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O anjo rebelde de Hollywood A história de Roger ¦ Corman, uma lenda " viva, confunde-se com a história do cinema americano da segunda metade do século XX. Aos 91 anos, o cineasta regressa a Portugal, a convite do Festival Mote lX, que arranca esta terça-feira. Um acontecimento ENTREVISTA FRANCISCO FERREIRA

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O anjo rebelde de Hollywood

A história de Roger ¦Corman, uma lenda

"

viva, confunde-secom a história docinema americanoda segunda metadedo século XX. Aos 91

anos, o cineasta regressaa Portugal, a convitedo Festival Mote lX, quearranca esta terça-feira.Um acontecimentoENTREVISTA FRANCISCO FERREIRA

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ez anos depois da sua última visitaa Portugal, voltámos a cair noerro de tratá-lo por Mr. Corman.Dez anos depois, ele voltou a

corrigir-nos, desta vez ao telefoneentre Lisboa e Los Angeles: e

atirou-nos outra vez um "justcall me Roger" , Roger ficou, atéao fim da conversa. Em 2007,este mago da série B americana(batismo a que franze o sobrolho),ele que nadou sempre contra acorrente e que passou por todosos géneros — do western ao filmede horror e de gangsters, da ficçãocientífica ao thriller psicológico e

até ao musical —, ele que realizou

quase 60 filmes e produziu maisde 400 (quase todos com rodagensrápidas a três tostões e, contudo,êxitos de bilheteira, para espantodos grandes estúdios, que nuncao vergaram), esteve em Lisboa, a

convite de João Bénard da Costa,da Cinemateca Portuguesa, que lhededicou um ciclo. O homem quelançou Francis Ford Coppola, MonteHellman, Irvin Kershner, seguindo-se Martin Scorsese, JonathanDemme, James Cameron, Joe Dante.entre tantos outros, elogiou- nosentão o país, a beleza da capital, a

"limpeza das ruas" (por que ruasteria andado?...), e agradeceu,simpatiquíssimo, o convite. Falámoscom ele nessa altura, e é dessaaltura a fotografia aqui ao lado em

que o vemos a segurar o/iasfideAntónio Pedro Ferreira, numa das

mais divertidas sessões de fotosde que temos memória. O MotelX,dedicado, como já se sabe, aohorror e ao fantástico (a praia de

Corman), começou — se a mesmamemória não falha — em setembrodesse 2007 (ele visitara-nos naprimavera, em junho). Há doisanos, o festival tentou trazê-lo devolta ao retângulo, com o cineastaa adiar in extremis a visita, deixandoa intenção de cumpri-la. Assimacontecerá agora: Roger Cormané esperado esta semana parauma homenagem no CinemaSão Jorge e para a exibição deduas das suas mais gloriosasobras, "X: The Man withthe X-Ray Eyes", de 1963, e

"The Mask of the Red Death", de

1964, filme da sua 'fase gótica' de

adaptações de Edgar Allan Poe, comum príncipe chamado Vincent Price .

O que é que tem feito nestes últimosdez anos? Lá vamos sabendo quecontinua muito ativo na produção. . .

Não tanto quanto gostaria, com 91

anos começo a abrandar o ritmo umbocadinho, mas ainda me levantotodas as manhãs para ir para oescritório . Temos produzido umaa duas longas-metragens por ano,lançámos a última há uns seis mesesna Universal, "Death Race 2050"[de G, J, Echternkamp, inédita emPortugal], está agora na Netflix.E quando regressar desta visitaa Portugal vou reunir-me com aUniversal outra vez, temos mais

projetos. Ainda estou na corrida!

Quando olha para trás, conseguedizer-nos qual foi a fase maisexcitante do seu trabalho?Houve muitas fases excitantes naminha vida profissional. Ainda hoje,se descubro algum cineasta de valor,o entusiasmo volta, volta sempre,

não tem idade. Os anos 50 foramespeciais. Consegui naquela décadaser um cineasta independente e umprodutor independente ao mesmotempo. Nos anos 50, esse era um raroe gratiflcante poder.

Os filmes que o MotelX escolheu

para o homenagear são especiaispara si?Sem dúvida. "X: The Man with theX-Ray Eyes" começou por uma ideiamuito simples: pensar em alguémque conseguia ver além da superfícieda realidade. Eu estava muitopróximo do jazz americano naquelaaltura e conhecia muitos músicos

que andavam a experimentardrogas. No primeiro esboço do

argumento, um músico desses era o

protagonista. Depois voltei à históriaoriginal, que era do Ray Russell, e

criámos o cientista que se descobreno lugar de um todo-poderoso,capaz de ver o que os outros não

podem. E chamei o Ray Milland parao papel.

"The Mask of the Red Death" éoseufilme favorito da 'fase Poe' ?

O meu primeiro filme adaptado dePoe foi "House of Husher" [1960],e eu julgava que seria o único. Maso êxito foi tão tremendo que meincentivou a continuar. Aconteceu-me o mesmo com "The Little Shopof Horrors" , que rodei em dois dias

e uma noite, só pela piada. Depoisde "House of Husher", pensei logode seguida em "The Mask of the RedDeath", mas a história parecia-memuito similar a certos filmes de

Ingmar Bergman, em particular à de"O Sétimo Selo", que ele tinha feito

poucos anos antes. Por causa disso,deixei "The Mask..." na gaveta e

passei ao filme seguinte, que foi "Pitand the Pendulum" , de que tambémgosto muito. Acontece que depois,filme após filme, o stock de Allen Poe

começou a acabar e, em 1964, a ideiade "The Mask..." voltou. Rodei -o naInglaterra, com condições técnicasmuito generosas, que os outros'filmes Poe' não tiveram. Foi um dos

que me saíram melhor e é um dos

meus favoritos.

Não tem a sensação de que a históriaestá continuamente a repetir-se?Estava a pensar em " lhe Intruder"[19 62] e na história daquele tipo deextrema- direita que anda de terraem terra a pregar a sua ideologiacontra negros e judeus. "TheIntruder" é um ataque violento ao

racismo, uma obra politicamenteambiciosa. Disse em tempos que é o

filme de que mais se orgulha. . .

Saiba que "The Intruder" temsido muito mencionado agora porcausa do que se está a passar nosEUA. Os problemas que o filmefoca são os mesmos que vimosem Charlottesville. A rodagemfoi infernal, recebi ameaças de

morte, tive xerifes atrás de mime fui molestado pelos habitanteslocais — filmámos no Sul dos EUA.E foi o primeiro filme em que perdidinheiro! Tive críticas excelentes,mas não funcionaram na bilheteira.Mas em 2000 houve uma ediçãoem DVD, com comentários, e

vendeu tão bem que recupereio meu dinheiro. É uma históriaengraçada.

O que acha da nova presidênciados Estados Unidos?O Trump é um desastre quese abateu sobre nós. Fui umdefensor cerrado de HillaryClinton nas últimas eleiçõese estou violentamente contraele desde o primeiro minuto.Acho-o uma má pessoa. Tão

simples quanto isto.

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Saberá o cinema reagir a Trump?O cinema é ficção, é imaginação,mas sempre soube reagir às

adversidades deste e de outros

países, ao presente. Nos anos 30,as screwball comedies reagiram à

Depressão e os filmes de gangstersolharam para aquele tempo comprofunda desconfiança e cinismo.

Continua a ir ao cinema?Tanto quanto posso, não tantoquanto gostaria. Passo parte domeu tempo no escritório, emmesas de montagem. Confesso

que é difícil sair dali depois e

ir ao cinema ver um filme porpuro prazer. Vi o último filmede Christopher Nolan, que meagradou. Acho que ele é o exemplode um cineasta que, depois de tercomeçado pelos iow budgets, soubecrescer e seguir o caminho quequeria.

2017 tem sido um ano terrível parao cinema americano de género:perdemos George Romero emjulho, e na semana passada foi TobeHooper que nos deixou. Acreditoque conheceu ambos de perto. O

que pode dizer deles?Foram dois cineastas muitosignificativos e originais, o queperdemos com a morte deles é

incalculável. Trouxeram novoselementos para o horror movie;aliás, mais do que isso, elesalteraram esse género, tornando-omais gráfico e assustador.

Há algum filme que se arrependade não ter feito?Há. Chamava-se "Crazy Horse".Era um western sobre esse grandelíder índio que derrotou a Américae que, em simultâneo, sabia que a

sua causa estava perdida. Foi umafigura fascinante

.

Há ainda alguma coisa que possaaprender no cinema aos 91 anos?

Sempre, aprendemos todos os dias.Foi isso que me levou a produzir"Death Race 2050", que é um filmefuturista sobre as transformaçõesda sociedade nas próximasdécadas.

E o que dirá em Lisboa aos

espectadores do MotelX, que sãona maioria muito jovens?Vou dizer-lhes para verem filmesdo passado. Só assim conseguirãoperceber como é que a fantasia,a ficção científica e o cinema dehorror se transformaram ao longodos tempos. •

"The Maskof the Red Death", de 1964 (cujo cartaz

reproduzi mos n a pág. ói) pe"X: The Man with theX-Ray

Eyes", del9ó3, são os dois filmes que o cineasta vemapresentar a Lisboa (de cima para baixo)

Quandoo humor puxopela comédia,tudo se arranjaOMotelX tem uma secção nobre — a das

homenagens —, cujo título éum achado de

ironia: Culto dos Mestres Vivos. Além de RogerCorman, que à semelhança de outros convidadosdeve estar agora a massajar o pulso para as centenasde autógrafos que lhe vão pedir no São Jorge, o outro'mestre vivo' deste ano é o chileno há muito radicadoem França Alejandro Jodorowski, cineasta intermitenteque regressou esta década ao trabalho (com "The Danceof Reality" e "Poesia Sem Fim") após longo períodode silêncio e tarólogo 'encartado' que, durante muitosanos, podia ser consultado com relativa facilidade numcafé perto da Gare de Lyon, em Paris. Jodorowski é o

autor de dois filmes míticos que o festival exibirá: "ElTopo" (1970), uma variação excêntrica e surrealista dowestern spaghetti, carregada de simbologias ocultas, e

que, quando se estreou em Nova lorque, deu origem à

moda dos midnight movies (o protagonista, interpretadopelo cineasta, é um pistoleiro vestido de cabedal negroque vai deixando um rasto de destruição por ondepassa) e "Santa Sangre" (1989), história circense e

de faca e alguidar, entre Fellini e Tod Browning, e

próxima do giaUo do cinema italiano. Há muito mais

para ver nestes cinco dias: na secção Quarto Perdido,o festival convida-nos a descobrir o cinema de terrorfeito em Portugal por "Crime de Amor" (Rafael MorenoAlba, 1971) e "O Espírita" (Augusto Fernando, 1976 -cineasta "desaparecido de circulação", frisa o festival,depois desta experiência). O Prémio MotelX — MelhorCurta de Terror Portuguesa é um caso de êxito dofestival e traz nove curtas nacionais (são filmes de baixoorçamento e alguns deles assumidamente amadores

cuja produção o MotelX, direta ou indiretamente, temincentivado). E enquanto a secção Serviço de Quartoacerta agulhas com a produção contemporânea do

género (30 longas que dificilmente poderiam ser vistasem Portugal noutro âmbito), o festival lança este anouma competição nova de longas -metragens europeias.Uma das mais delirantes que vimos chama- se "Prey"e vem de um cineasta com pergaminhos no género,Dick Maas. Começa com uma médica veterinária a

tirar um iPhone da barriga de um crocodilo do zoo deAmesterdão e evolui depois para uma caça ao monstrocom os ataques de um gigantesco leão em CGI queanda a afiar o dente nos parques da cidade, numa sériede crimes macabros. Maas sabe o que está a fazer e

dinamita constantemente a seriedade do seu projeto(uma variação de "Tubarão", de Spielberg) com humor(aquele lendário caçador de leões britânico que anda decadeira de rodas). Vale bem o bilhete, /f.f.

MOTELX -FESTIVAL INTERNACIONALDE CINEMA DE TERROR DE LISBOACinema São Jorge, Lisboa de 5 aIO

www.moteix.org