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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE INFORMAÇÃO: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DAS RELAÇÕES CONSUMO POR: ISOLDA CUNHA DA SILVA Orientador: Prof. William Rocha Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

INFORMAÇÃO: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DAS

RELAÇÕES CONSUMO

POR: ISOLDA CUNHA DA SILVA

Orientador: Prof. William Rocha

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

INFORMAÇÃO: PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DAS

RELAÇÕES CONSUMO

Objetivo: o trabalho tem como objetivo mostrar a

posição jurisprudencial e doutrinária quanto à inversão do

ônus da prova o seu momento e sua constitucionalidade.

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SUMÁRIO

Introdução

Capítulo- I Considerações Iniciais Capítulo -II Desenvolvimento e Abordagem constitucional Capítulo-III Informação: “sinônimo” de poder Capítulo-IV Princípios norteadores do CDC aplicáveis à informação Capítulo-V A informação como base da relação consumerista Considerações finais Referências Bibliográficas

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INTRODUÇÃO

A monografia demonstra que, através da interpretação do Código de Proteção

e Defesa do Consumidor à luz da Constituição Federal, a informação representa o

alicerce de toda e qualquer relação de consumo. Enfatiza o princípio da isonomia

como igualdade de condições entre fornecedor e consumidor, com o fito de

reequilibrar tais relações. Analisa o poder exercido pela informação na atual

sociedade de consumo. Trata, entre outros, dos princípios da boa-fé objetiva e da

transparência como precursores do princípio consumerista da informação. Apresenta

a informação como dever jurídico, o qual pode acarretar sanções se descumprido. A

análise baseia-se no princípio da informação como “esqueleto” de toda a sistemática

incorporada pelo CDC, cujo objetivo é possibilitar ao consumidor médio o acesso à

informação suficiente sobre os produtos e serviços disponíveis no mercado de

consumo.

Este trabalho visa abordar a Defesa do Consumidor no que tange a

responsabilidade na prestação do mesmo, o abuso do Poder Econômico sobre o

consumidor, a conseqüente violação aos Princípios Constitucionais da Ordem

Econômica e Financeira, previstos no art.170, bem como os Princípios de Defesa do

consumidor, os meios possíveis de composição dos conflitos, destacando que a

concorrência é o primeiro passo para uma política comercial sadia e o que a

sociedade pode fazer para proteger-se das constantes práticas abusivas, buscando

do Estado medidas mais eficazes e permanentes para, se não resolver os

problemas, ao menos minimizá-los. Observa-se que a ordem constitucional

econômica funda-se, precipuamente, na livre iniciativa, entretanto, para isto, devem-

se atender com presteza os ditames da justiça social observada as defesas do

consumidor.

O desvio de finalidades e o exercício irregular das respectivas práticas

comerciais na prestação do serviço público, todavia, caracteriza o abuso e, em

decorrência disso, é que se faz necessária a intervenção do Estado, através da

fiscalização pelos seus entes reguladores e do próprio judiciário, em atendimento

aos imperativos constitucionais vigentes e ao Código de Defesa do Consumidor

(CDC).

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Todavia, apesar das incansáveis tentativas de conter a prática de tais abusos,

através da busca por todos os meios passíveis de resolução dos conflitos, a

condição de refém, do usuário do serviço, não cessa, permanece apenas paralisada

ou suspensa, voltando sempre a se revelar, se não no mesmo ponto, em um outro

dessa relação, que, quando não é pela deficiente prestação do próprio serviço

(serviço inadequado, ineficiência e defasagem de tecnologia), é pela cobrança

extorsiva de taxas e preços ou mesmo por distúrbios na sua continuidade.

Os princípios constitucionais e com o código de defesa do consumidor, mas

também econômico, ao passo que a concorrência obriga as empresas a prestarem

melhor seus serviços, com mais qualidade, eficiência, transparência, e o usuário tem

a conveniência de escolher com quem e como contratar, de acordo com seus

interesses e possibilidades.

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CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O princípio da informação, amplamente difundido no Código de Defesa do

Consumidor, ora explícita ora implicitamente, é encarado como a base, o alicerce, o

fundamento das relações que se estabelecem entre consumidor e fornecedor.

Tal entendimento se calca na premissa de que a informação é a principal fonte de

riqueza na atual sociedade de consumo. Ela é considerada a base das relações

humanas, a base da vida, tendo em vista que o homem não vive sem se comunicar.

Seja a forma utilizada falada ou escrita, por outros sinais, signos ou símbolos, seja

por aparelhamento técnico, a troca de informação é uma constante na vida em

sociedade.

Da mesma maneira, a informação se faz presente nas relações de consumo.

Porém, entende-se que nestas, a informação não deve ser empregada pura e

simplesmente, como um amontoado de dados aleatórios e sem sentido que só

fazem deixar o consumidor confuso e inseguro. Antes, deve se clara, correta,

concisa, de fácil entendimento para o consumidor tipicamente considerado. Isto é,

deve ser suficiente para que o consumidor forme o seu juízo de valor acerca do bem

ou serviço, de modo que não haja mácula no acordo de vontade.

Assim, o direito à informação, ganha um “plus” a mais no CDC, onde o legislador

infraconstitucional, em observância ao prescrito no inciso XXXII do art. 5º da

Constituição Federal de 1998, institui o princípio da informação como dever do

fornecedor de dar e direito do consumidor de obter a informação indispensável à

aquisição de produtos e serviços ofertados no mercado de consumo. Logo, o

objetivo desse princípio é permitir uma paridade de condições entre os sujeitos da

relação consumerista, dando aplicabilidade ao princípio constitucional da igualdade,

visando buscar um equilíbrio que há muito não existe.

Dentro desse panorama, o presente artigo analisa a informação como a

principal “arma” que o consumidor (hipossuficiente) possui para não ser lesado no

seu direito de consumir.

A informação é tratada como poder, uma vez que quanto mais bem informado

maior a probabilidade de se lograr êxito, seja numa relação de consumo (contratual

ou não), seja em qualquer outra área da vida. Especificamente na relação de

consumo, quanto mais completa for a informação disponível sobre o bem ou o

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serviço, maior será o poder de negociação do consumidor, reduzindo sensivelmente

erros e prejuízos em relação a este e coibindo abusos publicitários por parte dos

fornecedores.

Os princípios consumerista voltados à concretização da Política Nacional das

Relações de Consumo, isto é, do atendimento das necessidades dos consumidores,

respeitando-se os seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de

vida, também são enfatizados, ratificando-se a importância do princípio da

informação e demonstrando que o seu desrespeito vicia a relação, podendo

acarretar sanções ao seu descumpridor.

A informação é apresentada como princípio, como direito básico do

consumidor, como dever do fornecedor e do Estado, como obrigação que

responsabiliza, enfim, é a tônica da relação de consumo e conseqüentemente, do

CDC.

A pesquisa parte do método bibliográfico e analisa o conteúdo doutrinário e

legislativo sobre o tema. No aspecto legislativo, é estudada a legislação brasileira,

(Constituição Federal e Código de Proteção e Defesa do Consumidor). Também é

feita consulta doutrinária a livros e revistas especializadas no assunto. Além disso,

consultam-se também artigos e jurisprudências, por meio eletrônico (“Internet”),

norteadoras do tema. A pesquisa bibliográfica desenvolve-se com base em material

já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, formando

assim um conhecimento sobre a temática abordada.

O interesse pela elaboração da presente pesquisa originou-se a partir da

observação de que os consumidores brasileiros desconhecem o seu direito de

informação como direito fundamental, básico e, em conseqüência, têm como

prejuízo o distanciamento das informações indispensáveis à decisão de consumir ou

não, que também acaba por prejudicar o país. O acesso à informação é

indispensável ao desenvolvimento dos homens, pois proporciona liberdade e

autonomia ao indivíduo. Assim, considera-se importante investigar a matéria para

trazer aos consumidores as inúmeras benesses que são peculiares da informação.

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CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO E ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

Com vista à plena satisfação das necessidades do consumidor frente a uma

economia massificada e globalizada, torna-se fundamental que seja tutelado o seu

direito à informação, o qual lhe dá condições para exercer o direito de escolha. A

exigência de tal tutela não é casual, mas trata-se de uma reação a um quadro social

em que há uma a posição de inferioridade do consumidor em face do poder

econômico do fornecedor.

Assim sendo, “a informação é erigida em direito fundamental do consumidor,

de cada cidadão, no plano mais elevado que o sistema jurídico pôde desenvolver

(...)”.1 Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo2, o direito à informação, no âmbito do direito

do consumidor3, é um direito de terceira geração4, oponível a todo aquele que

fornece produtos e serviços no mercado de consumo, correspondendo a um direito à

prestação positiva, mediata em relação ao Estado (leis, prevenção, fiscalização,

resolução de conflitos, acesso ao judiciário etc.) e imediata em relação ao particular.

O direito de informação é criado no nível mais alto do sistema jurídico,

correspondendo à espinha dorsal de todo o sistema protecionista disposto no

Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de agosto de 1990.

Essa relevância dada pelo CDC à informação é justificada uma vez que todo

produto ou serviço deve ser amplamente caracterizado a fim de que o consumidor

forme adequado discernimento, podendo exercer o seu real direito de escolha. A

1 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, nº 51, out. 2001. Disponível em (http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2216. 2 Ibidem. 3 “O direito à informação, no âmbito do direito da comunicação, tem significado diferenciado. Na perspectiva do direito fundamental da liberdade de expressão, é direito oponível ao Estado, e a qualquer pessoa, de não impedirem o acesso e a transmissão de informação, assim para quem comunica e para quem recebe a comunicação. É um direito sensível e vulnerável ao autoritarismo político. Enquadra-se entre os direitos fundamentais de primeira geração, direitos de liberdade ou direitos à prestação negativa. Em sentido estrito, relaciona-se com o direito à comunicação, entendido este como direito de procurar, receber, compartilhar e publicar informações”. (Ibidem) 4 Norberto Bobbio, por exemplo, entende ser possível identificar quatro gerações, nos dois últimos séculos de experiências e vicissitudes, no mundo ocidental: os direitos de liberdade, os direitos políticos, os direitos sociais e econômicos e a nova geração de direitos, relativos “à integridade do próprio patrimônio genético, que vai muito além do tradicional direito à integridade física”. Os direitos do consumidor, dentre eles o direito à informação, inserem-se nos direitos fundamentais de terceira geração e somente foram concebidos tais nas últimas décadas do século XX. E apenas foi possível quando se percebeu a dimensão humanística e de exercício de cidadania que eles encerram, para além das concepções puramente econômicas. (apud, LÔBO, Paulo Luiz Netto, ibidem).

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9 informação garante maior segurança ao consumidor, evitando a incorreta utilização

do produto e eventuais danos.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1998 inclui a defesa do consumidor

na esfera da política constitucional, optando por norma geral assecuratória do direito

fundamental do consumidor, inserida no artigo enumerador dos direitos e garantias

individuais e coletivas (art. 5º), dispondo: “XXXII – O Estado promoverá, na forma da

lei, a defesa do consumidor”, fator esse que garante sua condição de cláusula

pétrea, conforme se conclui da leitura do art. 60, §4º, IV, do mesmo diploma legal.

Não há dúvida quanto à preocupação do legislador constituinte com as atuais

relações de consumo e com a necessidade de tutelar o hipossuficiente. 5

Isto porque, constar no rol dos direitos e das garantias fundamentais significa

ter função valorativa, servindo o direito à informação, no âmbito do direito da

comunicação, tem significado diferenciado.

Na perspectiva do direito fundamental da liberdade de expressão, é direito

oponível ao Estado, e a qualquer pessoa, de não como orientadora hermenêutica.

Em obediência aos preceitos constitucionais, origina-se o CDC como resposta ao

anseio de um reequilíbrio na relação entre consumidor e fornecedor, cujas regras de

proteção e de defesa do consumidor surgem, basicamente, da necessidade de

obtenção de igualdade entre aqueles que são originariamente desiguais.

Nessa linha, a Carta Magna consagra o princípio da isonomia ou igualdade,

expressamente, no “caput” do art. 5º “Todos são iguais perante alei, sem distinção

de qualquer natureza”.

No entanto, a isonomia não deve resultar necessariamente na idéia de

tratamento dos iguais de forma igual. Essa noção tem como meta eliminar certos

privilégios pessoais e regalias de algumas classes, com base no fato de a lei não

estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos. Não se encontra num plano

puramente normativo e formal, pretendendo conceder tratamento isonômico em

todas as situações, resumindo-se na regra de tratar os iguais e os desiguais de

forma sempre igual, fomentando ainda mais a desigualdade.

Ao contrário, a igualdade deve ser apreciada sob o seu aspecto material.

Devem-se tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata

5 “Essa hipossuficiência é mais tecnológica do que econômica”.(Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 21ª Câmara Cível, Des. Francisco José Moesch. Disponível em: https://www3.tj.rs.gov.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=27858).

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10 proporção de suas desigualdades. Cabe dizer que as pessoas ou as situações são

iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos.

O referido diploma constitucional trabalha em prol da igualdade de condições

entre as partes de acordo com as respectivas necessidades. Por outras palavras, a

Carta Magna trata desigualmente os desiguais com o objetivo de torná-los iguais de

fato. Dessa forma, o Código de Defesa do Consumidor deu especialidade própria ao

princípio da isonomia, ao tornar o consumidor igual ao fornecedor perante a lei.

Por conseguinte, os princípios e normas do CDC são de ordem pública e de

interesse social. Ou seja, são prerrogativas do direito privado na forma de interesse

público, pois são inafastáveis e indisponíveis. Têm a finalidade de impor uma nova

conduta social, novos valores que transformem a realidade social, criados, portanto,

com o intuito de se preservarem pilares essenciais da sociedade, sendo, ainda,

inderrogáveis6 pela vontade dos contratantes.

Assim, o caráter imperativo das normas consumerista tem por escopo

proteger o consumidor, erradicando o desequilíbrio em que se encontra no mercado

de consumo, na tentativa de alcançar uma realidade social mais justa e real, visando

sempre à dignidade da pessoa humana, uma das vigas mestras do Código de

Defesa do Consumidor.

6 “O caráter de norma pública atribuído ao Código de Defesa do consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá-la aos parâmetros da lei (...), ainda que a cláusula tenha sido celebrada de modo irretratável e irrevogável”. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 292.942/MG, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, data da decisão: 03/04/2001. Disponível em: http://www.stj.gov.br).

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CAPÍTULO III

INFORMAÇÃO: “SINÔNIMO” DE PODER

Diante das transformações pelas quais passa a sociedade contemporânea

está a afirmação da informação como principal fonte de riqueza ou recurso

estratégico, surgindo assim, a necessidade de regular essa informação, isto é, de

delimitar o seu exercício, de defender a sociedade e o indivíduo contra os seus

eventuais maus usos.

A novidade não está na informação em si, mas na sua transformação. A

importância desta na formação da riqueza e na organização das relações sociais, a

mudança nas práticas socioculturais que ela tem introduzido.

No entender de Maria Eduarda Gonçalves7, a informação, no seu sentido mais

elementar, constitui parte de toda a experiência humana. Todos os organismos são

sistemas de informação. A informação é considerada a base da vida. Ela constitui a

base das relações humanas e sociais. Sob vários graus de complexidade, é também

em torno dela que se estruturam e exerce a vida científica, a vida das organizações,

a vida política.

A informação tanto consiste nos dados ou conhecimentos obtidos por

intermédio de uma atividade de investigação, da instrução ou de qualquer outro

meio, como na comunicação ou transmissão desses dados ou conhecimentos8. Não

se trata apenas de informar e de comunicar enquanto tal, mas de informar e

comunicar no exercício de uma atividade econômica ou social.

7 GONÇALVES, Maria Eduarda. Direito da Informação: novos direitos e formas de regulação na sociedade da informação. Lisboa: Coimbra: Almedina, 2003, p. 17. 8 No Novo Aurélio, o Dicionário da Língua Portuguesa.Século XXI, a noção de informação é definida

do seguinte modo: “ato ou efeito de informar; dados acerca de alguém ou de algo; conhecimento, participação; comunicação ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa ou do público; instrução, direção; conhecimento amplo e bem fundamentado, resultante da análise e combinação de vários informes. Segundo a teoria da informação, medida da redução da incerteza, sobre um determinado estado de coisas, por intermédio de uma mensagem”.

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O homem moderno e o seu viver em função de um novo modelo de

sociedade, a sociedade de consumo9, revelam tanto um desenvolvimento econômico

e tecnológico quanto inúmeros conflitos nas relações sociais.

Esse novo modelo de sociedade coloca em total desequilíbrio fornecedor e

consumidor, de tal forma que o primeiro dita e impõe suas próprias regras enquanto

o segundo luta pela tutela da sua integridade psíquica e econômica.

O desequilíbrio nas relações de consumo aumenta na proporção que se

destaca o papel estimulador da publicidade que, aliada aos meios de comunicação,

cria, consolida e impõe hábitos, costumes e necessidades, levando as pessoas à

ampliação de seu consumo.

Impulsionado, psicologicamente, a consumir mais do que poderia necessitar

ou querer, o consumidor mostra-se altamente despreparado, deixando o seu direito

de saber o que quer consumir ser conduzido por uma publicidade ofensiva,

terrivelmente enraizada num sistema que acredita no aumento de produção e de

consumo como bases de sustento da economia.

As análises e investigações das necessidades e anseios do consumidor pelo

“marketing” têm se distanciado dos padrões de integridade, maculando-os com

práticas irregulares, informações falsas, ambíguas, enganosas e abusivas,

extremamente danosas ao consumidor que, como bem diz Benjamin, “acaba por

adquirir ‘gato por lebre’, ou seja, contratando quando, se estivesse bem informado,

não o faria”.10

Dessa maneira, o que deve ser um fenômeno inerente à sociedade de

consumo, benéfico ao consumidor, vem se constituindo em enorme dano social, de

prejuízo, muitas vezes, à saúde e à segurança do consumidor.

Em meio a tantas transgressões, ofensivas aos direitos fundamentais da

pessoa humana e da própria sociedade, estão à vulnerabilidade, as debilidades, a

9 “A expressão Sociedade de Consumo designa uma sociedade característica do mundo desenvolvido em que a oferta excede geralmente a procura, os produtos são normalizados e os padrões de consumo estão massificados. O surgimento da sociedade de consumo decorre diretamente do desenvolvimento industrial que a partir de certa altura, e pela primeira vez em milênios de história, levou a que se tornasse mais difícil vender os produtos e serviços do que fabricá-los. Este excesso de oferta, aliado a uma enorme profusão de bens colocados no mercado, levou ao desenvolvimento de estratégias de marketing extremamente agressivas e sedutoras e às facilidades de crédito quer das empresas industriais e de distribuição, quer do sistema financeiro”. (NUNES, Paulo. Economista, Professor e Consultor de Empresas. Disponível em: http://www.knoow.net/cienceconempr/economia/sociedadedeconsumo.htm. 10 BENJAMIN, Antonio Herman V. A Repressão Penal aos desvios de “Marketing”. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 4, pp. 91-125, 1992, p. 94.

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13 subordinações estruturais do consumidor em relação ao fornecedor, evidenciando o

desequilíbrio nesta relação.

Perde-se de vista o conceito clássico de contrato, compreendido tradicionalmente

como relação contratual construída por dois parceiros posicionados em igualdade

perante o Direito e a sociedade, para discutir individual e livremente as cláusulas de

seu acordo de vontade.

Na nova concepção contratual, o consumidor perde a sua soberania, o seu

poder e se torna a grande vítima da publicidade enganosa e/ou abusiva, das

cláusulas contratuais absurdas, dos preços excessivos, da má qualidade dos

produtos e serviços, sem grandes possibilidades de influenciar o mercado, nem

quanto aos preços, nem quanto à qualidade.

As regras ditadas pelos empresários, industriais ou comerciantes, fixando parcial e

tendenciosamente direitos e obrigações contratuais, caracterizadas pela pré-

formulação, generalidade, abstração, uniformidade, não raro contendo cláusulas

abusivas, realizam um injusto desequilíbrio, reforçando a hipossuficiência do

consumidor e a posição dominante do fornecedor.

Essas condições gerais de contratos, concebidas e redigidas unilateralmente

pelo fornecedor, pré-formulam os seus interesses. Além disso, ainda têm a seu favor

a maior qualificação profissional, a maior experiência, o tempo para escolher essas

condições, avaliá-las criteriosamente quanto ao conteúdo e o significado, fazê-las

valer para uma totalidade de casos, afastando-as das características peculiares do

caso concreto, garantido vantagens para si e enfraquecendo a posição contratual do

consumidor.

Exposto aos fenômenos econômicos, tais como a industrialização e a

massificação, assim como vitimado pela desigualdade de informações, pela questão

dos produtos defeituosos e perigosos, pelos efeitos sobre a vontade e a liberdade, o

consumidor acaba lesionado na sua integridade econômica e na sua integridade

psíquica.

Diante desse quadro, surge a necessidade de se promover uma paridade de

armas entre fornecedor e consumidor. Meios para que este resgate o seu poder de

escolha, de decisão, através de recíproca atuação com características marcantes de

lealdade, transparência, solidariedade, proteção da confiança do outro contratante e,

portanto, de conduta contributiva para um mercado de consumo permeado de

harmonia.

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Assim, na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor fica obrigado a

prestar ao consumidor todas as informações acerca do produto e do serviço, suas

características, qualidades, riscos, preços e etc., de maneira clara e precisa, não se

admitindo falhas ou omissões.

É necessário frisar a importância da informação de acordo com o jurista Luís

Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, em que este explana importantíssimo

pensamento a respeito da informação: “não há sociedade sem comunicação de

informação. A história do homem é a história da luta entre idéias, é o caminhar dos

pensamentos. O pensar e o transmitir o pensamento são tão vitais para o homem

como a liberdade física”.11 Mais do que nunca, hoje, informação é poder.

O princípio da informação é muito mais do que a própria informação em si, é o

respeito ao consumidor que por muitas vezes se sente perdido, sem saber que

caminho tomar, não confiando na prestação de serviço que lhe é oferecida.

Cabe ressaltar que o princípio da informação está interligado ao princípio da

transparência, eles são interdependentes. A informação tem que ser clara e

transparente.

O princípio da transparência consagra que o consumidor tem o direito de ser

informado sobre todos os aspectos de serviço ou produto exposto ao consumo,

traduzindo assim no princípio da informação.

Nesse sentido, a lei consumerista, em seu art. 6º, inciso III, assegura ao

consumidor a plena ciência da exata extensão das obrigações assumidas perante o

fornecedor, onde este deve transmitir efetivamente ao consumidor todas as

informações indispensáveis à decisão de consumir ou não o produto ou serviço, de

maneira clara, correta e precisa, a respeito dos distintos produtos e serviços,

apontando a correta composição, quantidade, qualidade, características e preços

dos mesmos.

Fábio Ulhoa Coelho preceitua que “de acordo com o princípio da

transparência, não basta ao empresário abster-se de falsear a verdade, deve ele

transmitir ao consumidor em potencial todas as informações indispensáveis à

decisão de consumir ou não o fornecimento”.12 O desrespeito aos princípios que

cercam as relações de consumo no mercado, em informar constante e claramente o

11 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo. Revista Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. Vol. 41, jan.-mar./2002, pp. 253 – 263. 12 COELHO, Fábio Ulhoa. O crédito ao consumidor e a estabilização da economia. Revista da Escola Paulista de Magistratura, 1/96, set./dez. 1996.

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15 consumidor sobre as condições pertinentes ao negócio, afronta o princípio da

transparência e o princípio da informação acima citados.

Para Cláudia Lima Marques13, o novo princípio básico norteador da formação

dos contratos entre consumidores e fornecedores é aquele instituído pelo art. 4º,

“caput”, do CDC, o da transparência. A idéia central é possibilitar uma relação

contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor.

Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido,

sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre

fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos

contratos de consumo. Corresponde a tal pilar consumerista a obrigação do

fornecedor de cientificar os consumidores, de maneira compreensível e adequada, a

respeito dos produtos e serviços, apontando a correta composição, quantidade,

características e preços dos mesmos, de maneira a permitir que o consumidor

obtenha a mesma soma de informações que o seu fornecedor para que, só assim,

desfrute do efetivo poder de “barganha”.

Por todo o exposto, fica claro que informação é poder, e poder se disputa.

Assim como muitos movimentos da história definem-se porque uma potência detém

mais informação do que outra sobre algum aspecto que faz diferença, o mesmo

ocorre dentro de cada sociedade, podendo-se mapear a distribuição do poder em

termos do controle da informação. Como exemplos, o poder político se exerce pelo

uso da informação, as empresas dominantes no mercado controlam mais

informação do que as competidoras e os ricos são ricos também porque são mais

informados sobre quase tudo do que os pobres.

É inegável que a informação é o ingrediente básico para que a evolução

aconteça, para que o desenvolvimento humano se realize de forma plena e

completa, pois quanto mais incompleta é a informação disponível, mais insegura é a

decisão tomada e, portanto, maior a probabilidade de erros e prejuízos.

Consumidor mal informado é “presa” fácil dos abusos do mercado, sempre

propenso a diversas lesões. Daí a claríssima preocupação do CDC com a

informação do consumidor.

13 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 4ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: RT, 2002, pp. 594-595.

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CAPÍTULO IV

PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CDC APLICÁVEIS À INFORMAÇÃO

Faz-se necessário o estudo principio lógico de cada matéria jurídica, pois

através deste tem-se um melhor entendimento e interpretação dos dispositivos e das

normas legais.

“Princípio, do latim ‘principium’, ‘principii’, encerra a idéia de começo, origem,

base. São proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento

posterior desta ciência deve estar subordinado”.14 Em linguagem coloquial, é o ponto

de partida e a causa de um processo qualquer.

Marcelo Abelha Rodrigues salienta que “os princípios nada mais são que normas

orientadoras de um sistema jurídico, de forma que tanto podem estar nelas

embutidos, ou expressamente previstos”.15

Os princípios gerais do direito constituem as normas primeiras, fundamentais,

que orientam a elaboração legislativa. Trata-se de normas que traduzem conceitos

fundamentais de direito e justiça, às quais qualquer ordem jurídica está obrigada.

Eles constituem uma das fontes mais importantes do direito. Visam preencher as

lacunas existentes ou desenvolver de forma mais justa o direito estabelecido através

de interpretação.

Celso Antonio Bandeira de Mello anota que “princípio é, por definição,

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e

servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência [...]”.16

Para o autor, a violação de um princípio é muito mais grave do que

transgressão de uma norma, pois a falta de atenção ao princípio resulta ofensa a

todo sistema e seus comandos. No seu entender, é a forma mais grave ilegalidade,

porque representa insubordinação a todo o sistema, destruição de seus valores

fundamentais e de sua estrutura mestra.

14 TRUJILLO, Élcio. A defesa do consumidor, a relação contratual bancária e o empresário finaceiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 10. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=123. 15 RODRIGUES, Marcelo Abelha apud TRUJILLO (ibidem). 16 MELLO, Celso Antonio Bandeira de apud TRUJILLO, op. cit.

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17

Observa-se que os princípios, normas e regras não se confundem. Na

verdade, princípios e regras são espécies de normas. A distinção entre regra e

princípios, portanto, é uma distinção entre dois tipos de normas. Os princípios são

normas de alto grau de generalidade enquanto as regras são normas de grau

relativamente baixo de abrangência. Os princípios estão mais próximos da noção de

justiça, enquanto as regras podem ter um conteúdo apenas formal. No conflito entre

regras, uma exclui a outra. 17 Os princípios, de outro lado, não se excluem. Na

verdade, apenas preponderam uns em relação aos outros em determinados casos.

As regras ou são válidas ou não; já os princípios, ao contrário, podem ser

ponderados, valorados.

Entretanto, o ponto decisivo de distinção entre regras e princípios está no fato

de que estes são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível, dentro das possibilidades jurídicas reais existentes. Os princípios, portanto,

podem ser cumpridos em diferentes graus de acordo com as possibilidades reais e

jurídicas. As regras, ao contrário, são normas que contêm determinações que

devem, ou não, ser cumpridas.

Segundo as palavras de Bonatto “Os princípios seriam como pilares de um

edifício, os quais servem como bases de qualquer sistema, atuando [...] como

diretrizes orientadoras para a consecução dos objetivos maiores deste mesmo

sistema”.18

Nesse contexto, os princípios basilares que regem a matéria jurídica

Consumerista estão previstos no artigo 4º do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor.

O referido artigo aponta que a Política Nacional de Relações de Consumo tem

por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, respeitando a sua

dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a

melhoria da sua qualidade de vida, bem como a harmonia das relações de consumo,

atendida certos princípios.

17 Os critérios utilizados para a solução de conflitos entre regras são, dentre outros, os seguintes: a lei posterior derroga a anterior; a lei especial derroga a geral; a lei de hierarquia maior tem preponderância em relação à regra de hierarquia menor. (HERTEL, Daniel Roberto. Reflexos do princípio da isonomia no direito processual. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 761, 4 ago. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7112). 18 BONATTO, Cláudio. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, contratos. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 24.

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18

O inciso trata do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no

mercado de consumo, que é o reflexo da principal razão de toda proteção e defesa

do consumidor. Decorre da constatação de ser o consumidor o elemento mais fraco

da relação de consumo, por não dispor do controle sobre a produção dos produtos,

sendo submetido ao poder de seus detentores, surgindo, assim, a necessidade da

criação de uma política jurídica que busque o equilíbrio entre os sujeitos envolvidos

na relação consumerista.

O doutrinador Rizatto Nunes19 compartilha do mesmo raciocínio ao defender

que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Ele explica que

essa fragilidade é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e

outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo

conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção

não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a

fabricação de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas

também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor quem escolhe o quê,

quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo

que é produzido.

É preciso salientar que não há que se confundir a vulnerabilidade do

consumidor com a hipossuficiência, que é uma característica restrita a determinados

consumidores, que além de presumivelmente vulneráveis são também, em sua

situação individual carentes de condições culturais ou materiais.

Com precisão, Benjamin demonstra a diferença entre a vulnerabilidade e

hipossuficiência, como se vê em: “a vulnerabilidade é um traço universal de todos os

consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já

a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma

coletividade - mas nunca a todos os consumidores”.20

Além dessas constatações, observa-se também que o princípio da

vulnerabilidade do consumidor é a aplicação plena do principio da igualdade material

(tratar desigualmente os desiguais), haja vista que reconhece a desigualdade dos

consumidores em relação aos fornecedores, institui o plano de políticas públicas de

19NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p.106.). 20BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 7 .Ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p 325.

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19 responsabilidade do Estado visando a igualdade nas relações de consumo e, ainda,

dispõe de mecanismos jurídicos de ordem de direito material e processual que visem

a defesa do consumidor.

Outro princípio de suma importância, elencado nos incisos II, VI e VII do

mesmo artigo é o do dever governamental que consiste na responsabilidade do

Estado, enquanto regulador da sociedade, promover meios para a efetiva proteção

do consumidor, inclusive diante do próprio Estado, quando este figurar como

fornecedor. Assim, este princípio é compreendido sob dois enfoques, quais sejam: o

primeiro é o da responsabilidade conferida ao Estado, na qualidade de organizador

da sociedade, ao prover o consumidor dos mecanismos suficientes que

proporcionam a sua efetiva proteção. O segundo diz respeito ao dever do próprio

Estado de promover continuadamente a “racionalização e melhoria dos serviços

públicos” (art. 4°, VIII), surgindo, aqui, a figura do Estado-fornecedor.

Seguindo o estudo dos princípios informadores do direito consumerista,

encontra-se o princípio da garantia da adequação, também disciplinado no art. 4°,

incisos II, alínea “d” e V do CDC. Por este princípio afirma-se ser direito do

consumidor a plena adequação dos produtos e serviços ao binômio da

segurança/qualidade, que é o fim ideal pretendido pelo sistema protetivo do

consumidor. Dessa forma, busca-se atender concretamente os objetivos da Política

Nacional das Relações de Consumo, consistentes no atendimento das necessidades

dos consumidores, com respeito de seus interesses econômicos e a melhoria da sua

qualidade de vida. A efetivação desse princípio compete ao fornecedor, que deve

ser oficialmente auxiliado pelo Estado, a quem está incumbido o dever de

fiscalização, que é outra atribuição do “princípio de dever governamental”.

De acordo com o princípio da harmonia nas relações de consumo, previsto no

inciso III, a estrutura social funciona como um todo e não só com consumidores ou

apenas com fornecedores, de modo que não é viável permitir-se que alguém impeça

o desenvolvimento (pessoal ou empresarial) que gera produtos ou serviços a serem

consumidos pela população, assim como, essa atividade, não pode ser fonte de

lesões a quem, na qualidade de consumidor, necessite desses bens para a

satisfação de suas necessidades (individuais ou componentes do próprio bem-estar

social coletivo). Assim, defesa do consumidor e proteção da livre iniciativa deve

coexistir sem inibir ou inviabilizar as atividades úteis ao progresso social como um

todo.

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20

Os contratos de consumo devem ser acordos de solidariedade, onde a boa-fé

objetiva prepondere, afastando fatores de discórdia. E quando as controvérsias

forem inevitáveis, elas devem ser superadas com a utilização dos instrumentos

apresentados ou facultados pelo CDC, como, por exemplo: a possibilidade de

celebração de convenções coletivas de consumo, ótimo instrumento para solucionar

eventuais divergências, compor interesses e gerar novas formas de colaboração

(art. 107, do CDC) e o aproveitamento dos mecanismos de solução de litígios (inciso

V, do art. 4º, do CDC). O foco, portanto, deve ser a compatibilizarão de interesses

entre consumidores e fornecedores.

O princípio da boa-fé, também abrangido de forma nítida por este inciso,

traduz a lealdade que as partes devem ter na relação de consumo. Para tal, existem

duas proposições para este princípio: a primeira visa ser menos formal, utilizando

uma linguagem que expresse nitidamente a manifestação da vontade das partes, de

maneira clara para o consumidor e, a segunda, busca dar destaque à colaboração, a

reciprocidade entre as partes, ou seja, a ajuda mútua para que se chegue ao fim

desejado pelas partes. Boa-fé é dever jurídico.

De acordo com Paulo V. Jacobina21, as partes devem, mutuamente, manter o

mínimo de confiança e lealdade durante todo o processo obrigacional. Seu

comportamento deve ser coerente com a intenção manifestada, evitando-se o

elemento surpresa, tanto na fase de informação, quanto na de execução, e até

mesmo na fase posterior, chamada fase de garantia e reposição. Nesse sentido o

princípio da boa-fé é positivado pelo CDC, é nesse sentido que a lei fala em

harmonização de interesses e equilíbrio nas relações entre fornecedores e

consumidores.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor prevê o princípio da

publicidade, decorrente da regra da boa-fé, através do art. 37, o qual orienta, no

dizer de Fábio Ulhoa “[...] adequação entre aquilo que se afirma sobre o produto ou

serviço e aquilo que realmente é” 22, isto é, as mensagens publicitárias devem ser

verdadeiras, corretas, respeitando o consumidor frente a sua vulnerabilidade. Esse

consumidor que está a todo o momento, seja em jornais impressos, revistas,

televisões, entre outros vários meios de comunicação, exposto a inúmeras peças

21 JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A Publicidade no Direito do Consumidor, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 66. 22 COELHO, Fábio Ulhoa, O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994, p.

151.

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21 publicitárias. A lei estabelece que tudo aquilo que for anunciado que desperte certo

desejo no consumidor, obrigatoriamente tem que ser verdade e não induzir a erro.

Devendo acima de tudo, o que for anunciado, ser de forma completa e correta para

que não seja caracterizada a publicidade enganosa.

A publicidade tem por fito atrair e estimular o consumo, enquanto a informação visa

dotar o consumidor de elementos objetivos de realidade que lhe permitam conhecer

os produtos e serviços e exercer suas escolhas.

A informação obriga o fornecedor, pois o dever de informar de modo

adequado, suficiente e veraz decorre da atividade que exerce. Essa obrigação surge

com especial força na publicidade dos produtos e serviços lançados no mercado de

consumo. A publicidade utiliza principalmente os meios de comunicação social, mas

pode estar contida em mensagens dirigidas diretamente ao consumidor, seja por

mala direta seja pela “Internet”, e nos próprios produtos.

O Direito do Consumidor, visando realizar o direito fundamental à informação,

toma a publicidade sob dois aspectos: no primeiro, a publicidade preenche os

requisitos de adequação, suficiência e veracidade, considerando-a lícita; no

segundo, a publicidade ultrapassa limites positivos e negativos estabelecidos na lei,

para defesa do consumidor, tornando-a ilícita. A publicidade ilícita é enganosa

quando divulga o que não corresponde ao produto ou serviço, induzindo em erro; é

abusiva quando discrimina pessoas e grupos sociais ou agride outros valores

morais. A publicidade ilícita não produz efeitos em face do consumidor, que pode

rescindir o contrato por esse fundamento.

Dando seguimento ao estudo dos princípios consumerista, nota-se que o

princípio da transparência consta de forma implícita no “caput” do art. 4º do CDC.

Este princípio tem por finalidade uma relação mais próxima e adequada entre o

fornecedor e o consumidor, visando, pelo próprio conteúdo, sinceridade no negócio

entre ambos os contratantes. Ele impõe ao fornecedor o dever da efetiva e direta

informação sobre todas as condições do negócio a ser realizado, abrangendo tanto

a oferta como o texto do compromisso quando escrito ou a divulgação ampla das

condições quando, em decorrência do pequeno negócio, for verbal.

O princípio da transparência é inovação no sistema jurídico brasileiro,

especificamente no CDC, pois a parte ao negociar tem que demonstrar clareza,

limpidez, devendo o fornecedor ou o prestador de serviços exibirem idoneidade nos

negócios.

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22

Como já mencionado, o princípio da transparência ratifica que o consumidor

tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos de serviço ou produto

exposto ao consumo, traduzindo, assim, o princípio da informação.

Expressa ou implicitamente é notória a importância da informação como

componente dos deveres do fornecedor, mesmo que com contribuição supletiva da

ação governamental e de órgãos e associações de proteção aos interesses dos

consumidores.

Conclui-se que a Política Nacional das Relações de Consumo institui uma

verdadeira “principiologia” que rege todo esse novo ramo do Direito, devendo ser

observada em quaisquer relações de consumo. Assim, esses princípios

consumerista instruem não só as atividades dos fornecedores e do Estado, mas

também a própria compreensão do CDC.

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23

CAPÍTULO V

A INFORMAÇÃO COMO BASE DA RELAÇÃO CONSUMERISTA

“O direito à informação adequada, suficiente e veraz é um dos pilares do direito do

consumidor”.23

O princípio da informação é encontrado em quase todos os capítulos do CDC,

aparecendo de forma explícita nos arts. 4º, inciso IV, e 6º, inciso III. Por força desse

princípio, a informação adequada, clara, transparente e honesta deve ser a tônica de

toda relação de consumo.

Disposições estabelecendo deveres relativos à adequada informação (como

princípio) para a área de consumo estão presentes ao longo de todo o CDC, como

se pode observar na positivação da Política Nacional de Relações de Consumo (art.

4º) e no texto de muitos outros artigos que integram desde o rol dos direitos básicos

dos consumidores até os deveres quanto à proteção da sua saúde e segurança.

Depreende-se de uma leitura mais atenta ao Código consumerista que a informação

é princípio (art. 4º, IV); é direito básico do consumidor (arts. 6º, III, e 43); é dever do

fornecedor (arts. 8º, parágrafo único, 31 e 52); é dever do Estado e seus órgãos

(arts. 10, § 3º, 55, §§ 1º e 4º, 106, IV); responsabiliza (arts. 12 e 14); obriga (art. 30);

é proibida se ilícita (art. 37, §§ 1º a 3º); inverte o ônus da prova (art. 38); tipifica

crime se omitida (arts. 66, 72 e 73), todos do CDC.

Pode-se afirmar que o direito do consumidor à informação compõe o item

mais citado no CDC, o que é comprovado pela simples constatação de que o

substantivo “informação” ou o verbo “informar” são citados 28 vezes no corpo dos

119 artigos desse sistema. E isso se justifica, tendo em vista que apenas aqueles

consumidores esclarecidos, bem informados, conscientes é que realmente

conseguem instrumentos para efetivar relações de consumo que traduzam justiça

para todas as partes envolvidas, o que vem em proveito deles mesmos e do

interesse coletivo.

23 LÔBO, op. cit.

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24

Ratificando tal entendimento, tem-se a decisão do Desembargador Francisco

José Moesch: “Poderíamos resumir o Código de Defesa do Consumidor como o

dever de informar” 24, afirma o Desembargador da 21ª Câmara Cível do TJRS. O

magistrado explica que “o consumidor é considerado mais vulnerável na relação

com o fornecedor, e essa hipossuficiência é mais tecnológica do que econômica”.

Vem daí a proteção contratual presente no CDC, dispondo sobre o direito do

consumidor à informação clara e suficiente, tanto antes do contrato como após.

Vale esclarecer que o consumidor tantas vezes mencionado é o titular do

direito à informação. É todo e qualquer adquirente e usuário do produto ou do

serviço fornecido. Assim sendo, há de ser considerado o consumidor típico,

independentemente do maior ou menor grau de acesso individual à informação.

Para fins de identificação jurídica, o consumidor considerado é um tipo ideal,

médio, ou seja, é o tipo comum a que se destina o produto ou o serviço. O tipo ideal

ou médio vai além dos interesses e condições individuais ou subjetivos e envolve o

interesse coletivo de todos os destinatários, no tempo e no espaço. O consumidor

típico é qualquer um, inclusive o iletrado, para o qual a informação deve ser a mais

simples e acessível possível.

O direito fundamental à informação fica garantido ao consumidor na medida

em que o respectivo dever de informar, por parte do fornecedor, for cumprido. É o

ônus que se impõe ao fornecedor em decorrência do exercício de atividade

econômica lícita.

Essa obrigação de informar tem origem no tradicional princípio da boa-fé

objetiva, de conduta baseada na lealdade, na probidade, na confiança, na ausência

de intenção lesiva ou prejudicial. O princípio da boa-fé objetiva possui nova função

no direito do consumidor, aperfeiçoando sua dimensão de cláusula geral de modo a

servir de parâmetro de validade dos contratos de consumo, principalmente nas

condições gerais dos contratos. Entretanto, o dever de informar não é apenas a

realização do princípio da boa-fé. Na evolução do direito do consumidor assumiu um

caráter mais objetivo, relacionando-se à atividade lícita de fornecimento de produtos

e serviços. Deixa de ser dever acessório, anexo e passa à prestação principal.

A fabricação, a composição e a utilização dos produtos e serviços atingem

elevados níveis de complexidade, especialidade e desenvolvimento científico e

24 TJRS, op. cit.

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25 tecnológico, cujo conhecimento é difícil ou impossível de ser dominado pelo

consumidor típico, ao qual eles se destinam. A massificação do consumo, por outro

lado, agrava o distanciamento da informação suficiente. È nesse contexto que o

Direito precisa avançar para tornar o dever de informar um esteio eficaz do sistema

de proteção.

Todos que participam do lançamento do produto ou serviço, desde sua

origem, inclusive prepostos e representantes autônomos têm o dever de informar.

Esse dever é solidário, gerador de obrigação solidária. A solidariedade passiva25 é

necessária, pois funciona como instrumento de eficaz proteção ao consumidor, para

que ele que não tenha de suportar o ônus de identificar o responsável pela

informação dentre todos os integrantes da respectiva cadeia econômica (produtor,

fabricante, importador, distribuidor, comerciante, prestador do serviço).

O dever de informar só de perfaz quando a informação recebida pelo consumidor

típico preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Os requisitos

devem estar interligados. A ausência de qualquer deles importa descumprimento do

dever de informar.

A adequação diz respeito aos meios de informação utilizados e seu respectivo

conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou com o serviço

determinados e o consumidor destinatário típico. Os símbolos empregados tais

como imagens, palavras e sons, devem ser claros e precisos, que estimulem

conhecimento e compreensão. No caso de produtos, a informação deve expor a

composição e os riscos.

Em relação à veiculação por meio publicitário, deve-se ter especial cautela

quanto à obrigação de informar A legislação de proteção do consumidor prevê que

deve haver maior cuidado na linguagem empregada na informação. Em primeiro

lugar, o idioma deve ser o vernáculo. Em segundo, os termos empregados têm que

ser compatíveis com o consumidor típico. Em terceiro lugar, toda a informação

necessária que envolva riscos ou ônus que devem ser suportados pelo consumidor

deve ser destacada, de modo que “saltem aos olhos”. Alguns termos em língua

estrangeira podem ser empregados, sem risco de infração ao dever de informar, se

25 O CDC, em seu artigo 34, é explícito a respeito, onde o fornecedor ou prestador de serviços que violar o dever de informar responderá pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais participantes, da cadeia de produção à distribuição, que tenham igualmente violado o dever de informação.

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26 já estiverem inseridos no uso corrente, desde que o consumidor típico com eles

esteja familiarizado. No campo da informática, por exemplo, há universalização de

alguns termos em inglês, cujas traduções são pouco expressivas, a exemplo do

aparelho denominado “mouse”.

Dentre os requisitos mais importantes do dever de informar está a suficiência,

relacionada à integralidade da informação. Antes do surgimento do direito do

consumidor era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre

intencionais, relativos a dados não vantajosas ao produto ou serviço. A ausência de

informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera

confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto que a

informação suficiente permite-lhe escolher aquele que seja de fabricação mais

recente. A informação que reduz de modo proposital as conseqüências danosas

pelo uso do produto é insuficiente.

No que diz respeito à veracidade, considera-se veraz a informação que

corresponde às reais características do produto e do serviço, além dos dados

corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A

publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e

o direito do consumidor destina especial atenção a suas conseqüências.

Convém notar que a garantia de informação plena do consumidor funciona

em duas vias, conforme ensinamentos de Benjamin26. Na primeira, o direito do

consumidor busca assegurar que certas informações negativas (inexatas, onde se

diz algo que não é) não sejam utilizadas. Na segunda, procura garantir que certas

informações positivas (deixar de dizer algo que é) sejam efetivamente passadas ao

consumidor.

A informação obriga. Ou seja, mesmo que a informação seja deficiente ou

insuficiente não pode servir de empecilho à vinculação obrigacional do fornecedor.

Ainda que não esteja explícita, pouco importa que essa omissão seja intencional ou

involuntária. A informação não explícita, que vincula, é toda aquela necessária ao

conhecimento e compreensão do consumidor médio relacionada à natureza do

produto ou do serviço, sendo, dessa forma, parte integrante do contrato de

consumo.

26 BENJAMIN, op. cit., p. 90.

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Aceitar e consentir não podem ser confundidos com conhecer e compreender.

O consumidor em particular pode ter conhecido e não compreendido, ou ter

conhecido e compreendido. Essa situação concreta é irrelevante. O que interessa é

ter podido conhecer e podido compreender, ele e qualquer outro consumidor típico

destinatário daquele produto ou serviço. A declaração de ter conhecido ou

compreendido as condições gerais ou as cláusulas contratuais gerais não supre a

exigência legal e não o impede de pedir judicialmente a ineficácia delas. Compete ao

julgador verificar se a conduta concreta guarda concordância com a conduta

abstrata tutelada pelo direito.

Nessa conotação, deve existir a preocupação de se desenvolver uma

atividade razoável que permita ou facilite ao consumidor conhecer e compreender

efetivamente a informação. Um critério geral de apreciação das condutas em

abstrato, levando-se em conta o comportamento esperado do consumidor típico em

circunstâncias normais. Ao fornecedor, portanto, incumbe prover os meios para que

a informação seja conhecida e compreendida.

Além da preocupação de se facilitar ao consumidor a compreensão e o

conhecimento, também se fazem necessário a dilatação daquela que, normalmente,

é a única opção colocada nos contratos de consumo massificados, especialmente

quando submetidos a condições gerais, isto é, “pegar ou largar”, uma vez que o

consumidor não possui poder contratual para modificar ou negociar os termos e o

conteúdo contratual.

O Código do Consumidor, nos arts. 46 e 54 instituem que os contratos de

consumo não serão eficazes perante os consumidores “se não lhes for dada a

oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo”, ou houver dificuldade

para compreensão de seu sentido, ou se não forem redigidos em termos claros, ou

se não forem escritos com destaque, nos casos de limitação de direitos.

As referidas hipóteses legais situam-se no plano da eficácia, pois a falta de

informação acarreta a ineficácia jurídica, ainda que não haja cláusula abusiva (plano

da validade). Os contratos existem juridicamente, são válidos, mas não são eficazes.

O direito do consumidor, portanto, desenvolveu peculiar modalidade de eficácia

jurídica. No lugar do consentimento, surge o conhecimento como realização do

dever de informar. Assim, o contrato não obriga o consumidor caso o fornecedor

viole o dever de informar, cabendo ao consumidor a faculdade de anular o contrato e

ao fornecedor sanções cominadas pela Lei 8.137/90.

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Recomenda-se rigor na exigência do cumprimento deste princípio, pois se

trata da única fórmula que, em prol dos consumidores, é apta a favorecer a obtenção

dos melhores benefícios do contrato. A qualidade das relações de consumo

depende essencialmente do cumprimento deste princípio, que sobrepuja a lei e

insere-se também como um verdadeiro dever moral de honestidade, justificando,

assim, a sua positivação no CDC.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, procurou-se demonstrar que somente a informação é capaz de

tornar realizável o direito de escolha e autonomia do consumidor, fortemente

reduzida pelos modos contemporâneos de atividade econômica massificada e

despersonalizada. Somente a vontade livre e bem informada, ou seja, isentam de

imprecisões, omissões ou condicionamentos espúrios, é que pode alcançar um

consentimento válido, bem como o reequilíbrio das relações de consumo.

Num primeiro momento, a análise demonstrou que a defesa do consumidor foi

estabelecida pela Carta Magna como direito fundamental e consolidada no Código

de Proteção e Defesa do Consumidor como princípio de suma importância para o

perfazimento das relações consumerista. Notadamente, a partir da vigência da Lei

8.078/90 tornou-se ilegal qualquer ato ou procedimento que atente contra o direito à

informação do consumidor, valendo assinalar que se trata de uma informação

ampla, substancial, extensiva a todos os aspectos da relação de consumo

desenvolvida, que cabe integralmente aos fornecedores. Toda essa importância é

devida ao fato de que a informação garante segurança e evita danos, se ministrada

de forma isonômica, protegendo o consumidor típico, parte hipossuficiente da

relação.

Na segunda hipótese, a informação foi enfocada como “sinônimo” de poder,

visto que ela é considerada a principal fonte de riqueza na atual sociedade. Na

sociedade de consumo, o fornecedor, que é quem detém a informação e as suas

variáveis, domina, manipula, subjuga. Esse novo modelo societário fomenta o

desequilíbrio entre fornecedor e consumidor, onde este fica a mercê do poderio

econômico e tecnológico daquele, que, aliado os meios publicitários, estimula o

consumo desenfreado e inconsciente. A manifestação da vontade, que deveria ser

livre e consciente, sofre influência negativa de uma publicidade enganosa e abusiva,

perdendo a sua soberania. Assim, fica claro que se o consumidor obtiver a mesma

gama de informação que o seu fornecedor, tomará as rédeas do acordo de vontade

e restabelecerá o poder de barganha, tornando a relação mais equânime.

No ponto seguinte foram evidenciados os princípios consumerista que se

aplicam à informação e que com esta estabelecem uma relação de

complementação. Ressaltou-se o papel desempenhado pelos princípios, cuja função

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30 essencial é orientar todo o sistema jurídico, tanto a elaboração das normas quanto à

aplicação destas, de forma a preencher possíveis lacunas ou criar meios mais justos

de interpretação. Vale dizer que a violação de um princípio é mais grave que a

violação a uma norma por constituir a base, o pilar de todo o sistema jurídico.

Foram estudados os princípios basilares do CDC que formam a Política

Nacional das Relações de Consumo, disposta no art. 4º do CDC, dentre os quais

estão o princípio da vulnerabilidade do consumidor, o do dever governamental, da

harmonia nas relações de consumo, da publicidade, da boa-fé e da transparência,

deste último decorre o princípio estrutural do CDC, qual seja, o da informação.

Seguindo a orientação ditada pelo Código, o fornecedor contribuirá não somente

para a obediência aos preceitos legais que regulam as contratações, mas também

para a harmonia da política nacional das relações de consumo e evolução das

relações mercadológicas. Assim, favorecerá que a legislação consumerista alcance

seu objetivo, deixando de ser vista, equivocadamente, como uma legislação

meramente protecionista, mas sim, como ferramenta necessária a estabelecer o

equilíbrio na relação de consumo.

Por fim, a informação, enquanto princípio foi tratado como a base de todo o

arcabouço consumerista, cuja importância fica ressaltada pela quantidade de vezes

que a denominação aparece no Código, ora como princípio, como direito básico, ora

como dever. De acordo com entendimento doutrinário, o CDC se resume no dever

de informar e no direito de ser informado.

Nessa ótica da imprescindibilidade da informação, o consumidor a ser

considerado é o típico, o consumidor médio, o tipo comum, para o qual a informação

deve ser a mais simples e acessível possível para que ele conheça e compreenda e

cujo parâmetro de validade deve ser a boa-fé. Desse modo, informar faz parte da

boa-fé objetiva (como padrão de comportamento a ser aplicado), devendo a

informação ser acrescida do aconselhamento ministrado pelo profissional para que o

consumidor, desde a escolha, possa obter os melhores efeitos do contrato, ou seja,

o ideal de satisfação de sua necessidade da melhor forma possível.

Esse dever de informar deve ser estendido a todos os participantes da cadeia

econômica até a aquisição do bem pelo consumidor, pois a obrigação é solidária, ou

seja, caso a informação recebida pelo consumidor por um dos integrantes dessa

cadeia não preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade, o

consumidor poderá pedir a responsabilização daquele com quem contratou,

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31 independente de ser este o responsável ou não, cabendo, ainda, as sanções

previstas em lei.

A partir deste artigo, esclareceu-se que a informação é fundamental para uma

relação de consumo saudável, onde haja paridade de condições e

conseqüentemente, equilíbrio, para que os objetivos da Política Constitucional e das

Relações de Consumo sejam atendidos de forma plena.

Este artigo representa em termos da Ciência do Direito, à luz dos princípios

constitucionais da igualdade e da dignidade humana, uma sustentação jurídica

coerente a defesa do consumidor como o hipossuficiente da relação de consumo,

que merece proteção, inclusive constitucional, para ver seus direitos mais simples

sendo respeitados, contribuindo para o envolvimento com a pesquisa, em uma

discussão legislativa e doutrinária.

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