Possibilidades formativas do ciclo: ensinar - apreender ...

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PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010. Possibilidades formativas do ciclo: ensinar - apreender - avaliar no ensino superior 1 Prof. Dr. Elmir de Almeida; 2 Ed. Ms. Lúcia L. Tinos; 3 Profa. Dra. Marineide de Oliveira Gomes 1 Docente da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto FFCL RP; Endereço: Av. dos Bandeirantes, 3900 B. Monte Alegre- CEP: 14040-901- Ribeirão Preto/SP/ Brasil) 2 Educadora da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto FFCL RP; Endereço: Av. dos Bandeirantes, 3900 B. Monte Alegre CEP:14040-901 - Ribeirão Preto/SP/ Brasil) 3 Docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) campus Guarulhos; Endereço: Estrada do Caminho Velho-333 Bairro dos Pimentas; CEP: 07252-312- Guarulhos/SP/Brasil. {[email protected], [email protected], [email protected]} Resumo. A experiência que ora apresentamos refere-se a uma ação pedagógica com a utilização de Portfólios de Aprendizagem como possibilidade de avaliação formativa nas atividades de estágio supervisionado em escolas de séries iniciais do ensino fundamental situadas em espaço urbano. Aos professores significou a extrapolação de conteúdos disciplinares que passaram a dialogar entre si e a reflexão sobre práticas de avaliação classificatórias e excludentes. Aos estudantes representou uma experiência significativa de partilha de saberes e fazeres, de aprendizagens e o desenvolvimento da autonomia e co-responsabilização em seus processos formativos. I. Introdução Apresentamos a presente Comunicação na perspectiva de socializar e refletir acerca de uma experiência pedagógica interdisciplinar e integrada desenvolvida no âmbito do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL RP) 1 que envolveu as disciplinas de Fundamentos Psicológicos da Educação III e Política e Organização da Educação Brasileira II 2 . Tais 1 O Curso de Pedagogia da FFCL da USP-Ribeirão Preto foi instituído em 2002, e trata-se do primeiro curso de formação de Pedagogos oferecido por instituição universitária pública na Região nordeste do estado de São Paulo. Até o presente, o curso é oferecido apenas no período noturno e recebe, anualmente, 50 ingressantes. 2 Tais disciplinas têm a duração de um semestre-letivo. A experiência foi desenvolvida em turma formada por 53 alunos.

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PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010.

Possibilidades formativas do ciclo:

ensinar - apreender - avaliar no ensino superior

1 Prof. Dr. Elmir de Almeida; 2 Ed. Ms. Lúcia L. Tinos; 3 Profa. Dra.

Marineide de Oliveira Gomes

1 Docente da Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto – FFCL RP; Endereço: Av.

dos Bandeirantes, 3900 – B. Monte Alegre- CEP: 14040-901- Ribeirão Preto/SP/ Brasil)

2 Educadora da Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto – FFCL RP; Endereço: Av.

dos Bandeirantes, 3900 – B. Monte Alegre –CEP:14040-901 - Ribeirão Preto/SP/

Brasil)

3 Docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) – campus Guarulhos;

Endereço: Estrada do Caminho Velho-333 – Bairro dos Pimentas; CEP: 07252-312-

Guarulhos/SP/Brasil.

{[email protected], [email protected],

[email protected]}

Resumo. A experiência que ora apresentamos refere-se a uma ação

pedagógica com a utilização de Portfólios de Aprendizagem como

possibilidade de avaliação formativa nas atividades de estágio

supervisionado em escolas de séries iniciais do ensino fundamental

situadas em espaço urbano. Aos professores significou a extrapolação

de conteúdos disciplinares que passaram a dialogar entre si e a

reflexão sobre práticas de avaliação classificatórias e excludentes.

Aos estudantes representou uma experiência significativa de partilha

de saberes e fazeres, de aprendizagens e o desenvolvimento da

autonomia e co-responsabilização em seus processos formativos.

I. Introdução

Apresentamos a presente Comunicação na perspectiva de socializar e refletir

acerca de uma experiência pedagógica interdisciplinar e integrada desenvolvida no

âmbito do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo (FFCL RP)1 que envolveu as disciplinas de Fundamentos

Psicológicos da Educação III e Política e Organização da Educação Brasileira II2. Tais

1 O Curso de Pedagogia da FFCL da USP-Ribeirão Preto foi instituído em 2002, e trata-se do primeiro

curso de formação de Pedagogos oferecido por instituição universitária pública na Região nordeste do

estado de São Paulo. Até o presente, o curso é oferecido apenas no período noturno e recebe, anualmente,

50 ingressantes.

2 Tais disciplinas têm a duração de um semestre-letivo. A experiência foi desenvolvida em turma formada

por 53 alunos.

PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010.

disciplinas são oferecidas aos estudantes no segundo ano do Curso e têm como uma de

suas intencionalidades inseri-los no campo dos estágios, em escolas públicas de ensino

fundamental, nas séries iniciais.3 O estágio curricular representa assim o eixo

articulador entre as duas disciplinas. Para a sua realização solicitamos aos estudantes

experiências que levassem à reflexividade (Pais, 2007) sobre a organização do sistema

educacional vigente no País, sobre a escola e a sala de aula como grupos sociais4.

Compreendendo os trabalhos integrados das disciplinas, a prática de estágio e a

elaboração do Portfólio a partir da noção da “pesquisa como princípio educativo”

(Demo, 2003), os estudantes fizeram uso de instrumentos e procedimentos da

investigação qualitativa, tais como a observação participante e o registro em diário de

campo, análise de documentos e entrevistas informais com gestores, professores e

diálogos assistemáticos com integrantes dos quadros administrativo e operacional da

escola, com o objetivo de efetuar leituras, descrições, interpretações dos fenômenos

observados, de forma a estranhar o que aparentava ser familiar, habitual assim como

refletir (duvidar com rigor) sobre possíveis causas e/ou efeitos das ocorrências que

implicam o cotidiano escolar.

Os estudantes, organizados em duplas, escolheram uma das escolas-campo de

estágio para desenvolver suas práticas e tarefas, a partir das seguintes intencionalidades:

efetuar observações da instituição na sua globalidade, do lugar em que estava inserida,

seu entorno, as interações estabelecidas com a população, suas áreas de abrangência e

de influência, os recursos culturais locais, a gestão da unidade de ensino e a sala de aula

referência; este último, espaço em que atuaram junto à(ao) professora(o) regentes de

turmas de 3ª.s ou 4ª.s séries do ensino fundamental.

As práticas de observação sistemática, de registros e de descrição do observado,

adquiriram grande importância em nossa proposta, pois tais mediações forneceram

indícios, pistas, sentidos para os acontecimentos cifrados no espaço-tempo escolar;

posteriormente, os conteúdos da observação, dos registros e a descrição passaram por

3 De acordo com a atual legislação educacional brasileira, o ensino fundamental é uma etapa da Educação

Básica, as outras duas correspondem à educação infantil (creche e pré-escola) e ao ensino médio.

(Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

no. 9394/96). No âmbito da Educação Básica, a etapa do ensino fundamental é a única que se configura como direito subjetivo e obrigatória e desde 2009 tem a duração de nove anos de duração, devendo ser

oferecido às crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos de idade. A opção por levar os estudantes do Curso

de Pedagogia a iniciar seus estágios nas séries iniciais do ensino fundamental é da Coordenação do Curso

e de seu coletivo de docente.

4 Devemos a Antônio Cândido (1964, pg.107) a idéia da escola como grupo social, simultaneamente

instituído e instituidor de sociabilidades. A esse respeito observa o sociólogo: “a estrutura administrativa

de uma escola exprime a sua organização no plano consciente e corresponde a uma ordenação racional,

deliberada pelo Poder Público. A estrutura total de uma escola é, todavia, algo mais amplo, compreendendo não apenas as relações ordenadas conscientemente mas, ainda, todas as que derivam da

sua existência enquanto grupo social. Isto vale dizer que, ao lado das relações oficialmente previstas,

(que o Legislador toma em consideração para estabelecer as normas administrativas), há outras que

escapam à sua previsão, pois nascem da própria dinâmica do grupo social escolar. Deste modo, se há

uma organização administrativa igual para todas as escolas de determinado tipo, pode-se dizer que cada

uma delas é diferente da outra, por apresentar características devidas à sua sociabilidade própria.”

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crivos e seleção dos estudantes – no sentido de vinculá-los ao processo de aprendizagem

vivenciado no estágio.5

A deliberação por solicitar aos estudantes a produção de um Portfólio de

Aprendizagem numa experiência de estágio justifica-se pela possibilidade dessa

estratégia induzir o estudante a assumir uma ação protagonista, uma postura pró-ativa

em seu processo de aprendizagem; ao mesmo tempo, intencionávamos, por meio de

procedimentos e instrumentos da pesquisa, oferecer elementos de diagnóstico,

exercícios de escolhas, momentos de tomada de decisões, individuais e coletivas. Pois,

o Portfólio deve ser considerado como um mediador da construção, reconstrução e

reelaboração do processo de ensinagem, ao longo do curso ou de um período de ensino

[Anastasiou e Alves, 2007: 106]. Dessa forma, propusemos aos estudantes que

assumissem menos as “certezas progressivas” e mais a “dúvida metódica” que implica a

“reflexividade transformadora (orientada para futuro)”, sem desprezar, contudo, a força

que emana da “reflexividade impositiva (orientada pelo passado)” 6. [Pais, 2007, pg.

25].

II. Objetivos

Com o uso dos Portfólios de Aprendizagem, pela mediação de uma perspectiva

metodológica dialética, dialógica, co-responsabilizada, capaz de fotografar as

individualidades, as singularidades e os saberes presentes no percurso de formação

universitária, visamos contribuir para que os estudantes superassem uma visão de

ensino-aprendizagem estática, centrada na autoridade e figura do professor, ao mesmo

tempo em que propusemos que eles também se autoconcebessem como atores

responsáveis pela construção do seu estatuto e identidade de estudantes do ensino

universitário e futuro profissional da Educação (formal e não-formal).

Portfólios de Aprendizagem: fotografando processo e produto do ensino -

aprendizagem

As atividades de estágio propostas aos estudantes envolveram, inicialmente, a

descrição do que é observado no dia-a-dia da escola estagiada, seguido do esforço de

problematização dos fenômenos descritos; tais atividades foram consideradas como

base para o aprofundamento teórico de um tema que, dentre os observados, era prenhe

de sentido para a dupla de estudantes. Buscou-se assim, dar centralidade à reflexão

desde o sistema educacional até o cotidiano de trabalho, das práticas e relações sociais

5 Nos momentos de acompanhamento e supervisão dos estágios, debatíamos com os estudantes que a

descrição deveria ir além da construção narrativa do observado; ao mesmo tempo em que deveria

reproduzir o capturado pela observação deveria também produzir algo; “ela não deveria se limitar a

representar a realidade, deveria também ajudar a criá-la”. (PAIS, 2007: 28)

6 Em trabalho que tematiza o cotidiano e a reflexividade, José Machado Pais empreende um diálogo

crítico com teóricos da modernidade reflexiva, em especial Giddens, e argumenta que é preciso “fugir a

falsas linearidades”, pois “ao contrário do que alguns teóricos da modernidade reflexiva sugerem” ele não

afirmaria peremptoriamente “que a um estádio de reflexividade impositiva (orientada pelo passado) se

siga outro de reflexividade transformadora (orientada para o futuro)”. Pais enfatiza a “relação espelhada

entre ambos os tipos de reflexividade.” (PAIS, 2007: 25)

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tecidas no interior das escolas e das salas de aula7, e, sobretudo, desnaturalizar aspectos

das políticas educacionais e dos processos de escolarização que, à primeira vista,

poderiam emergir como universais, necessários e imutáveis e por vezes, unilaterais –

como é o caso do fracasso escolar.

Nessa fase de problematização teórica, era solicitado aos estudantes que

construíssem relações necessárias para circunscrever o tema problematizado sobre o

sistema educacional brasileiro e a realidade específica da escola e da sala de aula

observadas. Para tanto, foram fundamentais os conceitos e noções trabalhadas pelos

docentes das disciplinas de Fundamentos de Psicologia e Políticas de Organização da

Escola Brasileira bem como a apropriação e uso que deles faziam os estudantes. Nos

Encontros de Supervisão, efetuados com pequenos grupos, foram fundamentais o uso de

alguns critérios tais como consistência teórica, coerência textual e pertinência do tema

escolhido pelos estudantes no conjunto dos temas problematizados no processo de

observação.

Desse modo, delineamos uma prática de estágio que buscasse provocar o

questionamento, a dúvida, o confronto entre crenças, representações, convicções em

relação à multidimensionalidade que configura o espaço escolar e a heterogeneidade de

situações e relações sociais que cifram sua realidade cotidiana. Nosso intento era

contribuir para que os estudantes superassem uma leitura ingênua e superficial,

apontando elementos fundantes para desenvolvimento de uma cultura de colaboração e

de socialização profissional, na forma de uma abordagem interdisciplinar, integradora,

desafiadora e incentivadora da autonomia. Assim, apelamos aos estudantes que

figurassem no centro do seu processo de aprendizagem, que dessem sentido e

significado às ações realizadas no estágio, relacionado-as com os temas apreendidos nas

disciplinas, configurando-as num itinerário de reflexividade e assim, na produção do

detalhamento documentado dos conhecimentos adquiridos pelos mesmos.

Conhecimentos esses inventariados nas habilidades e reflexividade desenvolvidas no

curso e nessa experiência [Seldin, 1997].

Tal perspectiva não foi apropriada e usada de maneira uniforme pelos diferentes

alunos (as) e as diferentes duplas que se formaram, porém alguns duos de estudantes, ao

se identificarem com a nossa proposição estabeleceram um roteiro de trabalho muito

próximo do propugnado pelos educadores. As transcrições abaixo servem de avaliação

do afirmado:

Começamos (minha parceira e eu) a estagiar na Escola “Machado de Assis”8 em dias diferentes, porém seguindo os critérios pré-estabelecidos para o desenvolvimento do trabalho. Nos nossos contatos com a Instituição, observamos

as salas de aula; conversamos com os professores, funcionários, diretor, coordenadora pedagógica e alunos; analisamos o Projeto Pedagógico e conhecemos as dependências da Escola. Coletamos os materiais que acreditamos ser necessários para o bom desenvolvimento do trabalho, depois

7 José Mario Pires Azanha, importante educador brasileiro, afirmava, de forma recorrente, que é no

interior das escolas e, sobretudo da sala de aula, que as reformas e os planos (macro) educacionais são acolhidos, redefinidos ou rechaçados.

8 Por razão de natureza ética, demos um nome fictício à Escola que a dupla estagiou.

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selecionamos os que melhor atenderiam nossas necessidades. Conhecemos o entorno da escola, para melhor entender a realidade do bairro onde ela está situada. Com as supervisões de estágio, junto com as aulas (...) produzimos mais reflexões com embasamento teórico...

As leituras que realizamos tanto de Política de Organização da Escola Brasileira

II quanto de Fundamentos Psicológicos da Educação III, juntamente com nossas

observações foram contribuindo para que pudéssemos refletir sobre as práticas

pedagógicas e a realidade do ensino público brasileiro.

As etapas de produção do Portfólio de Aprendizagem correspondem à

elaboração de registros da vivência do estágio e dos temas desenvolvidos em aula,

buscando relacionar dialogicamente teoria e prática. Em posse dos registros formulados

os estudantes processaram uma seleção crítica e fundamentada daqueles que lhes eram

mais significativos, mas representativos de sua reflexividade, explicando as razões de

inclusão dos mesmos no Portfólio bem como explicitando as relações que estabeleciam

com os temas desenvolvidos no Curso e/ou nas duas disciplinas.

Nesse processo, algumas duplas fizeram uso de linguagens não imediatamente

identificadas como acadêmicas, tais como a poesia, letras de música, imagens

fotográficas, vídeos, diversificando e complexificando as formas de elaboração e

apresentação de seus trabalhos. Nesse processo dialético, inicialmente, o pensamento

sincrético foi dando lugar à análise, à produção de sínteses de conhecimento (mesmo

que provisórias).

(...) o que segue é um trabalho de coleção que mostra nosso caminhar, nossa

experiência e como acreditamos em uma certeza provisória que é continuamentecontestada e reformulada. (...) O que veremos adiante não é conhecimento cristalizado pela pureza da verdade e muito menos estará sem rabiscos ou correções.

Villas Boas (2004, p.177), ao relacionar o Portfólio, a avaliação e o trabalho

pedagógico nas escolas assegura que:

Falar de Portfólio requer que se fale da avaliação formativa e do

contexto educativo que ela cria e, também, que dela resulta. Nesse sentido, o Portfólio não é considerado um simples “instrumento” de avaliação, usado em determinados momentos, mas um procedimento

que pode extrapolar sua função avaliativa inicial, consolidando-se como um eixo norteador do trabalho pedagógico.

Processo, reflexividade e produto caminhando juntos. As sínteses dos temas

desenvolvidos em aula, elaboradas pelos estudantes e relacionadas às problematizações

derivadas das observações de estágio, apreciadas de forma constante por nós professores

e devolvidas aos estudantes para reordenações e complementações, vincularam-se à

prática social observadas nas escolas e ainda possibilitaram que, com base nesses

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registros reflexivos, eles pudessem extrapolar agregando relações com teorias já

estudadas, vivências objetivadas em temporalidades anteriores e conteúdos obtidos a

partir de diferentes bases informacionais tiveram real significado para eles. Uma dupla

escreveu na Introdução de seu Portfólio as referências que lançaram mão para dar

densidade ao produto apresentado:

Reflexões, especulações, relações com outros temas do universo humano fazem

parte deste trabalho. Não desprezamos, entretanto o conhecimento científico, acadêmico e já reconhecido, mas tomamos a liberdade de, autonomamente, anexar nossas (...) especulações filosóficas da educação. Uma letra de música, uma reportagem de revista, uma imagem de afresco, são sim, considerados tão importantes quanto citações sisudas de autores empoeirados de um passado

recente.

Tratou-se, nessa experiência, da primeira oportunidade dos estudantes fazerem

uso de uma perspectiva formadora ativa, o que gerou múltiplas posturas. Em princípio,

em parcela significativa de estudantes, foi possível apreender ceticismo, incompreensão

e insegurança em relação à proposta na sua integralidade; em um conjunto de duplas,

foram visíveis comportamentos de resistências. Outros estudantes ou duplas gestaram,

ao longo do processo, tensões e conflitos nas relações com os educadores, pois

compreendiam que nossa proposta se afastava daquilo que acreditavam serem os

cânones do que é tradicionalmente consagrado como “ensino universitário politicamente

engajado, cientificamente objetivo e teoricamente consistente”. Um dos estudantes que,

de plano, apresentou resistências a nossa proposta, selecionou para o seu Portfólio a

seguinte reflexão sobre a aula na qual introduzimos o projeto de trabalho e não

suspendeu a dúvida quanto a sua efetividade: Extremamente subjetivo; dúvidas quanto à efetividade da metodologia, não compreensão do portfólio. Contestar na próxima aula.

Para grande maioria foi perceptível uma real apreensão em relação aos

resultados que chegaríamos (individual e coletivamente), ou ainda vislumbraram quais

seriam os modos que os avaliaríamos (individualmente ou as duplas).

Nossa perspectiva de avaliação esteve pautada em uma concepção de

acolhimento das condições pelas quais o(s) estudante(s) apreendiam os conteúdos e as

conexões com os temas desenvolvidos. Para isso, fez-se necessário constantes

diagnósticos de aprendizagem, sustentados por práticas pedagógicas que visaram buscar

superar a condição primeira de aprendizagem de modo a ser aprimorada pelo(s)

estudantes(s). Uma avaliação formativa e em processo que, segundo Luckesi (2005,

p.41-42):

Imaginemos um médico que não tenha a disposição para acolher

o seu cliente no quadro de saúde em que se encontra; um

empresário que não tenha a disposição para acolher a sua

empresa no estado em que se acha; um pai ou uma mãe que não

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tem a disposição para acolher um filho ou uma filha em alguma

situação embaraçosa em que se encontram; ou imaginemos cada

um de nós, sem disposição para acolher a nós mesmos no estado

em que estamos. As doenças, muitas vezes, não podem mais ser

cuidadas de forma adequada, devido ao fato da pessoa, por

vergonha, por medo social ou por qualquer outra razão, não

poder acolher o seu próprio estado pessoal, protelando o

momento de procurar ajuda, chegando, por essa recusa, ao

extremo de “já não ter muito mais o que fazer!”. O segredo

impede a cura.

A disposição para acolher é, pois, o ponto de partida para

qualquer prática de avaliação. É um estado psicológico oposto

ao estado de exclusão, que tem sua base no julgamento prévio -

este não serve a uma prática de avaliação -, porque, de início,

exclui.

Segundo uma estudante da turma, nossa proposição a deslocava para uma zona

sombria e de risco9, lugar e situação em que ela se via confrontada em suas “certezas”

sobre o conhecimento, a verdade científica, o acerto e o erro e sobre os procedimentos

tradicionais de avaliação do trabalho escolar:

A construção do Portfólio de Aprendizagem(P.A.) é praticamente um „tiro no escuro‟. A informação mais concreta que tivemos foi que não tem só uma maneira

de fazer um P.A., não tem certo ou errado, mas este trabalho será avaliado e em uma avaliação, a meu ver, existe certo e errado. Então, fica a minha dúvida, como será meu trabalho avaliado?

Com o passar do tempo, os estudantes foram se familiarizando com as tarefas e

assumindo com menores resistências os desafios e riscos que proposta engendrava. Ao

produzirem eles mesmos sentidos para seus processos de aprendizagens passaram a

tratar nossa proposta com menor resistência e mais responsabilidade, sem que as

tensões, contudo, deixassem de permear nossas relações. Entretanto, paulatinamente foi

possível verificar a integração de saberes desenvolvida pelos estudantes, na forma de

conexões e até mesmo rupturas com determinadas concepções e práticas educativas e

pedagógicas. Exemplo de resistência e das tensões que marcaram a experiência – do

princípio ao fim - esta grafada na introdução que uma dupla fez em seu Portfólio

Este portfólio foi criado pela exigência dos docentes, de novos meios de avaliação

dos discentes; meios estes que não (...) têm o exame final pautado na prova, no relatório, enfim na avaliação formal.

9 Sobre os sentidos do risco, ver La Mendola, 2005.

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Nas Considerações Finais e avaliações formuladas assim a dupla se expressou

sobre a realização do Portfólio, como elemento mediador na produção de

conhecimentos, da reflexividade e na construção de quadros de sociabilidades,

Achamos à tarefa de construção do portfólio interessante, porém cansativa; mas, sabemos que sempre é preciso buscar novos métodos avaliativos e que a seleção de documentos (...) nos obrigou a refletir sobre muitas coisas. Enfim, cabe

ressaltar alguns pontos negativos, como o quão trabalhoso e cansativo foi todo o processo. (...) Além de considerarmos que não fomos devidamente instruídos quanto à construção do portfólio. Mas, apesar disto, podemos enumerar muitos pontos positivos, tais como: o processo contínuo de aprendizagem, o fato de sairmos da teoria e partimos para a prática colaboração destes para a construção da identidade profissional, a experiência de lecionar para crianças (...) e o vínculo de amizade que foi se formando no decorrer de todo o trabalho da dupla.

Habituados, ao longo de seus percursos de escolarização, a processos de

avaliação conclusivos, demandados pelo professor ao final de um tempo de formação

(reflexividade impositiva), muitos questionamentos eram apresentados sobre como

iríamos desencadear um trabalho que valorizasse todas as etapas do processo,

colocando-os no centro da cena para, coletivamente, refletirem sobre seus avanços,

impasses, recuos, resistências. A este respeito uma dupla se expressou da seguinte

forma:

O ponto negativo que sentimos em relação ao Portfólio foi a dúvida de como o

material será avaliado, já que cada dupla possui uma maneira de organizar o material selecionado, o que nos deixa insegura se os professores compreenderão com clareza tudo o que gostaríamos de explicar, e se foi montado adequadamente...

Entretanto, avaliados sempre em relação a eles próprios, seus impasses, avanços,

e indagações o Portfólio de Aprendizagem apresentou aos estudantes a condição de

incluir múltiplos olhares e recursos em suas aprendizagens, com autenticidade e

autonomia. Afirma Castoriadis (1982), que a autonomia envolve a construção da

subjetividade e da intersubjetividade, sua conquista não se dá senão mediante a

afirmação do outro; nesse sentido, a busca de autonomia implica sempre a produção de

um “nós”, um “eu” e o “outro”. Argumenta o autor:

(...)o outro não é fulgurância absoluta e simples

espontaneidade que eu posso visar seu desenvolvimento. É porque a autonomia não é eliminação pura e simples do discurso do outro, e sim elaboração desse discurso, onde o outro não é material indiferente, porém conta para o conteúdo do que ele diz, que uma ação intersubjetiva é possível e que não está fadada a permanecer inútil ou a violar por sua simples existência o que estabelece como princípio. É por isso que pode existir uma política da liberdade e que não ficamos

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reduzidos a escolher entre o silêncio e a manipulação... [Castoriadis, 1982, pg. 129].

Outro autor que aprofunda o conceito de autonomia dos professores, J. Contreras

(2002, pgs. 187-188), poblematiza acerca dos termos: emancipação e autonomia,

assinalando que autonomia serve mais ao propósito do desenvolvimento de uma

independência de juízo, de exercício de aceitação das diferenças, como expressão da

variedade de formas pelas quais os professores vivem suas experiências de contradição,

de opressão ou de exclusão e de como superá-las. Nas palavras do autor:

Trata-se de criar e desenvolver uma sensibilidade moral a tudo o

que possa supor sofrimento humano, como queira Marcuse (que

incluiria desde a indignação diante da injustiça até a atenção, o

cuidado e o afeto pelos mais fracos e indefesos... No encontro

com os outros (tanto os alunos como as mães e pais, colegas e

outros setores sociais), a autonomia profissional ou, caso se

queira, a emancipação, deveria começar juntamente com essa

sensibilidade moral, pelo reconhecimento de nossos próprios

limites e parcialidades na forma de compreender os outros...

Vista assim, a autonomia profissional perde seu sentido de auto-

suficiência para aproximar-se da solidariedade.

A partir desta noção de autonomia, investimos para que os estudantes se

apropriassem da proposta formulada, numa aposta de que ao longo do processo -

marcado por ambigüidades, tensões e conflitos - “os nós” fossem se constituindo,

enriquecendo a subjetividade de cada estudante bem como as relações intersubjetivas

entre os duos que se constituíram para a objetivação dessa específica experiência. As

narrativas de alguns estudantes, abaixo transcritas, confirmam nossa aposta:

(...) Em relação à construção do Portfólio, acreditamos que foi muito válido, pois

conseguimos planejar e montá-lo de acordo com nossas experiências, é um material que nos oferece muita liberdade em trabalhar e construir o nosso roteiro de estágio. (...) Gostamos muito desse método de avaliação, que nos instiga à criatividade e à organização pessoal.

O processo de construção nas atividades propostas pelas disciplinas (...) foi muito rico, ou melhor, pode-se dizer que foi um desafio, pois tivemos que superar várias

dificuldades para realizá-las, o tempo foi pouco para tudo o que se tinha para observar, analisar e construir. Não foi somente um processo de crescimento acadêmico, mas também como seres humanos, porque ao realizar as atividades do estágio fomos construindo nossa autonomia, sendo mais ativas, pois não recebemos nada pronto e tivemos que construir nosso conhecimento. No início, isso gerou um desconforto, pois não estávamos acostumados a trabalhar da maneira proposta. (...) Pode-se dizer que com a observação pudemos ter uma noção da prática pedagógica, como ocorrem as relações no interior da escola e na

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sala de aula, não com o olhar de aluno e nem de professor, mas como o olhar de um futuro educador que deseja compreender como se dá o processo de construção de aprendizagem e buscando referências para o nosso aprendizado também.

(...) A confecção do portfólio, que é sim relevante para a prática pedagógica, antes

de tudo, nos auxiliou na organização de todos os materiais recolhidos no estágio e na organização e separação das idéias que prevaleceram durante [a experiência], gerando até mesmo a escolha e problematização de um importante tema percebido durante a realização do estágio. (...) Acreditamos ser esta uma rica forma de avaliação, pois este, fundamentado teoricamente, contém um agrupamento de impressões, experiências e aprendizados reais e práticos construídos por nós mesmas, estagiárias, ao longo do estágio.

No percurso dessa experiência formativa, os temas circunscritos pelos estudantes

para aprofundamento versaram sobre o direito de crianças de diferentes extrações

sociais à educação pública de qualidade; os paradoxos, as situações-limites ou as

contradições observados nas práticas e relações sociais cifradas no cotidiano das escolas

públicas de ensino fundamental estagiadas.

Assim, os estudantes conferiram centralidade a temas pertinentes as duas

disciplinas organizadoras da experiência tais como: a visão uniformizadora ou

homegeinizadora que têm os educadores sobre os modos de produzir a identidade de

estudantes; as dificuldades ou bloqueios impostos pela escola e determinados

educadores às crianças de diferentes condições sociais e distintas pertenças de gênero,

geração e etnia/cor combinarem os estatutos de criança e estudante10

; o descaso ou

desconsideração de representantes do mundo adulto responsáveis pela escolarização das

novas gerações com a situação das crianças que vivem a infância sob condições

econômicas e culturais extremamente adversas ou marginais; o banimento do lúdico, do

jogo e da recreação nas séries iniciais da escolarização; a flagrante negação do corpo –

do corpo da criança - como mediação para a construção do conhecimento e saberes

assim como para a constituição da subjetividade; a instrumentalização de técnicas ou

linguagens artísticas e de práticas esportivas para a disciplinarização ou docilização dos

corpos e vontades infantis.

Outros tematizaram a desresponsabilização de coletivos de educadores para com

o processo de elaboração e implementação do Projeto Político-Pedagógico da unidade

escolar em que estagiaram:

10

A respeito do estatuto de estudante ou aluno, Spósito (2003), fundamentada em Duru-Bellat e Van

Zanten (1992), reafirma a tese de que a “a condição de aluno deve ser pensada como algo problemático e

não natural no interior da escola: não se nasce aluno, alguém se torna aluno. Para que tal perspectiva

seja considerada é preciso, ao menos, três pressupostos: a dissociação entre ensino e a aprendizagem, que faz nascer a noção de trabalho escolar a ser realizado por crianças e jovens; o reconhecimento de

que este trabalho não se resume às respostas e às exigências explícitas inscritas nos programas e

regulamentos oficiais, mas às expectativas implícitas da instituição e dos professores; finalmente, a

necessidade de reconhecer que o aluno é expressão também de uma forma peculiar de sua inserção no

ciclo da vida, a infância e a juventude são categorias específicas e dotadas de uma autonomia relativa na

sociedade, muitas vezes não reconhecidas no campo educacional.”

PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010.

A Coordenadora Pedagógica (...) nos informou que a diretora não deixa que

vejam o Projeto. (...) Enquanto colhíamos os dados que achávamos mais importantes, a Coordenadora ficou conversando conosco e nos revelou que ela - [a coordenadora] - tinha feito o Projeto sozinha. Achamos um absurdo, pois é imprescindível que o Projeto Pedagógico seja elaborado coletivamente, para que todos sejam responsáveis pelo de seus dizeres. Além disso, o Projeto deve estar disponível para todos que quiserem olhá-lo, pois como a escola pretende atingir metas que não são do conhecimento de todos?

Alguns estudantes tomaram para a análise, ainda, sua condição mesma de

estudantes em uma Universidade pública, sem nunca terem passado pela escola pública

de ensino básico, desconhecedores, portanto, das situações que caracterizam – nunca

uniforme ou unidimensional - as escolas públicas de ensino fundamental hoje oferecida

pelos poderes públicos – estadual e municipal, no estado de São Paulo e na cidade de

Ribeirão Preto.

As análises realizadas no processo de construção do Portfólio de Aprendizagem

entrelaçaram os diversos saberes (teórico/ práticos – das disciplinas, das teorias que

dão suporte às práticas, das observações do estágio e pessoais – no reconhecimento de

ser sujeito histórico) dos estudantes.

Acreditamos ser esta uma rica forma de avaliação, pois este, fundamentado

teoricamente, contém um agrupamento de impressões, experiências e aprendizados reais e práticos construídos por nós mesmas, estagiarias, ao longo do estágio.

Demonstrando, assim, que o entendimento sobre a elaboração dos Portfólios de

Aprendizagem perpassaram as três Idéias defendidas por Villas Boas (2004, p.38), quais

sejam: i) a avaliação é um processo em desenvolvimento; ii) alunos são participantes

ativos desse processo – aprendem, identificam e revelam o que sabem e ainda não

sabem; iii) a reflexão que o aluno elabora sobre sua aprendizagem é parte importante do

processo.

III. Considerações Finais

O acompanhamento da elaboração do Portfólio de Aprendizagem indicou as

duplas de estudantes potencialidades e dimensões que deveriam ser aprimoradas, em um

esforço de superação na intenção de apreender o real existente na prática social da

escola pública inserida no espaço urbano, aliado à crescente percepção dessa atividade

como exercícios de reflexividade transformadora e de avaliação formativa.

Buscamos com essa experiência, configurar práticas pedagógicas em que a

instituição educativa (Universidade e escola básica) fosse entendida como espaço de

trabalho coletivo, de aprendizagens contínuas e de projetos que estão em disputa por se

tornarem dominantes, pois sabemos que os projetos escolares, sempre dotados de

intencionalidades explicitas ou tácitas, podem promover ou obliterar pertencimentos,

condição necessária à construção de identidades ou estatutos de estudantes e

profissionais.

PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010.

A experiência do Portfólio de Aprendizagem – tendo como ancoragem para sua

produção o estágio curricular – revelou-se uma intencionalidade pedagógica importante

ao envolver os estudantes em investigações significativas, nas quais pudessem expressar

singularidades, compromissos, contribuindo dessa maneira para reorganizar as formas

de organização do trabalho pedagógico no espaço-tempo escolar.

Ao vivenciarem um processo formativo dessa natureza, um núcleo razoável de

estudantes, futuros pedagogos/professores, se viram fortalecidos em sua capacidade

reflexiva, vivenciaram a experiência de expor e confrontar reflexividades distintas ou

ambíguas; uma parcela significativa dos estudantes que efetivamente se comprometeu

com a experiência foi capaz de produzir um “nós” que implica a conquista da

autonomia, condição necessária para adquirirem o estatuto de profissionais reflexivos e

pesquisadores. Meio caminho para se tornarem sujeitos capazes de visualizar ou

configurar alternativas e planos de intervenção para o enfrentamento das complexas

questões que assaltam e perpassam o cotidiano das escolas públicas no presente;

questões que têm relações diretas com a crise do “programa institucional” forjado pela

modernidade (Dubet, 2006).

No caso brasileiro, atualmente, temos a responsabilidade de formar as novas

gerações de professores que, no horizonte da atuação profissional, se depararão com a

complexa tarefa de pensar projetos de melhoria da qualidade da escola e, sobremaneira,

da escola pública de ensino fundamental, que em nosso país tardiamente tornou-se

obrigatória e só muito recentemente teve seu acesso universalizado. Escola pública de

ensino fundamental, inserida no espaço urbano ou rural, que multiplica as desigualdades

e promove injustiças, à medida que inclui de forma marginal ou precária contingente

significativo de crianças e adolescentes dos meios populares e pauperizados; crianças e

adolescentes que manifestamente demonstram dificuldades ou resistências para se

ajustarem à representação social tradicional de estudante ou aluno.11

No interior do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

da USP RP, a proposta de por em prática novos planos e quadros de enriquecimento

teórico-prático da formação de futuros educadores e pesquisadores é, ainda, um

processo em construção e aberto às possibilidades. Uma delas consistiu no uso do

Portfólio de Aprendizagem, no contexto das disciplinas mencionadas. Tal proposta, no

conjunto do Curso e de seu Projeto Acadêmico, ainda é tomada de forma ambígua e

ocupa lugar residual no conjunto dos planos formativos em andamento. Entretanto, ao

colocarmos em operacionalização nosso projeto de trabalho, julgamos que demos uma

11

Em artigo no qual tematiza a socialização das novas gerações e interações entre a escola e os mais

novos, Dayrell, dialogando com Sacristán e Dubet, lembra que o estudante “é uma construção histórica,

construída no contexto de uma determinada forma escolar, em torno da qual veio se formando toda uma

ordem social, na qual se desempenham determinados papéis e se conforma um modo de vida específico.

Assim, [crianças, adolescentes e jovens] se tornam alunos em um processo no qual interferem a condição

[infanto-juvenil], as relações intergeracionais e as representações daí advindas, bem como uma

determinada cultura escolar. (...) Na escola ainda domina uma determinada concepção de aluno gestada na sociedade moderna, (...) em que havia uma clara separação entre da escola com a sociedade , com a

primeira sendo considerada espaço central de socialização das novas gerações, responsável pela

inculcação de valores universais e normas que deviam conformar o indivíduo e, ao mesmo tempo, torná-

lo autônomo e livre. Quando [a criança, o adolescente ou jovem] adentravam naquele espaço, deixava

sua realidade em seus portões, convertendo-se em aluno, devendo interiorizar uma disciplina escolar e

investir em uma aprendizagem de conhecimentos.” (Dayrell, 2007, pg. 119)

PBL 2010 Congresso Internacional. São Paulo, Brasil, 8-12 de fevereiro de 2010.

importante contribuição para afirmar a máxima de que a formação de educadores, no

ensino universitário contemporâneo, deve ancorar-se num feixe de possibilidades.

IV. Referências

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jan/jun.