Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS...

15
Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVII, número 38 (2.431) Cidade do Vaticano quinta-feira 22 de setembro de 2016 y(7HB5G3*QLTKKS( +.!"!;!@!{! Durante o encontro com os líderes religiosos em Assis o Papa reafirmou que o nome de Deus nunca pode justificar a violência Só a paz é santa O apelo assinado pelos participantes na jornada realçou que todos perdem com a guerra «O diálogo nasce quando sou capaz de reconhecer que o outro é um dom de Deus e tem algo a dizer-me». No tweet lançado na quarta-feira 21 de setembro do account @Pontifex — no final da audiência geral na praça de São Pedro dedicada à centralidade do «perdão» e do «dom» na vida cristã — o Papa repropôs um dos aspe- tos-chave da experiência vivida no dia anterior em Assis. Onde na tarde tinha participado na cerimónia de encer- ramento do encontro de oração pela paz com os líderes das principais religiões do mundo, trinta anos após o histórico primeiro encontro querido por João Paulo II. Um diálogo feito sobretudo de oração, cada um con- forme a própria espiritualidade e bagagem de tradições. Em Assis os cristãos reuniram-se na basílica inferior de São Francisco para uma celebração ecuménica na pre- sença do patriarca de Constantinopla, do arcebispo de Canterbury e do patriarca sírio-ortodoxo. Na meditação pronunciada durante o rito, exortou a ouvir o brado dos inocentes e admoestou contra o «si- lêncio ensurdecedor da indiferença» que emudece a voz dos pobres. Palavras fortes, que ressoaram também na cerimónia conclusiva na praça de São Francisco. Com efeito, no seu discurso o Papa reafirmou que hoje existe um novo «paganismo da indiferença» que torna invisí- veis as necessidades dos outros, lançando ao mesmo tempo uma admoestação contra quem utiliza o nome de Deus para justificar a violência. Na conclusão, Francisco assinou juntamente com os líderes religiosos presentes o apelo de paz que cerca de cinquenta crianças entregaram aos representantes das nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GIOVANNI MARIA VIAN Trinta anos depois da intuição de João Paulo II, histórica e espiri- tualmente profética, representantes religiosos de todas as partes do mundo voltaram a Assis, para se encontrar, para implorar de Deus a paz, para se apelar novamente à responsabilidade de quem tem o poder de trabalhar para a difun- dir. E vêm espontâneas à mente as palavras de Jesus transmitidas pe- lo evangelista Mateus: «Bem-aven- turados os pacificadores (eireno- poiói) porque serão chamados fi- lhos de Deus». O encontro foi, de novo, como outras vezes e noutros lugares nes- tes anos, olhando para a cidade da Úmbria que se tornou universal devido ao santo medieval. Uma fi- gura, a de Francisco, que ultrapas- sou os confins visíveis da Igreja e cujo nome, pela primeira vez, foi agora assumido pelo sucessor do apóstolo Pedro. Depois, as orações elevaram-se, além das preocupa- ções que preferem olhar para o passado sem confiança no futuro. E o pedido aos poderosos ressoou mais uma vez com obstinação, mesmo se induz a reflexões amar- gas o limitado interesse que os meios de comunicação internacio- nais dedicaram ao encontro de As- sis. Mas esta desatenção refere-se ainda mais ao destino de quem so- fre, como repetiu de novo o Papa, recordando os «pequenos inocen- tes aos quais é impedida a luz des- te mundo», os pobres, as vítimas de guerras que são alimentadas pelo tráfico de armas, os migran- tes obrigados a encaminhar-se «rumo à incógnita, despojados de tudo». Assim como a Jesus seden- to na cruz, também a eles é dado «o vinagre amargo da rejeição» disse o Pontífice meditando sobre o Evangelho. No discurso conclu- sivo denunciou um «novo tristíssi- mo paganismo, o paganismo da indiferença». O dom da paz que as liturgias orientais invocam «do alto» é hoje recusado por muitos e em dema- siadas partes do mundo parece afastar-se. Assim, por todas estas situações — mencionadas uma por uma — os representantes das diver- sas confissões cristãs que foram a Assis rezaram na basílica inferior Com os núncios apostólicos A última palavra da história Bispos de nova nomeação Tr ê s pequenas pérolas Três pequenas pérolas como con- tribuição «para tornar pastoral a misericórdia»: foi o dom que o Papa ofereceu aos prelados de no- va nomeação, que participaram nos cursos de formação organiza- dos pelas Congregações para os bispos e para as Igrejas Orientais. Recebendo-os em audiência na manhã de 16 de setembro, o Pon- tífice propôs uma ampla reflexão. PÁGINA 10 CONTINUA NA PÁGINA 8 Foi um verdadeiro elogio da «di- plomacia da misericórdia» o que o Papa fez no dia 17 de setembro, ao encontrar pela terceira vez dentro de poucas horas os representantes pontifícios que se reuniram no Va- ticano para o encontro jubilar. Precedentemente celebrou com eles a missa na capela da Casa Santa Marta, a seguir recebeu-os em audiência na Sala Clementina, e por fim compartilhou a refeição num clima de convívio fraterno. PÁGINA 4

Transcript of Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS...

Page 1: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVII, número 38 (2.431) Cidade do Vaticano quinta-feira 22 de setembro de 2016

y(7HB5G3*QLTKKS( +.!"!;!@!{!

Durante o encontro com os líderes religiosos em Assis o Papa reafirmou que o nome de Deus nunca pode justificar a violência

Só a paz é santaO apelo assinado pelos participantes na jornada realçou que todos perdem com a guerra

«O diálogo nasce quando sou capaz de reconhecer queo outro é um dom de Deus e tem algo a dizer-me». Notweet lançado na quarta-feira 21 de setembro do account@Pontifex — no final da audiência geral na praça deSão Pedro dedicada à centralidade do «perdão» e do«dom» na vida cristã — o Papa repropôs um dos aspe-tos-chave da experiência vivida no dia anterior em Assis.Onde na tarde tinha participado na cerimónia de encer-ramento do encontro de oração pela paz com os líderesdas principais religiões do mundo, trinta anos após ohistórico primeiro encontro querido por João Paulo II.

Um diálogo feito sobretudo de oração, cada um con-forme a própria espiritualidade e bagagem de tradições.Em Assis os cristãos reuniram-se na basílica inferior deSão Francisco para uma celebração ecuménica na pre-sença do patriarca de Constantinopla, do arcebispo deCanterbury e do patriarca sírio-ortodoxo.

Na meditação pronunciada durante o rito, exortou aouvir o brado dos inocentes e admoestou contra o «si-lêncio ensurdecedor da indiferença» que emudece a vozdos pobres. Palavras fortes, que ressoaram também nacerimónia conclusiva na praça de São Francisco. Comefeito, no seu discurso o Papa reafirmou que hoje existeum novo «paganismo da indiferença» que torna invisí-veis as necessidades dos outros, lançando ao mesmotempo uma admoestação contra quem utiliza o nome deDeus para justificar a violência.

Na conclusão, Francisco assinou juntamente com oslíderes religiosos presentes o apelo de paz que cerca decinquenta crianças entregaram aos representantes dasnações do mundo.

PÁGINAS 8 E 9

Pa g a n i s m oda indiferença

GI O VA N N I MARIA VIAN

Trinta anos depois da intuição deJoão Paulo II, histórica e espiri-tualmente profética, representantesreligiosos de todas as partes domundo voltaram a Assis, para seencontrar, para implorar de Deusa paz, para se apelar novamente àresponsabilidade de quem tem opoder de trabalhar para a difun-dir. E vêm espontâneas à mente aspalavras de Jesus transmitidas pe-lo evangelista Mateus: «Bem-aven-turados os pacificadores ( e i re n o -poiói) porque serão chamados fi-lhos de Deus».

O encontro foi, de novo, comooutras vezes e noutros lugares nes-tes anos, olhando para a cidade daÚmbria que se tornou universaldevido ao santo medieval. Uma fi-gura, a de Francisco, que ultrapas-sou os confins visíveis da Igreja ecujo nome, pela primeira vez, foiagora assumido pelo sucessor doapóstolo Pedro. Depois, as oraçõeselevaram-se, além das preocupa-ções que preferem olhar para opassado sem confiança no futuro.E o pedido aos poderosos ressooumais uma vez com obstinação,mesmo se induz a reflexões amar-gas o limitado interesse que osmeios de comunicação internacio-nais dedicaram ao encontro de As-sis.

Mas esta desatenção refere-seainda mais ao destino de quem so-fre, como repetiu de novo o Papa,recordando os «pequenos inocen-tes aos quais é impedida a luz des-te mundo», os pobres, as vítimasde guerras que são alimentadaspelo tráfico de armas, os migran-tes obrigados a encaminhar-se«rumo à incógnita, despojados detudo». Assim como a Jesus seden-to na cruz, também a eles é dado«o vinagre amargo da rejeição»disse o Pontífice meditando sobreo Evangelho. No discurso conclu-sivo denunciou um «novo tristíssi-mo paganismo, o paganismo dai n d i f e re n ç a » .

O dom da paz que as liturgiasorientais invocam «do alto» é hojerecusado por muitos e em dema-siadas partes do mundo pareceafastar-se. Assim, por todas estassituações — mencionadas uma poruma — os representantes das diver-sas confissões cristãs que foram aAssis rezaram na basílica inferior

Com os núncios apostólicos

A última palavra da históriaBispos de nova nomeação

Tr ê spequenas pérolas

Três pequenas pérolas como con-tribuição «para tornar pastoral amisericórdia»: foi o dom que oPapa ofereceu aos prelados de no-va nomeação, que participaramnos cursos de formação organiza-dos pelas Congregações para osbispos e para as Igrejas Orientais.Recebendo-os em audiência namanhã de 16 de setembro, o Pon-tífice propôs uma ampla reflexão.

PÁGINA 10CO N T I N UA NA PÁGINA 8

Foi um verdadeiro elogio da «di-plomacia da misericórdia» o que oPapa fez no dia 17 de setembro, aoencontrar pela terceira vez dentrode poucas horas os representantespontifícios que se reuniram no Va-ticano para o encontro jubilar.Precedentemente celebrou comeles a missa na capela da CasaSanta Marta, a seguir recebeu-osem audiência na Sala Clementina,e por fim compartilhou a refeiçãonum clima de convívio fraterno.

PÁGINA 4

Page 2: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

don Sergio Pellini S.D.B.d i re t o r - g e r a l

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.

Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: assin a t u r a s @ o s s ro m .v a

Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800-160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected]

Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91,20149 Milano, [email protected]

No Angelus o Papa pediu que o acompanhassem com a oração durante o encontro de Assis

Há necessidade de pazE denunciou a corrupção que produz dependência e causa pobreza

Faleceu o ex-presidente italiano Carlo Azeglio Ciampi

Pesar do Santo PadreAssim que recebeu a notícia do falecimento do ex-presidente da Repúblicaitaliana Carlo Azeglio Ciampi, ocorrida no dia 16 de setembro, o PapaFrancisco enviou à esposa Franca Pilla o seguinte telegrama decondolências.

Desejo transmitir os meus mais sentidos pêsames à senhora, aos seusfilhos e a todos os familiares, neste momento de dor pela morte do se-nador Carlo Azeglio Ciampi, presidente emérito da República italiana,que desempenhou as suas responsabilidades públicas com distinta dis-crição e forte sentido de Estado. Recordando a amizade sincera queunia este homem ilustre de instituições a são João Paulo II, elevo fer-vorosas orações de sufrágio, invocando do Senhor a paz eterna para asua alma. É com tais sentimentos que lhe concedo, bem como aos seusentes queridos, a Bênção apostólica.

FRANCISCUS

«Hoje mais do que nunca temosnecessidade de paz nesta guerra queestá presente em toda a parte nomundo. Oremos pela paz!», pediu oSumo Pontífice no final do Angelusrecitado ao meio-dia de domingo 18 desetembro, convidando «as paróquias,as associações eclesiais e todos os fiéisdo mundo inteiro a viver um Dia deoração pela paz», por ocasião da suavisita a Assis, prevista para terça-feira.Precedentemente, comentando como decostume o Evangelho dominical com osfiéis presentes na praça de São Pedro,o Papa Francisco lançou um apelocontra a corrupção. Eis as palavras doSanto Padre.

Bom dia, amados irmãos e irmãs!Hoje Jesus leva-nos a refletir sobredois estilos de vida opostos entre si:o mundano e o evangélico. O espíri-to do mundo não é o espírito de Je-sus. E fá-lo mediante a narração daparábola do administrador infiel ecorrupto, que é elogiado por Jesusnão obstante a sua desonestidade(cf. Lc 16, 1-13). É necessário esclare-cer imediatamente que este adminis-trador não é apresentado como mo-delo a seguir, mas como exemplo deastúcia. Este homem é acusado demá gestão dos negócios do seu pa-trão e, antes de ser afastado, procuraastutamente conquistar a benevolên-cia dos devedores, perdoando-lhesuma parte da dívida para assegurarassim um futuro. Comentando estecomportamento, Jesus observa: «Osfilhos deste mundo são mais pruden-tes do que os filhos da luz no trata-mento dos seus semelhantes» (v. 8).

A esta astúcia mundana nós so-mos chamados a responder com aastúcia cristã, que constitui um domdo Espírito Santo. Trata-se de seafastar do espírito e dos valores domundo, que tanto agradam ao dia-bo, para viver segundo o Evangelho.E come si manifesta a mundanida-de? A mundanidade manifesta-secom atitudes de corrupção, de enga-no e de opressão, constituindo o ca-minho mais errado, a senda do peca-do, porque uma leva à outra! É co-mo uma corrente, não obstante ge-ralmente — é verdade! — seja o cami-nho mais fácil de percorrer. Ao con-trário, o espírito do Evangelho exigeum estilo de vida sério — sério masalegre, repleto de júbilo! — sério eexigente, caracterizado pela honesti-dade, pela justiça, pelo respeito dosoutros e da sua dignidade, pelo sen-tido do dever. Eis no que consiste aastúcia cristã!

O percurso da vida comporta ne-cessariamente uma opção entre doiscaminhos: entre honestidade e deso-nestidade, entre fidelidade e infideli-dade, entre egoísmo e altruísmo, en-

tre bem e mal. Não se pode oscilarentre uma e outra, porque se movemsegundo lógicas diferentes e contras-tantes. Ao povo de Israel, que cami-nhava por estas duas veredas, o pro-feta Elias dizia: «Vós claudicais comos dois pés!» (cf. 1 Rs 18, 21). Éuma imagem bonita! É importantedecidir que rumo tomar e depois,uma vez escolhida a direção certa,caminhar com impulso e determina-ção, confiando-se à graça do Senhore ao amparo do seu Espírito. A con-

são e da avidez, e aquela da retidão,da mansidão e da partilha. Algunscomportam-se com a corrupção co-mo com a droga: pensa que a podeusar e abandonar quando quiser.Começa-se com pouco: uma gorjetaaqui, um suborno ali... E entre estae aquela, lentamente, perde-se a pró-pria liberdade. Também a corrupçãoproduz dependência, gerando po-breza, exploração e sofrimento. Equantas vítimas existem no mundode hoje! Quantas vítimas desta cor-

grupos de fiéis presentes na praça,pronunciando as seguintes expressões.

Caros irmãos e irmãs!Ontem em Codrongianos (Sassari,Sardenha) foi proclamada beata Eli-sabetta Sanna, mãe de família. De-pois de ter ficado viúva, dedicou-setotalmente à oração e ao serviço dosdoentes e dos pobres. O seu teste-munho é modelo de caridade evan-gélica animada pela fé.

Hoje conclui-se em Génova oCongresso eucarístico nacional. Diri-jo uma saudação particular a todosos fiéis ali congregados, enquantofaço votos a fim de que este aconte-cimento de graça reavive no povoitaliano a fé no Santíssimo Sacra-mento da Eucaristia, no qual nósadoramos Cristo, fonte de vida e deesperança para cada homem.

Na próxima terça-feira irei a Assispara o encontro de oração pela paz,trinta anos depois do histórico en-contro convocado por são João Pau-lo II. Convido as paróquias, as asso-ciações eclesiais e todos os fiéis domundo inteiro a viver aquele dia co-mo uma Jornada de oração pela paz.Hoje mais do que nunca temos ne-cessidade de paz nesta guerra queestá presente em toda a parte nomundo. Oremos pela paz! Seguindoo exemplo de são Francisco, homemde fraternidade e de mansidão, so-mos todos chamados a oferecer aomundo um forte testemunho do nos-so compromisso comum em prol dapaz e da reconciliação entre os po-vos. Assim terça-feira, permaneça-mos todos unidos em oração: cadaum dedique um pouco de tempo,quanto puder, para rezar pela paz.O mundo inteiro unido!

Saúdo com afeto todos vós, roma-nos e peregrinos provenientes de vá-rios países. Em particular, saúdo osfiéis da diocese de Colónia e aquelesde Marianopoli.

Desejo feliz domingo a todos. E,por favor, não vos esqueçais de rezarpor mim. Bom almoço e até à próxi-ma!

clusão deste trecho evangélico é for-te e categórica: «Nenhum servo po-de servir a dois senhores: ou há deodiar a um e amar o outro, ou há deestimar um e desprezar o outro» (Lc16, 13).

Com este ensinamento, hoje Jesusexorta-nos a fazer uma escolha claraentre Ele e o espírito do mundo, en-tre a lógica da corrupção, da opres-

trando também a coragem de ir con-tra a corrente, para seguir Jesus e oseu Evangelho.

No final da prece mariana, o PapaFrancisco recordou a beatificação deElisabetta Sanna e o encerramento doCongresso eucarístico nacional italiano.Em seguida, depois de ter convidado arezar pela paz, saudou os vários

Pablo Picasso, «Dança da juventude» (1961)

rupção difundida!Ao contrário, quan-do procuramos se-guir a lógica evangé-lica da integridade,da transparência deintenções e compor-tamentos, da frater-nidade, tornamo-nosartífices de justiça eabrimos horizontesde esperança para ahumanidade. Assim,na doação gratuita ena entrega de nósmesmos aos irmãos,servimos o Senhorjusto: Deus!

A Virgem Marianos ajude a escolherem cada ocasião, ecuste o que custar, ocaminho reto, encon-

Page 3: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Com os ex-alunos dos jesuítas Francisco falou sobre o drama dos refugiados e a necessidade de os acolher

Tragédia humanaUm povo de 65 milhões de pessoas obrigadas a abandonar as suas casas

A «maior crise humanitária depois dasegunda guerra mundial é a dosrefugiados»; por isso «há grandenecessidade de pessoas que ouçam ogrito» destes «pobres e respondam comcompaixão e generosidade», disse oPapa aos participantes no encontropromovido pela Confederação europeiados ex-alunos dos jesuítas, recebidos emaudiência na manhã de sábado, 17 desetembro, na Sala do Consistório.

Amados irmãos e irmãs!Queridos membros da ConfederaçãoEuropeia e da União Mundial dosEx-Alunos e Alunas dos Jesuítas!Sinto-me feliz por vos receber du-rante a vossa conferência sobre asmigrações e a crise dos refugiados. Éa maior crise humanitária, depois dasegunda guerra mundial. Formadosnas escolas dos Jesuítas, viestes aRoma como «homens e mulheres paraos outros», em particular — desta vez— para estudar as raízes da migraçãoforçada, para considerar a vossa res-ponsabilidade em relação à situaçãoatual e para serdes enviados comopromotores de mudança às vossascomunidades de origem.

Tragicamente, no mundo de hojemais de 65 milhões de pessoas foramobrigadas a abandonar os seus luga-res de residência. Este número semprecedentes supera qualquer imagi-nação. O número total de refugiadosagora superou o de toda a popula-ção da Itália! Contudo, se formosalém da mera estatística, descobrire-mos que os refugiados são mulherese homens, jovens e moças que nãosão diversos dos membros das nos-sas famílias e dos nossos amigos.Cada um deles tem um nome, umrosto e uma história, assim como odireito inalienável de viver em paz ede aspirar por um futuro melhor pa-ra os próprios filhos.

Dedicastes a vossa Associaçãomundial à memória do Padre PedroArrupe, que foi também o fundadordo Jesuit Refugee Service, a organiza-ção que vos acompanhou duranteesta semana em Roma. Há mais detrinta e cinco anos, o Padre Arrupesentiu-se impelido a agir em respos-ta à situação dos «boat people» dosul do Vietname, que estavam ex-postos aos ataques dos piratas e àstempestades no Mar Chinês do Sul,enquanto procuravam desesperada-mente fugir das violências na suapátria. Infelizmente, hoje o mundoainda está envolvido em numerososconflitos. A terrível guerra na Síria,assim como as guerras civis no Su-dão do Sul e noutras partes domundo podem parecer sem solução.Precisamente esta é a razã0 pelaqual é tão importante o vosso en-contro «para contemplar e agir» rela-tivamente à questão dos refugiados.

Hoje mais que nunca, quando aguerra continua em diversas partesdo mundo, quando um número nun-ca antes alcançado de refugiadosmorre tentando atravessar o MarMediterrâneo — que se tornou umcemitério — ou passa anos sem fimnos campos, a Igreja precisa que be-bais da coragem e do exemplo do

Padre Arrupe. Mediante a vossaeducação jesuíta fostes convidados atornar-vos «companheiros de Jesus» e,com santo Inácio de Loyola comovosso guia, fostes enviados ao mun-do para serdes mulheres e homensp a ra e com os outros. Nesta conjun-tura da história, há grande necessi-dade de pessoas que escutem o gritodos pobres e respondam com com-paixão e generosidade.

Na conclusão da Jornada Mundialda Juventude em Cracóvia, há pou-cas semanas, eu disse à juventude láreunida para ser corajosa. Como for-mados em escolas regidas pelos pa-dres jesuítas, sabei ser também cora-josos ao responder às necessidadesdos refugiados no tempo presente.Como alunos dos Padres jesuítas,far-vos-á bem, no momento em quetratais os problemas vividos pelos re-fugiados, recordar as vossas raízesinacianas. Enquanto vos aplicais nosvossos países a compreender as cau-sas da emigração forçada e a serviros refugiados, é necessário que ofe-reçais ao Senhor «toda a vossa liber-dade, a vossa memória, a vossa inteli-gência e toda a vossa vontade».

Ao longo deste Ano da Misericór-dia a Porta Santa da Basílica de SãoPedro permaneceu aberta, para re-cordar que a misericórdia de Deus éoferecida a todos os que dela têmnecessidade, agora e sempre. Mi-lhões de fiéis realizaram a peregrina-ção à Porta Santa, aqui e nas igrejasde todo o mundo, fazendo memóriado facto que a misericórdia de Deusdura para sempre e se destina a to-dos. Também com a vossa ajuda aIgreja será capaz de responder maisplenamente à tragédia humana dosrefugiados mediante ações de miseri-córdia que promovam a sua integra-ção no contexto europeu e paraalém dele. Por isso, encorajo-vos adar as boas-vindas aos refugiados

nas vossas casas e comunidades, demodo que a sua primeira experiênciada Europa não seja a traumática dedormir ao frio nas estradas, mas a deum acolhimento caloroso e humano.Recordai-vos que a hospitalidade au-têntica é um profundo valor evangé-lico, que alimenta o amor e é a nos-sa maior segurança contra as odiosasações de terrorismo.

Exorto-vos a beber das alegrias esucessos que a vossa educação jesuí-ta vos forneceu no cuidado da edu-cação dos refugiados no mundo. Éum dado de facto preocupante quemenos de 50% das crianças refugia-das tenham acesso à escola básica.Infelizmente, este número reduz-se a22% para os adolescentes refugiadosinscritos em escolas secundárias e amenos de 1% dos que podem acedera uma instrução universitária.

Juntamente com o Jesuit RefugeeService, ponde em movimento a vos-sa misericórdia e ajudai a transfor-mar esta situação no campo educati-vo. Ao fazerdes isto, construí umaEuropa mais forte e um futuro maisluminoso para os refugiados.

Por vezes podemos sentir-nos so-zinhos no momento em que se pro-cura traduzir a misericórdia emações. Contudo, sabei que unis ovosso trabalho ao de tantas organi-zações eclesiais comprometidas nocampo humanitário, que se dedicamaos excluídos e aos marginalizados.Mais importante ainda, recordai-vosde que o amor de Deus vos acompa-nha neste trabalho. Vós sois olhos,lábios, mãos e coração de Deus nes-te mundo.

Agradeço-vos por vos terdes dedi-cado às difíceis questões que o aco-lhimento aos refugiados apresenta.Muitas portas vos foram abertas gra-ças à educação recebida dos Jesuítas,enquanto os refugiados encontrammuitas portas fechadas. Aprendestesmuito dos refugiados que encontras-tes. Ao partir de Roma para voltaràs vossas casas, exorto-vos a ajudar atransformar as vossas comunidadesem lugares de boas-vindas onde to-dos os filhos de Deus têm a oportu-nidade, não simplesmente de sobre-viver, mas de crescer, florescer e darf ru t o .

E enquanto perseverais neste tra-balho constante para garantir acolhi-mento e instrução aos refugiados,pensai na Sagrada Família — Maria,José e o Menino Jesus — na sua lon-ga viagem como refugiados para oEgito, quando fugiam da violência eencontraram abrigo entre os estran-geiros. De igual modo recordai-vosdas palavras de Jesus: «Tive fome edestes-me de comer, tive sede e des-tes-me de beber, era estrangeiro eacolhestes-me» (Mt 25, 35). Levai es-tas palavras e estes gestos convoscohoje. Que elas vos sirvam de encora-jamento e conforto. Por meu lado,ao garantir-vos a minha oração, pe-ço-vos por favor que não vos esque-çais de rezar por mim. Obrigado!

Na manhã de quinta-feira 15 de setembro o Papa recebeu em audiênciaSua Eminência o metropolita Hilarion de Volokolamsk

presidente do Departamento para as relações eclesiásticas externas do Patriarcado de Moscovo

Audiênciaao metropolita Hilarion

Page 4: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

O Papa recordou aos núncios apostólicos que o coração dos homens está em busca da unidade

A última palavra da históriaE denunciou o silêncio cúmplice diante do assédio violento aos cristãos no Oriente

«A última palavra da história e davida não é o conflito mas a unidade,pela qual o coração de cada homemanseia», disse o Papa Francisco aosrepresentantes pontifícios recebidos emaudiência na manhã de sábado, 17 desetembro, na Sala Clementina, naconclusão do seu encontro jubilar.

Amados irmãos!Sinto-me feliz por este momento deoração jubilar que, além de nos re-cordar, como Pastores, a redescobriras raízes da Misericórdia, é ocasiãopara renovar, através de vós, o vín-culo entre o Sucessor de Pedro e asdiversas Igrejas locais junto dasquais sois portadores e artífices da-quela comunhão que é linfa para avida da Igreja e para o anúncio dasua mensagem. Agradeço ao CardealParolin as suas gentis palavras e àSecretaria de Estado a generosidadecom que preparou estas jornadas dee n c o n t ro .

Bem-vindos a Roma! Reabraçá-laneste momento jubilar assume paravós um significado especial. Encon-tram-se aqui muitas das vossas nas-centes e das vossas memórias. Che-gastes aqui ainda jovens com o pro-pósito de servir Pedro, e aqui voltaiscom frequência para vos encontrar-des com ele, e daqui continuais apartir como seus enviados levando asua mensagem, a sua proximidade, oseu testemunho. Com efeito, Pedroestá aqui desde o alvorecer da Igre-ja; Pedro está aqui hoje no Papa quea providência quis que aqui estives-se; Pedro estará aqui amanhã, estarásempre aqui! Assim quis o Senhor:que a humanidade impotente, queem si seria apenas pedra de tropeço,se tornasse por disposição divina ro-cha inabalável.

Agradeço a cada um de vós o ser-viço que desempenha pelo meu mi-nistério. Obrigado pela atenção comque recolheis dos lábios do Papa aconfissão sobre a qual se apoia aIgreja de Cristo. Obrigado pela fide-lidade com a qual interpretais com ocoração indiviso, com a mente ínte-gra, com a palavra sem ambiguida-des quanto o Espírito Santo pedeque Pedro diga à Igreja neste mo-mento. Obrigado pela delicadezacom que «auscultais» o meu coraçãode Pastor universal e procurais fazercom que este respiro alcance as Igre-

jas às quais estou chamado a presidirna caridade.

Agradeço-vos a dedicação e a dis-ponibilidade imediata e generosa davossa vida densa de compromissos emarcada por ritmos muitas vezes di-fíceis. Vós tocais diretamente a carneda Igreja, o esplendor do amor quea torna gloriosa, mas também aschagas e as feridas que a tornammendiga de perdão. Com genuínosenso eclesial e humilde busca deconhecimento de diversos problemase temáticas, fazeis com que a Igrejae o mundo estejam presentes no co-ração do Papa. Leio diariamente, so-bretudo de manhã cedo e à noite, asvossas «comunicações» com as notí-cias sobre as realidades das Igrejaslocais, sobre as vicissitudes dos paí-ses junto dos quais sois acreditadose sobre os debates que incumbemsobre a vida da Comunidade inter-nacional. Estou-vos grato por tudoisto! Sabei que vos acompanho to-dos os dias — muitas vezes com no-me e rosto — com a recordação ami-ga e a oração confiante. Recordo-vosna Eucaristia. Dado que não soisPastores diocesanos e o vosso nomenão é pronunciado em nenhumaIgreja particular, sabei que o Papavos recorda em cada anáfora comoextensão da própria pessoa, comoseus enviados para servir com sacrifí-cio e competência, acompanhando aEsposa de Cristo e os Povos nosquais ela vive.

Gostaria de vos dizer algumas coi-sas.

1. Servir com sacrifíciocomo enviados humildes

O Beato Paulo VI, ao reafirmar oserviço diplomático da Santa Sé, es-creveu assim: «A atividade do Re-presentante Pontifício presta antesde tudo um serviço precioso aos Bis-pos, aos Sacerdotes, aos Religiosos ea todos os católicos do lugar, osquais nele encontram apoio e tutela,porque ele representa uma Autorida-de Superior, para benefício de to-dos. A sua missão não se sobrepõeao exercício dos poderes dos Bispos,não o substitui nem o impede, maso respeita e, aliás, o favorece e apoiacom o conselho fraterno e discreto»(Carta ap. Sollicitudo omnium Eccle-siarum: AAS 61 [1969], 476). Por con-

seguinte, no vosso agir estais chama-dos a levar a cada um a caridadecuidadosa de quem representais, tor-nando-vos assim aquele que apoia etutela, que está pronto a ajudar enão só a corrigir, que está disposto àescuta antes de decidir, a dar o pri-meiro passo para eliminar tensões efavorecer a compreensão e a reconci-liação.

Sem humildade nenhum serviço épossível ou fecundo. A humildadede um Núncio passa através doamor pelo país e pela Igreja na qualé chamado a servir. Passa pela atitu-de serena de estar onde o Papa oquis e não com o coração distraídopela espera do próximo destino. Es-tar ali por inteiro, com mente e cora-ção indivisos: desfazer as própriasmalas para partilhar as riquezas quese levam consigo, mas também parareceber quanto ainda não se possui.

Sim, é necessário avaliar, compa-rar, relevar aqueles que podem ser oslimites de um percurso eclesial, deuma cultura, de uma religiosidade,da vida social e política para se for-mar e poder referir uma ideia exatada situação. Olhar, analisar e referirsão verbos essenciais mas não sufi-cientes na vida de um Núncio. Servetambém encontrar, ouvir, dialogar,partilhar e trabalhar em conjunto,para que transpareça um sinceroamor, simpatia, empatia com a po-pulação e com a Igreja local. Aquiloque os católicos, mas também a so-ciedade civil em sentido lato quereme devem sentir é que, no seu país, oNúncio está bem, como em sua casa;sente-se livre e feliz por estabelecerrelações construtivas, partilhar a vidadiária do lugar (culinária, língua,costumes), expressar as próprias opi-niões e impressões com grande res-peito e sentido de proximidade,acompanhar com o olhar que ajudaa crescer.

Não é suficiente apontar o dedoou agredir quem não pensa comonós. Esta é uma tática mesquinhadas atuais guerras políticas e cultu-rais, mas não pode ser o método daIgreja. O nosso olhar deve ser alar-gado e profundo. A formação dasconsciências é o nosso dever primor-dial de caridade e isto requer delica-deza e perseverança na sua concreti-zação.

Certamente ainda é atual a amea-ça do lobo que de fora rapta e agri-de o rebanho, o confunde, gera con-fusão, o dispersa e destrói. O lobotem as mesmas aparências: incom-preensão, hostilidade, malvadez, per-seguição, remoção da verdade, resis-tência à bondade, fechamento aoamor, oposição cultural inexplicável,desconfiança e assim por diante. Vóssabeis bem de que massa é feita ainsídia dos lobos de todos os tipos.Penso nos cristãos no Oriente, emrelação aos quais o violento assédioparece mirar, com o silêncio cúmpli-ce de tantos, à sua erradicação.

Não se pede a ingenuidade doscordeiros, mas a magnanimidade daspombas e a astúcia e a prudência doservo sábio e fiel. É bom manter osolhos abertos para reconhecer de on-de provêm as hostilidades e discerniras vias possíveis para contrastar assuas causas e enfrentar as suas insí-dias. Contudo, encorajo-vos a nãohesitar num clima de assédio, a nãoceder à tentação de se comiserar, deser vítimas de quem nos critica, nosatraiçoa e por vezes até nos infama.Usai as vossas melhores energias pa-ra fazer ressoar ainda na alma dasIgrejas que servis a alegria e o poderda bem-aventurança proclamada porJesus (cf. Mt 5, 11).

Estar prontos e felizes para em-pregar (e por vezes até perder) tem-po com bispos, sacerdotes, religio-sos, paróquias, instituições culturaise sociais, em definitivo é aquilo que«constitui o trabalho» do Núncio.Nestas circunstâncias criam-se ascondições para aprender, ouvir,transmitir mensagens, conhecer pro-blemas e situações pessoais ou degovernos eclesiais que devem ser en-frentados e resolvidos. E não há na-da como a proximidade, a disponibi-lidade e a fraternidade para facilitaro discernimento e a eventual corre-ção. Por isso para mim é muito im-portante: proximidade, disponibili-dade e fraternidade com as Igrejaslocais. Não se trata de uma estraté-gia passiva para recolher informa-ções e manipular realidades ou pes-soas, mas de uma atitude que deveser típica de quem não é só um di-plomata de carreira, nem sequer uminstrumento da solicitude de Pedro,mas também um pastor dotado dacapacidade interior de testemunharJesus Cristo. Superai a lógica da bu-rocracia que muitas vezes pode apo-derar-se do vosso trabalho — com-preende-se, é natural — tornando-ofechado, indiferente e impermeável.

A sede da Nunciatura Apostólicaseja verdadeiramente a «Casa do Pa-pa», não só pela sua tradicional festaanual, mas como lugar permanente,onde toda a companhia eclesial po-de encontrar apoio e conselho, e asautoridades públicas um ponto dereferência, não só pela função diplo-mática, mas pelo caráter próprio eúnico da diplomacia pontifícia. Vi-giai a fim de que as vossas Nuncia-turas nunca se tornem refúgio dos«amigos e de amigos dos amigos».Evitai os coscuvilheiros e os arrivis-tas.

Que a vossa relação com a comu-nidade civil se inspire na imagem

Page 5: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

evangélica do Bom Pastor, capaz deconhecer e de representar as exigên-cias, as necessidades e a condição dorebanho, sobretudo quando os úni-cos critérios que os determinam sãoo desprezo, a precariedade e o des-carte. Não tenhais medo de chegar afronteiras complexas e difíceis, por-que sois Pastores que se preocupamdeveras pelo bem das pessoas.

Na ingente tarefa de garantir a li-berdade da Igreja face a qualquerforma de poder que queira fazer si-lenciar a Verdade, não vos iludaisque esta liberdade é apenas fruto deentendimentos, acordos e negocia-ções diplomáticas, por mais perfeitose bem sucedidos que sejam. A Igrejasó será livre se as suas instituiçõespuderem trabalhar para «anunciar oEvangelho a todos, em todos os lu-gares, em todas as ocasiões, sem de-mora, sem repugnâncias e sem me-do» (Exort. ap. Evangelii gaudium,23), mas também se se manifestarcomo verdadeiro sinal de contradi-ção em relação às modas do momen-to, à negação da Verdade evangélicae aos confortos fáceis que com fre-quência contagiam também os Pas-tores e a sua grei.

Recordai-vos que representais Pe-dro, rocha que sobrevive ao extrava-sar das ideologias, à redução da Pa-lavra unicamente à conveniência, àsubmissão aos poderes deste mundoque passa. Por conseguinte, nãoabraceis linhas políticas ou batalhasideológicas, porque a permanênciada Igreja não se baseia no consensodos salões ou das praças, mas sobrea fidelidade ao seu Senhor que, aocontrário das raposas e dos pássaros,não tem toca nem ninho para recli-nar a sua cabeça (Mt 8, 18-22).

A Igreja Esposa só pode reclinar acabeça sobre o peito trespassado doseu esposo. Dali brota o seu verda-deiro poder, o da Misericórdia. Nãotem o direito de privar o mundo, aténos fóruns da ação diplomática bila-teral e multilateral e nos grandesâmbitos do debate internacional,desta riqueza que mais ninguém po-de doar. Esta consciência estimula-nos a dialogar com todos, e em mui-tos casos a sermos voz profética dosmarginalizados devido à sua fé econdição étnica, económica, social

ou cultural: «Que o seu grito se tor-ne o nosso e, juntos, possamos rom-per a barreira de indiferença que fre-quentemente reina soberana para es-conder a hipocrisia e o egoísmo»(Bula Misericordiae Vultus, 15).

2. Acompanhar as Igrejascom o coração de Pastores

A multiplicidade e complexidadedos problemas a serem enfrentadosno dia a dia não vos deve distrair dofulcro da vossa missão apostólica,que consiste em acompanhar asIgrejas com o olhar do Papa, quemais não é que o de Cristo, BomPa s t o r.

E para acompanhar é preciso mo-ver-se. Não é suficiente o papel friodas missivas e das relações. Não bas-ta aprender por ter ouvido dizer. Épreciso ver in loco como uma boa se-mente do Evangelho se vai difundin-do. Não espereis que as pessoas ve-nham ter convosco para vos exporum problema ou desejosas de resol-ver uma questão. Ide às dioceses,aos institutos religiosos, às paró-quias, aos seminários, para compre-ender o que o Povo de Deus vive,pensa e pede. Ou seja, sede verda-deira expressão de uma Igreja «emsaída», de uma Igreja «hospital decampo», capazes de viver a dimen-são da Igreja local, do país e da Ins-

perfil dos Pastores que considero ne-cessário para a Igreja de hoje: teste-munhas do Ressuscitado e não por-tadores de currículos; Bispos oran-tes, familiarizados com as coisas do«alto» e não esmagados pelo pesodo «baixo»; Bispos capazes de en-trar «com paciência» na presença deDeus, de modo a possuir a liberdadede não atraiçoar o Querigma que lhesfoi confiado; Bispos pastores e nãopríncipes e funcionários. Por favor!

Compete-vos uma parte substan-cial na tarefa complexa de encontrarno meio da Igreja aqueles que Deusjá detetou no seu coração para guiaro seu Povo. Sois vós os primeirosque deveis perscrutar os campos pa-ra vos certificardes acerca de ondeestão escondidos os pequenos David(cf. 1 Sm 16, 11-13); eles existem,Deus não os deixa faltar! Mas seformos pescar sempre no aquário,não os encontraremos!

É preciso mover-se para os procu-rar. Percorrer campos com o coraçãode Deus e não com algum perfilpreestabelecido de caçadores de ca-beças. O olhar com o qual se busca,os critérios para avaliar, as caracterís-ticas da fisionomia procurada nãopodem ser ditados por vãs intençõescom as quais pensamos poder pro-gramar nas nossas mesas a Igrejaque sonhamos. Por isso, é precisolançar as redes ao largo. Não pode-

ra desta nobre missão, para a qualvos deveis preparar continuamente.Não se trata apenas de adquirir con-teúdos sobre temas, que aliás são in-constantes, mas de uma disciplinade trabalho e de um estilo de vidaque permita apreciar também as si-tuações de ro u t i n e , captar as mudan-ças em ação, avaliar as novidades,saber interpretá-las com medidas esugerir ações concretas.

É a velocidade dos tempos queexige uma formação permanente,evitando dar tudo por certo. Por ve-zes o repetir-se do trabalho, os nu-merosos compromissos, a falta denovos estímulos alimenta uma pre-guiça intelectual que não demora aproduzir os seus frutos negativos.Um aprofundamento sério e contí-nuo ajudaria a superar aquela frag-mentação pela qual se procura indi-vidualmente desempenhar do me-lhor modo o próprio trabalho, con-tudo sem qualquer, ou com muitopouca coordenação e integração comos outros. Não penseis que o Papanão está ciente da solidão (nem sem-pre «feliz» como para os eremitasou os santos) na qual vivem muitosRepresentantes Pontifícios. Pensosempre no vosso estado de «exila-dos», e nas minhas orações peçocontinuamente que nunca vos falteaquela coluna que permite a unida-de interior e o sentido de profundapaz e fecundidade.

A exigência que deveríamos fazercada vez mais nossa é a de agir nu-ma rede unitária e coordenada, ne-cessária para evitar uma visão pes-soal que muitas vezes não está empé diante da realidade da Igreja lo-cal, do país ou da Comunidade in-ternacional. Arrisca-se propor umavisão individual que certamente po-de ser fruto de um carisma, de umprofundo sentido eclesial e de capa-cidade intelectual, mas não está imu-ne de uma certa personalização, deemotividade, de sensibilidades dife-rentes e, não por último, de situa-ções pessoais que inevitavelmentecondicionam o trabalho e a colabo-ração.

São grandes os desafios que nosesperam nos nossos dias e não é ocaso de esboçar uma lista. Vós co-nhecei-los. Talvez seja até mais sábiointervir nas suas raízes. Como se vaiprogressivamente desenhando, a di-plomacia pontifícia não pode ficaralheia à urgência de tornar palpávela misericórdia neste mundo ferido efragmentado. A misericórdia deveser a característica da missão diplo-mática de um Núncio Apostólico, oqual, além do esforço ético pessoal,deve possuir a firme convicção deque a misericórdia de Deus se inserenas vicissitudes deste mundo, nas vi-cissitudes da sociedade, dos gruposhumanos, das famílias, dos povos,das nações. Também no âmbito in-ternacional, ela comporta nuncaconsiderar nada e ninguém perdido.O ser humano nunca é irrecuperá-vel. Situação alguma é impermeávelao poder subtil e irresistível da bon-dade de Deus que nunca desiste dohomem e do seu destino.

Esta radical novidade de perceção

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

mos contentar-nos com pescar nosaquários, na reserva ou nas criaçõesdos «amigos dos amigos». Está emjogo a confiança no Senhor da histó-ria e da Igreja, que nunca descuidao seu bem, e por isso não devemostergiversar. A pergunta prática, queagora sinto que devo fazer é: masnão há outro? A de Samuel ao paide David: «Mas não há outro?» (cf.1 Sm 16, 11). E ir procurar. E exis-tem! Existem!

3. Acompanhar os povosnos quais está presente

a Igreja de CristoO vosso serviço diplomático é o

olhar vigilante e lúcido do Sucessorde Pedro sobre a Igreja e sobre omundo! Peço-vos que estejais à altu-

«O bom pastor» (ícone do mosteiro de Ruviano)

tituição junto dasquais sois envia-dos. Conheço agrande quantida-de de trabalhoque vos espera,mas não deixeisque a vossa almade Pastores gene-rosos e próximosseja sufocada.Precisamente estaproximidade —proximidade! — éhoje condição es-sencial para a fe-cundidade daIgreja. As pessoasprecisam de seracompanhadas.Serve-lhes umamão no ombropara não perde-rem o caminhonem desanimar.

Acompanhar osBispos apoiandoas suas melhores forças e iniciativas.Ajudá-los a enfrentar os desafios e aencontrar as soluções que não exis-tem nos manuais, mas são fruto dodiscernimento paciente e árduo. En-corajar todos os esforços para a qua-lificação do clero. A p ro f u n d i d a d e éum desafio decisivo para a Igreja:profundidade da fé, da adesão aCristo, da vida cristã, do seguimentoe do discipulado. Não são suficien-tes prioridades vagas e programaspastorais teóricos. É preciso ter co-mo objetivo a presença concreta, acompanhia, a proximidade, o acom-panhamento.

Uma minha viva preocupação dizrespeito à seleção dos futuros Bis-pos. Falei disto convosco em 2013.Num discurso à Congregação paraos Bispos há algum tempo, tracei o

Page 6: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5

A última palavra da história

Missa em Santa Marta

Três saídasOs representantes pontifícios devemsair de si mesmos três vezes: fisica-mente, porque estão sempre com asmalas na mão; culturalmente, por-que se devem inserir imediatamenteno contexto ao qual são enviados; edepois com a oração e a adoraçãodiante do tabernáculo. Concelebran-do a missa com os participantes noencontro jubilar, na manhã de 17 desetembro, na capela da Casa SantaMarta, o Papa quis traçar o perfil es-piritual de quantos desempenham otrabalho diplomático ao serviço daSanta Sé.

A meditação de Francisco come-çou com a parábola do semeadornarrada por Lucas no Evangelho (8,4-15). «Certo homem saiu para se-mear»: é uma figura, um ícone queJesus nos oferece para compreendera vida cristã: o cristão é um homem,uma mulher em saída, sempre, parasemear».

Por conseguinte, dirigindo-se dire-tamente aos presentes, o Papa disseque «de modo especial, também su-perlativo, vós sois homens em saída:algumas vezes disse-vos que a vossavida é uma vida de ciganos, dois,três, quatro, cinco anos ali»; e de-pois, «quando se aprende bem a lín-gua, um telefonema de Roma: “Ah,ouve, como estás?” — “Bem” — “Sa-bes, o Santo Padre, que gosta tantode ti, pensou em ti para isto”. Por-que estes telefonemas são feitos com“açúcar”, não é?».

O representante pontifício, prosse-guiu o Pontífice, sabe que tem queestar sempre pronto para «fazer asmalas e ir para outro lugar: deixaramigos, costumes, muitas coisas quefez». Deve continuar, «sair de simesmo, sair daquele lugar para irpara outro e ali recomeçar».

Mas «há outra saída — afirmou oPapa — que o núncio faz e deve fa-zer: quando chega a um país, sair desi mesmo para conhecer, dialogar,estudar a cultura, o modo de pen-sar». E também deve «sair de simesmo para ir às receções, muitasvezes tediosas, e ali ouvir». Naque-les contextos «semeia-se» e «a se-mente é sempre boa, o grão é bom,só é necessário estar um pouco aten-to para que o diabo não tenha lan-çado ali um pouco de joio; mas ogrão é bom».

Poderíamos pensar que este «tra-balho de recomeçar, fazer, compre-ender a cultura — continuou o Papa— é um trabalho muito funcional,até um trabalho administrativo» e,considerando que «na Igreja há tan-tos leigos bons», poderíamos per-guntar: «Por que não o podem fazereles?». À questão Francisco respon-deu com uma confidência: «Há dias,falando sobre este assunto, ouvi queo secretário de Estado dizia: «Mas,reparai, nas receções, muitos que pa-recem ser superficiais procuram “ocolarinho”».

«Todos vós sabeis bem — disseFrancisco dirigindo-se ainda aos re-presentantes pontifícios — o que fi-zestes a tantas almas; naquela mun-danidade, mas sem assumir a mun-danidade, aceitando as pessoas comosão, ouvi-las, dialogar: também estaé uma saída de si mesmo do núncio,para compreender as pessoas, dialo-gar. É cruz».

Retomando a essência da palavraevangélica, Francisco observou comoJesus diz «que o semeador lança àterra o grão e depois repousa, por-que é Deus que o faz germinar ecrescer». Eis que «também o núnciodeve sair de si mesmo em direção aoSenhor que faz crescer, que faz ger-minar a semente; e deve sair de simesmo diante do tabernáculo, naoração, na adoração». Este, expli-cou, «é um grande testemunho: onúncio adora unicamente aquele quefaz crescer, que dá a vida».

Por conseguinte, para o Papa es-tas são «as três saídas de um nún-cio». A primeira é «a saída física: fa-zer as malas, a vida de cigano». De-pois há «a saída, digamos, cultural:aprender a cultura, aprender a lín-gua». Porque, explicou ainda Fran-cisco, naquele telefonema que o re-presentante pontifício recebe para acomunicação de um novo cargo tam-bém se lhe pergunta quantas línguasfala. E talvez a resposta possa ser:«Eu falo bem o inglês, o francês, de-senrasco-me com o espanhol». E po-deria também ouvir dizer: «Ouve, oPapa pensou em enviar-te para o Ja-pão!» — «Mas não conheço nem se-quer uma letra deste japonês!» —«Não importa, aprendes!». A estepropósito o Papa confidenciou aospresentes que se sentiu «edificadopor um de vós que, antes de apre-sentar as credenciais, aprendeu emdois meses uma língua difícil e tam-bém a celebrar naquela língua: re-começou esta saída com entusiasmo,com alegria».

Por fim, a «terceira saída» é «aoração, a adoração». E este aspeto«é mais forte» naqueles que deixa-

ram de estar ao serviço ativo, porque«é também uma tarefa de fraternida-de»: eles rezam mais, devem rezar«mais pelos irmãos que estão ali, nomundo». Mas «também o núncioque está ativo» não deve «esqueceresta adoração, para que o dono façacrescer aquilo que ele semeou».

Portanto, para os representantespontifícios estas são «três saídas etrês modos de servir Jesus Cristo e aIgreja. A Igreja agradece-vos estas

três saídas, agradece tanto». E, con-cluiu o Papa, «também eu, pessoal-mente, vos quero agradecer: muitasvezes me admiro, quando recebo demanhã cedo, as vossas comunica-ções: “Como faz bem, este!”». Aospresentes, antes de retomar a cele-bração da missa, o Papa desejou pre-cisamente que o Senhor conceda «agraça de estar sempre atualizadosnestas três saídas, estas três saídas devós próprios».

José Vela Zanetti, «O semeador» (1988)

da missão diplomática liberta o Re-presentante Pontifício de interessesgeopolíticos, económicos ou milita-res imediatos, chamando-o a discer-nir nos seus primeiros interlocuto-res governamentais, políticos e so-ciais e nas instituições públicas oanseio por servir o bem comum eapelar-se a este aspeto, mesmo sepor vezes se apresenta ofuscado oumortificado por interesses pessoaise corporativos ou por derivas ideo-lógicas, populistas ou nacionalistas.

A Igreja, mesmo sem subestimaro hoje, está chamada a trabalhar alongo prazo, sem a obsessão dos re-sultados imediatos. Deve suportarcom paciência situações difíceis eadversas ou as mudanças de planosque o dinamismo da realidade im-põe. Haverá sempre a tensão entreplenitude e limite, mas à Igreja nãoserve ocupar espaços de poder e deautoafirmação, mas sim fazer nascere crescer a semente boa, acompa-nhar pacientemente o seu desenvol-vimento, rejubilar com a recolhaprovisória que se pode obter, semdesanimar quando uma tempestadeimprevista e gélida estraga aquiloque parecia dourado e pronto paraa colheita (cf. Jo 4, 35). Começarnovos processos com confiança; re-

começar pelos passos já dados, semretroceder, favorecendo quanto fazemergir o melhor das pessoas e dasinstituições, «sem ansiedade, comconvicções claras e tenazes» (Exort.ap. Evangelii gaudium, 223).

Não tenhais medo de intervircom confiança nas pessoas e nasinstituições públicas. Enfrentamosum mundo no qual nem sempre éfácil detetar os centros de poder emuitos desanimam pensando quesão anónimos e inalcançáveis. Aocontrário, estou convencido de queas pessoas ainda são acessíveis.Subsiste no homem o espaço inte-rior no qual a voz de Deus poderessoar. Dialogai com clareza e nãotenhais medo que a misericórdiapossa confundir ou diminuir a bele-za e a força da verdade. A verdadesó se cumpre em plenitude na mise-ricórdia. E estai certos de que a pa-lavra derradeira da história e da vi-da não é o conflito mas a unidade,pela qual o coração de cada homemanseia. Unidade conquistada trans-formando o conflito dramático daCruz na nascente da nossa paz,porque nela foi abatido o muro deseparação (cf. 2, 14).

Estimados irmãos!Ao enviar-vos de novo para a

vossa missão, depois destes dias de

encontros fraternos e felizes, a mi-nha palavra conclusiva quer reco-mendar-vos à alegria do Evangelho.Não somos empregados do medo eda noite, mas guardas da alvorada eda luz do Ressuscitado.

O mundo tem tanto medo — tan-to medo! — e difunde-o. Muitas ve-zes faz dele a chave de leitura dahistória e com frequência adota-ocomo estratégia para construir ummundo apoiado sobre muros e fos-sos. Podemos compreender tambémas razões do medo, mas não deve-mos abraçá-lo, porque «Deus nãonos deu um espírito de timidez,mas de força, caridade e prudên-cia» (2 Tm 1, 7).

Absorvei deste espírito e ide: abriportas; construí pontes; tecei víncu-los; mantende amizades; promoveiunidade. Sede homens de oração:nunca a descuideis, sobretudo aadoração silenciosa, verdadeira fon-te de todas as vossas ações.

O medo habita sempre na obscu-ridade do passado, mas tem umadebilidade: é provisório. O futuropertence à luz! O futuro é nosso,porque pertence a Cristo! Obriga-do!

Convido-vos a rezar juntos o An-gelus: é meio-dia.

[An g e l u s ... Bênção...].

Page 7: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Missa do Papa na festa do bicentenário da Gendarmaria do Vaticano

Um serviço que preserva

Fidelidade e solidariedade

«Defender e promover a honestidade»,eis a tarefa que o Papa Franciscoatribuiu à Gendarmaria do Vaticano,celebrando na manhã de 18 desetembro a santa missa na basílica deSão Pedro, por ocasião do bicentenáriodo Corpo. Publicamos a seguir ahomilia pronunciada pelo Pontíficenessa circunstância.

As leituras bíblicas deste domingoapresentam-nos três tipos de pes-soas: o e x p l o ra d o r, o trapaceiro e o ho-mem fiel.

O e x p l o ra d o r é aquele do qual nosfala o profeta Amós, na primeira lei-tura (cf. 8, 4-7): trata-se de uma pes-soa obcecada por uma forma manía-ca de lucro, até ao ponto de sesentir irritado e impaciente em re-lação aos dias litúrgicos de des-canso, porque interrompem oritmo frenético do comércio. Asua única divindade é o di-nheiro, e o seu agir é domina-do pela fraude e pela explora-ção. Quem paga as consequên-cias são sobretudo os pobres eos indigentes, reduzidos à es-cravidão, e cujo preço é igualao de um par de sandálias (cf.v. 6).

Infelizmente, é um tipo hu-mano que se encontra em to-das as épocas, e até hoje exis-tem muitos.

O t ra p a c e i ro é o homem quenão conhece a fidelidade. Oseu método consiste em fazertrapaças. É dele que nos fala oEvangelho, com a parábola doadministrador desonesto (cf.Lc 16, 1-8). Como chegou este admi-nistrador ao ponto de enganar, deroubar ao seu patrão? De um diapara o outro? Não! Gradualmente.Talvez um dia concedendo uma gor-jeta aqui, no dia seguinte com umsuborno ali, e assim, pouco a pouco,chega à corrupção. Na parábola, osenhor elogia o administrador deso-nesto pela sua astúcia. Mas esta éuma astúcia totalmente mundana,fortemente pecadora, que faz muitomal! Por outro lado, existe uma as-túcia cristã, que leva a fazer as coisascom habilidade, mas não com o es-pírito do mundo: fazer as coisas comhonestidade. E isto é bom! É o quediz Jesus, quando convida a ser as-tutos como as serpentes e simplescomo as pombas: unir estas duas di-mensões é uma graça do EspíritoSanto, uma graça que devemos pe-dir. Até hoje existem muitos destestrapaceiros, corruptos... Impressiona-me ver como a corrupção está disse-minada por toda a parte.

O terceiro é o homem fiel. Po de-mos encontrar o perfil do homemfiel na segunda leitura (cf. 1 Tm 2, 1-8). Com efeito, é aquele que segueJesus, o qual se entregou a si mesmoem resgate por todos, dando o seutestemunho em conformidade com avontade do Pai (cf. vv. 5-6). O ho-mem fiel é um homem de oração, dodúplice sentido que reza pelo próxi-mo e confia na prece dos outros porele, para poder «levar uma vida cal-ma e tranquila, digna e consagrada aDeus» (v. 2). O homem fiel podecaminhar de cabeça erguida.

Também o Evangelho nos fala dohomem fiel: quem sabe ser fiel, queo seja tanto nas coisas de pouca

trabalho escravo». E hoje no mundoo trabalho escravo é um estilo degestão.

Caros irmãos, vós que hoje cele-brais a vossa missão, qual é a vossatarefa? Vós que hoje celebrais duzen-tos anos de serviço, inclusive contraa fraude, contra os trapaceiros, con-tra os exploradores... Com as pala-vras de são Paulo podemos dizer:«Que todos os homens se salvem echeguem ao conhecimento da verda-de» (1 Tm 2, 4). A vossa tarefa é evi-

tar que se façam más ações, comoas do explorador e do trapa-ceiro. O vosso trabalho consis-te em defender e promover ahonestidade, e muitas vezessois mal pagos. Agradeço-vos avossa vocação, estou-vos gratopelo trabalho que levais a cabo.Sei que muitas vezes deveis lutarcontra as tentações de quantosvos querem «comprar», e sinto-me orgulhoso de saber que ovosso estilo é dizer: «Não, eu nãofaço isto». Agradeço-vos este ser-viço de dois séculos, enquanto de-sejo para todos vós que a socieda-de do Estado do Vaticano, que aSanta Sé, desde o último até aomáximo, reconheçam o vosso servi-ço, um serviço de salvaguarda, umserviço que procura não apenas fa-zer com que as coisas funcionem demodo correto, mas também de o fa-zer com caridade, com ternura, e atéarriscando a própria vida. Que oSenhor vos abençoe por tudo isto.O brigado!

Um hospital completamente rees-truturado em Bangui, no coraçãoda África mais pobre, apetrechadosobretudo para a cura das crianças;e uma recolha de fundos para resti-tuir esperança às populações desfa-vorecidas do Vale do Tronto atingi-das pelo tremor de terra de 24 deagosto: dois sinais concretos de so-lidariedade para celebrar uma histó-ria de dois séculos de fidelidade aoPapa e de abertura à humanidadesofredora. A história é a do Corpoda Gendarmaria da Cidade do Vati-cano que, instituída a 14 de julhode 1816 por Pio VII, fez precisa-mente da fidelidade ao Pontífice eda solidariedade cristã um estilo devida e de serviço.

Exatamente para comemorar estebicentenário foram lançadas as ini-ciativas de caridade que mobilizamtodos os pertencentes ao Corpo,guiados pelo comandante Domeni-co Giani. E para eles, o longo diade festa dominical começou de ma-nhã cedo com a participação namissa celebrada pelo Papa Francis-co no altar da Confissão da basílicade São Pedro. Concelebraram, entreoutros, o cardeal presidente do Go-vernatorato, Bertello, com o bisposecretário-geral Vérgez Alzaga, eparticiparam os gendarmes com osseus familiares. Estavam presentes,entre os hóspedes, os membros damissão colombiana vinda ao Vatica-no para assinar um acordo de cola-boração precisamente com a Gen-

darmeria. A polícia da Colômbiaquis condecorar o estandarte daGendarmaria com uma das mais al-tas honorificências do Estado sul-americano, pelo esforço diligenteno contraste ao crime. Também aCruz vermelha italiana prestou ho-menagem ao Corpo do Vaticanocom uma medalha de ouro ao valorcivil pelo socorro prestado nas re-giões da Itália central destruídospelo sismo.

instituições, como o hospital pediá-trico Bambino Gesù. O projeto deintervenção para o hospital da capi-tal da República Centro-Africana —onde no dia 29 de novembro doano passado Francisco abriu a por-ta santa da catedral, inaugurando oJubileu extraordinário da misericór-dia — será ampliado, incluindo ascrianças de Amatrice, Accumoli, Ar-quata e Pescara del Tronto. O mes-mo acontecerá para a iniciativa pro-

E num certo sentido as popula-ções atingidas estiveram idealmentepresentes no segundo momento dacelebração, que teve lugar na parteda tarde na sala Paulo VI. Comefeito, exatamente do seu desejo dedar uma resposta concreta às suasnecessidades nasceram as iniciativasanunciadas pela Gendarmaria e to-madas em colaboração com outras

movida com o cantor e compositoritaliano Claudio Baglioni, que seráprotagonista do concerto “Avrai” —título de uma sua famosa canção —organizado na sala Paulo VI pelaGendarmaria para o dia 17 de de-zembro (data do 80º aniversário doPapa Francisco), cujo lucro serádistribuído entre Bangui e Ama-trice.

monta como nas grandes (cf. Lc 16,10).

A Palavra de Deus leva-nos a umaescolha final: «Nenhum servo podeservir a dois senhores: ou há deodiar a um e amar o outro, ou há deestimar um e desprezar o outro» (Lc16, 13). O trapaceiro gosta do enga-no e odeia a honestidade. O trapa-

ceiro gosta de subornos, de pactosobscuros, daqueles acordos que sefazem na escuridão. E o pior é queele se julga honesto. O trapaceirogosta de dinheiro, gosta de riquezas:para ele as riquezas são um ídolo.Ele não se preocupa — como diz oprofeta — em espezinhar os pobres.Os trapaceiros são aqueles que dis-põem das grandes «indústrias de

Page 8: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Durante o encontro com os líderes religiosos em Assis o Papa reafirmou que o nome de Deus nunca pode justificar a violência

Só a paz é santaE admoestou contra o paganismo da indiferença que nos torna insensíveis à voz dos pobres

Apelo final dos participantes no Dia de oração

Com a guerra todos perdem

água não pode brotar dos desertos doorgulho e dos interesses de parte, dasterras áridas do lucro a todo o custo edo comércio das armas.

Diversas são as nossas tradições reli-giosas. Mas, para nós, a diferença nãoé motivo de conflito, de polémica oude frio distanciamento. Hoje não reza-mos uns contra os outros, como às ve-zes infelizmente sucedeu na História.Ao contrário, sem sincretismos nem re-lativismos, rezamos uns ao lado dos ou-tros, uns pelos outros. São João PauloII disse neste mesmo lugar: «Talveznunca antes na história da humanida-de, como agora, o laço intrínseco queexiste entre uma atitude autenticamentereligiosa e o grande bem da paz se te-nha tornado evidente a todos» (Discur-so, Praça inferior da Basílica de SãoFrancisco, 27 de outubro de 1986, 6:

rejeitar as atitudes rebeldes de quem sa-be apenas protestar e irar-se. A oraçãoe a vontade de colaborar comprometema uma paz verdadeira, não ilusória: nãoa tranquilidade de quem esquiva as di-ficuldades e vira a cara para o lado, seos seus interesses não forem afetados;não o cinismo de quem se lava as mãosdos problemas alheios; não a aborda-gem virtual de quem julga tudo e todosno teclado de um computador, semabrir os olhos às necessidades dos ir-mãos nem sujar as mãos em prol dequem passa necessidade. A nossa estra-da é mergulhar nas situações e dar oprimeiro lugar aos que sofrem; assumiros conflitos e saná-los a partir de den-tro; percorrer com coerência caminhosde bem, recusando os atalhos do mal;empreender pacientemente, com a aju-da de Deus e a boa vontade, processosde paz.

Paz, um fio de esperança que liga aterra ao céu, uma palavra tão simples eao mesmo tempo tão difícil. Paz querdizer P e rd ã o que, fruto da conversão eda oração, nasce de dentro e, em nomede Deus, torna possível curar as feridasdo passado. Paz significa Ac o l h i m e n t o ,disponibilidade para o diálogo, supera-ção dos fechamentos, que não são es-tratégias de segurança, mas pontes so-bre o vazio. Paz quer dizer C o l a b o ra ç ã o ,intercâmbio vivo e concreto com o ou-tro, que constitui um dom e não umproblema, um irmão com quem tentarconstruir um mundo melhor. Paz signi-fica Educação: uma chamada a apren-der todos os dias a arte difícil da co-munhão, a adquirir a cultura do encon-tro, purificando a consciência de qual-quer tentação de violência e rigidez,contrárias ao nome de Deus e à digni-dade do ser humano.

Nós aqui, juntos e em paz, cremos eesperamos num mundo fraterno. Dese-jamos que homens e mulheres de reli-giões diferentes se reúnam e criem con-córdia em todo o lado, especialmenteonde há conflitos. O nosso futuro é vi-ver juntos. Por isso, somos chamados alibertar-nos dos fardos pesados da des-confiança, dos fundamentalismos e doódio. Que os crentes sejam artesãos depaz na invocação a Deus e na ação emprol do ser humano! E nós, como che-fes religiosos, temos a obrigação de serpontes sólidas de diálogo, mediadorescriativos de paz. Dirigimo-nos tambémàqueles que detêm a responsabilidademais alta no serviço dos povos, aos lí-deres das nações, pedindo-lhes que nãose cansem de procurar e promover ca-minhos de paz, olhando para além dosinteresses de parte e do momento: nãocaiam no vazio o apelo de Deus àsconsciências, o grito de paz dos pobrese os anseios bons das gerações jovens.Aqui, há trinta anos, são João Paulo IIdisse: «A paz é um canteiro de obrasaberto a todos e não só aos especialis-tas, aos sábios e aos estrategistas. A pazé uma responsabilidade universal»(D i s c u rs o , Praça inferior da Basílica deSão Francisco, 27 de outubro de 1986,7: o.c., 1269). Irmãs e irmãos, assuma-mos esta responsabilidade, reafirmemoshoje o nosso sim a ser, juntos, constru-tores da paz que Deus quer e de que ahumanidade está sedenta.

No final da celebração conclusiva, umamulher representante do budismo japonêsleu um apelo de paz assinado pelo PapaFrancisco e pelos chefes religiosos alipresentes, que depois foi entregue a umgrupo de crianças e, através delas, aosnumerosos representantes das nações. Eiso texto do apelo.

Homens e mulheres de diferentes reli-giões, congregamo-nos, como peregri-nos, na cidade de são Francisco. Aquiem 1986, há trinta anos, a convite doPapa João Paulo II, reuniram-se Re-presentantes religiosos de todo o mun-do, pela primeira vez de modo tãoparticipado e solene, para afirmar ovínculo indivisível entre o grande bemda paz e uma autêntica atitude religio-sa. Daquele evento histórico, teve iní-cio uma longa peregrinação que, to-cando muitas cidades do mundo, en-volveu inúmeros crentes no diálogo ena oração pela paz; uniu sem confun-dir, gerando amizades inter-religiosassólidas e contribuindo para extinguirnão poucos conflitos. Este é o espíritoque nos anima: realizar o encontro nodiálogo, opor-se a todas as formas deviolência e abuso da religião para jus-

tificar a guerra e o terrorismo. E toda-via, nos anos intercorridos, ainda mui-tos povos foram dolorosamente feridospela guerra. Nem sempre se compre-endeu que a guerra piora o mundo,deixando um legado de sofrimentos eódios. Com a guerra, todos ficam aperder, incluindo os vencedores.

Dirigimos a nossa oração a Deus,para que dê a paz ao mundo. Reco-nhecemos a necessidade de rezar cons-tantemente pela paz, porque a oraçãoprotege o mundo e ilumina-o. A paz éo nome de Deus. Quem invoca o no-me de Deus para justificar o terroris-mo, a violência e a guerra, não cami-nha pela estrada d’Ele: a guerra emnome da religião torna-se uma guerracontra a própria religião. Por isso,com firme convicção, reiteramos que aviolência e o terrorismo se opõem aoverdadeiro espírito religioso.

Colocamo-nos à escuta da voz dospobres, das crianças, das gerações jo-vens, das mulheres e de tantos irmãose irmãs que sofrem por causa da guer-ra; com eles, bradamos: Não à guerra!Não caia no vazio o grito de dor detantos inocentes. Imploramos aos Res-

ponsáveis das nações que sejam desati-vadas as causas das guerras: a ambiçãode poder e dinheiro, a ganância dequem trafica armas, os interesses departe, as vinganças pelo passado.Cresça o esforço concreto por removeras causas subjacentes aos conflitos: assituações de pobreza, injustiça e desi-gualdade, a exploração e o desprezoda vida humana.

Abra-se, finalmente, um tempo no-vo, em que o mundo globalizado setorne uma família de povos. Imple-mente-se a responsabilidade de cons-truir uma paz verdadeira, que estejaatenta às necessidades autênticas daspessoas e dos povos, que impeça osconflitos através da colaboração, quevença os ódios e supere as barreiraspor meio do encontro e do diálogo.Nada se perde, ao praticar efetivamen-te o diálogo. Nada é impossível, senos dirigimos a Deus na oração. To-dos podem ser artesãos de paz; a par-tir de Assis, renovamos com convicçãoo nosso compromisso de o sermos,com a ajuda de Deus, juntamente comtodos os homens e mulheres de boavontade.

A jornada transcorrida pelo SumoPontífice em Assis, a 20 de setembro, paracomemorar o trigésimo aniversário doprimeiro dia mundial de oração pela paz,encerrou-se com a sugestiva celebraçãointer-religiosa que teve lugar na praça deSão Francisco, durante a qual o SantoPadre pronunciou o seguinte discurso.

SantidadesIlustres Representantes das IgrejasComunidades cristãs e ReligiõesAmados irmãos e irmãs!Com grande respeito e afeto vos saúdoe agradeço a vossa presença. Agradeçoà Comunidade de Santo Egídio, à dio-cese de Assis e às Famílias franciscanasque prepararam esta jornada de oração.Viemos a Assis como peregrinos à pro-cura de paz. Trazemos connosco e co-locamos diante de Deus os anseios e asangústias de muitos povos e pessoas.Temos sede de paz, temos o desejo detestemunhar a paz, temos sobretudonecessidade de rezar pela paz, porque apaz é dom de Deus e cabe a nós invo-cá-la, acolhê-la e construí-la cada diacom a sua ajuda.

«Felizes os pacificadores» (Mt 5, 9).Muitos de vós percorreram um longocaminho para chegar a este lugar aben-çoado. Sair, pôr-se a caminho, encon-trar-se em conjunto, trabalhar pela paz:não são movimentos apenas físicos,mas sobretudo da alma; são respostasespirituais concretas para superar os fe-chamentos, abrindo-se a Deus e aos ir-mãos. É Deus que no-lo pede, exortan-do-nos a enfrentar a grande doença donosso tempo: a indiferença. É um vírusque paralisa, torna inertes e insensíveis,um morbo que afeta o próprio centroda religiosidade produzindo um novo etristíssimo paganismo: o paganismo dai n d i f e re n ç a .

Não podemos ficar indiferentes. Ho-je o mundo tem uma sede ardente depaz. Em muitos países, sofre-se porguerras, tantas vezes esquecidas, massempre causa de sofrimento e pobreza.Em Lesbos, com o querido PatriarcaEcuménico Bartolomeu, vimos nosolhos dos refugiados o sofrimento daguerra, a angústia de povos sedentosde paz. Penso nas famílias, cuja vidafoi transtornada; nas crianças, que na

vida só conheceram violência; nos ido-sos, forçados a deixar as suas terras: to-dos eles têm uma grande sede de paz.Não queremos que estas tragédiascaiam no esquecimento. Desejamos darvoz em conjunto a quantos sofrem, aquantos se encontram sem voz e semescuta. Eles sabem bem — muitas vezesmelhor do que os poderosos — que nãohá qualquer amanhã na guerra e que aviolência das armas destrói a alegria davida.

Nós não temos armas; mas acredita-mos na força mansa e humilde da ora-ção. Neste dia, a sede de paz fez-se im-ploração a Deus, para que cessem guer-ras, terrorismo e violências. A paz queinvocamos, a partir de Assis, não é umsimples protesto contra a guerra, nemsequer «o resultado de negociações, decompromissos políticos ou de acordos

Na prece ecuménica o Pontífice tornou-se a voz de todos aqueles que têm sede de paz

Brado dos inocentesAntes do encontro com os líderes religiososmundiais, Francisco rezou com osrepresentantes das Igrejas e confissõescristãs na basílica inferior de SãoFrancisco. Durante a celebração oPontífice pronunciou a seguinte meditação.

À vista de Jesus crucificado, ressoamtambém para nós as suas palavras: «Te-nho sede!» (Jo 19, 28). A sede é, aindamais do que a fome, a necessidade ex-trema do ser humano, mas representatambém a sua extrema miséria. Assimcontemplamos o mistério do Deus Al-tíssimo, que se tornou, por misericór-dia, miserável entre os homens.

De que tem sede o Senhor? Certa-mente de água, elemento essencial paraa vida; mas sobretudo de amor, elemen-to não menos essencial para se viver.Tem sede de nos dar a água viva doseu amor, mas também de receber onosso amor. O profeta Jeremias expres-sou o comprazimento de Deus pelonosso amor: «Recordo-me da tua fideli-dade no tempo da tua juventude, dosamores do tempo do teu noivado» (Jr2, 2). Mas deu voz também ao sofri-mento divino, quando o homem, ingra-to, abandonou o amor, quando — p a re -ce dizer também hoje o Senhor — «meabandonou a mim, nascente de águasvivas, e construiu cisternas para si, cis-ternas rotas, que não podem reter aságuas» (Jr 2, 13). É o drama do «cora-ção árido», do amor não correspondi-do; um drama que se renova no Evan-gelho, quando, à sede de Jesus, o ho-mem responde com vinagre, que é vi-nho estragado. Como profeticamentelamentou o salmista, «deram-me (...)vinagre, quando tive sede» (Sl 69/68,22).

«O Amor não é amado»: tal era, se-gundo algumas crónicas, a realidadeque turvava são Francisco de Assis. Por

amor do Senhor que sofre, não se en-vergonhava de chorar e lamentar-se emvoz alta (cf. Fontes franciscanas, n. 1413).Esta mesma realidade nos deve estar apeito ao contemplarmos Deus crucifica-do, sedento de amor. Madre Teresa deCalcutá quis que, nas capelas de cadacomunidade, estivesse escrito perto doCrucifixo: «Tenho sede». Apagar a sedede amor de Jesus na cruz, através doserviço aos mais pobres dos pobres, foia sua resposta. Na verdade, o Senhor ésaciado pelo nosso amor compassivo; éconsolado quando, em nome d’Ele, nosinclinamos sobre as misérias alheias.No Juízo, chamará «benditos» aquelesque deram de beber a quem tinha sede,aqueles que ofereceram amor concretoa quem estava necessitado: «Sempreque fizestes isto a um destes meus ir-mãos mais pequeninos, a mim mesmoo fizestes» (Mt 25, 40).

As palavras de Jesus interpelam-nos,pedem acolhimento no coração e res-posta com a vida. Na sua exclamação«tenho sede», podemos ouvir a voz dosque sofrem, o grito escondido dos pe-quenos inocentes a quem é negada aluz deste mundo, a súplica instante dospobres e dos mais necessitados de paz.Imploram paz as vítimas das guerrasque poluem os povos de ódio e a terrade armas; imploram paz os nossos ir-mãos e irmãs que vivem sob a ameaçados bombardeamentos ou são forçadosa deixar a casa e emigrar para o desco-nhecido, despojados de tudo. Todoseles são irmãos e irmãs do Crucificado,pequeninos do seu Reino, membros fe-ridos e sedentos da sua carne. Têm se-de. Mas, frequentemente, é-lhes dado,como a Jesus, o vinagre amargo da re-jeição. Quem os ouve? Quem se preo-cupa em responder-lhes? Deparam-semuitas vezes com o silêncio ensurdece-

dor da indiferença, o egoísmo de quemse sente incomodado, a frieza de quemapaga o seu grito de ajuda com a mes-ma facilidade com que muda de canalna televisão.

À vista de Cristo crucificado, «podere sabedoria de Deus» (1 Cor 1, 24),nós, cristãos, somos chamados a con-templar o mistério do Amor não amadoe a derramar misericórdia sobre o mun-do. Na cruz, árvore de vida, o mal foitransformado em bem; também nós,discípulos do Crucificado, somos cha-mados a ser «árvores de vida», que ab-sorvem a poluição da indiferença e res-tituem ao mundo o oxigénio do amor.Do lado de Cristo, na cruz, saiu água,símbolo do Espírito que dá a vida (cf.

Jo 19, 34); do mesmo modo saia denós, seus fiéis, compaixão por todos ossedentos de hoje.

Como a Maria ao pé da cruz, conce-da-nos o Senhor estar unidos a Ele epróximos de quem sofre. Aproximan-do-nos de quantos vivem hoje comocrucificados e tirando a força de amardo Crucificado Ressuscitado, crescerãoainda mais a harmonia e a comunhãoentre nós. «Com efeito, Ele é a nossapaz» (Ef 2, 14), Ele que veio anunciar apaz àqueles que estavam perto e aosque estavam longe (cf. Ef 2, 17). Elenos guarde a todos no amor e nos con-gregue na unidade, para a qual estamosa caminho, a fim de nos tornarmos oque Ele deseja: «um só» (Jo 17, 21).

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

Paganismo da indiferença

com a antiquíssima ladainha do Kyrieeleison, a qual implora piedade do úni-co Senhor de todos e que foi concluí-da com a bênção concedida junta-mente pelo primaz anglicano, pelopatriarca sírio-ortodoxo de Antioquia,pelo de Constantinopla e pelo bispode Roma.

E ele, o Papa Francisco, que dácontinuidade à pregação de paz dosseus predecessores, reafirmou com vi-gor que «o nome de Deus nunca po-de justificar a violência» porque «só apaz é santa e não a guerra». Palavrasde eficácia singular, relançadas noapelo final lido por uma mulher bu-

dista japonesa a fim de repetir de no-vo «o vínculo inseparável entre ogrande bem da paz e uma atitude re-ligiosa autêntica».

Para além de ideologias e instru-mentalizações, sobretudo de «queminvoca o nome de Deus para justificaro terrorismo, a violência e a guerra»,porque «a guerra em nome da reli-gião se torna uma guerra à religião»,frisa o apelo. E as palavras de maisuma chamada foram confiadas pelosrepresentantes das religiões a algumascrianças, que por sua vez as levaram avários embaixadores, para que o en-contro e as suas orações ressoem nomundo.

económicos, mas o resultado da ora-ção» (João Paulo II, D i s c u rs o , Basílicade Santa Maria dos Anjos, 27 de outu-bro de 1986, 1: Insegnamenti IX/2 [1986],1252). Procuramos em Deus, fonte dacomunhão, a água cristalina da paz, deque está sedenta a humanidade: essa

o.c., 1268). Continuando o caminho ini-ciado há trinta anos em Assis, ondepermanece viva a memória daquele ho-mem de Deus e de paz que foi sãoFrancisco, «uma vez mais nós, aquireunidos, afirmamos que quem recorreà religião para fomentar a violênciacontradiz a sua inspiração mais autênti-ca e profunda» (João Paulo II, D i s c u rs oaos Representantes das Religiões, Assis,24 de janeiro de 2002, 4: InsegnamentiXXV/1 [2002], 104), que qualquer formade violência não representa «a verda-deira natureza da religião. Ao contrá-rio, é a sua deturpação e contribui paraa sua destruição» (Bento XVI, Interven-ção na jornada de reflexão, diálogo e ora-ção pela paz e a justiça no mundo, Assis,27 de outubro de 2011: InsegnamentiVII/2 [2011], 512). Não nos cansamos derepetir que o nome de Deus nunca po-de justificar a violência. Só a paz é san-ta. Só a paz é santa; não a guerra!

Hoje imploramos o santo dom dapaz. Rezamos para que as consciênciasse mobilizem para defender a sacralida-de da vida humana, promover a pazentre os povos e salvaguardar a criação,nossa casa comum. A oração e a cola-boração concreta ajudam a não ficarbloqueados nas lógicas do conflito e a

Page 9: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

Aos bispos de recente nomeação Francisco fez três recomendações

Pastoral de misericórdiaSer capazes de atrair, iniciar e acompanhar o rebanho

«Três pequenos pensamentos comocontribuição para fazer com que aMisericórdia seja pastoral, isto é,acessível, tangível, encontrável», foramoferecidos pelo Papa Francisco nodiscurso que dirigiu aos prelados derecente nomeação, os quaisparticiparam nos cursos de formaçãoorganizados pelas Congregações para osbispos e para as Igrejas Orientais. Aaudiência teve lugar Sala Clementinana manhã de 16 de setembro.

Bom dia, prezados Irmãos!Estais quase no fim destes dias fe-cundos passados em Roma paraaprofundar a riqueza do mistério aoqual Deus vos chamou como Bisposda Igreja. Saúdo com gratidão aCongregação para os Bispos e aCongregação para as Igrejas Orien-tais. Saúdo o Cardeal Ouellet eagradeço-lhe as palavras amáveis efraternas. Nas pessoas do CardealOuellet e do Cardeal Sandri gostariade agradecer o trabalho generoso le-vado a cabo para a nomeação dosBispos e para o compromisso napreparação desta semana. Estou felizpor vos receber e por poder compar-tilhar convosco alguns pensamentosque vêm ao coração do Sucessor dePedro, quando vejo diante de mimaqueles que foram «pescados» doCoração de Deus para guiar o seuPovo Santo.

1. A emoçãode ter sido amado primeiro

Sim! Deus precede-vos no seu co-nhecimento amoroso! Ele «pescou-vos» com a isca da sua misericórdiasurpreendente. As suas redes foram-se apertando misteriosamente e nãoconseguistes evitar de vos deixarcapturar. Bem sei que uma emoçãoainda vos permeia quando recordaisa sua chamada, que chegou atravésda voz da Igreja, sua Esposa. Nãosois os primeiros que fostes atraves-sados por esta emoção.

Também o foi Mo i s é s , que julgavaestar sozinho no deserto mas, aocontrário, descobriu-se encontrado eatraído por Deus, que lhe revelou opróprio Nome, não para ele, mas pa-ra o seu povo (cf. Êx 3). Revela-lheo próprio Nome para o seu povo,não vos esqueçais disto. E o grito dedor do seu povo continua a elevar-seaté Deus, mas sabei que desta vezfoi o vosso nome que o Pai quis pro-ferir, a fim de que pronuncieis o seuNome ao povo.

Foi-o também Natanael que, vistoquando ainda estava «debaixo da fi-gueira» (Jo 1, 48), admirado desco-bre-se guardião da visão dos céus,que se abrem definitivamente. Eis, avida de muitos ainda está desprovidadesta passagem que dá acesso ao al-to, e vós fostes vistos de longe paraguiar rumo à meta. Não vos conten-teis com menos. Não pareis no meiodo caminho!

Também o foi a Samaritana, «co-nhecida» pelo Mestre no poço da al-deia, que depois chama os conterrâ-neos ao encontro daquele que possuia Água viva (cf. Jo 4, 16-19). É im-

portante estar conscientes de quenas vossas Igrejas não há necessida-de de procurar «de mar a mar»,porque a Palavra da qual têm fomee sede, as pessoas podem encontrá-la nos vossos lábios (cf. Am 8, 11-13).

Permeados por esta emoção, fo-ram também os Ap ó s t o l o s quando, re-velados «os pensamentos dos seuscorações», descobriram com dificul-dade o acesso ao caminho secreto deDeus, que habita nos mais pequeni-nos e se esconde a quantos são au-tossuficientes (cf. Lc 9, 46-48). Nãovos envergonheis pelas vezes quetambém vós fostes tocados por estadistância dos pensamentos de Deus.Pelo contrário, abandonai a preten-são da autossuficiência, para vosconfiardes como crianças àquele querevela o seu Reino aos mais peque-ninos.

Até os fariseus foram abalados poresta emoção, quando muitas vezesforam desmascarados pelo Senhorque conhecia os seus pensamentos,tão pretensiosos que os levavam adesejar medir o poder de Deus como limite do próprio olhar, e tão blas-

veis que acumulam e aos quais seagarram como se fossem suficientespara comprar o amor, que não tempreço. Não suportam a emoção desaber que são conhecidos por Al-guém que é maior e não despreza onosso pouco, é mais santo e nãocensura a nossa debilidade, é verda-deiramente bom e não se escandalizacom as nossas chagas. Não seja as-sim para vós: deixai que esta emoçãovos permeie, não a elimineis, não asilencieis.

3. Atravessar o Coração de Cristov e rd a d e i r a

Porta da MisericórdiaPor tudo isto, no próximo domin-

go, quando atravessardes a PortaSanta do Jubileu da Misericórdia,que atraiu a Cristo milhões de pere-grinos da Urbe e do Orbe, convido-vos a viver intensamente uma expe-riência pessoal de gratidão, de re-conciliação, de confiança total e deentrega incondicional da própria vi-da ao Pastor dos pastores.

4. A tarefa de tornar a pastoralm i s e r i c ó rd i a

Não é uma tarefa fácil. Pedi aDeus, que é rico de misericórdia, osegredo para tornar pastoral a suamisericórdia nas vossas dioceses.Com efeito, é necessário que a mise-ricórdia forme e informe as estrutu-ras pastorais das nossas Igrejas. Nãose trata de diminuir as exigências,nem de vender barato as nossas pé-rolas. Aliás, a única condição que apérola preciosa põe a quantos a en-contram é a de não poder reclamarmenos do que tudo; a sua única pre-tensão é suscitar no coração daque-les que a encontram a necessidadede arriscar tudo para a obter.

Não tenhais medo de propor amisericórdia como resumo daquiloque Deus oferece ao mundo, porqueo coração do homem não pode aspi-rar a nada de maior. Se isto não fos-se suficiente para «dobrar o que é rí-gido, aquecer o que é gélido, endireitaro que está desviado», o que mais teriapoder sobre o homem? Então, esta-ríamos desesperadamente condena-dos à impotência. Teriam, porventu-ra, os nossos temores o poder decontrastar os muros e abrir passa-gens? Por acaso as nossas inseguran-ças e desconfianças são capazes desuscitar docilidade e consolação nasolidão e no abandono?

Como ensinou o meu venerado esábio Predecessor, é «a misericórdiaque põe um limite ao mal. É nelaque se expressa a natureza muito pe-culiar de Deus, a sua santidade, opoder da verdade e do amor». Ela é«o modo como Deus se opõe ao po-der das trevas com o seu poder to-talmente diverso e divino», precisa-mente «o poder da misericórdia»(Bento XVI, Homilia, 15 de abril de2007). Portanto, não vos deixeis apa-vorar pela insinuação prepotente damorte. Conservai intacta a certezadeste poder humilde com o qualDeus bate à porta do coração de ca-da homem: santidade, verdade eamor. Tornar pastoral a misericórdiamais não é do que transformar asIgrejas que vos foram confiadas emcasas onde residem a santidade, averdade e o amor. Aí residem comohóspedes vindos do alto, dos quaisnão nos podemos apoderar, mas quedevem ser sempre servidos, repetin-do: «Não passeis sem vos deterdesna casa do vosso servo» (Gn 18, 3):eis o pedido de Abraão.

5. Três recomendações para tornarpastoral a misericórdia

Gostaria de vos oferecer três pe-quenos pensamentos como contri-buição para a enorme tarefa que vosespera: através do vosso ministério,tornar pastoral a misericórdia, ou se-ja, acessível, tangível, encontrável.

5.1. Sede Bisposcapazes de encantar e de atrair

Fazei do vosso ministério um íco-ne da misericórdia, a única força ca-paz de seduzir e de atrair de modopermanente o coração do homem.

femos a ponto de murmurar contraa liberdade soberana do seu amorsalvífico (Mt 12, 24-25). Deus vos li-vre de tornar infecunda esta emoção,de a domar e esvaziar do seu poder«desestabilizador». Deixai-vos «de-sestabilizar»: isto é positivo para obisp o.

2. Condescendência admirável!É bom deixar-se trespassar pelo

conhecimento amoroso de Deus. Éconsolador saber que Ele realmentesabe quem somos e não se assustacom a nossa pequenez. É reconfor-tante conservar no coração a memó-ria da sua voz que nos chamou, pre-cisamente a nós, não obstante asnossas insuficiências. Enche de pazabandonar-se à certeza de que seráEle, e não nós, quem levará a cum-primento aquilo que Ele mesmo co-meçou.

Hoje, muitas pessoas se mascarame se escondem. Gostam de construirpersonagens e inventar perfis. Tor-nam-se escravos dos recursos miserá-

Atravessando Cristo, a única Por-ta, fixai o vosso olhar no seu. Deixaique Ele vos alcance «miserando atqueeligendo». A riqueza mais preciosaque podeis levar de Roma, no iníciodo vosso ministério episcopal, é aconsciência da misericórdia com aqual fostes vistos e escolhidos. Oúnico tesouro que vos rogo que nãodeixeis enferrujar em vós é a certezade que não estais abandonados só àsvossas forças. Sois Bispos da Igreja,partícipes de um único Episcopado,membros de um Colégio indivisível,solidamente enxertados como ramoshumildes da videira, sem a qual na-da podeis fazer (cf. Jo 15, 48). Dadoque já não podeis ir sozinhos a lugaralgum, porque vos acompanha a Es-posa que vos foi confiada como umselo gravado na vossa alma, ao atra-vessardes a Porta Santa, fazei-o car-regando a vossa grei nos ombros:não sozinhos, mas com o rebanhonos ombros e trazendo no vosso co-ração o Coração da vossa Esposa,das vossas Igrejas.

Page 10: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Na última hora, até o ladrão se dei-xou atrair por Aquele em quem «en-controu só o bem» (cf. Lc 23, 41).Ao vê-lo trespassado na cruz, as pes-soas batiam a mão no peito confes-sando aquilo que jamais poderiamreconhecer acerca de si mesmas, senão tivessem sido surpreendidas poraquele amor que nunca tinham co-nhecido antes e que no entanto jor-rava gratuita e abundantemente! Atépodemos ignorar um deus distante eindiferente, mas não se resiste facil-mente a um Deus tão próximo e,além disso, ferido por amor. A bon-dade, a beleza, a verdade, o amor eo bem — eis o que podemos oferecera este mundo suplicante, mesmo queseja em tigelas um pouco quebradas.

Todavia, não se trata de atrair pa-ra si mesmos: isto é um perigo! Omundo está cansado de encantado-res mentirosos. E permito-me dizer:de sacerdotes «na moda» ou de bis-pos «na moda». As pessoas «sen-tem» — o povo de Deus tem a per-ceção de Deus — as pessoas «sen-tem» e afastam-se quando reconhe-cem os narcisistas, os manipuladores,os defensores das causas pessoais, osarautos de cruzadas vãs. Pelo contrá-rio, procurai satisfazer Deus, que jáse introduz antes ainda da vossachegada.

Penso em Heli com o pequenoSamuel, no primeiro Livro de Sa-muel. Embora fosse uma época emque «a palavra do Senhor era rara[...] e as visões não eram frequentes»(3, 1), todavia Deus não se resignoua desaparecer. Só na terceira vez osonolento Heli entendeu que o jo-vem Samuel não tinha necessidadeda sua resposta, mas da resposta deDeus. Vejo o mundo de hoje comoum confuso Samuel, necessitado dequem possa distinguir, no meio dogrande alarido que perturba a sua avoz secreta de Deus que o chama.São necessárias pessoas que saibamfazer sobressair dos corações inade-quados de hoje o humilde balbuciar:«Falai, Senhor!» (3, 9). São aindamais necessárias pessoas que saibamfavorecer o silêncio que torna audí-vel esta palavra.

Deus nunca se rende! Somos nósque, acostumados a render-nos, mui-tas vezes nos acomodamos preferin-do deixar-nos convencer que verda-deiramente puderam eliminá-lo, e in-ventamos discursos amargos parajustificar a indolência que nos blo-queia no som imóvel das lamenta-ções inúteis. As queixas de um bisposão feias.

5.2. Sede Bispos capazes de iniciarquantos vos foram confiados

Tudo o que é grande tem necessi-dade de um percurso de iniciação.Ainda mais a misericórdia divina,que é inesgotável! Uma vez conquis-tados pela misericórdia, ela exige umtrajeto introdutivo, um caminho,uma estrada, uma iniciação. É sufi-ciente observar a Igreja, Mãe quegera para Deus e Mestra que iniciaquantos ela gera, a fim de que com-preendam a verdade na sua plenitu-de. É suficiente contemplar a rique-za dos seus Sacramentos, nascenteque deve ser sempre revisitada, tam-bém na nossa pastoral, a qual só de-seja ser a tarefa materna da Igreja,de alimentar aqueles que nasceramde Deus e através dela. A misericór-dia de Deus é a única realidade quepermite que o homem não se percade maneira definitiva, inclusivequando infelizmente ele procura evi-tar a sua fascinação. Nela o homempode estar sempre certo de que nãocairá naquele fosso em que se encon-tra desprovido de origem e destino,de sentido e horizonte.

O rosto da misericórdia é Cristo.Nele ela permanece uma oferta per-manente e inesgotável; nele ela pro-clama que ninguém está perdido,ninguém está perdido! Para Ele, ca-da indivíduo é único! Única ovelhapela qual Ele arrisca no meio datempestade; única moeda paga como preço do seu sangue; único filhoque estava morto e que agora voltoua viver (cf. Lc 15). Peço-vos que nãotenhais outra perspetiva a partir daqual olhar para os vossos fiéis, a nãoser aquela da sua unicidade, que nãodeixeis de tentar tudo em vista de osalcançar, de não poupar esforço al-gum para os recuperar.

Sede Bispos capazes de iniciar asvossas Igrejas neste abismo de amor.Hoje pedem-se demasiados frutos deárvores que não foram suficiente-mente cultivadas. Perdeu-se o senti-do da iniciação e, no entanto, acede-se àquilo que é verdadeiramente es-sencial na vida só mediante a inicia-ção. Pensai na emergência educacio-nal, na transmissão quer dos conteú-dos quer dos valores, pensai noanalfabetismo afetivo, nos percursosvoacionais, no discernimento no seiodas famílias e na busca da paz: tudoisto exige iniciação e trajetos guia-dos, com perseverança, paciência econstância, os quais são sinais quedistinguem o bom pastor do merce-nário.

Vem-me ao pensamento Jesus queinicia os seus discípulos. Pegai nos

Evangelhos e observai como o Mes-tre introduz com paciência os seusdiscípulos no Mistério da própriapessoa e, finalmente, para imprimirdentro deles a sua pessoa, Ele conce-de o Espírito, que «ensina todas ascoisas» (cf. Jo 16, 13). Impressiona-me sempre uma anotação de Ma-teus, durante o discurso das parábo-las, que reza assim: «Então [Jesus]despediu a multidão... entrou de no-vo em casa e os seus discípulos reu-niram-se ao seu redor para lhe per-guntar: “Explica-nos...”» (13, 36).Gostaria de meditar sobre esta ano-tação aparentemente irrelevante. Je-sus entra em casa, na intimidadecom os seus, e a multidão fica fora;os discípulos aproximam-se e pe-dem-lhe explicações. Jesus viviasempre imerso nas realidades do seuPai, com quem cultivava a intimida-de na oração. Por isso, podia estarpresente para si mesmo e para osoutros. Saía ao encontro da multi-dão, mas tinha a liberdade de voltara entrar.

Recomendo-vos a atenção à inti-midade com Deus, fonte da posse eda entrega de si, da liberdade de saire de voltar. Deveis ser Pastores capa-zes também de voltar a entrar emcasa com os vossos, de suscitar aque-la intimidade saudável que lhes con-sente aproximar-se, criar aquela con-fiança que lhes permite perguntar:«Explica-nos». Não se trata de umaexplicação qualquer, mas do segredodo Reino. É uma pergunta dirigidaa vós em primeira pessoa. Não sedeve delegar a resposta a outrem.Não se pode adiá-la, porque se viveem digressão, num indeterminado«algures», indo para algum lugar ouvoltando de algum lugar, frequente-mente pouco seguros de si mesmos.

Peço-vos que cuideis com atençãoespecial das estruturas de iniciaçãodas vossas Igrejas, particularmenteos seminários. Não vos deixeis tentarpelos números nem pela quantidadede vocações, mas procurai antes detudo a qualidade do discipulado.Nem números, nem quantidade: so-mente qualidade. Não priveis os se-minaristas da vossa paternidade fir-me e terna. Fazei com que eles cres-çam até ao ponto de adquirirem a li-berdade de estar, em Deus, «calmose sossegados, tal como uma criançano regaço materno» (cf. Sl 131, 2);não à mercê dos próprios caprichos,nem cativos das suas fragilidades,mas livres de abraçar o que Deuslhes pede, inclusive quando isto nãoparece tão dócil como era no inícioo seio materno. E estai atentosquando algum seminarista se refugiana rigidez: por detrás disto existesempre algo negativo.

5.3. Sede Bisposcapazes de acompanhar

Permiti que vos faça uma últimarecomendação para tornar pastoral amisericórdia. E aqui sou obrigado apercorrer novamente o caminho deJericó, para contemplar o coração doSamaritano que se abre como o ven-tre de uma mãe, tocado pela miseri-córdia diante daquele homem semnome, que tinha caído nas nãos dossalteadores. Antes de tudo, há estedeixar-se comover pela visão do ho-

mem ferido, meio morto, e depoisvem uma série impressionante deverbos que todos vós conheceis. Ver-bos, não adjetivos, como muitas ve-zes nós preferimos. Verbos com osquais se conjuga a misericórdia.

Tornar pastoral a misericórdiaconsiste exatamente nisto: conjugá-lacom verbos, torná-la palpável e ati-va. Os homens têm necessidade demisericórdia; mesmo inconsciente-mente, vivem à procura da miseri-córdia. Sabem bem que estão feri-dos, sentem isto, sabem bem que es-tão «meio-mortos» (cf. Lc 10, 30),por mais que tenham medo de o ad-mitir. Quando, inesperadamente sedão conta de que a misericórdia seaproxima, então expõem-se e esten-dem a mão para a mendigar. Sen-tem-se fascinados pela sua capacida-de de parar, quando tantos passammais além; de se debruçar, quandoum certo reumatismo da alma impe-de que nos inclinemos; de tocar acarne ferida, quando prevalece a pre-ferência por tudo aquilo que é esté-ril.

Gostaria de meditar sobre um dosverbos conjugados pelo Samaritano.Ele acompanha até à hospedariaaquele homem encontrado fortuita-mente, responsabilizando-se pelo seudestino. Interessa-se pela sua cura epelo seu amanhã. Não lhe é sufi-ciente aquilo que já tinha levado acabo. A misericórdia, que tinha dila-cerado o seu coração, tem necessida-de de ser derramada e jorrada. Elanão pode ser impedida. Não se con-segue interrompê-la. Não obstanteseja simplesmente um Samaritano, amisericórdia que o atingiu participada plenitude de Deus, e por conse-guinte nenhuma barragem a podeo b s t ru i r.

Sede Bispos com o coração feridopor uma misericórdia semelhante, eportanto incansável na tarefa humil-de de acompanhar o homem que,«por acaso», Deus colocar no vossopercurso. Por onde quer que andeis,recordai-vos que o caminho de Jeri-có não está distante. As vossas Igre-jas estão cheias desses caminhos.Muito perto de vós não será difícilencontrar aqueles que esperam nãoum «levita», que vira a cara para ooutro lado, mas um irmão que se fazpróximo.

Acompanhai primeiro, e com soli-citude paciente, o vosso clero. Per-manecei próximos do vosso clero.Rogo-vos que transmitais aos vossossacerdotes o abraço do Papa e oapreço pela sua generosidade dili-gente. Procurai reavivar neles aconsciência de que Cristo é o seu«destino», o seu «quinhão e fontede herança», a parte que lhes cabebeber do «cálice» (cf. Sl 16, 5).Quem mais, além de Cristo, poderápreencher o coração de um servo deDeus e da sua Igreja? Peço-vos tam-bém que trabalheis com grande pru-dência e responsabilidade na horade receber os candidatos ou de in-cardinar os presbíteros nas vossasIgrejas locais. Por favor, prudência eresponsabilidade nisto! Recordai quedesde os primórdios se desejava quea relação entre a Igreja local e osseus sacerdotes fosse inseparável, e

CO N T I N UA NA PÁGINA 14

Page 11: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

Missas matitunas em Santa MartaQuinta-feira15 de setembro

Sob o mantoNum mundo de órfãos Maria é aMãe que nos entende até ao fim enos defende, também porque viveuna sua pele as mesmas humilhaçõesque hoje, por exemplo, padecem asmães dos presos. Celebrando a missana memória da Bem-Aventurada Vir-gem das Dores, o Papa sugeriu quenos refugiemos sempre, nos momen-tos difíceis, «sob o manto» da Mãede Deus, repropondo assim «o con-selho espiritual dos místicos russos»que o Ocidente relançou com a antí-fona Sub tuum praesidium.

Para a sua meditação sobre o«mistério da maternidade de Ma-ria», o Pontífice inspirou-se na últi-ma Ceia: «À mesa, Jesus despede-sedos seus discípulos: há um ar detristeza, todos sabiam que algo aca-baria mal e faziam perguntas, esta-vam tristes». Mas «Jesus, na despe-dida, para lhes dar um pouco de co-ragem e para os preparar na espe-rança, diz-lhes: “Não vos entriste-çais, o vosso coração não se amargu-re, não vos deixarei sós! Pedirei aoPai que envie outro Paráclito, quevos acompanhará. Ele ensinar-vos-átudo e recordar-vos-á tudo o que vosdisse”». Portanto, o Senhor «prome-te enviar o Espírito para acompa-nhar os discípulos e a Igreja pelo ca-minho da história».

Mas Jesus «fala também do Pai».Com efeito, recordou o Papa, «na-quele longo discurso com os discí-pulos fala do Pai», garantindo «queo Pai os ama e que do Pai receberãotudo o que lhe pedirem. Que con-fiem no Pai». Assim, explicou o Pa-pa, dá «mais um passo: não só diz“não vos deixarei sós”, mas “não vosdeixarei órfãos, dou-vos o Pai, o Paiestá convosco, o meu Pai é o vossoPai». Depois, acrescentou, «acontecetudo o que sabemos, após a Ceia: ahumilhação, a prisão, a traição dosdiscípulos; Pedro nega Jesus, os ou-tros fogem».

Referindo-se ao trecho do Evan-gelho de João (19, 25-27), Franciscodisse que aos pés da cruz «só estavaum discípulo com a Mãe de Jesus,Maria de Magdala e a outra Maria,uma parente». Ali, aos pés da cruz,«está Maria, Mãe de Jesus: todos afitavam», talvez sussurrando: «Ela éa mãe deste bandido! É a mãe destesubversivo!». E Maria, acrescentou oPapa, «ouvia isto, sofria humilha-ções terríveis, e ouvia até as autori-dades, alguns sacerdotes que Ela res-peitava por serem sacerdotes», dizera Jesus: «Tu que és tão bom, des-ce!». Maria, afirmou Francisco, aolado do «seu filho nu sofria muito,mas não foi embora, não negou oFilho, porque era a sua carne».

Com uma confidência pessoal, oPapa recordou: «Aconteceu muitasvezes quando eu ia, em Buenos Ai-res, às prisões para visitar os encar-cerados, ver a fila de mulheres queesperavam para entrar: eram mães,mas não se envergonhavam, a sua

carne estava ali». Aquelas «mulheressofriam não só a vergonha de estarali», ouvindo dizer: «Olha aquela, oque terá feito o filho?». Aquelasmães «sofriam até as piores humi-lhações nas inspeções que lhes fa-ziam antes de entrar, mas eram mãese iam encontrar a própria carne».Assim foi para Maria, que «estavaali com o Filho, com um grande so-frimento». E «naquele momento Je-sus, o qual dissera que não os deixa-ria órfãos e falara do Pai, olha paraa sua mãe e oferece-a a nós comomãe: “Eis a tua mãe!”». O Senhor«não nos deixa órfãos: nós cristãostemos uma mãe, a mesma de Jesus;temos um Pai, o mesmo de Jesus.Não somos órfãos». E Maria «dá-nos à luz naquele momento comtanta dor, é deveras um martírio:com o coração trespassado, aceitadar à luz todos nós naquela hora dedor. E a partir daquele momentotorna-se nossa mãe, é nossa mãe,que cuida de nós e não se envergo-nha de nós: defende-nos».

«Os místicos russos dos primeirosséculos da Igreja davam um conse-lho aos seus discípulos, os jovensmonges: no momento das turbulên-cias espirituais refugiai-vos sob omanto da santa Mãe de Deus. Ali odiabo não pode entrar, porque Ela émãe, e como mãe defende». Depois,«o Ocidente tomou este conselho edele fez a primeira antífona marianaSub tuum praesidium: sob o teu man-to, sob a tua proteção, ó Mãe, esta-mos seguros». «Hoje é a memóriado momento em que Nossa Senhoranos deu à luz — prosseguiu — e atéhoje Ela é fiel a este parto e conti-nuará a sê-lo». E «num mundo quepodemos chamar “órfão”, num mun-do que sofre a crise de uma grandeorfandade, talvez a nossa ajuda sejadizer: “Olha para a tua mãe!”». Poistemos uma mãe «que nos defende,ensina e acompanha, que não se en-vergonha dos nossos pecados porqueé mãe».

Concluindo, o Pontífice rezou pa-ra «que o Espírito Santo, este ami-go, este companheiro de caminho, oParáclito advogado que o Senhornos enviou, nos faça compreendereste grande mistério da maternidadede Maria».

Sexta-feira16 de setembro

Lógicado depois de amanhã

O cristão deve ter a coragem de vi-ver com «a lógica do depois de ama-nhã», ou seja, com a certeza da «res-surreição da carne» que é também«a raiz mais profunda das obras demisericórdia». E o Papa advertiucontra as tentações de se deixar con-dicionar por uma «piedade espiri-tualista» ou de ficar só pela «lógicado passado e do presente», relançan-do a verdade da «lógica da reden-ção, até ao fim».

Refletindo sobre o trecho evangé-lico de Lucas (8, 1-3) proposto pelaliturgia, o Papa afirmou: «quandoouço este trecho do Evangelho sor-rio um pouco porque alguns apósto-los implicavam com Madalena: Lu-cas, também Marcos, recordam sem-pre o passado» a ponto de escreverque dela «tinham saído sete demó-nios». Mas «pobre mulher, foi aapóstola da ressurreição, é apóstola,mas eles não esquecem». Por conse-guinte, o Papa repropôs os conteú-dos do trecho da primeira carta aosCoríntios (15, 12-20). Entrando «nes-te jogo — é a palavra que me vem —jogo: que Paulo faz» entre a ressur-reição de Cristo e «a nossa ressurrei-ção — “Se Cristo não ressuscitou,também nós não ressuscitaremos” —e de uma parte para outra, mas pa-rece um pouco confuso». Na reali-dade, a finalidade do apóstolo dosGentios «é clara: deseja fazer comque entremos na lógica da redençãoaté ao fim». Por exemplo, «quandorecitamos o Credo é bonito: dize-mos: “Deus, Pai Omnipotente, o Fi-lho, o Espírito Santo...”». E «atéàquele ponto dizemo-lo bem». Aocontrário, o fim do Credo começa air depressa: “a Igreja católica, a res-surreição dos mortos” ou nalgumastraduções, como a espanhola, «a res-surreição da carne”». Mas esta partedo Credo, insistiu Francisco, «dize-mo-la depressa: sim, é melhor dizê-la depressa porque não sabemos co-mo será isto, a carne assusta-nos». Eeis que, na carta aos Coríntios,«Paulo entra em todo este jogo daressurreição: se Jesus fez assim, porque nós...; e se não fizermos assim,nem sequer Jesus o fez».

Segundo Francisco a explicação ésimples: «Todos nós temos facilidadede entrar na lógica do passado, por-que é concreta: vimos». E «é fáciltambém entrar na lógica do presen-te: porque o vemos». Mas «devemosdizer também que muitos psiquiatrastrabalharam para fazer compreendera algumas pessoas esta lógica dopassado e do presente: é fácil, é con-creta». Sim, prosseguiu Francisco,«não é muito difícil, mas nisto atrai-çoa-nos um pouco o neo-saduceís-mo: pensar na lógica do futuro,“não, mas sim no céu, há tanta gen-te no céu: como será? Mas é melhornão pensar nisso”». Trata-se de umamaneira de pensar um pouco comoos «saduceus»: «Sim, o Senhor ama-nos e far-nos-á viver, mas não pense-mos como, porque isto é difícil».Sem dúvida «não é fácil entrar natotalidade desta lógica do futuro».

Com efeito, «a lógica de ontem éfácil, a lógica de hoje é fácil» e tam-bém «a lógica de amanhã é fácil: to-dos morreremos» afirmou o Papa. Oque é «difícil» é a «lógica do depoisde amanhã». É precisamente «o quePaulo quer comunicar hoje, a lógicado depois de amanhã: como será?».A questão central é «a ressurreição:Cristo ressuscitou e está claro quenão ressuscitou como um fantasma».Por isso, narrando a ressurreição,Lucas cita esta palavra de Jesus:«Tocai-me, dai-me de comer!». Por-que «um fantasma não tem carne,nem ossos». Eis então que «a lógicado depois de amanhã é a lógica que

inclui a carne: como será o céu?Sim, todos iremos para lá?».

«Mas nós não compreendemos oque Paulo quer dizer, esta lógica dodepois de amanhã» explicou ainda oPontífice. E «também aqui nos atrai-çoa um certo gnosticismo: não, sereitodo espiritual». O facto, prosseguiuo Papa, é que «nós temos medo dacarne: não esqueçamos que esta foi aprimeira heresia condenada peloapóstolo João: “Quem diz que oVerbo de Deus não veio na carne édo Anticristo, é do Maligno”». Sim,afirmou o Papa, «temos medo deaceitar e levar até às últimas conse-quências a carne de Cristo». É«mais fácil uma piedade espiritualis-ta, uma piedade de tonalidades; masentrar na lógica da carne de Cristo,isso é difícil». Contudo «esta é a ló-gica do depois de amanhã: nós res-suscitaremos como Cristo, com anossa carne».

A este propósito Francisco obser-vou que «se compreende algo nasprofecias» que podem servir de aju-da: por exemplo, explicou, «Job, umpouco profeticamente obscuro, nocapítulo 19, diz-nos algo: “Sei que omeu Redentor está vivo e eu vê-lo-eicom os meus olhos». E «foi precisa-mente Jesus quem mostrou que asua ressurreição é assim». Mas tam-bém «já os primeiros cristãos, os deCorinto, também os de Tessalónica»,pensam: «Sim, Ele ressuscitou destaforma, mas talvez nós, não sei, sim,veremos o Senhor, mas...». Na reali-dade é precisamente «aqui, na fé daressurreição da carne», que «asobras de misericórdia têm a raizmais profunda, porque há uma liga-ção contínua: a carne de Cristo, acarne do irmão, as obras de miseri-córdia, é a carne transformada».

Por isso «Paulo diz aos cristãosde Tessalónica», na primeira carta,capítulo quarto: “Eu não quero queestejais na ignorância em relação aosadormecidos. Todos seremos trans-formados”. O nosso corpo, prosse-guiu Francisco, «a nossa carne serátransformada e estaremos sempre noSenhor; assim como o Senhor é,com o corpo e com a alma, transfor-mado: do modo como o Senhor sefez ver e tocar, e do modo como co-meu com os discípulos depois daressurreição, também nós seremoscom o mesmo corpo». E «é esta alógica do depois de amanhã, aquelaque temos dificuldade de compreen-der, na qual temos dificuldade deentrar». Em nossa ajuda vem umabonita frase de Paulo aos cristãos deTessalónica: e nós, assim transforma-dos, «estaremos sempre com o Se-nhor».

«Compreender bem a lógica dopassado é um sinal de maturidade;mover-se na lógica do presente é umsinal de maturidade, na de ontem ena de hoje». E «é também um sinalde maturidade ter a prudência paraver a lógica do amanhã, do futuro».Mas «é necessária uma graça grandedo Espírito Santo para compreenderesta lógica do depois de amanhã,depois da transformação, quandoEle vier e nos levar todos transfor-mados sobre as nuvens para perma-necer sempre com Ele». Ao Senhor,concluiu o Papa, «pedimos a graçadesta fé».

Page 12: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Segunda-feira19 de setembro

Não se conserva a luzno frigorífico

Se não quisermos ser cristãos só «denome», é necessário fazer próprio ocompromisso diário a «preservar enão esconder» aquela luz que nosfoi doada com o batismo. Um com-promisso que se realiza na vida «detodos os dias», prestando atenção anão ceder a algumas tentações, nasquais somos levados a cair. Ponto departida, como de costume, a liturgiado dia que, no Evangelho de Lucas(8, 16-18) fala precisamente do temada luz, «do conselho de Jesus a nãocobrir a lâmpada» e «deixar que aluz sobressaia, ilumine, para quequem entra possa ver a luz». Umconselho reafirmado também nocanto ao Evangelho que, citando oevangelista Mateus (5, 16), convida:«Brilhe a vossa luz diante dos ho-mens, para que vejam as vossas boasobras e glorifiquem o vosso Pai».

Em primeiro lugar, não se devecair no equívoco, porque geralmente«na linguagem quotidiana, dizemos:“Mas, esta é uma pessoa luminosa;esta não é luminosa”». Na realidade,no Evangelho «não se fala desta lu-minosidade humana. A luz do Se-nhor não é só simpatia. Há algomais». Com efeito, «preservar a luzsignifica preservar algo que nos foidado como dom e se somos lumino-sos, somos luminosos» no sentido«de ter recebido o dom da luz nodia do Batismo». Precisamente poresta razão, acrescentou, «inicialmen-te, nos primeiros séculos da Igreja,também nalgumas Igrejas orientais obatismo ainda se chama “ilumina-ção”»; e ainda hoje, «quando batiza-mos uma criança, damos uma vela,com a luz, como sinal: porque odom de Deus é a luz».

Ora, continuou, esta luz que Jesusdá no batismo «é uma luz verdadei-ra», uma luz «que vem de dentro,porque é uma luz do Espírito Santo.Não é uma luz artificial, uma luz ca-muflada. É uma luz suave, serenaque nunca se apaga». Por este moti-vo «não deve ser coberta». E «se tucobrires esta luz, tornas-te tíbio ousimplesmente cristão de nome».

Para melhor compreender a natu-reza desta luz que «Jesus nos dizpara preservar» e «que nos foi ofere-cida como dom a todos», o Pontífi-ce evocou também o trecho evangé-lico da transfiguração: «pensemosno Tabor, quando ele mostra toda aluz que possui». E citando o salmoem que se lê: «O justo habitará nomonte santo do Senhor», convidou:«pensemos naquela montanha, ondeo Senhor é transfigurado, com todaa sua luz». Precisamente aquela é aluz «que nós devemos preservar enão esconder.

Mas este compromisso deve con-frontar-se com a vida do dia a dia. Eentão, alguém poderia perguntar:«Padre, e como pode ser escondidaesta luz? Como se pode esconder aluz para que não ilumine, e para queos homens não vejam a luz que sefaz com as boas obras?». Mais umavez, é a própria liturgia que vem emnossa ajuda. Desta vez com a pri-meira leitura, tirada do livro dosProvérbios (3, 27-34), na qual há al-

guns «conselhos: são conselhos deum pai sábio aos filhos». Antes detudo, lê-se: «Meu filho não neguesum benefício a quem o solicita,quando está em teu poder conceder-lho». É muito simples: «Se puderesfazer um bem, faz o bem. E todostêm direito a receber o bem, porquetodos somos filhos do Pai que nosconcede o bem». Ao contrário,«aquela pessoa que não faz o bem,podendo-o fazer, cobre a luz» que«se torna obscura».

O Pontífice deteve-se sobre esteconceito, analisando algumas atitu-des que se encontram facilmente navida quotidiana: «Não digas ao teupróximo: "Sim, vai, vai, vai... volta edar-to-ei amanhã". Se tu possuíresagora o que te pede — e isto é umargumento muito forte, na Bíblia —não deixes que quem precisa espere;não pagues o ordenado no dia se-guinte».

Francisco deu também outroexemplo citando um trecho do livrodo Êxodo: «Se tiveres o seu mantopenhorado, porque lhe fizeste umempréstimo, restitui-lho à noite, paraque possa dormir». Tudo isto pararecomendar: «Nunca adiar o bem».Neste sentido o Papa utilizou umaimagem muito concreta: «o bem nãotolera o frigorífico», ou seja, não de-ve ser conservado; «o bem é hoje, ese não o fizeres hoje, amanhã nãohaverá. Não escondas o bem paraamanhã». E quem raciocina com alógica do «“vai, volta, dar-to-ei ama-nhã”, encobre fortemente a luz».

O livro dos Provérbios acrescentaoutro conselho: «não tramar o malcontra o teu próximo, enquanto eleestá confiante junto de ti». Tambémesta é uma realidade que temosdiante dos olhos todos os dias:«quantas vezes a gente tem confian-ça numa pessoa ou noutra, e estatrama o mal para o destruir, sujar,para o aniquilar». E, explicou, «opequeno fragmento de máfia que to-dos nós temos nas mãos: aquele quese aproveita da confiança do próxi-mo para tramar o mal; é um mafio-so», mesmo se não pertence de factoa uma organização criminosa: «estaé máfia, aproveitar-se da confiança...E isto cobre a luz. Torna-te obscuro.Qualquer máfia é obscura».

A Escritura continua: «não discu-tais sem motivo com ninguém, senão te fez nada de mal». Tambémaqui se apresenta de novo a vidaquotidiana. Sublinhou Francisco:«como gostamos de discutir, eh?Sempre. Sempre procuramos algumpequeno pretexto para discutir. Nofinal cansa discutir: não se pode vi-ver» assim. «É melhor deixar passar,perdoar...», no máximo «fingir que

não se veem as coisas» para «nãodiscutir».

O pai sábio da Escritura prosse-gue com os seus conselhos e convi-da: «Não invejes o homem violentoe não te zangues por todos os seussucessos, porque o Senhor tem hor-ror do perverso, enquanto a sua ami-zade é para os justos». Com efeito,às vezes acontece que «temos ciú-mes, inveja em relação a quantospossuem bens, que têm sucesso, ouque são violentos». Não obstante tu-do, comentou o Pontífice, se consi-derarmos «a história dos violentos,dos poderosos» nos daríamos contade que «os mesmos vermes que co-merão a nós, comem a eles; os mes-mos! No final seremos todos iguais.Permanece o facto que «invejar opoder, ter ciúmes... tudo isto cobre aluz». E na escritura vai-se além;«Meu Filho, a maldição do Senhorestá sobre a casa do malvado, en-quanto ele abençoa a casa dos jus-tos». E, ao contrário, acrescenta-seque o Senhor «concede a sua bene-volência aos humildes».

Portanto, o Papa exortou nova-mente a escutar estes conselhos quedizem respeito à vida «de todos osdias» — «não são coisas estranhas»— e a acolher o convite: «Sede filhosda luz, e não filhos das trevas; pre-servai a luz que vos foi doada comodom no dia do batismo». E, con-cluindo, convidou «todos nós querecebemos o batismo» a rezar ao Es-pírito Santo a fim de que «nos ajudea não cair nestes maus hábitos quecobrem a luz, e nos ajude a levar emfrente a luz recebida gratuitamente,aquela luz de Deus que faz muitobem: a luz da amizade, da mansi-dão, da fé, da esperança, da paciên-cia, da bondade».

Lewis Bawman, «Transfiguração»

Te r ç a - f e i r a20 de setembro

A vergonha da guerra«Hoje, homens e mulheres de todasas religiões, irão a Assis não para fa-zer um espetáculo: simplesmente pa-ra rezar e rezar pela paz». Antes departir para a cidade de são Francis-co, o Papa quis reafirmar o sentidoda peregrinação. «Escrevi uma cartaa todos os bispos do mundo — afir-mou — para que nas suas dioceses sefaçam hoje encontros de oração,convidando os católicos, os cristãos,os crentes e todos os homens e mu-lheres de boa vontade, de qualquerreligião, a rezar pela paz».

Assim «hoje o mundo terá o seucentro em Assis, mas será o mundointeiro que reza pela paz» disse oPontífice, que não deixou de sugerirque todos dediquem «um pouco detempo, na própria casa», pegandona «Bíblia ou no rosário», a fim de«rezar pela paz, porque o mundo es-tá em guerra, o mundo sofre». Estaguerra, explicou Francisco, «não avemos: acontece perto de nós algumato de terrorismo, assustamo-nos» e«isto é mau, muito mau». Mas «estasituação nada tem a ver com quantose verifica naqueles países, naquelasterras onde dia e noite as bombas

caem incessantemente, e matamcrianças, idosos, homens, mulheres:tudo!».

«Deus, Pai de todos, de cristãos enão cristãos — Pai de todos — desejaa paz», afirmou o Papa, acrescentan-do: «Somos nós, os homens, sob atentação do maligno, que fazemos asguerras para ganhar dinheiro, paranos apoderarmos de mais territó-rios». Hoje, prosseguiu, «sofre-setanto no mundo por causa da guerrae muitas vezes podemos dizer: “Gra-ças a Deus, não nos toca!”». E ébom agradecer — acrescentou — maspensemos também nos outros», emquantos, ao contrário, são atingidospela guerra.

Fazendo referência à primeira lei-tura proposta pela liturgia — tiradado livro dos Provérbios (21, 1-6.10-13) — Francisco relançou em particu-lar a expressão conclusiva: «Quemfecha os ouvidos ao grito dos po-bres, por sua vez invocará e não ob-terá resposta». E assim, explicou,«se hoje fecharmos os ouvidos aobrado desta gente que sofre debaixodas bombas, que sofre a exploraçãodos traficantes de armas, pode acon-tecer que quando couber a nós nãoobteremos respostas».

Nesta perspetiva o Papa relançouo seu apelo: «Não podemos fecharos ouvidos ao grito de dor destesnossos irmãos e irmãs que sofremdevido à guerra». E admoestou tam-bém contra a ideia de que se tratede assuntos que não nos dizem res-peito: «A guerra está longe? Não,está muito próxima!» afirmou. «Por-que a guerra — explicou — diz res-peito a todos, a guerra começa tam-bém no coração: por isso devemosrezar hoje pela paz», pedindo «queo Senhor nos conceda a paz no co-ração, nos prive de qualquer vontadede avidez, de concupiscência, de lu-ta».

«Paz, paz!» foi o brado que o Pa-pa quis repetir. Com os votos de«que o nosso coração seja um cora-ção de homem e mulher de paz»,prontos a ir «além das divisões dasreligiões — todos, todos, todos! —porque todos somos filhos deDeus». E «Deus é Deus de paz, nãoexiste um deus de guerra: quem faza guerra é o maligno, é o diabo, quepretende matar todos».

O Pontífice convidou expressa-mente a pensar «hoje não só nasbombas, nos mortos, nos feridos,mas também nas pessoas — criançase idosos — às quais não podem che-gar as ajudas humanitárias para co-mer; não podem chegar os remé-dios». E «estão famintos, doentesporque as bombas impedem» quetenham os alimentos e os cuidadosnecessários. E «enquanto hoje reza-mos, seria bom que cada um de nóssentisse vergonha por os humanos,os nossos irmãos, serem capazes defazer isto».

Por conseguinte, hoje deve ser de-veras um «dia de oração, de peni-tência, de pranto pela paz; um diapara sentir o brado do pobre». Estegrito «que nos abre o coração à mi-sericórdia, ao amor e nos salva doegoísmo». Em conclusão o Papaquis agradecer a quantos responde-rem ao seu convite «por tudo o quefizerem por este dia de oração e depenitência pela paz».

Page 13: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

Sexta-feira da misericórdia na unidade de neonatologia do hospital San Giovanni e num hospice

Em defesa da vida

O Papa recordou que Deus criou homem e mulher à sua imagem

Dignidade a contagiar«Quando alguém despreza, segrega,discrimina, não contagia dignidade,mas o contrário», recordou o PapaFrancisco aos participantes na semanabíblica nacional organizada pelaAssociação bíblica italiana, durante aaudiência que teve lugar na manhã de15 de setembro, na sala Clementina.

Prezados amigos!Estou feliz por me encontrar convos-co, por ocasião da Semana bíblicanacional, organizada pela Associaçãobíblica italiana. Agradeço ao Presi-dente as suas amáveis palavras e di-rijo uma cordial saudação a todos ospresentes, de maneira particular aoCardeal Bassetti, ao Cardeal Betori eao Cardeal Ravasi.

O tema sobre o qual meditastes é:«Façamos o ser humano... varão e mu-lher: declinações da polaridade homem-mulher nas Escrituras». Por conse-guinte, aprofundastes alguns aspetosda relação entre homem e mulher, apartir de determinados textos bíbli-cos fundamentais. Sobre esta temáti-ca já são João Paullo II refletiu pro-longadamente durante uma memorá-vel série de Catequeses, na primeiraparte do seu Pontificado. Tambémeu, numa Catequese do ano passa-do, comentando a primeira narraçãoda criação, tive a oportunidade de

sublinhar que, «depois de ter criadoo universo e todos os seres vivos,Deus criou a obra-prima, isto é, oser humano, e fê-lo à sua própriaimagem: “Criou-o à imagem deDeus; criou-os varão e mulher” (Gn1, 27)» (Audiência geral, 15 de abril de2015).

É essencial ponderar sobre o mo-do como fomos criados, formados àimagem e semelhança do Criador,sobre a nossa diferença em relaçãoàs outras criaturas e a toda a criação.Isto ajuda-nos a compreender a dig-nidade que todos nós temos, ho-mens e mulheres, uma dignidadeque encontra a sua raiz no próprioCriador. Sempre me impressionouque a nossa dignidade consiste exa-tamente em ser filhos de Deus, e aolongo da Escritura esta relação ma-nifesta-se na constatação que Ele nosorienta como um Pai faz com o seufilho. Na segunda narração da cria-ção descreve-se como Deus nos fezde modo «artesanal», plasmando-nos com o barro da terra, isto é, asmãos de Deus comprometeram-secom a nossa vida. Ele criou-nos nãoapenas com a sua palavra, mas in-clusive com as suas mãos e com oseu sopro vital, como se quisesse di-zer que quando deu a vida ao serhumano, Deus participou com todoo seu ser.

No entanto, existe a possibilidadede que esta dignidade, que nos foiconferida por Deus, possa degradar-se. Para o dizer em termos futebolís-ticos, o homem tem a capacidade derealizar um «autogol». Isto acontecequando negociamos a dignidade,quando abraçamos a idolatria, quan-do no nosso coração deixamos lugarà experiência dos ídolos. Durante oêxodo do Egito, quando o povo es-tava cansado porque Moisés demo-rava para descer do monte, foi tenta-do pelo diabo e construiu um ídolopara si (cf. Êx 32). E o ídolo era deouro. Todos os ídolos têm algo deouro! Isto faz pensar na força deatração das riquezas, no facto de queo homem perde a sua dignidadequando no seu coração as riquezasocupam o lugar de Deus.

Ao contrário, Deus conferiu-nos adignidade de ser seus filhos. Disto

deriva também uma interrogação:como posso compartilhar esta digni-dade, de tal forma que ela se desen-volva numa reciprocidade positiva?Como posso fazer com que o outrose sinta digno? Como posso «conta-giar» dignidade? Quando alguémdespreza, segrega, discrimina, nãocontagia dignidade, mas o contrário.Far-nos-á bem perguntar-nos comfrequência: como assumo a minhadignidade? Come a faço crescer? Efar-nos-á bem examinar-nos tambémpara descobrir se e quando não con-tagiamos a dignidade ao nosso pró-ximo.

Estimados irmãos e irmãs, agrade-ço-vos o trabalho inestimável que le-vais a cabo, enquanto vos asseguroas minhas orações. E, por favor, nãovos esqueçais de rezar por mim.O brigado!

Uma «sexta-feira da misericórdia» nos passos de santaTeresa de Calcutá, que prestou um grande serviço à vi-da, desde a conceção até ao seu fim natural. Podemosresumir assim a tarde em que o Papa, a 16 de setembro— poucos dias após a canonização da fundadora dasMissionárias e dos Missionários da Caridade — levou asua solidariedade a duas estruturas romanas de assis-tência à saúde: a unidade de neonatologia do hospitalSan Giovanni e à Villa Speranza, que assiste aproxima-damente trinta doentes terminais.

No grande hospital público ao lado da basílica late-ranense e do palácio do Vicariato, o bispo de Roma vi-sitou o serviço de urgências e a unidade de neonatolo-gia, onde estavam internadas doze crianças com váriaspatologias. Cinco delas (das quais duas gémeas) estãoem condições muito graves, intubadas na unidade deterapia intensiva. Tendo sido recebido com surpresa eemoção por médicos, enfermeiros e familiares dosdoentes, antes de entrar o Papa Francisco quis subme-

ter-se a todas as precauções higiénicas no respeito dosambientes assépticos, vestindo o caraterístico uniformeverde e a pequena máscara. Parando diante de cada in-cubadora, Francisco saudou os pais presentes, transmi-tindo-lhes conforto e coragem. O doutor Ambrogio DiPaolo, diretor da unidade de neonatologia e terapia in-tensiva neonatal, descreveu à Rádio Vaticano os senti-mentos de alegria «tanto das pessoas que trabalhamcom dedicação e generosidade, como das mães». Mastambém o Pontífice, disse o médico, «se comoveu. De-dicou palavras de conforto a todos e encontrou um jo-vem deficiente com quem trocou olhares antes de oab ençoar».

Por fim, o Papa Francisco «quis saber como funcio-na a unidade, há quanto tempo as crianças estão inter-nadas e quanto tempo ainda devem estar ali, e pediunotícias sobre os recém-nascidos do andar de cima». OSumo Pontífice «ficou impressionado com as máqui-nas, às quais estão ligadas muitas crianças que assimsão ajudadas a sobreviver. Mas interessou-se tambémpelos pais».

Depois deixou o hospital para ir à Villa Speranza,que pertence à Fundação policlínica Agostino Gemelli,da Universidade católica do Sagrado Coração. Na ruaPineta Sacchetti, os responsáveis da estrutura deram asboas-vindas ao Papa, que saudou um por um os pa-cientes internados. Houve uma grande surpresa da par-te de todos, que viveram momentos de emoção intensaentre lágrimas e sorrisos.

Mais um sinal forte no ano jubilar, porque — lê-senuma nota da sala de imprensa da Santa Sé — o «aco-lhimento da vida e a garantia da sua dignidade em ca-da momento é um ensinamento muitas vezes frisadopelo Papa, que com esta visita imprimiu o selo concre-to e tangível de que para viver a misericórdia é funda-mental a atenção às situações mais frágeis e precárias».

Em ambas as visitas o Sumo Pontífice estava acom-panhado, como de costume nas sextas-feiras da miseri-córdia, pelo arcebispo Rino Fisichella, presidente doPontifício conselho para a promoção da nova evangeli-zação.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 11

nunca se aceitou um clero errante ouem trânsito de um lugar para o ou-tro. Esta é uma doença dos nossostemp os.

Reservai um acompanhamento es-pecial a todas as famílias, rejubilan-do com o seu amor generoso e enco-rajando o bem imenso que elas dis-pensam neste mundo. Acompanhaiacima de tudo aquelas mais feridas.Não «passeis além» diante das suasfragilidades. Detende-vos para per-mitir que o vosso coração de pasto-res seja trespassado pela visão dassuas feridas; aproximai-vos com deli-cadeza e sem medo. Colocai diantedos vossos olhos a alegria do amorautêntico e da graça com a qualDeus o eleva à participação no seuAmor. Muitos têm necessidade devoltar a descobri-la, outros nuncachegaram a conhecê-la, alguns espe-ram recuperá-la, não poucos deverãocarregar o peso de a ter perdido deforma irremediável. Peço-vos que osacompaheis no discernimento comempatia.

Estimados Irmãos!Agora rezaremos juntos e eu aben-çoar-vos-ei com todo o meu coraçãode pastor, de pai e de irmão. A bên-ção é sempre a invocação da face deDeus sobre nós. Cristo é o rosto deDeus que nunca se ofusca. Enquan-to vos abençoar, pedir-lhe-ei que ca-minhe convosco e que vos infunda acoragem de caminhar com Ele. É oseu semblante que nos atrai, que seimprime em nós e que nos acompa-nha. Assim seja!

Aos bispos

Page 14: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

número 38, quinta-feira 22 de setembro de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕES

Na Sardenha o cardeal Amato beatificou Elisabetta Sanna

Como as pedras dos nuragues«Imitadora humilde de Cristo e tes-temunha afável da sua caridade»: eiso perfil espiritual da nova beata Eli-sabetta Sanna — «leiga, viúva, terciá-ria franciscana, membro da Uniãodo apostolado católico de são Vicen-te Pallotti» — traçado pelo cardealAngelo Amato. O prefeito da Con-gregação para as causas dos santospresidiu ao rito de beatificação, sá-bado 17 de setembro, em Codrongia-nos na Sardenha, em representaçãodo Papa Francisco.

Sintetizando o seu carisma, o pur-purado definiu-a mulher da miseri-córdia, pois a sua vida foi uma práti-ca constante das obras de misericór-dia corporal e espiritual. Com efeito,ela viveu naquele «pedaço de paraí-so» que é a ilha sarda, iletrada, nãoobstante a sua família fosse abasta-da, mas rica de uma «fé simples etenaz, profundamente enraizada noseu coração e vivida com aquela es-sencialidade de formas que é umacaracterística de muitos nuraguespresentes no território». O celebran-te fez referência às antiquíssimasconstruções que salpicam a Sarde-nha «essenciais mas sólidas, que re-sistiram ao desgaste do tempo, che-gando intactas até nós».

O cardeal Amato recordou tam-bém que Elisabetta «se pôs a cami-nho em peregrinação rumo à TerraSanta» e «que por motivos contin-gentes, a viagem de Porto Torres alevou a Génova e logo a seguir aRoma, onde, por causa da sua débil

saúde, permaneceu pelo resto da vi-da», sem nunca poder chegar a Je-rusalém nem voltar para casa.

Com efeito, o seu confessor sãoVicente Pallotti — explicou o purpu-rado — «aconselhou-lhe que não sepreocupasse com os filhos e não cor-resse o risco de enfrentar a viagem àSardenha, pois lhe poderia ser fa-tal». Ela aceitou, também porqueem Roma recebia notícias tranquili-zadoras sobre os seus familiares, que«se encontravam em boas mãos, emcasa do irmão sacerdote padre Antó-nio Luigi». Certamente, sublinhou oprefeito da Congregação para ascausas dos santos, nos primeirosanos «sofreu muitas saudades, cho-rando ao lembrar deles. Mas são Vi-cente Pallotti tranquilizava-a conti-nuamente», dado que chegara final-mente «a viver a vocação, sentidadesde criança, de se consagrar total-mente a Deus». A este propósito, opurpurado reevocou a experiênciade uma santa francesa, a irmã da or-dem das ursulinas Maria da Encar-nação, na altura Marie Guyart (1599-1672), canonizada pelo Papa Francis-co em 2014. «Tendo ficado viúvaainda muito jovem — disse — con-fiou ao colégio dos jesuítas o filhoCláudio para se tornar religiosa». Acriança, que inicialmente choravaimplorando o regresso a casa damãe, não só não sofreu nenhumaconsequência psicológica ao longodo crescimento, mas tornou-se bene-ditino e o admirador mais fervoroso

da mãe, que entretanto partira mis-sionária para o Canadá, pioneira daevangelização naquelas terras.

Voltando a falar da beata Sanna,o cardeal Amato reevocou que emRoma não obstante o frio, o cansaçodo caminho e «os braços entorpeci-dos» — devido a uma enfermidadeque a tinha atingido desde a infân-cia — ela ia com frequência «ao hos-pital “San Giacomo” ou visitava ascasas privadas para servir os doen-tes».

Além disso, prosseguiu na recons-trução da sua vicissitude humana,das esmolas que recebia, «depois detirar aquele pouco que servia para asua mísera refeição, dava esmolasaos outros». E nunca ficava turbada«pelos insultos recebidos. Não per-mitia que se falasse mal do próximo.Rezava e fazia rezar pelos condena-dos à morte».

Em última análise, as obras de sãoVicente Pallotti foram os principaisdestinatários da sua caridade: «tra-balhava por elas fazendo malhas ecosturando, além disso enviava di-nheiro para as apoiar. Pallotti costu-mava dizer que os grandes benfeito-res do Instituto eram uma mulherpobre, Elisabetta Sanna, e o cardealLambruschini». A Eucaristia, acres-centou o cardeal Amato, era «o por-to da sua alma, adoradora incansáveldo Santíssimo Sacramento do altar»,a ponto que ouvia até cinco ou seismissas por dia. Este fervor eucarísti-co «derramava-o no amor ao próxi-

mo com um coração aberto a todosno conselho e no serviço».

Já em Codrongianos, depois damorte do marido, a sua casa tinha-setransformado numa espécie de ora-tório. E em Roma era «conhecidapela sua disponibilidade a quem aela se dirigia; nobres e plebeus, ami-gos e inimigos, ricos e pobres, roma-nos e forasteiros, grandes e peque-nos». De facto, com as suas palavras«fazia paz nas famílias e restaurava aharmonia entre os cônjuges». Umbiógrafo escreveu que Elisabetta ti-nha uma graça especial «para conso-lar os aflitos, os quais falando comela, sentiam voltar a paz e a tranqui-lidade nos seus corações». Conse-guia, concluiu o cardeal, inspirarsentimentos de caridade e perdão edava exemplo disso, pois «não sóperdoava as ofensas, mas procuravafazer o maior bem possível a quem atinha ofendido».

Francesco Becciu, «Elisabetta Sanna»(Sassari, Igreja do Rosário)

Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiências particulares:

No dia 15 de setembroD. Emil Paul Tscherrig, Arcebispo Titular de Voli,Núncio Apostólico na Argentina.O Dr. Filippo Grandi, Alto Comissário para osRefugiados da Organização das Nações Unidas.O Senhor Cardeal Cláudio Hummes, PrefeitoEmérito da Congregação para o Clero, com SuaExcelência D. Jaime Vieira Rocha, Arcebispo deNatal (Brasil).

No dia 16 de setembroO Venerável Koei Morikawa, 257° Tendai Zasu eSupremo Sacerdote da Denominação budistaTe n d a i .D. Pierbattista Pizzaballa, Arcebispo Titular deVerbe, Administrador Apostólico «sede vacante»do Patriarcado de Jerusalém dos Latinos.

No dia 17 de setembroO Senhor Cardeal Marc Ouellet, Prefeito daCongregação para os Bispos.Na parte da tarde, na Casa Santa Marta: D. Jean-Marie Speich, Arcebispo Titular de Sulci, NúncioApostólico no Gana.

No dia 19 de setembroMonsenhor Maurizio Bravi, Observador Perma-nente da Santa Sé na Organização Mundial doTurismo (OMT); o Senhor Cardeal Antonio MaríaRouco Varela, Arcebispo Emérito de Madrid (Es-panha); D. Joseph Marino, Arcebispo Titular deNatchitoches, Núncio Apostólico na Malásia e emTimor-Leste, e Delegado Apostólico em BruneiDarussalam; D. Fortunatus Nwachukwu, Arcebis-po Titular de Aquaviva, Núncio Apostólico naNicarágua; e D. Franco Coppola, Arcebispo Titu-lar de Vinda, Núncio Apostólico no México.

Renúncias

A 21 de setembroDe D. Héctor Sabatino Cardelli, ao governo pas-toral da Diocese de San Nicolás de los Arroyos( A rg e n t i n a ) .

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 17 de setembroO Senhor Cardeal Cormac Murphy-O’C o n n o r,Arcebispo Emérito de Westminster, Enviado Es-pecial à consagração da nova Catedral da Prelaziaterritorial de Trondheim (Noruega), que terá lu-gar no dia 19 de novembro.

No dia 19 de setembroAuxiliar da Diocese de Merlo-Moreno (Argenti-na), o Rev.do Pe. Oscar Eduardo Miñarro, atéagora Vigário-Geral da mesma Sede e Pároco daParóquia de Nossa Senhora das Mercês, simulta-neamente eleito Bispo Titular de Antium.D. Oscar Eduardo Miñarro nasceu em Buenos Aires(Argentina), no dia 15 de setembro de 1960 e foi or-denado Sacerdote a 13 de maio de 1997.

No dia 20 de setembroArcebispo Metropolitano de Clermont (França),D. François Kalist, até esta data Bispo de Limo-ges.

No dia 21 de setembroNúncio Apostólico nas Ilhas Salomão, D. KurianMathew Vayalunkal, Arcebispo Titular de Razia-ria, atualmente Núncio Apostólico na Papua-No-va Guiné.

Bispo de San Nicolás de los Arroyos (Argentina),D. Hugo Norberto Santiago, até agora Bispo daDiocese de Santo Tomé.Coadjutor de Alexandria (Estados Unidos daAmérica), D. David Prescott Talley, até hoje Bis-po Titular de Lambesi e Auxiliar de Atlanta.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

A 16 de setembroD. Hovhannes Tcholakian, Arcebispo Emérito deIstambul dos Arménios, na Turquia.

O venerando Prelado nasceu em Istambul (Tur-quia), no dia 12 de abril de 1919. Foi ordenadoPresbítero a 25 de abril de 1943 e recebeu a Ordena-ção episcopal em 5 de março de 1967.

A 17 de setembroD. Carmelo Dominador F. Morelos, ArcebispoEmérito de Zamboanga, nas Filipinas.

O ilustre Prelado nasceu a 11 de dezembro de1930, em Sorsogon (Filipinas). Recebeu a Ordenaçãosacerdotal no dia 3 de abril de 1954 e foi nomeadoBispo em 5 de julho de 1967.

A 20 de setembroD. Jean Chabbert, Bispo Emérito de Perpignan-Elne, na França.

O saudoso Prelado nasceu em Castres (França), a31 de dezembro de 1920. Foi ordenado Sacerdote em29 de junho de 1947 e recebeu a Ordenação episco-pal a 7 de julho de 1967.

Início de Missão de Núncio Apostólico

D. Peter Bryan Wells, Arcebispo Titular de Mar-cianopolis, na Namíbia (20 de julho).D. Peter Bryan Wells, Arcebispo Titular de Mar-cianopolis, no Lesoto (4 de agosto).

Page 15: Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 OL’ S S E RVATOR E … · nações do mundo. PÁGINAS 8 E 9 Pa g a n i s m o da indiferença GI O VA N N I MARIA VIAN Trinta anos depois

página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 22 de setembro de 2016, número 38

Na audiência geral o Papa recordou a necessidade de perdoar e de doar

Dois pilares«Perdoar» e «doar»: apoiam-se sobre estes dois«pilares» o edifício da vida cristã e, de maneiraespecial, o testemunho de misericórdia ao qualcada fiel está chamado, disse o Papa durante aaudiência geral de quarta-feira 21 de setembrona praça de São Pedro.

Bom dia, estimados irmãos e irmãs!Ouvimos o trecho do Evangelho de Lucas (6,36-38), do qual foi tirado o lema deste AnoSanto Extraordinário: Misericordiosos como oPai. A expressão completa é: «Sede miseri-cordiosos como o vosso Pai é misericordioso»(v. 36). Não se trata de um slogan de efeito,

ama com um amor insondável, derramando-ocopiosamente sobre cada criatura. A morte deJesus na cruz é o ápice da história de amorde Deus pelo homem. Um amor tão grandeque só Deus o pode concretizar. É evidenteque, comparado com este amor desmedido, onosso amor será sempre imperfeito. Masquando Jesus nos pede para ser misericordio-sos como o Pai, não pensa na quantidade! Pe-de aos seus discípulos que se tornem sinal,canais, testemunhas da sua misericórdia.

E a Igreja não pode deixar de ser sacra-mento da misericórdia de Deus no mundo,em todos os tempos e para a humanidade in-

tos, aqui na terra, tiverem sido generosos. Je-sus não diz o que acontecerá com quantosnão doam, mas a imagem da «medida» cons-titui uma admoestação: com a medida doamor que dermos, somos nós mesmos que de-cidimos como seremos julgados, como sere-mos amados. Observando bem, há uma lógi-ca coerente: na medida em que se recebe deDeus, dá-se ao irmão; e na medida em que sedá ao irmão, recebe-se de Deus!

Por isso, o amor misericordioso é o únicocaminho a percorrer. Quanta necessidade te-mos todos nós de ser um pouco mais miseri-cordiosos, de não falar mal do próximo, denão julgar, de não «depenar» os outros comcríticas, invejas e ciúmes. Devemos perdoar,ser misericordiosos, viver a nossa existênciano amor. Este amor permite que os discípulosde Jesus não percam a identidade recebidadele, reconhecendo-se como filhos do mesmoPai. Assim, no amor que eles puserem emprática na vida reflete-se a Misericórdia quenão conhece ocaso (cf. 1 Cor 13, 1-12). Masnão nos esqueçamos disto: misericórdia edom; perdão e dom. É assim que o coraçãose dilata, abrindo-se ao amor. Ao contrário, oegoísmo e a raiva reduzem o coração, que seendurece como uma pedra. O que preferis,um coração de pedra ou um coração repletode amor? Se escolherdes um coração cheio deamor, sede misericordiosos!

No final da audiência, o Pontífice convidoutodos a estarem próximos dos doentes deAlzheimer, na celebração do seu 23º diamundial. A seguir, algumas das expressões deFra n c i s c o .

Dirijo uma saudação cordial aos peregrinosde língua portuguesa, em particular a todosos fiéis brasileiros. Queridos amigos, ser mise-

mas de um compromisso de vida. Para com-preender bem esta expressão, podemos con-frontá-la com a paralela do Evangelho deMateus, onde Jesus diz: «Sede, pois, perfei-tos como é perfeito o vosso Pai que está nosCéus» (5, 48). No chamado sermão da mon-tanha, que começa com as Bem-Aventuran-ças, o Senhor ensina que a perfeição consisteno amor, cumprimento de todos os preceitosda Lei. Nesta mesma ótica, são Lucas explici-ta que a perfeição é o amor misericordioso:ser perfeito significa ser m i s e r i c o rd i o s o . Alguémque não é misericordioso é perfeito? Não! Éboa a pessoa que não é misericordiosa? Não!A bondade e a perfeição radicam-se na mise-ricórdia. Sem dúvida, Deus é perfeito. No en-tanto, se o considerarmos assim, para os ho-mens será impossível tender para esta perfei-ção absoluta. Contudo, tê-lo diante dos olhoscomo misericordioso permite-nos entendermelhor em que consiste a sua perfeição, im-pelindo-nos a ser como Ele, cheios de amor,compaixão, misericórdia. Mas questiono-me:são realistas as palavras de Jesus? É realmentepossível amar como Deus ama, ser misericor-dioso como Ele?

Se olharmos para a história da salvação,veremos que toda a revelação de Deus é umamor incessante e incansável pelos homens:Deus é como um pai ou como uma mãe que

que fomos perdoados, devemos perdoar. Re-citamos todos os dias no Pai-Nosso: « Pe rd o a i -nos os nossos pecados, perdoai-nos as nossasofensas, assim como nós perdoamos a quemnos tem ofendido». Ou seja, perdoar as ofen-sas, perdoar tantas coisas, porque nós fomosperdoados de tantas ofensas, de tantos peca-dos. Assim, é fácil perdoar: se Deus me per-doou, por que razão não devo perdoar os ou-tros? São maiores do que Deus? Este pilar doperdão mostra-nos a gratuitidade do amor deDeus, que nos amou primeiro. É errado jul-gar e condenar o irmão que peca. Não por-que não queremos reconhecer o pecado, masporque condenar o pecador interrompe o vín-culo de fraternidade com ele e despreza a mi-sericórdia de Deus, que no entanto não querrenunciar a nenhum dos seus filhos. Não te-mos o poder de condenar o nosso irmão queerra, não estamos acima dele: ao contrário, te-mos o dever de o resgatar para a dignidadede filho do Pai e de o acompanhar no seu ca-minho de conversão.

À sua Igreja, a nós, Jesus indica tambémum segundo pilar: «doar». Perdoar é o pri-meiro pilar; doar é o segundo. «Dai e ser-vos-á dado [...] também vós sereis julgadossegundo a medida com a qual medirdes» (v.38). Deus doa muito além dos nossos méri-tos, mas será ainda mais generoso com quan-

teira. Portanto, cada cristão está cha-mado a ser testemunha da misericór-dia, e isto acontece no caminho dasantidade. Pensemos em quantos san-tos se tornaram misericordiosos por-que deixaram que seus corações seenchessem de misericórdia divina.Deram corpo ao amor do Senhor,derramando-o nas múltiplas necessi-dades da humanidade sofredora. Nes-te florescer de tantas formas de cari-dade é possível entrever os reflexosda face misericordiosa de Cristo.

Interroguemo-nos: para os discípu-los, o que significa ser misericordio-sos? Jesus explica-o com dois verbos:«perdoar» (v. 37) e «doar» (v. 38).

A misericórdia exprime-se antes detudo no p e rd ã o : «Não julgueis e nãosereis julgados; não condeneis e nãosereis condenados; perdoai e sereisperdoados» (v. 37). Jesus não tencio-na subverter o curso da justiça huma-na, mas recorda aos discípulos quepara manter relações fraternas é preci-so suspender o juízo e a condenação.Com efeito, o perdão é o pilar quesustenta a vida da comunidade cristã,porque é nele que se manifesta a gra-tuitidade do amor com que Deus nosamou primeiro. O cristão deve per-doar! Mas porquê? Porque foi per-doado. Todos nós que estamos hojeaqui, na praça, fomos perdoados. To-dos nós, na nossa vida, tivemos ne-cessidade do perdão de Deus. E dado

ricordioso significa saber estender a mão, ofe-recer um sorriso, realizar um gesto de amorpara com todos os que necessitam. Quandosomos generosos, nunca nos faltam as bên-çãos de Deus. Obrigado!

Hoje celebra-se o 23º dia mundial da doen-ça de Alzheimer, que tem como tema: «Re-corda-te de mim». Convido todos os presen-tes a «recordar-se», com a solicitude de Ma-ria e a ternura de Jesus Misericordioso, dequantos sofrem desta enfermidade e dos seusfamiliares, para que sintam a nossa proximi-dade. Oremos também pelas pessoas que es-tão ao lado dos doentes, para que saibamsentir as suas necessidades, até as mais imper-cetíveis, porque vistas com olhos cheios dea m o r.

Blair Easton, «O regresso do filho pródigo» (2001)