Presidente da SBNp Jovem. -...
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Caros leitores,
Inauguramos um novo momento na SBNp em que teremos a oportunidade única de imple-
mentar novos projetos e de enfrentar desafios. Estaremos juntos pelos próximos dois anos
aqui no Boletim e nosso foco será em levar a melhor informação com objetividade e lingua-
gem acessível, além, é claro, de um consistente e constante embasamento teórico guiado pe-
las melhores evidências científicas disponíveis sobre temas ou áreas da Neuropsicologia.
Consideramos que se basear em evidências, seja oferecendo informações, realizando atendi-
mentos clínicos ou ministrando aulas é um dever ético. Sendo assim, não poderíamos nos
furtar e nem abandonar essa prática já consagrada em todas as edições dos boletins da
SBNp: só podemos reforçá-la e ampliá-la.
Ademais, vamos mudar nosso site, colocar novas informações sobre Neuropsicologia, enfim,
atualizá-lo em forma e conteúdo. Nosso Facebook será mais ativo e mais próximo de você!
Também continuaremos a aprimorar nossa comunicação externa (com sócios, interessados,
sociedade geral), abriremos espaço para nossos associados escreverem em uma sessão es-
pecial de nosso Boletim e organizar mais e melhores eventos.
Todas essas ações são reflexos de duas metas mais amplas que esperamos alcançar:
1- aproximar nossos sócios, discutir tópicos de interesse da área e representá-los nos espa-
ços de nossa competência sempre que formos demandados;
2- ampliar a divulgação da Neuropsicologia também para aqueles que não são da área
(profissionais de áreas relacionadas, usuários de serviços de Neuropsicologia, sociedade ge-
ral).
Assim, cientes de nossa responsabilidade social e do nosso compromisso com o aperfeiçoa-
mento da prestação dos nossos serviços vamos inovar e trabalhar diariamente para uma
SBNp cada vez mais representativa, ativa, eficiente e que faça jus ao pioneirismo daqueles
que fundaram esta sociedade como nossa querida presidente, a Dra. Deborah Azambuja.
Desejamos, ainda nesse primeiro mês de 2018, que cada um de vocês tenha um excelente
ano de muita aprendizagem, trabalho e saúde. Que a Neuropsicologia esteja sempre com vo-
cês!
Seguimos juntos em 2018!
Cordialmente,
Victor Polignano Godoy
Presidente da SBNp Jovem.
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Quando falamos em tecnologia, o que
você pensa? Provavelmente no seu
celular, naquela TV 4k linda, ou em um
notebook sensacional. E isso está...
tecnicamente certo. Estas coisas são
de fato tecnologias, mas não são a tec-
nologia. A cadeira em que você senta,
a cama em que dorme, o prato que usa
para comer também são tecnologias.
Em linhas gerais, podemos definir tec-
nologia como a nossa capacidade de
utilizar os recursos disponíveis no nos-
so ambiente para solucionar problemas
específicos. Por exemplo: preciso de
alguma coisa que facilite meu conforto
na hora de descansar, então junto al-
gumas madeiras, alguns pregos e, de
acordo com um determinado conheci-
mento, eu consigo montar uma cadei-
ra.
Daí podemos compreender melhor a
tecnologia. Utilizar o que está disponí-
vel no ambiente, somado aos conheci-
mentos prévios adquiridos pelo indiví-
duo, permite que problemas e deman-
das sejam solucionados. Portanto,
quando formos tratar aqui sobre tecno-
logia, é muito importante deixarmos
claro sobre qual tecnologia estamos
nos referindo. Em neuropsicologia po-
demos, por exemplo, utilizar de tecno-
logias simples - como uma mera bola
de borracha - até tecnologias de ponta
- como computadores.
A tecnologia tem revolucionado diver-
sos campos do conhecimento, como a
Medicina, a Engenharia, a Geografia...
Mas o que tem ocorrido com a neu-
ropsicologia? Veremos aqui quais são
as contribuições da tecnologia para
nosso campo do conhecimento, quais
são as barreiras que devemos enfren-
tar, quais são as vantagens, e princi-
palmente, como nós mesmos somos
responsáveis por frear o avanço cientí-
fico da neuropsicologia.
Pensando nisso, precisamos primeiro
entender a tecnologia e a neuropsicolo-
gia a partir de uma perspectiva históri-
ca e didática. Uma boa definição foi
feita por Parsons (2018). Podemos
considerar essa relação em três mo-
mentos, a Neuropsicologia 1.0, aquela
caracterizada pelo uso de lápis e pa-
pel, e alguns instrumentos analógicos.
A Neuropsicologia 2.0, caracterizada
pelo uso de computadores, tablets e
outros instrumentos em “displays” e,
por fim, a Neuropsicologia 3.0 caracte-
rizada pelo uso de realidade virtual ou
realidade ampliada.
Então, antes de começarmos, preciso
deixar claro uma coisa. A 3.0 não ex-
clui a 2.0, da mesma forma que esta
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não exclui a 1.0. Não teremos uma ex-
clusão do lápis e papel, dos objetos de
madeira e dos brinquedos. Teremos
cada vez uma neuropsicologia mista,
em que o profissional terá em mãos um
arsenal de ferramentas que utilizará de
acordo com a sua necessidade e seus
conhecimentos.
A Neuropsicologia 1.0
Esta é a neuropsicologia criada pelos
autores clássicos. Luria utilizava apara-
tos de madeira e palavras para avaliar
“funções psíquicas superio-
res” (Hanfmann 1968). Brenda Milner a
frente do clássico caso HM, utilizou es-
pelhos, papéis e lápis para avaliar a
aquisição da memória procedural pelo
paciente (o famoso experimento da es-
trela no espelho). Importante compre-
ender que neste período inicial da neu-
ropsicologia consolidava-se a noção de
“normalidade”, onde o profissional seria
capaz de compreender se a performan-
ce abaixo de determinado limiar pode-
ria ser caracterizada como patológica
ou não, mesmo que dados normativos
não tenham sido completamente esta-
belecidos para muitos dos testes.
Aqui podemos compreender bem como
as tecnologias podem revolucionar os
campos do conhecimento. Muitas das
avaliações neuropsicológicas eram re-
alizadas a partir de demandas de neu-
rologistas que – a com base na noção
do localizacionismo – necessitavam
localizar as lesões cerebrais de seus
pacientes a partir de testes neuropsico-
lógicos. Com o avanço da eletroence-
falografia e de outras técnicas de exa-
me este tipo de avaliação foi sendo
aprimorado, o que levou à segunda on-
da do desenvolvimento de instrumen-
tos de avaliação neuropsicológica.
Os esforços da segunda onda do de-
senvolvimento de instrumentos de ava-
liação neuropsicológica 1.0 eram volta-
dos ao objetivo de descrever os dados
normativos de forma quantitativa. Alfed
Binet, David Wechsler, Ward Halstead
são exemplos de autores que desen-
volveram testes de lápis e papel, po-
rém a partir de uma perspectiva quanti-
tativa. Podemos destacar aqui testes
clássicos como o teste de cartas de
Wisconsin, as escalas Wechsler de In-
teligência, Figura Complexa de Rey,
RAVLT, Torres de Hanoi e Londres, e
muitos outros. É importante frisar tam-
bém que muitos destes testes que sur-
giram nesta época perduram até hoje,
mesmo aqueles baseados na perspec-
tiva localizacionista (Ruff, 2003).
Podemos então perceber como a avali-
ação de lápis e papel continua sendo
utilizada mesmo com o desenvolvimen-
to de técnicas de neuroimagem, tendo
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tornado a avaliação localizacionista
completamente obsoleta. Esta obsoles-
cência não acabou com o os testes de
lápis e papel; pelo contrário, mudou
seu enfoque para identificar o impacto
das habilidades e comprometimentos
neurocognitivos do indivíduo sobre a
sua vida diária, permitindo predições
como válidas ecologicamente
(Parsons, 2017, p. 46) .
A Neuropsicologia 2.0
Foi na década de 80 que o avanço da
computação começou a atrair a aten-
ção dos neuropsicólogos sobre como
isso poderia beneficiar o processo de
avaliação. As principais características
que chamaram a atenção dos pesqui-
sadores foram a facilidade de adminis-
tração, a automatização, precisão de
registro, capacidade de registro de da-
dos, apresentação de estímulos com-
plexos, e em alguns casos até mesmo
a interpretação informatizada dos re-
sultados de um teste. Claro que com
essas vantagens surgiram discussões
sobre como podemos utilizar da melhor
maneira este tipo de avaliação. Erros
de software eram comuns, muitos dos
pacientes não eram familiarizados com
computadores, e havia as diferenças
entre populações (autistas por exemplo
poderiam ter mais facilidade em testes
administrados por computadores do
que por um humano).
A Tabela 1 descreve algumas das prin-
cipais vantagens e desvantagens da
Neuropsicologia 2.0; principalmente no
que tange ao uso da avaliação neu-
ropsicológica computadorizada, como
reportado por Feldstein e colaborado-
res (1999).
Perceba que, se observarmos uma li-
nha geral, as vantagens apresentadas
pela Neuropsicologia 2.0 complemen-
tam as desvantagens da 1.0. Por outro
lado, as desvantagens são praticamen-
te complementadas pela prática da
neuropsicologia 1.0. Portanto, pode se
dizer que um tipo de prática comple-
menta a outra! A neuropsicologia cami-
nha para uma prática híbrida, onde o
computador complementa o lápis e pa-
pel, e vice-versa.
Porém, pensando mais focalmente no
Brasil, possuímos poucos instrumentos
computadorizados disponíveis comerci-
almente. E muitos destes são versões
antigas, que não são atualizadas há
anos. Devemos considerar que os tes-
tes computadorizados são como os
testes de lápis e papel, também preci-
sam passar por uma atualização teóri-
ca (e também de usabilidade).
Nosso grupo de pesquisa tem desen-
volvido uma bateria de avaliação de
Funções Cognitivas totalmente compu-
tadorizada e adaptada ao contexto bra-
sileiro. O “NeuroToolkit”, como chama-
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mos internamente, já está em fase de
pesquisa, e em um futuro próximo es-
tará disponível comercialmente para
neuropsicólogos de todo o Brasil. De-
senvolver um instrumento computadori-
zado envolve pensar principalmente
nas desvantagens do seu uso, quais
públicos alvos requerem maior atenção
(ex.: Os textos são legíveis por ido-
sos?), e assim por diante.
A grande vantagem da neuropsicologia
2.0 é a possibilidade de integrar os
exames neuropsicológicos com aque-
les de neuroimagem e genéticos. Digi-
talizar os dados e analisá-los a partir
de um grande conjunto poderá trazer
insights valiosos no futuro da neuropsi-
cologia, tanto da perspectiva clínica
quanto da de pesquisa. Este é o mun-
do do “Big Data”, a compilação de um
conjunto de dados massivos e específi-
cos gerados em determinado contexto.
Estamos caminhando para a era dos
“diagnósticos precisos”, onde compilar
uma quantidade grande de dados e
compará-los a partir de diversas bases
de forma automática e rápida trará uma
eficiência muito maior para a avaliação
Tabela 1
Vantagens Desvantagens
Maior controle durante a administração e re-
gistro de pontuação
Softwares podem apresentar erros de progra-
mação ou travar
Maior precisão no registro do tempo Muitos apresentam “rigidez” no processo de
avaliação, reduzindo a versatilidade
Aleatorização dos estímulos automaticamente Pode não apresentar encorajamento a partir
de um bom rapport
Testes Adaptativos
Podem mascarar déficits que não seriam per-
ceptíveis em determinadas populações (ex.:
autistas podem desempenhar melhor em tes-
tes computadorizados, jogadores de videoga-
me apresentam melhor performance em tes-
tes computadorizados como o CPT)
Capacidade de avaliar indivíduos à distância Alguns não apresentam correspondência com
seu teste lápis e papel
Portabilidade Ansiedade a computadores ainda é prevalen-
te em determinadas populações, como idosos
Implementação de algoritmos baseados em
regras estatísticas (ex.: Teoria de Resposta
ao item)
Avaliar processos subjetivos como a motiva-
ção do paciente durante a avaliação pode ser
um desafio.
Possibilidade de registro do tempo de reação
em milisegundos
Pode aumentar a acessibilidade dos instru-
mentos
Redução na influência do avaliador no proces-
so de avaliação
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neuropsicológica e, como consequên-
cia, um processo de intervenção mais
focado e eficiente.
Mas não paramos por aqui. A Neu-
ropsicologia caminha para um proces-
so maior ainda de integração tecnológi-
ca, dessa vez preocupada cada vez
mais com a validade ecológica de uma
avaliação. O quão será que resultados
de um determinado teste podem predi-
zer o funcionamento de um indivíduo
em sua vida diária? São dois principais
fatores que são procurados em uma
avaliação ecologicamente válida: a ve-
rissimilitude, onde a demanda de um
teste e suas condições devem lembrar
as condições da vida diária que estão
sendo avaliadas, e a veridicalidade,
onde a performance em um teste pre-
diz algum aspecto do funcionamento
diário do paciente.
A Neuropsicologia 3.0
Por um lado a neuropsicologia 1.0 utili-
za lápis e papel e aparatos físicos para
avaliar a cognição do indivíduo inserido
num mundo físico, por outro, a 2.0 utili-
za um ambiente “pseudovirtual” para
fazer esta avaliação. Digo
“pseudovirtual” porque, apesar de você
estar observando uma tela de compu-
tador, basta movimentar seus olhos
(Amostra da nossa versão computadorizada do teste da Torre de Londres que faz parte da nossa
bateria de avaliação cognitiva computadorizada, desenvolvida por Emanuel Querino; Carlos Gui-
lherme Scholttfeldt; Alberto Timóteo e Leandro Malloy-Diniz)
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que você verá que ainda está presente
no mundo real, perdendo facilmente o
foco atencional ali.
A neuropsicologia 3.0 é caracterizada
justamente pelo uso de realidade virtu-
al para complementar o processo de
avaliação ou reabilitação neuropsicoló-
gica. Sua grande vantagem está no fa-
to de que o indivíduo é imerso comple-
tamente em um ambiente virtual, remo-
vendo toda a possibilidade dele de
desviar a atenção dali. Deixa eu expli-
car como funciona.
Um óculos de realidade virtual é com-
posto basicamente por uma caixa com
duas telas esféricas dentro dela (uma
para cada olho). Isso implica que você
não tem como desviar seu olhar dali.
Mais ainda, há uma sensação de imer-
são em 360 graus, pois se você movi-
menta a sua cabeça para um lado, o
seu campo visual também movimenta-
rá dentro do ambiente que você está
inserido. Essencialmente você tem a
impressão de estar completamente
imerso naquele ambiente. Existem di-
versos óculos de realidade virtual dis-
poníveis no mercado.
Apesar do enorme potencial da realida-
de virtual para a avaliação neuropsico-
lógica, muitos dos testes desenvolvidos
meramente replicam algum teste da
neuropsicologia 2.0 em um ambiente
virtual. O teste de cartas de Wisconsin
(WCST) é um bom exemplo de um tes-
te que existe, ao mesmo tempo, nas
três versões da neuropsicologia: você
possui a versão em cartas físicas, a
versão computadorizada, e uma versão
em realidade virtual, que na verdade é
idêntica a anterior, porém possível de
ser utilizada em realidade virtual.
Bom, a proposta da realidade virtual é
simular ambientes de vida diária. Por-
tanto, a tendência maior é dos instru-
mentos de avaliação passarem a simu-
lar contexto da vida diária destes indiví-
duos e suas demandas cognitivas. Por
exemplo, em vez da mera aplicação do
teste, podemos criar um ambiente vir-
tual de uma cozinha onde o paciente
deve preparar um bolo, porém pode-
mos simular ali situações onde a flexi-
bilidade cognitiva é exigida (os ingredi-
entes não estão no local apropriado, o
paciente deve improvisar a forma de
bater a massa, assim por diante).
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Simular ambientes reais proporciona
um controle maior das variáveis a se-
rem expostas ao paciente. O profissio-
nal poderá comparar pessoas passan-
do pela exata mesma situação e como
elas lidam com ela - algo que é inviável
em uma avaliação presencial no ambi-
ente escolar. O ambiente virtual AULA
Nesplora (Diaz-Orueta et al., 2013)
apresenta resultados promissores. A
performance de crianças com TDAH
neste teste é similar aos testes padrão
ouro de atenção, ao mesmo tempo em
que proporciona diversas informações
tais como quantidade de movimentos
da cabeça, foco visual, etc..
Apesar da aparente novidade da reali-
dade virtual (popularizou-se mundial-
mente a partir de 2015), ela tem sido
utilizada já há quase 20 anos para in-
tervenções terapêuticas. Por exemplo,
o sistema CAVE (Strickland, 1996) foi
um dos pioneiros ao introduzir a reali-
dade virtual para o tratamento de fobi-
as específicas (por exemplo, aracnofo-
bia e acrofobia). Esses sistemas pio-
neirneiros chamam a atenção por con-
ta do tamanho da sala e da quantidade
enorme de sensores necessários para
seu funcionamento. Hoje é possível
utilizar realidade virtual com uma caixa
de papelão e um smartphone (saiba
mais sobre o Google CardBoard).
Pensando no processo de intervenção,
existem diversos ambientes virtuais
disponíveis no mercado. A Walk
Through Dementia ajuda familiares de
pacientes com Alzheimer a se
“colocarem nos olhos” dos pacientes e
viverem como se tivessem lapsos de
memória. Limbix é uma plataforma de
realidade virtual que apresenta diver-
sos programas de intervenção que vão
desde o treino de habilidades específi-
cas, terapia de exposição e até mesmo
para mindfulness. Psious permite ao
terapeuta a possibilidade de inserir
seus pacientes em ambientes virtuais
aversivos de forma gradativa e intervir
sobre fobias a partir da perspectiva da
dessensibilização sistemática.
Ambientes de realidade virtual são mui-
to promissores. Porém, ainda há uma
escassez de produtos desenvolvidos
especificamente para este contexto.
Mais ainda, aqueles disponíveis focam
na avaliação de constructos cognitivos
de forma similar aos testes computado-
rizados tradicionais, sem aproveitar o
real potencial destes ambientes de rea-
lizar uma avaliação ecológica. Um ou-
tro problema que encontramos hoje se
dá pelo fato de que ambientes virtuais
são fragmentados.
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Diversas empresas disputam este mer-
cado e cada qual possui seu ecossiste-
ma de realidade virtual (ver tabela 2).
Com isso, se desenvolvo um programa
de intervenção em realidade virtual pa-
ra um deles, preciso adaptar para os
outros, o que é uma tarefa onerosa em
termos de tempo e dinheiro. Pense co-
mo se eu estivesse desenvolvendo um
aplicativo e tivesse de publicá-lo tanto
para Android quanto para iOS (o que já
é custoso). A diferença é que aqui pre-
ciso fazer o mesmo processo para 5
ambientes, ou mais.
É importante ficarmos atentos ao que
está por vir. A Realidade Virtual tem
todo potencial para se tornar uma das
principais ferramentas disponíveis para
um neuropsicólogo realizar uma avalia-
ção mais precisa ou intervenção mais
eficiente. Este é um cenário futuro, que
requer uma adesão em massa de ócu-
los de realidade virtual (hoje no Brasil
um bom óculos pode sair por R$ 3500).
Por outro lado, existe um aparelho que
possui um enorme potencial para con-
tribuição para a neuropsicologia: o
smartphone.
Dicas de alguns aplicativos para se-
rem utilizados
Segundo dados da Google, cerca de
62% dos brasileiros já possuem um
smartphone. Cada vez mais temos dis-
poníveis aplicativos que podem auxiliar
a nossa prática clínica de diferentes
maneiras, seja poupando nosso próprio
tempo, minimizando erros, ou até mes-
mo para auxiliar diretamente na reabili-
tação neuropsicológica.
1) Automate /IFTTT / Zapier:
Imagine a situação: quantas vezes vo-
cê já esqueceu de levar o lixo para fora
de casa? Agora imagine que você che-
ga em casa, seu celular registra esse
evento através do GPS, e exatamente
às 20:00 ele dispara um alarme te lem-
brando de levar o lixo para fora?
Tabela 2
Empresa Nome do Produto Facebook Oculus Rift
Google Google DayDream
Valve e HTC HTC Vive
Samsung Samsung Gear VR
Sony Playstation VR
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O IFTTT e o Zapier fazem exatamente
isso. Ele registra pequenas condições,
e de acordo com elas faz alguma ação
(ou seja: seguindo um script). Você po-
de utilizar este app para você mesmo
gerenciar algumas coisas no seu dia a
dia ou até mesmo para ajudar algum
paciente! As possibilidades são limita-
das somente pela sua criatividade
(vamos lá, você é criativo, vai). Imagine
que você está auxiliando um paciente
que frequenta diversas reuniões no seu
dia a dia. Você poderá configurar o ce-
lular dele para entrar no modo silencio-
so sempre que ele chegar em um de-
terminado local. E para ele não perder
ligações importantes, assim que ele
sair da reunião terá o smartphone de
volta no modo normal. Quer ajudar
uma criança a ficar mais tempo longe
do Smartphone? Configure o aplicativo
para lembrar o usuário de que ele está
usando o telefone demais.
Em questão de simplificação ou dispo-
nibilidade de recursos, o Automate ge-
ralmente dá mais liberdade ao usuário
em suas ações. O IFTTT possui uma
interface muito simples. Já o Zapier é
bem robusto, porém só funciona do na-
vegador do computador.
Em qualquer um dos casos, sugiro que
você experimente consigo e tente es-
tratégias diferenciadas na sua prática.
Boa sorte!
IFTTT para Android:
https://play.google.com/store/apps/
details?id=com.ifttt.ifttt
IFTTT para iOS:
https://itunes.apple.com/us/app/ifttt/
id660944635?mt=8
Automate (somente para Android):
https://play.google.com/store/apps/
details?id=com.llamalab.automate
2) Calculadora de Escore-Z do Ilumi-
na (somente para Windows)
Você sabe a importância de se utilizar
o escore-z? Ele traz uma medida preci-
sa e muito importante do quanto o es-
core de um indivíduo se distancia da
média populacional. Nós desenvolve-
mos uma calculadora para isso. Basta
inserir o escore obtido, a média popula-
cional e o desvio padrão que ela irá
operar sua mágica.
O escore z indica quantos desvio pa-
drão um determinado escore está em
relação a média. Em outras palavras,
quão mais distante de zero for o resul-
tado obtido, mais desviante da média
será aquele resultado. Por exemplo,
um escore z de 0,9 pode indicar que
aquela pontuação do seu paciente não
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foge tanto da média populacional. Po-
rém, um escore z de 2,5 indica uma
pontuação significativamente acima da
média (pense em 2 desvios padrão e
meio)! O mesmo raciocínio pode ser
aplicado com escores abaixo de zero.
Pontuações negativas aqui geralmente
indicam uma performance significativa-
mente abaixo da média.
Baixe a calculadora de escore Z clican-
do aqui.
3) Age Calculator
Muitos instrumentos de avaliação pos-
suem normas segmentadas por idade
em meses e anos. Por exemplo, uma
criança pode ter 6 anos e 8 meses de
idade, e dependendo da situação isso
pode ser bem chato de se calcular. Um
aplicativo aumenta a precisão e reduz
a chance de você cometer erros duran-
te a correção destes testes.
Para Android: https://play.google.com/
store/apps/details?
id=nilesh.agecalculator
Para iOS: https://itunes.apple.com/br/
app/calculadora-idade/id899851109?
mt=8
4) TRELLO / monday.com
Gerenciamento e sequenciamento de
tarefas podem ser dificuldades comuns
em quadros onde há um déficit em
Funções Executivas. Aplicativos como
o Trello e o monday.com permitirão a
pessoa criar uma sequência de ações
que deverão ser feitas a partir de um
objetivo.
Por exemplo, eu posso criar um quadro
(assim são chamadas as categorias no
aplicativo) focado somente na “lista do
que fazer após sair da Faculdade” e
nele incluir por exemplo a lista de com-
pras, verificar se não deixou alguma
tarefa acumular, etc... Essencialmente
esses aplicativos funcionam como uma
“lista de afazeres” mais fácil de se
usar, mas que permite que a pessoa
possa inclusive se organizar a partir de
objetivos de curto, médio e longo pra-
zo. Preciso me preparar para uma via-
gem de final de ano, então tenho de a
cada 15 dias depositar 50 reais na mi-
nha conta bancária. Cada vez que eu
deposito ele marca como “concluído”, e
isso vai se acumulando e me dando
uma sensação de progresso ali no pró-
prio app.
Mas em se tratando de déficits executi-
vos, pode ser que a pessoa se esque-
ça de usar a lista. Daí entram, por
exemplo, os primeiros aplicativos que
descrevi aqui. Que tal lembrar sempre
em determinado horário, quando che-
gar em casa, de revisar sua lista de
afazeres no dia seguinte?
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Para Android: https://play.google.com/
store/apps/details?id=com.trello
Para iOS: https://itunes.apple.com/br/
app/trello/id1278508951?mt=12
5) Google Photos
Sim, se você utiliza alguma conta goo-
gle deve saber que sua vida é total-
mente rastreada pela gigante da tecno-
logia. Eles sabem tudo sobre você,
mas muitas dessas informações po-
dem ser usadas em benefício próprio!
Eu sempre tiro fotos de coisas que de-
vo lembrar. Costumo chamar isso de
meu “HD externo” cerebral. Por exem-
plo, costumo tirar fotos de todas as lis-
tas de chamada das aulas que dou.
Como o Google Photos armazena as
minhas fotos de forma online, me certi-
fico que, caso perca a lista em papel,
eu tenha uma cópia armazenada em
algum lugar.
Até ai tudo bem. Mas aqui que entra o
avanço da inteligência artificial aplicada
ao nosso dia a dia. O Google Photos
sabe identificar as suas fotos! Se eu
digitar no campo de busca a palavra
“cachorro”, ele irá me mostrar todas as
fotos e vídeos em que um cachorro
aparece. Se eu digitar “papel”, lá está
minha lista de chamada! Dessa forma
fica muito fácil rastrear coisas que eu
possa ter feito no passado, e que – ge-
ralmente – não me lembro.
Para Android: https://play.google.com/
store/apps/details?
id=com.google.android.apps.photos
Para iOS: https://itunes.apple.com/us/
app/google-photos/id962194608?mt=8
6) Cogni
Se você trabalha com terapia cognitivo
comportamental deve usar bastante o
bom e velho “registro das emoções”.
Que tal automatizar e digitalizar este
registro?
O Cogni serve justamente para tornar
este processo fácil. Hoje todos nós an-
damos com o celular por perto. Com
alguns poucos toques na tela podemos
registrar as emoções de forma imedia-
ta. E isso poderá ser compartilhado
com o psicólogo depois!
Uma das grandes vantagens de se uti-
lizar aplicativos no processo clínico es-
tá justamente na disponibilidade dele
no nosso dia a dia. Hoje, a maior parte
da população possui um smartphone
disponível. É mais fácil inclusive pen-
sar no registro de sua vida diária atra-
vés de fotos ou aplicativos do que no -
cada vez mais raro - lápis e papel.
Para Android: https://play.google.com/
store/apps/details?
id=com.spotwish.cogni&hl=en
Para iOS: https://itunes.apple.com/br/app/cogni/id902479424?mt=8
15
Como podemos avançar mais? -
Uma crítica amigável
Quando consideramos avanços tecno-
lógicos, existe uma grande discrepân-
cia entre aquele que ocorreu por meio
de instrumentos de avaliação como as
escalas Wechsler (e vários outros) e,
por exemplo, a medicina
(sequenciamento genético, exames de
tomografia, e etc ). A nível de compara-
ção, televisores ainda eram capaz de
transmitir imagens somente em preto e
branco quando o WAIS original foi pu-
blicado em 1955, porém, o processo de
avaliação do instrumento permanece
praticamente o mesmo até hoje... Pode
-se argumentar que “o WAIS-III é dife-
rente do I porque tem itens mais espe-
cíficos e sensíveis” ou a “aplicação ho-
je é mais fácil do que a do WAIS-I” e
eu concordo plenamente com você.
Mas…
Com testes informatizados é possível
aplicar uma teoria de resposta ao item
que ocorre automaticamente a partir do
poder de processamento do computa-
dor, reduzindo assim o tempo de apli-
cação do teste. Podemos também ter
maior precisão no registro do tempo de
reação do paciente (lembre-se que cal-
culamos sempre o tempo de reação
deles e do nosso ao ter de apertar o
cronômetro).
Podemos ter estímulos adaptados ao
vivo para populações com déficits visu-
ais (como por exemplo cada tipo de
daltonismo ao mudar a paleta de cores
dos estímulos). E muito mais vanta-
gens.
A aplicação é um processo longo e
cansativo tanto para o cliente quanto
para o neuropsicólogo, com margens
a erros humanos (por favor levante a
mão quem nunca errou ao aplicar algu-
ma escala Wechsler), e com uma cor-
reção que envolve um lápis, uma cal-
culadora, ficar somando um monte de
números aqui e ali para depois ficar
olhando um monte de tabela enorme
para converter escores... Isso NÃO é
neuropsicologia.
Isso é corrigir uma prova escolar com-
plexa. Não envolve raciocínio clínico, é
algo procedural. De fato, possuímos a
correção informatizada. Mas, que tal
uma folha de registro digital em que
você anota os escores e eles são so-
mados automaticamente para você?
Daí ao vivo, durante a aplicação, você
passa a ter conclusões objetivas do
que está sendo feito e se as dificulda-
des são discrepantes ali.
Uma analogia: imagine que o médico,
ao fazer uma mera aferição da pressão
arterial, tenha de colocar o esfigmoma-
nômetro no pulso do indivíduo, calcular
16
a pressão atmosférica num aparelho,
anotar a pressão, calcular a diferença
da pressão com a pressão do indiví-
duo, depois disso ele precisa registrar
essa diferença para então começar a
bombear o ar. O esfigmomanômetro
então dará um resultado que o médico
deverá olhar numa tabela qual é a con-
versão correta para os padrões interna-
cionais de pressão arterial, e ver se es-
sa pressão está de acordo com o que é
esperado para aquele indivíduo.
Parece absurdo, não? Mas agora leia o
parágrafo anterior sobre as escalas
Wechsler e você entenderá o que es-
tou dizendo sobre como o processo de
avaliação neuropsicológica é burocráti-
co, lento e ineficiente, sem necessida-
de. Podemos economizar tempo, fazer
uma avaliação com uma probabilidade
de erro humano muito menor, ter da-
dos registrados para eu acessá-los de
onde eu estiver e muito mais. Mas...
por quê não existem essas tecnologias
disponíveis para nós? Por que não há
demanda.
Como demonstrado por Miller (2017),
neuropsicólogos são tecnofóbicos.
Tendemos a focar muito nos proble-
mas inerentes do uso da tecnologia na
prática clínica do que em suas vanta-
gens. Um dos focos mais comuns é a
preocupação com a diferença entre os
aparelhos “Ah, mas o brilho da tela do
meu computador é diferente da do
seu”; “mas e se a bateria acabar?”;
“mas e o lúdico?”. Bom, o brilho da luz
da minha sala de atendimento é dife-
rente do da sua, para a bateria não
acabar você deixa ela carregando toda
noite, e quanto ao lúdico… celular e
computador não são lúdicos para as
pessoas hoje em dia? Toda tecnologia
tem prós e contras, o problema é que
muitos profissionais são tão focados
nos contras que os prós deixam de
existir.
Isso leva a falta de demanda. Se nin-
guém quer comprar testes computado-
rizados, por que vou produzi-los? Boa
parte da receita vem da venda de pro-
tocolos de avaliação, aquele papel que
você compra todo mês, e que fica acu-
mulando no seu armário por cinco
anos. Não seria melhor ter todos os
dados do seu paciente seguramente
guardados num servidor na nuvem,
que poderei acessar de qualquer dis-
positivo a hora que eu quiser, sem cus-
tos?
Essa lentidão em adotar novidades
prejudica o avanço da neuropsicologia
como campo do conhecimento. Primei-
ro que a lentidão de adesão desestimu-
la a inovação, pois não há demanda.
Segundo que, ainda hoje, o processo
17
de criação e adaptação de um instru-
mento de avaliação neuropsicológica é
o mesmo de muitos anos atrás. Você
possui um grupo de pesquisadores
que, com sua equipe, organizam uma
coleta de dados, pegam os resultados
dessa coleta em papel e passam para
o computador (quem já fez isso sabe o
tempo que isso toma...), depois anali-
sam os dados, passam pela burocracia
da publicação, e então alguns meses
(ou anos) depois estão na mão dos
neuropsicólogos para serem utilizados.
Os instrumentos de avaliação neu-
ropsicológica já chegam na sua mão
desatualizados.
Informatizar todo o processo de avalia-
ção implicaria que todo neuropsicólogo
que fizesse uma avaliação neuropsico-
lógica participaria de uma produção
sistemática e objetiva do banco de da-
dos daquele teste, pois os resultados
são calculados e transferidos automati-
camente aos dados normativos daque-
le instrumento. Isso implica que temos
agora normas sempre atualizadas e
confiáveis daquele instrumento.
Conclusão
Quantos testes computadorizados, ins-
trumentos de intervenção ou tecnologia
foram expostos a você durante a sua
graduação e/ou especialização ? Creio
que você poderá contá-los nos dedos,
e usando somente uma mão. Nossa
formação ainda é tradicional, pois nós
não ainda acordamos para as vanta-
gens que a tecnologia pode trazer à
nossa prática clínica. Por mais que
muito do que vocês leram aqui possa
ser visto com aversão por alguns, pre-
cisamos entender a neuropsicologia
como ciência. Campos científicos pos-
suem avanços tecnológicos que andam
sempre juntos. Fechar os olhos para
esta realidade corresponde a negar o
avanço da neuropsicologia como um
campo científico. Portanto, devemos
abraçar a tecnologia como o que ela é:
um conjunto de ferramentas e técnicas
a serviço de nós, profissionais.
18
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Psicólogo. Mestre em Medicina Molecular (UFMG). Foi professor do curso de graduação
em Psicologia no Instituto de Ensino Superior de Manhuaçu e da Pós-graduação em Neu-
ropsicologia (CMMG, Uninorte, Faculdade do Futuro, IPOG, INTCC). É sócio e diretor de
Inovação no Ilumina Neurociências. Coordenador geral do Ensino à distância da mesma
instituição. Atua como desenvolvedor de inovações tecnológicas aplicadas à psicologia e
neuropsicologia. Tem como foco de pesquisa novas tecnologias para estimulação cognitiva
para Funções Executivas e do impacto de videogames na cognição.
Referências
19
Marina Nery e Priscila Covre são nomes de referência no cenário nacional quando
tratamos de Reabilitação Cognitiva. Para nosso imenso prazer e gratidão, as duas
profissionais aceitaram o convite da SBNp e se dispuseram a compartilhar conosco
um pouco de suas experiências e conhecimento na área.
Priscila Covre é psicóloga pela Universidade Mackenzie, mestre e doutora em Psicobiologia pela
UNIFESP. Realizou doutorado sanduíche na University of York sob supervisão dos professores
Alan Baddeley e Graham Hitch e participou do programa de psicóloga visitante no Centro de Rea-
bilitação Neuropsicológica Oliver Zangwill em Ely na Inglaterra. Ministra aulas como convidada em
cursos de especialização em Neuropsicologia, Reabilitação Neuropsicológica e Psicopedagogia.
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo-
Comportamental.
Marina é Mestre em Neurociências pela UNB, Psicóloga pela PUC de Goiás. É especialista em
Neuropsicologia pelo CFP, Reabilitação Cognitiva pelo NEPNEURO e Docência Superior.
Atualmente é neuropsicóloga clínica, coordenadora do curso de Pós-Graduação em Reabilitação
Cognitiva e do curso de Especialização em Neuropsicologia do NEPNEURO. Diretora técnico-
científica do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Neurociência. Membro da Society for Cognitive Re-
habilitation.
Sabemos que o processo de Reabilitação Cognitiva é longo e que alcançar o
estado pré-mórbido é muito improvável. Para além das expectativas do pa-
ciente e familiares, como você acha que as expectativas do reabilitador, so-
bretudo iniciante, podem influenciar nos resultados e o andamento do pro-
cesso?
Marina Nery: O programa de reabilitação tem algumas etapas a serem cum-
pridas. A proposta atual é que o foco seja centrado no paciente e em seus famili-
ares, sendo que eles devem trazer suas principais demandas funcionais. Um dos
erros mais frequentes que observamos é a definição de metas com foco nos ob-
jetivos dos terapeutas e não nas demandas dos familiares. Quando o paciente traz
suas queixas, elas comumente chegam aos profissionais bastante distorcidas, pois
nem sempre ele tem a percepção das suas dificuldades e possibilidades, o que
contribui para metas irreais e improváveis de serem alcançadas, o que gera sofri-
mento, conflitos e aumenta a probabilidade de abandono do programa de reabili-
tação. O Reabilitador precisa compreender o processo patológico que ocasionou a
20
lesão e sua repercussão funcional, ter conhecimento do provável prognóstico, dos
mecanismos de recuperação e ter experiência clínica para não tirar a esperança
de que ele possa realizar algo ainda que dependa de bastante treino, ou de ali-
mentar expectativas inatingíveis naquele momento de vida do paciente.
O que você considera essencial para que o trabalho de Reabilitação Neurop-
sicológica seja bem sucedido?
Marina Nery: Um programa de reabilitação bem sucedido, como citado anteri-
ormente, deve ser centrado no paciente e na família. O sucesso nesse contexto
perpassa obrigatoriamente pela percepção do indivíduo sobre suas limitações para
que, com isso, consiga se beneficiar de técnicas e estratégias que minimizem suas
dificuldades no dia-a-dia e desempenhe suas funções de acordo com suas possi-
bilidades.
A Reabilitação Neuropsicológica depende da ação em conjunto dos terapeutas,
paciente, familiares e sociedade. São vários fatores que interferem direta ou indi-
retamente no sucesso do programa. A relação terapeuta-paciente, a definição de
metas específicas, realistas e concretas, a participação dos familiares e a atuação
do paciente como papel ativo no processo, são alguns exemplos de aspectos fun-
damentais da reabilitação. No entanto, percebo que uma variável em especial tem
uma importância enorme nos casos bem sucedidos. Trata-se da consciência dos
familiares e principalmente do paciente, com relação às suas limitações e ha-
bilidades. A consciência da qual me refiro tem a ver com a percepção e reestru-
turação do self e a sua capacidade metacognitiva, ou seja, a percepção que o indi-
víduo tem do seu próprio funcionamento cognitivo e de suas dificuldades, bem co-
mo o conhecimento sobre as estratégias mais eficazes para minimizá-las. Por ex-
emplo, uma pessoa que tem como sintoma a procrastinação, quando toma con-
sciência de seu comportamento e das estratégias a serem utilizadas para evitar
que isso ocorra, consegue, de forma autônoma minimizar os efeitos deletérios des-
se comportamento no dia-a-dia. Precisamos pensar nos 3 tipos de consciência da
dificuldade que cada um precisa ter. A primeira é a consciência do próprio sintoma,
ou seja, saber que ele está presente (perceber a tendência à procrastinação, por
exemplo); a segunda é a consciência emergencial, que compreende à identificação
21
do sintoma no momento em que ele está ocorrendo ( p. ex.: identificar que está
buscando atividades extras como uma esquiva à algo que procura evitar, e que
neste momento está adiando uma tarefa importante - procrastinação). E a terceira
trata-se do que chamamos de consciência antecipatória, quando a pessoa já iden-
tifica uma situação em que há uma grande probabilidade do sintoma aparecer e a
partir disso pode criar estratégias que previnam a ocorrência do sintoma.
Sabemos que as duas sempre prezam pelo bom diálogo em equipes transdis-
ciplinares. O que você acha mais enriquecedor no trabalho conjunto com
profissionais de outras formações para além da Psicologia?
Priscila Covre: É muito importante que a reabilitação neuropsicológica seja
compreendida como uma intervenção transdisciplinar, uma vez que os déficits cog-
nitivos podem afetar diversos âmbitos da vida dos pacientes e não há um único
especialista que dê conta de todos os problemas que podem decorrer desse im-
pacto.
Os diferentes profissionais de reabilitação compartilham entre si os conhecimentos
sobre o cérebro e sua relação com as funções mentais, ao mesmo tempo em que
acrescentam os conhecimentos específicos pertinentes a cada especialidade. O
diálogo entre esses profissionais permite compreender a forma como cada um
pode contribuir para o tratamento. Assim sendo, essas trocas permitem avaliar as
demandas de cada caso, chegando a intervenções mais eficazes e eficientes.
Priscila, você teve a oportunidade de observar de perto o trabalho maravil-
hoso do instituto Oliver Zangwill, na Inglaterra, que é referência mundial em
Reabilitação Cognitiva. Quais foram as práticas mais relevantes que você
pôde perceber lá e que podem ser adaptadas para a realidade do Brasil?
Priscila Covre: O olhar humanizado dos profissionais e o enfoque holístico
da intervenção foram os aspectos que mais me encantaram nessa experiência e
tiveram um grande impacto sobre a minha forma de pensar em reabilitação. A prin-
cipal lição que aprendi é a de que, para uma boa Reabilitação Neuropsicológica, é
imprescindível que se tenha bons reabilitadores. Por isso, devemos nos preocupar
22
primeiramente com a boa formação dos profissionais, mais do que com qualquer
recurso externo ou técnicas de intervenção. Quando digo isso, não estou falando
somente dos conhecimentos básicos das diversas especialidades, sobre o fun-
cionamento cerebral e sobre as técnicas e estratégias de intervenção existentes,
mas também da disponibilidade do profissional em se manter atualizado, buscando
novos conhecimentos – uma vez que esta é uma área em constante crescimento.
Além disso, esse profissional deve ser humanizado, investir na habilidade de olhar
para as possibilidades da situação e para os potenciais do paciente em meio aos
déficits e dificuldades que se apresentam em cada caso.
Com relação aos aspectos específicos da intervenção realizada lá, dois pontos rel-
evantes e que podem ser adaptados facilmente para a nossa realidade são o es-
tabelecimento de metas significativas e funcionais e a ênfase na psicoeducação.
As metas permitem que cada caso tenha um direcionamento único atendendo
suas necessidades específicas e possibilitam uma mensuração da eficácia do
tratamento. A psicoeducação permite que o próprio paciente seja ativo na escolha
das estratégias para lidar com os problemas do dia-a-dia.
Na sua percepção, quais são os maiores desafios para a Reabilitação Neu-
ropsicológica no contexto nacional?
Priscila Covre: O principal desafio está na formação dos profissionais, pois
como comentei na resposta anterior, acho que o recurso humano é o recurso mais
importante para que a reabilitação seja realizada. Um bom reabilitador investe na
sua formação e na sua habilidade de adquirir conhecimentos na área. Precisamos
lembrar que, para isso, não basta saber pesquisar, ler e interpretar o que se lê,
mas desenvolver a habilidade de julgar quais informações são científica e clini-
camente relevantes dentro da imensidão de informações a que temos acesso hoje
em dia. Além disso, um bom reabilitador investe no desenvolvimento de suas com-
petências pessoais e no olhar humanizado para o paciente, uma vez que lidará
com pessoas que enfrentam uma situação de vulnerabilidade e sofrimento.
23
Para finalizar, eu gostaria que você falasse um pouco sobre como concebe o
uso de diferentes ferramentas no processo da Reabilitação?
Marina Nery: Do ponto de vista operacional, os programas de reabilitação po-
dem ser divididos em etapas para orientar o terapeuta no processo decisório e
maximizar as oportunidades de sucesso. Barbara Wilson propôs uma abordagem
com 10 passos: 1) Identificar os problemas do cotidiano; 2) Formular e testar as
hipóteses que explicam o problema; 3) Definir metas; 4) Mensurar o comportamen-
to alvo; 5) Identificar reforçadores 6) Elaborar as estratégias de intervenção; 7) Ini-
ciar a intervenção; 8) Monitorar o progresso; 9) Mudar de estratégia se necessário
e 10) Planejar a generalização.
As ferramentas do processo de reabilitação são técnicas que utilizamos em todos
os passos do programa. A própria identificação dos problemas não é algo tão sim-
ples e natural como parece. Na grande maioria das vezes os pacientes têm
dificuldades de identificar concretamente os comportamentos que eles desempen-
ham no dia-a-dia que eles gostariam de modificar. Por vezes eles acabam sendo
generalistas e se queixam, por exemplo, de dificuldades de memória ao invés de
apresentarem queixas específicas como esquecer os compromissos da semana,
não tomar o medicamento no horário definido, dentre outros. Desta forma o reabil-
itador precisa utilizar algumas técnicas para facilitar a identificação destes prob-
lemas, bem como na testagem e definição de metas além das estratégias específi-
cas de intervenção. Um ponto importante a ser destacado é a escolha das técnicas
para as estratégias de intervenção. É fundamental que a escolha destas técnicas
seja fundamentada por evidências científicas e amparada nas hipóteses e na
avaliação desse paciente. Por exemplo, a queixa acima citada sobre a dificuldade
de tomar o medicamento no horário definido pode ter como hipótese um compro-
metimento da memória de armazenamento, que justifica o esquecimento, ou pode
ser sustentada por um comprometimento da função executiva, na qual o paciente
sabe que tem que tomar o remédio, mas fica adiando e procrastinando o compor-
tamento até passar muito do horário.
24
Nestas duas situações expostas, embora a meta: tomar o medicamento no horário, se mantenha para as duas situações, as técnicas utilizadas para a execução ade-quada do comportamento irá se diferenciar. A tomada de decisão com relação a onde o terapeuta irá focar (se irá compensar, utilizar auxílio externo ou alguma es-tratégia interna, ou adaptar o ambiente) também vai depender da gravidade dos sintomas e do perfil neuropsicológico de forças e fraquezas. Desta forma, o pro-cesso decisório da escolha das ferramentas, de como iremos utilizá-las e onde iremos atuar deve ser sustentado pela avaliação cognitiva e comportamental bem como pela compreensão do processo patológico e sua repercussão funcional, so-cial e pessoal.
Foi um prazer entrevistar profissionais tão simpáticas e queridas. Essa entre-vista será de grande incentivo e utilidade aos profissionais e estudantes leit-
ores de nosso boletim. Muito obrigada.
Entrevista realizada por:
Psicóloga pela Universidade Federal de Goiás, Especializanda em Neuropsicologia e
Reabilitação Cognitiva na Instituição Nepneuro e aluna de formação continuada do
Instituto ILUMINA. Tem interesse em Reabilitação Integrativa e Mindfulness como técnica
de intervenção em funções executivas.
25
Dificuldades persistentes na aprendizagem da matemática (que não podem ser me-
lhor explicadas por causas primárias) acometem cerca de 3 a 6% da população em
idade escolar e são denominadas como Transtorno de Aprendizagem Específico da
Matemática (ou Discalculia do Desenvolvimento – DD) (Reigosa-Crespo, 2012; Devi-
ne, Soltész, Nobes, Goswami & Szűcs, 2013). Dada a persistência da DD e o impacto
negativo no desempenho acadêmico e adaptação social, as crianças com DD neces-
sitam de intervenções que visem melhorar suas habilidades matemáticas (Auerbach,
Gross-Tsur, Manor, & Shalev, 2008; Parsons & Bynner, 1997, Parsons & Bynner,
2005).
Um fator complicador para o diagnóstico e tratamento é que a DD é um fenômeno he-
terogêneo, uma vez que, envolve prejuízos numa variedade de processos cognitivos
subjacentes ao processamento aritmético (Geary, 1993; Wilson & Dehaene, 2007).
Tal característica destaca a necessidade de uma avaliação neuropsicológica que in-
vestigue não só os aspectos específicos da aprendizagem da matemática (resolução
de cálculos aritméticos e problemas verbalmente formulados, por exemplo), mas tam-
bém os domínios cognitivos mais gerais (memória operacional, funções executivas,
etc.). Do ponto de vista da intervenção, destaca-se a necessidade de intervenções
que sejam personalizadas de acordo com o perfil de dificuldade de cada criança.
Apesar de uma série de estudos evidenciarem que a matemática é influenciada por
domínios cognitivos gerais, não existem evidências de que treinos nessas habilidades
(por exemplo, atenção) melhoram o processamento numérico e habilidades de cálcu-
los nas crianças com DD (Kaufmann & Pixner, 2012). Em contrapartida, as crianças
com DD tipicamente apresentam dificuldades em habilidades numéricas básicas (por
exemplo, estimação), para aprender o conhecimento conceitual (“por que fazer”) e
procedimental (“como fazer”) dos cálculos aritméticos, compreender a reciprocidade
entre as operações aritméticas e para automatizar os fatos aritméticos. Crianças com
tais dificuldades se beneficiam mais de intervenções focadas em domínios cognitivos
específicos da aprendizagem da matemática.
Evidências acerca do tratamento das crianças com DD, sugerem que as crianças com
DD se beneficiam de programas compostos por diferentes módulos abrangendo as
competências numéricas e aritméticas básicas (Kaufmann et al, 2003; Moeller et al,
.2012). Além disso, esses módulos necessitam ser aplicáveis de forma independente
de acordo com as necessidades de cada criança, destacando a importância de
26
Intervenções personalizadas. Nesse sentido, treinos redundantes de habilidades que
a criança já domina devem ser evitados. Tais premissas justificam-se dado que a
aprendizagem da matemática acontece de forma hierárquica e modular, além da pró-
pria heterogeneidade do transtorno, já mencionada acima.
Kroesbergen e Van Luit (2003) realizaram uma meta-análise e encontraram 58 estu-
dos sobre intervenções com alunos do ensino primário com dificuldades de aprendi-
zagem da matemática. A maior parte dos estudos encontrados refere-se a interven-
ções para as habilidades aritméticas básicas (cálculos aritméticos básicos). Essas in-
tervenções mostraram-se mais eficazes do que as intervenções para promover as ha-
bilidades numéricas básicas (entendimento de quantidades, contagem e reconheci-
mento dos numerais arábicos) e estratégias de resolução de problemas matemáticos.
As intervenções mais curtas foram mais eficazes do que as mais longas. Uma possí-
vel explicação para esse resultado é que as intervenções mais curtas focaram-se no
treino de um domínio específico do conhecimento (por exemplo, memorização de fa-
tos da adição com resultado até 10) sendo ensinados e aprendidos mais profunda-
mente. Ademais, as intervenções para as habilidades aritméticas básicas realizadas
pessoalmente por um tutor foram mais eficazes do que as computadorizadas. Apesar
de favorecerem a motivação, as intervenções computadorizadas não foram suficien-
tes para melhorar as dificuldades das crianças. Esse achado reforça a necessidade
de uma instrução explícita por parte de um tutor.
Nosso grupo de pesquisa (LND-UFMG/Ambulatório NÚMERO) possui um pro-
jeto de extensão com a finalidade de desenvolver um programa de intervenção neu-
ropsicológica para as dificuldades de aprendizagem da matemática. O programa con-
siste em cinco módulos independentes e semi-hierarquicamente estruturados, basea-
dos no Programa de Intervenção Numérico (Numeracy Intervention Program;
Kaufmann et al., 2003): ((1) senso numérico e contagem, (2) transcodificação numéri-
ca e valor posicional, cálculos de (3) adição, (4) subtração e (5) multiplicação; ver em
Antunes et al., 2012; Gomides et al., 2014).
Os módulos utilizam duas estratégias principais: treino conceitual e prática extensiva.
O primeiro envolve o ensino do conhecimento procedural (“como fazer”) e conceitual
(“por que fazer”) e busca promover uma melhor compreensão dos princípios, assim
como, execução dos algoritmos e estratégias das operações aritméticas (Domahs &
Delazer, 2005). Por outro lado, a prática por meio de exercícios está associada a uma
27
melhora da automatização (Lochy et al, 2005). Além dos aspectos cognitivos e peda-
gógicos, são trabalhados aspectos terapêuticos a partir dos princípios da terapia cog-
nitivo comportamental consistindo em treinamentos em resolução de problemas, auto
avaliação, auto-reforçamento, economia de fichas, aprendizagem sem erro, entre ou-
tros.
Em um estudo, em fase de finalização, nós testamos a eficácia do módulo de multipli-
cação em duas crianças com DD, mas perfis de dificuldades distintos. O primeiro ca-
so, H.V., sexo feminino, 9 anos, apresentava dificuldades na multiplicação associadas
a um prejuízo no Sistema Numérico Aproximado (ANS ou senso numérico), persisten-
tes mesmo após intervenção (Júlio-Costa et al., 2015). Já o segundo caso, G.A., sexo
masculino, 11 anos, apresentava dificuldades associadas a um déficit no processa-
mento fonológico (para ver uma descrição mais detalhada dos casos, Haase et al.,
2014). Ambos os pacientes receberam acompanhamento semanal ao longo de um
semestre. A acurácia e velocidade de resolução de H.V. melhoraram de forma consis-
tente nas medidas de desfecho. Por outro lado, G.A., melhorou em termos de acurá-
cia, mas apresentou uma piora na velocidade de resolução dos cálculos. Apesar dis-
so, a análise dos tipos de erro evidenciou que ambos os pacientes cometeram erros
mais sistemáticos após o final da intervenção, sugerindo uma reorganização dos fatos
na memória e melhora das estratégias de resolução.
As contribuições trazidas por esse estudo sugerem que indivíduos com diferentes difi-
culdades na matemática respondem de modo distinto às intervenções específicas, o
que evidencia o envolvimento de mecanismos cognitivos distintos nas dificuldade de
aprendizagem da matemática e, desse modo, corrobora a existência dos subtipos de
DD. Além disso, observa-se que intervenções focadas em estratégias verbais para a
automatização dos fatos podem não ser tão eficazes para crianças com comprometi-
mentos verbais, como o descrito caso G.A. Por outro lado, o programa da pesquisa
aqui relatada foi eficaz em um caso com comprometimento no senso numérico (a ga-
rota H.V). Por último, porém não menos importante, à atenção dos pesquisadores e
clínicos, observa-se que os erros na multiplicação são altamente sistemáticos e devi-
do a isso podem ser fornecedores de pistas importantes sobre como os fatos aritméti-
cos são organizados na memória de longo prazo (Campbell & Graham, 1985; Butter-
worth, Marchesi & Girelli, 2003) e quais estratégias de resolução estão sendo utiliza-
das pela criança.
28
Estudos propondo intervenções para as dificuldades de aprendizagem da matemática
ainda são escassos, principalmente quando comparados com os estudos sobre inter-
venções na dislexia do desenvolvimento. Nosso estudo destaca a necessidade de in-
tervenções personalizadas de acordo com o perfil de cada criança e de embasamento
teórico sobre o desenvolvimento das habilidades aritméticas, acarretando em um de-
safio para prática clínica. Espero que essa leitura tenha alcançado o propósito de des-
pertar a curiosidade e sanar algumas dúvidas acerca das reabilitações das dificulda-
des matemáticas. Caso tenham dúvidas e/ou comentários, envie para malu15gomi-
[email protected], será um prazer recebê-los.
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30
Psicóloga e Mestre em Neurociências pela UFMG. É doutoranda do Programa de
Psicologia: Cognição e Comportamento (UFMG). Tem experiência em Avaliação
Neuropsicológica e Reabilitação Cognitiva de Crianças e Adolescentes. Coordenou
Projeto de Reabilitação das Habilidades Numéricas no Ambulatório NÚMERO. Atu-
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31
A Neuropsicologia é uma ciência eminen-
temente do século XX, contudo, as inves-
tigações acerca das inter-relações entre
cérebro e cognição/comportamento ad-
vém ainda dos antigos egípcios (para revi-
são, ver: Luria, 1981; Bruce, 1985; Walsh,
1994; Pinheiro, 2005; Vakil & Hoofien,
2016). Atualmente, poder-se-ia situá-la no
campo de interface entre as neurociências
e as ciências do comportamento (por
exemplo: psicologia do desenvolvimento),
destacando um objetivo comum quanto ao
estudo das modificações comportamen-
tais resultantes de lesão cerebral. Ou se-
ja, compreendendo que o escopo principal
da área reside na compreensão da rela-
ção entre o sistema nervoso, cognição e
comportamento, no esforço sistemático de
avaliar e intervir sobre as capacidades
mentais mais complexas como a lingua-
gem, memória, atenção, dentre outras
funções cognitivas superiores (Cosenza,
Fuentes e Malloy-Diniz, 2008).
Dentre as principais querelas da Neu-
ropsicologia na atualidade, destaca-se a
temática relacionada à reabilitação neu-
ropsicológica, um campo em constante
crescimento nas últimas décadas; respon-
sável pelo avanço nos estudos de inter-
venções significativas para diferentes fa-
ses do desenvolvimento típico e patológi-
co. Apesar do recente crescimento e des-
taque a reabilitação é historicamente tão
antiga quanto às investigações das inter-
relações entre estrutura cerebral e cogni-
ção/comportamento (Neuropsicologia).
Por exemplo, os contextos das duas gran-
des guerras do século XX são descritos
como marcos histórico para o desenvolvi-
mento do processo de reabilitação; o
Zeitgeist em que emergiu a necessidade
de auxiliar na recuperação de lesões ce-
rebrais. Assim surgiram os estudos sobre
a plasticidade na idade adulta, o Psicólo-
go russo Luria (1980) foi quem com desta-
que se dedicou ao estudo de alterações
cognitivas em soldados lesionados, suge-
rindo, em sua teoria, a possibilidade de
intervenções que proporcionariam a reor-
ganização funcional por meio da plastici-
dade.
Sobre este potencial de neuroplasticida-
de, destaca-se que, no final da década de
70, já haviam sido demonstradas as pri-
meiras evidências da capacidade de rege-
neração do sistema nervoso (Haase & La-
cerda, 2004). Esses resultados subsidia-
ram o começo das intervenções para a
recuperação cognitiva, fazendo com que a
reabilitação se tornasse uma realidade
possível. Inicialmente, uma boa definição
de reabilitação foi fornecida por McLellan
(1991). Ele sugere que a reabilitação é
um processo bidirecional e interativo pelo
qual as pessoas com comprometimento
trabalham em conjunto com profissionais,
parentes, cuidadores e membros da co-
munidade para alcançar seu melhor
32
potencial de autonomia, bem-estar físico,
psicológico e social.
A partir da definição de McLellan, pode-
mos definir a reabilitação neuropsicológi-
ca como um processo multifacetado pelo
qual objetiva-se minimizar as funções
cognitivas comprometidas em seus diver-
sos aspectos, por meio da utilização de
diferentes técnicas e estratégias, conside-
rando as características individuais, a
plasticidade neuronal e, essencialmente,
as possibilidades do paciente. Sempre
reunindo o melhor da experiência clínica e
das evidências cientificas mais recentes
na área com o objetivo principal de pro-
mover a readaptação do indivíduo ao seu
meio ambiente (Mowszowski, Batchelor, &
Naismith, 2010; Bahar-Fuchs et al., 2013;
Santos, 2015).
Deste modo, uma preocupação recente
consiste na necessidade de estabelecer
definições operacionais que diferencie os
processos de intervenção, visto que, erro-
neamente, muitas vezes as intervenções
propostas são confundidas no exercício
profissional (Davis, Massman, & Doody,
2000; Da Silva, Coelho, & Alchieri, 2007).
Assim, preocupados com as diversifica-
das taxonomias utilizadas para definir as
intervenções, diversos autores (Clare et
al., 2003; Beleville, 2008; Mowszowski,
Batchelor, & Naismith, 2010; Bahar-
Fuchs, Clare, & Woods, 2013) chegaram
ao consenso de que a estimulação cogni-
tiva, treino cognitivo, reabilitação cognitiva
e a reabilitação neuropsicológica são as
principais abordagens de intervenção utili-
zadas na prática clínica.
Os campos de prática e pesquisa em in-
tervenção Psicológica e Neuropsicológica
permanecem sofrendo com uma confusão
no uso dos termos comumente utilizados
para definir as intervenções, de tal modo,
segue uma breve apresentação das prin-
cipais características dos métodos de in-
tervenção:
Estimulação Cognitiva
Em síntese, os programas de Estimulação
Cognitiva são voltados ao exercício men-
tal geral para melhorar o funcionamento
cognitivo e social dos indivíduos a partir
de uma série de atividades individuais ou
em grupo (Clare & Woods, 2004). Segun-
do uma revisão sistemática realizada por
Kelly e colaboradores (2014) a estimula-
ção cognitiva consiste no nível mais bási-
co e menos estruturado de intervenção
dentre as principais relatadas na literatu-
ra. O uso de intervenções do tipo estimu-
lação cognitiva está amplamente associa-
do aos estudos realizados com idosos
saudáveis, com o objetivo de promover a
manutenção das habilidades cognitivas
que declinam com a idade.
A estimulação cognitiva, também conheci-
da como estimulação mental ou brain trai-
ning, incide na realização repetida de
33
tarefas, sendo muito comum no formato
de jogos (Basak, Boot, Voss, & Kramer,
2008). Uma das principais características
das intervenções do tipo brain training é a
ausência do ensino de estratégias, ou de
uma situação de aprendizagem estrutura-
da e direcionada, já que o escopo deste
tipo de intervenção é manter o indivíduo
em uma situação de esforço mental, atra-
vés da prática e repetição de tarefas. No
entanto, a principal limitação das interven-
ções de estimulação consiste justamente
na falta de padronização das tarefas pro-
postas, o que inviabiliza os estudos de
meta análise para comparação de efeitos
de eficácia, bem como efeitos de durabili-
dade e transferências dos possíveis ga-
nhos da intervenção.
Treino cognitivo
Os programas de treinamento cognitivo
envolvem um conjunto de tarefas repeti-
das e padronizadas com o foco no ensino
e aprendizagem de funções cognitivas es-
pecíficas (Bahar-Fuchs et al., 2013). Os
treinos cognitivos centralizam-se na con-
dução de um conjunto de tarefas padroni-
zadas criadas para melhoramento de fun-
ções cognitivas pré-estabelecidas, por
exemplo, memória, atenção, resolução de
problemas, raciocínio, velocidade de pro-
cessamento, dentre outras. Deste modo,
os programas de intervenção podem ser
de caráter unimodal – quando direcionado
ao treinamento de uma habilidade especí-
fica, por exemplo, o treino de atenção se-
letiva; ou ainda multimodal – destinado ao
treinamento de várias habilidades cogniti-
vas (Jones et al., 2013). As tarefas tam-
bém podem assumir o formato do tipo lá-
pis e papel ou computadorizados (Neely
2009). A construção e condução das tare-
fas propostas por um treino podem assu-
mir a modalidade individual ou coletiva
(Loewenstein, Acevedo, Czaja, & Duara,
2004).
Destacam-se duas tendências principais
na criação de protocolos de treinamento
cognitivo na literatura. 1) Treino cognitivo
adaptativo: desenvolvidos para ajustar-se
ao nível de habilidades do participante, as
tarefas são apresentadas com base no
desempenho de cada indivíduo; esse for-
mato tem ganhado forças e está sendo
cada vez mais incorporado aos treinos
informatizados, principalmente para crian-
ças e adolescentes. 2) Ensino de estraté-
gias: a definição de treino cognitivo foi
ampliada quando alguns autores passa-
ram a incluir o ensino de estratégias e téc-
nicas cognitivas, por exemplo, instruções
e etapas de prática para reduzir o prejuízo
cognitivo. Inclusive, esta vem sendo en-
tendida como uma das principais diferen-
ciações entre treino e estimulação cogniti-
va (Peretz et al, 2011).
Uma hipótese amplamente associada ao
treino cognitivo é que a prática guiada em
um conjunto padrão de tarefas cognitivas,
34
visando melhorar o desempenho em um
ou mais domínios cognitivos apresenta o
potencial de melhorar e/ou manter fun-
ções cognitivas que declinam com a ida-
de. Além da premissa de que os efeitos
observados com a prática podem ser no-
tados para além das tarefas treinadas
(generalização). Todavia, os desafios são
grandes e ainda existem querelas que
permanecem sem evidências robustas ou
consenso entre os pesquisadores. O pri-
meiro grande desafio a ser superado con-
siste na escassez de investigações acer-
ca dos efeitos de transferência dos ga-
nhos para os domínios cognitivos não trei-
nados diretamente. O segundo desafio
também mantém relação com os estudos
acerca dos efeitos das intervenções cog-
nitivas; ainda são inconclusivas as evidên-
cias de efeitos de generalização dos ga-
nhos obtidas durante a intervenção. A ter-
ceira grande limitação no campo do trei-
namento cognitivo perpassa pelo pequeno
número de estudos de avaliação da dura-
bilidade dos ganhos alcançados – escas-
samente investigado devido ao reduzido
número de estudos de follow-up (Noack,
et al., 2014; Ji, et al., 2016).
É importante ressaltar que, principalmente
no cenário brasileiro, são quase inexisten-
tes os estudos acerca dos efeitos produzi-
dos pelos treinamentos cognitivos. Assim
como, são escassos os estudos de valida-
de de conteúdo dos treinamentos cogniti-
vos desenvolvidos (Santos & Flores-
Mendoza, 2017). As mesmas lacunas po-
dem ser observadas em menor proporção
na literatura internacional, devido ao mai-
or número de estudos encontrados que
reportam os efeitos das intervenções cog-
nitivas (Rebok et al., 2014; Noack et al.,
2014). No entanto, assim como descrito
por Kelly et al. (2014), quase a totalidade
dos estudos de investigação dos efeitos
de treino cognitivo encontrados na litera-
tura internacional foram baseados no mo-
delo de intervenção coletiva, e não apre-
sentam estudos de validade de conteúdo
das tarefas do treino.
Reabilitação Cognitiva
A reabilitação cognitiva consiste em uma
abordagem individualizada, direcionada à
compensação dos déficits cognitivos exis-
tentes, além do ensino de estratégias e
manejos voltados para os cuidadores e/ou
familiares, ou seja, o objetivo principal não
é aumentar o desempenho em tarefas
cognitivas específicas, mas, sim auxiliar
no processo de adaptação do paciente
(Wilson, 2002; Clare & Woods, 2008). A
reabilitação destina-se unicamente a gru-
pos clínicos e caracteriza-se por proporci-
onar ao paciente desde atividades gerais
que podem incluir estimulação cognitiva,
até a prática de treinamento cognitivo
(Parente, 2006). A reabilitação tem como
escopo principal auxiliar o paciente com
comprometimento cognitivo a aproveitar
35
ao máximo as suas habilidades preserva-
das, apesar das dificuldades enfrentadas.
Este tipo de intervenção destina-se a aju-
dar o paciente a alcançar e/ou manter um
nível ótimo de autonomia cognitiva, física,
psicológico e social no contexto dos preju-
ízos específicos decorrentes da perda
cognitiva. O processo de reabilitação cog-
nitiva concentra-se de forma singularizada
nas necessidades de cada paciente, exi-
gindo estratégias e métodos compensató-
rios como a utilização de auxílios externos
ou dicas de memória (Wilson et al, 2007).
Portanto, a intervenção acaba por envol-
ver a família do paciente e outros profissi-
onais de saúde, em prol da melhor estra-
tégia para lidar com o comprometimento e
proporcionar o aumento da qualidade de
vida do paciente e dos familiares.
Destaca-se ainda que as intervenções do
tipo reabilitação cognitiva são implemen-
tadas no contexto cotidiano do paciente,
porque não existem evidências que sus-
tentem que as mudanças instituídas em
um dado ambiente a partir de uma inter-
venção específica necessariamente seri-
am generalizadas para outro ambiente.
Assim, os objetivos para a reabilitação
são selecionados de forma contextual e
colaborativa. Woods, Aguirre, Spector e
Orrell (2012) realizaram uma revisão e
concluíram que incorporar atividades de
estimulação cognitiva com técnicas da
abordagem de orientação para a realida-
de produziram de forma consistente me-
lhorias na cognição geral, especialmente
para pacientes com comprometimento
cognitivo leve e moderado. A Tabela 1,
adaptada de Santos (2015), resume as
principais diferenças entre as característi-
cas de estimulação, treino e reabilitação
cognitiva.
Reabilitação neuropsicológica
Na Reabilitação Neuropsicológica (RN) se
faz necessário o conhecimento dos meca-
nismos de plasticidade e de recuperação
funcional, bem como o domínio dos princi-
pais modelos de intervenção disponíveis.
A convergência de tais saberes proporcio-
na e orienta a construção dos princípios
fundamentais para o processo de reabili-
tação neuropsicológica: restituição, substi-
tuição e compensação. Tais processos
fazem com que o principal objetivo da
neuropsicologia nessa área seja capacitar
pacientes, familiares e cuidadores a con-
viver, contornar ou superar as insuficiên-
cias cognitivas, emocionais e sociais, pro-
porcionando uma melhora significativa na
autonomia e qualidade de vida dos envol-
vidos.
Alguns princípios gerais podem ser desta-
cados como eminentes ao processo de
diferenciação entre a reabilitação neu-
ropsicológica e os demais modelos de in-
tervenção apresentados.
36
Características Estimulação cognitiva Treino Cognitivo Reabilitação Cognitiva
Habilidade Alvo
Habilidades cognitivas
que não apresentam
comprometimento.
Habilidades cognitivas
que apresentam ou não
declínio.
Habilidades funcionais
e, em casos menos gra-
ves, habilidades cogniti-
Contexto Tarefas e ambiente pou-
co estruturado.
Tarefas e ambientes es-
truturados,
Contexto do mundo real/
cotidiano.
Foco de Inter-
venção
Estimulação geral do
máximo de processos
cognitivos possível.
Habilidades e processos
cognitivos isolados.
Grupos de habilidades e
processos requeridos
para desempenho de ta-
Formato Predominantemente em
grupo. Individual ou em grupo. Individual.
Mecanismos de
ação propostos
Abordagem de manuten-
ção, a partir da prática e
repetição de tarefas sem
psicoeducação e treino
de estratégias.
Principalmente restaura-
tivos (estimulação cog-
nitiva), sendo tipicamen-
te combinados com psi-
coeducação e treino de
estratégias.
Uma combinação de
abordagens restaurativas
e compensatórias combi-
nadas com psicoeduca-
ção e treino de estraté-
gias
Objetivos
Manter e estimular o
funcionamento cognitivo
geral.
Melhorar ou manter ha-
bilidades em domínios
cognitivos específicos.
Desempenho e funciona-
mento em relação às me-
tas colaborativamente
Tabela 1. Diferenças entre as características de estimulação, treino e reabilitação cognitiva.
37
Primeiro, destaca-se a importância da ca-
pacitação dos profissionais, pois todas as
etapas anteriores, bem como a RN devem
estar baseadas na compreensão científica
dos mecanismos do sistema nervoso cen-
tral, das funções cerebrais superiores en-
volvidas, assim como à natureza das pa-
tologias; uma vez que modelos teorica-
mente embasados fundamentam o pro-
cesso da reabilitação neuropsicológica.
Segundo, a Avaliação Neuropsicológica
deve fornecer informações relevantes e
contribuir para a construção do processo
de RN. Ou seja, as habilidades cognitivas
comprometidas e as potencialidades do
paciente devem ser previamente identifi-
cadas na etapa de avaliação neuropsico-
lógica. Terceiro, as tarefas selecionadas
para o processo de RN podem incluir esti-
mulação cognitiva, treinamento cognitivo,
bem como estratégias compensatórias; e
são exercitadas repetitivamente. Por fim,
destaca-se que os objetivos da RN são
organizados de maneira hierárquica, po-
dendo incluir exercícios para serem reali-
zados no ambiente domiciliar do paciente
a partir do treinamento dos cuidadores e
familiares, o que permite monitorar o
prognóstico através de informações acer-
ca da generalização das intervenções pa-
ra o desempenho cotidiano do paciente.
É possível perceber na literatura científica
da área, diferentes modelos de interven-
ções, que apresentam diferenças sutis,
mas que carregam fundamentações teóri-
cas e aplicabilidades distintas; o que pos-
sibilita ao profissional capacitado uma am-
pla gama de possibilidades na construção
de um protocolo de reabilitação neuropsi-
cológica, de modo que a cada novo caso
o profissional poderá utiliza procedimen-
tos específicos de acordo com o tipo de
problema e recursos dos pacientes. Se-
gundo Abrisqueta-Gomes (2016) isso
ocorre devida a falta de protocolos de Re-
abilitação Neuropsicológica padronizados.
Assim, a RN segue reunindo e incorpo-
rando diferentes modelos de intervenção,
como os apresentados, desde que o mo-
delo contenha fundamentação teórica que
respeite os princípios gerais da Neuropsi-
cológica. O que atualmente pode variar
desde estimulação cognitiva em formato
de jogos de tabuleiro ou grupos de discus-
sões, até programas de treinamentos cog-
nitivo computadorizados.
Contudo, deve-se ressaltar que a prática
indiscriminada por parte de alguns profis-
sionais ao utilizarem levianamente o ter-
mo "reabilitação neuropsicológica" em
processo que não são embasados nos
pressupostos da neuropsicologia tem por
consequência atraso nos avanços para
construção de modelos e protocolos con-
sistentes de reabilitação neuropsicológica.
Por este motivo, muitos pesquisadores
38
persistem no desenvolvimento de méto-
dos e programas de intervenções emba-
sados nos conceitos da Neuropsicologia,
buscando amenizar as dificuldades en-
contradas no campo de desenvolvimento
de intervenção e reabilitação.
Através da análise dos diferentes concei-
tos anteriormente apresentados, pode-se
afirmar que a complexidade do processo
de reabilitação neuropsicológica ocorre na
dinâmica que perpassa aspectos biológi-
cos, ambientais, motivacionais e emocio-
nais. Enfatizando o desenvolvimento
constante da área através da persistência
em alcançar novas descobertas, a fim de
garantir uma prática comprometida, efeti-
va e ética.
Reabilitação neuropsicológica – principais
pontos resumidos:
O processo de reabilitação neuropsi-
cológica (RN) preocupa-se com a
melhora dos déficits cognitivos, emo-
cionais, psicossociais e comporta-
mentais causados por acometimen-
tos ao cérebro (SNC).
O objetivo principal da RN é propor-
cionar que os pacientes retornem as
suas atividades de vida diária com
mais autonomia; por esta razão, me-
tas significativas devem ser definidas
nas áreas educação, recreação, re-
lacionamentos sociais e vida inde-
pendente.
Embora o comprometimento cogniti-
vo seja talvez o principal foco de RN,
as consequências emocionais e psi-
cossociais das lesões cerebrais pre-
cisam ser abordadas em programas
de reabilitação.
A construção e condução de um processo
de reabilitação neuropsicológica demanda
uma ampla base teórica.
39
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cas. Reabilitação da memória: integrando teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 22-3.
Psicólogo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando bolsista (CAPES)
em Psicologia: Cognição e Comportamento pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). É pesquisador membro do Laboratório de Estudos do Comportamento, Cogni-
ção e Aprendizagem (LECCA/UFMG) e membro coordenador do Grupo de Estudo em
Treinamento Cognitivo para Idosos (2017 - 2018). Atualmente é colaborador na Comis-
são Jovem da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp Jovem, 2018 - 2019).
Tem interesse em construção de programas de intervenção; adaptação, validação e nor-
matização de instrumentos psicológicos; princípios de psicometria; avaliação e interven-
ção psicológica e neuropsicológica; e Terapia Cognitivo-Comportamental baseada em
evidências.
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