POR UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL

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  • MINISTERIO DA EDUCAO E DO DESPORTO SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL

    DEPARTAMENTO DE POLTICAS EDUCACIONAIS COORDENAO GERAL DE EDUCAO INFANTIL

    Por uma poltica de formao do profissional

    de Educao Infantil

    1994

  • Presidente da Repblica Itamar Augusto Cautiero Franco

    Ministro da Educao e do Desporto Murilio de Avellar Hingel

    Secretano Executivo Antonio Jos Barbosa

    Secretria de Educao Fundametal Maria Agla de Medeiros Machado

    Diretor do Departamento de Polticas Educacionais Celio da Cunha

    Coordenadora Geral de Educao Infantil Angela Mana Rabelo Ferreira Barreto

  • MINISTERIO DA EDUCAO E DO DESPORTO SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL

    DEPARTAMENTO DE POLTICAS EDUCACIONAIS COORDENAO GERAL DE EDUCAO INFANTIL

    Por uma poltica de formao do profissional

    de Educao Infantil

    Textos das palestras proferidas no Encontro Tcnico de Formao do Profissional de Educao Infantil, realizado no Instituto de Recursos

    Humanos Joo Pinheiro, em Belo Horizonte, em abril de 1994.

  • EQUIPE DE ORGANIZAO DO ENCONTRO TCNICO

    Angela M. Rabelo F. Barreto (Coordenadora da COEDI) Jane Margareth de Castro (IRHJP/GT de Educao Infantil) Jarhta Vieira Damaceno (COEDI) Mrcia P. Tetzner Laiz (COEDI) Rita de Cssia Coelho (IRHJP/GT de Educao Infantil)

    APOIO TCNICO

    Ana Rosa Beai. Anny Mary Baranenko. urea Fucks Drcifus. Ftima Regina T. Salles Dias. Regina Lcia C. Melo, Stela Maris Lagos Oliveira. Tcre/a Nery Barreto. Vilma Pugliese Seixas. Vitria Libia Barreto de Faria.

    APOIO OPERACIONAL

    Aida Iris de Oliveira, Deusalina Gomes Airo. Tereza Lopes de Almeida Oliveira - COEDI Jos Teixeira Soares. Sandra Maria P. Salomo e equipes - IRHJP

    P942 Por uma politica de formao do profissional de Educao Infantil./MEC/SEF/COEDI - Braslia: MEC/SEF/DPE/COEDI, 1994. 92t.

    Textos das palestras proferidas no Encontro Tcnico de For-mao do Profissional de Educao Infantil, realizado no Insti-tuto de Recursos Humanos Joo Pinheiro, em Belo Horizonte, em abril de 1994

    1. Formao de Professores. 2 Politica da Educao! - Ttulo

    CDU. 371.13 (061 3) 37.014(061.3)

  • SUMARIO

    Apresentao Maria Agla de Medeiros Machado 9

    Introduo: Por que e para que uma Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil? Angela M. Rabelo F. Barreto 11 Currculo de Educao Infantil e a Formao dos Profissionais de Creche e Pr-escola: Questes Tericas e Polmicas. Sonia Kramer 16

    Educar e Cuidar: Questes Sobre o Perfil do Profissional de Educao Infantil Maria Malta Campos 32

    Aspectos Gerais da Formao de Professores para a Educao Infantil nos Programas de Magistrio - 2o Grau Selma Garrido Pimenta 43

    Formao do Profissional de Educao Infantil Atravs de Cursos Supletivos Flvia Rosemberg 51 A Universidade na formao dos profissionais de educao infantil Zilma de Moraes Ramos de Oliveira 64 Subsdios para uma Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil. Relatrio-sintese contendo diretrizes e recomendaes Snia Kramer 69

    Anexos: Programao do Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil 85 Participantes do Encontro Tcnico 89

  • AGRADECIMENTOS

    A Secretaria de Educao Fundamental agradece aos participantes do Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil, a importante contribuio nos debates de tema to relevante para a melhoria da qualidade do atendimento em creches e pr-escolas.

    As palestrantes - professoras Snia Kramer, Maria M. Malta Campos, Selma Garrido Pimenta, Fulvia Rosemberg, Zilma M. Ramos de Oliveira - e queles que relataram as experincias dos organismos a que pertencem - Maria Evelyna Pompeu do Nascimento, Liete da Rocha Blume, Rita Cohen Bendetson. Emilia Cipriano Sanches, Elosa A.Candal Rocha, Mana Bernadete de C.Rodrigues, Michel Brault, Stela Naspolini, Isa T.F.Rodrigues, Elenir Bauer Blasius e Solange Leite Ribeiro -a SEF expressa seu reconhecimento pelo esforo de anlise das questes pertinentes formao do profissional de Educao Infantil, muitas delas bastante controvertidas.

    Agradecimento especial dirigido ao Professor Jorge Nagle, conselheiro do Conselho Federal de Educao e Professora Iara Silvia Lucas Wortmann, Presidente do Frum dos Conselhos Estaduais de Educao, pela importante participao nas discusses desse tema que dever ser objeto de recomendaes e normas daquelas instituies.

    Ao diretor do Instituto de Recursos Humanos Joo Pinheiro, Ramon Villar Paisal, s equipes tcnicas de educao infantil da COEDI/DPE/SEF, do IRHJP e da DEMEC/MG, o agradecimento desta secretaria pelo competente trabalho, que possibilitou a realizao do Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil.

    Os resultados positivos do encontro tambm devem ser creditados participao dos membros da Comisso Nacional de Educao Infantil e demais convidados.

  • APRESENTAO

    A Secretaria de Educao Fundamental do Ministrio da Educao e do Desporto traz a pblico os textos apresentados no Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil, realizado no Instituto de Recursos Humanos Joo Pinheiro (IRHJP), em Belo Horizonte, em abril de 1994.

    Elaborados por especialistas de renome nacional nas reas de educao infantil e de formao de recursos humanos para a educao, os textos aqui reproduzidos, na mesma ordem em que foram apresentados pelos respectivos autores no Encontro Tcnico, subsidiaram a anlise de questes relevantes para a formulao de uma poltica deformao dos profissionais de Educao Infantil. O currculo da Educao Infantil, os cursos de formao profissional e as diferentes possibilidades dessa formao, a estruturao da carreira, a remunerao e as condies de trabalho em creches e pr-escolas foram os principais temas debatidos.

    A discusso desses textos e dos vrios relatos de experincias apresentados no Encontro resultou em um relatrio-sntese, que constitui o ltimo captulo deste livro.

    A riqueza dos debates e das concluses do evento foi fruto da participao competente e comprometida de todos: convidados, palestrantes, relatores de experincias, professores e tcnicos da rea de Educao Infantil.

    A programao e a relao dos participantes do Encontro Tcnico so apresentadas como anexos.

    Aos leitores, nossos votos de que esta publicao contribua para o surgimento de novas idias e propostas de renovao do cotidiano da Educao Infantil.

    MARIA AGLA DE MEDEIROS MA CH ADO SECRETRIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL

  • INTRODUO

    POR QUE E PARA QUE UMA POLTICA DE FORMAO DO PROFISSIONAL DE

    EDUCAO INFANTIL? Angela M. Rabelo F. Barreto*

    Pretende-se, aqui, explicitar as razes que levaram o Departamento de Polticas Educacionais da Secretaria de Educao Fundamental, atravs da Coordenao Geral de Educao Infantil, a promover o Encontro Tcnico sobre a poltica de formao do profissional que trabalha com a educao da criana de zero a seis anos. Para tanto, foram convidados especialistas de renome, profissionais dos sistemas de ensino, de agncias de formao e de outras organizaes que atuam na rea e representantes dos Conselhos de Educao de mbito federal e estadual

    A formao do professor reconhecidamente um dos fatores mais importantes para a promoo de padres de qualidade adequados na educao, qualquer que seja o grau ou modalidade. No caso da educao da criana menor, vrios estudos internacionais tm apontado que a capacitao especfica do profissional uma das variveis que maior impacto causam sobre a qualidade do atendimento, como mostrou uma recente reviso da literatura (Scarr e Eisenberg, 1993). No Brasil, a relevncia da questo tem levado vrios estudiosos e profissionais que atuam na rea a promover discusses e elaborar propostas para a formao do profissional de educao infantil, especialmente daqueles que trabalham em creches (Rosemberg et ai, 1992).

    A importncia atribuida ao fator "recursos humanos", para o alcance da qualidade, evidenciada pelo destaque dado questo no documento da Poltica de

    * Coordenadora da Coordenao Geral de Educao Infantil, do Departamento de Polticas Educacionais da SEF/ MEC e professora do Instituto de Psicologia da UnB.

  • ANCHA M. RABELO E. BARRETO

    Educao Infantil proposta pelo MEC e apoiada por rgos de governo e entidades da Sociedade Civil, em especial as que integram a Comisso Nacional de Educao Infantil (MEC/SEF/DPE/COEDI, 1993).

    As diretrizes para uma poltica de recursos humanos explicitadas no refendo documento fundamentam-se em alguns pressupostos, entre os quais se destacam: ( 1 ) a educao infantil a primeira etapa da educao bsica, destina-se s enancas de zero a seis anos e oferecida em creches e pr-escolas, e, (2), em razo das particularidades desta etapa de desenvolvimento, a educao infantil deve cumprir duas funes complementares e indissociveis cuidar e educar, complementando os cuidados e a educao realizados na famlia. Assim, o adulto que atua, seja na creche seja na pr-escola, deve ser reconhecido como profissional e a ele devem ser garantidas condies de trabalho, plano de carreira, salrio e formao continuada condizentes com o papel que exerce.

    No que se refere formao, a Poltica explicita as seguintes diretrizes:

    " Formas regulares deformao e especializao, bem como mecanismos de atualizao dos profissionais de Educao Infantil devero ser assegurados.

    A formao inicial, em nvel mdio e superior, dos profissionais de Educao Infantil dever contemplar em seu currculo contedos especficos relativos a esta etapa educacional.

    A formao do profissional de Educao Infantil, bem como a de seus formadores, deve ser orientada pelas diretrizes expressas neste documento.

    Condies devero ser criadas para que os profissionais de Educao Infantil que no possuem a qualificao mnima, de nvel mdio, obtenham-na no prazo mximo de 8 (oito) anos. " (MEC/SEF/COEDI.993).

    Em decorrncia dessas diretrizes, uma das aes prioritrias explicitadas na Poltica de Educao Infantil a promoo da formao e valorizao dos profissionais da rea, o que exige acordos e compromissos entre as instncias que prestam esse servio, as agncias formadoras e as representaes desses profissionais. Ao MEC cabe o papel de articulao e coordenao, alm do apoio tcnico e financeiro a aes desenvolvidas nessa direo.

    Assim, a definio de uma Poltica de Formao do Profissional constitui uma das tarefas mais urgentes para a implementao da Poltica de Educao Infantil, e, como pode ser verificado numa breve anlise da situao atual, um importante

  • desafio a ser enfrentado. Embora no existam informaes abrangentes sobre os profissionais que atuam

    nas creches e pr-escolas do Pas. especialmente nas primeiras, diagnsticos realizados por pesquisadores de instituies como a Fundao Carlos Chagas, Instituto de Recursos Humanos Joo Pinheiro e universidades, mostram que muitos desses profissionais no tm formao adequada, percebem remunerao muito baixa e trabalham sob condies bastante precrias Mesmo no segmento da pr-escola, grande o nmero de profissionais que no possuem segundo grau completo e que podem ser considerados leigos, "lato sensu" (Barreto, 1991 a.b). O percentual de leigos atinge 18.9% dos professores de pr-escola do Pais e em alguns estados supera um tero do corpo docente (MEC/SEF/DPE/COEDI, 1994).

    Os professores da educao pr-escolar so, em sua maioria (56,6%), formados na habilitao magistrio de segundo grau e um percentual maior ( 17%) tem curso superior No h dados que permitam quantificar, com confiabilidade, aqueles que possuem estudos adicionais habilitao magistrio ou licenciatura especfica para atuar na rea da pr-escola Sabe-se, entretanto, que a oferta deformao especfica para a educao pr-escolar, tanto no nvel de segundo grau quanto no superior, apresenta nmeros irrisrios. Em 1990, conforme dados do SEEC/MEC, concluram a habilitao de segundo grau para magistrio de pr-escolar 2.844 alunos, em todo o Pas; no ensino superior, a licenciatura para pr-primrio apresentou, em 1990, 313 Concluintes e, em 1991, apenas 261 alunos foram diplomados nessa habilitao.

    A qualidade da formao oferecida outra questo que merece anlise. Estudos tm mostrado que a formao do professor da educao bsica, nela includa a pr-escola, deixa muito a desejar no Brasil O circulo vicioso "baixa remunerao -pouca qualificao" estabelecido na rea requer, para que seja superado, o investimento nos dois lados da equao

    No caso da educao infantil, que abrange o atendimento s crianas de zero a seis anos em creches e pr-escolas, exigindo que o profissional cumpra as funes de cuidar e educar, o desafio da qualidade se apresenta com uma dimenso maior, pois sabido que os mecanismos atuais de formao no contemplam esta dupla funo E preciso, portanto, conforme explicitado na Poltica, que formas regulares de formao e especializao, bem como mecanismos de atualizao dos profissionais sejam assegurados e que esta formao seja orientada pelos pressupostos e diretrizes expressos na Poltica de Educao Infantil.

    Dada a complexidade da questo e a necessidade de que decises sejam tomadas, e assumindo o papel articulador e coordenador da implementao das polticas educacionais, a SEF. com o apoio do Instituto de Recursos Humanos Joo Pinheiro, tomou a iniciativa de promover a discusso do tema com os principais segmentos

    POR UMA POLTICA DE FORMAO DO PROFISSIONAL DE EDUCAO INFANTIL

  • ANGELA M. RABILO F. BARRITO

    envolvidos: pesquisadores e especialistas, profissionais de agencias formadoras, dos sistemas de ensino e de organizaes no-governamentais que atuam na rea, representantes do Conselho Federal e dos Conselhos Estaduais de Educao, tcnicos do MEC e membros da Comisso Nacional de Educao Infantil.

    A organizao dos temas do Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao do Profissional de Educao Infantil visou possibilitar a anlise da questo, partindo da discusso sobre o currculo de Educao Infantil, o perfil e a carreira do profissional da rea e as alternativas para sua formao nos cursos de segundo grau, supletivo e ensino superior e nos programas de capacitao em servio. Para tanto, alm dos textos produzidos pelos palestrantes e publicados neste volume, foram de fundamental importncia os relatos de experincias dos sistemas municipais de educao de Campinas, Curitiba, Rio de Janeiro e Blumenau; de universidades, como as federais de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul; da Secretaria Estadual de Educao da Bahia, da Secretaria do Bem-Estar Social, do municpio de So Paulo; e de organizaes como o UNICEF e a AMEPPE (Associao Movimento de Educao Popular Integral Paulo Englert) O relato sobre o sistema francs de formao de professores tambm foi muito til para o debate.

    A participao de representantes do Conselho Federal de Educao e do Frum Nacional dos Conselhos Estaduais possibilitou o envolvimento dessas importantes instncias na discusso de um tema que dever ser objeto de recomendaes e normas emanadas por aquelas instituies. O relatrio-sntese do Encontro fruto da contribuio de todos os participantes e cumpre, assim, o objetivo de subsidiar o Ministrio da Educao e do Desporto, os sistemas de ensino e as agncias formadoras, na formulao de diretrizes e estrategias para a formao inicial e continuada do profissional de Educao Infantil

    REFERNCIAS

    BARRETO, A.M.R.F. Professores de primeiro grau: quem so, onde esto e quanto ganham. Estudos em avaliao educacional. Fundao Carlos Chagas, So Paulo, n 3, p.11-43, jan-jun 1991 (a).

    BARRETO, A.M.R.F. A geografia do professor leigo: situao atual e perspectivas. Texto para discusso, n223. IPEA, Braslia, 1991. (b)

    BRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. Secretaria de Educao Fun-damental Educao Infantil no Brasil: situao atual. Braslia, 1994.

    BRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. Secretaria de Educao Fun-damental. Poltica de Educao Infantil. Braslia, 1994.

    BRASIL. Ministrio da Educao. Coordenao de Planejamento Setorial/ SEEC. Educao Pr-escolar - 1991. (Tabulao Especial). Braslia, 1994

  • ROSEMBERG, F, CAMPOS, M.M. & VIANA, CP. (Org) A formao do educador de creche: sugestes e propostas. So Paulo, FCC/DPE, 1992.

    SCARR, S. & EISENBERG, M. Child care research: issues, perspectives, and results. Annual Review of Psychology; 1993, 44: 613-44.

  • CURRCULO DE EDUCAO INFANTIL E A FORMAO DOS PROFISSIONAIS DE

    CRECHE E PR-ESCOLA: QUESTES TERICAS E POLMICAS.*

    Sonia Kramer**

    O tema que me foi proposto para desenvolver neste Encontro Tcnico sobre Poltica de Formao dos Profissionais da Educao Infantil exige, de antemo, algumas reflexes Em primeiro lugar, importa esclarecer que nao trato aqui de algumas questes tericas e outras polmicas, pois concebo a teoria - especialmen-te no campo das cincias humanas e sociais - como desvio, ruptura, como um constante indagar-se sobre o real (Japiassu, 1982) O conhecimento, assim entendi-do, um processo sempre em vias de se fazer, provisrio, comportando divergnci-as, tenses, o que significa dizer que vou abordar questes que so tericas e simultaneamente polmicas.

    Por outro lado, na medida em que educao no cincia, mas prtica social produtora de saber, a anlise dos temas situados no campo da educao - em parti-cular aqueles que se referem prtica pedaggica - incluem dimenses no-cient-ficas ou, pelo menos, dimenses que consolidam uma forma cientfica outra do conhecimento (Bakhtin, 1982), inseridas no plano da cultura e que incluem a pol-tica, a tica e a esttica. Nesse sentido, discuto a formao sem restringi-la ao

    * Conferncia realizada no Encontro Tecnico sobre Poltica de Formao dos Profissionais da Educao Infantil. promovido pelo MEC/COEDI. Belo Horizonte. Abril/1994. Este texto contou com a colaborao de Eliane Fazolo Spalding (do Curso de especializao cm Educao Infantil da PUC-Rio) e de Rita Marisa Ribes Pereira (do Mestrado em Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ).

    ** Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da PUC/Rio.

  • pedaggico tomado de forma restrita, e procuro entender aqueles a que se desti-nam as estratgias formadoras para alm de sua condio de profissionais. Sem perder de vista que so trabalhadores, cidados, professores, pretendo tom-los como seres humanos produtores da histria e nela produzidos, criadores e criaturas da cultura, constitudos na linguagem.

    Alm disso, e ainda como decorrncia do entendimento de que educao pr-tica social produtora de saber, cabe enfatizar que a teoria prenhe de prtica, gerada por ela e voltando-se a ela de forma critica. Essa observao necessria para deixar claro que, embora no possamos ter uma viso utilitria que nos faa esperar conseqncias prticas diretas ou lineares de tda e qualquer discusso terica, no podemos perder de vista que teoria e prtica so indissociveis, se e quando o fazer pedaggico entendido como dinmico, contraditrio, vivo (Kramer, 1994). Assim, analiso certas questes que so tericas - e, por isso, polmicas -como so tambm imersas na cultura e intrinsecamente vinculadas prtica. So polticas, portanto.

    Apontadas essas reflexes iniciais com o intuito de dimensionar a abordagem do tema que me foi proposto, passo agora a analisar algumas das questes que me parecem cruciais para o debate e o delineamento de polticas de formao na rea da educao infantil. Organizei a apresentao da seguinte maneira: em primeiro lugar, enuncio a questo; em seguida, fao comentrios crticos a ela relacionados, apontando as polmicas em jogo; ao longo da discusso, arrisco-me a propor dire-trizes que, a meu ver, precisam orientar uma poltica deformao dos profissionais da educao infantil. Os aspectos que j se encontram discutidos na bibliografia existente sero aqui apenas retomados. Espero que, no debate, sejam levantadas as questes que certamente ficaram de fora e, tambm, que sejam aprofundadas, ques-tionadas e criticadas aquelas que apresento.

    LEVANTANDO ALGUNS CONJUNTOS DE QUESTES:

    1a - Sobre a desigualdade e o direito de crianas e adultos: preciso reafir-mar a concepo de criana como cidad, como sujeito histrico, entendendo as populaes infantis e os profissionais que atuam com as crianas na sua diversida-de, na sua condio de sujeitos criadores de cultura, contestando a caracterizao de crianas e adultos das camadas populares pela falta, pela carncia, pela suposta privao.

    Ampla e acirrada foi a discusso desse tema nos anos 80, no Brasil, provocada pela posio explicitada em muitos documentos oficiais produzidos pelo MEC e pelo CFE, que insistiam na funo da pr-escola como recuperadora de atrasos da criana ou como forma de evitar, por antecipao, seu fracasso na escola de Io

  • SONIA KRAMER

    grau (l) Mas por que preciso retomar a discusso a reafirmar a crtica, anun-ciando alternativas baseadas numa concepo da infncia que elimine seu pretenso carter de falta, e postulando, ao contrrio, o que as crianas so e podem? Que conseqncias essa discusso traz para o campo da formao dos profissionais da educao infantil? Para responder a essas indagaes, cabe contextualizar e redimensionar o tema, analisando posies que apresentam diver-gencias. Nesse sentido, tomemos a viso de Didonet que, em texto publicado em 1992, afirma.

    "O enfoque compensatrio no chegou a causar os problemas para os quais a crtica alertou. Possivelmente a prpria critica evitou que a educao em ge-ral e a pr-escolar, em particular, se impregnassem na prtica, cias "frmulas " da compensao. Os currculos, os programas e planos de atividades das pr-escolas no incorporaram a ideologia da compensao. Essa concepo ficou restrita ao discurso e, em alguns casos, influenciou na formulao dos objeti-vos da educao pr-escolar, sem ter chegado a modelar as atividades peda-ggicas. .. Enquanto polticos e administradores usavam argumentos baseados na teoria da compensao de carncias atravs da educao, tcnicos e pro-fessores faziam seu trabalho pedaggico sem entenderem muito bem a celeuma em torno do assunto. Vilarinho (1987, p.246), refora essa constatao ao afirmar: E muito provvel que se fosse feita uma pesquisa, envolvendo profes-sores pr-escolares das redes oficiais, para verificar o que entendem por edu-cao compensatria..., se chegaria concluso de que poucos tm o nitido entendimento desses constructos. " (Didonet. 1992, p. 20/21 ).

    Ao contrrio do que sustenta o autor, penso que nao podemos confundir o dis-curso explicito dos professores sobre a abordagem da privao cultural com a prtica e o iderio que permeia a ao desses professores e da prpria escola "Conhecer a educao compensatria" significaria ter uma reflexo sobre a prti-ca e adotar a abordagem da privao cultural por uma posio poltica consciente-mente delineada, o que representaria optar por uma perspectiva marginalizada e discriminadora da cultura e da classe de origem da criana. Afirmo, inversamente. que esto presentes hoje no iderio escolar no s a viso da deficincia da criana das classes populares, da inferioridade de sua cultura e da inadequao da sua familia, como tambm a culpabilizao dos prprios professores. Aqueles que. como ns, atuam em escolas de 1o e 2ograus, secretarias de educao ou universi-dades, com freqncia ouvem depoimentos lamentando a precariedade dos profes-sores (ou dos futuros professores), seu parco conhecimento, sua experincia frag-mentada, sua defasagem cultural etc. Numa espcie de democratizao perversa.

  • temos assistido difuso do conceito de carncia que passou a ser dirigido tambm aos professores Parece-me que e esse um dos critrios que orienta - embora nao de forma intensional - as mais diferentes estratgias de formao (prvia ou em servi-o) que se propem a implantar propostas, desconsiderando a experincia dos pro-fessores, negando seu conhecimento, apagando sua histria e pretendendo substi-tuir sua prtica por outra tomada como mais correta, avanada ou melhor funda-mentada

    Alm disso, os argumentos do autor podem gerar a compreenso, de um lado. de que as idias veiculadas pelos discursos oficiais no tm maior relevncia, j que no saem do papel, configurando-se apenas como discurso proclamado; por outro lado. de que a critica tem o poder de mudar o iderio e de evitar as distores. Acredito que o processo de circulao das idias bem mais dinmico e controver-so, no podendo nos levar a minimizar a importncia dos discursos oficiais nem a exagerar a fora da critica: ambos tm um papel poltico crucial; papel tenso, feito de confronto e com inegveis conseqncias para a difuso de idias e propostas. , pois, como um pressuposto poltico que contraponho a essa anlise de Didonet, a necessidade de reafirmar a critica ao iderio da carncia da criana (pobre) e do professor (cada vez mais pobre), ressaltando a situao de desigualdade econmica e de injustia social de nossas populaes (tambm infantis), sua heterogeneidade cultural, seu direito igualdade e. ainda, as conseqncias dessa situao para a formao dos profissionais da educao infantil. Vejo, assim, que

    "as crianas sao cidads, ou seja, so indivduos sociais que tm direitos a que o Estado deve atender, dentre eles o direito educao, sade, seguridade. Esses servios devem ser de qualidade, se o projeto politico -de fato - demo-crtico. Esse pressuposto afirma, pois, o direito igualdade e ao real exerci-cio da cidadania... S possivel concretizar um trabalho com a infncia, vol-tado para a construo da cidadania e a emancipao... se os adultos envol-vidos forem dessa forma considerados. Isso implica no entendimento de que os mecanismos de formao sejam percebidos como prtica social inevitavel-mente coerente com a prtica que se pretende implantar na sala de aula e implica em salarias, planos de carreira e condies de trabalho dignas. " (Souza e Kramer. 1993, p. 54-55).

    E entendo que esta preocupao est expressa no documento Poltica de Educa-o Infantil (MEC/SEF/COEDI, l993), ao conceber que "a criana, como todo ser humano um sujeito social e histrico; pertence a uma famlia, que est inserida numa sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histrico,... profundamente marcada pelo meio social em que se desen-

  • SONIA KKAMER

    volve, mas tambm o ma/va..." (p. 16), e ao postular, nas diretrizes relativas politica de recursos humanos, "a valorizao do profissional da Educao Infan-til, no que diz respeito s condies de trabalho, plano de carreira, remunerao e formao" (p.19).

    Mais do que deixar de lado o debate sobre o conceito de infancia, necessrio, portanto, redimension-lo. ultrapassando concepes infantilizadoras da criana Kishimoto ( 1993), Fana (1994), Pires (1994) e Souza (1994) sao exemplos de trabalhos que fornecem contribuies fundamentais no campo da histria da infan-cia, delineando uma linha de investigao frtil e promissora.

    Importa frisar que est em jogo nessa questo o projeto de sociedade, de educa-o e de educao infantil que preciso forjar (e queja vem sendo construido, diga-se de passagem, em inmeros municpios deste pais) tanto no nivel das polticas pblicas formuladas, quanto da garantia das condies necessrias para a sua concretizao na prtica Projeto que se comprometa com o direito de todas as crianas brasileiras a creches e pr-escolas de qualidade. Falar em qualidade, po-rm, remete a temtica da interveno educacional com vistas ao aprimoramento do trabalho realizado e traz. mais diretamente, o problema da formao dos profis-sionais e do delineamento de alternativas curriculares. Tais aspectos nos conduzem segunda e terceira questes.

    2a - Sobre a garanta de condies para a formao: Garantir educao de qualidade para todas as crianas de 0 a 6 anos. considerando a heterogeneidade das populaes infantis e dos adultos que com elas trabalham, exige deciso poltica e exige, tambm, condies que viabilizem produo de conhecimentos, concepo, implantao e avaliao de mltiplas estrategias curriculares para as creches e pr-escolas e para a formao - prvia e em servio - de seus profissionais.

    Gostaria de analisar esta questo em trs direes. Em primeiro lugar, preciso destacar as necessrias condies concretas que uma poltica pblica precisa oferecer como suporte expanso das redes de educao infantil e de forma-o. Sabemos que no basta denunciar a pequena oferta ou proclamar que "os sistemas de ensino devem velar pela educao pr-escolar", como dizia a LDB de 61, se o discurso nao se faz acompanhar por polticas de financiamento (Kramer, 1988). Hoje. cabe ressaltar que esse compromisso explicitado no documento aci-ma citado que afirma:

    "O MEC, mediante apoio tcnico e financeiro, estimular a elaborao, implementao e avaliao de propostas pedaggicas coerentes com as dire-trizes expressas neste documento e fundamentadas nos conhecimentos teri-

  • cos relevantes para a educao infantil. Estimulo especial ser dado elabo-rao de propostas pedaggicas relativas creche, que, em razo do modo como se desenvolveu no Pais, apresenta maior precariedade no cumprimento da funo educativa... Cumprindo sua atribuio de coordenao e articula-o, o Ministrio, alm de estimular, acompanhar e avaliar experincias ino-vadoras na rea, desenvolver aes de disseminao dessas experincias" (MEC/SEF/COEDI, 1993, p. 24).

    A importncia poltica desta fala inegvel. com a esperana de que venha a ser efetivada, levando as seguintes preocupaes: j esto sendo negociados estes recursos financeiros9 Qual a sua origem? Diante da dificil conjuntura politica e econmica do pais, diante da palavra de ordem com freqncia veiculada pela imprensa de que " proibido gastar" (Folha de So Paulo, 31/03/94) e, ainda, con-siderando que a educao infantil no tem destinao especfica de recursos, como se dar objetivamente esse "apoio tcnico e financeiro"9 Por outro lado, na medida em que o MEC no rgo executor mas formulador de polticas, aspecto essencial da descentralizao poltica e administrativa, como enfrentar o grave problema dos baixssimos salrios de professores e servidores pblicos em grande parte dos nos-sos municpios? De que maneira o seu papel distributivo, bem como o dos Estados, ser exercido - se que poder ser exercido - no que se refere a essa questo?

    Por outro lado, e assumindo uma segunda direo de anlise, observemos o item seguinte deste mesmo documento que assim se pronuncia:

    "A implementao das diretrizes relativas politica de recursos humanos engajados na educao infantil exigir acordos e compromissos de co-respon-sabilidade dos diversos rgos que atuam na rea... Faz-se necessrio inten-sificar aes voltadas para a estruturao de processos de formao inicial e continuada dos profissionais da educao infantil. Isso exige a articulao, coordenada pelo MEC - atravs das Secretarias de Educao Fundamental (SEF) e de Ensino Superior (SESU) - entre as instncias que prestam esse servio, as agncias formadoras e as representaes desses profissionais. E fundamental o envolvimento das universidades nesse processo, especialmente por sua atuao na formao de formadores e na pesquisa e desenvolvimento na rea... Constitui prioridade o investimento, a curto prazo, na criao de cursos emergenciais, sem prejuzo da qualidade, destinados aos profissionais no habilitados que atuam nas creches e pr-escolas. Aes nesse sentido sero apoiadas e incentivadas pelo Ministrio. " (MEC/SEF/COEDI, 1993, p 25, o grifo meu)

  • SONIA KRAMER

    E certamente crucial o compromisso de vrias instncias na formao dos pro-fissionais da educao infantil, de universidades e representaes profissionais, de centros de pesquisa a secretarias Nesse sentido, a anlise que faz Yunes quanto Politica Nacional de Leitura, parece-me oportuna no que se refere ao nosso tema Ela diz:

    "A demanda de uma poltica no corresponde necessariamente montagem de aes verticalizadas e autoritrias. Pode-se pensar em uma ao do estado como mobilizadora e articuladora das experincias e esforos da sociedade civil, das instituies no-governamentais e do prprio governo, que delinei-em prioridades, associem recursos e invistam num programa coordenado que multiplique seus efeitos, descentralize as iniciativas e incorpore os resultados numa rede que facilite a extenso dos beneficios a outros grupos interessa-dos". (Yunes, 1994, p. 12)

    Cabe, porm, um alerta: como promover essa articulao no mbito de uma politica nacional de formao de profissionais da educao infantil sem que tenha-mos um conhecimento claro de quais sao as instncias de formao'7 O alerta se transforma numa proposta: trata-se do necessrio diagnstico dos profissionais da educao infantil e das diferentes agncias formadoras hoje existentes. Pois assim como preciso superar a precariedade das informaes relativas ao atendi-mento da criana de O a 6 anos (MEC/SEF/COEDI, 1993, p.26), da mesma manei-ra se coloca urgente a investigao de quem so, quantos so, onde e como atuam tanto os profissionais das creches e pr-escolas quanto as assim chamadas agnci-as de formao Somente de posse desses dados - quantitativa e qualitativamente delineados - ser possvel tomar decises e propor alternativas que no se esvaziem numa situao idealizada e homogeneizadora, distante das condies e dos contex-tos concretos e mltiplos de produo/formao desses profissionais A fim de criar condies "para que os profissionais de Educao infantil que no possuem qualificao minima, de nivel mdio, obtenham-na na prazo mximo de S (oito) ano" (MEC/SEF/COEDI, 1993, p. 19), o conhecimento da situao real e das mo-dalidades de formao existentes (ou inexistentes) se toma um requisito bsico. Nesse sentido, proponho que - a exemplo do Diagnstico Preliminar da Educao Pr-Escolar, realizado em 1975 - o ano de 1995 seja destinado a. entre outras aes, um amplo diagnstico dos profissionais das creches e pr-escolas e dos processos de sua formao.

    Mas voltemos agora citao que deu margem a essas ponderaes para fazer outro alerta: por que definir, como prioridade, a criao de "cursos emergenciais" para os profissionais de creches e pr-escolas "no habilitados"? Qual o sentido

  • exato dessa prioridade0 Explico meu estranhamento: acredito que grande parte das estratgias de formao em servio, hoje desenvolvidas, j possuem esse carter emergencial Organizadas em periodicidades diversas, implementadas por diferen-tes secretarias, fundaes ou outros rgos, com ou sem a participao direta das universidades ou de consultores contratados, tais estratgias so marcadas pela falta de continuidade, pela fragmentao, pelo carter episdico ou casustico. Deixando de lado. por ora. os aspectos pedaggicos e a feio curricular que as propostas de formao tm - ou precisam assumir - (e que sero retomados mais adiante), focalizo agora a dimenso politica da formao que em geral assim se consolida, e esta a terceira direo de anlise da questo: organizados como semi-nanos. encontros ou treinamentos (algumas vezes chamados lamentavelmente de reciclagens, ser por que pretendem fazer dos profissionais o que se pode fazer com papel usado?), os cursos emergenciais, episdicos, via de regra no redundam em melhorias do ponto de vista da carreira profissional daqueles que os fre-qentam. E este me parece seu mais grave paradoxo Fala-se muito, de um lado, na valonzao dos profissionais, enquanto, de outro, se enfatiza a necessria for-mao em servio dos quadros, sem que, no entanto, a segunda reverta em benefi-cios concretos para a primeira Dicotomiza-se, assim, a prpria condio profissi-onal, dicotomia acentuada, ainda, pela freqente obngatonedade da participao nos eventos.

    Quero contrapor a essa viso esfacelada e idealizadora do trabalho (valor x formao) uma diretriz poltica que tenha seu eixo calcado na formao perma-nente para os profissionais que j esto em servio, aliada a uma poltica que articule, a mdio prazo, a formao com a carreira (2), e que seja desenvolvida atravs de atividades que tm uma periodicidade e que esto organizadas num projeto mais amplo de qualificao, com avano progressivo na escolaridade para aqueles que dela necessitam. Assim concebida a formao, ela se consolida no s como objetivo do Estado, mas tambm como direito dos profissionais, e se constitui em condio necessria se pretende favorecer o aprimoramento do traba-lho e a construo da cidadania.

    Cabe esclarecer, ainda, que no meu entender, esse processo deve redundar em aumento gradativo dos slanos dos profissionais, ao longo de sua carreira, fruto da realizao/participao de/em atividades de formao permanente, como resultado de negociaes entre governo e sociedade civil (quero dizer, entre Ministno e Se-cretanas e sindicatos ou associaes profissionais) Tenho certeza de que esta no uma tarefa simples, pois evidentemente se vincula a uma poltica de educao e de formao que extrapola os limites da educao infantil e que - dadas as dimen-ses continentais e as caracteristicas geo-politicas e administrativas do pais e nossa situao econmica - no tem como ser adotada rpida nem globalmente Mas

  • penso ser fundamental caminharmos nessa direo: enquanto as polticas de forma-o se mantiverem desarticuladas de um avano profissional evidente, sua efetividade se manter bastante reduzida. Creio, tambm, que o papel do MEC essencial nesse sentido, no s formulando critrios para fornecer apoio tcnico e financeiro a propostas que busquem superar o divrcio entre formao e profissionalizao, mas tambm delineando diretrizes para que, a mdio prazo, essa poltica - demo-crtica por aliar formao, escolarizao e carreira - possa se concretizar.

    H, ainda, outros problemas no mbito dessa questo. Porm, diante do espao que me foi reservado, passo apenas a pontu-los, deixando a anlise para o debate: os profissionais da educao infantil sero professores'7 Penso que sim; mas que implicaes derivam dessa deciso? Visto que em muitos Estados e Municpios a educao infantil vinculada a Secretarias de Sade e Promoo Social , ser incentivada a passagem gradativa das creches para a rea da Educao? Haver normas orientadas dessa passagem? Que dificuldades especficas precisaro ser superadas na formao em nvel de 2o grau? A formao regular dos futuros pro-fissionais das creches se far em escolas normais reestruturadas para esse fim, ou em outras formas de escolarizao em nvel de 2o grau? As diversas instncias de formao (de 2o e 3o graus) iro preparar profissionais com diferentes funes nas redes? Que ingerncias sero feitas junto ao CFE e aos Conselhos Estaduais para garantir a aprovao de novos cursos de graduao e especializao? como atuar. junto a prefeituras e estados, a fim de garantir o direito dos egressos desses cursos (graduaco e especializao) de prestarem concursos publicos que, nos diferentes centros, exigem curso normal e/ou estudos adicionais? como enfrentar a morosi-dade dos processos de legalizao dos cursos para que - aliando-se flexibilidade e exigncia de qualidade - as universidades contribuam. em particular nos grandes centros, na formao permanente dos profissionais tanto em servio quanto em cursos regulares, garantindo que eles tenham vias legais de acesso ao trabalho de creches e pr-escolas?

    3* - Sobre a necessidade pluralidade de caminhos: uma politica de formao de profissionais de creches e pr-escolas precisa reconhecer a multiplicidade de opes tericas e de alternativas prticas possveis, buscando assegurar a qualida-de do trabalho seja com as crianas, seja com os adultos que com eles atuam.

    Desloco, agora, o eixo da anlise para abordar - nessa questo - um tema que muito me tem afligido nos ltimos anos: trata-se da perspectiva a partir da qual a prpria educao concebida.(3)

    Seno, vejamos. A rea da educao tem sido frtil em c r i a r dolos, transfor-mando apressadamente boas respostas provisrias e parciais em solues mgi-cas, verdadeiras. Parece termos perdido a f em um ou outro fim da educao adorando entusiasticamente quer um melhor mtodo, quer uma pretensa melhor

    SOMA KRAMER

  • teoria, quer um ltimo livro ou uma bela proposta. E, pagos que nos tornamos. tambm rapidamente nos desfazemos desses dolos, adorando outros que. como os mitos, se sucedem, mudam, sao trocados, mas a prtica permanece - a de esperar uma melhor ou nica sada que tudo vai resolver.

    Alm disso, nos processos de formao, parece que nos esquecemos que os sentidos sao reconstrudos por aqueles que ouvem e que tm rplicas, mesmo que fiquem calados Ora, no levando em conta a reconstruo de sentidos, consolida-se monlogos ao invs de dilogos, nega-se a historicidade, homogeneiza-se a pala-vra, tornando todos (crianas, profissionais, ns mesmos) annimos.

    Por outro lado, ao " implantar" um novo currculo ou mtodo que desconsidera as prticas existentes, as secretarias e universidades no percebem que mesmo errneas, preconceituosas ou equivocadas aos nossos olhos, as prticas concretas feitas nas creches, pr-escolas e escolas - e aquilo que sobre elas falam seus profis-sionais - so o ponto de partida para as mudanas que se pretende implementar No podem, portanto, ser deixadas de lado por aqueles que concebem as novas alternativas, sob pena de se cristalizarem como um discurso cheio de palavras bonitas, mas vazio de sentido

    Nesse sentido, as polticas pblicas de formao precisam romper com a prtica de sugerir que os profissionais atuem com as crianas de uma dada forma, enquan-to se age com eles de uma forma oposta Cada etapa da trajetria precisa ser perce-bida como "desconstrutora", o que significa fazer saltar aos ares a viso mitificadora e mgica de que existe a boa resposta, de que um dado conhecimento necessaria-mente representa o " b o m " caminho s porque advm de pesquisas bem fundamen-tadas

    Polticas de formao engajadas na emancipao e na construo da cidadania precisam, sobretudo, garantir as condies para que as prticas desenvolvidas se-jam entendidas como prticas sociais, e seus atores (adultos e crianas) sejam per-cebidos como sujeitos autores dessa prtica.

    Longe de pretender dirimir divergncias ou aplacar polmicas, estou propondo duas trilhas que me parecem hoje necessrias

    uma: do ponto de vista da pesquisa, penso que essencial continuar a aprofundar nossas investigaes sem fixar dicotomas nem buscar verdades ou certezas, por-que o conhecimento (o nosso e do deles) sempre provisrio e no apenas avana. mas revolui.

    Ou t ra : do ponto de vista da interveno educacional, julgo que urgente ques-tionar a forma com que o saber produzido tem sido divulgado aos professores na sua formao e na concepo/implementao de propostas Nos dois casos, isso significa deslocar o eixo de nossas discusses contra ou a favor da pedagogia construtivista, critica, tradicional etc. para uma perspectiva pluralista que lute con-

  • tra a desigualdade sem anular as diferenas. Pois, como diz Betinho "a democra-cia s se constri atravs das diferenas... A unanimidade autoritria" (Sou-za, 1990, p.23/24). Construir o saber supe multiplicidade de caminhos. Tericos e prticos.

    Acredito que e crucial expandir o raio de compreenso e de ao de nossa pol-tica educacional, inserindo-o- no bojo de uma poltica cultural, pois homens e mu-lheres, adultos e crianas no s esto imersos mas sao tambm sujeitos da cultura

    Nesse sentido, alm de buscar formas de interveno que considerem cada eta-pa da formao como prtica pedaggica viva em que os dilogos se fiam. desfiam e desafiam, preciso formular e implementar medidas srias relativas ao acervo cientfico, histrico, literrio e artstico. E se esse ponto destaco por entender que andamos meio esquecidos de que falar em educao necessariamente tratar da cincia e da cultura. Se se pretende, de fato , qualificar profissionais, h que se ampliar seus conhecimentos. H que se forjar sua paixo pelo conhecimento. Pois quem alm do ser humano conhece? Quem alm dele cria linguagem e nela se cria?

    Os profissionais precisam de condies e de tempo para estudar. De tempo pago para o trabalho de se qualificarem. E. se procede essa reflexo que fao, as polti-cas de formao comprometidas com a qualidade precisam assegurar que os pro-fissionais tenham acesso a biblioteca, ncleos de leitura e discusso, grupos de estudo, no interior e como parte de seu trabalho. E s o faro se e quando compre-enderem que essas aes podem mesmo ultrapassar os resultados de treinamentos ou modalidades convencionais de formao, se e quando tiverem coragem e vonta-de poltica para tanto

    No quero - com essas consideraes - minimizar a importncia de se delinear, no nvel de uma poltica ampla, diretrizes curriculares para a formao dos profis-sionais da educao infantil. Mas penso que preciso relativizar a sua eficcia e repito - ainda uma vez - urgente garantir as condies para que se concretizem mltiplas sadas Pluralidade no significa ecletismo; democracia supe diversida-de. mas exige tambm unidade de objetivos para que a qualidade das aes seja conquistada por todos

    Assim, uma das possiveis alternativas de estruturao curricular para a forma-o de profissionais da educao infantil, j sugerida por Souza e Kramer ( 1992), apresenta como requisitos: superar a fragmentao do trabalho e a mera justaposi-o de linhas; construir bases tericas da ao pedaggica que permitam articular a singularidade das situaes cotidianas com a totalidade da vida social e politica; ter clareza de que a formao visa simultaneamente a ampliao crtica dos conhe-cimentos e a construo da autonomia e da cooperao do trabalho (p.62/63).

    Nesse contexto, so trs os plos de sustentao do currculo: (a) conhecimen-

    SONIA KRAMER

  • tos cientficos, tanto bsicos (lingua portuguesa, matemtica, ciencias naturais e sociais) quanto aqueles necessrios para o trabalho com a criana pequena (sade, psicologia, histria, antropologia, estudos da linguagem etc); (b) processo de de-senvolvimento e construo dos conhecimentos do prprio profissional; (c) valores e saberes culturais dos profissionais, produzidos a partir de sua classe social, sua histria de vida, etnia, religio, sexo e do trabalho concreto que realiza (p 63)

    O eixo norteador desse currculo, segundo as autoras, a prtica efetiva aliada constante reflexo critica E o que toma possivel essa reflexo a linguagem, central no currculo porque central na vida humana. Linguagem que no s permite ao homem conhecer o mundo e a si mesmo, mas tambm que constitui a sua cons-cincia e possibilita as interaes com seus pares (Souza e Kramer, 1992, p.64). Colocar em questo a pluralidade de caminhos significa, pois. por em evidncia que os processos de formao so espaos de construo de linguagem, de produ-o de muitas vozes, de conquista da palavra. Formao que - como a voz, a pala-vra e a escrita - direito de todos

    4* - Sobre o que se escreve/publca/divulga para os profissionais de creches e pr-escolas: uma poltica de formao precisa englobar a circulao do conheci-mento disponvel e estimular a produo.

    No que se refere circulao do conhecimento, penso que uma iniciativa impor-tante, nesse momento, a realizao de um amplo levantamento dos trabalhos relativos educao infantil (documentos, propostas curriculares, textos) ela-borados no mbito de Estados e Municipios e que. em geral, tm a sua circulao bastante reduzida Na medida em que tais textos no so comercializados e dada a escassez de publicaes na rea, o levantamento - feito ou viabilizado pelo MEC -contribuir para socializar este material, consolidando-o como um acervo impor-tante. tanto para setores que implementam creches e pr-escolas quanto para estu-dantes de 2o e 3o graus nelas interessados .Alm disso, h que existir incentivo confeco de bibliografias comentadas, co-edio dos matenais de qualificao ou mesmo a contratos de distribuio, pois essas iniciativas podem incrementar o acesso ao conhecimento queja est disponvel. Na mesma linha, preciso atuao junto a editoras para que fomentem publicaes de trabalhos acadmicos que se constituem em avano significativo na rea

    O segundo aspecto - incentivo produo - envolve diferentes dimenses: de um lado, remete necessria expanso da pesquisa, viabilizada no s pelo fun-damental apoio financeiro de diversas agncias (CNPQ, CAPES, FINEP, Funda-es estaduais de amparo pesquisa, INEP - no me furto de perguntar: o que est acontecendo com o INEP9) em que pese as dificuldades atuais desse campo, mas tambm pela consolidao de equipes de investigao nas universidades e centros

  • de pesquisa. De outro lado, porm, e levando em conta as reflexes j desenvolvi-das na 3 questo, faz-se preciso questionar o que se tem escrito sobre a prtica pedaggica. Esvaziados da vitalidade de uma cultura pblica (Jacoby. 1987), os textos pedaggicos que supostamente visam favorecer a pratica em geral esto cheios de jarges e normas, didatizando o real que dinmico, vivo, contraditrio (3) Entendendo que uma politica educacional se insere no mago de uma politica cultural, creio que a forma e o contedo desses textos escritos sobre a prtica precisam ser questionados e que sejam buscadas alternativas que dem conta de capturar na linguagem a riqueza, a multiplicidade e o vigor do prprio real

    Duas palavras finais se colocam como necessrias A primeira: e urgente a delimitao de polticas municipais e estaduais de educao infantil e de formao de seus profissionais. Que papel o MEC ir assumir, garantindo o processo demo-crtico e a autonomia das diferentes instncias9

    A segunda: e crucial redimensionar a politica educacional brasileira como poltica cultural Nesse sentido, como articular a formao de profissionais de creches e pr-escolas com a poltica nacional de leitura e com a formao de leitores?

    Esses dois desafios, dentre tantos outros que apontei aqui, precisam ser enfren-tados Enfim, no falta trabalho...

    NOTAS:

    (l)Ver: Brasil/MEC ( 1975a,1975b, 1977, 1979, 1980); Abrantes(1985); Abramovay e Kramer ( 1985); Ferran e Gaspary ( 1980); Kramer ( 1982); Souza e Kramer ( 1988).

    (2)0 exemplo da Espanha fornece subsidios importantes para essa questo, bus-cando consolidar, como extenso de sua Reforma Educativa, uma politica de formao que fruto de negociao entre governo e sociedade civil. Ver, a esse respeito: Nvoa e Popkewitz ( 1992); Espaa/Ministeno de Educacin y Ciencia (1989a, 1989b, 1992);

    (3)uma anlise mais aprofundada desse tema pode ser encontrada em Kramer (1993a, 1993b, 1993c), de onde foram retiradas algumas as reflexes incluidas na terceira e quarta questes.

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  • EDUCAR E CUIDAR: QUESTES SOBRE O PERFIL DO PROFISSIONAL

    DE EDUCAO INFANTIL *

    Maria Malta Campos**

    Quando pensamos no perfil do profissional de educao infantil que queremos, preciso antes caracterizar os objetivos que desejamos alcanar com as crianas.

    Parece mais ou menos bvio que, se queremos apenas garantir um lugar seguro e limpo onde as crianas passem o dia, o profissional dever apresentar caracte-rsticas apropriadas para essa finalidade: estar disposto a limpar, cuidar, alimentar e evitar riscos de quedas e machucados, controlando e contendo um certo nmero de crianas'". Geralmente as pessoas que se dispem a estas tarefas so mulheres de baixa instruo e, em decorrncia, seu salrio baixo.

    As caractersticas que geralmente acompanham este perfil so alta rotatividade no emprego, baixa assiduidade e dificuldade para acompanhar treinamentos em servio que exigem domnio de leitura e escrita. A qualidade melhor ou pior de seu desempenho costuma depender muito mais de caracteristicas individuais de perso-nalidade e/ou de seu compromisso em relao s familias das crianas. Depende, tambm, das condies de vida de sua prpria famlia: moradia precria, sade frgil, parentes e filhos com problema, so, s vezes, as causas indiretas de faltas, sintomas de "stress" e abandono do emprego(2).

    Se, por outro lado, o objetivo "preparar as crianas para o ingresso na 1a srie", o profissional exigido o professor, geralmente formado em curso de ma-gistrio de 2o grau. Espera-se que essa profissional seja capaz de desenvolver com as crianas atividades de lpis e papel, habilidades e hbitos que a adaptem rotina

    * Trabalho apresentado no lneontro Tecnico sobre Poltica de Formao dos Profissionais da Educao Infantil MEC/COEDI. IRIIJP. Balo Horizonte, 25-27 de Abril de 1994. ** Pesquisadora da Fundao Carlos Chagas e professora da PUC/SP.

  • escolar. No caso de crianas menores de 3 anos ou de crianas que permanecem no

    estabelecimento durante perodo integral, geralmente outros profissionais so cha-mados a assumir os cuidados com o corpo da criana, ligados ao sono, higiene e alimentao.

    Voltadas para objetivos considerados como de carter exclusivamente "peda-ggico", as professoras - pois sao quase todas mulheres - gozam de prestgio, salrio, condies de trabalho e progresso na carreira muito melhores do que o tipo de profissional mencionado anteriormente. Este fato reflete-se na percepo generalizada de que no so de sua responsabilidade tarefas identificadas com o trabalho "manual" ou domstico, isto , entendidas como prprias de funcionrios de menor qualificao(3).

    Por outro lado, por serem profissionais que trabalham com alunos muito peque-nos, o prestgio e salrio das professoras de pr-escola costumam ser mais baixos do que o de professores que se ocupam de outras faixas etrias: quanto menor a criana, menor o "status" de seu educador.

    como muitos autores j indicaram, estas duas concepes dos servios voltados para o atendimento da criana pequena, em nosso pas, geralmente chamadas de "assistencial" e de "educacional", tm sido adotadas para duas classes sociais diferentes: a criana pobre, mais provavelmente, freqenta um servio "assistencial", e a criana de classe mdia um de tipo "educacional "(4).

    Em qualquer dos casos, claro, a criana est recebendo algum tipo de educa-o pode-se prever que a qualidade das experincias pedaggicas e formativas, nos dois tipos de servio, ser bem diferente. No que que refere aos aspectos liga-dos ao desenvolvimento cognitivo, razovel supor que, na maioria dos casos, o contato com o adulto mais instrudo resultar em experincias menos limitadas para a criana. Em relao aos outros aspectos, conforme as condies de infra-estrutura e organizao do equipamento, talvez at mesmo se possa supor que a criana se sentir mais protegida e melhor cuidada no primeiro tipo de servio.

    No entanto, se formos confrontar estas duas modalidades de atendimento com as concepes mais atuais de desenvolvimento infantil, que fundamentam as pro-postas curriculares que respondem a critrios de qualidade definidos por grupos de pesquisadores europeus e norte-americanos, no ser dificil perceber que tanto o primeiro quanto o segundo tipo de servio mencionado esto longe de responder a estas concepes

    uma das caracteristicas bsicas dessas propostas est justamente no seu carter integrado. Assim, partindo de uma concepo de desenvolvimento que situa a cri-ana no seu contexto social, ambiental, cultural e, mais concretamente, no contexto das interaes que estabelece com os adultos, crianas, espaos, coisas e seres

  • sua volta, construindo, atravs dessas mediaes, sua identidade, seus conheci-mentos, sua percepo do mundo, sua moral, as diretrizes curriculares definem-se tambm de forma integrada, sem privilegiar um aspecto em detrimento de outro, mas procurando dar conta de todos, na medida das necessidades e interesses das crianas e tambm de acordo com os padres e valores da cultura e da sociedade onde ela se encontra.

    Donohue-Colleta (apud Evans, 1993, p. 3) resume, da seguinte forma, as neces-sidades das crianas entre 0 e 6 anos de idade:

    "Crianas de 0 a 1 ano necessitam: -proteo para perigos fsicos; - cuidados de sade adequados; - adultos com os quais desenvolvem apego; - adultos que entendam e respondam a seus sinais, - coisas para olhar, tocar, escutar, cheirar e provar; - oportunidades para explorar o mundo; - estimulao adequada para o desenvol vi mento da linguagem.

    Crianas entre 1 e 3 anos necessitam todas as condies acima e mais: - apoio na aquisio de novas habilidades motoras, de linguagem e pensamento, - oportunidade para desenvolver alguma independncia; - ajuda para aprender a controlar seu prprio comportamento; - oportunidades para comear a aprender a cuidar de si prprias; - oportunidades dianas para brincar com uma variedade de objetos.

    Crianas entre 3 e 6 anos (e acima desta idade) necessitam todas as condi-es acima e mais:

    - oportunidade para desenvolver habilidades motoras finas; - encorajamento para exercitar a linguagem, atravs da feia, da leitura, e do

    canto; - atividades que desenvolvam um senso de competncia positivo; - oportunidades para aprender a cooperar, ajudar, compartilhar; - experimentao com habilidades de pr-escrita e pr-leitura".

    Esta relao sugere que, desde o inicio de seu desenvolvimento, a criana requer uma gama ampla de condies, contatos e estmulos, por parte do ambiente que a cerca. E interessante o feto de que, nesta sintese, em cada etapa sejam adicionadas novas necessidades, sem que as anteriores sejam abandonadas ou consideradas como de menor importncia.

  • A perspectiva coerente com a moderna noo de "cuidado" que tem sido usada para incluir todas as atividades ligadas proteo e apoio necessrias ao cotidiano de qualquer criana: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger, consolar, enfim, "cuidar", todas fazendo parte integrante do que chamamos de "educar". uma psicloga norte-americana, Bettye Caldwell, cunhou a inspirada expresso "educare", que funde, no ingls, as palavras educar e cuidar. (Rosemberg, 1994).

    Esta concepo torna mais fcil a superao da dicotomia entre o que se costu-ma chamar de "assistncia" e educao. com efeito, no s todos esses aspectos so recuperados e reintegrados aos objetivos educacionais, como tambm deixam de ser considerados como exclusivamente necessrios parcela mais pobre da populao infantil, e de ser contemplados somente para as crianas menores de 2 ou 3 anos de idade. Todas as crianas possuem estas necessidades e, se todas tm o direito educao, qualquer instituio que as atenda deve lev-las em conta ao definir seus objetivos e seu currculo.

    O documento elaborado pela Rede Europia de Servios de Apoio Criana, que define critrios de qualidade para as vrias modalidades de atendimento, suge-re como objetivos para servios de alta qualidade:

    "- uma vida sadia;

    -

    espontaneidade de expresso; - auto-estima individual; - dignidade e autonomia; - confiana em si e desejo de aprender; - ambiente pedaggico e de cuidado estvel; - sociabilidade, amizade e cooperao com os outros; - igualdade de oportunidades, sem discriminao sexista, racista ou em relao

    a pessoas com necessidades especiais; - diversidade cultural; - ajuda familiar e comunitria; -felicidade" (Balageur, Mestres e Perm, s.d., p. 7-8). Ao longo do documento, medida que so discutidos os critrios de qualidade

    relativos admisso e utilizao do servio, ambiente, atividades de aprendizagem, aspectos relacionais, pontos de vista dos pais, a comunidade, valorizao de diver-sidade, avaliao das crianas e medidas de resultado, custos e tica, explicita-se a orientao de considerar os objetivos colocados acima de forma integrada. Por exemplo, no caso do item "comunidade", as questes propostas so as seguintes:

    "- A creche ou os servios de acolhida fazem parte integrante da comunidade local?

    -Existem funcionrios que moram no local? - Os interesses e prioridades do bairro se refletem nas atividades cotidianas?

  • - As crianas visitam as infra-estruturas locais? - Outras pessoas do local, que no os pais e funcionrios, tm a possibilidade de

    visitar a creche ou os servios de acolhida? - Nos estabelecimentos onde as crianas sao cuidadas e educadas so tambm

    organizados outros tipos de atividades? - As crianas podem participar de eventos ou festas da comunidade?" (p. 15). Nestes sub-itens podem ser identificados critrios ligados ao recrutamento do

    pessoal, ao planejamento das atividades com as crianas, s relaes com os pais e outras pessoas do local e ao uso do equipamento pela comunidade.

    Retomando a questo inicial aqui colocada, como teria de ser definido o perfil do profissional de educao infantil, numa perspectiva que considere os aspectos ligados ao cuidado e educao de forma integrada9

    uma das alternativas que tem sido adotada no Pais procura conciliar a oferta existente de profissionais, com estes objetivos, porm de uma forma no integrada: as crianas permanecem um periodo do dia com a monitora ou pajem e outro perio-do com a professora. Assim, por exemplo, teramos as crianas cuidadas em suas necessidades fsicas e afetivas no periodo da manh, e educadas em relao a suas necessidades de desenvolvimento intelectual, no periodo da tarde. (Deheinzelin, 1992).

    Algumas prefeituras tm adotado este sistema, com as crianas sendo levadas da creche para a pr-escola, em determinados horrios do dia Outras, como a de Belo Horizonte e a de Curitiba, cedem professoras da rede escolar para as creches, onde elas tentam de alguma forma suprir o que as monitoras no se sentem qualif i-cadas para desenvolver com as crianas

    Em alguns pases, como a Inglaterra, dois tipos de profissionais trabalham lado a lado junto s crianas das sries iniciais da escola elementar, que ali estudam desde o ano em que completam 5 anos de idade Assim, colaborando com a profes-sora de cada classe, existe a profissional conhecida como "nursery nurse", que e formada em uma espcie de licenciatura curta e est mais voltada para as necessi-dades de cuidado das crianas menores.

    Combinaes semelhantes vm sendo utilizadas por prefeituras brasileiras que transferiram as creches para o mbito das Secretarias de Educao (uma delas a de Campinas Veja-se Nascimento, 1994). Em muitas delas, professoras formadas no 2o grau e, at mesmo, no 3o grau (como o caso de Florianpolis), trabalham ao lado das monitoras. No entanto, ao contrrio do exemplo anterior, estas no con-tam com nenhum tipo de formao sistemtica prvia ao ingresso no servio.

    Nos Estados Unidos, a Associao Nacional para a Educao de Crianas Pe-quenas - NAEYC. identificou, em 1984, quatro niveis de prticas educacionais voltadas para a criana pequena.

  • "Nvel 1 - Auxiliares de Professor de Educao Infantil Correspondem ao nvel de entrada nos programas; trabalham sob a superviso direta dos profissio-nais do estabelecimento. Possuem diploma secundrio ou equivalente (2o grau). Devem participar de programas de formao.

    Nvel 2 - Professores Associados de Educao Infantil. Trabalham autonoma-mente com grupos de crianas, responsabilizando-se por seu cuidado e educao Devem demonstrar competncia nas reas bsicas definidas por um programa na-cional de credenciamento (Child Development Associate Credentialing Program -CDA).

    Nvel 3 - Professores de Educao Infantil. So responsveis pelo cuidado e educao de grupos de crianas. Possuem maior conhecimento terico e habilida-des prticas. Devem ter diploma superior de bacharel em educao infantil ou de-senvolvimento infantil.

    Nvel 4 - Especialistas em Educao Infantil. Supervisionam e treinam pessoal. planejam o currculo e/ou administram programas. Devem ser bacharis em educa-o ou desenvolvimento infantil, possuir no minimo 3 anos de experincia como professores e/ou um titulo mais avanado." (Spodek e Saracho. 1988, pp.61-62, traduo minha).

    Estes nveis no correspondem exatamente realidade norte-amencana - que bastante complexa e diversificada, como mostra Rosemberg (1994) - mas refletem a posio desta associao, que defendida junto aos grupos e setores com poder de deciso na area

    Tendo em vista a situao de fato existente no Brasil de hoje. o que sena impor-tante garantir na formao desses profissionais'7 Devemos prever, tambm aqui, diferentes niveis de formao para quem vai atuar na educao infantil9

    Em primeiro lugar, se realmente acreditamos em uma viso integrada da educa-o infantil, teramos de repensar o perfil dos dois tipos de profissionais menciona-dos no inicio. Ou seja, tanto inaceitvel que a educao em grupo de crianas pequenas esteja a cargo de adultos que no receberam nenhum tipo de formao para isso, quanto inaceitvel o tipo de formao que os professores recebem na maioria dos cursos de magistrio e tambm nos cursos de pedagogia existentes.

    Ou seja. ambos necessitam de um novo tipo de formao, baseada numa con-cepo integrada de desenvolvimento e educao infantil, que no hierarquize ati-vidades de cuidado e educao e no as segmente em espaos, horrios e responsa-bilidades profissionais diferentes15'.

    Por outro lado, dadas as caracteristicas de nossa realidade e a evoluo histri-ca que marcou a identidade dupla dos servios voltados para a criana pequena, necessrio prever que esta formao poder ser adquirida em diferentes niveis do sistema educacional

  • Assim, poderamos conceber uma proposta que garantisse a integrao hori-zontal de objetivos e contedos (educao e cuidado), a qual poder ser desen-volvida em diferentes nveis de complexidade e profundidade para cursos situ-ados em etapas sucessivas do sistema educacional formal.

    Seria possvel visualizar, dessa forma, situaes concretas de atendimento - que mudam conforme a regio do pas, as condies econmicas do municpio, as ca-racteristicas da demanda - onde profissionais com diferentes nveis de formao prvia, mas partilhando objetivos e preocupaes comuns, trabalham lado a lado, podendo a proporo daqueles com nivel mais alto ou menos alto de instruo variar de acordo com a situao especfica daquele servio ou programa.

    Pensar numa diferenciao profissional que se define por esta via, e no pela segregao de profissionais de nvel mais alto ou mais baixo, em servios que se definem como de educao ou de assistncia - que situao mais comum entre ns - permite pensar em currculos e prticas que garantam condies adequadas ao desenvolvimento infantil, de forma integrada, em qualquer modalidade de atendi-mento que for implantada.

    Nessa perspectiva, os treinamentos em servio podem ganhar uma dimenso nova, no sentido de permitir que profissionais com diferentes nveis de formao se aperfeioem e atualizem, construindo coletivamente um saber sobre o desenvolvi-mento de crianas pequenas em grupo. O prprio fato de conviverem lado a lado no trabalho direto com as crianas cria condies para que aqueles com menor quali-ficao aprendam com os mais experientes e/ou melhor treinados (Coppie, 1991, p.8)

    Tanto para a formao bsica, como para aquela em servio, valem as palavras de Millie Almy, quando diz:

    "Ao mesmo tempo em que necessrio providenciarmos mais oportunidades para a formao em alto nivel de educadores de crianas pequenas ("early childhood educators "), maiores oportunidades de treinamento para os educado-res que j se encontram na prtica sao essenciais, em todos os niveis. Este treina-mento pode ser realizado por educadores de crianas pequenas que reconheam que simplesmente dar aulas conceituais para quem est na prtica no suficien-te.

    Adultos, como crianas, aprendem fazendo. Individuos, em todos os nveis, podem ser ajudados na aquisio de uma plena conscincia de seu prprio po-tencial. Eles podem fazer isto atravs da leitura de livros, da assistncia a aulas e observando bom professores em sua prtica. Mas ouvir as idias e observar bons modelos no suficiente. Eles precisam colocar em prtica e avaliar suas prprias verses do que aprendem. Eles podem desenvolver novas e melhores prticas a partir de sua prpria experincia, assim como do conhecimento obtido

  • de outros. Quando quem est trabalhando com crianas pequenas encorajado a ir alm da prtica direta com crianas, pode aprender a atuar como defensor das crianas e de suas familias, assim como de si prprio enquanto professor. " ( Almy, 1988, p.53, traduo minha)

    NOTAS 1) As Casas da Criana, criadas no Rio de Janeiro na dcada de 80, emprega-

    vam serventes e merendeiras para cuidar e "educar" crianas de 3 a 6 anos de idade em horrio integral. Talvez este seja o exemplo mais evidente da con-cepo mencionada (A implementao..., 1994, p.3).

    2) Diagnstico realizado no municpio de Belo Horizonte, sobre as 789 educa-doras de 139 creches conveniadas com a Secretaria de Desenvolvimento So-cial, mostrou que 2,7% no so remuneradas, 10, 4% ganham menos de 1 salano mnimo mensal, 54,2% ganham 1 salano minimo e apenas 27.3 mais de um, 35,4% delas no tinham registro em carteira, 39,1% estavam traba-lhando em creche h menos de 1 ano, 34,6% no tinham o1 grau completo e 61,5% do total no tinham terminado o 2o grau (IRHJP/SMDS, 1993).

    3) Nas creches diretas do municpio de So Paulo, em 1980, as professoras ganhavam, para 4 horas dirias de trabalho, um salrio quase duas vezes maior do que as "pajens" (hoje "auxiliares de educao infantil"), para 6 horas e meia de jornada (Campos et al., 1991, p. 51).

    4) As creches conveniadas do Rio de Janeiro esto localizadas "em quase todas as favelas" da cidade (A implementao..., 1994, p.3) Em Belo Horizonte , elas esto situadas tambm, na sua grande maioria, nas regies da cidade com maior nmero de favelas (SMDS, 94, dados no publicados).

    5) O documento da Prefeitura de Blumenau aponta para caminhos semelhantes H uma constatao de que profissionais com baixa escolaridade apresen-tam dificuldades para acompanhar de forma produtiva programas de forma-o em servio Para enfrentar esse problema, o documento prope a cria-o de "curso de magistrio a nvel de 2o grau na modalidade de suplencia" para esses profissionais e mudanas no currculo dos cursos de formao de professores, tanto no 2o como no 3ograu (Programa de ..., 1994, p.5) Proposta equivalente est sendo desenvolvida pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Em So Paulo, dois projetos de curso supletivo para profis-sionais de creche foram encaminhados em 1992 ao Conselho Estadual de Educao, pela Prefeitura e pelo Sindicato dos Servidores Pblicos Munici-pais de So Paulo, sem que nenhuma deciso a respeito tenha sido tomada at hoje(Rosemberg, 1992)

  • REFERENCIAS

    A IMPLEMENTAO de uma poltica articulada de educao infantil no municpio do Rio de Janeiro: limites e possibilidades Braslia. 1994 (mimeo)

    ALMY, Millie. "The early childhood educator revisited. " IN: SPODEk. Bernard et al (eds). Professionalism and The Early Childhood Practitioner Nova York. Teachers College Press, 1988. pp.48-55.

    BALAGEUR, Irene; MESTRES, Juan B. PENN, Helen- Qualit des services pour les jeunes enfants: un document de rflexion. Bruxelas. Rseau Europen des Modes de Garde d'Enfants. Comission des Communauts Europennes Bruxelles, s.d.

    CAMPOS, Maria Malta; GROSBAUM, Marta W.; PAHIM, Regina e ROSEMBERG, Fulvia. Profissionais de creche. In: Educao pr-esco-lar: desafios e alternativas. Campinas, CEDES/Papirus. 1991, 3a ed., pp. 39-66 (Cadernos CEDES 9).

    COPPLE, Carol. Quality matters: Improving the Professional De\'elopment of the Early Childhood Work Force. Washington, National Institute for Early Childhood Professional Development/National Association for The Education of Young Children, 1991

    DEHEINZELIN, Monique. Esboo de uma proposta curricular para formao de creche em nivel de 2ograu IN: ROSEMBERG, Fulvia et al. (org.) A for-mao do educador de creche: sugestes e propostas curriculares. So Pau-lo, Fundao Carlos Chagas, 1992 (Textos FCC 8/92).

    ENCONTRO tcnico-poltico de formao do profissional de educao infan-til. Documento da Prefeitura Municipal de Curitiba. Belo Horizonte, 1994. (mimeo)

    EVANS, Judith L. Health Care: The care required to survive and thrive. Coordinators Notebook, (13): 1-18, 1993.

    INSTITUTO de Recursos Humanos Joo Pinheiro/Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Diagnstico das creches conveniados com a Secre-taria Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Belo Honzonte, IRHJP/SMDS, 1993.

    PROGRAMA de formao em servio da Prefeitura Municipal de Blumenau. Braslia, 1994. (mimeo).

    ROSEMBERG, Fulvia. Educao infantil nos Estados Unidos. In:

    * No item anterior, o documento diz "( ) pessoal que cuida das crianas e as educa constitui o fator mais importante na implantao de servios de qualidade. um pessoal que ama seu traballio e nele se sente vontade, que demonstra carinho e ateno com as crianas e cria um ambiente estimulante c a melhor garantia para um servio de qualidade" (Balageur et al., s.d., p.27)

  • ROSEMBERG, Fulvia e CAMPOS, Maria Malta (orgs.). Creches e pr-escolas no Hemisfrio Norte. Sao Paulo, Cortez/Fundao Carlos Chagas; 1994, pp. 15-101.

    ROSEMBERG, Fulvia; CAMPOS, Maria Malta e VIANA, Claudia P. (orgs.) A formao do educador de creche: sugestes e propostas curriculares. Sao Paulo, Fundao Carlos Chagas, 1992 (Textos FCC 8/92).

    SPODEK, Bernard e SARACHO, Ouvia N. Professionalism in Early Childhood Education. IN: SPODEK, Bernard et al. (eds) Professionalism and the Early Childhood Practitioner. New York, Teachers College Press, 1988, pp. 59-74.

    ANEXO

    Perguntas a respeito da formao do pessoal que trabalha nos estabelecimentos de educao infantil, propostas no documento "Qualidade dos servios para crian-as pequenas: um documento para reflexes" (Balageur et al., s.d., p.28, traduo minha)*.

    "G. Formao Este item interroga a respeito de aspectos fundamentais na relao entre conhe-

    cimentos, dons e aptides, experincia e qualificaes para garantir servios de qualidade.

    - Todos os membros do pessoal devem receber alguma formao? - A avaliao pode substituir a formao9 - Quais os tipos de formao prvia que existem nos diversos servios? - Tanto homens como mulheres tm a possibilidade de adquirir uma formao e

    so encorajados para isso? - Os diversos grupos raciais, lingsticos e religiosos tm a possibilidade de

    adquirir uma formao e so encorajados para isso? - As pessoas deficientes tm a possibilidade de adquirir uma formao e so

    encorajadas para isso? - Qual a idade requerida para se poder seguir a formao prvia entrada em

    servio? - A admisso de homens e mulheres de uma certa idade autorizada'7 - A formao em tempo integral ou possivel segui-la em tempo parcial0 - Qual a durao da formao prvia entrada em servio? - Em que consiste a formao prvia entrada em servio? - Qual a faixa de idade das crianas que esta formao cobre? - Qual o nivel didtico dos mtodos de ensino da formao prvia? - Qual o nivel acadmico da formao prvia?

  • - Quem controla e avalia a formao? - Os diferentes tipos de formao so coordenados e integrados? - Foram definidas metas quanto ao nmero de pessoas formadas? - A formao prvia entrada em servio gratuita? - Os estudantes em formao recebem algum tipo de ajuda financeira? - Existe um vnculo entre a formao prvia e a remunerao'? - Quais so as possibilidades de formao em servio? (formation intgre) - Quem responsvel pela formao em servio? - A participao na formao em servio obrigatria? - Esta formao ocorre durante o perodo de funcionamento ou fora deste hor-

    rio? - A formao em servio responde s necessidades individuais ou aos objetivos

    coletivos do servio? - A formao em servio disponvel tambm no setor privado e no voluntariado? - Existem programas de especializao ou de ps-graduaco? - Que tipo de ajuda se oferece para as especializaes'7 - Existe um vnculo entre a ps-graduaco e a remunerao ou a promoo? - A formao em todos os nveis est ligada pesquisa?"

  • ASPECTOS GERAIS DA FORMAO DE PROFESSORES PARA A EDUCAO

    INFANTO, NOS PROGRAMAS DE MAGISTRIO - 2o GRAU.*

    Selma Garrido Pimenta**

    INTRODUO

    Inicialmente gostaria de explicitar dois entendimentos bsicos que orientam o presente texto O primeiro refere-se ao conceito de educao. O segundo refere-se ao que consideramos o pressuposto bsico na formao de professores.

    Na seqncia, faremos algumas consideraes sobre a formao de professo-res, especialmente em nvel de ensino mdio para, ento, indicarmos os aspectos gerais da formao de professores para a educao infantil.

    I - Entendimentos bsicos - Educao A docncia e a formao para ela uma prtica de educao. Entendemos que

    a educao um fenmeno humano. Fruto do trabalho do homem nas relaes sociais, constitutivas do existir humano e que tem por finalidade a produo do humano; a humanizao do homem

    Nesse sentido, a sociedade construida pelos homens tem frente s crianas e jovens a dupla e indissocivel tarefa de tom-los ao memo tempo usurios e beneficirios da riqueza civilizatria historicamente acumulada, bem como partcipes e construtores dessa mesma riqueza Ou seja, prepar-los para se elevarem ao nivel da civilizao atual - suas riquezas e seus problemas - para nela atuar com cida-

    * Trabalho apresentado no Encontro Tcnico) sobre Politica de Formao dos Profissionais da Educao Infantil promoo - Mec-Coedi. Belo Horizonte - 25 a 27 de abril/94. ** Prof Livre Docente em Didtica. Faculdade de Educao - Universidade de So Paulo.

  • dos Ou, no dizer de SCHIMED - KOWAZIK (1983) para o incessante projeto de humanidade dos homens.

    Nesse sentido a educao uma prtica de toda a sociedade. Especialmente, a educao escolar tem por finalidade possibilitar que nesse processo de humanizao os alunos trabalhem os conhecimentos das cincias e da tecnologia, das artes e da cultura, desenvolvendo as habilidades para conhec-los, rev-los, oper-los, transform-los e as atitudes necessrias para tornar os conhecimentos cada vez mais direcionados na construo do humano, superando, portanto, os determinantes da sub-humanizao.

    Pressuposto na formao de professores Tarefa complexa. No para poucos. Dentre eles. os professores. Para os que

    necessitam ser preparados, formados. uma formao que coloque no incio, anteci-padamente, o resultado das aes que se prope empreender. (Pinto, 1969). O que, em se tratando de formar professores, implica num conhecimento (terico-prtico) da realidade existente. Este , pois, o pressuposto bsico na formao de professo-res: o conhecimento (terico-prtico) da realidade (no nosso caso, a educao in-fantil), antevendo as transformaes necessrias e intrumentalizando-se para nela intervir.

    Exemplificando: na formao de qualquer professor preciso tomar-se o cam-po de atuao como referncia. Isto . tom-lo como uma totalidade, em todas as suas determinaes, evidenciando as contradies nele presentes. O que implica ir para essa realidade municiado teoricamente da realidade que se quer instaurar (que educao infantil necessria e porque, que escola e que professores so necess-rios e com quais conhecimentos e habilidades) que d suporte aos instrumentos de captao e anlise do real existente, para conhec-lo nas suas determinaes e possibilidades para a instaurao do novo (resultante do confronto entre o ideal - a realidade que se quer; e o real - o existente).

    Aps a explicitao da finalidade da educao e do pressuposto bsico na for-mao de professores, consideramos, a seguir, face aos objetivos deste Encontro. algumas questes relacionadas formao de professores no ensino mdio, eviden-ciando a problemtica da educao infantil

    Entendemos que a formao de professores no ensino mdio apenas uma das possiblidades de formao, sendo igualmente importante pens-la no ensino supe-rior e sob forma de educao continuada.

    Historicamente a formao do professor para a educao infantil em nosso pais foi institucionalizada na Escola Normal e Instituto de Educao at os anos 70 e, aps, na Habilitao Magistrio.

    Ao ensejo das conquistas expressas na Constituio de 88 e que apontam para a

  • necessria institucionalizao da educao infantil, faz-se oportuna a iniciativa do MEC em articular a Politica Nacional, onde se inclui a formao de professores Nesse sentido, os estudos e pesquisas que temos feito sobre a formao de profes-sores em nivel de ensino mdio podero trazer alguma contribuio

    II Aprendendo com os erros - ou a importncia da investigao e anlise crtica sobre a formao.

    Parece-nos oportuno trazermos reflexo dos grupos que ora iniciam um pro-cesso sistemtico de formao do professor para a educao infantil, alguns pro-blemas que marcam a evoluo da formao de professores no ensino mdio

    Assim, num breve panorama, podemos fazer os seguintes registros: 1 - Em finais dos anos 60 o Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP)

    promoveu uma srie de estudos e diagnsticos sobre a realidade do ensino Normal, evidenciando sua problemtica

    Eny Caldeira (1956), relatando resultados parciais de pesquisa feita em alguns estados brasileiros, constata que os programas desenvolvidos nos cursos no satis-faziam as necessidades de formao de professores capazes de fazerem frente aos problemas reais encontrados no ensino primrio.

    Lcia Pinheiro (1977) constata, sobre a perda de especificidade do Ensino Nor-mal As Escolas Normais e com freqncia os prprios Institutos de Educao, vm funcionando como simples cursos a mais, sem maior significao, dentro de um conjunto de cursos mdios

    Sobre o distanciamento entre cursos de formao e a realidade da escola prim-ria tambm foi diagnosticado:

    "(...) embora os alunos estudem Psicologia e Sociologia, nao adquirem atitu-de psicolgica e sociolgica adequada para enfrentar, no futuro, problemas concretos, individuais e coletivos, como relaes ambiente-criana, famlia-escola, aluno-professor, vida intelectual-vida afetiva, efeitos da personalida-de do professor, para adotar os possiveis meios de ao que, em cada caso, impem aos educadores. Ao aluno no dada oportunidade de refletir sobre problemas, os mais imediatos, relacionados com a escola primria, e que es-to a exigir solues. "

    A anlise critica, rigorosa e lcida produzida pelos intelectuais educadores no interior do prprio rgo responsvel pela elaborao e/ou execuo da politica dos cursos de formao de professores, e aqui brevemente por ns retomada, colo-ca em evidncia os problemas no interior dos prprios cursos, e nas suas determi-naes pelo sistema escolar/poltico mais amplo

  • A deteriorao aqui evidenciada no interior das escolas normais produto da deteriorao e/ou precariedade do sistema de formao de professores como um todo, especialmente os equvocos da prpria institucionalizao da Universidade ntrenos.

    A escola normal (oficial e privada) traduz no seu interior - na sua organizao e funcionamento, no seu currculo e nos programas, nos mdotos de formao, nos seus professores (no trabalho destes) - o no compromisso com a formao do professor necessrio transformao quantitativa e qualitativa do ensino primrio, isto , a escola normal no estava sendo capaz de formar professors capazes de contriburem com a educao das crianas na escola primria.

    Contrariamente tendncia que vinha sendo amplamente apontada, em finais dos anos 60, de ampliar e configurar a especificidade do ensino normal, a Lei 5692, em 1971, ao modificar a estrutura do ensino primrio, secundrio e colegial para1 e 2o graus, transformou o ensino normal em uma das habilitaes profissionais de 2o grau, agora obrigatoriamente profissionalizante. Na verdade reduziu e resumiu o curso normal a um apndice profissionalizante no 2o grau.

    com a edio da "Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de1 grau e 2o graus" (Lei 5.692), em 1971, o curso de magistrio transformou-se em Habilitao Especfica para o Magistrio, em nvel de 2o grau. com esta mudana extinguiu-se, em primeiro lugar a formao de "professores regentes" e, em segundo lugar, descaracterizou-se a estrutura anterior do curso.

    Em outras palavras: a formao de professores para a docncia nas quatro primeiras sries do ensino de primeiro grau passou a ser realizada atravs de uma habilitao profissional, dentre as inmeras outras que foram regulamentadas Os antigos institutos de educao, pouco a pouco, deixaram de existir, e a formao de professores para ministar aulas na habilitao ficou restrita aos cursos superiores de Pedagogia

    Em coerncia com os princpios estabelecidos pela lei, o Parecer do Conselho Federal de Educao que versava sobre a Habilitao Especfica para o Magistrio (Parecer 3.491/72) estabelecia que "O currculo apresenta um Ncleo Comum, obrigatrio em mbito nacional, e uma parte de formao especial, que apresenta o mimmo necessrio habilitao profissional". Este trecho demonstra a dicotomia entre dois elementos que deveriam ser indissociveis.

    Esta situao agravou-se pela indicao, no mesmo Parecer, de que a educao geral "dever, a partir do segundo ano, oferecer os contedos dos quais ele (aluno) se utilizar diretamente na sua tarefa de educador". Deduz-se desta orientao que o domnio dos contedos inerentes ao Ncelo Comum e destinados formao geral do aluno fic