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    OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

    Jos Afonso da Silva

    J. Questo de ordem - 2. Princpios e normas - 3. Osprincpios constitucionais positivos - 4. Conceito e contedo dos princpios fundamentais - 5. Princpios fundamentais e princpios gerais do Direito Constitucional - 6. Funo e relevncia dos princpios fundamentais.

    - Qu('sto d(' ord('m

    . ,., Definimos a Constituio como um conjunto de normas e princpios consubstanciados num documento solene estabelecido pelo poder constituinte e somente modificvel por processos especiais previstos no seu texto. Revela issoque a Constituio compreende normas e princpios. J Canotilho diz que aConstituio um sistema aberto entre regras e princpios. Segundo ele, umsistema constitudo s de regras conduzir a um modelo jurdico de limitadaracionalidade prtica, porque exigiria uma disciplina legislativa exaustiva ecompleta - legalismo. Mas um sistema baseado s em princpios levar a con-seqncias tambm inaceitveis (I74-175), (modelo elevaria a uma tal abstra-o que abriria srias brechas ao princpio da legalidade). Contudo, a posiode Canotilho complica, porque segundo ele regras e princpios so duas espcies de normas e que a distino entre regras e princpios uma distino entreduas espcies de normas (pg. 172). O problema que ele no indica o que entende por norma nem a distino entre normas e regras.

    Dworkin (Taking Rights Seriously, pg. 22) pretende distinguir entreregras, princpios e diretrizes (rules, principles an d policies). Para ele, regrasjurdicas no comportam excees, so aplicveis de modo completo, segundoo critrio de tudo ou nada. no se passando o mesmo com os princpios. Estespossuem uma dimenso de peso ou importncia (valores), de modo que em ca

    Professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Advogado.

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    Revista do Tribunal Regional Federal 1 Regio, Braslia, v. 6, n. 4, p. 17-22, out./dez. 1994.

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    so de conflito de princpios levar-se- em conta o peso entre eles. Demais oconflito entre regras gera uma antinomia, de modo que uma exclui a outra; jo conflito entre princpios no gera antinomia, em ocorrendo, aplica-se o quese mostrar mais importante para o caso.

    Essas posies so criticveis e talvez no exprimam adequadamente a distino entre normas, regras, princpios e diretrizes. No entraremos em pormenores, basta-me aqui tentar rpida distino entre norma c princpio.

    2 - Princpios e normas

    A palavra princpio equvoca. Aparece com sentidos diversos. Apresentaa acepo de comeo, de incio. Norma de princpio (ou disposio deprincpio), 1 p. ex., significa norma que contm o incio ou esquema de umrgo, entidade ou de programa, como so as normas de princpio institutivoe as de princpio programtico. 2 No nesse sentido qu e se acha a palavraprincpios da expresso princpios fundamentais do Ttulo I da Constituio.Princpio a exprime a noo de mandamento nuclear de um sistema.3

    As normas so preceitos que tutelam situaes subjetivas de vantagens oude vnculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato prprio ou exigindo ao ou absteno de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades obrigao de submeterem-se s exigncias de realizar uma prestao, ao ou absteno em favor de outrem. Os princpios so ordenaes que se irradiam e imantam os sistemas de normas, so - como observam Gomes Canotilho e VitalMoreira - ncleos de condensaes nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, os princpios, que comeam por ser a base de normas jurdicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princpio e constituindo preceitos bsicos daorganizao constitucional.4

    3 - Os princpios constitucionais positivos

    Quer-se aqui apenas caracterizar os princpios que se traduzem em normasda Constituio ou que delas diretamente se inferem. No precisamos entrar,neste momento, nas graves discusses sobre a tipologia desses princpios. 5 Adoutrina reconhece que no so homogneos e revestem natureza ou configurao diferente. 6

    A partir da, podemos resumir, com base em Gomes Canotilho,7, qu e osprincpios constitucionais s o basicamente de duas categorias: os princpiospoltico-constitucionais e os princpios jurdico-constitucionais.

    Princpios poltico-constitucionais - Constituem-se daquelas decisespolticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema

    R. Trib. Reg. Fed. l ~ Reg., Braslia, 6(4):17-22, out.ldez. 1994.

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    Para Gomes Canotilho, constituem-se dos princpios definidoresda formade Estado, dos princpios definidores da estruturado Estado, dos princpiosestruturantesdo regime polticoe dos princpios caracterizadores da forma degovernoe da organizao polticaem geral.14

    A anlise dos princpios fundamentais da Constituio de 1988 nos leva seguinte discriminao:

    - princpios relativos existncia, forma, estrutura e tipo de Estado:Repblica Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrtico de Direito(art. 1?);

    - princpios relativos forma de governo e organizao dos poderes:Repblicae separao dos poderes(arts. 1? e 2?);- princpios relativos organizao da sociedade: princpio da livre or

    ganizao social, princpio de convivncia justae princpio da solidariedade(ar t . 3?, 1);

    - princpios relativos ao regime poltico: princpio da cidadania,princpioda dignidade da pessoa, princpio do pluralismo, princpioda soberania popular, princpio da representao pollicae princpioda participao popular direla (art. 1?, pargrafo nico);

    - princpios relativos prestao positiva do Estado: princpio da independncia e do desenvolvimento nacional(art. 3?, I l ) , prncpio da justiasocial (art. 3?, I1I) e princpio da no discriminao(art. 3?, IV);

    - princpios relativos comunidade internacional: da independncia nacional, do respeito aos direitos fundamentaisda pessoa humana,da autodclerminao dos povos,da no-interveno,da igualdade dos Estados,da soluopacfica dos conflitose da defesa da paz, do repdio ao terrorismoe ao racismo, da cooperao entreos povos e da integrao da Amrica Latina(art. 4?).

    5 - Princpios fundamentaise princpios geraisdo Direito Constitucional

    Temos de distinguir entre princpios constitucionais fundamentais eprincpios gerais do Direito Constitucional. Vimos j que os primeiros integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-sntese ou normas-matriz, que explicitam as valoraes polticasfundamentais do legislador constituinte,15normas que contm as decisespolticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional. Os princpios gerais formam temas de uma teoria geral do Direito Constitucional, por envolver conceitos gerais, relaes, objetos, que podem ter seuestudo destacado da dogmtica jurdico-constitucional.

    A cincia do direito constitucional - diz Pinto Ferreira - induz da realidade histrico-social os lineamentos bsicos, os grandes princpiosconstitucionais, que servem de base estruturao do Estado. Os princpios

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    essencIaiS assim estabelecidos so os summa genera do direito constitucional,frmulas bsicas ou postos-chaves de interpretao e construo terica doconstitucionalismo, e da se justifica a ateno desenvolvida pelos juristas nasua descoberta e elucidao. Eles podem se r reduzidos a um grupo deprincpios gerais, no s quais se subsumem os princpios derivados, de importncia secund ria. 16

    Os temas que discutimos no Ttulo I so integrados por conceitos eprincpios gerais, como a classificao das constituies, o princpio da rigidezconstitucional, o da supremacia da Constituio, os referentes ao poder consti-tuinte e ao poder de reforma constitucional etc., que so temas do chamadoDireito Consti tucional geral. certo, contudo, que tais princpios se cruzam,com freqncia, com os princpios fundamentais, na medida em que estes possam ser positivao daqueles.

    6 - Funo e relevncia do s princpios fundamentais

    Jorge Miranda ressalta a funo ordenadora dos princpios fundamentais,bem como su a ao imediata, enquanto diretamente aplicveis ou diretamente

    capazes de conformarem as relaes poltico-constitucionais, aditando, ainda,que a ao imediata dos princpios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critrio de interpretao e de integrao, pois s o eles que do coerncia geral ao sistema.1 7 Isso certo.

    Temos, no entanto, de fazer algumas distines, por reconhecermos queas normas que integram os princpios fundamentais t m relevncia jurdica diversa, e aqui valemo-nos, outra vez, do ensinamento de Gomes Canot i lho eVital Moreira. Algumas so normas-sntese ou normas-matriz cuja relevnciaconsiste essencialmente na integrao das normas de que so smulas, ou queas desenvolvem,IS mas tm eficcia plena e aplicabilidade imediata,19 como asque contm os princpios da soberania popular e da separao de poderes(arts. I? , pargrafo nico, e 2?). A expresso Repblica Federativa do Brasil , em si, uma declarao normativa que sintetiza as formas de Estado e degoverno, se m relao predicativa ou de imputabil idade explcita, mas vale tanto quanto afirmar que o Brasil uma Repblica Federativa. uma normaimplcita, e norma-sntese e matriz de ampla normatividade consti tucional. Aafirmativa de que a Repblica Federativa do Brasil constitui-se em EstadoDemocrtico de Direito no uma mera promessa de organizar esse t ipo deEstado, mas a proclamao de que a Constituio est fundando um novo tipo de Estado, e, para que no se atenha a isso apenas em sentido formal,indicam-se-lhe objetivos concretos, embora programticos, que mais valem porexplicitar contedos que ta l tipo de Estado j contm, como discutiremos maisadiante. Outras normas dos princpios fundamentais so programticas comoa do inciso 111 do art . 3? Outras so definies precisas de comportamento do

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    Brasil como pessoa jurdica de Direito internacional, como as que integram oart. 4?

    I Cf . a propsito, Vezio Crisafulli, La Costituziont' t' It' sut' Disposizioni di Principio, Milo,Giuffre, 1952, pg. 27.

    2 Cf . nosso Aplicabilidadt' das Normas Constitucionais, 2: ed., So Paulo, Ed. RT, 1982, pgs.107 e 55 .

    3 Cf . Cdso Antnio Bandeira de Mello, Ekmt'ntos dt ' Dirt'ito Administrativo, So Paulo, Ed.

    RT, 1980, pg. 230, onde define o princpio jurdico como: mandamenlo nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental Que se irradia sobre diferentes normascompondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente po r definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnicae lhe d sentido harmnico.

    4 Constitui,:o da Rt'pblica Porrugut'sa Anotada, 2: ed., v. I ~ / 4 1 e 42, Coimbra, Coimbra Ed.,1984. Observe-se que normas-princpio significam normasmatriz. No se confundem co m a outra noo lembrada de normas dt' princpio.

    Para uma ampla considt'rao sobre o assunto, cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4 ~ ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1986, pgs. 117 e S5., em geral e depois co m mais pormenores, sobre os principios do Estado dt' Dirto Democrtico, pgs. 277 e ss.: igualmente,Constituio Dirigt'ntt' t' Vinculao do Legislador, Coimbra, Coimbra Ed., 1983, pgs. 279 e

    ss.; e, ainda, do mesmo autor em co-autoria co m Vital Moreira, Constituio da Repblica Portuguesa Anotada, 2: ed., 1 ~ / 6 5 e 55., Coimbra, Coimbra Ed., 1984; Jorge Miranda, Manual deDireito Constitucional, 2: ed., t . l l /195 e ss., Coimbra, Coimbra Ed., 1983. A leitura desses autores portugueses muito importante para a bo a compreensilo de nossa prpria Constiluioque sofreu, como dissemos, profunda influncia da Constituio da Repblica Portuguesa de1976.

    6 Cf . Jorge Miranda, ob . cit., pg. 200.

    7 Ob,. e lugs. cits.

    8 Cf . Ob . cit., pg. 38.

    9 Cf . Constituio da Rt'pblica Portuguesa Anotada, pg. 42. Em outro livro, Gomes Canolilholembra que os princpios politicamente conformadores so princpios constitucionais qu e explici

    tam as valoraes politicas fundamentais do constituinte (cf. Direito Constitucional, 4: ed., pg.121 ).

    lO Cf . Teoria dc la Constitucin, Madri, Editorial Revisla de Derecho Privado, s.d., pg. 24.1I Cf. sobre essa temtica, Gomcs Canotilho, Direito Constitucional, 4: ed., pg. 122.

    12 Ob . cil., pg. 66.

    13 Cf . nosso Aplicabilidade das Normas Constitucionais, pg. 108, cuja I : ed. de 1968.

    14 Cf . Dirt'iro Constitucional cit., pg. 121.15 Cf. Gomes Canotilho, ob . cit., supra, pg. 121.

    16 Cf . Princpios Gerais do Dirt'ito Constitucional Moderno, v. 1/16.17 Cf . Manual de Direito Constitucional, 2 ~ ed., t.II/199.18 Cf. ob. cit., pg. 168.

    19 Sobre essa temtica, cf. nosso Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 2 ~ ed., S o Paulo,Ed . RT, 1982.

    R. Trib. Reg. Ft'd. I;' Reg., Braslia, 6(4):1722, oUI.ldez. 1994.

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