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PREPARAÇÃO PARA A APOSENTADORIA: DESAFIOS A ENFRENTAR Lucia França •• INTRODUÇÃO Quando o editor desta coletânea me convidou para escrever sobre a importância dos programas de preparação para a aposentadoria, vi uma razão a mais para registrar todas as reflexões armazenadas e colocadas nos projetos, cursos e seminários que promovi nesta área durante o período de 1986 a 1995. Este tema me sensibiliza há algum tempo. Não só pelo fato de ter tido um pai apaixonado pelo trabalho que faleceu com apenas 53 anos, no dia seguinte à sua aposentadoria, mas por eu mesma estar próxima da experiência de uma aposentadoria precoce. Em 1995 decidi viver uma outra realidade exatamente no auge do que seria a minha melhor fase produtiva. Durante estes três anos dividi minha vida entre o Brasil, a Malásia e a Nova Zelândia e aprendi como conviver com culturas tão diversas. Percebi que quanto maior é a nossa experiência, principalmente a relacionada aos atos mecânicos, mais difícil é mudar. Aprender neste caso requer uma boa dose de concentração, paciência consigo mesmo e uma resistência maior à frustração de que não se irá conseguir o que se espera tão rápido. Entretanto, não serão estas algumas das características esperadas dos mais velhos? Apesar do desafio e da satisfação que o mudar e o aprender envolvem, senti falta do meu antigo trabalho e dos relacionamentos sistemáticos que ele envolvia. Senti Capítulo publicado no livro “Terceira Idade: Alternativas para uma sociedade em transição” organizado por Renato Veras, Editora Relume Dumará/UnATI - 1999 •• Psicologa, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade de Auckland, P2/30 York Street – Parnell – Auckland – New Zealand - e.mail [email protected] Page 1 of 24

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PREPARAÇÃO PARA A APOSENTADORIA: DESAFIOS A ENFRENTAR•

Lucia França••

INTRODUÇÃO

Quando o editor desta coletânea me convidou para escrever sobre a importância

dos programas de preparação para a aposentadoria, vi uma razão a mais para registrar todas

as reflexões armazenadas e colocadas nos projetos, cursos e seminários que promovi nesta

área durante o período de 1986 a 1995.

Este tema me sensibiliza há algum tempo. Não só pelo fato de ter tido um pai

apaixonado pelo trabalho que faleceu com apenas 53 anos, no dia seguinte à sua

aposentadoria, mas por eu mesma estar próxima da experiência de uma aposentadoria

precoce.

Em 1995 decidi viver uma outra realidade exatamente no auge do que seria a

minha melhor fase produtiva. Durante estes três anos dividi minha vida entre o Brasil, a

Malásia e a Nova Zelândia e aprendi como conviver com culturas tão diversas. Percebi que

quanto maior é a nossa experiência, principalmente a relacionada aos atos mecânicos, mais

difícil é mudar. Aprender neste caso requer uma boa dose de concentração, paciência

consigo mesmo e uma resistência maior à frustração de que não se irá conseguir o que se

espera tão rápido. Entretanto, não serão estas algumas das características esperadas dos

mais velhos?

Apesar do desafio e da satisfação que o mudar e o aprender envolvem, senti falta

do meu antigo trabalho e dos relacionamentos sistemáticos que ele envolvia. Senti

• Capítulo publicado no livro “Terceira Idade: Alternativas para uma sociedade em transição” organizado por Renato Veras, Editora Relume Dumará/UnATI - 1999 •• Psicologa, doutoranda em Psicologia Social pela Universidade de Auckland, P2/30 York Street – Parnell – Auckland – New Zealand - e.mail [email protected]

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principalmente a falta da importância que tinha perante a mim e diante do que acreditava

poder transformar. Este era o maior valor do meu trabalho.

Por diversas vezes a perda da minha rotina me fez parecer inadequada e me

lembrei da situação de alguns aposentados. No meu caso, sou privilegiada pois pude

escolher, tentar e posso voltar atrás. Certamente muitos não têm a mesma sorte para poder

decidir o que fazer.

Não é possível analisar a aposentadoria no Brasil sem situá-la nos diferentes

segmentos da sociedade, abrangendo desde o governo, as empresas, as escolas e outras

instituições da comunidade até a relação do trabalhador com o trabalho, considerando seu

script de vida. Certamente iremos nos deparar com muitas contradições e desigualdades

que lamentavelmente levarão alguns anos para serem resolvidas, mas que sem dúvida

podem ser solucionadas se cada segmento da sociedade participar e assumir sua

responsabilidade em função do bem-estar coletivo.

A SITUACÃO ECONÔMICA E AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO

Aposentadoria significa a saída de um trabalho regular e, normalmente, o termo

está associado à idade. Entretanto, ser jovem ou velho para o trabalho não diz respeito

apenas a uma avaliação da capacidade física, mental ou psicológica para o trabalho, mas

também vai depender dos contextos demográfico, histórico, sociocultural, econômico e

político nos quais o trabalhador está inserido. Muitos se aposentam bem jovens e outros

falecem antes de se aposentarem. Alguns têm a possibilidade da livre escolha, outros são

escolhidos e muitos temem este momento e suas conseqüências no futuro.

Aposentadoria é um fato social novo pois só a partir do século XX a maioria da

população assalariada no mundo inteiro passou a contar com a proteção da Previdência

Social. No Brasil, foi a classe operária, a exemplo do ocorreu na Europa e nos EUA, que

liderou no início do século e nos anos 20 a luta pela proteção do velho operário, dando

origem a movimentos em favor da criação das Caixas e Institutos e da legislação

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previdenciária. Magalhães (1989) observa que, na época, a preocupação era a defesa e o

amparo financeiro dos mais velhos; mas as lutas não chegaram a ter como alvo a “vida

após o trabalho”.

Em termos de valor, as aposentadorias atuais recebidas da Previdência, pelos

trabalhadores do setor privado, variam de um até o limite máximo de dez salários mínimos.

Já no setor público, os políticos e alguns funcionários se encontram em situações

diferenciadas, recebendo aposentadorias com valores bem acima do teto estabelecido pelo

governo.

Tendo em vista os proventos da aposentadoria serem em alguns casos menores que

os salários recebidos pelos trabalhadores quando empregados, grandes empresas

inauguraram os primeiros planos de complementação de aposentadoria, os famosos fundos

de pensão. Isto ocorreu há cerca de 20 anos e se constitui até os dias de hoje numa

poupança extra para alguns trabalhadores.

Atualmente, muitos bancos oferecem planos de previdência privada, mas esta

prática ainda não é comum para os brasileiros que não têm o hábito de planejar suas vidas

para um futuro que lhes parece tão distante. Esta falta de planejamento talvez tenha sido

causada pela alta inflação presente na vida dos brasileiros, o que, durante muitos anos,

provocou um sentimento de consumo imediato e de viver mais a realidade do aqui e agora.

Além disto, muitos trabalhadores não possuíam condições de economizar já que sua renda

sequer garantia a sobrevivência. Apesar de a economia estar mais estabilizada, para alguns

o futuro ainda parece ser algo improvável.

A aposentadoria torna-se mais polêmica quando verificamos o rendimento mensal

dos chefes de família com 60 anos ou mais. De acordo com os dados do IBGE no censo

demográfico de 1991, 63% dos chefes de domicílio, homens com 60 anos ou mais,

recebiam até três salários mínimos. Este percentual é ainda mais alto no caso das mulheres

(74,5%).

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Seja para homens ou para mulheres o empobrecimento é mais acentuado quando

se trata dos trabalhadores informais que não contribuem para a Previdência. Apesar de o

governo garantir o salário mínimo para pessoas acima de 70 anos que não tenham fonte de

renda, será que elas conseguirão sobreviver até serem amparadas pelo governo?

No caso das mulheres a situação se agrava quando é considerado o fator educação.

Segundo dados do IBGE, em 1993, 40% dos homens e 48% das mulheres com 65 anos ou

mais declararam-se analfabetos. Entre aqueles que conseguiram chegar às escolas, apenas

50% puderam completar o curso primário. Sennott-Miller (1990), analisando especialmente

a situação da mulher latino-americana, assinala que “em geral as mulheres mais velhas têm

menos educação e aptidões do que as mais novas, e poucas trabalharam em empregos que

assegurem o direito ao seguro social ou a reforma. Se trabalham na indústria ou na

agricultura, à medida que envelhecem podem ver-se substituídas por trabalhadoras mais

jovens, com mais instrução e mais dóceis”.

Entretanto, mesmo com tantas dificuldades e concessões, acostumadas a

desempenhar tantos papéis, a sofrer tantas perdas, a receber salários mais baixos, parece

que as mulheres criaram uma imunidade física e “emocional” que as tornam mais

resistentes às situações adversas.

As mulheres no mundo inteiro vivem mais e no caso das brasileiras vivem

atualmente seis anos a mais do que os homens. Com efeito, os dados do IBGE demonstram

que a esperança de vida ao nascer, para o ano 2000, é de 68 anos, sendo 65 anos para os

homens e 71 anos para as mulheres, e no ano 2020 será de 75 anos, sendo 72 anos para os

homens e 78 anos para as mulheres.

De acordo com as hipóteses apontadas nos trabalhos de Veras (1994) e Bonita

(1993), as mulheres vivem mais não só em função de fatores biológicos e genéticos

habituais, mas porque são menos propensas a riscos de acidentes em geral, consomem

menos tabaco e álcool, têm maior consciência dos seus sintomas, doenças e procuram mais

os serviços de saúde. Além disto, o nível da mortalidade materna diminuiu em função do

aumento do atendimento médico-obstétrico.

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Em parte estas hipóteses tendem a ser evidenciadas devido ao aspecto

comportamental da mulher em relação à sua maior adpatação às mudanças. Normalmente a

mulher se comunica mais, é mais sociável e externa com maior facilidade suas emoções.

Entretanto, Veras (1994), em seu estudo com a população idosa em três bairros da cidade

do Rio de Janeiro, observou que apesar das mulheres viverem mais, a proporção de

depressão e de deficiências físicas e cognitivas foi maior entre elas do que entre os homens.

Segundo Sennott-Miller (1990), as mulheres poderiam viver melhor se lhes fossem

garantidas duas situações: a segurança financeira e a igualdade de acesso aos recursos e

direitos que os homens gozam.

Existe ainda uma tendência das mulheres de se tornarem as responsáveis pelos

idosos da família, ao mesmo tempo em que se dedicam aos seus próprios filhos e netos e,

em alguns casos, ao trabalho formal e informal. De acordo com um levantamento realizado

pela American Association of Retired Persons (AARP) – Associação Americana de

Aposentados – 75% das pessoas que tomam conta de parentes mais velhos são esposas,

filhas e noras. Cerca de 40% têm ainda filhos em casa ( O Globo, 1992).

Outro fator que pode influenciar na decisão de se aposentar é que, em alguns

casos, ela coincide com o início da vida universitária dos filhos. E muitos pais ficam com

receio de se aposentar, porque a aposentadoria diminuiria a sua receita, o que afetaria a

ajuda que poderiam prestar aos filhos.

O final da década de 1980 foi marcado por uma pressão da competição

internacional com uma reestruturação nas empresas que envolveu a redução do número de

postos de trabalho, a descentralização da produção através do uso de empresas

subcontratadas, o congelamento nas admissões e o uso de aposentadorias antecipadas.

Os planos de aposentadoria incentivada agradavam não só às empresas, como

também aos trabalhadores que viram a possibilidade de receber um benefício em dinheiro,

que poderia ser utilizado na abertura de um negócio, construção ou reforma de casa própria

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e outras aplicações financeiras. Embora não haja muitos dados sobre a vida destes jovens

aposentados, tal medida deve ter provocado uma mudança tanto em relação às empresas,

que ficaram sem a sua mão-de-obra experiente, quanto em relação ao governo que se

deparou com um contingente de pessoas muito maior para sustentar.

Cabe aqui assinalar que a tendência das aposentadorias antecipadas foi muito

similar ao que aconteceu há algum tempo e continua a acontecer nos Estados Unidos,

distinguindo-se, entretanto, por duas diferenças: a economia americana é a maior do mundo

e sua taxa de desemprego, atualmente, 4%. Ou seja, além do aposentado americano ter

melhor condição financeira, existe um mercado de trabalho que pode absorvê-lo, caso

deseje continuar a trabalhar.

Ainda assim, no final de 1991 e início de 1992, quando a economia americana

estava recessionária, e exatamente por conta da ausência de mão-de-obra especializada e

perda de know-how, houve uma mudança na postura das empresas em relação à contratação

de mão-de-obra mais velha oriunda ou não das próprias empresas. Credibilidade,

confiabilidade, know-how e experiência qualificada eram as qualidades mais valorizadas

pelos profissionais de recursos humanos na contratação e manutenção dos trabalhadores

mais velhos (Hirshorn 1994).

Na Europa, muitos trabalhadores também estão se aposentando antecipadamente.

As últimas pesquisas do Serviço de Informações de Renda (Income Data Services)

divulgadas no The Telegraph (junho de 1998) mostram que nas grandes empresas, 70% dos

aposentados estão se aposentando antes de completar 60 anos. No caso da Inglaterra, mais

de 33% das pessoas acima de 55 anos ainda participam da força de trabalho, enquanto na

França e Alemanha esta percentagem é menor que 20%.

Mesmo na Inglaterra, onde a economia apresenta excelentes patamares, há

também ambivalências em relação à aposentadoria. “Enquanto muitos executivos se

aposentam com dois terços dos salários e uma indenização, outros se esforçam para

encontrar uma vida com sentido agradável e ao mesmo tempo ter condições financeiras

para pagá-la.”. Uma pesquisa realizada pela Eagle Star mostrou que a maioria das pessoas

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que estão para se aposentar prefeririam não estar nesta situação (The Telegraph, junho de

1998). Muitos não gostam da idéia de serem afastados da empresa e mais de 50% não têm o

padrão de vida que gostariam de ter.

Na Nova Zelândia,1 as grandes organizações, como a companhia telefônica

Telecom New Zealand, também adotam o incentivo à aposentadoria. Como nos Estados

Unidos, a maioria dos trabalhadores tem poupanças exclusivas para seu futuro e não é

incomum ver o jovem neozelandês discutindo seus programas de investimentos financeiros

para a aposentadoria. Algumas grandes empresas possuem um fundo de complementação às

aposentadorias, constituído por uma contribuição de 6% do salário do trabalhador e 6% da

empresa. Isto atende à finalidade complementar para alguns aposentados, pois o governo

neozelandês paga uma pensão, que é igual para todos, a partir dos 62 anos para as mulheres

e 65 anos para os homens, independentemente do salário que anteriormente recebiam.

Mesmo as donas-de-casa, sem o emprego formal, têm direito a aposentadoria com igual

valor.

Diante destes exemplos é importante assinalar que o que acontece em outras

realidades, nem sempre se adapta ao modelo brasileiro mas pode fornecer idéias para o

governo e as empresas em possíveis reestruturações da previdência social. Ao avaliarmos

as aposentadorias e os seus programas em outros países, é preciso ainda ponderar sobre as

diferenças econômicas, em grande parte favorecidas pelas condições políticas e históricas e

também pelas influências culturais e comportamentais de cada povo.

Diante do fato de a população economicamente ativa brasileira (15 a 59 anos) não

aumentar proporcionalmente em relação à população idosa (60 anos ou mais), o governo se

viu diante da possibilidade de não dispor de recursos suficientes para custear o número

crescente de aposentados. Sendo assim, 1998 está sendo o ano da reforma da Previdência e

tudo indica que tais modificações não irão trazer benefícios imediatos para os atuais

1 Os trabalhadores neozelandeses descontam apenas o imposto de renda, enquanto que as empresas contribuem para o seguro de acidentes. O empregado custa à empresa praticamente o custo real dele. Além disto, ela não tem o imposto "invisível" que seria a burocracia dos pagamentos de uma série de encargos trabalhistas que na sociedade brasileira são utilizados para a “proteção ao trabalhador”. A Nova Zelândia é um país parlamentarista, onde cerca de 80% da população tem um padrão de vida de classe média e a atual taxa de desemprego é de 7,5%.

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aposentados. Umas das propostas de mudança da aposentadoria, sustenta que os

trabalhadores deverão ter concomitantemente o tempo de serviço mínimo de 30 anos

(mulheres) e 35 anos (homens), e a idade mínima de 60 e 65 anos, respectivamente.

O governo está lidando com uma série de contradições que envolve desde

aposentadorias indignas a outras supervalorizadas. Por outro lado, a expectativa de vida no

Brasil está aumentando e muitos aposentados que se aposentaram antes dos 50 anos

poderão viver mais tempo de aposentadoria do que durante a vida inteira de trabalho. O que

fazer diante desta realidade?

Provavelmente a questão aposentadoria não será esgotada com a reforma da

Previdência. É preciso iniciar um processo de reflexão e discussão com a participação de

todos os segmentos da sociedade que estejam envolvidos com situações relativas ao

trabalho e à aposentadoria, visando a realização de pesquisas e projetos sobre a situação

dos aposentados, a discussão sobre como viabilizar o pagamento de aposentadorias mais

justas e ao mesmo tempo permitir a continuidade no trabalho aos aposentados que ainda

queiram continuar no mercado de trabalho.

APOSENTADORIA E TRABALHO NO CONTEXTO PSICOLÓGICO

Aposentadoria é um período de lazer ou um retorno ao trabalho como necessidade

de complementação de renda? Qual a importância do projeto de vida e sua reformulação ao

longo dos anos? O que acontece com as pessoas que estão prestes a se aposentar? O que

pensam, o que desejam e como podem continuar ativas se engajando ou mesmo retomando

o seu projeto de vida?

A cada dia, cresce o número de aposentados mais jovens, mas o termo

aposentadoria ainda é confundido com o envelhecimento. Apesar de a psicologia social e

do desenvolvimento apontar poucas mudanças na personalidade e na intelectualidade de

quem envelhece (França, 1989), existem ainda muitos preconceitos em relação ao processo

do envelhecimento e suas modificações. Isto estava contido na velha “teoria do

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desengajamento” que preconizava o afastamento progressivo do indivíduo do seio da

sociedade, usando como instrumento a aposentadoria, e na aceitação desta perda como

providencial para que ele tivesse um tempo maior para suas realizações, uma vez que

estava próximo à morte.

Salgado (1980) lembra que os partidários do desengajamento progressivo

aduziam, como argumento final, a tese de que a morte de um indivíduo engajado é mais

danosa à sociedade e que o mesmo não acontece com o desengajado que já teve sua posição

assumida por outros.

Ao lado de um comportamento altamente utilitário e oportunista da sociedade,

cabe ressaltar que a teoria do desengajamento desprezou questões básicas para o indivíduo,

tais como: a situação econômica deficitária advinda da aposentadoria, a percepção das

relações afetivas constituídas a partir do ambiente de trabalho, a relação com o seu “fazer”

e a manutenção do status quo no próprio sistema produtivo no qual está inserido. Além

disto, com as constantes mudanças demográficas, cada vez é mais difícil dizer quem está

realmente “perto da morte”.

A teoria que se contrapunha à teoria do desengajamento, a “teoria da atividade”,

continha em sua essência a idéia contrária à passividade, mas coadunava com a primeira na

medida em que esperava que a própria sociedade descubrisse atividades alternativas para os

idosos excluídos da produção.

O natural é que essas atividades, alternativas ou não, partam do próprio indivíduo

e principalmente estejam relacionadas com seus desejos. A questão é se o indivíduo ao

longo da vida refletiu sobre seus interesses, motivações e papéis representados. O que

constatamos é que muitas pessoas mantêm-se acomodadas e alienadas diante de seu futuro

(França, 1989).

O afastamento do trabalho provocado pela aposentadoria talvez seja a perda mais

importante da vida social das pessoas, pois ela pode resultar em outras perdas futuras, que

tendem a afetar a sua estrutura psicológica. As conseqüências negativas mais imediatas

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provocadas pela aposentadoria são a diminuição sensível da renda familiar, a ansiedade

frente ao vazio deixado pelo trabalho e o aumento na freqüência de consultas médicas.

Muitos gostam do que fazem, da empresa e/ou das relações sociais mantidas, e não

querem se aposentar. Outros querem se aposentar mas desejariam continuar com uma

atividade profissional. Outros querem realmente parar de trabalhar mas não têm planos

sobre o que fazer após a aposentadoria. Pode existir ainda uma certa euforia que leva

algumas pessoas a dizer que irão realizar vários projetos, mas dificilmente elas saberão

detalhar seus desejos na hora de se aposentar.

Em qualquer situação deve ser analisado o significado do trabalho para quem vai

se aposentar. O trabalho pode ser fonte de prazer ou apenas uma forma de sobrevivência.

Nem todos os trabalhadores tiveram a oportunidade de escolher suas profissões ou mesmo

de ter um trabalho satisfatório. Alguns não puderam dispensar tanto tempo ou dinheiro na

educação; para outros a atividade era determinada por ser a mais prática, rápida e rentável;

e mesmo para aqueles que puderam investir na futura profissão, grande parte pode ter sido

influenciada pela família. Mesmo os jovens de hoje não têm tanta oportunidade de refletir

sobre as profissões, por causa da falta de orientação vocacional e de informações sobre as

necessidades de mão-de-obra na realidade brasileira.

Entretanto, mesmo que a profissão não tenha sido planejada, as pessoas acabam se

adaptando a determinadas situações que estão implícitas no trabalho. O salário em si, o

prazer do próprio “fazer”, o ambiente, o percurso para o trabalho, o status e o poder que

alguns cargos conferem, as relações com os colegas e os clientes, e mesmo o mobiliário e

os equipamentos do trabalho, fazem parte de uma história de vida da qual o indivíduo

muitas vezes não quer se desligar, até porque nem sempre identifica as possibilidades de

substituição. Abdicar de tudo o que o trabalho envolve pode ser muito difícil.

Existem pessoas que constroem toda a sua identidade vinculada apenas a uma área

de interesse: o trabalho. Estas pessoas podem estar, sem querer, construindo uma

aposentadoria difícil. A definição de si próprias e a forma como se apresentam a alguém

ocorrem invariavelmente em função da empresa ou da profissão exercida.

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Parece óbvio que, em alguns casos, a aposentadoria seja uma forma de libertação

de uma atividade que tenha sido desagradável ou insatisfatória e o indivíduo queira

simplesmente descansar ou experimentar uma sensação de liberdade sem rotinas e viver de

“prazer” e “lazer”. Entretanto, as férias não serão de um ou três meses, e o que fazer depois

do descanso? Por outro lado, imaginar que ao se aposentar o tempo livre será voltado

apenas para o lazer pode ser um engano.

Apesar do lazer nem sempre depender do aspecto econômico, algumas atividades

são mais dispendiosas. Além disto, o assalariado normalmente dispende cerca de dez horas

no trabalho e em tudo que ele envolve. Adicionando outras duas horas com as refeições

diárias, duas horas nas tarefas domésticas, uma ou duas horas com a higiene e apresentação

pessoal e ainda mais oito horas de sono, sobra nada ou muito pouco para o lazer.

Dependendo das obrigações familiares e rotinas domésticas, algumas pessoas podem se

dedicar a um hobby, futebol, caminhada, leitura ou cinema nos finais de semana, mas

outros não dispõem da mesma sorte.

Uma vez que o lazer normalmente é um contraponto ao trabalho, mas ao mesmo

tempo uma prática às vezes rara e inatingível para alguns, como as pessoas irão de um dia

para outro substituir a vida de obrigações por uma vida de lazer?

Mesmo no caso dos executivos que atingem uma condição financeira razoável no

momento da aposentadoria, a fantasia de uma vida de lazer e de prazer individual sem

planos nem sempre é bem-sucedida. Em algumas situações, o que parece apaixonar mais as

pessoas não é o dinheiro obtido pelo trabalho, mas o status e o poder que ele representa. É

interessante destacar os depoimentos de dois executivos ingleses para o jornal The

Telegraph (junho/1998) e suas visões da aposentadoria, onde a situação econômica estável

parece não impedir a ansiedade diante da perda do trabalho:

1. O Sr. Baker era consultor em relações públicas e teve que se aposentar após

um derrame. “Eu era o centro de algo muito importante; de repente estava em uma situação

na qual o telefone não tocava mais e eu me sentia só e irrelevante. Praticamente do dia para

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a noite, eu me senti estranho e até passei a ter raiva dos amigos que estavam trabalhando.

Mas no final você deve analisar a situação em que você está e decidir o que fazer.” O Sr.

Baker agora se tornou diretor de uma escola, trabalha para instituições de caridade e

retomou de maneira reduzida suas consultorias.

2. O Sr. Barnett era gerente geral da Imperial Tobacco e se aposentou forçado

aos 54 anos: “Com o pacote da aposentadoria, tive várias opções. Aqueles que são forçados

a voltar a trabalhar não têm escolha. Eu fui mais feliz. Eu tinha que decidir se voltaria a

trabalhar em horário reduzido. Mas gerenciando um trabalho voluntário, escrevendo livros

e voltando a estudar eu fiquei mais ocupado do que antes. É importante que você faça

alguma coisa que enriqueça o seu conhecimento e a você mesmo, como pessoa, caso

contrário estará caminhando também para um término antecipado.”

A inatividade e a falta de perspectivas na aposentadoria podem levar a um

sentimento de depressão que conseqüentemente compromete a saúde do indivíduo. Não são

poucos os casos de doenças psicossomáticas adquiridas durante e após o processo de

desligamento do trabalho, sem contar os casos de morte súbita, principalmente nos três

primeiros anos após a aposentadoria. O planejamento de vida que preveja a distribuição do

tempo e mudanças necessárias relativas à afetividade, à vida familiar, ao lazer, à

participação sociocomunitária e um trabalho remunerado ou voluntário permitem enfrentar

objetivamente as condições frustrantes a que muitos aposentados ficam expostos.

Entretanto, a falta da consciência, o fatalismo e certas características de

personalidade podem levar à acomodação e à espera de que alguém, o “outro”, ou o

governo tomem alguma atitude. A luta contra a perda advinda da aposentadoria, as

substituições necessárias, bem como a continuidade da participação social, devem partir

também dos aposentados. É preciso destacar esta responsabilidade individual diante do

coletivo e do próprio destino. Walter Benjamin (1994) em Rua de mão única aborda a

importância da nossa interferência no planejamento de um dia: “A felicidade das próximas

vinte e quatro horas depende de que nós, ao acordar, saibamos como apanhá-la.”

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Deve haver uma relação entre a longevidade e o sentido do prazer advindo desta

existência. Basta relembrar os inúmeros artistas, pintores, pianistas, escritores, físicos e

inventores que tiveram a oportunidade de se manterem ativos até a idade em que faleceram.

O projeto de vida pode ser tão importante a ponto de curar, postergar ou estacionar

uma doença. Lembro-me de Darcy Ribeiro, grande antropólogo brasileiro falecido há dois

anos, que fugiu da UTI do hospital e do câncer que o consumia para poder terminar seu

último projeto O povo brasileiro, o livro que vinha escrevendo ao longo de 30 anos e

segundo ele o seu maior desafio (Ribeiro, 1995).

O APROVEITAMENTO DA MÃO-DE-OBRA MAIS IDOSA

Grande parte da população aposentada ou em vias de se aposentar aguarda a ajuda

do governo e dos empregadores quanto ao reforço e à manutenção dos proventos da

aposentadoria. Diante da insegurança financeira muitos precisam continuar a trabalhar para

manter o padrão de vida que tinham ou mesmo sobreviver com o mínimo de dignidade.

Dependendo do tipo de trabalho, alguns terão maior facilidade ou dificuldade de

encontrar outro emprego. Certas profissões requerem um conhecimento tecnológico

informatizado e permanentemente atualizado, além de exigirem uma facilidade de

adaptação às mudanças. Algumas atribuições necessitam de maior força física que diminui

com a idade, outras dependem do esforço intelectual que pode não alterar com a idade, e

outras poderão necessitar de um conhecimento especializado e da experiência acumulada

dos mais velhos. Um jogador de futebol com 40 anos pode ser considerado velho e um

advogado com a mesma idade ainda não atingiu o clímax necessário para obter

credibilidade da sua clientela.

Tentando analisar as razões por que as empresas americanas passaram a contratar

as pessoas mais velhas, Hirshorn (1994) realizou uma pesquisa com 197 empresas privadas

e constatou que 94% utilizam aposentados em tarefas especializadas. Quanto maior é a

empresa mais alta é a participação dos aposentados em níveis administrativos ou

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gerenciais. Por outro lado, pequenas empresas estão mais inclinadas a empregar

aposentados como operários. Elas preferem contratar trabalhadores mais velhos por que os

jovens representam uma necessidade de treinamento a custo mais alto, são mais difícies de

gerenciar, mais suscetíveis a reclamações trabalhistas e saem prematuramente das

empresas.

De que forma a sociedade e a empresa poderiam aproveitar melhor o potencial dos

trabalhadores mais velhos e dos aposentados valorizando, assim, sua auto-estima uma vez

que eles se sentiriam participantes, transformadores e integrados à sociedade?

O redimensionamento de pessoal poderia ser uma solução. Esta ação deveria

ocorrer em função das atribuições dos trabalhadores mais velhos, de seus interesses e das

metas da empresa e deveria ser complementada por um programa de atualização de

conhecimentos tecnológicos. Os mais velhos poderiam ser estimulados a delegar as tarefas

de rotina para os que estão se iniciando na empresa, ficando mais disponíveis para a

transferência de informações e para a execução de tarefas que requeiram maior experiência.

Dependendo do tempo previsto para sua aposentadoria, será muito mais saudável para o

futuro aposentado e para a empresa se ele estiver motivado do que ficar contando os dias

para o seu desligamento. É inegável a relação entre o nível de motivação e a produtividade.

No caso dos aposentados, a empresa poderia aproveitá-los em cargos temporários,

consultoria ou em alguma fase do treinamento para os mais jovens. Os aposentados não

precisam ser necessariamente funcionários formais, mas contratados por projeto, por dia ou

mesmo por hora. Isto pode representar uma grande economia para as empresas e ao mesmo

tempo um reforço no orçamento dos aposentados.

Valeria investigar a longo prazo os efeitos do aproveitamento dos aposentados e a

satisfação pessoal deles, os resultados para a empresa e ainda se os aposentados que

retornam a trabalhar chegariam a representar uma ameaça aos jovens que estão se iniciando

no mercado de trabalho.

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O aproveitamento da mão-de-obra mais velha adotado pelas empresas leva a crer

que o trinômio escola-trabalho-aposentadoria não precisa seguir necessariamente esta

seqüência. Os indivíduos podem se aposentar, voltar a estudar e reingressar no mercado de

trabalho. Da mesma forma que o reengajamento não precisa acontecer exatamente através

de atividades anteriormente desenvolvidas; ele pode ocorrer através de interesses pendentes

ou mesmo da descoberta de novos horizontes.

A IMPORTÂNCIA DOS PROGRAMAS DE PREPARAÇÃO PARA A

APOSENTADORIA

Numa época de desemprego e recessão é difícil imaginar o governo ou a empresa

investindo recursos em projetos sociais de longo prazo. Entretanto, não parece lógico

tamanha concentração no desenvolvimento econômico sem que seja priorizado o

desenvolvimento do homem em qualquer faixa etária.

Não é só o governo que deve estabelecer políticas que garantam o acesso à

população que envelhece, a empresa também deveria abrir espaço para a participação de

seus empregados de qualquer idade em projetos próprios ou em projetos coletivos que

abranjam a comunidade.

O tema envelhecimento e suas implicações deve ser discutido nas escolas

primárias, da mesma forma que a questão da aposentadoria precisa ser abordada pelas

empresas, assim que o indivíduo começa a trabalhar. Entretanto, o que fazer com alguns

milhões de pré-aposentados brasileiros que ainda não tiveram a oportunidade de se

beneficiar com o planejamento do seu futuro que agora se coloca tão imediato?.

Sem dúvida que um programa de preparação para a aposentadoria constitui um

benefício para o trabalhador, mas a empresa, ao ajudar seus empregados a aumentar seus

conhecimentos e a tomar decisões em relação ao futuro, está investindo também nela

própria.

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Quando a empresa se preocupa com seus funcionários, desde o momento em que

ele é selecionado até a sua aposentadoria, torna a sua cultura organizacional mais

consistente. Criando condições para que o trabalhador realize seu planejamento e se

prepare para as mudanças que surgirão com a aposentadoria, a organização poderá ser

beneficiada não só em relação à sua imagem e atuação social, mas também porque o seu

produto terá maior repercussão comercial, além de se tornar mais competitiva e atraente

diante do mercado de trabalho.

De acordo com o trabalho realizado por Dennis (1990), as empresas americanas

vêm adotando programas de preparação para aposentadoria desde a década de 1950. No

início eram abordados tópicos relacionados a investimentos, promoção de saúde, uso do

tempo e algumas considerações familiares. Atualmente, estes programas são realizados de

dois a cinco anos antes da aposentadoria e foram incluídos conteúdos como educação,

trabalho, produtividade e de outros propostos pelos próprios empregados. Os trabalhadores

mais jovens também têm participado dos programas.

Com relação à filosofia adotada pelas empresas americanas no tocante ao

planejamento da aposentadoria, Dennis (1990) cita algumas entrevistas realizadas com

alguns executivos de grandes empresas. A IBM, por exemplo, adota o planejamento da

aposentadoria como uma forma de respeito ao indivíduo. No Bank of America os

aposentados continuam a fazer parte da companhia, embora não participem como mão-de-

obra ativa. O Los Angeles Times recorre a uma cultura familiar que consiste em manter

uma lealdade entre a empresa e os funcionários. A empresa holandesa Shell Oil Company

informa que seu objetivo é ajudar os funcionários a proteger e preservar os benefícios

financeiros que acumularam.

Algumas empresas têm programas que ajudam os funcionários ainda em atividade

a se prepararem para assumir papéis voluntários ou um trabalho formal após a

aposentadoria. A Polaroid elaborou um programa denominado “Projeto Ponta” destinado a

aprimorar a qualidade do ensino da matemática e das ciências nas escolas públicas. Através

de um seminário de cinco semanas – dois dias por semana –, o empregado avalia seu

interesse em lecionar. A Polaroid paga o curso e o salário deste empregado durante o

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programa de habilitação em horário integral. Já a IBM tem o Programa de Assistência

Educacional aos Aposentados que incentiva os empregados a fazerem cursos cinco anos

antes da aposentadoria. Esses cursos preparam os empregados para novas carreiras ou

atividades a serem desenvolvidas durante a aposentadoria (Dennis, 1990).

A preocupação dos americanos com a aposentadoria é antiga. A AARP

(Associação de Aposentados Americanos), que possue milhões de contribuintes, é uma

organização poderosa tendo inclusive alguns sócios com idade inferior a 25 anos, o que

parece refletir duas características dos americanos: a permanente procura de associação e o

planejamento de vida a longo prazo.

No momento, os aposentados americanos estão vivendo uma fase econômica

bastante satisfatória. Há alguns anos, muitos vêm aplicando suas pensões na bolsa de

valores e/ou em grandes fundos de pensão e agora estão com um capital razoável para

realizar seus projetos de vida.

Sem dúvida o desafio das empresas, do governo, da sociedade e dos trabalhadores

brasileiros é maior do que no caso americano, principalmente tendo em vista a situação

econômica bastante diferente. Entretanto, a estabilidade econômica das empresas

americanas não parece ter sido tão preponderante na implantação e continuidade do

planejamento para a aposentadoria.

De acordo com as entrevistas realizadas por Dennis (1990), os altos executivos das

empresas nem sempre permitem que as recessões econômicas afetem os orçamentos e os

serviços prestados aos aposentados. “Quando o Bank of America esteve num período de

contração foi um bom negócio preservar o contato com os aposentados e manter os

serviços.” E continua: “Durante a fase de corte do Los Angeles Times nem um único dólar

foi cortado do orçamento do plano da aposentadoria.” A Levi Strauss informou que,

“quando a empresa estava dinamizando algumas atividades em 1984, a equipe dos

programas de planejamento da aposentadoria foi ampliada”.

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Na Nova Zelândia, o planejamento da aposentadoria é realizado por empresas de

consultoria contratadas pelas grandes empresas. Apesar de haver aposentadorias

incentivadas, o governo estabeleceu que a partir de 1999 será proibido por lei qualquer

restrição ao trabalho por causa da idade e não haverá mais aposentadoria compulsória.

Na Inglaterra, a associação dos pré-aposentados (Pre-Retirement Association),

organização patrocinada pelo governo britânico, se dedica a dar assessoria aos aposentáveis

de diversas empresas e organiza vários cursos sobre planejamento de vida. Existe ainda a

Reach que se dedica a conciliar as habilidades profissionais dos aposentados com as

necessidades das obras de voluntariado.

A gerente de desenvolvimento da Reach, Keith Galpin, em entrevista ao jornal

britânico The Telegraph (1998) disse que muitos dos que foram forçados a se aposentar

antecipadamente se sentiram amargurados. Trabalhando como voluntários, eles se sentem

necessários e muitos acham que este trabalho poderia ter surgido antes, principalmente

aqueles que trabalharam durante muitos anos em grandes empresas. O aposentado percebe

que em nível individual ele passa desapercebido para a empresa, mas como voluntário

numa organização pequena sua contribuição é notada por todos e bem-vinda.

Ainda no mesmo jornal, a diretora da Associação para a Pré-Aposentadoria, Mary

Davies, afirmou que os executivos que têm recursos financeiros tendem a se dedicar ao

lazer no primeiro ano, enquanto aqueles que tiveram maiores responsabilidades, status,

muita atividade e foram o centro das atenções sentem falta do trabalho. Os melhores

qualificados se tornam consultores, nem sempre pelo aspecto financeiro mas para terem

status e voltarem a ser o foco das atenções. “Nós recomendamos a todo o mundo que

comece a encarar esta mudança de uma maneira positiva. O lazer normalmente só é valioso

como válvula de escape ao trabalho. Deve se tentar descobrir o que existe de agradável e

buscar no trabalho uma forma de substituí-lo. Não é algo que possa ser decidido da noite

para o dia, mas é um processo que deve ser iniciado.”

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A empresa que adota um programa de preparação para a aposentadoria deve atuar

junto à comunidade, investigando quais seriam suas necessidades e como poderia

proporcionar a inserção do pré-aposentado que queira participar de um projeto social.

A prática do trabalho voluntário não deve, entretanto, ser encarada como algo que

“possa preencher o tempo” dos aposentados e sim como uma ajuda importantíssima que

contribui para o desenvolvimento da sociedade. Viver num país em que a pobreza “salta

aos olhos” não deve ser confortável nem para quem tem um padrão de vida alto, pois

fazemos parte dela e somos todos responsáveis, mesmo que indiretamente, pelo

desenvolvimento do povo brasileiro.

Apesar de muitos desejarem participar, nem sempre é tão fácil ser bem-sucedido

no trabalho voluntário.O melhor, no início, seria participar de uma instituição já organizada

e conhecê-la melhor até o envolvimento necessário para saber como ajudar conciliando

suas habilidades, com os objetivos da organização, suas atividades e necessidades.

A diretora de uma instituição que atua com aposentados na Inglaterra disse ao The

Telegraph (1998), que o motivo pelo qual muitos dos aposentados falham nas atividades

voluntárias está relacionado às suas altas expectativas. “Eles esperam chegar a hora que

querem e desejam ser o chefe, entretanto algumas tarefas precisam de quem as faça no

cotidiano.”

As empresas podem criar seus próprios programas de voluntariado, por exemplo:

participar das escolas e comunidades com seus projetos estabelecidos. Uma das grandes

necessidades brasileiras é a educação, não necessariamente a formal, mas a relativa aos

valores e à cidadania, e que poderia contar com a participação dos mais velhos. Muitos

jovens estão vivendo problemas de desestruturação familiar, alguns estão desprovidos dos

exemplos do pai e da mãe e outros sequer conheceram os avós. Os aposentados poderiam

se engajar num projeto de educação não-formal nas escolas da comunidade no qual

conversariam por algumas horas sobre situações diversas da sua juventude, como escolha

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da profissão, primeiro trabalho, casamento, filhos e outras situações que atinjam o dia-a-dia

dos jovens e dos mais velhos.2

Além disto, a comunidade, através das associações de moradores, de instituições

como o Sebrae e outros segmentos, pode fornecer informações sobre que tipos de negócios

seriam mais adequados para aqueles que desejam gerenciar suas próprias atividades. Para a

abertura de uma auto-escola, de uma escola profissionalizante ou de uma sorveteria, por

exemplo, é fundamental que o futuro prestador de serviços esteja em contato permanente

com instituições de assessoramento empresarial e com a comunidade onde pretende se

estabelecer.

Tornar-se membro de uma associação de aposentados pode ser também um

excelente caminho de engajamento. Os aposentados podem ajudar as pessoas que estão a

caminho da aposentadoria, tornando-as mais conscientes desta nova realidade. Além disso,

é uma maneira de fazer amizades fora da esfera profissional.

A inserção do aposentado nas associações deve visar, além das reivindicações

políticas e a atenuação dos problemas econômicos, a organização de uma rede de serviços e

a sua participação na comunidade, quer como voluntário quer como prestador autônomo de

serviços.

2 Ver projetos intergeracionais em Franca, L. e Eiras, N (1997).

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CONCLUSÕES

Refletir sobre a aposentadoria é analisar mais uma etapa do desenvolvimento do

homem no contexto em que ele se encontra. A preparação para a aposentadoria, como

processo educativo, é contínuo e deve estar relacionada a um planejamento de vida

remanescente, atual ou a ser reformulado. Pela interdependência dos conteúdos do passado,

presente e futuro, o tema interessa à qualquer idade e deveria ser discutido pelo jovem que

ingressa no mercado de trabalho e por aquele que passa a receber uma pensão sem a

“necessidade” de continuar a trabalhar.

Apesar das realidades variarem de país para país, indiscutivelmente o aposentado

que dispõe de algumas economias pode ter mais liberdade para sonhar e segurança para

enfrentar novos desafios, tais como se envolver num grupo de voluntários, abrir um novo

negócio, realizar uma viagem e até mesmo retornar a uma atividade de estudo ou de

trabalho mais prazerosa. Entretanto, mais do que ter a liberdade de escolha, aquele que irá

se aposentar precisa dispor de elementos que o façam gerente de seu projeto de vida,

administrando suas perdas e reavaliando seus desejos e perspectivas em função das suas

futuras possibilidades.

A inclusão dos programas de preparação para a aposentadoria (PPAs) nas

empresas vem se refletindo na imagem destas empresas diante dos seus empregados e da

comunidade e no clima organizacional, fomentando segurança e bem-estar. Contudo, estes

programas de educação precisam começar bem antes da aposentadoria e contar com a

participação não só dos pré-aposentados como dos empregados mais jovens e também dos

aposentados, num processo permanente de desenvolvimento do ser humano e da qualidade

de vida.

A empresa deve criar condições para que se estabeleça um foro de informações e

debates sistemáticos pautados nos desejos, interesses e dúvidas daqueles próximos à

aposentadoria e nas experiências atuais dos aposentados. Os programas precisam ser mais

disponíveis do que são atualmente, com investigações e avaliações permanentes, e,

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especialmente, acessíveis aos diferentes grupos sociais. Os trabalhadores devem ser

conscientizados de sua responsabilidade e participação nos grupos de planejamento para a

aposentadoria. Os empregadores, por sua vez, precisam ser convencidos não só da

importância do PPA, mas da continuidade, extensão e seus benefícios.

Uma comunhão de esforços entre governo, empresas e comunidade é fundamental

para proporcionar o diálogo e as trocas permanentes que considerem as carências da

comunidade e a perspectiva dos aposentados enquanto receptores ou doadores de serviços.

Não só os aposentados, mas, a exemplo do que ocorre em países desenvolvidos, as

crianças através das escolas, os jovens através das universidades e os trabalhadores de

diferentes idades através das empresas deveriam ser envolvidos como participantes ativos e

transformadores da vida comunitária, através dos programas de voluntariado. A prática do

voluntariado deveria ser uma responsabilidade de todos.

Ao governo, principalmente tendo em vista a distribuição dos recursos e o

aumento considerável do número dos aposentados, caberia através dos ministérios da

educação, saúde, desenvolvimento social e do trabalho, junto com as empresas e a

comunidade, promover pesquisas e discussões sobre a situação atual e futura do aposentado

no Brasil, tendo em vista a ampliação dos recursos necessários e a busca de soluções que

melhorem a vida de uma população que aumenta dia a dia.

Por outro lado, tudo parece indicar que é cada vez mais necessário o envolvimento

dos trabalhadores nas associações para que as pautas de discussão englobem situações que

abranjam não só a realidade atual dos salários e das pensões mas outras questões que a

longo prazo possam influir positivamente nos seus próprios destinos. No que se refere à

aposentadoria, tanto as pessoas que estão prestes a se aposentar, com seus interesses

imediatos, quanto os trabalhadores mais jovens, que viverão um dia a aposentadoria, devem

colocar seus recursos individuais, sociais e políticos em ação para que seu futuro seja mais

favorável do que o cenário atual projeta.

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