Primeiro Ano Do Programa Terra Legal_ Avaliação e Recomendações — Imazon

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    Primeiro ano do Programa Terra Legal: avaliao erecomendaes

    Brito, B., & Barreto, P. (2010). Primeiro ano do Programa Terra Legal: Avaliao e Recomendaes (p. 60). Belm: Imazon.

    Menu da Publicao

    Resumo Executivo

    1. Introduo

    2. Mudanas na legislao fundiria na Amaznia

    3. Programa Terra Legal

    4. Cadastramento de posseiros

    5. Georreferenciamento

    6. Vistoria

    7. Titulao

    8. Desafios e recomendaes para o Programa Terra Legal

    Anexos

    Resumo Executivo

    Na regio amaznica h terra suficiente para suprir as demandas da sociedade por desenvolvimento econmico, conservao derecursos naturais e reforma agrria. Contudo, o Brasil no tem sido capaz de criar uma poltica de administrao fundiria quepermita atingir esses objetivos. Em decorrncia disso predominam na regio o desperdcio e destruio de recursos naturais, aapropriao privada de terras pblicas e os conflitos sociais. O ordenamento fundirio ser fundamental para estimularinvestimentos mais sustentveis e reduzir conflitos no campo. Neste trabalho avaliamos a mais ambiciosa iniciativa do governofederal para realizar este ordenamento em imveis privados: o Programa Terra Legal.

    Este programa surgiu aps a constatao do caos fundirio e de vrias demandas para regularizao das posses. Em 2008, haviaindefinio fundiria de 53% da Amaznia, incluindo terras privadas sob suspeita de ilegalidade; rea legalmente considerada semalocao e posses sem reconhecimento legal. Alm disso, no havia documentao consistente da locao fsica de imveisrurais inseridos no cadastro de terras do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Incra) e registrados nos cartrios daAmaznia.

    Nesse contexto, o governo publicou a Medida Provisria 458/2009, que aps um polmico processo foi convertida na Lei11.952/2009. A aplicao dessa lei feita pelo programa Terra Legal, cujo principal objetivo regularizar imveis privados de at15 mdulos fiscais de forma mais clere. Para isso, o programa prev as seguintes fases: cadastramento de posses,georreferenciamento, vistoria (em alguns casos previstos em lei), emisso de ttulos e monitoramento ps-titulao. Esse relatrioanalisa as quatro fases iniciais do programa em seu primeiro ano de atuao.

    O Terra Legal no conseguiu alcanar a ambiciosa meta de emitir ttulos num prazo de 60 dias. Houve avanos na fase decadastramento de posses, mas muitos desafios ainda persistem nas etapas de georreferenciamento, vistoria de imveis etitulao. No total, o programa cadastrou 74.132 posses em 8.369.872,937 hectares em 12 meses, sendo a maioria dos cadastrosvlidos localizados no Par, com 49% dos imveis (35.815 posses) e 48% (4 milhes de hectares) da rea cadastrada.

    A maior parte de rea cadastrada (39%) estava concentrada nos imveis acima de 4 e menores que 15 mdulos fiscais, apesar derepresentarem apenas 8% do nmero de imveis cadastrados. De acordo com a Lei 11.952/2009, os ocupantes desses imveisdevem pagar pela regularizao da terra. Por outro lado, considerando o nmero de posses cadastradas, a maior parte (63%)concentrou-se na categoria de at 1 mdulo fiscal (at 76 hectares), que sero objeto de doao pela Lei 11.952/2009. Essasposses correspondiam a 16% da rea total cadastrada.

    Na fase de georrefenciamento, a atuao no primeiro ano do programa concentrou-se na contratao de empresas terceirizadaspara realizar o servio. Alm disso, o governo revisou normas e adaptou procedimentos para acelerar a verificao do resultado dotrabalho das empresas.

    No houve avanos em campo na fase de vistoria, mas essa foi uma das etapas mais discutidas no programa. A previso legal deque no ocorrer vistoria antes de emitir ttulos em alguns imveis pode gerar titulaes sobrepostas a territrios no reconhecidosde grupos com prioridade legal para regularizao fundiria (populaes tradicionais e povos indgenas). Apesar das medidaspreventivas adotadas pelo programa, ainda no houve avanos significativos na identificao prvia dessas demandas prioritriaspara evitar sobreposio de ttulos privados.

    Em 12 meses, o programa emitiu apenas 216 ttulos, decorrentes de processos de regularizao anteriores ao Terra Legal. Porm,o valor dos imveis acima de 1 mdulo fiscal ainda objeto de discusso e pode ser revisado no segundo ano do programa.

    De acordo com nossa anlise, os principais aspectos pendentes no primeiro ano do Terra Legal so:

    - Julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade da Lei 11.952/2009, que questiona aspectos que afetam diretamente aatuao do programa, como dispensa de vistoria prvia titulao em alguns casos;

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    - Necessidade de assegurar a manifestao de todos os rgos interessados nas reas de atuao do programa;

    - Ausncia de identificao de demandas de regularizao de terras de povos indgenas e comunidades tradicionais;

    - Falta de previso de vistoria para imveis cadastrados feitos com a importao de dados de outros sistemas;

    - Necessidade de divulgao das posses georreferenciadas antes da titulao, para que atores locais possam confirmarinformaes e indicar inconsistncias;

    - Reformulao e divulgao dos valores dos imveis.

    1. Introduo

    Na regio amaznica h terra suficiente para suprir as demandas da sociedade por desenvolvimento econmico, conservao derecursos naturais e reforma agrria. Contudo, o Brasil no tem sido capaz de criar uma poltica de administrao fundiria quepermita atingir esses objetivos. Em decorrncia disso predominam na regio o desperdcio e destruio de recursos naturais, aapropriao privada de terras pblicas e os conflitos sociais. Estes problemas podem se agravar medida que o governo e o setorprivado investem em atividades que tornam a regio mais acessvel e atrativa para imigrantes como as hidreltricas, a mineraoe o agronegcio. O ordenamento fundirio ser fundamental para estimular investimentos mais sustentveis e reduzir conflitos nocampo. Neste trabalho avaliamos a mais ambiciosa iniciativa do governo federal para realizar este ordenamento em imveisprivados: o Programa Terra Legal.

    Este programa surgiu aps a constatao do caos fundirio e de vrias demandas para regularizao das posses. Em 2008, maisda metade dos ttulos registrados como terra privada na Amaznia Legal estavam sob suspeita de ilegalidade. Aproximadamente24% da terra (120,4 milhes de hectares) foi legalmente considerada sem alocao, embora virtualmente toda essa rea fossecontestada por vrios agentes pblicos e privados (Barreto et al., 2008). Alm disso, no havia documentao consistente dalocao fsica de imveis rurais inseridos no cadastro de terras do Incra e registrados nos cartrios da Amaznia.

    Foi nesse contexto que o governo federal publicou a Medida Provisria (MP) 458/2010, que posteriormente foi convertida na Lei11.952/2009. Esse marco legal permite a regularizao fundiria de ocupaes incidentes em terras da Unio na Amaznia Legalde at 15 mdulos fiscais, com limite de 1,5 mil hectares. Para implementar essa lei, o governo federal criou o Programa TerraLegal, em junho de 2009.

    No entanto, a discusso sobre a MP 458/2009 foi marcada por vrias crticas e oposio, o que lhe conferiu a denominao de MPda Grilagem, em referncia prtica de apropriao indevida de terras pblicas na Amaznia. A MP estabeleceu vriasfacilidades para a regularizao das posses ilegais, como descontos no preo da terra e longo prazo para pagamento. Por isso,crticos apontaram que a MP poderia estimular a continuao da apropriao ilegal de terras pblicas (Brito & Barreto, 2009a).

    A Lei 11.952/2009 manteve vrias das facilidades estabelecidas na MP 458/2009 e, portanto, os riscos continuam. Desta forma, essencial avaliar a implementao da lei e seus impactos para tentar prevenir e corrigir os seus potencias efeitos negativos. Almdisso, j que a lei trata da privatizao do patrimnio pblico, essencial que esse processo ocorra com ampla transparncia deinformaes, para que diferentes setores da sociedade possam se manifestar a respeito.

    Assim, neste relatrio, analisamos o primeiro ano do Programa Terra Legal, com foco em suas quatro fases iniciais:cadastramento, georreferenciamento, vistoria (quando previsto em lei) e emisso do ttulo. Alm delas, o programa ainda contacom a fase de monitoramento ps-titulao. Para as anlises desse relatrio, utilizamos dados disponveis no stio eletrnico doPrograma Terra Legal[1], no portal criado pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) para compartilhar informaes commembros de um grupo de acompanhamento do programa; e dados de entrevistas realizadas entre novembro de 2009 e fevereirode 2010, com integrantes do governo federal ligados ao Terra Legal, de movimentos sociais e de sindicatos de trabalhadoresrurais. Primeiro, explicamos os principais aspectos da base legal que apoia o Terra Legal (Lei 11.952/2009 e suasregulamentaes). Em seguida, descrevemos a estrutura do programa e analisamos os principais aspectos identificados nasquatro fases iniciais j mencionadas. Finalmente, destacamos os desafios e recomendaes para o segundo ano de atuao doTerra Legal.

    _________________________

    1 http://portal.mda.gov.br/terralegal/

    2. Mudanas na Legislao Fundiria na Amaznia

    A principal inovao legislativa fundiria em 2009 foi a Lei 11.952/2009, que resultou da converso da MP 458/2009, publicada em10 de fevereiro do mesmo ano. Essa lei trata de normas para regularizao fundiria rural e urbana em territrios da Unio naAmaznia Legal, considerando imveis de at 15 mdulos fiscais, com limite de 1,5 mil hectares, e sem necessidade de licitao.O tamanho do mdulo fiscal varia em cada Estado, com mdia de 76 hectares nos 436 municpios da Amaznia Legal onde hglebas pblicas federais (Anexo 1).

    Antes da Lei 11.952/2009 o governo j havia promovido mudanas pontuais para flexibilizar e facilitar o processo de regularizaode terras, considerando o grande acmulo de pedidos de titulao nos escritrios do Incra desde a dcada de 1980. Esse acmuloocorreu principalmente por dois motivos: mudana de prioridade na atuao do Incra e ausncia de marco legal para regularizarposses acima de 100 hectares.

    A partir de 1985, com o Primeiro Plano de Reforma Agrria, o Incra passou a priorizar criao de assentamentos rurais em vez detitulao de posses individuais. Desde ento, o Incra no relatou nenhum processo de licitao de terra na Amaznia e emitiu umnmero muito limitado de ttulos. Como resultado, pedidos de regularizao fundiria acumulam-se nos escritrios regionais naAmaznia.

    Por outro lado, mesmo com essa mudana de prioridade e a falta de uma lei que especificasse a forma de regularizao de terrasentre 100 e 2,5 mil hectares, rgos pblicos federais continuaram sinalizando que essas posses seriam, de alguma forma,reivindicaes legtimas. Atendendo s solicitaes dos posseiros, o Incra emitiu muitas Declaraes de Posse reconhecendo queo posseiro estava ocupando a terra pblica pacificamente e que tal rea estava sujeita a um processo de titulao pelo Incra.Posseiros utilizavam esse documento para vrios propsitos, entre eles, aprovar, at 2003, planos de manejo para extrao demadeira no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama).

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    Alm disso, muitos posseiros tambm pagavam Imposto Territorial Rural (ITR) sobre suas posses e realizavam o cadastramento deseus imveis no Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra (SNCR) para obteno do Certificado de Cadastro Rural de Imveis(CCIR). Esse certificado um documento essencial para a realizao de transaes com imveis rurais e muitas vezes erautilizado como prova da ocupao em terra pblica, sendo aceito inclusive para obteno de emprstimos bancrios, mesmo queno estivessem atrelados a uma propriedade legalmente constituda. O pagamento do ITR e o cadastramento da posse no Incraforam mais do que compensados pelo fato de o governo no haver cobrado qualquer pagamento pela madeira extrada nessasterras ou pelo seu uso agrcola.

    Um forte movimento social a favor da regularizao de posses maiores que 100 hectares comeou a crescer no incio da dcadade 2000, induzido por demandas por licenciamento ambiental de explorao de madeira e desmatamento nas posses. Omovimento comeou com os posseiros associados extrao de madeira e, mais tarde, incluiu a participao de fazendeiros. Emnovembro de 1999, o Ministrio Pblico Federal (MPF) no Par solicitou ao Incra e Ibama a assinatura de um termo de ajuste deconduta referente ao procedimento para inspecionar a localizao das posses. O Ibama foi obrigado a solicitar ao Incra aconfirmao da localizao de todas as posses antes de renovar ou aprovar novos planos de manejo florestal. Porm, esseprocesso de comunicao entre os rgos poderia levar mais de um ano para ser concludo e, por isso, os madeireirosaumentaram a presso por regularizao fundiria. Posseiros de reas maiores do que 100 hectares aumentaram a presso paraa regularizao em 2002 depois que o Ibama reduziu para 13 os tipos de documento de terra aceitos para a autorizao deexplorao de madeira e posteriormente para trs tipos em 2006[2].

    O movimento pela regularizao fundiria ganhou mais fora depois da tentativa do governo federal de arrecadar as terras emposses por meio do recadastramento de imveis rurais em 2004. Como resultado, os primeiros sinais de flexibilizao das regraspara regularizao de terras surgiram em 2005 com o aumento do limite de rea para regularizao sem necessidade de licitao.Inicialmente, a Lei 8.666/1993, que trata de regras de licitao, exclua a exigncia de licitao apenas para imveis de at 100hectares. Em 2005, esse limite foi alterado para 500 hectares pela Lei 11.196/2005, que no tratava de assuntos fundirios. Porisso, essa mudana passou despercebida do debate pblico. Em 2008, o limite foi novamente alterado pela Lei 11.763/2008,passando para 15 mdulos fiscais, no excedendo 1,5 mil hectares. Ou seja, em um espao de trs anos, os limites de rea deregularizao fundiria em terras pblicas sem licitao praticamente quadruplicou.

    Aps essa alterao, o Incra publicou as Instrues Normativas (IN) 45 e 46, em maio de 2008, para adaptar os procedimentos deregularizao fundiria (Brito & Barreto, 2009a). Em seguida, a MP 458/2009 surgiu na tentativa de consolidar um processo maisrpido para emisso de ttulos de terra na Amaznia. Essa MP foi convertida na Lei 11.952/2009, sob crticas de vrios setores dasociedade civil (Quadro 1). As principais inovaes dessa lei so explicadas a seguir.

    _________________________

    2 A Instruo Normativa do Ibama n 04/2002, Anexo II, lista 13 tipos de documentos aceitos como prova de justa posse paraobteno de plano de manejo florestal. A Instruo Normativa n 04/2006, Anexo II, lista trs tipos de documento.

    2.1. Nova legislao fundiria de 2009

    Em geral, os requisitos bsicos que existiam em legislaes anteriores de regularizao de terras foram mantidos pela Lei11.952/2009, como a exigncia de exercer cultura efetiva no imvel, ter ocupao mansa e pacfica, realizar o georreferenciamentodo imvel (de acordo com a Lei 10.267/2001 e Decreto 4.449/2002) e de no ser proprietrio de outro imvel rural (Quadro 2).Porm, a Lei 11.952/2009 trouxe inovaes relativas ao pagamento da terra. Nesse sentido, terras de at 1 mdulo fiscal serodoadas; imveis entre 1 e 4 mdulos fiscais sero vendidos com valores diferenciados e abaixo do valor de mercado; e reas entre4 e 15 mdulos fiscais sero vendidas por valores determinados nas tabelas de referncia do Incra, sobre as quais incidirondices relativos localizao e condio de acesso, tempo de ocupao e tamanho da rea (Quadro 2).

    A lei tambm restringe os tipos de pessoas que podem se beneficiar da regularizao fundiria. Ficam excludas as pessoasjurdicas, proprietrios de imveis, estrangeiros, quem exerce cargo ou emprego pblico no Incra, no MDA, na Secretaria dePatrimnio da Unio do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (MPOG), ou nos rgos estaduais de terras. Porm, a leino trata de titulao para diferentes membros de uma mesma famlia. frequente encontrar solicitaes de regularizao devrios imveis vizinhos, todos pertencentes a familiares (por exemplo, pais e filhos, tios e sobrinhos). A falta de impedimentos oulimitaes a regularizaes nesses casos uma fragilidade da nova lei, pois pode permitir que grandes imveis sejam fracionadosentre familiares para atender s regras de regularizao. Por exemplo, um imvel de 2,5 mil hectares poderia ser dividido em cincoimveis de 500 hectares.

    Outro aspecto importante e polmico da lei a iseno de vistoria obrigatria para imveis abaixo de 4 mdulos fiscais, comoforma de acelerar o processo de titulao. Essa medida foi amplamente criticada antes da aprovao da lei, pois fragiliza averificao da real existncia de ocupaes e principalmente porque dificulta a identificao de demandas de reconhecimento deterritrios de povos e comunidades tradicionais nas reas que sero tituladas. Por exemplo, sem fazer a vistoria, o MDA poderiaemitir um ttulo privado sobreposto a um territrio de uso coletivo que ainda no tenha sido formalmente reconhecido. Essa falta devistoria foi um dos motivos que ensejou a Ao Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo MPF logo aps a aprovao dalei, na qual existe um pedido de liminar para que todas as reas sejam vistoriadas antes da emisso de ttulos (Ver mais detalhesna seo 2.2)[3]. Tal pedido ainda no havia sido apreciado at julho de 2010, mas o Decreto 6.992/2009 que regulamentou a Lei11.952/2009 buscou parcialmente atender essa demanda por vistoria.

    Esse decreto estabelece que deve haver vistoria em reas abaixo de 4 mdulos fiscais em trs situaes: 1) existncia deautuao por infrao ambiental ou trabalho anlogo escravido; 2) cadastramento da posse feito via procurao em vez de peloprprio ocupante; e 3) existncia de conflito no imvel. Ademais, o decreto estabelece que, alm do cadastramento das posses, oMDA deve realizar identificao ocupacional por municpio ou por gleba. Segundo Marco Antnio de Almeida, Procurador daRepblica, essa exigncia seria, na prtica, uma forma de verificar se todas as reas cadastradas esto realmente sendoocupadas, o que atenderia preocupao de evitar titulao de falsas ocupaes e preveniria ttulos sobrepostos a reas deocupao por povos e comunidades tradicionais[4].

    Em relao a imveis acima de 1,5 mil hectares, a Lei 11.952/2009 estabelece que seus ocupantes podero regularizar apenas olimite que estiver de acordo com os requisitos previstos nesta norma. Ou seja, a rea excedente dever ser devolvida ao poderpblico. Assim, de acordo com a legislao vigente, a regularizao de reas acima de 1,5 mil hectares s poder ocorrermediante processo licitatrio. Para reas acima de 2,5 mil hectares, continua prevalecendo a exigncia constitucional deautorizao prvia do Congresso Nacional[5].

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    Finalmente, uma alterao importante feita pela Lei 11.952/2009 foi delegar a responsabilidade de regularizao fundiria naAmaznia diretamente ao MDA e retir-la do Incra, que at ento era o rgo que possua tal atribuio. Essa alterao devervigorar por cinco anos, prazo que poder ser renovado por igual perodo. Um dos principais motivos que ensejaram essa mudanaforam crticas feitas ao Incra pela morosidade na regularizao fundiria. Essa transferncia da competncia para regularizaofundiria na Amaznia gerou a necessidade de criao de uma estrutura especfica para atender a essa demanda no MDA. Porm,na prtica, o Incra continua sendo um dos principais suportes do MDA nessa funo, seja por meio da alocao de funcionriosseus para trabalhar no Programa Terra Legal ou pelo apoio tcnico de seus departamentos. Esse assunto ser mais discutido naseo 3.

    _________________________

    3 Nmero de referncia da Adin no STF: ADI/4269.

    4 Informao obtida durante a 5 reunio do Grupo Executivo Interministerial (GEI) de acompanhamento do Programa Terra Legal,em 25/03/2010, Porto Velho, RO.

    5 Art. 49, XVII da Constituio Federal de 1988.

    Quadro 1 . Processo polmico de converso em lei da Medida Provisria 458/2009.

    A MP 458/2009 foi assinada em 10 de fevereiro de 2009 pelo Presidente Luiz Incio Lula da Silva. Como o trmite de

    uma MP curto e com pouco espao para interao da sociedade civil[6], ela foi alvo de vrias crticas, j que o temade venda e doao de terras pblicas na Amaznia complexo e necessitava de discusso com diferentes grupos de

    interesse na regio.

    Os principais aspectos levantados contra a MP 458/2009 foram: 1) a previso de doao de terras para imveis de at

    um mdulo fiscal e longos prazos para pagamento de imveis maiores, o que representa a premiao de ocupantesirregulares e que se beneficiaram dos recursos naturais nesses imveis de forma gratuita; 2) a falta de vinculao ao

    Zoneamento Ecolgico-Econmico, considerando que muitos Estados da regio ainda no haviam concludo esse

    processo; e 3) a determinao de vistoria das posses apenas para imveis acima de 4 mdulos fiscais, o que limitariaa capacidade de identificao de conflitos e de sobreposio com territrios ocupados por populaes tradicionais

    (Brito & Barreto, 2009a).

    Durante os quase quatro meses de tramita-o da MP ocorreram apenas quatro debates pblicos e a MP foi convertidana Lei 11.952/2009 pelo Congresso Nacional, em junho de 2009. Considerando que essa lei federal incidir em

    aproximadamente 670 mil quilmetros quadrados da Amaznia (quase duas vezes os Estados de So Paulo e Paran

    juntos), seria recomendvel que houvesse ao menos uma audincia pblica em cada um dos nove Estadosabrangidos por essa lei.

    O texto original da MP 458/2009 chegou a sofrer modificaes antes de votao pelo Congresso aps apresentao

    do relatrio do Deputado Asdrbal Bentes, relator dessa MP. As modificaes propostas no relatrio aumentariam aabrangnciada MP ao permitir, por exemplo, que pessoas jurdicas utilizassem as novas regras ou que o prazo de

    ocupaes regularizveis fosse ampliado at 2009 (Brito & Barreto, 2009b). No entanto, aps a votao final, a nova lei

    federal vedou a possibilidade de regularizao de imveis a pessoas jurdicas, proprietrios de imveis, estrangeiros efuncionrios de rgos ligados a assuntos fundirios. Alm disso, ela tambm limitou a possibilidade de regularizao

    apenas para ocupaes realizadas at 1 de dezembro de 2004 (Ver Quadro 2).

    Quadro 2. Principais mudanas com as novas regras fundirias na Amaznia.

    6 O prazo para converso de medidas provisrias em lei de sessenta dias, prorrogvel por igual perodo quando sua votao nofoi encerrada pela Cmara dos Deputados e pelo Senado (art. 62, 3 e 7 da Constituio Federal).

    7 IN do Incra 45/2008.

    8 INs do Incra 45/2008 e 46/2008.

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    9 INs do Incra 45/2008 e 46/2008.

    10 IN do Incra 45/2008.

    11 IN do Incra 46/2008.

    12 INs do Incra 45/2008 e 46/2008.

    2.2. Ao Direta de Inconstitucionalidade (Adin)

    Em julho de 2009, o MPF ingressou com a Adin 4.269/2009 contra a Lei 11.952/2009. De acordo com o MPF, os principaisaspectos da lei que violariam a Constituio Federal so:

    a. Regularizao em territrios quilombolas. O MPF entende que a redao da lei 11.952/2009 (art. 4, 2) pode ensejar umainterpretao errnea de que territrios quilombolas poderiam ser regularizados em favor de terceiros, o que seria inconstitucional.Nesse caso, o MPF solicita que o Superior Tribunal Federal (STF) vincule a interpretao da lei Constituio a fim de evitarposicionamentos diferentes na aplicao dessa lei.

    b. Dispensa de vistoria obrigatria para imveis abaixo de 4 mdulos fiscais. A ausncia de verificao de imveis abaixo de 4mdulos fiscais antes da emisso de ttulos seria uma afronta aos princpios da razoabilidade e proporcionalidade. O MPF acreditaque o argumento de economia de tempo dos rgos fundirios, usado para embasar a dispensa de vistoria, colocaria em granderisco o patrimnio pblico e o direito de grupos tnicos e culturais, como indgenas, quilombolas e populaes tradicionais. Dessaforma, o MPF solicita que o artigo 13 da Lei 11.952/2009, que fala da dispensa de vistoria, seja declarado inconstitucional.

    c. Recuperao de reas degradadas posterior titulao. Segundo o MPF, a lei falhou com o dever constitucional de proteo aomeio ambiente quando no condicionou a regularizao fundiria recuperao prvia das reas degradadas no art.15 da Lei11.952/2009. Por isso, pede que esse artigo seja interpretado conforme a Constituio, de forma a garantir que o critrio deaproveitamento racional e adequado dos imveis, previsto na Lei 11.952/2009, inclua a necessidade de recuperao de passivoambiental.

    d. Hiptese de retomada da rea por desmatamento em rea de Preservao Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). O MPFacredita que a lei no deveria restringir a hiptese de retomada das reas tituladas apenas na ocorrncia de desmatamento emAPPs e RLs. Pelo dever constitucional de proteo ao meio ambiente, outros crimes ambientais deveriam ser considerados, comodesmatamento ilegal fora dessas reas e explorao florestal sem autorizao. Assim, o MPF solicita que a interpretao da leitambm inclua no critrio de aproveitamento racional e adequado dos imveis, previsto na Lei 11.952/2009, a obrigao de norealizar qualquer tipo de desmatamento irregular nos imveis.

    e. Diferenas nos prazos de alienao dos imveis regularizados. A lei permite que imveis acima de 4 mdulos fiscais sejamvendidos trs anos aps a titulao, mas fixa prazo mnimo de dez anos para imveis abaixo desse tamanho. Essa disposio fereo princpio da isonomia ao impor critrios discriminatrios para pequenos proprietrios de terra. Nesse caso, o MPF solicita adeclarao de inconstitucionalidade dos artigos que estabelecem essa diferena (art. 15, 4 e 5) e a determinao de que oprazo para alienao de todos os imveis seja, no mnimo, de 10 anos.

    Na mesma ao, o MPF solicita que todos os pedidos descritos acima sejam concedidos via liminar, ou seja, antes do julgamentofinal da ao. Caso sejam deferidos, o efeito da liminar afetaria principalmente a fase de vistoria do Programa Terra Legal, quedeve iniciar ainda em 2010 (como ser visto nas sees posteriores). Nesse caso, o MDA seria obrigado a vistoriar todos osimveis, mesmo aqueles abaixo de 4 mdulos fiscais.

    Em resposta s alegaes do MPF, a Advocacia Geral da Unio (AGU) foi contrria a todos os argumentos, alegando que asmedidas previstas na Lei 11.952/2009 devem ser interpretadas em consonncia com a legislao sobre populaes quilombolas etradicionais e que, por isso, no haveria risco de regularizao de posses nos territrios ocupados por esses grupos. Sobre aexigncia de vistoria, a AGU considera que a lei segue o princpio da eficincia administrativa ao no prever a obrigatoriedade devistoria prvia em todos os imveis. Afirma tambm que em casos de constatao de conflitos, as vistorias sero realizadas e queessas no seriam as nicas formas de obter informaes sobre a situao dos imveis. Por exemplo, o MDA utilizar dados doSNCR, do Sistema de Proteo da Amaznia (Sipam), da Ouvidoria Agrria Nacional (OAN) e do Incra.

    Sobre as alegaes de falha na proteo ambiental, a AGU afirma que a obrigao de recuperao ambiental permanecer,mesmo aps a emisso do ttulo pelo Programa Terra Legal. Alega tambm que a lei exclui da possibilidade de regularizao asreas caracterizadas como florestas pblicas ou Unidades de Conservao. Finalmente, afirma que outras leis em vigor tambmsero aplicadas para proteo ambiental, a exemplo da Lei de Crimes Ambientais.

    A AGU tambm justifica o tratamento diferenciado de pequenas e mdias posses, j que a prpria legislao agrria faz essadistino de categorias. Alm disso, imveis abaixo de 4 mdulos fiscais possuem garantias mais favorveis de aquisiosegundo a lei (por exemplo, doao ou valores abaixo do mercado) e, por isso, devem ter tratamento diferenciado nas regras devenda para terceiros, com prazos maiores para alienao. A AGU alega ainda que essa medida visa combater o mercado ilegal deterras e evitar a concentrao fundiria, fixando o pequeno proprietrio por mais tempo na terra.

    At julho de 2010 o pedido de liminar da Adin no havia sido julgado. De fato, no havia nenhum andamento processual registradoem 2010 para essa ao (STF, 2010). Um efeito da demora no julgamento, caso os argumentos do MPF prevaleam no STF, sero impacto em ttulos j emitidos at que a deciso ocorra. Por exemplo, no caso dos ttulos emitidos sem vistoria, o STF podedeterminar que todos sejam invalidados para se submeterem vistoria. Outra possibilidade seria reconhecer a validade dos ttulosj emitidos, mas determinar que os posteriores se submetam vistoria prvia. Dessa forma, essencial que essa ao sejajulgada o quanto antes pelo STF para determinar qual o seu impacto na implementao da lei por meio do Programa Terra Legal,que ser analisado de forma mais detalhada na prxima seo.

    3. Programa Terra Legal

    3.1. Estrutura administrativa

    Para implementar as novas regras de regularizao fundiria na Amaznia o MDA criou o Programa Terra Legal, com o objetivo debeneficiar at 300 mil posseiros dentro das glebas federais em 463 municpios na Amaznia Legal (Figura 1). Para isso, foinecessrio adaptar a estrutura executiva do MDA para exercer essa nova atribuio, o que ocorreu ainda no perodo de vigncia

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    da MP 458/2009.

    Figura 1. Glebas federais na Amaznia de atuao do Programa Terra Legal.

    O Decreto 6.813/2009 criou, dentro da Secretaria Executiva do MDA, o Departamento de Planejamento, Monitoramento eAvaliao da Regularizao Fundiria na Amaznia Legal. O mesmo decreto tambm criou o cargo de Secretrio ExecutivoAdjunto de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal, que tem como funes: 1) coordenar, normatizar e supervisionar oprocesso de regularizao fundiria de reas rurais na Amaznia Legal; 2) expedir os ttulos de terra; 3) celebrar contratos,convnios e termos necessrios ao cumprimento das metas e objetivos relativos regularizao fundiria na Amaznia Legal; e 4)determinar Superintendncia Nacional de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal, rgo do Incra, a execuo de medidasadministrativas e atividades operacionais relacionadas regularizao fundiria na regio (Figura 2).

    Para auxiliar as funes do Secretrio Executivo Adjunto de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal, o MDA criou onzecoordenaes estaduais do Terra Legal, sendo uma em cada Estado da Amaznia Legal e duas adicionais no Par (Santarm eMarab). Na maioria dos casos, os coordenadores estaduais e tcnicos que trabalham nos Estados so funcionrios do Incra, queforam alocados nessas novas funes. Alm disso, o prprio Incra tambm colabora com o Terra Legal por meio de suaSuperintendncia Nacional de Regularizao Fundiria na Amaznia Legal, que est subordinada ao MDA. Por sua vez, estasuperintendncia tambm possui representantes estaduais (chefes de diviso), que apoiam as coordenaes estaduais do TerraLegal (Figura 2). O remanejamento de funcionrios do Incra para essa funo afetou a execuo de outras atividades desse rgo,como pode ser constatado no relatrio de atividades de 2010 do Incra. Nesse documento, o rgo indica que houve grandedeslocamento dos servidores do setor de Cadastro Rural para atuar no Terra Legal, o que afetou as atividades de cadastramentonas 11 Superintendncias do Incra na Amaznia Legal (MDA, 2010a). Porm, segundo o Coordenador Estadual do Terra Legal noPar, em Janeiro de 20009 o MDA no dever deslocar mais do que 10% de todos os funcionrios do Incra na Amaznia Legalpara atender o Programa[13].

    A estrutura do Terra Legal tambm inclui o Grupo Executivo Intergovernamental (GEI), criado pelo Decreto sem nmero de 27 deabril de 2009 (Figura 2). O GEI, que se rene a cada trs meses, define diretrizes e monitora as aes de regularizao fundiriano Terra Legal. O grupo formado por rgos do governo federal e estaduais, incluindo um representante de cada governo dosEstados da Amaznia Legal, Casa Civil, MDA, Incra, Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, Secretariade Relaes Institucionais da Presidncia da Repblica, Ministrio do Meio Ambiente (MMA), Ministrio das Cidades (MC) eMPOG. A sociedade civil participa do GEI na categoria de convidados, ou seja, sem direito a voto nas decises, e tem direito aapenas trs representaes. Atualmente, essas vagas so ocupadas pela Confederao Nacional de Agricultura (CNA),Confederao Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) e Frum Amaznia Sustentvel, o qual representado peloGrupo de Trabalho Amaznico (GTA) e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia (Imazon). O MPF tambm passou aparticipar do GEI como convidado a partir de 2010.

    Alm disso, cada Estado possui um Grupo Executivo Estadual, com funes similares ao GEI, mas em nvel local (Figura 2). Emgeral, esses grupos so formados pela coordenao estadual do Terra legal, algumas secretarias estaduais (por exemplo,secretaria de meio ambiente), rgo de terra, representao estadual da Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural(Emater) e centro regional do Sipam. Nos Estados, o Terra Legal tambm criou um Grupo de Controle Social, formado porrepresentaes locais da sociedade civil, MPF e Ministrio Pblico Estadual (MPE), alm de outros rgos. A frequncia dereunies desses grupos no fixa.

    Figura 2. Estrutura executiva do Programa Terra Legal.

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    13 Informaes obtidas em entrevista com Raimundo Alves (Castanheira), coordenador estadual do Terra Legal no Par, em14/01/2010.

    3.2. Execuo de atividades

    As principais fases para a titulao de imveis no Programa Terra Legal so cadastramento, georreferenciamento, vistoria (quandoprevisto em lei), emisso do ttulo (Figura 3) e monitoramento ps-titulao. No lanamento do Programa, em 2009, o MDAanunciou que a execuo das quatro primeiras fases duraria apenas 60 dias em virtude da mudana e simplificao das regras deregularizao promovidas pela Lei 11.952/2009. No entanto, o incio da implementao da lei e do programa demonstrou que ogrande passivo de problemas fundirios da Amaznia Legal fora subestimado quando essa meta foi estabelecida.

    No primeiro ano do Programa Terra Legal, a atuao em campo concentrou-se na fase de cadastramento e, at abril de 2010, nohaviam sido emitidos ttulos de terra provenientes desses cadastros efetuados. No entanto, ainda em 2009, o MDA entregou 276ttulos de terra para posseiros na regio da BR-163 no Par e Mato Grosso e tambm em Rondnia (MDA, 2010b). Esses imveisrepresentam demandas para regularizao fundiria anteriores ao Programa Terra Legal e aes de georreferenciamentorealizadas entre 2007 e 2008. As sees seguintes avaliam de forma mais detalhada os principais avanos e dificuldadesocorridos nas quatro fases iniciais do Terra Legal em seu primeiro ano.

    Figura 3. Principais fases do Programa Terra Legal para emisso de ttulos de terra.

    4. Cadastramento de Posseiros

    A primeira etapa para obteno do ttulo via Terra Legal o cadastramento de posseiros durante as expedies que sorealizadas pelo programa. A prioridade de cadastramento no primeiro ano do programa foi para posses em municpios includos noPrograma Territrios da Cidadania[14] e no Programa Arco Verde[15], ambos do governo federal.

    Posseiros de municpios no abrangidos por esses programas podem realizar o cadastramento de suas terras nos locais em quehouver atendimento do Programa Terra Legal, mas no tero prioridade para titulao de terras. Alm disso, mesmo que oposseiro j tenha realizado pedidos de regularizao de posse anteriores ao Terra Legal, ele deve fazer o cadastramento noprograma, pois pedidos anteriores no sero resgatados.

    Alm dos cadastramentos feitos nas expedies municipais, o Terra Legal tambm incorporou dados cadastrais de possesexistentes em bancos de dados de outras instituies, como o de Declaraes de Aptido ao Pronaf (DAP), administrado peloIncra; da Agncia de Defesa Agropecuria do Estado do Par (Adepar); Planos de Manejo Comunitrio do Estado do Amazonas;Instituto de Desenvolvimento Agropecurio e Florestal Sustentvel do Estado do Amazonas (Idam); e Agncia de Defesa SanitriaAgrossilvopastoril do Estado de Rondnia (Idaron) (MDA, 2010c).

    As informaes dos cadastros so inseridas no Sisterleg, o sistema criado para gerenciar os dados do Terra Legal. Asinformaes bsicas desses cadastros so disponibilizadas no stio eletrnico do programa, incluindo nome do posseiro,endereo, tamanho do imvel, municpio, Estado e nmero do processo. A partir do Sisterleg, os dados so repassados ao Centrode Inteligncia do Terra Legal, que envolve o Sipam e a Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin). Ento, os dados docadastramento so cruzados com informaes do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Instituto Nacional doSeguro Social (INSS), Secretaria Nacional de Segurana Pblica (Senasp) e Receita Federal (por exemplo, com dados do ITR).Cada cadastro inserido no Sisterleg forma um processo administrativo diferenciado, que encaminhado para a fase degeorreferenciamento (Figura 4).

    A anlise do Centro de Inteligncia tambm detecta casos de cadastros que contm o mesmo telefone ou que possuem o mesmosobrenome para identificao de casos suspeitos de fracionamento irregular de imveis. Alm disso, o programa criou um sistemade denncias via Internet[16]. As denncias recebidas tambm so avaliadas pelo Centro de Inteligncia e por funcionrios doprograma, que exibem as reclamaes e suas respostas de encaminhamentos no prprio stio eletrnico.

    A combinao de aes de campo e a importao de dados de sistemas resultaram em 74.132 cadastros de posses,correspondentes a aproximadamente 8,3 milhes de hectares no primeiro ano do Terra Legal. Segundo o MDA, mais da metadedos cadastros efetuados at maio de 2010 (52%) ocorreu com a importao de dados das DAPs (MDA, 2010d).

    Figura 4. Procedimentos na fase de cadastramento de posses no Programa Terra Legal.

    No entanto, um problema em potencial dessa prtica que no h previso legal de vistoria obrigatria para imveis cadastradosvia importao de dados de outros sistemas. Ou seja, os imveis de at 4 mdulos fiscais cadastrados dessa forma podem serdispensados de vistoria e, com isso, no seria possvel confirmar se essas informaes so verdicas e se essas reas realmenteesto sendo ocupadas pelas pessoas indicadas nos sistemas. Dessa forma, recomendvel que o MDA realize vistorias emposses cadastradas via importao de dados e abaixo de 4 mdulos fiscais.

    Alm disso, durante um seminrio realizado em 10 de junho de 2010, em Santarm, pelo MPF, representantes de sindicatos de

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    trabalhadores rurais afirmaram ter identificado nomes de assentados de reforma agrria dentre os cadastros exibidos na internet.Contudo, pessoas beneficiadas com lotes de reforma agrria no podem ser beneficirias da regularizao fundiria via Lei11.952/2009. Para responder a esse tipo de acusao e aumentar a transparncia das aes do Programa, o MDA deve divulgar aatualizao das listas de cadastramentos aps as anlises do Centro de Inteligncia do Terra Legal. Mesmo que alguns casosnecessitem de comprovao de fatos via vistoria, situaes como as apontadas no seminrio em Santarm podem ser facilmenteexcludas do cadastro aps checagem no banco de dados de assentamentos de reforma agrria do Incra.

    Finalmente, outro fato que merece ateno em relao ao cadastramento a baixa quantidade de denncias no primeiro ano doprograma, chegando a 49 casos at 23/04/2010 (MDA, 2010e). Um motivo possvel para esse resultado seria a limitao deacesso internet nos municpios da Amaznia, principalmente na zona rural. Dessa forma, essencial que o MDA amplie a formade divulgao da lista de cadastro e recebimento de denncias. Para isso, pode criar um disk denncias e fazer parcerias cominstituies locais nos municpios, como sindicatos de trabalhadores rurais.

    Para um entendimento mais aprofundado das caractersticas dos cadastros efetuados no primeiro ano do Terra Legal, analisamosos dados divulgados no portal eletrnico do programa, conforme ser explicado a seguir.

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    14 O Programa Territrios da Cidadania objetiva promover o desenvolvimento econmico e universalizar programas bsicos decidadania. Mais informaes em: http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community. Acesso em: 13abr. 2010.

    15 O Programa Arco Verde foi direcionado a municpios que foram alvo de grandes operaes de fiscalizao ambiental em2008/2009. O Arco Verde pretende levar aes de incentivo ao desenvolvimento sustentvel nessas localidades. Mais informaesem: http://portal.mda.gov.br/arcoverde/. Acesso em: 13 abr. 2010.

    16 http://portal.mda.gov.br/terralegal

    4.1. Metodologia de anlise de cadastros

    O objetivo das anlises foi identificar as principais estatsticas dos cadastros por Estado e municpios, incluindo municpios commaior nmero de imveis e rea inseridos no programa. Tambm avaliamos a quantidade de imveis e rea cadastrada em cadaclasse de tamanho estabelecida pela Lei 11.952/2009: abaixo de 1 mdulo fiscal, entre 1 e 4 mdulos fiscais e entre 4 e 15mdulos fiscais. Para isso, utilizamos a mdia de tamanho em hectares por mdulo fiscal em cada Estado da Amaznia Legal,considerando municpios que possuem glebas federais (Anexo 1).

    Alm disso, avaliamos a quantidade de rea em cada municpio que poderia ser objeto de regularizao fundiria, j que ainda notiveram destinao que modifique sua titularidade fundiria. A partir desse dado, calculamos o percentual dessa rea que foi objetode cadastramento. Para obter essa informao, contabilizamos em cada municpio a quantidade de rea transformada em reasProtegidas, com exceo de reas de Proteo Ambiental (APA)[17], e reas de projetos de assentamento. Depois subtramosesse valor da rea total municipal para encontrar o total de rea no afetada e que possivelmente estaria apta a ser alvo deregularizao fundiria[18]. Desse valor, extramos o percentual que foi objeto de cadastramento em cada municpio.

    Coletamos informaes dos cadastros de posses no stio eletrnico do portal do Programa Terra Legal entre os dias 18/06 e21/06, quando o site indicava 74.132 posses cadastradas em 8.369.872 hectares (MDA, 2010f). Para a anlise deste relatrio,foram excludos: 1) os cadastros repetidos, ou seja, aqueles que possuam o mesmo nmero do processo de cadastro, mesmonome do requerente, mesma rea requisitada e mesma indicao de endereo; 2) cadastros cuja rea cadastrada era igual a zero;3) cadastros cujo nome do Estado aparecia no lugar do nome do municpio; e 4) cadastros cujo Estado ou municpio estava fora daAmaznia Legal e, portanto, fora da rea de atuao legal do programa. Com isso, a lista final utilizada na anlise possui 73.596cadastros em 8.300.647 hectares.

    __________________________

    17 As APAs no modificam a titularidade fundiria da terra, ao contrrio de outras categorias de reas Protegidas nas quais area passa a ser pblica, mesmo que se sobreponha a reas privadas (que nesse caso, devem ser desapropriadas). Assim, acriao de uma APA, a princpio, no impede que ocorra regularizao fundiria em seu interior.

    18 Ressaltamos que para obter o valor mais exato da rea no afetada em cada municpio seria necessrio subtrair tambm o totalde reas que j possuem titulao privada, a rea considerada urbana e a rea ocupada por populaes tradicionais e indgenasque ainda no tiveram seus direitos terra reconhecidos. Esta ltima possui outras regras para regularizao fundiria, tambmdefinidas pela Lei 11.952/2009.

    4.2. Resultados gerais do cadastramento no primeiro ano do programa

    Dentre os cadastros analisados, o Par foi o Estado com o maior nmero de posses e proporo de rea: 49% dos imveis(35.815 posses) e 48% (4 milhes de hectares) da rea cadastrada (Figura 5). Em segundo lugar ficou Rondnia, com 21%(15.498) das posses inseridas no cadastro e 24% da rea (1,9 milho de hectares). Esses dois Estados tambm tiveram maiornmero de cidades visitadas nos mutires do Terra Legal, com 55 e 28 municpios, respec-tivamente (Figura 6) (MDA, 2010g).

    Os Estados com menor expresso no cadastramento foram Roraima e Amap, com menos de 1% dos imveis e da reacadastrada (Figura 5 e Tabela 1). Esses tambm foram os Estados com menor nmero ou nenhum municpio visitado no mutirodo programa em seu primeiro ano (Figura 6).

    A rea mdia das posses cadastradas em todos os Estados foi de 113 hectares. Mato Grosso apresentou o maior tamanho mdio;254 hectares (Tabela 1). Alm disso, o cadastro nos Estados atingiu, em mdia, apenas 4% da rea potencialmente passvel deregularizao, ou seja, fora de reas Protegidas (exceto APA) e assentamentos. O destaque ficou com Rondnia, onde oscadastros corresponderam a 22% das reas onde possivelmente no h definio fundiria (Tabela 1).

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    Figura 5. Distribuio percentual do nmero e da rea de posses cadastrados, por Estado, no primeiro ano do Programa Terra

    Legal (2009).

    Figura 6. Distribuio do nmero de cidades visitadas, por Estado, no primeiro ano do Programa Terra Legal (n=120) (2009).

    Tabela 1. Principais estatsticas do cadastro de posses, por Estado, no primeiro ano do Programa Terra Legal (2009).

    A maior parte de rea cadastrada (39%) estava concentrada nos imveis acima de 4 e menores que 15 mdulos fiscais, apesar derepresentarem apenas 8% do nmero de imveis cadastrados (Figura 7). Esses so imveis acima da categoria de agriculturafamiliar[19] e que, de acordo com a Lei 11.952/2009, devem pagar pela regularizao da terra. Por outro lado, considerando onmero de posses cadastradas, a maior parte (63%) concentrou-se na categoria de at 1 mdulo fiscal (at 76 hectares), quesero objeto de doao pela Lei 11.952/2009. Essas posses correspondiam a 16% da rea total cadastrada (Figura 7).

    Alm disso, 712 posses acima de 15 mdulos fiscais foram cadastradas, mesmo que a Lei 11.952/2009 no permita aregularizao desse tipo de imvel no Programa Terra Legal. Esses imveis somavam apenas 1% dos cadastros, mas abrangiamuma rea equivalente a 13% dos imveis cadastrados (1 milho de hectares). Mais da metade desses casos (59%) estava no Par(Figura 8), principalmente nos municpios de Altamira, Portel e Novo Progresso. De acordo com a legislao, os ocupantes desses712 imveis dispem de duas opes para regularizar suas posses: podero pleitear a regularizao de at 1,5 mil hectares edevolver o excedente ao domnio pblico (art. 14 da Lei 11.952/2009) ou podero regularizar a totalidade desde que dentro de umprocesso de licitao pblica, segundo regras da Lei 8.666/1993.

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    Figura 7. Distribuio do nmero e da rea de posses cadastrados, por tamanho de mdulo fiscal (MF), no primeiro ano doPrograma Terra Legal (2009).

    Figura 8. Distribuio percentual do nmero e da rea de posses acima de 15 mdulos fiscais cadastrados, por Estado, noprimeiro ano do Programa Terra Legal.

    No detalhamento por Estado, Mato Grosso e Amazonas apresentaram maior concentrao de terras. No Mato Grosso, quasemetade das posses (46%) esto abaixo de 1 mdulo fiscal, mas ocupam apenas 7% da rea total cadastrada. Por outro lado,imveis acima de 15 mdulos fiscais (acima do limite passvel de regularizao pelo Terra Legal) representam apenas 5% dasposses, mas ocupam 30% do total de rea cadastrada. J no Amazonas, 28% da rea est cadastrada em 2% de posses acimade 15 mdulos fiscais, enquanto que os 76% de posses de at 1 mdulo fiscal ocupam 19% da rea cadastrada.

    O Par tambm apresentou baixa proporo de rea para imveis abaixo de 1 mdulo fiscal (17%), apesar de essa categoriarepresentar 67% do nmero de imveis cadastrados. Finalmente, em Rondnia, a maior concentrao de rea foi na categoria deimveis entre 4 e 15 mdulos fiscais, com 56% da rea cadastrada em apenas 14% do total de posses (Figura 9). Mais detalhesdas estatsticas do cadastro de terras por Estado no Anexo 2.

    Figura 9. Distribuio percentual do nmero e da rea de posses cadastrados, por Estado e tamanho de mdulo fiscal (MF), noprimeiro ano do Programa Terra Legal (2009).

    __________________________

    19 De acordo com a Lei 11.326/2006, Art.3, I, agricultor familiar aquele que no detm, a qualquer ttulo, rea maior do que 4mdulos fiscais, dentre outros requisitos.

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    5. Georreferenciamento

    Aps a fase de cadastramento de posses, os dados registrados pelo MDA so encaminhados anlise do Centro de Intelignciapara apurao de irregularidades e tambm para o georreferenciamento. nesta etapa que so coletadas as localizaesgeogrficas exatas das posses, que passam a integrar a base de dados espaciais do Terra Legal.

    O georreferenciamento uma demanda relativamente recente para imveis rurais e busca solucionar um problema antigo efrequente nos ttulos de terra na Amaznia: a falta de preciso em sua localizao. Grande parte dos ttulos antigos possuareferncias geogrficas muito vagas (por exemplo, s margens de um determinado rio) e isso dificultava o controle sobre sualocalizao. O georreferenciamento foi introduzido como demanda do Incra em processos de recadastramento de imveis ruraisdesde 1997[20], mas foi apenas aps a Lei 10.267/2001 e o Decreto 4.449/2002 que sua exigncia foi consolidada (Barreto et al.,2008).

    De acordo com essas normas, o possuidor do imvel deve apresentar ao Incra o georreferenciamento de sua rea, geralmente nasconvocaes feitas pelo instituto para recadastramento dos imveis e emisso do CCIR. O georreferenciamento deve seguir asinstrues publicadas pelo Incra por meio de normas tcnicas e ser elaborado por profissional habilitado no Incra e com Anotaode Responsabilidade Tcnica (ART). Imveis abaixo de 4 mdulos fiscais so isentos dos custos do georreferenciamento peloIncra. Em seguida, o instituto faz a certificao do material apresentado, ou seja, certifica que as coordenadas do imvelapresentado no se sobrepem a nenhuma outra constante no cadastro georreferenciado do Incra e que o memorial descritivo doimvel atende as exigncias tcnicas.

    Em geral, o georreferenciamento e certificao so demorados. Para acelerar tais procedimentos no Terra Legal, o MDA adotoutrs medidas principais: terceirizao do trabalho de campo, simplificao de regras e desenvolvimento de software para analisardados do georreferenciamento.

    Primeiro, o MDA contratou empresas para realizar o georreferenciamento de todas as posses. A terceirizao desse trabalhopoder agilizar a execuo do trabalho nos municpios da Amaznia, pois se o Incra realizasse o trabalho, precisaria recrutarmuitos novos funcionrios, o que implicaria em alto custo e longo perodo para contratao via concurso pblico.

    Segundo, simplificou a norma para georreferenciamento e certificao especfica para regularizao fundiria na Amaznia. Paratanto, o MDA criou um grupo de trabalho interno para identificar as principais dificuldades impostas pelas normas vigentes degeorreferenciamento e propor modificaes e aperfeioamento. Esse trabalho resultou na Norma Tcnica paraGeorreferenciamento em Aes de Regularizao Fundiria Aplicada Amaznia Legal, aprovada pela Portaria do Incra 01/2009.De acordo com o MDA, algumas das principais diferenas desta nova norma para a anterior so: 1) a reduo do nmero delaudos que devem ser preparados pelos tcnicos (de 14 para 5); 2) a padronizao de peas tcnicas para facilitar a anlise nafase de certificao; e 3) a definio de uma pea tcnica central, que resume todo o resultado do georreferenciamento,acelerando, assim, a fase de certificao[21].

    Por ltimo, funcionrios do MDA, em parceria com o Sipam, desenvolveram um software para recepcionar digitalmente asinformaes coletadas em campo pelas empresas. Segundo o MDA, esse sistema permitir identificar automaticamenteinformaes inconsistentes, que sero ento avaliadas em campo pelo Incra. O MDA espera que essa medida tenha grandeimpacto na reduo de tempo na fase de certificao do georreferenciamento.

    Em relao terceirizao do georreferenciamento, as licitaes para contratao de empresas no primeiro ano do programaforam realizadas em outubro, novembro e dezembro de 2009 e maro de 2010. Para esses contratos, foram estimados trabalhosem aproximadamente 62 mil imveis nos nove Estados da Amaznia Legal (MDA, 2010h). Os trabalhos de campo iniciaram nofinal de 2009 e incio de 2010.

    Apesar de, inicialmente, o programa ter previsto realizar o georreferenciamento apenas das posses cadastradas no Terra Legal, arealidade de campo mostrou-se mais complexa e demandou adaptaes na execuo do programa. Mesmo que o MDA possuadados espaciais das glebas federais nas quais haver regularizao fundiria, a existncia de ttulos de propriedades no interiordessas reas incerta.

    Por exemplo, no passado, o governo federal emitiu Contratos de Promessa de Compra e Venda (CPCV) e Contratos de Alienaode Terras Pblicas (CATP) nessas glebas federais que nunca foram georreferenciados e cujas informaes esto distribudas nosescritrios estaduais do Incra. Segundo levantamento realizado pelo MDA, existem cerca de 130 mil ttulos nessa situao naAmaznia (Guedes, 2010). Antes de emitir um novo ttulo, imprescindvel identificar a localizao desses imveis, o que envolvertrabalho de campo e tambm de coleta de dados nos escritrios do Incra. Dessa forma, a orientao mais recente da coordenaodo programa que as empresas contratadas via prego realizem o georreferenciamento de todas as ocupaes encontradas nosquilmetros em que forem alocadas para trabalhar. A prioridade deve ocorrer nas glebas em que ocorra maior concentrao decadastramentos (MDA, 2010i).

    As empresas devem iniciar os trabalhos fazendo o georreferenciamento dos permetros das glebas selecionadas. Isso necessrio porque a maioria das glebas federais no foi delimitada com as normas tcnicas atuais de georreferenciamento e,portanto, possuem grande margem de impreciso. Em alguns casos, essa delimitao implicar tambm estipular limites maisprecisos entre glebas federais e estaduais. No entanto, a execuo do georreferenciamento no abranger o interior das glebasestaduais e nem das glebas que atualmente esto sob disputa judicial entre governo estadual e federal. Por exemplo, no Par, pelomenos duas glebas so objeto de disputa: gleba Cauaxi, no municpio de Ulianpolis, e gleba Maguari, no sul do Estado. Estaltima est em disputa judicial h mais de 30 anos.

    Aps essa etapa de georreferenciamento dos permetros das glebas, as empresas contratadas iniciaro a delimitao de cadaimvel, independente do seu tamanho. A execuo do georreferenciamento ser mais complexa nos imveis localizados entreglebas de jurisdies diferentes, ou seja, parte na federal e parte na estadual. Segundo a coordenao estadual do Terra Legal noPar, nesses casos as empresas avaliaro a possibilidade de delimitar as glebas seguindo os limites das propriedadeslocalizadas nas suas bordas a fim de evitar que imveis sejam repartidos entre duas jurisdies (Reis, 2010a).

    Aps a concluso do georreferenciamento em cada gleba, o MDA identificar as reas de atuao do Programa Terra Legal (deat 15 mdulos fiscais) e tambm far um diagnstico das reas maiores para avaliar os encami-nhamentos. Entre aspossibilidades esto arrecadao (ou seja, devoluo ao poder pblico) de reas cujos tamanhos necessitariam de autorizao doCongresso Nacional para serem regularizadas (acima de 2,5 mil hectares); regularizao via licitao para reas acima de 15mdulos fiscais e inferiores a 2,5 mil hectares; ou ainda abertura de discusso sobre a possibilidade de novas regras pararegularizar essas reas. Neste ltimo caso, a presso pelos ocupantes de grandes imveis ser crescente para flexibilizar alegislao atual e permitir que seus imveis sejam regularizados sem necessidade de licitao.

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    Concluda a fase de georreferenciamento e certificao, os processos seguem para a fase de vistoria (se acima de 4 mdulosfiscais ou abaixo desse tamanho nas hipteses previstas em lei) ou diretamente para titulao (quando a vistoria no exigida pelaLei 11.952/2009 ou Decreto 6.992/2009). No entanto, antes que os processos avancem para a fase de titulao, fundamental queo MDA divulgue nos municpios de atuao do programa os mapas produzidos com dados georreferenciados.

    Apesar dos dados de cadastramento de posses estarem disponveis na internet, eles no so suficientes para identificarsobreposies de pelo menos dois tipos: entre diferentes demandas de titulao e entre demanda por titulao e reas jdestinadas, como por exemplo, propriedades privadas no georreferenciadas, reas Protegidas e assentamentos. Por isso, recomendvel que o MDA divulgue os mapas com as posses nos municpios onde ocorreram as aes de georreferenciamentopara que os atores locais possam se pronunciar a respeito.

    Por exemplo, os mapas devem ser enviados para as prefeituras, associaes de produtores, sindicatos de trabalhadores rurais emovimentos sociais. Essas instituies conhecem sobre a realidade da ocupao local e podem indicar problemas desobreposies, limites incorretos de posses (por exemplo, casos em que os requerentes indicam uma rea maior do que ocupam)ou at de solicitaes feitas por pessoas que no ocupam as reas diretamente. Esse processo de consulta ser particularmenteimportante para imveis nos quais no obrigatria a vistoria prvia emisso do ttulo.

    _________________________

    20 O recadastramento de imveis rurais um processo coordenado pelo Incra para atualizar as informaes do Sistema deCadastro de Imveis Rurais e detectar irregularidades relacionadas titulao de imveis. Mais detalhes em Barreto, P; Pinto, A.;Brito, B. & Hayashi, S. 2008. Quem dono da Amaznia. Uma anlise do recadastramento de imveis rurais. Belm, Imazon: 74p.

    21 MDA. Terra Legal. Apresentao realizada em 29 de maio de 2009 para o Grupo Executivo Intergovernamental.

    6.Vistoria

    Aps o georreferenciamento, parte das solicitaes de regularizao segue para a fase de vistoria. Esta uma exigncia legal emtodos os imveis acima de 4 mdulos fiscais. Abaixo desse tamanho, a vistoria obrigatria em trs situaes: 1) casos em quehouve identificao de conflitos pela posse da terra; 2) autuao por crime ambiental ou por manter trabalhadores em condioanloga escrava; ou 3) quando o cadastramento foi feito via procurao, ou seja, no foi feito pelo posseiro.

    Essas vistorias, ao contrrio daquelas realizadas em aes de desapropriao, so mais rpidas, pois no tm como objetivoavaliar o imvel e as benfeitorias existentes, e sim comprovar a ocupao direta anterior a 2004. No entanto, essa caractersticano foi considerada na Lei 11.952/2009, que limitou a obrigatoriedade de vistoria prvia.

    Mesmo que nenhuma vistoria tenha ocorrido no primeiro ano do programa em virtude do atraso no incio da fase degeorreferenciamento, esse tema tem gerado vrios desdobramentos e questionamentos, principalmente envolvendo os riscos detitulaes sem vistoria em reas com outros tipos de ocupao prioritria pela lei (como reas de povos indgenas e comunidadestradicionais). A seguir, descrevemos medidas legais e operacionais que foram implementadas no primeiro ano do programa parareduzir os riscos de titulao indevida em reas sem vistorias, alm das limitaes que ainda permanecem nesse tema.

    6.1. Recomendao do Ministrio Pblico Federal em Santarm

    O MPF em Santarm emitiu uma recomendao para que a coordenao estadual do Terra Legal realize vistorias em todos osimveis (MPF, 2009), em especial nos municpios onde foram identificadas comunidades quilombolas e tradicionais. A ttulo deexemplo, o MPF enviou coordenao do Terra Legal uma lista contendo 525 demandas para reconhecimento de territriosquilombolas e de populaes tradicionais em 64 municpios do Par. A vistoria prvia nesses municpios evitaria sobreposiesno apenas em casos de outros ttulos privados, mas principalmente para casos de posses de populaes tradicionais cujosdireitos territoriais ainda no foram reconhecidos pelos rgos competentes.

    A princpio, a coordenao estadual do Terra Legal no Par optou por no seguir a recomendao do MPF e realizar vistoriasapenas nos casos previstos na Lei 11.952/2009 e no Decreto 6.992/2009. No entanto, esse posicionamento foi revisto e, pordeterminao da coordenao geral do Terra Legal, os municpios indicados pelo MPF em sua recomendao no sero includosnos trabalhos do Terra Legal em 2010.

    Alm disso, segundo o Secretrio Adjunto de Regularizao Fundiria da Amaznia Legal, o MDA pretende fazer uma parceriacom o MMA para identificao de reas de uso de populaes tradicionais. O MMA atuaria em conjunto com organizaes decomunidades tradicionais na Amaznia para identificar reas de uso de comunidades com o uso de GPS para delimitar polgonos.Essas reas seriam ento excludas da rea de atuao do Terra Legal e, apesar de no garantirem a regularidade fundiria daspopulaes ali residentes, ajudariam a criar uma zona de conforto para atuao do Terra Legal nesses municpios.

    A implementao da proposta de parceria com o MMA e movimentos sociais seria um grande avano para prevenir titulaes doTerra Legal em reas que possuem outras destinaes prioritrias por lei e cujo processo de regularizao mais demorado.Esse trabalho tambm poderia iniciar nos rgos competentes processos de reconhecimento dos territrios das populaesidentificadas de acordo com a legislao especfica para esse assunto. No entanto, para que essa seja realmente uma medida depreveno, as aes de identificao deveriam anteceder o incio de emisso de ttulos. Contudo, como ser exposto na seo 7,o Programa pretende emitir j em 2010 em torno de 23 mil ttulos na Amaznia, o que pode limitar o efeito da parceria proposta aoMMA.

    6.2. Manifestao prvia de rgos ambientais e fundirios

    Outra medida adotada para reduzir o risco de titulaes indevidas a obrigatoriedade de consulta prvia sobre glebas a seremregularizadas. Essa consulta deve ser feita aos rgos competentes na rea ambiental e no reconhecimento de direitos territoriaisde populaes tradicionais e indgenas, de acordo com o Decreto 6.992/2009.

    Esses rgos tm at trinta dias para se manifestarem se houver alguma demanda sobre as mesmas glebas que sero destinadas regularizao fundiria privada. Caso exista interesse e o MDA tambm mantenha interesse na regularizao, a deciso caberao GEI. No entanto, a falta de pronunciamento desses rgos no prazo de trinta dias ser interpretada como ausncia de oposio regularizao.

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    Considerando que outros rgos, principalmente a Fundao Nacional do ndio (Funai), possuem restries financeiras e derecursos humanos, improvvel que atendam ao prazo de trinta dias indicado no decreto. Por exemplo, Leila Souto Maior, umacoordenadora da Funai em Braslia, informou que a instituio tem passado por uma reestruturao desde 2009 e que isso temafetado a capacidade de interagir com outras instituies. Mesmo assim, ela afirmou que a Funai encaminhou ao Programa TerraLegal indicaes de municpios onde haveria demandas de demarcao de Terras Indgenas. Porm, como o processo parareconhecimento envolve etapas longas, incluindo estudos antropolgicos, a Funai no possui polgonos que indiquem exatamenteonde seriam as novas Terras Indgenas.

    Para facilitar e agilizar o processo de interao entre o Terra Legal e outras instituies, os rgos interessados deveriam constituirum grupo de trabalho para tratar dos interesses e conflitos em cada gleba que ser regularizada, excluindo do programa reas comindicao de demandas indgenas, mesmo sem delimitao mais especfica.

    6.3. Critrios para vistorias abaixo de quatro mdulos fiscais

    Apesar do Decreto 6.992/2009 ter estabelecido critrios para realizao de vistoria em imveis abaixo de 4 mdulos fiscais,existem vrias limitaes para que eles sejam aplicados, principalmente nos critrios de identificao de conflitos pela posse daterra e autuao por crime ambiental ou por manter trabalhadores em condies anlogas s de escravo.

    Por exemplo, o Decreto 6.992/2009 define que a identificao de reas de conflito ocorrer em duas situaes: a declarao doprprio ocupante no ato do cadastramento da posse ou o registro na Ouvidoria Agrria do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.No entanto, dois questionamentos emergem desse fato. Primeiro, no h uma base de dados geogrfica na qual os conflitosestejam identificados, o que limitar a identificao dos conflitos apenas ao nome do imvel (por exemplo, nome da fazenda) noqual este ocorreu ou ao nome dos envolvidos no conflito. Mesmo assim, o cruzamento de dados pode no ser suficiente no caso demudana de nome do imvel, por exemplo.

    Outro problema, que j foi superado de acordo com a coordenao estadual do Terra Legal no Par, a insuficincia dasinformaes inseridas na base de dados da Ouvidoria Agrria. Segundo o representante da Comisso Pastoral da Terra (CPT) deMarab[22], a Ouvidoria limita o recebimento de denncias apenas aos casos repassados pelas delegacias de polcia. Sendoassim, esse dado seria insuficiente por dois motivos. Primeiro, nem todos os conflitos chegam a ser registrados em delegacias,principalmente porque muitos integrantes de movimentos sociais tm receio de procurar uma delegacia. Segundo, mesmo quandoessas pessoas procuram a delegacia, os policiais nem sempre registram a ocorrncia como causada por conflito de terra. Porexemplo, a ocorrncia de um assassinato por disputa de terra nem sempre classificada pela delegacia como conflito fundirio e,nesse caso, no encaminhada Ouvidoria (Batista, 2010). Assim, se a forma de identificao de conflitos ficar restrita apenas base de dados da Ouvidoria, muitos casos de conflitos podero ser ignorados e ttulos de terra podero ser emitidos nessas reas,resultando no agravamento das disputas.

    Como um exemplo do contexto mais geral, o representante da CPT indicou um levantamento de crimes no campo feito pela CPTpara o Conselho Nacional de Justia (CNJ). Esse relatrio mostrou que havia 687 assassinatos no campo ligados a conflitosagrrios no Estado do Par entre 1982 a 2008. Dentre estes, 62% nunca foram investigados (ou seja, provavelmente noingressaram na base de dados da Ouvidoria). Dos 38% que tiveram algum procedimento, muitos dos acusados podem deixar deser punidos porque a maioria est prescrita ou podem no constar nas bases de dado da Ouvidoria Agrria porque a delegaciaclassificou o conflito como briga entre vizinhos (Batista, 2010). Segundo a coordenao estadual do Programa Terra Legal no Par,a base de dados da CPT passou a ser considerada para fins de indicao de conflitos a partir de 2010.

    Outro aspecto que ainda est em discusso o perodo de ocorrncia de conflitos que ser considerado para fins de vistoria etambm de emisso de ttulos. Por exemplo, a Lei 11.952/2009 limita a regularizao para ocupaes ocorridas at 2004 de formamansa e pacfica. No entanto, se aps 2004 o imvel foi alvo de conflito pela terra, a exemplo de ocupaes de movimentossociais, ainda no est definido se esse fato excluiria o imvel da possibilidade de regularizao. Segundo a coordenadora doTerra Legal em Marab, no Par, casos como esse esto sendo avaliados em conjunto com a Vara Agrria e at fevereiro de 2010ainda no haviam sido resolvidos (Reis, 2010b).

    Outro critrio para vistoria em imveis abaixo de 4 mdulos fiscais com limitaes a ocorrncia de crime ambiental ou deautuao por trabalho anlogo escravido. Nesses casos, o MDA dever recorrer aos rgos ambientais e ao Ministrio doTrabalho e Emprego (MTE) para coleta dessas informaes. No entanto, apenas parte dos crimes ambientais efetivamente alvode autuaes. Por exemplo, Brito (2008) constatou que apenas 48% das reas desmatadas em Mato Grosso em 2005 foramobjeto de autuao pelos rgos ambientais estadual e federal. O mesmo ocorre para as autuaes de trabalho escravo. Segundoum representante da CPT em Marab, a comparao entre os dados levantados pela CPT e os dados de autuao dasDelegacias Regionais do Trabalho (DRT) mostram que apenas 40% das denncias desse tipo de crime recebem fiscalizao(Batista, 2010).

    Dessa forma, mesmo com as medidas que foram adotadas no primeiro ano do Terra Legal para tentar evitar os riscos de titulaoindevida pela falta de vistoria em todos os imveis, esse um tema que continua sendo crtico para a continuidade do programa.Conforme visto anteriormente (Seo 2.2), o julgamento da Adin pode representar uma soluo para esse problema caso adeciso seja favorvel ao MPF e o STF acate o pedido de vistoria de todos os imveis. Enquanto essa ao no for julgada ou sea deciso for contrria vistoria em todos os imveis, ser essencial avanar com as propostas de medidas para identificao dereas de populaes tradicionais e indgenas no reconhecidas. Alm disso, ser fundamental divulgar amplamente nos municpiosos mapas com os imveis georreferenciados, para que atores locais identifiquem eventuais conflitos e sobreposies, conformeexplicado na seo 5.

    __________________________

    22 Jos Batista, Advogado da CPT, entrevistado em 03/02/2010, em Marab, Par.

    7. Titulao

    A titulao de imveis ocorre aps a vistoria para os casos previstos em lei ou aps o georreferenciamento quando a vistoria no necessria. Os coordenadores estaduais do Terra Legal autorizam a emisso do ttulo caso no seja encontrado nenhumimpedimento legal.

    Em 2009, o Programa emitiu 276 ttulos no Par, Mato Grosso e Rondnia, totalizando uma rea de aproximadamente 790

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    quilmetros quadrados. A maior parte foi para o Par, nos municpios de Altamira e Novo Progresso (Figura 10). A rea mdia dosttulos emitidos foi de 286 hectares, com mnimo de 4 e mximo de 1.125 hectares, com desvio padro de 302 hectares. Contudo,nenhum desses 276 ttulos resultou das aes iniciadas pelo programa em junho de 2009. Eles resultaram de solicitaes deregularizao fundiria mais antigas feitas diretamente ao Incra e cujo georreferenciamento foi realizado pelo Exrcito Brasileiro eposteriormente validado pelo Incra.

    Em abril de 2010 j era possvel visualizar dados referentes pessoa beneficiada com o ttulo, tamanho da rea, municpio enmero do processo (MDA, 2010b). Em junho de 2010 tambm era possvel visualizar a localizao geogrfica da maioria dessesimveis.

    Figura 10. Distribuio percentual, por municpio, de 276 ttulos de terra emitidos em 2009.

    De acordo com o relatrio de execuo do Ano I do Terra Legal, a meta de cadastramentos at julho de 2010 seria de 103 milposses em 30 milhes de hectares, ou seja, em seis meses dobrar o nmero de cadastros de posses e aumentar em 400% a reacadastrada (MDA, 2010c). No entanto, na 6 Reunio do Grupo Executivo In-tergovernamental do programa, ocorrida em 17 e 18 dejunho de 2010 em Braslia, as metas foram reajustadas. O novo planejamento indica que o MDA pretende emitir 23.001 ttulos atdezembro de 2010 e 39.671 ttulos em 2011 (Tabela 2). O Par ser o Estado mais beneficiado (MDA, 2010h).

    Tabela 2. Metas de emisso de ttulos do Programa Terra Legal em 2010 e 2011.

    7.1. Valor da terra

    Um tema relevante associado emisso de ttulos o valor que ser cobrado para os imveis acima de 1 mdulo fiscal. Pela Lei11.952/2009, imveis entre 1 e 4 mdulos fiscais sero pagos com valor diferenciado e imveis entre 4 e 15 mdulos fiscais serocobrados com base na tabela de preos do Incra e ndices especiais.

    O stio eletrnico do Terra Legal no apresentava, at junho de 2010, os valores cobrados nos primeiros ttulos emitidos,considerando que 197 dos 276 ttulos estavam acima de 1 mdulo fiscal, ou seja, constituem imveis que so regularizadosmediante pagamento. No entanto, segundo o MDA, os valores foram baseados em dois princpios: a capacidade de pagamento doocupante e a tabela de preos referenciais de terras e imveis rurais produzida pelo Incra, que possui valores de terra nua porhectare e por municpio.

    Baseado nesses princpios, o MDA publicou a Portaria 01/2010, que fixa o procedimento para clculo do valor da terra noPrograma Terra Legal. A portaria estabelece que a partir da tabela referencial do Incra, considerando o valor mnimo da terra nua,incidiro ndices relativos ao tempo de ocupao (chamado de ndice de ancianidade), localizao e condio de acesso, alm dotamanho do imvel. Assim, o valor final de cada hectare ser obtido conforme descrito no Quadro 3.

    Quadro 3. Frmula para clculo do valor do hectare para regularizao fundiria no Programa Terra Legal.

    VTNf/ha = VTNr/ha x Fdis x Fcon x Fdim x Fanc, onde

    VTNf/ha: Valor final da terra nua por hectare.

    VTNR/ha: Valor referencial da terra nua por hectare (baseado na tabela do Incra).

    Fdis: ndice do fator distncia ao ncleo urbano ou distrito mais prximo.

    Fcom: ndice do fator acesso ao imvel.

    Fdim: ndice do fator dimenso do imvel.

    Fanc: fator de ancianidade da ocupao, ou seja, tempo de ocupao.

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    Membros do Grupo Executivo Intergovernamental do Programa Terra Legal criticaram essa metodologia durante a 5 reunio doGEI, em 25 de maro de 2010 (MDA, 2010i). Primeiro, porque no existiriam dados confiveis sobre a capacidade de pagamentodos produtores, o que prejudicaria a utilizao dessa varivel como um princpio norteador da definio de preos. Segundo,porque outros fatores, como estado de conservao ambiental dos imveis, tambm deveriam ser levados em considerao.Ademais, o ndice de ancianidade usado pelo MDA considera que quanto maior o tempo de ocupao, menor ser o preo daterra, desconsiderando, por exemplo, o lucro obtido pelo ocupante com a explorao e venda da madeira. Assim, o valor a sercobrado pelas terras ocupadas potencialmente premiar aqueles que usufruram dos recursos naturais de forma gratuita epredatria (Brito & Barreto, 2010).

    Finalmente, os valores a serem definidos para as terras federais precisam estar em consonncia com os preos de terrasestaduais que tambm sero objeto de regularizao fundiria. Esse esforo necessrio para evitar que ocorra diferena nopreo da terra em municpios em que houver parte do territrio sob jurisdio federal e parte em jurisdio estadual. Nesse caso,os rgos estaduais deveriam participar das definies de preos junto com o MDA. Finalmente, o Tribunal de Contas da Unio(TCU) tambm deve participar da discusso sobre valores de terra, j que se trata da privatizao de um recurso pblico e quedeve ser objeto de fiscalizao (MDA, 2010j).

    Considerando a falta de consenso sobre a metodologia para definir o valor da terra na regularizao fundiria, o MDA aprovou arealizao de uma consulta formal aos membros do GEI. Contudo, enquanto os valores no forem revistos, a Portaria 01/2010continuar em vigor. Ao final da consulta, se os valores definidos forem diferentes daqueles aplicados nos ttulos j emitidos, serefetuado um reajuste, para maior ou menor.

    At julho de 2010, apenas o MPF havia se pronunciado nessa consulta. Em seu parecer, o MPF critica principalmente a elaboraoda planilha referencial de preos do Incra, pois de acordo com informaes do Incra, no existe uma metodologia regulamentadapara elaborao dessa planilha e cada superintendncia do instituto teria a prerrogativa de fazer as adaptaes que entendernecessrias. Alm disso, a IN 01/2010 indica que o valor referencial do imvel equivale ao mnimo apresentado na planilhareferencial, que em geral j abaixo do mercado. Em cima desse valor seriam aplicados ndices que podem gerar at 80% dedesconto sobre o valor mnimo, alm do desconto de 20% por pagamento vista. Ao final, o valor por hectare seria irrisrio (MPF,2010). O MDA deve responder a esse parecer e a outras contribuies a serem enviadas sobre a IN 01/2010 at a prxima reuniodo GEI, prevista para novembro de 2010.

    Outro aspecto que ainda pode passar por alterao o encargo aplicado no caso de parcelamento da dvida. Como o preo daterra pode ser pago em at 20 anos, a Lei 11.952/2009 e o Decreto 6.992/2009 estabelecem que sobre o valor da terra incidemencargos financeiros adotados para o crdito rural oficial. Porm, o Manual de Crdito Rural utilizado nesses casos no possuireferncia regularizao fundiria. Por enquanto, a Portaria 01/2010 estabeleceu que os encargos para os ttulos de terra seroretirados do item 6.2 do Manual de Crdito Rural (sobre recursos obrigatrios). Contudo, o MDA est avaliando a possibilidade decriao de outra categoria de encargos que leve em considerao o tamanho do imvel (pequeno, mdio e grande).

    Assim, ainda esto indefinidas as metodologias para estimar o valor a ser cobrado para regularizao fundiria via Terra Legal eos encargos financeiros que incidiro sobre esse valor. Esse um assunto que deve ainda gerar debates na segunda metade de2010 e cuja soluo ser crucial para avaliar a continuidade e credibilidade do programa entre os posseiros de terras e tambmperante os rgos de controle e sociedade civil.

    8.Desafios e Recomendaes para o Programa Terra Legal

    Nossa anlise sobre o primeiro ano do Programa Terra Legal demonstrou que houve avanos no cadastramento de posses, masque muitos desafios ainda persistem nas etapas de georreferenciamento, vistoria de imveis e titulao. Alm disso, os primeirosmeses do programa tambm mostraram que os prazos inicialmente estabelecidos para emisso de ttulos foram muito ambiciosose incompatveis com a complexidade fundiria da regio.

    O principal desafio do programa conseguir avanar com a regularizao de ocupaes privadas sem interferir nas demandasprioritrias de regularizao de terras, que incluem reconhecimento de Terras Indgenas, de territrios quilombolas e de populaestradicionais, cujos processos de regularizao so mais demorados e realizados por outros rgos governamentais. A seguir,destacamos os principais aspectos pendentes no primeiro ano do Terra Legal e recomendaes sobre como avanar nas aesde regularizao fundiria na Amaznia Legal.

    1. Julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade da Lei 11.952/2009. Os pedidos feitos nesta Adin tm o potencial dealterar a estratgia do Terra Legal, pois incluem exigncia de vistoria prvia em todos os imveis. Por isso, recomendvel que oSTF priorize o julgamento desta ao.

    2. Manifestao de todos os rgos interessados nas reas de atuao do programa. Os rgos com potenciais interessesnas reas a serem regularizadas (por exemplo, Funai e Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade - ICMBio)devem ser necessariamente ouvidos antes que as terras sejam tituladas. O prazo de trinta dias incompatvel com a realidadeoperacional desses rgos. Para facilitar e agilizar esse processo, recomendamos que os rgos interessados formem um grupode trabalho para tratar dos interesses e conflitos em cada gleba que ser regularizada.

    3. Identificao de demandas de regularizao de terras de povos indgenas e comunidades tradicionais. Apesar daproposta de parceria com o MMA na identificao de demandas de terra por populaes indgenas e comunidades tradicionais,nenhuma medida concreta nesse sentido foi realizada no primeiro ano do Programa Terra Legal. importante que esse processoocorra anteriormente emisso de ttulos de terra em 2010, para evitar conflitos e dificuldades para cancelamento dos ttulosindevidos.

    4. Vistoria para imveis cadastrados via importao de dados de outros sistemas. Mais da metade dos dados de cadastrono programa foram importados de outros sistemas, principalmente das DAPs. Para checar a veracidade dessas informaes,recomendamos a realizao de vistoria em todos os imveis cadastrados dessa forma, incluindo aqueles abaixo de 4 mdulosfiscais, nos quais a Lei 11.952/2009 no prev vistoria obrigatria.

    5. Divulgao das posses georreferenciadas antes da titulao. Apesar da divulgao via internet e atualizao frequente dasposses cadastradas no programa Terra Legal, as situaes de sobreposio e problemas nas demandas por titulao ficaro maisevidentes medida que o georrefe-renciamento avanar. Por isso, recomendamos que o MDA dissemine amplamente os mapasproduzidos com dados do georreferenciamento entre as associaes e movimentos sociais dos municpios-alvo do Programa. Aavaliao dos mapas por essas instituies antes da titulao das posses ser um elemento fundamental para prevenir titulaes

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    indevidas, seja por sobreposio a demandas no includas no cadastro ou por incompatibilidade entre os requerentes do ttulo eos reais ocupantes das reas.

    6. Reformulao dos valores dos imveis. Os critrios atualmente usados pelo MDA para definio dos valores de terra devemser aperfeioados e refletir o valor de mercado dos imveis na tabela referencial usada para o clculo, alm de considerar variveisambientais dos imveis. Por exemplo, o estado de conservao ambiental ou o tipo de recursos naturais j explorados e sobre osquais o ocupante lucrou. Alm disso, a definio de valores deve ser feita em consonncia com os valores que sero estipuladospelos rgos estaduais de terra, para evitar distores em preos de imveis em municpios com dupla jurisdio (federal eestadual).

    7. Divulgao de valores de ttulos emitidos. A transferncia de patrimnio pblico para privado deve ocorrer seguindo oprincpio de transparncia da Administrao Pblica. Isso inclui a divulgao do valor cobrado pela terra nos imveis titulados.

    Anexos

    Anexo 1. Mdulo Fiscal na Amaznia Legal.

    Anexo 2. Principais estatsticas do cadastramento, por Estado, no primeiro ano do Programa Terra Legal.

    ACRE

    AMAP

    AMAZONAS

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    MARANHO

    MATO GROSSO

    PAR

  • 2/5/2014 Primeiro ano do Programa Terra Legal: avaliao e recomendaes Imazon

    http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/primeiro-ano-do-programa-terra-legal-avaliacao-e-recomendacoes#5. Georreferenciamento 18/19

    RONDNIA

  • 2/5/2014 Primeiro ano do Programa Terra Legal: avaliao e recomendaes Imazon

    http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/primeiro-ano-do-programa-terra-legal-avaliacao-e-recomendacoes#5. Georreferenciamento 19/19

    RORAIMA

    TOCANTINS