Previdencia Social_conflitos e Consensos_Faleiros

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Texto de Vicente Faleiros

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  • Previdncia Social: conflitos e consensos1

    VICENTE DE PAULA FALEIROS *

    "Pretendemos criar um frum permanente de discusses com aposentados, funcionrios, empresrios e representantes do governo para definir uma nova proposta de Previdncia. O frum dever discutir formas para aumentara receita da Previdncia"2 (Folha de S. Paulo, 26/11/02, pg.A A). Luiz Incio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, em caf da manh no dia 25/11/02 com 60 sindicalistas da Associao dos Metalrgicos Aposentados (AMA)

    Resumo: Este artigo trata da questo da previdncia social enquanto uma forma de construo e de desconstruo da coeso social atravs dos conflitos entre diferentes concepes e estratgias do Estado e das foras sociais, de acordo com seus interesses na definio do modelo e das formas de contribuio e benefcios da Previdncia Social. O estudo toma como eixo principal dessa disputa a expresso do dficit prevdencirio no perodo de 1979 a 2002, salientando que h diferentes propostas tanto entre os trabalhadores, por exemplo entre a CUT (Central nica dos Trabalhadores) e a Fora Sindical, assim como entre setores do governo e entre o Legislativo, o Executivo e o Judicirio, devendo-se levar em conta tambm as presses do mercado, dos empresrios e do Fundo Monetrio Internacional. O texto expe que os

    * Assistente social, PhD em sociologia, pesquisador associado da UnB e do Cecria (Centro de referncias, estudos e aes sobre crianas e adolescentes) autor e consultor na rea de servio social e polticas sociais.

    1 Agradecemos ao CNPq a bolsa que propiciou esta pesquisa.

    2 Sublinhado pelo autor

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  • conflitos so de grande intensidade, levando o governo a um constante movimento de propostas e recuos tanto para mudar o modelo, como aumentar contribuies e cortar benefcios.

    Abstract: This article treats the Social Welfare while a way of construction and deconstruction of the social cohesion through the conflicts among different conceptions and strategies of the State and of the social strength in accordance with their interests in the definition of the"' and the pattern and forms of the contribution and benefits to the Social Welfare. The study takes as the main axis of this dispute, the expression of the welfare social dficit, in the period of 1979 and 2002, stressing that there are different proposals both among the workers for instance between the CUT (Unique Central of the Workers) and Fora Sindical, as well as the Government sectors and among the Legislative, Executive and Judiciary, also having in consideration the pressures of the market, the entrepreneurs and the International Monetary Fund. The text exposes that the conflicts are of big intensity, taking the Government to the constant movement of the proposals and backing both to change the pattern, and to increase contributions and cut benefits.

    O objetivo deste trabalho o de expor, ainda que brevemente, a questo da Previdncia Social como forma de construo e de desconstruo da coeso social, como conflito e consenso, tomando como eixo principal da exposio a questo do dficit previdencirio no perodo de 1979 a 2002, ou seja, desde o mandato do general Joo Figueiredo (1979-1984) presidncia do professor Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), passando pelos governos do escritor Jos Sarney (1985-1989), do jornalista Fernando Collor (1990-19923) e do engenheiro Itamar Franco (19924-1994).

    Marco referencial

    Neste trabalho partimos do pressuposto de que a Previdncia Social no constitui somente um arcabouo tcnico de seguro social, de carter contributivo, mas um referencial de proteo social de um povo e de uma nao. Em trabalho anterior

    3 Setembro.

    4 Setembro.

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    (Faleiros, 2000), desconstrumos a histria da Previdncia Social na Europa e na Amrica Latina a partir da relao conflituosa/ consensual existente entre a sociedade e sua proteo social e estatal.

    Em todas as sociedades humanas existem formas de organizao da ajuda, seja como dom, seja como troca, includa no sagrado (Godelier, 2001) ou no profano. A sobrevivncia humana exige ou implica a convivncia, a cooperao e a construo de sistemas mais ou menos estruturados de proteo no processo conflituoso dos interesses em jogo. Na sociedade industrial salarial os riscos de acidente e de perda de renda pelo desemprego, pela doena, pela velhice, pela invalidez e pela maternidade foram sendo cobertos num processo de negociao social, geral e especfico, extremamente complexo, com resultados bastante diferentes em cada sociedade.

    No capitalismo, a convivncia das classes trabalhadora e capitalista assim como a governabilidade e a governana do Estado passaram por conflitos e negociaes extremamente tensas. O assalariamento constituiu a base.da sociedade capitalista industria). Esse assalariamento permitiu ao trabalhador passar da tutela ao contrato e de uma sociabilidade primria construo de um conjunto de prticas com funo protetiva ou integrativa e mesmo preventiva ((Castel, 1995, pg. 41), numa sociabilidade secundria, com um sistema de pertencimento que foi alm da vizinhana e da famlia. A previsibilidade desse sistema s foi possvel com um regime de trabalho estabilizado pelo pagamento regular de salrios, atravs do emprego formal e de uma contabilidade dos custos da fora de trabalho. Os descontos de salrio so a garantia do fundo previdencirio no capitalismo, enquanto tiver no assalariamento sua forma de produo.

    No contexto liberal de valorizao do indivduo, do seu mrito e do mercado, e, ao mesmo tempo, de luta de classes, a construo desta organizao protetiva passou por um constante movimento de defesa da vida em oposio ao movimento de defesa do lucro, de defesa da pessoa em oposio defesa da

  • reproduo da fora de trabalho, de defesa dos coletivos familiares e sociais em oposio defesa da organizao capitalista da empresa. Nesse sentido, a Previdncia Social se inscreveu no corao do capitalismo que explora a fora de trabalho, e ao mesmo tempo necessita do trabalho. Marx assinala em O Capital (1976) que o trabalhador forado a uma venda voluntria5 da sua fora de trabalho o que mostra que a forma capitalista de produo implica esta relao fora-de-trabalho/capital para reproduo tanto do capital como da fora de trabalho, e ao mesmo tempo, o estabelecimento de um contrato que d a aparncia de liberdade de venda da fora de trabalho.

    Como j salientamos (Faleiros, 1992), em Marx encontramos tanto uma viso de que a legislao social generaliza as condies das fbricas, como de que resultado de lutas e enfrentamentos. Essas lutas e enfrentamentos desembocam em greves, presses como em represses e negociaes, de acordo com a correlao de foras historicamente estabelecidas, e em razo do bloco no poder.

    No processo de desenvolvimento do capitalismo, uma das formas de se implementar uma relao ou regulao entre a produtividade do capital, o consumo e a sobrevivncia do trabalhador foi o fordismo6, que visou ao consumo imediato de produtos no mercado a partir dos salrios, enquanto o keynesianismo visava a acumular contribuies para uma demanda futura de bens e servios em caso de risco. Enquanto o fordismo buscava a produtividade e o consumo, o keynesianismo visava manuteno da demanda.

    A organizao da proteo, articulada demanda, foi se constituindo atravs de fundos pblicos e privados. A estabilidade desses fundos pode ser afetada no s pelas mudanas no

    5 Sublinhado pelo autor.

    6 Expresso proveniente da experincia do fabricante Henry Ford, que passou a pagar 5 dlares

    por dia para melhorar a produtividade, os salrios e permitir que os prprios operrios viessem a comprar os carros que produziam. Esta expresso foi usada por Gramsci no sentido "de se organizar uma economia programtica", para "manipular" e racionalizar as foras produtivas, combinando persuaso e presso (1980).

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  • assalanamento, como pelas crises econmicas e movimentos polticos, pois implica custos para a produo e custos polticos de legitimao. O financiamento dos fundos previdencirios e a distribuio de benefcios afetaram a sustentao poltica dos governantes e o prprio mecanismo de sustentao econmica, alm de ser um poderoso instrumento de interveno na economia. Todos os dirigentes polticos ficam de olho na poupana ou nas reservas desses fundos para implementar projetos de seu interesse.

    A organizao da cobertura do risco e a legitimao poltica passaram por uma articulao do Estado e do mercado, que possibilitou que a sociedade tambm se protegesse, ainda que de forma desigual, das ameaas do processo industrial e de ameaas da trajetria da vida, como doena e velhice. As Caixas de Previdncia foram os instrumentos usados para recolher as contribuies e repartir o fundo de acordo com as eventualidades e ocorrncias.

    Os primeiros seguros compulsrios na Europa, no final do sculo XIX7 e incio do sculo XX, foram os referentes aos acidentes do trabalho. Os seguros de sade e velhice foram implementados desde o perodo anterior Primeira Guerra Mundial at a Segunda Guerra e os seguros-desemprego tiveram nfase na crise de 1930, mas se implementaram de forma variada nesse perodo at o final da Segunda Guerra. O perodo posterior a esta conflagrao mundial foi de crescimento econmico e expanso das polticas de bem-estar na Europa, denominado "os trinta anos gloriosos", de tal forma que no s cresceu o gasto pblico, como o gasto social.

    Para exemplificar a importncia dos fundos sociais podemos observar que a mdia dos gastos sociais em 21 pases da OCDE8 em 1960 era de 12,3% do PIB e passou para uma mdia de 21,6%

    7 Na Alemanha, o seguro de sade (1883) precedeu o de acidente em um ano (1884).

    8 Inclui Estados Unidos, cujo gasto passou de 9,9% a 18,7, de acordo com a tendncia.

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  • em 1975, ou seja, houve um aumento de 75% nos gastos. Em 1990, nos outros 15 anos, a mdia de gasto passou para 27,8%, com aumento de 28%9. Em 1995 a mdia passou para 30,3% (Bustillo, 2000). A grande alavancagem nos gastos sociais foi no perodo de 1960 a 1975. No incio dos anos 70, j se manifesta a crise do petrleo e um perodo de recesso na economia capitalista, passando-se a discutir a regulao de "um crescimento zero".

    Na Amrica Latina tivemos um processo diferente, pois o Estado priorizou os gastos com desenvolvimento como poltica de investimento, mas os gastos sociais na Argentina e Brasil eram respectivamente de 16,7% e 9,7% do PIB em 1980 e passaram para 17,9% e 11,8% em 1996. So pases de gasto elevado. No Mxico esses gastos passaram de 7,9% para 7,8% e no Peru de 4,6% para 6,0%, tendo como mdia de nove pases a passagem de 11,3% em 1980 para 12,8% em 1996. (Ver dados da Cepal em Stallings e Peres, 2000) No perodo posterior a 1990 o crescimento do PIB foi relativamente baixo na Amrica Latina e as polticas sociais universais foram reduzidas, ampliando-se as polticas focalizadas no contexto neoliberal. Assim, na Amrica Latina, podemos observar diferenas profundas no gasto social, pois as populaes rurais no foram sendo abrangidas pelo sistema previdencirio e a legitimidade poltica foi estruturada por caudilhismo, clientelismo, populismo, corporativismo ou desenvolvimentismo.

    Os conflitos relativos Previdncia Social esto vinculados tanto ao contexto mais geral do desenvolvimento do capitalismo, como relao Estado/mercado/sociedade e s lutas e organizao dos trabalhadores e atores mobilizados, como os aposentados, para conquista ou a defesa de seus direitos. A Previdncia Social na Amrica Latina teve um desenvolvimento vinculado ao processo industrial e s formas de relao do Estado com as classes dominantes e trabalhadoras. Esta relao variou

    9 Desvio padro em 1960 de 2,97 e em 1990 de 6,61.

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  • de acordo com as lutas sociais e a busca de harmonia social, bem como de fundos para o desenvolvimento capitalista, inclusive com a perspectiva de incorporao poltica das classes trabalhadoras no processo industrial. Exemplo disso so as polticas de Pern na Argentina, de Vargas no Brasil e do PRI (Partido Revolucionrio Institucional) no Mxico (Faleiros, 2000*). Em grande parte dos pases capitalistas a crise da Previdncia10 tornou-se tema de discusses, inclusive com o fantasma do "fim do social", tendo-se em vista a reestruturao do sistema fordista pelo toyotismo, pela expanso do trabalho precrio, pelo envelhecimento da populao, buscando os pases duas alternativas de reforma: uma voltada para a manuteno do sistema, seja com conteno de benefcios, aumento de arrecadao ou melhor gesto; e outra com a reduo do Estado na proposta neoberal, que teve em Reagan seu maior defensor (Faleiros, 1988). Nos processos concretos de reforma h pases que se aproximaram mais da perspectiva neoberal, como a Nova Zelndia, e outros que avanaram mais ou menos nas reformas internas, com mais ou menos nfase no processo da capitalizao da Previdncia (Ver Faleiros, 2000*, principalmente o ltimo captulo).

    A questo previdenciria brasileira

    Como o foco principal deste trabalho o de analisar conflitos e negociaes, vamos levar em conta a temtica mais em evidncia nesse perodo, ou seja o dficit previdencirio, a partir de uma pesquisa que realizamos, na imprensa e em documentos oficiais, sobre as relaes entre Estado, previdncia e sociedade, de 1979 at hoje, abarcando o perodo de crise econmica e de reforma do Estado no contexto neoberal.

    A histria da Previdncia Social brasileira mostra a permanncia de conflitos/acordos desde a implementao do

    10 Ver, por exemplo, ROSANVALLON, Pierre.La crise de 1'tat-providence. Paris, Seuil, 1991 .Com edio em portugus pela Editorial Inqurito de Lisboa.

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  • seguro de acidentes do trabalho em 1919 (Lei Adolpho Gordo), com enfrentamento de diferentes posies das oligarquias e empresrios (liberais, catlicos e modernizantes) e dos trabalhadores ( anarquistas, socialistas, catlicos). A implementao das Caixas de Aposentadoria (CAPs) para os ferrovirios em 1923 (Lei Eloy Chaves) tambm foi objeto de conflitos e acordos de foras ideolgicas, como as acima citadas, e de diviso de foras entre empresrios.

    A reforma da Previdncia, aprovada em 1998, no foi menos conflituosa, dividindo trabalhadores, empresrios e polticos. No Brasil as primeiras caixas de previdncia dos ferrovirios, a partir de 1923, tinham um carter atuarial que foi transferido aos institutos por Vargas, nos anos 30. Este no entanto, usou as reservas at ento existentes para financiar os gastos da Revoluo de Trinta. Os institutos serviram de mecanismo de cooptao poltica e distribuio de cargos para sustentao do poder, chegando-se, tanto no perodo anterior como durante a ditadura, a lotear-se os cargos de superintendentes regionais do INPS entre os deputados federais que nomeavam o pessoal como em feudos particulares. Esta disputa poltica dos cargos da Previdncia brasileira significou uma troca de votos por favores (clientelismo) e uma gesto voltada para reforo do poder pessoal de caciques polticos, em vez da cidadania.

    Se quisermos simplificar a diviso de foras, em linhas gerais, podemos colocar as posies em dois grandes blocos: de um lado os que defendem menos Estado e mais mercado, e de outro, os que defendem mais Estado e menos mercado, o que se manifesta por exemplo, na disputa entre propostas que se balizam na repartio dentro e um regime estatal versus capitalizao privada. Na prtica, existem muitas nuances entre esses blocos, pois poder haver combinaes de regimes estatais e privados, com variedade de implementaes da previdncia complementar que pode contar com mais ou menos incentivos. No quadro seguinte mostramos, esquematicamente, as principais combinaes da previdncia pblica com a privada.

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  • Possibilidades de previdncia pblica e privada Previdncia pblica

    Repartio pura Repartio com aplicao em

    fundos de capitalizao Complementar pblica com

    aplicao em ttulos do Estado Complementar com aplicao em ttulos pblicos e privados

    Previdncia privada (mercado) Capitalizao pura

    Capitalizao com aplicao em ttulos do Estado

    Complementar privada

    Complementar com ou sem incentivos do Estado

    Aberta ou

    fechada Aberta

    ou fechada

    O seguro privado est sujeito s leas ou aleatoriedade do mercado, onde so previsveis as falncias e a possibilidade real de perda das poupanas feitas. J discutimos (Faleiros, 2000*) o contexto das lutas entre liberais e defensores do Estado no processo de implementao do seguro social. Este foi sendo aceito justamente porque dependia de um pr-pagamento do prprio segurado, sem ferir ou contradizer as leis do mercado. Alm disso, cada um contribui de acordo com seus ganhos, embora a contribuio seja obrigatria, mas tambm recebe de acordo com a contribuio, mantendo-se a desigualdade de renda. Assim, a previdncia enquanto seguro, no um instrumento de redistribuio de renda, mas de distribuio entre ativos e inativos, jovens e idosos, sos e doentes, vlidos e invlidos, atravs de um fundo controlado pelo Estado. Esta solidariedade horizontal entre categorias foi bem salientada no discurso estruturador da previdncia, possibilitando sua aprovao no contexto do liberalismo, que assim, conciliou o mercado com um projeto de distribuio de renda ou de adiamento da renda para situaes de risco.

    Os conflitos no contexto do Governo Figueiredo

    O paradigma neoliberal, j ento emergente no Governo Figueiredo (1979-1984), coloca como eixo central a reduo do estado e a "soluo" no mercado. No perodo Figueiredo, no entanto, a nfase foi no primeiro tipo de reformas acima indicado,

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  • de mudanas internas para melhorar a arrecadao e diminuir benefcios. Desta forma, os conflitos se manifestaram como presso do mercado e da sustentao da estabilidade capitalista e dos polticos sobre a previdncia e das necessidades de manuteno da previdncia, com forte envolvimento institucional, combinando-se lutas sociais com articulaes institucionais.

    O conflito, nesta fase, manifestou-se pela busca de mais arrecadao, em funo da diminuio do dficit pblico, seja para equilibrar os gastos, seja para pagamento de juros. No perodo de 1979 a 1985 houve a abertura poltica "lenta, gradual e segura"11 da ditadura, com eleies em 1982 para governadores, aps 19 anos de proibio. A busca por legitimao levou a uma ampliao dos benefcios para idosos com o "objetivo de universalizao da Previdncia no setor urbano e a modernizao do atendimento"12.

    A crise econmica, em 79, refletiu a crise mundial do capitalismo e levou a uma recesso, com o impacto do aumento das taxas de juros internacionais em 1978 e dos juros da dvida interna. Os juros da dvida interna passaram de 1,2% do PIB em 1975 para 10,9% em 1985, enquanto as transferncias contabilizadas como previdncia e assistncia social passaram de 6,7% do PIB para 7,71% no mesmo perodo (Ver Ohana et alii, 1989). Mudaram as exigncias para o pagamento da dvida externa, com a submisso do pas ao Fundo Monetrio Internacional, que imps um programa recessivo e de arrocho salarial para conter o consumo e os gastos.

    J no incio de 1980 o governo usou do instrumento da anistia a empresas em atraso com o pagamento Previdncia Social para alavancar a arrecadao, mas perdoando e estendendo o pagamento de dvidas, como a dos clubes de futebol, que puderam parcelar as suas em at 10 anos. Ainda na busca de arrecadao voltou-se ao teto de 20 salrios mnimos para contribuio (Lei 11

    Expresso usada pelos mentores da transio da ditadura democracia, em especial o general Golbery do Couto e Silva.

    12 Projeto ns 6 da Lei nQ 5.890 de 1974.

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  • 6.950/81) e imps-se uma taxa adicional de 20% aos produtos considerados suprfluos. As alquotas de contribuio passam a 10% para as empresas; de 8,75% a 10% para os segurados; e os aposentados passam a contribuir com 3 a 5%, sendo isentos em 1984 pea Lei 7.485.

    Em 1983/1984 o dficit da Previdncia um dos principais problemas da renegociao do Brasil com o Fundo Monetrio Internacional, pois o objetivo cortar gastos. Os programas sociais representavam 46% dos dispndios da Unio em 1977 e despencaram para pouco mais de 20% em 1982. Assim, a poltica orientadora de toda a receita e despesa pblica determinada pela exigncia do Fundo Monetrio Internacional. O arrocho na Previdncia Social no se faz ostensivamente, mas com cortes de benefcios, controle de internaes e aumento da arrecadaes atravs de contribuies sociais. Em 1982 realizou-se a implantao do Finsocial de 0,5%, incidente na receita bruta das empresas. O governo usou at tropas militares para reprimir as manifestaes e impor um reajuste salarial menor que a inflao. Desta forma, aprofundou-se, na crise ps-70, uma articulao entre a poltica social e a poltica econmica, com evidente sujeio da primeira segunda.

    O governo tentou reduzir benefcios e aumentar a arrecadao, o que vai ser, alis, uma constante em todo o perodo analisado, desde 1979 at 2002, perpassando todos os governos. Foras de oposio e mesmo do governo, dentro do Congresso Nacional, no entanto, por motivos poltico-eleitorais tm resistido, ao longo de todo o perodo, ao corte de benefcios e aumento de contribuies, pois trata-se de uma proposta que contraria diretamente os interesses dos eleitores porque afeta sua vida cotidiana com a diminuio dos rendimentos13.

    A questo da modernizao da Previdncia, vinculada a uma melhor gesto, tambm esteve presente ao longo de todo o 13

    Em 1981 o presidente Figueiredo prope um corte de benefcios e penses que obteve uma resposta negativa do prprio PDS (Partido Democrtico Social) do governo.

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  • perodo. No Governo Figueiredo houve um discurso moralizane como o do ministro Hlio Beltro14 em 1982, contra a corrupo.

    O conflito social tem se traduzido em um conflito institucional, no seio da prpria Previdncia, entre os que se aliam a mais cortes/ contribuies, os que se aliam modernizao e os que defendem a harmonia social como o ex-ministro Jarbas Passarinho, dizendo que "a convulso social advinda da falncia da Previdncia seria de tal ordem que no haveria governo, que na hora mais difcil, no se sentisse tentado a imprimir papel como dinheiro e entreg-lo Previdncia"15.

    A oposio do PMDB (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro), ainda que limitada pela ditadura, criticou a poltica governamental e props comisses parlamentares de inqurito. O ento recm-fundado Partido dos Trabalhadores (em 1980) acusou o governo e empresrios pelo desemprego, pelo cinismo no aumento da arrecadao da Previdncia {Folha de S. Paulo, 11/08/81) e disse que a soluo do problema era a taxao das empresas pelo faturamento, a criao de uma previdncia complementar e o combate sonegao. O governo conseguiu aumentar as alquotas da Previdncia em 1982 por decurso de prazo, estratagema legal da ditadura que deixava as leis automaticamente aprovadas depois de 40 dias. Os empresrios se opuseram taxao do faturamento, mas o governo tentou contornar o no-repasse do aumento de alquotas. Os bancos, por sua vez, tentaram manter a cobrana dos pagamentos e retiveram o dinheiro da Previdncia por 45 dias em 1978, passando a 4 ou 5 dias em 1985, aps duras negociaes pelo pagamento dos servios e diminuio dos ganhos com a inflao.

    Parece que houve um consenso em torno da necessidade de reduo do dficit da Previdncia, mas rusgas e conflitos se manifestaram claramente na hora de pagar a conta, que

    14 Foram ministros da Previdncia no Governo Figueiredo: Jair Soares (15/3/79 a 7/5/82), Hlio Beltro (10/5/82 a 11/11/83) e Jarbas Passarinho (11/11/83 a 14/3/85).

    15 In: Previdncia Social: preciso repensar, Braslia, MPAS, 1984, pg. 7.

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  • normalmente, repassada aos trabalhadores como contribuintes, beneficirios ou consumidores.

    O governo usou de estudos, como os do Ipea, para justificar que o aumento da despesa maior que o da receita, s vezes sem levar em conta a sonegao, o desemprego e a informalidade. A soluo preconizada pelo Fundo Monetrio Internacional, dentro de sua lgica de pensamento nico, era a privatizao da Previdncia em fundos de capitalizao, na tica de pagamento da dvida externa, que em 1984 atingia a cifra de U$100,81 bilhes. Dias Leite, ex-ministro, prope a privatizao das estatais para pagamento das dvidas da Previdncia (ESP, 27/12/84).

    A primeira regulao significativa da previdncia complementar foi feita em 1977 (Lei nQ 6.435), no sentido de lhe impor uma fiscalizao do setor pblico e garantir os interesses dos associados. Estava em evidncia a falncia da Caixa de Peclio dos Militares (Capemi) e tambm em expanso os fundos das estatais. No ano de 1977 foi criado o Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social (Sinpas) integrando sob um nico guarda-chuva os rgos de previdncia, sade e assistncia (LBA) e infncia (Funabem).

    Os trabalhadores, por sua vez, manifestaram-se contra a discriminao existente na Previdncia rural (principalmente a Contag - Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), contra o aumento de alquotas e pela busca de fontes alternativas de recursos, bem como pela ampliao dos benefcios, com destaque, nesse aspecto, para as associaes de aposentados.

    O Governo Sarney A chamada crise do dficit da Previdncia voltou com fora

    no Governo Sarney e, mediante a poltica de combate inflao, o dficit pblico acusado de todos os males do pas, acentuando o governo a necessidade de arrocho salarial, privatizao, cortes e demisses. Como no perodo anterior, h forte resistncia do

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  • Congresso Nacional a esse tipo de poltica. O governo, diante da inflao, que chegou a taxas mensais de 40% em 1989, imps taxas de juros de 56% ao ano.

    No plano macroeconmico o Governo Sarney buscou renegociar a dvida externa e manter um supervit na balana comercial, mas sofreu as presses do Fundo Monetrio Internacional e a crise da dvida levou discusso e implementao de uma moratria, em fevereiro de 1987, referente aos pagamentos de juros e da dvida de mdio e longo prazos. Esta moratria foi preparada e no houve catstrofe na sua implementao, e segundo o ministro Dlson Funaro, "no havia outra sada". Somente o pagamento de juros passou de U$ 9,8 bilhes em 1981 para U$ 14,1 bilhes em 1989. No Governo Sarney a dvida passou de 21,6% do PIB em 1985 para 24% em 1988; mas se em 85 e 86 houve crescimento significativo do PIB - em mdia de 8% - , nos dois anos seguintes caiu para 3,6% em 1987 e para -0,3% em 1988, e configurou-se o pior dos cenrios: inflao com recesso, e ainda com presses para o aumento de salrios. Os planos heterodoxos de controle da inflao em 1986 deram flego ao governo para eleger a maioria dos governadores (PMDB), mas logo aps as eleies essa poltica no mais funcionou, com um aumento galopante da inflao.

    A grande mudana na Previdncia Social nesse perodo adveio da Constituio de 1988 (fruto da Constituinte de 1986), que incorporou o conceito de seguridade social para cobertura dos riscos de doena, velhice, incapacidade e "necessidades sociais", atravs da universalizao do acesso sade, da contribuio Previdncia com aposentadoria por tempo de servio e benefcios para idosos e portadores de deficincia. A Constituio determinou que a Previdncia rural tivesse piso de um salrio mnimo, como toda a Previdncia.

    O discurso do dficit passou por nova retrica por parte de todos os ministros da Previdncia nesse perodo16, salientando-16

    Ministros Waldir Pires (15/3/85 a 13/2/86), Raphael de Almeida Magalhes (18/2/86 a 22/10/ 87), Renato Archer (27/10/87 a 28/7/88) e Jader Barbalho (29/7/88 a 14/3/90).

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  • se a necessidade de reestruturao previdenciria. A questo do dficit ressurge de maneira forte em 1989, e Barbalho tenta negociar com a rea econmica um bnus para cobrir o chamado rombo, elaborando medida provisria que desvincula o salrio mnimo como piso e cria, com isso, um conflito com o Congresso Nacional. No ano de 1987 as receitas de contribuio diminuram em 9,93% e em 1988 em 8,65%, numa conjuntura de queda do PIB e de arrocho salarial.

    A sociedade estava preocupada com a poltica salarial, e o governo com a governabilidade diante da inflao. Durante a Assemblia Constituinte o empresariado busca deter "o avano do Estado", tentando impedir os monoplios estatais, e, ao mesmo tempo, conter o aumento salarial diante da inflao. Os hospitais privados defendiam o aumento de dirias, em oposio ao movimento sanitrio pela universalizao do atendimento sade. Conseguiu-se incluir esse acesso universal na Constituio, sem contudo, desmontar-se os servios privados. A Associao Nacional da Previdncia Privada defendia que "a Previdncia Social no pode procurar conceder padres acima dos mnimos necessrios sobrevivncia das pessoas que contribuem"17.

    As entidades sindicais, como a CUT, defendiam uma previdncia pblica como dever do Estado, alm da garantia universal da sade. Uma das emendas populares propostas pela CUT reivindicava o reajuste mensal, inclusive para as aposentadorias e penses, com salrio integral. Outra emenda das centrais sindicais propunha a participao dos trabalhadores na gesto da Previdncia. A aposentadoria dos trabalhadores rurais era tambm consensual entre os sindicatos. Os empresrios, pela voz do representante daCNl no Senado, Albano Franco, propuseram que as questes de seguridade fossem financiadas pelo salrio ou por uma taxao sobre o faturamento, mas o Centro (Frente dos partidos de centro-direita) defendeu a incidncia sobre a folha de salrios e sugeriu a aposentadoria por contribuio e com idade mnima. As propostas do Centro foram derrotadas e implementou-se o conceito de seguridade social. O governo, por sua vez, atendeu, em parte, s presses

    17 In: Dirio da Assemblia Nacional Constituinte (suplemento) 17/07/87, pg. 164.

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  • para reajuste de benefcios de acordo com o do pessoal da ativa (DL 2.284 de 10/03/86), aboliu as contribuies dos aposentados (Lei 7.485 de 06/06/86), reajustou os benefcios pelo salrio mnimo (Portaria 3.960 de 18/03/87), alm de pagar os aposentados anistiados e reajustar os benefcios de acordo com o processo inflacionrio.

    Durante a Constituinte, sem os limites impostos pela ditadura, as presses (Ver Vianna, 1998) se manifestaram mais livremente com greves no prprio mbito da Previdncia Social, incluindo os servidores do Inamps e do INSS, tanto por salrios quanto por planos de carreira. Em 01/11/89 230 mil servidores entraram em greve, inclusive na Previdncia Social, por 151 % de reajuste. Esta greve foi suspensa em 16/12/89, com reajustes que compensavam parcialmente a inflao. Em 1985 o Dieese constatou uma mdia mensal de 55 greves, e em 1989 de 183.

    O dficit oramentrio foi denunciado mas compensado, em parte, com o chamado imposto inflacionrio. A Previdncia Social foi acusada de ser "um sorvedouro de dinheiro", expresso usada na campanha de Fernando Collor. O ministro da Previdncia, Waldir Pires, em fevereiro de 1986, afirmava que houve supervit de 9 trilhes de cruzeiros em sua gesto, e o ministro Archer, que "o governo o principal devedor". Barbalho, ltimo ministro da Previdncia de Sarney, assinalava que a elevao da alquota do Finsocial no cobriria o dficit e anunciou a desvinculao dos benefcios do salrio mnimo. Durante o governo, as porcentagens de receita e de despesa no mbito da Previdncia, sobre o PIB, ficaram em torno de 5,3% e 5 , 1 % respectivamente, ou seja, com vantagens para as receitas.

    O ajuste fiscal tornou-se o eixo da interveno macro-econmica do Estado. Os ministros econmicos insistiam nesse ajuste, mas o governo concordou com a negociao das dvidas da Previdncia, com anistia e parcelamento, com desconto de 50% no total de juros e multa conforme a Portaria 4.226 de 27/04/88- No interior do governo as posies se dividiam quanto causa do dficit pois o prprio governo - principalmente as

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  • prefeituras - no recolhia as suas contribuies. Sempre que houve aumento do salrio mnimo (tambm piso dos benefcios) o chamado "rombo da Previdncia" foi assinalado. A MP 63 de 19.06.89 aumentou as alquotas de contribuio com variao de 8,6 a 1 1 % , mas na queda de brao a Lei 7.787 define as contribuies entre 8 e 10%- O Finsocial passou de 0,6 para 1 % .

    As fraudes apareciam aos borbotes, mas o governo no tinha um mecanismo ou uma vontade eficaz de combate s mesmas, embora usasse inquritos, investigaes, recadastramentos e punies.

    No final do Governo Sarney, o Inamps (Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social), que fazia parte do Ministrio da Previdncia, foi transferido para o Ministrio da Sade (Decreto 99.060 de 07/3/90), resolvendo-se um conflito entre defensores e opositores dessa deciso.

    Em sntese, o Governo Sarney ficou pressionado pelas reivindicaes e pela Constituinte e tentou uma reforma mediante o aumento de contribuies e da arrecadao, com a tentativa frustrada de eliminar o piso de um salrio mnimo para os benefcios da Previdncia.

    Governos Collor e Itamar De corte nitidamente neoliberal, o Governo Collor de Mello

    (1990-1992) esteve, ao mesmo tempo, sob a presso do cumprimento da Constituio, das reivindicaes populares e do Fundo Monetrio Internacional. A principal presso era para o combate inflao e corrupo, mas os planos econmicos desse governo, mudando o padro monetrio e confiscando as contas bancrias no deram resultado, e o combate corrupo fracassou totalmente diante do esquema de mfia que tomou conta do governo por intermdio de Paulo Csar Farias, tesoureiro da campanha.

    O Produto Interno Bruto teve uma variao de -4,4% em 1990, de 0,2% em 1991 e de -0,8% em 1992, voltando a crescer em 1993 com 4 , 1 % e em 1994 com 5,7%. O aumento do

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  • desemprego foi significativo. A luta pelo impeachment coincidiu com esse desemprego, em um contexto de recesso e inflao. O Fnsocial subiu para 2% e Collor fez da Central nica dos Trabalhadores seu inimigo nmero um.

    Collor, dentro de sua perspectiva de desmonte do Estado, articulou o primeiro passo para a transformao da Previdncia em uma seguradora, ao contrrio da seguridade, ao fusionar o lapas (Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social) e o INPS (Instituto Nacional de Previdncia Social) no INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) (Decreto 99350 de 27/6/1990, de acordo com a Lei 8.029 de 12/4/90).

    A regulamentao da Previdncia Social passou a ser o centro da discusso em decorrncia da Constituio de 1988, traduzindo-se nas leis 8.212 (Custeio) e 8.213 (Benefcios) de 24/07/91. A primeira constitui a Lei Orgnica da Seguridade Social com os princpios e diretrizes constitucionais. Entretanto, Collor vetou integralmente a Lei Orgnica da Assistncia Social, alegando que traria renda mnima e com isto, um direito assistncia social, seria inconstitucional. Collor tambm vetou o plano de benefcios da Previdncia e editou medida provisria que desvinculou o valor dos benefcios do salrio mnimo. Esta medida foi rejeitada pelos deputados, que reintroduziram a vinculao. Henrique (1993) destaca que a regulamentao da Seguridade Social "incluiu a permisso de utilizao de recursos da contribuio sobre o lucro e do Finsocial para custeio de despesas administrativas, de pessoa! e dos encargos previdencirios da Unio e assim ratificou legalmente, atravs de um consenso negociado entre as lideranas do Congresso e representantes do Executivo, a utilizao indevida desses recursos desde 1989, dificultando a sustentao financeira dos novos direitos, para os quais tinham sido criados" (pg. 291).

    Esta legislao tambm reforou o princpio da previdncia complementar e atendeu um certo consenso sobre a possibilidade de uma previdncia bsica que ficou com teto no valor correspondente a dez salrios mnimos e piso fixado em um salrio

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  • mnimo, aps presses e contrapresses. A lei manteve a aposentadoria por tempo de servio e o clculo dos benefcios a partir de uma mdia aritmtica simples dos ltimos salrios de contribuio, at o mximo de 36 meses. Color tentou alterar radicalmente a Seguridade Social enviando projetos que dividiam a previdncia em bsica (pblica) e complementar (privada), com o discurso de que "os fundos complementares pblicos e privados passem a substituir, em grande parte, o papel do Estado com o principal investidor do processo de desenvolvimento da economia nacional" (conforme Henrique, 1993, pg. 292). O governo adotou, assim, claramente, a perspectiva neoliberal do Estado mnimo. A previdncia pblica seria apenas mnima e bsica. Props o seguro de riscos sociais que seria gerido por seguradoras privadas ou por entidades fechadas de previdncia privada, tentando privatizar parte da Previdncia Social, o que repercutiu na reviso constitucional, mas no foi levado adiante em razo da diviso das foras no Congresso e das presses sociais para que no se realizasse.

    A disputa de projetos de reforma da Previdncia durante a reviso constitucional foi intensa. Segundo o relator, " trs propostas suprimem, simplesmente, a rea de previdncia social" (Relatoria da Reviso, Tomo III, p.337). A Fiesp (Federao das Indstrias do Estado de So Paulo) coloca a reforma dentro de um contexto do sistema tributrio e na defesa de um seguro social bsico de at trs salrios mnimos com previdncia complementar, assistncia aos incapacitados, auxlio social para trabalho em instituies pblicas e seguro-desemprego. Esta proposta deixava para o setor privado as vantagens da captao do setor mais lucrativo, acima de trs salrios mnimos.

    O ministro da Previdncia, Antnio Magri18, viu-se envolvido em corrupo, alis, parte da crise tica e moral que assolou o governo. Magri bloqueou o pagamento da reivindicao de reajuste de 147% aos aposentados, mas foi vencido na Justia. ,8 Magri foi ministro de 15/3/90 a 19/1/92 e Stephanes de 20/1/92 a 2/10 de 92, retornando no governo Cardoso de 01/1/95 a 03/4/98.

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  • A ministra da economia props 25% de aumento nas contribuies e o novo ministro (fevereiro de 1992), Reinhod Stephanes, anunciou que era favorvel privatizao da Previdncia Social. Esse ministro falava muito tambm de uma "reforma gerencial", por meio de recadastramento de melhor gesto, e tinha um discurso de moralizao dos servios previdencirios.

    No Governo Itamar Franco foi aprovada a Lei Orgnica da Assistncia Social19 (1993), a partir de um movimento institucional de tcnicos do governo, de deputados e de organizaes profissionais, e de alguns setores filantrpicos que no foram unnimes no apoio Lei, pois restringia-se o conceito de entidade beneficente, afetando, por exemplo, as universidades catlicas. O ento ministro da Fazenda, Fernando H. Cardoso e o ministro do Planejamento, Jos Serra, impuseram o limite de um quarto de salrio mnimo per capita para o acesso aos benefcios, alegando o dficit fiscal.

    O ministro da Previdncia, Antnio Britto20, ex-relator da Lei de Regulamentao da Previdncia, nomeado por Itamar, e pr-candidato ao governo gacho, pagou os 147% aos aposentados. Props uma fonte fixa para financiar a sade. Estabeleceu medidas para extinguir benefcios como o "p na cova" ou abono de permanncia em servio para quem j tinha direito aposentadoria. Recadastrou benefcios e cancelou os fraudulentos e interferiu na reviso constitucional, apoiando a "frmula 95" que combinava idade de 60 anos com 35 de contribuio, que no vingou devido s divises polticas e presses populares.

    O ministro Srgio Cutolo, de incio, em janeiro de 1994, ressaltou o desequilbrio estrutural da Previdncia, considerou que um equilbrio financeiro era "invivel" e defendeu as propostas de seu antecessor. Salientou que os benefcios cresceram 1500% entre 1960 (1,4% da populao) para 14,3% da populao em 1994, e de 1979 a 1993 a taxa mdia anual de crescimento dos benefcios foi de 4,9%, destacando que em 1970 havia 4,2 contribuintes para um beneficirio e em 1993 havia 2,5.

    19 Sobre a LOAS- Lei Orgnica da Assistncia Social - ver Boschetti, 2001.

    20 No governo Itamar Franco Britto ficou como ministro da Previdncia de 15/10/92 a 15/12/93 e Srgio Cutolo dos Santos de 15/12/93 a 01/01/95.

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  • Na gesto Britto/Cutolo houve preocupao na reforma por dentro, principalmente no combate s fraudes e melhoria do gerenciamento, j que < a s propostas privatistas de Collor fracassaram no contexto poltico e tambm fracassou a desvinculao do piso dos benefcios do salrio mnimo. A lei contemplava o teto equivalente a dez salrios mnimos, mas o reajuste acima do piso seria feito de acordo com a inflao.

    A CPI das fraudes da Previdncia em 1991 conseguiu levar priso o juiz Nestor Jos do Nascimento e desvendou quadrilhas de fraudadores. A CPI de 1993 tambm investigou irregularidades. Se houve, por um lado, c> consenso na apurao de fraudes, ocorreu uma disputa em relao forma de corte de gastos da Previdncia, prevalecendo o aumento de arrecadao. Em 1992 entrou em vigor a Cofins, com alquota de 2%. Na busca de adimplncia, mas reduzindo a arrecadao, a Lei 8.864 de 1994 deu tratamento simplificado) a microempresas, com renncia fiscal para tributos previdencirios.

    O interesse dos empresrios era de que houvesse um aceleramento das privatizaes, inclusive da Previdncia Social para a reduo do Estado, enquanto os trabalhadores e aposentados defendiam o reajuste de 147% e uniam as foras sociais. A CUT considerava a reviso constitucional como um golpe e a Fora Sindical a defendia.

    No final do Governo Itamar Franco implantou-se o Plano Real com um processo de passagem da velha moeda para a nova atravs da Unidade Referencial de Valor, correspondendo a uma perspectiva de estabilidade financeira diante do processo inflacionrio.

    Governo Cardoso Eleito em 1994, reeleito em 1998, Fernando Henrique

    Cardoso governou o Brasil por oito anos, at dezembro de 2002, implementando as reformas neoliberais j delineadas por Collor e abrindo o pas para a competitividade mundial, na aceitao

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  • dos ditames do Fundo Monetrio Internacional. Conseguiu a aprovao das chamadas reformas constitucionais de abertura econmica, com o fim dos monoplios estatais estabelecidos na Constituio de 1988.

    Priorizou, no seu governo, a reduo do dficit fiscal mas, paradoxalmente, aumentou a dvida do setor pblico e a vulnerabilidade externa, que passou de 200 bilhes para 800 bilhes de reais, chegando a dvida bruta em setembro de 2002 a R$ 1,144 trilho. Conseguiu transformar o dficit (em 1996 o dficit no setor pblico ficou em 4,5% do PIB) em supervit primrio, em acordo com o FMI. Estabeleceu um controle fiscal e do oramento, inclusive com a aprovao da Lei de Responsabilidade Fiscal, para o pagamento dos juros da dvida. Em 2002 o supervit primrio alcanou a cifra de 3,75% do PIB. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, exercitou com eficcia o ajuste neoliberal mediante a reduo do Estado e obteve legitimao poltica com a estabilizao monetria, que possibilitou a manuteno da maioria dos preos e ampliou o consumo popular. Malan afirmou insistentemente que o dficit da Previdncia era o principal problema na rea do governo federal e que pretendia mostrar ao mercado financeiro que estava agindo para conter o dficit. (FSP, 03/06/98, p. 1.7).

    As chamadas reformas neoliberais, ento, desenvolveram-se em trs dimenses concatenadas : a maior abertura possvel da economia aos capitais internacionais, a privatizao do patrimnio pblico e a reduo dos direitos sociais.

    Na dcada de 90, que alguns chamam de nova dcada perdida, o crescimento do PIB foi pfio, com uma variao de apenas 0,60, a preos constantes, at junho de 2002, baseado no ndice 100 em 1990, segundo o Banco Central*. O real valorizado at janeiro de 1999, quando houve profunda crise cambial, possibilitou o controle da inflao mas desmontou a indstria nacional e tomou deficitrio o saldo comercial, pelo 21

    Ver pgina www.bcb.gov.br

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  • menos at 2002, quando o dlar passou por forte desvalorizao de quase 50%.

    A questo previdenciria preocupou o governo desde o seu incio, e seu propalado dficit foi divulgado como um dos fatores centrais do desequilbrio das contas pblicas. A reforma da Previdncia Social22, proposta em 1995, levou quatro anos para ser aprovada devido s resistncias da prpria base do governo e s presses sociais. A reforma aboliu a aposentadoria por tempo de servio e introduziu a contribuio de 35 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. O regime dos funcionrios pblicos passou a exigir critrios de idade e de contribuio (Ver Faleiros, 2000). Segundo Cechin, a reforma desconstitucionalizou a regra de clculo de benefcios e permitiu a introduo do fator previdencirio pela Lei 9.876 de 29/9/99, que "teve como princpio a idia de devoluo, durante a vida do aposentado, da soma das contribuies, capitalizadas (sic !), feitas durante a vida laborai do contribuinte" (p.18). Assim, a capitalizao passou a ser incorporada, por dentro, na Previdncia Social brasileira, pois o salrio de benefcio tem como referncia, de um lado, 80% da mdia dos 80 maiores salrios de contribuio (depois de julho de 1994), corrigidos pela inflao, e de outro a idade e a expectativa de vida do beneficirio. Assim, aprofundou-se a viso atuarial da Previdncia, cujo financiamento passou a ser considerado no contexto tributrio. O marketing da Previdncia dizia:" A maior seguradora do trabalhador brasileiro".

    Apesar das presses de todos lados em relao s reformas -dos municpios, dos estados, das centrais sindicais, dos partidos, dos aposentados, dos trabalhadores e trabalhadoras rurais - o governo chegou prximo, no na proporo que se propunha, de seu objetivo: reduzir, no futuro, o dficit previdencirio. Segundo Cechin (2002), a implantao de regimes previdencirios nos estados e municpios a partir de 1988 tornou-se uma armadilha, pois se no curto prazo deixavam de contribuir com os 20% para o

    22 Que embutia a mudana dos benefcios assistenciais para auxlios, o que foi rejeitado no Congresso Nacional.

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  • INSS, a mdio prazo os custos dos "inativos" pesaram nas contas dos municpios. Em 1998 todos os estados e 1400 municpios tinham regimes prprios de previdncia. A Lei 9.717 de 1998 disps sobre os regimes prprios de previdncia dos servidores pblicos, a Lei Complementar 108 de 2001 regulou o patrocnio de entidades de previdncia privada e a 109 regulou a previdncia complementar.

    De incio, a equipe do governo elaborou quatro propostas de reformas. O vice-presidente Marco Maciel afirmou que "todos so a favor de reformas, mas ningum se entende quanto ao modelo", e que a base parlamentar ser fundamental para definir a extenso das medidas. A equipe de transio de Cardoso disse que a noo de Estado democrtico descentralizado e eficiente permearia todas as reformas, mas ficou apreensiva com a presso de governadores, que temiam perder receitas. Lderes diziam ser melhor aprovar matrias polmicas no incio do governo (FSP, de 06/12/94, p. 1.6). Uma das divises na base do governo foi quanto ao incio das novas regras, uns contra e outros defendendo a violao dos direitos adquiridos, como a equipe econmica, cobrando contribuies de aposentados e pensionistas. O presidente Cardoso disse que "sangra" , ou seja, sofre ao usar recursos do Tesouro para pagar a aposentadoria dos servidores inativos. (FSP, de 07/4/95, p. 1.6). Para justificar as reformas, o discurso presidencial foi de combate " rigidez e ao anacronismo do Estado". Houve tambm divergncias no governo quanto ao timing da votao da reforma da Previdncia, uns querendo rapidez23 para criar um "clima" favorvel ao capital externo e outros mais cautelosos com as negociaes polticas24. O presidente Cardoso, alm de caracterizar os aposentados como

    O vice-presidente Marco Maciel e o lder Germano Rigotto queriam votar a matria em 1996 (FSP, de 13/6/95, p. 1.4). Lus Carlos Santos, lder do governo, props o adiamento da votao da Previdncia para que ficasse garantida a votao das reformas de abertura da economia. O governo ganhou na votao que quebra o monoplio do petrleo e que abre a economia. Usou medidas provisrias que administravam a economia, como a que criou o real e que exigia votaes constantes. As reformas tributria , poltica e administrativa iam sendo adiadas. O PFL previa resistncias e Inocncio Oliveira destacou, quanto reforma da Previdncia: "isso vai exigir uma negociao mais ampla e deve ficar para o final da fila" (FSP, de 09/6/95, p. 1.4).

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    I

  • "vagabundos", tambm afirmou que "mulher se aposentar antes que o homem distoro, j que so mais longevas, se aposentam mais cedo e recebem por mais tempo o benefcio das aposentadorias". Citou tambm como distoro a idade mdia da aposentadoria no setor pblico, a discrepncia entre os poderes, afirmando ainda que com a reforma poderia levar queda da taxa de juros e que o processo de reforma da Previdncia "foi uma luta insana de trs anos" {FSP, 02/12/98, p. 1.5). Tanto os movimentos de aposentados como os de mulheres criticaram o presidente nessas afirmaes, assinalando a no-existncia de igualdade de condies para ambos os sexos, pois as mulheres precisariam conciliar o trabalho com as atribuies domsticas (FSP, 03/12/98, p. 1.7).

    Por sua vez, Lula, na poca deputado do PT, tambm defendeu mudanas, mas somente para os que viessem a entrar no mercado de trabalho. Alis, as relaes entre governo e oposio foram tensas no que diz respeito reforma da Previdncia, e algumas poucas tentativas de acordo entre governo e oposio fracassaram.

    O calendrio eleitoral tambm interferiu nas votaes de uma reforma que mexia com os interesses de milhes de eleitores. A Comisso da Previdncia no votou a matria em 1995 e houve troca de acusaes entre seus membros. Jair Soares renunciou presidncia da comisso dizendo que "no capacho de ningum...", deixando o PFL. O relator atacou o presidente da CUT. Euler Ribeiro, o seguinte relator, manifestou desgaste e irritao, pressionado pelo tempo e pelo governo {FSP, 09/02/96 p. 1.4). Todos os partidos disputavam cargos nas comisses e o PFL, que havia indicado Soares, pressionou para que ele sasse da Comisso. A reforma foi atropelada pela guerra de cargos, alm da guerra de propostas, passando a emenda a ser votada diretamente no plenrio. Stephanes, o ministro de Cardoso, no liderou a conduo da proposta. O deputado Jos Genono, do PT, e Vicentinho, presidente da CUT se articularam, j que a CUT ameaava greve geral. Vicentinho arga que o governo falava uma coisa, e o relator, outra. A oposio decidiu impedir a

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  • aprovao da emenda. Nem Lus Eduardo Magalhes, presidente da Cmara, conseguiu conduzir as negociaes tendo em vista a rebeldia da base governista (JB 11/02/96 p. 3).

    No calor dos embates, um dos temas que mais dividiram os parlamentares foi a introduo de uma idade mnima para a aposentadoria, e mesmo depois de perder na Cmara, o governo tentou, no Senado, a aprovao da aposentadoria aos 65 anos para os homens, combinada com 35 anos de contribuio, e com cinco anos a menos para mulher.

    Outra divergncia no seio do prprio governo sobre o texto do relator Euler Ribeiro referia-se ao teto das aposentadorias no setor pblico, que era de 35% acima do salrio do presidente, acumulao de aposentadorias, ao perodo de transio proposto (dois anos), extenso das gratificaes dos ativos para os inativos e centralizao da arrecadao na Previdncia. O ministro Stephanes considerou 80% dos pontos do relatrio positivos. (FSP, de 05/12/95, p. 1.8). Durante as discusses, sem deciso tomada sobre novas contribuies, o governo se props a fazer cortes no oramento, j que o Legislativo no aprovou aumento de arrecadao, como contribuio dos autnomos, CPMF e contribuio dos inativos (FSP, de 16/12/95, p. 1.8). A contribuio dos autnomos geraria 1 bilho de reais. O projeto passou na Cmara mas parou no Senado, e o de contribuio de inativos parou na Cmara. A previso era de uma arrecadao de R$ 1,7 bilho. No houve acordo entre os partidos. O fim da inflao retirou da Previdncia os lucros financeiros das aplicaes, mas em maro de 95 ainda havia o supervit de R$2,1 bilhes.

    Em abril de 98 o governo faz uma minirreforma ministerial, entregando o Ministrio da Previdncia ao baiano Waldeck Omellas, do PFL, que favoreceu empresas baianas na sua gesto, como a contratao da Unitec, sem licitao, para criar o software de fiscalizao do INSS, que no funcionou. Esta empresa foi terceirizada pela Fundao Cetead da Bahia (Comunidade, 30/05/99, p.2). Houve tambm uma distribuio de

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  • verbas Fundao Lus Eduardo Magalhes pelo Ministrio da Previdncia.

    Em 1998 o presidente da Repblica pressionou seus apoiadores e ministros para concluir a votao da reforma nos dias 28 e 29 abril, mas continuou a insistir no redutor de 30% dos benefcios dos servidores pblicos aposentados que recebiam mais de R$ 1.200. Para aprovar seu projeto, props a liberao de verbas ou punio para deputados (FSP, 24/04/98, p. 1.4 e 13/05/98, p.13.), combinando aliciamento, represso e preeminncia do Executivo, que muito governou com medidas provisrias25. Mesmo assim, o governo no viu aprovado seu projeto de idade mnima de aposentadoria no regime geral. O chamado mercado financeiro (em geral especulativo) refletiu as derrotas do governo, fechando em baixa pela razo de a definio da idade mnima no haver sido aprovada por apenas um voto, ficando "preocupado" com a unio das oposies e o enfraquecimento do Executivo (CB 08/05/98, p. 9).

    Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal foi acionado em vrias ocasies. Em liminar (Mandado de Segurana n 22.503-3/DF) pleiteada pelos partidos da oposio, suspendeu a tramitao da reforma, vista como nova proposta feita pelo terceiro relator Michel Temer, com desrespeito ao processo legislativo, segundo o ministro Celso de Mello. O novo relator rascunhou e alterou mo o texto, antes da votao. Props tempo de contribuio em vez de tempo de servio, fim da aposentadoria proporcional para servidores, aumentando o teto para 10 salrios mnimos em lugar de 08, e proibindo o acmulo de aposentadorias. (FSP, 13/04/96 p. 1 A).26 As relaes entre Legislativo e Judicirio foram, s vezes, tensas, principalmente no tocante aposentadoria dos juizes, aos reajustes, ao teto salarial do funcionalismo e contribuio dos inativos. O Judicirio (CB 29/ 01/98, p. 16) impediu o pagamento de 11,98% de reajuste aos

    25 Segundo levantamento do Senado, at junho de 2000 o presidente Cardoso havia editado ou reeditado 4.406 Medidas Provisrias.

    25 A reforma da Previdncia foi aprovada em 17/07/ por 318 votos a 136 e 6 abstenes depois de acordo entre governo e oposio.

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  • funcionrios do Legislativo. Uma das questes mais complexas e disputadas na reforma foi a contribuio dos inativos, tendo o governo apresentado a questo quatro vezes no Parlamento27, sendo derrotado em trs e conseguindo a aprovao da contribuio na crise de 1999, atravs da Lei 9.783/99; sofreu entretanto com derrota na Justia pois o Supremo Tribunal Federal, em ao liminar, considerou o desconto como um confisco28 (Faleiros, 2000)29.

    Em 1998 a bancada governista votou a taxao dos inativos, sendo 205 votos contrrios, 186 favorveis e 7 abstenes pela dissidncia do bloco governista, considerando que 16 deputados do PFL, 25 do PSDB, 29 do PMDB e 31 do PPB votaram contra, alm de 95 ausncias desses partidos, com peso na votao da bancada ruralista30 e da filantrpica (o governo insistia na iseno de contribuio tambm para as escolas). A crise do dlar em A 999 \evou o Confesso, sob pvesso do Executivo o oas organizaes internacionais, a aprovar a taxao dos inativos com uma previso de arrecadao de 2 bilhes de reais (FSP, 26/01/99, pg. 1.5), o que seria mais simblico que uma contribuio efetiva n# reduo do dficit no sistema pblico previdencirio, que alcanou 45,3 bilhes em 1999.

    27 Medidas Provisrias 560/95, 1.415/96 e 1.482/98 e Lei 9.783/99. Esta lei foi questionada pela Ao Direta de Inconstitucionalidade 2.010-2. Ficariam isentos os militares e os que recebem menos de R$ 600; p#ra os maiores de 70 anos ou aposentados por invalidez, o limite de R$ 3000. A. medida tem as seguintes contribuies: 1 1 % acima de R$ 600 at R$ 1.200; 20% acima de R$ 1.200 at R$ 2.500; 25% acima de R$ 2.500. O governo incluiu tambm um desconto para os servidores ativos que j contribuem com 1 1 % at a faixa de R$ 1.200, fazendo incidir 9% sobre a parcela que exceder R$ 1.200 e 5% sobre a que exceder R$ 2.500.

    28 Mandado de Segurana 23.411-DF.

    29 A contribuio dos inativos foi uma das questes mais controversas. O governo sempre defendeu o aumento da carga tributria sobre os aposentados com a justificativa de combate a injustias e diminuio do dficit previdencirio e das contas pblicas. Em 3/5/95 a Comisso de Constituio e Justia da Cmara retirou a proposta de obrigao de os funcionrios inativos contriburem para a Previdncia Social, mas o governo voltou carga da contribuio, chegando uma de suas propostas a ser aprovada no Congresso no final de 1998, mas posteriormente toi considerada 'inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O governo voltou a apresentar, em novembro de 1999, nova emenda constitucional para taxar os aposentados. Na votao do dt 20/01/99 o governo obteve 334 votos a favor, 147 contra e 4 abstenes. Houve negociao de verbas para os projetos dos deputados e a taxao dos militares foi adiada (FSP, 21/01/99, p. 1.6). Os militares consumiam em 1998 R$ 2 bilhes com os ativos e R$ 3,1 bilhes com os inativos.

    30 Em 1991 os ruralistas fizeram adotar a contribuio sobre o faturamento da comercializao.

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  • Em 1999 os chefes do Legislativo questionaram os gastos do Judicirio e instalaram uma CPI para investigar esse poder. Ainda em 1999 o Judicirio considerou inconstitucional a lei que taxava os inativos. Os juizes tambm pressionaram para que se garantisse o pagamento integral de suas aposentadorias. O presidente da AMB (Associao de Magistrados Brasileiros) defendeu o direito dos servidores pblicos aposentadoria integral "na proporo de suas contribuies e tambm o reconhecimento d a s peculiaridades profissionais da funo judicial,... para garantir um juiz independente nas suas decises" (FSP, 17/03/98, p. 1.3) e tambm pressionaram para manter os salrios com teto elevado, inclusive fazendo manifestao de rua em passeata no dia 26/02/97.

    Vrios setores passaram a pressionar por seus interesses particulares, tais como: acumulao de aposentadoria e salrios de cargos em comisso at o teto a ser definido, manuteno do reajuste para os inativos; retirada do redutor; recebimento integral da penso pelas vivas (OG, 28/08/97, p. 9), aposentaria especial das professoras do ensino fundamental... (FSP, 15/07/97, p. 1.1).

    O governo no deixou tambm de realizar uma reforma interna, com pequenos ajustes como o da Lei 9.032 de 28/4/95, que determinou que o clculo fosse feito com base no salrio de contribuio, sem vantagens. O auxlio-doena passou para 91 % e no mais de 80 a 92%. Na aposentadoria por invalidez e na penso por morte, ficou em 100% . A mudana mais importante foi que as aposentadorias especiais passaram a ser concedidas com comprovao de exposio ao risco, e no por categoria profissional. A carncia aumentou seis meses sobre a tabela anterior.

    A controvrsia sobre a reforma colocou em pauta o conflito social em torno de temas especficos como a desconstitucionalizao, os regimes propostos, o tempo de contribuio, a idade da aposentadoria, o no-respeito aos direitos adquiridos, a desvinculao dos benefcios do salrio mnimo, a

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  • desvinculao dos reajustes dos servidores da ativa31 dos chamados inativos, a questo central da dvida pblica e de seu pagamento em funo dos interesses das multinacionais e dos especuladores. Apesar do interesse do Executivo, ainda no foi se definira um teto salarial para aposentadoria dos servidores pblicos por contrapresso do Judicirio, a favor de um teto mximo que ganham os juizes do Supremo Tribunal Federal e dos deputados que acumulam aposentadorias. O Instituto de Aposentadoria do Congresso Nacional, por forte presso popular, foi extinto.

    Os empresrios apoiaram a proposta de que os trabalhadores fossem responsveis pelo seu seguro individual, com o mnimo de mecanismos da proteo do Estado, fragilizando ainda mais suas relaes de trabalho, pois sem a proteo ficaro mais sujeitos s regras do mercado, e conseqentemente imposio das condies pelo mais forte. Os sindicatos se dividiram na discusso dessa questo, mas a Central nica dos Trabalhadores manteve a defesa do regime coletivo de repartio e o critrio do tempo de servio/contribuio, e no o de idade para a aposentadoria. Medeiros, da Fora Sindical, apoiou as reformas, afirmando que "s a reforma constitucional vai permitir ao Brasil conseguir desenvolvimento econmico e justia social". Juntas, Fora Sindical e Fiesp organizaram uma manifestao pelas reformas (FSP 18/4/95, p. 1-12).

    A CUT se colocou no campo da oposio ao governo, e em maro de 95 fez um ato pblico em So Paulo em defesa da aposentadoria por tempo de servio (FSP, 10/3/95, p. 1-4). Ao final de 1995, o governo abriu um espao para negociao de sua proposta com as foras sindicais e empresariais, quando da elaborao do relatrio de Euler Ribeiro sobre a emenda, mas no houve acordo, embora Vicentinho, presidente da CUT, 3,Segundo dados divulgados pela SAF havia 586.000 ativos e 533.000 aposentados e

    pensionistas no Poder Executivo, (150.000 respectivamente nas Foras Armadas, 50.000 e 35.0000 no Poder Judicirio e 10.000 e 5.000 no Poder Legislativo; ou seja, 53% de ativos para 47% de inativos. Segundo o ministro da Pasta, "esta situao provocar um colapso na Previdncia". Folha de S. Paulo, 20/01/95, p. 1.8).

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  • considerasse o momento propcio para negociar, diante da diviso interna entre os partidos do governo, do clima eleitoral e da dificuldade dos partidos de esquerda em "tocar em certas feridas" (FSP 16/12/95, p. 1.8). Fez presso, juntamente com a Fora Sindical, ocupando a sala Nereu Ramos, da Cmara dos Deputados, em 13/12, para forar o adiamento da discusso da reforma para 1996 ( FSP. 14/12/95, p.1.6).

    Na discusso entre governo, centrais sindicais e empresrios, o primeiro props modificar direitos trabalhistas em troca da perda de direitos previdencirios, por exemplo a reduo de jornada de trabalho e aumento da lcena-matemidade, com o que no concordaram os empresrios (FSP, 19/11/95, p.1.6). A CUT insistiu na manuteno da aposentadoria por tempo de servio, sendo contra o limite da idade mnima, e a favor da aposentadoria proporcional para servidores. Comemorou a derrota do parecer de Euler Ribeiro e continuou nas negociaes "para melhorar a aposentadoria por contribuio". Vicentinho foi chamado de pelego e traidor por um setor da CUT, onde, por sua vez, recebeu um desagravo (FSP, 15/2/96, p.1-6). Assinalou que a Central no possua nenhum compromisso com o relatrio, e que os pontos acertados no foram includos, reafirmando "no ser do trabalhador o nus da prova por tempo de contribuio", e que defendia a aposentadoria proporcional para servidores, a recuperao do poder aquisitivo dos aposentados, a extenso da aposentadoria especial para especialistas em educao, a no- acumulao de cargos eletivos e a contagem de tempo de carreira para os servidores. Em abril de 96, a CUT retirou qualquer apoio ao projeto de reforma da Previdncia.

    A proposta da CUT defendia os mesmos direitos para todos os trabalhadores, com aposentadoria integral considerando o tempo de servio e at 20 vezes o piso para os benefcios, situando-se o teto em 20 salrios mnimos e um custeio diferenado entre 8 e 1 1 % , de acordo com os ganhos. Mesmo os servidores pblicos teriam um teto de 20 salrios mnimos. Consciente de que a participao dos salrios no PIB decresceu de 23,6% em 1979 para 15% em 1988, erodindo o financiamento

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  • do fundo com base nos salrios, propunha mais empregos, o combate sonegao, alm de um modelo de gesto democrtica de considerar os trabalhadores rurais para a formalidade, mantendo a aposentadoria por tempo de servio.

    A Fora Sindical, desde 1993, elaborou sua proposta para a reforma da Previdncia para aprimorar servios e conter a tendncia deficitria com a estruturao do oramento da seguridade social, criticando a elevao do valor das contribuies, a reduo do valor real do benefcio mdio e o represamento da concesso de benefcios. Props, alm de uma mudana gerencial, o regime de capitalizao, sem "o distributivismo irresponsvel". No entanto, segundo a proposta, a passagem da repartio para a capitalizao deveria ser gradual, compatibilizando-se o modelo de repartio com o de capitalizao por um certo tempo, at a extino da aposentadoria por tempo de servio, e tambm limitando os direitos especiais dos servidores pblicos a determinada faixa de renda.

    Os deputados rejeitaram a proposta da Receita Federal de acabar com a deduo de juros sobre a base de clculo da CSLL, o que foi criticado pelo setor financeiro. Em acordo com os deputados, o governo trocou o fim da dedutibilidade pelo aumento de 4% na alquota da CSLL de 01/05 a 31/12/99, reduzindo em R$ 2 bilhes os quatro previstos. Na mesma medida provisria de 29/01/99, as instituies financeiras passaram a pagar o mesmo percentual de outras empresas para a CSLL, que passa de 18% para 8%, mas recolheram a Cofins no valor de 3%, pois estavam isentas desta cobrana, e tambm pagaram o PIS no ndice valor de 0,65%, em vez de 0,75%. Esta foi uma forma de compensar a perda da receita com a demora na prorrogao da CPMF, sendo que aps 01/05 todos iro pagar a alquota adicional na CSLL (FSP, 30/01/99, p. 2.5)

    A oposio manteve o discurso de combate sonegao e controle dos recursos para garantir a seguridade social, como afirma o deputado Srgio Arouca (A Gazeta 04/01/97, p. 5). Criticou tambm a estrondosa despesa com os juros sob o

    60

  • crescimento da dvida pblica, escondendo da populao esse fator, justificando o arrocho. O dinheiro da contribuio sobre a folha de pagamentos, da Cofins, da contribuio sobre o lucro, do servidor e do PIS/Pasep deveria ser destinado Seguridade Social, mas desviado no Ministrio da Fazenda para reforar o oramento fiscal32. O prprio Congresso Nacional props uma emenda constitucional (PEC 169) para redefinir a distribuio de recursos na rea da seguridade social, mas no foi adiante.

    A Medida Provisria 1.663/15 determina o recolhimento para a Previdncia no percentual de 11 % sobre o valor bruto da fatura das empresas que contratem servios executados mediante cesso de mo-de-obra, que deve ser feito at o dia 2 do ms seguinte ao da emisso da nota ou fatura. Esse valor poder ser compensado pela empresa ao recolher outras contribuies sociais sobre a folha de salrios, o que visa a evitar sonegao. Isto vale para todas as empresas que oferecem mo-de-obra para terceiros, mesmo em trabalho temporrio como limpeza. O prazo de validade da certido negativa de dbito foi reduzido de 180 para 60 dias. A edio anterior33 dessa Medida Provisria permitia ao INSS receber Ttulos da Divida Agrria para pagar dvidas previdencirias, assim como autorizava a Unio a fazer leiles de ttulos com esse fim. Estabelece tambm que o reajuste dos benefcios ser feito pelo IGP-D.

    A busca de recursos para o pagamento da dvida tornou a Previdncia Social financiadora do Tesouro em vez de destinatria do mesmo, com a Medida Provisria 935 de 08/03/95, que facultou a utilizao de recursos da Previdncia nos gastos gerais. O ministro da Previdncia disse no ter participado das discusses dessa MP e prometeu, em conferncia ao Sindicato, que a reforma deveria acabar com o problema da queda dos valores das aposentadorias no vinculadas ao salrio mnimo (FSP, 10/03/ 95, p. 8).

    32 Dados da Anfip apontam que em 2000 e 2001 R$64.252 milhes foram "desviados" da Cofins, da CPMF (excludo o Fundo da Pobreza em 2001), da CSLL e do Fundo da Pobreza (em 2001) para o Tesouro, por reteno. Esse montante representa 48% dessas contribuies, e seguramente foram usados para produzir o famigerado supervit fiscal.

    33 A de ne 11 de 26/6/98.

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  • O discurso do ministro da Previdncia foi o de que paira permanentemente a ameaa do dficit e de que no h dinheiro em caixa, sendo insuficiente o combate corrupo e s fraudes. Segundo o ministro, em 1996 houve um aumento real de 1 1 % na arrecadao, mas ser preciso recorrer a emprstimos bancrios privados. Ainda segundo o ministro, "o que torna dramtica a situao so os 2 milhes de aposentados precoces e milionrios do setor pblico. A folha desses "privilegiados" ir custar R$ 48 bilhes. H procuradores do INSS, fiscais da Previdncia, polticos e professores universitrios aposentados recebendo at R$ 30 mil por ms. A reforma para acabar com este tipo de abuso. uma questo moral 4. Do jeito que est, a Previdncia uma das maiores concentradores de renda do pas". O governo alertou tambm para o envelhecimento da populao (CB 12/01/97, p.18).

    O governo buscou ainda a renegociao de dvidas com a Previdncia, perdoando multas e juros, principalmente com a proposta feita em 2000 de acordo com o Programa de Recuperao Fiscal - Refis, conforme a Lei 9.964 de 10/04/2000.

    Os organismos internacionais35 tambm se manifestaram para pressionar a reforma. Segundo o Banco Mundial, o dficit da Previdncia poder ser de 1% do PIB no ano 2000 devido ao aumento dos inativos, e de 9% em 2025. Segundo o Banco haveria 118 aposentados em 2020, para 100 contribuintes, em vez de 48, como atualmente. Segundo Stephanes, o nmero de novas aposentadorias passaria de 800 mil (dados de 96) para 700 mil em 97, caso a reforma tivesse sido aprovada (FSP, 09/02/97, p.1.7).

    No discurso do governo, o peso dos inativos36 tornou-se significativo na folha de pagamentos das unidades pblicas aps

    34 Sublinhado pelo autor.

    35 Em 1998 a derrota do governo na taxao dos inativos provocou queda de 8,79% na Bolsa de So Paulo, tendo em vista a incapacidade do governo em controlar sua base parlamentar. Essa medida fazia parte de um pacote fiscal diante da crise russa.

    36 Ver Medidas Provisrias 560/95, 1.415/96, 1.482/98 e Lei 9.783 de 29/01/99

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  • a Constituio de 1988 e, principalmente, depois do anncio da reforma pelo governo. Segundo o INSS, havia 3,6 milhes de idosos recebendo ajuda aps os 65 anos, e haveria 6 milhes de pessoas com mais de 70 anos recebendo auxlios e aposentadorias. No entanto, o dficit da Previdncia poderia no ser explosivo com o crescimento econmico de 4% ao ano, como calcula o BNDES (JB 25/05/97, p. 4). De 1990 a 1994 a receita bruta mdia da Previdncia Social foi de U$ 39,641 bilhes, sendo de 6,44% a parte da receita proveniente de contribuies sociais (Cofins e lucro). As despesas nesse perodo representaram uma mdia de U$ 25,15 bilhes, portanto, com supervit, atendendo em 1994 a 15.242.800 benefcios. Em 1994 houve um supervit de 1,8 bilho de reais.

    A tendncia de dficit vem se "amainando" a partir de 2000 (mantendo-se o dficit no mesmo patamar nesses dois anos), tendo um crescimento importante de 1996 a 1999. As aposentadorias por tempo de contribuio passaram de 16,4% dos benefcios concedidos em 1995 para 3,9% em 2000. Quanto aos benefcios assistenciais houve oscilaes, pois em 1995 alcanaram 2,9% dos benefcios; em 1996, 18,5%; de 97 a 99 ficaram em torno de 11,7%, e m 2000 baixaram para 7,3%. As aposentadorias por idade ficaram em torno de 12%, com exceo em 1998 e 99, quando alcanaram 17%, talvez pela demanda de uma gerao. Diminui tambm a idade de concesso da aposentadoria por tempo de contribuio, que passou de 48,9 anos em 1998 para 52,3 anos em 2001. A concesso para servidores civis da Unio diminuiu de 34.253 em 1995 para 6.222 em 2001, sendo que em 1998 atingiu 19.755, o que representa uma reduo significativa.

    O dficit da Previdncia, segundo o governo, com a reforma deve se manter em torno de 1 % do PIB nos prximos 20 anos, ao contrrio de 3,5% do PIB, sem a reforma. A reduo do dficit tem sido dificultada (Cechin, 2002) em funo da no-desvinculao do piso de benefcios do salrio mnimo e em

    63

  • funo de renncias fiscais devidas a pagamentos de benefcios sem uma contribuio especfica, conforme a Tabela 1.

    Tabela 1 Renncias previdencirias em 2001

    (em R$ milhes correntes) Segmento

    Segurado Especial SIMPLES Entidades Filantrpicas Empregador Rural - Pessoa Fsica e Jurdica Empregador Domstico Clube de Futebol Profissional

    Total

    2001* 3.236,97 2.199,51 1.912,81

    775,45 200,58

    61,27 8.386,59

    Estimativa - Fonte: MPAS

    Nessa tabela, podemos observar que o dficit seria bem menor, caso essas chamadas "renncias" fossem recuperadas. Se observarmos ainda que a receita foi de R$ 62.492 milhes correntes em 2001 com provenincia de 60.651 do setor urbano e de 1.841 do setor rural e a despesa de 75.328 no total, sendo de 60.711 no setor urbano e de 14.617 no setor rural, existe um dficit de apenas R$ 840 milhes no setor urbano e de R$12.776 milhes no setor rural. Esta transferncia de renda do setor urbano para o setor rural tambm reativa a economia nos pequenos municpios e aumenta a demanda por produtos industriais urbanos. Apenar de no terem contribudo para o caixa da Previdncia, os trabalhadores rurais contriburam para a economia do pas em condies muito precrias.

    No setor pblico, com a reforma, segundo o prprio Ministrio da Previdncia, a necessidade de financiamento como porcentagem do PIB deve passar de 1,1% em 2002 para 1% em 2020, se houver aumento somente para as carreiras tpicas de Estado, o PIB crescer e o reajuste anual for apenas de 1,5%. Segundo o Livro Branco da Previdncia Social, publicado em dezembro de 2002, podemos observar o seguinte quadro do dficit, na Tabela 2.

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  • Tabela 2 Receita, despesa e resultado da Previdncia Social - INSS

    de 1995 a 2001

    INSS Contribuies Arrec. Liquida Benefcios Previdencirios. Dficit Dficit em % do PIB

    1995 199352,2

    32,62

    320,46 0,41

    1996 40,4

    1996 40,6 40,4 0,2

    40,06 0,2

    1997 44,1

    199747,2

    443,1 0,4

    47,2

    1998 46,6

    53,7

    7,1 0,8

    Em R$ bilhes correntes 1999

    49,1

    58,5

    9,4 1,0

    2000 55,7

    65,8

    10,1 0,9

    2001 62,5

    75,3

    12,8* 1 ,1

    0,1 3,1 Fonte: MPAS, MF/, MOG e INSS. * Para 2002 h previso de um dficit de R$16 bilhes

    0,0 0,4

    Pode-se observar que houve um aumento maior da despesa que o da receita, o que precisa ser analisado em face do aumento das aposentadorias rurais, do desemprego e da precarizao do trabalho. Em relao ao PIB o dficit tambm aumentou, num perodo de fraco crescimento econmico. Para o setor pblico temos o que se visualiza na Tabela 3, segundo o Livro Branco (2002).

    Tabela 3

    Receita, despesa e resultado da Previdncia Social Servidores Pblicos- de 1995 a 2001

    Em R$ bilhc es correntes e em % do PIB Senadores Pblicos Unio,estados,munic. Contribuies Despesas com inativos e pensionistas Diferena (dficit) entre contribuies e despesas Em % do PIB % da Unio na diferena em relao ao PIB % d o s Estados % municpios

    1995

    6,2 25,4

    19,2

    3,0 66%

    27% 6%

    1996

    6,4 33,7

    27,3

    3,5 51%

    40% 9%

    1997

    6,6 37,1

    30,5

    3,5 51%

    40% 9%

    1998

    6,9 41,8

    34,9

    3,8 52%

    39% 9%

    1999

    8,1 44,0

    35,9

    3,7 57%

    37% 8%

    2000

    6,9 52,0

    45,2

    4,1 49%

    44% 7%

    2001

    7,8 56,4

    48,6

    4,1 51%

    449 7%

    Fonte: MPAS, MF/, MOG e INSS - Elaborao prpria

    65

  • O quadro mostra, em primeiro lugar, que as contribuies dos servidores da ativa (em 11 % na Unio e varivel nos estados) no cobre o pagamento de benefcios dos "inativos". H que se levar em conta que o Estado no contribui, como os demais patres, e que os servidores no recebem FGTS (de 8%), como os servidores da empresa privada. Para 2001, se adicionssemos estes valores, o chamado dficit cairia de 48,6 bilhes para aproximadamente 35 bilhes. O quadro mostra que a Unio responsvel por metade do chamado dficit, os estados por 40% e os municpios por 10%, com maior peso, portanto, para a Unio e os estados.

    A partir da Constituio de 1988, em torno de 80% dos servidores deixaram de ser contratados pelo regime trabalhista comum (CLT) para serem estatutrios ou funcionrios do Estado, o que corrigiu uma injustia entre os servidores, mas a aposentadoria no foi adequada ao tempo de contribuio e idade, o que criou grande disparidade com o setor privado. O governo pretende contratar novos servidores como empregados e no como funcionrios, necessitando-se pensar nas distorses e conflitos a serem negociados.

    A atual reforma, na tica da prpria Previdncia, trouxe uma reduo dos gastos que controlvel, sobretudo se houver diminuio da taxa de juros e aumento dos trabalhadores contribuintes. No grfico 1, elaborado pela Previdncia Social, podemos observar que a reforma da Previdncia provocou reduo nas previses de dficit, embora elas ainda sejam crescentes.

    66

  • Grfico 1

    Arrecadao Lquida, Despesa com Benefcios e Saldo Previdencirio (1988 a 2001)

    Em R$ bilhes de abr/02 (INPC)

    Fonte: MPAS Elaborao SPS/MPAS

    Como vimos, a base salarial um alicerce do fundo pblico previdencirio e o setor informal tem aumentado no Brasil, sem que contribua para a Previdncia. Os trabalhadores com carteira assinada diminuram de 57,5% em 1990 para 45,4% em 2001, no havendo condies de esses trabalhadores pagarem sem sacrifcio 20% do piso para a Previdncia . um dos desafios para o aumento de arrecadao.

    Uma das questes mais discutidas para diminuir o dficit foi a desvinculao do piso previdencirio do salrio mnimo, soluo indispensvel segundo alguns economistas (Nri e Giambiagi, 2000). A lgica dessa desvinculao o ajuste fiscal e a considerao de que os aposentados tm necessidades menores que os trabalhadores da ativa. Segundo os autores citados, o

    67

  • dficit teve uma acentuao significativa a partir do reajuste generalizado do salrio mnimo, dos benefcios e do funcionalismo em 1995, recomendando a desvinculao e reajustes menores para o funcionalismo.

    Trata-se de uma lgica de ajuste com transferncias de custos exclusivamente para os trabalhadores, sem considerar que a sonegao e a prpria anistia aos inadimplentes tm impacto significativo no dficit previdencirio. Segundo a Anfip, a evaso na rea da receita previdenciria situa-se em torno de 30 a 40 % do seu potencial decorrente da sonegao, fraude ou evaso fiscal (Anfip, 1997). A transformao da questo do dficit em questo poltica de cortes ou de desvinculao do salrio mnimo toma como parmetro imutvel a lgica do neoliberalismo e do modelo de regulao, a partir das exigncias do capital multinacional financeiro.

    No governo de Cardoso houve alguns esforos para cercear a sonegao e aumentar a arrecadao, sobretudo com o uso da Justia, combate a fraudes, controle da terceirizao, alm do que assinala Cechin: "certificado da dvida pblica que permitiu o resgate da dvida securitizada do Tesouro Nacional na condio de que o resgatante amortize sua dvida para com a Previdncia Social; depsitos judiciais; adicional de contribuio para a aposentadoria especial; contribuio da empresa sobre a remunerao do contribuinte individual; eliminao da escala de salrio-base para o contribuinte individual; contribuio da cooperativa de trabalho; regularizao das dvidas dos estados e municpios; lei de crimes contra a Previdncia Social; demonstrativo de renncias previdencirias. Como medida de cercear a sonegao na terceirizao, o INSS determinou que as empresas que cedem mo-de-obra tero 1 1 % da fatura retidos para o INSS". (FSP, 21/02/99, p. 2.1)

    No governo foram apoiados os fundos privados de previdncia, com descontos no Imposto de Renda para os investidores nos planos bsicos de previdncia livre estimulando-

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  • se a poupana individual capitalizada, mudando-se no s o padro da previdncia pblica mas apostando na previdncia privada, qual s podem ter acesso aqueles que dispem de um rendimento que lhes permita investir uma parte para o futuro. O problema desses fundos que esto se tornando cada vez mais vinculados ao capital financeiro especulativo e no ao capital produtivo. Nikonoff (1999) assinala que esses fundos so perigosos, ineficazes e inteis. Perigosos porque sujeitos s variaes do capital nas bolsas, e dependentes das desestabilizaes financeiras e das "corporate governance"37 ; ineficazes porque incapazes de cumprir os compromissos com suas performances medocres e inteis pois no trazem poupana suplementar e nem vantagem demogrfica. Alm disso existe uma delinqncia financeira internacional que propicia a lavagem de dinheiro, a transferncia de divisas para o exterior e, segundo a Unafisco, "o Brasil desenvolveu na ltima dcada uma srie de alteraes legais, seja do ponto de vista do controle do cmbio, seja do ponto de vista tributrio para ... desonerao do capital estrangeiro, do grande capital nacional e das pessoas mais ricas com mais conseqncia de contribuio para os contribuintes menos favorecidos" (p. 79/80).

    Concluses

    Ao longo dos ltimos 23 anos, a Previdncia Social teve uma visibilidade significativa no cenrio poltico brasileiro, sobretudo na discusso de seu financiamento ou de seu dficit. Esta questo do dficit esteve, por sua vez, vinculada ao ajuste fiscal, ou seja, s exigncias do Fundo Monetrio Internacional para a reduo da dvida ou do dficit pblico.

    Quando se coloca a questo dessa forma predomina a lgica do pensamento nico: no h alternativa ou soluo para a 37

    Basta ver as fraudes e crises de grandes empresas americanas em 2002 como a Microsoft, a Enron, a Vivendi, dentre outras.

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  • governabilidade, a no ser o corte nos benefcios, o aumento da arrecadao, maior excluso ou a privatizao.

    Ao longo dessas duas dcadas, a soluo do ajuste passou por esses quatro processos. Os benefcios ou direitos foram reduzidos38, principalmente aposentadoria por tempo de servio, as aposentadorias especiais, certos benefcios acidentrios. A arrecadao foi extremamente enfatizada e com significativos aumentos nas alquotas de contribuio. A excluso se manifesta na incapacidade do sistema previdencirio em incorporar a maioria dos trabalhadores brasileiros que vivem do trabalho informal. A privatizao est em curso atravs da capitalizao, que foi indiretamente introduzida pelo fator previdencirio e diretamente implementada pelos planos individuais ou complementares de previdncia.

    Podemos visualizar, no contexto dos conflitos sociais, um conflito especfico que denominamos "conflito previdencirio", envolvendo na relao Estado/sociedade/ mercado, de forma especfica, os segurados, os aposentados, os trabalhadores da ativa, os empresrios, os tcnicos, os hospitais, as entidades filantrpicas, os bancos, os organismos internacionais, o Poder Judicirio, o Poder Legislativo (e todos os partidos polticos), e evidentemente, o Poder Executivo, ainda com diviso de posies de seus ministrios. Construir consensos em torno de contribuies e benefcios implica levar em conta esses interesses em jogo nesse campo minado, mas tanto as crises como as foras em presena (Ver Faleiros, 2000*) concorrem para que os arranjos sejam costurados ou impostos, quase sempre sem a satisfao total de todos, mas em torno de consensos mnimos.

    O desafio do novo governo de Luiz Incio Lula da Silva no pode se reduzir apenas questo colocada na epgrafe deste texto: aumentar a arrecadao. Esta a lgica predominante na soluo do problema nesses 23 anos estudados e considerados.

    38 Houve melhora no salrio maternidade.

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  • 0 desafio de se repensar uma redistribuio dos custos da proteo social em toda a sociedade por meio de mecanismos garantidos pelo Estado e com contribuies que venham taxar aqueles que mais ganharam na dcada: os bancos e o capital financeiro. Talvez o mundo no tolere mais a acentuao brutal da desigualdade nestas duas ltimas dcadas. Para isso, novas mobilizaes sociais vm emergindo na reao s propostas e aes do capitalismo central, manifestas por ocasio das reunies internacionais dos grandes dirigentes do mundo e no Frum Social Mundial. No se trata de uma sada nica, mas da articulao de uma teia de medidas que possam refundar a seguridade social no mundo contemporneo, levando em conta a realidade das mudanas no mundo do trabalho e no papel do Estado. O combate pobreza, certamente, no se efetivar sem essa rede de proteo ou de incluso social com desafios para a produo, a gerao de renda, o emprego pblico, a economia solidria, o desenvolvimento sustentvel e a garantia da cidadania.

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