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PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA DA COMPANHIA AGRÍCOLA BARBOSA FERRAZ/PR Natália da Silva Madóglio Martines (UENP) Orientadora: Janete Leiko Tanno (UENP) Resumo Este artigo refere-se a minha pesquisa de iniciação científica que visa o levantamento e a análise de parte do acervo pertencente à Companhia Agrícola Barbosa Ferraz, proprietária de duas fazendas localizadas no denominado norte pioneiro do Paraná: a Fazenda Água do Bugre, em Cambará, e a Fazenda das Antas, na cidade de Andirá. Tal acervo foi recolhido na atual sede da Companhia, em Andirá, e é composto de álbuns de fotos (da derrubada da mata e construção das fazendas, de visitantes e familiares), documentos pessoais, documentos administrativos, caderno de anotações, recortes de jornais, revistas, livros, mapas e uma curta biografia datilografada. Entretanto, neste trabalho, analisaremos apenas a biografia, os dois álbuns de fotografias, e algumas entrevistas de Regina Barbosa Ferraz Kinker. Objetivamos a identificação e a análise destes documentos a fim de reconstruir a história da Cia e seu papel na produção cafeeira no “norte pioneiro”, nas primeiras décadas do século XX, além da preservação da memória da família Barbosa Ferraz, um dos responsáveis pela (re) ocupação e exploração de grandes áreas da região para a formação das fazendas de café. Enfim, o trabalho visa estabelecer a importância política e econômica da Cia e de seus proprietários para a região, além de indicar a relevância da preservação do patrimônio documental das fazendas de café do Paraná. Palavras chave: Patrimônio documental; Memória; Cia. Agrícola Barbosa Ferraz. Financiamento: Fundação Araucária. A partir dos anos 1950, vários foram os trabalhos, como descreve Nelson Dacio Tomazi, (1999) que se enveredaram pelo caminho de se tentar traçar a história do processo de (re) ocupação do norte do Paraná. Além destes, existem aqueles que, sob a forma de livros de memórias, escreveram pequenos estudos sobre suas cidades.

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PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA DA

COMPANHIA AGRÍCOLA BARBOSA FERRAZ/PR

Natália da Silva Madóglio Martines (UENP)

Orientadora: Janete Leiko Tanno (UENP)

Resumo

Este artigo refere-se a minha pesquisa de iniciação científica que visa o

levantamento e a análise de parte do acervo pertencente à Companhia Agrícola Barbosa

Ferraz, proprietária de duas fazendas localizadas no denominado norte pioneiro do

Paraná: a Fazenda Água do Bugre, em Cambará, e a Fazenda das Antas, na cidade de

Andirá. Tal acervo foi recolhido na atual sede da Companhia, em Andirá, e é composto

de álbuns de fotos (da derrubada da mata e construção das fazendas, de visitantes e

familiares), documentos pessoais, documentos administrativos, caderno de anotações,

recortes de jornais, revistas, livros, mapas e uma curta biografia datilografada.

Entretanto, neste trabalho, analisaremos apenas a biografia, os dois álbuns de

fotografias, e algumas entrevistas de Regina Barbosa Ferraz Kinker. Objetivamos a

identificação e a análise destes documentos a fim de reconstruir a história da Cia e seu

papel na produção cafeeira no “norte pioneiro”, nas primeiras décadas do século XX,

além da preservação da memória da família Barbosa Ferraz, um dos responsáveis pela

(re) ocupação e exploração de grandes áreas da região para a formação das fazendas de

café. Enfim, o trabalho visa estabelecer a importância política e econômica da Cia e de

seus proprietários para a região, além de indicar a relevância da preservação do

patrimônio documental das fazendas de café do Paraná.

Palavras chave: Patrimônio documental; Memória; Cia. Agrícola Barbosa Ferraz.

Financiamento: Fundação Araucária.

A partir dos anos 1950, vários foram os trabalhos, como descreve Nelson

Dacio Tomazi, (1999) que se enveredaram pelo caminho de se tentar traçar a história

do processo de (re) ocupação do norte do Paraná. Além destes, existem aqueles que, sob

a forma de livros de memórias, escreveram pequenos estudos sobre suas cidades.

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Todavia, o que se percebeu até então referente à maioria destes trabalhos, é uma

reafirmação do discurso dominante. Entretanto, alguns autores, como Nelson Dacio

Tomazi, buscaram questionar esse discurso oficial, tentando demonstrar outras

possibilidades de análise desse processo.

Compartilhando deste mesmo intuito, o presente trabalho deseja, através do

recolhimento e da análise de parte do acervo pertencente à Companhia Agrícola

Barbosa Ferraz – proprietária, além de algumas outras, de duas fazendas localizadas no

norte do Paraná (privilegiadas neste trabalho): Fazenda Água do Bugre, em Cambará, e

Fazenda das Antas, em Andirá-, reconstruir parte da história desta Companhia e seu

papel na produção cafeeira durante as primeiras décadas do século XX, visto que este

trabalho ainda não foi realizado no âmbito acadêmico, mas sim, apenas, em rápidos

trabalhos memorialísticos desenvolvidos por alguns nomes da cidade de Andirá, e que,

portanto, só reforçam uma história dominante há muito existente e defendida.

Além desse objetivo, buscamos realizar a identificação e preservação do acervo

desta Companhia, indicando a importância e relevância da preservação do patrimônio

documental das fazendas de café do Paraná, servindo de fontes documentais para

futuras pesquisas.

Utilizaremos como documentos a serem analisados para a reconstrução da história

da Companhia Agrícola Barbosa Ferraz, algumas memórias (breve biografia de três

páginas de Antônio Barbosa Ferraz Junior, escrita por seu filho, Bráulio Barbosa Ferraz,

sob o título “Antonio Barbosa Ferraz Junior”, e memórias de Regina Barbosa Ferraz

Kinker – filha de Bráulio Barbosa Ferraz – contidas em um livro de memória da cidade,

“Andirá no cinquentenário de seu Rotary Club"). A biografia “Antonio Barbosa Ferraz

Junior” em si, nos traz em síntese, a trajetória de Antônio Barbosa Ferraz Junior, desde

seu primeiro trabalho como administrador da fazenda de seu pai, em Ribeirão Preto/SP,

até o seu estabelecimento nas terras da região denominada de norte pioneiro do Paraná,

resultando nas plantações de café e a construção de suas fazendas: Água do Bugre e

Antas. Este relato fora empreendido por seu filho, Bráulio Barbosa Ferraz, em São

Paulo, alguns anos após a morte de Antônio Barbosa Ferraz Junior, para ser impresso

em um jornal da época, em setembro de 1966.

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Diante do objetivo que levou a realização da escrita de tal biografia, devemos

levar em consideração que esta reafirmou uma visão acerca de quem está sendo

retratado nela, ou seja, prezou-se por descrever uma história de vida brilhante, de um

“pioneiro” que “venceu”, e que cumpriu com o objetivo de levar o “progresso” e a

“colonização” para uma região até então “improdutiva”.

É por conta disso que não podemos nos apropriar desta biografia e reproduzi-la

neste trabalho tão qual foi escrita, sem levar em consideração o acima exposto, porque

então, apenas estaríamos corroborando a memória oficial acerca da (re) ocupação da

região do norte do Paraná, centrada em “verdades” que, atualmente, já estão sendo

colocadas em xeque.

Outra importante fonte documental a ser analisada, serão os álbuns de fotos. O

primeiro álbum refere-se à construção da Fazenda das Antas, região em que futuramente

seria a cidade de Andirá, contendo 35 páginas, perfazendo um total de 41 fotografias,

cujo recorte temporal compreende os anos entre 1922 e 1937, ou seja, desde a derrubada

da vegetação presente para a construção das primeiras casas e cafezais, até estes terem

atingindo o tamanho relativo há dois anos. O segundo álbum a ser analisado refere-se à

fazenda Água do Bugre, situada na cidade de Cambará, estando esta já em pleno

desenvolvimento, exceto por uma foto que representa o primeiro rancho construído

antes da residência definitiva. O álbum contêm 37 páginas em um total de 34 fotografias

sobre a fazenda, tiradas no ano de 1922, retratando os diferentes espaços e edificações

da fazenda, como residência, garagem, escola, tulhas, terreirão, cafezais, tanque e

algumas em que aparecem vários trabalhadores em atividade, além de 3 fotografias

anexadas posteriormente ao álbum, de soldados que lutaram na Revolução de 1930.

Sabemos que desde o seu surgimento, a fotografia tem sido aceita e utilizada

como prova definitiva, “testemunho da verdade”, do fato ou dos fatos (KOSSOY,

2000). Todavia, neste trabalho, não a tomaremos com este princípio. A fotografia, como

se sabe, é um instrumento de “veiculação das ideias e da consequente formação e

manipulação da opinião pública” (KOSSOY, p. 20, 2000).

Ao analisar os álbuns fotográficos das fazendas Água do Bugre e Antas,

buscamos “decifrar a realidade interior das representações fotográficas, seus

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significados ocultos, suas tramas, realidades e ficções, as finalidades para as quais

foram produzidas” (KOSSOY, p. 23, 2000).

É por conta disso que não podemos tratar as fotografias da Companhia como

“provas do real”, como sugere Kossoy, mesmo com toda a sua carga de “realismo”.

Estas, não correspondem necessariamente à verdade histórica, são apenas registros

(expressivos) da aparência, fonte, pois, de ambiguidade (KOSSOY, 2000).

E por final, utilizar-nos-emos da fonte oral (entrevistas realizadas com Regina

Barbosa Ferraz Kinker), sabendo que “A História oral permite o registro de testemunhos

e o acesso a “histórias dentro da História” e, dessa forma, amplia as possibilidades de

interpretação do passado” (ALBERTI, p. 155, 2005). Justificamos com esta afirmação a

opção pelo uso de tal fonte em nossa pesquisa. Como as outras, sabemos dos cuidados

que devemos tomar ao analisá-las, pois, como as demais, são carregadas de intenções

por detrás de suas falas.

Em suas falas, dona Regina Barbosa Ferraz Kinker reforça uma memória

“vitoriosa”, uma história de família vencedora a partir dos gestos “pioneiros” de seu pai

e avô. Em momento algum é citado algum inconveniente ou algum fato que gere

vergonha ou desvalorização de tais figuras. O intuito é passar uma história que preze o

“vencedor” e que perpetue essa imagem.

Companhia Agrícola Barbosa Ferraz

O fundador da Cia Agrícola Barbosa Ferraz foi um rico fazendeiro vindo de São

Paulo para a região denominada norte Pioneiro do Paraná no início do século XX.

Antonio Barbosa Ferraz Junior, segundo consta na biografia escrita por seu

filho Bráulio Barbosa Ferraz, nasceu no dia 10 de junho de 1863 em Rio Claro / SP.

Filho de Antonio Barbosa Ferraz e Ambrosina Ferraz de Campos, viveu sua infância em

Rio Claro e Piracicaba / SP. Foi realizar seus estudos na cidade de Campinas, em um

colégio chamado “Culto às Ciências”, de onde retorna antes de concluir para ser o

administrador de seu pai na fazenda Pitanga, na cidade de Rio Claro.

O texto dá um salto chegando ao ano de 1887, quando Antonio Barbosa Ferraz

Junior é “atraído para Ribeirão Preto, então Boca de Sertão”. Segundo o autor da

biografia, Antonio estava procurando um negócio, encontrando em Sertãozinho uma

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fazenda já iniciada. Como não dispunha de toda a quantia em dinheiro necessária, teve

que emprestar de um tio de sua esposa, José Amancio da Silveira, “que não relutou em

emprestar-lhe 50 contos de réis”, o qual deu como entrada, ficando devendo 50 contos

de réis que seriam pagos a prazo ao dono da fazenda. Para as despesas da viagem e

mudança com a esposa e seus filhos, Antonio vendeu todos os bens que tinha adquirido

até então, perfazendo um total de 14 contos de réis.

Os “frutos de seu esforço” logo vieram. Mais um salto e estamos em 1892 e,

Antonio Barbosa Ferraz Junior já adquiriu mais duas fazendas, uma em Ribeirão Preto e

a outra na cidade de Cravinhos. Sua influência e autoridade cresceram junto com suas

fazendas, pois, segundo o texto, este era “muito acatado e respeitado em toda a

redondeza”, o que fez com que, ainda em 1892 participasse de um movimento orientado

por Cerqueira Cezar na deposição de Américo Brasiliense. O grupo era composto pelo

“senador José Alves Guimarães, Antonio Barbosa Ferraz Junior, Arthur Diederickson,

Flaviano Ferreira Leite, Francisco Augusto Cezar e outros que ocuparam a cidade de

Ribeirão Preto”. Feito isso, Antonio B. F. Junior, Major Barboza, como era chamado,

foi nomeado delegado da cidade.

Os elogios e exaltações à figura de Antonio não cessam nas linhas que se

seguem, mostra da tentativa do autor de delinear uma história de vida “vencedora”,

cujas características se remeteriam ao digno “pioneiro”. O autor, cuidadosamente,

escolhe mais um: o dito pelo coronel Schmidt, conhecido como Rei do Café: “é o

melhor lavrador que conheço, só tem um defeito, é muito obreiro demais”. Em seguida

é narrado o contato de Antonio Barbosa Ferraz Junior com as terras do norte do Paraná.

Neste parágrafo consta o discurso construído e perpetuado durante tanto tempo referente

ao “vazio demográfico”, “mata virgem” e o “Eldorado”.

Em 1910, segundo nossa fonte biográfica, Antonio comprou uma área de

diversos proprietários (cujos nomes não constam nesta biografia). Contratou alguns

colonos de Ribeirão Preto para realizarem a derrubada da mata e plantarem 105 mil pés

de café. No ano seguinte “incorporou” a área mais alqueires, totalizando 2.582 alqueires

paulistas de 24.200 metros quadrados, nos quais foram plantados os cafezais, construído

as colônias, serraria, oficina e olaria.

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As plantações começaram a produzir, segundo o autor, em 1915 e, em 1917 os

primeiros 105 mil pés plantados alcançaram 420 mil arrobas. Diante de tal resultado,

Antonio preferiu por vender todas as fazendas em Ribeirão Preto e ficar definitivamente

no norte do Paraná.

A biografia é uma mostra do discurso que se instaurou sobre a figura do

“pioneiro”. As grandes fazendas de café também ganham destaque importante, como a

descrição que Bráulio Barbosa Ferraz faz sobre a fazenda Água do Bugre, primeira

fazenda de Antonio Barbosa Ferraz Junior no norte do Paraná. Segundo o autor,

Antonio:

“Foi muito feliz na sua realização, pois a Fazenda Água do Bugre,

como era conhecida, teve fama de modelo, sendo visitada por muitos

homens eminentes do Brasil e principalmente estrangeiros ilustres que

nossos governos enviavam para que conhecessem uma fazenda de

café.”

Em 1923 foi criado o município de Cambará, tendo como primeiro prefeito

Antonio Barbosa Ferraz Junior. Antonio criou também (o ano não consta), junto com

alguns amigos – proprietários de terras no norte do Paraná – a Companhia Ferroviária

Norte do Paraná, cujo objetivo era construir uma estrada de ferro ligando Ourinhos à

Guaíra, na fronteira do Paraguai. A Companhia, entretanto, não conseguiu cumprir com

suas metas, construindo apenas o trecho Ourinhos – Cambará.

Esta companhia foi comprada pelos ingleses, já que seus assessores não

possuíam condições financeiras para continuarem com seus projetos. Segundo Bráulio:

“O pioneiro paulista que chegara ao Paraná, já maduro e realizado, se

tinha integrado de tal forma com essa nova terra que, vindo a saber

que um grupo de ingleses chefiado por Lord Lovat estava inclinado a

comprar terras na zona Noroeste de São Paulo, hospedou-o na fazenda

Água do Bugre e mostrou-lhe a vantagem que oferecia essa nova

Canaan. O resultado foi a compra de muitas centenas de milhares de

alqueires nas bacias do Paranapanema, do Tibagi e Piquiri, tudo no

estado do Paraná. Posteriormente, este grupo adquiriu o controle da

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Cia. Ferroviária do Paraná, com a compra de quase totalidade das

ações e em poucos anos levou trilhos até Maringá, próspera e

importante cidade do norte do Paraná”.

Outros feitos são elencados à atuação de Antonio Barbosa Ferraz Junior, como

a construção de uma usina hidroelétrica, em 1926, no Paranapanema. As linhas de

transmissão foram levadas primeiramente à fazenda Água do Bugre, dotando,

posteriormente, a cidade de Cambará de energia elétrica.

A Fazenda das Antas fora construída a partir dos anos de 1922, em terras que

pertenciam à cidade de Cambará, pois neste período a Vila Ingá (futura Andirá) era

distrito de Cambará. Sua separação se dará apenas em 1944. Em 1928, Bráulio Barbosa

Ferraz, filho de Antônio Barbosa Ferraz Junior, juntamente com sua esposa e filhos,

mudam-se da fazenda Água do Bugre para a fazenda das Antas.

Com o falecimento da esposa de Antônio Barbosa Ferraz Junior no ano de

1932, seu filho, Bráulio B. Ferraz, troca com seu pai parte da herança que lhe coube,

optando por ficar com a fazenda das Antas, em Andirá1.

A Cia Agrícola Barbosa Ferraz - como foi visto a partir da leitura da biografia

e de parte de um livro encontrado na fazenda das Antas que contém um pequeno resumo

das grandes fazendas do estado de São Paulo (e que, pela localização desta Cia na

fronteira com São Paulo e seus donos serem deste estado, a Cia foi colocada neste

mesmo livro) -, diz que a fundação da Cia Agrícola Barbosa Ferraz se deu em 1922,

momento este em que, já com a fazenda em Cambará inicia-se a construção da fazenda

das Antas, uma associação entre o pai e seus filhos, a saber: Leovigildo Barbosa Ferraz,

diretor gerente da Cia, Bráulio Barbosa Ferraz, diretor secretário e Antônio Barbosa

Ferraz Junior, presidente. Antônio Barbosa Ferraz Junior faleceu em 1945 com 82 anos.

Quanto ao fim da Cia Agrícola Barbosa Ferraz,- em conversa com Regina

Kinker, neta do fundador da Cia, acrescentado da leitura de sua entrevista ao livro

“Andirá no cinquentenário de seu Rotary Club” -, com a morte de Antônio Barbosa

Ferraz Junior e a repartição das fazendas, seu pai ficou com a fazenda das Antas e seu

1 Em 1928, segundo informações concedidas por Regina Barbosa Ferraz Kinker,neta do fundador da Cia e filha de Braúlio Barbosa, fora construída em 5 alqueires doados por seu pai, a estação ferroviária. Neste local, Bráulio loteou alguns alqueires seus e os pôs à venda, formando assim, aos arredores da estação uma vila, que ficou conhecida como Vila Ingá.

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tio, Leovigildo, com a Fazenda Ubá. A partir de então cada um administrou a sua sem

ligação alguma com a outra, ou seja, sem uma Cia. Leovigildo criou a Sociedade

Territorial Ubá Ltda, e, quanto a parte que coube a Bráulio, em 1975 ele criou a

Sociedade Agrícola Fazenda das Antas Ltda, tendo como sócios seus quatro filhos:

Anna, Sylvia, Mário e Regina. No decorrer dos anos, as cotas desta sociedade

pertencentes às filhas foram sendo vendidas ao irmão Mário, que em 1996 adquire a

totalidade da mesma. Hoje esta sociedade é administrada unicamente pelo filho de

Mário, Antônio Barbosa Ferraz.

Como se percebeu, a pequena biografia tem o objetivo de contar uma história

de vida “vencedora”, “exemplar”, de um dos “responsáveis” pela (re) ocupação de uma

área até então vista como um lugar de vazio demográfico, de mata virgem e, portanto,

improdutiva segundo o sistema capitalista.

Escritos de si: as fotografias

O álbum referente à fazenda das Antas é de autoria de Bráulio Barbosa Ferraz,

tendo sido este também o seu fotógrafo2. Este é constituído de 41 fotos, inseridas em um

espaço temporal entre 1922 e 1937. Percebe-se que o atual álbum foi reorganizado após

algum tempo, visto que as legendas contidas nas páginas são cópias do que já estava

escrito no verso das fotografias.

A primeira página contém quatro fotos. A primeira tem como legenda “A

derrubada”. Seu conteúdo se refere a um vasto terreno limpo, tendo ao centro algumas

árvores cortadas agrupadas. Bem ao fundo, distante aos olhos, encontra-se uma vasta

“parede de árvores”, sugerindo o ponto que se inicia a mata ainda fechada esperando

por ser limpa. A segunda, “Construindo a colônia”, nos mostra o mesmo terreno da

imagem anterior, onde se encontra algumas casas em fase de construção. Ainda temos

ao fundo, entretanto não tão distante como na fotografia anterior, o “paredão de

árvores”, representando o que ainda resta de mata a ser derrubada. A terceira, por sua

vez, “Turma de alinhamento”, nos mostra seis trabalhadores em pé sobre um tronco

muito grosso que fora cortado e está caído sobre o chão. Na foto, os trabalhadores

2 Em uma visita que realizamos à fazenda das Antas, no final do ano de 2015, após longa conversa, perguntamos se a senhora Regina saberia quem havia sido o fotógrafo das fotos presentes no álbum referente à construção da fazenda das Antas. Em resposta, ela nos disse se lembrar de que seu pai possuía uma máquina fotográfica e que, na maioria das vezes, era ele quem fotografava.

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posam segurando suas ferramentas de trabalho nas mãos (enxadas). Já na quarta, “Casa

de colono”, temos uma casa da colônia já pronta, com algumas árvores caídas do lado

direito, e bem distante, ao fundo, o “paredão de árvores” já citado.

Pode-se notar, portanto, que as quatro primeiras imagens do álbum e a forma

como foram organizadas, apresentam uma história linear, a do pioneiro que chegou em

“terras virgens” e a explorou, construindo uma colônia, isto é, povoando o lugar,

trazendo o progresso e a civilização.

Ao continuar folheando o álbum, na segunda página temos uma fotografia

apenas, sem legenda, mas que sabemos3, se refere à primeira casa de colono com seus

primeiros moradores. Esta foto tem como destaque a frente de uma casa, em que se vê

uma pequena janela e a porta. Sobre a escada que dá acesso à porta se encontra um

casal: a mulher, com um vestido abaixo dos joelhos, avental e sapatos, segurando uma

criança no colo. No degrau abaixo, encontra-se um homem, de aspecto mais velho do

que a mulher e mais moreno do que esta. Está vestido com calça, camiseta e camisa,

botas de cano longo e um chapéu. Tem na mão esquerda um saco. A imagem representa

o ideal de família, trabalhadora, cujos frutos de seu serviço propiciaria o progresso para

essas terras até então improdutíveis.

As fotos seguintes do álbum, para a análise que estamos empreendendo, foram

divididas por temas. Uma das temáticas abordadas nas fotografias de Bráulio Barbosa

Ferraz é o “cafezal”. Este é fotografado em diferentes estágios, mostrando as ruas de

café plantadas nos espaços que já foram limpos e ao fundo, novamente, o que resta de

mata por ser derrubada. Uma fotografia tem como imagem um único pé de café , com o

propósito de mostrar como estes eram formosos, além de uma outra, com um olhar mais

selecionado, focando um único galho, que, no momento, está florido.

A “residência” também foi escolhida como cenário para 6 fotografias cujas

imagens focam as dependências da casa. Nestas, o fotógrafo selecionou o melhor ângulo

a fim de deixar a casa com um aspecto ainda maior. Mesmo nestas, também se percebe

ao fundo a faixa de terras que ainda não foram limpas, ou seja, com vasta mata ainda a

espera de ser derrubada.

3 Na primeira vez que vimos estas fotografias (março de 2014) junto com a dona Regina, ela foi descrevendo as fotos e, no caso da segunda página onde a fotografia não contém legenda, ela disse que esta se referia a primeira casa de colono com seus primeiros moradores.

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Podemos aferir também dentre as cenas escolhidas para serem retratadas,

alguns momentos de “lazer” vividos pela família Barbosa Ferraz. Em uma delas, a

imagem é da família completa, Aracy, esposa de Bráulio Barbosa Ferraz, juntamente

com seus quatro filhos: Ana Maria, Regina, Mário e Sílvia, e mais uma mulher não

identificada, estão posando para a foto no gramado da residência. Todos na foto, exceto

Aracy, estão vestidos com roupas claras. Nota-se ao fundo outra pessoa não identificada

também. Os semblantes das pessoas são alegres, o que nos faz lembrar da afirmação de

Regina Barbosa Ferraz Kinker, em sua entrevista ao livro escrito pelo Rotary Club de

Andirá, “Andirá no cinquentenário de seu Rotary Club”, de que “os melhores momentos

de Aracy e Bráulio foram vividos em Andirá”, complementando assim, o que

percebemos ter sido desejado mostrar com esta foto.

Nas outras, temos Aracy com mais algumas pessoas jogando tênis na quadra da

fazenda, e ainda uma de várias crianças e jovens na piscina. Todas reafirmando

momentos felizes que a família pode desfrutar na fazenda das Antas que, diferente de

tantas outras, contava com um amplo conjunto de atividades que proporcionavam o

lazer dos proprietários.

Já no final do álbum, temos duas fotografias, uma referente ao “campo de

viação”, em que é retratado um pequeno avião de perfil, com três pessoas na frente em

um campo aberto, possivelmente o local em que existia a pista de voo, e a outra,

representando a vista aérea da fazenda, com a colônia maior bem nítida e uma vastidão

de terras que se perdem de vista.

Partindo para o outro álbum, temos o referente à fazenda Água do Bugre,

localizada na cidade de Cambará. Diferente do álbum da fazenda das Antas, não se sabe

a identidade do fotógrafo. O álbum contêm 37 fotografias. De todo o montante, 34 fotos

foram tiradas entre os anos de 1922 a 1926 (as que retratam a construção da hidrelétrica

de Paranapanema), e as 3 restantes, se referem a soldados que lutaram na revolução de

19304.

4 Mesmo que este álbum (com exceção da primeira foto que contêm legenda), não contenha legendas abaixo de cada fotografia, em março de 2014, em visita à fazenda das Antas, ao olhar este álbum pela primeira vez junto com a senhora Regina, ela nos disse que as fotos foram tiradas em 1922. As que se referem à construção da hidrelétrica em Paranapanema, foram tiradas por volta de 1926. Por fim, as três últimas fotografias de soldados, segundo a senhora Regina, são do ano de 1930, em que alguns

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No momento que as fotos foram tiradas a fazenda Água do Bugre já estava em

pleno funcionamento, com seus pés de café já formados (não sabemos com quantos

anos), com vários trabalhadores, etc. As fotografias foram tiradas em um plano que deu

destaque a cada item selecionado para ser fotografado. Observa-se que o fotógrafo

procurou o melhor ângulo para ser exibido. O intuito seria, a nosso ver, o de criar um

álbum de “propaganda” da fazenda, que servisse de mostra a quem quisesse conhecê-la

melhor.

Como feito com o álbum sobre a fazenda das Antas, para a realização da

análise destas fotos, separamo-las por temáticas. De início temos a única foto com

legenda, e que, portanto, nos permitiu saber o ano que as demais foram tiradas5. A

imagem exibe a “residência”, cuja posição se encontra um tanto na diagonal com o

intuito de mostrar o máximo de sua extensão. Foi privilegiada a vista da grande

varanda, dando um ar de aconchego para a casa.

Outra fotografia também foi agrupada nesta temática, a saber, a que nos mostra

o primeiro rancho6 construído na fazenda Água do Bugre, anterior a residência mostrada

no início do álbum. A imagem, por ser mais antiga, assemelha-se mais com uma

gravura e representa a pequena casa construída de madeira, com telhado de apenas duas

águas, bem diferente da grandeza e beleza da casa mostrada na primeira fotografia. Isso

nos leva a acreditar que esta fotografia se encontra no álbum justamente para

demonstrar o crescimento que estes fazendeiros tiveram ao longo dos anos no norte do

Paraná, e que, o café, lhes proporcionou enriquecimento e portanto, terem uma casa

muito melhor.

Como tema também explorado no álbum, temos algumas fotografias sobre o

“cafezal”. Nestas, o olhar do fotógrafo se delimitou a mostrar a vastidão das plantações,

com as várias ruas de café e seus infinitos pés que se perdem na imensidão encontrando-

se com a linha do horizonte ao fundo, como se as plantações não tivessem fim.

Com destaque importante, como mostra da propaganda que se pretendia fazer

da fazenda Água do Bugre, temos várias fotos de “pés de café”, em que o foco é

homens, juntamente com seu pai, Bráulio Barbosa Ferraz, foram destacados para lutarem na Revolução de 1930. 5 E contando também com a ajuda da senhora Regina Barbosa Ferraz Kinker. 6 Com toda certeza esta imagem é anterior a 1922, todavia, não sabemos a data que a fotografia foi tirada.

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mostrar o tamanho desses pés, sinal da fertilidade do solo. Várias são as fotos em que se

comparam o tamanho destes pés com o dos trabalhadores, que, para realizarem a

colheita, necessitavam subir em escadas dado a altura dos pés de café.

A “colônia” também foi escolhida para ser retratada. Nas imagens em que esta

foi representada, o fotógrafo está acima do nível destas. Isto faz com que, ao se tirar a

foto de cima e mais distante, estas também pareçam maiores. Tudo a fim de fazer a

propaganda da fazenda que contava com uma colônia grande, capaz de abrigar muitas

famílias que desfrutariam de uma habitação de “qualidade”.

Duas únicas fotos, mas de grande destaque, são as que retratam a “escola”.

Uma representa em primeiro plano a escola do lado de fora e, nota-se, sua arquitetura

nos remete a imigração japonesa, visto que esta fazenda recebeu um grande contingente

de japoneses, e, pela fotografia, concluímos que foram estes quem a construiu. A outra

fotografia representa o interior da sala de aula, que mostra a professora ao fundo e,

divididos entre as três fileiras de carteiras, sentados de dois em dois, por volta de 23

crianças.

Completando a propaganda que se queria fazer sobre a fazenda, não poderiam

faltar algumas fotografias referentes à construção da “hidrelétrica no Paranapanema”

e que, como também visto na biografia já analisada, foi realizado por Antonio Barbosa

Ferraz Junior, celebrada por Bráulio quando este escreveu a biografia. As imagens nos

mostram os trabalhadores na construção desta hidrelétrica, o terreno já limpo, muita

madeira cortada e agrupada e os primeiros equipamentos elétricos já montados.

Por fim, temos as três fotografias dos “soldados” que lutaram na revolução de

1930. Na primeira temos três homens armados posando para a foto em que um deles

finge estar atirando (com pose descontraída). Já na segunda temos um grupo maior, com

21 homens em linha ao fundo e 3 mais a frente em destaque. Na última, temos um grupo

de 17 homens posando para a foto tendo ao fundo a bandeira do Brasil.

Após a análise destes dois álbuns, podemos perceber as intenções de seus

fotógrafos por detrás das imagens. O da fazenda das Antas busca contar, como na

biografia, uma história de vida “vencedora” a partir da construção da fazenda. Nota-se

apenas aspectos que dão a ela o adjetivo de terra “fértil”, “produtiva”, e de lugar “bom

para se viver”. Já o da fazenda Água do Bugre, em total funcionamento no momento das

Page 13: PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA DA … · que emprestar de um tio de sua esposa, José Amancio da Silveira, “que não relutou em emprestar-lhe 50 contos de réis”, o

fotos, buscou propagandear o “sucesso” que ela era, a servir de “modelo” para quem

quisesse conhecer uma fazenda de café, nas palavras de Bráulio Barbosa Ferraz.

Considerações finais

Estamos vivendo um momento de reflexão e revisão acerca da historiografia

que se consolidou a respeito da (re) ocupação da região norte do estado do Paraná.

Buscamos, a partir deste artigo, analisar parte do acervo da Companhia Agrícola

Barbosa Ferraz, proprietária das duas fazendas estudadas aqui, Antas e Água do Bugre,

não tomando como verdade absoluta seus documentos, mas questionando-os à luz

dessas novas questões propostas pelos recentes debates e trabalhos.

Ao preservar a documentação referente à Cia Agrícola Barbosa Ferraz, ato

concretizado com a doação que a senhora Regina Barbosa Ferraz Kinker fez ao Centro

de Documentação da Universidade Estadual do Norte do Paraná, em novembro de 2015,

buscamos disponibilizar esta vasta documentação sobre a região com o intuito de que

outros trabalhos sobre o tema sejam realizados e venham enriquecer o debate e a

desconstrução do discurso da “mata virgem”, “do vazio demográfico” e o de

“pioneiros”.

Referências

ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSK, Carla Bassanezi.

(organizadora). Fontes Históricas. São Paulo : Contexto, 2005, p. 1555-202.

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo:

Ateliê Editorial, 2000.

TOMAZI, Nelson Dacio. Construções e silêncios sobre a (re) ocupação da região

norte do estado do Paraná. In: DIAS, Reginaldo Benedito; GONÇALVES, José

Henrique Rollo (orgs). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional.

Maringá : EDUEM, 1999. P. 51-85.