados e perigosos que são considerados líderes afim de manter o controle das unidades e quando são oferecidas as atividades o fato de praticarem as atividades juntos alguns não estão interessados na mesma e atrapalham os que realmente estão assim dificultando o desenvolvimento. (QA 04, 27 anos)

Desse grupo, 4 respostas responsabilizam as jovens, ou suas famílias para justificar

o porquê de os objetivos não serem atingidos, como é possível observar nesta fala:

Não, ou seja apenas uma pequena parte dos adolescentes que geralmente estão pela primeira vez na internação conseguem levar a sério a instrução ou seja orientação dos pais aos princípios anteriormente ensinados. Não são atingidos pelo fato do adolescente não gostar de seguir determinação quanto as orientações da Unidade e principalmente pelos funcionários terem falas diferentes. (QT 02, 40 anos)

Para essa questão, 4 respostas indicam pontos que são atingidos positivamente e

objetivos não alcançados pela instituição, outras 6 não indicam pontos negativos.

Um funcionário prefere não responder. Os pontos negativos se assemelham aos

demais citados e os objetivos alcançados podem ser resumidos nesta fala:

São atingido em grande maioria: - conhecer sua situação processual - ser atendido por advogado e/ou def.público - ter atendimento bio-psico-sócio-pedagógico - atendimentos individuais e grupais - atendimento à saúde - atendimento à escolarização com Educação Física - participar de oficinas culturais, esportivas e de lazer e profissionalizantes - receber visitas domiciliares - ter seus estudos sociais encaminhados ao judiciário no período de 6 meses (6 em 6 meses) - receber benefícios de natal quando da avaliação da Equipe multidisciplinar Dentre outros... - realizar visitas domiciliares (QT 01, 54 anos)

Ficou claro que existia um distanciamento entre a dimensão do “modelo cultural” da

instituição e o que as jovens assumiam para si como modo de vida. Não se tratava

apenas de convencer as jovens a sair da “vida loka”, ou ainda a se tornarem

“pessoas de bem”, ou fazer com que cumprissem as normas para aprenderem as

ser disciplinadas e respeitadoras. A questão passava também pelo falta de

esperança em outras perspectivas de vida. Além disso, o discurso de que, por meio

da educação, seria possível conseguir uma vida melhor havia sido confirmado como

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“caô”67 pelas meninas quando em situação de liberdade. Embora estivessem

matriculadas em escolas, a relação que as jovens estabeleciam com as mesmas era

vazia de sentido no que dizia respeito às “promessas” da escolarização como

garantia de entrada no mercado de trabalho, ou acesso à universidade.

Essa realidade se aproxima do que Dubet define como a fragilidade do sistema

escolar, citado anteriormente. Os estudos desse autor apontam ainda que, na

experiência escolar, as estratégias utilizadas por jovens das classes populares

revelam uma relação com o sistema escolar e se constróem como “condutas de

resistência”. Como afirma Camacho (1999, p.56), a pesquisa de Dubet aponta que:

Os alunos dos liceus das classes populares formam grupos juvenis que se constróem, não ao lado da escola, mas contra ela, por meio de condutas de resistência e desafio; para eles, o bom professor é aquele que respeita e ama o aluno; eles não vinculam seus estudos a um projeto e não vêem sentido nos estudos; não conseguem dar sentido intelectual e moral ao seu trabalho; a experiência é construída em estratégias profissionais que precisam de proximidade com a cultura juvenil e com os valores operários; nesse caso a escola é uma instituição de socialização.

Pais (1993) defende que, nas relações estabelecidas entre os jovens e a instituição

escolar, a escola é vista por aqueles que visam à maior mobilidade social como uma

estratégia. Nesse caso há investimento por parte da família e por parte do próprio

jovem em buscar boas escolas, bons cursos, diplomas que tenham

representatividade no mercado de trabalho a fim de conseguirem um bom emprego

ou ingressar em uma boa faculdade. Para os jovens cujo futuro já lhes parece

definido, quase inevitável – e isso se aplica tanto a jovens de origem operária, que

não vêem condições de mudança de sua condição social, como a jovens da

burguesia, cuja certeza de herdar um patrimônio lhes dá segurança quanto ao futuro

– a escola parece vazia de sentido.

As ações socioeducativas formalizadas em aulas, oficinas pedagógicas,

atendimentos psicossociais, eram executadas na instituição. No entanto, a

convivência conflituosa com uma prática repressiva-punitiva-corretiva tornava as

67

A gíria “caô” era por elas utilizada para indicar que alguma coisa era falsa, era para enganar. “Isso aí é caô! Se nóis estudasse nóis num tava aqui!”. Essa era uma fala freqüente das meninas que se recusavam a qualquer atividade de cunho pedagógico ou até mesmo a uma conversa amigável com os professores.

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primeiras ações “práticas coadjuvantes”, e o “sofrimento” – expressão utilizada pelas

meninas para definirem a privação de liberdade – acabava por se destacar para as

jovens na sua formação durante a internação, uma vez que isso as “marcava” com

mais intensidade – como poderá ser visto na avaliação que as jovens fizeram sobre

a condição à qual estavam submetidas.

Se, para a análise da Unidade, for traçado um paralelo entre as funções da

instituição de internação e as dimensões do sistema escolar definidas por Dubet (a

do modelo cultural, a da seleção e a da organização) será possível observar que

elas não apresentavam uma articulação harmoniosa entre si. Além dessas três,

acrescentar-se-ia uma quarta, expressa no parágrafo acima, que seria a dimensão

da “contenção”. Ou seja, aquela função caracterizada pelo cuidado com o controle e

a manutenção da ordem das jovens em privação de liberdade.

Nas unidades de internação as propostas socioeducativas idealizadas pouco se

aproximavam da realidade vivenciada e construída no cotidiano. Além disso, outros

processos de formação escapavam àqueles previstos e estariam relacionados com

as estratégias de “sobrevivência” na instituição. Há que se considerar ainda que, foi

lançado um olhar sobre as aprendizagens relativas ao currículo real, ou seja,

àquelas trocas que se relacionavam à “experiência” e se constituíam peças

importantes para a construção do sujeito durante a internação. Esses elementos

serão aprofundados posteriormente.

3.2 O DIA-A-DIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE INTERNAÇÃO

O dia na unidade se iniciava por volta de 7h da manhã, com a troca de plantão dos

assistentes de alunos, a abertura dos alojamentos para as meninas e a chegada dos

professores e do corpo técnico para mais uma jornada de trabalho.

A rotina acompanhada por mim era a mesma dos professores, com algumas

exceções. Ao chegar à Instituição, atravessava-se a guarita policial, virava-se à

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direita e seguia-se pela lateral do prédio da unidade masculina até uma outra área

onde funcionava a escola. Era comum ir à sala dos professores. Nesse local, os

professores do turno matutino aguardavam o horário para iniciar as aulas68. Alguns

tomavam o café da manhã e conversavam, outros liam jornal ou separavam o

material que seria utilizado nas atividades diárias.

Em seguida, os professores se dirigiam à unidade. Ao sair da área da escola,

passava-se pela lateral do prédio masculino, pela guarita policial e descia-se em

frente, para a unidade. Ao chegar, os portões encontravam-se trancados e era

preciso aguardar a presença de algum monitor para abri-lo. Portão aberto, entrava-

se na unidade feminina e encaminhava-se para a sala dos professores e dos

assistentes de alunos localizadas nesse espaço. Em raras ocasiões, as meninas já

estavam acordadas próximas ao primeiro portão interno. Quando isso ocorria, os

professores paravam para conversar com elas e entravam na sala dos professores

somente para pegar mais algum material ou para saber como estava a situação na

unidade.

Na maioria das vezes, os professores esperavam quase uma hora até que alguma

menina acordasse e chegasse para a aula. Essa espera geralmente se dava na sala

dos professores ou no interior da unidade, nas salas de aula.

À primeira vista, parecia haver uma ausência de regras, uma vez que se tinha a

impressão de que as jovens poderiam fazer o que quisessem. Uma observação mais

cuidadosa, entretanto, permitiu a percepção de que essa “ausência” ou “quebra”

ocorria em relação às regras reguladoras do cotidiano pretensamente educativo,

impostas pela instituição. Na realidade havia, sim, a obediência a outras regras, ou

seja, àquelas relativas à organização das punições (como por exemplo, os castigos)

e àquelas construídas paralelamente pelas próprias jovens nas suas relações de

sociabilidade (como a obediência à hierarquia, produzida por elas mesmas, na qual

as representantes femininas eram submetidas às masculinas).

68

Os professores ficavam aguardando que os internos comparecessem às salas de aula.

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As aulas das jovens do Seguro se iniciavam às 8h da manhã e se encerravam às 9h.

No entanto, era difícil encontrá-las acordadas, uma vez que estas não dormiam

durante a noite com medo de terem seus alojamentos invadidos pelas demais

internas e sofrerem algum tipo de agressão.

Os alojamentos das outras jovens eram abertos pelos assistentes de aluno por volta

de 9 horas da manhã, após o recolhimento do Seguro. No entanto, as internas

continuavam dormindo, por mais que as assistentes de aluno tentassem acordá-

las69.

O café da manhã (leite, café e um pão ou biscoitos) era servido no mesmo horário.

Não havia um refeitório. As garrafas térmicas com leite e café ficavam no corredor

interno e o pão ou biscoitos eram entregues nas mãos para as jovens.

Foi interessante notar a estratégia utilizada pelas meninas que sentiam muita fome

pela manhã. Para comer dois pães, o grupo do alojamento escolhia uma de suas

meninas a fim de buscar o pão para todas. Essa era instruída a pedir uma

quantidade superior ao número de presentes no alojamento. Em seguida, uma outra

jovem, do mesmo dormitório voltava dizendo que havia faltado pão para ela. Assim

conseguiam mais um. Os funcionários da unidade percebiam a estratégia e fingiam

ser “enganados” pelas jovens. Eles somente agiam com firmeza quando a

quantidade de pães enviados pela padaria da instituição era limitada.

O acesso aos alojamentos ficava liberado até a tranca seguinte, na hora do almoço.

Enquanto as meninas tomavam café, os professores entravam para as salas de aula

e tentavam conseguir mesas e cadeiras para começarem as atividades. Os docentes

de um mesmo turno entravam em grupo para “atrair” alunas para as aulas. Eles

faziam um acordo entre si. Cada um introduzia sua atividade assim que o outro

terminasse. Ficavam todos na mesma sala acompanhando a aula do colega. Alguns

69

Pelas mesma razão que as jovens do Seguro, algumas meninas não dormiam à noite. Muitas tinham medo de dormir e sofrer represálias das demais internas. Passavam a noite em claro e dormiam pela manhã, quando a presença de funcionários transitando em frente aos alojamentos era mais constante. Outras faziam barulho durante toda a noite para que outras jovens não dormissem. Ou ainda, ficavam conversando por não terem sono.

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professores aplicavam atividades interdisciplinares. Em muitas ocasiões, havia mais

docentes para assistirem às aulas que alunas.

Em outras abordagens, os professores ficavam na sala e quando aparecia alguma

interna interessada eles diziam quais eram as matérias para aquele turno e

perguntavam à jovem qual ela preferia estudar primeiro. Era comum também um

professor ficar em sala de aula dando atividades enquanto outro professor se

encontrava na quadra tentando convencer as internas a participarem das aulas.

O horário de aulas era também o destinado ao banho de sol, de modo que os

professores tinham que competir com a quadra. Como descrito anteriormente, as

duas salas de aulas não eram recintos fechados, eles eram abertos e se fundiam ao

corredor que ligava o segundo portão interno ao terceiro. Para irem dos alojamentos

à quadra era preciso passar por este corredor. Enquanto as meninas passavam os

professores convidavam para a aula: “Ei, vem fazer aula!”; “Olha eu tenho uma coisa

legal pra hoje.”. Algumas alunas paravam, iam até os professores, os

cumprimentavam, conversavam um pouco e depois iam para a quadra.

As jovens da internação provisória eram as mais assíduas às aulas. Em muitos

casos, procuravam os professores perguntando o que havia para fazerem. Para

elas, era importante apresentar um bom relatório de acompanhamento para o juiz

em suas audiências. As jovens sentenciadas que participavam das atividades

escolares também o faziam pela mesma razão. Outras, no entanto, assistiam às

aulas porque gostavam de conversar com os professores e tinham estima por eles.

Quando não apareciam alunas, os professores se dirigiam à quadra onde elas se

encontravam e sentavam-se próximos às jovens para conversar; procuravam saber

como elas estavam, se haviam dormido bem, se tinham se alimentado; participavam

das brincadeiras delas, ouviam as reclamações que as meninas faziam e, por fim,

próximo ao horário de irem embora deixavam as atividades escolares para as jovens

concluírem no horário da tranca. Com uma abordagem dessas, ficava difícil para as

internas recusarem-se a fazer os exercícios.

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Enquanto os professores e algumas alunas estavam na sala de aula, as outras

internas estavam envolvidas em atividades diversas. Algumas aproveitavam o

horário para lavar os alojamentos, ou para lavar a roupa e os utensílios (pratos,

canecas, potes de plástico) no chuveiro da quadra. A roupa lavada era estendida em

uma corda amarrada às grades do corredor dos dormitórios ou nas traves de futebol

da quadra. Não havia uma lavanderia ou um espaço adequado para isso.

Na quadra, algumas jovens ficavam sentadas nas arquibancadas conversando;

outras levavam um aparelho de som e ficavam próximas aos portões dançando funk.

Mexiam com os meninos que se encontravam na frente da unidade masculina.

Outras jogavam futebol na quadra – quando tinha bola –, o que causava um

tremendo alvoroço. As jovens faziam o time das internas contra o time dos

assistentes de aluno (três do sexo masculino que trabalhavam no mesmo turno).

Quando o dia estava ensolarado, algumas meninas passavam bronzeadores e

ficavam expostas ao sol. Se o calor era intenso, elas brincavam umas com as outras

dizendo: “Amiga, vou ali dá um mergulho” e se encaminhavam para tomar banho no

chuveiro.

Por volta de 11h 30min, terminava o horário de aula e as meninas eram retiradas da

quadra para que o almoço fosse entregue. Os professores se retiravam. Depois que

todas as meninas saíam da quadra, o portão de acesso era fechado e as jovens

eram conduzidas até as salas de aula. Em seguida, o segundo portão interno era

trancado. Após esse procedimento, o primeiro portão poderia ser aberto.

O almoço era entregue em uma marmita descartável. Havia opções no cardápio

entre carne bovina e de frango. Contava ainda com arroz, feijão e macarrão. A

salada era entregue separadamente. A sobremesa era sempre um doce (mariola,

paçoca ou doce de leite). Cada marmita vinha com o nome da interna.

O almoço das jovens do “Seguro” era entregue primeiro. Cada jovem recebia sua

marmita e um pouco de água.

Às 13h 30min as atividades retornavam com as aulas e a liberação das meninas

para ficarem na quadra. No meio da tarde, um pão era servido como lanche. Por

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volta de 16h as jovens voltavam para os alojamentos. Posteriormente, recebiam

mais uma marmita para o jantar.

Após a “tranca” das meninas, as jovens do Seguro eram liberadas para aulas e

banho de sol. Durante todo o período em que as demais estavam fora dos

alojamentos, as internas do Seguro permaneciam em seus dormitórios. Às 17h, após

as aulas, elas entravam para o alojamento e recebiam o jantar.

As meninas definiram o seu dia-a-dia na unidade da seguinte forma:

Aqui não acontece muitas coisas diferente, fico no 2º alojamento ao dia durmo bastante saio pro banho de sol pertubo um pouco as colegas e monitores e durante a noite fica a maior parte do tempo com minha namorada […] assistindo TV e conversando com minha “Mãe amiga” […]. (QJs 05, 18 anos) Na UFI meu dia-a-dia é quase que repetitivo quando saio para o banho de sol, faço as atividades dos educadores, procuro conversar com as amigas das outras celas. Quando estou no alojamento escrevo cartas de Amor, o meu dia-a-dia escrevo KTQ [catuque] para minhas amigas e procuro sempre arrumar uma brincadeira para eu e minhas colegas de alojamento nos distrairmos e esquecermos um pouco de onde estamos, também constumamos contar um pouco dos acontecimentos de nossas vidas, é sempre bom, porque uma coisa ou outra podemos colher de experiência. (QJp 07, 17 anos)

As meninas do “Seguro” tinham suas preocupações diárias, como é possível

observar nesta fala:

O meu dia-a-dia […] é assim passa muita preocupação e não descansar em paz, pois nós fomos envadidas pelas meninas e ficamos muito machucadas, e até hoje elas não para de enplicar com agente, e é porisso que nós não conseguimos viver em paz. (QJs 09, 17 anos)

Essa rotina foi interrompida no mês de abril, por uma medida disciplinar70 que fixava

horários de saída para banho de sol por alojamentos. Foram feitas escalas em que

se destinava apenas uma hora para o banho de sol e para as atividades escolares.

A freqüência às aulas passou a ser muito baixa. As jovens do Seguro saíam para o

banho de sol e atividades escolares antes de todas as internas e depois eram

70

A medida foi tomada após serem registradas brigas freqüentes entre as internas (incluindo agressões físicas) de alojamentos diferentes. Assim, não seria possível ficar todas soltas ao mesmo tempo.

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levadas para o corredor que ficava na lateral no prédio e lá permaneciam até o fim

do dia. Retornavam aos seus dormitórios após todas as demais terem se recolhido

aos alojamentos.

3.2.1 Sexta-feira

A sexta-feira era um dia atípico em relação aos demais. Era nesse dia que as

meninas podiam fazer as ligações telefônicas para as famílias, podiam enviar e

receber os “catuques” dos meninos. Desenvolver qualquer atividade era difícil. As

meninas ficavam agitadas, próximas ao primeiro portão interno gritando pelo

psicólogo e pela assistente social, solicitando para fazer os telefonemas.

Por ser um dia de grande expectativa, os ânimos ficavam exaltados e a situação

poderia ficar tensa por qualquer motivo. À medida que as horas passavam e o

horário de saída dos técnicos se aproximava a tensão aumentava quando ainda

havia meninas sem terem conseguido falar com suas famílias,

Nesse caso, as jovens começavam a gritar no primeiro portão interno. Chegavam ao

extremo de “bater o chapão”, ou seja, de chutar as grades ou de arrastar objetos

nelas fazendo um barulho ensurdecedor.

Em conversas descontraídas, algumas meninas diziam o que estariam fazendo na

sexta-feira se estivessem no “mundão”. Narravam que este era o dia da semana

destinado a cuidar das unhas, dos cabelos, a passar o dia pensando na roupa que

usariam à noite para “zuar um baile”.

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3.2.2 As mudanças de rotina

Alguns acontecimentos na unidade feminina mudavam toda a rotina das internas,

dos professores, e dos assistentes de alunos. Como afirmavam os professores:

_ “Aqui nós temos um plano. Mas ele não é único. Aqui nós temos o plano „A‟, „B‟, „C‟, „D‟, ... é um alfabeto inteiro!!!”

71.

Alguns sinais indicavam aos funcionários que seria preciso lançar mão de dois e três

“planos”. Por exemplo, quando a unidade estava muito silenciosa, era sinal de que

alguma coisa iria acontecer. Para as internas, quando a movimentação na área da

diretoria era intensa, era indício de que alguma mudança estava por vir.

As quebras na rotina poderiam acontecer pelo simples fato de ter chegado mais

jovens para a internação provisória, ou pela saída de meninas para audiência. Ou

em situações mais complicadas, a rotina era quebrada por briga entre as internas.

Dependendo da gravidade do conflito, era preciso mudar jovens de alojamento,

separar algumas no Seguro. Em outras situações, comportamentos considerados

“perturbadores” eram punidos com castigos72.

Em certas circunstâncias, da mesma forma como os acontecimentos habituais eram

interrompidos bruscamente, a rotina prontamente era restabelecida. Um dos

episódios ocorridos na unidade exemplifica com isso acontecia:

Queimando colchões

Nesse dia, por alguma razão, as jovens não saíram da tranca pela manhã. O

professor que esteve na unidade no turno matutino nos informou que não havia

alunas para a aula. O motivo: elas estariam de castigo por terem “aprontado”

durante o plantão da noite. À tarde, por volta de 13h 30min, acompanhei o professor

de História à unidade feminina.

71

Fala registrada em diário de campo. 72

O castigo mais longo aplicado e por mim presenciado foi de 15 dias de proibição de saída para banho de sol e atividades escolares. Ou seja, quase duas semanas de “tranca”.

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Ao entrarmos, vimos que as meninas não estavam no corredor, como de costume.

Pensamos que não fosse ser possível dar aula. Observei que havia cinzas

espalhadas pelo chão. Pensei que viessem do lado de fora. Os técnicos estavam

agitados, tentado atender uma menina que não se sentia bem.

Passamos pelas grades que davam acesso ao corredor das meninas. Estava pouco

movimentado. Algumas jovens passavam com baldes para lavar suas roupas no

chuveiro da quadra. Outras estavam arrumando os alojamentos. As coisas pareciam

estar como em uma dia normal, não fosse o silêncio. Três alunas apareceram para

fazer a aula. As outras estavam dormindo, lavando as suas roupas ou estavam no

banho de sol.

Conversamos com as internas que assistiam às aulas quando uma jovem se

aproximou para nos contar o que havia acontecido na noite anterior e que resultou

em castigo pela manhã:

_ “Aí, tá sabendo o que nóis aprontamo nessa madrugada?! Então, pô o bonde, né?!

Pô Rita e a otra menina lá passando mal e nóis gritando o monitô e ele não queria

vim, ai nóis se rebelamo. Aí nóis queimamo o colchão e tudo! Até vim alguém pra

ajudar!... A gente queria era fazer rebelião! Até dava. Aí hoje deu nisso, né? Nóis

ficou de castigo, num saiu da tranca!” (falou rindo) “Mas vê se pode? As meninas

passando mal aqui. Pô, a gente é tudo amigo. Mexeu cum um, formô o bonde!”.

As demais atividades naquela tarde transcorreram bem, como se fosse um dia

qualquer.

3.2.3 A rotina dos professores

Para lecionar em uma unidade de internação, é preciso, da parte dos professores,

incorporar um modo de agir diferente daquele a que estavam acostumados em

escolas regulares. Para realizar a pesquisa, precisei apreender alguns elementos do

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trabalho dos professores, especificamente aqueles que diziam respeito à vivência na

unidade.

Antes de se encaminharem para as salas de aulas, alguns professores e, em

especial algumas professoras, passavam por uma preparação. Retiravam os

acessórios (óculos de sol, colares, brincos, pulseiras, celulares, relógios, etc.). As

mulheres que davam aulas para os meninos colocavam um jaleco ou então um

camisão (que deixavam guardados em seus armários), prendiam os cabelos.

Quando questionados sobre o porquê desse ritual, os professores explicavam que

os/as jovens pediam tudo o que estivesse à mostra ou então, que poderiam “afanar”

relógios ou celulares. Sendo assim, era melhor evitar ir para a sala de aula portando

tais objetos.

Pude confirmar o que os docentes relataram em uma situação que vivenciei no

primeiro dia em que acompanhei o trabalho dos professores junto aos jovens na

Instituição. Ao chegar à unidade pela manhã, encontrei os professores trajados com

seus jalecos ou camisões. Havia dois professores a se encaminhar para a unidade

feminina e de pronto me chamaram para que eu fosse acompanhá-los. Aceitei o

convite e os segui. No caminho, enquanto me transmitiam informações básicas para

entender o funcionamento de uma unidade de internação73, não me alertaram para o

uso que eu estava fazendo dos brincos. Eu estava usando brincos de metal muito

pequenos, em formato de bolinha.

Ao chegar à unidade de internação feminina, o primeiro portão interno estava aberto.

As meninas ainda estavam na tranca. Os meninos do Seguro da unidade masculina

de internação estavam na quadra para banho de sol. Quando nós chegamos, os

jovens se aproximaram do portão de acesso interno da unidade para a quadra e

73

Os professores explicavam que era preciso obedecer à hierarquia sempre. Então, assim que chegássemos à unidade, eu seria apresentada à diretora, aos técnicos e depois iria até as meninas. Explicaram-me que na unidade eu encontraria uma resistência por parte das internas, por eu ser mulher, jovem e representar “concorrência” para elas. Falaram sobre as alas do Seguro. Nesse mesmo dia, uma professora da unidade feminina, em conjunto com os dois professores, explicou mais especificidades do trabalho. Estas diziam respeito à segurança pessoal: por exemplo, não era para falar às jovens o lugar onde residia; durante as aulas, era prudente evitar ficar de costas para os corredores, se possível, deveria manter-me próxima à parede, para evitar que fosse pega como refém, pelas costas, em alguma situação tensa; que não era para levar recados das meninas para os meninos a menos que elas autorizassem passar pela assistente social, pois poderia ser comprometedor.

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começaram a conversar com os professores. Eu estava ao lado dos dois e também

participava da conversa. Um jovem me interpelou dizendo:

_ “Aê, fortalece74 esse brinco aê?!”.

Ele se aproximou da grade do portão e pediu novamente estendendo a mão:

_ “Aê menina, fortalece esse brinco aê?!”.

Tentei sair da situação:

_ “Pô... vai dar não. Esse brinco eu não posso dar não, porque se eu tirar vai fechar

o furo da minha orelha.”.

Não satisfeito, o jovem retrucou:

_ “Que nada, depois é só furá de novo assim ó (mostrou-me como eu poderia fazer

para perfurar minha orelha). Pô, dêxa de ser ambiciosa! Cê já tem três aí na orelha,

fortalece um só, tá ligado?”.

Outro jovem ria, chamando o colega de abusado. Um dos professores interferiu

dizendo:

_ “Não, esse brinco é dela. Ela gosta de usar. Ela não vai te dar, tá? Esse é dela.

Pede pra alguém que vem te visitar trazer um pra você. Esse aqui é dela, tá?”.

Todos riam da situação. Encurtamos a conversa no portão.

Antes de sair, um jovem chegou próximo às grades e perguntou:

74

Nas gírias do funk, fortalecer significa fornecer drogas (localizado em http://forum.valinor.com.br/archive/index.php/t-25126.html). Os/as jovens da Instituição pesquisada utilizavam essa expressão com diferentes sentidos: para pedir alguma coisa (neste caso, o brinco); para buscar no outro apoio para suas ações; no sentido de fornecer qualquer coisa, não precisava ser drogas especificamente.

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_ “Aí, cê é da PM?”.

Respondi que não. O mesmo professor que havia feito a intervenção em relação aos

brincos me apresentou ao jovem:

_ “Não, essa aqui é professora. Ela agora vai trabalhar aqui com a gente.”

O menino desfez o ar de preocupação e estendeu a mão para me cumprimentar:

_ “Ah, tô ligado. Muito prazê aê fessora!”.

Somente depois percebi que eu vestia uma calça jeans de tonalidade escura e um

camisão branco, tinha os cabelos presos e havia passado pelo “batismo de fogo”,

como um ritual de iniciação. Além disso, já no primeiro dia, pude perceber que os/as

internos(as) reconheciam e respeitavam o profissional docente como uma

autoridade.

Em outras situações, quando eu era apresentada aos meninos, a primeira impressão

percebida eram os olhares maliciosos deles direcionados a mim. Após ser

identificada como uma nova professora, a relação estabelecida era de muito respeito

e, para os jovens, eu me tornava um ser “assexuado”.

Outro cuidado que os professores deveriam aprender a ter se referia à separação do

material para a aula. Lápis, borracha, apontador, caneta, tesoura, cola deveriam ser

devidamente controlados, pois poderiam ser utilizados como armas pelos internos75.

Nas tesouras eram amarradas cordas de modo a formar um “colar” que era

carregado pelos professores no pescoço. Os lápis de escrever eram cortados em

tamanhos pequenos com as pontas pouco afiadas. Estes deveriam ser contados

antes da aula e depois da mesma. Para apontar o lápis, era preciso pedir ao

professor que o fizesse, para evitar que a lâmina fosse utilizada para outros fins. Os

75

Entre eles, uma das punições para os jovens que se envolviam em confusão ou que cometiam crimes que não eram admitidos pelo “código de ética” dos internos era introduzir a caneta no ouvido daquele que estava sendo punido e bater com força. A caneta/lápis perfurava o ouvido.

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jovens da ala masculina76 não poderiam levar nenhum destes objetos para seus

alojamentos.

Esses cuidados não eram transmitidos “oficialmente” ao professor que ingressava na

unidade. Aprendia-se na prática cotidiana, nas trocas com os colegas mais

experientes. Assemelhava-se à incorporação de um “habitus profissional”. Precisei

incorporar esse habitus e me transformar, de pesquisadora em professora, para ser

aceita e garantir minha segurança. Reconheço que precisei utilizar essa estratégia

para poder circular pelos espaços e partilhar das atividades realizadas na unidade

feminina de internação.

3.3 “TIRANDO CADEIA”

Essa música é o meu lema. Aí galera passe o pano na letra e eu ofereço para todos aqueles

que estão no sofrimento como eu.

Música: Proteja os manos que tão lá na prisão Cantor: Menor do Chapa do Turano

“Deus” proteja os manos que tão lá na prisão,

Proteja os manos que tão na solidão, Proteja os manos puro de coração,

Muita humildade e brindão na guerra fria Não posso marcar toca somos turanos

Família vida loka E nosso bonde é pronto pra guerrear

Nóis que tá.77

“Tirar cadeia” era a expressão utilizada pelas jovens para se referir ao cumprimento

da internação. Essa gíria também significava ludibriar alguém, ou ainda, “fazer hora”.

76

Na unidade feminina, era permitido às internas ter canetas nos alojamentos. Algumas meninas iam para a aula com caneta própria. Tinha-se o cuidado de depois da aula recolher os lápis ou outros objetos cortantes, mas a preocupação era diferente da destinada aos internos da unidade masculina. No quadro de avisos da unidade, existiam “recados” especiais para os familiares, para que não levassem objetos cortantes, perfurantes para as jovens. O uso de lâmina para barbear também recebia recomendações. As assistentes de aluno deveriam entregar a lâmina descartável para a jovem. Ela faria o uso sob as vistas da assistente de aluno e a devolveria logo após. 67

“Recado” deixado por Ana no preenchimento do questionário [grifo feito pela jovem].

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Neste item, pretende-se apresentar como as jovens cumpriam a sua internação e

ainda como elas “faziam hora” para “aliviar” a privação de liberdade. Busca-se expor

como foi o primeiro contato das internas com uma unidade de internação para

jovens em conflito com a lei, o que pensavam sobre a realidade experimentada por

elas, como se dava a relação com a instituição e seus funcionários, segundo suas

próprias palavras. Em seguida, procura-se mostra as reflexões dos que trabalhavam

na unidade sobre a própria prática e sobre a instituição.

A entrada na unidade de internação implicava o aprendizado de um novo “ritmo de

vida”, a adequação a um espaço físico limitado e às normas institucionais, a

construção de laços entre pessoas desconhecidas, a incorporação de um

vocabulário próprio, o entendimento de como “negociar” com a direção e com os

interesses do grupo. A resposta dada por uma jovem aos questionários elucida esse

processo:

Ai o dia a dia aqui é difícil ta ligado pois aqui não podemos confiar em ninguém a dica para você não se enrola aqui é falar pouco e apenas observa fica só no sapatinho só passando o pano nas figura que entrão e naquelas que já estão aqui a mais tempo ta ligado aqui não tem nada de interessante não, pelo contrário o dia a dia aqui cada vez se torno mais complicado ta siente pois vai passando o tempo a cadeia começa a pesar e bate a bolação ai já viu né. (QJs 07, 16 anos)

Quando encaminhada para a internação provisória, a jovem e sua família passavam

por uma entrevista com os técnicos. A “novata” recebia um “kit” fornecido pela

unidade contendo: um colchão, lençol, sabonete, xampu, pasta e escova de dentes.

Em seguida, ela era alojada em algum dormitório, que, de preferência, fosse

habitado por internas também da unidade provisória. As recém-chegadas eram

acompanhadas de perto pelos assistentes de alunos, que lhes davam dicas,

aconselhavam a participar das atividades escolares, a não se deixarem abater. Os

professores também davam uma atenção especial às novas alunas.

Em conversas informais, fiz perguntas direcionadas às jovens sobre quais foram as

primeiras impressões sentidas ao adentrar em uma instituição de internação. Nesse

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dia, estava de posse de papel78 para anotações e pude registrar as narrativas das

meninas. Segundo as jovens:

Pô... quando eu cheguei... Ah... Uma reação estranha, que é difícil acostumá com o lugar, é difícil acostumá com as pessoas... e a saudade bate... do mundão... da família... A gente pára e pensa... porque a gente foi fazê isso... depois se arrepende. É tarde demais... Mais... A gente tamo aí! Seguindo em frente, firme e forte! (Joana) Pô, a gente chega, acha que vai embora rápido! Faz um ano que eu tô aqui... A única coisa que dá pra fala é que é horrível, entendeu? Tirando as nossas amigas, porque aqui é como se fosse uma família. (Bete)

Em uma aula de História, o professor solicitou às alunas que escrevessem um texto

com o tema “liberdade”. Duas alunas narraram suas percepções sobre a unidade:

[…] ficar presa não é bom, você é obrigado a comer uma comida horrível, ver sua família só no domingo e isso não é vida pra ninguém. Por isso estou louca para ir embora dessa cadeia. Em breve estarei em casa eu a minha filha se Deus quiser! (Tereza) […] Aqui é outro mundo. É muito triste acordar e se ver trancado, rodeada por pessoas jamais vistas antes, não posso ver quem tenho saudade, não posso comer o que tenho vontade; hoje penso que sería maravilhoso o que antes odiava. Adoraria muito estar numa fila de banco, daquelas enormes e cansativa, poder pegar um ônibus lotado, daqueles que se você levantar o pé, não abaixa mais. […] É bem complicado mas tenho fé, e esperança de poder finalmente voutar para minha família, sair desse lugar, é muita gritaria, tudo resolvem brigando, batendo, chingando e falando auto, e não tem pra onde ir, pois é um cômodo, trancado, gradiado. É sujo, com as paredes pichadas, não se tem paz, nem pra dormir todo lado que se olha só vê palavras e gestos obcenos, despudorados. Quero ir embora daqui, precizo sair daqui, pra nunca mais voutar não quer nunca mais voutar, nunca mais quero sentir o que sinto aqui. (Renata)

Como descrito anteriormente neste trabalho, precisava-se de tempo para uma

adaptação à unidade. As avaliações que as jovens fizeram sobre a instituição de

internação evidenciam opiniões diferentes, como é possível perceber a seguir:

No meu ponto de vista a UFI é uma unidade que procura ajudar as pessoas que aqui se encontra, mas falta pessoas competente para que esse trabalho possa ser realizado com sucesso. (QJs 07, 16 anos) Eu vejo a UFI como um lugar que não dar para mudar e sim piorar pos presizamos de segurança pelo fato de ser Seguro. (QJs 03, 17 anos) Um ambiênte muito ruim, porque nem todas as pessoas são tratadas em igualdade e nem local para ninguém viver. (QJp 01, 17 anos)

78

Papel e lápis cedidos pelos professores.

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Como uma cadeia de papel, pois ninguém conhece, e por isso não podem nos ajudar em nada pois não existimos pra eles. (QJp 02, 17 anos) Eu vejo a UFI como um orfanato e cadeia aos dois mas como orfanato infernal. Porque eu vejo os dois caso no mesmo tempo um por orfanato da roupa, colchão e lençou e etc... Agora como cadeia e porque as veses eles chama guarda para nois só poriso. (QJp 05, 15 anos) Uma casa de reflequição, onde você passa um tempo para pensar se vale a pena continuar nesta vida, que julgam ser do “crime”. Um lugar onde as pessoas que são os educadores tentam te mostrar que você pode ser uma pessoa melhor que você pode ter um futuro brilhante. Um talvez seja um castigo, onde muitas se revoltam e pioram. Mas pra mim serviu para refletir sobre meus planos, meu modo de viver, entre outros. (QJp 07, 17 anos) Eu achava que cadeia era um bicho de sete cabeças, mas também não é assim se souber levar a cadeia tranqüila não vai ter inimigos. (QJp 11, 12 anos)

Os funcionários partilharam de visões semelhantes às das jovens:

Apesar de todas as dificuldades existentes no estado, que sabemos que é existente, mesmo assim as unidades são espaços onde o adolescente pode apreender/perceber/refletir que há outros caminhos na vida, além do que ele (o aluno) pensa que é o único, ou seja, espaço de conhecimento para novos caminhos. (QP 01, 36 anos) Em termos de estrutura física as duas unidades [UNIS/UFI] não oferecem as condições básicas necessárias para um atendimento humanizado e eficaz das medidas sócio-educativas, preconizadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, visto que os prédios são antigos, construídos na década de /70, visando atender 40 adolescentes. Na UNIS, principalmente foram feitas adaptações/ampliações, considerando que nos últimos anos aumentou o número de adolescentes e a superlotação acarreta dificuldades no desenvolvimento efetivo da proposta de trabalho. Lembramos que c/ as adaptações feitas na estrutura física, contamos c/ 160 vagas (+-) e encontramos hoje 246 adolescentes internados. (QT 01, 54 anos) Vejo como uma unidade de reabilitação, socialização e humanização, onde desenvolvemos trabalhos de conquista da auto-estima e também a valorização de “Eu” Mulher, são adolescentes em conflito com a Lei, mas o seu maior conflito é o interior. Trabalho das atividades pedagógicas e ensinos profissionalizantes. (QT 03, 53 anos) Uma instituição com uma difícil missão que é lidar com jovens nesta situação de risco de cair no mundo do crime e juntos com outros que já estão nesta vida. Tudo isso com uma grave deficiência em sua estrutura física e administrativa. (QA 04, 27anos) Uma instituição que era para ressocializar os menores, mas o sistema nada faz para que isso possa acontecer, claro que há certas pessoas que se preocupam, mas é minoria e com isso o sistema a cada dia piora. (QP 05, 25 anos) Vejo de forma bastante crítica. É um lugar que deveria funcionar como espaço de ressocialização, ou seja, deveriam ser tomadas medidas socioeducativas que retirassem essas adolescentes da situação de risco

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em que elas vivem. No entanto, a precariedade (falta de espaço físico adequado, falta de material pedagógico, falta de condições de higiêne básicas, etc.) associada a desorganização (funcionários ociosos, desvio de função, falta de preparo, cargos políticos, etc.) tornam esse espaço uma espécie de “pensão”, ou seja, as meninas apenas aguardam suas sentenças ou quem sabe a liberação para retornarem para rua e fazer tudo aquilo que fizeram para chegar aqui. (QP 09, 29 anos)

Os problemas estruturais que predominam no Brasil, em grande parte das

instituições destinadas a jovens em conflito com a lei, são aqui reafirmados pelos

sujeitos que com eles têm que conviver (seja como internas ou como profissionais) e

aprender a criar estratégias que possibilitem uma prática contraditória entre uma

concepção socioeducativa de como deveria ser e a realidade encontrada, que se

assemelha aos antigos códigos de menores.

Diante desse contexto, as relações estabelecidas entre as jovens e os funcionários

chegavam à quase cumplicidade. “Quase cumplicidade” porquê, para tal, era

necessário que houvesse confiança e identificação entre ambos, o que era

construído nas relações de amizade e de respeito.

3.3.1 “Tirando cadeia” – brincadeiras e traquinagens

A relação das jovens com as normas da instituição era de burlas constantes e de

“escapadas”. Se na experiência escolar de alunos a dimensão correspondente à

formação do sujeito se daria nas sociabilidades tecidas fora do controle do sistema

escolar, nas instituições de internação isso não seria muito diferente.

Havia um movimento de resistência à dura realidade e ao controle – conforme

relatado no tocante à manutenção de modos de ser juvenis. E foi interessante

observar que esse “confronto” se dava em diferentes direções: 1) um primeiro

caminhava para a irreverência com que se comprovava que era possível quebrar

uma norma e “bagunçar” a ordem; 2) um segundo indicava para o uso do bom

humor como forma de “quebrar” a tristeza na privação de liberdade; 3) um terceiro

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estaria relacionado ao cuidado com a própria imagem, em “estar bonita” quando

sentisse que a “cadeia” lhes tirava a “vitalidade”.

As histórias a seguir mostram como isso acontecia no dia-a-dia:

Dançando no pátio

Ao chegar pela manhã na unidade feminina, encontramos a agitação matinal de

meninas passando de camisola, ou só de sutiã e short , com o pão em uma mão e o

copo de café na outra. “Bom dia aê fessô”. No entanto, a euforia estava um pouco

além do normal. A diretora da unidade se encontrava no corredor gritando em

direção ao pátio. Parecia discutir com Juraci. Eu e os professores nos aproximamos

do portão da quadra para ver o que estava acontecendo.

A cena era engraçada. Juraci rodopiava no pátio enrolada em um cobertor, parecia

não estar vestida. A diretora da unidade chamava pela jovem:

_ “Você entra logo e vai botar uma roupa! Onde já se viu uma coisa dessas? Você

acha que vai achar homem assim, feia desse jeito? Vai botar uma roupa pra ficar

bonita! Assim não quero não!”.

Quanto mais a diretora se exaltava, mais Juraci rodopiava, erguendo os braços

como se dançasse ameaçando soltar o cobertor. Maria resolveu intervir. Ela corria

atrás de Juraci tentando segurá-la enquanto esta rodopiava se desvencilhando da

amiga. Maria chamava Juraci às garagalhadas:

_ “Vem amiga! Amiga, você tá igual ao Bob Esponja79 nesse cobetor! Vem amiga...

Oh dó... vem meu Bob Esponjinha...”

A diretora tentava ficar séria, mas não conseguia controlar o riso.

“Vem minha amiga, meu Bob Esponjinha...”, corria Maria atrás da amiga.

79

Bob Esponja é um personagem de desenho animado. Os motivos florais da colcha de Juraci realmente lembravam o desenho Bob Esponja.

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A cena se estendeu por um tempo até Juraci perceber que sua platéia se

dispersava. Poucos minutos depois, Juraci entrava, enrolada na coberta,

descabelada e chateada com a diretora da unidade. Enquanto isso, esta lhe dizia:

_ “Isso, agora vai tomar banho e botar uma roupa. Não quero ver você assim não.

Vai lá ficar bonita”.

Juraci não fazia sequer um comentário. Entrou para o alojamento.

Soubemos pela própria diretora que ela havia solicitado à Juraci que comparecesse

à sua sala para conversarem. A jovem apareceu enrolada na coberta dizendo que

iria para o pátio ver seu namorado80. A diretora reafirmou que queria conversar com

ela, que era para a interna se vestir pelo menos. Em pouco tempo a situação estava

“armada”.

Brincando com tinta

Era um dia tenso na instituição. De uma maneira geral, a presença do Batalhão de

Missões Especiais mudava a rotina nas unidades. Na unidade feminina, algumas

meninas estavam de castigo por terem se envolvidos em brigas. Chegamos, um

professor e eu, para as aulas no período vespertino. As jovens assistiam a um filme.

Havia colchonetes espalhados pelo chão. As meninas estavam deitadas e enroladas

em seus cobertores.

Após a “sessão”, o psicólogo – que orientava as atividades – tentou desenrolar uma

pequena discussão sobre o filme com as meninas, o que não deu muito certo. Ele

saiu da sala e retornou com cartolinas e tintas. As meninas deveriam fazer um

desenho cego e depois cada uma tentaria que explicar o da colega.

A princípio houve relutância em sujar o dedo de tinta. Pediam pincéis. O psicólogo

as encorajava. Por fim resolveram pintar. Começaram a achar divertido. Enquanto

80

Juraci tinha um namorado que era do Seguro da unidade masculina. Em abril ele recebeu seu alvará e foi liberado.

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pintava, Tereza comentava que desenhava as grades e a prisão. As demais apenas

riam. Estavam mesmo se divertindo com a “lambança” da tinta. Quando concluíram

a atividade, tentaram comentar a pintura uma da outra e riam das interpretações

feitas.

Enquanto o psicólogo recolhia as atividades, Bete passava a mão suja de tinta no

rosto de Carolina. As duas começaram a brincar de pintar uma a outra. Riam,

corriam, divertiam-se.

_ “Quero ver se não tiver água! Aí eu quero ver!”, Carolina comentava.

O psicólogo retornou à sala e encontrou Bete e Carolina pintadas até o cabelo. A

risada foi inevitável.

_ “Gente, não tem água na unidade! Como é que vocês vão fazer?”, perguntava o

psicólogo rindo.

_ “Chega gente. A brincadeira, já chegou.”, falava o psicólogo enquanto pegava as

folhas com as pinturas feitas pelas meninas.

Enquanto tentava recolher os potinhos de tinta das mãos das meninas, elas

ameaçavam sujá-lo também.

“Eu não deixo me derrubar não”

Certo dia, ao chegar na unidade feminina, Iolanda estava com uma produção

especial. Cabelos arrumados, rosto maquiado, vestindo roupa “de sair”, salto alto.

Os elogios foram muitos.

Um professor se aproximou de mim e explicou a novidade:

_ “Ela tá mal. Quando ela se arruma assim, é porque ela tá mal.”

_ “Como assim?”, perguntei.

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_ “Uma vez ela me disse: „_ Professor, tem dias que eu acordo me sentindo um lixo,

né? Daí eu me levanto, eu me produzo toda e digo assim: „Eu não deixo me derrubar

não!‟ Daí, eu ponho meu salto e enfrento o dia!”.

* * *

Apesar do prescrito – a proposta pedagógica – que pretendia organizar e direcionar

as atividades da instituição, construía-se um outro dia-a-dia imprevisível, gerado por

resistências e por estratégias de (con/sobre)vivência porque o dia-a-dia na

instituição era exaustivo não só para as jovens como para os funcionários que lá

trabalhavam. Ambos criavam estratégias de sobrevivência e buscavam “válvulas de

escape” para o estresse sentido. As brincadeiras eram, para os sujeitos, uma forma

de enfrentar a dura realidade.

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4 A VIDA POR DETRÁS DOS MUROS: AS EXPERIÊNCIAS

JUVENIS, AS VIOLÊNCIAS E OS PROCESSOS DE

(TRANS)FORMAÇÃO

“É nois mesmo mané Bonde nervoso

100% furioso Pode crê”

81

4.1 A CONDIÇÃO JUVENIL “DIXAVADA”82 NA SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE

LIBERDADE

A pesquisa aponta que, em uma situação de privação de liberdade, não seria

possível falar-se de uma condição juvenil com o mesmo sentido que é desenvolvido

pelas discussões teóricas atuais a respeito do tema.

Ficou claro que, no período anterior à entrada na instituição de internação, grande

parte das jovens desfrutava de uma condição juvenil atravessada pelas situações

juvenis (de classe, de gênero, de etnia, de origem urbana ou rural) e que, por esta

razão, imprimiam diferentes sentidos às experiências juvenis vivenciadas por elas.

Essa condição juvenil era marcada por uma forte presença da

desinstitucionalização, caracterizada também pelo não reconhecimento do tempo

livre e ocioso da juventude pela sociedade, uma vez que se tratava, em grande

maioria, de jovens provenientes de classes desfavorecidas. Além disso, faziam parte

da experiência juvenil dessas jovens a violência praticada e sofrida por elas e a

inserção no tráfico de drogas. Nos questionários, as jovens deram pistas de como

eram suas vidas antes da internação:

81

Recado deixado por Zoraide no preenchimento do questionário. 82

A expressão “dixavada” é uma gíria que, dentre seus vários significados, era utilizada pelas jovens quando queriam se referir a uma coisa que é escondida, escamoteada, que acontece “por debaixo dos panos”.

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Minha vida era como de uma adolescente normal balada, escola e casa. Recebia mesada, tinha tudo que uma pessoa normal queria, mas aquilo tudo era chato d+, então aos 12 anos resolvi entrar na vida do crime pois precisava de alguma diverção […] Sinto falta da escola e das noitadas, mas não confunda eu gosto da escola não de estudar e também sinto muita falta da minha vó que esta doente e não pode vir me visitar. (QJs 05, 18 anos)

Era ótima porque eu saia. Cortia ia na igreja com a minha mãe poriso era ótimo e vivia perto dos meus pais e irmãos. (QJp 05, 15 anos) Bom, minha vida era muito boa, mas isso era quando eu morava no orfanato […] mas depois quando eu fui mora com meu falecido pai minha vida virou um inferno sem saída eu que achava que indo morar com meu pai ia ser diferente me enganei meu pai tinha mudado nada, mesmo ficando 2 anos sem me vê ele parecia que preferia me vê no orfanato do que do que com ele mais isso tinha um pouco de influência da minha madrasta que me odiava isso também afetava no meu relacionamento com meu pai pois ele preferiu ficar com ela do que comigo e fez eu ir morar no orfanato. Isso aumentou ainda mais minha revolta pois nosso relacionamento sempre foi conturbado ainda mais depois que ele me molestou, enfim acho que minha vida antes era boa por eu ter sobrevivido a uma tentativa de homicídio por 3 vezes eu tentei me matar. (QJp 05, 15 anos) Minha vida antes de entra na UFI era muito alegre eu estudava, saia namorava e simplismente minha vida era outra sinto muito falta de olhar o mundo lá fora. Sinto muita falta da minha família. (QJp 06, 15 anos) Eu não trabalhava. Eu acordava de manhã e fazia café e acordava meu marido para ele tomar café e depois ele acordava e ia trabalha. Ai eu começava a fazer os serviços de uma dona de casa, limpava a casa, lavava vasilha e mais tarde fazia almoço, aí ele chegava para almoçar e nós almoçávamos juntos. Lá pra duas horas dá tarde ele voltava para o trabalho e eu ficava sozinha e aproveitava para poder fazer minhas bijuterias e bordados que antes de entra UFI e fazia muitas coisas. (QJp 08, 15 anos)

Quando se analisa a condição juvenil das jovens sujeitos dessa pesquisa, observa-

se que, em sua maioria, vivenciavam sua condição juvenil em um processo de

desinstitucionalização, ou seja, nas brechas das instituições socializadoras.

A família, ou a relação com os familiares, foi, por diversas vezes, citada nos

questionários. Embora nem todas possuíssem uma relação “harmoniosa” com a

família, havia, na grande maioria dos relatos, a presença de um ente que se

responsabilizava pela jovem e por quem esta nutria um arrependimento por não ter

escutado os seus conselhos. Outro ponto que merece destaque diz respeito à

posição ocupada pelas jovens na família. Algumas jovens narraram terem sido

“obrigadas”, em algum momento da vida, a assumirem a condição de “chefes de

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família”, por diferentes razões. Ou porque seus responsáveis foram presos, ou

porque já não havia quem respondesse por elas.

Algumas jovens relataram ainda que tentaram estabelecer vínculos com o mercado

de trabalho, mas não conseguiam emprego ou, quando empregadas, a remuneração

era pouca para o sustento próprio e da família.

Uma outra esfera de convívio social que tinha expressiva presença na condição

juvenil das meninas quando em liberdade era o agenciamento (por vias diretas ou

indiretas) com o tráfico de drogas. Trabalhar para o tráfico ou ser namorada de

traficante configuravam outras formas de vivenciar as experiências juvenis. Para o

primeiro caso, a atividade ilegal proporcionava uma falsa sensação de desfrutar uma

“moratória social”. Ou seja, o dinheiro proveniente do tráfico proporcionava o custeio

de um tempo “livre” para as jovens curtirem seus bailes, para estarem com os

amigos, comprar as roupas da “moda”. Ser “artista da arte proibida” garantia a essas

jovens a sensação de liberdade, de autonomia em relação à família. Ser namorada

ou mulher de traficante também garantia a visibilidade social, reconhecimento e

poder. No entanto, essa condição demandava assumir o papel da mulher fiel e

submissa ao homem.

Foi possível observar que a adesão ao tráfico de drogas era justificado pelas jovens

também por outros motivos além do apresentado acima: um primeiro explicava a

ligação com o tráfico por razões de necessidades financeiras (ou porque precisavam

sustentar as famílias, ou porque eram “sozinhas na vida” e precisavam garantir seu

sustento); um segundo aparecia na necessidade de assumir um posto no tráfico

deixado por alguém da família que foi preso ou que se encontrava foragido.

Os estudos de Alba Zaluar (2004) sobre os jovens envolvidos com o tráfico de

drogas no Rio de Janeiro, mostram que, na relação estabelecida entre “ser bandido”

do tráfico de drogas e a liberdade, o sujeito jovem é quem “se perde numa perversão

da liberdade na qual o outro não é levado em consideração” (p.64). A autora traz

para discussão a ideologia do individualismo moderno na “escolha” por aderir ao

tráfico. A ilusão de enriquecimento rápido a partir da adoção de uma atividade

considerada, a princípio, livre, autônoma, relacionada a uma compreensão

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autoritária de poder (de decidir sobre sua vida, sobre a vida alheia) é duramente

desfeita aos olhos dos jovens ao perceberem que se encontram em uma

“armadilha”.

A “vida do crime” apareceu como uma alternativa para obter dinheiro fácil para

sustentar uma vida confortável, com direito à diversão. Essa visão foi compartilhada

pela maioria dos funcionários. As meninas apenas deram pistas de um pensamento

semelhante. Nos questionários respondidos, somente uma fala o porquê de ter

“escolhido” a chamada “vida loka”.

Ao analisar o dia-a-dia das jovens internas, foi possível observar situações juvenis

vivenciadas por elas que se manifestavam, principalmente, como forma de

resistência83 ao controle de desejos, vontades, comportamentos, relacionamentos e

sociabilidades. As vestimentas e as tatuagens84 denotavam uma maneira específica

de se identificar enquanto jovem, mulher e “presa”, como elas se auto-

denominavam.

As roupas escolhidas pelas jovens mostravam seus corpos e demonstravam

sensualidade. Independentemente do calor ou do frio, a vestimenta usada era,

geralmente, um short e um top curtíssimos. Para outras jovens, os bermudões, as

83

Henri Giroux trabalha o tema da resistência na relação aluno-escola-currículo. Este autor “sugere que existem mediações e ações no nível de escola e do currículo que podem trabalhar contra os desígnios do poder e do controle. A vida social em geral e a pedagogia e o currículo em particular não são feitos apenas de dominação e controle. Deve haver lugar para oposição e resistência, para a rebelião e a subversão” (SILVA, 1999, p.53) 84

Um jovem narrou sobre os significados que carregavam uma “tatuagem de cadeia”. A conversa travada entre o rapaz e os professores surgiu quando aquele viu a tatuagem que um professor tinha no braço: - “Aí fessô, ocê sabe que tatuagi tem significado? Cê conhece uma revista de tatuagi... Ah, o sinhô deve saber. Eu tava lendo... Assim, tem umas coisa qué viagim, né?... Mais tem umas coisas, sô, que são legal até. Eu li que no presídio as tatuagi tem uma simbologia. Assim: quando é uma sereia ou uma carpa, assim, é porque o cara é estrupador. Quando o cara tem desenhado uma caveira com uma faca assim, é porque é matador de políça.” _ “Eu sei que é um coração com uma faca encravada que é matador de polícia. As mulheres lá do Tucum [presídio feminino] me falaram assim. Quando tem essa tatuagem os polícias batem tanto no sujeito”, interrompeu uma professora. _ “É, deve sê mesmo um coração então... Aí, quando um cara tem um índio é porque é código 12, tá ligado?”. Ele bateu no ombro do professor de capoeira, rindo, olhando para tatuagem de índio que ele tinha no braço. _ “Ah irmão, mas isso eu nem sabia! Vi essa índia na internet, achei bacana e quis tatuar no braço. Imagina? Eu 12?” (risos), respondeu o professor.

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camisas largas e bonés indicavam outro lugar destas frente às demais; geralmente,

eram elas que se destacavam no “comando” das ações. Ou seja, havia uma

definição de papéis sendo incorporados: femininos e masculinos, sendo traduzidos

pelas vestimentas e tatuagens e pelas atitudes e posturas.

Bourdieu (1999), ao analisar a posição das mulheres nas relações de gênero, traça

um paralelo com a troca de bens simbólicos e com a economia das trocas

simbólicas. Os homens são compreendidos como sujeitos e as mulheres, como bens

de troca. Nesse sentido, o autor destaca:

A posição peculiar das mulheres no mercado de bens simbólicos explica o que há de mais essencial nas disposições femininas: se toda relação social é, sob certos aspectos o lugar de troca no qual cada um oferece à avaliação seu parecer sensível, é maior para a mulher que para o homem a parte em que seu ser-percebido, compete ao corpo, reduzindo-o ao que se chama por vezes de “o físico” (potencialmente sexualizado), em relação a propriedades menos diretamente sensíveis, como a linguagem. Enquanto que, para os homens, a aparência e os trajes tendem a apagar o corpo em proveito de signos sociais de posição social (roupas, ornamentos, uniformes, etc.), nas mulheres, eles tendem a exaltá-lo e a dele fazer uma linguagem de sedução. (BOURDIEU, 1999, p.118)

As tatuagens eram feitas pelas jovens dentro da própria Unidade e traziam iniciais

de nomes de namorados e de namoradas, declarações de amor ou se referiam à

vida que levavam – nesse caso utilizavam a expressão “vida loka”. As tatuagens

eram inscritas de maneira precária: com a ponta aquecida de uma agulha, furava-se

a pele e fixava-se com tinta de caneta esferográfica o escrito desejado. As agulhas

eram compartilhadas pelo grupo. Embora as normas da Unidade proibissem a

entrada de qualquer objeto perfurante nos alojamentos e ainda que houvesse um

controle rígido a esse respeito, as jovens conseguiam, de alguma forma, a posse

deste material.

O gosto musical também demarcava traços juvenis. Funkeiras “de carteirinha”, o

funk era o som que as meninas ouviam na unidade durante quase todo o dia.

Também ouviam rap e hip hop. No entanto, esses estilos musicais eram cantados e

escutados em ocasiões diferentes: nos momentos em se “batia o chapão”, quando

se protestava, os raps eram cantados como hinos. Ainda quando queriam falar de

sua situação de “presa”, essas músicas eram as mais adequadas. Quando o

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assunto se referia ao divertimento, à “zoação”, o funk trazia para trás das grades os

bailes, a “curtição”.

Juarez Dayrell, em seu livro “A música entra em cena – O rap e o funk na

socialização da juventude”, recorre à Adorno para estabelecer a relação entre a

juventude a identificação com a música. Segundo Dayrell (2005, p.37):

“De fato, ela [a música] constitui um agente de socialização para os jovens, à medida que produz e veicula molduras de representação da realidade, de arquétipos culturais, de modelos de interação entre indivíduo e sociedade, e entre indivíduo e indivíduo. A música oferece aos jovens a possibilidade de conjugar a trama de um caminho de busca existencial com os signos de uma pertença coletiva. Por meio da música, as necessidade dos jovens de uma ancoragem e agregação coletiva se articulam com os percursos de experimentação de si mesmos. […] Entretanto, a relação entre a música e as agregações juvenis não é uma relação natural; ao contrário, é uma construção histórica”.

Esse autor, ao analisar os estilos rap e funk, adverte que estes possuem

especificidades e nos ajuda a compreender a relação que as jovens estabeleciam

com a música:

[…] A melhor forma de caracterizá-las é pelo duplo sentido da palavra “diversão”. A diversão é ato ou efeito de distrair ou distrair-se: falta de atenção, abstração, irreflexão, esquecimento, divertimento (do latim, distractione). É o sentido do funk, em que predomina um controle descontrolado das emoções, mediado pela música. Podemos ver nele a expressão do direito legítimo dos jovens à alegria, à fruição, ao prazer. Diversão também é um ato ou efeito de divergir: mudança de direção, desvio (do latim, diversione). É o sentido do rap. Mais do que o funk, o estilo rap estimula o jovem a refletir sobre si mesmo, sobre seu lugar social, contribuindo na ressignificação das identidades do jovem como pobre e negro. Ao mesmo tempo, o rap cria uma forma própria de o jovem intervir na sociedade, por meio de suas práticas culturais, mas não significa, necessariamente, que se coloque como uma forma de resistência ou uma expressão política de oposição de classe. Ressalta-se seu sentido formativo […] uma pedagogia da palavra, nas letras, por meio das quais não pretendem impor uma compreensão da realidade, mas “fazer o cara pensar” […]. (DAYRELL, 2005, p.292)

O gosto musical era um fator de identificação grupal muito forte. Houve casos de

jovens que não gostavam desses estilos musicais e aprenderam a ouvir, a dançar, a

cantar para serem aceitas no grupo.

A música também era utilizada pelas jovens como estratégia para se verem livres de

situações complicadas. Quando travavam discussões com a direção da unidade e

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percebiam que seriam punidas, ou ainda, quando cumpriam suas punições e

queriam sair delas, recorriam à música gospel para se mostrarem “arrependidas”.

Escutavam e cantavam os hinos em volume alto e, em extrema necessidade,

lançavam mão da Bíblia e, enquanto ouviam as músicas religiosas, liam em voz alta

trechos do livro.

Como mencionado anteriormente, as meninas costumavam ouvir músicas e ensaiar

coreografias no pátio. Nos horários de tranca, para “passar o tempo”, os alojamentos

de transformavam em “bailes funk”.

Esse “modo de ser” era assumido com o tempo, a partir do estreitamento das

relações entre pares, a partir também de um processo de aceitação nos grupos mais

influentes entre as internas. Era como uma outra socialização, que acontecia na

experiência, ou seja, fora do alcance da instituição. Não assumir esta “identidade”

também se afirmava pela oposição ao grupo dominante.

Foi possível perceber que a partir de estratégias de resistência, as jovens

ensaiavam uma outra forma de dar significado à juventude na situação de privação

de liberdade. Esse sentido não era reconhecido como condição juvenil pela

instituição, que visava à tutela, ao controle e à correção das jovens. Nesse

movimento de resistência que burlava o controle – por essa razão seria uma

condição juvenil “dixavada” –, as jovens vivenciavam experiências juvenis que se

construíam a partir das sociabilidades tecidas entre si, das formas de se vestirem,

das tatuagens que faziam pelo corpo, das músicas que ouviam e cantavam, da

forma como se apropriavam do espaço físico do prédio.

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4.2 AS REDES GRUPAIS

“Aqui é como se fosse uma família, porque tá todo mundo no mesmo barco.”

85

Na sociologia da juventude, José Machado Pais (1993), ao analisar os “tempos

quotidianos” dos jovens, aponta para a importância das sociabilidades tecidas nos

grupos de amigos. Para o autor, as “redes grupais” estão relacionadas a

“identidades juvenis”. As identidades construídas pelos jovens em uma rede grupal

se distinguem das produzidas por outras redes. A relação que se estabelece entre

um grupo juvenil e outro passa a orientar as “imagens que os grupos jovens formam

de si mesmos e dos outros” (PAIS, 1993 , p.93).

Conforme Pais (1993) é no grupo de amigos que os jovens encontram a

possibilidade de afirmarem suas identidades individuais e ainda de se assegurarem,

e se protegerem dos processos socializantes aos quais se encontram submetidos:

As socializações a que os jovens se encontram sujeitos são muito diversificadas. Por isso, é possível admitir que uma das funções essenciais dos grupos de amigos seja, não tanto a de desafiar os valores da família ou das gerações mais velhas, mas assegurar aos jovens uma proteção aos assaltos socializantes a que estão sujeitos. Com efeito, o tempo colectivo de que os jovens desfrutam, em grupo, é sentido como um tempo mais apropriado que qualquer outro à realização dos seus desejos e interesses de marca especificamente mais juvenil. (PAIS, 1993, p.94)

Esses grupos juvenis revestem-se do que Pais denomina de “fachadas grupais”, que

se refere ao jeito de se vestir, de falar, ao gosto musical, que define uma identidade

ao grupo e que o difere dos demais. No entanto, nessa “identidade grupal”, mantém-

se a individualidade de cada jovem. As “fachadas” não se restringem apenas ao

nível simbólico, uma vez que resultam de “ações, reações e interações que

conferem aos elementos do grupo a dimensão de atores coletivos” (PAIS, 1993, p.

99).

85

Registro feito por Tereza no preenchimento do questionário.

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Para fazer parte de um grupo, é preciso assumir os hábitos nele compartilhados.

Eles conferem a coesão a esse agrupamento. No entanto, isto demanda uma

“negociação” e aceitação desses hábitos grupais. “As relações de compromisso com

o grupo tendem a subsumir divergências individuais” (PAIS, 1993, p.99).

Como relatado anteriormente, os grupos tinham um papel muito importante para as

jovens internas na instituição. Importante para assegurarem, como afirma Pais, suas

individualidades frente ao forte processo socializante da instituição – que, por sua

vez, visava à recuperação da jovem em conflito com a lei, partindo de um modelo de

jovem apto a viver em sociedade, explicitado nos objetivos pedagógicos da

instituição anteriormente apresentados – e para garantirem a segurança física das

internas.

A influência dos membros de alguns grupos traçava uma linha tênue entre a garantia

dos interesses coletivos do agrupamento e a dominação entre pares. Um episódio

presenciado pode demonstrar como esses dois processos aconteciam nas redes

grupais. O primeiro se refere a um motim que foi sufocado ao fim de um dia. O

segundo diz respeito a uma cena comum de ser vista no “dia-a-dia” da Unidade.

A garantia dos interesses coletivos

O dia estava tenso na unidade. Ao atravessar o portão de entrada, deparei-me com

as meninas concentradas no primeiro portão interno. Espalhados pelo chão,

saquinhos de pão. As meninas gritavam pela diretora da unidade, batiam o chapão.

Cantavam músicas de rap, intercalando com uma música provocativa à polícia.

Coordenando o movimento estavam: Natasha, Rita, Maria, Rubens, Juraci, Zoraide.

Elas puxavam as músicas e se expunham na frente do portão. Natasha, Rita,

Rubens e outra interna carregavam nas mãos “chuchos” – cabos de vassoura com a

ponta afiada – que arrastavam pelas grades do portão. Carolina, Bete, Tereza e

Judite participavam de longe. Tereza e Judite estavam grávidas, portanto, não

atuavam diretamente. Esta última parecia não estar de acordo com algumas atitudes

das colegas, mas se fazia presente.

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O importante, pelo que pude perceber era dar apoio ao grupo, mesmo que

indiretamente. Isso porque, o motivo da rebelião86 era de interesse de todas:

melhores condições no atendimento prestado e fim dos castigos.

A disputa de poder entre pares

Esse episódio se refere a um fato ocorrido após Juraci ter-se tornado braço direito

de Natasha e Rubens. A partir de então, aquela jovem passou a usar roupas mais

largas: camisões, bermudas, abandonando os tops decotados, as saias e shorts.

Era horário de aula. Dois professores e algumas alunas estavam na sala de aula.

Juraci passou apressada pelo corredor em direção à quadra. Ela vestia um camisão

e uma bermuda larga, usava um boné cor de rosa na cabeça com a aba virada para

trás. Os professores fizeram um comentário estranhando a roupa de Juraci.

_ “Que roupa é essa?”, uma funcionária perguntou no corredor que dava acesso à

quadra.

_ “É roupa de macho, pô!”, respondeu Juraci.

Juraci retornou pelo corredor em direção ao alojamento. Passou em frente à sala de

aula. A jovem voltava para a quadra quando cruzou com Natahsa, que caminhava

em sentido contrário no corredor. Natasha lançou um olhar para o boné que Juraci

usava.

_ “Juraci, qual é desse boné pra trás? Porra, foi pra isso que eu te emprestei? Foi

pra usar assim?”. Natasha falou em tom ríspido.

86

O estopim para a rebelião foi o castigo destinado a Joana, após esta ter agredido uma funcionária. A polícia foi acionada para transferir a jovem para um outro alojamento, no qual permaneceu sozinha. Ela não teve tempo para pegar seus pertences e fazer a “mudança” de dormitório. Segundo a interna, ela já estava nervosa após um dia de espera por atendimento médico sem conseguir consulta. Ela explicou também que não havia conseguido contato com sua mãe naquela semana. A mãe de Joana estava detida no presídio feminino. Por essa razão, começou a “bater chapão” no primeiro portão de entrada. Uma funcionária se aproximou das grades e lhe disse algo que soou para a jovem como uma provocação. “O sangue ferveu e quando eu vi eu tinha metido um soco na cara dela”, contou-me Joana.

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Juraci olhou para o chão e em seguida colocou a aba do boné para o lado.

_ “Pronto. É assim.”, respondeu Natasha.

As duas saíram para a quadra.

Em uma análise psicológica, Guillermo Carvajal (1998) e Zimerman (1999) (apud,

CAMACHO, 1999) apontam também a importância do grupo na afirmação e

proteção da individualidade juvenil. Agrupar-se possibilita aos jovens um

reconhecimento como alguém que ocupa um lugar; protege-os da exposição às

críticas, garante a auto-estima “por meio da imagem que os outros lhe remetem”

(ZIMERMAN, apud CAMACHO, 1999, p.43). Fazer parte de um grupo possibilita

ainda ao jovem o fortalecimento da identidade sexual.

Camacho (1999), expondo o pensamento de Zimerman, afirma que na adolescência

[…] percebe-se, também, a ocorrência de uma oposição contra a autoridade. A formação de agrupamentos juvenis com características contestatórias – como as gangues ou as galeras – tem como meta, um enfrentamento direto e muitas vezes violento contra as normas estabelecidas. O fato de estar em grupo, dá ao jovem integrante a sensação de poder invencível. O propósito central é causar o caos, a destruição e desconcerto sociais. Suas atividades não necessariamente são criminosas. Suas condutas vão desde atos de exibicionismos que choca pela “vulgaridade”, de provocação e de escândalo até a atos considerados criminosos como roubo, furto, estupro ou assassinato. (CAMACHO, 1999, p. 44)

Para os agrupamentos juvenis formados na unidade, essas características se

aplicavam. Havia ainda um caráter afetivo muito forte presente nas relações de

amizade estabelecidas entre as internas. Uma prestava apoio à outra para “enfrentar

a cadeia”. A jovem Tereza me fez o seguinte relato em conversa informal87:

[…] Aqui dentro é um lugar assim, a gente tem o apoio da equipe técnica, dos professores, de alguns monitores, tal, mas... assim. Eu acho assim, se fosse um alojamento, cada uma sozinha, eu me sentiria muito mal. Porque às vezes, por exemplo, choro, lembro da minha família, sempre tem Bete,

87

Registrado em diário de campo.

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Carolina pra poder ajudar. Então a gente se ajuda a cada uma, a tirar o sofrimento. Então tem sempre um. Vai dando uma força a outra.

O grupo formado pelas jovens do Seguro não podia escolher quem integraria a ala

com elas. Existiam duas jovens que eram fixas em uma das alas do Seguro e a elas

agregou-se uma terceira – todas apresentadas anteriormente. Na outra, o número

era flutuante.

Para esse grupo fixo do Seguro, a organização era importante e o cuidado com o

alojamento, onde passavam a maior parte do dia era fundamental para garantir,

como elas afirmavam, o “mínimo de dignidade”. Conforme já relatado, o dia-a-dia

dessas meninas era tumultuado e preocupante. Elas eram assustadas e muito

atentas a qualquer movimentação estranha. Aprender a garantir sua sobrevivência

era necessidade básica.

As meninas da internação provisória, em geral, compunham grupos entre si. Alguns

não se relacionavam com os da internação “definitiva”. Outros, sim. Como o número

de jovens da internação provisória era flutuante, os grupos se formavam em função

da convivência estabelecida pelas jovens de um mesmo alojamento. Estes se

desfaziam ou mudavam de configuração à medida que meninas eram liberadas e

novas jovens chegavam à unidade. Em geral, eram grupos que freqüentavam as

aulas e pareciam seguir com mais cautela as normas da instituição.

As jovens do regime provisório, que pude acompanhar por mais tempo, e que foram

apresentadas no começo do capítulo, passaram por esse processo de adequação à

instituição: observavam suas normas, aprendiam sobre os grupos e as pessoas, e

em seguida eram integradas em grupos das sentenciadas ou começavam a andar

com as jovens da internação provisória que já estavam há mais tempo na unidade.

Uma jovem, em especial, após ser sentenciada, optou por não se associar a algum

grupo específico. Apesar de ter algumas amizades, preferia “ficar na sua”. A jovem

em questão era Judite.

Um grupo se destacava como mais influente na unidade, não apenas pela

persuasão junto às jovens, como pela capacidade de intervenção junto aos

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funcionários. Esse grupo era basicamente formado pelas jovens sentenciadas. Dele

participavam também, as meninas da internação provisória que já conheciam as

meninas internas. Caracterizado pela irreverência, pelas piadinhas, pela

contestação, pela defesa de seus direitos, pela baixa participação nas aulas88, esse

grupo também tomava atitudes extremas, e, em alguns casos, violentas. Destacava-

se na coordenação deste agrupamento, Natasha. Com a chegada de Rubens e Rita

na internação provisória, somaram-se duas integrantes de influência na tomada de

decisões. Agregou-se a elas, Juraci. Tinham relevância secundária: Maria, Joana e

Bete. Tereza e Carolina participavam do grupo, mas sem muito envolvimento em

todas as ações.

Nesse grupo, no que tange à questão de gênero, foi possível observar a reprodução

da dominação masculina. As jovens que assumiam posturas “masculinas” eram de

fato as mais respeitadas, eram aquelas que se sobrepunham às demais jovens.

Assumir essa “identidade masculina” se dava, inclusive, com relação ao corpo

físico89.

Reproduzia-se o que na representação social se definiria como traços de

masculinidade: ocupar uma posição ofensiva, ser intransigente, ser duro, ser firme,

ter coragem, ser racional (SAFIOTI, 1987). Um processo que Bourdieu explica como

aquisição do habitus relativo a uma visão androcêntrica de mundo:

A masculinidade está costurada no habitus, em todo habitus, tanto do homem quanto da mulher. A visão androcêntrica de mundo é o senso comum de nosso mundo porque é imanente ao sistema de categorias de todos os agentes […].” (BOURDIEU, 1998, p.23)

88

Tereza era a única assídua nas atividades escolares. Esse grupo apresentava uma visão semelhante em relação às aulas: uma desesperança quanto à garantia de mudanças de vida com a escolarização. Eram freqüentadoras de outras abordagens educativas, como aulas de dança, ensaios para apresentação de teatros e desfiles. 89

Não foi apenas Juraci que passou por uma mudança em seu “visual” para não perder posição de comando no grupo. Com a chegada de Rubens, foi possível observar uma mudança também em Natasha. Esta jovem, quando a conheci, usava roupas masculinas no dia-a-dia. Ela tinha os cabelos longos e cacheados e os mantinha presos em um rabo de cavalo. Usava também um boné. No entanto, em ocasiões festivas na unidade Natasha usava roupas femininas e usava os cabelos soltos. Também fazia uso de bijuterias. Como a presença de Rubens representava uma ameaça frente à influência que exercia sobre as meninas, Natasha optou por cortar seus cabelos curtos, rente ao coro cabeludo, e abandonou as aparições com roupas femininas.

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A reprodução da dominação masculina era percebida nos namoros. Natasha e

Rubens lidavam com suas namoradas como se estas lhes devessem obrigações.

Por exemplo: as namoradas que se responsabilizavam por lavar suas roupas,

arrumar seus pertences. Em outras situações, as duas jovens quiseram proibir suas

parceiras de participarem de um desfile, porque não poderiam acompanhá-las. Elas

se utilizaram da seguinte justificativa: “Mulher minha não sai desfilando por aí!”.

As companheiras de Rubens e Natasha, por sua vez, assumiam a submissão que

lhes era imposta. Justificavam a permanência dos relacionamentos, por mais que

lhes causassem sofrimento, pelo sentimento que nutriam pelas namoradas. Manter

relações de amizade ou namoro com essas meninas também resumia uma questão

de sobrevivência. Fazer parte desse grupo representava garantias de proteção.

As relações estabelecidas entre si, de amizade e de namoro, também demarcavam

uma maneira jovem de vivenciar a internação. Os namoros estabelecidos a distância

entre as jovens internas e os jovens internos das alas masculinas, situadas em outro

prédio, formavam uma rede de sociabilidades juvenis que, segundo as internas,

“ajudava a passar o tempo na cadeia” e as aproximava um pouco das sociabilidades

juvenis construídas fora da instituição.

Nem todos os relacionamentos, porém, eram amistosos e harmônicos. Muitos eram

marcados pelas agressões verbais e até mesmo por agressões físicas.

4.3 AS VIOLÊNCIAS PRATICADAS E SOFRIDAS PELAS JOVENS EM CONFLITO

COM A LEI

As jovens sujeitos desta pesquisa chegaram à unidade de internação por práticas de

atos infracionais que inferiam “grave ameaça ou violência à pessoa”, ente outros

motivos. Eram jovens autoras de violências e, ao mesmo tempo, vítimas. Tentarei

expor neste item, como este fenômeno estava presente na instituição de internação.

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Na unidade de internação era possível observar violências físicas e violências não

físicas. Para as internas, existia um “código de normas” que evidenciava quem era

respeitável dentro do “sistema”, bem como o que podia ou não ser feito. Infringir

esse código resultava em punições. A fidelidade era posta à prova e a confiança não

podia ser traída. Por essa razão, as jovens que conheciam essas regras tomavam

cuidado com as intrigas e as fofocas.

Um episódio ocorrido na unidade pôde exemplificar como eram estabelecidas estas

normas: Natasha, que exercia forte influência sobre as demais jovens, era tida pelas

meninas da unidade como “a dona do pedaço”. Por essa razão, era paparicada e

suas vontades eram impostas sobre os desejos das outras. Certo dia, chegou um

grupo novo de meninas para a internação provisória. Duas dessas meninas

conheciam Natasha do “mundão” e sabiam que ela havia sido detida por ter

assassinado alguém que era “do conceito” no “sistema” delas. Esse fato não era de

conhecimento das meninas da unidade. Nesse mesmo dia, um alvoroço se fez entre

as internas que faziam parte daquele “sistema”, que “encostaram Natasha contra a

parede”. Esta, sentindo que poderia sofrer represálias, fingiu estar passando mal.

Como conseqüência, passou o dia inteiro fora da unidade para atendimento médico.

Essa “regra” também se aplicava às meninas das alas do Seguro. Por terem

cometido crimes que não eram aceitos, deveriam ser punidas pelas demais.

Essas jovens sofriam ameaças diárias. As agressões verbais (xingamentos) eram

constantes. Certa feita, a violência passou da dimensão “não física” para a violência

“física”: o alojamento do Seguro foi invadido e suas internas foram duramente

espancadas.

A punição para esse ato foi imediata, com autuação das jovens autoras das

agressões.

Reproduzia-se ainda, na esfera das relações entre pares, a violência simbólica no

que diz respeito à reprodução da dominação masculina. Segundo Bourdieu (1999),

essa violência é sutil e difícil de ser percebida uma vez que:

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[…] A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar a sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes […] resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto. (BOURDIEU, 1999, p. 47)

No entanto, essas jovens também eram vítimas de violência na relação com a

unidade. Violências físicas e não físicas. Elas relataram:

Eu vejo a UFI uma cadeia de maior porque eles falam que nos estamos cumprindo uma medida socio-educativa então por que eles deixão as policiais entrar e bater como se estivesse batendo em um adulto eu acho que se eles desse um cusco [curso] proficionalizante muitos adolescente iriam sair daqui com planos de mudar e não piorar pois uma unidade que não tem nada de bom só bate em nos, nos vamos sair daqui só a REVOLTA! (QJs 06, 16 anos) Às vezes a gente tenta resolve na conversa, aí não quer conversa, a gente acaba fazendo bagunça, acaba descendo as polícia também batendo em quem não tem nada a ver e acaba agredindo uma das grávida às vezes. As grávida fica nervosa, apavorada, ficava sentindo uma dor. Até risco de perde o neném. Bom, os cuidado aqui é mais com as grávida. As grávida tem um cuidado. Pra mim é um sofrimento, mas eu tento esquece que eu to sofrendo, tento esquece e caba levando uma vida na moral. (Joana)

90

Tristezas, tenho muito aqui dentro. Às vezes no fato de a pessoa, não pode me magoar com um tapa, com uma porrada, com nada, mas sim com uma palavra. Uma palavra dói mais que um tapa. Ah, eu fico magoada, acabo chorando, fico triste. Fico no meu canto. As vezes pergunto o que é, as

vezes prefiro nem comentar. Prefiro ficar pra mim mesmo. (Tereza)91

Outra violência sofrida pelas jovens estava intimamente relacionada à formação de

uma identificação. As jovens passavam a se identificar como “presas”,

Me vejo como uma presidiária e que isso sempre vai ficar guardado no meu coração e na minha vida. (QJp 02, 17 anos)

Essa violência acontecia pela adoção de um caráter penitenciário a muitas práticas

realizadas na unidade. Por exemplo, o uso de algemas para qualquer deslocamento

sob a alegação de risco de fugas ou, ainda, a denominação de “banho de sol” para

os horários destinados ao lazer.

90

Registro de conversa informal em diário de campo. 91

Registro de conversa informal em diário de campo.

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É importante ressaltar que nem todos os funcionários reproduziam em suas práticas

os moldes carcerários.

As violências praticadas e sofridas pelas jovens denotam que há uma separação

entre o que se almeja alcançar – “o sujeito ético” – e as “metodologias” que levariam

a tal.

4.4 “FAZENDO A CABEÇA”: OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO QUE OCORREM

DURANTE A INTERNAÇÃO

A medida socioeducativa de internação se orienta – segundo as leis que a regem –

para a formação de um sujeito ético, solidário, autônomo, produtivo, capaz de

conviver em sociedade. Para o sucesso das ações socioeducativas, o ambiente da

unidade de internação deve se adequar a esses fins. No entanto, observou-se que

outros processos estavam envolvidos na construção da identidade de jovens sob

medida de internação que, muitas vezes, se distanciavam dos objetivos

mencionados. Ou ainda, a opção por uma mudança de vida tinha suas motivações

fundadas em outras vivências mais marcantes que as ações educativas.

Os objetivos da instituição pesquisada já foram devidamente apresentados nesta

dissertação, portanto, o foco neste momento está em “como esses objetivos eram

alcançados”. Essa questão foi lançada aos funcionários, que, por sua vez,

apresentaram suas reflexões sobre o trabalho realizado. Os integrantes do corpo

técnico ressaltaram os aspectos positivos e os avanços obtidos até então:

O IASES conta com equipe multidisciplinar que busca dentro do possível, atender aos adolescentes e jovens com vista ao retorno familiar e comunitário. Ressaltamos que o projeto de acompanhamento/atendimento ao egresso está sendo elaborado junto aos conselhos, Entidades, visitas e trabalho junto aos municípios; visando o efetivo retorno desses jovens. Estão sendo também implantadas e implementadas Unidades no interior do Estado (Cachoeiro, Colatina, Guarapari, Linhares...) com intuito de reduzir a superlotação em “Cariacica” / UNIS/UNIP/UFI. Outro trabalho importante à sua reinserção, é o incentivo à participação/preparação nas atividades oferecidas, contribuindo c/ a

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melhoria do seu projeto de vida (c/ atenção aos objetivos): visando principalmente uma geração de emprego e renda. (QT 01, 54 anos) Toda equipe técnica realiza um trabalho individualizado de escuta, tentando interceder, auxiliando da melhor forma possível. (QT 02, 40 anos) A reintegração se dá através de alvará emitido por juiz. - O trabalho com as adolescentes na UFI, compreende: aulas para aquelas que fazem o ensino fundamental; - Aulas com prof. de educação física; - Aulas de artesanato (oficina); - Aulas de informática – dentre outras; (QT 04, 50 anos) A reintegração é feita através de documentos de responsabilidade à família. Reinserção é a integração da família, escola, trabalho e o educando para adaptação de novo desta à sociedade, com resultados positivos para a conquista da confiança deste adolescente. (QT 03, 53 anos)

Outras respostas indicam as dificuldades para o cumprimento dos fins

socioeducativos destinados à instituição:

Infelizmente os trabalhos que deveriam existir para a reinserção dos adolescentes à sociedade, ou não existe, ou quando existem não fazem parte da prioridade, aja vista a escolinha que sobrevive aos trancos e barrancos, simplesmente porque é uma obrigação do Estado. (QP 02, 43 anos) A reintegração é feita através da assistência social e depois que saem não tem nenhum acompanhamento. Alguns casos ficam em liberdade assistida por uma outra equipe. (QO 04, 39 anos) Os trabalhos de medidas sócio-educativas são feitos, só que no papel, pois a realidade do local é totalmente inconstitucional, pois eu como educador me sinto frustrado porque temos projetos mas nem sempre podem ser realizados pois o sistema é de NÃO SÓCIO-EDUCATIVAS por mais que tentemos fazer o melhor sempre um superior descorda, porque ele tem que fazer as vontades das menores se não impossível realizar um trabalho. (QP 05, 25 anos) De forma muito superficial. Os poucos trabalhos que acontecem com elas são atitudes isoladas de alguns profissionais comprometidos com o real objetivo da instituição. Não há apoio da chefia, não há integração com todos os funcionários, não existe um “conjunto” para a realização dessas atividades. Desse modo, o que existe é uma verdadeira colcha de retalhos: atividades de artes realizadas por uma oficineira que não encontra auxílio junto as outras professoras de artes da unidade; alguma atividade pedagógica trazida por alguns professores, já que, nem todos têm o real comprometimento com os objetivos da unidade. (QP 09, 29 anos)

De fato, foi possível observar que as poucas atividades educativas oferecidas

esbarravam nas dificuldades de infra-estrutura. O foco na contenção de jovens ainda

se faz muito presente para as instituições de internação.

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Confrontando as respostas dos técnicos com as dos professores e oficineiros, nota-

se que a avaliação dos primeiros é positiva e a dos segundos é negativa. Esse fato

remete à função exercida por cada um na instituição. Para aqueles que têm como

responsabilidade supervisionar, as respostas dadas se orientam a partir da proposta

pedagógica prescrita pela instituição. Visto sob este ângulo, seria possível ressaltar,

então, avanços nas propostas formais elaboradas. Partindo de um outro “lugar”

ocupado na instituição, aqueles profissionais que fazem suas análises com base na

realidade vivida no cotidiano e que estão diretamente envolvidos em uma tentativa

frustrada de concretização de tais propostas apresentam uma avaliação menos

otimista sobre o trabalho realizado.

Os funcionários também foram solicitados a externarem quais impactos a internação

poderia causar na vida das jovens que se encontravam sob cumprimento dessa

medida. Todas as respostas mencionaram os aspectos negativos da internação,

ainda que tenham sinalizado para possíveis “efeitos” positivos. Algumas respostas

descrevem a privação de liberdade como algo “desumano”:

A privação de liberdade do jovem infrator é uma das medidas já ultrapassadas pois ficam como animais em uma jaula de circo como necessita-se de ser domado e não socializado. (QP 03, 39 anos)

Enquanto privados de sua liberdade, entendemos que o confinamento não é feito para seres humanos, percebe-se que o fator depressão e ansiedade faz parte do cotidiano destes. (QA 01, 40 anos)

Outras expressaram que a privação de liberdade sem o cumprimento do que é

prescrito pela Lei, como a separação dos internos por idade e por grau de infração

cometida, levava a aprendizagens não desejáveis:

Desenvolve um sentimento de falta de autonomia sendo obrigado a fazer as vontades dos mais fortes. (QO 02, 29 anos) Eu sou contra a privação de liberdade e sim a favor de liberdade assistida onde o menor passa parte do seu dia com a família que é a base de tudo, na escola é fazendo um curso profissionalizante, claro que de acordo com o artigo do adolescente infrator, o que não pode acontecer é misturar réu primário com um condenado. Vejo menores que chega aqui e muda de comportamento por influência de outros, mas ao lado da família tudo poderia ser melhor, já que a família é a base de tudo, desde que a família tenha princípios morais. (QP 05, 25 anos)

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Da maneira como ela é feita hoje não surti bons efeitos na vida dessas meninas. Muitas saem daqui com uma mentalidade pior do que quando entraram. Por estarem privadas de liberdade, adquirem hábitos que não praticavam antes. Como exemplo disso, temos os casos de lesbianismo que chegam até a inspirarem confusões. (QP 09, 29 anos)

Algumas respostas consideraram ainda que a internação representava uma

interrupção na vida das jovens e a sua “retomada” esbarraria em dificuldades, uma

vez que não era realizado um acompanhamento pós-instituição que desse estrutura

ao enfrentamento do preconceito social a uma “ex-interna”:

Deveria faze-los repensar e nosso objetivo é que estes adolescentes tenham a oportunidade de serem ressocializados, entretanto, como o próprio nome diz, voltar à sociedade de forma a poder tornar-se num cidadão é tarefa para quem tem essa sociedade à sua espera, entretanto, nem todos tem. (QT 04, 50 anos)

Outros registros acrescentaram a depressão, a revolta, a angústia e a debilidade

física como conseqüências do processo de internação:

A privação de liberdade é sempre traumático e sem dúvida é a interrupção de parte importante da vida, que eles não aceitam; por isso, rebelam-se ainda mais e/ou deprimem-se, adoecem. As intervenções nesses casos são importantíssimas; o processo de escuta deve ser uma constante. (QT 01, 54 anos) Acho que o acumulo de energia e muita revolta, pois a unidade deveria ter campo e espaço para trabalhos proveitosos. (QP 08, 29 anos)

Houve ainda aquelas que consideraram que, embora a internação acontecesse

suscitando muito sofrimento, em alguns casos isso poderia gerar na jovem a

vontade de não mais retornar, optando por uma vida longe do crime.

As respostas dos funcionários sobre os impactos da internação na vida das jovens

vieram mais uma vez apontar para a disfunção entre o que era idealizado e o que

acontecia de fato. Eles ainda demonstraram sensibilidade ao perceber as

impressões que as jovens denunciaram sobre os impactos que a internação

provocava em suas vidas.

Algumas meninas afirmaram que a internação não implicou grandes mudanças para

elas. E quando as mudanças apareciam se mostravam em virtude do sofrimento

experimentado:

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Eu acho que fiquei mais madura e percebi que a vida tem que ser vivida com bastante obstáculo para quando chegar o final sermos chamados de VENCEDOR. (QJs 04, 16 anos) Eu mudei muito mais foi uma mudança que me prejudicou pois eu não consigo mais ser aquela menina brincalhona que eu era parece que eles privou a minha liberdade e a minha alegria também. (QJs 06, 16 anos) Mudou pois nós estamos passando por um sofrimento muito grande, e ainda nós somos Seguro, então o sofrimento é maior pra nós, então é por isso que com isso tudo que nós estamos passando nossos pensamentos pode mudar, pois isso que estamos passando e apenas uma faze da vida. (QJs 09, 17 anos) Sim. Pois este tempo de internação aqui na UFI, nós faz repensar na vida e ver o que vale a pena em sua vida, ter uma certa ambição para no qual você lute para um trabalho digno, faz você pensar naqueles que dizem ser seus amigos e no pior momento para ele joga a culpa em cima de você. E estando aqui você pode ver quem são as pessoas que estão do seu lado e te dão valor, está não só em relação a família, mas seus verdadeiros amigos, aqueles que estão do seu lado, aconteça o que acontecer. Serve para você vê se a pessoa que está com voce te ama de verdade ou é de boca pra fora. Pensar em futuro melhor e produtivo lembrar que é por causa de um rock que simplesmente atrasa a sua vida, ou até mesmo aquela irresponsabilidade, talvez nem sempre mas momentânea. (QJp 07, 17 anos)

Sentir que as mudanças ocorridas se deram a partir do sofrimento não significava

garantias de outras opções de vida para depois da internação. A idéia para algumas

jovens com as quais conversei era que haveria uma maneira de continuar com as

atividades ilícitas sem ser descoberta. O importante era não passar pelo sofrimento

outra vez. Uma jovem, em conversa informal92, analisou criticamente o motivo pelo

qual ela considerava que as jovens reincidiam nas infrações cometidas:

[…] Acho um sofrimento pra caramba, porque você tá longe da sua família. Acho que isso aqui poderia melhorar. Não quero que eles me tratem igual, vamos dizer, uma princesa e tal. Mas acho que poderia melhorar. Ter mais recursos, assim, pras meninas. Igual, tipo assim, ter mais atividade que interessa. Que às vezes, estudá é bom? Todo mundo gosta. Mas chega uma hora que você enjoa. Sempre tá ali fazendo tarefa de escola. […]

Ela continuou dizendo que acreditava que, se houvesse mais investimentos em

cursos profissionalizantes (como um curso de corte e costura, de dança, de

manicure, de cabeleireira) que fossem interessantes para as internas, isso seria útil

para quando saíssem da instituição. No seu entender, tendo uma “profissão

92

Esta conversa informal foi tomada como depoimento sendo possível registrar trechos dela em um papel enquanto eu escutava a jovem.

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decente” não seria preciso voltar às práticas ilícitas. A jovem ainda ressaltava o

preconceito que enfrentariam para conseguir voltar ao mercado de trabalho após ter

passado por uma unidade de internação socioeducativa:

[…] Então, um recurso pra menina poder sair daqui e ter o que fazer. Aí se volta, vamos botar o negócio do tráfico, se volta a traficar, por quê? Porque não tinha um outro recurso. Passou por lá? Passou. Viu que era ruim? É, mas tá sendo forma. Porque nem sempre uma loja que sabe que uma adolescente passou, vamos dizer assim, por tráfico de drogas, num colocam. Num pode falar que coloca, porque é mentira. Nem sempre eles abrem uma vaga pras pessoas. […]

Em outro momento do depoimento, ela denuncia outra situação de falta de

assistência:

[…] Isso aqui é um sofrimento também. Às vezes, desce policiais com arrogância. A gente faz a polícia descer? Faz. Às vezes, com motivos e, às vezes, sem motivos. Igual o caso, de levar pra um médico. A pessoa tá passando mal, tem que ser na hora deles passar mal. Não pode ser na nossa hora de estar passando mal. Igual, de noite, nós não podemo passa mal de noite. Uma pessoa não pode tê uma crise, não pode dá nada de noite.

O desabafo dessa jovem denunciou como se fazia sentir pelas adolescentes esse

distanciamento entre o que era idealizado como uma intervenção socioeducativa e o

que se observava nas práticas cotidianas. Como ficou claro, o sofrimento causado

pelas práticas punitivas ainda presentes marcavam a visão que as jovens tinham da

instituição. Como resultado, uma separação ainda maior entre a instituição e o

mundo juvenil. As jovens, por sua vez, fechavam-se às investidas dos adultos,

deixando espaço apenas para aqueles que consideravam amigos.

4.4.1 As relações instituição-jovem, jovem-instituição e jovem-jovem

Para entender os processos de formação experimentados durante a internação

serão traçados três eixos: instituição-jovem; jovem-instituição e jovem-jovem.

Compreendo que essas relações são interligadas entre si e esclareço que a divisão

se faz necessária apenas para fins analíticos.

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A convivência mais próxima com algumas jovens possibilitou observar que, com o

passar dos meses, as meninas mudavam de comportamento, ou seja, passavam por

uma “transformação”. Chegavam para a internação provisória acuadas,

amedrontadas, sem falar muito, fazendo atividades escolares. Passavam pela fase

de adaptação e, ao se integrar a algum grupo, mostravam-se mais alegres, mais

expansivas. Deixavam de freqüentar as aulas e ficavam mais tempo na quadra.

Conforme o tempo de internação se estendia, tornavam-se depressivas, tristes, mais

duras na maneira de se expressar. No entanto, e isso é quase contraditório,

mantinham estratégias para fazer a “cadeia pesar menos”. Essas estratégias

aconteciam às margens do controle da instituição, que incluíam as brincadeiras, as

“molecagens” e que tinham como ponto imprescindível adaptar a condição juvenil

vivenciada em situação de liberdade para situação de reclusão (CAMACHO, 2000;

DUBET e MARTUCCELLI, 1997).

Para as jovens do Seguro, a realidade era mais dura. Não havia muito espaço para

a brincadeira e para a descontração. Eles aconteciam em raros momentos, em

especial quando estavam no pátio. Durante o período em que permaneciam no

alojamento, a apreensão era grande e o medo de invasão era constante.

Pensando nessa relação estabelecida entre a instituição e o sujeito jovem, recorro a

Dubet e a Martuccelli (1997) para analisar os processos de formação vivenciados

durante a internação, construídos nas práticas cotidianas por meio do que Dubet

denomina experiência.

A instituição analisada pode ser entendida por meio de um paralelo traçado com a

idéia da “escola múltipla” apresentada pelos autores acima citados. Para eles,

[…] A idéia de instituição deve ser decomposta em várias funções analiticamente independentes: uma função de integração que procede do modelo „clássico‟ da socialização pela internalização; uma função de distribuição que leva a considerar a escola como um „mercado‟; uma função de subjetivação ligada à relação particular que os indivíduos constróem com a cultura escolar […]. (DUBET e MARTUCCELLI, 1997, p.261)

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Analisando a relação instituição-jovem, pode-se observar que aquela se pauta na

intenção de promover uma socialização ou uma “re-socialização” das jovens a partir

da incorporação das normas e dos valores que as tornem “aptas” ao convívio social.

Essa “re-socialização” exigiria um rompimento das jovens com a “vida do crime”, a

“vida loka”, e a assunção de um desejo por outro modo de vida que deveria ser

estimulado por meio das aprendizagens vivenciadas na instituição, visando inclusive,

à formação profissional para o mercado de trabalho. Se analisado por um lado, esse

ideal assemelha-se à compreensão de “re-socializaçao” como afirmam Berger e

Luckmann, uma vez que se impõe de forma parecida a uma “conversão”. Por outro

lado, este processo implicaria um aprendizado de normas que foram rejeitadas ou

que não foram transmitidas aos jovens na socialização primária e que seriam, então,

incorporadas em uma socialização secundária.

Pensando-se ainda pelo recorte instituição-jovem, não há como negar que as

instituições de internação socioeducativas se constituem em realidades às quais os

jovens devem se adaptar e isso demanda um entendimento de “como funciona” a

instituição – o que é e o que não é permitido; com quem, quando e como se deve

falar. Aprender a forma de como se deve “pensar, agir, sentir” em uma instituição de

internação demanda a incorporação de uma espécie de “habitus”, que vai permitir o

entendimento da gramática daquele grupo específico. Embora contrariamente ao

que a Lei prescreve para as instituições de internação, incorpora-se a identidade de

“presidiária”.

Na relação jovem-instituição, observou-se um movimento de resistência, de burla às

normas e à função socializadora da instituição. Percebeu-se ainda um descrédito no

que toca à escolarização como caminho para uma vida melhor e diferente. As jovens

lançavam mão de estratégias que pudessem amenizar a “cadeia” e,

contraditoriamente, nesse movimento, também apresentavam sinais de desgaste e

de conformação com a condição de “presa”.

Nas relações jovem-jovem foi possível notar a construção de experiências entre as

internas, ou seja, a ocorrência de outros processos de formação que não

aconteciam na ligação entre a instituição e a jovem, mas que se desenvolviam no

distanciamento desta em relação àquela. Assim, existiam práticas que resultavam na

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construção dos sujeitos e que se estabeleciam à margem do controle da instituição,

mesmo estando sob sua guarda 24 horas.

Assumir um modo de ser jovem em situação de privação de liberdade era algo que

se construía fora do alcance da instituição. Era, de certa forma, um movimento de

resistência, mas também uma estratégia de sobrevivência. Ela era tecida nas

relações de sociabilidades em um mundo juvenil de que a instituição não conseguia

se aproximar.

Era também nessa esfera que se reproduziam práticas não aprováveis pela

instituição, como a violência, por exemplo; ou ainda o comportamento caracterizado

como a “malandragem”, ou seja, a maneira “safa” de passar pela dinâmica

institucional sem que isso constrangesse as jovens a uma mudança do estilo de vida

durante e após a internação. Nessa esfera, também se produziam novas e

diferentes relações afetivas e sexuais. Aqui também se observava o lesbianismo e a

reprodução das relações de dominação masculina.

Esse descompasso entre a esfera institucional e o mundo juvenil possibilitava

brechas para que esses processos se desenvolvessem, nos quais a instituição não

conseguia interferir e nos quais outras e novas redes de sociabilidade eram

construídas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: JUNTANDO AS PEDRINHAS

Este trabalho buscou compreender como ocorrem os processos de (trans)formação

das jovens durante o cumprimento da medida de internação em instituições

socioeducativas.

À primeira vista, a realidade percebida parecia incoerente, oscilando entre um ideal

de construção de um “modelo” de jovem “re-socializado” – um sujeito ético,

autônomo, solidário, crítico – por meio de ações socioeducativas e a não

concretização desse discurso, deixando espaço para medidas de caráter punitivo.

No entanto, a aproximação com o cotidiano da instituição de internação possibilitou

perceber que essas práticas pautadas em uma concepção socioeducativa de

atendimento aconteciam, porém não eliminavam a presença do enfoque correcional

e punitivo, partindo da noção de “reajustar” jovens à margem das normas sociais.

“Na prática”, percebiam-se dois extremos: ou permanecia a idéia de que ser infrator

era um traço da personalidade do jovem e, portanto, um problema “corrigível” (e

neste caso, o sofrimento causado pelas más condições da unidade, pelos maus

tratos contribuiriam para essa “correção); ou se assumia a idéia de que o jovem não

deveria ser responsabilizado inteiramente pelos seus atos, atribuindo-se somente às

condições sociais, à família, aos amigos a justificativa para a infração cometida. Se,

no primeiro caso, as jovens eram tratadas como adultas, no segundo, eram vistas

como crianças irresponsáveis. No discurso predominava a segunda idéia, no

entanto, na aplicação das medidas de segurança (no caso, os castigos), afirmava-se

a primeira.

Observou-se ainda que existia uma grande dificuldade de organização do trabalho

socioeducativo devido à estrutura institucional. Ficou claro que a postura

estabelecida entre grande parte das jovens e a escolarização oferecida na unidade

era de descrença, por parte daquelas, à promessa de que estudando conseguiriam

uma “vida melhor”. Esse descrédito, porém, era resultado de experiências escolares

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anteriores à internação. Como definido por uma jovem: “se escola adiantasse

alguma coisa eu não tava aqui!”.

Era possível perceber que se o ensino adquiria um sentido “instrumental” na escola

regular – ou seja, a execução de tarefas visava à garantia de boas notas ou o

suficiente para passar de ano, deixando em segundo plano o aprendizado – ele era

também “instrumentalizado” pela maioria das jovens em internação, que cumpriam

as atividades a fim de que fossem anexadas aos seus relatórios de

acompanhamento. Apresentar um bom relatório nas audiências poderia influenciar

no andamento do processo. Para as jovens da internação provisória, ter um bom

desempenho nas atividades socioeducativas era uma esperança de não ser

sentenciada. Se fosse determinada a internação, era comum observar que as

meninas experimentavam uma “desilusão”, o que conduzia, por vezes, ao abandono

dos estudos.

Observava-se um movimento que acompanhava o processo de primeiros meses na

internação provisória e seqüente sentenciamento. As jovens, ao entrar na unidade,

participavam das aulas e estavam mais próximas aos professores e funcionários,

talvez porque se sentissem desamparadas, inseguras no novo ambiente, no novo

grupo e na nova situação. A presença de um adulto, como os professores, por

exemplo, poderia representar um “porto seguro”, um ponto de apoio e de proteção.

Além disso, as jovens ainda mantinham a esperança de melhoria e de saída da

instituição pelas vias da escolarização. As atividades escolares também eram

consideradas por algumas internas como uma distração, uma ocupação produtiva.

À medida que o tempo de internação avançava e as jovens incorporavam o “habitus

de detentas” e, conseqüentemente, se aproximavam do entendimento da lógica

interna da Unidade, das regras, construíam-se as estratégias de sobrevivência e a

integração ao grupo de pares. Manter a proximidade com os professores e a

freqüência às aulas poderia ser entendido como uma traição ao grupo de amigas.

Notou-se uma disputa de poder de persuasão entre a instituição (representada pelos

professores, oficineiros) e o grupo de jovens. Essa disputa era facilitada pela

existência de “fraturas” entre o mundo institucional e o mundo juvenil. Havia brechas

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estas que permitiam a construção de experiências que fugiam ao controle da

instituição, realizadas em um movimento de resistência às intervenções socializantes

às quais as jovens estavam submetidas. O fortalecimento em grupos juvenis era

característica marcante desse processo.

Nessas experiências, as jovens se utilizavam de estratégias (no sentido apontado

por Dubet) para manterem-se “ilesas” nessas condições. As jovens aprendiam como

se “safarem” tanto de complicações com os técnicos, como com a polícia, não

deixando de fazer exigências e, ao mesmo tempo, descobrindo maneiras de

sobreviver no grupo das companheiras “presas”. Tanto em um quanto em outro,

havia a necessidade de entendimento de normas que não estavam totalmente

explícitas. Por exemplo, as jovens que tinham um comportamento reconhecido como

“exemplar” – ou seja, que cumpriam os horários, que não faziam ameaças, que

respeitavam os demais – não eram as que, necessariamente, conseguiam tudo o

que desejavam na Unidade. Ao contrário, eram muitas vezes ignoradas, faltava-lhes

“expressividade”. Por outro lado, as jovens que “manjavam” as relações com as

autoridades – e que eram justamente aquelas que cumpriam internação há mais de

um ano – sabiam como se impor, agressivamente ou não. Eram elas, também, que

tinham maior poder de persuasão com as demais internas, pois de certa forma, eram

elas que as representavam.

Outra estratégia de sobrevivência utilizada pelas jovens dizia respeito à manutenção

de experiências juvenis em situação de privação de liberdade. Se em um período

anterior à internação, a maioria das jovens vivenciava intensamente uma condição

juvenil que acontecia às margens das instituições formais de socialização durante a

internação, a condição juvenil aceita e reconhecida era marcada pelo controle,

regulada pela instituição e que exigia um ajustamento às normas sociais. Como um

movimento de resistência, algumas jovens (as mais “antigas” na unidade) recriavam,

uma condição juvenil que se aproximasse daquela vivenciada em liberdade. Isso era

perceptível nas vestimentas, no gosto musical, na apropriação dos espaços físicos

da unidade, nas brincadeiras, nos namoros, nas redes de amizades tecidas nos

grupos. No entanto, era preciso ter um comportamento “safo” para vivenciá-la. Isso

significava, por exemplo, não participar de nenhuma atividade escolar presencial

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(aula) para ficar no pátio e pedir a atividade dada pelo professor para completá-la

após o horário da “tranca”.

Essas experiências juvenis eram interpretadas pela instituição como transgressão,

como um comportamento indesejado e que contaminava as novatas.

O processo de adaptação à unidade, ao sofrimento experimentado, era definido

pelas jovens como um amadurecimento, ou poderia ser traduzido por um

endurecimento. Foi possível perceber “fases” de adequação das jovens à situação

de privação de liberdade. Um primeiro momento era marcado pelo medo do

desconhecido e da punição recebida, pela saudade dos familiares e dos amigos e

pela ansiedade em saber se seria sentenciada ou não. Como relatado

anteriormente, nessa fase as jovens ficavam mais acessíveis aos adultos.

A fase seguinte se caracterizava pela euforia, pelo desenvolvimento de laços de

afeto e de solidariedade, pela descoberta de amizades e de possibilidades de

divertimento naquela situação. Era nesse momento que se criavam os sentimentos

de pertença a grupos e que se geriam as ações coletivas. Era nesse período,

também, que se observavam mudanças significativas no comportamento: baixa

freqüência às aulas, agressividade, irreverência, assunção de papéis “masculinos”

ou “femininos” de acordo com a posição demarcada no grupo. Era quando os

movimentos de resistência se fortaleciam e a recusa à condição de “presa” era

evidente. Estratégias de sobrevivência eram aprendidas e as jovens começavam a

“descobrir” como funcionava a “cadeia” e como seria preciso proceder para passar

por ela.

Um primeiro “golpe” à euforia acontecia quando a jovem era sentenciada. Era

preciso “forjar” uma adequação aos moldes institucionais se a intenção era não ter

problemas. Essa era mais uma estratégia de sobrevivência. No entanto, ainda

restava a esperança de sair no tempo mínimo de seis meses93. Passado esse prazo,

a tristeza aumentava e o confronto com a realidade era de apatia, de conformação,

93

Na maioria dos processos, estabelecia-se um tempo mínimo para a internação (em geral seis meses). Se a jovem mostrasse resultados positivos no cumprimento da medida de internação, ela poderia sair ao completar esse prazo.

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de aceitação de uma condição de detenta. As atividades escolares, os conselhos

dos adultos pareciam não fazer mais sentido para muitas internas. Emergia, então,

uma terceira fase: as estratégias desenvolvidas com o tempo de internação

permitiam a essas jovens agir “na malandragem”, “escorregar” entre as normas

institucionais, se “safar” de situações complicadas e negociar com a direção, ou

seja, a situação não era de conformismo.

As experiências vivenciadas pelas jovens se desenvolviam, como já mencionado

nesta dissertação, nas brechas deixadas pela instituição que, por sua vez, não

conseguia exercer sua função socializadora convencional, pois não conseguia atingir

as práticas desenvolvidas, na esfera das relações, que não possuíam um caráter

educativo, como as violências praticadas e sofridas pelas jovens, como a construção

de um identidade de bandida/presa e a reprodução de práticas punitivas e

repressivas.

As dimensões ou funções da instituição de internação não apresentavam

articulações entre si (recorro mais uma vez a Dubet para defini-las e acrescento às

dimensões do modelo cultural, da seleção e da organização uma que eu chamaria

de “contenção”). Conforme as análises traçadas neste trabalho, foi possível perceber

que a predominância da contenção – ou seja, o cuidado com o controle e a

manutenção da ordem sobre jovens em privação de liberdade – era maior que a

consistência de um modelo pedagógico.

A hierarquia dos cargos dificultava a comunicação entre técnicos, professores,

oficineiros e assistentes de aluno. Sendo assim, cada um executava um pouco de

cada função e a construção de uma equipe multidisciplinar dificilmente ultrapassava

os níveis hierárquicos. Professores trocavam idéias com seus pares; os técnicos

entre si e assim por diante. Houve uma tentativa por parte dos professores de

construção de um trabalho que “quebrasse” a rígida estrutura, no entanto, este se

perdeu na burocracia, também marcante.

A percepção dos funcionários sobre o alcance ou não dos objetivos traçados pela

instituição variava de acordo com a função exercida por cada um. Para aqueles que

tinham como responsabilidade supervisionar, a análise ressaltava avanços nas

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concepções das propostas formais elaboradas. Partindo de um outro “lugar”

ocupado na hierarquia institucional, aqueles que avaliavam o trabalho realizado com

base nas vivências do dia-a-dia e que estavam diretamente envolvidos em uma

tentativa frustrada de concretização de tais propostas (como os professores, os

oficineiros, os assistentes de aluno) apresentavam uma análise menos otimista

quanto aos alcances dos objetivos socioeducativos.

Os problemas estruturais presentes na maioria das instituições de internação

socioeducativas do Brasil também dificultam a concretização de atividades de

finalidade educativa. Predomina, para as internas, o sofrimento causado pelas

persistentes práticas repressivas, “corretivas”.

Por essa razão, a medida de internação, da forma como vem sendo processada,

não consegue levar as jovens a uma reflexão sobre o ato infracional cometido a

partir da vivência de experiências educativas que proporcionem formas diferentes e

lícitas de “ganhar a vida”. A opção por “sair da vida loka” surgia como um desejo de

não voltar à instituição, definida como um “cômodo do inferno”; existia, portanto, a

possibilidade de continuar “na vida” sem ser pega e retornar à unidade.

Ao analisar a relação instituição-jovem, foi possível observar que aquela se pautava

na intenção de promover uma socialização ou uma “re-socialização” das jovens

pautada na incorporação das normas e dos valores que as tornassem “aptas” ao

convívio social. Essa re-socialização seria quase uma conversão – e se for buscar

nos objetivos da unidade encontrar-se-á, entre eles, a incorporação de valores

cristãos –, representada pela saída da “vida do crime” e adoção de uma “vida de

bem”. No entanto, as práticas contraditórias de aquisição de um “habitus” de “presa”

apontavam que tal objetivo dificilmente seria alcançado.

Era no distanciamento das jovens em relação à instituição que ocorriam os

processos de formação apontados pelas internas como mais significativos para sua

vida, ou seja, era na convivência com seus pares que as jovens preparavam-se para

a vida que deveriam assumir dentro e fora da instituição.

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A convivência tecida com as jovens deixou evidente a maneira pela qual elas se

sentiam representadas ou, ao menos, fortalecidas. Como se fizesse parte de um

ritual, sempre que as meninas se apresentavam publicamente em reuniões formais

realizadas pela instituição, ao final de cada uma delas, reuniam-se e cantavam em

grupo uma música utilizada como um “hino”. Esta dissertação foi uma espécie de

“apresentação formal” das jovens e elas não seriam “fielmente” representadas neste

trabalho se este não fosse da mesma forma encerrado:

Lágrimas caem quem já passou no sofrimento Coração bate acelerado mó saudade Na minha vida toda sorte do tormento

Família minha meus amigos de verdade...

Era muito longe às vezes não tinha visita Graças a Deus os companheiros lá da ilha

Sempre chegaram e nunca esqueceram de mim Em qualquer situação eu ia até o fim

Mas mesmo assim a saudade continuava

A depressão dominava na madrugada E lá no pátio na direta andava só

E os companheiros diziam conversa que é melhor

Um dia igual aos outros tava fazendo uma letra Dos amigos meus que estão bem lá no céu

No mesmo dia tinha a carta do sedex Do meu pai, escrito: “Eduardo a saudade é cruel

Você seguiu essa vida porque tu quis Eu e sua mãe que te amamos estamo aqui

Infelizmente tu se encontra aí A nossa vida aqui fora tá infeliz”

Cai lágrimas, caem agora

E vão embora, no rosto rolam,rolam,rolam Várias lágrimas caem agora

E vão embora, no rosto rolam De quem te adora

No rosto rolam De quem te adora

No rosto rolam Lágrimas

(Lágrimas - MC Duda do Marapé)

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Virgínia e PAPA, Fernanda (org.). Políticas públicas de juventude em

pauta. São Paulo: Cortez: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e

Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2003.

2 ABRAMO, Helena Wendel. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In:

ABRAMO, Helena Wendel e BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org.s). Retratos

da juventude brasileira – Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo:

Instituto Cidadania, Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.

3 ANDRÉ, Marli Elisa D‟almazo Afonso de. Estudo de caso em pesquisa e

avaliação educacional. Vol.13. Brasília : Líber Livro Editora, 2005.

4 ANJOS, Erly Euzébio dos. A Banalização da Violência e a

Contemporaneidade. In: CAMACHO, Thimoteo (org) Ensaios sobre

violência. Vitória: EDUFES, 2003.

5 BANGO, Julio. Políticas de juventude na América Latina: identificação de

desafios. In: FREITAS, Maria Virgínia e PAPA, Fernanda (org.). Políticas

públicas de juventude em pauta. São Paulo: Cortez: Ação Educativa

Assessoria, Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2003.

6 BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade.

21 ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

7 BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Betrand Brasil,

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8 BOURDIEU, Pierre. Futuro de classe e causalidade do provável. In:

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Petrópolis:Vozes,1998.

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9 __________. O poder simbólico. Rio de Janeiro/ Lisboa: Bertrand Brasil/ Difel, 1989.

10 BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente. 4 ed. Revisada e

atualizada. Brasília: Senado Federal, Sub-secretaria de Edições Técnicas,

2003.

11 BRITO, Leila Maria Torraca de. Avaliação dos adolescentes pelas equipes

que atuam no sistema socioeducativo. In: BRITO, Leila Maria Torraca de

(Org.). Jovens em conflito com a lei: a contribuição da universidade ao

sistema socioeducativo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.

12 CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. A ilusão da moratória social para jovens

das classes populares. In: SPOSITO, Marilia Pontes (coord). Espaço

públicos e tempos juvenis: um estudo de ações do poder público em cidade

de regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Global, 2007.

13 __________. A invisibilidade da juventude na vida escolar. Perspectiva,

Revista do Centro de Ciências de Educação, Florianópolis, n 22, p. 325-

341, julho/dezembro 2004.

14 __________. Contribuições para pensar a violência no Espírito Santo. In:

CAMACHO, Thimoteo (org) Ensaios sobre violência. Vitória: EDUFES,

2003.

15 __________. Violência e indisciplina nas práticas escolares de

adolescentes: Um estudo das realidades de duas escolas semelhantes e

diferentes entre si. 2000. 265f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade

de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

16 __________. Violência aos diferentes, violência dos diferentes: práticas

escolares dos jovens de classes médias. 1999, 358f. Relatório (Exame de

Qualificação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São

Paulo, 1999.

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17 CAMACHO, Thimoteo. CAMACHO, Thimoteo. Classes Sociais e Relações

de Gênero na Teoria Marxista. In: Fórum Social Capixaba, Vitória - ES, v. 1,

n. 1, p. 49-61, 2002.

18 ________. Mulher, trabalho e poder – o machismo nas relações de

gênero da UFES. Vitória: EDUFES, 1997.

19 CARRANO, Paulo César Rodrigues. Identidades juvenis e escola.

Alfabetização e cidadania. Revista de educação de jovens e adultos, Rio

de Janeiro, n.10, 2000.

20 CHAUÍ, Marilena. Ética, violência e política. In: CHAUÍ, Marilena. Cultura e

democracia: o discurso competente e outras falas. 11 ed. rev. e ampl. . São

Paulo : Cortez, 2006.

21 _________. Ética, Política e Violência. In: CAMACHO, Thimoteo (org)

Ensaios sobre violência. Vitória: EDUFES, 2003.

22 _________. Convite à Filosofia. 3 ed. São Paulo : Ática, 1995.

23 CONSELHO FEDERAL DA OAB, CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,

CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA. Relatório da inspeção

nacional às unidades de internação de adolescentes em conflito com a

lei, junho/2006, p.34-36.

24 CONSELHO NACIONAL DO DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE; Unicef. Sistema nacional de atendimento

socioeducativo, Brasília, junho/2006.

25 DAYRELL, Juarez. A música entra em cena. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2005.

26 ________. O jovem como sujeito social. Revista brasileira de educação,

São Paulo, n. 24, p.40-51, set. /out. /nov. /dez. 2003.

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27 ________. A escola como espaço sócio-cultural. In: DAYRELL, Juarez. (org.).

Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte, UFMG, 2001.

28 DUBAR, Claude. A socialização – construção das identidades sociais e

profissionais. Portugal: Porto Editora, 1997.

29 DUBET, François; MARTUCCELLI, Danilo. A socialização e a formação

escolar. Lua Nova – Revista de cultura e política. 40/41. CEDEC, 1997.

30 EMMERICH, Ângela Maria et al.. Intervenção no Processo Sócioeducativo

Junto ao Jovens em Conflito com a Lei, na busca de Desenvolver suas

Potencialidades Positivas, Ressignificar Valores, Impulsionando-os na

Construção de um Novo Projeto de Vida. In: BASTOS, Ruth; ÂNGELO,

Darlene; COLNAGO, Vera. Adolescência, violência e a lei. Rio de Janeiro:

Cida de Freud; Vitória, ES: Escola Lacaniana de Psicanálise, 2007.

31 FALEIROS, Vicente de Paula. Formação de educadores (as): subsídios

para atuar no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.

Brasília : MEC/SEAD, Florianópolis : EFSC/SEaD, 2006.

32 GALLINA, Silvana. A subjetividade e a Política de Atendimento ao

Adolescente em Conflito com a Lei. In: BASTOS, Ruth; ÂNGELO, Darlene;

COLNAGO, Vera. Adolescência, violência e a lei. Rio de Janeiro: Cida de

Freud; Vitória, ES: Escola Lacaniana de Psicanálise, 2007.

33 IANNI, Otavio. Raízes da violência. In: CAMACHO, Thimoteo (org) Ensaios

sobre violência. Vitória: EDUFES, 2003.

34 LECHTE, J. Cinqüenta pensadores contemporâneos essenciais: do

estruturalismo à pós-modernidade. Trad. Fábio Fernandes. 2 ed. Rio de

Janeiro: Difel, 2002.

35 LEVI, Giovanni; SCHIMITT, Jean-Claude. (Orgs.). História dos jovens. São

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36 MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. 2 ed. São

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37 MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. La juventud es más que una

palabra. Buenos Aires: Biblios, 1996.

38 NOGUEIRA, Maria Alice, NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. Bourdieu e

a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

39 PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da

Moeda, 1993.

40 SAFFIOTI, Heleieth, I.B. O poder do macho. São Paulo: Atual, 1987.

41 SILVA, Cláudio Augusto Viera da. Idade penal e co-responsabilidade social.

In: Cadernos ABONG. Crianças, adolescentes e violência. Subsídios à IV

Conferência nacional dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo,

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42 SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às

teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

43 SOARES, Luiz Eduardo. Violência na primeira pessoa. In: ATHAYDE, Celso

Athayde et al. Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

44 _________. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In: NOVAES, R.

e VANNUCHI, P. (orgs) Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura

e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

45 SPOSITO, Marilia Pontes. Algumas reflexões e muitas indagações sobre as

relações entre juventude e escola no Brasil In: ABRAMO, Helena Wendel e

BRANCO, Pedro Paulo Martoni (org.s). Retratos da juventude brasileira –

Análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania, Editora

Fundação Perseu Abramo, 2005.

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46 _______. Trajetórias na constituição de políticas públicas de juventude no

Brasil. In FREITAS, Maria Virgínia e PAPA, Fernanda (org.). Políticas

públicas de juventude em pauta. São Paulo: Cortez: Ação Educativa

Assessoria, Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2003.

47 _______. Juventude: crise, identidade e escola. In: DAYRELL, Juarez (org.).

Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

48 SPOSITO, Marilia Pontes; CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventude e

políticas públicas no Brasil. In: LÉON, Oscar Dávila (editor). Políticas

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Ediciones CIDPA, 2003.

49 VIOLANTE, Maria Lúcia Vieira. O dilema do decente malandro. 4 ed. São

Paulo: Cortez: Autores Associados, 1985.

50 VOLPI, Mario. (org). O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez,

1999.

51 WACQUANT, Löic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editora, 2001.

52 WEYRAUCH, Cléia Schiavo. Notas para o estudo da inserção democrática da

criança e do adolescente no mercado de trabalho. In: BRITO, Leila Maria

Torraca de (Org.). Jovens em conflito com a lei: a contribuição da

universidade ao sistema socioeducativo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000.

53 WIEVIORKA, Michel. O novo paradigma da violência. Tempo social: Rev.

Sociol. USP: São Paulo, 9(1): 5-41, maio de 1997.

54 ZALUAR, Alba. Integração perversa e tráfico de drogas. Rio de Janeiro:

Editora FGV, 2004.

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APÊNDICES

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APÊNDICE I - Projeto de extensão

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

PROJETO DE EXTENSÃO

Área Temática: Centro de Educação

Departamento: Didática e Prática de Ensino

Título: Oficina de Teatro

Coordenação: Profa. Dra. Luiza Mitiko Yshiguro Camacho

Outros envolvidos: Pollyana dos Santos (mestranda do PPGE)

Resumo: Proposta de oficina de teatro envolvendo jovens internos da UNIS na

elaboração de uma peça teatro por meio da qual possam expressar

as experiências vivenciadas por eles e suas perspectivas em relação

ao futuro.

Parceria: UNIS (Instituto de Atendimento Socioeducativo do ES – IASES)

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Apresentação

“Por que o teatro? Porque existem artes como a música, que

organizam o som e o silêncio, no tempo; outras, como a pintura, que

organizam a forma e a cor, no espaço; e existem artes como o teatro,

que organizam ações humanas, no espaço e no tempo.

Ao organizarem ações humanas, mostram onde se esteve, onde se

está e para onde se vai, quem somos, o que sentimos e desejamos.

Por isso devemos fazer teatro, todos nós: para saber quem somos e

descobrir quem podemos vir a ser.”

(BOAL, Augusto. O teatro como arte marcial, 20003, p.90)

O presente projeto traduz uma proposta de intervenção educativa destinada aos

jovens internos da UNIS-Cariacica/ES compreendidos na faixa etária de 15 a 17

anos. Tal proposta se configura em uma Oficina de Teatro na qual os jovens

poderão expressar, por meio da arte, suas perspectivas em relação aos seus

projetos de futuro. Para isso, os jovens construirão uma peça teatral que reflita as

formas como pensam o futuro a partir da realidade em que se encontram, produzirão

a peça e atuarão nela.

Justificativa

A proposta de trabalho desta oficina se concretiza a partir da história de vida dos

sujeitos nela envolvidos e das experiências vivenciadas por eles, referentes ao

período anterior à internação e ao momento presente, como jovens em situação de

restrição de liberdade.

Possibilitar espaço de fala aos sujeitos silenciados pela sociedade (e, nestas

condições de internação, um silêncio abafado porque isolados do convívio social)

implica compreender as circunstâncias vivenciadas pelos jovens que culminaram em

seu ato infrator.

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O processo de construção de uma peça de teatro que traduza, em personagens, as

vivências, os sonhos, os sentimentos de cada jovem envolvido, pode proporcionar

um momento de reflexão e, principalmente, de expressão. Além disso, pode

proporcionar um espaço no qual jovens silenciados possam expressar, por meio da

arte, o que pensam, o que sentem e o que esperam da vida.

Optamos por trabalhar com um grupo formado por jovens do sexo masculino, uma

vez que estes estão em maior número entre os internos da UNIS e vivenciam com

maior freqüência situações que implicam riscos de morte, como os episódios de

rebeliões, por exemplo.

Público alvo:

15 jovens internos compreendidos na faixa etária de 15 a 17 anos

Duração:

04 meses (de fevereiro a maio de 2007)

Obs: Os dias da semana e a carga horária deverão ser definidos oportunamente

atendendo às exigências da Instituição.

Objetivo geral:

Expressar, por meio do teatro, as perspectivas em relação ao futuro;

Objetivos específicos:

Participar de dinâmicas de grupo e técnicas de teatro que possibilitem a

sensibilização e a desinibição;

Aproximar-se de diferentes textos literários;

Produzir textos;

Construir um roteiro de uma peça teatral;

Produzir uma peça de teatro;

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Atuar na peça teatral;

Metodologia:

A oficina de teatro se desenvolverá em quatro momentos. O primeiro (com duração

prevista para um mês) destina-se às dinâmicas de sensibilização e desinibição, bem

como ao aprendizado de técnicas de teatro. Também serão trabalhados diferentes

tipos de textos (poesias, músicas, contos, crônicas). Haverá momentos de produção

de textos, nos quais os jovens terão liberdade para escolher os tipos de textos que

desejarem produzir. Nessa fase, os jovens terão contato com roteiros de teatro como

preparação para a construção da peça.

No segundo momento, será trabalhada a elaboração coletiva do roteiro da peça de

teatro. Os jovens construirão o texto a partir de suas análises sobre seus projetos

pessoais para o futuro. Esse é não apenas um momento de construção de texto,

como de auto-reflexão dos jovens. Os jogos introspectivos os ajudarão na

“descoberta” dos elementos para construção da peça. A previsão para o

desenvolvimento das atividades referentes a essa fase é de dois meses.

Na etapa seguinte (com duração prevista para um mês) os jovens produzirão a peça

de teatro. Este momento envolve: ensaios, confecção de figurinos e cenários.

No quarto e último momento, os jovens apresentarão a peça teatral para os demais

jovens internos da UNIS.

Recursos e materiais:

Os materiais necessários para o desenvolvimento das atividades são:

500 folhas de papel Chamex

Canetas, lápis, borrachas, régua.

Papéis diversos para a confecção dos cenários.

Tinta para confecção dos cenários.

Cola, tesoura.

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Roupas usadas e doadas para os figurinos

Aparelho de som e CDs.

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APÊNDICE II – Roteiro de observação

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

1 ) Espaços observados:

Espaço educativo (salas de aula);

Gerência;

Secretaria;

Sala dos técnicos;

As alas (alojamentos) das internas (se for possível);

Quadra de esportes;

O pátio externo da unidade;

Padaria em que os jovens internos trabalham;

Todos os espaços abertos à pesquisadora (Ex. enfermaria, setor de

isolamento para castigo, etc..

2) Acompanhamento de atividades:

Atendimento;

Atividades educativas;

Atividades de “lazer” para as internos;

Visitas de familiares;

Todas as demais que forem permitidas (Ex: refeições, atendimento médico,

etc..)

3) Descrição dos espaços físicos observados;

4) Descrição das atividades desenvolvidas;

5) Observação/descrição do envolvimento dos jovens, monitores e técnicos nas

atividades;

6) Descrição das relações:

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jovens - jovens;

jovens - assistentes de aluno;

jovens - gerente;

jovens - técnicos;

jovens - policiais;

6) Registro de conversas informais com os sujeitos (jovens, gerente, assistentes

de aluno, técnicos);

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APÊNDICE III – Questionário aplicado às jovens

QUESTIONÁRIO - JOVENS

Parte A

Idade: _________ . Estado civil: ____________ .

Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )

Namora/namorava? ____________________.

Tem filhos? Quantos? ___________________.

Tem pai ? _______________.

Tem mãe? _______________.

Tem irmãos? ______________.

Morava com quem? _______________.

Onde? ______________.

Estudava? Em que série? _______________.

Há quanto tempo está na UFI? __________________.

Parte B (As questões 1 a 11 deverão ser respondidas à parte, ou seja, nas folhas

em branco. Favor indicar o número da questão respondida)

1) Como era sua vida antes de entrar na UFI?

2) Quando você se lembra do “mundão”, do que mais sente falta? Por quê?

3) Quando você estava lá fora, como você imaginava que seria a sua vida?

4) Agora que você está aqui na UFI, como você vê o seu futuro? Por quê?

5) Fale um pouco sobre o seu dia-a-dia na UFI.

6) Mudou alguma coisa em você depois da internação? Em caso afirmativo, por

que você acha que mudou?

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7) Como você vê a UFI? Por quê?

8) Como você se vê? Por quê?

9) Para você, o que é juventude?

10) Você se sente jovem? Por quê?

11) Deixe um recado. Pode ser um desenho, uma poesia, uma letra de música...

Use a criatividade!

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APÊNDICE IV – Questionário aplicado aos professores e

aos oficineiros

QUESTIONÁRIO – PROFESSORES

I. Parte A

Idade: _________ . Estado civil: ____________ .

Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )

Tem filhos? Quantos? ___________________.

Escolaridade: __________________________ .

Profissão / Formação profissional: _____________________________ .

Função que exerce na UNIS/UFI: _______________________________ .

Tempo no cargo: _________________ .

Tempo na instituição: _________________ .

Exerce atividades profissionais fora da UNIS/UFI? Onde?

_________________________________ .

II- Parte B ( As questões de 1 a 10 deverão ser respondidas à parte, ou seja, nas

folhas em branco. Favor indicar o número da questão respondida)

1) Como você vê a UNIS/UFI?

2) Quais os objetivos da instituição?

3) Eles são atingidos? Em caso positivo, quais? Em caso negativo, por que não são

atingidos?

4) Como é realizada a “reintegração”, “reinserção”, enfim, quais são e como se

realizam os trabalhos com os(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

5) Como você vê os jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa

de internação?

6) Para você, o que é juventude?

7) Considerando a relação que você tem com os(as) jovens, dá para perceber se

eles(as) possuem projetos de futuro? Se existem projetos de futuro, quais são?

Se não houver, por que você acha que eles(as) não têm pretensões para o

futuro?

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8) E você? Como vê o futuro destes(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

9) As atividades desenvolvidas aqui estimulam os(as) jovens a pensar no futuro?

Em caso positivo, quais são elas? Em caso negativo, o que poderia ser feito para

mudar isso?

10) Na sua opinião, que impactos a privação de liberdade pode causar na vida

desses jovens?

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APÊNDICE V – Questionário aplicado aos assistentes de aluno

QUESTIONÁRIO – ASSISTENTES DE ALUNO

I. Parte A

Idade: _________ . Estado civil: ____________ .

Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )

Tem filhos? Quantos? ___________________.

Escolaridade: __________________________ .

Profissão / Formação profissional: _____________________________ .

Função que exerce na UNIS/UFI: _______________________________ .

Tempo no cargo: _________________ .

Tempo na instituição: _________________ .

Exerce atividades profissionais fora da UNIS/UFI? Onde?

_________________________________ .

II- Parte B ( As questões de 1 a 10 deverão ser respondidas à parte, ou seja, nas

folhas em branco. Favor indicar o número da questão respondida)

1) Como você vê a UNIS/UFI?

2) Quais os objetivos da instituição?

3) Eles são atingidos? Em caso positivo, quais? Em caso negativo, por que não são

atingidos?

4) Como é realizada a “reintegração”, “reinserção”, enfim, quais são e como se

realizam os trabalhos com os(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

5) Como você vê as jovens que estão em cumprimento de medida socioeducativa

de internação?

6) Para você, o que é juventude?

7) Considerando a relação que você tem com os(as) jovens, dá para perceber se

eles(as) possuem projetos de futuro? Se existem projetos de futuro, quais são?

Se não houver, por que você acha que eles(as) não têm pretensões para o

futuro?

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8) E você? Como vê o futuro destes(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

9) As atividades desenvolvidas aqui estimulam os(as) jovens a pensar no futuro?

Em caso positivo, quais são elas? Em caso negativo, o que poderia ser feito para

mudar isso?

10) Na sua opinião, que impactos a privação de liberdade pode causar na vida

desses jovens?

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APÊNDICE VI – Questionário aplicado aos técnicos

QUESTIONÁRIO – TÉCNICOS

I. Parte A

Idade: _________ . Estado civil: ____________ .

Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )

Tem filhos? Quantos? ___________________.

Escolaridade: __________________________ .

Profissão / Formação profissional: _____________________________ .

Função que exerce na UNIS/UFI: _______________________________ .

Tempo no cargo: _________________ .

Tempo na instituição: _________________ .

Exerce atividades profissionais fora da UNIS/UFI? Onde?

_________________________________ .

II- Parte B ( As questões de 1 a 11 deverão ser respondidas à parte, ou seja, nas

folhas em branco. Favor indicar o número da questão respondida)

1) Quantos jovens estão internos na UNIS? E na UFI?

2) Como você vê a UNIS/UFI?

3) Quais os objetivos da instituição?

4) Eles são atingidos? Em caso positivo, quais? Em caso negativo, por que não são

atingidos?

5) Como é realizada a “reintegração”, “reinserção”, enfim, quais são e como se

realizam os trabalhos com os(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

6) Como você vê os(as) jovens que estão em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

7) Para você, o que é juventude?

8) Considerando a relação que você tem com os(as) jovens, dá para perceber se

eles(as) possuem projetos de futuro? Se existem projetos de futuro, quais são?

Se não houver, por que você acha que eles(as) não têm pretensões para o

futuro?

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182

9) E você? Como vê o futuro destes(as) jovens em cumprimento de medida

socioeducativa de internação?

10) As atividades desenvolvidas aqui estimulam os(as) jovens a pensar no futuro?

Em caso positivo, quais são elas? Em caso negativo, o que poderia ser feito para

mudar isso?

11) Na sua opinião, que impactos a privação de liberdade pode causar na vida

desses jovens?

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183

APÊNDICE VII – Roteiro da entrevista realizada

ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL – JOVENS

Nome (verdadeiro ou fictício):

Idade:

Estado civil:

Namora/namorava?

Filhos:

Tem pai /mãe / irmãos?

Morava com quem? Onde?

A) A VIDA EXTRA-MUROS

1) Como era a rotina da semana fora da UNIS/ UFI? Participava de atividades

escolares, familiares, esportivas, religiosas, de trabalho..? O que você fazia

durante a semana quando estava do lado de fora?

2) O que você mais gostava de fazer quando estava lá fora? E o que você menos

gostava de fazer?

3) Pensando na sua vida aqui dentro, quando você se lembra da sua vida lá fora, do

que sente mais falta?

4) Fale um pouco sobre sua família. Como são as pessoas com quem você morava,

quem sustentava a casa? Como era a rotina da casa? (Se morava na rua, por

que deixou a família? Se morava na rua, como era a rotina da rua? Quem eram

seus companheiros?)

5) Você estava matriculado(a) em alguma escola? Em que série? (Se não estava

matriculado(a), estudou até que série?)

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6) Fale um pouco sobre a sua escola. Gostava de ir para a escola? Estudava para

quê?

7) Tinha amigos(as)? Fale sobre eles(as).

8) Qual foi o motivo que levou você a estar aqui na UNIS / UFI?

B) A VIDA POR TRÁS DOS MUROS

9) O que sentiu, o que pensou, quando entrou aqui?

10) Como é a sua rotina aqui na UNIS/UFI? Conte um pouco sobre como é o seu

dia, desde quando acorda até a hora de dormir.

11) Quais são as atividades que vocês têm durante a semana? De quais você

participa? Do que você mais gosta e do que menos gosta?

12) Como são os finais de semana? Fale um pouco sobre o dia da visita.

13) Como é sua relação:

Com os demais jovens?

Com os professores?

Com os técnicos (psicólogo(a), pedagogo(a), assistente social..) ?

14) Há diferenças entre ser uma jovem interna e em ser um jovem interno? Há

diferença no tratamento destinado às jovens e aos jovens? Quais?

15) Vocês têm namoradas(os) aqui na UNIS / UFI? Como é esse namoro? Tem

namoradas(os) fora daqui? Como é esse namoro a distância?

16) Para os meninos: O que vocês pensam sobre as jovens da UFI?

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185

Para as meninas: O que vocês pensam sobre os jovens da UNIS?

17) Como você acha que os funcionários vêem vocês? Como jovens, como

alunos(as), como adultos, como infratores(as)? Como a família vê vocês?

18) E como você se vê?

19) Para você, o que é juventude?

20) Como você vê a UNIS/UFI?

C) EM CIMA DO MURO

21) Quando você estava lá fora, como você imaginava que seria a sua vida? Pode

ser sonho mesmo. Quando lhe perguntavam “o que você vai ser quando

crescer?”, o que você respondia, ou em que você pensava?

22) Pensando em termos de realidade, lá fora, como você imaginava o seu futuro?

Por quê?

23) Pensando na realidade de agora, neste momento de privação de liberdade, o

que você pensa para daqui a uns anos? Por quê?

24) Como você vê o seu futuro? Você tem planos para o futuro? O que você

imagina para a sua vida? Por quê?

25) Como você acha que vai ser quando sair da UNIS/UFI?

26) Se tivesse o poder de mudar algo, o que você mudaria na sua vida?

27) Pensando em você agora, mudou alguma coisa em você depois da internação,

não mudou? O que mudou?...

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28) Daqui de dentro, como você vê o mundo lá fora?

29) Por que você acha que os jovens cometem infrações? O que os leva a fazerem

isso?

30) Você tem alguma revolta dentro de si? Contra o quê? Contra quem?

31) Fale sobre a felicidade.

32) Fale sobre a infelicidade/a tristeza/ a solidão/ a injustiça/o desamparo.

33) Como a entrevista acabou, você pode falar o que quiser.

Pode fazer um depoimento, contar casos, fazer desabafo, declamar poesia

Se quiser pode também deixar uma mensagem, uma música, uma poesia, uma

frase, para eu poder escrever no meu estudo/trabalho/pesquisa.

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ANEXOS

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ANEXO I - Música de Joana

BALADA PRA JOÃO E JOANA

(Skank)

Composição: Samuel Rosa e Chico

Amaral

Então os dois se acharam na

escuridão

Ela com os pés no chão e ele não

Seu destino cego a lhes conduzir

Sua sorte à solta a lhes indicar um

caminho

E dançavam lá em meio a tanta gente

Se encontraram ali

Djô Djô, o mundo está tão mau lá fora

Djô Djô, onde irão vocês agora

E tudo aconteceu

Quando as mãos se tocaram

Quando os olhos nem viram

Quando a noite chegou

Então eles se deram na convicção

Feitos um pro outro, mas por exclusão

Seu destino cego a lhes conduzir

Sua sorte à solta a lhes indicar um

caminho

E dançavam lá em meio a tanta gente

Se encontraram ali

Djô Djô, cai um temporal lá fora

Djô Djô, onde irão vocês agora

E tudo aconteceu

Quando as mãos se tocaram

Quando os olhos nem viram

Quando a noite chegou

E tudo estremeceu

As paredes do tempo

Os telhados do mundo

As cidades do céu

Eram os dois avessos aos normais

Ela com os pés no chão, e o chão se

abriu

Um abismo

E dançavam lá em meio a tanta gente

Se perderam ali

Djô Djô, nada pára, nada espera

Djô Djô, que o destino assim quisera

E tudo aconteceu

Quando as mãos se tocaram

Quando os olhos nem viram

Quando a noite chegou

E tudo estremeceu

As paredes do tempo

Os telhados do mundo

As cidades do céu

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ANEXO II – Música de Iolanda

IOLANDA

Chico Buarque

Composição: Pablo Milanés

Esta canção não é mais que mais uma

canção

Quem dera fosse uma declaração de

amor

Romântica, sem procurar a justa forma

Do que lhe vem de forma assim tão

caudalosa

Te amo,

te amo,

eternamente te amo

Se me faltares, nem por isso eu morro

Se é pra morrer, quero morrer contigo

Minha solidão se sente acompanhada

Por isso às vezes sei que necessito

Teu colo,

teu colo,

eternamente teu colo

Quando te vi, eu bem que estava certo

De que me sentiria descoberto

A minha pele vais despindo aos

poucos

Me abres o peito quando me acumulas

De amores, de amores,

eternamente de amores

Se alguma vez me sinto derrotado

Eu abro mão do sol de cada dia

Rezando o credo que tu me ensinaste

Olho teu rosto e digo à ventania

Iolanda, Iolanda, eternamente Iolanda

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ANEXO III – Música de Bia

LÉO E BIA

Oswaldo Montenegro

Composição: Oswaldo Montenegro

No centro de um planalto vazio

Como se fosse em qualquer lugar

Como se a vida fosse um perigo

Como se houvesse faca no ar

Como se fosse urgente e preciso

Como é preciso desabafar

Qualquer maneira de amar valia

E Léo e Bia souberam amar

Como se não fosse tão longe

Brasília de Belém do Pará

Como castelos nascem dos sonhos

Pra no real achar seu lugar

Como se faz com todo cuidado

A pipa que precisa voar

Cuidar de amor exige mestria

E Léo e Bia souberam amar

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ANEXO IV – Música de Natasha

NATASHA

Capital Inicial

Composição: Indisponível

Tem dezessete anos

E fugiu de casa

Às sete horas na manhã

Do dia errado

Levou na bolsa

Umas mentiras prá contar

Deixou prá trás

Os pais e o namorado...

Um passo sem pensar

Um outro dia

Um outro lugar

Pelo caminho

Garrafas e cigarros

Sem amanhã

Por diversão

Roubava carros

Era Ana Paula

Agora é Natasha

Usa salto quinze

E saia de borracha...

Um passo sem pensar

Um outro dia

Um outro lugar...

O mundo vai acabar

E ela só quer dançar

O mundo vai acabar

E ela só quer

Dançar, dançar, dançar...

Pneus de carros cantam...

Tem sete vidas

Mas ninguém sabe de nada

Carteira falsa

Com idade adulterada

O vento sopra

Enquanto ela morde

Desaparece antes

Que alguém acorde...

Cabelo verde

Tatuagem no pescoço

Um rosto novo

Corpo feito pro pecado

A vida é bela

O paraíso é um comprimido

Qualquer balaco

Ilegal ou proibido...

Um passo sem pensar

Um outro dia

Um outro lugar...

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ANEXO V – Música de Bete

BETE BALANÇO

Barão Vermelho

Composição: Cazuza e Frejat

Pode seguir a tua estrela

O teu brinquedo de 'star'

Fantasiando um segredo

No ponto a onde quer chegar...

O teu futuro é duvidoso

Eu vejo grana, eu vejo dor

No paraíso perigoso

Que a palma da tua mão mostrou...

Quem vem com tudo não cansa

Bete balança meu amor

Me avise quando for a hora...

Não ligue pr'essas caras tristes

Fingindo que a gente não existe

Sentadas, são tão engraçadas

Dona das suas salas...

Pode seguir a tua estrela

O teu brinquedo de 'star'

Fantasiando um segredo

No ponto a onde quer chegar...

O teu futuro é duvidoso

Eu vejo grana, eu vejo dor

No paraíso perigoso

Que a palma da tua mão mostrou...

Quem vem com tudo não cansa

Bete balança o meu amor

Me avise quando for a hora...

Quem tem um sonho não dança

Bete Balanço

Por favor!

Me avise quando for embora...

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ANEXO VI – Música de Fátima

FÁTIMA

Capital Inicial

Composição: Fê Lemos, Renato

Russo

Vocês esperam uma intervenção

divina

Mas não sabem que o tempo agora

está contra vocês

Vocês se perdem no meio de tanto

medo

De não conseguir dinheiro pra comprar

sem se vender

E vocês armam seus esquemas

ilusórios

Continuam só fingindo que o mundo

ninguém fez

Mas acontece que tudo tem começo

Se começa um dia acaba, eu tenho

pena de vocês

E as ameaças de ataque nuclear

Bombas de neutrons não foi Deus

quem fez

Alguém, alguém um dia vai se vingar

Vocês são vermes, pensam que são

reis

Não quero ser como vocês

Eu não preciso mais

Eu já sei o que eu tenho que saber

E agora tanto faz

Três crianças sem dinheiro e sem

moral

Não ouviram a voz suave que era uma

lágrima

E se esqueceram de avisar pra todo

mundo

Ela talvez tivesse um nome e era:

Fátima

E de repente o vinho virou água

E a ferida não cicatrizou

E o limpo se sujou

E no terceiro dia ninguém ressuscitou

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ANEXO VII – Música de Tereza

CADÊ TEREZA

Jorge Ben Jor

Composição: Indisponível

Cadê Tereza?

Onde anda

A minha Tereza?

Tereza foi ao samba lá no morro

E não me avisou

Será que arrumou outro crioulo

Pois ainda não voltou...

Mas!

Cadê Tereza?

Onde anda a minha Tereza?

Tereza minha nêga, minha musa

Eu gosto muito de você

Sou um malandro

Enciumado, machucado

Que espera por você...

Eu juro por Deus

Se você voltar

Eu vou me regenerar

Jogo fora o meu chinelo

Meu baralho

E a minha navalha

E vou trabalhar

Mas! Por Deus!

Cadê Tereza?

Aonde anda a minha Tereza?

Minha amada idolatrada

Salve! Salve!

A mais amada

Adorada do meu Brasil

Tereza a minha

Glória nacional...

-"Tereza!

O negocio é você voltar nêga

A rapaziada toda lá em cima

Já tá arrumando, olha aí!

Pintei e barraquinho

Todinho de azul e rosa

Todinho prá você, aquilo tudo

Tereza!

Cam bak minha nêga, cam bak

Sou malandro apaixonado

Caí na realidade que te amo

Só quero você

Depois de você Tereza

Bem depois, só o Flamengo

Olha aí!

Volta Tereza, volta

O negócio é você voltar"

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ANEXO VIII – Música de Maria

MARIA, MARIA

Millton Nascimento

Composição: Milton Nascimento e

Fernando Brant

Maria, Maria

É um dom, uma certa magia

Uma força que nos alerta

Uma mulher que merece

Viver e amar

Como outra qualquer

Do planeta

Maria, Maria

É o som, é a cor, é o suor

É a dose mais forte e lenta

De uma gente que ri

Quando deve chorar

E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força

É preciso ter raça

É preciso ter gana sempre

Quem traz no corpo a marca

Maria, Maria

Mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha

É preciso ter graça

É preciso ter sonho sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania

De ter fé na vida....

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ANEXO IX – Música de Ana

REFRÃO DE BOLERO

Engenheiros do Hawaii

Composição: Humberto Gessinger

Eu que falei:

"Nem pensar"

Agora eu me arrependo

Roendo as unhas

Frágeis testemunhas

De um crime sem perdão...

Mas eu falei

"Nem pensar"

Coração na mão

Como refrão de bolero

Eu fui sincero

Como não se pode ser...

E um erro assim, tão vulgar

Nos persegue a noite inteira

E quando acaba a bebedeira

Ele consegue nos achar...

Num bar!

Com um vinho barato

Um cigarro no cinzeiro

E uma cara embriagada

No espelho do banheiro...

Ana, Teus lábios são

Labirintos! Ana!

Que atraem os meus

Instintos mais sacanas

O teu olhar sempre distante

Sempre me engana

Eu entro sempre na tua

Dança de cigana

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ANEXO X – Música de Juraci

O PARQUE DE JURACI

Zeca Baleiro

Composição: Indisponível

Juraci me convidou preu ir

Num parque mais ela lá em Birigui

E eu vesti o meu terninho engomado

Alisado alinhado pra brincar com

Juraci

Já no caminho eu comi um

churrasquinho de charque

E um refresco de kiwui

E foi ficando divertido pra caramba

Juraci dançando samba enquanto eu

lia O Guarani

Mas já chegando

Eu tive o maior susto

E tentei a todo custo

Então crer no que vi

No lugar do parque

Um self-service por quilo

Fiquei puto com aquilo

E perguntei pra Juraci

Juraci que parque

Juraci que parque Juraci

que parque é esse que eu nunca vi

Juraci que parque

Juraci que parque Juraci

Quebrei o pau fiquei de mal com Juraci

(juro por Deus que odiei a Juraci)

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ANEXO XI – Música de Camila

CAMILA, CAMILA

Biquini Cavadão

Composição: Thedy Corrêa - Sady

Homrich - Carlos Stein

Depois da última noite de festa

Chorando e esperando amanhecer,

amanhecer

As coisas aconteciam com alguma

explicação

Com alguma explicação

Depois da última noite de chuva

Chorando e esperando amanhecer,

amanhecer

Às vezes peço a ele que vá embora

Que vá embora

Camila, Camila, Camila

A lembrança do silêncio daquelas

tardes

Daquelas tardes

A vergonha no espelho naquelas

marcas

naquelas marcas

havia algo de insano naqueles olhos

Olhos insanos

Os olhos que passavam o dia a me

vigiar, a me vigiar...oh...

Eu que tenho medo até de suas mãos

Mas o ódio cega e você não percebe

Mas o ódio cega

E eu que tenho medo até do seu olhar

Mas o ódio cega e você não percebe

Mas o ódio cega

Camila, Camila, Camila

Camila, Camila, Camila

E eu que tinha apenas 17 anos

Baixava a minha cabeça pra tudo

Era assim que as coisas aconteciam

Era assim que eu via tudo acontecer

E eu que tinha apenas 17 anos

Baixava minha cabeça pra tudo

Era assim que as coisas aconteciam

Era assim que eu via tudo acontecer

Camila, Camila, Camila

Camila, Camila, Camila

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ANEXO XII – Música de Judite

NÊGA JUDITE

Zeca Pagodinho

Composição: Dimenor/Eduardo/Silva

Pra Judite

Eu já mandei avisar

To querendo casar com Edite

Mas a nega me disse que não admite

Me deu um palpite

Isso não vai prestar

Edite é ruim de segurar

E Judite não quer que eu me irrite

Já bateu pra Zenite

que disse o desquite

Eu não vou assinar

Edite é nega de elite

Pra que se conquiste não pode brincar

Mas eu não sou brincadeira e olhei pra Edite querendo ficar

Judite ficou de bobeira e bateu pra Zenite o que aconteceu

Edite tocou a elite e tem um requinte que é muito mais eu

A mãe de Zenite tece esquisitice

Sabendo que Edite era minha mulher

E dona Clarice zombando me disse:

Meu filho Edite já vai dar no pé

Foi dito e feito depois de três meses

Edite deixava o meu

barracão

Voltei pra Zenite que disse sorrindo:

Pretinho, tu mora no meu coração

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ANEXO XIII – Música de Zoraide

ZORAIDE

Ultraje A Rigor

Composição: Indisponível

Já não sei se te quero

Acho que não quero

Me cansei de namorar

Essa história de uma só

Zoraide tenha dó

Eu quero mais é variar

Fica com esse NHÉM-NHÉM-NHÉM

Na minha orelha

Me chateia

Eu já não agüento mais

Quero fazer o que me der na telha

Zoraide , vê se não me pentelha

Já não sei se te quero

Acho que não quero

Me cansei de namorar

Essa história de uma só

Zoraide tenha dó

Eu quero mais é variar

Fica com esse NHÉM-NHÉM-NHÉM

Na minha orelha

Me chateia

Eu já não agüento mais

Quero fazer o que me der na telha

Zoraide , vê se não me pentelha

Para com essa história chata

Que coisa mais chata

Eu não quero me casar

Só porque já foi legal

E etc. e tal

Não quer dizer que eu vou encarar

Fica juntando enxoval

Pede um fogão de natal

Diz que eu me visto mal

Que eu sou um cara chulé

Que mulher !!!

Eu já não agüento mais

Quero fazer aquilo

Que eu quiser

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201

ANEXO XIV – Música de Carolina

CAROLINA

Seu Jorge

Composição: Seu Jorge

Carolina é uma menina bem difícil de

esquecer

Andar bonito e um brilho no olhar

Tem um jeito adolescente que me faz

enlouquecer

E um molejo que não vou te enganar

Maravilha feminina, meu docinho de

pavê

Inteligente, ela é muito sensual

Te confesso que estou apaixonado por

você

Ô Carolina isso é muito natural

Ô Carolina eu preciso de você

Ô Carolina eu não vou suportar não te

ver

Carolina eu preciso te falar

Ô Carolina eu vou amar você

De segunda a segunda eu fico louco

pra te ver

Quanto eu te ligo você quase nunca

está

Isso era outra coisa que eu queria te

dizer

não temos tempo então melhor deixar

pra lá

a princípio no Domingo o que você

quer fazer

faça um pedido que eu irei realizar

olha aí amigo eu digo que ela só me

dá prazer

Essa mina Carolina é de abalar, ô

Ô Carolina eu preciso de você

Ô Carolina não vou suportar não te ver

Carolina eu preciso te falar

Ô Carolina eu vou amar você

Eu vou amar você,

Pois eu vou te dar muito carinho;

Vou te dar beijinho no cangote.

Ôi Carolina

Menina Bela, Menina Bela

Maravilha de menina

Carolina, preciso te encontrar

Carolina, me sinto muito só

Carolina, preciso te dizer

Ô Carolina eu só quero amar você

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202

ANEXO XV – Música de Rubens

RUBENS

Cássia Eller

Composição: Mário Manga

Eu nunca quis te dizer

Sempre te achei bacaninha

O tempo todo sonhando

A tua vida na minha

O teu rostinho bonito

Um jeito diferentão

De olhar no olho da gente

E de criar confusão

O teu andar malandrinho

O meu cabelo em pé

O teu cheirinho gostoso

A minha vida de ré

Você me dando uma bola

E eu perdido na escola

Essa fissura no ar

Parece que eu tô correndo

E sem vontade de andar

Quero te apertar

Quero te morder e já

Quero mas não posso, não, porque:

- Rubens, não dá

A gente é homem

O povo vai estranhar

Rubens, pára de rir

Se a tua família descobre

Eles vão querer nos engolir

A sociedade não gosta

O pessoal acha estranho

Nós dois brincando de médico

Nós dois com esse tamanho

E com essa nova doença

O mundo todo na crença

Que tudo isso vai parar

E a gente continuando

Deixando o mundo pensar

Minha mãe teria um ataque

Teu pai, uma paralisia

Se por acaso soubessem

Que a gente transou um dia

Nossos amigos chorando,

A vizinhança falando,

O mundo todo em prece

Enquanto a gente passeia,

Enquanto a gente esquece

Rubens, será que dá?

A gente é homem

O povo vai estranhar

Rubens pára de rir

Se a tua família descobre

Eles vão querer nos engolir

Rubens, eu acho que dá pé

Esse negócio de homem com homem,

Mulher com mulher

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203

ANEXO XVI – Música de Rita

A RITA

Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

A Rita levou meu sorriso

No sorriso dela

Meu assunto

Levou junto com ela

O que me é de direito

E arrancou-me do peito

E tem mais

Levou seu retrato, seu trapo, seu prato

Que papel!

Uma imagem de São Francisco

E um bom disco de Noel

A Rita matou nosso amor

De vingança

Nem herança deixou

Não levou um tostão

Porque não tinha não

Mas causou perdas e danos

Levou os meus planos

Meus pobres enganos

Os meus vinte anos

O meu coração

E além de tudo

Me deixou mudo

O violão