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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
Priscila Bisognin
COSTURANDO SABERES E PRTICAS DE CUIDADO NO
CLIMATRIO
Santa Maria, RS
2016
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Priscila Bisognin
COSTURANDO SABERES E PRTICAS DE CUIDADO NO CLIMATRIO
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa
de Ps-Graduao em Enfermagem, rea de
Concentrao Cuidado, Educao e Trabalho em
Enfermagem e Sade da Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestre em
Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Lcia Beatriz Ressel
Santa Maria, RS
2016
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AGRADECIMENTOS
memria dos homens mais importantes da minha vida: meu pai Dirceu Antnio Bisognin
e meu av, ngelo Bisognin.
minha me-av e professora, Madalena Rossato Bisognin, minha referncia de luta, vida
e de sabedoria. Infelizmente no pode lembrar o quanto seu zelo me trouxe at aqui.
minha me, Leonir Ins Baldissera Faccin que, mesmo distante desde os trs anos de
idade, seus braos sempre estiveram abertos para me acolher.
tia Isabel e ao tio Oscar, no s pelo lugar na sua casa, mas pelo lugar que me deram em
suas vidas nestes dois anos, e agora para toda vida.
Ao meu amorzo, Cldio Santacattarina, agradeo apoio, dedicao e incentivo.
Obrigada por ser esta pessoa amorosa e de corao enorme. Obrigada por me ajudar nos
gastos, que mesmo com a bolsa da CAPES, no davam conta at porque todo ms tinha um
bichinho da rua que recolhamos e cuidvamos; obrigada por trocar a areia do Tigro e da
Anita, trocar a gua e dar comida todos os dias enquanto estive fora. Por cuidar muito bem
deles e de mim. Obrigada pela pacincia e pela calma que me dedicaste neste tempo. Eu amo
tu, amorzo!
minha professora e orientadora Lcia Beatriz Ressel meu profundo agradecimento
por ser pessoa sensvel, sbia e de voz calma, por entender o tempo de cada passo, e por ter
acolhido a arte nesse processo de pesquisar em enfermagem e na sade da mulher. Desde a
graduao sabe das lutas e das superaes que tive e o quanto sua presena, o estar junto, me
tornou mais corajosa. Por fim, agradeo pelos anos de caminhada, pelos saberes construdos,
pelas atitudes e palavras de significado e, certa de que ser minha referncia por onde eu
estiver, ento, meu muito obrigada!
Lisie Alende Prates, Camila Neumaier Alves, vocs so simplesmente
maravilhosas, meu exemplo de primor, esforo e dedicao. Las Antunes Wilhelm
obrigada por sempre estar disposta a ajudar, pelas orientaes e esclarecimentos sempre to
pertinentes! Obrigada meninas pela leveza de alma, e pela alegria que incentiva sempre!
minha companheira de mestrado, de lonjuras e de esperas na rodoviria, Cleu!
Obrigada pelos ensinamentos e companheirismo!
Thayn Champe da Silva, minha primeira coorientanda, obrigada pela possibilidade
de ensinar, mas, sobretudo de aprender. Entre tantas experincias, essa me permitiu um
grande crescimento enquanto mestranda.
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todas as meninas que integram a linha de pesquisa Saberes e prticas de
cuidado sade da mulher nos diferentes ciclos de vida do Grupo de Pesquisa
Cuidado, Sade e Enfermagem, especialmente Ju, Lu, Dessa e Marcella, da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Obrigada pela parceria e aprendizado de cada
encontro.
Aos alunos do curso de Enfermagem da UFSM, com os quais pude vivenciar a
docncia durante as aulas tericas e prticas. Mostraram-me que a real docncia passa pelo
caminho da alegria, criatividade e amor pelo que se faz.
banca examinadora, docentes que tm minha admirao! Meu agradecimento pelas
contribuies e pelo olhar atento voltado a este trabalho.
A todo o corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem
(PPGEnf) da UFSM pelo crescimento oportunizado durante o mestrado;
A cada uma das participantes deste estudo, mulheres corajosas, obrigada pelo
aprendizado, pelos risos e por compartilharem suas lutas, alegrias e f diante da vida. Meu
muito obrigada!
Equipe da ESF Barraco pelo espao cedido para a realizao das oficinas, mas,
sobretudo, pela acolhida.
Secretaria Municipal de Sade de Bento Gonalves pelo apoio e compreenso da
importncia desta pesquisa;
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), como
bolsista, pelo apoio financeiro.
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A experincia, a possibilidade de que algo nos acontea
ou nos toque requer um gesto de interrupo, um gesto que
quase impossvel nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar;
parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinio, suspender o juzo, suspender
a vontade, suspender o automatismo da ao, cultivar a
ateno e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentido, escutar aos
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
pacincia e dar-se tempo e espao(BONDIA, 2002, p. 24).
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RESUMO
Dissertao de Mestrado
Programa de Ps-Graduao em Enfermagem
Universidade Federal de Santa Maria
COSTURANDO SABERES E PRTICAS DE CUIDADO NO
CLIMATRIO AUTORA: Priscila Bisognin
ORIENTADORA: Prof Dr. Lcia Beatriz Ressel
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 26 de fevereiro de 2016.
Mais que uma fase da vida da mulher, que pode passar despercebido pelos servios de sade,
o climatrio um perodo de grandes significados e que precisa ser vivido na sua plenitude.
Nessa perspectiva, compreender o contexto sociocultural de cada mulher contribui para que o
enfermeiro desenvolva suas prticas pautadas na compreenso ampliada dos determinantes do
processo sade-doena. Assim, este estudo teve o objetivo de conhecer os saberes e as
prticas de cuidado no climatrio de mulheres vinculadas a uma Estratgia de Sade da
Famlia do municpio de Bento Gonalves, RS. Trata-se de uma pesquisa de campo, descritiva
com abordagem qualitativa, com escolha intencional de oito participantes para o estudo.
Critrios de incluso: para garantir que todas as participantes tivessem condies
psicocognitivas de participar do processo de produo dos dados, foi solicitado ao mdico ou
enfermeiro que indicassem as possveis participantes; includas mulheres residentes na rea de
abrangncia da ESF cenrio deste estudo, nas idades entre 40 e 65 anos. E como critrios de
excluso, mulheres que realizaram ooforectomia bilateral associada, ou no, histerectomia.
Os dados somente foram produzidos aps a aprovao do projeto pelo Comit de tica em
Pesquisa da UFSM sob CAAE 39318614.0.0000.5346. A principal tcnica de produo de
dados foi a entrevista grupal no contexto da oficina de bonecas de pano e para a
caracterizao do grupo, a entrevista semiestruturada individual que ocorreram entre fevereiro
e maro de 2015, de modo que aps o processo de transcrio, os dados foram analisados por
meio da proposta operativa de Minayo. Os ncleos temticos foram os seguintes: Encontro
de mulheres no climatrio: aspectos e impresses; Alinhando a costura: Saberes acerca do
climatrio; Saberes e prticas de cuidado sade no climatrio: costuras entre o aprendido, o
dito e o velado e Cuidados necessrios no climatrio: tramas entre afetos e religiosidade. As
prticas de cuidado sade desenvolvidas abrangem, desde as prticas populares, como o uso
de chs, alimentao, atividades de lazer e a prtica da religiosidade. O aprendido sobre o
climatrio ou menopausa refora o aprendizado que ocorre entre as mulheres, entre as
geraes, em que o conhecimento construdo de me para filha, de av para neta, entre
amigas ou no local de trabalho e de forma pontual, observou-se a influncia de alguns
profissionais de sade no cuidado desenvolvido pelas participantes. Vislumbra-se a
necessidade de se ampliar a ateno dispensada a esse pblico feminino por partes dos
profissionais de sade, especialmente o enfermeiro, bem como de se reforar o apoio social
destas mulheres. Descritores: Enfermagem. Cuidados de enfermagem. Sade da Mulher.
Climatrio. Cultura.
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ABSTRACT
Masters Thesis
Post-Graduation Program in Nursing
Federal University of Santa Maria
BUILDING KNOWLEDGE AND CARE PRACTICES IN THE CLIMATERIC
AUTHOR: Priscila Bisognin
ADVISOR: Professor Dr Lcia Beatriz Ressel
Date and Place for Defense: Santa Maria, February 26th
, 2016
More than one phase in a woman's life, which can pass unnoticed by the health services, the
menopause is a period of great significance that needs to be lived in its fullness. In this
perspective, understanding the sociocultural context of each woman contributes to the nurses
develop their practices based on increased understanding of the determinants of health-disease
process. Thus, this study had as objective to know the knowledge and care practices in
climacteric women linked to Family Health Strategy in a city from Bento Gonalves, RS. This
is a field research, descriptive with qualitative approach and intentional choice of eight
participants for the study. Inclusion criteria: to ensure that all participants had
psychocognitive able to participate in the data production process, we asked the doctor or
nurse to indicate the possible participants also were included women living in the ESF
coverage area that was the scene of this study in the ages between 40 and 65 years. And as
exclusion criteria, women who underwent bilateral oophorectomy associated or not to
hysterectomy. The data were produced only after approval of the project by the Research
Ethics Committee of UFSM under CAAE 39318614.0.0000.5346. The main data production
technique was the group interview in the context of cloth doll workshop and to characterize
the group, individual semi-structured interview that occurred between February and March
2015, so that after the transcription process, the details were analyzed by the operative
proposal of Minayo. The thematic groups were the followings: Women meeting of the
climacteric: aspects and impressions; Aligning the seam: knowledge about the climacteric;
Knowledge and health care practices during menopause: seams between the learned, and said
the veiled and necessary care during menopause: plots between affection and religiosity.
Developed health care practices cover from the popular practices, such as using showers,
leisure activities, the practice of religion. The learned on perimenopause or menopause
enhances the learning that occurs among women and generations, in which knowledge is
constructed from mother to daughter, from grandmother to grand-daughter, among friends or
in the workplace and in a punctual manner, observed The influence of some health
professionals in the care developed by the participants. It aimed the need to increase the
attention given to this female audience for parts of health professionals, especially nurses, as
well as to reinforce the social support these women. Key words: Nursing. Nursing care.
Women's Health. Climacteric. Culture.
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LISTA DE ILUSTRAES
Imagem 1 - Cenrio da pesquisa............................................................................................35
Imagem 2 - Materiais da oficina............................................................................................42 Imagem 3 - Basto da fala......................................................................................................42 Imagem 4 - Ambiente da oficina............................................................................................43
Imagem 5 - Bonecas construdas pelas participantes...........................................................44
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO A Autorizao da Secretaria de sade de Bento Gonalves...........................113
ANEXO B Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa da UFSM...............114
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LISTA DE APNDICES
APNDICE A - Lembrete e agradecimento dos encontros.............................................102 APNDICE B - Roteiro para entrevista Semiestruturada individual............................103
APNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido......................................106
APNDICE D - Roteiro para a oficina de bonecas..........................................................108
APNDICE E - Roteiro entrevista Grupal.......................................................................110
APNDICE F - Termo de Confidencialidade...................................................................111
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SUMRIO
1 COSTURAS INICIAIS ....................................................................................................... 14
2 TECITURAS COM A LITERATURA ............................................................................. 20
2.1 TECENDO ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O CUIDADO ............................. 20
2.2 COSTURANDO CONCEPES SOBRE CULTURA E SADE .................................. 23
2.3 ARREMATANDO OLHARES PARA O CLIMATRIO/MENOPAUSA ..................... 26
3 COSTURANDO A METODOLOGIA .............................................................................. 33
3.1 TIPO DE ESTUDO ............................................................................................................ 33
3.2 CENRIO DO ESTUDO ................................................................................................... 34
3.3 POPULAO E PARTICIPANTES DO ESTUDO ......................................................... 35
3.4 PRODUO DOS DADOS .............................................................................................. 37
3.5 ANLISE DOS DADOS ................................................................................................... 45
3.6 ASPECTOS TICOS ......................................................................................................... 46
4 RESULTADOS E DISCUSSES ...................................................................................... 49
4.1 ENCONTRO DE MULHERES NO CLIMATRIO: ASPECTOS E IMPRESSES ...... 49
4.2 ALINHANDO A COSTURA: SABERES SOBRE O CLIMATRIO ............................. 53
4.2.1 s vezes os vulos vm: saberes acerca do climatrio/menopausa ........................... 54
4.2.2 Eu no sou mais a mesma: significados de ser mulher na menopausa .................... 57
4.3 SABERES E PRTICAS DE CUIDADO SADE NO CLIMATRIO: COSTURAS
ENTRE O APRENDIDO, O DITO E O VELADO ................................................................. 66
4.4 CUIDADOS NECESSRIOS NO CLIMATRIO: TRAMAS ENTRE AFETOS E
RELIGIOSIDADE ................................................................................................................... 79
5 COSTURAS FINAIS ........................................................................................................... 85
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 89
APNDICES ......................................................................................................................... 101
ANEXOS ............................................................................................................................... 112
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1 COSTURAS INICIAIS
Pensar, discutir ou escrever sobre o climatrio/menopausa torna-se imprescindvel, j
que por muito tempo este tema ou este pblico feminino, na histria da sociedade, esteve
atrelado ao silncio, preconceito ou falta de informaes. Em virtude disso, h muito que
investigar e, principalmente, escutar sobre o que as mulheres nesta fase de vida esto fazendo
para se cuidar, como vivem esse perodo, o que sabem sobre os cuidados que devem/podem
realizar, ou com quem aprenderam tais cuidados. Dar voz e protagonismo a elas um bom
caminho para se pensar o cuidado para e com essas mulheres, principalmente no que cabe ao
enfermeiro como integrante de equipe multidisciplinar.
Imergindo no entendimento ou uso das palavras menopausa e climatrio, tais termos
so tratados como sinnimos pelas mulheres nessa fase de vida (VALENA; GERMANO,
2010; ROCHA; ROCHA, 2010). Dessa forma, ambos os termos sero encontrados neste
estudo para referir a essa etapa da vida da mulher, embora menopausa seja o termo mais
conhecido popularmente. Tambm cabe reiterar que o conceito utilizado nesta pesquisa
aquele que compreende o climatrio a partir de uma dimenso multifatorial, ou seja, que
contemple no somente os aspectos biolgicos, mas os socioculturais, os espirituais, entre
outros. Portanto, cabe lembrar que na abordagem da mulher no climatrio fundamental no
se restringir ao aspecto fisiolgico, j que e as mudanas corporais esto cercados por
aspectos psicolgicos e culturais, alm de mitos e desigualdades sociais e de gnero
(GARCIA; GONALVES; BRIGAGO, 2013). Nessa mesma direo, Zanotelli et al.,
(2012), tambm reforam que o climatrio no determinado somente pela cronologia ou
pela interrupo das menstruaes, mas pela condio social e cultural na qual a mulher est
inserida, assim a percepo das queixas, quando ocorrem, variam de acordo com a cultura, o
nvel socioeconmico e os fatores individuais. Cabe portanto, compreender a cultura como
um sistema simblico, no entendida como uma cincia experimental em busca de leis, mas
como uma cincia interpretativa, procura do significado (GEERTZ, 1973).
A Organizao Mundial da Sade define climatrio como um processo fisiolgico e
natural da vida da mulher e que compreende a transio entre o perodo reprodutivo e o no
reprodutivo da sua vida (BRASIL, 2008a). Por outro lado, a menopausa um marco
delimitador do climatrio, correspondendo ao ltimo ciclo menstrual da mulher, e sendo
somente reconhecida depois de passados 12 meses da sua ocorrncia. Acontece geralmente
em torno dos 48 aos 50 anos de idade (BRASIL, 2008a). Destaca-se, ainda, que a idade A
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idade na qual se inicia o climatrio varivel, mas admite-se ser ao redor dos 40 anos
(FEBRASGO, 2004). Ainda o climatrio pode ter algumas classificaes como a pr-
menopausa, com a presena de ciclos menstruais regulares e ausncia de queixas;
perimenopausa, perodo de tempo prximo da menopausa, cujas alteraes hormonais
tornam-se mais intensas, gerando um encurtamento ou alongamento dos ciclos, alm daqueles
considerados normais, e a ps-menopausa, caracterizada pela ausncia de menstruao h um
ano ou mais (BRASIL, 2008a). Nessa direo, o climatrio corresponde fase da vida da
mulher onde ocorre a transio do perodo reprodutivo at a senectude e varia, em geral, dos
40 aos 65 anos, segundo a OMS (FEBRASGO, 2004). Transio essa, caracterizada por
influncias socioculturais, biolgicas e espirituais que repercutem na vida da mulher que vive
esta fase. Ainda observa-se que o processo de envelhecimento pode ser observado neste
perodo, em que as repercues desse processo variam de acordo com cada mulher. Este
processo provoca no organismo alteraes biolgicas e psicossociais; porm na velhice que
o envelhecer surge de forma mais evidente. Com relao velhice, esta pode ser
compreendida como a ltima fase do envelhecer humano, pois esta no um processo como o
envelhecimento, um estado que caracteriza a condio do ser humano idoso (SANTOS,
2010).
Sabe-se em parte, que a relativa ateno direcionada ao climatrio, no passado esteve
relacionada menor expectativa de vida feminina em que poucas mulheres chegavam nessa
fase, fato esse que se modificou com o progressivo aumento dos anos de vida desse pblico,
especialmente a partir do sc. XX (LORENZI et al., 2009). A mdia nacional a respeito da
expectativa de vida feminina, segundo levantamento, de 78,6 anos quando comparada a dos
homens, de 71,3 anos, j nos estados do Esprito Santo, Distrito Federal, So Paulo e Rio
Grande do Sul, as mulheres ultrapassaram a barreira dos 80 anos (IBGE, 2010a). Esse
aumento de expectativa de vida vai ao encontro de dados que demostram ter o Brasil reduzido
em 12% a mortalidade feminina nos ltimos dez anos, de no perodo de 2000 a 2010 ter
havido reduo da taxa de mortalidade de 4,24 bitos por 100 mil mulheres para 3,72. Esses
nmeros fazem parte do estudo Sade Brasil, de publicao do Ministrio da Sade, sendo
que a maior reduo foi verificada na regio Sul, com queda de 14,6%, seguida pela regio
Sudeste 14,3% (BRASIL, 2012a). Ainda segundo estimativas do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE, 2010b), o Brasil tem 97 milhes de mulheres, das quais pouco
mais de trinta milhes esto na fase do climatrio.
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Nessa perspectiva, salienta-se que aps a menopausa, que ocorre em torno dos 50
anos, as mulheres dispem de cerca de um tero de suas vidas, que pode e deve ser vivido de
forma saudvel, lcida, com prazer, com plena atividade e produtividade (BRASIL, 2008a).
Dessa forma, reconhecida a importncia de preservar o bem-estar e a qualidade de vida no
climatrio tendo em vista o aumento de mulheres que o vivenciam, frente mudana do perfil
populacional decorrente da elevao na expectativa de vida das brasileiras e da populao
mundial (VALENA; GERMANO, 2010). Para os mesmos autores tambm h carncia de
polticas pblicas em sade da mulher que contemple essa fase, haja vista a existncia de uma
variedade de morbidades que podem acomet-las durante o climatrio e de relevante impacto
para o campo da sade coletiva. Esta, por sua vez, toma como objeto as necessidades de
sade, ou seja, todas as condies necessrias no apenas para evitar a doena e prolongar a
vida, mas para melhorar a qualidade de vida e possibilitar permitir o exerccio da liberdade
humana na busca da felicidade (SANTOS et al., 2012).
Nesse sentido, entende-se o cuidado como uma prtica que se d nas relaes sociais e
como prtica social que agrega movimentos de aproximao dos saberes populares com os
cientficos (BUD et al., 2008). Prtica o resultado da relao dialtica entre um fato e um
habitus, em que o habitus onde se origina a percepo, a apreciao e ao, que se realiza
em determinadas condies sociais (ACIOLI et al., 2014). Com relao s prticas de sade,
estas so construdas por meio de diversos habitus e so guiadas por inmeras influncias
institucionais, familiares e pertencentes ao grupo social de que fazem parte (ACIOLI et al.,
2014). Nessa perspectiva as atividades de cuidados de sade precisam ser estudados de forma
holstica, como respostas socialmente organizadas, para a doena, que constituem um sistema
cultural especial: o sistema de cuidados de sade, o qual social e culturalmente construdo
(KLEINMAN, 1980). O autor refere que componentes relacionados com a sade da sociedade
incluem os padres de crena sobre as causas das doenas; as normas que regem a escolha e
avaliao do tratamento; status socialmente legitimados, papis, relaes de poder e as
configuraes de interao e instituies. Nessa direo preciso levar em considerao os
diversos componentes que se entrelaam e influenciam as prticas de cuidado que as mulheres
em climatrio realizam.
Sabe-se que mesmo com os esforos governamentais para executar estratgias de
humanizao e qualificao na ateno sade das mulheres, a ateno durante o climatrio,
atrelados ao SUS ainda incipiente em muitos servios no cenrio atual. Esses no do conta
da complexidade referente sade da mulher nessa fase, e que se expressa nas mais variadas
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especificidades, necessidades e diferenas (LEITE et al., 2012). Nesse sentido, ainda se
observa a fragmentao das aes direcionadas a esse grupo da populao feminina,
priorizando-se a assistncia da sade da mulher aos aspectos da reproduo e aos agravos
sade (PEREIRA; SIQUEIRA, 2009). Coelho et al. (2009), reforam a questo referida,
dizendo que as prticas de cuidado direcionadas sade da mulher so pautadas pelo modelo
biomdico, que, na maioria das vezes, abarca somente algumas especificidades femininas,
enfocando sobretudo os aspectos relacionadas sade sexual e reprodutiva em seu sentido
mais amplo. Frente a essa situao, fundamental deciso poltica por parte dos gestores, a
qual inclua, no planejamento de aes voltadas ao pleno envolvimento das mulheres em
climatrio, recursos financeiros, busque apoio tcnico de especialistas em perspectiva
interdisciplinar e multisetorial, envolva, ainda, a sociedade civil, dentre outros elementos que
podem contribuir para uma ateno integral a esse segmento da populao brasileira
(BRASIL, 2008a).
Ademais, o enfermeiro, ao atuar como membro de uma equipe multidisciplinar, pode
possibilitar o compartilhar de saberes, anseios, dvidas e sentimentos desse pblico. Com
isso, ratifica-se que, numa relao dialgica, onde o indivduo valorizado e motivado a
refletir sobre seu modo de vida e seus limites, especificamente as mulheres em fase de
climatrio podero ter espao para que reflitam sobre as alternativas de novos caminhos em
busca de uma convivncia melhor consigo mesmas e com seus pares (LEITE et al., 2012).
Nessa perspectiva, amarra-se o interesse da pesquisadora nesta temtica, que se iniciou
durante a graduao, a partir de vivncias em sala de espera no Hospital Universitrio de
Santa Maria, com mulheres em fase de climatrio, onde se percebeu o quanto essas mulheres
esto invisveis diante de alguns servios de sade e que, quando reunidas, suas falas
denunciavam a necessidade de um espao para partilharem seus saberes, necessidades,
dificuldades ou superaes. Nesse cenrio ento tambm se desenvolveu o Trabalho de
Concluso de Curso intitulado O vivenciar do climatrio na tica de mulheres: contribuies
para a enfermagem, que fortaleceu ainda mais o interesse pela temtica. Do mesmo modo, o
interesse se ampliou na participao no Grupo de Pesquisa Cuidado, sade e enfermagem,
na linha de pesquisa Saberes e prticas de cuidado sade das mulheres nos diferentes ciclos
da vida, em que so realizadas pesquisas e discusses acerca de eventos especficos aos
diferentes ciclos de vida das mulheres, numa perspectiva cultural.
O pblico estava escolhido, mas o que precisamente pesquisar ainda no estava claro.
Foi quando ao tomar conhecimento da agenda de prioridades em pesquisas na sade, do
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Ministrio da Sade, a qual enfatiza a necessidade de investigao dos determinantes
biolgicos e socioculturais dos problemas de sade associados ao climatrio e tambm com
relao s prticas de cuidado sade da mulher nessa fase (BRASIL, 2008b), que se
configurou o objetivo deste trabalho Aliou-se a isso, o estudo1 de tendncias da produo
cientfica dos programas de ps-graduao em enfermagem acerca do climatrio, no qual
apareceu que h uma nfase em relao sintomatologia e suas repercues na vida da
mulher. Revelou-se nesse estudo das tendncias que h poucas publicaes voltadas para as
prticas de cuidado que as mulheres realizam e relativas aes do enfermeiro na ateno
sade dessas mulheres. Realizou-se uma reviso integrativa com o objetivo de identificar na
literatura brasileira a produo cientfica acerca dos cuidados realizados por mulheres no
perodo do climatrio, destacando-se, na maioria delas, os cuidados realizados pelas mulheres,
o conhecimento acerca da vivncia ou da percepo delas sobre essa fase de vida, a busca da
identificao de suas perspectivas ou dos significados atribudos ao climatrio. Ainda, outras
abordaram a sintomatologia ou o tratamento adotado, as modificaes biopsicossociais, a
sexualidade e a vivncia sexual, a prtica de atividade fsica, uso de terapia de reposio
hormonal e a assistncia sade de mulheres em fase de climatrio. Apontou-se tambm que
as prticas populares, como o uso de chs, mesmo que pouco citados, revelaram-se formas
importantes para o cuidado. Esta reviso permitiu visualizar que as prticas de cuidado
sade, desenvolvidas pelas mulheres dos estudos analisados, voltaram-se para os aspectos
subjetivos, psicossociais e fsicos, mas que foram abordadas de forma breve nos estudos. Isso
reforou o entendimento de que pensar o cuidado no climatrio e sobre o que a mulher sabe e
o que faz com relao sua sade nessa fase para se cuidar essencial para que o enfermeiro
possa direcionar uma assistncia que abarque toda a dimenso humana.
Vale expor que essa caminhada se iniciou em Santa Maria, mas que por atalhos cheios
de vida chegou a Bento Gonalves-RS, atual residncia da pesquisadora. Ao mesmo tempo
em que foi necessrio descobrir a cidade, foi preciso conhecer o lugar de investigao,
construir vnculos, distanciar-se e aproximar-se para apreender o novo contexto de vida e de
pesquisa. A partir do exposto, das motivaes e justificativas j mencionadas, vislumbrou-se
o objeto do estudo que envolveu os saberes e as prticas de cuidado de mulheres acerca do
no climatrio, cuja questo orientadora foi: Quais so os saberes e as prticas de cuidado
1 Estudo desenvolvido na disciplina de Construo do Conhecimento em Sade e Enfermagem.
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no climatrio, de um grupo de mulheres vinculadas a uma Estratgia de Sade da Famlia do
municpio de Bento Gonalves? Nessa direo, apresenta-se o objetivo do estudo, que o de
conhecer os saberes e as prticas de cuidado no climatrio, de um grupo de mulheres
vinculadas a uma Estratgia de Sade da Famlia do municpio de Bento Gonalves.
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2 TECITURAS COM A LITERATURA
Com o intuito de sustentar teoricamente este estudo sero apresentados nesta reviso
da literatura alguns conceitos e temas relativos s prticas de cuidado, cultura e
climatrio/menopausa.
2.1 TECENDO ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O CUIDADO
Cuida-se de quem est para nascer, cuida-se de quem est para morrer; do corpo dos
outros; cuida-se da natureza, cuida-se dos animais e de ns mesmos. Assim, desde que existe
vida, os cuidados se fazem presentes e o cuidar, pode ser entendido tambm, como tomar
conta ou lutar contra a morte (COLLIRE,1999). Para essa mesma autora cuidar, velar, tomar
conta, diz respeito a um conjunto de atos que tem por fim e funo manter a vida dos seres
humanos, de modo a perpetu-la.
Nos primrdios da histria da humanidade, o cuidar envolvia distintos aspectos
relativos sobrevivncia. Estes eram divididos entre os homens e as mulheres. Atividades
como cuidar do territrio, repelir o inimigo, proteger a famlia e pertences materiais eram
exemplos de atividades ligadas ao homem. mulher cabia o cuidado das crianas, o
assegurar e manter a continuidade da vida humana, o cuidado com a alimentao, com o
manejo das plantas e o uso de suas propriedades medicinais (COLLIRE, 1999).
As prticas domsticas trazidas pela diviso sexual do trabalho, como a dedicao
casa, famlia, aos cuidados com os idosos, entre outras, teve por consequncia uma
capacitao da mulher para garantir ou compensar funes vitais desde o nascimento at a
morte (MORAIS et al., 2011). Assim os cuidados que tecem a trama da vida (COLLIRE,
1999, p.41) produzem rituais, hbitos, crenas sendo estudadas em determinadas fases da vida
como na infncia, na adolescncia, na gestao, no nascimento, na velhice e na iminncia da
morte. Dessa forma, os cuidados realizados pelas mulheres situavam-se em torno de um
corpo, tido como expresso da vida, individual ou coletiva. No entanto, o caminho de
institucionalizao do cuidado na sade se deu articulado formao do capitalismo,
atendendo a interesses poltico-ideolgicos que transformaram o cuidar pela preservao da
vida em cuidar para recuperar os corpos produtivos (COELHO; FONSECA, 2005).
O uso do termo cuidar tambm se refere a coisas ou objetos e, na rea da sade, ganha
um significado singular, pois cabe cuidar das coisas, dos seres vivos, todavia h de destacar
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que se trata de cuidar de um ser insubstituvel, que o indivduo (TORRALBA, 2009). Para
esse autor se a pessoa nica, singular, o cuidado tambm deve ser singular e abarcar as
especificidades de cada indivduo, pois cuidar de algum implica compreender e acompanhar
o ritmo do outro. Acompanhar no ritmo pode ser compreendido em dar o tempo necessrio
para que o cuidado se realize e no seja imposto. Para Waldow et al. (1995), o cuidado
significa carinho, estar atento ao outro, ter zelo e ateno. Isso permite ganhar concretude no
contexto da vida em sociedade. Assim sendo, mesmo que seja um atributo para todos os seres
humanos, na rea de sade e em especial na enfermagem, o cuidar/cuidado autntico e
especial, sendo essa a razo existencial da enfermagem. Contudo, a autora deixa muito
claro quando diz que o cuidar/ cuidado torna-se de certa forma sofrido e invivel quando
ocorre em situaes que caracterizam apenas o cumprimento de uma tarefa pelo enfermeiro
(WALDOW et al., 1995). Alm disso, Waldow (1998) permite compreender que o cuidar
pode ser entendido como comportamentos e aes que envolvem conhecimento, valores,
habilidades e atitudes realizadas no sentido de possibilitar as capacidades dos indivduos de
manter ou melhorar a condio humana no processo de viver e morrer, no qual ento, o
cuidado resultante ou originado do processo de cuidar. Nessa perspectiva, os indivduos
diferem, mesmo em um mundo social supostamente homogneo e, estas diferenas implicam
na maneira como os indivduos pensam e reagem doena e escolhem entre prticas de sade
disponveis para eles e avaliam a sua eficcia (KLEINMAN, 1980).
As crenas e comportamentos que constituem as atividades de cuidado so
influenciadas por instituies sociais particulares, pelos papis sociais e relacionamento
interpessoal, cenrios de interao, alm das restries econmicas, polticas, e muitos outros
fatores, incluindo, principalmente, as intervenes de tratamento disponveis e tipo de
problema de sade (KLEINMAN, 1980). Dessa forma, para Kleinman (1980) os sistemas de
cuidados de sade so social e culturalmente construdos e so formas de realidade social.
O cuidado na perspectiva cultural surge a partir do entendimento que os indivduos
vivem em lugares e contextos diversos e, dessa forma, se faz necessrio compreender e atuar
com essas pessoas. Nessa perspectiva, destaca-se Leininger (1991) que na dcada de 60 sua
teoria transcultural do cuidado, posteriormente denominada de Teoria da Diversidade e
Universalidade do Cuidado Cultural (TDUCC). Essa teoria surgiu a partir de vrias reflexes
de Leininger, bem como de sua prtica assistencial, pois quando trabalhou em um hospital
psiquitrico na dcada de 50, cuidando de crianas, percebeu que elas eram de diferentes
origens, e que isso exigia serem cuidadas de formas singulares (LEININGER, 1991). A partir
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de ento comeou a investigar a forma como as crenas, os valores e as prticas culturais
poderiam repercutir nos estados de sade e de doena dos indivduos e nos cuidados
desenvolvidos por eles LEINIGER (1991). Nessa direo, pode-se refletir sobre as prticas
populares de sade, compreendidas como qualquer forma de cura que no seja unicamente
pela via biomdica, mas aquela que abarca as aes advindas da cultura popular, como o
benzimento, uso da religiosidade e emprego de plantas ou ervas (OLIVEIRA, 2011;
MOURA, 2011).
De acordo com Leininger (1991), o processo sade-doena dos indivduos, familiares
e grupos intermediado pela cultura e o enfermeiro desenvolver aes coerentes se entender
que sua cultura pessoal e profissional poder ser diferente da dos indivduos, famlias e grupos
com quem est atuando. Com o intuito de formular a Teoria da Diversidade e Universalidade
do Cuidado Cultural, Leininger selecionou e utilizou constructos da antropologia e de cuidado
prprio da enfermagem, destacando que o cuidado culturalmente constitudo, chamando-o
de cuidado cultural (LEININGER, 1991). Nessa direo, o saber a respeito do cuidado
cultural primordial prtica do enfermeiro, pois ao considerar e compreender a cultura onde
se inserem as pessoas, considera-se, tambm, a complexidade da vida humana, o que contribui
profundamente na construo de um cuidado com qualidade (OLIVEIRA, 2011).
Dessa forma, certas crenas sobre as prticas de cuidado com a sade refletem as
experincias vividas, como questes nos mbitos fsicos, sociais, naturais e sobrenaturais
(HERRERA; POSADA, 2010). Alguns cuidados so voltados para a espiritualidade e para a
f a fim de superar dificuldades, outros se apropriam do uso de plantas ou ervas medicinais
para aliviar as dores do corpo ou da alma, e ainda h o setor profissional de cuidados de
sade, que compreende as profisses de cura organizadas, que na maioria das sociedades, isto
simplesmente a medicina cientfica moderna(KLEINMAN, 1980). No entanto, sejam quais
forem as prticas, elas so o fio que costuram as experincias culturais dos indivduos ou
grupos a respeito dos cuidados que realizam, ou lhes so direcionados, de modo que tais
experincias so aprendidas e socializadas. Nessa perspectiva o setor popular de cuidados de
sade pode ser pensado como uma matriz contendo vrios nveis: crenas e atividades
individuais, familiares, da rede social e da comunidade. o leigo, no profissional, no
especialista, arena da cultura popular em que a doena definida pela primeira vez e as
atividades de cuidados de sade so iniciadas (KLEINMAN, 1980).
Ressalta-se na esteira desse pensamento que a mulher provm de uma famlia e de
uma cultura, sendo sua vida permeada por inmeros acontecimentos que a fazem construir
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suas prticas de cuidado (REIS; SANTOS; JNIOR, 2012). Considerando que os seres
humanos aprendem uns com os outros, mesclam seus saberes e aprendem com a diversidade
de cuidados possveis, h, na sequncia, uma reflexo acerca da cultura como elemento
fundamental na construo dos saberes e prticas de cuidados das mulheres no perodo do
climatrio.
2.2 COSTURANDO CONCEPES SOBRE CULTURA E SADE
Neste estudo ser tecida a compreenso de cultura a partir do olhar antropolgico,
tomando com referencia principal o conceito de cultura de Clifford Geertz (1973), embora
outros autores contribuam para essa construo. Somente para situar, em 1973, Geertz
publicou A Interpretao das Culturas, livro que foi considerada uma influncia relevante
para uma gerao de cientistas sociais, de modo tambm que foi considerado o fundador da
antropologia interpretativa. Com isso Geertz (1973, p. 15) entende a cultura como uma rede
de signos e smbolos tecida pelo homem, o qual um animal amarrado a teias de significados
que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua anlise; portanto, no
como uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa,
procura do significado.
Desse modo preciso descrever no somente o que vemos ou ouvimos, de modo
superficial, ignorando o real sentido dos fatos, mas deve-se buscar o significado profundo do
visto e do ouvido, tal qual como se manifestam. A inteno de Geertz (1973) de que os
escritos antropolgicos sejam apresentados como interpretaes, pois essas interpretaes
esto procura de um significado. J os significados devem ser vistos como uma ao
simblica [], ou seja, uma ao que significa, como a fonao na fala, o pigmento na
pintura, a linha na escrita, ou a ressonncia na msica (Geertz, 1973, p. 20). Para
compreender um objeto esttico, ento, no se deve visar to somente sua forma, ou sua
tcnica; preciso buscar um lugar para arte no contexto das demais expresses dos objetivos
humanos, e dos modelos de vida a que essas expresses, em seu conjunto, do sustentao
(Geertz, 73, p. 145). Pode-se entender a partir disso que as produes de um grupo ou
comunidade, sejam artsticas ou no, tm significado para as pessoas que as produzem, e
somente elas podem dizer que significados so esses. Nessa lgica, no que confere aos objetos
estticos, a arte ou artesanato, ultrapassam a experincia no sentido restrito, nico, porque se
amarram aos vrios mbitos da cultura (OLIVEIRA, 2012).
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Aborda-se tambm a definio de Helman (2009) acerca de cultura, referindo-a um
conjunto de orientaes que os indivduos herdam como membros de uma sociedade
particular, as quais lhes dizem como ver o mundo, como vivenci-lo emocionalmente e como
se comportar em relao s outras pessoas e ao sobrenatural. Reforando o j dito, a cultura
tambm possibilita que as pessoas transmitam essas orientaes para a prxima gerao, pelo
uso de smbolos, arte ou artesanato e seus rituais.
Nessa perspectiva, a antroploga Ruth Benedict (1972) deixa claro que a cultura
como uma lente atravs da qual o homem v o mundo. Lente essa que direciona o modo como
cada ser humano v a sua prpria cultura e a dos outros. Essa autora ainda enfatiza que um
antroplogo, quando investiga uma determinada cultura, precisa levar em considerao a
vasta gama de costumes, compreender o modo como essas culturas se transformam e se
diferenciam, as formas diferentes como se expressam e a maneira como os costumes de
quaisquer povos funcionam na vida dos indivduos que os compem.
Nessa mesma direo, Helman (2009) destaca que a antropologia integrou-se melhor
enfermagem do que medicina e cita Leininger como figura importante na definio da
enfermagem transcultural. No h como se falar em sade sem se referenciar enfermagem.
No h como se falar de enfermagem se no considerarmos a cultura e as polticas de sade.
Assim, fazer enfermagem fazer-se dentro do contexto da sade e da cultura (SILVA et al.,
2008). Por isso, a Enfermagem Transcultural pretende possibilitar uma forma de cuidar que
seja sensvel e tenha origem nas necessidades do indivduo, sua famlia e grupos culturais
(LEININGER, 2006). Ela tem o foco em proporcionar um atendimento significativo e
resolutivo para as pessoas, de acordo com seus valores culturais e seu contexto de sade-
doena, pois ultrapassa a simples noo de culturas diferentes, pois pautada nas crenas, nos
saberes de cada indivduo, o que pode determinar o tipo de prticas de cuidado realizado e
desejado, direcionando os usurios nos servios de sade (MOURA; CHAMILCO; SILVA,
2005).
Laraia (2009) refere que o fato de o homem, na maioria das vezes, ver o mundo
atravs da sua prpria cultura contribui para que ele acredite que o seu modo de vida o mais
correto e aceitvel. Tem-se a o discurso que produz o etnocentrismo, responsvel por grande
parte dos conflitos sociais e religiosos, entre outros. Ainda para o autor, embora um indivduo
pertena a uma determinada cultura, ela sempre limitada, pois nem sempre possvel seguir
todos os rituais que abarca. No raro se ver indivduos que, ao tentarem fugir de normas
culturais mais rgidas, so vtimas de violncia, so excludos e, muitas vezes, precisam
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procurar abrigo em outras culturas para viver ou sobreviver. A cultura que diferencia os
povos e uma nao da outra o que faz com que sejamos autnticos, pois somos produtos do
meio e produtos para o meio. Assim sendo, pertencemos a um processo coletivo e no
individual na qual nossas experincias cristalizadas entram em confronto com as novas e
possibilitam mudanas e evolues (BATISTA, 2010).
Assim, tudo que est relacionado com a experincia humana, com o modo de viver e
estar no mundo so resultados do cotidiano cultural, do qual o indivduo faz parte. Dessa
forma, as prticas de sade, o processo de adoecimento, bem como de perceber o prprio
corpo tm caractersticas prprias em cada cenrio cultural. Helman (2009) refere que
algumas crenas e costumes explicam a m sade como sendo atribuda a foras
sobrenaturais, feitio ou castigo divino. Com isso, ao longo da histria, na perspectiva de lutar
pela sobrevivncia, de aumentar a longevidade e a defesa da vida, foram criadas instituies,
polticas e figuras personificadas, encarregadas de cuidar da sade das pessoas, entre elas o
Sistema nico de Sade, o sacerdote, o guru, o mdico, o sanitarista, etc. sendo esses
encarregados de produzir sade, interferindo nos valores culturais tradicionais em nome da
defesa da vida (CAMPOS, 2002). Por isso, antes de qualquer aproximao com o intuito de
cuidar da sade de algum, deve-se primeiramente levar em considerao que a cultura
influencia as prticas de cuidado sade das pessoas. A cultura determina a existncia, a
forma como se procede, o modo de ser e como se quer ser cuidado. Portanto, ao se buscar
compreender os contextos de cuidados de sade de qualquer sociedade preciso levar em
considerao aspectos sociais, polticos, religiosos e econmicos, alm dos aspectos fsicos,
espirituais e mentais (HELMAN, 2009).
Alm disso, as crenas e os rituais que acompanham cada fase da vida da mulher se
inscrevem em seus corpos, como o incio e o fim da menstruao, por exemplo. Dessa forma,
em algumas culturas, com a chegada da menopausa, as mulheres ganham uma representao
masculina em funo de que esse evento permitido invaso nos domnios considerados
como masculinos (MOTTA-MAUS, 2008). Tambm na Inglaterra do sculo XIX, segundo a
concepo popular das mulheres, a menopausa marcava a sua liberdade em funo do jugo da
necessidade da contracepo, da debilidade advinda do parto e da maldio da menstruao
(SEPARAVICH; CANESQUI, 2012). Dessa maneira, ressalta-se a necessidade de incorporar
ao cuidado da mulher em fase de climatrio, alm do mbito fisiolgico, os aspectos
psicossociais e culturais, a fim de prestar uma melhor assistncia nessa fase de maturidade
(LEITE et al., 2012).
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Destaca-se que, independente do contexto cultural que essa mulher se encontre, para
Silva, Ferreira e Tanaka (2010), durante o climatrio as mulheres precisam lidar com
mudanas internas decorrentes das alteraes hormonais, com a perda do potencial
reprodutivo e a transio para uma idade mais avanada. Socialmente, na meia-idade, elas
tambm tm que enfrentar outras questes, incluindo filhos que saem de casa, doenas que
surgem, a perda dos pais e de familiares, o adoecimento de familiares e, por vezes, o estresse
e a incompreenso no casamento. Por outro lado, outras mulheres vivem essa fase de forma
saudvel, com qualidade de vida, com afeto e compreenso da famlia. Logo, o contexto de
vida dessas mulheres deve ser compreendido culturalmente a fim de conjugar prticas de
cuidado viveis e singulares que oportunizem outras possibilidades de viver bem.
2.3 ARREMATANDO OLHARES PARA O CLIMATRIO/MENOPAUSA
Olhar para a mulher que vivencia o climatrio/menopausa a partir de uma nica
perspectiva correr o risco de no compreender sua real complexidade e importncia na vida
dela. Dessa forma, preciso lanar olhares amplos sobre a mulher nessa fase, contemplando-a
como um ser nico, dotado de dimenses biolgicas, psicossociais, espirituais e culturais
(VALENA; FIALHO; GERMANO, 2010; ZANOTTELI et al., 2012).
O evento do climatrio ocorre de modo gradativo na vida da mulher, mas pode
acontecer de forma repentina ou no natural, atravs de interveno cirrgica com a
realizao de ooforectomia bilateral associada, ou no, histerectomia. Para a Federao
Brasileira de Ginecologia e Obstetrcia (FEBRASGO, 2004), o climatrio corresponde fase
da vida da mulher na qual ocorre a transio do perodo reprodutivo at a senectude. A idade
na qual se inicia o climatrio varivel, mas admite-se ser por volta dos 40 anos e se estende
mais ou menos at os 65 anos, sendo que recentemente tem-se dividido o climatrio em
transio, menopausa e ps-menopausa. A menopausa um marco dessa fase, e corre
geralmente em torno dos 48 aos 50 anos de idade, e est relacionada com a depleo
hormonal, especialmente o estrognio (BRASIL, 2008a). Pode ser prematura, quando se
instala antes dos 40 anos e, tardia, aps os 52 ou 55 (FEBRASGO, 2004).
No campo da sade pblica tanto a menopausa precoce quanto a menopausa tardia
tm sua relevncia, e o estudo de Jaimes et al. (2013) apontam que as mulheres com
menopausa precoce tm maiores riscos de desenvolverem doenas cardiovasculares e
osteoporose, e as mulheres que tiveram menopausa tardia de desenvolverem cncer de
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endomtrio e mama. Para Serro (2008), provvel que existam fatores socioeconmicos,
ambientais, raciais, nutricionais ou uma combinao multifatorial que possa explicar, pelo
menos em parte, as variaes observadas ao nvel da idade de incio da menopausa. Destaca-
se que as mulheres latino-americanas tm uma idade de menopausa mais precoce que as
mulheres europeias ou norte-americanas, trazendo, como consequncia dessa exposio
prolongada, o hipoestrogenismo e queixas que as acompanham por mais tempo (LPEZ;
LORENZI; TANAKA, 2010).
O termo climatrio, originado do grego Klimater, significa degrau e utilizado para
designar qualquer etapa vital considerada crtica. Durante sculos o climatrio esteve
associado a perturbaes emocionais e fsicas, decorrentes de uma viso baseada em
interpretaes, esteretipos, mitos e crenas associadas funo menstrual (SERRO, 2008).
Para essa mesma autora, considerava-se a menstruao como um mecanismo para eliminar
substncias impuras e txicas, j, com a amenorreia, os produtos perigosos para a sade da
mulher seriam acumulados, provocando alteraes do humor e at situaes de loucura. Alm
disso, a convico da menstruao como uma circunstncia de referncia para a identidade
feminina, como marcador da sua feminilidade ainda persiste culturalmente, logo o ciclo
menstrual representa a boa sade, a integridade do seu potencial gravdico, a sua realidade de
mulher (SERRO, 2008).
Em culturas orientais, a menopausa tem significado de mudana, que geralmente
confere respeito, autoridade e um sentimento de alvio pelos anos anteriores de reproduo
(SILVA; FERREIRA; TANAKA, 2010). Cabe ressaltar que, para Collire (1999), a
experincia de vida, o fato de uma mulher de ter passado pelos ciclos biolgicos que
precedem o climatrio, constitui-se em elemento que, de certo modo, possibilita s mulheres
cuidarem umas das outras.
Ainda, cabe destacar que o processo de transformao do corpo feminino, que ocorre
na menopausa, quase sempre tratado pela medicina por meio de uma linguagem impregnada
de conotao negativa, com o uso recorrente de palavras tais como: falncia, perda, atrofia,
entre outras (KANTOVSKI; VARGENS, 2010). Contudo, acredita-se que um dos desejos das
mulheres viver a fase do climatrio com melhor qualidade, sem preconceitos e opresso,
desconstruindo ideias preconcebidas, impostas pela cultura brasileira, que apresenta uma
mulher em climatrio sem perspectivas (VIDAL et al., 2012). Por isso, no olhar desses
autores, as aes de educao e sade devem ser desenvolvidas de forma a convidar os
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indivduos a cuidarem de si mesmos e a aprender a lidar com os assuntos de sade antes de
eles se tornarem problemas concretos.
Comumente a menopausa e o climatrio so confundidos pelas mulheres, no que diz
respeito aos conceitos (VALENA; GERMANO, 2010). No entanto, no se trata de um
equvoco, mas de uma compreenso construda culturalmente, em que a menopausa, com seu
prprio conceito, um marco no climatrio. Com isso, existem assim diversas representaes
construdas, individuais ou coletivas, a respeito da menopausa ou do climatrio que
repercutem na vivncia da mulher. Alm das questes subjetivas, algumas outras
manifestaes nessa fase se fazem presentes em decorrncia do prprio processo fisiolgico.
destacado em estudo a respeito do climatrio, em populao de mulheres latino-americanas,
que apresentam queixas de dores osteoarticulares, depresso emocional, alteraes
geniturinrias, esgotamento fsico e mental, irregularidade menstrual entre outras queixas
(JAIMES et al., 2013). Para as queixas que prejudicam a qualidade de vida da mulher em fase
de climatrio, principalmente aps a menopausa, muitas vezes indicada a terapia de
reposio hormonal (TH). Atualmente, existem diversas formulaes de TH que variam em
relao ao tipo de composto progestagnio isolado (tibolona), estrognio isolado ou
estrognio associado a progestagnio com forma de administrao cclica ou contnua, e via
de administrao que pode ser oral, vaginal, subdrmica ou transdrmica (ROSA E SILVA;
MELO, 2010). Cada caso deve ser individualizado de acordo com o desejo da mulher e a
avaliao do risco/benefcio. Alm da TH disponvel, a Poltica Nacional de Prticas
Integrativas e Complementares no SUS traz outras possibilidades para garantia da
integralidade na ateno sade. Contempla-se nessa poltica, inicialmente, a medicina
tradicional chinesa, com acupuntura, homeopatia, fitoterapia, medicina antroposfica e o
termalismo social, ou seja, a crenoterapia, que consiste no uso de guas minerais com
propriedades consideradas medicamentosas (BRASIL, 2006). No entanto, essas prticas no
so uma realidade na grande maioria dos servios de sade do SUS. Mesmo que o acesso a
essas prticas ainda esteja em passos lentos, tais sistemas e recursos envolvem abordagens
que buscam estimular os mecanismos naturais de recuperao da sade por meio de
tecnologias eficazes, com nfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vnculo
teraputico e na integrao do ser humano com o meio ambiente e suas relaes sociais
(BRASIL, 2008a).
Nessa construo de cuidado sade da mulher em fase de climatrio necessrio
ento pensar e olhar para o contexto das polticas pblicas de sade. Destaca-se que os
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movimentos feministas foram essenciais para avanos nacionais em relao ao tema da
integralidade da sade da mulher bem como no debate e nas formulaes de polticas pblicas
para a sade das mulheres (COSTA, 2005).
Contudo, no Brasil a sade da mulher foi incorporada s polticas nacionais de sade
inicialmente limitando-se s demandas relativas gravidez e ao parto, por meio de programas
materno-infantis e do PAISM Programa de Ateno Sade da Mulher, em 1983 (BRASIL,
2008a). Em 1999, a rea Tcnica de Sade da Mulher, do Ministrio da Sade, agregou no
seu planejamento a ateno sade da mulher acima de 50 anos. No entanto, nenhuma ao
especfica foi implementada naquela oportunidade. J em 2003, em razo dessa lacuna
apontada em um balano institucional realizado em ano anterior, essa rea tcnica assumiu a
deciso poltica de iniciar aes de sade voltadas para as mulheres no climatrio e incluiu um
captulo especfico sobre esse tema no documento Poltica Nacional de Ateno Integral
Sade da Mulher Princpios e Diretrizes.
No Plano de Ao dessa poltica nacional, com relao ao climatrio, o objetivo era
implantar e implementar a ateno sade da mulher no climatrio, em nvel nacional, e
detalhado na estratgia de ampliar o acesso e qualificar a ateno com aes e indicadores
definidos. Enquanto o PAISM no abordava claramente as diferenas das diferentes mulheres,
tais como as questes e gnero, a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher
(PNAISM), surgiu para abarcar essa e outras dimenses que envolvem o contexto de sade da
mulher (MEDEIROS; GUARESCHI, 2009).
Desse modo, tal Poltica, criada em 2004, incorporou a integralidade da sade como
princpio balizador e a ateno sade da mulher focalizou igualmente as mulheres em fase
de climatrio (BRASIL, 2004). Em 2008, o Ministrio da Sade lanou o Manual de Ateno
Integral Sade da Mulher no Climatrio/Menopausa, materializando um dos objetivos da
Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher, especificamente de qualificar a
ateno s mulheres nessa fase da vida, na medida em que traz abordagens amplas e
possibilita aos profissionais de sade a ateno integral e humanizada, considerando as
diversidades e especificidades das mulheres brasileiras.
A partir da, ancorada nessa lgica, a ateno mulher que vive o climatrio deve ser
interdisciplinar e precisa contemplar alguns pontos: repensar o estilo de vida, levando em
considerao a atividade fsica, a alimentao, lazer, a aquisio de hbitos que proporcionem
qualidade de vida, e o tratamento farmacolgico, quando necessrio. Para Tairova e Lorenzi
(2011), existem pesquisas que apontam para o efeito benfico da atividade fsica no alvio das
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queixas desse perodo, principalmente no que se refere s manifestaes vasomotoras. Alm
disso, ressalta-se, para Jaimes et al. (2013), que a espiritualidade e a f praticada pelas
mulheres tambm contribui para melhorar a qualidade de vida e deve ser incentivada pelos
profissionais de sade.
A preocupao relacionada com a qualidade de vida um fenmeno recente e, grande
parte, como consequncia do aumento da expectativa de vida observado nas ltimas dcadas.
A definio de qualidade de vida para a Organizao Mundial de Sade se relaciona com a
maneira que os indivduos percebem sua prpria vida dentro de um contexto cultural, segundo
suas expectativas, desejos e interesses pessoais (JAIMES et al., 2013; LPEZ; LORENZI;
TANAKA, 2010). Nessa perspectiva, Lorenzi et al. (2009) destacam que de grande
importncia que a mulher em fase de climatrio tenha espao para expor seus sentimentos
sobre o perodo que est vivenciando, dificuldades percebidas ou superadas, de modo que
construa aprendizados sobre as modificaes corporais, emocionais, sociais e culturais que
esto ocorrendo e as suas implicaes para a sade.
Leite et al. (2013) salientam que os profissionais de sade, dentre os quais o
enfermeiro, podem investir em estratgias que visem ao fortalecimento da autoestima e da
autonomia das mulheres nessa etapa da vida. Essa recomendao sustenta-se, possivelmente,
na crena de que nessa fase da vida as mulheres precisam ser auxiliadas no sentido de
perceber que o climatrio pode representar muito mais do que perdas, a exemplo da sabedoria
trazida pela maturidade. Isso, possivelmente, vai ajuda-las no enfrentamento das
readaptaes muitas vezes necessrias nessa etapa vital.
Nesse sentido, cabe mencionar que estudo de Beltramini et al. (2010) destaca que, no
contexto investigado por eles, os enfermeiros demonstraram vago conhecimento sobre a fase
do climatrio e, quando relatavam algum, era sempre vinculado ao processo biolgico. Dessa
forma, para que o enfermeiro possa acolher, orientar e compreender a mulher que vivencia o
climatrio, necessrio que ela compreenda os aspectos socioculturais, espirituais e
fisiolgicos que envolvem essa fase. O enfermeiro precisa, por isso, de conhecimentos que
superem noes biolgicas, o que ir contribuir para que ele preste cuidados resolutivos,
ancorados em relao dialgica que se fundamente na noo basilar de uma escuta ativa e
preocupada com o bem-estar do outro.
Destaca-se, no estudo de Leite et al. (2013), que as atividades em grupo constituem
uma proposta importante na ateno sade das mulheres em fase de climatrio, de forma
que so convidadas a participar de encontros para discutir temas relativos a essa fase, sendo
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uma interveno educativa com a inteno de prepar-las para a menopausa. Ressalta-se
assim que, no climatrio, a educao em sade configura-se como uma estratgia de cuidado
(GARCIA; GONALVES; BRIGAGO, 2013). Logo, a compreenso das modificaes e
transformaes vivenciadas pelas mulheres nessa fase pode ser facilitada por aes de
promoo e educao em sade. Assim, o enfermeiro deve procurar incluir, na ateno ao
climatrio, aes que possibilitem meios para que as mulheres possam vivenciar essa fase sem
medos ou tabus (SOUZA et al., 2005).
preciso destacar tambm a viso ampliada de sexualidade, j que em cada fase vital,
a sexualidade se manifesta de forma peculiar, ou seja, de acordo com o tempo do sujeito
que a vive. Leite et al., (2013) colaboram dizendo que a sexualidade no termina com a fase
do climatrio, ela existe enquanto houver vida, com caractersticas prprias de cada fase,
como acontece com as outras funes vitais. Assim, mais que a compreenso do que envolve
a sexualidade, preciso que se encontrem caminhos para que possa ser manifestada.
Nesse sentido, a vivncia do climatrio depende de um conjunto de construes ou
representaes sociais sobre a capacidade reprodutiva, a sexualidade, a menstruao, a
fertilidade e o envelhecimento, que constroem a identidade feminina, e no somente das
caractersticas do prprio evento fisiolgico (PELCASTRE-VILLAFUERTE; GARRIDO-
LATORRE; LON-REYES, 2001). Nessa direo, ressalta-se que a ateno sade das
mulheres deve considerar os aspectos socioculturais, pois cada uma possui modos de agir,
pensar, sentir e interpretar o climatrio de acordo com a sua viso de mundo, que decorrente
das relaes e interaes que estabelecem com as pessoas e com o ambiente em que vivem
(ZANOTELLI et al., 2012). Logo, o climatrio deve ser entendido como um processo de
modificaes fsicas, emocionais, sociais, culturais, espirituais, e no um evento patolgico,
apesar de apresentar manifestaes clnicas em funo da queda hormonal que podem trazer
queixas.
Ento, nessa fase da vida da mulher, ela necessita de compreenso para enfrentar as
transformaes inerentes a esse perodo e a forma como seus membros relacionam-se entre si
poder favorecer ou desfavorecer a adaptao da mulher e permitir ou no que ela vivencie
essa fase de maneira mais harmnica e com mais naturalidade (SANTOS; FIALHO;
RODRIGUES, 2013). Possibilitar um cuidado qualificado mulher em fase de climatrio
constitui o entendimento de cada enfermeiro a respeito do cuidado cultural e seus conceitos.
Nessa lgica, tambm espera-se, conforme Moura, Chamilco e Silva (2005), um cuidado de
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enfermagem que seja sensvel e tenha origem nas necessidades do indivduo, sua famlia e
grupos culturais.
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3 COSTURANDO A METODOLOGIA
A seguir ser apresentado o percurso metodolgico que compreende o tipo de estudo;
cenrio do estudo; populao e participantes do estudo; produo e anlise dos dados, bem
como os aspectos ticos.
3.1 TIPO DE ESTUDO
A partir do objeto de pesquisa, saberes e prticas de cuidado realizado por mulheres em
fase de climatrio optaram-se pela abordagem qualitativa, com estudo de campo e descritivo.
Para Minayo (2013), a abordagem qualitativa nas pesquisas diz respeito questes
particulares, atribudas ao estudo da histria, das relaes, das representaes, das crenas,
das percepes e das opinies, que so resultado das interpretaes que os indivduos
atribuem sobre suas vivncias, sobre si mesmos e sobre o que sentem e o que pensam.
Colaboram Turato (2005) e Minayo, Deslandes e Gomes (2011), ao destacarem que a
abordagem qualitativa possibilita ao pesquisador o conhecer em profundidade a vivncia das
pessoas, as representaes de suas experincias e a entender o contexto no qual certo
fenmeno ocorre. Nesse sentido, conhecer os saberes e as prticas de cuidado de mulheres
que vivenciam o climatrio uma forma de se aproximar de suas vises de mundo, suas
crenas ou de como se cuidam. Ainda Turato (2005) destaca que no mbito da metodologia
qualitativa aplicada sade utiliza-se o entendimento abordado pelas Cincias Humanas, em
que no se busca estudar o fenmeno em si, mas conhecer seu significado individual ou
coletivo para a vida dos indivduos. Para esse autor, ao optar pela pesquisa qualitativa o
pesquisador volta-se para a busca de significados das coisas. Tais coisas podem ser os
fenmenos, eventos, vivncias, sentimentos entre outros, os quais do molde vida das
pessoas. Assim, esses significados que as coisas adquirem podem ser partilhados
culturalmente e onde os grupos sociais se estruturam em torno de suas representaes e
simbolismos.
Para Minayo (2013), no que se refere ao estudo de campo, existe a interao social com
o pesquisador, em que o planejamento do estudo de campo apresenta maior flexibilidade,
podendo ocorrer mesmo que seus objetivos sejam reformulados ao longo da pesquisa. Quanto
ao estudo descritivo, este busca conhecer as distintas situaes e relaes que ocorrem na vida
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social, poltica, econmica e nos diferentes aspectos do comportamento humano, tanto
isoladamente quanto em grupos e comunidades complexas. Tem como objetivo abordar dados
e problemas relevantes cujo registro no consta de documentos (CERVO; BERVIAN;
SILVA, 2007).
3.2 CENRIO DO ESTUDO
A cidade e o contexto sociocultural das participantes deste estudo foi Bento
Gonalves, localizada na Serra Gacha. Destaca-se que a mestranda reside nessa cidade e por
isso a escolha dela. A cidade insere-se em uma regio de descendentes de imigrantes italianos,
bem como o maior produtor de uvas e vinhos do Brasil, recebendo com isso o ttulo de
capital Brasileira da Uva e do Vinho (BENTO GONALVES, 2014). H uma populao de
107.278 habitantes, com estimativa de 112.318 para o ano 2014, sendo que 50,9% de
populao feminina e, dessas, cerca de 18%, esto em fase de climatrio (IBGE, 2010b).
O municpio conta com 11 Unidades de Estratgias de Sade da Famlia (ESF). Este
estudo foi desenvolvido em uma Estratgia de Sade da Famlia com parte urbana, mas que
abrange reas rurais do municpio. A escolha dessa ESF se deu por indicao da Secretaria
Municipal de Sade de Bento Gonalves, por haver um maior nmero de mulheres em fase de
climatrio, cerca de 400 mulheres. A ESF tem 743 famlias e 2.386 pessoas cadastradas de
acordo com o Sistema de Informaes da Ateno Bsica referente ao ano de 2013.
Na ESF so realizados grupos de gestantes, diabticos, hipertensos, grupo de
artesanato e atividade fsica com educador fsico. A equipe composta por quatro agentes
comunitrios de sade (ACS), uma enfermeira, duas tcnicas de enfermagem, um mdico da
sade da famlia, uma auxiliar de odontologia, um auxiliar administrativo e uma auxiliar de
limpeza. Os atendimentos com clnico geral ocorrem por meio de agendamentos prvios, fila
de espera e urgncias, exceto um dia na semana quando o mdico faz visita domiciliar com a
enfermeira. O atendimento na ESF ocorre de segunda a sexta- feira no horrio das 07h45min
at 11h45min pela parte da manh e pela tarde das 13h00minh at as 17h. H atendimento
odontolgico, com o dentista atendendo na Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa
Senhora da Salete duas vezes na semana, e nos demais dias na ESF. Dispe de nutricionista,
psicloga com atendimento semanal, e fisioterapeuta com atendimento quinzenal. Esses
profissionais e o educador fsico no integram a equipe da ESF, mas fazem parte do Ncleo
de Apoio Sade da Famlia (NASF). O NASF constitudo por equipes com profissionais
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de diferentes reas de conhecimento, para atuarem em conjunto com os profissionais das
Equipes de ESF, compartilhando as prticas em sade nos territrios sob responsabilidade
dessas equipes, no qual o NASF est cadastrado (BRASIL, 2012b).
O espao fsico da ESF composto pela sala de espera com recepo, por uma sala de
curativos/observao, uma sala para acolhimento, uma farmcia, uma sala de vacina, um
consultrio de enfermagem, um centro de material e esterilizao, um consultrio mdico, um
consultrio odontolgico, uma cozinha, uma sala de reunies, um expurgo, uma sala para
depsito de materiais com um local destinado para acomodar os produtos de higienizao, um
banheiro para os funcionrios, um banheiro em cada consultrio e dois na sala de espera.
Abaixo a representao cartogrfica do cenrio do estudo:
Imagem 1 - Cenrio da pesquisa.
Fonte: (BENTO GONALVES, 2016; GOOGLE MAPS, 2016)
3.3 POPULAO E PARTICIPANTES DO ESTUDO
As participantes da pesquisa foram mulheres vinculadas ESF Barraco, nas idades
entre 40 e 65 anos, que de acordo com o Ministrio da Sade corresponde fase do climatrio
(FEBRASGO, 2004; Brasil, 2008a). Embora sabe-se que a idade em que ocorre esta transio
seja varivel (FEBRASGO, 2004). Critrios de incluso: para garantir que todas as
participantes tivessem condies psicocognitivas de participar do processo de produo dos
dados, foi solicitado ao mdico ou enfermeiro que indicassem as possveis participantes, alm
BG
Local onde
ocorreram os
encontros.
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disso foram includas mulheres residentes na rea de abrangncia da ESF que foi cenrio
deste estudo, nas idades entre 40 e 65 anos. E como critrios de excluso, mulheres que
realizaram ooforectomia bilateral associada, ou no, histerectomia pelo fato de no
vivenciarem o processo do climatrio/menopausa fisiolgico, pois determinados saberes e
prticas de cuidado ocorrem a partir da percepo de certas modificaes fsicas e
psicossociais, as quais podem ser percebidas com o passar do tempo.
A primeira aproximao com o local do estudo deu-se pela procura de informaes
sobre a ESF para a construo do projeto, no segundo semestre de 2013. Criado o vnculo
com a enfermeira e os demais membros da equipe, fui convidada para participar de algumas
atividades/grupos na ESF e tambm na escola, a convite da direo. Tanto a cidade de Bento
quanto a comunidade local eram universos a serem percorridos, e a participao em grupos de
sala de espera e grupo de artesanato foram importantes para a familiarizao com a equipe e
as pessoas da comunidade. Aps a aprovao do projeto de pesquisa pelo comit de tica da
UFSM, houve o primeiro contato com as mulheres, com a inteno de identificar aquelas que
atendessem aos critrios de incluso.
Quanto ao nmero de participantes, oito mulheres foram integradas investigao,
baseando-se em estudos que utilizaram tcnicas de coleta de dados semelhantes s escolhidas
para este estudo. Estudo de Rinaldi (2006) e S (2002), que usaram as oficinas, tiveram como
participantes oito colaboradores, e Amezcua (2003), ao realizar-se uma entrevista grupal,
indicaram que o ideal que o grupo seja constitudo por oito a dez pessoas.
A escolha das participantes ocorreu de forma intencional, ou seja, a amostra escolhida
intencionalmente pelo pesquisador (MARCONI; LAKATOS, 2010). A limitao da tcnica
diz respeito a impossibilidade de generalizao dos resultados do inqurito populao, ela
tem sua validade dentro de um contexto especfico, ou seja, dentro do grupo e cotexto
estudado (MARCONI; LAKATOS, p.47, 2010)
Somente aps a aprovao do projeto pelo Comit de tica em Pesquisa da UFSM foi
realizado convite verbal para a participao na pesquisa e esclarecida a operacionalizao dos
encontros, o motivo da pesquisa e da escolha delas, a temtica que seria discutida, a rotina e a
durao dos encontros. Aps o aceite da participante foi realizada uma entrevista individual
na ESF Barraco em local reservado contemplando a privacidade e o bem-estar da
participante. Verificada a disponibilidade de dia, turno e horrio das participantes foi
agendada a data e local para o incio das oficinas, que ocorreram na sala de reunies da ESF,
tendo em vista a disponibilidade do local. Os demais encontros foram agendados na
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sequncia, semanalmente e de acordo com a disponibilidade da pesquisadora e das
participantes. Na vspera de cada encontro, foi feito contato por telefone com as participantes,
reafirmando o horrio e o local do encontro, pois o fato de fazer contato por telefone tambm
foi uma forma de estimular a presena das mesmas (RESSEL et al., 2008). Ao final de cada
reunio, foi entregue um lembrete contendo as informaes do prximo encontro e de
agradecimento pela presena (APNDICE A).
3.4 PRODUO DOS DADOS
A linha que costurou a produo dos dados deste estudo centrou-se no contexto da
oficina de bonecas de pano, que tem seu embasamento terico a partir de um olhar lanado
para a oficina pedaggica de Araldi (2006) ou educativa (S, 2002). A escolha da construo
da boneca de pano deve-se ao fato das possveis representaes particulares que a boneca
pode possibilitar, bem como pelo fato de ela estar, de certa forma, muito ligada culturalmente
figura feminina. Salienta-se , que o objetivo da construo da boneca de pano foi para
motivar as mulheres a se reunirem para conversar sobre o climatrio enquanto
confeccionavam a boneca.
Diante do aceite das participantes foi entregue o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido-TCLE (APNDICE B), lido, esclarecidas as possveis dvidas e assinado em
duas vias, sendo que uma que foi entregue participante e a outra que ficou com a mestranda.
No momento seguinte foi realizada uma entrevista semiestruturada individual
(APNDICE C), que contribuiu para realizar uma caracterizao sociodemogrfica, e
fornecer um entendimento inicial acerca do tema em estudo s mulheres. Essa entrevista
auxiliou nas discusses dos dados que emergiram da anlise das entrevistas grupais a qual
aconteceu durante as oficinas de boneca de pano. Para Trivios (1999), a entrevista
semiestruturada geralmente aquela que parte de certos questionamentos bsicos, apoiados
em teorias e hipteses que interessam pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo
de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo surgindo medida que se recebem as
respostas do informante.
A respeito das oficinas, Ormezzano (2001) diz que elas surgiram na Idade Mdia, com
os grmios de artesos ou tambm conhecidos como corporaes de ofcios, e conventos
femininos, que se destacaram como cenrios coletivos de ensino-aprendizagem e criao
artstica em que mestres e aprendizes dividiam moradia, comida e trabalho. Portanto, a oficina
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era espao de trabalho e criao sem a separao entre o fazer intelectual e o manual, entre
trabalho e lazer. Ainda, de acordo com a histria dos grmios de artesos, no era comum
admitirem mulheres, exceto vivas ou rfos de parentes falecidos que integravam o grupo.
As demais mulheres se organizavam, ento, em torno de outros ofcios como os relacionados
ao bordado e ao tecido.
Diferentemente das segregaes que, de certa forma, a oficina durante a Idade Mdia
manteve, S (2002) enfatiza que a oficina procura rejeitar a rigidez do tempo, do espao, dos
corpos e dos saberes, dando lugar a curiosidades, questionamentos e vivncias daqueles que a
integram, de modo que possibilite as pessoas um distanciamento do modo de organizao
hierrquica, da classificao e dos discursos dominantes. Para essa mesma autora, a partir
destes princpios, a oficina sempre se preocupou em trabalhar com a experincia pessoal,
abrindo possibilidade para no generalizar ou universalizar, valorizando a histria e a
memria, a troca de experincias e interesses entre membros de um grupo permitindo respeito
vivncia cultural do outro. Nessa perspectiva, a oficina possibilita relaes horizontais e
dialgicas entrelaando diferentes contextos e saberes. Sendo assim, ao se pensar sobre a
oficina pedaggica ou educativa, faz-se pertinente olhar para o processo pedaggico
problematizador, o qual reconhece o indivduo como sujeito de ao, estimulando a
participao crtica de modo que seus saberes sejam acolhidos e valorizados (ARALDI,
2006). Nessa lgica, Freire (1981) diz que possvel compreender que cada indivduo traz seu
saber e junto com o saber do outro constroem uma nova reflexo que possibilita a mudana de
si e do que o cerca.
Contudo, so diversas as possibilidades de trabalho em uma oficina. Para Araldi (2006),
as oficinas que utilizam as linguagens plsticas (como a escolhida neste trabalho, a boneca de
pano), poticas e musicais, entre outras, podem tornar-se um caminho para a expresso,
reflexo e interatividade entre os participantes, pois pela representao simblica, eles podem
melhor vislumbrar, por meio de suas mensagens visuais, suas necessidades e os recursos de
que dispem. Assim, as oficinas que se utilizam das linguagens no verbais, facilitam a
comunicao daqueles que tm dificuldades da expresso apenas pela palavra, ou contribuem
para que as coisas possam ser ditas, pois ao dar materialidade quilo que muitas vezes no
pode ser verbalizado, atravs do uso de materiais e pelo espao de explorao que permitem,
possibilitado a cada indivduo despertar a prpria singularidade.
Corrobora Alessandrini (1996) ao destacar que a oficina um lugar que deve favorecer
a criao, pois viver a oficina construir, pintar, modelar aquilo que mais prximo de si
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mesmo, o espao onde o imaginrio cria forma, adquire cor, aproximando-se de um real
personalizado, sentido e vivido com alegria (p. 48). Assim, preciso instigar a potncia de
criao permanente dos integrantes das oficinas, em que a criao uma forma de perceber a
vida, como uma "obra de arte entrelaada na produo de singularidades e diferenas.
Refora Araldi (2006), quando diz que no acontecer da experincia artstica, o sujeito com sua
bagagem fsica e sensria, seu universo psquico, adentra a um fazer significativo em um
espao de trabalho, prtica esttica, criao e de entendimento, de dilogo e de sentidos.
Portanto, a oficina um espao de encontro vivencial, encontros que possibilitam construir e
descontruir saberes e formular outros.
A escolha da construo da boneca de pano se deu pela possibilidade desta em permitir
representaes particulares, sem a inteno de reforar senso comum da sociedade, que diz
que mulher tem que brincar com boneca para aprender a cuidar dos filhos. Embora ao propor
essa construo pudesse ter sido sugerido tambm o boneco de pano. Portanto, compreendeu-
se que, ao criarem ou aprenderem a criar a boneca de pano, as participantes, ao mesmo tempo
em que costuraram, representaram sua prpria vivncia, refletiam sobre a materialidade que
se apresentou, sobre seus saberes, suas prticas ou crenas, enquanto se pensou e discutiu o
cuidado no climatrio. Destaca-se que a construo da boneca foi um disparador para que as
falas e reflexes sobre as questes trazidas emergissem.
Em um primeiro momento houve certo desconforto quando foi sugerida a proposta de
boneca de pano, algumas mulheres relataram que nunca tinham feito e que no sabiam como
fazer. No entanto, o medo de no saber fazer foi amenizado quando foram mostradas
algumas bonecas construdas no projeto piloto desta pesquisa e assim puderam olhar, tocar e
imaginar como sua boneca poderia ser criada.
A oficina de boneca de pano facilitou a expresso das falas, deixando-as mais vontade,
o que tornou um espao de convivncia e de criao de vnculos, sem medo de serem
julgadas. A oficina se configurou como um espao para estar junto, isto , foram encontros
que possibilitaram construir e descontruir saberes e formular outros. Com isso, as mulheres
manifestaram-se com muita tranquilidade, ora discordavam entre si, ora uma reforava e
complementava o que a outra dizia.
Quanto ao nome dado ao coordenador de uma oficina, este pode ter vrios. Para S
(2002) oficineiro, Araldi (2006) no deixou evidente o termo utilizado, Chiesa e Whestpal
(1995) referem-se como coordenador. Neste estudo, optou-se pelo uso do termo coordenador,
trazido por Chiesa e Whestpal (1995). Conforme essas autoras, o coordenador deve
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possibilitar um ambiente favorvel para as discusses, no qual as relaes se construam
horizontalmente. Assim, em cada encontro foi preciso apresentar o tema, as questes e
incentivar as participantes no sentido de esclarecer dvidas quanto proposta da oficina ou do
fazer artstico sem interferir na opinio delas. Tambm houve aquelas que queriam falar mais
que as outras ento, delicadamente, foi preciso dizer, por exemplo: ento a Nena pensa assim,
e a Maria Marta o que poderia dizer sobre isso? E as que se concentravam de tal forma na
construo da boneca que era preciso estimul-las a falar, e de uma foram geral, reforar que
todas pudessem expor sua opinio. Ao final do segundo e terceiro encontros foram
sintetizadas para o grupo as principais questes expostas nos encontros anteriores com a
inteno de validar, o que as participantes disseram ou eram convidadas a explorar um pouco
mais certos assuntos diante de dvidas sobre algo dito ou questo que no ficou muito clara
para a coordenadora, como uma forma de reafirmar o dito ou trazer novas contribuies. As
principais questes trazidas foram identificadas por das anotaes realizadas no dirio de
campo. Aps esse momento as mulheres continuaram a construo das suas bonecas ao passo
que novas questes eram lanadas. Assim, na modalidade educativa, o coordenador procurou
oportunizar a coragem das mulheres exteriorizarem as suas falas, as suas expresses, os seus
afetos, a experimentao, permitindo que elas pudessem agir e falar em nome prprio, ou seja,
no singular.
A proposta da boneca de pano foi uma iniciativa da pesquisadora, pensada com o
intuito de que houvesse um processo, uma continuidade e no uma proposta que tivesse seu
trmino em um nico encontro. Nesse sentido, a prtica da oficina partiu do desejo da
oficineira, pois vinha com a oficina, de certa forma, pensada, e quando as participantes
comearam a desenvolver a proposta, aconteciam os desdobramentos, em concordncia ao
previsto por S, (2002), ou seja, a oficina parte do coordenador ou oficineiro e se desdobra
para os desejos dos participantes .
Alguns autores, na realizao de oficinas optaram pela realizao de dois encontros com
uma durao mdia de 1 hora e 30 minutos (LACERDA, et al., 2013). J Arcanjo, Valdes e
Silva (2008) relatam a durao mnima de 1h e oito encontros; Coelho et al. (2009) referem-se
a trs oficinas com trs horas de durao; Alessandrini (1996) referiu a durao de 1h30min e
no relatou o nmero de encontros; Chiesa e Whestpal (1995) indicaram cinco encontros mas
no sua durao. Embora esses autores divergiam acerca da durao e no nmero de
encontros, existe o consenso de que os encontros sejam semanais. Considera-se nessa situao
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que o objeto de estudo e os participantes so indicativos para prever o nmero de encontros e
o tempo de cada um.
Assim, optou-se por realizar um mnimo de trs encontros, sendo que o determinante
para o encerramento de encontros foi o de ter alcanado o objetivo do estudo e o trmino da
boneca de pano. A durao da oficina foi de cerca de 1h30mim, por considerar-se um tempo
adequado e com flexibilidade tanto para iniciar, quanto para terminar, j que por vezes houve
imprevistos com as participantes, como chegar atrasada porque o po que estava assando
demorou mais que o previsto, consulta com o dentista agendado para horrio prximo
oficina, necessidade de sair mais cedo para pegar o filho que estava sem a chave de casa, entre
outras situaes. No entanto, tudo foi combinado, acertado entre as mulheres, se esperariam a
integrante chegar ou se queriam iniciar no horrio combinado.
A oficina aconteceu com uma sequncia de passos utilizados por Araldi (2006, p.55-
56), que eram elas: configurao do espao como territrio sagrado, o qual configurou-se o
espao vivencial para torn-lo sagrado, utilizando rituais e objetos; sensibilizao, foi
trazido o tema e o objetivo de cada encontro, foram pensadas atividades que possibilitassem
vivncia plstica. So utilizados recursos do nosso universo simblico, como os mitos, os
rituais e as histrias; vivncia artstica diz respeito explorao de materiais e tcnicas
que possibilitam a expresso em linguagem no verbal das impresses acerca da proposta e
do contedo ao qual foram sensibilizadas; expresso verbal acerca do vivenciado o
momento de troca grupal acerca do vivenciado e da expresso plstica e, por fim, no citado
pela autora, a confraternizao. A seguir ser relatada como cada etapa ocorreu nesta
pesquisa.
A configurao do espao como territrio sagrado constituiu-se como a primeira
etapa (imagem - 2). Houve a preparao do ambiente de modo que este fosse acolhedor.
Dessa forma, foi usado tecido voal e TNT nas cores azul, rosa e roxo, vasinhos com flores,
pedras ornamentais e aroma suave no ambiente. Esse cuidado foi fundamental para que a
sensibilidade emergisse, para que favorecesse a imaginao e o bem-estar das participantes.
Assim, o ambiente precisou ser acolhedor, possibilitando um espao agradvel. Nesse
momento, as mulheres foram convidadas a formarem um crculo, embora as cadeiras j
estivessem dispostas nessa configurao. Bolen (2003) destaca que um crculo precisa ser
seguro, com respeito a tudo o que ser dito para a confiana existir, onde tambm o que dito
em confidncia assim deve ser mantido. Nesse momento tambm foram entregues os crachs,
quando cada participante escolheu um pseudnimo para serem chamadas durante as oficinas.
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