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**Os intelectuaistêm a missãode tornara utopiauma realidade**Butger Bíflgman ainda náo tem30 anos e Já # um dos mais destacado»e controversos pensadores europe-ns.Em entrevista, o historiador e Jornalistad#f#nd# o ftf ndlmen((i Bi?iço trtçííridiçJenflL,

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RUTGER BREGMAN"Os intelectuaistêm a missãode tornar a utopiauma realidade"Aos 29 anos,o historiadorejornalista holandêsé um dos maisdestacadospensadores da suageração. 0 autor de"Utopia para Realistas"defende ideiascomo o rendimentobásico universal,a semana de trabalhode 15 horas ealiberdade decirculação para todos.Em entrevista,atribui aos intelectuaiso papel de

transformar o

impensável emplausível.

ANA PINA

[email protected]

á quem persiga uto-pias e se imponha a

missão de descons-truir estereótipos.Há também quemprefira manter-sena sua zona de con-

forto e goste de nutrir o ceticismo. Seria fácildividir o mundo recorrendo a uma imagemjá muito estafada: preto ou branco. Para ir-mos mais além, para termos o direito de so-nhar porque já atingimos o que queríamos,os sonhos têm de ser a cores e a vontade de

mudar indomável, e, teremos também de

perscrutar a História para reunir dados con-

cretos, científicos, que ajudem à argumenta-ção porque, apesar da narrativa atual dar a

entender que não há espaço para utopias, há

quem tenha a profunda convicção de quevale a pena mudar mentalidades e criar uto-

pias realizáveis.

Rutger Bregman, historiador, jornalista e

pensador é um deles. Em 2014 lançou-se naescrita de "Utopia para Realistas". Foi um

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êxito de vendas na Holanda, o seu país natal,e rapidamente foi traduzido para várias lín-

guas. Desencadeou um movimento nacionalde apoio ao rendimento básico incondicional

que fez manchetes um pouco por toda a Eu-

ropa e colocou o tema na ordem do dia. Não é

vulgar um autor de 29 anos conseguir tal

proeza. O rigor histórico e os ideais nem

sempre andam de mão dada, mas foge ao dis-

curso óbvio e recusa-se a cristalizar o seu

pensamento, convicto de que "o progresso é

a realização de Utopias". Não, não é Bregman

quem o diz, mas sim Oscar Wilde, o que,para o caso, não faz muita diferença.Poderíamos recuar no tempo, uns 500 anos

por exemplo, e falar da "Utopia" de Thomas

More, onde o navegador Rafael Hitlodeu diz

ao arcebispo da Cantuária que seria mais efi-caz garantir um rendimento mínimo aos po-bres para combater os roubos do que senten-ciar os ladrões à morte. Ou recuar tão-só a

1929, quando, na sequência do choque pro-vocado pela "terça-feira negra", o economistabritânico John Maynard Keynes escreveu umartigo contra o pessimismo e a descrença ge-neralizada na época. O título era especial-mente sugestivo, "Possibilidades económicas

para os nossos netos", e falava numa "doença

nova": o desemprego tecnológico. Apesardisso, o ser humano mostrava-se capaz de

multiplicar a riqueza, pelo que Keynes acre-ditava que, em 2030, o capital teria aumenta-do "sete vezes e meia" e que ninguém teria de

trabalhar mais do que "15 horas por semana".Neste cenário, era expectável pensar que os

netos da sua geração viessem a viver muitomelhor do que os seus avós. Uma discussão

antiga, portanto.É verdade que ainda falta mais de uma década

para o novo mundo preconizado por Keynes,mas também é verdade que o mundo conti-nua extremamente desigual. Daí a pertinên-cia desta conversa com Rutger Bregman emtorno das propostas que defende no seu livro,editado em Portugal pela Bertrand.

A narrativa atual diz que temosde trabalhar mais e aumentara produtividade, que é preciso cortarno Estado Social, que a imigração estádescontrolada e que temos de reforçaras fronteiras... No seu livro defendeo rendimento básico incondicional,a livre circulação de pessoas e umasemana de trabalho de 15 horas.Comecemos pelo rendimento básicoincondicional (RBI): é uma formade garantir um rendimento mínimo

para todos ou trata-sede um mecanismo que visa diminuiro diferencial de rendimento?Pode ser ambas. Em minha opinião, devía-mos começar por instituir um rendimentobásico incondicional (RBI). É uma ideia mui-to simples e que abarca todas as pessoas queestejam abaixo do limiar de pobreza, pois as-

sim deixará de haver pobreza. É um direito e

não um favor - é incondicional. Isto é o mais

importante.

Como pode ser financiado?O RBI pode ser financiado de diferentes for-mas, entre as quais impostos sobre o consu-mo ou sobre a propriedade, o que, obvia-mente, varia de país para país. Mas penso queo mais importante, sobretudo em paísesonde o diferencial de rendimento tem vindoa acentuar-se, ajudaria a reduzir a desigualda-de. E os mais ricos têm um papel a desempe-nhar nesta questão, têm de pagar por isso, até

porque, no longo prazo, todos irão beneficiar

com esta política [RBI]. Toda a gente, in-cluindo os mais ricos, vão beneficiar comuma sociedade em que o sistema de saúde é

menos sobrecarregado - menos doenças - e

em que as crianças tendem a obter melhoresresultados escolares. No curto prazo implicaum grande investimento, mas todos sairão a

ganhar no longo prazo e os mais ricos devemcontribuir para que isso aconteça. É uma po-lítica win-win, ou seja, todos ganham.

A política de aumento de impostossobre os mais ricos tem sido umfracasso, entre outras razões porque sãotambém os que melhor protegem o seudinheiro. Basta pensar nos offshores, nosbenefícios fiscais que alguns paísesoferecem...Antes de mais, não podemos dar-nos ao luxode perder a 'fé' na Europa. Mas a verdade é

que temos muitas razões para estar zangadoscom a Europa, especialmente desde a recentecrise económico-financeira e com tudo o queaconteceu e que afetou gravemente paísescomo a Grécia, Itália, Portugal, Espanha...Falo por mim, pois senti-me muito, muitorevoltado. Mas também estou ciente de quenas questões ligadas à proteção do ambiente e

aos paraísos fiscais, por exemplo, precisamosde trabalhar em conjunto para encontrar so-

luções. Quando digo em conjunto refiro-mea nível europeu. Se a Europa disser "basta" à

Holanda, ao Luxemburgo, às Bermudas... a

evasão fiscal vai acabar. É uma questão devontade política. Não podemos esconder-nosatrás de muros. No caso do Brexit, por exem-

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pio, os milionários e multimilionários estãoliteralmente a esfregar as mãos, porque vão

ter uma vida mais fácil!

Ainda recentemente a União Europeiacriou uma lista negra de países com

paraísos fiscais que não cumprem as

regras de Bruxelas nesta matéria. Há

pressão política, mas não no sentido deacabar com os paraísos fiscais.

Digamos que há uma espécie de regra: sem-

pre que iniciamos um debate público sobre

uma dada questão - racismo, evasão fiscal,etc. -, tendemos a pensar, num primeiro mo-mento, que as coisas estão a correr mal, quenão há solução e por aí diante. Mas só pelofacto de começarmos a debater uma dada

questão já estamos a contribuir para algumamelhoria. Há uns dez anos praticamente não

se discutia a questão da evasão fiscal. Hoje emdia fala-se muito e até a OCDE, o clube dos

países ricos, tem um programa para comba-

ter a evasão fiscal. As coisas estão a melhorar.

Os pequenos passos podemfazer a diferença, é isso?

Sim, os pequenos passos são importantes e o

facto de debatermos certas questões com fre-

quência é sinal de estamos no caminho certo.É uma janela de oportunidades que se abre

para contribuir para a mudança, mas muitos

jornalistas, leitores, espetadores de televisãonão se apercebem disso.

No seu livro cita alguns exemplosde projetos que foram testados comêxito e ocultados da opinião pública,como a experiência levada a caboem Dauphin, uma pequena cidadeno Canadá, em 1974, que durou quatroanos e acabou por ser suspensa por umgoverno conservador. Neste caso, não só

a população passou a ter maisrendimentos como maiores níveisde literacia, além da saúde dos seushabitantes ter melhorado. E, no final,as pessoas não desistiram dos seus

empregos. Atualmente estão a ser feitasexperiências em pequena escala

na Holanda e na Finlândia...Uma das ideias centrais no meu livro é queas "ideias são importantes". Não é só o di-nheiro ou as pessoas com poder que co-mandam o mundo, as ideias também con-tam. Muitas vezes, as ideias partem das pes-soas que não tem poder ou que têm poucopoder. Dou um exemplo: as mulheres su-

fragistas eram as que tinham mais dinhei-ro? Não. Eram o grupo social que tinha

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mais poder? Não. Mas a sua causa teve êxito

porque era uma ideia extremamente pode-rosa. Quero pensar que isso pode acontecercom algumas das ideias que defendo nomeu livro. E o mais encorajador tem sido,

precisamente, as pequenas experiências quenasceram na sequência deste livro. Uma se-nhora holandesa que leu o livro e gostouofereceu-o ao filho que, por sua vez, o pas-sou a um amigo, que depois o emprestou a

outro amigo, etc, etc. Mais ou menos umano depois, o livro foi parar às mãos de umhomem com ascendência holandesa quevive no Canadá, em Vancouver, que falounele a uma amiga, que então comprou a

versão inglesa. Ficou muito sensibilizadacom uma experiência que menciono, queenvolveu 13 sem-abrigo na cidade de Lon-dres, a quem foram dadas três mil libras emdinheiro para gerirem a sua vida.

Detalha esse exemplo no livro,mas pode sintetizar o resultadodessa experiência?Um ano depois da experiência arrancar, setedos 13 sem-abrigo tinham um teto. Os ou-tros estavam prestes a mudar-se para o seu

próprio apartamento. Todos tinham dado

passos cruciais para a sua solvência e cresci-mento pessoal. Quanto custou? Cerca de 50mil libras [56.500 C] por ano, incluindo os sa-

lários dos assistentes sociais. Antes, entre

despesas de policiamento, tribunais e servi-

ços sociais, estima-se que a sua 'conta' ascen-desse a 400 mil libras ou mais. E essa mulherde Vancouver ficou a pensar que seria im-portante haver mais iniciativas destas, in-cluindo dirigidas a pessoas como ela, que ti-nha um emprego de que não gostava, um tra-balho que achava inútil. Depois de ler o livro,decidiu despedir-se e criar uma ONG cujamissão seria dar dinheiro aos sem-abrigo de

Vancouver para começarem uma nova vida.E assim foi! Há uns meses fui convidado paraparticipar numa TED Talk em Vancouver e

conhecemo-nos pessoalmente. A ONG tinharecebido meio milhão de dólares do Governo

para arrancar com o projeto, que inclui umestudo comportamental dos visados. Este é

apenas um exemplo de como as ideias podemmudar o mundo.

Recebeu apenas ajuda financeirado Governo ou teve outras fontesde financiamento, como crowdsourcing,doadores particulares...?Apenas apoio financeiro do Governo, e ummontante bastante generoso, pelo que é mui-

to provável que obtenha melhores resultados

que a experiência feita em Londres. Mas in-sisto: as pessoas não ouvem falar nos exem-

plos bem-sucedidos e por isso desconhecem

o efeito que as ideias podem ter na realidade,no quotidiano.

Esse projeto já está em curso?Não sei pormenores, mas pode consultar on-line. Chama-se "New LeafProject". Mas este é

apenas um exemplo.

Diz que muitos dos empregos que"existem hoje são efémeros, criampouco ou nenhum valor e apenascontribuem para que as pessoas quefazem um determinado tipo de trabalhose sintam frustradas".Acho que é essencial começar por fazer per-guntas elementares, quase filosóficas. O que é

o trabalho? O que é a riqueza? O que é o pro-gresso? O que é o crescimento [económico]?Podemos começar por perguntar às pessoas

que tipo de trabalho vale realmente a pena e

pode ajudar a tornar o mundo um lugar me-lhor. Há vários estudos sobre isso e vou citar

um levado a cabo no Reino Unido, que mostra

que 37% da população ativa britânica afirma

que o seu emprego podia perfeitamente não

existir. Quem o diz não são os empregados da

Câmara que recolhem o lixo, nem os professo-res nem os técnicos de saúde, mas sim consul-

tores, bancários, advogados, contabilistas, etc.

Achei que era uma percentagem muito eleva-da até ter visto os números relativos à Holan-da: 40% de profissionais dessas áreas acham o

seu emprego detestável e dispensável. Não odizem em público, mas admitem-no em pri-vado. Muitos entram em depressão aos 40 ou50 anos, e começam a fazer outra coisa.

A solução passa por erradicaressas profissões?Não é caricato pagarmos milhares de milhõesde euros para educar os jovens para depois,quando entram na vida ativa, acharem os

seus empregos absolutamente inúteis...!?

Em junho de 2016, os suíços rejeitaram,em referendo, a criação de umRendimento Básico Incondicional.Apesar do 'não' ter vencido, podemosdizer que é um passo no sentidoda mudança?O 'não' venceu, mas foi uma grande vitória

para o RBI, porque suscitou muito debate e

gerou imensa 'publicidade' em torno do

tema. Convém não esquecermos que, nos

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anos 50, os suíços também votaram contrauma ideia "perfeitamente absurda": o direitode voto para as mulheres.

Sim, em 1959 o 'não' venceu, mas amaioria dos suíços votou 'sim' numsegundo referendo, em 1971. Istoentronca na referência que faz no livroà janela de Overton: "uma sociedade

pode mudar por completo apenas emalgumas décadas. A janela de Overtonpode deslocar-se. Uma estratégiaclássica para o conseguir é proclamarideias tão chocantes e subversivas quequalquer coisa menos radical de repenteparece razoável". Dito por outraspalavras, para que o radical sejarazoável, basta alargar os limitesdo radical.A História tem-nos ensinado que os princi-pais marcos da civilização - como a aboliçãoda escravatura,a democracia, a igualdade en-tre homens e mulheres e o Estado Providên-cia - foram vistos como pura loucura. As pri-meiras pessoas a propor tal caminho foram

sempre rotuladas de loucas por defenderemideias insensatas. Ideias essas que ganharamforma nas franjas da sociedade para depois,paulatinamente, começarem a aproximar-sedo centro. Penso que esse deve ser o objetivode qualquer intelectual: transformar o insen-sato em sensato, o implausível em plausível.No fundo, tornar a utopia uma realidade.

Enquanto cidadão e jornalista,como vê o tratamento que os mediatêm dado à questão do RBI?É frequente perguntarem-me "o que posso fa-zer"? E eu respondo que a primeira coisa a fa-zer é atirar o televisor pela janela. É uma exce-lente maneira de começar a mudar algo. Isto

aplica-se ao jornalismo televisivo, mas tam-bém a outras formas de jornalismo. Quando

alguém tem uma ideia nova precisa de tempopara explicá-la. Acontece que estamos a assis-

tir a um processo no jornalismo - a que o

grande linguista Noam Chomsky chamou"concisão" -, em que todos os debates queocorrem na rádio, na televisão estão sujeitos à

ditadura do tempo: muitas vezes, uma pessoanão tem mais de 3, 4, 5 minutos para exporuma ideia. E a única coisa que se pode fazer é

dizer aquilo em que as pessoas já acreditam!Não é possível fazê-las mudar de ideias, pensarnoutras perspetivas, abordagens... Quandodou entrevistas de uma hora, fico com a sensa-

ção de que, no final da conversa, as pessoas co-

meçam a perceber o meu ponto de vista. Daíachar que os livros continuam a ter um papelextremamente importante. Só assim podemos

expor e estruturar argumentos.

Propõe uma semana de trabalhode 15 horas. A redução deve ser gradual?A ideia da semana de trabalho de 1 5 horas vaibeber a John Maynard Keynes, o economista

que previu que isso aconteceria em 2030.Ora, é fascinante pensar por que razão isso

não aconteceu. No geral, as pessoas pensamque Keynes era louco, pura e simplesmente.Mas se formos mais longe e estudarmos o

que outros economistas, sociólogos e filóso-fos seus contemporâneos pensavam, consta-tamos que estavam todos em linha com esse

pensamento. Keynes não estava sozinho.Mas sempre fui apologista do gradualismo.Essa redução pode ser gradual. Acho que to-dos devemos ser revolucionários, em teoria,

e pragmáticos quando se trata de passar à

prática. O desafio está aí.

Até aos anos 80 do século passado atendência foi reduzir a semana detrabalho, depois a situação inverteu-se.Na sua opinião, quais são as razões paraeste retrocesso?Penso que há várias razões para isso ter acon-tecido. Uma delas é o consumo: as pessoas

compram coisas que não precisam e não são

necessariamente mais felizes por isso. Mas di-ria que a mais importante é a nossa obsessão

pelo trabalho remunerado e, em termos poli-

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ticos, isto aplica-se tanto à esquerda como à

direita. Diria até que se aplica mais à esquerda.

É muito crítico em relação à esquerda,em particular na sequência da criseeconómico-financeira na Europa, pornão ter conseguido propor alternativas.Fala inclusive em "socialismosubserviente".Costumo dizer que qualquer pessoa, partido,pode apoderar-se de uma nova ideia. O"novo liberalismo" também faz isso e tentatransformar tudo num "produto", digamosassim. Nos EUA, há quem defenda o fim da

educação e saúde públicas e a adoção de um

pequeno rendimento básico para todos. Eunão defendo isso! O que eu defendo é que o

RBI deve ser um complemento ao Estado So-

cial, enquanto corolário da social-democra-

cia. A minha crítica vai para os mais pregui-çosos na esquerda, intelectualmente falando,

que preferem ver apenas aquilo que não gos-tam ou receiam no RBI. Não vão além disso.

A direita não deve tambémdesempenhar um papel na mudança?Há muita energia utópica no ar, inclusive nadireita. O Brexit era uma ideia absurda e aca-bou por acontecer, tal como a eleição de Do-nald Trump como presidente dos EUA. Há

quatro, cinco anos ninguém imaginava quetal pudesse acontecer. Se dissesse isso iam rir--se na sua cara. Mas o que quero dizer é quehá energia utópica na direita e que a esquerdasabe apenas identificar aquilo a que se opõe.

No médio prazo, perspetiva algumamudança desencadeada pela esquerda?Se olharmos para países como a Noruega, Ale-manha ou Holanda, há muito que a esquerdadiz que é arriscado fazer propostas radicais,

porque as pessoas não gostam muito. É melhor

aproximarmo-nos do centro... e isso destruiu-

-os por completo. O Reino Unido, pelo con-

trário, é um caso fascinante! Jeremy Corbyn,líder dos Trabalhistas, é um 'produto' dos anos70 do século XX que emergiu defendendo quea esquerda não pode ser moderada e tem de

apresentar propostas substanciais e mais radi-cais. Toda a gente disse que ele era louco. Aliás,os media arrasaram Corbyn. E um mês antesdas eleições apresentou um manifesto comideias radicais mas sensatas, e acabou por ter o

melhor resultado alguma vez obtido pelosTrabalhistas desde 1946! Em suma, o proble-ma não residia no facto de o partido Trabalhis-ta ser demasiado radical, mas sim no facto de

ser pouco radical. Até os jornais mais conota-

dos com a esquerda, como o "The Guardian",disseram: "isto não vai dar resultado". É verda-de que podemos fazer muitas críticas válidas a

Corbyn e àquilo que defende. Diria, aliás, quefaz parte do "velho socialismo'' e que não de-fende as ideias que plasmo no meu livro, mas,na sua essência, Corbyn sabe muito bem comofunciona a política e que é preciso batalhar

para levar por diante novas ideias.

A esquerda preferiu trocar a sua matrizpor mais votos nas eleições?Sim, é o que tem acontecido desde os anos 80.Mas digamos que não faz sentido regressar à

década de 1 970 e ler os mesmos livros e pro-por as mesmas coisas em que se acreditava naaltura. O que proponho é apresentar novasideias ou reinventar velhas ideias e adaptá-lasao tempo em que vivemos, como o rendi-mento básico. É uma ideia antiga, mas preci-samos de pensar em versões modernas para o

RBI. Um dos slogans do Maio de 68 era preci-samente "sê realista, pede o impossível". Esse

devia ser o nosso slogan nos dias que correm.

O terceiro 'pilar' do seu livro é a livrecirculação de pessoas como ferramentapara combater a pobreza. Cito umapassagem: "abrir as fronteiras nãoé, obviamente, algo que possamos fazerdo dia para a noite - nem deve ser.A migração descontrolada iria corroera coesão social na Terra da Abundância.Mas é preciso não esquecer uma coisa:

num mundo de desigualdades loucas,a migração é o instrumento maispoderoso de combate à pobreza."Reconheço que essa é a ideia mais radical queproponho. No caso do RBI, podemos imple-mentá-lo hoje: temos o dinheiro necessário e

temos provas científicas. Muito sinceramen-

te, isso devia ter sido feito há 40 anos atrás! Asemana de trabalho de 15 horas também

pode ser aplicada gradualmente e podemoseliminar os empregos da 'treta'. É perfeita-mente exequível. No caso da abertura de

fronteiras, estamos a falar numa perspetiva a

longo prazo, mas é igualmente importante.Globalmente, as fronteiras são, de longe, a

maior fonte de desigualdade. Cerca de 60%do rendimento de um indivíduo é determi-nado pela geografia, pelo país onde nasceu.

Outros argumentos contra a imigração - os

imigrantes são criminosos, terroristas, mi-nam a coesão social, ficam-nos com os em-

pregos, são preguiçosos, etc. - não têm razãode ser. A História ensinou-nos que imigraçãoé uma das ferramentas mais poderosas para

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combater a pobreza global. Os países maisabertos à imigração são também os mais

prósperos. Os EUA são apenas o exemplomais óbvio e conhecido...

Há outras questões. A Alemanha,por exemplo, é vista como a terraprometida na Europa. Ou a Suécia, queseduz pelo estado social, ou o que restadele. No caso dos refugiados, Portugalestá disposto a receber mais do queaqueles que acolhe, mas simplesmentenão fazemos parte do "mapa desejado".Desconhecia que é essa a posição de Portu-

gal... Habitualmente sou confrontado com a

situação contrária. Quando dou entrevistasno Reino Unido, na Alemanha, França, etc,sou confrontado exatamente com a questãoinversa: "o que podemos fazer para travar a

imigração?". Não há dúvida que é importanteque Portugal reconheça a necessidade de re-ceber imigrantes, refugiados, tal como fez a

chanceler alemã quando anunciou que po-diam acolher um milhão de refugiados. Mas,pessoalmente, prefiro invocar factos, núme-

ros e casos concretos. Creio que as pessoas

compreendem e aceitam melhor quandoapresentamos provas. Ainda não vivemosnos EUA, por assim dizer. Ainda não esta-mos tão polarizados como a sociedade ameri-cana. Daí ter dedicado um capítulo do meu li-vro a desmistificar preconceitos, mostrando

exemplos concretos de como a maior partedos imigrantes são empreendedores, contri-buem para o bem comum, fazem os seus des-

contos, etc. Mas há outra coisa que também

podemos fazer, que é pensar na linguagem

que utilizamos. Pode fazer sentido usar umalinguagem mais patriótica para defender umamaior abertura e tolerância.

Adaptar o discurso a uma linguagempatriótica tem riscos...

Sim, mas vou dar-lhe um exemplo. AngelaMerkel, quando anunciou que a Alemanha iaacolher um milhão de refugiados, disse: "nós

somos capazes!" No fundo, o que é que elafez? Deu a entender que "somos alemães e so-mos bons. Somos melhores que os EUA, nãohá dúvidas sobre isso. Somos melhores que os

britânicos, que os franceses e, claro, melhores

que os holandeses. Somos capazes de fazer

isto. Eles talvez não consigam fazê-10, masnós sim, porque somos alemães. Deixem-nosvir, vamos arranjar trabalho para esses refu-

giados e vamos garantir que eles contribuem

para a sociedade, vai ser um êxito". E uma

abordagem extraordinária: usar uma lingua-gem patriótica para levar por diante ideias

progressistas. Podemos fazer isso em relaçãoàs alterações climáticas, ao rendimento bási-

co... 'Vamos ser o exemplo para os demais

países, vamos ter zero emissões até 2030. É

uma corrida e nós vamos ganhar'.

Imagino que já tenha sido criticado portambém adaptar a sua linguagem emfunção da audiência no périplo que temfeito para promover o seu livro.O mais fácil é ficarmos na nossa zona de con-forto... É verdade que já fui criticado por aca-démicos de esquerda, que dizem que estou a

banalizar o seu pensamento, que vou a Van-couver falar perante uma audiência onde es-

tão Bill Gates e Richard Branson e só façoisto pelo dinheiro, etc, etc. Já ouvi muitascríticas desse género e pensei muito sobre o

assunto, mas cheguei a uma conclusão: não

quero falar para públicos, pessoas que já con-cordam com as minhas ideias. O que eu que-ro é mudar a maneira como as pessoas pen-sam. Podia perfeitamente ser investigadornuma universidade e escrever artigos queninguém iria ler ou que apenas seriam lidos

por aqueles que pensam como eu... Mas não é

isso que eu quero. A minha abordagem en-volve riscos, sei disso, mas também sei que é

importante comunicar com o "inimigo" oucom as pessoas que discordam de mim, talcomo é importante estar atento às pessoas à

minha volta para que os neoliberais não se

apropriem das minhas ideias! [risos]

E tem conseguido fazer com queas pessoas mudem de ideias?Nos últimos dois anos viajei bastante, em

particular para promover o meu livro, e

aprendi que as pessoas têm muitas coisas em

comum, quer vivam no Japão quer nos EUA,na Holanda ou Portugal, especialmente no

que respeita ao trabalho, ao sentido do traba-

lho, aos empregos inúteis. O mais importan-te é que o debate está sobre a mesa, pelo me-nos nos países ricos! •

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