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MAIS 4 MESES CRÍTICOS O arranque da campanha de vacinação é esperado em janeiro, mas os primei- ros vacinados deverão ter proteção três a quatro semanas depois. Grupos de maior risco deverão estar vacinados até ao final da primavera. Para o viro- logista Pedro Simas, é arriscado aligei- rar medidas até março. Marta F. Reis [email protected] Na primavera, o país confinou durante dois meses. O vírus não desapareceu e, com o desconfina- mento, a epidemia voltou a ganhar terreno. Ao pri- meiro embate travado pelo pri- meiro estado de emergência, se- guiu-se uma subida das infeções em Lisboa. A covid-19 abrandou no verão e houve férias (mais dentro). A partir de setembro - ainda antes de se poder atribuir à abertura das escolas, que também chegaria - registou-se um cresci- mento exponencial na Europa. A segunda vaga cresceu e revelou- -se em outubro e novembro maior do que a primeira em muitos paí- ses, desde logo nos que tinham sido menos atingidos. Portugal não foi excepção e, ul- trapassado o pico da segunda onda, o balanço foi feito esta se- mana na reunião do Infarmed: o país viveu uma incidência de ca- sos cinco vezes superior à da pri- meira onda, em todos os grupos etários, incluindo acima dos 80 anos, onde o risco é maior, e em particular na região Norte. Ago- ra a descer e com a vacina ã vis- ta, o que esperar? No imediato, maior convívio no Natal e Fim de Ano deverá levar a um aumento de casos em janeiro, reconhece- ram os peritos ouvidos na reu- nião do Infarmed, mas o proble- ma não se cinge à noite de consoa- da e houve advertências para o risco de uma terceira vaga, que se vive em países como o Japão, caso se tire a pressão da 'mola'. Pedro Simas, investigador e vi- rologista do Instituto de Medici- na Molecular (IMM) João Lobo Antunes, que ao longo dos últi- mos meses foi ajudando no SOLa descortinar os desafios de um ví- rus novo que encontra toda uma população susceptível e sem pro- teção (enquanto não é infetada ou não existe uma vacina), explica que as vacinas, a confirmarem-se na população as eficácias conse- guidas nos ensaios clínicos que têm vindo a ser reportadas pelas farmacêuticas, poderão ajudar a por fim à pandemia até mais «ra-

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MAIS 4 MESESCRÍTICOSO arranque da campanha de vacinaçãoé esperado em janeiro, mas os primei-ros vacinados só deverão ter proteçãotrês a quatro semanas depois. Gruposde maior risco deverão estar vacinadosaté ao final da primavera. Para o viro-logista Pedro Simas, é arriscado aligei-rar medidas até março.

Marta F. [email protected]

Naprimavera, o país

confinou durantedois meses. O vírusnão desapareceu e,

com o desconfina-mento, a epidemia

voltou a ganhar terreno. Ao pri-meiro embate travado pelo pri-meiro estado de emergência, se-

guiu-se uma subida das infeçõesem Lisboa. A covid-19 abrandouno verão e houve férias (mais cá

dentro). A partir de setembro -ainda antes de se poder atribuir à

abertura das escolas, que tambémchegaria - registou-se um cresci-mento exponencial na Europa. Asegunda vaga cresceu e revelou--se em outubro e novembro maiordo que a primeira em muitos paí-ses, desde logo nos que tinhamsido menos atingidos.

Portugal não foi excepção e, ul-

trapassado o pico da segundaonda, o balanço foi feito esta se-

mana na reunião do Infarmed: o

país viveu uma incidência de ca-

sos cinco vezes superior à da pri-

meira onda, em todos os gruposetários, incluindo acima dos 80

anos, onde o risco é maior, e em

particular na região Norte. Ago-ra a descer e com a vacina ã vis-

ta, o que esperar? No imediato,maior convívio no Natal e Fim deAno deverá levar a um aumentode casos em janeiro, reconhece-ram os peritos ouvidos na reu-nião do Infarmed, mas o proble-ma não se cinge à noite de consoa-da e houve advertências para orisco de uma terceira vaga, que se

vive em países como o Japão, caso

se tire a pressão da 'mola'.Pedro Simas, investigador e vi-

rologista do Instituto de Medici-na Molecular (IMM) João LoboAntunes, que ao longo dos últi-mos meses foi ajudando no SOLadescortinar os desafios de um ví-rus novo que encontra toda umapopulação susceptível e sem pro-teção (enquanto não é infetada ounão existe uma vacina), explicaque as vacinas, a confirmarem-sena população as eficácias conse-

guidas nos ensaios clínicos quetêm vindo a ser reportadas pelasfarmacêuticas, poderão ajudar apor fim à pandemia até mais «ra-

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pidamente» do que se poderiapensar há uns meses. Mas o rapi-damente não é já nem em janeiro,quando se espera que cheguem ao

país as primeiras doses, que deacordo com o plano nacional de

vacinação apresentado esta sema-na pelo Governo deverão permi-tir vacinar numa primeira fase -entre janeiro e fevereiro (no me-lhor cenário) e até abril se as en-

tregas previstas se alongarem -950milportuguesesem maior ris-co (ver pp. seguintes). O segundogrupo de maior risco é vacinadoa seguir, esperando-se que talocorra na primeira metade de2121. «A vacina vai ser cruciale priorizar os grupos de risco é

a medida correta. Mas não sa-bemos ainda o grau de prote-ção que a vacina vai conferiraos grupos de risco, nem o tem-

po certo que vai demorar a va-cinar essas pessoas», diz ao SOLo investigador, que sublinha queaté isso poder ser medido, é arris-cado pensar em aligeirar restri-ções ou as medidas que permiti-ram ao país controlar a onda, ain-da num patamar de incidênciaelevado. Se os primeiros vacina-

dos receberem a primeira dose davacina da Pfizer em janeiro - aprimeira que deverá chegar aomercado - a proteção é esperadaao fim de três a quatro semanas efeita a segunda dose. Há assim um

mês de compasso de espera mes-mo para os primeiros que serãovacinados, que previsivelmentenão serão logo todos nos primei-ros dias do ano. «Para termos se-

gurança, terão de ser feitos es-

tudos serológicos, não só cámas noutros países, para ava-liar o nível de proteção confe-rido pelas vacinas», continuaPedro Simas, que considera queaté ao final de março, enquanto se

vacinam os grupos de risco e seavaliam resultados, será precocelevantar muito as restrições.

O risco não é apenas um recru-descimento de casos mas uma ter-ceira vaga, que possivelmente se-ria maior e mais difícil de contro-lar, explica, voltando ao que seviveu nos primeiros meses da epi-demia. «Estivemos dois mesesfechados em casa e não conse-guimos eliminar o vírus. Estasmedidas ajudam a controlarum bocadinho a onda, mastambém não o vão eliminar. Semesmo com medidas tão drás-ticas em que quase toda a gen-te ficou em casa e perante umvaga tão pequena não conse-guimos baixar muito além dos300 casos diários no verão, bas-ta imaginar agora», afirma, re-cordando que existem semprepessoas assintomáticas que vãomantendo o vírus a circular, atéencontrar quem adoece e é dia-

gnosticado. «A primeira vagafoi muito pequena e atuamosprecocemente, o que foi bomporque evitou pressão sobre osserviços de saúde. Foi pequenaporque o vírus acabou por sóser introduzido em algumaspartes do país, houve poucosfocos. No verão, o vírus espa-lhou-se por todo o lado. Disse--o na altura: o risco nunca foitão grande e se viesse uma se-gunda vaga teria mais força,porque o vírus teria mais focosna comunidade. Neste momen-to temos uma segunda vagamuito grande, o vírus está mui-to mais espalhado. Se relaxar-mos muito, vem uma terceiravaga ainda maior do que a se-gunda».

Quanto mabdtesemkiado. maiscusta a travarO equilíbrio do que é relaxar mui-to ou pouco e quando era e conti-nua a ser a parte difícil da equa-ção. Portugal está com uma redu-

ção de mobilidade inferior à quese viveu na primeira onda, quechegou a ser de -70 %

. Segundo os

últimos relatórios de mobilidade >

13 onda vs. 23 onda: mais mortes, lares maisatingidos e maior pressão sobre hospitais

Sx maior quß a I.* ondaA equipa do Intituto Ricardo Jor-ge estima que o pico de casos dasegunda onda foi atingido entre23 e 27 de novembro. Houve nes-sa altura uma média de 5560 ca-sos por dia, cinco vezes a incidên-cia da primeira onda, indicou o

epidemiologista Baltazar Nunesna reunião do Infarmed. O RTestá a nível nacional agora abaixode 1 (0,99), com a onda a entrarem fase descendente. Na regiãoNorte, a mais afetada, atingiu-seuma média de 3000 casos dia,também 5x superior à l. a onda.

+ taitai a + positivosDe março para cá, a testagem qua-se triplicou. Mas, apesar de o paísfazer muito mais testes, a taxa de

positividade atingiu nesta segun-da onda valores mais elevados do

que na primeira, indicador de

maior disseminação da infeção.Na última semana de novembro, o

país tinha uma taxa semanal de2558 testes por 100 mil habitan-

tes, quando só no final de abril

chegou ao mil, revelam os relató-

rios semanais do Centro Europeude Controlo de Doenças, organis-mo para o qual Portugal reportadados. Na primeira vaga, a per-centagem de primeiros testes comresultado positivo foi no máximode 9,9% e nas últimas semanas

chegou a atingir os 15,7%, tendodescido agora para 132%.

Pressão nos hospitaisNa primeira onda, o máximo fo-ram 1302 doentes internados,271 em cuidados intensivos(UCI). A pressão nos hospitais,que os peritos ouvidos pelo Go-verno acreditam que está a atin-

gir o pico, mantém-se ainda maisde duas vezes superior. Ontem,estavam internados 3295 doentescom covid-19, 526 em UCI.

Mais idosos inf atadosAté ao desconfinamento, a 4 de

maio, foram diagnosticados comcovid-19 6233 idosos com 70 anos

ou mais, a fòixa etária associada amaior risco. Na altura, os idosos

acima dos 70 anos representaram24% dos casos (mas os lares

também foram todos rastreados).As infeções em idosos começaram aaumentar no final do verão, quandoa epidemia voltou a mostrar umatendência acentuada de

crescimento, com maior peso entrea população em idade ativa. Os

idosos rondaram sempre cerca de12% dos casos, mas a incidência foiaumentando à medida que os casos

dispararam. Analisando apenas os

meses de outubro e novembro nosboletins da DGS, contam-se 28 milcasos de infeção entre idosos com70 anos ou mais (12,8% dos 218 milportugueses diagnosticados). Nofinal de novembro, o pafe tinhauma incidência de 500 casos porcada 100 mil habitantes com maisde 65 anos, quando o pico na

primeira onda foi de 1248.

Lares mais atingidosNa primeira onda, os lares tive-ram no pico de maior incidên-cia 2500 utentes infetados. Nofinal de novembro, revelou aoSOL a DGS, havia 4160 idososinfetados em lares e ainda 1629funcionários com covid-19, mais

do dobro do que se viveu nas

instituições na primavera.

0 triplo das mortasAté ao deseonfinamento de 4 de

maio, a covid-19 foi associada a1063 mortes no país. Abril tinhasido o mês com mais mortes antesdesta segunda vaga, 820. Emoutubro morreram 567 pessoas. Nomês de novembro, 2033. Portugalregistava nesta sexta-fèira, 4 de

dezembro, um balanço de 4803mortes por covid-19 desde o inícioda epidemia - e as projeçõesapontam que até ao final do ano

possa atingir as 6500. Apesar de

todos os meses terem havidomortes associadas à epidemia,desde 1 de outubro morreram 2803

pessoas, o triplo das mortes que se

registaram na primeira onda. Até à

primeira quinzena de outubrotinham morrido 860 idosos

residentes de lares com covid-19,40% das vítimas no país. No finalde novembro, havia registo de 1457

mortes de residentes de lares - umaumento de 597 mortes no espaçode um mês e meia

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> da Google, tem rondado os -50%aos fins de semana no comércio e

lazer (quando vigorou o recolherobrigatório da parte da tarde) masdurante a semana ainda está emtorno dos -30%. Ainda assim, o

Instituto Ricardo Jorge calculaque o RT (que mede quantos ca-sos surgem a partir de cada infe-tado) esteja agora abaixo de 1 e pa-rece ter-se conseguido com outrasmedidas, sejam máscaras, distan-ciamento ou mais cuidado, a par-te em falta da redução de contac-tos do primeiro confinamento.

Para Pedro Simas, a máscara e

evitar contactos próximos, espa-ços fechados e aglomerações con-tinuam a ser as regras de ouro.Deixa no entanto um alerta: quan-to mais disseminado o vírus, maisdifíci] de controlar. «É preciso irgerindo as medidas e ver seconseguimos ter um númerogerivel de casos. Ter lockdoicnsmuito severos é muito maupara todos, as perdas tambémsão imensas. Mas quando ascoisas se descontrolam muito,acaba por não haver alternati-va. Vemos a Suécia a fecharagora as escolas secundárias.O vírus lá não é diferente donosso, as medidas e as pessoasé que têm efeitos diferentes».

Na reunião do Infarmed, o epi-demiologista Manuel Carmo Go-

mes defendeu que será possíveluma redução diária de pelo me-nos 2% nos casos, que permitachegar ao Natal com 2500/3000 ca-sos dia. E já na anterior tinha de-

fendido cautela no levantamentodas medidas e uma abordagemmais localizada nos locais com

maior transmissão. HenriqueBarros, presidente do Instituto de

Saúde Pública da Universidade do

Porto, estimou que a esta altura,15 % a 20 % , mais de um milhão de

portugueses, já tenham sido infe-tados, o que significa que 80% da

população continua suscetível. Esublinhou a necessidade de umnovo estudo serológico paraacompanhar a situação e até per-ceber o impacto da futura vacina.Na situação atual, com 80% da po-

pulação susceptível, «mantendoas medidas chega vacinar 24%das pessoas. Retirando medi-das, seria necessário vacinar83%, isto se tivermos uma va-cina com eficácia de 70%», ex-

plicou. «Mesmo com 20% da po-pulação portuguesa imune, sea vacina só tiver eficácia de50%, na ausência de medidasfarmacológicas, nem que vaci-nemos a população toda conse-guiremos resolver o proble-ma». Barros apresentou tambémresultados de um estudo feito com306 famílias no Porto que ajuda a

perceber o risco dos contactos fa-

miliares, desde logo no Natal: apu-raram que entrando um caso decovid- 19 numa família, a probabi-lidade de infetar um familiar é de

23% . «Numa casa onde haja cm'-

O risco nunca foitão grande. Se re-laxarmos, vem umaterceira vaga maiordo que a segunda'

co suscetíveis, é muitíssimoprovável que ocorra uma infe-ção. Se forem oito, vão ocorrerduas infeções», disse. «Se ima-ginarmos 100 famílias, numterço ninguém será infetado,nos restantes uma a quatro in-feções», continuou o investigador.Em contactos sociais mais espo-rádicos, em 100 grupos de cinco

pessoas, em mais de 75% não ha-verá ninguém infetado, nos ou-tros haverá um a quatro. «Se emcada família o risco é pequeno,isto multiplicado por milharesde reuniões, corresponderá ãocorrência de muitas infeções».

Pedro Simas concorda com aestimativa: pelo menos um mi-lhão de portugueses já terão sidoinfetados. E admite que o Natalem termos de resposta à pande-mia será sempre uma situaçãosem ganhos, defendendo que im-porta sobretudo perceber o risco.«O vírus não sabe o que é o Na-tal. Quanto mais contactos,maior risco. Considero perigo-so aliviar restrições e às vezesé um bocadinho que faz a di-ferença. Penso que devemoster sobretudo a perceção dorisco e cuidado com os gruposde risco. Não vou estar com osmeus pais, que têm mais de 80anos. Tem de ser uma questãode bom senso. Se o núcleo fa-miliar tiver os avôs e pessoascom doenças crónicas, as pes-soas devem tentar proteger-seao máximo, usar máscaramesmo dentro de casa comorecomendou a OrganizaçãoMundial de Saúde. Será sem-pre uma situação de lose-lose,

mas temos de tentar mitigar orisco ao máximo».

Se há uns meses o virologistadizia que a epidemia estava noprincípio dos princípios, acredi-ta que as vacinas vêm abrir o ho-rizonte mas sem elas e ainda com90% a 80% da população suscetí-

vel, não deixa de ser o princípiopara um vírus que ainda não tevecontacto com a maioria da popu-lação, ressalva. «Temos a solu-ção à nossa vista e as vacinasvão chegar, mas temos de terpaciência. Se se vacinarem os

grupos de risco nos próximosseis meses, talvez o vírus façao resto e consigamos atingir aimunidade populacional maiscedo», diz, ressalvando que existeo revés de, havendo um aumentodescontrolado de casos, havermais casos graves também nos

grupos que não são de risco. São

raros, mas a probabilidade aumen-ta. «Até ao final de março, pelomenos, o risco de uma terceiravaga ainda é muito grande. Apartir daí, no melhor cenárioem que há uma boa eficácia,conseguimos diminuir as mor-tes no grupo de risco e o proble-ma desaparece ou então temosuma fase intermédia em que te-mos de esperar pela vacinaçãode todas as pessoas para prote-germos todos pela imunidadede grupo. No próximo invernoacredito que já teremos imuni-dade populacional através davacina e um vírus endémico de

que nos conseguimos protegersem estas medidas». Até lá o de-safio continua a ser viver e convi-ver com o vírus.

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