PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Santana... · DOUTORADO EM EDUCAÇÃO –...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP
Rosane Santana Junckes
AS RELAÇÕES DOS PROFESSORES FORMADORES COM OS SEUS
SABERES PROFISSIONAIS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO 2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rosane Santana Junckes
As relações dos professores formadores com os seus saberes
profissionais
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência para obtenção
parcial do título de Doutora em Educação –
Psicologia da Educação, sob a orientação
da Professora Doutora Marli Eliza Dalmazo
Afonso de André.
SÃO PAULO
2009
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O MUNDO
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir
aos céus. Quando voltou, contou.
Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
- O mundo é isso - revelou.
- Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria
entre todas as outras.
Não existem duas fogueiras iguais.
Existem fogueiras grandes e fogueiras de todas as cores.
Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco,
que enche o ar de chispas.
Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros
incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar
perto pega fogo.
Eduardo Galeano
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Para o meu querido marido Jaime e meus filhos
Marcelo e Rafael por estarem sempre perto mesmo
estando longe. Por me incendiarem com suas
chispas loucas incentivando-me na busca dos meus
sonhos. Amo vocês!
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DEDICATÓRIA
Dedico esta tese à professora Marli André, que
além do profissionalismo, da firmeza e segurança,
sempre encontrei um doce sorriso pronto a
confortar. Muito obrigado por me ter dado a
oportunidade de fazer parte da sua vida como
aluna e orientanda. É um privilégio e uma honra ter
você ao meu lado nessa caminhada. Muito
obrigada pela alegria que me proporcionou por
estar ao meu lado!
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AGRADECIMENTOS
Ao meu querido e amado marido Jaime pelo carinho, paciência, incentivo e
confiança. Muito obrigada por ter proporcionado todas as condições
necessárias para que essa conquista fosse possível.
À querida professora Dra Marli André pelas orientações, correções, leituras e
trocas de experiência. Conhecê-la foi uma oportunidade ímpar em minha
vida.
À minha família pelo carinho e compreensão.
À professora Dra Maria de Fátima Barbosa Abdalla que me ajudou e
incentivou muito com seus carinhos e palavras de incentivo, além de uma
grande contribuição no desenvolvimento da tese. Foi muito importante poder
contar com sua ajuda e serenidade na construção dessa pesquisa. Tê-la
como amiga e companheira nesse processo foi um privilégio!
À professora Dra Vera Maria Nigro de Souza Placco, que pelo seu jeito
carinhoso e simpático de ser me amparou e tranqüilizou na entrevista para o
doutorado como também na qualificação. Obrigada pela oportunidade e por
todas as contribuições e sugestões!
À professora Dra Luciana Maria Giovanni, pela participação e contribuições
nessa banca de doutoramento.
À professora Dra Patrícia Albieri Almeida, pela participação e contribuições
junto a elaboração dessa tese.
Aos simpáticos professores do Departamento de Psicologia da Educação,
muito obrigada pelos ensinamentos e trocas de informações.
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Aos novos amigos que fiz na PUC, tantos...entre eles, deixo aqui o meu
carinho especial para Roberta Rotta e Marcia de Souza Hobold que me
incentivaram e me acompanharam nessa trajetória importante de minha
vida. Muito obrigada pelos incentivos e companherismo nas discussões,
principalmente por ocasião da qualificação desse trabalho.
Aos professores que, por meio de suas narrativas, ajudaram a constituir esta
tese de doutoramento.
À universidade que deu abertura para que os dados fossem coletados na
instituição, juntamente com seus professores formadores das licenciaturas.
À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela concessão de bolsa
de estudos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior – CAPES,
pela concessão de bolsa de estudos.
Enfim, a todos que atravessaram o meu caminho, nos períodos de estudo
nesta universidade. PUC SP.
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RESUMO
JUNCKES, Rosane S. As relações dos professores formadores com os
seus saberes profissionais
Esta pesquisa objetiva investigar a relação que os professores formadores estabelecem com os seus saberes profissionais nos cursos de licenciatura e tem como pressuposto que tais relações afetam a sua atividade no âmbito das universidades. Tem como base teórica os estudos desenvolvidos por André (2008), Roldão (2007), Pereira (2006), Charlot (2005; 2001;2000), Abdalla (2006), Pimenta e Anastasiou (2005), Lüdke (2004), Tardif (2008; 2002), Gómez (2001) entre outros, que pesquisam a formação de professores. Os dados foram coletados por meio da técnica do balanço do saber e de entrevistas recorrentes com professores formadores de diferentes áreas do conhecimento dos cursos de licenciatura de uma universidade da região Sul do Brasil. Tais dados revelam que as relações que os professores formadores estabelecem com seus saberes profissionais emergem principalmente da cultura institucional, tanto do período de pré-formação como da socialização profissional nas instituições na qual atuam profissionalmente. No ambiente da universidade os professores formadores estabelecem relações conflituosas com os saberes específicos e pedagógicos, que geram pontos de encontros e desencontros entre a teoria e a prática pedagógica e têm implicações na concepção de professor pesquisador/reflexivo. O estudo também revela que os professores formadores encontram-se ansiosos e decepcionados frente a deteriorização da imagem e do status social da profissão docente, o que os leva ao isolamento e em alguns casos à frustração profissional.
Palavras-chave: professor formador, relações com o saber, Licenciatura
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ABSTRACT
JUNCKES, Rosane S. The relations of teacher educators with their
professional knowledge
This research aims to investigate the relation that teacher educators establish with their professional knowledge in licensure courses, and it starts with the presumption that such relations affect their activity in the universities. The theoretical foundation of this research are the studies developed by André (2008), Roldão (2007), Pereira (2006), Charlot (2005; 2001; 2000), Abdalla (2006), Pimenta and Anastasiou (2005), Lüdke (2004), Tardif (2008; 2002), Gómez (2001) among others who investigate the teacher education. The data were collected by both balancing the knowledge and recurrent interviews made with teacher educators of different areas of knowledge from licensure courses of a university in the South of Brazil. Such data show that the relation the teacher educators establish with their professional knowledge emerge mainly from the institutional culture, as much in the period prior graduation as in the professional socialization in the institutions in which they act professionally. In the university atmosphere the teacher educators establish relations of conflict with the specific and pedagogical knowledge, which generate convergence and divergence spots between the theory and the pedagogical practice and they implicate in the conception of the reflective/searching teacher. The study also shows that the teacher educators are apprehensive and disappointed with the deterioration of the image and the social status of their profession, which leads them to isolation and, in some cases, to professional frustration.
Key Words: teacher educator, relations with the knowledge, Licensorship
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13
A relação pessoal com o saber e a escolha do tema ......................................
13
O contexto e os objetivos da pesquisa.............................................................. 16
CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA FORMAÇAO INICIAL DE PROFESSORES.....................................................
22
Formação de professores: resgatando elementos do passado para compreender o presente....................................................................................
22
A docência no ensino superior: modelos e paradigmas que orientam a atividade dos professores nas universidades...................................................
33
Os modelos que estruturam a universidade brasileira...................................... 37
Paradigmas contemporâneos na formação docente......................................... 41
As licenciaturas: problemas e alternativas........................................................ 47
A cultura institucional e a atividade do professor formador............................... 53
CAPÍTULO II - A RELAÇÃO COM O SABER E A ATIVIDADE DOS PROFESSORES FORMADORES....................................................................
61
A relação com o saber na perspectiva de Charlot............................................. 62 As pesquisas sobre relação com o saber..........................................................
66
A formação de professores e a relação com os saberes profissionais dos professores formadores.....................................................................................
80
CAPÍTULO III – METODOLOGIA.....................................................................
86
Campo e sujeitos da pesquisa...........................................................................
87
Procedimentos metodológicos .......................................................................... 89
Balanço do saber: uma técnica de coleta de dados.......................................... 89
Entrevistas recorrentes...................................................................................... 92
12
CAPÍTULO IV - APRESENTAÇÃO DOS DADOS............................................
94
O Núcleo das licenciaturas ...............................................................................
94
Balanço do saber: caracterizando e desvelando os primeiros elementos sobre a relação com os saberes profissionais dos professores formadores.....................................................................................
100
Das Entrevistas recorrentes: destacando algumas das relações com os saberes profissionais dos professores formadores...........................................
111
A cultura institucional como espaço de relações sociais e profissionais: as experiências institucionais como elementos que influenciam nas relações com os saberes profissionais............................................................................
113
Ansiedade, decepção e conflitos: relações com os saberes profissionais que emergem da cultura institucional.......................................................................
119
A decepção frente a deteriorização da imagem e do status social que a profissão docente está sofrendo........................................................................
124
Relação com o ensino e a aprendizagem: sentidos decorrentes da cultura institucional .......................................................................................................
127
A relação com os saberes específicos e pedagógicos: pontos de encontros e desencontros entre a teoria e prática pedagógica.............................................
131
Implicações da concepção de professor pesquisador/reflexivo e as relações com os saberes pedagógicos e específicos......................................................
136
Os estágios supervisionados e as relações com a teoria e a prática pedagógica: imbricações da racionalidade prático reflexiva.............................
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................
144
REFERÊNCIAS ................................................................................................
151
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INTRODUÇÃO
A relação pessoal com o saber e a escolha do tema
A construção de uma trajetória profissional envolve situações que vão
desde as escolhas das brincadeiras que são feitas, ainda na infância, até o
exercício destas projeções na vida adulta, bem como na busca de suas
especificidades e aprofundamentos teórico-práticos. As razões que
encontramos para afirmar um pressuposto, uma proposição, uma idéia, na
vida profissional emergem dessas relações no mundo e com mundo. Este é
o entendimento que direciona esta pesquisa, principalmente por levar em
consideração a minha própria história de vida.
Acredito que minha trajetória profissional recebeu muita influência
familiar. Tanto de meus pais como de demais familiares: tios, primas e
primos que atuavam como professores na cidade onde nasci.
Lembro-me que nas escolas, principalmente de 5ª a 8ª série,
costumava entrar em conflitos com meus colegas e professores, quando
tinham atitudes com os demais estudantes que a mim pareciam injustas.
Como diziam, “comprava a briga dos outros”. Achava injusto um
professor chamar os estudantes de preguiçosos e molengas, entre outros
adjetivos. Atitudes como essas me irritavam e acabaram, a meu ver,
influenciando minha visão do trabalho docente.
Quando cheguei ao segundo grau (na época era assim que
chamávamos o ensino médio), optei por fazer magistério. Foi aí que
comecei a entender a complexidade dessa profissão, pois logo fui
convidada para atuar como professora substituta numa primeira série de
alfabetização, o que me deixou feliz e ao mesmo tempo desesperada
frente à responsabilidade e à imaturidade para trabalhar com aquelas
crianças.
Foi uma experiência encantadora e desafiadora, para a qual pude
contar com a ajuda de amigas professoras e de minhas primas. Nesse
período, preocupava-me com a aprendizagem dos estudantes, lia muito,
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procurava estratégias e metodologias de ensino que pudessem me
ajudar a alfabetizar as crianças.
No decorrer dos anos fui assumindo outros níveis de ensino, me
formei no curso de pedagogia, procurando sempre me aperfeiçoar,
fazendo cursos diversos para que de uma forma ou de outra pudessem
me favorecer na atividade docente. Sempre estive muito preocupada com
a aprendizagem dos estudantes. Não apenas uma aprendizagem de
conteúdos, mas uma formação do sujeito enquanto cidadão, capaz de ler
e interpretar a sua realidade. Sentia-me muito mal quando um estudante
era reprovado, perguntava-me o por quê da reprovação.
O fracasso escolar e o discurso dos colegas professores frente à
falta de pré-requisitos dos estudantes para estarem em determinadas
séries escolares, me incomodava. Na escola onde trabalhava constatei
um alto índice de repetência no ensino Fundamental e Médio, e quanto
mais buscava as causas, mais preocupada ficava com minha própria
atividade docente e a de meus colegas professores, principalmente
quando deparava-me com justificativas evasivas com relação a
repetência desses estudantes.
Essa preocupação bem como a preocupação com o
desenvolvimento do pensamento crítico nas crianças sempre esteve
presente nas minhas discussões e nos momentos de estudo,
principalmente ao ingressar no Mestrado, no qual desenvolvi como tema
da dissertação ―O desenvolvimento da consciência moral autônoma nas
relações pedagógicas‖.
A pesquisa na época tinha como foco a concepção de autonomia
que fundamentava o discurso e a prática pedagógica dos professores do
Ensino Médio de um colégio da cidade de Joinville/SC verificando a
existência de contradições ou coerências entre discurso e prática
pedagógica. A temática surgiu, por conta do que eu ouvia em diferentes
encontros de educadores, e dos discursos proferidos nas escolas que
seguiam idéias do livro recém lançado na época: Educação: um tesouro
a descobrir – Relatório da UNESCO da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI (2000), organizado por Jacques Delors.
Nas rodas de discussão de professores discutia-se muito o
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aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o
aprender a ser, o que em outras palavras reforçava, segundo esses
professores, a idéia de autonomia e a necessidade de formar um sujeito
crítico, criativo, ativo na sociedade.
Tais discussões suscitaram uma série de questionamentos,
principalmente sobre as relações entre o discurso proferido pelos
professores e suas práticas. Perguntava-me na época como isso
acontecia em sala de aula. Será que esses professores desenvolviam
práticas que vinham ao encontro de suas idéias? Será que percebiam
seus discursos em sua própria prática?
Constatou-se que as práticas docentes eram, apesar do discurso,
tradicionalistas, autoritárias e baseadas no repasse de conteúdos quase
que exclusivamente de forma autoritária, o que não favorecia o
desenvolvimento da autonomia dos estudantes, uma vez que as
atividades colocavam os estudantes numa situação de meros fazedores
de exercícios reproduzidos pelo professor, fotocopiados de fontes
diversas. Além disso, novamente o fenômeno da reprovação escolar
estava em evidência.
Muitas questões ficaram em aberto ao término de minha
dissertação de mestrado em decorrência dos resultados obtidos, como
por exemplo: o que impedia aqueles professores de mudarem suas
práticas, de forma que correspondessem aos seus discursos e a uma
formação emancipatória? Será que algumas idéias foram cristalizadas
em sua formação inicial? Que valores, práticas, e relações se
desencadearam nessa etapa de sua formação? Essas podiam interferi r
na forma como eles desenvolviam suas práticas? Houve mediação por
parte dos professores formadores? A que processos formativos os
professores foram submetidos em sua formação inicial?
Assim, diante dos questionamentos que surgiram ao término de
minha dissertação de mestrado, bem como de minhas reflexões ao longo
de minha trajetória profissional, decidi investigar a formação inicial de
professores. Em especial, decidi concentrar-me nos professores
formadores que têm um papel fundamental nos cursos de formação,
tanto pelos conteúdos profissionais que desenvolvem quanto pelas
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formas de atuação. Aprender segundo Charlot (2001,p.28),
[...] é uma relação entre duas atividades: a atividade humana que produziu aquilo que se deve aprender e a atividade na qual o sujeito que aprende se engaja, sendo a mediação entre ambas assegurada pela atividade daquele que ensina ou forma.
Cabe então refletir sobre a relação que os professores
formadores estabelecem com os seus saberes profissionais e que são
disponibilizados aos futuros professores.
O contexto e os objetivos da pesquisa
Na sociedade atual, contamos com uma pluralidade de opções no que
se refere às formas de convivência social, econômica, cultural e política.
Vivemos, segundo Imbernón (2000), em tempos difíceis e de grandes
incertezas, que procuramos resolver satisfatoriamente numa tentativa de
obter qualidade em nossas vidas. A sociedade brasileira tem assistido, ao
longo dos tempos, a intensas transformações em todos os campos da
convivência e conhecimento humano. Temos testemunhado e protagonizado
uma ambiência social em plena efervescência, que tem, por sua vez,
causado uma maior complexidade nas relações sociais.
Segundo Imbernón (2000, p. 18), ―deparamo-nos diante de uma nova
forma de ver o tempo, o poder, o trabalho, a comunicação, a relação entre
as pessoas, a informação, as instituições‖, e não poderia ser diferente, no
que se refere à educação, pois a cada dia percebemos que o pensamento e
a ação educativa, precisam passar por transformações que possibilitem o
desenvolvimento de um cidadão emancipado, sujeito crítico, que
compreenda as questões de seu meio e se disponha a agir para torná-lo
melhor.
Formar cidadão crítico e reflexivo não é uma tarefa fácil, por isso se
faz necessário entender, segundo o autor (2000), ―as formas de pensar e
agir do passado, as tramas do presente e as silhuetas possíveis do futuro‖,
para que a humanidade não fique alienada frente à realidade em que está
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inserida.
Assim entende-se que a educação constitui fonte de transmissão
cultural no sentido amplo do termo (valores, normas, atitudes, experiências,
imagens, representações). As escolas, por sua vez, deveriam ser veículos
de democracia e mobilidade social, capazes de desvelar a lógica do capital.
Por isso, acredita-se que as escolas não são simplesmente locais de
instrução, são também locais políticos e culturais, responsáveis pela
transmissão do patrimônio cultural, pela aprendizagem e formação de seus
estudantes. Como afirma Charlot (2005), a educação é:
[...] um movimento de humanização, de socialização e de subjetivação; é cultura como entrada em universos simbólicos, como acesso a uma cultura específica, como movimento de construção de si mesmo; é direito ao sentido, às raízes, a um futuro; é direito ao universal, à diferença cultural, à originalidade pessoal. (CHARLOT, 2005, p. 145).
Considera-se importante entender que a educação é também um
direito e não uma mercadoria. Isso afeta, de uma forma ou de outra, a
atividade dos professores, pois a esse profissional também são feitas
exigências frente ao mercado capitalista, que tem na educação, interesses
econômicos. Daí a importância do papel dos professores nos contextos de
suas escolas. É necessário que fiquem atentos aos interesses de certas
medidas e políticas públicas e saibam, pelo menos, como gerir as tensões
que surgem a partir delas. Giroux (1997) afirma que os professores são os
intelectuais transformadores e, como tal, devem assumir todo o seu
potencial como profissionais estudiosos, ativos e reflexivos.
Além de discutir a respeito da educação que queremos, bem como a
sociedade que desejamos, torna-se necessário refletir e compreender a
ação de ensinar nos dias de hoje. Como os professores em seus diferentes
níveis de ensino estão entendendo a ação de ensinar? Que sentido essa
ação tem para eles e para seus estudantes? Será que o fazem de forma a
transmitir informações levando a educação para o plano da instrução
apenas? Ou, como afirma Candau (1998), entendem essa ação de ensinar
como uma atividade e uma prática social complexa, carregada de conflitos
de valor, os quais exigem posturas éticas e políticas que requerem dos
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professores saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos,
educacionais, além de uma dinâmica criativa e sensível, capaz de viabilizar
a administração de situações ambíguas, incertas e conflituosas nos
contextos escolares? Ou, ainda, como afirma Charlot (2005), será que esses
professores concebem ―que ensinar supõe saberes, para que os jovens
compreendam melhor o sentido do mundo, da vida humana, das relações
com os outros, das relações consigo mesmo‖?
Aprender é uma atividade que implica uma relação com os saberes
produzidos pela humanidade e, ao mesmo tempo, uma atividade
(trans)formadora, assim cabe ao professor atuar como mediador desses
saberes.
A atividade docente requer reflexão e crítica ou seja, questionamentos
dos modos de pensar, sentir, agir, produzir e distribuir conhecimentos,
problematizando, analisando as situações da prática social. Assim, torna-se
necessário investir na capacidade de reflexão crítica dos professores, para
que possam decidir principalmente sobre a aprendizagem de seus
estudantes.
Essas idéias remetem à problemática que envolve o processo de
formação inicial dos professores nas universidades. Segundo Marques
(2003, p. 37), esses professores têm se deparado com a fragmentação e
desarticulação dos currículos que se manifestam de várias maneiras e, por
sua vez, contribuem para que a formação de professores se torne precária.
Nesse sentido o autor cita:
o divórcio entre teoria e prática;
as muralhas que estabelecem entre si as disciplinas do ensino, confinadas cada qual nos limites auto-impostos;
a separação entre disciplinas de conteúdo e disciplinas pedagógicas, entre a Pedagogia, a Didática e as Tecnologias Educacionais;
os estágios curriculares e as práticas de ensino divorciadas do todo e postas à margem dos cursos;
a refrega entre os cursos de bacharelado e os de Licenciatura;
a separação entre as dimensões cognitivas, as dimensões éticas e as dimensões políticas da formação do educador. (MARQUES, 2003, p. 37).
Com base nas palavras de Marques (2003), e mesmo sabendo que a
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formação dos professores acontece num processo contínuo durante toda
sua vida profissional, deseja-se aqui trazer a discussão sobre a formação
inicial de professores e a atividade de seus formadores, pois considera-se
que são elementos importantes nos sistemas educacionais e de formação
profissional.
Vale também lembrar que, já na década de 90, em trabalhos
realizados por Gatti (1992) e Lüdke (1994) sobre as Licenciaturas, eram
apontados a inércia nas universidades, a ausência de um projeto de
formação e o desprestígio acadêmico profissional. Para Lüdke (1994), existia
sobre as Licenciaturas no Brasil uma vasta literatura educacional, com um
considerável conjunto de reflexões, idéias, análises e sugestões, sobre a
situação dos cursos de Licenciaturas, e de seus problemas.
Todavia, a autora alertava que, de modo geral, não havia naquela
época uma preocupação maior sobre a formação de professores nos cursos
de Licenciaturas. Podia-se considerar que as pesquisas eram ainda
insuficientes e em muitas das questões pesquisadas, havia lacunas. A
autora também já alertava para os mesmos problemas apontados por
Marques (2003) e que, aparentemente, nesses últimos quinze anos ainda
continuam sem solução.
O discurso da melhoria da qualidade do ensino em decorrência das
reformas educativas em curso pode ser facilmente identificado nos
documentos oficiais, nos artigos e entrevistas dos dirigentes educacionais
brasileiros e na publicidade levada ao ar pelos organismos estatais. Verifica-
se, contudo, por meio dos resultados obtidos na pesquisa realizada por
Marin e Giovanni (2007), que esse é um desafio que o Brasil ainda tem pela
frente, porque vivemos momentos de crise, de legitimação e de interesses
políticos sobre a formação de professores no Brasil, os quais perpassam
desde o espaço de formação e a compreensão do que é formar, constituir-se
professor, até as implicações ideológicas, legais e políticas existentes no
contexto da escolarização brasileira.
Dessa forma, questiona-se como tem ocorrido o processo de
formação de novos professores. Como estão sendo preparados para essa
tarefa? Qual o papel do professor formador frente aos problemas e à crise
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enfrentada atualmente no que se refere à profissionalidade e a
profissionalização docente?
É na formação inicial, que se constitui, em bases epistemológicas e
teóricas, a idéia de continuum que, por sua vez, fomenta e produz os
sentidos e explicita os significados ao longo de toda a vida do professor.
Essa formação garante ao mesmo tempo os nexos entre a formação inicial,
a continuada e as experiências vividas. Daí a importância de se refletir sobre
a formação inicial dos professores e principalmente sobre os diferentes
cursos que habilitam para o magistério, em especial os cursos de
Licenciatura, levando-se em conta as problemáticas já apontadas por
Marques (2003) anteriormente.
Charlot (2000), afirma que na educação a ação de ensinar e de
aprender refere-se também às formas de relações que os sujeitos envolvidos
nesse processo estabelecem com o objeto de seu conhecimento, as suas
expectativas, a forma como organizam essa ação.
Sabe-se que é o sujeito que faz o movimento para a busca do saber e
do conhecimento, contudo ele só aprende pela mediação do outro.
Pensando em como a mediação do professor formador pode afetar ou não a
formação dos futuros professores e considerando que a relação com o saber
é uma relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros – nesse caso,
o futuro professor, essa pesquisa visa investigar as relações que os
professores formadores estabelecem com seus saberes profissionais.
Em termos mais específicos, busca-se
apreender os sentidos que os professores dos cursos de
Licenciaturas atribuem à sua disciplina e à profissão docente;
entender como o professor formador concebe o processo de
aprendizagem da docência;
investigar as concepções do professor formador sobre: o
aluno, o professor, o ensinar, o aprender e as práticas
escolares.
Considera-se que as relações que o professor formador estabelece
com seus próprios saberes profissionais (científicos e pedagógicos), assim
como a relação com os pares, estudantes e a própria instituição, podem
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contribuir (ou não) para a mobilização dos sujeitos frente ao
desenvolvimento do seu saber. Os processos formativos a que o futuro
professor é submetido, os saberes que são privilegiados, as estratégias
utilizadas na aprendizagem do futuro professor, os valores e os ideais são
elementos que norteiam o estudo da relação com o saber, pois os saberes
da docência e os sentidos a eles atribuídos são construídos também por
meio de certa relação com esse saber.
Nesses últimos anos, foram realizadas pesquisas em vários países,
como Brasil, França, Tunísia, República Tcheca e Grécia, sobre a relação
com o saber, com foco nos estudantes da Escola Infantil ou Ensino
Fundamental e Médio. Essas pesquisas buscaram elucidar as relações
desses estudantes com o saberes escolares a partir de seu capital cultural e
sua posição social. Além disso, foram realizadas pesquisas focadas na
relação com os saberes de professores que atuam na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Não foram encontradas pesquisas que
discutissem a relação com o saber de professores formadores.
A formação de professores nos cursos de Licenciaturas ainda carece
de reflexão e discussão, principalmente no que diz respeito às relações que
os professores formadores mantêm com os saberes profissionais e seus
reflexos nos processos formativos destinados aos futuros professores.
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CAPÍTULO I – A PROFISSÃO DOCENTE E OS DESAFIOS DA
FORMAÇAO INICIAL DE PROFESSORES
O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações. (FREIRE, 2006, p.36)
Esse capítulo tem por finalidade trazer uma reflexão sobre a formação
dos professores partindo de uma retrospectiva histórica que possa ajudar na
apreensão das relações que os professores formadores estabelecem com
seus saberes profissionais, uma vez que essa relação está vinculada
também, aos processos históricos, sociais e políticos, vivenciados pelas
instituições de formação de professores ou universidades.
Vale ressaltar, no entanto, que não se pretende trazer a totalidade dos
fatos históricos que estão relacionados a formação de professores ou a
criação de universidades, mas deseja-se por meio de alguns fatos históricos
evidenciar como a formação dos professores ainda é negligenciada no
Brasil, bem como é influenciada por alguns modelos e paradigmas
importados de outros países e, que vem por sua vez, afetando a
compreensão de docência no ensino superior e a forma de produção de
saberes e conhecimentos, principalmente no que se refere ao ensino, à
pesquisa e à extensão.
Formação de professores: resgatando elementos do passado para
compreender o presente
Apesar de ouvirmos constantemente que a educação é prioridade
nacional, observamos que essa nunca deixou de ser tratada como apêndice
das políticas econômicas, que privilegiam o interesse das elites. Nesse caso,
não é de se estranhar que nos momentos de crise, setores do governo
acenem à possibilidade de redução de gastos públicos, colocando na
revisão da proposta orçamentária, cortes de verbas destinadas a educação,
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o que revela um descaso, que já é histórico em nosso país, visto que desde
o período da colonização do Brasil, já havia pouca preocupação com a
educação, apesar de sempre ter havido indivíduos ou grupos que se
contrapuseram a isso, inclusive nos momentos de autoritarismo mais atroz.
Os reflexos dessa desvalorização da educação podem ser
identificados por docentes, estudantes e pela própria sociedade de modo
geral, seja no âmbito escolar como também nas universidades, nos centros
universitários, faculdades e/ou institutos de ensino superior, pela forma como
se estabelecem dicotomias e ou hierarquizações entre pesquisa e ensino,
teoria e prática, bacharelado e licenciatura. Além disso, fica explícito em
algumas instituições e em alguns momentos históricos, que os eixos de
produção acadêmica são mediados pela racionalidade tecnoburocrática
subordinada apenas aos interesses de mercado, em vez de elucidar o
desconhecido na perspectiva de universalizar os direitos civis, políticos e
sociais.
Assim, a idéia de universidade ou de formação no ensino superior que
foi construída no decorrer de décadas no Brasil são ―pegadas da história‖,
em que ações foram praticadas, políticas públicas elaboradas, saberes
cristalizados, que por sua vez se desdobraram nas muitas formas de como a
educação ocorreu no Brasil. Por isso, busca-se discorrer sobre algumas
questões históricas que envolvem o processo de implementação do ensino
superior no Brasil, principalmente sobre a pouca valorização atribuída à
educação e à formação de professores.
Já no período colonial brasileiro, quem se ocupava com a educação
dos filhos homens das famílias tradicionais eram os jesuítas, por meio das
escolas de catecismo e, mais tarde, dos colégios criados e mantidos pela
Companhia de Jesus. Nesses colégios, o conteúdo e a didática empregada
seguiam o que estava prescrito no Ratio Studiorum, que consistia em um
código de conduta que recomendava aos professores, por meio da rígida
disciplina, evitar novidades, memorizar conteúdos clássicos e proceder
sempre de forma ordeira e calma.
Os jesuítas eram formados primeiramente para o sacerdócio e depois
para o ensino. Eram padres-professores, que trouxeram para o Brasil o
24
estatuto religioso do catolicismo, como forma de impedir o avanço do
protestantismo. Segundo Possamai (2003, p. 19) ―[...] a estrutura econômica
presente na colonização do Brasil promoveu a importação de hábitos e
modos de vida europeus medievais preservados e reproduzidos pelas ações
educativas dos Jesuítas‖, ou seja, a formação escolástica não permitiu o
desenvolvimento do espírito crítico e científico e segundo a autora era um
ensino alienado e alienante. Na realidade, o que se ambicionava era
controlar todos os aspectos da vida social. A preocupação era com o espírito
expansionista em nome do poder representado pelo Papa e em nome do
poder político representado pela Coroa Portuguesa.
Segundo Bueno (2006), com a expulsão dos jesuítas, ocorreu uma
substituição dos jesuítas por membros de outras ordens religiosas instaladas
no Brasil, por capelães de engenho, padres pertencentes normalmente à
família dos senhores rurais e por alguns poucos mestres-escolas leigos,
nomeados para assumir os lugares vagos. Contudo, esses primeiros
mestres-escolas não tinham grande formação e deles só era exigido que
soubessem ler e escrever com boa letra.
O sistema educacional implantado pelos jesuítas acabou sendo
desmantelado, sem que houvesse na época grande preocupação com os
saberes necessários à docência ou à formação daqueles que exerciam a
profissão docente. Tal situação, porém, alterou-se, de certa forma, com a
permanência da família real ao Brasil, de 1808 até 1822, que passou a
investir no ensino universitário, deixando de lado a escola elementar e a
formação de professores, uma vez que a Coroa objetivava formar pessoas
para atender às necessidades que, naquele momento, eram prementes:
preencher o quadro político e administrativo do país e defender o Império.
Com a independência do Brasil, começam as preocupações com a
formação de professores. Em 1823, numa tentativa de seguir as idéias que
moveram a Revolução Francesa, houve a tentativa de construir um sistema
de educação nacional, o que só se concretizou em 1834, com o Ato
Adicional, que segundo Aranha (1996, p.152), visava:
[...] descentralizar o ensino, atribuindo à Coroa a função de promover e regulamentar o Ensino Superior, enquanto às
25
províncias são destinadas a escola elementar e a secundária. Dessa forma a educação da elite fica a cargo do poder central e a do povo, confiada às províncias.
As províncias, sem condições de organizar um ensino nacional,
segundo Possamai (2003, p. 22), ―fragmentaram o ensino primário e o
secundário, sendo que o primeiro era destinado ao ensino da leitura, escrita
e da matemática, enquanto o ensino secundário era dedicado ao ensino
propedêutico, voltado para o Ensino Superior‖. Essa separação entre as
duas modalidade de ensino causou uma aceleração no processo de
privatização da educação e o descaso com a profissão de professor, como
relata Romanelli (1996, p.40):
O resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário, acabou ficando nas mãos da iniciativa privada e o ensino primário foi relegado ao abandono, com pouquíssimas escolas, sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-escolas que, destituídos de sua habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam na contingência de ensinar.
Assim, parece que desde essa época a profissão do professor não
era valorizada no Brasil. Aparentemente, dessas situações surge a idéia da
profissão docente como sacerdócio, vocação ou missão. Sempre havia
outras prioridades. Os mestres-escola tinham de exercer a profissão sem as
mínimas condições de trabalho e com poucas exigências sobre sua
formação. A precarização da profissão docente já se fazia visível.
O período pombalino foi marcado por muitas dificuldades no campo
educacional, mesmo sendo reconhecidas as vantagens de um ensino
moderno, com base em pensadores e conhecimentos novos. A substituição
do ensino religioso por um ensino denominado laico e sob o controle do
Estado, na prática não trouxe mudanças significativas. De acordo com Veiga
(1996, p.57), a nova organização instituída por Pombal representou
pedagogicamente um retrocesso, pois ―professores leigos começaram a ser
admitidos para as ‗aulas-régias‘ introduzidas pela reforma Pombalina‖.
Entretanto, segundo Nóvoa (1995, p. 17) foi a partir deste período que
se começou a traçar um perfil do professor ideal, já que a educação sendo
controlada pelo Estado devia controlar mais rigorosamente os processos
26
educativos. O Estado tenderia a se preocupar com os processos de
reprodução e de produção. Nas palavras do autor ―o modelo ideal de
professores situa-se a meio caminho entre o funcionalismo e a profissão
liberal‖. Segundo ele:
a intervenção do Estado vai provocar uma homogeneização, bem como uma unificação e uma hierarquização à escala nacional, de todos estes grupos: É o enquadramento estatal que institui os professores, como corpo profissional, e não uma concepção corporativa do oficio (NÓVOA, 1995, p.17).
Após a promulgação do Ato Adicional de 1834, que colocou a
instrução primária sob a responsabilidade das províncias, estas tenderam a
adotar, para a formação dos professores, os ideais que vinham dos países
europeus: a criação de Escolas Normais.
A primeira escola normal brasileira foi criada na Província do Rio de
Janeiro, pela Lei n° 10, de 1835, que determinava:
Haverá na capital da Província uma escola normal para nela se habilitarem as pessoas que se destinarem ao magistério da instrução primária e os professores atualmente existentes que não tiverem adquirido necessária instrução nas escolas de ensino mútuo, na conformidade da Lei de 15/10/1827.
A escola seria regida por um diretor, que exerceria também a função
de professor e contemplaria o seguinte currículo: ler e escrever pelo método
lancasteriano; as quatro operações e proporções; a língua nacional;
elementos de geografia; princípios de moral cristã.
Nos anos que se seguiram à criação da primeira escola normal, a
experiência se repetiu em outras províncias, sendo criadas instituições
semelhantes em várias regiões do Brasil. Segundo autores como Possamai
(2003), Villela (1990), Monarcha (1999), Tanuri (1970), havia características
comuns entre as primeiras escolas normais instaladas no Brasil pois a
organização didática do curso era extremamente simples, apresentando, via
de regra, um ou dois professores para todas as disciplinas e um curso de
dois anos, o que se ampliou ligeiramente até o final do Império.
O currículo era bastante rudimentar, acrescido de uma incipiente
formação pedagógica, limitada a uma única disciplina (Pedagogia ou
27
Métodos de Ensino), de caráter essencialmente prescritivo. Segundo os
autores, a infra-estrutura disponível, tanto no que se refere ao prédio, como
à instalação e equipamento, era objeto de constantes críticas nos
documentos da época.
Nessas condições, tais escolas foram frequentemente fechadas por
falta de alunos ou por descontinuidade administrativa e submetidas a
constantes medidas de criação e extinção, só conseguindo subsistir a partir
dos anos finais do Império. Desta forma, segundo Tanuri (2000, p. 65):
O insucesso das primeiras escolas normais e os poucos resultados por elas produzidos granjearam-lhes tal desprestígio que alguns presidentes de Província e inspetores de Instrução chegaram a rejeitá-las como instrumento para qualificação de pessoal docente, indicando como mais econômico e mais aconselhável o sistema de inspiração austríaca e holandesa dos ―professores adjuntos‖.Tal sistema consistia em empregar aprendizes como auxiliares de professores em exercício, de modo a prepará-los para o desempenho da profissão docente, de maneira estritamente prática, sem qualquer base teórica
Segundo Reis Filho (1981, p. 131), somente na terceira tentativa em
1880, já em plena propaganda republicana, e sob o impulso de seus
militantes é que a Escola Normal do estado de São Paulo. ―[...] passou a
desempenhar um papel de relativa importância na inovação dos processos
de ensino‖ e constituiu-se num foco de idéias republicanas que também
tinham como preocupação a melhor qualificação dos professores para o
ensino primário e secundário e a instalação do ensino público, leigo e
gratuito.
Entre 1932 e 1939, foram organizadas os Institutos de Educação que
foram concebidos, segundo Saviani (2009, p. 145),
[...] como espaços de cultivo da educação encarada não apenas como objeto do ensino, mas também da pesquisa. Nesse âmbito as duas principais iniciativas foram o Instituto de Educação do Distrito Federal concebido, estruturado e implantado por Anísio Teixeira, em 1932, e dirigido por Lourenço Filho; e o Instituto de Educação de São Paulo implantado, em 1933, por Fernando de Azevedo. Ambos, sob inspiração do ideário da Escola Nova.
28
Tanto para o Instituto do Distrito Federal como o de São Paulo o
currículo incluía, já no primeiro ano, segundo Saviani (2009, p. 145), as
disciplinas de biologia educacional; sociologia educacional; psicologia
educacional; história da educação; introdução ao ensino, contemplando três
aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino abrangendo cálculo,
leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e ciências naturais; c)
prática de ensino, realizada mediante a observação, a experimentação e a
participação. Além disso,
[...] como suporte ao caráter prático do processo formativo, a Escola de Professores contava com uma estrutura de apoio que envolvia: a) Jardim de Infância, Escola Primária e Escola Secundária, que funcionavam como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino; b) Instituto de Pesquisas Educacionais; c) Biblioteca Central de Educação; d) Bibliotecas escolares; e) Filmoteca; f) Museus Escolares; g) Radiodifusão‖ (SAVIANI 2009, P. 145).
Os Institutos de Educação foram pensados e organizados de maneira
que pudessem incorporar um conhecimento de caráter científico, buscavam
consolidar um modelo pedagógico de formação docente, que ―[...] permitisse
corrigir as insuficiências e distorções das velhas escolas normais‖. (TANURI,
2000, p.72).
Outra medida importante nesta história do ensino publico no país foi a
criação da Lei Orgânica das Escolas Normais de 1946, que caracterizava-se
pela centralização e pouca flexibilização uma vez que sua estrutura e sua
organização foram impostos a todo o território brasileiro apesar das enormes
diferenças regionais. Além de dar ao futuro professor uma formação geral,
humana e enciclopedística, essas escolas tinham também o objetivo de
formar administradores escolares e preparar o professor para a educação
infantil. O currículo dava mais ênfase às disciplinas pedagógicas do que a
aquelas de formação geral, inclusive português e matemática. Os críticos
dessa época costumavam dizer que os normalistas aprendiam como
ensinar, mas ignoravam o que ensinar.
29
De 1939 a 1971, os institutos de educação do Distrito Federal e de
São Paulo são transformados em instituições de nível universitário, conforme
explica Saviani (2006, p. 6 -7):
Os Institutos de Educação do Distrito Federal e de São Paulo foram ambos elevados ao nível universitário, tornando-se a base dos estudos superiores de educação: o Instituto de Educação Paulista foi incorporado à Universidade de São Paulo, fundada em 1934 e o Instituto de Educação do Rio de Janeiro foi incorporado à Universidade do Distrito Federal, criada em 1935. E foi sobre essa base que se organizaram os Cursos de Formação de Professores para as escolas secundárias, generalizados para todo o país a partir do Decreto-Lei n. l.190, de 04 de abril de 1939 que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Sendo esta instituição considerada referência para as demais escolas de nível superior, o paradigma resultante do Decreto-Lei se estendeu para todo o país compondo o modelo que ficou conhecido como ―esquema 3+1‖ adotado na organização dos Cursos de Licenciatura e de Pedagogia.
Foi dessas faculdades que saíram os professores que eram
escolhidos com base em seu bom desempenho como alunos de Licenciatura
específica. Possamai (2003, p. 38) informa que, nessa época, eram
―contratados professores de outros países para disciplinas técnicas e para
as disciplinas didático-pedagógicas arrebanhava-se o que se tinha nas
proximidades‖. Tal fato nos alerta para a valorização excessiva das
disciplinas específicas, enquanto as disciplinas de cunho didático-
pedagógico foram deixadas em segundo plano.
No período entre 1930 a 1954, segundo Veiga (1996, p. 31), a
educação é ―marcada pelo equilíbrio entre as influências da concepção
humanista tradicional (representada pelos católicos) e humanista moderna
(representada pelos pioneiros)‖. Na concepção humanista moderna ―há
predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico,‖ o que caracterizou o
escolanovismo, que defende os princípios democráticos, afirma a autora,
―[...] no entanto, isso é feito em uma sociedade dividida em classes, onde
são evidentes as diferenças entre o dominador e as classes subalternas‖.
Os pioneiros eram favoráveis a uma educação pública, gratuita,
obrigatória, laica e mista. Isto quer dizer que o Estado deveria se
30
responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era,
a princípio, atribuída à família.
Entre o começo e o final da década de 1950, são constantes os temas
como a industrialização, a escola, a democracia e a sociedade brasileira,
pensando numa civilização em mudança para a qual havia necessidade de
formação de hábitos e disposições democráticas. Para tanto era preciso, por
meio dos processos educativos, formar o homem consciente e crítico.
Movido por tais preocupações, ao final da década de 1960, Paulo
Freire, questionava-se sobre o porquê de não ter vingado ainda o espírito
democrático no homem brasileiro. Paulo Freire acreditava que era preciso
aumentar o grau de consciência do povo, para que esse pudesse dar conta
dos problemas de seu tempo e espaço, idéia essa que ganha o
reconhecimento de vários educadores.
De acordo com Libâneo (2005), Paulo Freire apresenta sua proposta
de reflexividade, assentada no processo da ação-reflexão-ação, que também
visa à formação da consciência política. Paulo Freire vem abrir caminhos ao
diálogo educador-educandos, criando assim oportunidades de análises
críticas em torno da realidade.
No entanto, logo que ocorreu a entrada dos militares no poder, houve
um silenciamento de tal proposta, pois o que se desejava era aumentar a
velocidade do avanço tecnológico do país, ao mesmo tempo em que se
reprimia toda e qualquer iniciativa de contestação ao militarismo. No que se
refere ao âmbito educacional, as vozes dos alunos e dos professores foram
silenciadas, ocorrendo simultaneamente um processo de privatização do
ensino como resultado da desestruturação do sistema.
No Ensino Superior, proliferaram as universidades particulares,
freqüentadas por uma quantidade razoável de estudantes de classes sociais
de baixa renda, recebendo um ensino inferior ao oferecido nas instituições
mantidas pelo governo, que, segundo Possamai (2003), conseguiram manter
uma boa performance até os decretos-lei de 1966-67, apesar do retrocesso
do regime militar.
As décadas de 1960 e 1970 do século XX foram marcadas pela
articulação da tendência tecnicista (assumida pelo grupo militar) e
tecnocrata. A ditadura militar como um movimento político retrógrado e
31
autoritário veiculava ideologias do regime face à degradação de ideais
comunistas mostrados como ameaça para a saúde do Estado e da ordem
pública.
O conceito de modernização passara a caracterizar os processos de
transição que os países e nações consideradas ―atrasados‖, ou
―subdesenvolvidos‖, deveriam alcançar, atingindo os níveis de renda,
educação e produtividade tecnológica característicos dos países
industrializados. Assim, ocorreu o processo de modernização conservadora,
marcado por acelerados progressos da tecnologia e da economia, em
detrimento das esferas política e social. Priorizou-se principalmente, a
consolidação dos mercados de massa e a sofisticação do consumo que por
sua vez acelerariam o progresso da tecnologia e da economia.
A educação escolar passou a ser estruturada em função do mundo
empresarial (da mercadoria e do lucro), sobretudo, durante os anos 1960,
período marcado pelo empenho estatal em sistematizar a educação, por
meio de medidas como as promulgações da primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 4024/61 e de suas sucessoras, a Lei
5540/68 do Ensino Superior e a Lei 5692/71 para o Ensino Básico.
As políticas educacionais adotadas eram vinculadas aos objetivos
explícitos de desenvolvimento econômico, com acentuada valorização da
qualificação de mão-de-obra e formação de consumidores, que por sua vez
serviam de elemento disciplinador da sociedade brasileira.
. Com relação a esses aspectos Marques (2003, p.18), afirma que
ocorreu um ―processo de empobrecimento e degradação institucional e as
Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras se multiplicaram à margem da
dinâmica universitária, como escolas normais para formação de professores
secundários‖. Transformaram-se em centros de transmissão escolástica de
conhecimentos, sem nenhuma ou pouca relação com a pesquisa ou ligados
aos padrões de ensino considerados modernos.
Na década de 1980, surgiram movimentos de âmbito nacional em que
os professores buscavam a afirmação profissional, considerando-se
trabalhadores da educação, defendiam melhores condições de trabalho e de
salários, bem como a gestão democrática da escola de qualidade para
32
todos. Essas questões, segundo Pereira (2006), continuam bastante
presente nas discussões atuais.
Na década de 1990, por meio do ―[...] ideário neoliberal surgiram
mudanças na educação influenciadas pelo movimento instaurado
mundialmente pela UNESCO e pelo BIRD/Banco Mundial, bem como pelo
Fundo Monetário Internacional‖ (PIETRI, 2005, p. 42). No Brasil houve
reflexos desse movimento que resultou na concretização do Plano Decenal
de Educação para Todos e nas reformas que levaram à formulação das
Diretrizes Curriculares e dos Parâmetros Curriculares Nacionais e na
implantação do sistema de avaliações dos diversos níveis do ensino, como
o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Exame Nacional de Cursos
(ENC-provão) etc.
Para Pietri (2005 p. 43), os sistemas de avaliações, podem constituir,
em alguns casos e em algumas instituições, um ―novo liberalismo‖ político
que coloca o ensino, ―[...] a serviço das competências e habilidades, a fim de
que os indivíduos se adaptem à sociedade e às vicissitudes do mundo do
trabalho e estejam aptos a competir no interior da lógica do mercado,
fundamentada na exacerbação do individualismo‖.
Segundo Freitas (2003, 1108), a discussão sobre as habilidades e
competências escolares enfatiza excessivamente o que acontece em sala de
aula em termos de transmissão de conteúdos e a ação do professor, ―[...]
dando margem para definição de políticas educacionais baseadas
exclusivamente na qualidade da instrução e do conteúdo‖. Afirma ainda a
autora que:
A lógica das competências individuais passa a conformar as subjetividades, via formação de professores, e a educação das novas gerações. A fim de inseri-las desde a mais tenra idade na lógica da competitividade, da adaptação individual aos processos sociais e ao desenvolvimento de suas competências para empregabilidade ou laboralidade. É este processo de regulação do trabalho, de habilidades, atitudes, modelos didáticos e capacidades dos professores, que vem orientando as diferentes ações no campo da formação. (FREITAS, 2003, p. 1109).
A lógica das competências, prossegue Freitas (2003), induz à
responsabilização individual pelo aprimoramento profissional, o que afasta
33
os professores de sua categoria profissional como corpo coletivo e, em
conseqüência fragiliza suas organizações.
Pode-se dizer que, apesar do aumento significativo dos debates em
torno da formação de educadores, é inegável a existência da crise
educacional brasileira. Segundo Gadotti (1987), a educação, a partir da
década de 1980, vive um período de deteriorização, como conseqüência da
política orientada para tecnoburocracia a serviço do estado burguês, que
não quer investir na qualidade, já que o lucro vem da quantidade e não da
qualidade.
Segundo Pereira (2006), nesses últimos anos, foram oferecidos
muitos cursos de Licenciaturas em faculdades isoladas, bem como foi dada
a permissão do exercício profissional para pessoas não habilitadas. Isso
vem ocorrendo por conta da expansão da rede de ensino, cujo número de
vagas e de matrículas nas escolas não vêm acompanhado, segundo o autor,
de investimentos correspondentes por parte do governo na área
educacional. Nesse contexto, o professor vem sendo paulatinamente
desvalorizado e até criticado no que tange ao seu fazer docente.
A docência no ensino superior: os modelos e paradigmas que orientam
a atividade dos professores nas universidades
Muitos temas polarizam as atenções dos pesquisadores, com relação
a docência no ensino superior no Brasil, no entanto, ainda há poucos
estudos sobre a atividade docente do professor universitário e sobre as
condições em que esses profissionais ingressaram e passaram a atuar na
vida acadêmica.
Além das questões que dizem respeito aos saberes pedagógicos e
epistemológicos mobilizados na docência, há muitas outras questões no
interior das universidades e instituições de ensino superior, principalmente
porque temos no Brasil uma gama de classificações institucionais1 em
1 A configuração da educação superior do Sistema Federal de Ensino Brasileiro,
estabelecida a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, apresenta sucessivo decretos que classificam as instituições
34
relação a esse nível de ensino, o que revela por sua vez, mais uma tensão
no bojo dessas instituições, principalmente no que diz respeito a três das
suas funções básicas: ensino, pesquisa e extensão.
Esse tem se configurado um campo de ação complexo, multifacetado,
que depende de inúmeras variáveis, a começar pelo reconhecimento da
docência no ensino superior enquanto profissão. Torna-se necessário
compreender o momento de mudanças pelo qual passa a educação
brasileira e, em especial, a reforma universitária, que se fundamenta na
reestruturação do mundo do trabalho e na legitimação das políticas
neoliberais, que inegavelmente têm reflexos na docência universitária.
Diante dessa conjuntura, é preciso considerar que as reformas universitárias
são mais que reformas pragmáticas2, são sim, paradigmáticas3, que
deveriam por sua vez aguçar nossa aptidão para organizar melhor as formas
de aquisição do conhecimento ou de formação dos estudantes. Como afirma
Morin, (1999, p. 15)
Uma reforma da Universidade suscita um paradoxo: não se pode reformar a instituição (as estruturas universitárias), se anteriormente as mentes não forem reformadas; mas se pode reformar as mentes se a instituição não for
desse nível de ensino, a saber: Decreto nº 2.207/97 Art. 4º I – universidades; II centros universitários; III faculdades integradas; IV faculdades; V institutos superiores ou escolas superiores. Decreto nº 3.860/01 Art. 7º - I universidades; II centros universitários; III faculdades integradas, faculdades institutos ou escolas superiores. 2 Pragmatismo - empregado inicalmente por William James, em 1898. Para ele o
Pragmatismo aborda o conceito de que o sentido de tudo está na utilidade - ou efeito prático - que qualquer ato, objeto ou proposição possa ser capaz de gerar. Uma pessoa pragmatista vive pela lógica de que as ideias e atos de qualquer pessoa somente são verdadeiros se servem à solução imediata de seus problemas. ( RUSS, 1994, P.225). 3Paradigma – Segundo Khun a palavra paradigma pode ser entendida como uma
concepção de mundo: pretende sugerir que "certos exemplos da prática científica atual - tanto na teoria quanto na aplicação - estão ligados a modelos conceptuais de mundo dos quais surgem certas tradições de pesquisa". Em outras palavras, uma visão de realidade atrelada a uma estrutura teórica a priorística, aceita, estabelece uma forma de compreender e interpretar intelectualmente o mundo segundo os princípios constantes do paradigma em vigor. (KHUN, 1996, p. 121). Para Kuhn (1962) o paradigma é como um veículo para a teoria científica. Ele informa ao cientista que entidades a natureza contém ou não contém, bem como as maneiras segundo as quais essas entidades se comportam. Estas informações fornecem o mapa cujos detalhes serão elucidados pela pesquisa científica amadurecida. Para Zeichner (1993, p. 3), em relação a formação docente, esse termo remete a ―uma matriz de crenças e concepções sobre a natureza e o propósito da educação escolar e da prática docente e, conseqüentemente, sobre as maneiras como deve ser educado o professor, modelando formas específicas de práticas na formação desse profissional‖.
35
previamente reformada.
Entende-se que diante das reformas é necessário que se discuta os
modelos, os paradigmas, ou as formas de pensar das pessoas que estão
envolvidas nesses processos, pois tal contextualização ajuda a situar os
sujeitos.
Com relação a finalidade da universidade ou do ensino superior,
possivelmente nos deparamos com outro desafio que também está
relacionado com os paradigmas ou modelos que afloram culturalmente no
interior dessas instituições. Parece não haver um consenso entre aqueles
que discutem essa temática, como afirma Belloni (1992, p. 71), ―[...] apesar
de existir por vários séculos e em países profundamente distintos entre si,
não há um conceito único e universalmente válido de universidade, nem
suas funções são as mesmas em tempos e em espaços diferentes‖. Pode-se
dizer que há convergência de opiniões de que o lugar ocupado por estas
instituições na sociedade se insere no campo da geração e divulgação do
saber. Todavia, não há unanimidade quando se trata de discutir o conjunto
de funções de que essa se vale para cumprir seus objetivos.
Historicamente, as universidades vêm recebendo várias influências,
que se traduzem em concepções, idéias, ações, que são desenvolvidas no
âmbito da instituição e também na sala de aula pelos professores e, que
geram vários desafios relacionados à organicidade dessas instituições, bem
como aos três grandes processos que permeiam a atividade nesse nível de
ensino: processos de transmissão e apropriação do saber historicamente
sistematizado, que relacionam-se com as questões do ensino; processos de
construção do saber, ligados à Idéia de pesquisa; e processos de
objetivação ou materialização desses conhecimentos, que pressupõem por
sua vez, a intervenção sobre a realidade.
Aparentemente todos esses processos converteram-se em tensões
entre as instituições de ensino superior em geral, justamente por conta dos
sucessivos decretos que regulamentam a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996, relativos ao ensino superior no Brasil4.
4Decreto nº 3.860/01 – estipula que somente as universidades poderão desenvolver
atividades de ensino, pesquisa e extensão, atendendo os artigos 52, 53 e 54 da Lei 9.394,
36
Principalmente o decreto de nº 3.860/01 abre uma discussão sobre a
indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão como
funções básicas das universidades, criando, por sua vez, um certo
desconforto no que se refere também aos objetivos ou funções básicas dos
estabelecimentos não universitários, isolados e voltados muitas vezes, a
modelos e racionalidades que pouco contribuem para a formação dos seus
estudantes. Com relação a isso, Claudio Moura e Castro, afirma que esse
decreto divide o ensino superior e sugere que as universidades plenamente
constituídas estão voltadas para as elites, pois a presença da pesquisa se
configura como critério diferenciador em relação a outras funções5.
Ao se transitar pelas bibliografias e pesquisas sobre a docência no
ensino superior constata-se que a universidade no Brasil segue alguns
modelos, ou idéias importados de outros países tais como a França, a
Alemanha e Estados Unidos. Isto sugere que os processos desenvolvidos no
interior dessas instituições estão alavancados em princípios que pouco têm
a ver com a realidade brasileira, mas que, conseqüentemente, vão
influenciando o contexto da vida profissional dos professores, as relações
entre ensino e pesquisa, os currículos e os posicionamentos dos sujeitos
envolvidos nesses processos.
Considerando que a universidade é a principal instituição de produção
e distribuição do conhecimento, como também, o lugar de reprodução dos
modos de fazer ciência, cabe nesse momento, refletir sobre a formação
acadêmica no interior dessas instituições uma vez que tal formação não se
faz com um único conteúdo, mas com a integração de vários conhecimentos.
A responsabilidade do docente por cada disciplina do currículo não se limita
ao cumprimento do plano de ensino, mas compreende também o
compromisso com a construção de conhecimento e com a aprendizagem
significativa dos seus estudantes.
de 1996. Sendo que com relação as outras instituições não consta dos decretos a obrigatoriedade de desenvolverem tais atividades. 5 Folha de São Paulo, 2 set. 1996, Caderno 3, p. 10.
37
Os modelos que estruturam a universidade brasileira
A maior parte da literatura referente a fundação das universidades
no Brasil revela a grande influênciarecebida do modelo francês que na
primeira metade do século XIX apresentava uma grande singularidade em
relação a todos os outros países europeus: há que considerar-se que
Napoleão abolira as universidades pela Convenção do dia 15 de setembro
de 1793. A partir deste ato, as universidades eram mal vistas pelos
revolucionários franceses devido ao espírito corporativo - quase medieval -
nelas existente e à ênfase na cultura clássica, que impedia a entrada das
ciências experimentais e do enciclopedismo.
Em síntese: a universidade francesa era vista como um aparelho
ideológico do Antigo Regime. Nesse sentido, a primeira e principal idéia
adotada para o ensino superior brasileiro, desde a chegada da Corte
portuguesa ao Rio de Janeiro, foi a recusa da criação de uma universidade,
preferindo a fundação de faculdades isoladas. Essa posição foi assumida
por muitos governantes brasileiros, fazendo com que a Assembléia Geral
Legislativa deixasse de aprovar 42 projetos de criação de universidades no
período imperial. (CUNHA, 1986, p. 137). A universidade francesa, sob esta
ótica seguia um modelo anti-universitário, com características
profissionalizantes.
No modelo francês, o essencial era a busca do domínio e o controle
da natureza e da sociedade, via ciência, que é o fio condutor na busca
interessada do conhecimento a serviço do desenvolvimento e do progresso.
O domínio do conhecimento significa poder, que gera controle dos
processos naturais e sociais. Segundo Anastasiou (1998, p. 117), ―[...]
ciência é julgada pelos seus resultados e por sua eficácia‖. Nesse caso,
segundo a autora, a ciência está ligada a metas da sociedade representada
pelo Estado, qualquer que seja sua forma de constituição. Existe assim, uma
dependência do Estado, incluindo financiamentos e nomeações das
autoridades universitárias.
A universidade napoleônica não se preocupava com a pesquisa
científica, mas havia, segundo Anastasiou (1998), a preocupação com a
38
preparação dos quadros superiores do país: médicos, juristas, professores,
engenheiros, técnicos de nível superior. Nesse caso a universidade educa
para assegurar, segundo a autora, o desenvolvimento e a sobrevivência do
Estado e da sociedade civil.
A autora explica que do ponto de vista metodológico, o ensino era
predominantemente centrado no professor repassador e no estudo das
obras clássicas de cada época, e de cada especificidade profissional, onde
destacava-se o papel da memorização do conteúdo pelo aluno. A avaliação
era essencialmente classificatória, decorrente das decisões dos professores,
revelando uma relação professor/ aluno extremamente autoritária. Havia
predominância de aulas expositivas, sem compartilhamento de situações de
aprendizagem ou pesquisas conjuntas, o que deixava uma série de lacunas
na relação teoria e prática. Havia ainda a preocupação com o cumprimento
do programa, por meio das aulas régias.
Além da influênciafrancesa é preciso considerar as influencias que a
universidade brasileira recebe do modelo alemão ou humboldtiano, que
valorizava a ciência e a auto-investigação empírico-indutiva. Neste modelo, a
ênfase estava na pesquisa, na produção do conhecimento como forma de
responder aos problemas nacionais, na busca da verdade, respaldados num
processo de reflexão filosófica, que ia além do utilitarismo ou da
profissionalização que vinham sendo realizados pelos institutos que seguiam
o modelo francês. O modelo humboldtiano tinha uma preocupação com a
pesquisa e com a unidade entre ensino e investigação científica, ênfase na
formação geral e humanista, ao invés da formação meramente profissional.
Court ( 1976, p. 216), explica que
[...] a docência nesse modelo é uma atividade livre, uma associação cooperativa entre professores e alunos, sem que ambos se submetam a um plano feito de antemão visando a profissionalização sob um currículo pré- determinado. Não se estabelece uma forma exterior de controle aos professores e alunos.
O professor não existia para o aluno, mas ambos para a ciência.
Diferenciava-se do modelo francês em que a docência buscava a obtenção
de um título reconhecido pelo Estado, que exigia por sua vez um plano de
39
estudos detalhado, o que levava a uma regulamentação uniforme a que
estavam submetidos os docentes e os discentes.
No modelo alemão a pesquisa se tornou característica básica da
escola superior, ficando a transmissão do saber acumulado como
decorrência natural. Como afirma Anastasiou (1998), o foco não era o
ensino, mas a livre pesquisa, o que caracteriza:
[...] uma universidade elitista, assegurando uma relação seletiva do ponto de vista social quanto intelectual. Ao adentrar na universidade o estudante já portava sólida formação básica, tanto do ponto de vista humanístico quanto científico, o que lhe possibilitava um trabalho intelectual independente, assim como maturidade para orientar-se por conta própria nos seminários, onde o professor elaborava sua própria doutrina. (ANASTASIOU, 1998, p. 124)
Com relação a esse aspecto, Paula (2002) afirma que apesar das
diferenças existentes entre a concepção francesa e a alemã, havia em
ambas uma preocupação com a questão nacional, ou seja, com a afirmação
da nacionalidade. No primeiro caso, esta preocupação conduziu a uma visão
mais pragmática de universidade, voltada para os problemas emergentes de
ordem econômica, política e social, numa forma autoritária (de grande
centralização e controle estatais). No modelo alemão, a preocupação com a
constituição da nacionalidade se deu numa vertente mais liberal-elitista, com
maior autonomia da universidade diante do Estado, desembocando numa
concepção mais idealista e acadêmica.
Segundo essa mesma autora, a concepção alemã passou por várias
transformações e desvios ao longo da história, dentre os quais destaca-se a
diminuição da autonomia e da liberdade acadêmica, com conseqüente
vínculo dos intelectuais à política estatal, e uma guinada em direção ao
pragmatismo, sob influência do modelo norte-americano de universidade.
A concepção norte-americana influenciou não apenas as
universidades européias, como a alemã, mas também as universidades
latino-americanas, como as brasileiras. No Brasil, esta concepção foi
difundida a partir da Reforma Universitária de 1968, atingindo a estrutura
organizacional e as finalidades das universidades. Paula (2002) afirma que,
40
a Lei 5540, responsável pela Reforma de 1968, incorporou várias
características da concepção universitária norte-americana, dentre as quais
se destacam:
vínculo linear entre educação e desenvolvimento econômico, entre
educação e mercado de trabalho;
estímulo às parcerias entre universidade e setor produtivo;
instituição do vestibular unificado, do ciclo básico ou primeiro ciclo
geral, dos cursos de curta duração, do regime de créditos e matrícula
por disciplinas, todas estas medidas visando uma maior
racionalização para as universidades;
fim da cátedra e incorporação do sistema departamental;
criação da carreira docente aberta e do regime de dedicação
exclusiva;
expansão do ensino superior, através da ampliação do número de
vagas nas universidades públicas e da proliferação de instituições
privadas, o que provocou uma massificação desse nível de ensino;
a idéia moderna de extensão universitária;
ênfase nas dimensões técnica e administrativa do processo de
reformulação da educação superior, no sentido da despolitização da
mesma. (PAULA, 2002)
No modelo norte-americano, a instituição universitária procura
associar estreitamente os aspectos ideais (ensino e pesquisa) aos funcionais
(serviços), estruturando-se de tal maneira, que possa ajustar-se às
necessidades da massificação da educação superior e da sociedade de
consumo. Ao adotar a forma empresarial, boa parte das universidades
procura atender aos interesses imediatos do setor produtivo, do Estado e da
sociedade, produzindo especialistas, conhecimento tecnológico e aplicado,
pesquisas de interesse utilitário, assim como serviços de uma maneira geral.
O ideal da concepção alemã de universidade, voltada para a formação
humanista, integral e ―desinteressada‖ do homem, tendo como base uma
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, é crescentemente substituído pela
racionalização instrumental e pela fragmentação do trabalho intelectual.
41
Observa-se assim, que os problemas do ensino superior brasileiro
estão relacionados, sem dúvida alguma, às questões históricas que vêm
gradativamente alterando seus princípios éticos, políticos, bem como sua
dimensão didático-pedagógica. Todos, por sua vez, estão essencialmente
ligados às questões financeiras e gerenciais, tal como ocorre em tantas
outras sociedades cujos governos copiaram suas instituições educacionais
do exterior.
É consenso entre os muitos pesquisadores brasileiros, que não existe
um conteúdo cultural próprio, apesar das leis, normas e regulamentos que
são baixados periodicamente para reger as instituições educacionais.
Observa-se também, que o ensinar e o aprender, e as formas de se produzir
conhecimentos no ensino superior conservam, em sua estrutura atual,
elementos advindos desses modelos historicamente construídos e porque
não afirmar, impostos. Com relação a isso, pode-se afirmar que houve de
um lado contribuições importantes, mas por outro, a organização do
conhecimento acadêmico se tornou refém de seus próprios princípios que de
certa forma definiram a construção dos currículos e as práticas em sala de
aula.
É justamente nesse processo de construção dos currículos e das
práticas docentes, que surgem os entraves relacionados à indissociabilidade
entre o ensino, pesquisa e extensão como tarefa embrionária do ensino
superior. É possível que muitos dos problemas que vêm ocorrendo em
relação a atuação dos professores no âmbito universitário resida na visão
fragmentada e instrumental do trabalho intelectual adotado dos modelos
importados que influenciaram o ensino superior brasileiro especialmente,
nessas últimas décadas, em especial o do modelo norte-americano, que é
explicitado, por uma visão dicotômica, taylorista, que converte o ensino, a
pesquisa e a extensão, em atividades em si mesmas.
Paradigmas contemporâneos na formação docente
Ao longo dos capítulos anteriores, buscou-se apresentar os modelos
presentes nas universidades e instituições de ensino superior, tentando
42
estabelecer uma relação entre esses modelos e as formas que os processos
e formação docente vão tomando no decorrer da historia, principalmente
sobre as imbricações existentes, na relação entre as políticas públicas e as
instituições, entre os modelos universitários existentes e a implantação e
manutenção dessas instituições.
Dessa forma, concorda-se com Morin (2000, p.81-82), quando esse
afirma que, ―[...] a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma
herança cultural de saberes, idéias e valores que acaba por ter um efeito
regenerador, porque a universidade se incumbe de reexaminá-la, atualizá-la
e transmiti-la‖. Por isso, a universidade é segundo o autor ―[...] conservadora,
regeneradora e geradora‖. Tendo assim, ―[...] uma função que vai do
passado ao futuro por intermédio do presente‖.
Pode-se dizer que no que se refere a formação docente, as
instituições conservam e transformam a realidade. Entende-se que há ainda
um espaço considerável para reflexões que tenham seu foco na formação de
professores, visto que essa questão é constituída por especificidades, como
a história da profissão e da educação no Brasil. Considera-se que a menor
variação de organização nas políticas públicas, no currículo institucional ou
na política econômica do país, interfere ou influênciaas tendências e/ou
concepções de formação de profissionais não só da área da educação, mas
também de outras formações.
Segundo Pimenta (2005), as distintas perspectivas, avanços e
tentativas de inovação que se encontram nos diferentes cursos de
licenciaturas no Brasil, muitas vezes, remetem-nos à possibilidade, mesmo
que estranhamente à nossa vontade, de repetirmos experiências já
superadas ou pior, incorrermos em deslizes que podem representar entraves
ao avanço e desenvolvimento da área.
As instituições de ensino superior, além dos modelos já descritos até
agora, defrontam-se com propostas curriculares para a formação de
professores, embasadas em diferentes paradigmas que se fundamentam
segundo Pereira (2007), ora na racionalidade técnica, ora no modelo de
racionalidade prática ou no modelo de racionalidade crítica.
Numa rápida revisão desses modelos de formação, pode-se observar
que essas dimensões compõem tanto os currículos de formação de
43
professores quanto a própria constituição da profissionalidade dos
professores formadores, uma vez que sua atividade docente vincula-se as
suas experiências enquanto sujeito que, ao longo de sua trajetória
educacional e profissional sofre influências das formas de organização e da
lógica da instituição onde atua. A própria representação da docência no
ensino superior, assume traços que contribuem para a configuração da
profissionalidade do professor.
Assim, segundo Pereira (2007, p. 255), o modelo da racionalidade
técnica está relacionado com ―[...] o modelo de treinamento de habilidades
comportamental, no qual o objetivo é treinar professores para
desenvolverem habilidades específicas e observáveis‖. O autor salienta
ainda que o modelo leva à idéia de transmissão de conteúdo científico e
pedagógico, geralmente ignorando as habilidades da prática de ensino.
O modelo da racionalidade técnica segundo Santos (2007), é uma
herança do positivismo, que traz a idéia de que o desenvolvimento humano
se dá em decorrência do desenvolvimento científico, no sentido de criar
tecnologias para o bem estar da humanidade. A concepção positivista,
segundo Cunha (2006) foi responsável pela consolidação dos paradigmas
científicos ainda atuais, que de um lado trouxeram contribuições importantes
para a sociedade, e de outro lado tornaram a organização do conhecimento
acadêmico refém de seus princípios, ou seja, a comunidade científica
envolveu-se segundo a autora, ―[...] numa capa de neutralidade, como se o
seu fazer estivesse livre de interesses e despojado de vaidades‖ (CUNHA,
2006, p.20).
Com relação a essa concepção, Santos (2007, p. 238), aponta limites,
tais como a complexidade dos fenômenos na atualidade, repleta de
incertezas, instabilidades, singularidades e conflito de valores que colocam a
racionalidade técnica em xeque. Segundo a autora,
[...] na prática, os problemas não se apresentam já definidos ou dados ao profissional. A problematização da realidade vai depender do quadro de referências políticas e filosóficas do profissional que envolve a sua tomada de decisões no que se refere aos fins e os meios para atingi-los.
44
Nem sempre isso se processa de forma simples, justamente por conta
das contradições que estão presentes no complexo contexto atual que entra
em choque com a valorização acirrada da especialidade. Santos (2007,
p.238), afirma ainda que ―[...] é preciso considerar a característica da prática
profissional, que é desenvolver uma série de ações que as pessoas não
sabem descrever com precisão‖. Isso evidencia que existem saberes que se
constituem no fazer. Com relação a isso, ainda Santos (2007,p. 238) afirma
que, muitas vezes a rotina e a repetição fazem o conhecimento prático se
tornar tão espontâneo que os profissionais não refletem sobre o que estão
fazendo.
Quando se trata do modelo da racionalidade prática a referência é
Donald Schön (2000), que valoriza a prática profissional como momento de
construção de conhecimento, o qual exige reflexão, análise e
problematização. Para o autor, a atuação do professor implica o
conhecimento prático (conhecimento na ação, saber-fazer); a reflexão-na-
ação (a transformação do conhecimento prático em ação); e uma reflexão-
sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação (que é o nível reflexivo).
Segundo Contreras (2002, p. 114), as concepções de Schön, não são
novas no campo da educação, pois Stenhouse havia defendido tal idéia.
Contreras explica que Stenhouse concebe o ensino como arte, visto que
significa a expressão de certos valores e de determinada busca que se
realiza na própria prática do ensino. Para Stenhouse os docentes são como
artistas que melhoram a arte, experimentando e examinando-a criticamente.
Compara a busca e experimentação de um professor com a que realiza por
exemplo, um músico tentando extrair o que há de valioso em uma partitura
ao tentar experimentá-la, pesquisando possibilidades, examinando efeitos,
até encontrar o que para ele expressa seu autêntico sentido musical.
Surgiram críticas de pesquisadores do mundo inteiro, inclusive do
Brasil, sobre o conceito do professor como profissional reflexivo, inspirado
nas idéias de Schön. A principal crítica é que o autor concebe a reflexão
como processo psicológico individual.
Os que se contrapõem a perspectiva de Schön argumentam que é
necessário criar espaços e condições de formação que possibilitem ao
professor pensar, questionar, refletir sobre as questões do cotidiano, agindo
45
sobre elas de forma coletiva. Essa formação deve ser vista como um
processo permanente integrado ao dia-a-dia dos professores – considerados
como protagonistas ativos nas diversas fases do processo de formação.
Associada a essa concepção, segundo Contreras (2002), surge a de
professor como pesquisador, que tem como foco principal a prática da
pesquisa enquanto expressão de determinados ideais educativos.
O terceiro modelo de formação de professores destacado por Pereira
(2007), é o da racionalidade crítica, que concebe o professor como
intelectual crítico, e visa a compreensão dos fatores sociais e institucionais
que condicionam a prática educativa. Segundo Contreras (2002), o
intelectual crítico está preocupado em potencializar aspectos da sua prática
que conservam uma possibilidade de ação educativamente valiosa e que
leve a uma situação de oposição ou de resistência a grande parte dos
discursos ideológicos e demagógicos que permeiam o sistema escolar.
No modelo da racionalidade crítica, o professor deve levantar os
problemas que emergem dos sistemas escolares de forma dialógica e
crítica, diferentemente do modelo técnico que tem uma concepção
instrumental de tais problemas e do modelo prático/ reflexivo que tem uma
perspectiva mais interpretativa. Ocorre, segundo Pereira et al (2007), que no
modelo crítico há uma perspectiva mais política, social e cultural, que nos
outros dois modelos. A educação tem como função principal, a formação do
homem, sem contudo, desvinculá-lo do contexto em que está inserido. Do
ponto de vista da interação professor-aluno, o modelo crítico propõe uma
relação próxima, positiva, amigável, ultrapassando o enfoque tecnicista, bem
como a concepção tradicional.
Na perspectiva crítica é possível vislumbrar dois princípios
organizacionais e de funcionamento: a convicção de que os espaços
institucionais devem ser democraticamente constituídos, por expressarem e
contemplarem a diversidade e a pluralidade de pensamento, e também
devem ser espaços legítimos para efetivar o processo educativo de
qualidade, resultado da participação dos sujeitos nos processos decisórios, o
que se traduz no fortalecimento de práticas colegiadas
Santos (2007, p 251), afirma que apesar da grande ―[...] popularidade
no meio acadêmico da chamada tendência crítica, esta tem exercido
46
pequena influência na prática cotidiana das escolas‖. Segundo Nóvoa
(1995), tal tendência tem sido difícil de implementar no processo de
formação inicial docente. Parece existir uma tensão entre o medo e a
coragem de romper com as convicções construídas com base nas
experiências vivenciadas pelos professores formadores, o que gera
dualidades entre objetividade/subjetividade,processo/produto, razão/intuição,
teoria e prática.
Daí também as visões dicotômicas que existem entre a formação de
bacharéis e licenciandos, entre ensinar e aprender. Desconsidera-se nesses
casos que toda a ação humana pressupõe a consciência de uma finalidade
que precede a transformação concreta da realidade natural ou social. A
atividade humana deve ser consciente e autocriativa, e necessita por sua
vez de uma mediação consciente por parte dos professores universitários o
que implica re-estruturação de suas formas de pensar, bem como das
atividades de ensino e aprendizagem.
Pensar a universidade a partir de seus objetivos básicos de formação,
da geração de novos conhecimentos e disseminação desses conhecimentos
é um processo complexo face à natureza e diversidade do trabalho
acadêmico, que apresenta também uma diversidade conceitual e prática que
interfere expressivamente no ―pensar‖ e no ―fazer‖ no interior da
Universidade.
Com relação a isso, é grande o desafio de formar um educador que
seja capaz de colaborar na construção de conhecimentos socialmente
significativos, principalmente se levarmos em consideração que na dinâmica
das atividades desenvolvidas nas universidades encontramos ainda um
espaço de poder que define limites e propriedades para os que o dominam.
Cada indivíduo ou departamento tem, segundo Cunha (2005), uma
especialidade e o respeito para com o campo do colega, mas também reage
quando sente invadido seu terreno de saber. Outras vezes, nos deparamos
com profissionais muito ligados aos títulos que qualificam as pessoas.
Ainda segundo a autora, os títulos obtidos pelos sujeitos devem ser
entendidos como uma forma de aprofundamento por parte das pessoas, em
se tratando de conhecimentos específicos, mas também devem proporcionar
aos sujeitos condições para que reflitam sobre outros campos de saberes,
47
para que possam ajudar na estruturação de novas formas de pensar os
contextos em que estão inseridos, suas relações e seus princípios. Quando
os sujeitos ficam limitados aos seus saberes específicos, pode ocorrer certo
comodismo frente a esses saberes, levando-os a uma práxis repetitiva e não
a uma ―práxis inventiva, como afirma Lucarelli (1994, p. 11).
Assim, torna-se necessário uma significativa reflexão sobre a
compreensão do processo de distribuição/produção do conhecimento que
ocorre no interior das instituições de ensino superior, sejam elas instituições
universitárias ou não universitárias.
As licenciaturas: problemas e alternativas
Como explicitado anteriormente, a universidade é a principal
instituição de produção de conhecimento, mas também tem sido o lugar de
reprodução do ensinar, de fazer ciência e formar profissionais para o
mercado de trabalho das diferentes sociedades. É notório que muitos fatores
interferem nos processos de mudança da universidade, entre eles aqueles
que têm a ver com a organicidade das universidades, das atividades
docentes que são desenvolvidas no interior dessas instituições, com a visão
que se tem das atividades de ensino, pesquisa e extensão e do próprio
conflito, no que se refere a essas funções nas instituições não universitárias,
entre outras.
Nesse sentido, pergunta-se: como estão os processos de formação
de professores no interior das universidades e também nas faculdades
integradas ou institutos superiores? O que vem ocorrendo com os cursos de
formação de professores no Brasil, considerando os modelos e paradigmas
que pairam sobre a universidade e os cursos e licenciaturas?
Sabe-se que no bojo das discussões sobre a formação de professores
no Brasil ainda se escondem opções e visões de mundo que precisam ser
desveladas se quisermos ir além das primeiras impressões que surgem a
respeito da profissionalização e do profissionalismo dos professores. No
Brasil, segundo Marques (2003, p. 16), tornou-se comum encontrar críticas
48
ao processo de formação de professores, o qual, por sua vez, vem sendo
discutido por muitos pesquisadores e até mesmo por aqueles que não estão
diretamente ligados à educação.
Não podemos criar a ilusão de soluções fáceis para problemas da
educação e da formação de professores, pois, segundo Freitas (2007, p.
1204), ―[...] as condições perversas que historicamente vêm degradando e
desvalorizando a educação e a profissão docente se mantêm em nosso
país, em níveis bastante elevados‖. Essa autora afirma ainda que:
A má qualidade da formação e a ausência de condições adequadas de exercício do trabalho dos educadores se desenvolvem há décadas, em nosso país, e em toda a América Latina, de forma combinada, impactando na qualidade da educação pública, em decorrência da queda do investimento público e da deterioração das condições de trabalho dos educadores e trabalhadores da educação. (FREITAS, 2007, p. 1204).
Tais idéias corroboram as de Gatti (1992), quando a autora apresenta
uma série de questões encontradas no âmbito da formação dos professores.
Entre elas, podem-se citar: a desvalorização do patrimônio de experiência e
conhecimento de que dispõem os professores com base em sua prática, o
que implicaria uma mudança na cultura profissional acadêmica; e as
relações que se estabelecem entre as áreas específicas de formação de
professores e a dos conhecimentos gerais que compõem essa formação. A
autora ainda afirma que ―[...] a crise que encontramos no sistema de
formação de professores não é uma crise apenas econômica, organizacional
ou de estrutura curricular, mas uma crise de finalidade formativa ou de
metodologia‖. (GATTI, 1992, p. 72).
A autora afirma que não se tem bem claro o ―[...] perfil desejável ao
professor, e surgem conseqüentemente críticas aos currículos dos cursos
apontados como enciclopédicos, elitistas e idealistas‖ (GATTI 1992, p. 70-
71). Tais críticas comprometem cada vez mais a organização dos currículos,
diluindo a formação geral e criando uma ―[...] formação específica cada vez
mais superficial‖.
49
Dentre os problemas enfrentados em termos de formação docente,
depara-se, também, com a expansão desenfreada do ensino superior, na
década de 1990. Essa expansão desenvolveu-se principalmente em
instituições privadas, levando, segundo Freitas (2007) à diversificação e
flexibilização da oferta dos cursos de formação, tais como: Normais
Superiores, Pedagogia, Licenciaturas, Institutos Superiores de Educação e
cursos à distancia, que geraram por sua vez uma série de problemas, entre
eles, a desarticulação entre os centros de formação e a realidade da
atividade do professor nas escolas e entre as disciplinas específicas,
pedagógicas e de cultura geral.
Gatti (1992, p. 72) afirma também que há ainda ―muita desconfiança
quanto às possibilidades de contribuição formativa da universidade para com
as escolas‖. Para a autora, as relações entre universidade e escola
aparentemente acontecem num plano formal, no qual pesquisadores se
aproximam das escolas para desenvolverem suas pesquisas ou para que
seus estudantes façam uma carga horária específica de estágio curricular.
Tal situação contribui para uma desarticulação entre a formação acadêmica
e a realidade prática, impossibilitando ou dificultando a visão de propostas
para melhoria dos processos de formação de professores em âmbito
universitário.
Outro dilema que se destaca, diz respeito ao financiamento do ensino
superior, que segundo Avancini (2007), é o grande desafio dos gestores,
pois o montante arrecadado em termos de mensalidades nas muitas
universidades ou instituições de ensino superior mal cobre os custos de
manutenção do curso. Além disso, a procura é muito pequena no que se
refere aos cursos de Licenciaturas, devido às perspectivas de emprego no
futuro, ou seja, os candidatos não se vêem atraídos, segundo Avancini
(2007, p. 2), pela Educação Básica, em virtude dos ―[...] baixos salários,
péssimas condições de estrutura para o ensino e para aprendizagem [...]‖.
Tais condições, por sua vez, levam os egressos desses cursos a
optarem pela vida acadêmica, uma vez que as bolsas de mestrado, por
exemplo, atingem quase que um índice salarial maior que os salários dos
professores que atuam nas redes municipais e estaduais de ensino.
Segundo Avancini (2007, p.2), ―o Brasil é um dos países que menos pagam
50
os professores‖, conforme informação divulgada em um relatório do
Conselho Nacional de Educação, que verificou também, por sua vez, a falta
enorme de professores no Ensino Médio. A autora afirma que corremos o
risco de um ―apagão do ensino médio‖, caso não sejam tomadas medidas
em caráter emergencial e estrutural, no campo da formação de professores.
Pereira (2006, p. 54) destaca também como mais um dos dilemas
enfrentados pelas Licenciaturas:
[...] a separação entre disciplinas de conteúdo e disciplinas pedagógicas, existente a partir do modelo 3 + 1 em que as disciplinas pedagógicas estavam justapostas às de conteúdo, sem haver nenhuma ou pouca articulação entre os dois universos.
Tal separação leva a um outro dilema, bastante comum nas
universidades, a dicotomia existente entre os cursos de Bacharelado e
Licenciaturas, questão que, segundo o autor, leva a uma fragmentação dos
cursos de formação de professores, assim como a um certo descaso para
com a Licenciatura, conforme segue:
A maioria dos autores acusa uma valorização maior do Bacharelado por sua relação com a formação do pesquisador e um certo descaso com a Licenciatura por sua vinculação com a formação do professor, refletindo, desse modo, o desprezo com as questões relacionadas ao ensino e, mais especificamente, ao ensino fundamental e médio. (PEREIRA, 2006, p. 59-60).
Além disso, segundo esse mesmo autor, nas faculdades de educação,
[...] existe uma certa passividade em relação aos cursos de Licenciaturas, no sentido de que muitas se contentam em dar apenas a complementação pedagógica, mínima e necessária , estipulada por lei aos diversos conteúdos específicos. (PEREIRA, 2006, p. 60).
Lüdke (1994), também afirma que os formadores dos futuros
professores não têm uma visão apropriada da realidade das escolas, o que
contribui para aumentar a distância entre os estudantes de Licenciaturas e a
realidade escolar. O diálogo entre universidade e instituições escolares,
51
poderia permitir um melhor entendimento da realidade das escolas, e
diminuir o choque que enfrenta o professor iniciante.
Conforme Estrela (1997), a entrada de um jovem na carreira docente,
numa sociedade em mudança, é difícil, conflituosa e, por vezes, frustrante,
podendo provocar uma crise de identidade. Segundo a autora, essa é uma
fase de exploração e descoberta de sua profissionalidade docente, daí a
necessidade da aproximação entre a academia e a realidade escolar, pois é
chegado o momento de se apresentar aos estudantes, futuros professores e
mesmos aos que já atuam na profissão, possibilidades de trabalho
interdisciplinar, os determinantes sociais, políticos e técnicos que afetam o
currículo.
Também é necessário que os estudantes das Licenciaturas
compreendam, desde os primeiros meses de sua formação, os limites e as
possibilidades de sua atuação e de seu papel na transformação da
realidade.
As questões destacadas são difíceis de resolver, contudo algumas
ações propostas por pesquisadores valem ser destacadas, pois podem
ajudar a minimizar os problemas que giram em torno das Licenciaturas no
Brasil, e que se apresentam fortemente como desafios a serem superados.
Nesse caso, Gatti (1992, p. 73) já afirmava no início dos anos 1990,
que é preciso fazer uma análise profunda e integrada das seguintes
questões:
Necessidades formativas, face a situações existentes;
Formas de articulação entre a formação específica,
formação educacional geral e a formação didática
específica, levando em conta os níveis de ensino;
Formas de organização institucional que possam dar
suporte a essas necessidades e novas forma de
articulação;
Formação de formadores, ou seja, de pessoal
adequadamente preparado para realizar a formação de
professores a nível de 3º grau;
Novo conceito de profissionalização dos professores,
baseado na proposta de um continuum de formação.
52
Além disso, é importante, ainda, segundo a autora, trazer para dentro
das universidades parceiros efetivos, tais como professores e técnicos que
estão na prática escolar, mas não trazê-los como se estivessem vindo a uma
reunião, e sim, integrando-os às discussões. Cabe lembrar que a
responsabilidade das universidades, no que diz respeito à formação de
professores, também está vinculada às suas formas de atuação, no entanto,
observa-se atualmente que essas questões são deixadas de lado,
justamente por conta de uma política sempre emergencial de formação de
professores em nosso país.
Tal situação, leva a refletir que não há como pensar numa formação
inicial de professores de forma dissociada das ações políticas de valorização
do docente formador, o que, por sua vez, traz implícita a melhoria das
condições de trabalho para esse profissional. Afinal o professor formador
pode contribuir significativamente com a qualidade da formação dos futuros
professores. Suas crenças e seus valores frente a todos os aspectos aqui
apresentados se refletem consideravelmente no tipo de formação destinada
aos licenciandos. Pereira (2006, p. 75), adverte que é preciso
[...] romper com uma visão simplista de formação de professores, negar a idéia do docente como mero transmissor de conhecimentos e superar os modelos de Licenciatura que simplesmente sobrepõem o ―como ensinar‖ ao ―o que ensinar.
Além disso, é preciso revalorizar o docente de forma que esse seja
percebido como profissional que se apropria de conhecimentos e de
tecnologias, construídos e difundidos especialmente pela instância
universitária, a qual, por sua vez, necessita acompanhar e aprofundar de
forma sistemática as oportunidades de formação e capacitação de
professores.
Em relação aos cursos de Licenciatura, existem debates intensos que
vêm propiciando inúmeras reflexões e discussões, em simpósios e
encontros de professores e pesquisadores.
Foi possível fazer um levantamento dos principais problemas das
Licenciaturas os quais foram aqui descritos. No entanto, a discussão sobre a
53
formação de professores nos cursos de Licenciatura ainda requer muitas
análises e pesquisas a fim de se vislumbrar as alternativas possíveis no
cenário brasileiro. Dentre essas, pode-se destacar a questão dos saberes
profissionais docentes e a cultura institucional como matriz importante no
processo de desenvolvimento das atividades docentes.
A cultura institucional e a atividade do professor formador
Incontestavelmente o homem é um ser histórico, e nesse aspecto
pode-se afirmar que o homem é um ser de cultura, herdeiro de um longo
processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos
pelas numerosas gerações que o antecederam. A cultura humana, constitui-
se num conjunto de regras, normas, valores, que o sujeito adquire por meio
das instituições6 das quais ele faz parte em determinada época.
Assim, longe de uma visão racional e determinista, pode-se
considerar que as instituições são elementos formadores do homem social e
contribuem para a constituição da sua subjetividade, lugar em que ele se
julga e age de acordo com seus conceitos, que são resultados de
apreciações de ordem moral e valorativa.
As instituições a que pertencem são permeadas por significações que
envolvem por sua vez: mitos, crenças, símbolos, que podem ser fonte de
alienação ou de criação em relação à sociedade e aos homens que
produzem sua realidade. É quase impossível imaginar a vida social fora de
uma rede simbólica padronizada de acordo com determinada época. As
instituições podem ao mesmo tempo, atuar sobre a psiquê (individual) do
sujeito e sobre sua vida social, que é regulada por meio de códigos de
condutas. As instituições levam à criação de um conjunto coordenado de
6 Instituição: ―[...] instituição é toda a cristalização e fixação que delimita nosso contato
ativo com o mundo exterior e assim dá uma constância previsível às nossas atividades.‖ (STEIN, 1981, p. 39). Muito embora algumas das citações retratem as instituições escolares de modo geral, pretende-se focar que muitas das relações podem ser vistas também nas instituições em que a educação superior acontece.
54
representações, um imaginário social7, por meio do qual se reproduzem e
designam, em parte, os papéis que os sujeitos assumem. Expressam as
necessidades coletivas, bem como as formas que devem ser seguidas para
suprir tais necessidades. Gómez (2001, p. 131) afirma que,
A escola, como qualquer outra instituição social, desenvolve e reproduz sua própria cultura específica. [...] as tradições, os costumes, as rotinas, os rituais e as inércias que a escola estimula e se esforça em conservar e reproduzir, condicionam claramente o tipo de vida que nela se desenvolve e reforçam a vigência de valores, de expectativas e de crenças ligadas a vida social dos grupos que constituem a instituição escolar. É fácil compreender a influência que esta cultura tem sobre as aprendizagens vivenciais e acadêmicas dos indivíduos que nela vivem, independente de seu reflexo no currículo explicito e oficial.
Observa-se, que para além do que está prescrito em currículos
oficiais, a cultura institucional abre horizontes, como também limita as ações
do sujeito, proporcionando aos que dela fazem parte tanto um ambiente de
liberdade como de represália. Diante disto, a responsabilidade do docente é
―[...] submeter sua prática e seu contexto escolar ao escrutínio crítico, para
compreender a trama oculta de intercâmbio de significados que constituem a
rede simbólica em que se formam os estudantes‖. (GÓMEZ, 2001, p.17).
Considera-se a partir dessa afirmação, a importância de se refletir sobre as
representações e a cultura universitária que o professor constrói como
profissional nas relações que estabelece na instituição à qual pertence,
nesse caso, a universidade.
Não há como não se inquietar com as questões relacionadas a cultura
institucional e com o lugar que ocupa na atividade do professor formador,
visto que pode exercer influência tanto no desenvolvimento de inovações e
emancipação dos sujeitos como também na sua conformação frente a uma
cultura homogênea, fragmentada e pouco significativa. Questiona-se como
tais relações acontecem no âmbito da instituição universitária, uma vez que
7 Imaginário social: Ferreira (1992), imaginário social conta com ―[...] um conjunto
coordenado de representações, com uma estrutura de sentidos, de significados que circulam entre seus membros, mediante diversas formas de linguagem‖
55
essa deveria ser em sua raiz epistêmica, uma instituição estruturada pelo
veio da pesquisa. No entanto, pode estar cultivando na academia e nos
cursos diversos, a idéia da ordem de produção que a cultura empresarial
geralmente impõe às instituições de ensino. Assim, o perfil de formação
pode estar se moldando à luz dessa visão social e cultural do trabalho.
Gómez (2001, p. 156), escreve que pode haver no âmbito das
instituições duas dimensões no que se refere ao seu funcionamento. Uma
dimensão instrumental e uma dimensão voltada para o desenvolvimento
sociocultural. Dependendo das situações e condições políticas e econômicas
das instituições, pode-se adotar uma ou outra perspectiva, ou ainda, ficar no
centro das duas perspectivas, o que gera tensões e conflitos quando se
discute a atividade docente no âmbito das universidades, visto que as ações
acabam por não levar a nenhum tipo de formação. Os sujeitos ficam
envolvidos num ambiente de ambigüidades, sem saber exatamente aonde
querem chegar.
No que se refere a dimensão instrumental, o conhecimento, em
termos de rendimento acadêmico serve de indicador de eficácia e
legitimação profissional, muitas vezes não importando a forma como são
adquiridos os conhecimentos que são considerados relevantes. Gómez
(2001) alerta que o conhecimento e a verdade se subordinam à busca da
eficácia, da utilidade, do bem estar, da rentabilidade, as quais nem sempre
se vinculam à satisfação e às necessidades coletivas. Nas palavras do autor:
Nesse jogo de pseudoautonomia e liberdade no livre cenário de intercâmbios mercantis, o sistema educativo, perde sua especificidade e sua autonomia real, como espaço de contraste, reflexão e crítica intelectual, convertendo-se em mero instrumento a serviço das exigências do sistema econômico e social. (GOMEZ, 2001, p. 140-141).
As aulas são regidas por rotinas-padrão derivadas de uma concepção
linear e mecânica de conhecimento acadêmico, explicitados segundo o
autor, na forma de transmissão de conteúdos informativos e avaliação
objetiva dos rendimentos, quase sempre voltada à eficácia. Parece não
haver a pretensão de exercer alguma função socializadora dos
conhecimentos, mas a mera transmissão, o que ainda para Gomez (2001, p.
56
157) ―[...] exime a organização de outras experiências e outros espaços de
convivência informal distintos das aulas como cenários do preestabelecido
intercâmbio acadêmico‖.
Observa que há uma dimensão instrumental, na qual ocorre uma
descontextualização em que se despersonalizam as relações. Não há com
negar que no interior das instituições há um ―emaranhado‖ de situações
conflituosas e de dilemas que supõem um processo de reflexão dos sujeitos
sobre a ação em contexto. A cultura universitária e a formação acadêmica
não se constituem somente nos espaços formais do ensino.
Gómez (2001, p.156), destaca que a qualidade educativa depende
também, ―[...] da qualidade do julgamento e da deliberação reflexiva dos
docentes nas aulas, quando tomam decisões, intervêm e avaliam‖. Torna-se,
segundo o autor, uma contradição desenvolver ao mesmo tempo, um
discurso democrático de educação, de desenvolvimento humano e seguir as
exigências do mercado de trabalho, pois as instituições:
[...] não podem funcionar como mecanismos objetivos de precisão, nem mesmo quando se propõem a produzir eficazmente artefatos materiais, muito menos quando o conteúdo de sua atividade é a formação cultural das novas gerações, o desenvolvimento intelectual e emocional de sujeitos diferenciados (GÓMEZ, 2001,p. 160).
No que se refere a dimensão sociocultural, é preciso levar em
consideração, na formação das novas gerações, outros contextos variados e
a socialização dos conhecimentos, a riqueza e a diversidade de papéis e de
relações existentes na sociedade. No âmbito das instituições de ensino,
buscam-se relações entre docentes e discentes que sejam significativas, de
forma que possam romper com a rigidez das estratégias didáticas lineares,
preocupadas com a simples transmissão de conhecimentos e com a objetiva
avaliação de resultados. Busca-se sobretudo, o desenvolvimento autônomo
dos sujeitos, sua capacidade de pensar, sentir e atuar sobre a sociedade,
numa visão mais ativa de formação.
No que se refere às duas dimensões (instrumental e sociocultural),
considera-se grave, quando as instituições se propõem desenvolver
culturalmente os indivíduos dentro de uma visão mais ativa de formação,
57
respaldada na dimensão sociocultural, mas têm sua estrutura organizacional
voltada para a dimensão instrumental, principalmente se considerarmos a
cultura docente8 que vai se instalando no interior dessas instituições. São
lógicas educacionais diferenciadas, instaladas como se fossem
convergentes. Tal situação gera diversas formas de estresse,
descontentamentos e ansiedade que podem, por sua vez, gerar estagnação
e isolamento docente.
A cultura docente pode ser discutida com base em duas dimensões,
segundo Hargreaves (1994): o conteúdo, que corresponde aos valores, às
crenças, às atitudes, os hábitos compartilhados pelo grupo de docentes. O
conteúdo tem a ver com a visão de ensino, aprendizagem, currículo,
educação, com a função da instituição, entre outros sentidos que possam
surgir no interior de sua atividade e, a forma que corresponde às condições
concretas em que se desenvolve a atividade docente, principalmente o modo
como os professores estabelecem relações com os seus estudantes e seus
colegas. [grifo nosso]
Dentre as várias características que definem a forma da cultura
docente nas instituições, Gómez (2001, p. 167) destaca o isolamento do
docente e a autonomia profissional; a colegialidade burocrática e a cultura
de colaboração; a saturação de tarefas e responsabilidade profissional; a
ansiedade profissional e o caráter flexível e criativo da função docente.
O isolamento dos docentes é bastante comum entre os professores e
é normalmente confundido com autonomia profissional, pois leva os
docentes a se considerarem soberanos e senhores da sala de aula, na qual
se sentem livres de qualquer pressão ou controle externo, com autoridade
para atuar de maneira como acharem mais interessante. Muitas vezes essas
ações se tornam arbitrárias e perdem o caráter formativo.
Gómez (2001) descreve três classes de isolamento: isolamento
psicológico em que o professor com medo da crítica se recolhe em suas
atividades de sala de aula, o que justamente causará maior insegurança e
isolamento. O isolamento ecológico, determinado pelas condições
8 GÓMEZ (2001,p. 164), define cultura docente como conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que este grupo social considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si.
58
administrativas, físicas e arquitetônicas do local de trabalho do professor. E
o isolamento adaptativo, em que o professor desenvolve suas atividades
de forma ativa, preservando seu próprio espaço de intervenção, evitando
influencias prejudiciais do contexto.
O isolamento pode levar os docentes a cultivarem atitudes passivas,
de reprodução conservadora ou de aceitação acrítica da cultura social
dominante. A reflexão individual é importante por parte dos professores,
contudo, é necessário também um processo de reflexão coletiva com os
demais profissionais, para que possam juntos fazer análises do contexto em
que estão inseridos, bem como elaborarem e desenvolverem projetos em
comum. A falta de espaços polivalentes, de interação entre os profissionais,
bem como a forma como é estruturado o horário de disciplinas curriculares
dificulta tanto a comunicação inter pares como a renovação da atividade
pedagógica.
Gómez (2001) aponta a colegialidade e a cultura de colaboração
como elementos importantes, no processo de inovação e contraposição do
isolamento docente. Pode haver dois tipos de colaboração. Um tipo de
colaboração burocrática e artificial, que supõe ―[...] um controle artificial dos
riscos, da aventura e da incerteza‖ (GÓMEZ, 2001,p.171), que leva os
docente a debaterem as normas, valores e procedimentos que não
satisfazem, na maioria das vezes, as próprias expectativas. A colegialidade
burocrática surge por imposição da administração da instituição e
habitualmente é regida pelo autoritarismo, não havendo espaço para
liberdade ou criatividade dos docentes. O colegiado discute suas ações e
seu planejamento em conjunto, mas com base num sistema imposto pela
instituição.
A colaboração espontânea supõe a criação de uma cultura que busca
entender a instituição e os processos de ensino-aprendizagem, como
atividades do docente, não condicionadas a restrição administrativa. Requer
um espaço de liberdade e autonomia, para que os projetos desenvolvam-se
num processo de comunicação aberta para a diversidade e para a criação.
Logicamente, segundo Gómez (2001) é também um espaço de conflito e
discrepâncias, por isso deve ser objeto de reflexões entre os docentes.
59
O autor alerta que nesse processo de colegialidade entre os
professores pode se desenvolver uma cultura de simulacro artificial de
consenso que esconde profundas e inevitáveis divergências de concepções
éticas e políticas sobre a educação, que são tão importantes quanto os
acordos. Por isso, pode-se afirmar que a cultura de colaboração ou
colegialidade é tão complexa quanto a própria educação, principalmente por
estar envolvida num contexto de ambigüidades, entre o discurso tradicional e
o emancipatório.
Outro ponto discutido por Gómez é a saturação de tarefas e
responsabilidade profissional. É possível identificar uma sensação de
sufocação por parte dos professores em relação às responsabilidades que
lhe são comumente atribuídas. As contínuas mudanças nos projetos
políticos destinados à educação, levam por sua vez a mudanças no trabalho
do professor, nos papéis profissionais que têm que assumir, exigências de
mercado, que dificultam o desenvolvimento de sua atividade, em termos
qualitativos. Essas demandas geram situações de angustia entre os
docentes, que podem reagir com certa estagnação frente a melhoria do
processo ensino aprendizagem. Uma das reações é justamente o isolamento
do professor que é provocado, de certa forma, pela ansiedade profissional,
por sentir-se incapaz de cumprir suas responsabilidades.
Tais incertezas e pressões levam os professores a um alto nível de
ansiedade e insatisfação profissional. Essas situações ou pressões muitas
vezes fazem os professores desenvolverem uma aceitação servil das
exigências exteriores ou administrativas, embora verbalizem o contrário.
Gómez (2001) afirma que são todas as incertezas que estão no entorno dos
professores, bem como, a saturação de tarefas burocráticas, a
hierarquização e o individualismo que podem conduzir ao conservadorismo.
O autor considera que o apoio afetivo e intelectual bem como a
estimulação da reflexão colegiada podem aliviar a angustia e melhorar a
qualidade educativa no interior das instituições. Pode-se afirmar que a
docência é marcada por sentimentos ambíguos, visto que o conhecimento,
os valores, as normas e a forma de comportamento que os professores
desenvolvem no interior da instituição de ensino podem favorecer ou não,
60
um ensino de qualidade, necessário para que os sujeitos tornem-se mais
autônomos e possam atuar na sociedade.
Contreras (2002) afirma que, muitas vezes, os professores podem
reproduzir apenas a lógica capitalista, principalmente por serem submetidos
a processos de controle acadêmico, que são justificados em termos de
auxílio diante de sua suposta incapacidade, ou em termos de vigilância para
que cumpram suas funções profissionais, normalmente relacionadas a
valorização do cliente, no caso o aluno. Tais mecanismos levam os
professores também a se defenderem, responsabilizando os discentes,
pelos problemas que surgem no âmbito institucional.
Vale ressaltar que a cultura escolar também é formada pela cultura
dos discentes, muitas vezes representada em forma de resistência e
oposição em suas diversas e diferentes manifestações. Os alunos
geralmente compreendem a situação de ensino diferentemente dos
professores, visto que vêem a instituição de ensino como espaço de
socialização e não somente como um espaço de aprendizagem.
Goméz (2001, p. 165) afirma que ―[...] a cultura dos alunos, mostra-se
dependente da cultura dos docentes, encontra-se substancialmente mediada
pelos valores e pelas normas que os docentes impõem‖, isso porque o
docente possui maior poder na instituição, principalmente no espaço de sala
de aula.
Pode-se concluir que o conhecimento profissional do professor é um
conhecimento especializado, que se constitui no decorrer de sua história
pessoal, em um permanente intercâmbio com o meio, em um processo
dialético de acomodação e assimilação, principalmente, porque o ensino é
uma atividade complexa, que ocorre em um local singular, determinado
pelas circunstancias especiais, muitas vezes com resultados imprevisíveis e
cheios de conflitos, que exigem do professor tomadas de decisão imediatas
em situações inesperadas, ambíguas, incertas e conflitantes.
61
CAPITULO II - A RELAÇÃO COM O SABER E A ATIVIDADE DOS
PROFESSORES FORMADORES
"Crescer como Profissional,significa ir localizando- se no tempo e nas circunstâncias em que vivemos,para chegarmos a ser um ser verdadeiramente capaz de criar e transformar a realidade em conjunto com os nossos semelhantes para o alcance de nosso objetivos como profissionais da Educação." “A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando.” (Paulo Freire)
Nesses últimos anos, a noção da relação com os saberes se
enriqueceu por meio de pesquisas e de abordagens bastante diversificadas.
É utilizada por pesquisadores na área da sociologia, psicanálise,
psicossociologia, didática e também no campo da educação na qual se
destacam, segundo Lomônaco (2002), duas equipes francesas: a de Jacky
Beillerot e a de Bernard Charlot. A noção da relação com o saber também
tem se expandido para vários países, tais como Brasil, França, Tunísia,
República Tcheca e Grécia.
No centro da problemática da relação com o saber os pesquisadores
voltam sua atenção aos movimentos antropológicos de humanização, como
um conjunto de processos socioculturais e como um confronto com saberes
específicos e com práticas sociais determinadas. Trata-se, na verdade de
evidenciar as relações que os indivíduos estabelecem com esses processos
socioculturais, mediados por um saber específico que se desenvolve no
âmbito de sua historia.
Destaca-se a equipe ESCOL9 criada por Bernad Charlot10, que nessa
última década, vem se debruçando sobre a temática da relação com o saber
no campo da educação, principalmente no que diz respeito ao fracasso
escolar. No âmbito dessas relações que provocam o fracasso escolar não se
9 Equipe que estuda a educação, a socialização e as coletividades Locais (ESCOL) dos jovens de camadas populares da França, e pertence ao Departamento das Ciências da Educação da Universidade Paris VIII, Saint-Denis. 10
Bernard Charlot, pesquisador do CNPq e escritor da educação, criou a equipe ESCOL, e desenvolveu pesquisas que possibilitaram o quadro básico de elementos para uma teoria da relação com o saber.
62
pode deixar de considerar a relação dos professores com seus saberes
profissionais, visto que, como nos alerta Charlot (2005), a lógica dos
professores não é a mesma dos seus estudantes, o que em geral provoca
uma série de conflitos e problemas que resultam no fracasso escolar, seja
em que proporção for.
Dieb (2007) explica que Charlot e seus colaboradores defendem que
os diversos objetos da aprendizagem implicam diferentes tipos de atividades
que são realizadas pelos sujeitos, o que atribui ao conceito de relação com o
saber uma considerável relevância na discussão em torno do ato de ensinar
e aprender, atentando, principalmente à produção, apropriação e
transformação dos conhecimentos.
Segundo Charlot (2005), é importante compreender a relação que os
professores estabelecem com a atividade do ensino, questão essa que fica
ainda mais complexa quando direcionamos nossas atenções ao âmbito da
formação de professores.
A relação com os saberes profissionais docentes evidencia-se desde
os processos de formação inicial dos professores, em que estão envolvidos,
segundo o autor, uma prática do discurso (práticas que permitem apropriar-
se dos saberes) e um discurso sobre as práticas ( e nesse caso, os
professores falam de suas práticas, e é, na verdade, essa fala que é
considerada, e não suas próprias práticas). Essas práticas provocam
freqüentemente, conflitos relacionados aos saberes teóricos e práticos dos
professores formadores.
A relação com o saber na perspectiva de Charlot
Charlot começou suas pesquisas no campo da educação discutindo a
mistificação pedagógica, que segundo ele tem a ver com o discurso
pedagógico que produz uma visão mistificada da realidade social, na medida
em que fala de tudo, menos de uma coisa muito importante: a educação leva
a um emprego, que leva também a uma divisão social do trabalho. Na
verdade essa é a idéia central de um livro que o autor publicou em 1980. Há
nele discussões que provocaram outras discussões em torno das políticas
63
educacionais, que revelaram questões referentes ao fracasso escolar nas
classes populares, e a importância do sentido nas ações humanas.
Refletindo sobre sua atividade docente como professor formador no
ensino de matemática, Charlot observou que o fracasso escolar não tem
ligação direta com o capital cultural da família, o que o levou a pesquisar o
conceito de relação com o saber. Charlot (2005) afirma que quando um
aluno encontra dificuldades na escola, normalmente se levanta a questão
das supostas carências culturais dos alunos e de suas famílias. O autor
questiona se isso não depende mais do estilo pedagógico do professor.
Destaca que é importante saber o sentido que tem a escola para o
aluno, ou seja, que sentido ele vê em ir para escola. Nas pesquisas da
relação com o saber, o pesquisador e sua equipe insistem na compreensão
da lógica de vida dos alunos fracassados, atentando para o fato de que no
âmbito escolar deve-se levar em consideração essa lógica para que se
possa construir um percurso pedagógico apropriado que eleve os alunos
realmente a se apropriem do saber. Segundo ele, é importante
compreender, porque os estudantes não apreenderam os conhecimentos
disponibilizados pela escola e nesse caso não se trata de explicar o que
faltou, mas sim o que aconteceu.
É bastante comum as pessoas perguntarem o que é a relação com o
saber, e aí surge certo desconforto, porque quando se destaca a relação
com o saber, não existe um conceito fechado, acabado, mas existem
relações que precisam ser levadas em consideração.
Mais do que responder qual o conceito de relação com o saber é
importante discutir como ocorre a educação e o processo de humanização.
Segundo Dieb (2007), o homem, para se tornar humano, se educar, sempre
esteve em relação ―com‖, já que sua característica primordial é a
incompletude.
Para o autor, nascer é ―penetrar nessa condição humana‖ ( p.53), em
que o ser humano entra em uma história singular e também na história maior
da espécie humana. ―[...] é entrar em um conjunto de relações e interações
com os outros homens, onde ocupa um lugar e onde será necessário
exercer uma atividade‖ (p.53). Nascer e aprender é entrar em um conjunto
de relações que constituem um sistema de sentido, no qual o sujeito se
64
percebe, percebe e interage com o mundo e com os outros. O sujeito se
constrói e é construído pelo outro, num longo processo que nunca chega a
ser completamente acabado, e o qual chamamos de Educação.
Charlot (2005, p. 45), explica o que é a relação com o saber.
A relação com o saber é a relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender. [...] A relação com o saber é o conjunto das relações que o sujeito estabelece com um objeto, um ―conteúdo de pensamento‖, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc.,relacionados de alguma forma ao aprender e ao saber – conseqüentemente, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com atividade no mundo e sobre o mundo, relação com os outros, relação consigo mesmo, como mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação.
Charlot (2000) defende a idéia de que o sujeito experimenta três tipos
de relação com o saber. São elas: relação epistêmica, relação de identidade
e relação social. Essas relações podem ser explicadas em separado, mas,
em se tratando das experiências que o sujeito vivencia, não existem
separadamente, pois o sujeito é singular e social ao mesmo tempo, afirma
Dieb (2007).
A ―relação com o saber de natureza epistêmica‖ caracteriza tipos de
relações em que o saber assume a forma de um objeto e se manifesta por
meio da linguagem. Por isso pode também ser chamado de saber objeto, ou
seja, o próprio saber objetivado. Atrelados a essa relação, encontramos três
processos epistêmicos, segundo Charlot (2000) e Dieb(2007):
a) Objetivação-denominação – que se configura como um movimento que
constitui um saber-objeto. Nesse processo, a aprendizagem consiste
em saber externar conteúdos de pensamento por meio da linguagem
manifesta e por meio da modalidade escrita.
b) Imbricações do ―eu‖ na situação – a aprendizagem representa o
domínio de uma atividade que se encontra ―engajada‖ no mundo e
inscrita no corpo, como, por exemplo, o ato de saber nadar – o saber é
65
produto da aprendizagem e a própria atividade.
c) Distanciação – regulação – é o processo em que o sujeito pode
construir de maneira reflexiva uma imagem de si mesmo, a partir das
emoções que sente frente ao mundo e aos outros, sendo capaz de
regular essa relação e encontrar uma distância entre si e os outros,
entre si e si mesmo, em uma situação.
Assim, aprender é dominar uma relação, de maneira que o produto do
aprendizado não possa ser automatizado, nem separado da relação em
situação, como, por exemplo, os estudantes que compreendem algo
somente em referência a situações, enquanto outros são capazes de
orientar-se em um universo de saberes-objetos.
A ―relação de identidade com o saber‖, por sua vez, caracteriza toda
relação com o saber que comporta uma dimensão de identidade11, pois
aprender, segundo Charlot (2000, p. 72), só faz sentido em ―referência à
história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua
concepção de vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si
e à que quer dar de si aos outros‖. Assim, a relação com o saber sempre
supõe estar em relação com o outro fisicamente em seu mundo, mas
também de forma virtual, pois cada um carrega dentro de si o outro como
interlocutor. Chauí (2004) afirma que nós somos a extensão do outro,
justamente pela relação que existe entre o eu e o outro, compondo-se
reciprocamente.
A ―relação social com o saber‖ é também uma relação social, pois
esse sujeito ocupa uma posição no mundo e tem uma história repleta de
eventos, encontros, esperanças, rupturas, aspirações. O sujeito encontra-se,
assim, envolvido em relações com os outros e consigo mesmo. Para se
compreender a relação que o sujeito estabelece com o saber é preciso levar
em consideração sua origem social e suas formas relacionais, que envolvem
11
No processo de entendimento do trabalho desenvolvido por Charlot, não buscou-se trabalhar com o conceito de Identidade, visto que isso implicaria num outra pesquisa, somente para desenvolver essa conceituação. Procura-se nesse caso, discutir a identidade a partir da relação que o sujeito estabelece com o mundo e com sua história ao passo que vai constituindo sua identidade. Conforme destaca Ciampa (1984), a construção da identidade é um processo que ocorre durante toda a vida do indivíduo, por meio da composição de igualdade e diferença em relação a si próprio e aos outros, constituída historicamente pela mediação entre a subjetividade e condições objetivas.
66
a cultura, o mercado de trabalho, as instituições em que convive e se
relaciona com os outros.
Esses três tipos de relação com o saber não existem de modo
independente, pois a apropriação do mundo ocorre com base nessas três
dimensões que constituem o sujeito do saber. Conforme Charlot (2000), no
que se refere a essas dimensões, deve-se dar atenção especial às noções
de mobilização, atividade e sentido, visto que se está discutindo a respeito
de um sujeito singular e social ao mesmo tempo, que em sua relação com o
mundo desenvolve atividades e, para haver atividade, é preciso que o sujeito
se mobilize. Charlot (2000) afirma que mobilizar-se é ―pôr-se em
movimento‖, é engajar-se em uma atividade, originada por um móbil, que
nada mais é do que as ―boas razões‖ para fazê-lo. O autor explica a
interrelação entre mobilização e motivação:
A mobilização implica mobilizar-se (―de dentro‖), enquanto que a motivação enfatiza o fato de que se é motivado por alguém ou por algo (―de fora‖). É verdade que, no fim da análise esses dois conceitos convergem: poder-se-ia dizer que eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva e que sou motivado por algo que pode mobilizar-me. (CHARLOT, 2000, p. 55).
Segundo Charlot (2000), o móbil é distinto da meta, que é o resultado
que se obtém das ações que permitem alcançá-la. O móbil, na verdade, é o
desejo que esse resultado permite satisfazer e que desencadeou a
atividade. Para que o sujeito se mobilize é preciso que a situação vivida
tenha sentido. Ou seja, a atividade intelectual passa a ser mobilizada por um
sujeito a partir dos sentidos que ele atribui àquilo que está ouvindo ou às
situações que está vivenciando.
As pesquisas sobre relação com o saber
As primeiras pesquisas com as quais tivemos contato e que abordam
a relação com o saber são aquelas do livro organizado por Charlot et al.
(2001), e que se referem a pesquisas desenvolvidas em quatro países:
67
França, Brasil, República Tcheca e Tunísia. O objetivo da obra era comparar
os estudos realizados na área e também verificar em que medida a noção de
relação com o saber pode se constituir como objeto de pesquisa em diversas
áreas. As pesquisas incluídas nessa obra investigam por que algumas
pessoas têm o desejo de aprender, parecendo, segundo Charlot et al.
(2001), sempre mais dispostas a aprender algo novo, apaixonadas por este
ou aquele tipo de saber ou, pelo menos, apresentam uma certa disposição
para aprender, enquanto outras não manifestam esse mesmo desejo.
Para explicar essas diferenças, costuma-se, segundo os autores,
invocar características que são imputadas ao próprio indivíduo: ele é
preguiçoso, ele não está motivado, etc. Mas trata-se na verdade, das
relações que os indivíduos mantêm com aquilo que tentam ensinar-lhes. Não
estar motivado, é estar em uma certa relação com a aprendizagem proposta.
No decorrer das pesquisas que foram descritas nessa obra, foi constatado
que entrar na escola é para as crianças e jovens entrar em um universo
novo; seja pelos conteúdos, seja pelas formas de atividades que vão ser
desenvolvidas, ou pelos tipos de relações e de condutas que a escola
implica e impõe.
Na escola, na visão dos estudantes envolvidos nas pesquisas
relatadas, desenvolve-se uma lógica de sobrevivência. Para esses
estudantes, será possível o direito a uma profissão se fizerem as atividades
propostas de acordo com o que seus professores determinarem. Essa lógica
muitas vezes não é compreendida pelos professores, o que resulta em
fracasso escolar, abandono e, até mesmo, em violência. São efeitos dos
conflitos oriundos das formas de aprender, das relações com o aprender,
das relações consigo mesmo e também com os outros.
Tais leituras podem influenciar, por exemplo, a forma como os
professores entendem o fracasso escolar. Para Charlot (2000), os
professores normalmente têm dificuldades de entender os motivos que
levam os estudantes a fracassar, porque compreendem o fracasso como
uma deficiência sociocultural, algo que falta. Ao fazer uma leitura negativa
do fracasso escolar, discute-se as carências, lacunas e deficiências dos
68
estudantes, num verdadeiro processo de aniquilamento escolar12. Uma
leitura positiva seria mais prudente por parte dos professores, pois poderia
ajudar a entender o que está ocorrendo, e qual a atividade do estudante que
o levou ao fracasso, ajudando a compreender a relação do estudante com
os saberes, ou seja o que o levou ao fracasso escolar.
Para mapear o conhecimento já produzido, buscamos pesquisas que
discutem a temática da relação com o saber. Em especial buscamos
pesquisas que objetivaram apreender a relação que os professores
estabelecem com os saberes de sua profissão. Nessa busca, constatou-se
que existem poucas pesquisas as quais serão revistas a seguir.
A pesquisa de doutorado de Dieb (2007), Móbeis13, sentidos e
saberes: professor da Educação Infantil e sua relação com o saber
focalizou a relação com os saberes dos professores da Educação Infantil na
escola pública, desdobrando seus objetivos específicos na mobilização dos
professores frente a seu próprio aprendizado, no que se refere à sua
atividade de cuidar e educar crianças, às dificuldades encontradas no
trabalho docente, e na aprendizagem da docência na Educação Infantil no
dia-a-dia das escolas públicas. Tais desdobramentos levaram o pesquisador
a analisar os móbeis apresentados pelos professores em relação à função
que exercem, os sentidos que atribuem à atividade de cuidar e educar
crianças, bem como os processos e relações que promovem a construção
dos saberes utilizados em sua prática pedagógica.
O autor se apoiou nos escritos e nas pesquisas desenvolvidas por
Charlot, que segundo ele têm procurado explicitar e definir o conceito de
relação com o saber e fazer uma elaboração teórica capaz de lançar luzes à
compreensão dos processos de construção do sujeito. Dieb (2007) utiliza
esse referencial para refletir sobre o desenvolvimento pessoal e profissional
dos professores da Educação Infantil, sem esquecer das muitas correlações
que têm sido feitas na mídia e na academia entre esse objeto e a qualidade
do atendimento nas instituições educativas para a infância. Para Dieb
12 Aniquilamento (néantisation) – termo utilizado por Charlot (2000, p.30), oriundo do verbo néantiser. 13
Móbeis – para Charlot (2002,p.55), é entendido como razão de agir de um sujeito. É o desejo de um resuldo permite satisfazer e que desencadeou uma atividade.
69
(2007), quando se discute tais questões torna-se importante também pensar
em tudo o que se refere ao que chamamos ―escolar‖: a família, o professor,
as atividades desenvolvidas no contexto escolar, o sistema educacional, os
gestores, a história de vida dos sujeitos, etc.
O autor utilizou um tipo de observação que se aproxima da
participante, pois adentrou o universo dos sujeitos e buscou conhecer o dia-
a-dia das atividades desenvolvidas pelas professoras da Educação Infantil
nas escolas observadas. Contudo, somente as observações, segundo o
autor, não foram suficientes para captar e analisar os elementos que lhe
interessavam. Assim, utilizou a técnica de pesquisa chamada por Charlot de
―Balanços do saber‖ para estudar a mobilização e aprendizagem em torno
da relação com o saber das professoras. Segundo Dieb, essa técnica é
utilizada pela equipe ESCOL14 na França e por outros grupos de pesquisa
espalhados pelo mundo, a fim de estimular os sujeitos a avaliarem os
processos e os produtos de sua aprendizagem. O autor criou uma situação
imaginária:
Imagine que na instituição em que você trabalha, está acontecendo a visita de uma estagiária do Curso de Pedagogia. Ela está prestes a se formar, mas não se considera preparada para assumir uma sala de crianças da Educação Infantil. O que você diria para ela? Como você a ensinaria a ser professora de crianças? O que a motivaria a ir todos os dias a escola? Como ela irá aprender a ser professora da Educação Infantil? O que ela deve ensinar às crianças? Por quê? Como deve cuidar e educar as crianças? Por quê? (DIEB, 2007, p. 114).
O objetivo foi proporcionar às professoras a oportunidade de
refletirem sobre suas práticas com crianças menores de seis anos, ao
mesmo tempo em que as faria pensar sobre onde buscar o saber necessário
ao desenvolvimento desse trabalho. Além disso, esse instrumento permitiu a
Dieb, acesso aos processos estudados e suas articulações, a fim de
identificar as contradições e conflitos que se manifestam no discurso dos
sujeitos.
14
ESCOL – Educação, Socialização e Coletividade Locais (Departamento das Ciências da Educação, Universidade Paris –VIII, Saint-Denis). (Charlot, 2000, p.11).
70
Associada a essa atividade, Dieb (2007) desenvolveu também
entrevistas semi-estruturadas, na tentativa de conhecer as experiências das
professoras, tomando por base a entrada na docência como profissão, a
construção dos saberes no enfrentamento das dificuldades cotidianas e o
sentido atribuído à sua atividade com as crianças. Dieb (2007) justificou que
as entrevistas podem trazer informações valiosas, carregadas de emoções e
de sentidos, pois dizem respeito, principalmente, às experiências dos
sujeitos.
Para análise dos dados, o pesquisador construiu três etapas de
verificação e reflexão: a primeira se deu por meio da descrição de algumas
características do cotidiano da escola, com o objetivo de compreender o
contexto em que se desenvolviam as ações de cuidar e educar das
professoras e sob quais condições. Isso favoreceu a explicação de algumas
das atitudes e interpretações das professoras acerca das crianças, das
famílias, da escola e da própria Educação Infantil.
No segundo momento de análise, o pesquisador procurou descrever
os processos de mobilização das professoras quanto à escolha do
magistério e à entrada e permanência na Educação Infantil, que foram
analisadas com base nas histórias singulares de cada professora. A busca
era pelos motivos que as levaram a exercer a função docente, bem como a
permanência nessa função, apesar das dificuldades e contradições surgidas
no âmbito da escola pública.
Segundo Dieb (2007), compreeender a mobilização de um sujeito em
relação a uma atividade implica conhecer a disposição desse sujeito para
apreendê-la e para assumir sua execução, mediante o sentido e o valor que
lhe é atribuído. Por isso torna-se relevante estar atento aos elementos que
sustentam essa mobilização, que, segundo Charlot et al. (2001), são
elementos de diferentes ordens, tais como: de identificação, de interação,
processos cognitivos, lingüísticos, institucionais e sociais, que normalmente
apontam para uma dinâmica de identificação marcada pela convergência ou
pela contradição de fatos, idéias ou ações.
No terceiro momento, o pesquisador dedicou-se aos processos de
construção do saber das professoras da Educação Infantil. Buscou apreciar
as relações com os diversos saberes profissionais das professoras em suas
71
práticas educativas. Dieb (2007) fez um mapeamento dos saberes que são
privilegiados pelas docentes no desempenho de suas atividades. Além
disso, buscou descrever tendências dominantes na relação com a atividade
de cuidar das crianças e educá-las.
Os dados da pesquisa mostraram que, quanto à escolha da profissão,
as professoras apontaram a necessidade financeira, a vontade de melhorar
a vida e a influência da família, a falta de opção de trabalho e o medo do
desemprego. Apenas um número mínimo atribuiu a escolha da docência a
um desejo de infância. Algumas das professoras afirmaram que não queriam
ferir ou decepcionar os familiares, que também eram da área educacional.
Para Dieb (2007), as professoras foram-se constituindo como
profissionais a partir de uma necessidade de sobrevivência. Sucumbiram
aos desejos da família ou a uma necessidade financeira e também
geográfica, mas ao longo de suas vidas foram percebendo o próprio
processo de constituição de sua profissionalidade.
Algumas se tornaram professoras num processo de negação,
negando a realidade vivenciada por elas até o momento de entrada na
docência. Para outras a motivação surgiu a partir de características
admiradas em suas professoras, e que poderiam assumir, uma vez estando
na mesma profissão. Dieb (2007) afirma que as escolhas que fazemos são,
em parte, movidas pela pressão das forças sociais e históricas que nos
rodeiam e, ao mesmo tempo, pelas reações que desenvolvemos em relação
a tais forças.
As professoras procuraram romper com a atividade profissional que
exerciam para se tornarem professoras e serem mais valorizadas pela
sociedade. Isso demonstra o desenvolvimento de um processo de
construção do ―eu‖ muito intenso, por meio do qual as professoras se
distanciaram e romperam com a pressão que sentiam em suas atividades
profissionais anteriores, o que representa para elas um esforço próprio e a
vontade de aprender como meio de melhorar sua qualidade de vida.
Os dados da pesquisa de Dieb (2007) também mostraram que das
nove professoras pesquisadas a maioria tinham uma forte convicção de que
os professores mais experientes é que deveriam estar atuando na Educação
Infantil, contudo sabiam que eles não fariam questão de assumir tal atividade
72
por lhes dar muito trabalho. Além disso, afirmaram que os professores mais
experientes consideram essa uma tarefa sem prestígio, que deve ficar a
cargo de quem está começando sua carreira. Elas tomaram a própria
experiência como exemplo, claro que com algumas exceções.
Quanto à permanência na atividade de cuidar de crianças e educá-
las, os móbeis que conduziram as professoras a essa atividade passaram
com o tempo a ter na criança uma fonte de satisfação e alegria, seja pela
troca de carinhos, pelo desafio de aprender a lidar com elas ou pelas
relações afetivas desencadeadas no espaço da Educação Infantil. Assim, a
afetividade que aflora no contato com as crianças foi um elemento
mobilizador para a permanência na docência.
Para Dieb (2007), os saberes dos professores são os conhecimentos
que produzem, mobilizam e empregam na realização de suas tarefas
cotidianas. Com base em Tardif (2002), o autor afirma que esses saberes
estão enraizados na história de vida, na experiência de professor e nas
convicções pessoais, crenças e valores socialmente elaborados, a partir dos
quais analisam e organizam sua prática.
O autor considera que a relação do professor com o seu saber e sua
própria construção como sujeito aprendiz não parte de ausências
apresentadas por ele mesmo, mas de apropriações que se deram ao longo
de seu processo de desenvolvimento pessoal, educacional e profissional.
Como exemplo disso, o pesquisador cita uma das entrevistadas, para quem
estudar não tem razão de ser fora do âmbito escolar. Segundo ela, depois
de terminada a graduação, esqueceu-se de tudo, sentindo-se, por isso,
despreparada.
As entrevistas mostraram que para a maioria das professoras a
universidade estabeleceu relações que se revestiram declaradamente de um
caráter utilitarista, visto que o que elas queriam aprender estava relacionado
sempre com o que poderiam aplicar com seus alunos.
Aparentemente as professoras não conseguiam perceber que em
contato com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, poderiam
encontrar instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas.
Buscou-se a pesquisa de mestrado de Beatriz Penteado Lomônaco
(2002), justamente por que tal pesquisa procurou compreender a relação
73
que os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental de uma
escola pública de São Paulo, tinham com os seus saberes profissionais.
A pesquisadora analisou a questão a partir de três eixos:
a) a relação dos professores com a profissão;
b) a construção de seus saberes e de seu saber-fazer;
c) a construção do sentido de sua prática.
A pesquisadora realizou entrevistas semi-dirigidas com trinta
professores e fez observação em sala de aula. As questões da entrevista
foram organizadas e agrupadas de forma a esclarecer as relações dos
professores com a profissão e com a sua prática. As perguntas referem-se à
história escolar e profissional dos professores, seu cotidiano profissional; à
relação com os alunos; o processo de ensino e aprendizagem,
representação de si e o sentido do trabalho docente.
No que se refere às observações, foram privilegiados quatro
aspectos:
a) o espaço ocupado pelo professor em sala de aula;
b) os conteúdos pedagógico e didático desenvolvidos;
c) a interação professor–aluno;
d) a interação aluno–aluno.
Os dados levaram Lomônaco (2002) a conclusões bem semelhantes
às de Dieb (2007), no que se refere ao olhar do professor sobre sua
aprendizagem e seu saber docente, bem como os sentidos atribuídos à
profissão docente.
A maioria dos professores estudou em escola pública e ingressou na
profissão docente por conta da ascensão social. Os entrevistados também
afirmaram que receberam aprovação e estímulo da família para entrar nessa
profissão. Alguns professores relataram a grande influência que receberam
dos seus professores durante sua história escolar. No que concerne às
qualidades desses profissionais, os entrevistados mencionaram o caráter
diferenciado de sua didática, fato que levava o aluno a pensar ou a
participar. Outros evocaram o domínio dos conhecimentos ou ainda seu
engajamento profissional.
No que se refere às lembranças negativas, destacaram a experiência
de humilhação (física e moral), a falta de respeito dos professores, um
74
excesso de rigidez, injustiça ou discriminação. Nesses casos também
percebe-se uma correlação com os resultados da pesquisa de Dieb (2007),
no que se refere à questão afetiva na relação professor–aluno, fato que
também fez com que os professores permanecessem na Educação Infantil.
Os professores participantes da pesquisa de Lomônaco (2002) também dão
importância à afetividade quando se referem a suas lembranças da vida
escolar. Lomônaco afirma que a Escola fica na memória dos professores
como uma sensação de se sentir à vontade, de ser compreendido e
assegurado, dado este que segundo eles tem influenciado sua própria
prática pedagógica.
Os entrevistados também consideraram o início da profissão muito
difícil, principalmente pelo hiato existente entre a preparação que tiveram na
formação inicial em cursos de graduação e a realidade que encontraram na
escola pública. Segundo os professores, foram colocados em escolas
pobres da periferia, em salas de aula que foram rejeitadas pelos professores
mais experientes e antigos na docência, justamente naquelas em que a
presença de um professor experiente seria mais adequada. Receberam
turmas mais difíceis e não contaram com nenhum apoio institucional.
As insuficiências da formação inicial foram ressaltadas por quase
todos os entrevistados. A falta de preparo para o confronto com a realidade
de sala de aula, a inadequação das informações transmitidas, o caráter
excessivamente artificial dos estágios e a formação teórica, que forneceu
noções gerais dificilmente aplicáveis na prática, também foram apontados.
Consideraram, contudo, que a formação inicial foi importante para introduzi-
los na profissão e prepará-los nos primeiros passos da confirmação de suas
escolhas ou para motivá-los.
Charlot (2005) afirma que a aprendizagem do ofício diz respeito,
primeiramente, ao domínio das relações e das situações. O produto dessa
aprendizagem não está, portanto, separado da própria experiência.
Lomônaco (2002) afirma também que a formação inicial não é suficiente
para tornar alguém professor. É a partir do domínio do que se faz que se
pode vir a ser professor, pois a prática é a ação refletida, ainda que, às
vezes, ela possa ser intuída e mecânica. A prática é concebida como fonte
do saber e a experiência de um sujeito pode se tornar um saber se for
75
enunciável em um discurso coerente e, portanto, passível de transmissão,
de verificação e de reflexão.
Para os professores, o problema existente entre sua formação inicial e
a atividade docente no início da profissão não está no currículo, baseado em
teorias e conceitos psicológicos, pedagógicos, filosóficos ou outros, mas no
fato de os conhecimentos não terem aplicabilidade imediata, não
encontrarem ressonância na experiência cotidiana. Parece que a
transmissão do saber profissional do professor foi feita, em larga medida,
pela transmissão oral dos conteúdos. A observação, a vivência e os
conselhos dos colegas são os meios mais utilizados para o desenvolvimento
de sua profissão.
Os professores se mostraram bastante críticos e angustiados diante
das dificuldades encontradas na profissão. A maior parte invoca vários tipos
de dificuldades: más condições de trabalho (são as mais citadas), assim
como a dificuldade de materiais, infra-estrutura, salários, falta de apoio, o
que, segundo esses professores, limita sua autonomia.
Os professores valorizam a atualização e a troca de conhecimentos e
o aperfeiçoamento pessoal. São críticos aos colegas que permanecem na
profissão por hábito, facilidade ou por falta de opção. Alguns acham que a
profissão é sacrificada e não se vêem em uma categoria profissional
engajada, mas em um grupo que sofre a falta de reconhecimento social e
que ganha mal. Por isso, para a maioria, a profissão docente é um desafio.
A pesquisadora percebeu grande conflito entre a vocação e profissão
por parte dos professores, visto que mesmo para aqueles que consideram o
ensino como profissão, a seus olhos seria uma carreira diferenciada, porque
requer atitudes especiais e, ainda que seja vista como missão, dom de si ou
compromisso, concentra vários papéis e funções.
Ao mesmo tempo, a pesquisadora aponta uma vontade de os
professores demarcarem seu papel e suas tarefas de modo a melhor definir
sua profissão, não somente em termos de vocação, mas também, quanto às
suas dificuldades particulares.
Na relação do professor com o seu saber profissional, segundo
Lomônaco (2002), o que está em foco é a relação existente entre a
apropriação e a adequação do saber profissional, ou seja, a aquisição de um
76
saber e sua aplicabilidade. Nesse sentido, os professores dão testemunhos
de várias maneiras de aprender seu ofício e de colocar em prática seu
saber. Certos professores sentem-se capazes de tirar proveito de seu saber,
o que lhes dá satisfação e um sentimento de domínio do trabalho, uma
segurança frente a seu ofício. Mas, alguns professores sentem-se incapazes
de responder adequadamente a determinadas situações de ensino, o que
gera um sentimento de impotência, embora os desafie também.
As entrevistas permitiram à pesquisadora observar que a importância
dada aos conhecimentos varia segundo as concepções dos professores
frente ao seu papel ao ensinar. De um lado estão aqueles que privilegiam a
transmissão de valores e de comportamentos, concedendo um lugar
secundário aos conhecimentos formais e, do outro lado, encontram-se
aqueles que sempre dão prioridade aos conteúdos do programa, que são,
por sua vez, repassados sem considerar o nível da turma ou da capacidade
de aprendizagem dos alunos.
Pensando nas reflexões feitas por Lomônaco (2002), buscamos
pesquisas ou trabalhos que discutissem a relação com o saber nos cursos
de formação inicial de professores. Localizamos o artigo de Bicalho (2005),
da Universidade do Vale do Rio Doce, em Belo Horizonte. A autora discute a
formação de professores no Ensino Superior, especificamente no que se
refere à construção da relação acadêmica com o saber. Bicalho (2005) usa
como referencial teórico a noção de relação com o saber, de Bernard
Charlot. Como Lomônaco (2002), a autora também considera a formação
inicial de professores no Ensino Superior um espaço importante na
educação de professores.
Seu interesse pela pesquisa surgiu da sua própria relação com o
saber, na interação com os estudantes, visto que nesse espaço a professora
percebeu, por parte dos alunos, situações de extremo engajamento nas
atividades docentes, enquanto outros adotavam posturas de negação e
resistência. Numa tentativa de entender as relações dos alunos com o saber
e com a universidade, Bicalho (2005) utilizou como guia de entrevista a
trajetória escolar. A pesquisadora constatou que os estudantes
apresentavam diferentes tipos de trajetórias e formas de construírem
relações com o saber e com a universidade.
77
Caracterizando os sujeitos, verificou que todos os entrevistados eram
oriundos de famílias com baixa condição financeira e baixo grau de
escolaridade (pais analfabetos ou que estudaram no máximo até a quarta
série do Ensino Fundamental). Todos eram dos cursos de Licenciaturas,
contudo a autora não esclarece de quais especificidades ou de quais
períodos eram seus entrevistados.
Bicalho (2005) trabalhou com a idéia de que o Ensino Superior
engendra formas de existência do saber e induz a uma determinada relação
com o saber, que ela denominou como ―relação acadêmica com o saber‖. A
pesquisadora julga que o tipo de saber desenvolvido no Ensino Superior é
um saber científico, mesmo nas instituições que não trabalham com
produção científica ou de preparação profissional, pois a relação com o
saber, nesse caso, é construída com base nas formas de raciocínio e
expressão próprias do conhecimento científico. Talvez venha daí a
dificuldade de articular as expectativas em relação à formação profissional
inicial com o cotidiano e as ementas da academia.
Os resultados da pesquisa revelaram a necessidade de um processo
de adaptação dos estudantes às práticas cotidianas da universidade, quanto
à relação acadêmica com o saber. Segundo os estudantes entrevistados, a
dificuldade começa a aparecer quando não conseguem entender o discurso
acadêmico, que, além de uma linguagem específica, tem um ritmo diferente,
o que os leva à dificuldade de ler e produzir textos nos ―moldes‖ acadêmicos.
O ritmo considerado aqui pelos estudantes refere-se às formas como os
professores transmitem os conteúdos. Os estudantes costumam dizer que
os professores ―jogam o conteúdo e o aluno tem que se virar‖. Segundo a
pesquisadora, essa é uma forma de os estudantes se relacionarem com os
saberes ainda não dominados e pode estar levando os sujeitos a uma
imobilidade frente aos saberes considerados científicos.
Os estudantes enfrentam essa situação de maneiras diversas.
Enquanto alguns parecem tentar estabelecer uma ponte com o cotidiano,
outros se fecham nessa relação, o que pode impedir qualquer aprendizagem
e a possibilidade de conexão entre os saberes que aprendem na
universidade e a vida profissional.
Por fim, encontramos também referências à relação dos professores
78
com o saber, na pesquisa de doutorado de Ana Lúcia Manrique (2003), que
teve como objetivo principal compreender como se realizam as mudanças
em concepções e prática pedagógica de professores de matemática,
participantes de um processo de formação docente continuada em
Geometria. Embora o foco inicial não fosse a relação com o saber, ao
investigar as mudanças decorrentes da formação, Manrique (2003) detectou
a importância das relações do professor com o saber. Segundo a autora, ao
investigar tais relações, pode-se descobrir os diferentes dilemas enfrentados
pelos professores no cotidiano escolar.
Ao buscar a referência sobre os saberes docentes Manrique (2003)
sentiu a necessidade de resgatar os fundamentos teóricos de Bernard
Charlot, principalmente quanto às relações nas quais o sujeito se envolve
em processos de mudança. Apóia-se na definição de Charlot (2000, p. 61)
de que ―[...] a idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de
relação do sujeito com ele mesmo, de relação desse sujeito com os outros
(que constroem, controlam, validam, partilham esse saber)‖, que, segundo a
pesquisadora, explicita o caráter dinâmico do saber bem como, a sua
constante transformação.
A pesquisadora observou que para alguns professores as relações
consigo próprio, com o outro e com o mundo são importantes por
propiciarem à pessoa interrogar-se sobre os valores e sentidos de seu
saber; pensar sobre as intervenções dos outros e sobre o meio no qual
estão inseridos. Nos relatos de alguns professores, foi possível, segundo a
pesquisadora, perceber a importância dos encontros de formação para a
mudança de concepção do papel do professor no ensino da geometria. O
encontro com pessoas que possuem idéias e sentimentos diferentes sobre o
ensino pode funcionar como propulsor de mudanças, fato que muito se
assemelha aos resultados obtidos nas pesquisas de Lomônaco (2002) e
Dieb (2007): a importância da relação com os outros como fonte de
construção dos saberes.
A partir das dificuldades que alguns professores encontraram em
compreender os conteúdos matemáticos e manusear materiais didáticos, a
pesquisadora verificou que essas dificuldades tinham relação direta com os
sentidos e valores que os pesquisados atribuíam à postura e às ações
79
docentes. Nesse caso, precisaram alterar sentidos e valores para processar
suas mudanças.
Manrique (2003) afirma que a pessoa que está em uma relação com o
saber pertence a um momento histórico, vive em uma sociedade e possui
uma determinada cultura. É a esse mundo que devemos nos referir quando
investigamos relações com o saber, daí a necessidade de se pensar os
relacionamentos que os professores estabelecem com os estudantes nas
escolas, com a direção, coordenadores, pais e comunidade em geral.
Para a pesquisadora, o estudo das relações desses professores com
o saber propiciou uma reflexão sobre a realidade de forma mais ampla, o
que implicou conhecimentos das lógicas específicas utilizadas em situações
de aprendizagem, que, por sua vez, são afetadas por variáveis intrapessoais
e por fatores internos dos sujeitos, algo potencialmente significativo nos
processos de mudança.
Todas essas pesquisas aqui relatadas fazem refletir ainda mais sobre
o papel do professor formador no contexto da formação inicial,
principalmente no que se refere às relações com o saber na aprendizagem
inicial da docência. As pesquisas de Manrique (2003) e Bicalho (2005)
indicam a importância do reconhecimento das relações que os professores
formadores desenvolvem no contexto das Licenciaturas.
Surge assim, uma preocupação com a questão da teoria e prática que
aparece nas análises dos pesquisadores, visto que as relações que se
estabelecem com o saber no âmbito profissional das pessoas que
participaram das pesquisas podem ser influenciadas pelas práticas que os
professores formadores desenvolvem nas universidades, e que levam, por
sua vez, à falta de entendimento dos processos constitutivos da formação
docente. Desta forma deve-se insistir na idéia de verificar em que medida ou
de que forma a relação que o professor formador mantém com o saber
profissional pode ou não afetar a formação dos futuros professores nos
cursos de Licenciaturas.
80
A formação de professores e a relação com os saberes profissionais
dos professores formadores
A universidade poderia ser o lócus privilegiado, para se desenvolver a
compreensão da noção de relação com o saber, bem como levá-la em
consideração nas próprias práticas dos professores formadores junto aos
futuros professores. A universidade é uma instituição de produção e de
discussão da ciência, da cultura, da tecnologia, da política, da economia,
entre outros. Entretanto, as pesquisas sobre a formação docente têm
demonstrado que ainda há muito por fazer, pois segundo pesquisadores tais
como Pimenta (2005), Ludke (2004), Roldão (2007), Pereira (2006), entre
outros, os cursos de formação, não vêm respondendo às necessidades
profissionais que o contexto social exige. Como afirma Pimenta (2005, p.
16):
As pesquisas em relação à formação inicial, têm demonstrado que os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dão conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade profissional docente
A ação do professor formador constitui, como afirma Imbernón (2000),
um eixo central na formação do conhecimento profissional básico do futuro
professor, bem como na constituição da sua profissionalidade docente. Isso
implica entender com profundidade a natureza da atividade docente que de
uma forma ou de outra é a ação de ensinar, mas como afirma Pimenta
(2005,p.18), [...] ensinar como contribuição ao processo de humanização dos
alunos historicamente situados. Espera-se dos cursos de ―[...] Licenciatura
que desenvolvam nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus
saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino
como prática social lhes coloca no cotidiano‖. (PIMENTA, 2005,p.18)
Roldão (2007) afirma que a ação de ensinar está no centro das
81
atividades do professor e é isso que caracteriza a profissão docente,
distinguindo o professor de outros profissionais. A noção de ensinar assume
a cada período histórico um novo conceito. Houve um tempo, segundo a
autora, em que a ―ação de ensinar‖ tinha como propósito propiciar
conhecimento àqueles que não tinham acesso a ele. Assim, ensinar
significava professar um saber, ou seja, transmitir um saber, disciplinar
alguém. O entendimento de ensinar referia-se, segundo Roldão (2007, p.
95), ao ―sinônimo de transmissão de um saber, que atualmente deixou de
ser socialmente útil‖, principalmente se levarmos em consideração que as
informações estão disponíveis nas sociedades como um capital global.
Nas sociedades atuais, a função de ensinar segue outra linha de
interpretação, que, segundo Roldão (2007, p. 95) é
[...] antes caracterizado pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especificidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for àquilo que se quer ver aprendido) a alguém‖, numa leitura mais pedagógica e alargada a um
campo vasto de saberes e conhecimentos, incluindo os disciplinares.
Essa concepção vem ao encontro das idéias de Sacristán (1995,
p.68). Para o autor, quando o professor desenvolve a ação de ensinar,
mobiliza não somente ações metodológicas, avaliações psicológicas de
diferentes processos de aprendizagem ou partilha competências, mas
exprime, sobretudo, ―[...] avaliações epistemológicas do professor sobre a
importância dos conteúdos, demarca normas de comportamento na aula;
reflete valores sociais, etc.‖
Segundo o autor, a essência da profissionalidade docente reside nas
relações dialéticas existentes entre conhecimentos e destrezas profissionais
que o professor desenvolve ao longo de suas atividades docentes. O autor
afirma que a conduta profissional do professor pode ser uma conduta de,
[...] simples adaptação às condições e requisitos impostos pelos contextos preestabelecidos, assim como também pode assumir uma perspectiva crítica, estimulando o seu pensamento e a sua capacidade para adotar decisões
82
estratégicas inteligentes para intervir nos contextos. (SACRISTÁN, 1995, p. 74).
A ação de ensinar remete à análise de várias questões que circundam
o ato de educar e que envolve, por sua vez, uma complexidade de relações.
Assim, pensar a educação significa pensar, segundo Charlot et al. (2001),
um movimento antropológico de humanização, como um conjunto de
processos socioculturais e como um confronto com saberes específicos,
com práticas sociais. Os sujeitos envolvidos nesse processo exercem
atividades no mundo e sobre o mundo, perseguem objetivos e realizam
ações nesse mundo.
Para Charlot (2001), discutir a formação dos sujeitos leva a indagar as
relações com o saber e com o aprender que são requeridas e mobilizadas
em situações distintas por esse sujeito. Tais relações são múltiplas e
variadas, por isso afirma que não há como abordar a relação com o saber
apenas por uma tendência teórica. Em Charlot et al ( 2001), há um consenso
entre os autores quando afirmam que quando o sujeito aprende no seio de
uma instituição (instituições não são apenas escolas), estabelece uma
relação com os saberes subjacentes a ela. Essa relação com o saber
permite abordar problemas diversos, de amplitude variável, presentes nos
vários campos disciplinares.
Por isso, quando discutimos a formação docente e o desenvolvimento
da profissionalidade15 docente, estamos pensando no sujeito que
desenvolve um certo tipo de relação com um conjunto de saberes que
compõem essa profissionalidade. Pesquisar a relação com os saberes
profissionais implica compreender como os sujeitos, no caso, o professor
formador e o estudante futuro professor, categorizam e organizam o seu
mundo, que sentidos dão à sua experiência, especialmente, a sua
experiência de formação profissional.
Para Charlot et al. (2001), a amplitude dessas questões leva a
analisar os modos de pensar, ser, comportar-se, representar e interpretar o
15 SACRISTÁN (1992, p.2), define profissionalidade como ―expressão da especificidade de uma atuação dos professores na prática, ou seja, o conjunto de atuações, habilidades, conhecimentos, atitudes e valores ligados a elas, que constituem a prática específica de ser professor‖.
83
mundo, assim como perceber o outro e comunicar-se com ele. Tem a ver
com o conjunto de necessidades que são percebidas por um coletivo de
professores. Implica, segundo Abdalla (2006), pensar nas ações do dia-a-dia
e na compreensão das diferentes necessidades/expectativas dos
professores.
Segundo Mellouki e Gauthier (2004) é importante superar certos
discursos que não contribuem para a formação do senso crítico. Não
podemos nos referir à formação de professores e às relações que esses
estabelecem com os saberes da profissão, apenas levando em consideração
os conceitos forjados pela prática, pois essa concepção pode levar, segundo
Sacristán (1995), a uma acepção mais imediata da prática, constituindo o
conteúdo dessa formação um sentido técnico restrito.
A formação de professores não requer somente discussões
relacionadas à transmissão e transposição do conhecimento, mas também
às condições de aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo, pois,
segundo Charlot (2005, p. 77), ―[...] a educação supõe uma relação com o
outro, e não há educação sem algo de externo àquele que se educa‖. O
outro pode ser o professor, mas também um conjunto de objetos intelectuais,
situações, valores ou práticas.
Adquirir um saber, para Charlot (2000), equivale a assegurar-se de
um certo domínio do mundo ou sociedade em que se vive, comunicar-se
com os outros e partilhar esse mundo com os outros, viver certas
experiências e tornar-se mais seguro de si, mais independente. Procurar um
saber é instalar-se num certo tipo de relação com esse saber e, por isso,
pode-se utilizar a expressão ―o homem enquanto sujeito do saber‖. Charlot
explica:
O sujeito do saber acaba por desenvolver uma atividade que lhe é própria: argumentação, verificação, experimentação, vontade de demonstrar, provar, validar. Essa atividade é também ação do sujeito sobre ele mesmo: tomar o partido da razão e do saber é endossar exigências e proibições relativas a si próprio. (CHARLOT, 2000, p. 60).
A discussão sobre a formação de professores requer compreender
84
não somente a relação com o saber dos sujeitos envolvidos no processo de
formação, mas implica verificar a relação desses sujeitos com o ensino (com
a situação e com a atividade de ensino), pois formar e formar-se professor é,
ao mesmo tempo, apropriar-se dos discursos (dos saberes teóricos) e
tornar-se capaz de realizar práticas, que se fazem necessárias a cada
momento ou situação.
O problema é que justamente pela forma com que o sujeito
estabelece as relações no âmbito da educação também se institucionalizam
certas ideologias, crenças, valores, condutas, formas de se relacionar com
os saberes diversos, que hoje, apesar dos discursos, ainda se fazem
presentes nas instituições escolares e universitárias. Por isso, a discussão
da formação de professores implica necessariamente uma discussão sobre
os professores formadores, assim como uma discussão sobre as relações
que eles estabelecem com os saberes da profissão docente e,
principalmente, com os saberes implícitos na sua atividade como formador.
Afinal, é bom lembrar que existe no âmbito das instituições
educacionais um discurso sobre a prática e a própria prática, que emerge
desse discurso, os quais normalmente segundo Charlot, não convergem.
Ou seja, o discurso muitas vezes é um e a atividade dos professores é outra.
Desta forma, questiona-se, como apesar de tantos encontros, discussões,
debates em torno de uma formação crítica, emancipatória, ainda nos
deparamos com situações em que não se fez ―[...] o rompimento com a visão
etnocêntrica que somente concebe como cultura as formas culturais
dominantes‖(ALVES, 2004, P. 40). Quando ainda percebemos que o
professor, apesar de seus discursos, não considera de fato, a experiência
prévia de seu aluno.
Para Charlot (2005), é preciso pensar e analisar alguns itens
relacionados à atividade dos professores, que por sua vez vão instituindo ou
engendrando certas maneira de ―ler― as coisas, as pessoas e os
acontecimentos, ou melhor, que vão constituindo a relação que os
professores estabelecem com os seus saberes profissionais:
É imprescindível, quando se reflete sobre a formação dos professores, distinguir bem esses quatro níveis de análise: o
85
saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática. Formar professores é trabalhar saberes e as práticas nesses diversos níveis e situar, a partir dos saberes e das práticas, os pontos em que podem se articular lógicas que são e permanecerão heterogêneas. (CHARLOT, 2005, p. 94)
No que se refere a lógica dos discursos constituídos, o autor destaca
que os professores assimilaram alguns discursos que, segundo ele, não
podem mais ser utilizados no contexto atual e se transformaram numa
mistificação pedagógica sobre a realidade social. Dessa forma, adotando-se
certas atitudes e práticas relacionadas aos discursos, muitas vezes
fundamentados pelos modismos que surgem inevitavelmente nas
sociedades, esses vão se tornando um saber-discurso. Entretanto para que
o saber-discurso se constitua é necessário uma prática do saber que
segundo Charlot (2005, p. 94), é ―[...] uma forma de mediação entre a lógica
das práticas e aquela dos discursos eruditos, mediação, e não integração
das duas lógicas: prática e teoria‖. Nesse caso, ―[...] a prática do saber é
uma prática e não um saber‖ (p.94).
Para o autor, existem tensões, entre a lógica das práticas e o saber
constituído em discurso que afeta não somente a atividade do professor,
mas também os próprios alunos, visto que encontram-se muitas vezes em
conflito com as lógicas dos professores.
Na sociedade atual, por exemplo, os professores querem transmitir
saberes aos seus estudantes, no entanto os alunos, não questionam o valor
particular desses saberes, mas só conferem legitimidade ao saber se ele é
útil. Tais considerações destacam, segundo Charlot, a complexidade do
―métier‖ dos professores. Charlot (2005, p. 98) afirma que:
Formar professores é dotá-los de competências que lhes permitirão gerir essa tensão, construir as mediações entre as práticas e saberes através da prática dos saberes e do saber das práticas. Para formar educadores, é preciso ser igualmente capaz, como formador de educadores, de gerir a mesma tensão.
Portanto, a formação inicial de professores deve também buscar
refletir sobre tais tensões junto aos licenciandos.
86
CAPÍTULO III - METODOLOGIA
Quando ouço, verdadeiramente, uma pessoa e apreendo o que mais lhe importa, em dado momento, ouvindo não apenas as suas palavras, mas a ela mesma, e quando lhe faço saber que ouvi seus significados pessoais privados, muitas coisas acontecem. (Carl R. Rogers - 1973:210)
Para compreender a relação que os professores dos cursos de
licenciaturas estabelecem com os saberes profissionais é preciso buscar
compreender como concebem o processo de aprendizagem para a
docência, os sentidos que atribuem à sua disciplina e à profissão docente;
as suas concepções sobre o aluno, o professor, o ensinar, o aprender e as
práticas escolares, que se configuram como relações pertinentes à atividade
do professor, segundo Charlot ( 2005).
As pesquisas que envolvem a relação com o saber procuram,
segundo Charlot (2001, p. 63), compreender como o sujeito categoriza,
organiza, dá sentido à sua experiência e a seu mundo. Por isso é preciso
buscar como ―[...] o sujeito apreende o mundo, constrói e transforma a si
próprio‖.
Charlot (2000, p. 63) afirma que não há saber que não esteja inscrito
em relações de saber, desta forma as relações com o saber são relações
sociais. Segundo o autor um saber só tem sentido e valor por referência a
essas relações. Para compreender a relação que um sujeito estabelece com
um saber seja ele qual for, deve-se levar em consideração as relações com
os lugares, com as pessoas, com os conteúdos de pensamento, com a
questão do aprender e do saber, os valores, crenças, expectativas e
mobilizações frente a sua atividade no mundo.
As pesquisas focadas na relação com o saber podem ser
desenvolvidas sob várias perspectivas (antropológicas, sociológicas,
didáticas...), desde que levem em consideração que o sujeito é
indissociavelmente humano, social e singular. Segundo Charlot (2001, p.
19),
Qualquer que seja a entrada disciplinar, a questão da mobilização do sujeito, da sua entrada na atividade
87
intelectual, parece central na problemática da relação com o saber: por que ( motivo) e para que ( fim, resultado) o sujeito se mobiliza? Que desejo sustenta esta atividade? Por que ela não se produz com a mesma freqüência, nem sobre os mesmos objetos, nas diferentes classes sociais? Que postura (relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo) assume o sujeito que aprende. [...] a questão é sempre compreender como se opera a conexão entre um sujeito e um saber ou, mais genericamente, como se desencadeia um processo de aprendizagem, uma entrada no aprender. Se o sujeito já está em atividade, a questão é compreender o que sustenta a sua mobilização.
As questões propostas por Charlot são extremamente instigantes e
nos conduziram a desenvolver a presente pesquisa
Campo e Sujeitos da Pesquisa
A definição do campo e dos sujeitos da pesquisa baseou-se em
alguns elementos considerados relevantes no processo de formação de
professores nos cursos de Licenciatura.
Primeiro, levou-se em consideração os problemas discutidos por
Marques (2003), relacionados à fragmentação e desarticulação dos
currículos que se manifestam de várias maneiras e por sua vez, concorrem
para que a formação de professores se torne precária.
O segundo aspecto considerado foi o escasso número de pesquisas
centradas, segundo Andrade (2007), na figura do professor formador, um
dos principais agentes de transformação nos processos formativos do futuro
professor.
Por considerar as universidades o epicentro de formação de
professores principalmente no que se refere aos cursos de Licenciaturas,
optou-se por desenvolver o estudo com professores de uma das
universidades da região Sul do Brasil. A universidade em questão é
considerada uma das maiores instituições de ensino dessa região e possui
uma estrutura multicampi que permite atender às comunidades das várias
cidades da região, assim como às mais variadas áreas do conhecimento
humano, por meio da produção e socialização do conhecimento pelo ensino,
88
pela pesquisa e pela extensão. Atualmente, possui mais de cinqüenta cursos
superiores, trinta e seis cursos de especialização/aperfeiçoamento, oito
mestrados e dois doutorados. Além disso, abrange a educação de jovens e
adultos e a educação básica, com o Colégio de Aplicação.
Os cursos de graduação da universidade estão organizados em seis
centros de atividades: centro das ciências da saúde; das ciências humanas;
das ciências sociais e jurídicas; das ciências sociais aplicadas à gestão; das
ciências aplicadas a comunicação, turismo e lazer; das ciências tecnológicas
da terra e do mar, sendo que os cursos de formação inicial de professores,
especificamente as Licenciaturas estão vinculadas ao centro de ciências
humanas.
O centro de ciências humanas atualmente congrega oito cursos de
Licenciatura em diferentes áreas do conhecimento — Música, Pedagogia,
Letras, História, Geografia, Ciências Biológicas, Psicologia e Educação
Física. Ao reunir essas graduações, o centro integra também a pesquisa e a
extensão, na inovação tecnológica e na formação e capacitação de
alunos, buscando que seus estudantes possam transitar pelas diferentes
áreas do conhecimento. Além disso, o centro também abriga o Núcleo das
Licenciaturas, que oferece formação pedagógica para todos os cursos da
universidade que formam o professor para atuar na Educação Básica.
A existência desse núcleo foi mais um dos motivos que contribuiu
para a escolha dessa universidade como campo de pesquisa. O núcleo das
licenciaturas tem como objetivo a integração entre as disciplinas específicas
e as disciplinas de formação pedagógica.
Para um maior entendimento a respeito do núcleo das licenciaturas,
foi realizada uma entrevista com a coordenadora do núcleo, bem como com
a Gerente de Ensino e Avaliação, co-responsáveis pela elaboração,
implementação e manutenção do projeto. Além disso, foi analisado o
documento que constituiu o núcleo. As informações fornecidas foram muito
ricas e ajudaram a entender os depoimentos dos professores formadores.
Houve inicialmente um contato com os coordenadores dos cursos de
licenciaturas para indicação dos professores. Assim, foram convidados a
participar da pesquisa vinte e cinco professores responsáveis tanto pelas
disciplinas específicas como pelas pedagógicas.
89
O contato inicial, com os coordenadores e com os professores, foi
difícil. Aparentemente suas agendas estavam muito comprometidas com
muitas atividades tanto na vida profissional como particular. Assim, dos vinte
e cinco professores, apenas nove devolveram o registro escrito com o
balanço do saber. Entre eles, um professor16 de Educação Física; uma
professora de Letras; dois professores de Biologia; uma professora de
História; duas professoras de Artes; uma professora de Música e uma
professora de Didática e Prática de Ensino.
Os participantes, de ambos os sexos estavam na faixa etária de 30 a
50 anos, com experiência docente entre 10 e 30 anos, e como professores
formadores o tempo de experiência variou entre 6 a 23 anos. Todos atuam
nesta universidade há pelo menos 4 anos.
Procedimentos Metodológicos
Balanço do saber: uma técnica de coleta de dados
Na coleta de dados, procurou-se seguir o caminho já percorrido por
outros estudos, que investigaram a relação com o saber. Assim, numa
tentativa de apreender os sentidos que os professores dos cursos de
Licenciaturas atribuem à sua disciplina e à profissão docente e como
concebem o processo de aprendizagem da docência, recorreu-se
primeiramente a técnica do balanço do saber, utilizada pela equipe ESCOL,
da França e também por pesquisadores brasileiros como Dieb (2007) e
Lomônaco (2002).
O objetivo dessa técnica, segundo Charlot (2001), é estimular as
pessoas que participam da pesquisa a avaliarem os seus processos de
aprendizagem. Consiste na produção de um texto com base em um
enunciado que é elaborado especialmente para obter dados a respeito do
objeto de pesquisa. No caso da presente pesquisa, o objetivo foi
proporcionar aos professores formadores uma oportunidade de refletirem
16
Para manter o anonimato dos professores e da instituição, serão utilizados na descrição dos dados, nomes fictícios.
90
sobre suas práticas e sobre o que consideram importante ensinar no curso
de formação de professores.
Dessa forma, elaborou-se um enunciado que pudesse revelar tais
intenções. Para possibilitar o atendimento às expectativas ou questões de
pesquisa, foram aplicados pré-testes a professores formadores de uma
universidade que não fez parte dessa pesquisa. Essa experiência foi
bastante interessante, pois pôde-se observar os comportamentos dos
professores bem como as falhas do instrumento, o que levou à reformulação
do enunciado até que pudesse dar informações a respeito do objeto de
pesquisa. Assim, chegou-se ao enunciado que segue:
Desde que pensou em ser professora (professor) você aprendeu muitas coisas com relação à atividade docente. Pense bem que coisas são essas e escreva aquelas que considera mais importantes. Depois escreva o que você ainda gostaria de aprender sobre essa atividade. Diante do que você escreveu, o que é ser professor para você hoje?
Na primeira etapa da pesquisa, além da técnica do balanço do saber,
também foram acrescentadas algumas perguntas para caracterizar e
conhecer um pouco mais os professores envolvidos, pois segundo Charlot
(2005,p.23), numa pesquisa sobre relação com o saber é importante
considerar a singularidade e a história dos indivíduos; as suas atividades
efetivas, suas práticas; a especificidade dessa atividade e o significado que
conferem às situações vivenciadas. Dessa forma, perguntou-se aos
professores:
A idade;
O tempo de profissão docente;
O que o levou a ser professor;
O tempo em que atua como professor formador;
O tempo em que trabalha como professor na universidade.
Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, que segundo
Franco (2007, p. 12), tem como ponto de partida ―[...] a mensagem verbal
91
(oral ou escrita), gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente
provocada‖. A autora afirma ainda que:
As mensagens expressam as representações mentais construídas socialmente, a partir da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Relação que se dá na prática social e histórica da humanidade e que se generaliza via linguagem. Sendo constituídas por processos sociocognitivos, têm implicações na vida cotidiana, influenciando não apenas a comunicação e a expressão das mensagens, mas também os comportamentos. (FRANCO, 2007, P. 12)
Para a autora, toda mensagem escrita, falada ou sensorial, contém
uma grande quantidade de informações sobre o sujeito emissor: ―[...] suas
filiações teóricas, concepções de mundo, interesses de classe, traços
psicológicos, representações sociais, motivações, expectativas, etc‖.
(FRANCO, 2007, p. 25).
Seguindo a guisa metodológica da análise do conteúdo, buscou-se
fazer uma leitura dos dados coletados com o objetivo de organizar as
unidades de análise. Essa pré-análise corresponde a um período de
intuições sobre os dados e tem por objetivo operacionalizar as idéias iniciais
de maneira que essas possam levar a um plano de análise. Assim, de posse
dos registros com os balanços do saber, elaborados pelos professores
formadores, buscou-se fazer a leitura, deixando-se invadir por impressões
sobre as relações que os professores estabelecem com seus saberes
profissionais.
Foi possível conhecer assim, um pouco da história da formação
profissional do professor formador, os valores atribuídos a essa formação,
pois na medida em que o professor escrevia sobre o que aprendeu, pôde-se
perceber o que é importante para ele. Essa ordem de importância ajudou
também a entender que tipo de relação esse professor mantém com a sua
profissão e com os saberes necessários ao exercício profissional.
Outro fator que chamou a atenção nessa primeira etapa foram as
contradições presentes no conteúdo dos textos do balanço do saber.
Contradições essas que foram constituindo o principal objeto de análise
nessa pesquisa, pois à medida que essas contradições se evidenciavam, se
92
explicitavam também alguns pontos chaves de análise.
Entrevistas recorrentes
O balanço do saber ajudou a apreender alguns dos sentidos
atribuídos pelos professores aos saberes profissionais, mas foi apenas uma
aproximação inicial. Para complementar as análises recorreu-se à técnica da
entrevista recorrente.
Antes de voltar ao campo e fazer as entrevistas recorrentes com os
professores formadores procedeu-se à análise de alguns temas ou pontos
chaves, em especial que apareceram de forma reincidente nos textos dos
professores, os que evidenciavam relações com os saberes profissionais e
os que apresentavam contradições. Também foram destacados elementos
que precisavam ser esclarecidos ou aprofundados.
Segundo Tunes (1981), Simão (1989), Zanelli (1992) e Contini (1998),
que discutem os princípios básicos da ―entrevista recorrente‖, a interação
entre o pesquisador e o entrevistado é fundamental para a construção do
conhecimento acerca de uma situação problematizada. Sendo assim,
buscou-se entrevistar os professores, numa espécie de interação social
planejada que se dá entre ―um ator que pretende ‗conhecer‘ o fenômeno e o
outro ator que detém a experiência cotidiana daquele fenômeno‖ (SIMÃO,
1989, p.37), havendo, para tanto, a repetição de encontros entre esses
atores (pesquisador e participante), até que se considere a questão ou o
problema suficientemente esclarecido.
Não houve um roteiro único para todos os participantes da pesquisa,
mas um roteiro especialmente elaborado para cada um dos entrevistados.
As perguntas feitas aos professores, buscavam aprofundar pontos obscuros
ou pouco esclarecidos na primeira etapa da investigação. Também não
houve preocupação em esgotar os tópicos de interesse em uma única
seção. Entretanto, apenas com dois professores, foi necessário mais de um
encontro, para aprofundar questões relevantes.
Nesse processo de investigação, à medida que os professores tinham
a possibilidade de rever o que haviam escrito, foi possível observar que os
93
mesmos mudavam seus posicionamentos e as formas de expor seus
pensamentos. Essa possibilidade de mudança está relacionada [...] à
produção desse conhecimento ativo. Conhecimento e ação, portanto,
apresentam-se dialeticamente associados (ZANELLI, 1992, p.58). Foi
possível, nesse processo, a aproximação aos significados manifestos e
latentes produzidos pelos professores formadores acerca da formação inicial
de professores e suas relações com os saberes profissionais.
Todas as sessões de entrevista foram gravadas e transcritas. Em
seguida foram conferidas de modo a comparar as transcrições e suas
respectivas gravações. De posse desse material, foi feita uma análise
preliminar dos depoimentos dos professores organizando-os em função dos
conteúdos.
As análises apresentam algumas limitações visto que estamos
investigando os sentidos que os sujeitos atribuem aos seus saberes
profissionais, o que envolve uma série de questões que vão, desde as suas
concepções em relação ao processo de aprendizagem da docência, às
concepções de ensino/aprendizagem, ao papel do aluno, do professor e das
práticas escolares. Nem sempre é possível desvelar tais concepções
principalmente porque o professor formador encontra-se envolvido num
contexto histórico repleto de instabilidades e ambigüidades, políticas,
econômicas, sociais e profissionais.
Além disso, em alguns casos, tais concepções não se encontram
claras nem mesmo aos próprios formadores, principalmente por conta da
cotidianidade de sua atividade que ao mesmo tempo esclarece e dificulta a
percepção clara dos conhecimentos que divulgam, os compromissos que
assumem, as informações que oportunizam aos estudantes e as habilidades
cognitivas que exigem.
94
CAPITULO IV - APRESENTAÇÃO DOS DADOS
“Nosso verdadeiro estudo é da condição humana”.
(ROUSSEAU, Emílio)
O Núcleo das Licenciaturas
Com base nas entrevistas, foi possível entender o que provocou a
elaboração do projeto do núcleo das licenciaturas, assim como o processo
de implantação e funcionamento do mesmo.
A universidade em questão funcionava até 2004, em forma de centros
de formação nos diferentes cursos, tais como, Centro das Ciências da
Saúde, Ciências Humanas e da Comunicação, Historia e Geografia,
Pedagogia, Educação Física, entre outros, sendo que cada centro
desenvolvia a sua própria formação pedagógica para os licenciandos.
O problema segundo a Gerente de Ensino e Avaliação, eram os
grandes conflitos que surgiam em virtude da importância atribuída aos
cursos de bacharelados. Havia uma forte tendência, segundo ela, de
valorização da formação específica, relegando a licenciatura para o segundo
plano. Havia muitos problemas relacionados aos estágios, ao
relacionamento com a comunidade, às escolas e às práticas pedagógicas.
Havia ainda, muitas críticas ao sistema 3 + 1, uma vez que esse não
facilitava a aproximação da universidade à comunidade nem às escolas, e
críticas que se estendiam ao tipo de formação de professores propiciada
pela universidade. O distanciamento entre comunidade, escolas e
universidade foi um ponto forte na argumentação para criação do núcleo das
licenciaturas, e para as mudanças que ocorreram na matriz curricular dessa
modalidade de curso, como explica a Gerente de Ensino e Avaliação:
[...] porque a universidade tem uma virtude nesse sentido assim, a gente sempre desviou as ações muito para a comunidade, e nós tínhamos uma reclamação da comunidade, em relação a isto, a formação dos nossos professores, naquele esquema de três mais um, não atendia as necessidades das escolas, e as escolas diziam isso para nós, que a formação estava deixando a desejar, no sentido
95
de efetivamente, formar um professor. [...] Então, nós fomos juntando todos os argumentos, para poder discutir, e poder pensar no núcleo, o que a gente espera é que o núcleo se fortaleça e encontre um espaço que efetivamente discuta essa formação do professor, junto com as escolas, junto com a comunidade, junto a um conjunto de pessoas.
Assim, aproveitando-se desses argumentos bem como das mudanças
ocorridas na Lei de Diretrizes e Bases – Lei 9394/96, que recomenda a
estruturação de currículos de Licenciatura pautados em eixos norteadores
como: unidade teoria e prática, gestão democrática da escola, compromisso
social e ético, sólida formação teórica e interdisciplinar, trabalho coletivo e
articulação da formação inicial e continuada, foram dados os primeiros
passos para implantação de uma Matriz Curricular Integrada, como eixo
central da formação dos professores da Educação Básica, buscando a
unidade de ação no desenvolvimento da formação docente, conforme se
pode observar no quadro fornecido pela universidade:
MATRIZ CURRICULAR INTEGRADA DA UNIVERSIDADE – BASE PARA OS CURSOS DE LICENCIATURA
Período
Curricular
Formação
Geral
Conhecimentos Técnico-
Científicos da Área +
Fazer Pedagógico
Disciplinas
Optativas
1
Prática Docente:
projetos
integrados
90 h/a
2
Metodologia do
Ensino de (Área
Específica)
60 h/a
Processos de
Ensino e
Aprendizagem
60 h/a
Prática Docente:
projetos
integrados
90 h/a
3
Prática Docente:
projetos
integrados
90 h/a
4
Prática Docente:
projetos
integrados
75 h/a
Estágio
Supervisionado -
Pesquisa da
Prática
Pedagógica
60 h/a
5
Prática Docente:
projetos
integrados
60 h/a
Estágio
Supervisionado -
Pesquisa da
Prática
Pedagógica
90 h/a
6
Estágio
Supervisionado -
Pesquisa da
Prática
Pedagógica
120 h/a
7
Estágio
Supervisionado -
Pesquisa da
Prática
Pedagógica
135 h/a
Educação, Comunicação e
Tecnologia
60 h/a
Prática de Ensino + Estágio
Supervisionado
LIBRAS
60 h/a
Ati
vid
ad
es C
om
ple
men
tare
s 2
00 h
/a
Currículo
60 h/a
Políticas Públicas em Educação
60 h/a
Educação Inclusiva
60 h/a
Conhecimentos de Formação
Pedagógica
Realidade Socioeducacional
Brasileira
60 h/a
96
A organização dessa nova matriz curricular, para os cursos de
licenciaturas surgiu da análise de matrizes curriculares dos vários cursos:
Geografia, História, Música, Letras, Educação Física, Artes, Matemática,
Biologia. Segundo a coordenadora do núcleo, o que se observou foi que as
matrizes curriculares anteriores revelavam uma organização curricular que
realmente privilegiava o bacharelado. Segundo ela, a organização curricular
era pouco consistente e desarticulada do profissional da educação, com falta
de referenciais que articulassem os saberes científicos aos saberes
pedagógicos. A análise das matrizes curriculares mostrou que ao final da
formação o perfil profissional estava mais próximo ao de um biólogo,
geógrafo, historiador ou lingüista que do professor de biologia, de geografia,
de história ou de línguas.
A partir dessa análise sentiram a necessidade de dar novos
encaminhamentos aos cursos de licenciaturas. Pelo que consta no projeto
do núcleo, bem como em seu organograma, os professores, a Gerente de
Ensino e pesquisadores da instituição, apoiados na Lei de Diretrizes e Bases
– Lei 9394/96 repensaram a estrutura de oferta e organização de seus
cursos de formação de professores, objetivando a superação da dicotomia
teoria-prática e o distanciamento entre as diferentes áreas, de forma a
corresponder, em extensão e profundidade, aos princípios que orientam a
reforma da educação básica. Conforme consta no projeto do núcleo, a
intenção foi buscar modalidades de organização pedagógica e espaços
institucionais que favorecessem a constituição das competências docentes
requeridas para ensinar.
A matriz foi constituída de forma que os núcleos específicos cuidem
das disciplinas específicas, e o núcleo das licenciaturas, da parte
pedagógica, mantendo a articulação entre os mesmos por intermédio de
professores que atuam tanto nas disciplinas específicas como nas
disciplinas pedagógicas e que fazem parte do grupo núcleo.
Para manter essa matriz curricular articulada, as coordenações e
professores dos cursos de licenciatura atuam de forma colegiada,
conservando os espaços coletivos de discussão, produção de saberes e
competências necessárias ao exercício da docência e à consolidação de
políticas institucionais que contribuam para a qualificação de docentes.
97
Fazem parte do núcleo das licenciaturas vinte e cinco docentes,
especialistas, mestres e doutores, com formação em diferentes áreas do
conhecimento, que juntamente com a coordenadora do núcleo constituem o
colegiado, que busca desenvolver atividades que propiciem formação
integrada aos estudantes, o que ocorre tanto pela forma como a matriz está
organizada, como pelas reflexões e replanejamento contínuo das atividades
sistemáticas do núcleo.
Com base nas discussões e reflexões ocorridas nas reuniões de
colegiado desse núcleo foram organizados 3 seminários, no período entre
2005 a 2008, envolvendo todos os professores da universidade que atuam
com cursos das licenciaturas, numa tentativa de agregar mais professores
ao núcleo. Segundo as entrevistadas, ainda é muito grande a resistência por
parte dos professores das disciplinas específicas com relação a criação do
núcleo, pois esses alegam que as aulas ou disciplinas, organizadas na nova
matriz, tomam um espaço de tempo que poderia ser destinado às disciplinas
ou conteúdos das áreas específicas, tais como matemática, biologia,
química, história, geografia, entre outras. Segundo a coordenadora do
núcleo, alguns professores não entendem que pode haver uma articulação
entre as disciplinas.
Para a coordenadora do núcleo, ―[...] é necessário por exemplo, não
apenas um historiador nas escolas, mas um bom professor de História‖.
Para ela essa nova organização ajuda na formação do futuro professor,
porque os licenciandos conseguem perceber a relação entre o saber
específico e o pedagógico, pois em muitos casos quem trabalha com as
disciplinas pedagógicas é também um professor de Historia, de Geografia,
de Biologia, que por sua vez consegue estabelecer essa relação.
Segundo a coordenadora do núcleo, apesar do desenvolvimento das
atividades e do envolvimento dos professores ainda é muito difícil
conscientizar os demais professores dos diferentes núcleos, da importância
dessa reflexão sobre a profissão docente dentro da universidade. É o que
afirma a Gerente de Ensino e Avaliação, que também esclarece que:
As ações de integração são várias, mas dependem também, da... Eu diria da responsabilidade do colegiado do curso,
98
quanto mais o colegiado do curso se identifica com a proposta, melhor e mais fácil as coisas funcionam, a gente vê isso nitidamente, tem cursos em que isso vai muito bem, em que as pessoas compreendem, lidam bem, tratam, se integram, agora tem áreas mais duras, que essa relação é muito mais truncada. Eu diria que em educação física e música, isso é um pouco mais fácil, história e biológicas, isso é um pouco mais difícil, pelas características das áreas, que a gente não pode menosprezar, mais basicamente a gente tem tentado fazer ou por meio de seminários ou projetos pedagógicos, por meio das ações de apresentações de trabalhos, atividade definidas nas práticas docentes, a gente vem forçando esse dialogo, não no sentido de impor mas, tentado conquistar o espaço, para... Materializar esse diálogo, mas não é simples, é um espaço a ser conquistado, e ser conquistado o tempo todo, não tem como dizer cumpriu-se, você não consegue dizer isso, o tempo todo você tem que estar lutando e brigando, conforme vão mudando as pessoas, saem professores entram professores, e você tem que de novo conquistar, de novo trabalhar.
Assim, do ponto de vista da Gerente de Ensino e Avaliação como da
coordenadora do núcleo, o projeto ainda é recente, tem apenas quatro anos
de implementação, mas já traz mudanças significativas na formação de
professores, fato que já é reconhecido pela comunidade e mesmo por parte
dos grupos resistentes que alegam que não querem voltar ao que era antes:
Do ponto de vista da comunidade, como um todo, uma coisa que é inegável, mesmo as áreas mais duras, não conseguem negar, que o núcleo ajuda a formação, no sentido de trabalhar com uma conscientização do que é carreira do professor, os meninos que se formam, os formados que passaram pelo núcleo, eles têm uma consciência muito maior do que é ser professor, eu acho que essa é a grande conquista do núcleo, você vê os alunos se formando de um outro jeito, mais conscientes da sua tarefa como professores, e isso inegavelmente é o trabalho que o núcleo realizou neste período, essa é uma fala dos professores que o tempo todo reafirmam, é o contato desde o primeiro período com as escolas que facilita a definição da profissão, os meninos vão para a escola desde o primeiro período.(Gerente de Ensino e Avaliação)
Percebe-se que a idéia da formação do três mais um, não atrai nem
mesmo os professores formadores mais resistentes, pois esses atribuem
99
pontos positivos tanto ao estágio de observação, quanto à disciplina
chamada Prática Docente, que insere os alunos desde o primeiro período no
ambiente escolar, de forma que esses possam desenvolver projetos
integrados com as escolas. Os professores verbalizam, segundo a pró-
reitora de pesquisa, que esse contato desde o primeiro período, vai tornando
os alunos mais conscientes de sua futura profissão.
Para entendermos melhor como o núcleo funciona foi-nos fornecido o
organograma desse setor da universidade:
ORGANOGRAMA DO NÚCLEO DAS LICENCIATURAS
Núcleo das Licenciaturas – Projeto de Criação.
Pró-Reitoria
1.1.1.1.1.1.1.1.1 de Ensino
Departamento de
Ensino e Avaliação
CEHCOM
Colegiado das
Licenciaturas
Cursos de
Licenciatura
Núcleo das
Licenciaturas
100
Por meio do organograma e também das explicações concedidas
pelas entrevistadas, percebe-se que o colegiado das diferentes licenciaturas
mantém ou deveria manter uma comunicação bem próxima com o núcleo
das licenciaturas, para a formação do futuro professor para a educação
básica. No entanto, por conta das resistências encontradas em alguns
departamentos esse trabalho ainda precisa ser solidificado. Segundo a
coordenadora do núcleo, ainda há professores que chegam a ser
categóricos com relação aos saberes pedagógicos, considerando esse um
espaço perdido para o curso. No caso das áreas de História, Biologia,
Geografia, Matemática, por exemplo, alguns professores chegam a afirmar,
segundo ela, que as atividades desenvolvidas pelo núcleo ou pelos
professores do núcleo são muito fáceis.
Balanço do saber: caracterizando e desvendando os primeiros
elementos sobre a relação com o saberes profissionais dos
professores formadores
Ao serem questionados sobre os motivos que os levaram à escolha
da profissão docente, os professores fizeram referências à identificação com
a docência, à influência dos amigos, professores e familiares, à falta de
opção de cursos nas localidades onde moravam e até mesmo à questão
financeira. Alguns professores explicaram que faziam o curso superior e
precisavam pagar seus estudos, daí a escolha da docência, pois segundo
uma professora “era possível trabalhar meio período, arrumar tempo para
estudar e fazer as aulas na graduação‖ (Maria).
Os professores de Educação Física e Biologia responderam que a
opção pela docência surgiu no próprio curso. Foram ―se apaixonando pela
profissão‖, principalmente no período do estágio. O contato direto com o
ambiente escolar acabou por atrair os professores para a docência,
conforme afirmações que seguem:
Para minha sorte, essa passagem pelas escolas na época do estágio fez com que eu me apaixonasse pela docência. Poderia ser técnico de futebol, ter uma academia, mas a
101
docência me atraia. A recreação, a possibilidade de trabalhar com o elemento lúdico, as contribuições que eu poderia levar às comunidades carentes com que eu trabalhei, fizeram com que eu optasse pela parte pedagógica. Sempre gostei dessa parte no curso de graduação (José, Prof. Ed. Física).
Acho que foi no próprio curso, eu entrei pra fazer biologia e me encontrei professor. Mas, não um bom professor de biologia, porque eu podia dar aula de ciência, de saúde, então faltou aquele aprofundamento na própria graduação, na própria área específica, que a gente imaginava, era aquele sistema tradicional do três mais um. Você tinha as disciplinas específicas e no final você fazia as pedagógicas, a prática de ensino, a metodologia, que ensinava a ser professor. E acho que a minha primeira experiência de dar aula, era sobre aparelho digestivo, foi tão ruim que eu acho que aquilo se tornou um desafio pra mim, entendi que não é isso que é ser professor. É uma coisa muito mais séria muito mais complexa (Antônio, Prof. Biologia).
Algumas professoras declararam que desde criança se viam como
professoras. Quando crianças brincavam de dar aulas para as colegas, para
os vizinhos e até para os animais domésticos. Gostavam de ensinar os
colegas na escola quando seus professores solicitavam. Dessa forma, a
docência foi acontecendo, quase automaticamente. Afirmaram que não
tiveram de pensar sobre o que iriam fazer profissionalmente. As experiências
de vida as conduziram para a docência.
A admiração pelos professores também foi algo que se destacou nos
textos:
Eu fui fazer o magistério, porque sempre fui uma aluna que admirava a professora, sempre gostei de ensinar os outros, brincar de escolinha, daí fiz o magistério. Na verdade o dia-a-dia é que vai te conquistando. Eu me via no lugar de minhas professoras. (Juliana, professora de Didática). Eu não sei explicar o que me levou a ser professora. Pelo menos não assim. Eu tive exemplos, os exemplos me levaram a ser professora. Por exemplo, no ensino fundamental eu tive uma professora que eu adorava. Ela tinha um domínio, um jeito de trabalhar conosco que me encantava. Então quando eu tinha aula com ela eu sabia que queria ser professora. Embora eu não soubesse ainda
de que. (Beatriz, professora de Letras)
102
As professoras Juliana e Beatriz, indicaram como afirmam André e
Passos (2008, p 4), ―[...] uma fonte importante de saber dos docentes
formadores para o exercício da profissão: os mestres-modelo‖. Como afirma
Tardif (2002), ao longo de sua história de vida, o sujeito interioriza certos
conhecimentos, competências, crenças, valores, que por sua vez estruturam
a sua personalidade e suas relações com os outros, de forma que esses são
utilizados e reutilizados com grande convicção em suas atividades
profissionais.
Existe, nesse sentido, uma relação ativa do sujeito com o mundo à
medida que desenvolve suas atividades sobre esse mundo. E esse processo
de apropriação implica reproduzi-lo, mas também produzi-lo e transformá-lo.
É uma relação temporal porque o processo de apropriação do mundo, a
construção de si mesmo, e a relação com os outros requerem tempo e
jamais acabam. Como afirma Charlot (2000, p, 79) ―[...] É o tempo da
história, o tempo ―(...) ritmado por ‗momentos‘ significativos, por ocasiões,
por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo‖.
Foi possível também constatar quais os aspectos que os professores
consideram importantes na formação do futuro professor, aspectos esses,
que podem ajudar a entender suas relações com os saberes profissionais.
Dentre eles pode-se destacar: a preocupação com a realidade e o cotidiano
escolar; o distanciamento existente entre o que se ensina nas instituições de
formação e a realidade escolar; entre teoria e prática; e as formas de ensinar
e aprender, os quais podem ser observados nos depoimentos abaixo:
A gente sente necessidade de ter mais um tempo, justamente de voltar a ser um professor mais investigador, mais questionador, ser um professor que investigue mais a realidade. Acho que é importante desenvolver uma prática também inter e multidisciplinar dentro da universidade, para que possamos entender a realidade da escola que nossos alunos estão fazendo o estágio, para ter uma coesão entre escola e o que ensino em sala de aula. [...] A gente nota pelos questionamentos de nossos alunos, sobre a falta de condições de trabalho, que na escola não tem muitas vezes, uma quadra, não tem bola, não tem tempo, não tem nada. Gostaria de aprender ainda mais sobre isso. Como trabalhar e ensinar o futuro professor a lidar com essas dificuldades. Às vezes a escola não tem uma política de educação física, mas uma política voltada para o desporto, ai não tem material ou condições física para isso. Assim nos
103
deparamos com muitas situações que nos levam a pensar que ainda temos que evoluir muito em termos de reflexão dentro das escolas principalmente pública no Brasil.(José/Ed. Física)
Então, ser professor é sempre estar atrás do conhecimento. Cito sempre que é preciso fazer uma leitura, de onde você vai trabalhar e disso buscar se inserir nessa comunidade para que a escola realmente seja algo de transformação daquela comunidade. A escola não deve simplesmente repassar os conteúdos, repassar os fundamentos básicos, ou repassar conhecimentos sem alterar essa comunidade, sem efetivar mudanças aonde ela está inserida. Por isso devemos conhecer a realidade na qual nossos alunos estão fazendo estágio ou estão trabalhando. (Profª Célia/Artes)
Alguns professores destacaram a aprendizagem voltada para a
interpretação da realidade onde atuam como professores, bem como onde
seus alunos fazem os estágios ou onde atuam como professores. Observa-
se que os formadores têm preocupação em tomar conhecimento da
realidade, pois na própria formação houve um distanciamento muito grande
entre aquilo que aprenderam e a realidade das escolas nas quais foram
trabalhar, como é possível também constatar no texto do professor José:
Bom, como eu já desde a graduação trabalhei no estágio com população carente, acho que o meu grande aprendizado foi isso. Como trabalhar com essas pessoas, na diversidade. Na verdade eu sempre procurei entender, ler sobre como trabalhar com esses sujeitos que tinha todas essas carências. O estágio possibilitou isso. Na graduação falava-se de um sujeito ideal, mas nas escolas a gente estava recebendo o sujeito real, e o sujeito real era sempre muito carente. Desde a parte alimentar até saúde, parte social e econômica. Então como dar conta disso? Então o que eu achei mais importante foi procurar entender o contexto onde eu estava inserido como professor. Para ir busca desenvolver meu trabalho.( José/Ed. Física)
Considera-se que tais preocupações dos formadores sejam
fundamentais, pois a exemplo das experiências de estágio vividas no seu
período de formação, podem rever suas estratégias de supervisão de
104
estágio para minimizar o hiato existente entre as escolas em que seus
alunos vão estagiar e os conhecimentos trabalhados nas universidades.
Outro aspecto salientado pelos professores formadores, nos balanços
do saber envolve discussões relativas à contraposição entre teoria e prática,
que é permeada por tensões e dificuldades, o que pode ser ilustrado no
texto da professora Juliana/didática:
Hoje eu posso dizer que uma coisa importante é saber interpretar as realidades, os cotidianos e fazer essa interação, essa interlocução com a teoria, acho que esse é o grande saber, aquele que me mobiliza todos os outros quando você consegue estar sempre se questionando, sobre a prática e a teoria, saber que isso é interativo, indissociável.
Essa professora aparentemente entende a teoria numa perspectiva
que envolve a reflexão, o desenvolvimento de um saber e a própria
intervenção no cotidiano. Como afirmam Pimenta e Lima (2004), nos cursos
de formação de professores tanto as disciplinas de fundamentos quanto as
didáticas devem contribuir para sua finalidade, que é formar o professor a
partir da análise e da crítica, assim como da proposição de novas maneiras
de fazer educação, pois não há como negar que todas as disciplinas são ao
mesmo tempo ―teóricas‖ e ―práticas‖. Afinal a ação docente é uma prática
social que envolve capacidades complexas, que por sua vez envolvem
diferentes perspectivas intelectuais, afetivas e culturais.
As professoras Célia e Beatriz revelam uma preocupação com a
articulação entre teoria e prática. Como atestam suas palavras:
Acho que ainda preciso aprimorar minhas técnicas, preciso dinamizar mais. Sou muito teórica, eu acho importante essa base, mas eu não consigo atingir os alunos. Eu digo pro alunos: olha vocês tem as disciplinas específicas de formação docente, de metodologia de ensino, então meu papel aqui é dar uma base pra vocês, porque vocês precisam saber mais que seus alunos, mas eles não entendem a teoria. (Beatriz/Letras). Eu vejo que os fundamentos teóricos são importantes, são os que dão significado a minha prática, e também não
105
adianta você saber teoria se não sabe aplicar na prática. Hoje eu vejo os absurdos que eu fazia com as crianças no início da profissão, aquela coisa do construtivismo, de deixar a criança fazer o que ela queria, pois eu entrei nessa. Faltou o conhecimento teórico. (Célia/Artes)
Por meio dessas afirmações, é possível verificar, uma relação
conflituosa dos professores com os saberes teóricos/ práticos da profissão.
Pela forma como escrevem sobre os saberes que consideram mais
importantes em sua própria aprendizagem, é possível perceber que ora
teoria e prática se entrecruzam como práxis, ora se relacionam, mas parece
que pertencem a caminhos diferentes.
Para alguns dos formadores há lacunas abertas em relação aos
saberes que adquiriram ao longo de sua formação acadêmica, visto que
para eles essa foi uma formação muito ―teórica‖, desconectada da realidade.
Acho que na minha época era muito fragmentado, havia muito pouco saída de campo, cada professor vinha entrava e dava a sua aula e ia embora. Justamente a ecologia que na época estava iniciando, aparecendo os primeiros problemas ambientais, dava essa possibilidade de ir a campo. Mas isso não acontecia. Nosso conhecimento era mais restrito a sala de aula, nos conhecimentos teóricos. O campo... era só no último ano. No antigo sistema três mais um, com o estágio. Nem sempre dava tempo de ver a realidade das escolas, ou dos ambientes. Aí, no inicio eu dava aula de ecologia mesmo achando que estava fazendo educação ambiental. (Antônio/Biologia)
O professor Antonio indica explicitamente a separação entre os
conteúdos específicos e os pedagógicos, entre teoria e pratica na sua
formação. Por que então agora reforça o valor dos conteúdos entre as
aprendizagens importantes para a formação do futuro professor? Essa
contradição também foi evidenciada no estudo piloto quando ao
descreverem o que aprenderam, os professores se ativeram mais
freqüentemente a conteúdos disciplinares.
A professora Letícia/Letras descreve seu processo de aprendizagem
da docência:
106
Desde que pensei em ser professora com certeza aprendi muitas coisas com relação à atividade docente: Conteúdos de disciplinas que eu poderia lecionar; Formas de ensinar (procedimentos, metodologias);Concepções sobre ensino e aprendizagem; Concepções de linguagem; Concepções de infância; Concepções de currículo, didática, metodologia; perspectivas teóricas (de caráter sociológico, filosófico, psicológicos) que embasaram essas concepções. Ainda há muitas coisas que gostaria de aprender, por exemplo, estudar um pouco mais a área de psicologia do desenvolvimento e a área de artes. Penso que quanto mais aprendemos, mais nos damos conta que precisamos aprender muito mais!
Observa-se que os professores escreveram muito a respeito dos
conteúdos dispostos na matriz curricular. Aparentemente dão atenção
especial às questões que estão prescritas em um determinado documento,
que enuncia regras ou conteúdos a serem ensinados.
Com relação a isso, Charlot (2005), afirma que a constituição do
profissional tem a ver com as maneiras de ver e ler as coisas, as pessoas,
os acontecimentos, o mundo. Para o autor o mundo não é um lugar apenas
em que se atua, mas um universo de sentido. A formação não é somente
uma relação de eficácia com uma tarefa. Afirma ainda, que o ensino não é a
simples transmissão de um saber, mas sim uma intenção cultural. Do
mesmo modo, a formação não é simples aprendizagem de práticas, ela é
também acesso a uma cultura específica.
Há também nos relatos escritos, referências aos fundamentos
filosóficos, sociológicos, políticos voltados para o desejo de ampliar o olhar
frente à formação dos futuros professores, o que foi explicitado pela
professora Helena/História:
A formação ampla em fundamentos sociológicos, filosóficos e políticos alem da própria história seria muito bom e contribuiria muito na formação dos futuros professores. Isso eu ainda tenho que aprofundar, mas é muito difícil e complicado levando em consideração as atividades que faço como professora.
Como aprendizagens futuras foi mencionada pelos professores a
necessidade de entender as novas tecnologias, entre elas a educação a
107
distancia – EAD - a avaliação e o aprender a ensinar. Nesse sentido,
escreveram sobre as aulas serem muito ―expositivas e teóricas‖ ou como um
dos professores escreveu ―(mono) dialogadas‖.
Entre os saberes que ainda gostariam de aprender, destaca-se a
busca de estratégias para que o aluno possa aprender. Parece haver um
sentimento de angústia e até mesmo certa decepção frente ao desejo de
realmente ensinar os alunos e as dificuldades que ainda percebem ter em
termos de metodologias, como é possível constatar nas palavras que
seguem:
Gostaria muito, muito mesmo, de aprender como ensinar, ou melhor, como fazê-los aprender de forma que não seja através de aulas expositivas (mono) dialogadas. Estratégias de ensino em que o professor não dá aulas, mas o aluno usa as aulas para aprender a buscar o conhecimento, e o professor orienta esse movimento. (professor Paulo – Biologia)
Tais afirmações, convergem com as palavras de Roldão (2007, 95),
quando afirma que ensinar nas sociedades atuais é caracterizada ―[...] pela
figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação‖. E ―[...] é
essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa ( que
chamamos de currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver
aprendido) a alguém ‖.
Libâneo (2003) afirma que o ensino precisa ajudar o aluno a
desenvolver habilidades de pensamento e identificar procedimentos
necessários para apreender. A metodologia de ensino, não diz respeito
unicamente às técnicas de ensino, mas sobretudo ao fato de você ajudar o
aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de
investigação da ciência que você ensina. O autor afirma ainda que,
[...] o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.) [...] No meu ponto de vista, o ensino hoje, em todos os níveis, precisa unir a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou o contrário, dá na mesma. Trata-se de nem só aprender a
108
lógica do processo nem só os conteúdos. (LIBÂNEO, 2003, p. 2)
Daí a preocupação do professor, quando afirma: ―[...] os alunos
chegam na universidade sem saber pensar. Precisamos ensinar a pensar.
Como vão tomar decisões, organizar suas atividades pedagógicas se não
sabem pensar?‖ (professor Paulo de Biologia).
Perguntou-se também, aos professores formadores o que é ser
professor hoje? Aparentemente, as idéias dos professores em alguns
aspectos convergem com a idéia de Charlot (2005, p. 75), quando afirma
haver ―universais17da situação de ensino18 [...] características que estão
relacionadas à própria natureza da atividade e da situação de ensino,
quaisquer que sejam‖. Entre as respostas dadas pelos professores
formadores foram observadas muitas semelhanças no que se refere a idéia
do que seja formar o professor na atualidade, ilustradas pelos depoimentos
das professoras Juliana e Helena:
A função do professor não é diferente hoje daquela que foi ontem. É auxiliar as novas gerações na apropriação do acervo cultural organizado em pensamento científico para dar a eles bases de continuação, crítica ou decisão de acordo com que essas novas gerações resolvam ter e fazer. (Helena/História)
Acho que a função do professor sempre foi a mesma, as demandas, as necessidades mudam, mas a função sempre é a mesma. Buscar de alguma forma estar contribuindo com o desenvolvimento humano de outras pessoas. Acho que isso sempre foi e vai continuar sendo. O dia que isso mudar, deixar de ser importante, não há porque da existência dessa função. (Juliana/Didática)
Os depoimentos indicam que para os formadores, o professor deixa
de ser apenas um transmissor de conteúdos para voltar-se à formação do
sujeito no seu sentido mais amplo. O professor contribui seja em que tempo
17
Universais:Características relacionadas à própria natureza da atividade docente e da situação de ensino ( CHARLOT, 2005,p75). 18
Situação de ensino: atividades dos professores: ―o professor trabalha numa instituição de ensino, recebe um salário,colegas, respeita um programa curricular e dá aulas para vários alunos‖( CHARLOT, 2005, p.75).
109
for para a formação do aluno em sua totalidade - consciência, caráter,
cidadania, tendo como mediação fundamental o conhecimento, visando à
emancipação humana.
Considera-se que essa emancipação está relacionada
indubitavelmente com o triplo processo de desenvolvimento humano
mencionado por Charlot (2000, p 53), que implica processos de hominização
( tornar-se homem), de singularização ( tornar-se um exemplar único de
homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade,
partilhando seus valores e ocupando um lugar nela).
Os professores também revelam sentimentos ambíguos sobre a
profissão, pois consideram que a docência é um projeto de vida, um trabalho
que tem como objetivo maior a transformação do estudante e da sociedade,
mas lembram da precarização por que vem passando a profissão docente:
É um projeto de vida, porque não é muito fácil. Você é desvalorizado, a proletarização do trabalho é muito grande, a gente tem visto por meio de pesquisas que tem professor aí trabalhando em três escolas, carga horária de 40, 50 horas. É no município, no Estado e a rede privada, com salários baixos. Como o professor vai estudar, já que isso é fundamental na vida de um professor?[...] Mas, esse é o meu sonho é o meu trabalho, e é no que eu acredito. Na transformação, que é possível. Como se diz se é impossível cabe a nós torná-lo possível. Esse é um dos lemas que eu tenho, apesar de ver os professores desmotivados,
revoltados. (Prof. Antônio/Biologia)
As palavras do professor Antônio remetem a questões bem visíveis da
precarização do trabalho docente, conforme denunciam Marin e Sampaio
(2004). A situação salarial do professor e as condições de trabalho, refletem-
se significativamente sobre sua vida pessoal e profissional.
Também a professora Juliana/Didática afirma que “a profissão
docente é instigante e ao mesmo tempo estressante‖, alega que o professor
trabalha muito, tem que estar constantemente se atualizando, e que é
“fundamentalmente uma profissão que lida com emoção”:
A profissão professor é instigante, ao mesmo tempo estressante, acho que a gente trabalha muito embora você tenha que se atualizar em conteúdo tecnologia, estratégias,
110
em teorias, aspectos epistemológicos e filosóficos ela é uma profissão que fundamentalmente lida com emoção. Eu estou convencida disso. Que no fundo a gente lida com emoção. Que aquele que melhor lida com as emoções das pessoas, mais gera aprendizagem, mais gera desenvolvimento, a emoção ainda é base. Essa emoção não pode ser esquecida e nem deixada de lado nessas novas ferramentas de ensino, novas tecnologias.
As palavras da professora mostram que para ela a afetividade tem um
papel importantíssimo na aprendizagem dos alunos. Saber lidar com as
emoções é uma habilidade necessária segundo essa professora.
Não há como negar que o processo de ensinar e aprender é muito
mais complexo que apenas transmitir informações, o que está em jogo são
as relações humanas. Nesse sentido, a docência por si só define-se como a
mais pura dessas relações, baseada na afetividade, sociabilidade e
comprometimento de quem ensina e de quem aprende.
Outro aspecto bastante comum nos relatos dos professores frente à
profissão docente foi a relação com o estudo, com a pesquisa. Para a
maioria dos professores ser professor hoje é estar voltado para o estudo
contínuo, é estar em permanente formação como sujeito ―inacabado e
consciente‖ como afirma Freire (1999, p.55). Tais preocupações são
explicitadas pela professora Letícia/Letras:
Ser professor é não ter medo de enfrentar o inesperado, de lidar com as incertezas. Significa ser criativo e lidar com as diferentes formas de linguagem, e aceitar, acima de tudo, que tem tudo e muito mais para aprender. Ser professor significa estar inacabado. Ser professor significa saber lidar com questões de ensino e pesquisa.
Das palavras da professora Letícia surge também a idéia do professor
pesquisador, que também estava presente nos textos dos demais
professores. Considera-se importante perguntar, qual o sentido que tem para
o professor formador a idéia do professor pesquisador? É possível
vislumbrar dois sentidos nos textos dos professores conforme escrevem as
professora Beatriz e Célia:
111
Uma das coisas que eu acho que foi extremamente importante aprender foi a perspectiva de aprender a pesquisar e ser esse professor pesquisador. Mesmo que muitas vezes eu não seja só pesquisadora só. Mas no sentido de pesquisar para a docência, foi muito importante para o meu crescimento pessoal e profissional. (Beatriz/letras)
Acho que isso a gente nunca para de aprender quando se é professor. Mas, hoje estou me sentido muita ―dadora‖ de aula. Preparar para aula, escolher conteúdo... Só sala de aula, isso acho que não ajuda na aprendizagem do professor. Vejo que eu tenho muito pouco tempo para ler, para buscar outros conhecimentos. Eu preciso fazer alguma coisa porque eu estou agoniada. Vou fazer um doutorado, sei lá. Quero pesquisar! Hoje eu não tenho tempo pra isso. Estou só na sala de aula. (Célia/artes)
Com base nas palavras das professoras, observa-se que para a
professora Beatriz foi importante aprender a pesquisar para dar sentido à
docência. Para a professora Célia no entanto, dar aulas, resolver os
problemas da prática nem sempre permite buscar novos conhecimentos,
estudar, pesquisar, o que deixa claro que para as professoras ensino e
pesquisa são atividades distintas e se complementam.
Das Entrevistas recorrentes: destacando algumas das relações com os
saberes profissionais dos professores formadores
A análise de conteúdo dos balanços do saber permitiu identificar
alguns dos saberes profissionais que para o professor formador apresentam-
se como fundamentais na sua atividade, tais como os saberes da formação
profissional; saberes disciplinares; saberes curriculares; saberes da
experiência, e fazer aproximações no que se refere às relações que eles
estabelecem com esses saberes. A primeira etapa da pesquisa mostrou a
necessidade de se refletir sobre o repertório de saberes mencionados pelos
formadores.
112
Abordar a relação dos professores com os saberes profissionais
significa analisar os processos de construção de seus saberes, seu modo de
agir, pensar, transformar, sentir e compreender o mundo a seu entorno.
As relações com o saber, segundo Charlot (2000), são relações
indissociáveis com o EU, com os outros e com o mundo e nesse caso
específico da atividade do professor formador, dizem respeito à relação do
professor com os conhecimentos exigidos pela profissão. A relação com o
Eu faz referência à história de vida do profissional, à sua perspectiva de
vida, às expectativas frente a sua profissão, à imagem que quer ter e passar
de si e que influência a tomada de decisão no âmbito profissional. Por isso,
vale ressaltar que esse conjunto de relações estão circunscritas à realidade
investigada, podendo em outros contextos surgir outras relações.
Terminando a 2ª fase da coleta de dados por meio das entrevistas
recorrentes, prosseguiu-se na análise, de forma que os depoimentos dos
professores fossem organizados com base nos tipos de saberes
profissionais docentes e suas respectivas relações. Dentre essas destacam-
se as relações frente aos saberes pedagógicos; disciplinares e de conteúdo,
que por sua vez estão associados à discussão sobre a relação entre teoria e
prática, o sentido atribuído ao estágio supervisionado e o papel do professor
formador.
Embora se tenha organizado a análise das entrevistas recorrentes
com base nos tipos de saberes profissionais, conforme explicitou-se
anteriormente, num estudo de relações com os saberes, Charlot (2000),
afirma que não se pode estabelecer categorias estanques e delimitadas,
pois essas podem se tornar amplas e ambíguas. Além disso, em se tratando
dos saberes profissionais docentes, depara-se com vários elementos que se
entrecruzam e produzem múltiplas relações sociais que nutrem, sustentam,
bloqueiam ou mobilizam os professores formadores em suas atividades
profissionais.
113
A cultura institucional como espaço de relações sociais e
profissionais: as experiências institucionais como elementos que
influenciam as relações com os saberes profissionais
Partindo dos balanços do saber e posteriormente das entrevistas
recorrentes, identificou-se elementos dos intercâmbios acadêmicos que
permitiram conhecer a teia de significados que os professores formadores
vão incorporando com base nas relações estabelecidas no ambiente
profissional. Considera-se que os ambientes profissionais produzem
crenças, hábitos, valores e normas que determinam o que é valioso aos
seus profissionais, ou seja, os modos de pensar, sentir, atuar e se
relacionar. Em conformidade com Gómez (2001), considera-se todos esses
elementos como parte da cultura institucional e que de uma forma ou de
outra condicionam e pressionam o comportamento dos indivíduos que
atuam na universidade.
Com relação a essa cultura institucional, cumpre destacar as relações
com os saberes profissionais que emergem das experiências que os
professores vivenciam no âmbito da universidade, seja no período de sua
formação profissional como também no período em que atuam como
professores formadores.
Nesse aspecto, Tardif (2002, p. 61) qualifica os saberes docentes
como temporais no sentido de que dependem da história de vida escolar do
professor e são construídos ao longo de sua carreira, e heterogêneos no
sentido de que exigem mobilização de conhecimentos de diferente natureza.
Tardif (2002, p.63), destaca as fontes desses saberes, que podem ser
provenientes seja da história de vida do sujeito, seja da socialização pré-
profissional, da socialização nas instituições de formação ou da prática do
trabalho.
Com base nessas considerações pode-se afirmar que a profissão
docente é também um processo de socialização, que segundo Tardif (2002,
p. 70), ocorre num ―[...] processo de marcação e de incorporação dos
indivíduos às práticas e rotinas institucionalizadas‖.
Embora a procedência dos saberes profissionais docentes não seja
exatamente o problema dessa pesquisa, esses fenômenos temporais se
114
configuram como elementos importantes nas discussões sobre a relação
com os saberes profissionais, visto que podem levar os professores a
compreenderem o sentido de terem escolhido a profissão docente como
também podem influenciar suas atividades pedagógicas ou mesmo suas
representações acerca do papel que desempenham enquanto profissionais.
Como afirma Charlot (2000), o saber é construído na história coletiva e as
relações não são somente epistemológicas, são amplamente relações
sociais que possuem por sua vez um valor, um sentido.
Nos depoimentos dos professores formadores destacam-se a
importância que os saberes provenientes das socializações pré-profissionais
e da formação universitária têm em suas práticas profissionais atuais.
Eu me lembro que em determinado momento quando eu fiz a graduação e também no curso de magistério, era tirada do professor a responsabilidade de ensinar o aluno. No sentido de que se o aluno não aprendia era um problema que acontecia com ele. Às vezes se dizia que o aluno tinha um distúrbio. Outras vezes dizia-se que ele não queria nada com nada. Quer dizer o problema nunca era com o professor. Sempre era com o aluno. Aquilo me incomodava profundamente, era como se não coubesse ao professor a responsabilidade do processo ensino/aprendizagem e de formação. Isso foi me provocando ao ponto de quando eu comecei a trabalhar com os futuros professores, eu comecei a pensar um pouco, opa! agora a responsabilidade é minha e eu não posso perder essa dimensão, eu preciso de fato discutir isso com os alunos e foi de fato uma das discussões iniciais que fiz com meus alunos. (Beatriz/Letras)
Com relação às experiências pré-profissinais, Tardif (2002, p. 73-74),
afirma que,
Diversos trabalhos biográficos, a maioria das vezes realizada por formadores no âmbito das disciplinas da formação inicial permitem identificar experiências familiares, escolares ou sociais, citadas pelos alunos-professores como fontes de suas convicções, crenças ou representações e apresentadas freqüentemente como certezas, relacionadas com diversos aspectos do ofício do professor: papel do professor; aprendizagem, características dos alunos, estratégias pedagógicas, gestão da classe, etc.
115
Tal afirmação leva a pensar também nos depoimentos dos
professores formadores a respeito dessas experiências e sua influência na
vida profissional. Influências que serviram tanto para a opção pela docência,
como também como ponto de referência para suas atividades em sala de
aula, após o período de formação docente.
Nos balanços do saber os professores explicitaram que sua opção
pela docência se deu por influências recebidas de familiares, de amigos e
também de professores do Ensino Fundamental e Médio, que lhes
permitiram por meio das relações sociais, atribuir significados a sua
existência e à profissão docente.
No entanto, quando buscou-se aprofundar as relações que os
professores formadores estabelecem com os saberes profissionais da
docência, nesse caso os saberes oriundos das experiências, por meio das
entrevistas recorrentes, observou-se que deram mais ênfase às experiências
vivenciadas no período em que eram estudantes na universidade, bem como
às experiências oriundas dos primeiros anos de docência no ensino superior.
Freqüentemente mencionavam essas experiências para dar exemplos ou
justificar suas atitudes ou encaminhamentos junto a seus alunos, conforme
os exemplos que seguem:
[...] eu nunca rejeitei essas experiências de culturas deles, como acontecia com professores meus até na academia, ―ah! eu li tal coisa, isso não é literatura, não me interessa!‖, eu nunca rejeitei essas experiências, porque era através delas que eles tiravam os nortes para fazer as perguntas dos tipos de leitura que eu propunha, então em relação a isso, eram saberes que eu não podia simplesmente renegar, e dizer não interessa. Eu também li Sabrina! A minha mãe dizia, minha filha pelo amor de Deus! Mas eu li na minha adolescência, não posso ignorar, pois são esses saberes, são experiências de leitura. (professora Beatriz /Letras)
[...] vou dar exemplos referentes à minha formação, bom eu lembro de ir para a aula muito curiosa, se o professor tinha dado um material para ler, eu tinha ele comigo, mesmo, em casa, no ônibus, para eu chegar à aula, sabendo o que era para discutir, então é isso que eu sinto falta dessa curiosidade em alguns, dessa vontade de procurar saber, essa é uma das dificuldades em relação, que eu sinto, nos meninos e nas meninas, e eu sinto que esse é um desafio para mim fazer com que eles se mobilizem, a ficar curiosos,
116
ir além daquilo que eu estou levando, levarem outras coisas, se mobilizarem dentro do que eu estou fazendo. (professora Maria/Música/arte)
Nos exemplos destacados, observa-se que as experiências escolares
e da formação inicial estão fortemente presentes em suas atividades
docentes, ou seja, eles procuram reproduzir ou evitar as experiências que
viveram. Tais experiências segundo Tardif (2002, p 68), permitem que os
professores atribuam, ―[...] muitas vezes a posteriori, um significado e uma
direção à sua trajetória de vida‖. Esses referenciais podem alicerçar o seu
desenvolvimento profissional, pois em situações de ensino similares os
professores reativam essas experiências para solucionar seus problemas
profissionais.
Esses elementos experienciais são importantes, porque é também
com base nessas experiências pessoais que os professores formadores
evocam qualidades desejáveis ou indesejáveis no contexto de suas aulas.
Tais lembranças podem também gerar expectativas frente aos estudantes,
conforme expressa a professora Maria/Arte/Música, lembrando que seus
alunos não vão para a sala de aula com as leituras feitas, diferentemente de
sua própria postura enquanto em processo de formação. Sua preocupação
é mobilizar os seus estudantes para o compromisso com as atividades que
ela realiza, idéia que reforça nas palavras que seguem:
[...] às vezes eu fico pensando, meu Deus, mas eles vivem aonde? (risos), quando eu estava na universidade, eu era mais atenta, apesar de quando eu estava na universidade eu já dava aula, e a minha família é uma família que exige muita informação, eu acho que isso também diferencia por conta do contexto, da realidade que cada um vive então tem que se fazer uma leitura do lugar de cada um. (Maria/Musica/arte)
As experiências vividas pelos professores no período de sua
formação, normalmente são incorporadas como disposições para a ação
docente e podem também promover reflexões relacionadas à formação de
seus próprios alunos, principalmente no que se refere a sua aprendizagem e
117
suas dificuldades. Maria aponta claramente a importância de capturar a
realidade em que os alunos vivem hoje, que é muito diferente do período de
sua formação. Nesse caso específico, a professora explicita diferenças e
semelhanças entre si e os outros, e entre os contextos. As lembranças dos
professores sobre sua formação são fontes de comparação com a vida
profissional atual, assim como entre sua formação e a dos seus alunos.
Para Charlot (2000, p. 70), aprender significa também ―[...] entrar num
dispositivo relacional, apropriar-se de uma forma intersubjetiva, garantir um
certo controle de seu desenvolvimento pessoal, construir de maneira
reflexiva uma imagem de si mesmo‖. Considera-se nesse sentido, que a
socialização no período de formação profissional, principalmente das
experiências que emergem desse contexto têm uma grande importância
para o professor formador, pois se configuram como fonte de aprendizagem,
e tornam-se fonte balizadora de suas atividades docentes.
No que se refere às experiências oriundas da socialização profissional
no ambiente de trabalho, os professores formadores também atribuíram
grande importância às mudanças que ocorreram ao longo de sua atividade
profissional assim como evocaram características que consideram
importantes na relação professor aluno e que se constituem como desafios
de sua atividade docente.
Evocaram características tais como a paciência para ensinar, a
valorização do conhecimento do aluno, aulas criativas que façam os alunos
pensarem, o respeito às diferenças, o incentivo, a negociação frente ao
conteúdo e a flexibilização. Esses se configuram como indicadores que
devem ser levados em conta nesta análise, pois apontam para o
compromisso dos professores frente a aprendizagem e a formação dos
licenciandos, principalmente porque os professores não ignoram seus
limites e os de seus alunos. É o que nos afirma o professor Antônio/Biologia:
Olha uma das coisas importantes é a tolerância, hoje, eu sou bem mais tolerante e democrático do que eu era há alguns anos atrás, não deixei de lado o rigor. Alguns alunos da educação física disseram em uma das avaliações deles, o Antônio é... Mas, a gente aprende, (risos), então para mim isso é um elogio, porque eles têm que estudar, tem que produzir, então que o rigor é visto não como uma atitude
118
autoritária, mas que eles reconhecem, não é porque eles estão pagando que a gente vai passar a mãozinha na cabeça deles e vai aceitar qualquer coisa, mas por outro lado tem que conhecer as dificuldades que eles têm, muitos deles trabalham, e é caro o curso, e a gente trabalha muito com as tecnologias, usamos o ambiente virtual, mas que alguns têm dificuldades no acesso, então eu tenho sido mais tolerante, mas tenho aprendido.
[...] a gente está aberto a aprendizagem e saberes diferentes que eles estão nos trazendo, que realmente o dialogo, tem que ser vivenciado, a todo momento, as coisas tem que ser negociadas. [...] hoje eu me vejo, me vendo há dez anos atrás, meu aprendizado vem crescendo nesse sentido. vivenciar essas coisas, porque eles também se sentem livres para criticar o trabalho da gente, hei professor...., vamos parar por ai a gente não entendeu, coisas que às vezes a gente atropelava, então ainda acho que eu preciso ouvi-los mais, por isso me preocupa esse aligeiramento da formação.( Antonio/ Biologia)
As palavras do professor Antônio revelam que as experiências vividas
no ambiente de sala de sala de aula levaram-no a entender que o aprender
a ser professor na ação, na interação com os alunos, significa realizar uma
prática reflexiva e também relacional. O respeito, a negociação, o saber
fazer concessões aos alunos, põe em evidência também a preocupação dos
professores formadores com o domínio de relações interpessoais.
No que se refere a prática reflexiva, destaca-se que as experiências
anteriores no âmbito da sala de aula servem de referencial na tomada de
decisões ou na transformação da atividade profissional, o que pode ser
observado nos depoimentos que seguem:
[...] quando eu comecei a trabalhar, com 17 anos, lembro que quando eu estava estudando, fazendo magistério, e até na própria universidade, na hora de você fazer um planejamento, você pensa na idéia de um aluno ideal, e não na de um aluno real, então quando eu fui trabalhar, em um lugar em que me exigiam pensar em um aluno real, eu tive que repensar todo o meu processo de revisão de conteúdo, de planejamento, de ter uma idéia de que aquele livro didático funcionaria, pensar que um determinado conteúdo tivesse um significado na minha história, porque estudei em um determinado lugar, e chegar lá é perceber que para eles aquilo não era real, e eu lembro que isso aconteceu em diversos momentos. (Maria/Música/arte)
119
[...] minha primeira experiência de dar aula, era sobre aparelho digestivo, foi tão ruim que eu acho que aquilo se tornou um desafio pra mim, entendi que não é isso que é ser professor. É uma coisa muito mais séria muito mais complexa. (Antônio/Biologia)
Concorda-se com Tardif (2002) que as discussões sobre a
experiência docente não podem ser limitadas ao momento do curso de
formação inicial, pois a socialização é um processo de formação do indivíduo
que se estende por toda a vida e comporta rupturas e continuidades. Pode-
se dizer que a docência permite ao professor ressignificar também todos os
saberes, por meio das experiências vivenciadas no interior das instituições.
Dentre eles os saberes curriculares, disciplinares, da teoria e prática, entre
outros necessários à profissão docente.
Essas relações experienciais de pré-formação, de formação docente e
dos anos iniciais na docência são de certa forma bases importantes no
desenvolvimento profissional dos professores, visto que a aprendizagem de
modo geral não é neutra, pois está intimamente relacionado com a cultura
que também é transmitida pelas instituições de formação e pelos agentes
educacionais. Quando os professores nomeiam essas experiências,
significa, de modo implícito, que valorizam o papel das instituições de
formação e também o papel dos docentes no processo de formação dos
futuros professores.
Ansiedade, decepção e conflitos: relações com os saberes
profissionais que emergem da cultura institucional
As relações oriundas das experiências vivenciadas no interior das
instituições universitárias mostram-se como base fundamental no
desenvolvimento do docente. Conforme Tardif (2007, p.52), ―[...] As certezas
que são produzidas no dia-a-dia, subjetivamente, devem ser objetivadas
sistematizadas, organizadas, para como diz este mesmo autor ―[...] se
transformarem em um discurso da experiência capaz de informar ou formar
outros docentes e fornecer uma resposta aos seus problemas.
120
Imbernón (2004) diz que a aquisição de conhecimento por parte dos
professores é um processo amplo e não linear e que ocorre de forma
interativa, refletindo sobre as situações práticas já vivenciadas. O autor
afirma ainda que está também condicionada pela forma de organização da
instituição educacional em que exerce sua profissão.
Assim, foi possível por meio dos depoimentos dos professores
formadores identificar alguns elementos implícitos na cultura institucional,
sobre os quais se considera relevante discorrer e refletir, visto que esses são
também citados pelos próprios professores como desafios, dificuldades e
embates que influenciam sua atividade profissional. São relações que
surgem no interior da instituição e que determinam comportamentos e ações
dos professores formadores nesse contexto. Conforme comenta a
professora Maria/Arte e Música:
Nós estamos vivendo hoje entre as exigências do mercado e as exigências das escolas entre as diferenças de espaço, públicos e espaços privados, então a licenciatura precisa discutir isso. É preciso entender as relações que têm ai, em relação ao mercado em relação ao contexto que está vivendo, e que me parece, está muito frágil, me parece que ainda está muito difícil mexer nestas feridas, porque está muito difícil para a gente conseguir lidar com isso. Quando a gente pensa uma transformação curricular como aconteceu aqui na universidade, em que se abriu nas licenciaturas mais espaços para as discussões pedagógicas, você se depara por outro lado com uma certa negação por parte das pessoas e da instituição. Pela força do mercado que vem na contramão de qualquer mudança mais emancipada.
Observa-se nas palavras da professora Maria que apesar das
mudanças que vem ocorrendo no âmbito da universidade ela ainda se
depara com mecanismos de contraposição, sejam eles em termos de
exigências do mercado como também da instituição ou dos seus colegas de
profissão.
Muitas vezes a idéia de mudança não é bem absorvida pelas pessoas
que convivem no interior das instituições universitárias. Nesse aspecto são
muitos os conflitos e incertezas vivenciados pelos professores formadores
121
que por sua vez estão relacionados às condições do desenvolvimento de
sua atividade profissional.
Nos depoimentos de quase todos os professores, observou-se
significados que são construídos coletivamente pela cultura institucional,
pois como afirma Gómez (2001, p. 17), no espaço institucional as culturas se
entrecruzam e ―[...] impregnam o sentido dos intercâmbios e o valor das
transações em meio às quais se desenvolve a construção de significados de
cada individuo‖, como no caso da professora Célia/Artes:
Eu acho a universidade um espaço de gente, eu gosto da universidade. Eu vejo a universidade como um espaço de transformação social, se a gente percebesse o valor dela na sociedade, a gente poderia ter uma grande revolução não armada, por meio da educação. Mas, infelizmente eu não vejo hoje a universidade articulada com num projeto pedagógico, de forma integrada. Assim, enquanto um grupo tem a clareza do que quer, nas ações individuais surgem às questões dos seus egos, das suas vontades, e daí não se cumpre o que se decidiu coletivamente. E pior. Muitas vezes as vozes individuais ganham corpo e a gente fica meio sem saber o que fazer. Outro dia, fiz até terapia. Te juro, quase desisti da profissão. A gente tem um desejo, coletivo, de dar sentido ao que fazemos em sala de aula, mas vem o aluno cliente, o professor que ainda não se deu conta de seu papel, a instituição que visa o lucro... [...] não adianta dizer que mudou, quando no fundo tudo é igual a antes. Só se articula de forma diferente, mas no fundo tem o mesmo sentido.
As palavras da professora Célia revelam sua angústia frente a
realidade prescrita e o que realmente se concretiza no âmbito institucional.
Em seu depoimento fica evidente uma relação de conflito com a profissão
quando essa ainda enfatiza os momentos em que precisou fazer terapia e
quase desistiu da profissão. São aspectos que revelam as implicações,
necessidades, dificuldades e emoções dos sujeitos em sua relação com os
saberes, implícitos na atividade do professor formador.
Possivelmente as palavras da professora Célia também têm a ver
com as preocupações presentes nos depoimentos dos professores em
relação a implementação do EAD (ensino a distancia), em algumas áreas
das Licenciaturas, visto que percebem que ao mesmo tempo que estão
implementando uma proposta de núcleo das licenciaturas onde se discute
122
temas importantes para a melhoria da educação em especial do futuro
professor, não conseguem compreender como tais discussões se encaixam
numa proposta de EAD, como afirma José/Ed. Física:
[...] agora eu fico pensativo com a questão da educação a distancia, apesar de que a gente reconhece que aqui na Universidade a proposta é de sete aulas semi-presenciais, eu fico muito preocupado com esse futuro profissional que vai se formar na educação a distância, as vezes teoricamente,ele pode estar deslumbrado mas, como é que você vê os estágios? Como é que você vê as práticas, essa é uma das grandes dificuldades que depois virão à frente. Além disso, também como a gente já sabe hoje né... Tem empresas que fazem os trabalhos para alunos de educação a distância, aí o aluno vai postar isso, como tarefa. Então o professor não conhece esse aluno, não sabe se foi ele que fez se foi ele que produziu esse trabalho, então essa é uma das questões que me preocupa, na educação a distância. Isso vai desembocar lá na prática e no estágio, se tiver esse estágio, né.
O que interessa na narrativa dos professores não é discutir os
aspectos positivos ou negativos da EAD, mas o que esse movimento ou
mudança tem provocado nos professores formadores, que sentimentos, que
emoções, quais as resistências?
Os professores sabem que as mudanças no âmbito profissional são
inevitáveis, principalmente por conta do contexto neoliberal em que vivemos,
entretanto, não conseguem compreender como a proposta do núcleo das
licenciaturas pode convergir com a proposta da EAD. Consideram que as
duas propostas se contrapõem entre si, pois se de um lado a instituição
busca uma formação de qualidade, de outro não sabem como atingir tal
qualidade no trabalho com a EAD.
Os professores formadores encontram-se em meio a um conflito de
reformas. De um lado a implementação do núcleo das licenciaturas que visa
integrar as áreas ou disciplinas específicas de formação de professor para
que os futuros professores possam se preparar melhor para a profissão
docente. Do outro lado os professores se deparam também com os
interesses da instituição que por questões econômicas implementou também
123
o ensino em forma de EAD, o que para os professores formadores, caminha
na contramão das idéias existentes no projeto do núcleo das licenciaturas.
Esses dois projetos que se entrecruzam trazem muitas incertezas aos
professores, principalmente pela importância que dão ao campo pedagógico,
no processo de formação de professores. Seus depoimentos revelam o
conflito e a incerteza frente aos processos de mudança que estão ocorrendo
na instituição, como se pode observar a seguir:
Eu vejo os cursos de licenciatura em extinção, por conta do EAD. Talvez porque eu trabalho em uma universidade privada, pode ser que em uma universidade publica esta relação não esteja tão próxima. [...] quando inventaram a luz elétrica, a revolução industrial, como é que a população se sentia, nesse conflito da não certeza. Assim eu percebo que estou vivendo um momento, de mudanças, e não sou só eu, mas uma mudança, social na questão de professor X aluno, da própria forma de ensino, agora o meu problema é aonde eu vou me encaixar nisso, se eu vou na onda do novo, ou se me apego as minhas antigas concepções, nas práticas antigas. Daí essa incerteza de se que eu ainda quero continuar na educação. (Célia/Artes)
É possível verificar, que os professores vivem momentos de ansiedade
frente às decisões que precisam tomar no que se refere a sua atividade
pedagógica. Eles se perguntam o tempo todo se devem fazer rupturas ou
adaptarem-se as mudanças, conforme se verifica nas palavras das professoras
Célia/artes e Maria/música e artes:
Acho que eu vou citar um pouquinho de Paulo Freire, ―quem ensina, tende a aprender‖, então eu vejo que meu ensino está muito articulado, eu vejo o ensino como uma relação de troca, entre o aprender do aluno, e o meu aprender, claro que hoje eu vejo que o ensino está, num processo de transformação e eu tenho que me adequar. Principalmente com relação as mudanças da EAD, onde passamos de uma aula presencial, para uma semi-presencial, então tenho que gostar daquela coisa. Às vezes, no ambiente virtual, a gente pensa presencialmente mesmo sendo à distância, porque você não pode e não consegue projetar diferente. Por outro lado, ontem quando eu corrigi a tele-duc, eu via algumas coisas muito significativas nesse ensinar e outras nem tanto. Célia/Artes)
124
[...] a gente está vivendo hoje, em relação à informação ao conhecimento uma grande transformação. Temos hoje, uma quantidade de elementos que vem aparecendo para serem trabalhados com os alunos. Irei dar um exemplo: agora eu estou trabalhando com educação à distância, organizando o material para a educação a distancia, é um super desafio, assim como trabalhar em sala de aula também era outro desafio. Assim, como quando eu comecei a trabalhar como professora, jamais imaginei que eu pudesse aceitar isso. E hoje me vejo inserida diante de uma outra realidade, então aquela idéia de ser professor que eu tinha, de estar sempre na sala de aula, naquela relação constante, se transformou radicalmente. Maria /Artes e música).
A análise de todos esses elementos permite a apreensão de alguns
aspectos importantes, visto que tais situações podem provocar
comportamentos ou atitudes conservadoras, pragmáticas ou emancipatórias,
por conta das forças culturais do ambiente profissional. Segundo Gómez
(2001, p. 180),
Tal cultura impõe sobre os indivíduos que vivem nela períodos tão prolongados como estudantes e docentes, uma maneira de pensar, sentir e atuar, em especial sobre a educação e escola, fortemente arraigada, que perdura no tempo e sufoca tanto as tentativas individuais de inovação como as possibilidades de crítica teórica.
Assim, é importante considerar a cultura institucional um princípio
norteador das atividades que o professor formador desenvolve, visto que sua
caminhada profissional também se constitui a partir dessa convivência.
A decepção frente a deteriorização da imagem e do status social que a
profissão docente está sofrendo
.A falta de reconhecimento profissional e a deteriorização da imagem
e do status social da profissão docente é outro aspecto que merece atenção,
principalmente porque se verificou que isso vem gerando nos professores
muita decepção. É possível relacionar o problema da resistência em relação
às mudanças no interior da universidade com esse processo de
125
deteriorização da profissão docente, uma vez que ao estarem
decepcionados com a própria condição do mercado de trabalho, não
conseguem ver perspectivas futuras para sua atividade, conforme seguem
as afirmações da professora Beatriz/Letras:
Hoje eu me sinto decepcionada, porque eu estou em um país em que a licenciatura não serve para nada, literalmente, eu digo por uma experiência que eu vivo agora, eu sou formada em letras, tenho mestrado em literatura, doutorado em literatura, e hoje eu não tenho mercado de trabalho, hoje as universidades não tem curso de letras, e as que têm já estão com quadros fechados, e bem fechados. As universidades particulares não investem, porque acreditam que importantes são os cursos técnicos seqüenciais, as Administrações, os Direitos, e tal, eu não tenho nada contra esses pelo contrário, mas o que eu quero deixar claro é assim, há uma desvalorização total do licenciado, em todas as instâncias, as vezes até por parte do próprio licenciado. então o salário não é bom, mas não é só o salário que não é bom, o contexto em que a gente está não é bom, a gente não tem nenhuma prioridade, não tem nenhum incentivo, a gente não tem nenhuma motivação. Então hoje eu vejo o licenciado como uma questão muito complicada, eu sinto, isso, nesse momento, pode ser que você me faça essa entrevista daqui um mês, e eu sinta diferente, mas nos últimos anos, eu tenho sentido isso.
Nota-se a frustração nas palavras da professora, que aparentemente
se vê a mercê das situações de mercado. Em seus escritos, Gatti (2000)
afirma que a precariedade da atividade docente gera reflexos negativos para
o exercício da profissão, promovendo a desvalorização do professor. A
autora aponta aspectos que evidenciam a precarização e desvalorização do
trabalho docente, tais como: aumento da evasão e diminuição da procura
pela formação em Magistério, Licenciaturas e cursos de Pedagogia; o
aumento do grau de frustração dos professores, afetando o clima e as
expectativas depositadas no seu exercício profissional; baixa auto-estima do
professor, interferindo na sua relação com os alunos e comunidade.
As idéias de Gatti (2000), vêm ao encontro do que a professora
explicitou, levando a pensar que a desvalorização provoca no educador uma
desmotivação para assumir um compromisso com a educação de qualidade
e pode culminar numa atitude de acomodação.
126
Essa desmotivação e/ou acomodação pode levar o professor
formador a se isolar. O isolamento profissional dos professores, por sua vez
limita o acesso a novas idéias e soluções para problemas cotidianos.
Considera-se que as melhorias, as inovações não se dão apenas pela
compreensão intelectual, mas pela vontade de romper com determinadas
culturas que herdamos (conservadora, reprodutora, acrítica). Segundo
Charlot (2000, p. 81), o desejo do mundo, do outro e de si mesmo é que se
torna desejo de aprender e de saber. Considera-se, nesse aspecto que
quando o sujeito se isola ou se encontra decepcionado, desenvolve-se
pouco como profissional.
Entre os saberes profissionais docentes encontra-se a capacidade de
crítica, de articulação entre os conhecimentos específicos e pedagógicos, no
entanto questiona-se, como o professor poderá se tornar um sujeito crítico e
fazer tais articulações quando se encontra em situação de isolamento, sem o
desejo de estabelecer qualquer forma de diálogo com seus companheiros?
A necessidade de diálogo foi observada nos relatos dos professores
apesar da existência do núcleo das licenciaturas, conforme segue nas
palavras do professor José/Ed. Física:
A dificuldade maior que eu vejo na licenciatura, primeiro é o pouco tempo que nós temos como professor. Nós comentamos nos nossos encontros que os nossos projetos sejam mais interdisciplinares e tenham uma interface muito maior em todas as disciplinas para que esse aluno a ser formado perceba que as coisas não estão desconexas. Não adianta aprender só determinada atividade, ela está sempre ligada a uma outra disciplina, um outro conhecimento, e isso vai agregar melhores formas de ele trabalhar aquilo que ele conhece, então esse é um desafio institucional, de ter as pessoas para conversar, para planejar junto.
A importância da troca, do planejamento conjunto, evidenciada pelo
professor Antônio, parece ser uma realidade que ainda não se tornou
realidade nesse contexto institucional. Tal preocupacão também está
presente no relato que segue:
Sobre a licenciatura, percebo em algumas conversas recorrentes, não só na biologia, mais nos demais cursos,
127
que a pratica docente esta roubando espaço e carga horária, das disciplinas específicas [...] nos cursos, os professores ainda estão muito presos no modelo do três mais um, que a gente, foi formado, é difícil, eles enxergarem inclusive, o próprio colegiado. (Antônio/Biologia)
Observa-se também, no depoimento do professor Antônio uma
dificuldade para implantar as inovações e a falta de equilíbrio entre
responsabilidade individual e responsabilidade compartilhada. Toda vez que
os meios de aprendizagem são tidos como um fenômeno individual e não
coletivo, cria-se um clima impróprio à colaboração e relacionamento
cooperativo, como afirma Gómez (2001).
Concorda-se com Gómez (2001) considera a cultura da colaboração
uma condição reflexiva capaz de proporcionar aprendizagem significativa,
relevante e eficaz, entre os professores, pois a integração facilita a seleção
dos conteúdos do currículo de ensino, bem como a elaboração de projetos
valiosos no interior da universidade.
Nas narrativas dos professores fica evidente que a interação entre as
áreas do conhecimento e dos próprios professores é uma necessidade,
embora ainda esteja em processo de construção.
Relação com o ensino e a aprendizagem: sentidos decorrentes da
cultura institucional
Observa-se, nesses últimos anos, que a cada dia se valoriza mais o
caráter construtivo do processo ensino-aprendizagem, priorizando objetivos
que levem o aluno a selecionar, assimilar, processar e interpretar
informações, conferindo significado a sua aprendizagem. Não se concebe
mais a figura do professor e do aluno como simples transmissores e
receptores de conhecimentos. Valorizam-se os processos de interação
professor-aluno, desencadeando e promovendo a aprendizagem.
Na análise dos aspectos relativos ao ensino e a aprendizagem
verificou-se que os professores se apropriam das idéias de Paulo Freire,
uma vez que tais idéias fazem parte do convívio social e cultural da
128
universidade. Verificou-se que quase todos os professores entrevistados
citavam frases celebres do autor como: ―[...] quem ensina aprende ao
ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1999, p. 25).
Essa constatação reforça o fato de a cultura institucional influenciar as
idéias dos professores quase que de forma generalizada. Os professores
explicitaram em vários momentos das entrevistas, idéias, frases,
pensamentos desse autor. Considerando as afirmações dos professores,
percebe-se que esses não entendem o ensino como uma transmissão de
conteúdos, mas como algo mais amplo que envolve transformação social e
política e formação para a cidadania, conforme observa-se nos depoimentos
que seguem:
O ensino é aprendizagem, então essa relação com a aprendizagem eu acho que uma das coisas mais legais é aprender e ensinar e ensinar a aprender. (José / Educação Física)
Eu não consigo imaginar um processo deslocado do outro, então para mim, ensinar é aprender, é apropriar-se dos elementos da cultura. É apropriar-se daquilo que as pessoas pensam, daquilo que as pessoas fazem, entender isso, fazer uma leitura clara do mundo. Ensinar nesse sentido é conseguir mediar a formação em outro ser humano, as questões culturais, aquilo que as pessoas pensam, enfim. (Maria/Artes) Me preocupa muito a questão das normas e regras, que a educação se reduza ao ensino tradicional. Vejo que o ensino é muito tradicional, com transmissão dos conceitos, do conhecimento. E muitas vezes são esquecidos os valores. O ensino deve ter uma dimensão mais ampla. E o aluno é na verdade um aprendente – usando Paulo Freire – ao mesmo tempo em que ele estuda também constrói conhecimento. (Antônio/Biologia)
Os depoimentos indicam que mesmo repetindo idéias de uma
educação dialógica, há algumas contradições nas falas dos professores, em
especial quanto a seu papel de mediador no desenvolvimento de seus
―alunos aprendentes‖ – usando a expressão do professor Antônio –
percebendo que os alunos justamente por serem aprendentes, não chegam
à universidade, prontos. Os próprios professores afirmaram que os sujeitos
129
estão sempre aprendendo uns com os outros. No entanto, enfatizam muito
as dificuldades com que os alunos chegam à universidade, conforme os
depoimentos dos professores José/ Ed. Física e Célia/Artes:
O aluno da licenciatura tem muitas deficiências, já pelo problema de atendermos alunos que provém, a grande maioria, das classes C e D, que trabalham para se sustentar eles tem praticamente trabalhado todo o dia e chegam a noite na universidade já cansados. Mesmo os que não trabalham, vem com pouca disponibilidade para estudo. O aluno está tão acostumado a ter uma base tecnicista na escola que ele quer prova, ele quer todos os dados de maneira racional e quando a gente vê está trabalhando dentro da sala de aula com instrução de material. O aluno quer aquela educação bancária ainda, né, então, essa é uma dificuldade que tem na licenciatura, além disso, como o aluno fica pouco na universidade ele não se aprofunda em projetos, tanto de pesquisa, quanto de extensão. Como trabalhar como isso? (José/Ed. Física)
Nosso aluno da escola publica, do ensino médio, infelizmente vem com pouco aporte, desde as disciplinas básicas de português, de interpretação e construção de texto, até as disciplinas que serviriam para fazê-los refletir melhor sobre a realidade, porque eles têm filosofia, sociologia, chegam aqui e parece que não tem lá, essa é uma dificuldade que ao mesmo tempo em que eles querem... é uma dificuldade então nós temos que nos adequar e resgatar, mas se ficarmos trabalhando várias questões, vem a dúvida ―você vai dar conta de passar alguma coisa além disso? (Célia/Artes)
Nas explicações sobre os problemas com que os alunos chegam à
universidade, os professores revelam também uma dificuldade sobre como
atuar frente a esse aluno. A preocupação com essas dificuldades dos alunos
poderia levar os professores a terem um outro posicionamento, como afirma
Charlot (2000), verificando os porquês de tais dificuldades e as
possibilidades de superá-las. Na verdade, segundo Charlot, um
posicionamento positivo frente às necessidades dos alunos, pode evidenciar
possibilidades de mudanças e melhorias.
Diante de tais dificuldades, como considerar a lógica dialética, no que
130
se refere ao processo ensino aprendizagem? Nesse caso há uma
contradição nos depoimentos dos professores, ou seja. Se de um lado
considera-se que “ensinar é conseguir mediar a formação em outro ser
humano, as questões culturais, aquilo que as pessoas pensam”, nas
palavras da professora Maria/Artes; como os professores podem ter tanta
dificuldade em lidar com o não saber dos seus alunos? Quando tais relações
não são claras aos professores, é possível que eles não se assumam como
sujeitos que também aprendem.
Afinal, se o perfil de alunos que os professores estão recebendo, é de
um aluno aparentemente desinteressado, sem ―pré-resquisitos‖, como
afirmam alguns professores, algo precisa ser feito, principalmente por
considerarem que o aprendiz aprende a todo o momento, em constante
processo de construção e reconstrução dos conhecimentos e de si mesmo
enquanto sujeito cidadão. Isso significa, sobretudo, mostrar a relação dos
conhecimentos entre si e com os conhecimentos anteriores.
[...] a gente discutia qual é o perfil, do futuro professor, aquele que chega nos cursos de pedagogia e licenciatura. São alunos com uma cultura intelectual limitada, pouquíssima leitura, muitos deles tiveram o ensino médio muito rápido, alguns passaram pela educação de jovens e adultos, popular EJA, passaram pelo seletivo especial e adentraram no curso de graduação, são alunos que tem limitação de escrita, de compreensão, de leitura, sem pré-requisitos nenhum. Alguns deles até sem interesse de aprender. Esses são os nossos futuros professores. Nós estávamos questionando como é que é formar esse professor. ( Profa. Letícia/Letras)
Ao encontrar alunos com tais dificuldades torna-se necessário fazê-
los retornar a algum ponto anterior de sua aprendizagem, para que possam
estruturar e organizar os elementos que constituem a base para a nova
aprendizagem.
O saber que a universidade produz não pode ser visto como algo
pronto, dado, sem história, pois é um saber produzido por sujeitos situados
131
historicamente, na medida em que o desenvolvimento da sociedade passa
necessariamente pela formação do homem. Daí também a função formadora
da universidade, que precisa por sua vez levar em consideração as
condições que os indivíduos necessitam para sua formação.
Por fim, considera-se que o professor universitário é de certa forma
regulado ao passo que também regula sua vida de acordo com as normas
da vida social que estabelece com os outros, com seu ambiente profissional,
com suas crenças e com seus ideais de formação. É neste sentido que se
configuram seus discursos e práticas que estão no entorno do que é a
docência universitária para si e para a instituição.
A relação com os saberes específicos e pedagógicos: pontos de
encontro e desencontros entre a teoria e prática pedagógica
Na história dos cursos de formação de professores, é grande a
discussão sobre os saberes e conhecimentos necessários para o exercício
da docência. Nesse caso o saber profissional dos professores é constituído
não por um saber específico, mas por vários saberes, de diferentes matizes
da educação, que por sua vez são de diferentes origens, aí incluído,
também, o saber da experiência. Dessa forma há uma pluralidade de
saberes, que embora possam ser identificados de maneira fragmentada, na
prática se apresentam articulados aos contextos e às situações de ensino
onde impera a complexidade (CHARLOT,2005).
Assim, em virtude dessa complexidade e dos relatos dos professores
sobre esses saberes, busca-se refletir sobre as relações que os professores
formadores estabelecem com os saberes pedagógicos, disciplinares e de
conteúdo, de forma articulada, visto que nas palavras dos professores não
há uma delimitação ou um linha que separe os mesmos, justamente, porque
no desenvolvimento da atividade docente, esses saberes emergem
simultaneamente.
É fundamental levar em consideração que a educação é um processo
de humanização, que ocorre na sociedade com a finalidade explicita de
132
tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório. Assim, o trabalho
do professor, segundo Pimenta (2005), deve buscar contribuir com esse
processo pelo trabalho coletivo de ―[...] forma interdisciplinar, com
conhecimentos numa perspectiva de inserção social, crítica e
transformadora‖ (p. 23). É preciso assim, entender que os saberes docentes
estão presentes na vida do professor de forma integrada, implícitos no
estudo dos conteúdos transmitidos, na maneira como o professor os
compreende, os organiza, os apresenta, em suma, utiliza-os para ‗interatuar‘
com os alunos. Todos esses processos se configuram como saberes fazeres
da profissão docente que vão se articulando conforme as necessidades dos
professores em seu contexto de atuação.
No que se refere aos saberes disciplinares, de conteúdo e
pedagógicos, destaca-se a partir dos depoimentos dos professores: a
preocupação com o processo de ensinar. Nesse caso, duas perspectivas
precisam ser analisadas: uma refere-se à orientação propedêutica na qual o
professor tem grande preocupação em trabalhar preliminarmente conteúdos
que possam embasar a prática de seus alunos, seja no estágio como
também nas escolas em que atuam como professores.
A outra perspectiva diz respeito à transposição didática. Alguns
professores formadores explicitam que existe entre teoria e prática uma
relação dialética, na qual e pela qual tanto os conhecimentos em produção
quanto o sujeito produtor estão intrinsecamente implicados e não podem por
sua vez ser vistos como pólos justapostos. É o que pode ser ilustrado pelas
palavras da professora Letícia/Letras:
Tem alguns alunos que vem com a experiência do estágio ou mesmo da escola onde já atuam como professores e dizem: ―aqui nós temos muitas teorias que não condizem com as nossas praticas‖. Nesse caso, muitas vezes a gente não consegue quebrar essas concepções que eles trazem, de que aqui na universidade é uma coisa, e na prática é outra. Então eles não conseguem ver que a teoria na verdade é uma leitura de uma prática, a teoria não cai do céu, você não vai falar sobre a realidade escolar, buscando uma inspiração divina, é preciso se debruçar sobre uma realidade, o sujeito vai estudar, vai pesquisar... para depois poder montar o trabalho dele, refletir sobre as concepções teóricas, ou vice versa. Não tem como a gente separar essas duas coisas.
133
A exemplo das palavras da professora Letícia, os demais professores
demonstram preocupação em fazer com que os alunos entendam que a
prática e a teoria são elementos que estão interligados, principalmente no
que se refere a formação docente. Essa concepção tem apoio em Pimenta (
2005, p. 47), para quem ―[...] a prática docente é expressão do saber
pedagógico, que constitui-se numa fonte de desenvolvimento da teoria
pedagógica. As necessidades práticas que emergem do cotidiano da sala de
aula demandam uma teoria‖.
Para alguns professores formadores, a aquisição de conhecimentos
acumulados pela humanidade é importante no sentido em que esses podem
contribuir para a análise e intervenção no ambiente profissional e social. A
teoria e a prática são consideradas núcleos articuladores da formação de
professores e devem ser trabalhadas de forma integrada, constituindo-se
assim uma unidade dialeticamente indissociável, como explica a professora
Célia, de Música e Artes:
Eu penso que o aluno precisa consegui se apropriar dos aportes teóricos, para fazer uma reflexão mais fundamentada, dessa realidade. Hoje, se a gente não tem esse aporte teórico não consegue fazer relação com o espaço da escola, esse é o desafio desse aluno. E para teorizar essa pratica, esse espaço tem que ter um olhar mais critico, uma critica fundamentada mais coerente. Daí eu tenho que trabalhar com a teoria. Por eu te disse que hoje eu dou valor pra fundamentação teórica que antes eu não dava. Ia pra sala de aula sem saber nada. Os alunos hoje são muito imediatistas também querem aplicar amanhã o que eu trabalho hoje na teoria. É com isso que a gente tem para trabalhar. O aluno não quer saber muito da teoria.
Todavia, apesar do relato da professora Célia vir ao encontro de
outros professores no que se refere a essa indissociabilidade entre teoria e
prática, verificou-se também que esse entendimento não é comum a todos
ou à maioria dos professores entrevistados, pois no decorrer das entrevistas
alguns professores manifestavam certa confusão frente ao significado dessa
integração, como se pode apreender das palavras do professor Paulo
/Biologia, nas quais há certa ambigüidade.
134
Com o projeto do núcleo das licenciaturas a carga teórica ficou reduzida. Não tenho tempo para trabalhar todos os conteúdos da área da Biologia que tem uma carga muito grande de conhecimentos. Acho bacana quem entende da área de pedagogia trabalhar os conteúdos pedagógicos, mas como fica a teoria? Eu tento correr com o meu assunto, mas às vezes não consigo passar tudo para meus alunos.
O professor Paulo atribui grande importância aos conhecimentos
científicos, ou fundamentos teóricos e critica a redução do tempo dos
conteúdos específicos para ampliar a formação pedagógica.
Quando consideramos a teoria isolada da prática ou a prática isolada
da teoria, consideramos igualmente que o homem é destituído de sua
capacidade de agir de forma consciente, como afirma Vasquez (1977).
Quando os professores formadores isolam a teoria da prática ou a prática da
teoria, nos processos de formação, indubitavelmente limitam também a
capacidade do seu aluno, futuro professor de pensar sobre a ação
pedagógica de forma integrada, de modo que compreendam a estrutura da
escola e os propósitos da educação, principalmente no que se refere à sua
complexidade histórica e social.
Como afirma Charlot (2005), não basta o professor saber, mas deve
necessariamente desencadear o fazer saber, ou seja, o saber deve estar
impregnado no corpo, nas atividades, nas suas relações com os alunos,
para que possa ser considerado um conhecimento. Assim, a noção da
relação com o saber está enraizada no próprio indivíduo, pois trata-se do
modo de questionar seus modelos, suas expectativas em face à vida
pessoal e profissional.
Para superação da dicotomia entre teoria e prática, Vasquez (1977,
p.3) propôs, o conceito de práxis, atribuindo-lhe um sentido transformador. O
autor afirma que a práxis ―[...] marca as condições que tornam possível a
passagem da teoria à prática e assegura a íntima unidade entre uma e
outra‖ (p. 6). A práxis utiliza-se da consciência reflexiva para unir
consciência, pensamento e ação, em um sentido social e histórico.
O modo como os professores concebem a relação entre teoria e
prática em suas atividades docentes evidencia não só as relações que
estabelecem com os saberes disciplinares, de conteúdos e pedagógicos,
135
mas também evidenciam aquilo que afirma Pimenta (2005, p. 21): os
sentidos que os professores atribuem à ciência e à produção material; à
ciência e à produção existencial; à ciência e à sociedade. Além disso, tais
concepções permitem fazer aproximações a respeito das formas com que os
professores fazem a transposição didática dos conhecimentos teóricos ou
como esses transformam os conhecimentos teóricos em conteúdos
pedagógicos, como pode ser ilustrado pelas palavras da professora
Beatriz/Letras:
Olha na verdade é assim, eu venho trabalhando, principalmente os clássicos da literatura brasileira, ou toda a obra literária dentro de um contexto ocidental. Eu sempre dizia: agora, como a gente pode levar isso para a sala de aula? Porque a gente pode. Não subestimem os alunos de vocês, não pensem que eles só gostam de ler gibi, pense como é que eu posso levar um conto do Machado, para a sala de aula e tornar isso uma experiência produtiva, sem que eles fiquem pensando qual é o sujeito predicado, o advérbio, o adjunto, né. A literatura como pretexto para estudar gramática, então a gente fazia muito esse tipo de trabalho, de reflexão, até nós tivemos algumas experiências de tentar transpor o texto para outros tipos de comunicação, para a comunicação visual, para a comunicação verbal, então eles tinham que pensar em algumas estratégias para motivar essa leitura. Essa era minha preocupação, porque eu sempre fui muito teórica, que é muito importante, mas eu tenho que pensar, porque eu estou formando profissionais que vão ter que atuar em sala de aula, então eu fazia muitas discussões nesse sentido, além de discutir textos e algumas questões de profundidade do texto, daí eles diziam: Ah, não posso levar isso para a sala de aula. Realmente não pode, mas você tem que saber que isso é possível. Alguém pode te perguntar, o teu aluno pode te perguntar, ai você vai dizer o quê?
A professora Beatriz, se mostra bastante preocupada com a
transposição didática dos conteúdos, principalmente com a forma com que
os futuros professores vão ensinar aos seus alunos nas escolas.
É também possível verificar o medo da professora em ―não ser muito
teórica‖. Nesse aspecto há a possibilidade da professora estar vivendo uma
tensão entre a pedagogia tradicional e a progressista. Não é raro
encontrarmos professores confusos em relação a isso, pois ainda nos
136
deparamos com pressões dos cursos de Licenciatura de que não se deve
ser ―tradicional‖. Quanto a esse aspecto Libâneo (1989, p.20) afirma que,
[...] os professores têm na cabeça o movimento e os princípios da escola nova. A realidade, porém, não oferece aos professores condições para instaurar a escola nova, porque a realidade em que atuam é tradicional. A essa contradição se acrescenta uma outra: o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial que prega a racionalidade técnica e a produtividade do sistema e do seu trabalho.
Conforme as palavras de Libâneo, ainda vivenciamos essa
contradição no interior das instituições de ensino brasileiras, o que pode
levar os professores a usar certos posicionamentos ou discursos de crítica.
Muitas vezes não conseguem vislumbrar que na atividade docente essas
tendências se mesclam constantemente, e uma não afasta a possibilidade
da outra.
Na relação do professor com os saberes teóricos e práticos ou
específicos e pedagógicos, parece estar presente o medo de ser tradicional,
ou tecnicista, porque há uma pressão frente a isso, o que gera muitas vezes,
conflitos e insegurança frente às próprias mudanças e inovações que vão
ocorrendo no interior da universidade. Com relação a essa situação Libâneo
(2002) afirma que ―[...] teorizar não significa, entender e impregnar nossas
ações com tais teorias‖. Por conta disso, os professores formadores acabam
desenvolvendo certos discursos em relação às racionalidades pedagógicas.
No entanto, nem sempre são incorporados às suas atividades docentes.
Implicações da concepção de professor pesquisador/reflexivo e as
relações com os saberes pedagógicos e específicos
Nos depoimentos dos professores formadores surgiram alguns
elementos relacionados ao ―paradigma‖ do professor pesquisador em
associação com o do professor reflexivo. A idéia do professor reflexivo
configura uma relação com os saberes teóricos e práticos uma vez que é
137
com base nessa concepção que os professores desenvolvem sua atividade
docente. As formas como encaminham suas atividades, as reflexões feitas
com seus alunos, as tarefas, as intervenções, possivelmente estão
impregnadas por esse discurso pedagógico que consideram o mais
adequado no momento.
Surgem nos depoimentos dos professores afirmações que valorizam o
papel da reflexão e da pesquisa na prática docente. A maioria dos
professores formadores afirma que o professor pesquisador é que mantém
uma atitude reflexiva permanente. O professor Antônio/Biologia expõe sua
opinião sobre o assunto:
Prefiro não ver diferença dentre as duas abordagens: do reflexivo e do pesquisador, em alguns momentos passa a ser uma contradição. Poxa, tiveram que criar um nome para professor reflexivo, como se diretamente a gente não tivesse que pesquisar sobre a prática, então eu creio que essas nomenclaturas principalmente no Brasil, acabam virando um modismo pedagógico, agora todo mundo vai ser professor pesquisador. Isso me deixa intrigado, pois a gente sente que os professores estão confusos com relação a isso. Tem professor que às vezes não quer ser pesquisador, ele quer melhorar a pratica dele, ou ele quer acender um pouco mais na carreira, ganhar um pouco melhor no estado, ou trabalhar em um centro universitário aí deseja, mas não quer ser pesquisador. No entanto o próprio sistema CAPES, nos avalia em função de nos tornarmos pesquisadores em educação, mesmo querendo fazer outra coisa. Por isso, eu digo que ser professor é ser pesquisador, pois você reflete sobre a sua prática. Não entendo a dicotomia entre ambos. Isso pode ser mesmo um modismo.
As palavras do professor Antônio remetem à idéia de que a reflexão é
inerente à profissão docente e que todo professor pesquisa a sua prática.
Nesse caso, de acordo com Pimenta (2002, p. 20) é o movimento
representado pela ―reflexão sobre a reflexão na ação‖ que ―abre
perspectivas para a valorização da pesquisa na ação dos profissionais,
colocando as bases para o que se convencionou denominar o professor
pesquisador de sua prática‖.
A polêmica do professor reflexivo e do professor pesquisador divide
opiniões entre os que discutem a metodologia de pesquisa no ensino, e exige
138
que o professor formador assuma um posicionamento na forma como vai
orientar seus alunos, o que o leva muitas vezes a ficar confuso. As palavras
da professora Beatriz ilustram essa dificuldade, quando tenta explicar as
duas concepções do professor pesquisador:
Teoricamente teriam duas perspectivas, a perspectiva da ciência mesmo, que seria assim, todas as vezes que algo me incomoda eu vou procurar saber por que me incomoda, a idéia da inquietação, e isso pode vir através de uma pesquisa formal ou não, mas o ser pesquisador é não acomodar-se, ou seja, eu tenho a duvida, eu tenho a inquietação, o problema está ali instalado, e eu não vou simplesmente cruzar os braços, e esperar que alguém resolva, e depois eu digo que fulano resolveu. Não vou fazer isso, eu vou correr atrás eu vou sanar as minhas duvidas, vou propor soluções e através disso, também promover debate, então a minha idéia de professor pesquisador vai nessa linha. (Beatriz/ Letras)
A professora Célia tenta mostrar que as duas perspectivas são
distintas, mas não deixa claro qual é uma e qual é a outra posição.
Aparentemente considera o professor pesquisador aquele que segue a
―perspectiva da ciência‖, contudo, ao explicar refere-se ao professor reflexivo
como um solucionador de problemas.
Moraes e Torriglia (2003), ao discutirem a configuração desse novo
paradigma de formação de professores (professor pesquisador-reflexivo),
evidenciam o risco de supervalorização das práticas. Os autores alegam que
pode haver um ―recuo da teoria‖. Afirmam que as práticas de formação de
professores, embora possam e devam estar diretamente articuladas às
vivências da docência devem se fundamentar nas teorias
pedagógico/educacionais, em estreito diálogo com as ciências sociais e
humanas.
Assim, mesmo que o professor apresente uma maior autonomia de
ação frente às opções que tem dentro do espaço de trabalho, poderia
encontrar dificuldade para compreender que as soluções para os problemas
não advêm apenas da reflexão sobre sua prática, especialmente quando se
encontra tão envolvido e fechado no espaço da sala de aula ou limitado
pelos muros escolares.
139
Não há como negar que a docência requer conhecimentos específicos
relacionados ao ensino e a aprendizagem, sem contar com inúmeras
situações complexas em que o professor precisa rever conhecimentos,
teorias, informações, ou seja, aprender novamente. Como afirma Charlot
(2001), o ensino envolve uma dimensão axiológica e política que ocorre num
contexto específico e tem metas a atingir.
No entanto, a pesquisa requer inteligibilidade própria sendo preciso
que o professor produza conhecimentos a partir de bases teóricas já
produzidas, de coleta e análise sistemática que a ciência exige. Para essa
tarefa, o professor tem algumas necessidades conforme palavras de André
(2001, p. 60):
Querer que o professor se torne um profissional investigador de sua prática exige que se pense nas exigências mínimas para sua efetivação, ou seja: é preciso que haja uma disposição pessoal do professor para investigar, um desejo de questionar; é preciso que ele tenha formação adequada para formular problemas, selecionar métodos e instrumentos de observação e de análise; que atue em um ambiente institucional favorável à constituição de grupos de estudo; que tenha oportunidade de receber assessoria técnico pedagógica; que tenha tempo e disponha de espaço para fazer pesquisa; que tenha possibilidade de acesso a materiais, fontes de consulta e bibliografia especializada. Esperar que professores se tornem pesquisadores, sem oferecer as necessárias condições ambientais, materiais, institucionais implica por um lado, subestimar o peso das demandas do trabalho docente cotidiano e, por outro, os requisitos para um trabalho científico de qualidade.
Concordando com a autora, parece-nos fundamental levar em
consideração as condições necessárias para a efetivação do professor
pesquisador. Como podemos verificar nas palavras da professora
Letícia/Letras, o conceito de professor pesquisador confunde-se com o de
professor reflexivo:
Talvez a gente tenha que cuidar com essa nomenclatura, de professor reflexivo, porque também é algo que está vindo na literatura, inclusive também fala do professor pesquisador, então o professor pesquisador que a gente tem trabalhado é
140
o professor indagador, reflexivo, o professor que sempre questiona a sua prática, então é aquele professor que não está realizado com aquilo que fez e está sempre questionando aquilo que esta fazendo. Eu tenho trabalhado muito com as meninas. Então ser pesquisador, é estar se perguntando o porquê, é não se contentar com essa normalidade. Por exemplo: agora está se tornando normal o aluno não aprender, já que isso é algo estranho, então é olhar para aquilo com olhar de estranheza, não é comum, não é normal? Então, ser pesquisador é estar se indagando, é estar investigando, e não se contentar como aquilo que está sendo imposto como padrão da normalidade. Apesar das literaturas, eu considero que o professor vai ser sempre o pesquisador de sua prática. Caso contrário como ele vai evoluir profissionalmente? (Letícia/Letras)
Observa-se que a professora reconhece a existência de duas
concepções que emergem de literaturas diversas, no entanto, ela reafirma a
importância do professor reflexivo como aquele que pesquisa sua própria
prática.
Considera-se importante a atitude reflexiva sobre a prática, no entanto
é igualmente importante esclarecer a diferença entre os modelos de professor
pesquisador e professor reflexivo o não está claro aos professores. Além
disso, a pesquisa que se restringe à reflexão sobre os problemas de sala de
aula ou mesmo da escola, pode não atender aos critérios e rigor que qualquer
pesquisa requer.
Os estágios supervisionados e as relações com a teoria e a prática
pedagógica: imbricações da racionalidade prático reflexiva.
Nas entrevistas com os professores formadores, o estágio
supervisionado também foi um tema que emergiu e está relacionado com os
anteriores, ou seja, com a relação entre a teoria e a prática e o conceito de
professor reflexivo/pesquisador.
Os professores formadores referem-se ao estágio como ponto de
apoio para as teorias que apresentam aos alunos em sala de aula. Afirmam
que é por esta via que os alunos concebem as práticas pedagógicas de
141
―risco‖ e, pelas quais conseguem refletir sobre a realidade nas escolas.
Portanto o estágio configura-se como uma forma de aproximar a realidade
das escolas às teorias ministradas no âmbito da universidade, conforme
pode ser ilustrado pelas palavras das professoras Beatriz/Letras e
Juliana/Didática:
Eu diria como professora, que o aluno é sempre uma caixinha de surpresa. Às vezes dá impressão que não querem saber de nada, mas de repente, voltam do estágio querendo aplicar as teorias em determinadas práticas. Quando ele (aluno) vem do estágio, vem com um monte de observações a respeito do que viram lá na escola, e querem uma solução para os problemas vivenciados pelos professores daquela escola. Eles querem as fórmulas prontas. Perguntam: como é que eu trabalho Machado de Assis na sala de aula, e faço isso de uma maneira interessante? Mas como é que eu vou explicar para o meu aluno, que existe um narrador, que não é só em primeira e terceira pessoa? Então o que eles querem é assim, a aula de hoje, eu já quero aplicar na minha aula de amanhã. Embora isso não funcione desse jeito, a gente sabe, o estágio faz com que eles percebam na prática o que nós trabalhamos em sala de aula. Aí não se trata de teoria pela teoria. Eu quero assim... que meu aluno reflita sobre a escola que ele visitou e, com base nisso, discuta as teorias, pois elas podem dar respostas a ele.( Beatriz/Letras).
Aqui a gente tem uma proposta, em que o aluno vá desde o primeiro período observar na escola. Assim, logo ele vai saber como é o espaço e o cotidiano da escola e a vida de professor. Eu trabalho assim... No espaço da escola eles identificam um problema, uma situação que lhes chama atenção, depois, eles apresentam algumas questões de pesquisa sobre o que viram e desenvolvem um projeto de pesquisa de forma que possam procurar soluções para os problemas apresentados por eles mesmos. Acho isso bem legal. A gente vê o aluno envolvido com a escola e com a pesquisa, ao passo que vão aprendendo. Claro que eu cuido, com aquela coisa... de só ver problemas na escola. Isso é comum nas primeiras vezes que eles comentam o que viram. Aí eles vem... Meu Deus professora lá acontece assim... entendeu? Não dá para deixar os alunos com essa visão, quem tá de fora é fácil criticar não é? (Juliana/didática).
Pelas palavras da professora Beatriz fica claro que o estágio abre
possibilidades para os professores orientadores proporem pesquisas, que os
142
alunos possam ampliar como afirma Pimenta (2004, p. 51), ―[...] a
compreensão das situações vivenciadas e observadas nas escolas, nos
sistema de ensino e nas demais situações ou estimularem a, a partir dessa
vivencia, a elaboração de projetos de pesquisa a ser desenvolvidos
concomitantemente ou após o período de estágio‖.
Por intermédio do estágio busca-se a sistematização de propostas na
perspectiva reflexiva e investigativa, de forma que haja relação entre escolas
e universidade, pois se considera que as escolas são espaços fundamentais
de aprendizagem profissional. Considera-se também o estágio como uma
possibilidade de promoção da articulação ensino, pesquisa e extensão.
Observa-se, que mesmo em relação ao estágio, os professores
formadores organizam-se dentro da concepção prático reflexiva, que por sua
vez determina as formas de supervisão e orientação do estágio e as suas
atividades na sala de aula.
É importante ressaltar que alguns professores encontram-se
insatisfeitos com a relação que as escolas estabelecem com os
universitários, principalmente pela distancia entre o que é trabalhado na
universidade e aquilo que os professores e coordenadores das escolas
querem que os alunos desenvolvam em seus estágios, conforme afirma a
professora Beatriz
Na atual conjuntura do curso de letras, o estágio ele atrapalha, (por quê?), porque ele está no formato do... três mais um, na concepção das pessoas, apesar da mudança no projeto da universidade. Não que ele esteja propriamente dito no formato, mas as pessoas ainda agem como se estivesse. Olha, algumas pessoas (professores das escolas), fazem assim: leve um texto, faça uma motivação inicial, trabalhe interpretação e gramática, e se der tempo faça os alunos produzirem alguma coisa, aí cai por terra todas as questões que eu comento com os alunos em sala de aula, às vezes eles mesmos, sem querer acabam me dizendo: ―ah! Professora, mas não adianta, porque lá no estágio eles só querem que a gente trabalhe, gramática, gramática, gramática..., a professora de estágio quer que a gente trabalhe gramática, o professor na sala de aula, quer que a gente cumpra o cronograma que ele tem, que é só de gramática, a gente não tem muita possibilidade‖. Veja, embora a professora de estagio tenha conseguido já uma abertura bem bacana com as escolas, conseguiu parcerias com colégios, até fechando a escola uma semana inteira de
143
estágios, ainda nos deparamos com essas situações. Eu vejo o estagio ainda, como uma coisa muito engessada, muito, no tal do micro ensino, aplica lá, e depois eu te digo se funcionou (Beatriz/Letras).
Nas palavras da professora, observa-se que há vontade de
desenvolver uma atividade mais integrada com a escola, que esteja mais de
acordo com o projeto instituído na universidade, no entanto ainda há
insatisfação com o sentido que os professores das escolas atribuem ao
estágio. Nesse caso pode-se ver a força da cultura profissional atuando
sobre as atividades dos professores formadores, o que gera um sentimento
de impotência frente a realidade social, tanto no que diz respeito aos alunos
licenciandos como também aos professores formadores.
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ninguém avança pela vida em linha recta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos vôo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutavelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar. (texto de Henry Miller)
Ao tecer as considerações finais dessa pesquisa, resgata-se o texto
de Henry Miller (acima), que oportunamente descreve um pouco da história
dos sujeitos no mundo. Não há como deixar de considerar que as pessoas
se constituem no e para mundo. E nessa passagem vão tecendo sentidos,
se apropriando, criando e transformando o mundo com seus semelhantes.
Justamente pelo fato de os sujeitos estarem o tempo todo tecendo
essa rede de relações, que se pode afirmar: ―nada se encerra, sempre há
um novo começo‖, como também afirma Miller, ―é impossível que alguém
conte a história toda, por mais limitado que seja o fragmento da vida que
decidamos tratar‖. Além disso, o menor fragmento da vida de um sujeito
contém inúmeras relações, que vão tecendo sem parar a história de cada
um.
Portanto, essa pesquisa constitui de certa forma um fragmento da
história dos professores formadores no qual se buscou apreender as
relações que impregnam a sua vida profissional e que, como tal, desvelaram
uma série de entrelaçamentos, nem sempre passíveis de apreender ou
compreender. Por isso, muitas indagações ainda devem surgir e com
certeza levar a outros processos de investigação. Desta forma, o ponto de
chegada é sempre um ponto de partida.
145
Buscar apreender as relações que os professores formadores
estabelecem com seus saberes profissionais, seguindo os princípios
teóricos-metodológicos de Charlot, foi um grande desafio, primeiramente
pela necessidade e dificuldade de entender a idéia de relação com o saber,
desenvolvida por Charlot, o que só foi possível, também pela mediação e
interlocução com os demais autores que estudam e pesquisam os processos
de constituição da profissionalização e profissionalidade docente. Em
segundo lugar, o desafio de sistematizar uma forma de apreender as
relações dos professores formadores com os saberes profissionais. E em
terceiro lugar o desafio de apreender e analisar tais relações.
Charlot (2000) afirma que a análise da relação com o saber implica a
interpretação que o sujeito faz sobre o mundo, sobre sua atividade, seus
modos de agir, pensar e sentir. E nesse sentido, nem sempre é possível
fazer essa leitura. Assim, durante todo o andamento da pesquisa procurou-
se ficar atento aos elementos que pudessem revelar as relações dos
professores com seus saberes profissionais.
À medida que se adentrava nesse universo, percebeu-se o quanto é
possível também ao pesquisador ressignificar alguns posicionamentos, rever
os caminhos percorridos e os que ainda tem a percorrer. Como afirma
Freitas (2002, p. 26), ―o pesquisador que não sendo um mero objeto,
também tem oportunidade de refletir, aprender e ressignificar-se no processo
de pesquisa‖.
É com base nessas reflexões que se apresentam algumas notas de
arremate haja vista que as conclusões são sempre transitórias. Busca-se
sobretudo resumir alguns pontos relevantes a respeito do que foi abordado
nessa tese, assim como apresentar algumas discussões a respeito dos
resultados e possibilidades futuras.
Considera-se que o saber profissional é também relação com o
contexto, com a história, com o outro, consigo mesmo. Por isso, nos
primeiros capítulos dessa tese houve a necessidade de fazer uma
retrospectiva sobre alguns elementos da história da educação no Brasil,
assim como também da licenciatura, uma vez que esses elementos da
história dão origem aos paradigmas também presentes na formação de
professores bem como no exercício da docência.
146
Adentrar no universo dos professores formadores na universidade não
foi uma tarefa fácil, visto que houve dificuldade de conseguir professores que
se dispusessem a escrever os balanços do saber, conforme técnica também
utilizada por Charlot (2000). Dos 25 professores, que faziam parte do núcleo
das licenciaturas apenas nove retornaram o instrumento preenchido. Cabe
ressaltar, que esses nove professores se mostraram bastante solícitos
inclusive nas entrevistas realizadas, o que também foi um aspecto positivo
no sentido de poder apreender as relações que estabeleciam com seus
saberes profissionais.
Dentre as relações mais enfatizadas pelos professores formadores
em seus depoimentos, pôde-se identificar as relações oriundas da cultura
institucional da qual emergem experiências, que geram relações com os
saberes pedagógicos, específicos, com a teoria e a prática, relações com o
estágio supervisionado, e que por sua vez, vão configurando as atividades
do professor formador no contexto da universidade.
Observou-se que a cultura institucional funciona como base
fundamental nas relações que os formadores estabelecem com seus
saberes profissionais, tanto no período de pré-formação, quando ainda eram
estudantes, como no contexto de socialização profissional.
Assim, dentre as experiências vivenciadas pelos professores
formadores no âmbito da instituição universitária, destaca-se a importância
que os professores formadores atribuem aos mestres modelos (ANDRÉ e
PASSOS, 2008), como ponto de referencia para sua atividade docente. As
lembranças que os professores formadores têm do período de pré-formação
são consideradas fontes de comparação com a sua vida profissional,
principalmente no que se refere às relações que esses estabelecem com os
seus alunos, com a instituição onde atuam ou mesmo com seus colegas
professores. As experiências, as formas de condução das aulas, os modos
de aprender, os encaminhamentos das atividades, as formas de
compartilhamento que ocorreram no período da sua formação são
considerados fatores importantes no desenvolvimento de suas atividades
profissionais atuais, pois essas afetam significativamente as atividades dos
professores formadores.
Outro elemento que se destaca é a cultura acadêmica experiencial
147
(GÓMEZ, 2001), que adquire especial significação na vida dos professores
formadores visto que passam a elaborar significados e comportamentos
profissionais induzidos por esse contexto, mediante os intercâmbios que
ocorrem no interior da universidade. As experiências vivenciadas nesse
ambiente cultural, de certa forma funcionam como balizadores que afetam a
conduta e os sentimentos dos indivíduos e dos grupos em sua atividade
profissional.
A cultura institucional induz de uma forma ou de outra a determinados
tipos de relações sociais e profissionais tanto no sentido de potencializar
como de frear a forma de conceber e desenvolver as tarefas acadêmicas e
profissionais. O clima psicossocial, os hábitos de conduta, a definição de
papeis e esteriótipos, são reflexos dos influxos que mediam, potencializam
ou impedem a realização de determinadas intencionalidades pedagógicas.
Com base nesses influxos culturais vivenciados na universidade, os
dados revelaram que os professores estabelecem uma relação afetiva com
seus alunos, o que lhes traz satisfação e os leva a se preocupar com sua
aprendizagem e com o seu desenvolvimento profissional. Contudo,
encontram-se ao mesmo tempo desmotivados frente às dificuldades
encontradas tanto para atender ao aluno que estão recebendo no curso de
licenciatura como também pelas mudanças nas condições de trabalho, tais
como a implementação do EAD (ensino a distancia).
Os professores consideram que precisam se adaptar às novas
exigências econômicas da instituição, mas estão preocupados com o
comprometimento do processo ensino aprendizagem. Observou-se que a
relação do formador com o processo ensino aprendizagem se caracteriza
pelo compromisso com a formação de qualidade junto aos futuros
professores, por isso a preocupação com o ensino a distância. Ensinar para
os professores formadores implica fazer com que o aluno verdadeiramente
aprenda e não simplesmente obtenha informações sobre as áreas do
conhecimento. No caso do ensino a distância sentem-se inseguros, temem
que a formação possa vir a se tornar mais uma vez um sistema de repasse
de informações, vinculado ao currículo pautado no paradigma cartesiano,
fragmentado e acrítico.
Vale ressaltar que para os professores formadores o ensino a
148
distância caminha também na contramão da nova proposta de
implementação do núcleo das licenciaturas. Se o objetivo do núcleo era
integrar as disciplinas específicas e pedagógicas, consideram que a EAD,
não possibilita essa integração.
Pode-se concluir que o professor formador dessa instituição
desenvolve uma relação de insegurança e dúvida frente ao uso das novas
tecnologias. Tal insegurança pode estar associada à preocupação com a
qualidade da formação dos alunos, mas também pode estar relacionada ao
próprio sentimento de decepção frente a desvalorização e precarização da
atividade docente que o EAD, de certa forma impõe.
No que se refere aos saberes específicos e pedagógicos, os dados da
pesquisa revelaram que os professores formadores ora valorizam os
saberes específicos, ora os saberes pedagógicos, identificados por eles
como saberes práticos, explicitando, assim, uma relação de ambigüidade no
que se refere a importância atribuída a esses saberes. Resulta daí certa
confusão por parte dos professores, pois ao mesmo tempo negam a idéia do
professor como aquele que transmite informações e super valorizam a
prática em detrimento dos conhecimentos teóricos. Poucos são os
professores, que como Roldão (2007), consideram o saber científico
integrador de todos os saberes.
Um aspecto que chama atenção nos depoimentos dos professores
formadores diz respeito à (des) articulação entre teoria e prática. Os dados
mostram uma valorização dos saberes práticos, da análise da experiência e
da problematização da realidade escolar. Ao lado disso, nota-se uma
concepção tácita de que o embasamento teórico deve preceder a prática.
Percebe-se ainda que alguns professores formadores consideram
haver uma relação linear entre o conhecimento cientifico-técnico e suas
aplicações práticas posteriores.
A racionalidade prático-reflexiva, metaforicamente se transforma
numa espécie de condutor da atividade docente. Os professores verbalizam
que os conhecimentos não são verdades absolutas e que precisam ser
contextualizados. Nesse sentido, o estágio supervisionado se constitui como
uma das formas pelas quais podem situar a realidade escolar. Contudo, os
149
professores podem estabelecer uma relação pragmática com o saber, visto
que podem, limitar a reflexão apenas ao que ocorre na sala de aula.
Ao coletar os depoimentos dos professores formadores foi possível
vislumbrar algumas das relações que estabelecem com os seus saberes
profissionais. Nessa pesquisa, assim como afirma Charlot (2000), as
relações apresentaram-se de forma ampla e muitas vezes ambígua, pois, os
saberes profissionais se entrecruzam e produzem múltiplas relações sociais
e profissionais que por sua vez, nutrem, sustentam ou mobilizam as práticas
dos professores.
Acredita-se que as relações que os professores formadores
estabelecem com os saberes profissionais encontram-se associadas à
cultura institucional que produz uma trama de relações nos espaços de
trabalho. Pode-se dizer que as instituições são permeadas de significações.
E nesta perspectiva podem também ser fonte de alienação ou de criação no
que se refere à atividade profissional.
Assim, pode ocorrer que os professores questionem ou coloquem em
dúvida a instituição na qual atuam, instaurando-se uma ruptura com os
processos formativos instituídos nem sempre considerados adequados ou
pode ocorrer igualmente um processo de adaptação e/ou acomodação no
que tange a formação docente.
Ao estabelecer-se como ser individual, sendo parte de uma
coletividade, os professores podem ficar afetados por essa coletividade e
pelos seus discursos, o que pode levá-los a desenvolverem um processo de
―mitificação pedagógica‖, que como afirma Charlot (2005), nada mais é que
a defasagem entre o discurso e a realidade social ou nesse caso, entre o
discurso e a realidade vivenciada no interior da universidade. Esses
discursos levam os professores a desenvolverem determinados significados
e sentidos frente a educação e a formação de professores, levando-os
também a agirem muitas vezes inconscientemente no seu dia-a-dia
profissional.
O problema da mitificação pedagógica no âmbito das instituições
universitárias é que essa pode levar os professores formadores a
desenvolverem expectativas frente a essa formação que muitas vezes não
se concretizam. Os professores podem submeter-se a determinados
150
processos que nem sempre são adequados a uma formação de qualidade.
Pode ocorrer uma contradição entre os discursos e as expectativas dos
professores formadores o que por sua vez, pode levá-los ao desanimo, ao
conflito consigo mesmo, com os colegas e com a instituição, o que muitas
vezes provoca stress ou apatia frente às situações vivenciadas.
Nesse sentido, é preciso que tanto a universidade enquanto
instituição como os professores que nela desenvolvem suas atividades
estejam conscientes de suas ações. Entender a dinâmica institucional
universitária, compreender o estatuto de saber e poder e a possibilidade de
encontrar seu papel profissional é também poder efetivar ações mais
significativas e positivas junto a formação dos professores.
Ao finalizar esse trabalho cumpre também afirmar que pesquisar a
temática da relação com os saberes profissionais dos professores
formadores abre outras possibilidades de pesquisa e aprofundamento, haja
vista que esse estudo não teve a pretensão de bastar-se a si mesmo.
Portanto, deseja-se discorrer nesse momento sobre algumas lacunas ou
possibilidades futuras de aprofundamento sobre a temática da relação com
os saber.
Uma delas refere-se à discussão da mitificação pedagógica, pois
segundo Charlot (2005), essa mitificação pedagógica impregna a atividade
dos professores e está presente na cultura institucional, que por sua vez,
poderia ser um aspecto a ser aprofundado em termos da relação com os
sabres profissionais docentes, já que observou-se a existência de poucas
referências que tratam da cultura institucional voltada às universidades.
Sugere-se, como mais uma possibilidade de ampliar a pesquisa e dar-
lhe continuidade, o estudo das representações sociais e dos imaginários
presentes na atividade dos professores formadores, pois o sujeito constrói
representações que estão em geral inclusas em sua relação com o saber e
que por sua vez são compostas por conteúdos de pensamento que são
postos em relação.
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