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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Deborah Pierri A funcionalização da empresa e seus reflexos sobre os consumidores DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Deborah Pierri

A funcionalização da empresa e seus reflexos sobre os consumidores

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Deborah Pierri

A funcionalização da empresa e seus reflexos sobre os consumidores

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Patrícia Miranda Pizzol.

SÃO PAULO 2009

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Banca Examinadora

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Dedico aos sócios: Rubens Rihl e Luiz Pierri

Amor e gratidão

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RESUMO

O estudo volta-se ao direito fundamental de proteção aos consumidores. O universo

jurídico (códigos, sistemas, normas) e os instrumentos de atualização do Direito

(cláusulas gerais, conceitos indeterminados, princípios e direitos fundamentais). O

relacionamento entre o Direito e a Economia. A funcionalização dos institutos de direito

privado. Os princípios constitucionais como ferramentas de efetivação dos direitos

fundamentais e instrumentos de conformação da propriedade. A propriedade empresarial

e sua função social. A função social da empresa nas relações de consumo e a influência

dessa perspectiva constitucional no relacionamento das empresas e dos consumidores.

Palavras-chaves: funcionalização dos institutos de direito privado, Direito e Economia,

direitos fundamentais e princípios constitucionais, função social da propriedade

empresarial e sua relação com consumidores.

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ABSTRACT

The analysis refers to the fundamental right of consumer protection. The legal universe

(codes, systems, rules) and the instruments of modernization of the Law (general clauses,

indeterminate concepts, fundamental principles and laws). The relationship between Law

and Economics. The functionalism of the private law institutes. The constitutional

principles as tools of the applicability of the fundamental laws and of the acceptance of

property. The business property and its social function. The social function of the

company in consumer relations and the influence of such constitutional perspective in the

company-consumer relationships.

Keywords: functionalism of the private law institutes, Law and Economics, fundamental

law and constitutional principles, social function of business property and its relation with

the consumers.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 9

1. A EXPERIÊNCIA JURÍDICA .................................................................................................... 15

1.1. Os sistemas de direito .......................................................................................................................... 15

1.2. As codificações .................................................................................................................................... 19

1.3. Descodificação ou integração .............................................................................................................. 21

2. ATUALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DAS NORMAS JURÍDICAS ........................................... 28

2.1. Cláusula geral ...................................................................................................................................... 28

2.1.1. Definição. Espécies. Características. ...................................................................................... 29

2.1.2. Função ..................................................................................................................................... 32

2.1.3. Vantagens e desvantagens na aplicação das cláusulas gerais .................................................. 36

2.2. Conceitos indeterminados ................................................................................................................... 39

2.2.1. Definição. Espécies. ................................................................................................................ 41

2.2.2. Valoração e discricionariedade ............................................................................................... 43

2.2.3. Vantagens e desvantagens na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados ................... 45

2.3. As normas constitucionais ................................................................................................................... 47

2.3.1. Os direitos fundamentais ......................................................................................................... 48

2.3.1.1 A interdisciplinaridade ..................................................................................................... 48

2.3.1.2. A eficácia nas relações privadas. O olhar de Alexy. ....................................................... 50

2.3.2. Os princípios ........................................................................................................................... 54

2.3.2.1. Princípios, regras e normas jurídicas ............................................................................... 57

2.3.2.2 Os princípios e as antinomias ........................................................................................... 61

2.3.2.3. Os princípios no direito privado ...................................................................................... 64

a) A dignidade da pessoa humana ........................................................................................... 65

b) A autonomia privada ........................................................................................................... 66

c) A boa-fé objetiva ................................................................................................................. 67

d) direito privado e o princípio da responsabilização civil ...................................................... 69

e) O princípio da socialidade e da eticidade no direito privado ............................................... 69

3. DIREITO E ECONOMIA .......................................................................................................... 75

3.1. O Direito .............................................................................................................................................. 75

3.2. A Economia ......................................................................................................................................... 79

3.3. Interligações e influências ................................................................................................................... 83

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3.4. Análise econômica do direito (AED) .................................................................................................. 92

3.5. Direito e a nova economia mundial ..................................................................................................... 94

4. A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ......................................................................... 97

4.1. Participação do Estado na vida econômica .......................................................................................... 97

4.2. A ordem constitucional e o direito econômico .................................................................................. 102

4.2.1. Ordem econômica, justiça social e dignidade da pessoa humana ......................................... 104

4.3. Marcas da globalização na ordem jurídica econômica constitucional ............................................... 108

5. A PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES ................................................................................ 116

5.1. Os sujeitos relacionados no consumo ................................................................................................ 120

5.1.1. Definição de consumidor ...................................................................................................... 120

5.2.2. O conceito de fornecedor segundo a Lei 8.078/90. ............................................................... 127

5.2.2.1. Fornecimento em rede ou cadeia de fornecimento ........................................................ 128

5.2.2.2. Fornecedores e a gratuidade dos serviços ..................................................................... 130

5.3. Natureza jurídica da proteção ao consumidor.................................................................................... 132

5.4. Os princípios assumidos pelo CDC ................................................................................................... 139

a) Da vulnerabilidade ............................................................................................................ 143

b) Da harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo. ...................... 146

c) Da repressão aos abusos contra os consumidores.............................................................. 150

5.5. Fornecedor versus Consumidor – O litígio judicial ........................................................................... 154

6. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA – ENFOQUE SOCIAL E JURÍDICO ......................... 168

6.1. Responsabilidade social ..................................................................................................................... 170

6.1.1. Conceito e evolução histórica ............................................................................................... 175

6.1.2. A atualização do tema e a globalização ................................................................................ 179

6.1.3. A responsabilidade social como meta empresarial................................................................ 182

6.2. Responsabilidade civil ....................................................................................................................... 185

6.2.1. Elementos da responsabilidade civil subjetiva ...................................................................... 186

6.2.2. Elementos da responsabilidade objetiva e outras anotações ................................................. 189

6.2.2.1. A responsabilidade objetiva como cláusula geral no Código Civil .............................. 190

6.2.2.2. A responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor .............................. 192

7. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE .............................................. 195

7.1. A propriedade e sua perspectiva histórica ......................................................................................... 195

7.1.1. A propriedade na modernidade ............................................................................................. 196

7.1.2. A propriedade na contemporaneidade e seu real significado ................................................ 198

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7.2. A propriedade empresarial................................................................................................................. 200

7.2.1. O conceito de empresa. ......................................................................................................... 203

7.2.1.1. A concepção econômica de empresa ............................................................................. 203

7.2.1.2. A concepção jurídica de empresa .................................................................................. 204

7.3. Asquini e a construção da teoria da empresa ..................................................................................... 206

7.4. A contribuição dos juristas brasileiros ............................................................................................... 207

7.5. Teoria da empresarialidade. Supremacia da funcionalidade .............................................................. 208

7.6. Atualizando a definição de empresa .................................................................................................. 209

8. RELAÇÕES PRIVADAS: FUNÇÃO SOCIAL - EMPRESA - CONSUMIDORES .................... 212

8.1. A perspectiva da função na ciência do direito ................................................................................... 214

8.2. Função social: limitação ou conformação dos institutos jurídicos privados ...................................... 215

8.3. Evolução na aplicação da funcionalização ........................................................................................ 218

8.4. A função social: pilar do direito privado de propriedade .................................................................. 221

8.5. Função social: princípio conformador das propriedades ................................................................... 227

8.6. A empresa relacionada com o consumidor na perspectiva da função social ..................................... 230

8.7. Função social, filantropia e responsabilidade social .......................................................................... 231

8.8. Função social da empresa: ampliação do conceito constitucional de propriedade ............................ 232

8.9. A função social da empresa nas relações de consumo ....................................................................... 239

CONCLUSÕES .......................................................................................................................... 261

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 275

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INTRODUÇÃO

Sutilmente despertada por fragmentos da obra clássica de COHEN1,

principalmente nos sua escrita pós-crise de 29, igualmente encantada com o pensamento

de BOBBIO2, em seus escritos de 1977 - Dalla struttura alla funzione: nuovi studi di teoria

del diritto, o presente estudo desenvolveu-se sob o primado inabalável de que o direito é

promocional e somente se realiza quando atende à sua funcionalidade, que, em última

análise é promover o bem comum.

Interessante analisar a empresa, o modo como ela se relaciona com os vários

segmentos da sociedade, seus objetivos, compromissos sociais, pois é na empresa que

se integram função diversa, sua relevância é tamanha que decisões tomadas em seu

âmago repercutem de modo expressivo no desenvolvimento da sociedade.

Compreendem-se pela experiência jurídica os motivos pelos quais nas

economias capitalistas as empresas estão no eixo do desenvolvimento econômico e

social, justificando racionalmente o esforço de vários segmentos em prol da preservação

da empresa.

Nessa trajetória o estudo aborda a experiência histórica e jurídica na evolução

do conceito de empresa, realçando-se o quanto na contemporaneidade há supremacia

da funcionalidade.

1 COHEN, Felix. O referido autor é considerado um dos mais proeminentes juristas norte-americanos do século XX, escreveu Nonsense Transcendental e a Abordagem Funcional 35 Colum. L. Rev. 809, 1935 (trechos traduzidos e coletados pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas) numa época em que decisões baseadas em princípio ou diretrizes juridicamente consagradas não eram tão influentes quanto hoje. De qualquer modo, preocupado com a ineficiência dos discursos teóricos, o racionalista americano propôs oposição acirrada ao positivismo normativista. Essa referência é importante para compararmos, ainda que de passagem, a grande crise do capitalismo mundial em 1929, do acirramento das tensões ligadas ao movimento sindical e da ascensão dos governos totalitários, especialmente o nazismo e o fascismo, durante a década de 30 e o ceticismo com o Estado liberal e suas instituições, o que parece repetir-se nas primeiras décadas do século XXI. 2 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. trad. de Daniela B.Versiani. Barueri: Manole, 2007. Bobbio propôs a funcionalização do direito, indo além dos estruturalismos de Kelsen, cujo objetivo teórico precípuo foi regular a conduta dos indivíduos. Para o mestre italiano, enquanto a estrutura do ordenamento envolve seus elementos (normas) e suas relações recíprocas, a função volta-se à orientação real e concreta onde cada elemento tem seu papel na realização do direito.

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O tema da funcionalidade da propriedade empresarial se renova na atualidade,

observando-se coincidentemente que, a primeira grande crise econômica experimentada

no século XXI, iniciou-se com negócios de consumo indevidamente entabulados com os

adquirentes de créditos imobiliários.3

O proposto é ver a empresa no desempenho de sua função social, em suas

múltiplas dimensões, especialmente nas suas relações com os consumidores.

Nesse sentido há nítida e proveitosa relação com as experiências vividas pelas

ciências jurídicas, que, como o direito do consumidor, também evoluíram, por exemplo,

na adoção de normas mais aptas a responder às demandas e situações submetidas ao

direito privado.

As concepções e classificações tradicionais da propriedade há muito se

mostravam inadequadas. A propriedade empresarial mais do que qualquer outra foi vista

ao longo de séculos como direito subjetivo inatingível, exercido de modo alheio aos

compromissos assumidos pela ordem e programa constitucional, quase totalmente

reservado aos agentes estatais.

Liberdade de agir, a concentração de riquezas e a satisfação dos investidores

foi alguns dos objetivos do liberalismo econômico, garantidos por fórmulas jurídicas

severas e impactantes; em contrapartida promessas de acesso e de igualdade de

condições poucas vezes mostraram-se mais do que simples perspectivas.

3 Vejam algumas notícias: Departamento do Tesouro dos EUA de um pacote para injetar até US$ 200 bilhões nas duas gigantes americanas do segmento de hipotecas, (....) a fim de evitar a falência de ambas. (..) Ontem, o Departamento do Tesouro anunciou uma intervenção federal na Freddie Mac e na Fannie Mae, profundamente afetadas pela recente crise dos créditos "subprime". O setor imobiliário americano enfrenta uma severa crise provocada por uma inadimplência elevada em operações de hipoteca de alto risco, que se espalhou pelo restante do setor financeiro e está na origem da recessão que ameaça a maior economia do planeta. (..) informou que as duas companhias passam a ser dirigidas em caráter temporário pela FHFA (sigla em inglês para Agência Financeira Federal de Casas), que vai gerir as dívidas financeiras. (In: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u442498.shtml, acesso em 08.09.08).

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Essa precariedade com a igualdade, com a dignidade humana e com a ética,

mostraram-se inadequados, criando um abismo social entre os que detinham e não

detinham propriedades e poder.

Sistemas fechados, códigos herméticos, regras e regras, tornaram as ciências

jurídicas frias, distantes do interesse público, do bem comum, enfim, dos objetivos

primários da humanidade.

O movimento favorável de funcionalização do direito contribuiu em muito para a

adoção de fórmulas ágeis, aptas e prontas para se atualizarem. Nas regras, passou-se

com freqüência a lidar com cláusulas gerais, conceitos indeterminados e outras técnicas.

Há no trabalho, preferência justificada pela aptidão e eficiência na adoção de

técnicas e de estudos teóricos que prestigiam rigorosamente a ordem constitucional, isso

porque, são os comandos constitucionais que vivificam e unificam o sistema jurídico.

Facilitando a aplicação dos direitos fundamentais, dos valores e dos princípios

constitucionais nas mais variadas situações, inclusive naquelas eminentemente privadas

e patrimonialistas, é que a ciência jurídica não se afasta do seu grande compromisso que

é de servir ao homem.

Ao longo do estudo, verifica-se o quanto princípios como o da justiça social,

dignidade da pessoa humana, livre iniciativa, autonomia privada, são compreendidos e

por isso, podem ser plenamente aplicados de modo convergente na compreensão do

direito e da economia, ciências que se completam e se influenciam reciprocamente.

O trabalho também foca o desenvolvimento das relações multifacetadas no

desenvolvimento recíproco do consumidor e do empresário produtor ou prestador de

serviço.

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De modo bem particular, as normas de proteção ao consumidor são visitadas e

justificadas exuberantemente na ordem constitucional e infraconstitucional.

Propositadamente um dos capítulos do texto é dedicado aos princípios assumidos pelo

próprio Código de Defesa dos Consumidores, particularmente os: da vulnerabilidade do

consumidor, da harmonização entre os interesses dos participantes e a repressão aos

abusos que contrariem os direitos dos consumidores.

Nessa linha, o trabalho debruça-se sobre a responsabilidade da empresa para

com terceiros, cuidando, porém, distinguir a opção empresarial pela responsabilidade

social, amplamente debatida e divulgada pela grande Mídia, da responsabilidade jurídica

da empresa tida como um dos vários deveres do empresariado em assumir os resultados

concretos ou potencialmente danosos aos consumidores.

Na segunda metade do trabalho abordam-se as propriedades, especialmente a

trajetória teórica sobre a propriedade empresarial, que, assim como vários outros

institutos do direito privado (propriedade urbana e agrária, contratos etc), denotam a

adoção do movimento pela supremacia na funcionalização.

Há justificativas nessa opção, pois toda reflexão até então havida em sede do

direito público, estendeu-se a vários e vários institutos jurídicos clássicos, fala-se com

facilidade na função da propriedade, das cidades, dos contratos, das empresas.

Hoje se exigem também ações dos agentes privados e das empresas, conforme

os interesses sociais. Caso contrário, ou há interdições ao manejo dos direitos no seu

exclusivo interesse, ou se impõem sanções aos que não observam essas conformidades.

O estudo não deixa de encarar as dificuldades na aplicação dessas

perspectivas, senão pelo conservadorismo dos que se limitam ao estruturalismo das

normas, mas concretamente pela ambiência imposta pela globalização, o que até bem

pouco tempo era considerada como a grande solução para a hegemonia do capitalismo.

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Os planos das ciências econômicas suplantam tradicionais institutos, objetos

peculiares das ciências jurídicas, por exemplo, arquétipos de soberania, de relações

jurídicas e até de direitos humanos.

Os ensaios na contemporaneidade, mesmo antes da grande crise econômica do

século XXI, de fato, caminhavam para a reflexão de novas perspectivas da empresa, não

para tirar-lhe a força motriz da ordem econômica, mas para colocá-la como fenômeno

jurídico complexo que lida, por sobrevivência ou imposição, com o dever de convivência

harmoniosa entre os interesses dos acionistas <<shareholders>> e dos anseios e

interesses daqueles que com a empresa se relacionem <<stakeholders>>.

Nessa categoria estão os consumidores, concebidos não como simples

adquirentes dos produtos e serviços, mas parceiros reais com que a empresa pode

compartilhar interesses.

A exemplo da função social da propriedade, dos contratos, etc, também o

exercício das atividades empresariais é conformado pela funcionalização, revelador de

um dos princípios informadores da ordem econômica, sublinhado como uma das grandes

orientações da ordem jurídica, menos voltado à limitação dos abusos, mais para garantir

a atividade, equilibrando os interesses da empresa com os interesses da sociedade de

consumo.

O ponto culminante do trabalho procura clarificar a importância da reafirmação

dos anseios constitucionais de desenvolvimento da sociedade, tomando-se como

referência, as relações jurídicas privadas entre as empresas fornecedoras de produtos e

serviços e os consumidores

Se o direito tende a harmonizar os interesses, vasto o trabalho oferecido na

seara do consumo. Fornecedores e consumidores parecem estar envolvidos num infinito

conflito, cuja minimização pretensiosamente se pretende oferecer pequena contribuição

teórica.

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Vivenciar o princípio da função social, enquanto dever da empresa, é contribuir

com a experiência jurídica, estimulando formas mais solidárias e éticas na produção,

organização e proteção dos consumidores, renovando as trilhas do Direito que sempre

estarão na busca incessante da igualdade e da justiça social.

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1. A EXPERIÊNCIA JURÍDICA

No convívio social, antes e após a sua morte, o homem não prescinde de um

mínimo de ordem, que lhe garanta condições de exercer sua existência e a de grupos

sociais.

O direito serve a isso e constitui-se, dentre as várias possibilidades conceituais,

um sistema de disciplina social, estabelecendo entre os homens poderes e deveres

recíprocos, geralmente por meio de normas impostas pelo Estado.

1.1. Os sistemas de direito

O ordenamento jurídico de um povo, mesmo um único diploma legal, somente

será entendido quando houver mínima compreensão do sistema em que se insiram.

Na verdade, o sistema dá sentido e unifica os institutos e regras jurídicas.

De fato, a expressão <<sistema>> é polissêmica4, mas pode ser vista como

estrutura particularizada, na qual se empregam vocabulários específicos,

correspondentes a certos conceitos e interpretações próprias.

No prisma do presente trabalho o sistema jurídico é tratado como conjunto de

elementos que determina o modo de aplicação do Direito.5

Ao falar em sistema, estamos procurando introduzir um aspecto dinâmico,

em que sistema é entendido como um conjunto de elementos que evoluem e interagem de modo relativamente uniforme, - como o sistema solar, na Astronomia, ou as células na Biologia. Os elementos do sistema jurídico são, (i) além das normas, que precisam

4 Considerado o sistema como conjunto de elementos materiais ou ideais que define algo (determinado astro no sistema solar), quanto o conjunto de instituições e métodos adotados (sistema parlamentar). 5AZEVEDO. A. Junqueira. O direito ontem e hoje. Crítica ao neopositivismo constitucional e à insuficiência dos direitos humanos. (In: Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVIII, set. 2008, no. 99, p.7-14).

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sempre de interpretação, (ii) as instituições jurídicas, como Advogados, Promotores e Juízes; (iv) a Doutrina; e (v) a jurisprudência.

De povo para povo, tempos para tempos, há variações nos sistemas jurídicos. 6

Tradicionalmente se subdividem em - abertos ou fechados, isto é, cujo elemento

distintivo é a possível interpretação dada ao conteúdo da norma.

Diz-se aberto, o que permite ao intérprete apoiar-se na lei, nos fatos e nos

valores externos; fechado, é o sistema cuja referência é a própria lei e os códigos sem

oferecer grande margem ao hermeneuta.

Ressalte-se, o fechamento do sistema não se relaciona com a existência de

codificação, pois fechado é o sistema que tem apoio quase exclusivo nas leis e nos

códigos, como o extremo a que chegou o movimento racionalista, capitaneado pelos

filósofos Descartes e David Hume.7

Isso também foi defendido por Windscheid, para quem o Direito era algo de

conteúdo absolutamente racional e produto de elaboração científica.

LARENZ explica bem o positivismo racionalista de Windscheid: 8

Assim, adere WINDSCHEID à idéia do sistema „lógico‟; não é o fim de certa regulamentação, o sentido ético ou sóciopolítico de um instituto ou de todo um sector do Direito que fundamenta a „conexão intrínseca‟ das proposições jurídicas, mas o serem comuns os elementos conceptuais que neles se repetem.

6Nos séculos XII e XIII o sistema era aberto e com leis escritas inter-relacionado com outros micro-sistemas e valores: imperium, Igreja Romana e tradição escolar da Antiguidade. (MARTINS COSTA, Judith. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT. nº. 680, p. 46-58). Respondendo às várias possibilidades havidas no século XIV, a busca era pela segurança e certezas na aplicação do Direito, a base era a communis opinio doctorum. (MARQUES, Mario Reis. O liberalismo e a codificação do direito civil em Portugal. Apud: MARTINS COSTA, Judith. As cláusulas..., op. cit., p. 48). 7Só tem valor o passível de conhecimento e verificação: De modo geral, então, devemos considerar a distinção entre justiça e a injustiça, como tendo dois fundamentos diferentes, a saber, o fundamento do „interesse‟, quando os homens observam que é impossível viver em sociedade sem se restringir por meio de determinadas regras; e o fundamento da moralidade, quando esse interesse é observado e os homens passam a ter prazer com a visão de que essas ações tendem para a paz da sociedade, e a sentir inquietações com as ações que são contrárias a essa paz. (HUME, David. Algumas reflexões adicionais relativas à justiça e injustiça. Os grandes filósofos do direito. org. Clarence Morris. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 206-7). 8LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997, p. 37.

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Até o final do século XIX esses pensamentos dominaram a ciência jurídica,

mantendo o mundo jurídico num sistema fechado de razões e verdades, de construção

lógica-matemática, no qual as normas são deduzidas pelo raciocínio.

De fato, os códigos e as leis foram, desde muito, as principais fontes do direito,

como observa FERRAZ: 9

(...) em todos os tempos, o direito sempre fora percebido como algo estável

face às mudanças do mundo, fosse o fundamento desta estabilidade a tradição, como para os romanos, a revelação divina na Idade Média, ou a razão na Era Moderna. Para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser o usual: a idéia de que, em princípio, todo direito mude torna-se a regra, e que algum direito não mude, a exceção. Esta verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito corresponderá ao chamado fenômeno da positivação do direito (Luhmann, 1972).

Essas mesmas perspectivas afloram no trabalho de Kelsen, o mais legítimo e

célebre representante do positivismo jurídico ou do positivismo voluntarista, que via o

direito como produto da vontade das autoridades (voluntarismo), afastado dos juízos de

valor, como recorda COELHO: 10

(...) o conhecimento jurídico para ser científico deve ser neutro, no sentido de que não pode emitir qualquer juízo de valor acerca da opção adotada pelo órgão competente para a edição da norma jurídica.

Pouco a pouco o positivismo desgastou-se, principalmente a partir da Revolução

Industrial, pois os fatos sociais passaram a exigir do sistema jurídico respostas mais

rápidas e prontas às demandas.11

9FERRAZ JUNIOR, Tércio S. Introdução ao estudo do direito - Técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 2001, p.74. 10COELHO, Fábio U. Para entender Kelsen. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 4. Para o autor, Kelsen não admitia o juízo de valor e o considerava arriscado para a veracidade das afirmações científicas. 11Em especial na segunda fase da Revolução Industrial (1860 a 1900). Essa compreendeu transformações econômicas, políticas e sociais: da oficina artesanal (manufatura) à fábrica (máquinas), da sociedade rural à urbana (burguesia e proletariado), processo iniciado pela organização fabril e trabalho assalariado. (In:www.senado.gov.br/comunica/historia/revolind.htm, ac. em 26/08/06).

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18

Optou-se, então, pelo sistema aberto, deixando a lei em si mesmo de ocupar a

mesma posição privilegiada. Lembra CANARIS, a abertura do sistema jurídico relaciona-

se com sua própria sensibilidade às mudanças dos valores jurídicos fundamentais.12

Essa mobilidade jurídica será tão ampla quanto maior for a aptidão que houver

para aceitarem-se mudanças sociais, como explica GONDINHO: 13

Quanto mais rígidas forem as previsões normativas, mais inflexível será o

sistema, menor, portanto será a sua mobilidade. Nesse sentido, não raro o sistema positivado estará em desarmonia com aquilo que pretende disciplinar, tudo isso levando às indesejáveis crises da ineficácia social. Por outro lado, um sistema que adote previsões normativas menos rígidas, cujo conteúdo dado sua vagueza, necessite de preenchimento constante, proporcionará maior mobilidade para as disciplinas legais, acompanhando, passo a passo, os avanços da sociedade.

Com essa aptidão é que se inseriu no cenário jurídico brasileiro o Código Civil

de 200214, pródigo no uso de princípios, conceitos indeterminados e de cláusulas gerais.

A despeito de todas as críticas que lhe possam ser atribuídas, o novo Diploma

permitiu, acompanhando ao menos em parte as mudanças sofridas pela sociedade, a

atualização do próprio Direito, como bem anotou MARTINS COSTA: 15

O Código Civil, na contemporaneidade, não tem mais por paradigma a

estrutura que, geometricamente desenhada como um modelo fechado pelos sábios iluministas, encontrou a mais completa tradução na codificação oitocentista. Hoje, a sua inspiração, mesmo do ponto de vista de técnica-legislativa, vem da Constituição, farta em modelos jurídicos abertos. Sua linguagem à diferença do que ocorre com os códigos penais, não está cingida à rígida descrição de fattispecies cerradas, à técnica casuística. Um código não totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que ligam a outros corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas, que o vinculam, dialeticamente, aos princípios e regras constitucionais.

12CANARIS, Claus W. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 281. 13GONDINHO, André O. Codificação e cláusulas gerais. (In:Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. Rio de Janeiro: Padma, 2000, vol. 2, p. 7). 14A reunificação do direito das obrigações (civis e comerciais) e a inserção de cláusulas gerais na parte geral são duas das principais características do Código Civil de 2002. 15MARTINS COSTA, Judith. O direito privado como um „sistema em construção‟ – as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. (In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, nº. 753, p. 26).

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19

Há os que defendam a extinção de todos os códigos, proclamando a inutilidade

desse formato na regulação da complexa vida social.

Entretanto, essa dualidade: codificar ou não codificar exige minimamente

reflexão madura sobre o melhor caminho a ser adotado, ou mais precisamente, o

caminho mais legítimo para determinada nação ou sociedade.

1.2. As codificações

Desde os tempos mais remotos os códigos ocupam posição de destaque no

ordenamento jurídico, consideradas tábuas reguladoras da vida social. 16

Aliás, dentre as várias codificações, dois especialmente marcaram época, seja

porque representaram novas idéias sobre direitos e homens, seja também porque

influenciaram e muito outros diplomas, a saber: Código Napoleônico de 1804 e o BGB –

Bürgerliches Gesetzbuch (Código alemão de 1900). 17

No Brasil a experiência jurídica com as primeiras codificações ocorreu no século

XIX (v.g. Criminal de 1830; de Processo Criminal em 1832; o Código Comercial de

1850).18

Vistos sob múltiplas perspectivas: ideológica, política, técnica e outras, os

códigos são concebidos como meios técnicos e científicos de sistematização e unificação

16O Código de Hamurabi data de 1694 a.C e continha 282 cláusulas, dentre elas a lei de talião. 17O BGB é fruto do dissenso entre Savigny e Thibaut. Favorável a codificação, Thibaut acreditava que a codificação daria segurança jurídica, já Savigny temia o engessamento das regras de direitos, incompatível com o dinamismo das relações na sociedade. O primeiro saiu-se vencedor, confiram-se: NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: RT, 2008, p. 201-202. 18O Código Comercial de 1850, parcialmente em vigor (v.g. título dedicado ao direito marítimo), regulou as relações mercantis até o ano de 2002, ano em que o novo diploma unificou de modo expressivo as obrigações civis e comerciais.

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dos temas e matérias, eleitas de interesse pela comunidade. Sobre essa unificação,

acompanhem-se: 19

Uma codificação não surge por acaso, expressa uma tentativa de unificação,

em único corpo normativo, de um ramo do Direito Positivo de uma sociedade. Entretanto, mais que um conjunto de regras jurídicas sistematizadas, eleitas pelo legislador como convenientes a disciplinar determinados tipos de relações jurídicas, um código representa, ao mesmo tempo obra jurídica e ideológica.

Claro que há vantagens na unificação, melhora a apreensão do direito,

minimizando as incompatibilidades entre as fontes. Correta afirmação de que os códigos

podem ser considerados trilhas possíveis, dadas ao intérprete à compreensão mais

adequada do direito.

Entretanto, as desvantagens não são poucas. Aliás, muitos ponderam que os

códigos há muito já não cumprem sua função, descompassados com a velocidade das

alterações ocorridas e menos com a heterogeneidade dos interesses hiper-

especializados.20

Os valores sociais e ideológicos mudam com velocidade muitíssimo superior

aos considerados na legislação e codificação.21 A história demonstra, valores dos

códigos clássicos, que sustentaram por tantos anos os ideais liberais, foram pouco a

pouco perdendo o sentido e a utilidade.

Se for aceitável a idéia de que os códigos denotam opção política e ideológica,

por certo, também devem refletir modelos amplos, de padrões mais adequados, enfim,

imunes aos desgastes provocados com a mudança dos valores sociais.

19GONDINHO, André O. Codificação..., op cit. 20LORENZETTI, apoiado em Umberto Eco e outros autores da obra A nova Idade Média, aduz que o direito, pela ineficiência do Estado ,vem sendo paulatinamente feudalizado. Os indivíduos mantêm-se nos seus feudos e dão as soluções, como, por exemplo, se a segurança pública é ineficiente, substitui-se pela privada. Privada também são as soluções para a saúde, escola, crédito. Pior é a justiça estatal que vem sendo substituída pela justiça privada. Essa feudalização, fruto principalmente das ineficiências do Estado, mina a força dos códigos, frutos que são da ação estatal. (LORENZETTI, Ricardo L. Fundamentos do direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 55). 21AMARAL, Paulo. A descodificação do direito civil brasileiro. (In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, out./dez. 1996, p. 545-657).

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21

Adequação e atualidade garantem o êxito das leis e das codificações, daí

porque são necessárias certas técnicas legislativas, consideradas ferramentas úteis (v.g.

conceitos vagos ou indeterminados, princípios e cláusulas gerais) ou pontos de apoio na

lei que auxiliam a interpretação da norma e sua aplicação ao caso concreto..

Em resumo, a descodificação do direito pode ser um caminho, mas também um

novo modo de enxergar ou interpretar pode funcionar como mecanismo eficaz de

atualização do direito.

1.3. Descodificação ou integração

Como foi dito, a inserção na sociedade brasileira do novel diploma civil em 2002,

substituto do já desgastado Código Civil de 1916, provocou avalanche de críticas,

principalmente dos que professam a desnecessidade dos códigos em geral. 22

Desde a Constituição de 1988, seus adeptos analisaram as profundas

alterações havidas nas relações jurídicas civis, que se adaptaram mais a partir de várias

decisões judiciais mais arrojadas e também pelo trabalho do Legislativo (v.g.locações,

parcelamento do solo, relações de consumo, criança e adolescente).

Esse movimento de descodificação disseminou-se em todo o mundo, como bem

esclarece TEPEDINO: 23

Pouco a pouco, o esmorecimento do interesse pelo velho projeto de lei

parecia coincidir com a perda da centralidade do Código Civil no sistema de fontes normativas. Assim como na Europa Continental, numerosas leis especiais passaram a regular setores relevantes do ordenamento, na medida em que a disciplina do Código era considerada mais e mais ultrapassada. Este processo, amplamente registrado em doutrina, conhecido como movimento de descodificação, na experiência brasileira reservou à Constituição de 1988 o papel de reunificador do sistema.

22FACHIN, Luiz E. e RUZYK, Carlos E.P. Um projeto de Código Civil na contramão da Constituição. (In: Revista Trimestral de Direito Civil. vol.4. Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 243 ss.) 23TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. (In: A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 15-33).

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De fato, há muito que o código não poderia mesmo ocupar o eixo central na

interpretação do direito privado.24 Entretanto, inútil não se dar aproveitamento às

experiências jurídicas, postas pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, pois, de modo

geral, esse novo diploma civil brasileiro adotou corretamente a sistemática de outros

códigos exemplares que, por essa razão sempre foram bastante prestigiados (v.g código

civil alemão -1896; italiano-1942; português-1966). Isto porque, seguindo os passos e

técnicas do constituinte, deu trato especial manejando cláusulas gerais e princípios.

Partilha-se a idéia de que a complexidade da vida contemporânea não condiz

com a rigidez de um único sistema codificado. Entretanto, o diploma de direitos privados

em 2002 foi editado com considerável envergadura técnica e principiológica, permitindo-

se discordar dos que vêem os códigos como óbices ao desenvolvimento do direito civil e

da própria sociedade.

Aliás, essas mesmas técnicas parecem ter inspirado o surgimento de mini

codificações providas de conteúdos multidisciplinares, mais aptos a atender aos novos

direitos, como ocorreu com temas relacionados - ao consumidor, ao meio ambiente, a

criança e adolescente: 25

O douto em Direito torna-se, pouco a pouco, um exegeta, um tradutor da lei

especializada. Isso conduz à perda da globalidade, da pretensão de regular a sociedade em seu conjunto, o que era a finalidade precípua dos Códigos.

Os juristas são unânimes em proclamar, mesmo nos sistemas mais abertos,

patamares mínimos de regulação. Tome-se, por exemplo, o movimento quase universal

24Confiram-se os sinais de mudança: 1.EMENTA: Pacta sunt servanda. Este princípio comanda o acordo de vontades. Qualquer exceção, decorrente de princípio de ordem pública, mais valiosa de que o interesse dos particulares, deve ser demonstrado, por quem a suscita-(TJDF APC5683, rel. Luiz Vicente Cernicchiaro, 2ª Turma Cível, j. 30/08/1978, acesso em 28/08/2006); 2.EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS (PACTA SUNT SERVANDA) - PRINCÍPIO MITIGADO PELA NOVA REALIDADE CONTRATUAL DE MASSA - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL VISANDO ESTABELECER O EQUILÍBRIO CONTRATUAL - CAPITALIZAÇÃO MENSAL - IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA - VEDAÇÃO LEGAL – (...)1. Sem embargo de a parte ter anuído com o contrato, tendo em vista os princípios norteadores do direito e a mitigação da autonomia da vontade, os contratos bancários, típicos de adesão, estão sujeitos à apreciação pelo Judiciário, sendo permitida a revisão, visando estabelecer o pretendido equilíbrio contratual. (TJPR, Ap.C.nº 0170251-0, rel. Milani de Moura, 6ª CC, j. 25/10/2005, acesso em 28/08/2007). 25LORENZETTI, Ricardo L. Fundamentos..., op. cit., p. 57.

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de proteção indispensável dos direitos humanos, do meio ambiente, da qualidade dos

produtos, ética nas empresas, dignidade da pessoa humana, entre outras.

Sabe-se que essa regulação mínima é indispensável na garantia da dignidade

da pessoa humana, conteúdo nuclear do Direito no mundo, mesmo que o seu conteúdo

assuma contornos bastante diversos de país para país, como leciona GARCIA: 26

A preocupação com a dignidade da pessoa humana tem encontrado

ressonância numa generalizada consagração normativa, geralmente no próprio texto constitucional, assumindo o status de norma estruturante de todo o ordenamento jurídico. Apesar disso, não é divisada uma unidade metodológica quanto ao lugar por ela ocupado e à exata extensão da inter-relação mantida com as normas de organização estatal e com a própria disciplina dos direitos fundamentais, em especial com os direitos econômicos, sociais e culturais. A partir de uma situação aparentemente isonômica de liberdade, os Estados, por seus respectivos poderes constituintes, conferem um tratamento diversificado à dignidade da pessoa humana.

Não tiramos a razão dos que proclamam a descodificação como solução para

algumas nações, mas, num país como o Brasil, tradicionalmente de ordem jurídica

codificada, isso parece impróprio e improvável e de pouco resultado.

A discussão sobre o valor da codificação há tempos ganhou novo enfoque, pois

indiscutível sua utilidade como mecanismo de unidade e ordenação do direito (civil, penal

etc).

Aliás, o que está em jogo e ocupa a preocupação dos juristas, é a técnica de

criação das normas jurídicas, como bem lembra NERY:27

Hoje o pólo de discussão é a forma de se codificar o direito civil: se por

intermédio de grandes codificações (v.g. Código Civil) ou por meio de pequenas codificações setorizadas, isto é, por microssistemas (v.g. Lei do Divórcio, Lei do Inquilinato etc); se por meio de conceitos jurídicos fechados, totalitários, ou se por intermédio de conceitos legais indeterminados, de conceitos determinados pela função e por cláusulas gerais.

26GARCIA, Emerson. Dignidade da pessoa humana: referenciais metodológicos e regime jurídico. (In: Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 719, 24 jun. 2005. In: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6919, acesso em 26 de julho de 2006). 27NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução ao pensamento..., op.cit., p. 202.

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Também é considerável a preocupação com o manejo da técnica de interpretar

o conteúdo das normas, de modo a dar consistência e integração aos direito. Essa é a

medida mais adequada, não somente para atualizar a ordem jurídica, mas principalmente

para dar atendimento efetivo às necessidades sociais.

Sem razão os que defendem a edição de novas leis, o que no Brasil é

indesejável, até porque notório o desprestígio do poder normativo, ora motivado na

precariedade intelectual e moral de parte dos políticos, ora porque é amarga a

experiência com o cipoal de leis e atos normativos.

De verdade, não há ordem jurídica operativa sem interpretação atualizada e

integrada ao sistema jurídico, como, aliás, proclamava SICHES: 28

Respecto del primer punto, de la perentoria necesidad de interpretación, nótese que sin interpretación no hay posibilidad alguna ni de observância ni de funcionamiento de ningún orden jurídico. No puede existir ningún orden jurídico sin función interpretativa, porque las normas están destinadas a ser cumpridas y, em su caso, impuestas por los órganos jurisdiccionales y ejecutivos. Ahora bien, las normas generales – constitución, leyes, reglamentos – hablan del núnico modo que pueden hablar: e términos relativamente generales y abstractos. En cambio, la vida humana, las realidades sociales, en las cuales las leyes deben cumplirse y, en su caso ser impuestas, son siempre particulares y concretas. Por consiguiente, para cumplir o para imponer una ley o un reglamento es inelidiblemente necesario convertir la regla general en una individualizada, transformar los términos abstractos y genéricos en preceptos concretos y singulares. Y esto es precisamente lo que se llama interpretación del Derecho.

Medidas provisórias29, leis que não se comunicam, que se modificam por

decretos, que perdem a eficácia – “pegam ou não pegam”, formam uma teia jurídica

impenetrável e sem quase nenhuma utilidade.

28 Em tradução livre: Quanto ao primeiro ponto, há necessidade da interpretação, note-se que não é possível sem interpretação, a observância ou funcionamento de qualquer ordem jurídica. Não pode haver qualquer fundamento jurídico sem interpretação, pois regras se destinam ao cumprimento. No entanto, as regras gerais - Constituição, leis, regulamentos – falam do único modo como podem, isto é, de modo geral e abstrato. Em contrapartida, a vida humana, as realidades sociais são sempre particulares e concretas. Portanto, para cumprir ou para fazer cumprir uma lei ou regulamentação é necessário individualizar a regra geral, transformar o abstrato e genérico, em condições específicas e únicas. Isto é o que precisamente se denomina interpretação da lei. (SICHES, Luis R. Introduccion ao estúdio del derecho. México: Editorial Porruá, 1979, p. 210-211). 29(...) uso abusivo de Medidas Provisórias fere a ética do Direito, ao usurpar a capacidade legislativa do Congresso Nacional e ao comprometer o equilíbrio entre os Três Poderes, único anteparo democrático ao Despotismo. (...) Com um ordenamento jurídico em constante mutação, fica impossível aos operadores do Direito desempenharem, a contento, seu papel. (..) O magistrado, por sua vez, terá de julgar com base em leis casuísticas fomentadas pelo Executivo, sendo que muitas delas são de interesse inequívoco deste Poder. Na prática, o emprego das MPs tornou-se pernicioso, solapando funções constitucionais do Legislativo e

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Contudo, as falhas no atendimento e inadequação das respostas às grandes

questões jurídicas não podem ser atribuídas à codificação. Na verdade, a interpretação

séria e dedicada dos elementos básicos do sistema, espalhados nos códigos, nos

tratados, costumes, princípios e principalmente nas constituições, é que unificam e

legitimam o sistema normativo.

Nesse trabalho de construção jurídica, todas as fontes que traduzem normas

fundamentais devem ser esmiuçadas na busca do justo, pois na contemporaneidade, a

hermenêutica readquiriu fundamental importância, como demonstra a experiência jurídica

vivida em nosso país, no qual as relações privadas passaram por uma nova lente e por

ampla reformulação. 30

Na contemporaneidade não há mais espaço para sistemas fechados, ao

contrário, o trabalho do hermeneuta não se vincula cegamente aos escritos legais e às

estruturas da norma jurídica, pois encontram inseridos num sistema jurídico mais amplo e

abrangente.

De fato, todas as verdades, mesmo as jurídicas, são relativizadas quando

houver comprometimento dos valores fundamentais da sociedade.

Múltiplas são as possibilidades. Não vale somente a razão pura, mas também a

intuição pelo justo, como recorda AZEVEDO, lembrando-se das lições de Coreth e

Grondin em defesa de novos padrões de interpretação: 31

Verificada a fragilidade da razão, não deve, pois o jurista afastá-la, mas, sim, colocar a seu lado, como um arrimo, a intuição do justo. Afinal, interpretar, como revelam

aos direitos dos cidadãos. (AIDAR, Carlos M. Medidas provisórias ferem a ética do direito. In: http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2001, acesso em 18.03.2008.). 30Parece-nos que o problema da justiça ultrapassa a mera indagação sobre haver normas justas e injustas, porque esse aspecto respeita apenas à correspondência que se espera que haja entre as normas e os valores que inspiram determinado ordenamento jurídico, o que não necessariamente encerra a discussão em torno do direito e da justiça, mormente se a questão for vista sob a ótica da equidade, ou seja, dessa necessidade que se impõe ao cientista do direito de, ao interpretar o ordenamento, evitar conseqüências injustas da norma. (NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução...., op. cit., p. 18). 31AZEVEDO, A. Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. (In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p.3-23).

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alguns profundos trabalhos de hermenêutica, não é apenas „entender intelectualmente‟, é também intuir – especialmente no caso do direito, em que o objetivo final é manter a vida e resolver os problemas existenciais da pessoa humana no seu relacionamento recíproco. Saudemos, pois, sem medo, também esse aspecto do mundo pós-moderno.

No mesmo caminho da busca pelo justo: 32

O primeiro compromisso do julgador é com a justiça; (...) O intérprete não é

um ser solto no espaço, liberto de todas as peias, capaz de por a ordem jurídica entre parênteses. Ele atua com a ordem jurídica, fazendo-a viva no caso concreto. Inserido no ambiente social onde vive, tem o dever de perceber e preservar os valores sociais imanentes nessa comunidade, tratando de realizá-los. Não pode fazer valer sua vontade a esses valores.

Na contemporaneidade vive-se alto grau de insatisfação, com constantes

questionamentos sobre o papel das instituições político-jurídico33, dado que o primado

dos aplicadores e dos intérpretes é a unificação do sistema jurídico. Transborda-se o

direito positivado sempre que necessário, invocando-se os princípios gerais, a equidade,

os postulados políticos, dentre outros.

O mínimo exigível é que se vá além da norma escrita, que haja envolvimento

com os princípios gerais do direito e com os valores fundamentais da sociedade.

Mesmo em decisões de casos concretos individuais, são verificáveis incontáveis

conseqüências no mundo real, o que exige do aplicador o desdobro de responsabilidades

em suas criações, conforme as advertiu ENGISH: 34

Escopo da interpretação é uma compreensão da norma tal que torne possível a decisão justa no caso concreto. O juiz chega à decisão justa no caso concreto especialmente resolvendo em certa direção a tensão entre a segurança jurídica e justiça (...)

As intenções do legislador não importam, mas ao aplicador compete buscar o

real sentido das expressões utilizadas pelo legislador, nunca estreitas e nem absolutas.

32AGUIAR, Ruy R. Interpretação. (In: Revista AJURIS. Porto Alegre. vol. 45, 1989, p. 07-20). 33Os positivistas veem o direito como conjunto de regras perfeitas. Ao aplicador competiria tão somente, por meio do conhecimento, apreender o conteúdo e aplicá-los aos casos concretos. Os anti-racionalistas têm a interpretação não como ato de conhecimento, mas ato de vontade. Essa vontade sofre influências. O Direito é visto como justo ou injusto. Idem. Ibidem. 34ENGISCH, K. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 201.

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Além dos tradicionais princípios, normalmente invocados como norteadores na

solução de casos concretos, existem outras técnicas que também propiciam abertura do

sistema, pois como enunciados abstratos colocados na lei, exige do aplicador o

preenchimento de seu conteúdo.

Nos sistemas jurídicos abertos há prodigalidade na utilização de conceitos

vagos, indeterminado, discricionariedades, cláusulas gerais,35 tornando quase inviável ao

mais capacitado dos intérpretes conservadores, analisar as questões colocadas sob o

ângulo simples da lei.

Aliás, ao aplicador compete dar conteúdos mais adequados aos termos legais e

jurídicos, solucionando o caso concreto com maior eficácia.36 Isso demanda seletividade,

especialmente por parte dos magistrados, em relação às várias opções interpretativas e

múltiplas possibilidades oferecidas pelas cláusulas gerais, conceitos indeterminados,

princípios, dentre outras fórmulas.

O principal é que se valorizem ao máximo os preceitos constitucionais e, dentre

eles, principalmente os que afirmam os direitos e valores fundamentais da sociedade,

como, por exemplo, a defesa e proteção jurídica dos consumidores.

35Difundiram-se, assim, largamente, nos textos normativos, os conceitos jurídicos indeterminados, a serem concretizados pelo julgador no caso a decidir, e as cláusulas gerais, como a da boa-fé (falou-se até mesmo em fuga para as cláusulas gerais, ou seja, a fuga da lei para o juiz). Noções vagas, como ordem pública, interesse público, função social, tornaram-se moeda corrente no mundo jurídico, servindo a torto e a direito para as autoridades de plantão. Multiplicaram-se na doutrina, os trabalhos sobre o papel do juiz, sua função, sua independência, sobre o modo como deve interpretar, etc. (AZEVEDO, A. Junqueira de. O direito pós-moderno e codificação. In: Estudos e pareceres ..., op. cit., p. 55-63). 36Portanto, a mesma expressão abstrata, dependendo da funcionalidade de que ela se reveste dentro do sistema jurídico, pode ser tomada como princípio geral do direito (vg. Princípio da boa-fé não positivado), conceito legal indeterminado (v.g boa-fé para aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária – CC 1238 e 1260) ou cláusula geral (boa-fé objetiva nos contratos – CC 422) (NERY, Rosa M. de Andrade de. Introdução ao pensamento... op. cit., p. 210).

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2. ATUALIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DAS NORMAS JURÍDICAS

2.1. Cláusula geral

Assim como muitos outros fenômenos jurídicos que se inter-relacionam com

fenômenos econômicos, o manejo das cláusulas gerais também decorreu da

necessidade de superação da hiper-inflação no pós I Grande Guerra.37

Interpretação inteligente de alguns parágrafos do Bürgerliches Gesetzbuch

(BGB) permitiu, que na Alemanha do pós-guerra, os contratos pudessem ser mantidos,

conforme lições de MENKE: 38

À época, o BGB contava com apenas duas décadas de vigência, e, em três

parágrafos, até então praticamente adormecidos, a jurisprudência alemã encontraria a solução para afastar o desequilíbrio gerado em milhares de relações contratuais. Os três parágrafos foram mais tarde denominados de „famous three‟. Eram os parágrafos 138, 242 e 826, „cuja característica central é a de autorizar explicitamente o uso de idéias morais como boa-fé e bons costumes‟.

Após o BGB, as cláusulas gerais nunca mais deixaram de ser adotadas e

prestigiadas, úteis na amplificação e atualização das leis e dos códigos, pois se adapta a

realidade e oxigenam o sistema jurídico.

Esclarecedoras são as palavras de COUTO e SILVA: 39

(...) dotar a sociedade de uma técnica legislativa e jurídica que possua uma unidade valorativa e conceitual, ao mesmo tempo em que infunda nas leis especiais essas virtudes, permitindo à doutrina integrá-las num sistema, entendida, entretanto, essa noção, de um modo aberto.

37Também no Código Napoleônico havia diversas cláusulas gerais, mas a teorização decorreu do efetivo emprego dado pela magistratura alemã. Os autores convergem em atribuir aos parágrafos 138, 242 e 826 do BGB a origem histórica das cláusulas gerais. (MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p. 291). 38MENKE, Fernando. A interpretação das cláusulas gerais. A subsunção e a concreção dos conceitos. (In:Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 2004, vol. 50, p. 9-35). 39COUTO E SILVA, C. O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. (In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, vol. 628, 1988, p. 7-18).

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2.1.1. Definição. Espécies. Características.

As cláusulas gerais são normas orientadoras ou diretrizes, que devem ser

observadas pelos juízes, como esclarecem as lições de TEPEDINO: 40

Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta, mas,

simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas.

Com efeito, são formulações genéricas e abstratas contidas na lei, como anotam

NERY e NERY: 41

Com significação paralela aos conceitos legais indeterminados as cláusulas

gerais „Generalklauseln‟ são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir (Wieacker, Privatrechtsgeschichte, § 25, III, 3, p. 476/77).

Contudo, em ENGISCH está a melhor expressão das cláusulas gerais,

concebidas por ele como elemento da técnica legislativa, o que dá aos magistrados,

graças à sua generalidade estrutural, possibilidade dilatada no preenchimento de

eventuais claros, aplicando ao caso concreto solução que lhe pareça mais apropriada. 42

Sobre algumas delas, previstas no ordenamento italiano (v.g. ordem pública,

solidariedade, eqüidade, diligência e lealdade no adimplemento e à boa-fé no contrato),

escreveu PERLINGIERI: 43

(...) ao lado da técnica de legislar com normas regulamentares (ou seja,

através de previsões específicas e circunstanciadas), coloca-se a técnica das cláusulas gerais. Legislar por cláusulas gerais significa deixar ao juiz, ao intérprete, uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato.

40TEPEDINO, G. Cidadania e direitos de personalidade. (In: Revista Jurídica. Rio de Janeiro: Notadez, 2003, ano 51, vol. 309, p. 12). 41NERY JR, Nelson. e NERY, Rosa M. de Andrade. Código civil comentado. Legislação extravagante. São Paulo: RT, 2005, p. 158. 42 ENGISCH, K. Introdução..., op. cit., p. 233. 43PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 27.

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Para CANARIS são meta-normas, ressaltando a importância do refinamento e

cultura do aplicador, já que utilizará valorações próprias para chegar à concreção. 44

Não se trata de mais um modismo, como anotado por MARTINS COSTA: 45

As cláusulas gerais, mais do que um „caso‟ da teoria do direito – pois

revolucionam a tradicional teoria das fontes -, constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de condutas, arquétipos exemplares de comportamentos, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo.

Verdadeiramente, no pós-positivismo, na pós-modernidade, no descaso com as

codificações, a cláusula geral representa, de fato, solução hermenêutica bem razoável. 46

As características básicas das cláusulas gerais constituem-se na vagueza,

fluidez semântica e a quase ausência de estruturas próprias, dotadas que são de alto

grau de generalidade.

De acordo com o uso feito pelo aplicador, classificam-se em três espécies

<<restritivas, regulativas e extensivas>>. 47

44CANARIS, C. W. Pensamento sistemático..., op. cit., p. 141 e ss. 45 MARTINS COSTA, Judith. O direito privado..., op. cit. 46Sobre o reflexo jurídico dos valores da pós-modernidade:(...) o exame e a prova de como os valores pós-modernos realizam-se e efetivam-se nas ordens jurídicas. Estes valores são a pluralidade, a coexistência de diferentes culturas, a narração e a comunicação, assim como o significado existencial de sentimentos e sensações”. (JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, vol. 759, p. 24-40). 47a) disposições de tipo restritivo, configurando cláusulas gerais que delimitam ou restringem, em certas situações, o âmbito de um conjunto de permissões singulares advindas de regra ou princípio jurídico. É o caso, paradigmático, da restrição operada pela cláusula geral da função social do contrato às regras, contratuais ou legais, que têm a sua fonte no princípio da liberdade contratual; b) de tipo regulativo, configurando cláusulas que servem para regular, com base em um princípio, hipótese de fato não casuisticamente previstas na lei, como ocorre na regulação da responsabilidade civil por culpa; c) e, por fim, de tipo extensivo, caso em que servem para ampliar uma determinada regulação jurídica mediante a expressa possibilidade de serem introduzidos, na regulação da causa, princípios e regras próprios de outros textos normativos. É o exemplo do art. 7º do Código do Consumidor e o § 2º do art. 5º da CF, que reenviam o aplicador da lei a outros conjuntos normativos, tais como acordos e tratados internacionais e diversa legislação ordinária. (MARTINS COSTA, Judith. O direito privado..., op. cit., p. 31)

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Restritivas são aquelas que, sem anular o arcabouço jurídico para determinada

situação, exigem observância de seu conteúdo, como por exemplo, as conclusões do

Tribunal paulista sobre a boa-fé: 48

De maneira mais explícita, a 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de

Justiça paulista, julgando idêntica hipótese de abusividade em que se consubstancia o excessivo prazo de carência, textualmente assentou que “a Turma julgadora não está alheia aos contornos atuais da função social do contrato, um tema sedutor e muito bem analisado por Orlando Gomes e Antunes Varela (Direito econômico, Saraiva, 1977). A inalterabilidade das convenções (pacta sunt servanda) continua como fator de segurança, mas a boa-fé contra abuso contratual obriga o juiz a buscar o equilíbrio pela finalidade do contrato, com a sua adaptação às necessidades reais do contraente mais fraco.

Ampliativas ou extensivas são as que ampliam a ambiência do sistema jurídico,

como, por exemplo, a referência do artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor, fonte

de direito, para o além do contido na lei no. 8.078/90.49

Por fim, a cláusula geral regulativa, cujo objetivo é regular situações concretas

com base em princípios reconhecidos no sistema jurídico, por exemplo a cláusula geral

de responsabilidade civil, (Código Civil, art. 927)50, calcada no princípio geral de que todo

o dano, decorrente de ato ilícito, deve ser reparado.51

48TJSP, Ap.Civ. 068.744-4/7, 3ª C.D.Privado, rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. 26-1-1999. (In: GODOY, Cláudio L. B. de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 175). 49 Art. 7º, CDC: Os direitos previstos não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade”. O comentário de um dos autores do anteprojeto da Lei 8.078/90, dá dimensão exata ao seu conteúdo: “O que se procurou fazer, até pela amplitude do tema, foi a sistematização dos direitos dos consumidores, com a conservação dos institutos do Direito Civil, Comercial e Penal, além de normas do direito administrativo, espalhadas por inúmeros diplomas legais, e, ao mesmo tempo, com a modificação de outros que no entender da comissão elaboradora do anteprojeto e dada a larga experiência prática de seus membros já não atendiam às exigências dos consumidores. (FILOMENO, José G.B. Código brasileiro de defesa do consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p.135). 50Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 51O art. 927 reproduz a cláusula geral da responsabilidade aquiliana, contida no art. 159 do CC/1916, entretanto, de modo compartimentado, pois faz referência a ato ilícito, mas remete aos arts. 186 e 187 para definir. (GODOY, Cláudio L. B. de et. al. Código civil comentado. Doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. Barueri: Manole, 2007, p. 765).

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2.1.2. Função

As cláusulas gerais funcionam como fatores de mobilidade do sistema jurídico,

acompanham os tempos atuais tão propensos a mutações sociais constantes.52

A lição de GROSSI sobre o descompasso das codificações com a

contemporaneidade faz oportuna: 53

Estatalidade do direito, legalismo rigoroso, visão potestativa e, portanto,

hierarquia das fontes assemelham-se a uma camisa de força para um corpo de crescimento transbordante. Direito e jurisperito sempre (e desde sempre) enfrentaram mutações socioeconômicas, porque natural tendência a se estabilizarem se chocava com a igualmente natural tendência a seguir o devir da sociedade para poder convenientemente ordená-la; mas, quando, como hoje, as mutações renunciam à lentidão típica dos arranjos sóciopolíticos estáticos e se transformam em uma dinâmica que se renova muito rapidamente em tempos breves; quando, como hoje, as mudanças na vida social e econômica são acompanhadas da prodigiosa renovação das técnicas em contínua e quase cotidiana superação, com soluções perturbadoras para aquela mesma vida, comandos e textos são triturados por uma mobilidade que não se encontra no passado remoto e próximo, com escolhas imperiosas por soluções flexíveis de toda estrutura enrijecedora. O castelo jurídico da modernidade nos aparece, se não como um castelo de areia, pelo menos como aquelas construções de barro que são lentamente erodidas pela chuva que nela batem.

Nessa ambiência, em que imperam as diferenças e o dinamismo, é impossível

imaginar que a lei regule todas as situações, o que torna mais funcional o manejo das

cláusulas gerais.

Primeiramente, remetem o magistrado a uma pauta de valoração do caso

concreto, isto é, lança-se a outras normas do próprio sistema, ou a critérios meta

jurídicos (v.g. solidariedade, lealdade).

De outra banda, flexibilizam e mobilizam o sistema jurídico, ou nas lições

MARTINS COSTA: dão integração ou mobilidade interna (várias partes do Código Civil)

52MARTINS COSTA Judith. As cláusulas gerais..., op. cit. 53GROSSI, Paolo. A formação do jurista e a exigência de um hodierno „repensamento‟ epistemológico. Trad. Ricardo Fonseca. (In Revista da Faculdade de Direito da UFPR, vol. 40, 2004).

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ou operam mobilidade intersistemática com os mais variados conjuntos normativos

(Constituição e leis especiais): 54

As cláusulas gerais permitem facilitar essa migração, viabilizando a inflexão

ponderada, no ordenamento privado, dos princípios da Constituição, sabendo-se que hoje a esfera do Direito Público e do Direito Privado não estão seccionadas por intransponível muro divisório, antes consistindo, como percebeu Miguel Reale, „duas perspectivas ordenadoras da experiência jurídica (...) distintas, mas substancialmente complementares e até mesmo dinamicamente reversíveis, por forma a ensejar a dialética da complementaridade, e não mais a dialética da polaridade.

Também sobre essa funcionalidade, lapidar o resumo de NERY e NERY: 55

Dotar o sistema interno do CC de mobilidade, mitigando as regras mais

rígidas (Canaris, Systendenken, § 4º, p. 74 et seq., especialmente p. 76 et seq.), além de atuar de forma a concretizar o que se encontra previsto nos princípios gerais de direito e nos conceitos indeterminados (Judith Martins Costa. As cláusulas gerais como fator de mobilidade do sistema jurídico, RT, no. 680, p. 50). Prestam, ainda, para abrandar as desvantagens do estilo excessivamente abstrato e genérico da lei (Larenz-Wolf, Allg. Teil, § 3º, VI, no. 81 ss., pp.65-66). Outra das funções é servir como elemento de correção imposta ao direito estrito.

O trabalho doutrinário e jurisprudencial tem muito do mérito na disseminação

dessa técnica legislativa, já que nem sempre foram reconhecidas cientificamente nos

negócios e nos contratos.

Bom exemplo disso é a minoração de certas posições jurídicas no exercício dos

direitos subjetivos.

Tomem-se o venire contra factum proprium, a supressio e a surrectio, que

veiculam a boa-fé e a probidade, institucionalizando as pretensões e direitos em função

do fator tempo, conforme lições de GOUVÊA: 56

A surrectio consiste no nascimento de um direito, conseqüente à prática

continuada de certos atos. A duradoura distribuição de lucros de sociedade comercial, em desacordo com os estatutos, pode gerar o direito de recebê-los do mesmo modo, para o futuro. (...) Na supressio, um direito não exercido durante um determinado lapso

54 MARTINS COSTA, Judith . O direito privado..., op. cit, 24-48. 55 Código civil..., op. cit., p. 158. 56GOUVÊA, Eduardo de O. Boa-fé objetiva e responsabilidade civil contratual. Principais Inovações. (In: w.uva.br/icj/artigos_de_professores/boa_fé-inov_civil. ac. em 28 de junho de 2006).

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de tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé. O contrato de prestação duradoura, que tenha passado sem cumprimento durante longo período de tempo, por falta de iniciativa do credor, não pode ser exigido, se o devedor teve motivo para pensar extinta a obrigação e programou sua vida nessa perspectiva. Enquanto a prescrição encobre a pretensão pela só fluência do tempo, a supressio exige, para ser reconhecida, a demonstração de que o comportamento da parte era inadmissível segundo o princípio da boa-fé.

A surrectio enquanto fonte de direito subjetivo, decorrente da prática continuada

e estável de certa conjuntura, solidifica e em tudo se assemelha ao direito.57 O contrário

ocorre com a supressio, que consiste na limitação ao exercício de direito subjetivo

capitulado ante a pretensão da outra parte, em decorrência do decurso do prazo sem

exercício. 58

Ambas, decorrem da anexa confiança que permeia a cláusula geral da boa-fé,

tornando inaceitáveis posições jurídicas que contraditem comportamento anteriormente

assumido (proibição de venire contra factum proprium).59

Se a cláusula geral da boa-fé objetiva impõe observância da confiança, lealdade

e de outros deveres anexos, está logicamente implícita em todos os contratos, o que

impede os intérpretes e aplicadores de adotarem conduta restrita e automatizada,

principalmente na aplicação do direito e resolução de um caso concreto.60

Essa concretude materializa o direito privado, harmonizando-o às exigências

sociais, sendo de grande relevância no deslinde das contendas contratuais. 61

57 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé como modelo (uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel Reale). (In: Diretrizes teóricas no Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 215). 58MENEZES CORDEIRO, A.M. da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 797. 59Idem, p. 742 ss. 60O art. 314 do CC veda pagamento fracionado salvo se estipulado. Imagine-se se alguém que a despeito disso tenha realizado os pagamentos ao longo do tempo. Poderia o credor invocar o inadimplemento de obrigação? Claro que não, pois se proíbe o venire contra factum proprium 61BRANCO, Gerson L.C. A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança:elementos formadores do princípio da confiança. (In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, nº. 12, 1998, p. 187).

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O magistrado no desempenho de sua função, completa a fattispecie62, postura

necessária na contemporaneidade, especialmente numa sociedade diferenciada e

hipercomplexa. 63

Quadra-se, por oportuno, lembrar o quão necessária é a concreção do direito e

das normas, alvo de estudos históricos de Engisch <<A idéia da concretização no direito

e na ciência do direito de nosso tempo>>, publicado no ano de 1953, como bem ressalta

o artigo MENKE: 64

Na aplicação do direito por meio da concreção, o juiz analisa o caso concreto em toda a sua potencialidade (....) são analisadas todas as circunstâncias do caso: o conteúdo da norma, os precedentes (...). Este ponto pode ser considerado o mais importante para a compreensão da concreção, qual seja a de que por meio dele se procede à individualização do critério regulador do caso concreto, ocorrendo efetiva criação judicial para a hipótese fática em questão.

Exemplo dessa concreção foi experimentado na decisão do Supremo Tribunal

Federal sobre a cobrança de dívida de jogo, contraída licitamente no país de origem.

Aliás, contrariando a aparente disposição do artigo 1477 do Código Civil de 1916,

maximizando a elasticidade do artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil, o relator

entendeu possível sua cobrança. 65

(...) relativamente à obrigação que deu margem à sentença, cumpre observar não o disposto no artigo 1.477 do Código Civil, mas a regra do artigo 9º da Lei de Introdução dele constante, que direciona ao atendimento da legislação do país que contraída a obrigação. Com isso, afasto algo que não se coaduna com a Carta da República, que é o enriquecimento sem causa, mormente quando ligado ao abuso da

62A cláusula geral é norma de ordem pública (v.g., CC 2035 parágrafo único) e deve ser aplicada, ex officio, pelo juiz. Com essa aplicação de ofício, não se coloca o problema de decisão incongruente com o pedido (extra, ultra ou infra petita), pois o juiz, desde que haja processo em curso, não depende do pedido da parte para aplicá-la a uma determinada situação. Cabe ao juiz, no caso concreto, preencher o conteúdo da cláusula geral, dando-lhe conseqüência que a situação concreta reclamar. (NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução..., op. cit. p. 213). 63A sociedade mundial convive com a enorme expansão da complexidade social e da contingência do processo decisório. Complexidade é o mesmo que pluralidade de alternativas. Contingência significa que se a decisão, hoje, recaiu sobre a hipótese “X”, nada impediria que, legitimamente, tivesse recaído sobre a alternativa “Y”, ou que, no futuro, recaia sobre a via “Z”. Vale dizer, quanto mais complexa e contingente a sociedade, mais escassas as chances de decisões consensuais (diante da multiplicidade de escolhas) e mais nítidas as artificialidades que informa o poder decisório (dada sua contingência). Em razão dessas características, decidir equivale a fazer escolhas árduas, em curto espaço de tempo, sobre matérias não rotinizadas e com conseqüências sociais imprevisíveis. (CAMPILONGO, Celso F. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 83). 64 MENKE, Fernando. A interpretação..., op. cit., p. 9-35. 65STF-CR 9970, j.18/03/2002, DJ 01.04.2002. O art. 1477 CC de 1916 em parte foi reproduzido no atual art. 814.

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boa-fé de terceiro, configurado no que o Requerido se deslocou do Brasil para a América do Norte, vindo a praticar jogos de azar legitimamente admitidos, e até incentivados como mais uma forma de atrair turistas, contraindo dívida e retornando à origem onde possui bens, quem sabe já tendo vislumbrado, desde o início, que não os teriam ameaçados pelo credor. O Requerido assumiu livremente uma obrigação, e o fez, repita-se, em país no qual agasalhada pela ordem jurídica, devendo pacto homologado ser, por isso mesmo, respeitado.

2.1.3. Vantagens e desvantagens na aplicação das cláusulas gerais

Vantagens são muitas, cláusulas gerais abrandam a necessidade de norma

conceitual casuística e também vivificam o sistema jurídico, isto é, não há engessamento

do direito privado.

Contudo, seu uso indevido traz desvantagens, o que amealhou muitas críticas,

principalmente quanto a possíveis efeitos no direito contratual, exemplarmente anotado

por ARRUDA ALVIM ao discorrer sobre a função social do contrato.66

(...) a função social vem a ser um valor justificativo da existência do contrato, tal como a sociedade enxerga no contrato um instituto bom para a sociedade; mas é preciso atentar e não vislumbrar nessa função social, lendo-a de tal forma a que viesse a destruir a própria razão de ser do contrato, em si mesma.

A vagueza das cláusulas gerais não permite ao intérprete excessos totalitários

ou o recrudescimento de idéias. Entretanto, o risco é considerável como apontam NERY

e NERY, fiando-se na lição de Wieacker. 67

Desvantagens da cláusula geral. Confere certo grau de incerteza, dada a

possibilidade de o juiz criar a norma pela determinação dos conceitos, preenchendo seus conteúdos com valores. Pode servir de pretexto para o recrudescimento de idéias, como instrumentos de dominação de regimes totalitários ou pela economia capitalista extremada. Essas desvantagens foram apontadas por Wieacker, que, a um só tempo, elogiou a jurisprudência alemã, pela forma adulta e responsável com que enfrentou os períodos pós-primeira guerra mundial, do nacional-socialismo, e pós-segunda guerra mundial, ao aplicar as cláusulas gerais do BGB.

66ARRUDA ALVIM, José M. et al. A função social dos contratos no novo código civil. (In: Simpósio sobre o novo código civil brasileiro. org. Glauber M. Talavera. São Paulo: Método, 2003, p. 100). 67NERY JR, Nelson e NERY, Rosa M. de Andrade. Código civil comentado...., op. cit., p.158.

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De qualquer modo, visões sectárias do intérprete, ou má-formação técnica dos

aplicadores, não justificam o descrédito das cláusulas gerais. 68

A voz do juiz, não é, todavia, arbitrária, mas vinculada. Como já se viu, as

cláusulas gerais promovem o reenvio do intérprete/aplicador do direito a certas pautas de valoração do caso concreto. Estas estão, ou já indicadas em outras disposições normativas integrantes do sistema (caso tradicional de reenvio), ou são objetivamente vigentes no ambiente social em que o juiz opera (caso de direcionamento).

O valor das cláusulas gerais é ponto de apoio (starding point) para a formação

judicial da norma, remetendo o intérprete a valorações objetivas e socialmente válidas, o

que robustece os novos poderes dos magistrados, tirando-os, enfim, das fileiras dos

soldados dóceis, que servem cegamente ao positivismo.

O juiz ao dar concreção à norma tem de ater-se à realidade da figura jurídica,

sua estrutura; aplicando sempre os princípios que informam o sistema, mas deve deixar

de lado qualquer visgo de conservadorismo.69

Segurança jurídica é uma bandeira freqüentemente erguida pelos mais

conservadores. Argumento falacioso, pois mesmo nos modelos fechados da subsunção

lógico-racional, não há garantia de segurança jurídica. Aliás, a segurança jurídica não

provém rigorosamente do tradicionalismo interpretativo. Anotem-se: 70

Em rigor, em qualquer paradigma, qualquer que seja a forma da elaboração legislativa, a segurança jurídica não está, exclusiva ou essencialmente, na lei, na descrição de critérios normativos, porque sempre passíveis de interpretações diversas, nunca só declarativas, a serem dirimidas, nos casos envolvendo relações cotidianas ou aos quais subjacente uma desigualdade intrínseca, como se acredita e já se disse, forçosamente pelo Judiciário. A segurança, nesses casos, o que a garante é a necessidade de fundamentação das decisões do juiz e a possibilidade de sua revisão.

Outro argumento é que o manejo das cláusulas gerais acarreta posição de

enfrentamento ao Poder Legislativo, o que não corresponde à realidade, pois dos

magistrados exige-se o direito-dever de laborarem para o aperfeiçoamento das regras 68 MARTINS COSTA, Judith. O direito privado...,op. cit. p. 34. 69AGUIAR JÚNIOR, Ruy R. de. A boa-fé nas relações de consumo. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1995, nº. 14, p. 25. 70GODOY, Cláudio L.B. de. Função social do contrato..., op. cit., p.187.

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normativas, fiéis aos misteres constitucionais, que não se traduzem em mecânicos

aplicadores da lei, como antes sustentado por MONTESQUIEU. 71

CASTRONOVO esclarece que o magistrado em qualquer sistema (fechado,

aberto ou semi-aberto) tem o direito-dever de ser partícipe na construção do

ordenamento jurídico. 72

Longe das ponderações de Kelsen, contrário a qualquer prescrição judicial73, há

no Brasil ambicioso projeto de trabalho da magistratura, desenhado pelas tintas da

Constituição Federal, como obtempera THEODORO JUNIOR. 74

Diante dessa moderna postura normativa, gigantesca será, sem dúvida, a

tarefa atribuída ao juiz, pois do seu preparo funcional e de sua fidelidade aos valores e princípios consagrados pela Constituição dependerá o sucesso do ambicioso projeto abraçado pela nova codificação, à luz da tríplice alicerce da socialidade, da ética e da concreção.

Como intérpretes finais, os magistrados já não se limitam às funções meramente

declarativas. Na verdade, são agentes de concretização da ordem constitucional, que os

remetem às lições de Cappelletti, capturadas por WERNECK VIANNA: 75

(...) o redimensionamento do papel do Judiciário e a invasão do direito nas

sociedades contemporâneas não soam como fenômenos estranhos à tradição democrática e, sim, como uma efetiva e necessária extensão dessa tradição a setores ainda pouco integrados à sua ordem e ao seu ideário.

71Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem nem sua força nem ser rigor. (MONTESQUIEU, Charles L. de S., Baron de la Brède et de. Do espírito das leis. Coleção: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 152). 72CASTRONOVO, C. L‟ avventura delle clausole generali. (In: Cadernos da Escola Superior de Estudos Universitários e Aperfeiçoamento. Milão: Giuffrè, 1985, v.3, p. 28). 73(...)a ciência jurídica apenas pode descrever o direito, ela não pode, como o direito produzido pela autoridade judiciária, prescrever seja o que for. (KELSEN, H. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 82). 74THEODORO JR, Humberto. O contrato de sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 133. 75A concretização da vontade geral declarada na Constituição seria, nesse sentido, uma obra aberta confiada às futuras gerações, às quais competiria garantir a efetividade do sistema de direitos constitucionalmente assegurados por meio de recursos procedimentais dispostos em seu próprio texto. A política se judicializa a fim de viabilizar o encontro da comunidade com os seus propósitos, declarados formalmente na Constituição. (In:WERNECK VIANNA, Luiz et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 32-40).

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Enfim, a complexidade do mundo exige um Poder Judiciário mais participativo

na solução dos conflitos, norteado a cada dia muito mais pelos princípios e pelos direitos

fundamentais. 76

Todo esse ativismo do Judiciário foi percebido no ano de 2008, em que o

Supremo Tribunal Federal viu-se envolvido em julgamentos importantíssimos como o

aborto de fetos anencéfalos, demarcação de terras indígenas e outros.

2.2. Conceitos indeterminados

Outro mecanismo usual de atualização do direito são os conceitos

indeterminados, mas, de fato, sempre relacionados de alguma forma com a hipótese

posta ao Juízo.

É preciso realmente levar em conta, que, a mutabilidade social, política e

econômica, quase sempre inutilizam os conceitos fixos, tornando-os ineficazes na

solução dos casos concretos. Lembrem-se com ENGISCH. 77

As leis, porém, hoje, em todos os domínios jurídicos, elaboradas por tal forma

que os juízes e os funcionários da administração não descobrem e fundamentam as suas decisões tão-somente através da subsunção a conceitos jurídicos fixos, a conceitos cujo conteúdo seja explicitado com segurança através da interpretação, mas antes são chamados a valorar autonomamente e, por vezes, a decidir e a agir de um modo semelhante ao do legislador. E assim continuará a ser no futuro.

Os conceitos indeterminados, assim como as cláusulas gerais, ampliam os

horizontes de significações, pois permitem certa autonomia do julgador em face da lei.78

76VERBICARO, L.P. A judicialização da política interna à luz da teoria de Ronald Dworkin.(In:conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Loiane20Prado20Verbicaro.pdf. acesso em 13 de agosto de 2006). 77 ENGISCH, K. Introdução ao pensamento..., op. cit. , p. 207. 78Distinguem-se das cláusulas gerais pela finalidade e eficácia. Aquelas permitem ao magistrado criar a solução, enquanto no conceito indeterminado a solução é posta pelo próprio legislador.

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Também há os que se aterrorizam com a insegurança jurídica supostamente

gerada pelos conceitos indeterminados, de qualquer modo essas ferramentas têm sido

cada vez mais utilizadas, relembra DI PIETRO. 79

A expressão conceito indeterminado encontra-se sendo empregado para

designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com grande freqüência nas normas jurídicas dos vários ramos do direito.

Exigem do magistrado pluralismo intelectual bem destacado, pois se corre risco

de arbitrariedades e de decisões ilegítimas. O intérprete necessita de preparo jurídico e

cultura geral, de modo a dar respostas adequadas para solução mais justa.

Seu fundamento básico é que não há como prever regras claras e totalmente

abrangentes no atendimento de todas as demandas sociais.

Rotineiramente, o legislador ao redigir as normas, utiliza expressões nem

sempre com definições precisas. Na verdade, quando pensamos na riqueza de nossa

linguagem é mais aceitável o uso dos conceitos indeterminados.

Na elaboração de normas, o legislador lança mão de indicações genéricas e

meramente essenciais, reservando espaços claros que, oportunamente, serão

preenchidos pelo aplicador da norma.

A importância no uso dessa técnica legislativa é notória, visível em parte

expressiva dos comandos normativos.80

79DI PIETRO, M.S. Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2001, p. 97. 80Há indeterminação global nos conceitos jurídicos. ENGISCH conceituou <<coisa>>, esclarecendo que o referido termo pode ter sentidos diversos (próprio bem corpóreo, por exemplo, como objeto do furto ou o próprio objeto do negócio jurídico). Confiram-se Introdução ao pensamento..., op. cit., p. 259.

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2.2.1. Definição. Espécies.

Entenda-se por conceito jurídico indeterminado, aqueles que, por sua extensão

ou conteúdo, são altamente incertos81, como claramente definido por NERY e NERY: 82

(...) são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão

altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é abstrato e lacunoso.

Portanto, contidos nas estruturas normativas, traduzem-se em expressões

vagas, imprecisas, que exigem operação valorativa de sorte integrá-las à realidade

sempre em mutação.

GRAU não aceita a terminologia <<conceitos indeterminados>>, para ele há

incoerência da expressão já que conceito exige precisão. 83

Essa indeterminação, todavia, não é dos conceitos, mas sim de suas

expressões (isto é, de seus termos). Daí porque, de modo correto, cumpriria referirmos conceitos cujos termos são indeterminados e não conceitos indeterminados (a última expressão só permanece sob o uso da inércia ou por impulso à economia das palavras). Pois é certo – insisto nisso que se o conceito é indeterminado, não é conceito.

De qualquer modo, não há quem discorde de sua utilidade, pois sua fluidez

adéqua o padrão normativo aos valores subjacentes à sociedade, como por exemplo84, o

conceito de dignidade da pessoa humana explicada com clareza por GARCIA.85

81A expressão parece ter surgido na literatura do direito administrativo: ver Schwinge, Grundlagen des Revisionsrechys, 2ª. Ed., Bonn, 1960, p. 118; mas o seu emprego vem-se generalizando entre civilistas (...) e processualistas (...). Os penalistas preferem falar em „elemento normativo do tipo‟ (normative Tatbestandselemente): ver a propósito, em nossa doutrina a longa e erudita exposição de Heleno Cláudio Fragoso, Conduta punível, São Paulo, 1961, p. 138 e sgs, com abundantes referências bibliográficas. Trata-se, na verdade, de conceito que, longe de ser peculiar a este ou àquele ramo da ciência jurídica, pertence à teoria geral do Direito; e seria desejável que se uniformizasse a terminologia, como reflexo da substancial invariabilidade do fenômeno. (BARBOSA MOREIRA, J. C. Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. In: Estudos jurídicos em homenagem ao professor Orlando Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 605/622). 82NERY JUNIOR, Nelson et. al. Código Civil…, op. cit., p. 157. 83GRAU, E.R. Poder discricionário. (In: Revista de direito público. São Paulo: RT, nº 93, jan-mar 1990, p. 41-46). 84Os conceitos jurídicos indeterminados podem ser „descritivos‟(ex. patrimônio, cobrança) ou normativos (ex. justa causa, boa-fé) cf. ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico,1988, p. (210). Os normativos exigem valoração. No caso da dignidade humana, o conceito, além de normativo, é axiológico porque a dignidade humana é valor – a dignidade é a expressão do valor da pessoa humana. Todo „valor‟ é a projeção de um bem para alguém; no caso, a pessoa humana é o bem e a dignidade, o seu valor, isto é, a sua projeção”. (AZEVEDO, A. Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 797, março 2002, p. 3). 85GARCIA, E. Dignidade..., op.cit.

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A indeterminação inerente à noção de dignidade da pessoa humana resulta, claramente, da necessidade de integração por um juízo de valor, temporal e espacialmente localizado, primordialmente realizado à luz da situação concreta. A exclusão de um raciocínio subsuntivo e a exigência de contínua concretização do padrão normativo, além de permitirem a adequação da norma aos influxos sociais, impedem que a noção de dignidade seja atribuída um conceito atemporal e indiferente ao seu espaço de aplicação.

De fato, em sua expressiva maioria qualquer conceito demanda interpretação e

contextualização, dada à pluralidade de sentidos jurídicos.

Sobre a construção dessa técnica é notável a contribuição de Philipp Heck, cujo

trabalho sobre a indeterminação de conceitos, pode ser resumidamente representado do

seguinte modo.86

(...) sempre que temos uma noção clara do conceito, estamos no domínio do

núcleo conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo do conceito. (...) A regra seria que o conceito contivesse um núcleo (Bedeutungskern) de interpretação segura e uma zona periférica (Bedeutungshof) que principia onde termina aquele e cujos limites externos não se encontram fixados com nitidez.

Há pelo menos duas espécies de conceitos jurídicos indeterminados: os

vinculados e os não vinculados.

Os primeiros demandam simples interpretação e contextualização para a

precisão do conceito, como ressalta MORAES: 87

(...) aqueles cuja aplicação de uma mera interpretação identifica o signo em

cada uma das zonas de certeza positiva ou negativa, por conseguinte, conduzindo a uma única solução jurídica, em razão da indeterminação resultar apenas de uma imprecisão de linguagem, devendo então ser feito um trabalho de contextualização desta.

86HECK, P.Begriffsbildung und interessenjurisprudenz. ACP, v.112, 1, 1914. Apud. SOUSA, Antonio Francisco de. Os „conceitos legais indeterminados‟ no direito administrativo alemão. (In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº. 166, p. 276-291, out/dez. 1986). 87Exemplo: cabine do caminhão considerada como “casa” do caminhoneiro, garantindo-se o direito à preservação de seu espaço íntimo (Constituição Federal, art. 5º, inciso XI), (MORAES, Germana de O. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 2004, p. 45).

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Já os conceitos jurídicos indeterminados não vinculados exigem valoração,

aproximando-se dos conceitos indeterminados normativos, segundo esclarecimentos de

ENGISCH.88

Os conceitos normativos desta espécie chamam-se conceitos „carecidos de

um preenchimento valorativo‟ (...) o volume normativo destes conceitos tem de ser preenchido caso a caso, através de atos de valoração. 89

2.2.2. Valoração e discricionariedade

Ao se deparar com conceitos jurídicos indeterminados o magistrado se vê na

contingência de preencher os claros existentes na norma, pois só assim pode concluir

pela aplicabilidade desses ao caso concreto. Isso exige do aplicador valoração, bem

explicada no ensinamento de LARENZ. 90

A necessidade de um pensamento << orientado a valores>> surge com a

máxima intensidade quando a lei recorre a uma pauta de valoração que carece de preenchimento valorativo, para delimitar uma hipótese legal ou também uma conseqüência jurídica. (...) Tais pautas não são, por assim dizer, pura e simplesmente destituídas de conteúdo; não são <<fórmulas vazias pseudonormativas>> que seriam compatíveis com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento regras de comportamento. (...) Estas pautas alcançam o seu preenchimento de conteúdo mediante a consciência jurídica geral dos membros da comunidade jurídica que não é só cunhada pela tradição, mas que é compreendida como estando em permanente reconstituição. Os tribunais consideram-se como caixas de repercussão dessa consciência jurídica geral.

A origem dos conceitos indeterminados refere-se ao direito administrativo91,

mas, nem por isso, a valoração se aproxima da discricionariedade, já que naquela não se

admite ampla liberdade de escolha. Confirme-se. 92

88Duas são as espécies de conceitos indeterminados. Os descritivos que descrevem objetos e situações reais ou pelo menos situações perceptíveis ao sentido humano, v.g. „velocidade máxima - 80km/h‟, ou „morte‟ extingue a personalidade. E os normativos que são compreendidos a partir da investigação de seu real sentido, v.g., abuso de direito (CC 187) ilicitude (CC 186). Confiram:se ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento…, op. cit., p. 212. 89 Idem, p. 213. 90LARENZ. K. Metodologia..., op. cit., p. 310. 91O fenômeno parece ter-se desenvolvido, com as características aqui apontadas, no direito administrativo. Para o direito administrativo não bastam as cláusulas gerais (que permitem ao juiz liberdade no preenchimento dos conceitos), porque o princípio da legalidade (CF 37 caput) só permite que seja realizado o que a norma expressamente autoriza. (NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução...., op.cit., p. 211). 92 BARBOSA MOREIRA, J.C. Regras de experiência...., op. cit., 612.

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Não se deve, todavia, confundir esse fenômeno com o da discricionariedade. Às vezes a lei atribui a quem tenha de aplicá-la o poder de, em face de determinada situação atuar ou abster-se, ou ainda, no primeiro caso, o poder de escolher, dentro de certos limites, a providência que adotará, tudo mediante a consideração da oportunidade e conveniência. É o que se denomina poder discricionário.

Conveniência e oportunidade não são pertinentes aos conceitos indeterminados,

mas sim ao juízo da legalidade, pois só há apenas uma solução justa ou correta: 93

Tratei do assunto em outra oportunidade, valendo-me da exposição de Eduardo Garcia de Enterria. Os conceitos indeterminados - que compreendem conceitos de experiência ou de valor – não conduzem a uma situação de indeterminação na sua aplicação. Tais conceitos, segundo aquele autor, só permitem uma unidade de solução em cada caso.

O mote da valoração são os dados objetivos.94 No mesmo sentido as palavras

de ENGISCH: 95

A sua própria valoração do caso é tão-só um elo na série de muitas

valorações igualmente legítimas com as quais ele a tem de confrontar e segundo as quais ele, sendo caso disso, a deverá corrigir. (...) Nesta conformidade, também as decisões singulares e os conjuntos de decisões através das quais estes conceitos objetivo-normativos carecidos de preenchimento valorativo são „concretizados‟ têm o significado de algo como uma espécie de interpretação destes conceitos.

Essa valoração foi chamada por LARENZ de concreção específica, isto é, o juiz

refere e subsume o caso concreto a um conceito normativo-objetivo.96 Entretanto, vai

além, como recorda o mesmo pensador. 97

(...) esta concretização tem um caráter „sintético‟, ela determina a idéia

fundamental, carecida de preenchimento valorativo, através da pesquisa da valoração conforme ao espírito da época, mas sem retirar essa determinação do conceito como tal. Além disso, nos limites em que tal é possível e faz sentido, toma em consideração a configuração especial do caso sub iudice.

Na mesma linha estão os estudos de ZANELLATO.

93 GRAU, E.R. Poder discricionário, op. cit., p. 42. 94 Idem, p. 236. 95 Ibidem, p. 240. 96Sobre subsunção e concreção, ver ÁVILA, Humberto B. Subsunção e concreção na aplicação do direito. (In: CACHAPUZ, Antonio P. (coord.). O ensino no limiar do novo século. Porto Alegre: Edipuc-RS, 1997, p. 413-465.p. 413-465). 97Apud ENGISCH, Introdução…., op. cit., p. 241.

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(...) A „autonomia‟ da valoração pessoal ..parece à primeira vista ser a característica específica de uma particular classe de conceitos que igualmente se põem ao serviço do afrouxamento da vinculação legal, a saber, a classe dos conceitos discricionários, a que hoje tantas vezes a doutrina se refere. A „discricionariedade judicial‟ e a „discricionariedade administrativa, que significam elas senão o livre parecer pessoal do juiz ou do funcionário administrativo? As valorações em apreço têm de ser objetivas. Há concepções morais dominantes pelas quais o juiz se deve deixar orientar. 98

O preenchimento dos conceitos é feito por meio de valores “éticos, morais,

sociais, econômicos e jurídicos, o que transforma o conceito legal indeterminado em

determinado pela função”.99

Por fim, se há uma linha bem distinta entre os dois conceitos (discricionários e

indeterminados), ambos exigem prudência mínima por parte do aplicador, já que ambos

não estão fincados em padrões rígidos.

Nos conceitos jurídicos indeterminados a questão se resolve na coincidência

entre o acontecimento real e o modelo normativo. A solução já está predeterminada sem

qualquer chance de escolha ao aplicador.

2.2.3. Vantagens e desvantagens na aplicação dos conceitos jurídicos

indeterminados

Prestigiam-se os sistemas jurídicos modernos que se utilizam conceitos

indeterminados, especialmente se comparados com o manejo de cláusulas gerais e

princípios, já que, por sua natureza, são menos abstratos, independentes da vontade dos

magistrados, pois a solução propriamente dita já que as respostas encontram-se

previamente estabelecida na própria norma.

98ZANELLATO, M.A. Condições gerais do contrato, cláusulas abusivas e a proteção do consumidor. Tese apresentada na Universidade São Paulo, aos 28 de março de 2006, aprovada com distinção, p. 158. 99NERY JR, et al. O Código civil...., op. cit., p. 157.

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A própria lei enuncia o conceito indeterminado e dá as conseqüências, evolui-se

da indeterminação para a determinação real, o que na visão de LARENZ constitui sua

função precípua.100

Compreende-se que o leigo tenha receio dos conceitos jurídicos

indeterminados, tome-se o exemplo do artigo 122 do Código Civil brasileiro de 2002 e

suas expressões exemplares de <<bons costumes e ordem pública>> indicativas das

restrições a livre autonomia dos negócios.101

Sobre tal dispositivo, confiram-se os seguintes comentários: 102

Conceito legal indeterminado. Contrariedade à lei, à ordem pública ou aos bons costumes. Interpretando-se a norma a contrário sensu, verifica-se que são ilícitas as condições que sejam contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes. A conseqüência desse desatendimento desses preceitos, cujo conteúdo é de indicação abstrata (conceitos indeterminados), está prevista na própria lei: nulidade. Assim, as expressões „ordem pública‟ e „bons costumes‟ caracterizam como conceitos indeterminados.

Vê-se que essa flexibilidade é técnica adequada para atender às necessidades

atuais de dar efetividade às normas jurídicas, evitando-se seu desgaste.

Essa funcionalização acompanha o movimento de efetividade e de

transformação dos institutos jurídicos; de indeterminados os conceitos se transformaram

em determinados pela função103, pois tem um mister a exercer no caso concreto.

Os conceitos legais indeterminados se transmudam em conceitos determinados pela função (funktionsbestimmte Rechtsbegriffe) que têm de exercer no

100LARENZ, K.. Metodologia..., op. cit., p. 686. 101Sobre condição, termo ou encargo nos negócios jurídicos confiram-se: Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas estão as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. 102NERY et al. Código civil...., op. cit., p. 237. 103Assim, a ciência do Direito privado atual trabalha, pelo menos desde a obra de FLUME, com um conceito de negócio jurídico determinado pela função, que o entende primordialmente como meio da autonomia privada e intenta compreender a partir desta sua função a problemática a ele ligada e as respostas dadas a esse respeito pela lei. Se se trata do princípio da <<responsabilidade pelo risco>>, alude-se àquelas hipóteses legais de uma responsabilidade pelo dano, às quais subjaz precisamente este princípio. (LARENZ, Karl. Metodologia..., op. cit., p. 686).

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caso concreto. Servem para propiciar e garantir a aplicação correta, eqüitativa do preceito ao caso concreto. .104

Então, a vagueza dos conceitos <<bons costumes, produto inseguro e outros>>,

não são temerários, ao contrário, sob o aspecto teleológico ou funcional, permite que a

norma se viabilize e se concretize. Atua como ferramenta de concretização do direito, ou

nas lições de NERY e NERY, o “juiz torna concretos, vivos, determinando-os pela função,

os denominados conceitos legais indeterminados”. 105

Em tempos modernos há nítida preferência por essa fórmula generalizante, mas

isso não exclui outras possibilidades, mesmo as consideradas mais tradicionais, como

são os direitos fundamentais, princípios, principalmente que se expressam por normas

constitucionais.

2.3. As normas constitucionais

No ápice do sistema jurídico a Constituição descreve e projeta a sociedade,

molda o Estado e garante as liberdades políticas e civis.

Constitucionalmente vê-se que a construção da sociedade não fica ao alvedrio

dos particulares, pois ali estão selecionados os objetivos maiores e as finalidades de uma

nação, como ocorre, por exemplo, com a ordem econômica.106

Com essa espécie de controle, a ordem econômica e jurídica não nasce mais

do jogo livre da iniciativa privada, mas é projetada e pré-constituída pela lei. O aspecto mais especial desse fenômeno, e que nos interessa de perto, porque respeita diretamente à finalidade e à razão de ser do próprio direito privado, é o fato de que nessa forma técnica legislativa há uma característica de concretude e de individualidade (quer dizer, „a norma já não é cânone abstrato e geral de ação, mas resposta a específicos e determinados problemas) que antes se considerava própria dos negócios jurídicos de direito privado.

104NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução..., op. cit., p. 212 105NERY et al. Código civil..., op. cit. 158. 106NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução.... , op. cit., p. 80.

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Também a realização da justiça deve atrelar-se às normas constitucionais,

especialmente as que referem os direitos fundamentais, valores mais expressivos da

sociedade.

Na composição das normas constitucionais estão as regras e os princípios,

distintas pelo maior grau de generalidade dos princípios, comparados a pouca abstração

das regras.

ALEXY tem lições esclarecedoras sobre direitos fundamentais e princípios,

suporte teórico útil dado o poder que exercem sobre todo sistema jurídico.107

Ambos mantêm visível proximidade, talvez o que explique a razão da

Constituição brasileira consagrar um mesmo tema, ora como direito fundamental, ora

como princípio (função social da propriedade <<CF, arts. 5º., XXIII e 170, III>> e a defesa

do consumidor <<CF, arts. 5º., XXXII e 170, V>>).

De qualquer modo é preciso compreendê-los de modo mais pormenorizado.

2.3.1. Os direitos fundamentais

2.3.1.1 A interdisciplinaridade

Os direitos tidos de segunda geração dominaram o último século, por isso,

nunca se viu tanto debate em torno de direitos sociais, culturais, econômicos, direitos

coletivos ou de coletividades.

Em prol da igualdade material108 os direitos fundamentais foram objetivados, a

fim de que fossem libertos do rótulo de simples direitos subjetivos em face do Estado.

107ALEXY, R. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgilio A. da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008. 108 A igualdade se converte aí no valor mais alto de todo sistema constitucional, tornando-se critério magno e imperativo de interpretação da Constituição em direitos sociais. (...) O centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica é indubitavelmente o princípio da igualdade. (In: BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 336).

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Havia muita dúvida sobre sua eficácia concreta, dado que, em sua maioria,

depende de ações positivas por parte do Estado, o que nem sempre são realizadas,

principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil.

Por longo período eram vistos como simples normas programáticas, por não

possuírem os meios de proteção efetiva, salvo honrosas exceções quando ligados à

liberdade e suas respectivas garantias processuais.109

No Brasil, desde a nova ordem constitucional implantada em 1988, toda e

qualquer dúvida sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais foi superada, dada a

clareza havida no art. 5º da Constituição.110

Essa aplicabilidade imediata consagrou os direitos fundamentais, como ordem

de valores que dão unidade constitucional à sociedade. Confirme-se com SARLET.111

Em outras palavras, de acordo com o que consignou Pérez Luño, os direitos

fundamentais passaram a apresentar-se no âmbito da ordem constitucional como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas de interesses individuais, entendimento este, aliás, consagrado pela jurisprudência no Tribunal Constitucional espanhol praticamente desde o início de sua profícua judicatura. (...) Este processo de valorização dos direitos fundamentais (Grundrechtsewandel) provocada não só – mas principalmente – pela transição do modelo de Estado Liberal para o Estado Social e Democrático de Direito, como também pela conscientização da insuficiência de uma concepção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa para a garantia de uma liberdade efetiva para todos, e não apenas daqueles que garantiram para si sua independência social e domínio deu espaço para a vida social.

Os direitos fundamentais, representativos dos escopos sociais da comunidade

112, permeiam todo o tecido social 113, não alcançam somente a relação dos particulares

109Idem, p. 518. 110Art. 5º. (...). § 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 111SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria Advogado, 2003, p. 147 e 155. 112A finalidade dos direitos fundamentais aplicados às relações privadas é, antes de tudo, dar um tratamento mais humano às relações entre particulares. Para tal fim, nada mais orientador, a saber: o da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III da Constituição da República de 1988, em posição topográfica que antecede até mesmo a previsão dos demais direitos fundamentais. É, sobretudo, objetivo da nação, e atinge, indubitavelmente, a toda ordem jurídica.. (MOREIRA, E.R. Obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 42). 113Os direitos fundamentais têm características que não podem ser desprezadas, como a interdisciplinaridade. Tal ocorre, porque eles não são exclusivos da ciência do direito constitucional (cf. Pena, 2003, p. 101), mas remontam a outros campos do direito e até a outras ciências sociais aplicadas. (ibidem, p. 12).

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com o Estado, mas igualmente a relação horizontal entre os próprios particulares,

repercutindo de modo abundante sobre o direito privado.114

SARMENTO, em seus estudos sobre os direitos fundamentais e sua

repercussão nas relações privadas, indica julgado realizado pela Corte constitucional

alemã em 1958. 115

(...) a Lei Fundamental não é um documento axiologicamente neutro. Sua

seção de direitos fundamentais estabelece uma ordem de valores, e esta ordem reforça o poder efetivo destes direitos fundamentais. Este sistema de valores, que se centra na dignidade da pessoa humana, em livre desenvolvimento dentro da comunidade social, deve ser considerado como uma decisão constitucional fundamental, que afeta todas as esferas do direito público ou privado. Ele serve de metro para aferição e controle de todas as ações estatais na área de legislação, administração e jurisdição. Assim é evidente que os direitos fundamentais também influenciam o desenvolvimento do direito privado. Cada preceito de direito privado deve ser compatível com este sistema de valores e deve ainda ser interpretado à luz do seu espírito. O conteúdo legal dos direitos fundamentais como normas objetivas é desenvolvido no direito privado através dos seus dispositivos diretamente aplicáveis sobre esta área do direito. Novos estatutos devem ser conformar com o sistema de valores dos direitos fundamentais. O conteúdo das normas em vigor também deve ser harmonizado com esta ordem de valores. Este sistema infunde um conteúdo constitucional específico de direito privado, orientando sua interpretação.

2.3.1.2. A eficácia nas relações privadas. O olhar de Alexy.

De fato, há influência dos direitos fundamentais nas relações privadas, o que

tem sido amplamente debatido, visto que, acertadamente, deixaram de ser concebidos

como simples limites ao poder do Estado em favor da liberdade individual.

114(...) a dimensão objetiva dos direitos fundamentais para o âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, às quais estavam confinados pela teoria liberal clássica. Reconhece-se então que tais direitos limitam a autonomia dos atores privados e protegem a pessoa humana da opressão exercida pelos poderes sociais não estatais, difusamente presentes nas sociedades contemporâneas. Neste quadro, o legislador assume encargo de promover os direitos fundamentais, e toda a legislação ordinária terá de ser revisitada sob uma nova ótica ditada pela axiologia constitucional. (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 107) 115 KOMMERS, D.P. The constitutional jurisprudence of the Federal Republic of Germany, p. 363. Apud. SARMENTO, Daniel, idem, p. 112.

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Sua eficácia <<obtenção e aplicação dos direitos fundamentais>> entre os

particulares ainda é núcleo de discussões mais recentes, como as retratadas nas

formulações de Alexy em sua obra << Teoria dos direito fundamentais>>.

Nela o autor relata a existência de três níveis de eficácia na obtenção e

aplicação desses direitos: indireta (mediata); deveres de proteção; direta (imediata).116

Para os que defendem a eficácia indireta, o legislador é quem deve primeiro

reconhecer em normas infraconstitucionais os valores e princípios constitucionais. Algo

diferente disso implicaria em exercício de poder desmesurado pelo Judiciário e,

conseqüentemente, nefasta minimização da autonomia privada.

Ao legislador, antes de qualquer outro, compete mediar a aplicação dos direitos

fundamentais sobre os particulares, estabelecendo tábua de regras compatíveis com os

valores constitucionais.117

Já os adeptos da teoria da eficácia horizontal, imediata ou direta dos direitos

fundamentais, incidentes nas relações privadas, a estratégia de horizontalidade é

justamente a mais adequada na correção das desigualdades.118

Um dos vários representantes é PERLINGIERI, invocado neste trabalho, dado

sua forte influência no pensamento dos civilistas brasileiros. Para ele é possível aplicação

116 A eficácia indireta leva em conta a legislação civil, os princípios gerais de direito e a jurisprudência civil. No nível dos deveres de proteção, o Estado se vê obrigado tutelar os direitos fundamentais. Finalmente, o nível imediato ou direto, permite-se ao particular poder, sem qualquer intermediação do legislador, opor a terceiro <<ente privado>> um direito fundamental. (ALEXY, R. Teoria..., op. cit. p. 533-542). 117Apenas de forma mediata por meio do legislador, conforme esclarece: quando muito, os preceitos constitucionais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, clarificando-os (Wertverdeulichung), acentuando ou desacentuando determinados elementos de seu conteúdo (Wertakzentuierung, Wertverscharfung), ou, em casos extremos, colmatando as lacunas (Wetschutzluckenschlienssung), mas sempre dentro do espírito do Direito Privado”. (ANDRADE, J.C.V. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1976, p. 276). 118 Assume posição intermediária sobre a horizontalidade dos direitos fundamentais, não obstante a clareza do artigo 18.1 da Constituição portuguesa <<os preceitos constitucionais respeitantes do direito privado, liberdade e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas>>. Para ele o referido dispositivo não traz solução concreta. Só há horizontalidade quando houver desigualdade entre os poderes privados. Entretanto, nas relações privadas típicas, onde não há assimetria de poder, a eficácia dos direitos fundamentais é apenas indireta. Essa e outras posições assumidas sobre a horizontalidade dos direitos fundamentais, confiram-se SARMENTO, Daniel., op. cit., p. 185-234.

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de qualquer preceito constitucional, desde e quando não existam normas ordinárias

aplicáveis a fattispecie.119

NERY equipara essa adesão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais,

ao movimento que no Brasil chamou-se de constitucionalização do direito privado.120

As constituições mais recentes são sensíveis a aspectos específicos da convivência humana, e por isso, a partir dos anos sessenta, os cultores do direito privado incluem a Constituição entre as fontes de direito privado, desprezando, por assim dizer, uma antiga divisão entre “sociedade civil” e “sociedade política” e possibilitando o diálogo entre a terminologia e os conceitos originários da Constituição e os institutos de direito privado. Essa tendência, que se costuma denominar no Brasil de “constitucionalização do direito privado”, mas que também pode ser considerada a partir da expressão “eficácia civil dos direitos fundamentais”.

Por fim, Alexy faz referência à teoria dos deveres de proteção, considerando

que ao Estado compete proteger os direitos fundamentais de particulares, quando

ameaçados por entidades ou entes particulares.

Sob essa perspectiva apenas os poderes públicos estão vinculados aos direitos

fundamentais.

Entretanto, a inovação da proposta de Alexy foi conciliar os três níveis de

eficácia até então debatidas, a despeito das aparentes divergências, pois, de fato, todas

têm traço comum, qual seja a de reconhecer o vínculo dos particulares e dos poderes

públicos com os direitos fundamentais.

A efetivação dos direitos fundamentais implica necessariamente na ponderação

de interesses, reconfortando os mais conservadores e coibindo posturas

fundamentalistas, mormente àquelas que ingenuamente ameaçam o direito e a

autonomia privada.

119 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Trad. M.Cristina de Cico. Rio de Janeiro:Renovar, 2002,p 11. 120NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução..., op. cit, p. 301.

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O mestre de Kiel procurou explicar, de modo claro os três níveis de efeitos dos

direitos fundamentais. Primeiro: os magistrados, como órgãos de Estado, devem

considerar os direitos fundamentais como valores objetivos, cumprindo um dos deveres

do Estado; num segundo plano, os direitos fundamentais colocam-se frente ao Estado,

isto é, não observados propiciam a oposição do cidadão ao Estado; terceiro:servem

como fonte nas relações entre os sujeitos privados, sem prejudicar a autonomia privada e

liberdade contratual.

Reconhecidas por sua importância, a autonomia da vontade e a liberdade

individual dos particulares não possuem valor absoluto, o que exige, na solução de um

caso concreto, ponderação ou balanceamento de forças. Isto é colocam-se de um lado

da balança e de outro estão outros direitos fundamentais, por exemplo, a dignidade

humana.

É indiscutível o prestígio da autonomia privada, pois formadora do conteúdo

básico da liberdade. Aliás, essa autodeterminação na lida dos interesses particulares é

apropriada e essencial ao princípio da dignidade humana.

Entretanto, no plano concreto é preciso verificar se a autonomia privada importa

em lesão a outros direitos fundamentais ou a outro princípio igualmente relevante.

Então, pelo balanceamento ou ponderação desses valores que se otimizam os

direitos fundamentais121, ressaltando-se, apenas, esse sopesamento não se traduz

simplesmente interpretar segundo a Constituição, mas técnica diversa, como bem

explicam as lições de MOREIRA.122

Enquanto a interpretação, conforme a Constituição, busca que o ramo do direito (privado) passe a ser estudado e aplicado em conformidade e com base nas suas normas constitucionais orientadoras e de superioridade hierárquica, a aplicação

121Sobre ponderação e balanceamento de direitos, interesses e valores consultem-se as seguintes obras: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, op.cit., p.91-103; SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000; BARROSO, Luis R. A nova interpretação constitucional:ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 122MOREIRA, Eduardo R. Obtenção..., op. cit. p. 139.

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dos direitos fundamentais nas relações entre particulares atua sempre no caso concreto, na formação da jurisprudência, afastando as situações em desconformidade com os direitos fundamentais.

Reforçando sua teoria Alexy também dá destaque preponderante ao papel

ocupado pelos princípios.123

A tese central deste livro é a de que os direitos fundamentais,

independentemente de sua formulação mais ou menos precisa, têm a natureza de princípios e são mandamentos de otimização.

Justamente sobre os princípios é do que se ocupa o próximo item.

2.3.2. Os princípios

Ninguém dúvida que os princípios têm um papel determinante para atividade

humana, ajustando as ações humanas de acordo com o papel que exercem na

comunidade.

No dia a dia, entretanto, os fatos não se encaixam perfeitamente nesses dizeres

principiológicos, pois não são facilmente invocáveis na solução de casos concretos.

Vive-se atualmente o período chamado pós-positivismo124, movimento jurídico

cultural iniciado no pós-guerra e que ainda repercute nos dias de hoje, no qual os

princípios ganharam status relevante tornando mais exuberante a supremacia dos

direitos fundamentais.

123ALEXY, Robert. Teoria...., op. cit. p. 575. 124A superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada - Nova Hermenêutica e a Teoria dos Direitos Fundamentais”. (BARROSO, Luís R. Fundamentos teóricos e filosóficos (Pós-Modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo). In:Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 23-59}.

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Se no passado os princípios eram vistos como simples normas de caráter

programático, na atualidade os princípios foram positivados em direitos fundamentais

ganhando por isso plena eficácia.125

Já foi dito, há íntima relação entre os princípios e os direitos fundamentais126,

pois juntos compõem o edifício de normas jurídicas.

Não faltam indícios de que a distinção entre as regras e princípios desempenha

um papel no contexto dos direitos fundamentais, as normas de direitos fundamentais são

não raro caracterizadas como princípios. 127

Etimologicamente <<princípio>> indica origem, início, começo128, na perspectiva

jurídica, afirma-se como vetor originário e fundamental de adequação e interpretação,

funcionando como ordens supletivas que reafirmam o sistema jurídico na busca do

supremo de justiça <<o bem comum>>.

Regras legais por si não garantem esse objetivo, como, aliás, observou

ESPÍNOLA: 129

Essa consonância perfeita, que de reclama do Direito, tem de ser obtida, não só na inteligência e aplicação das disposições contidas nas fontes formais, mas também quando haja necessidade de recorrer aos princípios gerais do direito, a fim de completar a ordem jurídica positiva, lacunosa pela omissão da lei e do costume.

125A prioridade absoluta, evidentemente, é dos valores fundamentais e dos princípios que os refletem, que obrigam o jurista a adequar sua avaliação eles, sem que se abram espaços para diferentes ideologias ou políticas de direito, tanto umas como as outras ainda que no mais radical rigorismo positivista, exauridas pelas escolhas constitucionais. (NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução ao pensamento....op. cit., p. 231). 126OPPO recorda-nos, os princípios, assim como outras categorias jurídicas (valor, cláusulas gerais, padrões), mantêm entre si uma ligação funcional e uma certa hierarquia. Os valores inspiram os ideais, já os princípios assumem os valores em forma de preceitos. As cláusulas gerais para ele são os critérios preliinares de ação e conduta. (Cf. OPPO, Giorgi. Sui principi generali del diritto privato. In: Rivista di Diritto Civile no. 1, p. 475, 1991. Apud. Nery, Rosa M. de Andrade, idem, ibidem).. 127ALEXY, Robert. Teoria..., op. cit., p.86. Confiram-se também: Ora, os direitos fundamentais são positivados no ordenamento jurídico através de normas com estrutura de princípio. Mas ainda: tais normas situam-se no ápice da pirâmide normativa, ou seja, ocupam a posição hierárquica mais elevada no ordenamento. Dessa forma, impõe-se reconhecer que os direitos fundamentais são juridicamente exigíveis, vale dizer justificáveis, e que, para tanto, não podem estar a depender de normas de posição hierárquica inferior àquelas que o prevêem. Superada, assim, a subordinação dos direitos fundamentais à intervenção do legislador infraconstitucional. (GUERRA, Marcelo L. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 86). 128BASTOS, Celso R. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 206. 129ESPINOLA, E. et ESPINOLA FILHO, Eduardo. Lei de introdução ao código civil brasileiro. Vol I. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, vol. 1º, p. 109.

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Também sobre a importância dos princípios confiram-se: 130

Princípio – como já averbamos alhures - é, por definição, mandamento

nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Então, os princípios sustentam a compreensão real das normas jurídicas,

permitindo conhecer seu sentido nuclear 131, concretizando o sistema de modo

harmônico.132

Também são úteis ao ordenamento, preenchendo suas lacunas133 (Lei de

Introdução ao Código Civil, art.4º), mas não é essa sua função primordial, pois com

GRAU, vêem-se nos princípios proposições jurídicas descritivas, reveladoras de grandes

tendências do direito positivo.134

Em resumo, os princípios têm duas funções mínimas. A dita instrumental de

servir como guia interpretativo; a segunda é função material, isto é, ajusta os conteúdos

do que é interpretável, permitindo, pois sua aplicação ao objeto interpretado. 135

130BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 747-748. 131(...) princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam". (CARRAZA, Roque A. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros, 1998, p.30). 132ALPA, Guido. Cuidadosamente aborda essa larga possibilidade, dando ao termo „princípios‟ ampla variação: interpretação de disposições, legais, colmatação de lacunas, reequilíbrio da relação entre os envolvidos num contrato e outras. (In: I principi generali. Milão: Giuffrè, 1993, p. 6). 133Hoje sabe-se que a função dos princípios não é simplesmente colmatar as lacunas das leis. Vejamos: De outra parte, importa ainda considerar que, hoje, não mais se atribui ao princípio apenas essa função supletiva de integração, de preenchimento de lacunas. Com efeito, como observa Flòrez-Valdes, remetendo ainda a Hernandes Gil e Federico de Castro, de todo superada a tese de que os princípios sirvam apenas a colmatar as lacunas, até, antes de tudo, pela sua própria natureza, de enunciação de valores fundantes do ordenamento. (GODOY, Cláudio L. B. de. Função social ..., op. cit., p.98). 134GRAU, Eros R. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 79. 135Sintetizamos as funções desempenhadas pelos princípios com breve trecho de Usera: „(...) significa a absoluta preponderância com que os princípios atuam no curso do processo hermenêutico constitucional, tanto quanto são eles que selecionam os métodos, guiam seu desenvolvimento e, por último, atribuem significado constitucionalmente correto a um enunciado normativo. Em resumo, cumprem duas funções, a saber: a primeira, instrumental, que compreende a mencionada seleção e guia do emprego dos cânones hermenêutico; a segunda, material, quando ajusta os conteúdos do interpretado e do interpretável, dos princípios e do objeto concreto do caso específico. (In: BASTOS, Celso R. Hermenêutica.., p. 215).

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Além dessas funções de intelecção do sistema, princípios dão significado efetivo

às normas136, vejam as considerações de BRITO: 137

(...) são idéias-matrizes dessas regras singulares, vetores de todo o conjunto

mandamental, fontes de inspiração de cada modelo deôntico, de sorte a operar como verdadeiro critério do mais íntimo significado do sistema como um todo e de cada qual de suas partes.

Essa significação trazida pelos princípios é que, de fato, lhe posiciona de modo

especial na construção da experiência jurídica.

2.3.2.1. Princípios, regras e normas jurídicas

Embora haja diferença conceitual, os princípios e regras jurídicas se relacionam

intimamente, pois formam o gênero << normas jurídicas>>.

Na visão histórica de BONAVIDES é possível compreender os princípios de

modo melhor. 138

No olhar jusnaturalista, os princípios tinham bem pouca importância,

constituíam-se em tratados altamente abstratos, até insignificantes ante a força das

regras. Já no período positivista passaram à condição de regras subsidiárias, aplicáveis

somente na insuficiência da norma legal, assim como a analogia, equidade e outros

elementos. Finalmente, no período pós-positivista em que vivemos, é espécie do gênero

– norma.

Na visão de ALEXY a distinção entre princípios e regras é qualitativa de

conteúdo.

136(...) os princípios são de maior nível de abstração que as meras regras e, nestas condições, não podem ser diretamente aplicados. Mas, no que eles perdem em termos de concreção, ganham no sentido de abrangência, na medida em que, em razão daquela sua força irradiante, permeiam todo o texto constitucional, emprestando-lhe significação única, traçando os rumos, os vetores, em função dos quais as demais normas devem ser entendidas. Idem, p. 207. 137 BRITTO, Carlos A. Inidoneidade do decreto lei para instituir ou majorar tributos. (In: Revista de Direito Público. São

Paulo: RT, vol. 66, 1983, p. 45 ss). 138A juridicidade dos princípios passa por três distintas fases: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positivista. (In:BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo:Malheiros, 2003, p. 258-266).

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O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são

normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção

qualitativa e não distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio. 139

Diferentemente ÁVILA não é tão rigoroso na distinção, principalmente quando

se trata de princípios constitucionais140, pois seu pensamento é que não há razão para

separarem-se os dispositivos constitucionais.141

(...) um mesmo dispositivo pode ser ponto de partida para a construção de regras e princípios, desde que o comportamento previsto seja analisado sob perspectivas diversas, pois um mesmo dispositivo não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, ser um princípio e uma regra.

Não se olvidem, os dispositivos servem de ponto de partida para a construção

da experiência jurídica, por isso, tanto podem traduzir regras, se isso privilegiar a

finalidade, quanto um princípio se o aspecto valorativo for “autonomizado para alcançar

também comportamentos inseridos noutros contextos”.

As reais balizas no exame das regras ou princípios são a liberdade na liberdade

na interpretação e integração nas normas jurídicas.

A hermenêutica tem papel fundamental mesmo na regras, comandadas pela

diretriz do <<tudo ou nada>>, isto é, << aplica-se ou não se aplica ao caso concreto>>,

ainda sim, reserva-se pequena margem para a interpretação.

139ALEXY, Robert. Teoria...., op. cit., p. 90. 140 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 41-2. 141 Idem, p. 70.

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Mais tranqüilo é o trato dos princípios, pois podem ser cumpridos em diferentes

graus, isto é, ora tem aplicação em sua plenitude, ora de modo parcial de acordo com as

possibilidades jurídicas e fáticas (v.g. erradicação da pobreza <<CF, art. 3º, III>>).

Na distinção elogiável o trabalho de CANOTILHO, pois criou fórmulas

extremamente úteis para diferenciação:

a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração

relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida; b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? do juiz?), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação directa; c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex:princípio do Estado de Direito); d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são „standards‟ juridicamente vinculantes radicados nas exigências de „justiça‟ (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional; e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentais de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

142

BOBBIO, por sua vez, indica pistas quando consideram os princípios como

normas de tipo especial:143

Os princípios gerais são apenas, ao meu ver, normas fundamentais ou

generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípio leva ao engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. (...) Muitas normas, tanto dos Códigos como da Constituição, são normas generalíssimas, e portanto, são verdadeiros e autênticos princípios gerais expressos; (...) que formula um dos princípios fundamentais pelo qual se rege a convivência social, expressa pela conhecida máxima da justiça: neminem laedere; o artigo 1.176 do C.C relativo ao cumprimento das obrigações. Muitas normas da Constituição são princípios gerais de

142CANOTILHO, J.J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. Lisboa: Almedina, 1999, p.1088-1089. Guastini, apontou seis conceitos diversos de princípios: ora referente à normas com alto grau de generalidade; ora com alto grau de indeterminação, que demandam concretização pela via interpretativa; ora como normas com caráter programático; ora como disposições normativas com elevado destaque na hierarquia das fontes; ora normas ou disposições fundamentais ao sistema jurídico; por fim, os que se destinam aos aplicadores das leis, possibilitando escolhas de dispositivos aplicáveis aos casos concretos. (In: Dalle fonti alle norme. Apud. BONAVIDES, P. Curso de direito..., op. cit., p. 257-8). 143BOBBIO, N. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p, 158-59.

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Direito; mas, diferentemente das normas do Código Civil, algumas delas esperam ainda ser aplicadas: são princípios gerais expressos não-aplicados.

Então, não se trata de cumprir ou não cumprir um princípio144, pois são simples

premissas145 e não envolvem situação jurídica determinada.146

Essas distinções, de fato, não desembaraçam todas as questões jurídicas,

principalmente quando a aparência da situação torna duvidosa a aplicação do princípio

mais adequado.147

Os princípios determinam apenas o <<estado ideal de coisas>>, por assim

dizer, prescrevem simplesmente comportamentos necessários148, consistem em normas

primariamente complementares e/ou preliminares parciais, abrangendo apenas parte dos

aspectos relevantes, levados em conta na hora da decisão de um conflito ou questão

jurídica, sem a pretensão de criar solução específica.

Os princípios não podem ser aplicados como fórmulas perfeitas que validam

todas as condutas. Exemplificando, errado pensar no princípio da proteção dos

consumidores como algo que encerra a questão dos consumidores, pois isso está

inexoravelmente vinculado a outros tantos princípios, v.g., como livre iniciativa,

propriedade, dignidade da pessoa humana etc, que precisam ser harmonizados e

promovidos.149

144ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. Apud LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos..., op. cit., p. 316. 145Lembrando-se DWORKIN: As regras são aplicáveis à maneira de „tudo-ou-nada‟. Dado os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. (Apud PIRES, Luis M. Fonseca. Loteamentos urbanos. Natureza jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 31). 146A verdade que fica é a de que, os princípios são um indispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva. Contêm em estado de virtualidade grande número das soluções que a prática exige. (Jean BOULANGER. Príncipes généraux du Droit et Droit Positif. Apud:BONAVIDES. Curso de ...., op. cit., p. 266). 147AVILA, Humberto:(...) com base nos escritos de Wright, pode-se afirmar que os princípios estabelecem uma espécie de necessidade prática: prescrevem um estado ideal de coisas que só será adotado se determinado comportamento for adotado. (In:Teoria dos ...., op. cit. p 72). 148Idem, p. 75. 149Idem, p. 76.

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É sobre essa harmonização e unificação do sistema jurídico o conteúdo do

próximo item.

2.3.2.2 Os princípios e as antinomias

Frente a mais de um princípio, o aplicador sempre será suscitado fazer sua

opção, contudo, terá que se socorrer de técnica diversa da escolha feita entre duas ou

mais regras.

Com efeito, se entre duas normas uma for excludente, em manifestação típica

de colisão, a solução será singela, dado que não é possível aplicar duas ou mais regras

ao mesmo caso concreto. A ferramenta é a própria exclusão, isto é, ou vale uma regra,

ou vale outra.150

Diferentemente dos princípios que nunca criam antinomias151, nunca se

excluem, sempre se mantém íntegros e harmônicos com o sistema jurídico.152

Ante o caso concreto, os princípios devem ser ponderados e sopesados em

busca da compatibilização e harmonia do sistema, otimizando o encontro da almejada

justiça << a cada um o que é devido>>.

150A colisão de regras se desenvolve no plano da validade, ao que se aplicam os critérios assinalados para a solução tradicional de antinomias, e com auxílio da lógica deontológica”. (LORENZETTI , Ricardo. Fundamentos..., op. cit., p. 426). 151Antinomia é própria do pensamento sistemático, isto é, todo sistema persegue o mínimo de coerência e por isso não tolera que duas normas aplicáveis ao mesmo caso dêem soluções contraditórias ou contrárias. Nesses casos, lembra BOBBIO, a antinomia é resolvida ou eliminando-se uma das normas, porque ela é excludente ou conservando-as, mas ficando-se no sentido de uma. Como antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema normativo, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão a eliminação de uma das normas (no caso de normas contrárias, também na eliminação das duas). (...) Digamos então, de uma maneira mais geral que, no caso de conflito entre duas normas, para o qual não valha nem critério cronológico, nem o hierárquico, nem o da especialidade, o intérprete, seja ele o juiz ou o jurista, tem a sua frente três possibilidades: 1) eliminar uma; 2) eliminar as duas; 3) conservar as duas. (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento..., op. cit., p. 91 e 100). 152Para solucionar o conflito, tomar esses princípios no sentido de harmonização e compatibilização, devendo o intérprete, para solucionar o conflito, tomar esses princípios no sentido de harmonizá-los e ponderá-los, pois os princípios encerram exigências e padrões devem ser realizados (...) Não pode haver, de conseqüência, conflito entre dois princípios, como in casu ocorre com a defesa do consumidor e livre iniciativa, subprincípios do princípio geral da ordem econômica. (NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, vol. 3, p.44 ss).

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Essa técnica de sopesamento desenvolve-se em três etapas, como bem

esclarece ÁVILA, inicialmente, analisam-se exaustivamente os elementos e argumentos

pertinentes <<preparação da ponderação>>; em seguida, fundamenta-se a relação entre

os elementos objeto do sopesamento <<realização da ponderação>>; por fim, formulam-

se regras de relação pretendendo validade para além do caso (reconstrução da

ponderação).153

BETTI tem razão ao afirmar, os princípios, por vezes, aspiram demais, são

excessivos, o que exige do aplicador do Direito, o agir ponderado, co-relação com outros

princípios, regras e outras categorias nem sempre jurídicas (moral, ética etc), pois

somente assim é que haverá conclusão coerente. 154

Essa ponderação não é técnica exclusiva na aplicação de princípios:155,

conforme reconhece ÁVILA:156

(...) a atividade de ponderação de razões não é privativa de aplicação aos princípios, mas de qualidade geral de qualquer aplicação de normas. Não é correto, pois, afirmar que os princípios, em contraposição às regras, são carecedores de ponderação (abwägungsbedürftig). A ponderação diz respeito tanto aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma possui um caráter provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas como mais relevantes pelo aplicador diante do caso concreto. O tipo de ponderação é que é diverso.

O sopesamento é adequado, pois abstratamente não possuem maior ou menor

peso, já que todos se equivalem. Claro que ante um conflito concreto, um ou outro

153 ÁVILA, Humberto. Teoria dos , op. cit., p. 79 ss. 154 BETTI, Emílio. Interpretación de la ley y los actos jurídicos. (In: Revista de Derecho Privado. Madri: Edersa, 1975, p. 283). 155Gradativamente a ponderação destaca-se como ferramenta essencial de aplicação dos princípios, identifica-se como uma técnica de decisão jurídica autônoma, que vem sendo aplicada em diversos ambientes. Já há muitas decisões judiciais por ponderação para, e.g., definir o sentido de conceitos jurídicos indeterminados e decidir o confronto entre regras, que se põe em conflito num caso concreto e entre princípios e regras, que se encontrem dentro ou fora do sistema constitucional.(BARCELLOS, Ana P. Alguns parâmetros normativos para a ponderação constitucional. In:A nova interpretação.. org. BARROSO, L. Roberto., op. cit., 56). 156(ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios...., op.cit. p.58).

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princípio pode ter mais relevância no atendimento dos valores fundamentais. Aliás, sobre

isso, confiram-se as valiosas lições de PIRES. 157

Os princípios relacionam-se, portanto, com os valores que prestigiam. Ou em

outras palavras: os princípios têm uma dimensão de peso e importância, por isso, sua aplicação se dá por uma ponderação de valores (ou ponderação de interesses), o que deve ocorrer diante do caso concreto.

Essa técnica é vista com muita freqüência nos Tribunais, conforme os dois

exemplos que se seguem envolvendo o princípio da liberdade 158

(...) Como conseqüência dos documentos apresentados, a concessão da

liminar pleiteada é medida que se impõe. Com efeito, a manutenção da publicidade poderá causar danos irreparáveis às pessoas, em especial aos menores, que assistem à programação da ré, que ficam expostas „a grosseiras imagens contendo cenas explícitas de perversão sexual (sadomasoquismo)‟. O direito a informação e a liberdade de expressão não se confundem com a falta de observação dos usos e costumes da sociedade e, principalmente, com a falta de observação da dignidade da pessoa humana (...).

(...) CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - Quando a liberdade de

imprensa entrechoca-se com o direito de personalidade, como a honra, reputação e imagem, prepondera para a decisão do conflito, o valor interesse público da reportagem, de modo que se o editorial do jornal local comenta a aliança de políticos, para angariação de votos pelo uso da máquina administrativa, na antevéspera da eleição, prestigia-se a licitude da informação histórica do fato (art. 27, VIII, da Lei 5250/67 e 220, § 2º, da CF) - Improcedência da ação mantida, preservada a verba honorária corretamente arbitrada (art. 20, § 4º, do CPC). 159

Ponderar e valorar são passos necessários na aplicação e concretização das

idéias fundamentais que emergem nos princípios. 160

157(PIRES, L. M. Fonseca. Loteamentos urbanos..., op. cit., p. 32). 158ACP, 000.02.201689-9, MPxMTV Brasil, 12ª. V.C, São Paulo, j. Paulo A.A. Salles, data 04/11/2002. 159Apelação Cível n. 130.312-4/2 - Altinópolis - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ênio Santarelli Zuliani - 11.02.03 -v.u. Confiram-se ainda outras palavras sobre os conflitos principiológicos: Num contexto fático em que vem à baila a liberdade de imprensa (a justificar a divulgação de uma notícia) e a proteção à imagem (a pretender obstaculizar a difusão ou a reparar mediante indenização), há um conflito de princípios – a generalidade da força normativa, primordialmente pelo aspecto qualitativo dos valores que as duas normas consagram, não deixa dúvidas a respeito da natureza jurídica destas prescrições: são princípios. Neste exemplo – a liberdade de imprensa e a proteção à imagem - os direitos fundamentais encontram guarida na própria Constituição Federal de forma estrutural, é dizer, fundamentam certos valores consagrados pelo legislador constituinte como indispensáveis para a consagração da sociedade justa e solidária; o grau de generalidade destes direitos fundamentais externa a natureza principiológica das normas. (In:PIRES, Luis M.Fonseca. Loteamentos..., op. cit., p. 34) 160(BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica..., op. cit., p. 227).

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O seu nível de abstração é tão alto que não nos indicam quais os momentos em que devem ser aplicados e a quem devem ser dirigidos. Ganham feição, portanto, de autênticos valores, que incidirão em todas ocasiões possíveis.

2.3.2.3. Os princípios no direito privado

Os princípios mantêm-se em harmonia, pois se voltam à otimização do sistema

normativo161, o que permite reconhecê-los como mandamentos nucleares do sistema

jurídico, direcionando e concretizando a aplicação das normas jurídicas.

Não se confundem com valores, pois posicionados no plano deontológico

(dever ser), obrigam a adoção de condutas necessárias que efetivem aquele estado; já

os valores estão no plano axiológico, apenas atribuem qualidade positiva a determinado

elemento.162

Essa diferença entre princípios e os valores jurídicos foi comentada por

BARROSO:163

A questão concernente à diferença entre princípios e valores jurídicos é

polêmica. Robert Alexy em lição muito bem reproduzida, afirma que a distinção decorre do fato de que os princípios situando-se no universo deontológico, do dever ser, pois contêm mandados juridicamente obrigatórios, enquanto que os valores apontam para o universo axiológico, apontando para o que é bom em cada caso, e não para o que é devido, contrariamente ao que ocorre com os princípios.

Por fim, os princípios se aproximam dos direitos fundamentais, mas

reconheçam-se nos últimos, pautas de valores, a fim de que sejam adotados como

comportamentos necessários, de modo a realizarem <<um estado de coisas>>.164

161Sobre as inflexibilidades das normas jurídicas:as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirmado no seguinte sentido; se há circunstâncias que excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e incompleta. No nível teórico, ao menos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidade dessas exceções e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação (de exceções), mais completo será o enunciado da regra. (GRAU, Eros. A ordem..., op. cit., pp. 89-90). 162Idem, ibidem. 163BARROSO, Luiz R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. (In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº. 225, 2001, p. 5-37). 164AVILA, Humberto. Teoria...., op. cit, p. 80).

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Diversos princípios informam o direito privado, destacando-se apenas alguns,

não somente pela limitação imposta pelo trabalho teórico, mas porque a referência são

as relações jurídicas de consumo.

Vejamos:

a) A dignidade da pessoa humana

Princípio tão substancioso no direito privado quanto o princípio da autonomia

privada.

Ressalte-se que, embora seja ideário de ações caritativas e de muitos trabalhos

jurídicos teóricos, o princípio da dignidade da pessoa humana é pouco manejado pelos

que tecnicamente resolvem questões concretas.165

Na verdade, esse é o maior de todos os compromissos que inspiram a ciência

jurídica e os que dela se utilizam, núcleo central da axiologia jurídica, rege todos os

outros princípios e, por isso, deve ser prestigiado em todas as relações jurídicas.

A dignidade da pessoa humana166 é pilar do direito contemporâneo, pois na

atualidade a prioridade não se refere mais à tutela das liberdades individuais. 167

165(...) É como se a ciência do direito regesse dois palcos de atuações. (...) atuariam os juristas políticos que dizem coisas bonitas “politicamente corretas”, são contra a pena de morte..., os encarcerados, os excluídos. Nesse mesmo palco atuam entidades que „fazem caridade‟, cumprindo um papel do direito não imposição coercitiva, mas por exercício de vivência altruísta benemérita, e muito louvável, diga-se de passagem. (...) atuam os juristas “técnicos” que aplicam a lei com o máximo de requinte argumentativo, e cavam decisões judiciais. Decisões, que muitas vezes, desrespeitam a vida e a liberdade..... (...) médicos que prestam se prestam a realizar cirurgias “estéticas” que enfeiam e ridicularizam; economistas que afirmam o entrave do crescimento econômico do País à falta de celeridade do tribunal em apenar o devedor, tomando-lhe o bem adquirido e não pago.. São empresas que fabricam armas que não devem ser consumidas; administrações públicas que não sabem separar o criminoso das organizações marginais do que cometeu um crime passional, e assim por diante. (NERY, Rosa. M. de Andrade. Proteção civil da vida humana. In: PENTEADO, Jaques de C. (Org.) et al. A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999, p. 462). 166(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, Ingo, apud GAMA, Guilherme C. N. de. A função social..., op. cit., p. 27). 167BODIN DE MORAES, Maria C. anota: A tutela da liberdade (autonomia) do indivíduo foi substituída pela noção de proteção à dignidade da pessoa humana tanto na elaboração dogmática, na interpretação e aplicação das normas. (In: Constituição e Direito Civil: Tendências, As novas relações civis. XVII - Conferência Nacional dos Advogados. Rio de Janeiro, 1999).

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Associam-se aos direitos fundamentais, expressão de valores civilizatórios que

se incorporaram ao patrimônio da humanidade, não simples utopia, constitui garantia de

subsistência mínima.168

Advirta-se, nesse aspecto patrimonial, a dignidade da pessoa169 não se afasta

de sua característica básica. 170

A dignidade é o valor próprio e extrapatrimonial da pessoa humana, especialmente no contexto do convívio na comunidade, como sujeito moral. Não há dúvida de que todos os interesses têm como centro a pessoa humana, a qual é foco principal de qualquer política pública ou pensamento, sendo imperioso harmonizar a dignidade da pessoa humana ao desenvolvimento da sociedade e, conseqüentemente, do progresso científico e tecnológico, porquanto este deve tender sempre a aprimorar e melhorar as condições e a qualidade de vida das pessoas humanas, e não o inverso.

b) A autonomia privada

Outro princípio essencial do direito privado é da autonomia privada, distinta

diga-se da autonomia da vontade171, esse último referente aos elementos psicológicos da

vontade.

Pela autonomia privada realiza-se a liberdade econômica:172

(..) poder reconhecido pela ordem jurídica ao homem, prévia e necessariamente qualificado como sujeito jurídico, de juridicizar a sua atividade (designadamente, a sua atividade econômica), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos.

168BARROSO, Luís R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. (In: A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Org. Luís R. Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1-48). 169A presente tese defende a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipóteses alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores. (FACHIN, Luiz E. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001). 170GAMA, Guilherme C. N. da. Função social... op. cit., p. 25. 171Autonomia privada, autonomia da vontade e a iniciativa privada não se confundem, pois representam categorias diversas. Com efeito, autonomia da vontade é aspecto psicológico e subjetivo dos sujeitos, o sinal adequado da real representação entre a vontade interna e a declarada. Já a iniciativa privada vincula-se à vontade livre, consciente do sujeito e o retrato fiel à sua declaração. Finalmente a autonomia privada como princípio informador do direito privado. 172PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 11.

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Funciona como poder que o sistema jurídico outorga ao indivíduo, permitindo-

lhe realizar negócios, criar normas vinculantes173, poder que se exterioriza, via de regra,

na propriedade ou nos negócios jurídicos. Embora grandioso não é ilimitado.174

A autonomia privada desafia, por isso, o verso e o reverso de uma mesma

medalha. É a um só tempo a confirmação da evidência de um espaço jurídico livre da ingerência do Estado, destinado a normatividade particular; de outro lado em sentido contrário, é a constatação da existência de reserva de um espaço de incidência apenas de normas cogentes, exclusivo do exercício do poder, vetado à liberdade negocial.

Nas relações jurídicas de consumo esse princípio é mitigado, com reflexos

diretos na liberdade contratual.175

c) A boa-fé objetiva

Esse princípio é universal e consiste em não prejudicar quem quer que seja,

diretriz que conduz a humanidade ao bem e a eternidade.176

Essa é a tradução da boa-fé, vista na contemporaneidade de dois modos:

subjetiva e objetiva.

No aspecto subjetivo a boa-fé relaciona-se com a atitude psicológica previsível

que deve ser adotada por pessoa honesta e respeitadora das normas e regras. Já na

173ABREU FILHO, José de. O negócio jurídico e sua teoria geral. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 43. 174NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução..., op. cit, p. 239. 175A liberdade contratual, na lição de Orlando Gomes, consiste na particularização do princípio da autonomia da vontade do direito contratual e abrange os poderes de auto-regência de interesses, de livre discussão das condições contratuais e, por fim, de escolha do tipo de contrato conveniente à atuação da vontade´. Manifesta-se em três aspectos a) liberdade de contratar propriamente dita, b) liberdade de estipular o contrato e c) liberdade de determinar o conteúdo do contrato. (MALFATTI, Alexandre. Liberdade contratual. In: Cadernos de direito civil constitucional. Cad. 2. Curitiba: Juruá, 2001, p. 15-41) 176(...) Quando o homem passa a ter consigo o sentido da eternidade, e a pressentir um novo tempos após a morte, inicia-se o processo de ter de se conduzir de acordo com as prescrições que lhe são ditadas por sua própria consciência, ligadas à utilidade que seus atos possam vir a ter como valor critério de seus méritos para o futuro, como valor de determinação futura do bem e do mal e dessa nova vida, pós-morte. (...) documento do Egito antigo, da 12ª dinastia (2000-1788 a.C) (...) palavras proféticas de um sábio que observa que os ricos serão pobres e os pobres ricos, num outro tempo e, que por isso é preciso conduzir-se de forma a não aumentar a miséria ou locupletar-se dos que sofrem. (...) entre os gregos, apesar de não identificar-se o sentimento de amor ao próximo, nem a idéia de responsabilidade social pelo semelhante, privilegia-se a ajuda ao amigo na medida em que isso é útil ao bem comum. (NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução...., op. cit., p. 242).

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ótica objetiva, o princípio é inerente aos negócios, funcionando como elemento de

superior confiança, de lealdade, cujo proveito vai além dos que se relacionam

diretamente, pois toda a sociedade tira proveito.

Se a boa-fé subjetiva é desejável, indispensável no exame da validade dos

negócios, à pretensão do trabalho está voltada ao significado da boa-fé objetiva nas

relações de direito privado, pois a sociedade massificada, de negócios

despersonalizados, exige criação de plataformas mínimas de sobrevivência, modelos de

conduta que todos devem observar. 177

Já a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo

objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal.

Esse princípio foi consagrado no diploma civil brasileiro em várias

oportunidades, ocupando destaque num dos três paradigmas (eticidade, socialidade e

operabilidade) adotados pelo saudoso jurista Miguel Reale.

A boa-fé objetiva é multifuncional178, mas o aspecto que mais interessa ao

escopo desse trabalho é o integrativo, pois dela emerge um sem número de deveres

principalmente para os que se envolvem em negócios jurídicos.

A função integrativa da boa-fé resulta do art. 422 do Código Civil. Integrar

traz a noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte –deveres anexos ou laterais-, propiciando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

177REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. In: O Estado de São Paulo, Caderno A2, d. 16.08.2003). 178ROSENWALD, Nelson et al. Código civil comentado doutrina e jurisprudência. Org. Peluso, Cezar. São Paulo: Manole, 2007, p. 315). Para fins didáticos é interessante delimitar as três áreas de operatividade da boa-fé no Código Civil de 2002. Desempenha papel de paradigma interpretativo na teoria dos negócios jurídicos (art. 113); assume caráter de controle, impedindo o abuso do direito subjetivo, qualificando-o como ato ilícito (art.187); finalmente, desempenha função integrativa, pois dela emanam deveres que serão catalogados pela reiteração de precedentes jurisprudenciais (art. 422).

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d) direito privado e o princípio da responsabilização civil

Também conhecido como princípio da imputação civil de danos, nele verifica-se

a importância dada pelo sistema aos direitos fundamentais, homem e sua dignidade

ocupando o centro das atenções.

A responsabilidade civil pelos ilícitos é resposta adequada dada pelo sistema à

tutela jurídica da pessoa, vista como individualidade ou na posição de titular de direitos

coletivos e difusos.

A responsabilidade civil dos fornecedores de produtos e serviços de consumo

terá tratamento oportuno no presente trabalho, mas importa considerar o seu papel

relevante tanto nos assuntos extracontratuais (v.g. acidentes de consumo) como nos

temas contratuais no qual empresta vigor e respeito aos direitos e deveres.179

Deve-se ter para com o princípio da imputação civil dos danos, do direito de

obrigações, uma especial consideração. É ele o que se liga mais próxima e vivamente o vínculo lógico que existe entre o direito e a economia. É justamente na equação necessária que se deve elaborar para possibilitar, pela técnica jurídica, a satisfação do credor é que se colocam limites que respeitam o fluxo econômico-patrimonial do devedor e do mínimo necessário à sua sobrevivência.

e) O princípio da socialidade e da eticidade no direito privado

Outro aspecto relevante para o direito privado é o princípio da socialidade,

principalmente porque é nesse que se encontra a raiz da funcionalização dos direitos.

O debate sobre o interesse público e social não ocupa mais as bases exclusivas

do direito público, pois presente também nas relações privadas, pois, de fato, o princípio

da socialidade visa harmonizar a liberdade individual (autonomia da vontade) com os

interesses da coletividade (função social), relaciona-se também com a moral social.180

179NERY, Rosa M. de. Introdução.... , op.cit. p. 262. 180THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 36.

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No direito privado sua aplicação originou-se pelas imposições feitas pelos

tribunais franceses contra o abuso de direito dos proprietários.

No Brasil a socialidade está presente no direito de propriedade, mas não é o seu

campo exclusivo, pois presente em todos matizes do direito.181

Da socialidade emergem dois outros princípios, justamente o da função social

do direito privado e função social da própria empresa.

Com efeito, a função social não rege apenas a propriedade, elemento estático

da riqueza, mas alcança a empresa, considerada como o aspecto dinâmico da

propriedade. Também o contrato, justamente o instrumento que permite a fluidez e

circulação da riqueza.182

Sobre a funcionalidade do direito privado haverá mais à gente nova

oportunidade para abordá-la, mas não se perca de vista, o objetivo último da humanidade

é aperfeiçoar a passagem dos indivíduos na Terra, missão que envolve respeito às

normas e aos valores máximos da sociedade.

Essa é a tendência do pós-positivismo, que engendrou novos rumos ao direito

civil contemporâneo contrário ao individualismo e assumido na defesa da socialidade e

da eticidade.

O máximo social revelado na solidariedade política, econômica e social,

aspectos, enfim, que inundaram os institutos jurídicos se resume no princípio da

181 SZANIAWSKI, Elimar. Aspectos da propriedade imobiliária contemporânea e sua função social. (In: Revista de direito privado. São Paulo: RT, 2000, v.1, n. 3, p 126-156). NERY, Rosa M. de Andrade faz alusão a vários momentos de reconhecimento do princípio, direito das sucessões, família, contrato, empresa e direito real. (Introdução..., op.cit., p. 244-245). 182 LOBO Netto, Paulo L. Princípios sociais dos contratos no código de defesa do consumidor e no novo código civil. (In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, nº. 42, 2002, p. 187-195).

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socialidade. Aliás, LOUREIRO lembra que a expressão <<social>> tem conteúdo

variado:183

(...) expressões diversas, como bem estar social, utilidade social, interesse

social, fim social. Como sintetiza Stefano Rodotá, todas as expressões reconduzem ao máximo social. (...) É o meio de alcançar o estabelecimento de relações sociais mais justas, de promover a igualdade real.

Entretanto, há séculos apresentou-se vinculada à propriedade, pouco a pouco

assumiu os contornos contratuais e nos negócios jurídicos, ambos aspectos dinâmicos

da mesma riqueza.

Essa passagem é a própria valorização da pessoa humana, pois os homens

não são mais considerados simples sujeitos de direitos, mas objeto central da proteção

jurídica.

O direito privado contemporâneo se funcionalizou como técnica, desvalorizando

o individualismo, priorizando o social, o coletivo e, a solidariedade social. 184

Isto significa que o individuo, elemento basilar e neutro do direito civil

codificado, deu lugar, no cenário das relações de direito privado, à pessoa humana, para cuja promoção se volta à ordem jurídica como um todo. (...) A pessoa humana, portanto – e não mais o sujeito de direito neutro, anônimo e titular de patrimônio -, qualificada na concreta relação jurídica em que se insere, de acordo com o valor social de sua atividade, e protegida pelo ordenamento segundo o grau de vulnerabilidade que apresentas-, torna-se categoria central do direito privado.

A socialidade aperfeiçoa a proteção da dignidade humana, a justiça social,

incrementa a significação dos institutos clássicos, dentre eles a própria função social. 185

Solidariedade, socialidade, ordem pública e razões de interesse social

cadenciam regras e princípios relativos aos interesses dos indivíduos, reconstruindo o

183 LOUREIRO, Francisco E. Código Civil Comentado, op. cit., p. 1046. 184 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana. (In: Revista Trimestral de Direito. Rio de Janeiro: Padma, 2000, vol. 2, editorial). 185 GAMA, Guilherme C. N.da. Função social...., op. cit., p. 18.

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direito privado, concebido como instrumento do homem em busca de sua própria

história.186

O direito como técnica e também como ciência, é instrumento do homem para construção de sua própria história e para o domínio das coisas e dos acontecimentos do mundo. A técnica do direito passa por essa vicissitude: a) conhecer a natureza daquilo que compromete a segurança das relações entre os homens; b) identificar o que pode servir aos ideais da humanidade; c) realizar de forma prática esse saber.

A mesma trilha é deixada pelo princípio da eticidade, cujo escopo também é

valorizar o ser humano. Nesse aspecto, eticidade e socialidade vinculam-se. 187

Ambas - eticidade e socialidade – constituem perspectivas reversamente conexas, pois as regras dotadas de alto conteúdo social são fundamentalmente éticas, assim como as normas éticas têm afinidade com a socialidade. A distinção ora procedida, de cunho meramente metodológico, não faz mais do que assinalar ênfases, ora pendendo para o fundamento axiológico das normas, ora inclinando-se à suas características numa sociedade que tenta ultrapassar o individualismo, não significando, de modo algum, que uma regra ética também não se ponha na dimensão da socialidade e vice-versa.

Eticidade não deriva da moralidade subjetiva, mas é resultado da transição

dialética da moral individual para aquela que se materializa na relação com os

semelhantes. 188

Hegel lembra a origem comum dos dois termos, atribuindo-lhes, contudo, um significado lógico distinto, denotando diferenças importantes na elaboração da questão da moralidade. A moralidade hegeliana é uma figura do espírito, que inclui a consciência moral subjetiva, mas não é redutível a ela. A eticidade é uma figura do espírito que leva em conta a moralidade coletiva, objetivada em instituições sociais, sem esgotar-se nela. (...) insere na concepção de moralidade a idéia de uma consciência moral subjetiva, que sabe da existência de um todo social objetivado, que constitui a condição material de sua realização. Assim como a eticidade, enquanto moralidade institucionalizada nas formas sociais da família, da sociedade civil, do Estado, sabe da existência e da necessidade de atuação, no seu interior, de consciências morais subjetivas, singularizadas em indivíduos concretos.

186 NERY, Rosa M. de Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no sistema do direito privado. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, no.17, p. 65-70. 187(MARTINS COSTA, Judith, BRANCO, Gerson L.C. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 131). 188(FREITAG, Bárbara. Itinerários de Antígona - A Questão da Moralidade. São Paulo: Papirus, 1992).

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O direito convive com dualidades <<o individual e o coletivo, público e o privado,

lícito e o ilícito, justo e o injusto>>, pois bem, essa dualidade permite acomodação dos

interesses entre dois pólos de convivência harmônica.

Observa VIDIGAL, o homem, em sua realização pessoal, busca eternamente

aprovação perante seu grupo social. Do menor núcleo (família) à maior célula social

(países, mercados, grupos econômicos) o homem quer realizar-se perante o coletivo. 189

A ética, vista como elemento incondicional de sobrevivência ou como fator de

intangibilidade dos grupos, foi examinada por NERY. 190

Na análise do desenvolvimento da cultura, a marca antropológica constante é a da percepção da vivência grupal, principalmente a preocupação com a sobrevivência dos seus, porque a responsabilidade para com o grupo é de todos. Este é o código de ética dos núcleos primitivos: o resguardo incondicional da intangibilidade de cada membro do grupo, ainda que para atingir esse objetivo o homem tenha que ter convivido com o medo como emoção central e com a violência como instrumento primordial de superação de seus limites e de suprimento de suas necessidades.

Essa reafirmação dos valores coletivos difere da submissão havida nos regimes

totalitários, a luta pela realização individual, do grupo e da coletividade, passa pelo

respeito aos anseios alheios e aos da própria sociedade como um todo. 191

Esclareça-se, não são somente esses princípios citados os únicos que

convergem para a melhoria do direito e dos institutos. Aliás, todos os institutos jurídicos,

atualizados por mecanismos (v.g., princípios, cláusulas gerais), põem-se a serviço da

justiça, enfim, técnicas de aperfeiçoamento humano.

189(VIDIGAL, Geraldo C. Objeto do direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 73). 190(NERY, Rosa M. de Andrade. Apontamentos sobre o princípio da solidariedade no sistema do direito privado. In: Revista de Direito Privado. No. 17. São Paulo: RT, 2004, p. 65 ss). 191 Georges Ripert vê nos direitos, meio para que o homem se realize e exerça sua função na sociedade. (Apud. BARROS, W. Pacheco. A propriedade agrária e seu novo conceito jurídico constitucional. Porto Alegre: Ajuris nº 32, ano XI, 1984).

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De qualquer modo, realizar a justiça demanda a atualização do direito de modo

constante, relacionando-a a outras ciências de modo a manter-se a ciência jurídica sob

perspectiva sistêmica.

Pense-se na relação entre o direito e a economia, ambos revelam caráter

instrumental e funcional no desenvolvimento dos aspectos plurais da humanidade.

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3. DIREITO E ECONOMIA

Abordar de modo mais liberal o direito privado e colocá-lo no lugar correto, como

um dos instrumentos postos a serviço do homem, exige compreensão sobre a

plasticidade dos conceitos, como função social, empresa, relações de consumo e outros.

Exigem-se também muitas co-relações de temas, como a que necessariamente

deve ocorrer entre duas ciências <<Direito e Economia>>, que na esfera privada dos

interesses humanos, volta e meia enseja um processo dialógico.

Compreender isso demanda domínio de aspectos mínimos e peculiares a cada

uma das ciências

3.1. O Direito

A palavra <<direito>> é expressão que pode significar ordenamento ou norma;

autorização ou permissão; qualidade do que é justo; prerrogativas etc.

Nesse trabalho o significado assumido é de ciência jurídica192, e como qualquer

outra tem por escopo melhorar a vida dos homens.

Desde os primórdios o direito é encarado como meio sistemático e regular de

controle social. Essa é a visão de RÀO: 193

É o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que,

estabelecendo nas relações entre os homens uma proporção de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em conseqüência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo Poder Público.

192NERY, Rosa M. de Andrade. Noções preliminares de direito civil. São Paulo: RT, 2002, p. 14. ,193 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. At. Ovídio B. Rocha Sandoval. vol.1. São Paulo: RT, 1991, p. 31.

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Confortável os esclarecimentos de CANARIS, apoiando-se nas lições de

Savigny, que vê o direito como sistema unificado de institutos jurídicos 194, com tarefa

<<política, jurídica, prática>> de ajustar relações e condutas, missão essencial num

mundo de finitudes e limitações dos bens e serviços.

Ainda que sem grandes divergências, há sobre o termo cinco perspectivas

distintas.

Muitos, como Ihering, veem o direito como conjunto de normas coativamente

garantido pelo poder público: 195

Direito é soma das condições de vida social no sentido mais amplo do termo, assegurada pelo poder do Estado através dos meios de coerção externa.

Outros vêem o direito como faculdade ou poder, isto é, o poder moral ou

faculdade de exigir dos outros, ação ou inação. Aliás, o direito subjetivo expressa

corretamente essa idéia, pois, de fato, resume-se a faculdade de exercer aqueles atos e

a coexistência das liberdades.196

A terceira formulação, segundo MONTORO, relaciona o direito ao conceito de

justiça, isto é, retrata aquilo que é devido ou conforme a justiça. 197

A esse sentido é que se refere à definição de S. Tomás, segundo a qual

„direito é o que devido a outrem, segundo uma igualdade‟. É, também, a essa acepção de direito que se refere o famoso Ulpiano: „Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito‟ (...) A palavra direito é aí empregada no sentido do justo objetivo. É o bem devido a outrem, segundo uma igualdade.

194 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático..., op. cit., p. 10. 195 IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. (In: Os grandes filósofos do direito, org. Clarence Morris. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 400-438). 196 Kant, imbuído dessa premissa, traçou o seguinte princípio universal do direito: Toda ação é justa quando, em si mesma, ou na máxima da qual provém, é tal, que a liberdade da vontade de cada um pode coexistir com a liberdade de todos, de acordo com uma lei universal.(KANT, Immanuel. A doutrina do direito. In: Os grandes...., ob. cit., p. 235-259). 197 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: RT, 2000, p. 39.

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Outros pensadores encaram o direito como ciência, pois sistematicamente

expõe os fenômenos da vida jurídica, determinando suas causas, utilizando-se da razão

discursiva, isto é, argumentos, raciocínios, provas e principalmente a experiência.

Por fim, o direito visto como fato social, expressão própria da sociologia jurídica,

cuja adesão entusiasmada de Benjamin CARDOZO não pode deixar de ser tocada.

Por fim, quando as necessidades sociais pedem uma instituição em vez de outra, há momentos em que precisamos desviar a simetria, ignorar a história e sacrificar o costume na busca de outros fins maiores. Passamos, portanto, da história, da filosofia e do costume para a força que em nosso tempo e geração está se tornando a maior força de todas, o poder da justiça social que encontra seu meio de expressão no método da sociologia. 198

Plástico e extremamente flexível, o termo <<direito>> permite interpretações

diversas. Ressalta NERY, apoiando-se nas lições de Villey, outras formas de se ver o

direito: concebido como arte jurídica199; como técnica instrumental do poder200; como

ciência ou técnica da justiça.

Conceitualmente e ordinária a presença de dois elementos, tidos como

essenciais no direito: argumento e força.201

(...) o direito é um corpo de procedimentos regularizados e de padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios, e para sua resolução através de um discurso argumentativo, articulado com ameaça de força.

198 CARDOZO, Benjamin N. Os métodos da história, da tradição e da sociologia. (In: Os grandes filósofos do direito. org. Clarence Morris. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.521-542). 199Rosa Nery recorda-se das proposições de Carnelutti sobre a arte jurídica, fazendo alusão à figura por ele utilizada, do arco de uma ponte, comparando-o com o povo e o Estado. Enfim, o direito serve como taipa de apoio, unindo os homens e mantendo a estabilidade do Estado (Noções preliminares..., op. cit., p. 20). 200O direito como instrumento de manutenção do poder: Um arcabouço lógico e bem elaborado, em estrutura concreta e seqüencial de normas existentes e válidas, como o concebeu Kelsen; um aparato metódico e simétrico do positivismo lógico, pode atender perfeitamente à proposta de arquitetura política de segurança formal da sociedade, preencher os requisitos daquilo que se entende por lógica da segurança do Poder, mas não, necessariamente, cumprir a finalidade científica de investigação, porque dissociado ao compromisso de atender à consciência ética do homem, que, afinal, é a finalidade de toda Ciência. (idem, p. 22) 201Para Boaventura dos Santos a ordem normativa é formada por várias ordens jurídicas. Em particular sobre seis conjuntos estruturais de relações sociais, reduzidos ao direito doméstico ou espaço doméstico; direito da produção (espaço da fábrica ou da empresa); direito da troca (mercado comercial); direito da comunidade; direito territorial ou estatal (cidadania); direito sistêmico (espaço mundial). (SANTOS, Boaventura de S. A crítica da razão indolente:Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez Editora, 2000, p. 290/303).

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Entretanto, o direito, mais do que instrumento de dominação, é ferramenta útil

de emancipação.202 Aliás, emancipar a humanidade e realizar a justiça são os elementos

lapidares que dão significância ao direito.203

Justiça, de fato, é o primado e o escopo do universo jurídico: 204

A presença, pois, da justiça como uma espécie de código de ordem superior, cujo desrespeito ou violação produz resistência e cuja ausência conduz à desorientação e ao sem-sentido das regras de convivência, pode-nos levar a admiti-la como um princípio doador de sentido para o universo jurídico. (...) As discussões modernas sobre a justiça costumam encará-la sob dois aspectos que poderíamos classificar da seguinte maneira. Em seu aspecto formal, ela aparece como um valor ético-social de proporcionalidade em conformidade com o qual, em situações bilaterais normativamente reguladas, exige-se a atribuição a alguém daquilo que lhe é devido. Trata-se da idéia clássica do „suum cuique tribuere‟, que reclama num segundo aspecto, a determinação daquilo que é devido a cada um. A conformidade ou não com critérios sobre o que e a quem é devido é o problema do aspecto material da justiça.

Sob esse ponto de vista, o direito somente tem importância em sociedades

civilizadas, isto é, naquelas em que sejam aceitas a multiplicidade de ferramentas

destinadas à harmonização de interesses. 205

Mas a importância do Direito na sociedade, como elemento eficaz para torná-

la mais justa e harmoniosa, como elemento capaz de realizar Justiça, depende de outros fatores e de outras ingerências do conhecimento que precisam ser bem compreendidas pelos intérpretes dos fenômenos jurídicos e, por vezes, escapam (ou transbordam) dos limites da chamada Ciência Jurídica.

A visão interdisciplinar otimiza a busca pela justiça e harmonia, aproxima o

direito de outros ramos da ciência (sociologia, antropologia, política, economia, dentre

outras).

202(...) o direito é sempre e também no modo de produção capitalista, um instrumento de mudança social para ser dinamizado nessa função, ao sabor dos interesses bem definidos. (GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 57). 203 Sobre justiça: A ação justa é um meio termo entre o agir injustamente e o ser tratado injustamente, pois no primeiro caso se tem demais e no outro se tem muito pouco. (...) A justiça se relaciona com o próximo e se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou de dinheiro, ou de outras coisas, que devem ser divididas entre os cidadãos. (Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro V, p. 68). 204 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução..., p. 348. 205 NERY, Rosa M. de Andrade. Noções..., op. cit., p. 17.

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Na análise proposta, sobre a função social da empresa nas relações de

consumo, imprescindível estudar e correlacionar o direito à economia.

3.2. A Economia

Nas palavras de Rizzieri a economia traduz-se em “(...) a ciência social que

estuda a administração dos recursos escassos entre usos alternativos e fins

competitivos”.206

„Oikos‟ e „nomos‟, isto é, a arte de bem administrar uma casa ou

estabelecimento particular ou público207; para outros é compreendida como ciência, cujo

objeto é o estudo das relações econômicas cuja finalidade é o consumo.208

Sob a perspectiva constitucional o sentido é mais amplo, conforme expresso no

capítulo sobre a ordem econômica nacional.

Claro, as relações econômicas voltadas ao consumo, lucro, capital e outros

aspectos não podem ser olvidados, mas nítido que os homens não podem ser vistos

como simples agentes das relações econômicas. 209

Na verdade, a idéia é colocar a economia a serviço da humanidade, o que, aliás,

já fora observado por Aristóteles210 e antes dele os estudos realizados já no século IV,

a.C. por Kautilya.211

206 RIZZIERI, Juarez A. Baldini. Manual de Economia. Introdução à economia. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 43. 207 CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p.283. 208SILVA, Adelphino Teixeira da. Iniciação à economia. São Paulo: Atlas, 2000, p. 15. 209A mundialização trouxe um fator mais grave ao econômico, pois é fator determinante, mas pode trazer efeitos indesejáveis. Vejamos:(...) a transnacionalização da esfera pública ocorrida com a globalização econômica implicou a desterritorialização da política, fazendo com que esta transcendesse às fronteiras do Estado-nação, peculiaridade que engendrou o declínio da participação política dos cidadãos e a perda do espaço político para a conquista da defesa dos direitos granjeados no seio do Estado moderno, produzindo conseqüências no âmbito político e jurídico. (LIMA, Abili L. Castro de. Globalização econômica, política e direito – análise das mazelas causadas no plano político jurídico. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002, p. 349). 210 ARISTÓTELES. A política Trad.Roberto Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.46. 211 Esse sábio indiano (séc. IV a.C) em sua obra “Arthashastra” (instruções para prosperidade material) inspirou muitos economistas, contabilistas, políticos. Kautilya é pioneiro como pensador sobre o fenômeno patrimonial. (BATH, Sergio. Arthashastra/Kautilya: o Maquiavel da Índia. Brasília: UNB, 1994).

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A economia para esses pensadores era algo a serviço do homem; cuja virtude

principal era encontrar meios de disponibilizar recursos para o bem de todos.

Desde os tempos mais remotos, assim como no direito, a busca pelo justo é o

principal escopo da economia. Baseado nisso HAWTREY, aliás, desenvolveu a

concepção de justiça econômica. 212

Estudando a justiça, Hawtrey parte do conceito atual de bem estar, após

considerá-lo um „fim‟ da ação humana em geral e da ação econômica em particular, e o antepõe aos códigos e às regras da moral. Afirma que em nome da justiça é que clamamos por igualdade econômica, salientando que esse clamor tem vários aspectos distintos.

Nisso a ciência envolve-se num complexo binômio <<limitação dos recursos e

ilimitadas necessidades humanas>>, o que é mais intrigante, quando se examina a

concentração de grandes fortunas.

Esse e outros desvios (v.g. concorrência desleal, concentração de tecnologia de

processos produtivos, protecionismo excessivo de mercados) trazem dificuldades, mas

não anulam essa idéia de justiça << a cada um segundo suas necessidades>>.

Há proximidade entre a economia e a justiça distributiva << dar a „outrem‟ o que

lhe é „devido‟ segundo uma „igualdade‟>>.213 O que, sob a ótica aristotélica214, implica em

proporcionalidade geométrica, isto é, honras e bens distribuídos aos interessados

segundo seus méritos, mas a cada um distribui-se o dever de participação no bem

comum, observada também a igualdade proporcional.215

212 HAWTREY. R.G. Economic Destiny, p. 210ss. Apud ALBINO de SOUZA. Lições de direito econômico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 19-20. 213 MONTORO, André Franco. Introdução..., op. cit., p. 173-211. 214 DEL VECCHIO. Justice, Droit, État. Paris: Sirey, 1938. 215Vejamos com Rui Barbosa:Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (In: Oração aos moços. Apud: MONTORO, André Franco. Introdução..., op. cit., p.190).

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Esse pensamento aplica-se a todas as instituições216, sem o que não se verá

participação eqüitativa217 no bem comum.

Aplica-se também às empresas, instituições que não se reduzem a simples feixe

de contratos ou de bens, governados exclusivamente pela comutatividade, mas também

pela justiça distributiva e social.

Compreendida por grandes pensadores da economia como instituição, a

empresa tem por fim o bem comum dos homens, que com ela cooperam.

No entanto, não é essa a perspectiva dos que vêem a economia como algo

absolutamente neutro, descomprometida com a ética, voltada a solucionar questões

logísticas e de engenharia.218

Assim como o direito, a economia compõe-se de dois argumentos distintos –

positivos e normativos. RIZZIERI219 recorda-se que os primeiros dizem respeito ao que

<<é>>, já os argumentos normativos ao que <<deveria ser>>.

Lamenta-se o grande número de intérpretes da economia moderna que se

limitam aos argumentos positivos, distantes de valores ético-normativos sobre o

comportamento humano real. Confiram-se o entendimento de MARTINEZ:220

As doutrinas e ensinamentos em economia desprovidos de conteúdos normativos concebem a ciência econômica como que subordinada a um princípio de neutralidade. A ela estaria reservado o papel de fixar o encadeamento natural e causal dos fenômenos econômicos, formulando, então, juízos de existência e não juízos de valor.

216Instituição é o bem comum organizado (RENARD, G. La théorie de l‟institution. Paris: Recueil Sirey, 1930, lição II, p. 67). 217A equidade não deixa de ser fiel ao princípio da igualdade, mas como o senso de equilíbrio é conforme as circunstâncias concretas, os juízos eqüitativos não podem ser generalizados para todos os casos (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução..., op. cit., p. 346-351). 218Também: W.Petty, F.Quesney, Leon Walras e outros citados por (PETTER, L. Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica, o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: RT, p. 42-3). 219 RIZZIERI, Juarez A. B. Manual..., op. cit. 220 MARTÍNEZ, Pedro S. Economia política. Coimbra: Almedina, 1996,p. 43.

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Claro que em toda ciência há certo grau de neutralidade, o que contribuiu para o

desenvolvimento da economia, elaboração de premissas importantes como oferta,

liberdade econômica, dentre outras, mas isso não reduz o objeto da economia, pois há

outros aspectos da vida que devem ter sua atenção.

Ronald Coase em 1978 registrou em sua obra <<Economics and Continguos

Disciplines>> , a proximidade da economia com outras ciências, acreditando, com certo

exagero, na maior eficiência da economia. 221

Aquele economista e fundador da Escola de Chicago222 via que a economia,

quando comparada com outras ciências sociais, tem paradigmas claros, o que favorece

projeções mais exatas e mais extensas. Enfim, explicações mais racionais sobre os

padrões de comportamento humano. 223

El paradigma de la economía junto con el mayor poder explicativo del enfoque económico para todos los patrones del comportamiento humano explica por qué los economistas han emigrado hacia otras disciplinas en lugar de que, por ejemplo, los sociólogos se pasaran a la economía.

Há apegos excessivos com a neutralidade e a objetividade, isso, em certa

medida, explica o alto grau de insatisfação com as análises econômicas, principalmente,

quando comparadas com dados da realidade social, seja das comunidades menos

desenvolvidas, seja de toda aldeia global.

221 Em 1978, Coase apontou razões que levaram os economistas a se ocuparem de questões, típicas de outras ciências sociais, o que expandiu o enfoque econômico de forma mais eficiente. Os processos das ciências sociais, incluindo a econômica, foram comparados com processos similares aos das ciências naturais. (Economics and Continguous Disciplines, Journal of Legal Studies, p. 201. Apud BRENNER, Reuven. Economía: una ciencia imperialista? Derecho y Economía: una revisión de la literatura. Compilador André Roemer. México: ITAM–Instituto Tecnológico Autônomo de México, 2000, p.91-99). 222 Sobre a Escola de Chicago confiram-se os esclarecimentos item 3.5 infra. 223 Em tradução livre: O paradigma da economia, com capacidade explicativa maior para todos os padrões de comportamento humano, explica porque economistas emigraram de outras disciplinas. (BRENNER, Reuven. Economía: una ciencia imperialista? Derecho y Economía. op.cit., p.94).

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Diversidade e contradições nas conclusões, <<não é incomum a falta de

acordos sobre as causas de grandes problemas econômicos, enfrentados pelas

sociedades>>, dificultam a definição clara da abordagem correta dobre os problemas.224

Há consenso sobre o indevido enfoque econômico, de tomar o comportamento

humano facilmente ajustável aos planos de maximização de resultados. Na verdade, as

necessidades humanas podem se equilibrar com as necessidades empresariais, a vista

que entre ambas há muita influência e ligação.

3.3. Interligações e influências

Correlacionar as duas ciências é algo indispensável, pois inegável a interligação

entre elas, seja na micro-economia (antidumping, livre concorrência, comércio

internacional), como também na abordagem de outros temas específicos.225

Todavia, no âmago do trabalho, a relação entre as ciências é axiológica, pois

espécies de ciências humanas têm o mesmo valor e finalidade - ambas servem aos

homens. 226

224Confiram-se dois prêmios Nobel de Economia. Stiglitz dá a solução para países em desenvolvimento: absorver experiências positivas de crescimento e desenvolvimento econômico sustentável. Já North pontua: Primeiro porque o mundo de hoje é muito diferente do de ontem. (....) „Segundo, porque os economistas ainda não aprenderam a identificar o que move as pessoas a fazer suas escolhas, ou melhor, o que faz com que certas crenças surjam em uma determinada população, e não em outra. (BILLI, Marcelo. “Duelo de Titãs, Desenvolvimento vira divergência entres Prêmios Nobel”. Folha de São Paulo, p. B-4, Dinheiro, 01/04/06, artigo sobre a reunião em Belo-Horizonte, organizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID). 225Pensamos que a maioria das manifestações de mútua influência jurídico-econômica deve ser tomada como correlação. Seus efeitos, mais ou menos sensíveis, não são registrados com precisão matemática das funções, porém com aquela reação que denota desgastes de ordem psíquica e sua posterior caracterização social, decorrentes da acomodação dos fatos, da decrescente capacidade de antepor obstáculos igualmente enérgicos a causas repetidas, da formação do hábito ou da sua transformação em costumes. (ALBINO DE SOUZA, W.P. Lições...., op. cit, p. 13). 226Essa similitude não é pacífica:Na palestra de abertura do Congresso promovido pela Academia Internacional de Direito e Economia, em junho de 2002, seu eminente presidente, o doutor Arnold Wald, mencionava, por exemplo, que o tempo da Economia não é o tempo de Direito. (...) Mas a diferença entre a Economia e o Direito, e o sistema de justiça em particular, vai além da questão do tempo ou da questão que às vezes se menciona, de que justiça olha mais para trás na tentativa a de reconstituir um Estado anterior das artes, enquanto a economia olha essencialmente para frente, tentando prever e precificar – para usar um anglicismo hoje parte do economês nacional – o futuro. Neste sentido, é útil refletir sobre uma perspicaz observação do professor George Stigler, da Universidade de Chicago: „Enquanto a eficiência constitui-se no problema fundamental dos economistas, a justiça é a preocupação que norteia os homens do Direito (PINHEIRO, Armando C.. Direito e Economia num mundo globalizado: Cooperação ou confronto? In: Regulação pública da economia no Brasil. coord. Rogério Emílio de Andrade. Campinas:Edicamp, 2003, p. 1-38).

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Nesse aspecto, a ordem jurídica funciona como uma malha protetora de todas

as atividades humanas, inclusive as econômicas, que influenciam também todas as

outras atividades (culturais, educacionais, saúde etc).

Forma legítima de composição de conflitos, a ordem jurídica dá sustentação às

opções e planos econômicos. 227

(...) se tivermos em mente que um fato só pode ser considerado econômico em função da repercussão que terá na atividade econômica, e que esta se constitui de condutas que se verificam no meio social, condutas que adotam um determinado valor como referencial, e que tal valor surge da ponderação dos interesses em conflito na sociedade, e estabelecido já que é ao Direito que incumbe dita ponderação, para que o interesse tido por mais valioso se realiza, a relação entre Economia e Direito se torna patente

Há influência recíproca entre os fatos jurídicos e econômicos., muito embora,

pós-globalização228, o fato econômico passou a exercer influência superior.

Na atualidade, contudo, inclusive na economia norte-americana, clama-se por

maior limitação ao exercício da atividade econômica229, buscam-se regramento e

regulação em benefício da ordem social, à estabilidade geral e a própria segurança dos

negócios.

227 CAMARGO, Ricardo A. L. Breve introdução ao direito econômico. Porto Alegre: Fabris, 1993, p. 24. 228Como todo conceito imperfeitamente definido, Globalização significa coisas distintas para diferentes pessoas. Pode-se, no entanto perceber quatro linhas básicas de interpretação do fenômeno: (i)- globalização como uma época histórica; (ii)- globalização como um fenômeno sociológico de compressão do espaço e tempo; (iii) globalização como hegemonia dos valores liberais; (iv) globalização como fenômeno socioeconômico. (...) Dada as distintas interpretações sobre o conceito, e a maneira pouco precisa em que, em alguns casos, este é discutido, preferimos optar por uma definição simples e facilmente mensurável. Definimos globalização como o processo de integração de mercados domésticos, no processo de formação de um mercado mundial integrado (PRADO, Luiz C. Delorme. Globalização: Notas sobre um conceito controverso. http://www.ie.ufrj.br/prebisch/pdfs/17.pdf, acesso em 09.09.08). Sob outro ponto de vista: o conceito de globalização não descreve o processo como um todo, mas o faz tão somente de um certo ponto de vista. Junto com a globalização do grande capital, ocorre a fragmentação do mundo do trabalho, a exclusão de grupos humanos, o abandono de continentes e regiões, a concentração da riqueza em certas empresas e países, a fragilização da maioria dos Estados, e assim por diante (BENJAMIN, C. et al., A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998, p. 33). 229 Especialmente nos episódios referentes à quebra dos mercados de ações e socorro de instituições financeiras no ano de 2008.

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Do mesmo modo, a atividade econômica domina o cotidiano social e se

desenvolve no limite jurídico da permissão e proibição, também utiliza códigos binários

(lícito/ilícito) que são próprios da ordem jurídica, assegurando-se as garantias individuais

e sociais.

O direito condiciona e determina os fatos econômicos e há verdade na

recíproca, como alinhavou CORRÊA: “Não há instituto jurídico no qual não se encontre,

pelo menos uma pitada de interesse econômico...”. 230

A interligação é notável, vários textos e discursos demonstram que a economia

projeta-se no ordenamento jurídico, refletindo novos costumes e interesses; o mesmo

ocorre com o ordenamento jurídico, pois se comunicando com a economia, protege

direitos e liberdades dos indivíduos.

Em resposta à maior complexidade do mundo moderno, as duas disciplinas

devem manter-se perfeitamente integradas, assegurando-se assim, a cada qual - direitos

e deveres, ambos colmatados na ordem social nacional e internacional.

Rotineiramente essa integração é posta em cheque, especialmente porque, o

tempo das duas disciplinas é nitidamente distinto.

Com efeito, análise jurídica quase sempre é mais lenta e cuidadosa, o que

desagrada aos economistas, ávidos por soluções ágeis. Exemplo recorrente é atribuir-se

à lentidão e interferência do Poder Judiciário causa do atraso no desenvolvimento

econômico, no desestímulo aos investimentos e negócios.231

230 CORRÊA, Oscar D. Direito e economia na virada do milênio, Dimensões do direito contemporâneo –estudos em homenagem a Geraldo de Camargo Vidigal. São Paulo: IOB, 2001, p. 91-103. 231Pesquisa (1996/1997) pelo IDESP – Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, apontou que, parte dos empresários acredita na melhoria do judiciário brasileiro seja como fator de aumento do emprego em 12,3%, crescimento do PIB em cerca de 30%, ou aumento do número de negócios em 18,5%, (In: www.idesp.org.br, nov-2005).

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Se o Poder Judiciário não cria o subdesenvolvimento da economia, também há

verdade na afirmação, de que a estrutura judiciária brasileira não favorece inteiramente o

desenvolvimento da economia nacional.

Privilégios de parte a parte remexem nas concepções dos juristas e dos

economistas, por exemplo, valoração desmedida nos direitos dos trabalhadores interfere

na diminuição dos níveis de empregos formais.

Entretanto, há também decisões que privilegiam de modo exacerbado o capital

e os investimentos, acarretando por isso, manifestos prejuízos aos direitos básicos da

humanidade.232

Ocorre que esses desacertos também podem ser imputados ao Poder

Legislativo, pois nem mesmo o mais ágil parlamento desenvolve seu trabalho, conectado

com a realidade e velocidade desejável ao desenvolvimento econômico e social.

Sobre a necessária e almejada conexão <<norma-realidade>> ocupou-se

DERANI: 233

Norma de direito não se esgota nem em seu texto nem no mandamento ali expresso. A norma é, sobretudo, formulada tendo em vista um determinado estado da realidade social que ela pretende reforçar ou modificar. (...) O texto é formulado, ao contrário, abstrato e geral, isto é, sem referências a motivos e contexto real. Então, não permanece o aspecto da realidade referida pela norma alheia a ela, porém constitui

232EMENTA: CONTRATO - Prestação de serviços - Telefonia - Assinatura mensal - Admissibilidade - Cobrança que guarda respaldo na Lei e no contrato firmado com a concessionária - Ausência da abusividade - Cobrança que se faz a título de tarifa - Serviço efetivamente prestado ao usuário - Valor cobrado que permite ao usuário a utilização mínima de pulsos, além de servir para custear os serviços gerais da rede telefônica e sua manutenção - Supressão da assinatura básica que implicaria na alteração do equilíbrio econômico financeiro do contrato - Recurso improvido (Ap.898.114-00/7 - Araraquara-32ªCDirPriv. – Rel.: Ruy Coppola - 15.12.05); EMENTA:INTERVALO INTRAJORNADA - CONCESSÃO IRREGULAR - HORA EXTRA - NATUREZA JURÍDICA SALARIAL - A concessão a menor ou a não-concessão de intervalo para descanso e alimentação, a partir do advento do parágrafo 4º ao artigo 71, da CLT (Lei nº 8.923/94), ostenta natureza salarial, e não indenizatória, eis que gera direito ao pagamento de remuneração do período não usufruído, no valor da hora normal acrescido de 50 % (cinqüenta por cento). Tal entendimento, inclusive, encontra-se pacificado na jurisprudência do C. TST, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 307 da SDI-1. É medida que se impõe ao empregador, que privando o trabalhador de período de descanso dentro da própria jornada, desrespeita as normas protetoras à segurança e higidez (TRT/2ªRegião–Ac.20050696925–Rec.Ord.–j.06/10/05–Rel.Rovirso Boldo.). 233 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 43.

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conjuntamente seu sentido. O sentido não pode, a partir daí ser perseguido apartado da realidade a ser regulamentada.

Há parcela de razão aos economistas que reclamam da qualidade dessa

conexão.234 Aliás, proliferaram soluções contra a pouca velocidade das instituições,

como, por exemplo, a experiência com a inserção das agências reguladoras no cenário

nacional. 235

A existência das agências reguladoras resulta da necessidade de o Estado influir na organização das relações econômicas de modo muito constante e profundo, com o emprego de instrumentos de autoridade, e do desejo de conferir, às autoridades incumbidas dessa intervenção, boa dose de autonomia frente à estrutura tradicional do poder político.

Essas indesejáveis reciprocidades e o ajuste dessa correlação <<direito e

economia>> ensejou a nova ciência - Direito Econômico – cujo objeto, não se resume em

velar e sustentar o crescimento econômico, mas sim o de relacioná-lo com a melhoria da

qualidade de vida e com o desfrute das liberdades.

O objeto central do Direito Econômico236 é examinar as técnicas jurídicas,

usadas pelo Estado para programar as políticas públicas, ao mesmo tempo, almejar

formas de intervenção na economia.237

234(...) a idéia do crescimento econômico é recente. Antes do surgimento do capitalismo, as sociedades encontravam-se em estágios comparativamente estagnados. Elas eram basicamente agrícolas e variavam pouco ao longo dos anos, com exceção de boas ou más colheitas, de guerras e de epidemias. Foi o capitalismo que alterou radicalmente esta situação: a produção mundial cresceu entre trinta e quarenta vezes em face da acumulação de capitais e da evolução tecnológica. (MILONE, Paulo César. Crescimento e desenvolvimento econômico: Teoria e evidências empíricas. Manual de Economia da Equipe de Professores da USP. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 18). 235A criação das agências reguladoras no Direito Administrativo brasileiro insere-se dentro de um panorama de reforma do Estado, com vistas à criação de um novo modelo de gestão capaz de modernizá-lo. Tal fenômeno justifica-se a partir da constatação de que o Estado Social, com atuação em todos os setores da vida da sociedade, mostrou-se ineficiente na prestação de serviços públicos, como resultado de seu crescimento desmesurado. Assim, impôs-se uma limitação de intervencionismo estatal, redirecionando sua atuação especificadamente para suas funções de fomento e garantia de acesso do cidadão aos serviços públicos, ainda que prestados pelo setor privado. (SAMPAIO, Marília de Á. e Silva. O poder normativo das agências reguladoras. In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 227/339, 2006). 236 NUSDEO, Fábio Fundamentos para uma codificação do econômico. São Paulo: RT, 1995; (COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. São Paulo: RT 353/14; GRAU, Eros. A ordem..., op. cit.). 237 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e internacional..(...) a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (preâmbulo da CF/88).

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Intervenções ou regulações são tidas como necessárias ao mercado. 238

Na medida em que se entenda mercado como uma instituição que vise a criar

incentivos, reduzir incertezas, facilitar operações entre pessoas, fica clara a idéia de que mercados aumentam a prosperidade e, portanto, o bem estar em geral. Intervenções em mercados podem ser tanto reguladoras quanto moderadoras do conjunto de operações nele realizadas.

Há regulação em qualquer mercado. O que varia, de fato, é sua intensidade no

grau de liberdade dos agentes econômicos.

Livre iniciativa, maximização dos lucros e mercado regulado são expressões

não conflitantes. O mercado quer proteger-se contra as deficiências do sistema, por isso,

indiscutivelmente, os agentes econômicos querem leis „fortes‟, p.ex., contra as ações

maléficas à livre concorrência ou contra concentração econômica. 239

Confiram-se as palavras de BRUNA sobre a regulação: 240

(...) identificados dois momentos históricos básicos na regulação dos mercados. O primeiro voltado a facilitar as relações econômicas, compreenderia normas relativas a campos como o Direito das obrigações, os direitos de propriedade, o Direito antitruste, a defesa nacional, entre outros, regras essas necessárias à racionalização de instituições e práticas sociais „economicamente irracionais‟. Uma segunda fase da regulação da atividade econômica seria marcada pelo propósito de controlar o mercado, uma vez que os riscos inerentes ao capitalismo acabam gerando um desejo de proteção contra os males advindos do processo econômico. Nesse campo enquadrar-se-iam o controle de preços, a política monetária, os incentivos fiscais e as leis de proteção ao trabalhador, aos consumidores, ao meio ambiente, além de outros.

Liberdade irrestrita é incompatível com a ordem constitucional econômica,

tampouco com os interesses dos próprios empresários. 241

238 SZTAIN, Raquel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p.36). 239Cada ramo de atividades econômicas, em cada época, tem facilmente determinável a margem de seus lucros normais. Dentro deste campo, as oscilações ficam a cargo da dimensão da empresa, da capacidade pessoal do empreendedor, das maiores ou menores rentabilidades de cada unidade econômica participante da concorrência. Além destes, os efeitos da ação do empreendedor sobre a estrutura do mercado vêm influir perniciosamente nas condições gerais da vida do grupo e passam a reclamar a ação jurídica regulador. (ALBINO DE SOUZA. Lições...., op.cit., p. 57). 240 BRUNA, Sergio V. Agências reguladoras (Poder normativo Consulta pública Revisão Judicial). São Paulo: RT, 2003, p. 28.

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Opções egoístas ou errôneas de poucos empreendedores podem acarretar a

derrocada tantos outros, por exemplo, é o que ocorre quando a empresa leva-se à

falência por erros estratégicos na administração, o que repercute de modo nefasto sobre

todo o sistema.

Impactos mais desastrosos sofrem os consumidores, que justamente são tidos

como senhores do mercado, mas passam à vítima do capitalismo.242

Até pelo déjà vu, aborda-se a economia norte-americana, após os cem anos da

Grande Depressão de 29, que se viu frente à grave crise e recessão, exigindo do Estado

várias medidas de fortalecimento, regulação, intervenção e socorro de muitos setores da

economia. 243

A economia mais liberal do mundo, seguida por outras similares como a

japonesa, alemã e outras, viu-se obrigada a expedir medidas intervencionistas.244

Claro que a defesa da regulação não pode ser feita sem crítica, pois

empiricamente percebe-se, muitas vezes que as regras jurídicas foram postas a serviço

241Sem dúvida que a auto-regulamentação do mercado - lei da oferta e procura - e a „mão invisível‟ de Adam Smith não impediram a formação de monopólios e concentração de capitais. 242A clássica liberdade de contratação não se amolda às sociedades de massa. Basta pensar nos produtos e serviços essenciais, que não permitem quaisquer barganhas ou opção na aquisição (v.g.,serviços de comunicação, água). 243A principal característica desse megaplano de reforma do sistema financeiro é dar maior racionalidade aos processos de regulação, já que esse novo projeto concentra a fiscalização em poucas agências (...) Depois, em 1997, com a crise financeira da Ásia, os países emergentes em geral também aprimoraram os mecanismos de controle financeiro. Os Estados Unidos demoraram a mudar o marco regulatório financeiro. (BARROS, Guilherme. In: Folha de São Paulo, Caderno de Economia, coluna Mercado Aberto, 01.04.08). 244 Destacam-se algumas: Departamento do Tesouro dos EUA de um pacote para injetar até US$ 200 bilhões nas duas gigantes americanas do segmento de hipotecas, (....) a fim de evitar a falência de ambas. (..) Ontem, o Departamento do Tesouro anunciou uma intervenção federal na Freddie Mac e na Fannie Mae, profundamente afetadas pela recente crise dos créditos "subprime". O setor imobiliário americano enfrenta uma severa crise provocada por uma inadimplência elevada em operações de hipoteca de alto risco, que se espalhou pelo restante do setor financeiro e está na origem da recessão que ameaça a maior economia do planeta. (..) informou que as duas companhias passam a ser dirigidas em caráter temporário pela FHFA (sigla em inglês para Agência Financeira Federal de Casas), que vai gerir as dívidas financeiras. (In: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u442498.shtml, acesso em 08.09.08).

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dos economicamente fortes, quando, de fato, o próprio mercado necessita de

consumidores fortalecidos.245

No Brasil, diferentemente, não há qualquer pudor do Estado em assumir-se

intervencionista, pois ao menos no plano constitucional, deu-se trato ao bem estar

social.246

Aliás, de modo exuberante, a Constituição revela princípios e normas

sinalizadoras da regulação estatal247, voltada à proteção dos mais fracos e a contenção

dos abusos econômicos.

No plano das hipóteses, procura-se concretizar os direitos assegurados

constitucionalmente, dentre eles: proteção e defesa dos interesses dos consumidores,

proteção da dignidade humana, da propriedade, da livre iniciativa e outros.

Claro, o crescimento econômico não assegura por si, à observância de

garantias constitucionais, como a existência digna, a justiça social, a livre iniciativa. Aliás,

um bom exemplo desse paradoxo é o Brasil, que em plena fase de crescimento

econômico248, vê-se às voltas com problemas primários <<falta de políticas públicas

eficazes de saúde, segurança e outras>> e seculares.

245A partir dos anos 60 e 70, em seguida a Segunda Grande Guerra e a deflagração da revolução tecnológica, o consumidor despontou definitivamente em importância, assumindo posição hegemônica, juridicamente calcada nos novos valores expressos em Direitos Humanos, como a manutenção de melhor qualidade de vida, de garantia de emprego e ganho suficiente às suas necessidades, de maior participação na distribuição de renda, de presença e participação decisional em igualdade de condições com as demais categorias, na política de consumo traçada pelos órgãos políticos e administrativos (ALBINO DE SOUZA, Washington Peluso. Primeiras linhas..., op. cit., p. 570). 246Há vários dispositivos voltados a coibir abusos, v.g., os artigos 5º, XXXII (do direito e garantia fundamental à defesa dos interesses dos consumidores), 170, IV e V (da defesa do consumidor como princípio geral da ordem econômica), 173, §4º (a repressão ao abuso do poder econômico). 247Em 1988 o direito econômico positivamente foi incluído na CF, o artigo 24 declara, em seu inciso I, competir concorrentemente à União, Estados e Distrito Federal legislar sobre o mesmo. A União é competente para estabelecer normas gerais (artigo 24, §1º), cabendo aos Estados a competência suplementar em tais casos (artigo 24, §2º). Não havendo normas gerais sobre determinado tema, os Estados exercerão competência legislativa plena sob suas peculiaridades (artigo 24, §3º), sendo a eficácia da lei estadual suspensa quando da superveniência de legislação federal (artigo 24, §4º). 248O bom desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado confirma a sustentabilidade do ciclo de crescimento iniciado em 2004. Com forte alta do investimento e do consumo das famílias, a economia cresce com mais distribuição de renda, amparada pela solidez das contas externas e por uma situação fiscal bem mais favorável(...) (In: Valor econômico, 13 de março de 2008).

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Contraditório ou não, o Brasil ainda ocupa boa posição no ranking das

economias mundiais e mantém-se num dos piores índices de qualidade de vida e

distribuição de renda, quando comparado com outros países da América Latina.249

Pelo PANUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) o Brasil

em 2007 foi classificado em 70º lugar. Então, apesar de ter entrado para o grupo de

países de alto desenvolvimento humano, continua com um IDH abaixo da média latino-

americana e caribenha.250

Essas dualidades também são experimentadas por outros países, como o

exemplo da economia indiana, com níveis de pobreza incompatíveis com o acelerado

desenvolvimento econômico, experimentado a partir do fim do século XX. 251

A pedra de toque entre as duas ciências <<direito e economia>> é o equilíbrio,

devem manter-se correlacionadas e conectadas aos elementos que orientem, de fato, a

conduta e atividade humana.

Em pleno século XXI, os conflitos entre o lucro e a dignidade da pessoa humana

são manifestos, de qualquer modo, o progresso em sentido amplo, somente ocorrerá se

houver introdução do elemento ético no raciocínio econômico.252

249O Brasil, apesar de deter a 12ª posição entre as economias no mundo, apresenta, porém um dos piores índices no respeitante à distribuição de renda. O índice de GINI para 1998 é de 0,591, o que coloca o país próximo dos últimos lugares no ranking mundial, juntamente com países como Serra Leoa – 0,629 – e a campeã mundial da desigualdade em 2004, Botswana, que possui o índice de GINI de 0,630. (PETTER, Lafayete J. Princípios..., op. cit., p. 93). Em 2007 o Brasil foi classificado como a 6ª economia do mundo segundo: (In: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u355967.shtml., acesso aos 08.09.08). 250Chile (40º lugar), Uruguai (46º), Costa Rica (48º), Bahamas (49º), Cuba (51º), México (52º), Trinidad e Tobago (59º) e Panamá (62º),países com mais qualidade de vida. (In: http://noticias.uol.com.br/bbc/2007/11/27/ult36u46120.jhtm, acesso aos 08.09.08). 251Medida segundo os critérios de êxito das exportações e aumento de renda, a Índia se situa na primeira liga das histórias de sucesso com a globalização. Os indicadores de desenvolvimento humano, porém, traçam um quadro menos encorajador. (...) Uma em cada três pessoas vive com menos de US$ 1 por dia, e o país abriga o maior conglomerado de pessoas subnutridas do mundo”. (Comentários de WATKINS, Kevin. <<diretor do escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU>> In: Folha de São Paulo. Caderno Folha Mundo, A-16, 05/03/06). 252A doutrina ética que nos ensina a evitar ambos os extremos e a nos mantermos próximos a um justo meio, devidamente equilibrado e eqüitativo, em muito nos lembra uma possível nota mística, isto se entendermos o misticismo não como uma religião ou parte de uma e sim como um sentimento ou intuição que, em estilo oriental, transcende a nossa realidade e ao mesmo tempo se atém à mesma, mas dando sugestões práticas de sabedoria para conduzirmos nossas vidas”. (OLIVEIRA, Silvério da Costa. Reflexões filosóficas: Uma pequena introdução à filosofia. Rio de Janeiro: (s.n.), 1997, p. 134).

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Não se proclamam as virtudes da ética havida nos mercados globais, mas

aquela aristotélica253 e sem abismos com a realidade social.

Bem comum, virtude e justiça parecem esquecidas, principalmente nas relações

comerciais, mas a ética é aplicável a todos os setores da vida (pública e particular) do ser

humano. Buscando-se o justo meio, garante-se a justiça econômica, o bem comum e

outros valores relevantes.

A atividade empresarial é também atividade social sujeitas ao código ético

normativo, que não é único, mas varia de sociedade para a sociedade.

3.4. Análise econômica do direito (AED)

Prosseguindo no exame da inter-relação entre as ciências, é perceptível a

diferença de enfoque dado ao assunto nos países da common law.

Esses países, via de regra, apresentam resultados econômicos expressivos.

Não há como negar o histórico desenvolvimento norte-americano, a despeito de todas as

intercorrências políticas causadas pelos EUA, bem como, os desastres experimentados

no ano de 2008.

O fato é que a AED foi adotada naquele país, que sempre esteve no topo da

economia mundial, o que já desperta grande curiosidade sobre seus objetivos, que, em

resumo, é a expressiva reforma de leis e instituições legais, dotando-as de aptidão

253 Ética não ditada pelo mercado. Parece inimaginável que numa sociedade de consumo de coisificação e massificação haja a ética, vista como meio de se conduzir por ações virtuosas os seres humanos rumo à felicidade. Para Aristóteles toda racionalidade se orienta a um fim ou bem e cabe a ética determinar qual a finalidade suprema. Essa não se confunde com riquezas ou honras, mas com a vida virtuosa. A virtude, por sua vez, se encontra num justo meio entre os extremos. A busca pela excelência de cada ação, de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato. (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin/Claret, 2005, Livro V, p. 67) .

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necessária e ao serviço do crescimento econômico, progresso social e político das

nações.

Para os estudiosos da AED, especialmente os radicados na América do Norte, a

análise econômica deve inspirar e fundamentar a interpretação jurídica.

KITCH afirma, estudando fundamentos intelectuais da AED, as leis regentes dos

direitos de propriedade, obrigações contratuais, liberdade da atividade comercial, entre

outras, desempenham papel importantíssimo no comportamento do próprio mercado.254

Leciona o professor da Universidade de Virgínia: 255

Los estudiosos de la ley conocen la importancia de los estudios comparativos

e históricos, pero estos estudios son descriptivos. El AED nos proporciona un marco analítico que unifica la dirección hacia el trabajo histórico y comparativo. Por ejemplo:

a) las relaciones contractuales han variado su alcance entre una sociedad y outra, qué variables sociales explican las diferencias Del alcance según los ordenamientos sociales por medio de los contratos?; b) ? qué efectos han tenido las diferentes formas de orden económico en la productividad de las sociedades?; y c) ? las instituciones legales operan sistemáticamente para mejorar el bienestar humano, operan para proteger la posición de los que tienen poder político?

Mais à frente, justifica o interesse nos estudos realizados pela análise

econômica do Direito:. 256

Las leyes del derecho privado tratan e incluyen asuntos de política tan

importantes y fundamentales como los del derecho público. Una de las razones por las

254 KITSH, Edmund W. Los fundamentos intelectuales del análisis econômico de derecho (In: Derecho y economia: uma revisión de la literatura. México:Itam – Instituto Tecnológico Autonomo de México, 2000, p. 51-55). 255 Em tradução livre: Estudiosos do direito sabem a importância de estudos comparativos e históricos, mas esses estudos são descritivos. A AED fornece um quadro analítico que unifica a direção para o trabalho histórico e comparativo. Por exemplo: a) as relações sociais têm variado entre uma sociedade e outra? No âmbito da ordem social, que variáveis sociais explicam as diferenças por meio dos contratos? B)Qual tem sido o impacto das diferentes formas de ordem econômica na produtividade das empresas? C) As instituições jurídicas funcionam sistematicamente para melhorar o bem-estar humano? Operam para proteger a posição das pessoas com o poder político? (Idem, p. 58-59). 256 Em tradução livre: As leis de direito privado tratam e incluem assuntos de política tão importantes como os de direito do público. Uma das razões pelas quais a AED tem sido tão bem recebida nas escolas de direito é porque o tratam de modo interessante matéria de direito privado: regras dos contratos, propriedade e ônus. Há trinta anos o direito público estava no auge nas escolas estadunidense e atraiu mentes brilhantes. Em contrapartida, o direito privado, foi visto como disciplina técnica estreita. A AED pôs o direito privado num contexto mais amplo de política e gerou regras fortes em matéria de responsabilidade, bem como sobre a natureza e estrutura dos sistemas de propriedade e contratos. (Idem, p. 60).

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que el AED ha tenido tan buena acogida en las escuelas de leyes es que se abordan en forma interesante los asuntos del derecho privado: las reglas de contratos, agravios y propiedad. En los 30 años anteriores el derecho públio tuvo un auge en las escuelas de derecho estadounidenses y atrajo a las mentes más ambiciosas. En contraste, el derecho privado se veía como una disciplina estrecha y técnica. El AED puso al derecho privado en un contexto más amplio de la política y genero la publicación vigorosa sobre reglas de responsabilidad y la naturaleza y estructura de los sistemas de propiedad y contratos.

Mesmo em países de direito codificado, a análise econômica do direito difundiu-

se, para surpresa de alguns que a concebia como apropriada somente aos países de

direito anglo-saxão. 257

POSNER explicitou, eficientemente, o objeto da referida teoria que é a de

buscar e identificar as condições para a modernização e prosperidade. 258

En el pasado, con excesiva frecuencia, la ley se ha preocupado por su lógica

interna más que por su relación con la sociedad en general. El movimiento del derecho y la economía intenta remplazar la perspectiva interna del especialista tradicional y su estrecha preparación jurídica, por la perpespectiva externa del beneficio social.

3.5. Direito e a nova economia mundial

A nova ordem mundial superou o duelo histórico entre o capitalismo e o

comunismo. 259

O primeiro extremo, tradicional, arraigado ainda na maioria absoluta das pessoas, quer somente o lucro – de preferência maior e mais rápido possível – com visão de curto prazo, sem nenhuma interferência no desenvolvimento de seus colaboradores e, muito menos, na comunidade. A esta estruturação, que Albert chama de capitalismo anglo-saxão, se contrapõe um novo padrão, por ele mesmo denominado capitalismo renano (do rio Reno), ou nipogermânico, no qual além do lucro, – as

257Pardolesi e Mattei Análise econômica do direito em países de tradição civil: um enfoque comparativo (In: Derecho..., p. 366-373). 258 Em tradução livre: No passado, com frecuencia excesiva muitas vezes, a lei preocupou-se com sua lógica interna, invés da sua relação com a sociedade em geral. O movimento de Direito e Economia objetiva substituir a tradicional perspectiva interna do especialista e prepará-lo para a perspectiva mais externa e social. (POSNER, R. Prólogo do livro Derecho Y economia: una revisión de la literatura. Na mesma obra: Uso y abusos de la teoria económica en el derecho. Compilador André Roemer. México: ITAM – Instituto Tecnológico Autônomo de México, 2000). 259 VIANNA, Marco A. Ferreira. O líder cidadão e a nova lógica do lucro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003, p. 117.

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empresas são dotadas de uma visão de longo prazo, desempenhando um papel mais nobre diante do mundo, sendo responsáveis pelo desenvolvimento dos seus empregados e participando, com grande efetividade, da comunidade à qual pertencem.

A dualidade experimentada nos dias de hoje é entre o capitalismo anglo-saxão e

o renano (ou nipogermânico), conforme estudos realizados por ALBERT.260

De um lado, o decadente modelo anglo-saxônico, liberal, baseado num

individualismo ilimitado, no ganho imediato, com tendências para prestigiar o aspecto

financeiro. De outro, o modelo renano ou nipogermânico, mais estatista, de apostas no

desenvolvimento sustentado, produtivista, com planejamento a prazo, mas sob o denso

controle de instituições.

No capitalismo renano a intervenção é direta, investe-se nas infra-estruturas e o

Estado decide quem será agraciado com os recursos públicos. Exemplos desse

capitalismo estão Alemanha, China, Japão, Suíça, Escandinávia, dentre outros.

Mesmo no capitalismo renano mais intervencionista, cujo valor do coletivo, do

consenso e do bem estar social, no qual todos aproveitam, inclusive as empresas deixou

de sofrer fortes abalos econômicos que sopraram da América no ano de 2008.

De qualquer modo, esse solidarismo não é valor puramente moral, pois se, de

fato, nos efeitos positivos do trabalho de todos os segmentos sociais em prol do

desenvolvimento e de uma vida melhor para todos.

Por tudo que se viu, inescondível a relação entre direito e economia,

principalmente nas suas finalidades similares de melhor servir aos homens, buscando o

máximo do justo.

260 ALBERT, Michel. Capitalismo x Capitalismo. São Paulo: Fundação Fides-Loyola, 1992.

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As fórmulas jurídicas e econômicas não são mais neutras como no passado, se

influenciam reciprocamente e sofrem os reflexos das ações do Estado, que, em última

análise se responsabiliza pela exigibilidade de qualquer norma jurídica.

O mercado não é mais simples espaço de trocas ou local onde se travam

relações impessoais, como imaginou WEBER261, mas é sistema no qual recursos são

alocados e deles são feitos usos alternativos, conforme o modelo econômico adotado.262

Se o Estado pode contar com a adesão da população às normas vigentes, de

maneira não só a cumpri-las rotineiramente, mas também a punir os recalcitrantes ­ ou ao menos denunciá-los às autoridades competentes ­, então é lícito esperar um desempenho mais eficiente das instituições políticas. Mas o Estado permanece sendo o fiador em última instância de qualquer norma legal, escrita ou consuetudinária, vigente numa coletividade política ­ e tem não apenas a faculdade, mas mesmo o dever de, quando necessário, recorrer à coerção física para assegurar-se da observância dessas normas. E não há motivo para se presumir que as normas necessárias à operação rotineira do mercado sejam apenas as destinadas à proteção da propriedade privada e da integridade física dos participantes. Como mostra Abram de Swaan (1988, pp. 1-12), saúde e educação, por exemplo, podem ser bens tão públicos quanto a segurança. Epidemias podem, em princípio, devastar uma economia, sem permitir às pessoas que se defendam "privadamente"; em outro plano, o componente "comunal" da interação mercantil requererá a devida socialização dos agentes, sob pena de inviabilizar o mecanismo de trocas.

A socialização referida é o sistema, no qual cada um busca algo além dos

simples interesses pessoais, o que não se confunde com vontade exclusiva do Estado.

De fato, não se aniquilam as liberdades individuais, mas o truísmo vem gizado na ordem

constitucional.

261A comunidade de mercado como tal, constitui a relação vital prática mais impessoal que pode existir entre os homens. Não porque o mercado implica a luta entre os interessados. Toda relação humana [...] pode significar uma luta com a outra parte [...]. Mas porque ele é orientado de modo especificamente objetivo, pelo interesse nos bens de troca e nada mais. (WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva Tradução de Regis Barbosa. e Karen E. Barbosa. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, vol. 1. p. 420) 262 REIS, W. P. Bruno. O mercado e a norma: o Estado moderno e a intervenção pública na economia. (In: Revista brasileira de ciências sociais. vol.18, no.52 São Paulo June 2003, referida no sítio www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092003000200004&script=sci_arttext&tlng=pt, acesso em 08.09.08)

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4. A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

4.1. Participação do Estado na vida econômica

No século XX ocorreram alterações profundas que modificaram o papel do

Estado em suas várias ações.

A administração estatal viveu processo desconstrutivo e a desestatização

transformou-se em dogma.

Alterou-se o paradigma na elaboração das normas jurídicas, abandonando-se,

de modo sensível, fórmulas tradicionais cujas respostas deixaram de ser eficazes.

Na aplicação das normas, outrossim, experimentou-se engrandecimento do

papel dos magistrados. 263

A própria lei caiu em desprestígio. No direito público a nova onda e a

governabilidade. Fala-se em desconstitucionalização, delegificação, desregulamentação. No direito privado, o Código Civil perde sua centralidade, superado por múltiplos microssistemas. Nas relações comerciais revive-se a lex mercatoria. A segurança jurídica – e seus conceitos essenciais, como o direito adquirido – sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das interpretações pragmáticas, embaladas pela ameaça do horror econômico.

Modificações ocorreram no processo produtivo e na atividade empresarial.

Cedeu-se à ciência e à tecnologia, exigiu-se dos trabalhadores mais escolaridade e

especialização, o que, de fato, aprofundou a exclusão social, subemprego e

informalidade, especialmente em países menos desenvolvidos.

263 BARROSO, Luís R. Fundamentos teóricos e filosóficos (Pós-Modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo) (In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº. 225, 2001, p. 5-37).

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Para BARROSO, essa travessia histórica nas ações do Estado deu-se em três

fases distintas: Pré-Modernidade (ou o Estado Liberal), Modernidade (ou o Estado Social)

e Pós-Modernidade (ou o Estado Neoliberal).264

Nos séculos XV a XVII <<Estado liberal mínimo>> contrariou-se a centralização

estatal da economia e o primado passou a ser a liberdade incondicional. 265

(...) o liberalismo político não teria sentido concreto dissociado da liberdade

econômica. (...) Portanto, liberdade política teria de encontrar, para se tornar plenamente eficaz, o seu complemento necessário, a liberdade econômica.

Nesse período germinou a livre iniciativa; isto é, aquela sem condicionamentos

ou restrições estatais. O mercado se organiza autonomamente, o papel do Estado é

indicar ou planejar, a isso se dá o nome de <<economia de mercado>>266.

Em resposta a isso, objetivando superar as nefastas conseqüências sofridas

pelas classes menos favorecidas, houve reforço ao intervencionismo estatal,267

(...) mesmo nos Estados predominantemente liberais, em que os particulares desempenham o grosso da economia, não deixa de haver sempre alguma intervenção do Estado nessa área, mesmo que seja apenas para coibir possíveis abusos.

Esse intervencionismo pode ser direto sobre os agentes econômicos (produção

de bens ou serviços); ou indireto, isto é, o controle e regulamentação das atividades é

feita por particulares.268

264 Ibidem. 265NUSDEO, Fabio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 1997, p. 126. 266Sobre a economia de mercado: “(...) é o sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agirem, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é, ao mesmo tempo, um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins” (In:MIESES, Ludwig Von. O mercado, Rio de Janeiro: José Olympio/Instituto Liberal, 1987, p. 16-8). Ainda: (..) Existe economia de livre mercado, economia de mercado ou sistema de livre iniciativa quando os agentes econômicos agem de forma livre, sem a intervenção dos Governos. É, portanto, um mercado idealizado onde todas as ações econômicas e ações individuais respeitantes a transferência de dinheiro, bens e serviços são "voluntárias" - o cumprimento de contratos voluntários é, contudo, obrigatório. A propriedade privada é protegida pela lei e ninguém pode ser forçado a trabalhar para terceiro. (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_de_mercado, acesso em 29.08.08). 267BASTOS, Celso Ribeiro. Direito econômico brasileiro. IBDC, 2000, p. 114. 268CORRÊA, Oscar D. O sistema político-econômico do futuro: o sociaterismo. São Paulo: Forense Universitária, 1994, p. 156.

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(...) passou, desnaturando-se, a interferir predominantemente na atividade

econômica, dirigindo-a, propagando-a e, até mesmo, submetendo-a ao seu comando; chegando, em alguns estágios, a dominá-la completamente (estados totalitários: nacional-socialismo alemão, fascismo italiano, corporativismo português; além do coletivismo soviético.

Na Modernidade experimentou-se <<Estado social> expressa intervenção

pública e asseguramento de condições mínimas, pois a premissa básica é que nem todos

são capazes de prover seu próprio sustento.

Isso gerou terríveis conseqüências, pois o Estado assumiu exageradamente as

responsabilidades sociais (previdência, habitação, assistência social, saúde,

saneamento, educação), o que gerou crise financeira e déficit público. 269

Na Pós-Modernidade <<Estado neoliberal ou social liberal>> valorizou-se as

forças do mercado, reduziram encargos sociais, reservando-se ao Estado, apenas as

responsabilidades pelos serviços essenciais, conforme esclarecimentos de BOBBIO: 270

(...) o que excita o espírito dos novos liberais é o efeito considerado

desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos estados economicamente e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Os vícios que eram atribuídos aos estados absolutos – burocratização, perda das liberdades pessoais, desperdício de recursos, má condução da economia – passam a ser agora pontualmente atribuídos aos governos que adotaram políticas de tipo social-democrático ou trabalhistas.

O retorno aos ideais liberais deveu-se ao fracasso e ineficiência dos Estados,

que ampliaram suas dívidas. 271

A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chega à Pós-Modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre o certo e o errado, justo ou injusto -, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao Terceiro Milênio atrasados e com pressa.

269TAVARES, André R. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 63. O modelo socialista é o extremo dessa intervenção, no qual exclusivamente ao Estado compete decidir os rumos da economia.O fracasso desse modelo é histórico e não será debatido neste trabalho. 270BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. São Paulo: Paz e Terra, 1986, p. 117. 271BARROSO, Luís R. Fundamentos teóricos e filosóficos..., op. cit., p. 26.

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Síntese de todos os outros modelos, há o Estado <<desenvolvimentista>> em

que se louva a livre iniciativa e o convívio pacífico desta com a intervenção estatal

necessária regulação e fiscalização da iniciativa privada.

De qualquer modo, em tempos Pós-Positivismo, o papel estatal é equilibrar a

balança, reaproximando direito, economia e ética, reconhecendo que, em qualquer

regime constitucional, a dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor, do meio

ambiente e outros princípios são inafastáveis.

Esse regime exige dos agentes econômicos proximidade com os valores

universalmente consagrados, a busca é o progresso dos homens nas suas múltiplas

acepções. 272

Assim, independentemente do conceito que determinada atitude possa ocupar nas teorias econômicas, ela será adotada se puder ser utilizada como instrumento para alcançar mencionado desenvolvimento. Portanto, a intervenção do Estado, sempre que servir para esse desiderato, será necessária, bem como as prestações de cunho social (e especialmente tais prestações), sem que isso signifique a assunção de um modelo socialista. Da mesma forma, a consagração da liberdade, incluindo a livre iniciativa e a livre concorrência, serão essenciais para que se implemente aquele grau de desenvolvimento desejado.

Esse modelo favorece o diálogo entre direito e a economia, dispensando-se o

óbvio jogo de forças, onde só o melhor é que se consagra vencedor.273

No Estado contemporâneo o desafio é auxiliar a atividade econômica, viabilizar

e concretizar os direitos fundamentais, não permitindo assim, que o indivíduo fique

reduzido à simples sujeito proprietário, sem identidade, direcionado exclusivamente ao

consumo.274

272BARROSO, op.cit., p. 68. 273 “ (...)o objetivo do diálogo não é demonstrar quem é o melhor, mas chegar a um acordo, ou, pelo menos, clarear as idéias de ambas as partes”. (BOBBIO, Norberto. O tempo de memória: de senectude e outros escritos biográficos. Rio de Janeiro: Campus,1997, p. 9). 274 “O equilíbrio de forças entre o direito e a economia é o segredo bem guardado das grandes potências econômicas, que se autodenominam de „países de primeiro mundo‟. É o complexo jogo do Estado interventor (representante do direito na perspectiva do legislador, do executor e do juiz) em face de um mercado cada vez mais

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Nem sempre isso é fácil, como mostram os muitos desacertos do poder

estatal.275/276

Vejo com ceticismo qualquer instituição que não imponha limitações e restrições severas ao poder. Sou cético em relação ao poder. Não há mau político maior do que poder sem autoridade. O governo precisa se limitar, se restringir e se ater àquelas atividades que lhe são próprias. Há inúmeras coisas que o governo não pode fazer, porque seu desempenho é fraco. O governo existe para fixar normas. Quando ele se mete a fazer coisas, geralmente fracassa pela simples razão de que não consegue abrir mão delas facilmente. Ele se apega a elas e se recusa a largá-las, até levá-las ao desastre total, ainda sim insiste em não soltá-las.

A verdade é que a maioria dos participantes da vida pública no Brasil não

aceita – não a sério – a idéia que é indispensável enfrentar o Estado e diminuir sua capacidade de impedir o progresso. (...) o homem político brasileiro, da situação ou da oposição, de hoje ou de ontem, se mantém fiel à convicção de que a máquina do Estado existe para mandar no país e não para servir aos cidadãos.

Casa grande e senzala ainda são muito presentes na vida dos povos e países,

principalmente os em desenvolvimento, pois o Estado ainda está nas mãos dos que se

inserem no ciclo do atraso, enfim, que adiam a realização do projeto comum de

sociedade.

A ideologia da desigualdade (econômica, política e filosófica) ainda vige;

indicadores de corrupção demonstram que essa prática está disseminada no mundo e

em nosso país.277

emancipado. Se por um lado o Estado contemporâneo, vale dizer o dirigismo estatal do direito nas relações contratuais relevantes interfere, em demasia, na atividade econômica, o lucro sai prejudicado, se por outro lado ele se ausenta do mercado o seu operador tem sua dignidade certamente abalada”. (FARRACHA DE CASTRO, Carlos Alberto et NALIN Paulo. Economia, mercado e dignidade do sujeito, Diálogos sobre direito civil. Construindo a racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 99-125.) 275DRUCKER, Peter. Entrevista dada em novembro de 2005, publicada parcialmente na Revista Exame, op. cit. 276GUZZO, J. R. O verdadeiro inimigo dos brasileiros. Idem, p. 40-41. 277Relatório 2007 - ONG Transparência Internacional indica: Com nota 3,5 numa escala de zero (para os países mais corruptos) a 10 (para os menos corruptos), o Brasil foi o 72º colocado entre 180 países. A nota representa aumento de 0,2 ponto em relação à de 3,3 obtida no levantamento anterior, que colocou o Brasil em 70º lugar. (...) a queda na classificação geral, apesar de a nota ter sido maior, ocorreu por causa da inclusão no estudo de 17 novos países, dos quais quatro obtiveram melhor colocação que o Brasil. (...) Na América Latina, o país mais bem colocado é o Chile (22º), com nota 7. A Venezuela ficou em 162º, com nota 2, e a Argentina em 105º, com 2,9”. (In: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/09/26/, ac.26.06.08).

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O desenvolvimentismo se transformou numa nova ditadura, gerando sacrifícios,

quase nunca bem processados pelos mais poderosos, exigindo maior habilidade,

competência e firmeza estatal. 278

Um desenvolvimento sustentável precisa ser proposto com firmeza. (...) O desenvolvimento de hoje não depende só do Estado, mas é inconcebível sem o Estado. Mas para coordenar o desenvolvimento o Estado precisa ter capacidade de intervenção, ou seja ser capaz de fazer política (econômica e social), regular o mercado, enfrentar a prevalência do sistema financeiro e liderar um pacto social substantivo.

Há que se levar em conta os custos sociais do desenvolvimentismo, competindo

ao Estado exigir de todos os entes <<públicos e privados>> o devido respeito aos direitos

fundamentais.

4.2. A ordem constitucional e o direito econômico

Foi dito que a estrutura política influencia diretamente a economia local. 279

(...) o conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constitui, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica.

Isso no Brasil revela-se como opção constitucional, já que se optou pelo modelo

capitalista, demonstrado claramente no uso de expressões tradicionais como economia

de mercado, ampla liberdade, propriedade privada, trabalho assalariado, exercício da

atividade econômica sem restrição.

A Constituição brasileira de 1988 mantém forte referência à economia, por isso

qualificada como econômica, já que é abundante o número de preceitos que regulam a

área.

278NOGUEIRA Armando. O desenvolvimento exigente. (In: O Estado de São Paulo, 28.06.08, p. A2). 279PATRICIO, José S. Economia e constituição. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Lisboa, 1981, p.35.

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Na ordem econômica constitucional, vê-se planejamento, organização,

funcionamento e outros aspectos da economia, que transcendem o simples interesse

privado.

A ordem econômica é tão importante como o é a ordem jurídica constitucional

global, que dá àquela o conteúdo e finalidade. 280

(...) o sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante

a regulação, sob o ponto de vista macro-jurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal.

O direito econômico vincula-se à força normativa da Constituição, pois a lei

fundamental é que impõe harmonia e unidade. As normas constitucionais funcionam

como lente, com a qual se lê e se compreende a ordem jurídica.281

No Brasil, desde a Constituição em 1988, nítida a ascensão científica e política

do direito constitucional como filtro de todos os outros ramos do direito. Os comandos

constitucionais passaram a vincular efetivamente todas as ordens essenciais e princípios

gerais, ordenadores do sistema jurídico brasileiro.282

Além do art. 170 da Constituição, dedicado a ordem econômica propriamente

dita, o texto maior dissemina normas sobre o tema (v.g., 1º, 3º, 8º da Constituição

Federal). 283

280 GRAU, Eros R. Elementos de direito econômico. São Paulo: RT, 1981, p. 31. 281A principal manifestação da proeminência normativa da Constituição consiste em que toda ordem jurídica deve ser lida à luz dela e passada pelo seu crivo (In: CANOTILHO, J.J.Gomes; Moreira Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 45) 282GRAU, Eros Roberto explica o sentido de sistema econômico: Cuida-se de sistema afetado por determinado regime econômico. O sistema econômico compreende um conjunto coerente de instituições jurídicas e sociais, de conformidade com as quais se realiza o modo de produção – propriedade privada, propriedade estatal ou propriedade coletiva dos bens de produção – e a forma de repartição do produto econômico – há rendimentos da propriedade? Ou só rendimentos do trabalho? Ou de ambos? – em uma determinada sociedade. A natureza das relações sociais de produção – isto é, a posição relativa dos homens em face dos meios de produção – é que, em última instância distingue os sistemas econômicos. (In: A ordem..., op. cit., p. 83). 283(...) a ordem jurídica, sob a perspectiva formal e material, e assim os seus procedimentos e valores, devem passar sempre e necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição Federal, impondo, a cada momento da aplicação do Direito, uma releitura e atualização de suas normas. (SCHIER, Paulo R. Filtragem constitucional – Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 104).

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Isso, no entanto, não esgota a ordem jurídica econômica, constantemente

construída por leis infraconstitucionais <<crimes contra a ordem econômica, planos

diretores das cidades, regras de direito do consumidor e outros>>.

4.2.1. Ordem econômica, justiça social e dignidade da pessoa humana

Sob a perspectiva constitucional, a finalidade da ordem econômica vincula-se à

dignidade da pessoa humana e à justiça social (CF, art. 170), expressões que, a despeito

do posicionamento do grande constitucionalista AFONSO DA SILVA, não são vazias de

conteúdo.284

Os princípios podem ser invocados de plano, especialmente na resolução de

casos concretos.285 No entanto, embora sejam de grande valor, os princípios são

materialmente insuficientes para a compreensão do ordenamento, o que exige do

aplicador maior esforço na lida do caso concreto.286

Esse tipo de sistema, calcados em princípios, é mais vantajoso quando

comparado com o sistema baseado simplesmente em regras. 287

O sistema deve fazer claramente a adequação valorativa e a unidade interior

do Direito e, para isso, os conceitos são impróprios. (...) No conceito (bem elaborado) a valoração está implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a e por isso ele é mais adequado para extrapolar a unidade valorativa do Direito.

Afirmam-se mais uma vez, princípios, cláusulas gerais, valores e outros

aspectos meta-jurídicos e históricos são categorias de atualização do direito, que

interferem diretamente na avaliação do intérprete.

284AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 762. 285NERY, Rosa M. de Andrade. Noções preliminares...., ob.cit., p.110. 286Não são simples normas proibitivas, por exemplo, “matar alguém” ou “proibido estacionar”. 287CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático...., ob.cit., p. 104

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Com efeito, os valores mais relevantes devem ser observados e compreendidos,

pois são elementos conformadores do sistema jurídico, por exemplo, justiça social e

dignidade da pessoa humana.

A justiça social é tratada prodigamente no texto constitucional, elemento

norteador da ordem econômica e da ordem jurídica (v.g CF, art. 3º, inc. I, 170, 193).

Sua definição depende da concepção político-econômica: justa distribuição da

renda ou riqueza, de acordo com as necessidades e a capacidade das pessoas; aumento

do nível de renda das massas; diluição progressiva das diferenças de classe; ampliação

da titularidade na propriedade dos meios de produção e do consumo de bens.

Resumidamente, a justiça social, como todas as outras formas de justiça

<<comutativa; distributiva; legal>>, significa dar a outrem o que lhe é devido. Mas o que é

devido?

Para essa pergunta só há uma resposta: <<o bem comum>>. 288

Podemos conceituar a justiça social como a virtude pela qual os membros da

sociedade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional.

A definição do bem comum também é tarefa complexa. Parte de sua

compreensão foi traçada por João XXIII, para quem o bem comum é o conjunto de todas

as condições de vida social, que favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade

humana.

Isso não coincide com o pensamento dos liberais, pois veem o bem comum

como o fazer o que é seu, em seu próprio interesse e por sua conta. Isso é o que garante

os bons reflexos na sociedade.

Críticas sobre o pensamento liberal foram levantadas por Paulo VI.

288MONTORO, André Franco. Introdução..., op. cit., p. 213.

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Uma economia de intercâmbio não pode apoiar-se apenas sobre a lei da livre

concorrência, que freqüentes vezes leva à ditadura econômica. A diversidade das transações só é eqüitativa quando sujeita às exigências de justiça social. (...) É que os Estados procuram assegurar ao estabelecer, por meios adequados (medidas financeiras, fiscais, sociais), um equilíbrio que a concorrência, entregue a si mesma,

tende a comprometer. 289

Registrem-se também as sábias palavras de JOÃO PAULO II. 290

A economia, de fato, é apenas um setor da multiforme atividade humana, e nela, como em qualquer outro campo, vale o direito à liberdade, da mesma forma que o dever de usar responsavelmente. (...) Mas, existem numerosas carências humanas, sem acesso ao mercado. É estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por elas oprimidos. Além disso, é necessário que estes homens carentes sejam ajudados a adquirir os conhecimentos, a entrar no círculo de relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor valorizar as suas capacidades e recursos. Ainda antes da lógica da comercialização dos valores equivalentes e das formas de justiça, que lhe são próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade. Esse algo que é devido comporta inseparavelmente a possibilidade de sobreviver e de dar um contributo ativo para o bem comum da humanidade.

A alteridade é outro elemento da justiça social, <<o outro>> tem suma

importância, a pessoa humana é o centro de tudo, a quem são devidos todos os bens

necessários para suas realizações concretas, individuais, racionais e sociais.

O sujeito é considerado titular de direitos e deveres, nessa rede reconhece, nos

outros seres humanos, idênticas prerrogativas.

Sobre o conteúdo do dever na justiça social lembremos com BARZOTTO:291

A consciência de um dever de justiça para com o outro em virtude da sua

simples humanidade foi formulada de vários modos na nossa civilização. (...) O honeste vivere, um dos preceitos do direito de Ulpiano, não poderia ser interpretado como uma deferência a humanitas presente no outro, um dever de justiça cujo

289Encíclica Populorum progressio sobre o desenvolvimento dos povos, 1967 (acesso em 2.06.08,/www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_pi_enc_26031967_populorum_po.html). 290Papa João Paulo II, Encíclica Papal de 1991, Centesimus annus, (http:/br.geocities.com/grecodoxa/jpcentesimusannus, 25.03.2006). 291BARZOTTO, Luis F. Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito, (In:w.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/artigos/ART_LUIS, em 27.06.08).

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conteúdo seria „respeitar e favorecer o desenvolvimento da personalidade alheia‟. A segunda formulação do imperativo categórico de Kant também pode servir de suporte ao ideal de justiça social: „Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio‟. A formulação mais sintética do fundamento da justiça social, que exige para cada um o que este está disposto a atribuir aos outros como membros da comunidade, está na „regra de ouro‟: „Como quereis que os outros vos façam, fazei também a eles‟.

Não é correto imaginar que só as pessoas naturais se interessam pela justiça

social, os grupos sociais podem e devem fazê-lo, pois todos têm deveres na realização

do bem comum.292

Relevante inserir as instituições nessa plêiade de deveres, isso facilita e

concretiza a realização dos objetivos republicanos em nosso país (CF, art.3º). 293

(...) implica melhoria das condições de repartição dos bens, diminuição das

desigualdades sociais, com ascensão das classes menos favorecidas. Não é objetivo que se alcance sem continuado esforço, que atinja a própria ordem econômica e seus beneficiários.

Outro valor de extrema importância é a dignidade da pessoa humana, um dos

temas mais debatidos em tempos de pós-positivismo.

Núcleo dos direitos fundamentais, a dignidade humana é compreendida a partir

dos estudos sobre o homem e humanidade, principalmente os realizados por Kant.

O homem é racional, um fim em si mesmo, isso basta para não ser usado como

instrumento de algo ou de alguém 294

Para REALE a dignidade da pessoa humana é vista de três modos.295

292Renard, La theórie de l‟institution. Apud: Montoro, Introdução....,.op. cit.,p.216. 293CORREA, Oscar D. A Constituição de 1988: contribuição crítica. Rio de Janeiro: Universitária, 1991, p. 206. 294KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, s.d., p. 69-77. 295REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 277-78.

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Pelo prisma do individualismo liberal, traduz-se na liberdade de cada um realizar

seu interesse e assim realizar o interesse coletivo. O contrário disso é o

transpersonalismo, isto é, realiza-se o interesse coletivo e o homem também se realiza,

pois é um ser social. A terceira concepção é compatibilidade entre valores individuais e

coletivos, no qual a pessoa ocupa o mais alto degrau na escala de valores.

Essa é a concepção adotada em nosso país, tanto é verdade que a dignidade

humana informa a ordem econômica brasileira296, funcionando também como princípio

fundamental do ordenamento jurídico.297

Aliás, um dos mais valiosos princípios da República, conforme anota AFONSO

DA SILVA: 298

(...) num valor supremo da ordem jurídica. (...) não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural, (...) que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais.

4.3. Marcas da globalização na ordem jurídica econômica constitucional

No século XX houve alteração da ordem jurídica, experimentaram-se novas

arquiteturas sociais, novos formatos empresariais e novas estratégias de relacionamento,

tudo a demandar atualizações conceituais na órbita jurídica.

Com efeito, o mercado ou praça de comércio no Código Comercial de 1850 (art.

32), referia-se aos espaços físicos de trocas de mercadorias e riquezas299, mas

modernamente o mercado institucionalizou-se como produto ou sistema de relações

econômicas.

296CF, Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 297Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; 298AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito..., op. cit., p. 546-549. 299SZTAIN, Rachel. Teoria jurídica da empresa..., op. cit, p. 22.

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Nas lições de IRTI, o mercado é organização artificial que se define a partir de

decisões políticas.300 Os agentes econômicos disponibilizam seus produtos e serviços de

modo midiático, por exemplo, ensino à distância, bancos de dados compartilhados, redes

de informação, biotecnologia.

Modernamente, também as empresas e o Estado <<cada dia mais

descentralizado>> passaram ser controlados por novos mecanismos, por exemplo,

audiências e consultas púbicas, comissões parlamentares e, principalmente, pelas várias

organizações não governamentais.

Revelando o viés social do capital, das empresas exigiu-se posicionamento mais

parceiro na elaboração e execução de planos e programas sociais, antes quase

exclusivamente nas mãos do Estado.

Atualmente, a verdade universal é que todos devem contribuir para o bem-estar

social, as empresas têm importância nos traçados da política social, por exemplo, na

execução das diretrizes do pleno emprego, distribuição de renda etc.

No capitalismo contemporâneo, de certa forma, o lucro foi absolvido, a

sociedade, melhor informada e capacitada, passou entender a importância do capital, do

lucro, da ética no desenvolvimento da humanidade. 301

A partir da segunda metade do século XX, e graças ao funcionamento da

democracia representativa, esses fatores desembocaram num novo sistema socioeconômico, de caráter capitalista, e esculpiu nele uma dupla lógica – a do lucro e a da responsabilidade social. No capitalismo social, a maximização dos lucros dá lugar à sua otimização e à produção de excedentes em limites socialmente compatíveis. O que isso significa? Que foi incorporado um novo termo à equação capitalista ou uma nova chave-mestra: as empresas capitalistas deixam de fixar-se apenas na função econômica (ainda que esta se mantenha determinante) e passam a orientar-se, de modo indissociável, pela função ética da responsabilidade social.

300IRTI, Natalino. Persona e mercato. Pádua: Casa Editrice Dott. Antonio Milani, 1995, Ano 41, no. 3, p. 289. Revista di diritto civile, apud SZTAIN, Rachel. Teoria..., op. cit., p. 32. 301SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1998, p. 47. Os excedentes devem ser distribuídos não somente aos shareholders (acionistas, investidores, quotistas), mas também entre os stakeholders (todos os que com a empresa se relacionam), que também possuem manifesto interesse na preservação e vitalidade da empresa.

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110

De outro lado, a globalização aproximou os mercados internacionais, assim, os

compromissos empresariais deixaram de ser locais ou nacionais. Essa mundialização

também redefiniu o conceito de soberania. 302

Os Estados-nação estão deixando de ser sujeitos soberanos e passando a

ser atores estratégicos que se ocupam dos interesses daqueles que supostamente representam, em um sistema global de interação. Ou seja, trata-se de uma soberania partilhada sistematicamente. Castells denomina esse Estado de que se está consolidando de „Estado-rede‟. Ele se caracterizaria por partilhar a autoridade (ou seja a capacidade institucional de impor uma decisão) ao longo de uma rede de instituições. Nos processos de tomada de decisão, o Estado-nação se relaciona com instituições supranacionais de diferentes tipos e em diferentes âmbitos, assim como com instituições locais e regionais, e até com ONGs. (...) O domínio da tecnologia é espaço fundamental no jogo de poder da sociedade contemporânea. A capacidade de universalizar as propostas, os estilos e os produtos tecnológicos define a possibilidade de redesenhar e controlar o processo geral de produção e dispor os recursos mundiais de acordo com as próprias necessidades. Isso confere aos líderes das cadeias globais dos setores de ponta tecnológica e às nações que lhe cediam um papel estratégico decisivo nas relações de poder e na organização do espaço mundial.

Essa aproximação é garantida por redes de informação, o que para na visão de

ARENDT é base da liberdade e do poder, não há poder ou participação se houver

isolamento.303

Perderam-se os tradicionais conceitos de soberania, pois as instituições são

supranacionais, o que se tornou visível após o desmonte do poder soviético e o fim da

bipolaridade política com os norte-americanos. 304

Muitas razões colaboraram para a eclosão do fenômeno da globalização

neste final de milênio. O principal fator, contudo resulta das comunicações e do intenso comércio. Há, contudo, a nosso ver, um fator histórico que, muito embora não possa a ser tido como o único a desencadear a crise atual, é, sem dúvida, pela dimensão estratosférica das suas proporções, o seu elemento deflagrador ou catalisador, qual seja o esboroamento do império soviético.

302DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p.119. 303ARENDT, Hannah. A condição humana. op. cit. 304BASTOS, Celso; TAVARES, André Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 98.

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111

A globalização, com repercussão em vários campos (comercial, cultural,

político)305, é abordada como fenômeno econômico, pois se a economia mundial

influencia diretamente a economia dos países, óbvio que processo produtivo não tem

mais um único território e fronteiras definidas.

Isso provocou a universalização das regras, soberania e a ordem jurídica

passaram a ser vistas como supranacionais. 306

Não existe, no contexto do mundo globalizado, Estado soberano absoluto,

principalmente se considerarmos o aspecto econômico como expressão dessa soberania. A globalização trouxe questões que afetam diretamente a noção clássica de soberania nacional, especialmente no campo econômico, impondo a necessidade de uma nova concepção de soberania, pela qual seja possível a preservação da capacidade de autodeterminação do Estado, com a presença da livre concorrência no mercado nacional e o respeito simultâneo às normas e práticas supranacionais relacionadas à atividade econômica.

A mundialização307 afetou a atividade das empresas, estruturando suas

atividades para garantir posição competitiva regional e global. Isso provocou migração do

capital de grandes corporações, que passaram selecionar países apenas com base no

quadro geral das vantagens oferecidas.

É perverso, compromete defesa da justiça social, da dignidade das pessoas e

de outros valores constitucionais. Tudo é feito em busca do capital estrangeiro, aliás,

305Sobre a influência da globalização na cultura e na linguagem confiram-se: Ora, não costuma partir dos norte-americanos, que se saiba, pressão alguma no sentido de batizarmos com nome ingleses condomínios e clínicas, nem de exclamarmos „uau‟ quando nos sentimos agradavelmente surpreendidos. O que se passa é que muitos gostam de entregar-se ainda a ausência de qualquer compulsão. Isso acontece com o corpo, e já algo lamentável. Mas também acontece com a alma e aí só se pode falar em desgraça (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A subserviência cultural. In: Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2001) 306TAVARES, André R. Direito constitucional..., op. cit., p. 149. 307Nota-se por exemplo que JeanLojkine (diretor do Centre d‟étude des Mouvements Sociaux da École des Hautes Études en Sciences Sociaux, Paris) iniciou sua conferência na UFRJ sobre globalização, em 1996, apontando para estes aspectos e chamando a atenção que, na língua francesa, o termo sinônimo „mundialização‟ é mais utilizado por diversas razões. Dentre estas inclui-se o fato de o termo globalização ter sido difundido após a queda do Bloco Socialista, quando então alguns autores norte-americanos usariam-no no sentido de difundir a idéia que o mundo (ou melhor o mercado mundial) teria a partir de então se tornado um só, global (In: Globalização e Inovação Localizada. LASTRES Helena et. al. Rio de Janeiro, março de 1998. http://www.ie.ufrj.br/redesist/P1/texto/NT01.PDF, acesso em 09.09.08)

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ávidos por investimentos externos, os países formulam políticas permissivas, pertinentes

ao capital internacional, que não se mostra comprometido com os interesses locais. 308

A partir de então, uma única voz, um único poder, uma única ideologia, uma única propaganda se impôs globalmente ao mundo: da força remanescente, do capitalismo expansionista, sobreposse centrado nos países desenvolvidos que dirigiam e controlavam os interesses desta ordem, notadamente os Estados Unidos da América e os porta-vozes de seu pensamento e conveniências político-econômica, ou seja, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Busca-se uniformização dos quadros regulatórios, como, por exemplo, as

Diretivas jurídicas, emanadas do Parlamento Europeu, almejam diálogo entre o direito e

economia, objetivando o desenvolvimento global da produção, distribuição e

comercialização dos produtos e serviços.

Novos padrões internacionais, regras de investimento multilaterais vem sendo

ditada por foros e entidades mundiais, v.g. a OMC - Organização Mundial de Comércio.

Uniformidade é indispensável, mas o desenvolvimento global não pode olvidar-

se das diferenças locais. Homogeneidade e preservação da identidade nacional são

situações complexas, especialmente quando há tantas e tão gritantes diferenças entre as

economias e os países.

É preocupante que não se considerem os riscos, pois sem um grão de

soberania não há mínima liberdade, minimiza-se o direito à cidadania ou <<o direito a ter

direitos>>.309

A polis foi ampliada, há uma ordem pública internacional que retira dos Estados-

nação o poder de impor-se sobre o comportamento alheio. 310

308MELLO, Celso A.B. de. Os 20 anos sofridos da Constituição de 1988. (In: Revista do Advogado. São Paulo: AASP, 2008, set., p.37-41). 309ARENDT, Hannah. A condição..., op. cit. 310Em geral, entendemos por „poder‟a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação (Weber, Classe, estamento, partido, Ensaios de sociologia, p. 211). Na seqüência dessa compreensão política e econômica do Poder é interessante atentar para a opinião de François Houtart, para quem o fenômeno da globalização é

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Também a produção jurídica sofre mutação, o quesito validade das normas vai

para o plano secundário.311, tornando-se inadequado pela mutação veloz ocorrida na vida

social e nos negócios.312

(...) de que o mundo inteiro corre em uma direção que já não é mais aquela do encerramento na couraça da validade, mas de uma valorização do oposto princípio da efetividade; veja-se carga vital de certos fatos e sua incisividade no social, está determinada pelas suas próprias forças interiores. (...) Direito e jurisperitos sempre (e desde sempre) enfrentaram as mutações socioeconômicas, porque a natural tendência a se estabilizarem se chocava com a igualmente natural tendência a seguir o devir da sociedade para poder convenientemente ordená-la; mas, quando, como hoje, as mutações renunciam a lentidão típica dos arranjos sóciopolíticos estáticos e se transformam em uma dinâmica que se renova muito rapidamente em tempos breves; quando, como hoje, as mudanças na vida social e econômica são acompanhadas da prodigiosa renovação das técnicas em contínua e quase cotidiana superação, com soluções perturbadoras para aquela mesma vida, comandos e textos são triturados por uma mobilidade que não se encontra no passado remoto e próximo, com escolhas imperiosas por soluções flexíveis e disponíveis, com a rejeição de toda estrutura enrijecedora. O castelo jurídico da modernidade nos aparece, se não como um castelo de areia, pelo menos como aquelas construções de barro que são lentamente erodidas pela chuva que nelas batem. (...) Hoje, é o triunfo da economia e da tecnologia, num palco mundial em que campeiam protagonistas antes desconhecidos, todos extremamente móveis, todos fugidios a claras definições de confins todos quase entidades impalpáveis e mutantes.

Mutações socioeconômicas exigem muito da ciência jurídica, mas nunca houve

tanto ataque e comprometimento dessa ciência após a globalização, na qual é nítida a

prevalência do econômico sobre o político.

Isso porque o Estado não é mais a única fonte de regulação. Empreendedores,

intelectuais, setor produtivo elaboram procedimentos e dão conteúdo ao ordenamento,

como abordado por IRTI em sua obra <<Diálogo sobre direito e técnica>>. 313

processo econômico atual e provoca o deslocamento do foco de Poder, do Estado para a empresa, „em virtude da diminuição da parte do Estado como redistribuidor de riquezas e árbitro social, o que se fez pelas ondas de privatização, não somente nos setores econômicos, mas também dos serviços públicos‟, estratégia que pode levar à destruição política da sociedade em virtude da limitação do poder que emana da organização política parlamentar (FRANÇOIS, Houtart. O estado atual da globalização, análise de conjuntura internacional feita em junho de 2001, na reunião do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, São Paulo). (NERY, Rosa. Noções preliminares...., op. cit., p. 15). 311Cumprido esse processo temos uma norma válida. (...) Sancionada a norma legal, para que se inicie o tempo de sua validade, ela deve ser publicada. Publicada a norma, diz-se, então, que a norma é vigente. (...) Vigente, portanto, é a norma válida (pertencente ao ordenamento) cuja autoridade já pode ser considerada imunizada, sendo exigíveis os comportamentos prescritos. (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2003, p. 107). 312GROSSI, Paolo. A formação..., op. cit. 5-26. 313IRTI, Natalino et. SEVERINO E. Dialogo su diritto e tecnica. Bari: Laterza, 2001, p.7-9.

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(...) o direito positivo desdobrou-se por inteiro nos procedimentos, que, como

recipientes vazios, são capazes de acolher qualquer conteúdo. A validade não descende mais de um conteúdo que sustente e justifique a norma, mas da observância dos procedimentos próprios de cada um dos ordenamentos.

Balancear os interesses é a chave, um modo de preservar as relações

econômicas e o próprio desenvolvimento, sem escravizar-se às vontades sectárias de

alguns agentes econômicos.

A regulação é essencial para ordenar o mercado e mantê-lo eficiente,314,

embora represente limitação de sua liberdade, a regulação altera os comportamentos dos

agentes.Nesse sentido, primoroso o voto do Ministro Eros GRAU, no julgamento da ADI

1950/SP, sobre a inconstitucionalidade de lei estadual, fixadora da meia-entrada

obrigatória para estudantes. 315

É, necessário considerarmos, de outra banda, como anota AVELÃ NUNES,

que a intervenção do Estado na vida econômica consubstancia num redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, identificando-se, em termos econômicos, com um principio de segurança: „A intervenção do Estado não poderá entender-se, com efeito, como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas (particularmente das grandes empresas), mas antes como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista‟. Vale dizer: a chamada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas indispensável à consolidação e preservação do sistema capitalista de mercado. Não é adversa à lógica do sistema, que em verdade não a dispensa como elemento da sua própria essência.

No direito empresarial esse balanceamento é constante, o sopesamento entre

as normas de ordem privada e pública é a tônica, dado que a busca constante na

preservação do interesse público (livre mercado, interesses dos consumidores) reflete

nos interesses dos agentes econômicos.

314 A regulação pública da economia consiste no conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla ou influencia o comportamento de agentes econômicos, tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente desejáveis (SANTOS, António C.; GONÇALVES, Maria Eduarda e MARQUES, Maria M. Leitão. Direito econômico. Coimbra: Almedina, 1998, p. 225) 315ADI 1950/SP, j. 03.11.2005, rte. CNC x Governador e Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

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O exemplo mais expressivo é a regulação dos interesses dos consumidores,

ocorrida no Brasil, pois a Lei 8.078/90 ao abordar em sua magnitude típicas relações

privadas, não deixa de caracterizar o referido diploma como de ordem pública.316

316 Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inc. XXXII; 170, inc. V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

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5. A PROTEÇÃO AOS CONSUMIDORES

Também com o mesmo aspecto dúplice, assumido pela função social da

propriedade, a proteção jurídica do consumidor foi colocada na Constituição Federal

como direito fundamental (CF, art. 5º, inc. XXXII) e como princípio conformador da ordem

econômica, (CF, art. 170, inc. V).317

A proteção do consumidor no Brasil aportou como novidade constitucional em

1988, embora figurasse em outros países – Constituições: portuguesa (1976) e

espanhola (1978).

A inspiração dos juristas que elaboraram o anteprojeto do Código de Defesa do

Consumidor foi o projeto do código do consumidor de Jean Calais-Auloy elaborou para

França, sem contar com as diretivas européias sobre o tema, especialmente aquelas

destinadas a regular publicidades e a responsabilidades pelos acidentes de consumo.

Em nosso país a Lei 8.078/90 foi mais além, mesmo para os que desprezam as

codificações, acabou representando significativo avanço de nossa sociedade,

minimizando o imenso abismo havido entre as redes de fornecedores e os milhares de

consumidores. 318

Entre as principais inovações, salienta a doutrina: _ formulação de um

conceito amplo de fornecedor...; _ um elenco de direitos básicos...; _ ampliação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica...; _ proteção contra desvios de qualidade e quantidade...; facilitação do acesso à Justiça para o consumidor...; _ incentivo à composição privada entre consumidores e fornecedores....

Essa proteção jurídica do consumidor margeou os estudos das ciências

jurídicas, mas também do que, direta ou indiretamente, dedicam-se à economia.

Recordem-se, alguns desses exemplos, o dirigismo contratual, intervencionismo judicial

317Na Constituição Federal há outros dispositivos de proteção ao consumidor, v.g.,art 150, § 5º e 175. 318TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro. (In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, nº. 60, 2006, p. 7-36).

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na autonomia da vontade, minimização na intangibilidade dos contratos, outras

características, todas, enfim, demonstrativas da prevalência aos interesses sociais sobre

os meramente individuais319

De qualquer modo, cedo ou tarde isso ocorreria, já que a sociedade de consumo

alterou profundamente os papéis e relações estabelecidas entre produtores e

consumidores, até então consideradas tecnicamente paritárias.

Historicamente o enfrentamento das difíceis relações entre capital e trabalho,

empregados e empregadores, Estado e cidadãos passou pelo crivo de muitos analistas,

mas isso, de fato, não facilitou a compreensão da hipercomplexa relação de consumo.

Aliás, COMPARATO, consagrado analista das ciências jurídicas, alertou que as

relações entre capital e trabalho são muito nítidas, com definições claras, o que não

ocorre nas relações de consumo.320

A rigor, todos nós somos consumidores; o próprio Estado é consumidor, e

dos mais importantes; e grande parte dos consumidores acha-se, também, inserida no mecanismo da produção, direta e ou indiretamente. Eis porque, na arbitragem de conflitos desse tipo, nem sempre nos deparamos com uma nítida distinção entre‟ fracos e poderosos‟, em campos opostos. Os consumidores mais desprotegidos , diante de uma medida administrativa que afete o interesse dos organismos de produção para o qual trabalham , tenderão tomar o partido deste e não da classe dos consumidores em geral, como tem sido visto em episódios recente.

Essas dificuldades foram debatidas amplamente no ano de 72, na Conferência

Mundial do Consumidor realizada em Estocolmo, dando ensejo a certo consenso sobre o

tema. Estabeleceram-se quatro direitos fundamentais dos consumidores: segurança,

319O Código de Defesa do Consumidor, posterior ao regramento do direito trabalhista em nosso país, representou um novo modo de ver o direito privado. Isso é evidente pelo exame do Código Civil brasileiro de 2002, que a despeito de significativas impropriedades representou o “ingressar em uma nova etapa do Direito Privado brasileiro, com novas regras e a correção de muitas carências acumuladas ao longo do tempo, com a renovação de conceitos e princípios e a esperança de dias melhores, nos quais tenham maior proteção os direitos do cidadão e da pessoa humana”. (TEIXEIRA, Sálvio de F. O novo Código Civil. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 7). 320COMPARATO, Fábio K. A proteção do consumidor: Importante capítulo do direito econômico (In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro – RDM. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.13, n.15/16, 1974. p. 89 ss).

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informação adequada, direito de escolha e o direito de ser ouvido nos processos de

decisão governamental sobre questões temáticas.

Antes se supõe, já no século I a.C. havia embrião da proteção jurídica do

consumidor, o que mais tarde concretizou-se na ação estatal contra os vícios ocultos na

compra e venda de produtos. 321

Isso se repetiu no século XIII com regras rígidas de qualidade aos artesãos,

disseminou-se a responsabilidade pelos vícios e temas correlatos, posteriormente foram

absorvidos no Código Napoleônico e em outros códigos europeus. 322

No Brasil, de fato, antes mesmo da Constituição de 1988, já havia alguma

preocupação com questões ligadas à economia massificada e ao consumo padronizado.

A Constituição de 1946, reconhecendo o desequilíbrio real e insustentável nas

relações de mercado, estatuiu regras de repressão ao poder econômico, passo inicial

para a defesa do consumidor. 323

(...) a proteção jurídica do consumidor é, de fato, uma necessidade atual no

Direito dos povos e, a exemplo desequilíbrio existente entre as relações entre capital e trabalho, exige uma ação estatal efetiva, seja legislativa ou administrativa, para o reequilíbrio das relações de consumo operadas no mercado, seja em sede constitucional ou infraconstitucional; aliás, no Brasil, tal já é reclamado pelos jurisdicionados há algum tempo e, fora, afinal, acolhida pela Constituição Federal de 1988, legitimando-se in totum e esta sempre reclamada na ação estatal.

O consumo sempre fez parte da experiência dos homens, na verdade, de um

modo mais ou menos profissional, os fornecedores constantemente propõe aos

321SIDOU, J.M.Othon. Proteção ao consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 5. 322O Direito em sua perspectiva de acompanhar os fenômenos sociais, aqui recordando o aforismo latino ius oritur factum, há muito protege o consumidor, em suas vestes de comprador, locatário de bens e serviços, passageiro de transporte, segurado etc. Embora sem um tratamento sistematizado, é de longa data a disciplina legal, doutrinária e jurisprudencial dos direitos dessas categorias como exemplificam os códigos civis dos países do tronco romano-germânico, vinculados a vertente da Civil Law. (TEIXEIRA, Sálvio de F. A proteção do consumidor no sistema jurídico brasileiro. Revista de direito do consumidor, São Paulo: RT, vol. 60, 2006, p 7-36). 323SILVA, José Afonso da . Curso de direito constitucional positivo. op. cit, p. 255.

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consumidores ofertas extraordinárias, colocando a massa de consumidores de frente à

contínuas demandas. 324

Constantemente os fornecedores buscam ampliação dos negócios, isso

desperta ações concorrenciais, mas nem sempre se envolvem em boas práticas

comerciais, justificando, pois o movimento em prol da regulação 325

La sujeción del consumidor a uma dependência vital respecto de la empresa,

se sistematiza mediante la creación de um marco falseado, de confianza y seguridad, tendiente a obstaculizar la percepción de la real situacion de conflicto estructural, que existe entre sus intereses contrapuestos. Como natural reacción social, contra la injusta presión económica ejercida por una de las partes, comienzan a surgir diversos movimientos, com objeto de recomponer el equilíbrio que de eses modo han perdido relaciones pesonales. Es decir, una actitud de defensa del consumidor, encauzada hacia la institcionalzación de los distintos instrumentos jurídicos que se puede accionar a esos fines.

Essa preocupação com o mercado disseminou não somente a proteção aos

consumidores, mas também realçaram a liberdade dos concorrentes, da propriedade

industrial, regras de repressão ao abuso de poder econômico.

Chama atenção o modo como dois sujeitos se relacionam, como essa relação

tem tamanhas peculiaridades, tendo despertado posição de destaque perante os

cientistas do Direito.

324 O olhar publicitário incita uma gratificação ao consumidor por reconhecer a identidade e o estilo de cada um, além de estar sempre solícito a mostrar novas tendências de conforto, tecnologia e moda. Em contrapartida, promove uma repressão dos sentidos, principalmente, por conduzir a aceitação de desejos comuns. (...) A maioria das peças publicitárias empenha-se em mostrar os desejos em referência às legitimações coletivas e quase não enfoca a espontaneidade de necessidades individuais, sem, necessariamente, mostrar o reforço de grandes aceitações sociais. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2002, 184-185. 325 Em tradução livre: A sujeição do consumidor a uma dependência vital da empresa é sistematizada por meio de quadro distorcido de confiança e segurança. Isso dificulta a real percepção do conflito estrutural havido entre os seus interesses. Como natural reação social contra a injusta pressão econômica exercida por uma das partes, os movimentos surgiram com vistas a recompor o equilíbrio dessas relações. Ou seja, uma atitude de defesa do consumidor, a institucionalização de diferentes instrumentos jurídicos, que podem ser exploradas para esse fim. (STIGLITZ, Gabriel A. Protección jurídica del consumidor. Buenos Aires: Depalma, 1986, p.3).

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5.1. Os sujeitos relacionados no consumo

Como toda relação jurídica a de consumo também demanda a presença mínima

de dois atores sociais <<fornecedores e consumidores>>.326

Essa presença mínima pode amplificar-se e muito, o que será visto na análise

dos consumidores por equiparação, mas a falta de unicidade conceitual enseja o

conhecimento mais cuidadoso desses atores sociais.

5.1.1. Definição de consumidor

Fixar o conceito é importante, pois a partir disso é mais fácil compreender o

âmbito e a extensão da proteção jurídica.327

As expressões <<consumo e consumidor>> atrelam-se à idéia de destruição ou

uso do bem, cujo objetivo é satisfação de uma necessidade própria pessoal ou familiar.

Exclui, desde logo, aquele que adquire produtos ou serviços no bojo de sua

atividade profissional, comercial, financeiro ou industrial.328

(...) o consumidor é uma pessoa física ou jurídica que adquire, possui ou utiliza bem ou serviço colocado no centro do sistema econômico por um profissional, sem perseguir ela própria a fabricação, a transformação, a distribuição ou a prestação no âmbito de um comércio ou de uma profissão.

326FILOMENO, José G. B. (...) toda relação de consumo:a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (consumidor) e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços”. (In: Código brasileiro de defesa do consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, ano 2001, p. 28) 327 Embora nem sempre desejáveis, as definições no caso das relações de consumo são úteis, pois empregadas de modo bem variado. Lembra ALMEIDA: a determinação do objecto, a maior ou menor extensão do direito do consumo, depende para a maioria dos autores, directa ou indirectamente, do conceito de consumidor, geralmente envolvido ou pressuposto na própria designação da disciplina (direito do consumidor) ou na sua justificação (proteção do consumidor). ALMEIDA, Carlos Ferreira. Direito do consumo. Coimbra:Almedina, 2005, p. 25 328BOURGOIGNIE, Thierry. O conceito jurídico de consumidor. Revista de Direito do Consumidor. nº. 2, São Paulo: RT, 1991, p. 16ss.

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A interpretação restrita é tendência no direito europeu, especialmente no alemão

e francês. 329

A doutrina européia, embora admitindo expressamente que de forma lata as

pessoas jurídicas sejam realmente consumidoras e como tais atuam como consumidoras no mercado de consumo, em sua maioria, prefere entender que a legislação protetiva deve somente alcançar as pessoas naturais (físicas) e morais (entidades assistenciais, de beneficência, etc).

Aliás, vários são os países que como a França, em que a tese dominante

vincula o conceito de consumidor à situação de um não-profissional. Então, consumidor é

aquele que pratica atos jurídicos, visando obter serviço ou produto para satisfação de

necessidade pessoal ou familiar 330, alerte-se que ainda sim naquele país o conceito é

inespecífico, sua definição vai sendo construída na jurisprudência e na doutrina. 331

Essa idéia lembra o início dos discursos em prol da defesa do consumidor, pois

o não exercício profissional é marco na teoria finalista, desenvolvida nos primórdios do

direito consumerista. 332

Entretanto, o móvel é proteger aquele considerado mais vulnerável na relação

jurídica.

Muitos diplomas jurídicos expressam esse perfil. 333

329EFING, Antonio C. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2000, p. 41. 330 WALD, Arnold. O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras. (In: Lei de Defesa do Consumidor. coord. Geraldo Vidigal. São Paulo: IBCB, 1991, p. 57). 331 CALAIS-AULOY, Jean e STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation. Paris: Dalloz, 1996, p.3. 332Consumerismo é o termo para nominar grupo de ativistas norte-americanos, que se lançaram ao questionamento da produção e da comunicação em massa, a periculosidade dos produtos, as informações, o marketing. (ZULZKE, Maria L. Abrindo a empresa para o consumidor. São Paulo: Qualitymark, 1991, p. 4). 333 ZANELLATTO revela-nos: no direito espanhol Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Usuários (LGDCU.), de 1984, dispõe, no art. 1.2, que “a los efectos de esta ley son consumidores y usuarios las personas físicas o jurídicas que adquierem, utilizam o disfrutan como destinatarios finales, bienes muebles o inmuebles, productos, servicios, actividades o funciones, cualquiera que sea la naturaleza pública o privada, individual o colectiva de quienes los producen, facilitan, sumnistran o expiden”. O mesmo estudo faz alusão à lei portuguesa: “A Lei de Defesa do Consumidor (LDC), no art. 2º/1, considera consumidor:“todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade econômica que vise à obtenção de benefícios”. Mais à frente ZANELLATO aborda o direito do consumidor em Quebec pontuando: “dois requisitos essenciais na definição de consumidor (consommateur): a) a pessoa física; e b) a finalidade do bem ou do serviço adquirido”. ZANELLATO, Marco A. Noção jurídica do consumidor. (In:Justitia, São Paulo:MPSP, jul/dez, 2007, p. 255ss).

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Boa parte da legislação considera esse agir não profissional é essencial ao

conceito de consumidor, como expressa o texto da comunidade européia (Diretiva 93/13

CEE, 5 de abril de 1993): “toda pessoa física que, nas operações de venda ou de

prestação de serviços, age com fins exteriores à sua atividade profissional”.

Conteúdo similar é visto no Código Civil alemão (2000), destacando-se o § 13

do BGB: <<consumidor é qualquer pessoa física que conclui um negócio jurídico cuja

finalidade não tem ligação com sua atividade comercial ou profissional>>.

A tendência é adotar-se o conceito restritivo de consumidor. Entretanto, no

passado não foram poucos os que viam os consumidores como aqueles que adquirissem

bens ou serviços no mercado de consumo.

A desigualdade de conhecimento técnico específico sobre produtos e serviços,

motivava os maximalistas a estender desmesuradamente o conceito de consumidor. Hoje

a tendência é pela teoria restritivo-finalista, cujo elemento básico é <<não-

profissionalidade do consumidor>>.334

As pessoas jurídicas até podem usufruir a condição de consumidoras, mas isso

implica um exame mais minucioso.335

Todavia, quando a pessoa jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços é uma empresa, nem sempre ela terá a privilegiada qualificação de consumidor, pois nem sempre ela o fará na condição de destinatária final. Não obstante atuar no pleno exercício de sua atividade econômica – adquirindo, por exemplo, produtos a que ela se destinam -, ela poderá operar, quando da conclusão do contrato, fora do domínio de sua especialidade ou do âmbito específico de sua atividade industrial ou negocial, ou simplesmente de sua atividade empresarial. Nesta hipótese, sem margem para dúvida, diante da verificação do elemento teleológico (destinatário final) exigido pela lei, ela poderá ser considerada consumidora.

334MARQUES, Cláudia L Código civil alemão muda para incluir a figura do consumidor: renasce o “direito civil geral e social”? (In: Revista Trimestral de Direito Civil, v. 3, Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. 270 ss). 335 ZANELLATO, Marco A. Noção jurídica.... op. cit., p. 258.

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Isso assentado ainda é necessário ver a multiplicidade conceitual de consumidor

em nosso país. Aliás, no próprio Código de Defesa do Consumidor há quatro situações

peculiares.

Inicialmente, o consumidor padrão (CDC, art. 2º), conceito no qual se inclui a

pessoa jurídica.

De fato, retira-se do dispositivo, o pressuposto básico é que usuário ou

adquirente do produto ou serviço seja o destinatário final.

Então, essa finalidade restringe o conceito de consumidor, o que é produtivo

para a efetividade da proteção jurídica. 336

Efetivamente, se a todos considerarmos consumidores, a nenhum trataremos

diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não serve mais para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual. E mais, passa a ser um direito comum, nem civil, mas sim comercial, nacional e internacional, o que não parece correto.

A falta de clareza sobre isso acarretou dissenso na doutrina e na jurisprudência.

De um lado, julgados que permitiam aos empresários usufruírem dessa proteção

especial, ainda quando a aquisição tivesse sido realizada no âmbito de sua atividade. A

motivação, deduz-se, estava na vulnerabilidade de alguns empresários quando

comprados a outros.337

Contudo, essa não é a posição majoritária na jurisprudência, pois partidária do

finalismo, a exemplo do Tribunal de Justiça de São Paulo. 338

A pessoa jurídica não pode ser qualificada como consumidora porque utilizou

o numerário para desenvolvimento de sua atividade, não como destinatária final do

336 MARQUES, Cláudia L. Código civil alemão....., p.307. 337 O empresário ou sociedade empresária que tenha por atividade precípua a distribuição, no atacado ou no varejo, de medicamentos, deve ser considerado destinatário final do serviço de pagamento por meio de cartão de crédito, porquanto esta atividade não integra, diretamente, o produto objeto de sua empresa. Confiram-se esses julgados REsp. 263.229-SP(DJ.09.04.2001); REsp. 208.793-MT (DJ 01.08.2000), CC 41056 / SP, Conf.Comp. 2003/0227418-6, Min. A.Passarinho, j. 23.06.2004. 338AI-SP no. 7192443900/SP, Rel. Ricardo Negrão,19ªCDPrivado, j.15.04.2008.

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produto, a quem a legislação consumerista visa proteger. Já consolidado entendimento quanto à não incidência do Código de Defesa do Consumidor em contratos firmados por empresários visando o incremento da atividade negocial, com valoração de aviamento. De acordo com a teoria finalista vigente em nosso ordenamento não há qualificação como relação consumerista.

De fato, a preocupação em proteger o empresário mais vulnerável deixou de ser

pertinente, principalmente depois da entrada em vigor do Código Civil em 2002, pois

preencheu o vazio normativo no cenário brasileiro, pois trouxe dispositivos aptos em

garantir equilíbrio e segurança dos negócios jurídicos. 339

Não se pode deixar de reconhecer que no estágio em que se encontra o

direito civil brasileiro impõe-se a necessidade de revisão do conceito de consumidor, com a adoção da teoria finalística em seus termos originais, posto existirem atualmente meios próprios e eficazes para a defesa do interesse do jurisdicionado de um modo geral, não sendo necessário recorrer-se a diplomas específicos, como vem ocorrendo com o CDC, utilizando-se de formas ampliativas de conceituação de consumidor.

Analisando-se os artigos 931 e o parágrafo único do art. 927, ambos do diploma

civil340, nota-se semelhança exuberante com a responsabilidade pelo fato do produto,

tratada no artigo art.12 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. 341

Isso dispensa qualquer aplicação extensiva, conforme análise de AFONSO feita

sobre o art. 931 do Código Civil. 342

339SILVA, Gustavo Passarelli da. A possibilidade alteração dos contratos no novo Código Civil e a necessária revisão do conceito do consumidor previsto na Lei 8.078/90. (Disponível em http:www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4046, acesso em 23.05.08). 340 Art. 927..... (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem. Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. 341É a consagração, afinal, de uma das espécies de risco, o chamado risco da empresa, mercê do qual quem exerce, profissionalmente, atividade organizada tendente à colocação de bens e serviços no mercado, deve arcar com os danos que daí podem advir ao adquirente ou a terceiros. (...) como fixado em 11 de setembro de 2002, cujo conceito agora se amplia pelo art. 931 do Código Civil de 2002, imputando-se responsabilidade civil às empresas e a empresários individuais vinculados à circulação de produtos, mesmo fora de uma relação de consumo (Enunciado n. 42). Assim, aplicar-se-á o Código Civil naquelas hipóteses em que não se configure vínculo de consumo, como quando se fornece produto a outro profissional que não o utiliza como destinatário final. (GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Código civil comentado. Doutrina e jurisprudência. Org. Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 2007, p. 773-774). 342 AFONSO, Humberto M. Alves. A responsabilidade empresarial no código civil. (In: Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez, 2004, nº. 321, p. 73-83).

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(...) cuida da responsabilidade objetiva do empresário pelos danos causados pelos produtos que põem em circulação. (...) Assim, o Direito Civil passou a proteger o lesado que não é considerado consumidor.

Essa visão é mais adequada à aplicação da Lei 8.078/90, então, somente

receberá proteção do CDC, a pessoa jurídica empresária que adquira ou use bens ou

serviços fora do âmbito de sua atividade produtiva, comercial, empresarial ou

profissional.343

Enfim, consumidor é o que adquire ou contrata para seu uso ou proveito e não

para outra finalidade. 344

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço,

seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para a revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria “destinação final do produto ou serviço”.

Diferenciada é a compreensão dos consumidores por equiparação, conforme

referência feita no parágrafo único do mesmo art. 2º do Código de Defesa do

Consumidor, que acolhe universalidades de consumidores, atingidos em seus interesses

e que por isso podem ser protegidos inclusive no âmbito judicial (CDC, art. 81): 345

Desta forma, além dos aspectos já tratados em passos anteriores, o que se

tem em mira no parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias de potenciais consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídico-processuais para que possam obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis (...).

343MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo.São Paulo: RT, 1996, p. 168. 344 Idem. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2002, p. 253-4. 345FILOMENO, José G. Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor. Comentado, op. cit., p. 35.

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Os referidos dispositivos <<art.2º, § único e arts. 81 ss>> possuem a grandeza

de abrirem caminho ao trato da tutela jurídica coletiva e difusa dos consumidores, o que,

de certa forma, já estava razoavelmente costurado na Lei 7.347/85. 346

A terceira perspectiva de consumidor salvaguarda vítimas de eventos danosos,

decorrentes do consumo de produtos e serviços colocados no mercado de consumo.

Na perspectiva do CDC há equiparação entre todas as vítimas do acidente de

consumo, independentemente de ter havido ou não prévio negócio jurídico.347

Com efeito, as vítimas de um acidente de consumo, que não contrataram com o fornecedor (fabricante, importador, comerciante, etc) a aquisição do produto ou serviço, nem fizeram uso deles, sendo pessoas estranhas ao negócio jurídico de venda do produto ou do serviço e não tendo feito uso deles, não são passíveis de enquadramento no conceito padrão de consumidor. (...). São consumidores, todavia, por força da equiparação do precitado art. 17.

Com efeito, o art. 17 do CDC faz referências às hipóteses de responsabilidades

decorrentes de acidentes de consumo provocadas por produto ou serviço defeituoso.348,

assegurando-se os interesses de terceiros <<bystanders>>, estranhos à relação de

consumo, desde que tenham experimentado danos em razão dos defeitos dos produtos

ou serviços expostos no mercado de consumo. 349

Lamentavelmente são conhecidos muitos exemplos: <<naufrágio de Bateu

Mouche>>, <<explosão do Shopping Osasco>>, <<acidentes aéreos>>.350

346ZANELLATO, Marco A. Considerações sobre o conceito jurídico de consumidor. (In: Atuação jurídica especial – defesa do consumidor. Florianópolis: Associação catarinense do Ministério Público, 2002, n. 10, p. 39-52). 347 ZANELLATO, Marco A. Noção jurídica de consumidor. op. cit. p. 260

348 CDC, Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. 349DENARI, Zelmo. Autor do anteprojeto recorda-se: Lima Lopes assinala que a proteção de terceiro foi progressivamente acolhida a partir da decisão do juiz Benjamin Cardozo em Macpherson vs. Buick Co., em que se dispensava o consumidor da exigência da relação contratual direta (privity of contract) com o fabricante. Mas a jurisprudência norte-americana vacilava, ainda, a respeito da natureza contractual ou extracontratual dessa responsabilidade. O abandono decidido de qualquer tom contratualista deu-se no caso de Hennigsen vs. Bloomfield, em que se reconheceu na garantia do fornecedor uma seqüela até o usuário final, nos termos da decisão da Suprema Corte de New Jersey. (In: Código brasileiro de defesa do consumidor. Comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense Universitária, ano 2001, p. 178). 350 Tome-se o trágico exemplo relativo ao trágico acidente aéreo, ocorrido aos 17 de julho de 2007 na cidade de São Paulo, que vitimou todos os passageiros e outros, por exemplo, os que se encontravam no prédio comercial, contra o qual chocou-se a aeronave. Com efeito, tirante os adquirentes de passagens, os demais não mantinham, de fato, com a companhia aérea fornecedora, qualquer relação jurídica de consumo, mas a eles se equipararam, <<arts. 17 e 2o, § único do CDC>>. Isso permitiu aos familiares o mesmo tratamento jurídico dado aos familiares dos consumidores padrão.

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Por fim, de modo bastante genérico, o Código de Defesa do Consumidor

equipara a condição de consumidores todos os que se exponham às práticas comerciais,

tidas como inadequadas (art. 29).

Toda generalidade desse dispositivo não serve aos exageros interpretativos,351

mas se traduz em princípio constitucional de proteção aos consumidores abstratamente

considerados. 352

(..) A aludida norma protege, de um lado, os consumidores potenciais, na fase pré-contratual, das negociações preliminares ou da oferta; por outro lado, protege os consumidores que são expostos ou sofrem a ação de diversas práticas abusivas que se desenvolvem sem relação direta com a conclusão de um contrato, como a publicidade enganosa ou abusiva e outros instrumentos de marketing, como o envio ou entrega ao consumidor, sem solicitação prévia, de qualquer produto, promoções de venda (brindes, sorteios, amostragens, concursos, degustações de produtos, etc.); (...) Tais práticas, via de regra, como assinalamos, não guardam relação direta com um contrato previamente concluído entre as partes, de modo a se justificar a extensão legal do conceito de consumidor para alcançá-las.

5.2.2. O conceito de fornecedor segundo a Lei 8.078/90.

Na conceituação do <<fornecedor>> também são várias as possibilidades, mas

preferível a que concebe como o sujeito que provê ou abastece mercadorias ou serviços

aos consumidores.353

Como um dos sujeitos da relação de consumo, o fornecedor foi definido pelo

legislador brasileiro de modo amplíssimo (CDC, art. 3º):

(...) toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,

bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,

351 Não é possível imaginar-se que haja extensão inclusive para incluir as empresas em suas atividades negociais, pelas razões já apontadas. 352ZANELLATO, Marco Antonio. Noção jurídica...Op. cit., p. . 262. 353Para Plácido e Silva <<fornecedor é comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários ao seu consumo>>. (Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense. 1973, vol. 2. p. 714).

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montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Grande auxílio empresta o direito empresarial no aprofundamento do conceito

de um dos sujeitos da relação jurídica, pois o núcleo central desse ramo da ciência é a

profissionalidade.

Outro aspecto importante é a bilateralidade da relação, pois esta exige haja um

sujeito consumidor ocupando um dos pólos da relação, o que de pronto exclui relações

trabalhistas. 354

Também o poder público está apto a essa posição jurídica, por si ou nas suas

formas derivadas de prestação de serviços <<concessionárias, permissionárias,

empresas públicas e outras>>. 355

5.2.2.1. Fornecimento em rede ou cadeia de fornecimento

Além dos fornecedores, individualmente considerados, é ponderável o exame da

rede ou cadeia de fornecedores.

Aliás, no novo contexto econômico o individualismo contratual cedeu passo à

contratação em cadeia ou grupal, pois na atualidade não se imagina, que o acesso aos

bens e serviços, de fato, provenha de um único fornecedor.

A demanda dos consumidores exigiu que as empresas armassem rede ou no

mínimo colaboração empresária.356 Essa colaboração não é circunstancial, mas

354Aplicabilidade do CDC aos serviços bancários: ADI 2591/DF- Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j.07/06/2006, Tribunal Pleno. Reqte: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO x Reqdo: PRESIDENTE DA REPÚBLICA e CONGRESSO NACIONAL. EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL” 355CDC, art. 3º e 22º 356 ITURRASPE, Jorge Mosset. Contratos conexos. Grupos y redes de contratos. Rubinzal-Culzoni, 1999, p. 9.

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sistemática, envolvendo muitos contratos dos quais derivam direitos e deveres, em que

há menos contraposição dos interessados e mais grupos de colaboração.

MACEDO JUNIOR ao estudar a teoria dos contratos relacionais, esclarece que

os contratos, de fato, são, antes de tudo, são instrumentos de cooperação social.357

Com efeito, o fornecimento envolve redes de atividades conexas e

interdependentes, ampliando assim a própria relação de consumo. Basta que uma das

várias relações da rede seja de consumo, já haverá da proteção relativa. 358

Haverá relação de consumo sempre, que o contrato entre empresas para o fornecimento de bens ou serviços atinjam consumidores finais trabalhadores vulneráveis e não envolva a aquisição de insumos ou bens de produção...4. Os planos de saúde e de previdência privada pagos integralmente pelo empregador em favor de seus funcionários estão submetidas ao CDC naquilo que afetarem os interesses dos consumidores.

Claro, cada um dos empresários se une à rede por interesses particularizados,

mas esses ajustes mercantis repercutem diretamente sobre os direitos dos

consumidores, produzindo um encadeamento profissional no fornecimento de bens e

serviços.

Sob o ponto de vista jurídico, todos os parceiros são garantes de uma única

operação econômica para os fins de proteção dos consumidores. 359

O conceito de fornecedor também se ampliou e seguindo a linha alemã, rumou

ao conceitual de empresariado. 360

357 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo P. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998. 358 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo P. Relação de consumo sem contratação de consumo. Quando o empresário paga a conta. In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. nº. 27, 1998, p. 42-48. 359 RIBEIRO, Luciana Antonini. A nova pluralidade de sujeitos e vínculos contratuais: contratos conexos e grupos contratuais. (In: A nova crise do contrato e a nova teoria contratual. Marques, Cláudia Lima (org). São Paulo: RT, p. 429-482). 360MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços. In: Revista de direito do consumidor. nº. 35, São Paulo: RT, 2000, p. 61 ss.

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(novo §14 do BGB). Esta definição de „fornecedor‟ é diferente, pois, em verdade, optou pela expressão „empresário‟. Empresário (Unternehmer), segundo o novo § 14 do BGB, é „uma pessoa física ou pessoa jurídica ou uma sociedade de pessoa, que na conclusão de um negócio jurídico está usando de ou com a finalidade de sua atividade profissional, própria ou comercial‟.(...) Na definição alemã, a concentração é toda na atividade profissional ou comercial do agente no mercado, não no fato deste agente „fornecer‟ algum produto ou serviço, remunerado ou não, neste mercado globalizado e desmaterializado.

Isso modificou o conceito dos fornecedores no mercado de consumo. Exemplos

não faltam no reconhecimento disto, principalmente quanto à responsabilidade solidária

havida entre vários empresários, por exemplo, que apõem sua marca no produto, que

prestam serviços de cadastramento dos inadimplentes, realizam intermediação de

serviços e outros. 361

5.2.2.2. Fornecedores e a gratuidade dos serviços

Outra marca típica na relação de consumo é a remuneração.

Isso não significa necessariamente pagamento, pois diferente não haveria

explicação para as duas hipóteses que dispensam desembolso pecuniário (CDC, arts. 17

e 29).

Colacionem-se as lições de MARQUES sobre o melhor entendimento da

expressão <<mediante remuneração>> contida no art. 3º da Lei 8.078/90. 362

A expressão remuneração permite incluir todos aqueles contratos em que for

possível identificar no sinalagma escondido (contraprestação escondida) (uma remuneração indireta do serviço de consumo). (..) O serviço de consumo (por exemplo, transporte) é que deve ser remunerado, não se exige que o consumidor (por exemplo, o idoso destinatário final do transporte, art. 230, § 2º, da CF/88) o tenha remunerado diretamente, isto é, que para ele seja „oneroso‟.

361Filmadora adquirida no exterior que apresentou defeito atribuição de responsabilidade ao representante da mesma marca no país (In: Resp. 63.981-SP, Min. Aldir Passarinho, j. 04.05.2000); Cadastro de inadimplentes e a responsabilidade para os fornecedores da cadeia que se utilizam desta atividade negocial de bancos de dados (In: Apelação 59946.7347, TJRS, Des. Luis Antonio Coelho Braga, j. 28.2.2000); Incêndio em embarcação de empresa contratada por agência de turismo, que organizava pacotes turísticos (In: Resp. 291.384/RJ, Min. Rosado de Aguiar, j. 15.05.01) etc. 362MARQUES, Cláudia Lima. op. cit., p. 328-329.

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O legislador abriu três possibilidades: i) remuneração direta feita pelo

consumidor; ii) indireta, por exemplo, nas práticas de marketing, onde o custo é diluído no

preço final; iii) serviços totalmente gratuitos, mas que ainda sim garantem ao fornecedor

ganhos inerentes à sua empresarialidade. 363

Aliás, gratuidade em regra é falácia, como desvendado no julgado sobre os

contratos de depósitos em conta de poupança em que se reconheceu a remuneração

implícita. 364

Na compra e venda é fácil ver o pagamento ou promessa de pagamento, o

mesmo ocorre na prestação de serviço (transportes, lavanderias, restaurantes etc), mas

sutil é a interpretação, por exemplo no marketing empresarial, concebido como uma das

muitas atividades praticadas para escoar a produção.

Com esse objetivo a empresa adota direta ou indiretamente técnicas e métodos,

que se distinguem da produção <<lato sensu>>, nem sempre diretamente remuneradas

pelo consumidor.365

O marketing empresarial, conforme configuração a ele dada por sua própria

teoria, corresponde às atividades de pré-venda da empresa e, enquadra-se, indubitavelmente, como uma espécie de prática comercial, qualificando-se como uma prática comercial por conexão, não tendo natureza contratual, mas pré-contratual, já que a função mercadológica do marketing, sob a ótica empresarial, é, justamente, provocar um aumento na demanda; ou seja, diferentemente de ser um ato de fornecimento em si, consiste em uma prática que a este leva ou induz, representando,

363Exemplos não faltam, cite-se o serviço hipoteticamente gratuito oferecido a título de demonstração ou promoção (acompanhando „gratuitamente‟ serviço remunerado ou produto adquirido cujo serviço de instalação seja „oferta da casa). Pense-se numa determinada concessionária de veículos, cujo anúncio promove troca de jogo de pastilhas de freio com instalação gratuita. Gratuidade é hipotética, pois evidentemente o custo do serviço estará embutido no preço de venda da peça automotiva. (MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto . São Paulo:RT, 1993, p. 82) 364Alguns pugnavam pela inaplicabilidade do CDC aos contratos de poupança pela gratuidade ao depositante ou ausência de remuneração às empresas depositárias. Porém, desmistificando a tese da gratuidade: “O Código de Defesa do Consumidor quando define serviço, dispõe ser ele qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira e de crédito... A caderneta de poupança é se dúvida, um serviço colocado à disposição do consumidor pelos bancos, que lucra com isso. A „remuneração‟ à qual a lei não é somente uma contraprestação pecuniária paga pelo interessado, mas qualquer tipo de lucro que se possa extrair da atividade oferecida” (Cf. Apel. Civ., 581.830/6, j. 25.04.1996, rel. Juiz Silveira Paulilo, 1º.TACSP). 365SANTOS, Fernando G. Direito do marketing. São Paulo: RT, 2000, p.133.

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assim, a atividade empresarial que provoca o consumo e, ispo facto, um aumento da lucratividade, além de providenciar, ao consumidor, os serviços de pós-venda (os quais, de um certo ponto de vista, visam futuras vendas).

Brilhantes os esclarecimentos sobre a remuneração feita na publicidade: 366

Registrem-se, aliás, que o mesmo Código de Defesa do Consumidor regula as conseqüências da publicidade abusiva e enganosa (art. 36 usque 38) cujas hipóteses não pressupõem qualquer relação contratual entre o emissor da mensagem (via de regra, fornecedor) e o seu receptor (o consumidor).

Enfim, se a remuneração é sempre indispensável, ela pode ser feita por várias

formas, não apenas pelo tradicional pagamento ou promessa de pagamento.

5.3. Natureza jurídica da proteção ao consumidor

A chegada da Lei 8.078/90 causou certa histeria em alguns setores do

empresariado, aos poucos o Código de Defesa do Consumidor passou aos se devido

lugar.

Embora o regramento seja infraconstitucional, de fato, a proteção jurídica ocupa

espaço relevante na Constituição, principalmente pelo tratamento de direito fundamental

dado ao tema.

De fato, é na Constituição que se nota a importância dada pela sociedade

brasileira à proteção do consumidor, vista como tema de direito fundamental (CF, art. 5º,

XXXII) reforçada também como princípio informador da ordem econômica (CF, art. 170,

inc. V).

Esses dois dispositivos constitucionais renovam o sistema, propositalmente

colocados, como princípio funciona como elemento que conforma e atualiza a ordem

366PODESTÁ, Fábio H. Interesses difusos, qualidade da comunicação e controle judicial. São Paulo: RT, 2002, p. 122.

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econômica, já na sua condição de direito fundamental, tal como propôs ALEXY, estimula

a busca pela dignidade humana, pela efetividade das liberdades e pela igualdade real. 367

Aliás, a proteção ao consumidor como direito fundamental368 indica o espaço

precioso dado a esse tema, revelador do estágio avançado de constitucionalismo, como

bem definiu CANOTILHO. 369

Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo

limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.

A proteção aos consumidores, enquanto direito fundamental, é algo intangível,

isto é, nenhuma regulação pode suprimir-lhe essa condição, o que traz segurança aos

indivíduos e a própria sociedade.

Universalização dos direitos e liberdades e suas respectivas garantias são

marcos do moderno constitucionalismo, outrora entendidos como simples defesas contra

o poder político.

Na verdade, o significado dos direitos fundamentais tem mesmo essas duas

implicâncias: uma inerente à condição humana <<vida, liberdades>>, invocável em

qualquer situação; outra delimitadora da ação do Estado, nas manifestações imperativas

e nas relações mantidas com a sociedade, por exemplo, evitando abusos <<motivação

nas decisões, acesso à justiça>>.370

367ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Op. cit, p. 341. 368Para Alexy os fundamentais são aqueles essencialmente direitos do homem, transformados em direito positivo. A estrutura jurídica positivada dá aos direitos humanos, desgastados ao longo das guerras e no passar da história, a condição de direito fundamental. (ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático. In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, no. 217, jul-set/1999, p.73-75). 369CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional..., op. cit., p. 45-46. 370Podem assumir essa dupla faceta: O direito fundamental à vida, enquanto direito subjetivo, autoriza o amparo judicial frente a toda atuação dos poderes públicos que o ameace em sua integridade. De outra parte,como fundamento objetivo do ordenamento, impõe ao mesmo poder público, em especial ao legislador, o dever de adotar medidas necessárias para proteger esses bens, frente aos ataques de terceiros (UBILLOS, Juan Maria Bilbao. La eficácia de los derechos fundamentais frente a los particulares. Madrid: Imprensa Nacional del Boletin Oficial del Estado, 1997, p. 293).

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Hodiernamente, direitos fundamentais servem como elemento essencial de

interpretação e de parâmetro, por isso, cada vez mais invocados pelos aplicadores do

direito na solução de questões concretas.

Os direitos fundamentais exigem razoável exercício hermenêutico371, no qual o

interessado, observando conteúdos principiológicos constitucionais, experimentará, tanto

quanto possível, a concretização da força normativa constitucional.

De outro lado, sendo a proteção do consumidor também um princípio

constitucional, funciona como mandado de otimização, cuja função é realizar algo do

modo mais amplo, mas sem afastamento da realidade fática e jurídica.

Aliás, o princípio da proteção do consumidor tem por propósito estabelecer uma

pauta de atuação ao aplicador. 372

Nas situações concretas, vividas entre fornecedores e consumidores, as

questões nem sempre se colocam de modo transparente e claro, por vezes parece haver

mais de um princípio aplicável, v.g. livre iniciativa, função social da empresa, dignidade

da pessoa humana, o que num primeiro momento dificulta conclusões precisas.

Entretanto, sabida a plena convivência entre os princípios jurídicos, pois nesse

campo não há conflitos, agressões ou exclusões teóricas. 373

Também no exame dos direitos fundamentais, vê-se que a Constituição

brasileira de 1988 é absolutamente harmônica. 374

371(...) a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. A interpretação da constituição está submetida ao princípio da ótima concretização da norma. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991, p. 84. 372ALEXY, Robert. Teoria dos direitos..., op. cit., p. 74. 373GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica..., op. cit., pp. 89-90. 374MOREIRA, Eduardo Ribeiro: Obtenção..., op. cit., p. 12-13.

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A denominada harmonia advém do texto constitucional uno, derivado do princípio da unidade da Constituição, em que os princípios mesmo se esparsos no texto constitucional devem ser lidos de forma integrativa, em harmonia; caso haja conflito de direitos fundamentais a solução dá-se pela técnica de ponderação de interesses. É, portanto, erro rotundo, afirmar que os direitos fundamentais são absolutos. Eles encontram limites na sobrevivência do núcleo mínimo de outro direito fundamental que os afasta no caso concreto.

A harmonia dos direitos fundamentais ainda é mais tranqüila na lida com os

princípios, pois representam valores que amarram o pacto de convívio coletivo.

Nos dias de hoje, os princípios assumem grande importância, pois não tem sido

fácil para a ciência jurídica estabelecer compromisso aceitável entre os vários interesses

e os direitos fundamentais.

A tarefa não é simples, pois se busca o bem comum, os valores coletivos, mas

isso não pode implicar afastamento dos ideais democráticos, da ampla liberdade, espaço

em que se facultando a cada um sua realização e escolhas pessoais. 375

Esse convívio e harmonia inundam os institutos jurídicos e as relações privadas,

não se configurando simples nova abordagem, mas fundamento real e efetivo de todo

sistema jurídico. 376

De outra banda, se o constituinte inseriu a proteção do consumidor como

princípio informador da ordem econômica, buscava estabelecer compromisso de todos os

atores econômicos com a existência da dignidade pessoal e com a justiça social.

Esse objetivo, na expressão de AFONSO DA SILVA, revela-se no princípio de

integração previsto no artigo170 da Constituição Federal. 377

375BODIN DE MORAES, Maria Celina. Constituição e direito civil: Tendências. Op. cit. 376Louvores a Gustavo Tepedino, pois antes da disciplina consumerista proclamava aplicação dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares. (Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004). 377Princípio de integração é expressão do constitucionalista, são princípios constitucionais que objetivam, direta ou indiretamente, resolver os problemas da marginalização regional ou social. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. op. cit, p. 728).

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O jogo de interesses entre as empresas fornecedoras e os consumidores

desafia a disciplina jurídica, pois devem manter-se em equilíbrio e ao mesmo tempo sem

que isso implique em afastamento dos interesses sociais.

Se todos os princípios convivem pacificamente, nada justifica que a liberdade de

iniciativa não contribua com a defesa do consumidor, com o crescimento econômico ou

com outros objetivos constitucionais.

O papel do Poder Judiciário é efetivar essa convivência de modo concreto,

exigindo dos magistrados tarefa interpretativa e argumentativa378 para a compatibilização

e harmonização de um sem número de valores.

Nessa tarefa e partindo-se da premissa de que não há conflitos entre os

princípios379, a resolução passa pelo sopesamento ou balanceamento e não pela

exclusão.

Tome-se o exemplo singelo de convivência real entre a defesa do consumidor e

a livre concorrência, ambos, dizem as escolas do direito, afirmam o consumidor como

destinatário das normas concorrenciais. 380

378Sobre a argumentação jurídica, interessa conhecer a obra de Ferraz, seguidor de Theodor Viehewg: O direito parte e deve ser provado por quem alega, porém não é em toda prova que pode reduzir-se ao evidenciado. Toda alegação necessita para o seu aproveitamento de um raciocínio jurídico, nem sempre se resolve pela lógica, mas por raciocínios persuasivos que influenciam fortemente a decisão. Diz o mestre “raciocinar juridicamente é forma de argumentar” (FERRAZ Jr., Tercio S. Introdução ao estudo do direito: Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 324). 379Alguns vêem como impossível os conflitos entre princípios. Eros Grau equipara os princípios às normas, optando o intérprete pelo de maior prevalência (comunicação feita no Seminário Internacional de Direito do Consumidor, São Paulo, 24 a 27 de setembro de 1990). Outros admitem, entre os princípios pode ter conflitos, no caso entre defesa do consumidor e a iniciativa privada prevalece o primeiro (COMPARATO, Fábio K. A proteção do consumidor na Constituição brasileira de 1988. In: Rev.Direito Mercantil. São Paulo: RT, . nº. 80, 1990, p. 71). 380(...) as normas concorrenciais têm interesse bem definidos na tutela do consumidor. (...) esses interesses podem ser de dois tipos: interesse proteção e interesse satisfação. Protegendo o consumidor, a norma concorrencial visa a estabelecer o equilíbrio das relações de mercado, buscando a equidade e a boa condução dessas relações. O direito concorrencial também tem interesse e, buscar a satisfação do consumidor. Tudo quanto produzido só faz sentido porque será consumido pelo consumidor, sendo a satisfação dessas necessidades um incentivo à produção. (MARTINEZ, Ana Paula. A proteção dos consumidores pelas normas concorrenciais. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. vol 52, 2004).

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Entre tantas previsões as regras <<Leis 8.078/90 e a 8.884/94>> concretizam os

princípios constitucionais da livre concorrência e da defesa do consumidor (CF, art. 170,

inc. IV e inc. V).

Também no exame particularizado das várias regras do Código de Defesa do

Consumidor, vê-se nítida interferência nas relações concorrenciais, pois um só fato pode

desencadear aplicabilidade de normas relativas aos dois princípios constitucionais. 381

Vejamos, nos mercados oligopolizados (alguns poucos agentes, v. g. transporte

aéreo) ou monopolistas, onde só um domina (fornecimento de água, energia), constata-

se ainda mais a necessidade de integração entre <<concorrência e consumidor>> e

desses com os princípios da justiça social e dignidade humana.

Com efeito, a concentração de atividades tira do consumidor as opções

desejáveis, deixando-o ainda mais vulnerável, o que amplia as razões jurídicas de sua

indispensável proteção. 382

O reconhecimento prévio dessa fragilidade nas relações de consumo é

assumido na Constituição de 1988, pois o sistema constitucional objetiva conferir

proteção a classe de pessoas, que presumidamente são mais vulneráveis.

Tanto é assim, que o Estado chamou para si o compromisso da defesa dos

interesses dos consumidores, incumbindo-se, na instituição e no desenvolvimento de

políticas próprias que envolvem as relações de consumo. 383

A defesa do consumidor é opção política de nossa nação, a exemplo do que

fizeram vários países. 384

381FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT, 1998, p. 248. 382SAYEG, Ricardo Hasson: A proteção do consumidor frente ao monopólio. (In: Revista do IBrac. vol 3, no. 5, São Paulo, 1996, p. 105). 383Sobre a política de proteção aos consumidores nos países da América do Sul, sugere-se consulta a página eletrônica do Ministério da Justiça (atlas mercosul), acesso em 17 de maio de 2008.

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Isso porque, a ordem econômica, as liberdades: <<iniciativa e concorrência>>

seriam vazias se o próprio mercado não fosse protegido, sem o mínimo de mínimo de

regulação, o consumidor, como valor mais precioso do mercado, estaria à míngua, o que

afetaria qualquer atividade empresarial e o próprio mercado.

SMITH foi enfático ao disseminar a idéia, de que o consumo é, de fato, o único

objetivo da produção. Para ele o interesse do produtor termina no exato momento em

que o consumidor dá-se por satisfeito. 385

Por outro lado, é preciso não deixar essa soberania como simples utopia,

conforme observado por DE LUCCA, que vê na própria evolução da economia uma

solução concreta, pois dia a dia confere-se maior proteção aos consumidores, modo

realista e menos ingênuo de dar verdadeiro poder do consumidor nas relações de

mercado:386

De outro lado, a chamada economia de mercado engendrara uma idéia absolutamente falsa – e, também muito provavelmente cínica – de que o consumidor favorecido pelo sistema da livre concorrência entre as empresas e pela multiplicação de bens e dos serviços colocados à sua disposição, iria tornar-se uma espécie de monarca do mercado, embora alguns espíritos mais argutos já denunciassem a falácia de tal dicção, tal como pode se ver em Zola e Charlos Gide.

Essa abordagem constitucional serve de base ao exame de muitos campos do

direito, alinhando-se às fileiras dos direitos fundamentais e dos princípios conformadores

da ordem econômica, a proteção jurídica do consumidor age sobre todas as leis e atos

normativos. 387

384 Não se deve confundir política das relações de consumo com a simples defesa do consumidor, embora esta seja importante faceta daquela, porém com seu objeto mais restrito (ARRUDA ALVIM, José Manoel et al. Código do consumidor comentado. São Paulo: RT, 1995, p. 21). 385SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1988, cap. 8. 386DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1995, p. 14. 387MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: Do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas. (In: Revista de direito do consumidor. nº. 45. São Paulo: RT, 2003, p. 71ss.).

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O exemplo mais forte disso é a afirmação das premissas constitucionais no

próprio Código de Defesa do Consumidor.

5.4. Os princípios assumidos pelo CDC

A Lei 8.078/90 adotou técnica legislativa moderna, pois mesmo tratando de

modo específico da relação de consumo, abordou-a nos seus mais variados aspectos.

Adotaram-se as múltiplas facetas tradicionais <<civis, processuais, penais e

outras>>, mas não se perdeu a oportunidade de inserir um novo modo de encarar o

direito.

Já foi dito que as grandes codificações são técnicas do passado, a tendência é

adotar sistemas ou microssistemas, objetivando-se dar melhor atendimento à

determinadas situações jurídicas, v.g. lei falimentar, registros públicos e outras.

No caso do consumidor isso mantém visão mais ampla do sistema normativo,

ao mesmo tempo personaliza ainda mais o trato dos seus interesses e direitos. 388

Isso tira do direito do consumidor qualquer viés de sub-ramo do direito, mantém

certa independência do direito civil, comercial e econômico 389, mas isso não isola a Lei

8.078/90 que mantém diálogo permanente com outros diplomas, principalmente com a

sua fonte primária que é a Constituição Federal.

TEPEDINO critica com a maior correção os que tomam o Código de Defesa do

Consumidor como microssistema hermético e totalmente alheio. 390

388NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor. (In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, v. 3, 2002, p. 44 ss). 389 COMPARATO vê o direito do consumidor como sub-ramo do direito econômico. COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: Importante capítulo do direito econômico, op. cit, p. 89 ss. 390TEPEDINO, Gustavo. op. cit., p. 278.

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Entretanto, não se pode concordar com as conclusões apresentadas, segundo as quais os estatutos formam sistemas próprios, desprovidos de uma unidade global de princípios. Se assim não fosse, se assistiria a uma proliferação de valores conflitantes, expressão de pressões políticas contingentes – v.g. fornecedores e consumidores, locadores e locatários, produtores rurais e agricultores etc. – levadas a efeito por processo legislativo simplificado. Ao contrário, as leis especiais, se distanciam do Código Civil, de igual grau hierárquico, devem se submeter à tábua axiológica unificante da Constituição da República. O sistema, assim, concebido, se reunifica, sendo indispensável ao intérprete buscar novas regras hermenêuticas, capazes de fazer incidir diretamente as normas constitucionais em todas as relações de direito civil e revisitar, desse modo, a disciplina infraconstitucional.

Aliás, não poderia ser diferente, pois toda grandeza da proteção jurídica do

consumidor mantém esse status, enquanto houver respeito à centralidade da

Constituição, ordem suprema e que dá parâmetro valorativo às relações privadas. 391

Não se trata de simples novo modo de interpretação, mas na verdade é jungir o

direito privado ao direito constitucional, pondo fim ao isolacionismo doutrinário secular, de

modo a alcançar os objetivos centrais da República.

Há complexidade no ordenamento jurídico, mas é inadequado separá-lo em

micro-sistemas, em categorias fechadas e distantes do projeto global da sociedade.

Esse é o paradigma para a iniciativa econômica, a quem não se permite

desvinculação do desenvolvimento social, pois há possível e desejável entrelaçamento

aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade e outros.

O CDC consagra-se nesse perfil (art.4º caput), estabelecendo, como política

nacional de relações de consumo, o atendimento das necessidades dos consumidores,

valorizando-o em sua dignidade.

391BITTAR, Carlos A.; BITTAR FILHO, C.A. Direito civil constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; HESSE, Konrad. Derecho constitucional y Derecho privado. Trad. Gutiérrez. Madrid: Civitas, 1995; MORAES, Maria C.B. de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil. São Paulo, v. 65, p. 21-32, jul./set. 1993; PERLINGIERI, Pietro. Perfis..., op. cit; PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982; TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova teoria contratual. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 199-215 e Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 1-22 etc.

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Aliás, a dignidade é um dos elementos nucleares da Constituição brasileira:

fundamento da República; direito fundamental; escopo da ordem econômica, mantendo-

se próxima ao eixo traçado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948) e

suas ampliações realizadas em Viena (1993).392

Núcleo dos valores centrais da sociedade, a dignidade amálgama todos os

outros direitos individuais e coletivos, refletindo-se como postulado do Código de Defesa

do Consumidor. 393

Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos

fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a no caso dos direitos sociais, ou invocá-la para construir „teoria do núcleo da personalidade‟ individual, ignorando-a quando se trate de garantir a base da existência humana.

Assim, qualquer norma mantida nesse eixo se legitima, fora dele há manifesta

contrariedade constitucional. Sobre isso, ITURRASPE afirma de modo contundente, a

pessoa humana é eixo das preocupações do direito atual, público ou privado, despreza-

se, aliás, a divisão proposta sobre direitos de terceira ou quarta geração, dado que o

escopo da ordem jurídica contemporânea é busca pela proteção mais plena e integral. 394

392 Sobre dignidade humana: PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos, São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 393; FARIA, José Eduardo. Democracia e governabilidade: Os direitos humanos à luz da globalização econômica. In: Direito e globalização econômica: Implicações e perspectivas. Org. José E. Faria. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 149-157. 393CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 58/59. 394ITURRASPE, Jorge M. Violación de la confiabilidad en el negocio de la información comercial. (In: Daños – globalización, estado, economia. Buenos Aires: Rubinzai-Culzoni, 2000, p. 9 ss.). De qualquer modo, relembremos com o Supremo Tribunal Federal a intersecção do direito privado e o direito constitucional: direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, e realçam o princípio da liberdade; direitos de segunda geração (direitos econômicos sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade; direitos de terceira geração materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizando, enquanto valores fundamentais indisponíveis, nota de essencial inexaurabilidade (STF, Pleno, MS 22.164-SP, rel. Min Celso de Mello, j. 30.10.95, v.u., DJU 17.11.95). (In: NERY, Rosa M. de Andrade. Introdução ao pensamento..., op. cit., p. 302, ).

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Sob essa perspectiva mais plena e integralista são compreensíveis as críticas

formuladas por PERLINGIERI contra parte da doutrina brasileira, que ainda vê no Código

de Defesa do Consumidor um microssistema quase isolado. 395

Na Itália não há verdadeiramente um CDC, pois na realidade é inútil, já que

presentes em várias normas. Aliás, a tutela do consumidor não é apenas do consumidor, pois as normas de mercado não acabam no interesse do CDC. Há inúmeras normas que se integram. Com efeito, dizer que o sistema é unitário significa que todos se voltam à carta constitucional.

Atividades privadas e empresariais, sejam lá quais forem os seus objetivos,

podem e devem voltar-se ao asseguramento de existência digna de todos (CF, art. 170),

isso não contraria o liberalismo e o patrimonialismo, salvo em repudiar seus excessos

indesejáveis.

Enganam-se os que vêem muita distinção entre as finalidades estatais e

aquelas almejadas pela iniciativa privada, pois ambas voltam-se ao cumprimento dos

objetivos constitucionais.

Da propriedade, tida outrora como núcleo fundamental, passou-se ao homem e

ao seu bem estar, elementos fundantes de toda ação pública ou privada.

Por certo, o hermetismo que cobria a Lei 8.078/90 foi estratégico para a sua

preservação, até pela centralidade então exercida pelo Código Civil de 1916, mas como o

tempo demonstrou, o legislador disciplinando as relações de consumo, de fato, deixou

em aberto o mais amplo diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e as outras

leis e estatutos (CDC, art. 7º).

O CDC não pretendeu esgotar o tema, dispondo-se sempre ao diálogo com o

sistema geral, influenciando e influenciando-se por outros estatutos. 396

395PERLINGIERI, Pietro. A atualidade do direito civil-constitucional, Palestra proferida no Congresso de direito civil constitucional na Cidade do Rio de Janeiro, realizado no dia 21 de setembro de 2006. 396 Também o CDC pode influenciar o NCC/2002, oxigenando-o (na bela expressão de Antônio Janyr Dall‟Agnol Júnior) de forma a „renovar‟ o sistema geral recém-aprovado. (In: MARQUES, Cláudia L. Diálogo., op. cit., p. 71 ss).

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Esse diálogo ainda se mostra mais aberto, pois há prodigalidade da lei

reguladora quanto a principiologia jurídica, isto é, nos <<arts. 1º a 7º>> estabeleceu-se

uma tábua de princípios informadores do sistema.

Releve-se a política nacional de relações de consumo (CDC, art. 4º), em muito

se aproxima de grande número de princípios universais, manifestando também seu

verdadeiro escopo, pois isso nominada por GRAU como „norma-objetivo‟ de eficácia total

e imediata. 397

O art. 4º do CDC, para aquele autor reduz-se em três princípios básicos: a)

reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor; b) harmonização dos interesses dos

participantes da relação de consumo; c) repressão a todos os abusos. 398

a) Da vulnerabilidade

A proteção ao vulnerável é antiga na história do homem, aliás, decorrente do

princípio de interpretação em favor do devedor, em que se protegiam os devedores de

créditos abusivos.399

Na verdade, a presunção de vulnerabilidade do consumidor reflete o princípio

constitucional da isonomia, que, por sua vez, repercute em todo o mercado de consumo

e no manejo das relações privadas, que antes disso estavam calcadas numa igualdade

virtual. 400

397GRAU, Eros R. Interpretando o código de defesa do consumidor; algumas notas. (In: Revista de Direito do Consumidor, nº. 5, São Paulo: RT, 1993, p. 185). Confiram-se: “(...) apresentam como grande virtude possibilitar a introdução no universo normativo dos fins perseguidos pelo sistema (...). Em outros termos, a existência de uma norma-objetivo, dentro de um conjunto de normas jurídicas, importa em que estejam normalizados, isto é, transformados em jurídicos, determinados fins econômicos e sociais”. 398Idem, p. 188. 399LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do direito privado. Trad. Véra Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998, p. 137. 400 A igualdade aparente sempre esteve acompanhada da autonomia privada, ambas inerentes ao liberalismo clássico, sistema atualmente tão questionado. De qualquer modo, não é possível deixar de considerar com JAYME, a autonomia da vontade que afirma o indivíduo perante o Estado, valorizando-o como pessoa humana, dotada de direitos fundamentais. (Jayme, Erik. Identité cultural et intégration: le droit international privé postmoderne. Apud:

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A vulnerabilidade do consumidor401 revela fragilidade técnica, jurídica e fática,

pois o sujeito não conhece com profundidade o produto ou o serviço que está usando ou

adquirindo. 402

Sendo presumida a vulnerabilidade do consumidor, reforça-se ainda mais a

busca pela igualdade real: 403

Isonomia real. Em atenção ao art. 1º. da Res 39/248, da Assembléia Geral da ONU, de 16.4.1985 (106ª Reunião Plenária, de 9.4.1985), a norma comentada reconheceu o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo. Assim, para atender ao princípio da isonomia (CF 5º caput), o CDC criou vários mecanismos para fazer com que se possa alcançar a igualdade real entre fornecedor e consumidor, (...) São exemplos de aplicação da isonomia pelo texto do CDC: a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, 6º VIII); a interpretação dos contratos de consumo em favor do consumidor (CDC, 47); a eficácia erga omnes da coisa julgada na ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, quando procedente o pedido (in utilibus) (CDC 103 III).

Nada mais adequado, atualmente o consumo é massificado e impessoal, o que

agrava ainda mais a posição do consumidor, parte mais fraca nas relações de consumo.

Sobre o real sentido dessa vulnerabilidade, confiram-se seus três aspectos

clássicos: técnica; jurídica; fática.404

A vulnerabilidade técnica, abraçada no CDC, traduz-se na falta de

conhecimentos específicos sobre o objeto, quanto suas características e utilidade.

ZANCHET, Marilia. A proteção dos consumidores no direito internacional privado brasileiro. In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, vol 62, abr-jun/2007, p. 173-219). 401A vulnerabilidade tem várias nuances: A doutrina Argentina apresenta as seguintes formas da vulnerabilidade do consumidor: pode decorrer da forma de contratação, pois há mais possibilidades de se estipularem cláusulas abusivas nos contratos de adesão. Outra forma de vulnerabilizar o sujeito da relação de consumo são as técnicas de venda, tais como ofertas fora do estabelecimento comercial, as possibilidades de vendas a crédito, os consórcios, as vendas com prêmios e brindes. (...) o Chile também nos traz doutrina que refere os contratos à distância como forma de vulnerabilidade do consumidor, já que ele não tem possibilidade de verificar o bem. (...) é jurídica, por não apresentar efetiva capacidade de negociação, problema típico dos contratos standard e das condições gerais de contratação. (ibidem) 402SIMÃO, José Fernando. Vícios do produto no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2003, p. 34. 403 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa M.de Andrade. Código civil...,op. cit, p. 953. 404MARQUES, Cláudia Lima. Contratos..., op. cit., p. 270.

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Já a jurídica ou científica é a vulnerabilidade, decorrente da ausência de

conhecimentos jurídicos específicos ou de outros ramos da ciência como economia,

contabilidade, medicina, entre outras.

Por fim, a vulnerabilidade fática ou sócio-econômica é aquela que manifesta a

inferioridade econômica do consumidor.

Estamos com STIGLITZ, o principal fator de vulnerabilidade é a deficiência de

informação sobre produtos e serviços. Nem sempre há ausência de informação, mas há

sua deficiência, pois não raro ela se apresenta estereotipada, deformada e ineficaz. 405

Aliás, a informação e o saber nunca foram tão importantes como são no mundo

contemporâneo, cercado de novos inventos, novos mercados, novas tecnologias, o saber

diminui o enorme abismo entre os provedores de produtos e os consumidores.

No constitucionalismo moderno, o sujeito é centro do direito, mas isso só tem

significado real quando a informação tiver destaque nas estratégias dos fornecedores,

pois é alta a interferência desse vetor sobre as escolhas dos consumidores.

A vulnerabilidade tem sido debatida na comunidade jurídica internacional,

mesmo na América do Norte onde o liberalismo e a autonomia da vontade sempre foram

tão bem defendidos. 406

Isso favorece a compreensão dos negócios de consumo e a interpretação dada

ao regime contratual <<arts. 47 do CDC e 423 do CC>>, relativamente ao trato de

cláusulas ambíguas, obscuras. 407

405STIGLITZ, Gabriel. O direito contratual e a proteção jurídica do consumidor. (In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, n. 1, mar./1992, p. 127-133) 406(..)ao observar a tendência norte-americana em referir os direitos fundamentais como argumento para resolver os litígios internacionais, bem como, ao analisar alguns casos da Corte Constitucional alemã, constata a importância dada a defesa dos direitos do homem na atualidade. Percebe que o valor centra-se, volta-se ao indivíduo. (...) porém, certamente, sem os matizes da diferença que somente são destacadas na pós-modernidade, com o advento do consumo. (TRINDADE, Cançado: A evolução doutrinária e jurisprudencial da proteção internacional dos direitos humanos nos planos global e regional:as primeiras quatro décadas. In: Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, no. 90, abr-jun/1986, p. 233-288)

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b) Da harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo.

Sob o enfoque econômico conta-se com a racionalidade dos agentes, com o

valor e com a escassez dos recursos. De fato, a ordem é produzir a maximização de

recursos e o bem-estar dos investidores. 408

No entanto, a produção não pode ser realizada somente pelo enfoque

econômico, pois o primado de todas as relações é a dignidade humana, o que exige

padrões mínimos de conduta tais como ética, equilíbrio, boa-fé etc.

Aliás, a eticidade, equidade, equilíbrio e boa-fé objetiva são premissas básicas

esculpidas no CDC, acarretando infindáveis deveres, pois nenhuma das liberdades,

inclusive a dos negócios, é verdadeiramente absoluta.

Outro marco das relações privadas é a justiça social, delineada pela

Constituição de 1988. 409

(...) A Constituição de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem econômica, sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a todos existência digna. Dá a justiça social um conteúdo preciso. Preordena alguns princípios da ordem econômica – a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução de desigualdades regionais e pessoais e a busca do pleno emprego - que possibilitam a compreensão de que o capitalismo concebido há de humanizar-se (se é que isso seja possível).

407O art. 47 do CDC inspirou o art. 423 do Código Civil brasileiro, o que contribuiu no desenvolvimento das relações privadas em geral. Confiram-se os seguintes comentários:O art. 423 reconhece a contratualidade da adesão, mesmo que ela seja privada do espaço de discussão de cláusulas pela existência de certo desequilíbrio entre os contratantes. Em virtude desse desequilíbrio prévio, caberá ao ordenamento uma intervenção mais drástica sobre os contratos dessa natureza, a fim de que a parte mais débil possa se relacionar com total intelecção da avença. (ROSENVALD, Nelson et al. Código civil comentado. Doutrina e jurisprudência. Coord. Min. César Peluso, Barueri: Manole, 2007, p. 316). 408Resulta que os agentes, de forma racional,visam maximizar sua satisfação individual, transferindo seus recursos para aquelas posições e/ou situações que lhes ofereçam o máximo bem-estar ou o mínimo prejuízo (SZTAJN, Raquel. Notas de análise econômica: contratos e responsabilidade civil. In: Revista de direito mercantil, industrial econômico e financeiro.São Paulo : RT, nº. 111, 1998, p. 9-29) 409SILVA, José Afonso da. Curso de direito..., op. cit., p. 721-22.

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Atualmente, os princípios <<dignidade e justiça social>> são importantíssimos.

Imagine-se o efeito disso em países, como o Brasil, que vivenciam consumo francamente

em ascensão. 410

A inclusão das camadas de mais baixa renda no mercado de consumo deveu-

se a muitos fatores: socioeconômicos, culturais, como por exemplo, maior oferta de

crédito, aumento na oferta de empregos, abertura de importações e tantos outros, todos

em proveito dos produtores e dos consumidores.

Ampliaram-se os negócios e os riscos, o que demanda forte política de consumo

organizada.411 Nisso o papel do Estado é muito relevante412, harmonizando, tanto quanto

possível, a realização concreta dos princípios constitucionais que circulam a atividade

econômica. 413

410 Para se ter idéia, em 1998, os representantes da classe E – a mais baixa da pirâmide – eram 13% do total. Em 2008, esse índice diminuiu para 1,8%. (...) De acordo com os dados do „Brasil em foco‟, em 2008, o consumo das famílias deve atingir R$ 1,74 trilhão, o que é mais de 60% da projeção do Produto Interno Bruto (PIB) do país. „O consumo final das famílias de 2006 para 2007 cresceu em um nível maior que o PIB. Ou seja, impulsionou o PIB para cima. E a perspectiva para 2008 é que o PIB cresça no Brasil 4,8%, graças a um crescimento maior do consumo das famílias: de 6,8%. (NEVES, Felipe. Consumidor atento. In: Revista Procon-SP. São Paulo: Procon,

nº. 11, jul-ago 2008, p. 38). 411(...) A ênfase é dada ao papel atuante e essencial que os consumidores deve ser dada igual atenção quanto à dispensada aos produtores, distribuidores, importadores ou fornecedores. Sua confiança no mercado é pré-requisito para o sucesso. Para serem atuantes, devem ter opções no mercado além de receberem as informações relevantes. (BOURGOIGNIE, Thierry. A política de proteção do consumidor: desafio à frente. In: Revista de direito do consumidor, n. 41. São Paulo: RT, mar.2002, p. 30) 412(...) os tempos mudaram, e hoje, o Estado é visto como o grande órgão de equilíbrio e promoção social e econômica, notável financiador, excelente consumidor e generoso sócio, capaz de suportar riscos a que os empresários particulares se esquivam. Assim, não é difícil perceber que, sendo o Estado o principal líder e responsável pela organização da economia e pela promoção social, toca-lhe orientar e controlar a atividade de particulares, máxime quando a estes se delega, num aspecto principal ou subsidiário, total ou parcial, executar uma parte desse mister. (FRONTINI, Paulo S. A atividade negocial e seus pressupostos econômicos e políticos. In: Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo: RT, nº. 17, 1975, p. 34) 413 O direito do consumidor avançado contribui na apenas para atribuição de uma proteção adequada do consumidor, a quem este procura proteger, mas também porque colabora com o próprio desenvolvimento do mercado em questão, que se torna mais competitivo e eficiente capaz de oferecer produtos com grau de qualidade superior, a preços inferiores. E ainda: Esse aparente conflito [entre defesa dos consumidores e livre concorrência] baseia-se na premissa de que o direito do consumidor e o direito concorrencial pressupõem lógicas distintas: enquanto o direito concorrencial pressupõe a vulnerabilidade do consumidor. Entretanto, o conflito é meramente aparente, pois ambos os sistemas têm o objetivo final de proteger o consumidor. A proteção do mercado será um dos meios de concretizar essa proteção. (FELLOUS, Beyla E. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. São Paulo: RT, 2003, p. 165).

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O papel do Estado é indispensável na regulação da complexa e sofisticada

produção, exige-se o desdobro dos cuidados com a segurança dos serviços e dos

produtos, agindo de modo forte sobre a sociedade de risco. 414

Já o fornecedor assume obrigação de segurança com os consumidores: 415

O consumidor que adquire um produto ou serviço oferecido no mercado

brasileiro passa a ter, no sistema do CDC, dois tipos de garantia: a garantia legal de adequação do produto ou serviço (...) e a garantia de segurança razoável do produto, imposto pelo CDC nos arts. 8º a 17 e que tem por fim a prot

Aliás, a atividade empresarial sempre está associada aos riscos econômicos

(resultados positivos ou negativos). Também é o que ocorre com profissionais liberais,

que não estão livres, a despeito da técnica e perícia, de possível ocorrência de vícios nos

serviços prestados.

Esses riscos nas relações de consumo são transferidos objetivamente aos

fornecedores, superando o que ocorria no passado, em que os riscos eram suportados

pelo Estado e pela sociedade, trazendo grande descontentamento, especialmente porque

muitos ficavam sem solução, em razão da dificuldade na árdua comprovação de culpa.

Atualmente, optou-se pela responsabilidade objetiva416, o que não afastou

momentos onde a sociedade suporte sozinha os riscos do desenvolvimento do produto

ou do serviço. 417

414 (...) em que determinados fatores processos produtivos complexos, modernos, rápidos, eficientes e perigosos; globalização, união empresarial e internacionalização de produtos com vistas à diluição da responsabilidade; publicidade, métodos promocionais, produção e comercialização em massa potencializam erros e danos em grande escala. (EBERLIN, Fernando B. v. T. Responsabilidade dos fornecedores pelos danos decorrentes dos riscos do desenvolvimento: análise sob a ótica dos princípios gerais da atividade econômica. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº. 64, 2007, p. 9-42). 415 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código..., op. cit., p. 1024. 416Nessa responsabilidade não se demanda a comprovação da culpa, diferentemente do sistema clássico ou responsabilidade subjetiva na qual se exige prova da culpa, dano e o nexo. 417 EBERLIN, Fernando B. von Teschenhausen. Esclarece há riscos que são suportados pela sociedade como são os riscos do desenvolvimento: risco de desenvolvimento é exatamente isso, ou seja, a descoberta, graças à evolução científica após a introdução de um bem de consumo no mercado, de que ele é intrinsecamente lesivo à saúde e à segurança dos consumidores. O mesmo autor dá vários exemplos (Contergan-Talidomida, Viox, Furadeiras Black & Decker e tantos outros. (Responsabilidade..., op. cit. p. 9-42)

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Entretanto, mesmo assim, sempre será perquirido ao fornecedor se todas as

medidas necessárias e conhecidas à época foram adotadas418 (CDC, inc. III do § 1º do

art. 12).419

Deixe-se claro, isso difere do alerta ou chamamento dos consumidores, quando

o fornecedor esteja ciente do defeito do produto ou serviço, após sua colocação no

mercado de consumo (CDC, § 1º do art. 10).420

De qualquer modo, a consagração da responsabilidade objetiva ocorreu no art.

931 do Código Civil de 2002, muito embora sem as mesmas restrições explícitas do

Código de Defesa do Consumidor (art. 12).

A responsabilidade objetiva, de fato, foi consagrada, mas isso não pode implicar

em efeito paralisante no imprescindível desenvolvimento científico e tecnológico, não

418(...) O fornecedor que quiser se eximir de responsabilidade sob o argumento dos riscos do desenvolvimento deve procurar (em normas técnicas e cientificas, usos ou costumes) meios de demonstrar que o produto colocado no mercado foi submetido aos mais rigorosos e avançados estudos até então existentes e que há um acompanhamento e um aperfeiçoamento cientifico, por parte do fornecedor, que permitirá a descoberta e solução de problemas eventualmente descobertos. Para Castro (RDC 44, p. 133) o „critério determinante é o mais avançado estado da ciência e da técnica mundial, daí ser necessário estar o fornecedor sempre atualizado, entendido objetivamente com a essência do conhecimento. (Idem) 419Art. 12. O fabricante (...) respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação(...) § 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstancias relevantes, entre as quais: (...) III - a época em que foi colocado. Esse dispositivo para alguns autores: exime o fornecedor da responsabilidade pelo risco do desenvolvimento (James J. M. de Souza e Gustavo Tepedino, respectivamente: Risco de desenvolvimento e tipologia das imperfeições. Revista de direito do consumidor, São Paulo: RT, nº. 6, 1993 e Risco e a responsabilidade civil por acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. In: Ensaios Jurídicos: o direito em revista. Coord. Paulo C. Sodré. Rio de Janeiro: IBAJ-Instituto brasileiro de atualização jurídica, 1996, v. 1); b) para outros, não expressa qualquer dirimente, conforme pensamento de DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, op. cit., p. 186. 420Assim, quando um produto ou serviço for considerado defeituoso, de acordo com a lei de consumo brasileira, uma vez que o fornecedor verifique essa condição após sua colocação no mercado, este deverá imediatamente apresentar todas as informações cabíveis acerca dos problemas identificados. Ao procedimento pelo qual o fornecedor informa o público sobre os defeitos detectados nos produtos ou serviços que colocara no mercado dá-se o nome de recall (chamamento). Os objetivos essenciais desse tipo de procedimento são o de proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor, bem como de evitar ou minimizar quaisquer espécies de prejuízos, quer de ordem material, quer de ordem moral. O recall deve ser gratuito e, para que alcance seus propósitos, deve alcançar todo o universo de consumidores expostos aos riscos decorrentes dos defeitos detectados nos produtos ou serviços objeto do chamamento. Os consumidores por sua vez, no caso de reparos, devem exigir e guardar o comprovante do serviço efetuado. No Brasil, o instituto do recall está previsto no Código de Defesa do Consumidor, que o define em seu artigo 10, § 1º. (Disponível em: www.mp.rs.gov.br.acesso em 06.06.08).

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sendo razoável exigir da atividade produtiva assunção de riscos de defeitos, se realmente

no estado da técnica não lhes era possível conhecer.421

c) Da repressão aos abusos contra os consumidores

A ordem é reprimir toda ação que onere além do razoável a vida do consumidor,

o que se espelha ao longo de toda a Lei 8.078/90.

Além da responsabilidade civil, destacada em capítulo à parte, é no regime da

boa-fé objetiva que se concretiza o repúdio a qualquer atitude desleal e não cooperativa

com os consumidores

Universalmente aceito, no Brasil o princípio da boa-fé está presente no CDC

(arts. 4º, III e 51, IV)422 e aposto implicitamente na Constituição Federal.423

De fato, o princípio da boa-fé encontra a sua jurisdição no interesse coletivo de que as pessoas pautem o seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão de todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros de honestidade e retidão.

De outra banda, assim como no sistema alemão (BGB, § 242), a cláusula geral

da boa-fé é de grande relevância, não somente nas relações de consumo, mas em todos

os negócios, consagrada igualmente no Código Civil (art. 422).424

421Imagine-se, por exemplo, a atividade farmacêutica e a busca constante por novos medicamentos. 422 No Brasil há prodigalidade no acolhimento dessa cláusula geral: Dada à natureza de trato sucessivo do contrato de seguro saúde, o CDC rege as renovações que se deram sob sua vigência, não havendo que se falar aí em retroação da lei nova. - A cláusula geral de boa-fé objetiva, implícita em nosso ordenamento antes da vigência do CDC e do CC/2002, mas explicitada a partir desses marcos legislativos, impõe deveres de conduta leal aos contratantes e funciona como um limite ao exercício abusivo de direitos. - O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua. Assim, se determinado procedimento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legítimo exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses necessárias para a plena recuperação de sua saúde. (REsp 735168 / RJ, 3ª. T., 2005/0045980-3, j. 11.03.2008). 423ROSENVALD, Nelson. op. cit., p. 314. 424 Com a entrada em vigor do novo Código Civil o paradigma máximo da boa-fé, que caracteriza o modelo contratual do Código de Defesa do Consumidor, generalizou-se apara todos os contratos no direito privado brasileiro, seja um contrato entre iguais (dois civis) seja entre dois diferentes (um civil e um empresário). (AZEVEDO, Ana R. D‟. Os novos deveres dos contratantes na perspectiva do Código Civil de 2002 e do Código de Defesa do Consumidor. In: A nova crise do contrato. Estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 285-300).

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Essa cláusula é relevante não somente como limitação às práticas abusivas,

pois possuem várias outras funções, destacando-se: a interpretativa425 e aquela criadora

dos deveres de conduta. 426

BULGARELLI lembra com clareza, tanto a boa-fé objetiva como a função social

do contrato, são elementos de <<salvaguardas das injunções do jogo do poder

negocial>>427, possuindo status de norma de conduta.428

(...) do ponto de vista objetivo, a boa-fé assume a feição de uma regra ética de conduta. É a chamada boa-fé lealdade. É a Treu und Glauben do direito alemão. Segundo Larenz, cada um deve guardar fidelidade à palavra dada e não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia.

Atualmente, o núcleo das obrigações não se reduz ao adimplemento de parte a

parte; as obrigações são reconhecidas como algo dinâmico, mutável, que impõe direito e

dever recíproco. 429

Outro fator, que propicia repressão aos abusos, é a falta de cuidado ou o

distrato com a confiança e a lealdade, elementos substanciais das obrigações,

especialmente numa economia de massa, caracterizada pelo extraordinário volume,

padronização de operações econômicas e principalmente pela impessoalidade. 430

425 A boa-fé legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências (REALE, Miguel. História do novo Código Civil. São Paulo: RT, 2005, p. 247). 426 A função criadora de deveres, é, tecnicamente, o núcleo da cláusula geral de boa-fé, a qual se impõe de forma positiva, exigindo dos contratantes determinado comportamento, ora de forma negativa, restringindo ou condicionando o exercício de um direito previsto em lei ou no próprio contrato. Idem, p. 289. 427BULGARELLI, W. Questões contratuais no CDC. São Paulo:Atlas, 1998, p. 99. 428PASQUALOTTO. Adalberto. A boa-fé nas obrigações civis. (In:O ensino jurídico no limiar do novo século. Org. Antonio P. C. de Medeiros. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997, p.109-136). 429COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 5 ss. 430Outro princípio que merece destaque é o da confiança, intimamente ligado ao princípio da transparência. Confiança é a credibilidade que o consumidor deposita no produto ou no vínculo contratual como instrumento adequado para alcançar os fins que razoavelmente deles se espera. (CAVALIERI, Sergio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. In: 5º. Congresso brasileiro e 3º. Congresso mineiro de direito do consumidor. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon, de 2 a 5 de maio de 2000, p. 4-11).

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Aliás, confiança e lealdade são valores consideráveis para a sociedade e para o

mercado de negócios431, somente o direito subjetivo e a vontade não assumem posição

substancial nas transações, nem traduzem, de fato, de modo perfeito as representações

mentais dos envolvidos. 432

A necessidade de segurança das relações jurídicas impõe o estabelecimento

de um ambiente negocial de confiança recíproca, implicando compromisso de agirem as partes com lealdade e honestidade recíproca. O dever de transparência e clareza da declaração, portanto, é vital para o sucesso da vinculação estabelecida, de modo a afastar possíveis divergências existentes, impedindo assim, que um dos sujeitos da relação confie inutilmente na validade e eficácia do negócio. A manifestação de vontade é mantida, em princípio, ainda que defeituosa, porquanto assim exige o critério da responsabilidade.

Confiança e lealdade são valores que cooperam entre si, que retornam e

reconduzem os negócios, por isso não está errado dizer que as atividades privadas

vinculam-se a solidariedade social.

O princípio da solidariedade social, além de ser um dos objetivos da República é

modo de reprimir os abusos433, não como filantropismo, mas sim como mecanismo que

salvaguarda os interesses particulares.434

Os interesses mais legítimos inserem-se num programa social de circulação de

riquezas e não se restringem apenas a interesses patrimonialistas e individuais.

Sem ética e solidariedade no empreender nos negócios, a atividade empresarial

será reprimida, senão pelo Estado ao menos pelo público consumidor, ávido na aquisição

de produtos vinculados aos socialmente responsáveis.

431 MARQUES, Cláudia L. destaca a inobservância dos deveres contratuais equivale à quebra da confiança. (In: Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo de negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: RT, 2004). 432VICENZI, Marcelo. A confiança e a lealdade como elementos fundamentais do direito das obrigações. São Paulo: Revista da Faculdade de Direito – FAAP, no. 04, 2007, p. 146 ss. 433 CF, art. 3º. 434 Sobre a solidariedade como elemento de cooperação nos negócios confira-se SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão com solidariedade social. (In: O novo código civil e a constituição. Org. SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2003. p. 127-150).

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Atualmente, o objetivo é realizar negócios baseados na virtude, cooperação e na

satisfação das expectativas recíprocas, prescindindo-se daquele jogo rançoso do ganhar

ou perder, do tudo ou nada.

Essa solidariedade não precisa ser irrestrita, mas no mundo dos negócios a

salvaguarda dos interesses alheios não está desvinculada da realização dos interesses

privados ou particulares, como nos remete a lição de VICENZI.435

Admitir um dever irrestrito no sentido de colaborar para com a contraparte acaba por acentuar demasiadamente o ângulo eticizante do direito, o que vai além do normal e satisfatória visão da ordem jurídica. Com efeito, o dever imposto às partes diz com as circunstâncias essenciais da relação em causa, tendo em vista o bom andamento e o fim da relação.

Reprimir abusos não se limita à imposição de sanções, mas a atividade

empresarial de fornecimento de bens de consumo exige, mais que qualquer outro

negócio, cumprimento de vários deveres: dever de lealdade, impositivo de

comportamento reto; o dever de proteção, que evita ocorrência de danos mútuos; o dever

de esclarecimento ou de bem informar.436

Esse é o mínimo exigível das empresas principalmente das que trabalham

diretamente com o público consumidor, pois o objetivo da atividade empresarial não é

benemerência ou assistência social, mas por certo também deve levar em conta rol de

deveres a serem cumpridos sob pena de responsabilização.437

435A confiança e a lealdade ..., op. cit. VICENZI, Marcelo. A confiança e a lealdade como elementos fundamentais do direito das obrigações. São Paulo: Revista da Faculdade de Direito – FAAP, no. 04, 2007. 436 Sem esgotar os diversos princípios úteis à repressão do abuso contra o consumidor, relembre-se como é expressiva a disciplina da publicidade. Com efeito, antes do CDC, essa atividade não tinha qualquer disciplina legal. No palco da publicidade há Código de Auto-Regulamentação Publicitária, porém desprovido de força cogente, funcionando como código de ética para os que se envolvem com a publicidade. Isso é ótimo, mas insuficiente em alguns casos em que a harmonia entre os interesses é possível, mas nem sempre se concretiza, por exemplo, proposta de restrição mais rigorosa à publicidade de bebidas alcoólicas. (BARROS, Guilherme e BARBIERI, Cristiane. Restrições à publicidade contrariam a Constituição. Entrevista com o presidente do CONAR, Gilberto Leifert ao jornal Folha de São Paulo. Disponível em:http:clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=358739, acesso em 08.06.08). 437 Contrato tratativas. Culpa in contrahendo. Responsabilidade civil da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes,no tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua conta não mais industrializá-lo,naquele ano, assim causando prejuízo. (...) (Apelação Cível Nº 591028295, Quinta Câmara Cível, TJ/RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em 06/06/1991)

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Por exemplo, dentro do mínimo desejável para a concretização do programa

econômico da sociedade, indispensável que os fornecedores sejam atentos no dever de

esclarecimento, não que conte aos concorrentes e aos consumidores todos os aspectos

de seu negócio, mas também que não sonegue do consumidor a opção pela aquisição ou

o uso racional.438

(...) o dever de esclarecimento se limita ao conteúdo do contrato, especialmente às qualidades essenciais do objeto, e não, à oportunidade ou vantagem do contrato, isto é, se a mercadoria, dentro em pouco, vai ficar mais barata ou se há, no mercado, outra superior pelo mesmo preço; quanto a esses dois pontos, vale a máxima „caveat emptor‟, „cuide-se o comprador‟. Admitir dever de informar também sobre a oportunidade ou vantagem desses contratos é querer transformar o fornecedor em assistente social.

5.5. Fornecedor versus Consumidor – O litígio judicial

O Código de Defesa do Consumidor inovou em muitas searas até então tidas

como tradicionais.

Para além do campo contratual e obrigacional, a proteção do consumidor revela-

se em vários outros. Aliás, nenhum instituto jurídico pode ser visto de modo isolado, pois

todos têm finalidade única de servir ao desenvolvimento do homem e à distribuição da

justiça.

Isso se explicitou já no preâmbulo da Constituição de 1988, onde os desígnios

dos trabalhos constituintes ficaram claros: instituir um Estado democrático, destinado a

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, todos como valores supremos de uma

sociedade fraterna.

438AZEVEDO, Antonio J. de. Responsabilidade pré-contratual no código de defesa do consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. (In: Revista de Direito da USP. São Paulo, v. 90, 1995, p. 128). Esse dever foi minuciosamente trabalhado nos contratos de financiamento ou outorga de crédito, no qual o legislador impôs ao fornecedor o dever de prestar informações qualificadas (CDC, art. 52, II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; V - soma total a pagar, com e sem financiament ).

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Sob essa perspectiva de funcionalização dos institutos, ponderável pensar no

papel transformador das empresas e destas nos contratos, nas ações e nas posições

jurídicas assumidas nos litígios com os consumidores.

Nesse contexto, o estudo da empresa e de sua função social possui contornos

peculiares, pois desde sua promulgação, o Código de Defesa do Consumidor impactou o

processo civil brasileiro, afastando-se do individualismo e permitindo a defesa de grandes

contingentes de consumidores.

Nos litígios, envolvendo relações de consumo, a Lei 8.078/90 impôs um novo

pensar sobre o direito processual civil e sobre a efetividade da Justiça.

Diz-se que o moderno processo civil, a partir de alguns diplomas jurídicos,

dentre eles o Código de Defesa do Consumidor, iniciou a trilha da funcionalização, como

bem anotou NANCY ANDRIGHI:439

(...) ganhando maior destaque com as mini-reformas do CPC; a edição da Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, com previsão da tutela dos direitos difusos e coletivos do consumidor; bem como pela superveniência da Lei n. 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que, em art. 2° dispôs que o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

O direito processual passou a lidar com uma realidade não experimentada, v.g.,

o crescimento espantoso da população440, a revolução tecnológica que diminuiu

distâncias e propiciou a massificação e a globalização das relações humanas.

Sobre isso, confiram-se propostas levadas a efeito na Inglaterra pelo Conselho

Nacional de Consumo:441

439(ANDRIGHI, Nancy. Evolução do processo civil no Superior Tribunal de Justiça. Palestra proferida no Estado do Espírito Santo. Publicado no http//bdjur.stj.gov.br, acesso em 30 de janeiro de 2009). 440 População mundial superará 9,2 bilhões em 2050, estima ONU – (...) O aumento equivale ao tamanho total da população do mundo no ano de 1950 e será absorvido, em sua maioria, pelos países em desenvolvimento.Sozinhos, estes países devem passar de 5,4 bilhões de habitantes em 2007 para 7,9 bilhões de habitantes em 2050. (In: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u373836.shtml)

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Como nos tornamos, de modo crescente, uma sociedade de produção e consumo em massa, um produto ou um serviço defeituoso tem o potencial de prejudicar ou causar dano para mais e mais pessoas. O nosso sistema judicial ainda não está adaptado para as ações judiciais de massa. Nós ainda as tratamos, em grande parte, como uma coleção de casos individuais, possuindo relevância limitada o julgamento de um caso sobre os demais.

Como já foi dito, a chegada do CDC no Brasil tornou alvissareira a garantia de

efetividade dos interesses dos consumidores, inserindo-os, de fato, como sujeitos

importantíssimos na ordem jurídica econômica.

O debate sobre o incremento dado pelo CDC ao processo coletivo é enorme 442,

mas há aspectos reveladores do poder-dever das empresas nas relações de consumo

quando assumam posição jurídica de parte em processo judicial.

Aliás, os litigantes em processo judicial sempre foram abordados pelas ciências

jurídicas <<legitimidade, intervenção de terceiros e litisconsórcio, efeitos da coisa

julgada>>, mas nas relações de consumo há princípios e normas que particularizam a a

posição das partes envolvidas na relação processual, sejam consumidores, sejam

fornecedores de bens e serviços.

441 A perspectiva era a de um processo civil para o direito do consumidor, como garantia processual de proteção desses interesses. (Conferir anotações feitas por MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:RT, 2002, p. 29). Entretanto, o que ocorreu é que houve simples alterações de regras processuais, mas cujo potencial transformador outorgou ao consumidor o seu direito constitucional de efetiva proteção. A jurisdição coletiva de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos com todos os seus aspectos peculiares, legitimação, competência, intervenção de terceiros, coisa julgada. Admissibilidade de qualquer ação para a proteção dos interesses juridicamente protegidos (CDC, art. 83) dentre tantos outros 442 Conferir: NERY JUNIOR, Nelson. O processo civil no código de defesa do consumidor. Revista de Processo, no. 61, São Paulo:RT, jan/mar. 1991; BENJAMIN, Antonio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico. Apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. Org. Édis Milaré. São Paulo: RT, 1995; GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública e a defesa de interesses individuais homogêneos. Revista de Direito do Consumidor, no. 5; Idem, O processo coletivo do consumidor. Livro de Estudo Jurídico, no. 09, SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2007; PIZZOL, Patrícia Miranda. A tutela antecipada nas ações coletivas como instrumento de acesso à justiça. (In: Processo e Constituição. Estudos em Homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. Coordenação de Luiz Fux e outros, São Paulo:RT, 2006), Liquidação nas ações coletivas. São Paulo: Lejus, 1998.

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Sem espaço para abordagens mais amplas, até porque parte delas, esmiuçadas

em trabalhos elogiáveis, interessa particularmente a inversão do ônus da prova, prevista

no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.443

Esse dispositivo, chama atenção já que envolve questões metajurídicas, pois

em princípio, impõe ao fornecedor custo mais elevado, justamente para prevenir perdas

materiais e imateriais de grande expressão.

Sob o olhar econômico mais tradicional, a inversão do ônus da prova pode

representar enorme desvantagem econômica. No entanto, para o consumidor é bastante

proveitoso, pois representa menor custo, facilita o acesso à justiça, já que lhe incumbe

apenas comprovar suficientemente o fato e o nexo de causalidade.

É razoável que assim o seja, pois o consumidor é presumidamente vulnerável,

hipossuficiente em relação aos aspectos tecnológicos ou informativos, principalmente em

razão da dificuldade na realização da prova, o que independe de posses ou recursos

materiais.444

Em muitos casos, ao consumidor é impossível ou muito difícil de provar seu direito; ele não detém conhecimento da tecnologia do produto ou serviço, de modo que a relação jurídico-processual estaria desequilibrada em desfavor do consumidor se ele tivesse de provar o fato ou o defeito do produto.

A lei processual nos litígios sobre consumo é modificada pela nova leitura do

ônus da prova, conforme se nota no seguinte precedente:445

Direito Processual Civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ocorrência de saques indevidos de numerário depositado em conta poupança. Inversão do ônus da prova. Art. 6º, VIII, do CDC. Possibilidade. Hipossuficiência técnica reconhecida. O art. 6º, VIII, do CDC, com vistas a garantir o pleno exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece que a inversão do ônus da prova será deferida quando a alegação por ele apresentada seja verossímil, ou

443 CDC, art, 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) VIIII a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência. 444ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de direito do consumidor. Barueri:Manole, 2006, p. 514/5. 445 STJ-SP – T3, Resp. 915599, rel. Nancy Andrighi, j. 21.08.2008.

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quando constatada a sua hipossuficiência. Na hipótese, reconhecida a hipossuficiência técnica do consumidor, em ação que versa sobre a realização de saques não autorizados em contas bancárias, mostra-se imperiosa a inversão do ônus probatório. Diante da necessidade de permitir ao recorrido a produção de eventuais provas capazes de ilidir a pretensão indenizatória do consumidor, deverão ser remetidos os autos à instância inicial, a fim de que oportunamente seja prolatada uma nova sentença. Recurso especial provido para determinar a inversão do ônus da prova na espécie.

Esse dispositivo revela técnica legislativa moderna, traduz-se em conceito

indeterminado, o que exige do magistrado empenho e experiência. As questões se

modificam caso a caso, mas a experiência deve ser tirada na vivência, dada pela própria

sociedade no trato do tema.446

Hipossuficiência e verossimilhança são requisitos mínimos e alternativos para a

aplicação da inversão do ônus da prova:447

A respeito dos conceitos de "verossimilhança" e "hipossuficiência", ensina EDUARDO CAMBI que: "Quando se exige que a alegação seja verossímil, isso significa que deve corresponder ao que 'normalmente' acontece. O art. 6o, inc. VIII, CDC, contemplou a noção da 'verossimilhança', não exigindo um juízo de 'probabilidade', o que significa dizer que basta a alegação do fato, o qual, para ser considerado verossímil, independe de qualquer elemento de prova. Evidentemente isso não significa que, se o fato alegado for acompanhado de algum elemento de prova, não será possível a inversão do 'ônus probandi', mas, ao contrário, quanto mais bem caracterizado estiver o fato, maiores chances o consumidor terá de convencer o juiz de que merece obter a 'vantagem processual' prevista no art. 6o, inc. VIII, CDC".

De fato, ao tratar da verossimilhança não se está exigindo probabilidade,

bastando um juízo de possibilidade, isto é, chances razoáveis de que os fatos alegados

tenham sido encaminhados corretamente pelo consumidor.

Ao exigir verossimilhança, o legislador espera um prévio juízo de plausibilidade

quanto à veracidade das alegações, o que deve ser considerado pelos fornecedores de

446 GOES, Gisele Santos Fernandes. Existe discricionariedade judicial? Discricionariedade x termos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais. (In: Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. Estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. Coord. José Miguel Garcia Medina e outros. São Paulo: RT, 2008). 447 AI-TJ/SP no. 7298511-8, São José do Rio Preto, 11ª. C. Dir. Privado, rel. Des. Renato Desinano, j. 4.12.08.

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bens e serviços de consumo, não como algo que afronte a igualdade, mas variável que

deve ser considerada, inclusive no processo produtivo.

Aliás, mais à frente o mesmo precedente, também se filiando nas lições de

CAMBI, faz alusão a hipossuficiência que não tem relação direta com as condições

materiais do consumidor, conforme já havíamos alertado anteriormente.448

(...) hipossuficiência tem sentido amplo e significa diminuição da capacidade

do consumidor. Não se restringe aos aspectos econômicos, mas também devem ser ponderados fatores como o acesso à informação, grau de escolaridade, poder de associação e posição social. (...) Desse modo, a hipossuficiência do consumidor mais rico pode ser tão grande quanto a do menos abastado, porque tanto um quanto o outro podem ser vulneráveis na relação de consumo, por lhes faltarem as informações técnicas suficientes para embasar as suas pretensões" (A Prova Civil: admissibilidade e relevância. Eduardo Cambi. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 414/416). Frise-se, portanto, que a hipossuficiência não se confunde com ausência de recursos financeiros, pois neste caso cabe conceder à parte o benefício da assistência judiciária, mas sim, da incapacidade de produção da prova do ponto de vista técnico...

De qualquer modo, outra questão interessante, levantada pelo mesmo acórdão,

que tem sido debatida até com certa freqüência, pois aborda a responsabilidade sobre o

encargo. Confira-se o tom dado à questão:

, (...) A inversão do ônus da prova deve ser aplicada com cautela, pois trata-se de "vantagem processual" atribuída ao consumidor que fica dispensado de provar o fato constitutivo de seu direito, constituindo exceção ao artigo 333, do Código de Processo Civil. No dizer de EDUARDO CAMBI "a inversão do 'ônus probandi' representa, para o consumidor, verdadeira 'isenção' de seu ônus da prova, cujo encargo é transferido ao fornecedor" (A Prova Civil: admissibilidade e relevância. Eduardo Cambi. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 413).

Se o ônus da prova é invertido, ponderável pensar se há também inversão do

ônus financeiro, principalmente em relação ao contido nos artigos 19, 33 e 333, todos do

Código de Processo Civil, cuja premissa é responsabilizar aquele que alega pelo custeio

da produção da prova.

Discorda-se de alguns julgados que ressalvam a inversão do ônus financeiro e

que, em resumo se expressam na seguinte ementa:

448 Idem.

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(...) Processual civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ônus da

prova. Inversão. Conteúdo fático, Súmula 7/STJ. Honorários periciais. Pretensão de

atribuir-se o ônus de pagamento à parte contrária. Descabimento. 449

Na verdade, se o custeio da prova, ficar sob a principiologia tradicional (CPC,

artigos 19,33 e 333) então, de fato, haverá um grande obstáculo de acesso à justiça,

conforme reconhecido.450

Dentre os obstáculos econômicos que se antepõem entre o lesado e o equipamento formulador da Justiça figura a cobrança de custas. Pese embora a gratuidade assegurada para todo aquele que alegar insuficiência de recursos para custear a demanda, na verdade ainda há muita pobreza excluída dos serviços judiciais, diante da inevitabilidade de algum dispêndio: a realização de uma perícia, a obtenção de documentos, compromissos que não serão suportados pelo defensor constituído.

Preferível pensar que a razão está com a lógica, pois se, de fato, houver o ônus

da prova e o custeio também não for invertido, então o consumidor será tratado não

como hipossuficiente, mas como alguém que tem acesso à Justiça e nada poderá fazer

com essa vantagem processual.451

Portanto, na hipótese de ocorrer a inversão logicamente deverá ocorrer a

inversão do ônus financeiro, incumbindo ao fornecedor desempenhar o ônus da prova e o

seu respectivo custeio.

De outro lado, deve-se levar em conta, que implicitamente a inversão do ônus

da prova traz melhoria da qualidade do serviço e do produto452, como bem anotam LINS

e MATTOS:

449 STJ.AgRg.no. Ag. 884407/SP.Quarta T. Min. Aldir Passarinho, j. 21.08.2007. DJ 05.11.07.

450 NALINI, José Roberto. O juiz e o acesso à justiça São Paulo: Revista dos Tribunais, 19994, p. 33. 451 Se assim não fosse, instaurar-se-ia uma incrível contradição: o ônus da prova seria do réu, e o ônus econômico seria do autor (consumidor). Como esse não tem poder econômico, não poderia produzir a prova. Nesse caso, sobre qual parte recairia o ônus da não-produção da prova?. (In: Nunes, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor, São Paulo:Saraiva, 2005, p. 744). No mesmo sentido confiram-se: Agravo de Instrumento. Inversão do ônus probatório. CDC. Relação de Consumo. Autor Hipossuficiente. Possibilidade. Tratando-se de relação de consumo, sendo autor hipossuficiente, possível a inversão do ônus probatório, carreando ao réu- fornecedor- a incumbência de antecipar os custos de perícia. Agravo improvido. (TJRS. AI n. 700062276836, 19ª. CC, Des. Rel. Guinther Spode, DJ 02.09.2003). 452 De fato, quando a defesa do consumidor torna-se amplamente praticada, as empresas, em virtude da experiência acumulada em ações de defesa do consumidor, adotam padrões de contrato, de instruções de uso e de publicidade, bastante precisos, de modo que a possibilidade de ocorrência de inadequação ao uso seja minimizada e os danos sejam moderados, o que torna desestimulante as possibilidades de bloqueio. (In: Inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: uma análise econômica. LINS, Bernardo E. e MATTOS, César. http://www.belins.eng.br/tr01/wkpaps/fatprod14_comautor.pdf - acesso em 2.02.09).

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Outro efeito esperado da inversão do ônus da prova é uma elevação da qualidade do produto. De fato, existindo a ação, a empresa terá de provar a inexistência de responsabilidade sobre o fato do produto. Deverá, portanto, dispor de um sistema de acompanhamento de controle e rastreabilidade dos procedimentos levados a cabo na produção do bem. Essa documentação deverá convencer o juiz de que a empresa cumpriu todos os procedimentos razoáveis para que inexistisse a falha

apontada. A informação deve existir, deve ser revelada e deve ser comprovada. 453

Atitudes preventivas servem a redução de custo454, para tanto o fornecedor deve

acompanhar o processo de produção, arquivando dados, prestando todas as informações

necessárias, no exercício concreto da funcionalização do sistema jurídico e da empresa,

cumprindo com seus compromissos básicos, no desenvolvimento dos negócios e

também com todos os partícipes da ordem econômica, especialmente dos consumidores.

Outro dispositivo de grande destaque por sua repercussão na atividade

empresarial é o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, potencialmente custoso

para os fornecedores.

Isso porque, na busca incansável pela efetividade e pela funcionalização dos

institutos jurídicos, o legislador consumerista ampliou consideravelmente os poderes dos

magistrados, dando mais possibilidades para o atendimento dos interesses dos

consumidores.

De certa forma, as implicações do inadimplemento nas obrigações de fazer e

de não fazer, foram desconsideradas tanto no Código de 1939, como no de 1973. De

fato, quase sempre redundavam em perdas de danos.455

453 Idem. 454 Apenas para citar, a empresa fornecedora não se exime da responsabilidade pela ignorância (CDC, art. 23), mas se eximirá em responder quando conseguir demonstrar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (v.g, CDC, art. 12, § 3º, III). 455 Este era o sentido dos artigos 878 a 883 do antigo Código Civil; a obrigação de fazer e de não fazer se resolvia em perdas e danos, se o obrigado não a quisesse cumprir de forma específica ou tivesse praticado ato que se obrigara a abster-se. Atualmente as obrigações de fazer e de não fazer estão disciplinadas nos arts. 247 a 251 no Código Civil de 2002.

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Na verdade, perdera-se de vista, que todas as obrigações, em princípio,

devem ser satisfeitas na forma como pactuada, só excepcionalmente é plausível sua

conversão em perdas e danos. 456

Contudo, o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, posteriormente

replicado na nova redação dada ao artigo 461 do Código de Processo Civil, trouxe mais

alento e força ao direito material, privilegiando a execução in natura. Reservou-se a

indenização como solução somente nas hipóteses de obrigações infungíveis.457

Esse novo modo de tutelar, possibilita, por exemplo, a adoção de medidas

atípicas, voltadas ao assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento.458

Isso, no caso das relações de consumo, implica em alto custo para o

fornecedor, especialmente se considerarmos o desdobro dessas obrigações nas relações

massificadas.

A inadimplência de obrigações de fazer e de não fazer agrava ainda mais a

economia do fornecedor, pois já não se trata apenas de aceitar a sanção preventiva (ex.

456 FRIEDE, Reis. Comentários à reforma do direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995,.p. 290. 457 De natureza infungível são, geralmente, as obrigações celebradas intuitu personae, em atenção às qualidades pessoais do obrigado, como, v.g., uma operação plástica, a pintura de um quadro, um recital, uma partida de futebol -, exista ou não cláusula dispondo sobre a pessoalidade da prestação. Essas obrigações são cumpridas unicamente pela forma específica, não admitindo resultado prático equivalente; descumpridas, derivam-se em perdas e danos. A filosofia que preside tais obrigações é a de não se permitir que se imponha ao devedor, manu militari, fazer o que não quer, com violação de sua liberdade individual (ALVIM, José Eduardo Carreira. CPC modificações. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p.180). 458 PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES . POSSIBILIDADE. Art. 461, caput e § 5º do CPC.1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidas coercitivas, chamadas na lei de "medidas necessárias", que têm como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas. 2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto. 3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei 9.494/97. 4. O disposto no caput do artigo 100 da CF/88 não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, de modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios. 5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. 6. Recurso especial improvido." (REsp 770.969/RS, DJ 03/10/2005, 2ªTurma, Rel. Min. Castro Meira)

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multa)459, pois o artigo 84 do CDC outorgou ao magistrado poderes de impor outras

sanções (restitutória460 e ressarcitória461), o que pode agravar ainda mais o custo do

fornecedor.

De fato, a proposta da norma é equivalência ou compensação, o que nem

sempre ocorre pela prestação pecuniária indenizatória. Com efeito, o ressarcimento pode

ser feito de forma específica, por exemplo, instalação de isolamento acústico em casa

noturna que perturbe a vizinhança, custeio da viagem prometida na promoção de vendas

de produtos ou serviços.

Realmente a tutela específica ou equivalente prevista no artigo 84 do Código

de Processo Civil, volta-se ao atendimento da efetividade da tutela jurisdicional, sem

espaço para falsas premissas de que a imposição da obrigação poderia ferir a dignidade

da pessoa humana, obstáculo criado, muitas vezes, para cumprimento efetivo das

obrigações.462

Não se sugere desrespeito à dignidade humana, mas que se adotem medidas

que estimulem o fornecedor-devedor a cumprir obrigação na forma específica ou inibi-

lo.463

A propósito, confiram o comentário ao art. 461 do CPC, mas que servem

absolutamente ao art. 84 do CDC: 464

459 A sanção pode ser definida, por este ponto de vista, como meio legal para combater a erosão de ações contrárias ao previsto. (...) Podemos definir mais brevemente a sanção como a resposta à violação. (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica,.São Paulo: EDIPRO, 2001, p. 153). 460 A tutela restituitória visa obter resultado igual ou o mais próximo possível do que se teria, caso a norma tivesse sido observada pelo violador, como, por exemplo, quando se determina a demolição de obra indevida. 461 Já a tutela ressarcitória, ocorre quando impossível ou inviável a consecução do resultado, igual ao que se teria com o adequado cumprimento, impondo-se então a indenização por perdas e danos. 462 Hoje considera-se integrada em nossa cultura a idéia de que em nada interfere na dignidade da pessoa, ou na sua liberdade de querer ou não querer, qualquer mecanismo que permita a realização de atividade por outrem e produção, mediante elas, da situação jurídica final a que o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer deveria ter conduzido (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995, p.150). 463 Em sentido contrário: Multa do CPC 461. A pena privada de cunho processual não pode superar o valor da obrigação principal. Aplicação analógica do CC/ 1916 920 [CC 412) (TJSP – RT 761/227). (NERY JR, Nelson. e NERY, Rosa M. de Andrade. Código civil comentado. Legislação extravagante. São Paulo: RT, 2005, p. 30). 464 NERY JR, Nelson e Nery, Rosa M. de Andrade. Código de processo civil comentado e Legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: RT, 2007, nota ao artigo 461.

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Na impossibilidade material de ser cumprida a obrigação na forma específica, o juiz deverá, de ofício ou a requerimento da parte, determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação. Dizemos impossibilidade material porque não pode o devedor esquivar-se do cumprimento da obrigação na forma específica. Sendo concedida a liminar de antecipação da tutela de mérito (art. 461, § 3º) ou condenado à tutela específica, o réu deve cumprir a decisão sob pena de pagamento de multa diária (astreintes), que deve ser fixada em valor elevado, ex officio o a requerimento da parte (CPC 461, § 4º).

Assim, o artigo 84 do CDC tanto quanto o art. 461 do CPC, além de prever

tutela específica, nas hipóteses de possível satisfação in natura, também cuidou da

chamada tutela equivalente, voltada à satisfação da obrigação, por meio de técnicas

variadas ou substitutivas, tais como a antecipação da tutela, liminar, imposição de multa

inibitória465, enfim medidas condutoras que garantam o resultado prático assegurado pelo

direito.

Com efeito, o que importa é o resultado prático equivalente à obrigação não

cumprida e não propriamente a vontade do fornecedor. Em outras palavras, a busca

sempre será da tutela específica.466

Na verdade, a grande conquista é permitir ao magistrado a cogitação de

mecanismos substitutivos, independentemente da vontade do obrigado, que resultem

numa situação jurídica final, produtora de resultado prático naturalmente esperado,

tivesse o credor adimplido a sua obrigação.

465 O art. 84 do CDC e o art. 461 do CPC prevêem multas a serem impostas, mas, na verdade apenas para confirmar a possibilidade de cumulação da aludida multa com as perdas e danos, justamente porque são diferentes as naturezas e as finalidades dos dois institutos. Vejamos os comentários para o art. 461 do CPC: “Todas os dispositivos que impõe a sanção de multa diária (astreinte) têm a finalidade de promover a efetividade de alguma decisão judiciária. Por isso mesmo a multa as multas costumam associar-se ao instituto do contempt of court, considerado que o descumprimento das ordens judiciais importa em insubordinação à autoridade e não só lesão ao credor. As novas disposições contidas no atual art. 461 do Código de Processo Civil contemplam sanções dessa ordem como resguardo à efetividade da sentença que ao fim do processo concede a tutela específica e também da decisão antecipatória dessa. Tal é o que decorre do §4º, ao dispor a imposição de multa na hipótese do parágrafo anterior (que é a previsão da tutela antecipada) e na sentença”. (FRIEDE Reis. Medidas liminares na doutrina e na jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.290). 466 Vários autores lembram que os dois dispositivos configuram exceções ao chamado princípio da congruência entre o pedido e a sentença, previstos nos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil. Vejamos: “(...) a possibilidade de imposição de multa diária independe do pedido do autor, o que é novidade. Não se segue a regra geral (principalmente dos arts. 128 e 460, primeira frase, do CPC), de qualquer decisão , ordem ou sentença, sempre depende do pedido da parte e haverá de a este se cingir para o respectivo acolhimento, ou não”. (ARRUDA ALVIM, José Manoel. Código do consumidor comentado. São Paulo:RT, 1995, p.402).

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Este entendimento extrai-se na afirmação prevista no parágrafo 5º do artigo 84

do CDC467, o que permite ao magistrado utilização de medidas necessárias ou de apoio

para a obtenção do resultado equivalente.

Essas medidas configuram-se decisões mandamentais, emanadas do Juízo,

que deverão ser cumpridas pelo fornecedor. Vejamos os esclarecimentos de

WATANABE: 468

Pensemos, por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer (v.g., colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluentes etc.) e descumprida essa obrigação sub-rogada de fazer ela poderá ser novamente convertida, dessa feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva. A execução dessa última obrigação pode ser alcançada coativamente, inclusive através de atos executivos determinados pelo juiz e autuados por seus auxiliares, inclusive com a requisição, se necessário, de força policial (§5º do art. 461). São meios sub-rogatórios que o juiz deve adotar enquanto for possível a tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, em cumprimento do mandamento contido no § 1º; do art. 461. Para isto, o juiz usará do poder discricionário que a lei lhe concede (fala o § 5º do art. 461 em determinação de medidas necessárias para a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente). A discricionariedade deve ser bem entendida. Não se trata de adoção arbitrária de qualquer medida e sim apenas de medidas adequadas e necessárias (eis o parâmetro legal) à tutela específica da obrigação ou a obtenção do resultado equivalente.

Enfim, os novos poderes dados aos juízes pelo artigo 84 do CDC, permitiram

acesso mais ágil dos consumidores, pense no exemplo dos compromissos de compra e

venda e outros contratos preliminares, a dispensa do prévio registro para adjudicação

compulsória, ou outros exemplos, especialmente aqueles significativos para as

economias dos consumidores de mais baixa renda.469

467 CDC, art. 84, § 5º. “Para tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”. 468 WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e de não fazer. (In:Reforma do Código de Processo Civil, (coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira), São Paulo, Saraiva, 1996, p.43-47). 469 Uma das conseqüências imediatas da postura inovadora da lei será a definitiva superação da antiga jurisprudência que supervalorizava a perfeição formal dos compromissos, não admitindo a adjudicação compulsória quando o pré-contrato não estivesse previamente inscrito no Registro de Imóveis ou quando não contivesse todos os dados necessários ao atendimento das exigências de acesso àquele registro público. Agora, o Juiz está armado de poderes processuais para, antes da sentença, apurar e completar tudo o que for necessário à expedição de um título judicial que seja perfeito para cumprir o anseio de efetividade da tutela, num terreno de enorme repercussão

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Por fim, na busca da medida adequada o magistrado pode inclusive converter

uma obrigação por outra, de modo a conferir ao consumidor tutela específica,

independentemente de haver pedido.

Imagine-se, o magistrado tenha determinado a realização de obras inacabadas

e especificadas em contrato de compra e venda, mas isso não seja suficiente, poderá

determinar inclusive a cessação da atividade. 470

Por certo, o fornecedor contará com a premissa de que o magistrado não deve

adotar na concessão da tutela específica da obrigação meios excessivos e gravosos ao

réu. (art. 461, § 6º).471.

No mesmo sentido, desponta a lição doutrinária: 472

A necessidade do uso do meio mais idôneo tem uma íntima ligação com a idéia de justiça, tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres, motivo pelo qual não se pode entender que a norma tenha dado poder ao juiz apenas para garantir os direitos do autor, esquecendo-se dos direitos do réu. É a própria idéia de „ justa medida‟„ que obriga que o art. 461 seja lido no sentido de que o juiz tem o poder para conceder tutela diversa da pedida quando necessário para evitar um gravame excessivo ao réu.

social, como é a compra e venda, mormente em relação às camadas mais humildes da população. (...) Pode-se concluir, que em face do atual texto do art. 461, ao autor de uma ação de cumprimento de compromisso de compra e venda quitado é lícito, por exemplo: a) cumular, na inicial, pedido de adjudicação compulsória, com pedido de imissão de posse ou busca e apreensão; b) pleitear, desde logo, liminar que lhe assegure a posse provisória do bem compromissado (THEODORO JUNIOR, Humberto. As inovações no Código de Processo Civil, em matéria de processo de conhecimento.(In: Reforma do Código Processo Civil. op. cit, p. 791). 470 Exemplar é a colocação de Marinoni, o qual aponta que se alguém pedir que o magistrado determine a instalação de filtro antipoluente sob pena de multa, isso poderá não ser acolhido; caso o juiz perceba que essa determinação seja insuficiente para a cessação do ilícito, poderá optar pela cessação das atividades, se entender que isto é, de fato, o resultado prático equivalente ao dever de não poluir o meio ambiente. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória (Individual e coletiva ). São Paulo: RT, 1998, p. 123). 471 Aliás, esse princípio encontra-se bem explicitado no trato dado pelo legislador à multa inibitória: O juiz poderá , de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Isso consta no parágrafo 6º do art. 461, acrescido pela Lei 10.444/02 e sua compreensão, destacada: O parágrafo incluído tem texto assemelhado à redação revogada do CPC 644 par.úni. A Lei 10444/02 deslocou o capítulo da execução da obrigação de fazer e de não fazer do Livro II (Processo de Execução – ex-CPC 644) para o capítulo da sentença de condenação de obrigação de fazer e de não fazer. A periodicidade e o aumento da multa medida de execução indireta, destinada a forçar o devedor a cumprir a obrigação; a diminuição da multa é injustificável, porque a multa não é destinada a fazer com que o devedor pague, mas que não a pague e cumpra a obrigação na forma específica. (NERY JR, Nelson e Nery, Rosa M. de Andrade. Código de processo civil comentado e Legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: RT, 2007, p. 783). 472 Ibid., p. 131.

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De qualquer modo, a despeito do fornecedor estar protegido pelos princípios do

devido processo legal, pelo princípio da necessidade e execução menos onerosa ao

devedor isso, o cumprimento das obrigações específicas deve ser assumido, o que em

certas situações pode ser excessivamente custosa aos negócios.473

473 MIRAGEM, Bruno et al. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2004, p. 1022/23.

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6. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA – ENFOQUE SOCIAL E JURÍDICO

Aprofundar o conhecimento sobre a funcionalização da empresa, exige reflexão

sobre sua responsabilidade social e jurídica.

Todo momento a mídia relaciona ações empresariais à responsabilidade social

das empresas, sugerindo postura, ou estratégia de negócios, o que tem sido observado

por um número cada vez maior de empresas.

Corretos os que vêem na responsabilidade social opção empresarial,

diferentemente da função social inerente à atividade empresarial, constituindo-se a última

em dever jurídico derivada da ordem econômica constitucional .

Aliás, a empresa ocupa posição de destaque na Constituição de 1988. 474

Inserta a empresa dentro da ordem econômica, como agente organizador da

atividade produtiva, gestora das propriedades privadas, consideradas aquelas na fase dinâmica relativa aos bens de produção, resulta que a função social da empresa, de forma análoga à da propriedade, está, no Brasil, erigida a um princípio constitucional.

Há direitos assegurados à empresa, mas o constituinte lhe impôs deveres, que

se descumpridos sujeita-a à responsabilidade civil, o que de modo expressivo consagrou-

se nas relações de consumo.

Responsabilidade social e civil das empresas por vezes parece expressões

sinônimas. Isso, embora seja simples aparência, não ocorre sem razão, especialmente

porque a definição de responsabilidade social ainda é inconclusa, como adverte

CAROLL. 475

474BITELLI, Marcos A. Sant‟Anna. Da função social para a responsabilidade social da empresa. (In:Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000, p.229-273). 475Carroll, Archie B. Corporate social responsability: evolution of a definitional construct. (In: Business & society, v. 38, no 3, setembro de 1999, p. 279)

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(...) o termo (responsabilidade social) é um termo brilhante. Ele significa algo, mas nem sempre a mesma coisa para todos. Para alguns, ele representa a idéia de responsabilidade ou obrigação legal; para outros significa comportamento responsável no sentido ético, para outros, ainda o significado transmitido é o de „responsável por‟, sendo motivo causal. Muitos simplesmente o equiparam a uma contribuição caridosa; outros o tomam pelo sentido de socialmente consciente. Muitos daqueles que o defendem fervorosamente o vêem como sinônimo de „legitimidade‟, por „pertencimento‟ ou sendo válido e adequado ao contexto. Uns poucos o vêm como uma espécie de dever fiduciário, impondo aos administradores das empresas padrões mais elevados de comportamento que aqueles impostos aos cidadãos em geral.

De qualquer modo, advirtam-se, empresas tidas como socialmente responsáveis

podem não atender à função social da atividade empresarial, falham no sentido dado ao

termo pela Constituição Federal.

Outras, tidas como socialmente responsáveis, são falhas no cumprimento dos

deveres mínimos, sujeitando-se com certa freqüência a responsabilização civil pelos

danos causados.

Um dos exemplos mais malditos é a atividade de telefonia no Brasil, as

empresas que desenvolvem essa atividade em regime de concessão, usam toda a carga

de marketing para a divulgação de atitudes socialmente responsáveis, mas ao mesmo

tempo, freqüentemente ocupam os primeiros lugares no ranking das reclamações de

trabalhadores e de consumidores. 476

Algumas dessas empresas assumem o lado social, mas deixam a desejar com

os cuidados com os consumidores, isso pode ter relação com a própria natureza do

homem, pois mesmo sendo um ser social, não raro mantém-se confinado em seus

próprios interesses.

476 Pesquisa (Consultoria Mckinsey) revela, entre as 10 (dez) empresas que mais contribuem com o bem público, estão também as que integram setores extremamente criticados pela sociedade, v.g, farmacêutica, telecomunicações, tecnologia de informação, serviços financeiros. (Cf. Folha de São Paulo, Caderno Negócios, 12 de março de 2006, texto de Guilherme Barros e outros). Em 2008, confiram-se o ranking divulgado pela Fundação Procon de São Paulo: O levantamento abrange o período de 1/01/2008 a 31/12/2008 e listou 2.939 fornecedores que atuam no Estado de São Paulo. Ao longo de 2008, os técnicos da Fundação Procon-SP realizaram 531 mil atendimentos. As cinco empresas que lideraram o ranking foram: 1º) Telefônica; 2º) Itaú; 3º) Tim, 4º) Unibanco e 5º) Brasil Telecom. No ano de 2007, as cinco empresas que lideraram o ranking foram: 1º) Telefônica; 2º) Itaú; 3º) Benq (celular Siemens), 4º) Vivo e 5º) Mitsubishi/Aiko/Evadin. (In: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=1077, ac. 13/03/09).

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Não é incomum que as empresas olvidem dos valores éticos e universais, mas

que devem ser observados por todos os entes, pois há incontáveis cominações

espalhadas pelo ordenamento jurídico, recorda RIZZARDO:477

(...) sempre que se ordenar uma obrigação e se garante um direito, deve o transgressor responder pelos seus atos e assegura-se ao lesado a competente reparação. Em suma, a responsabilidade está regulada em seus princípios gerais e em alguns tópicos especiais pelo Código Civil, sendo inesgotável, no entanto, sua abrangência e disseminando-se em todos os ordenamentos jurídicos, porquanto se revelam ineficazes as lês se não carregadas de coercibilidade, que se faz presente quando impostas cominações e assegurada a imposição.

Todos buscam fortuna e riqueza, que não se reduz felizmente ao simples lucro

contábil, pois na riqueza integram-se diversos ativos, alcançados por meio de

comportamentos positivos da empresa, v.g. realização de projetos relacionados ao meio

ambiente, educação, cultura, participação nas comunidades, melhoria das condições e

benefícios de seus funcionários, respeito à clientela, entre outros.

Mesmo a mais íntegra das empresas deve considerar que a evolução

tecnológica, o domínio sobre a produção, o consumo massificado, ampliou e muito os

riscos inerentes aos produtos e serviços, especialmente os destinados ao consumo,

renovando os conceitos mais tradicionais sobre a responsabilidade civil.

Nesse trabalho não há espaço para abordagem da disciplina sobre todas as

responsabilidades _ tributária, trabalhista, previdenciária e outras, disseminadas no

ordenamento, a opção é pela responsabilidade sob a perspectiva social e jurídica.

6.1. Responsabilidade social

Essa responsabilidade faz parte de um movimento empresarial crescente, com

vistas ao atendimento, não somente aos anseios dos que se relacionam com a empresa

477 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. IX.

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<<stakeholders>>, mas também aos interesses dos acionistas <<shareholders>>, plus

nos negócios empresariais. 478

Empresas e empresários cada vez mais se interessam pelo tema479, fazendo-o

por motivos diversos.

A motivação pode ser humanística e a responsabilidade social expressa a

própria solidariedade ou o antiqüíssimo e nobre sentimento de ajuda aos necessitados.

O motivo pode ser simples estratégia empresarial, pois a responsabilidade

dirime eventuais conflitos, muitos criados pela própria atividade, v.g. empresas poluidoras

e o meio ambiente.480

. Também pode ser simples marketing social, abrindo-se à empresa novas

oportunidades de negócios, v.g. participação de licitações públicas ou de projetos

governamentais que exigem esses novos padrões. 481

No individualismo e liberalismo puro não há interesse específico na melhoria do

ser humano, cultivo dos valores sociais, por isso não é incorreto dizer que, sob essa

478Vejam os dados: Executivos ao redor do mundo encampam a noção de que o papel das corporações vai além de só atender às obrigações com os acionistas. É o que revela a pesquisa da consultoria Mckinsey sobre a relação negócios/ sociedade. (op.cit) 479 A apresentação de balanços sociais tem sido freqüente, relata Wanderley de Oliveira: “O Ibase define o balanço social como um demonstrativo que, publicado todo ano, reúne um conjunto de informações sobre projetos, benefícios e ações sociais dirigidas a empregados a investidores, analistas de mercado, acionistas e à comunidade. É também um instrumento estratégico para avaliar e multiplicar o exercício da responsabilidade social corporativa”. (In: Benéfico para todos. Empresas usam o balanço social como ferramenta de transparência junto à sociedade. Consumidor Moderno. São Paulo: Padrão editorial, fevereiro de 2008). 480Ter uma relação amistosa com ONGs é algo novo para a companhia, não é? Disse Jeffrey Immelt: Sim. Ainda há muitas ONGs que não gostam de nós e que nunca vão gostar. Mas acho que é preciso iniciar um debate. Digo para os representantes das ONGs. Vocês podem me odiar, mas precisam, de mim. Entrevista do presidente da empresa General Electric sobre a indesejável, mas indispensável convivência com os ambientalistas. (A GE embarca na onda verde. Revista Exame. Abril. nº 861, 15.02.2006, p. 53,). 481 O desenvolvimento da noção de responsabilidade social deu-se em estrita conexão com o fato de que a adoção seria passível de proporcionar benefícios particulares da empresa, principalmente porque ela poderia ser utilizada como marketing para a sua atividade, melhorando os resultados econômico-financeiros. OSMO. Carla. Efetividade da função social da empresa. (In:Função do direito privado no atual momento histórico. coord. Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: RT, 2006, p. 260ss).

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respectiva, a responsabilidade social funciona apenas como ferramenta para produção

de resultados patrimonialistas.482

Sob esse ponto de vista, a empresa é árbitra de todos os bens e valores,

distante de qualquer outro objetivo que não seja econômico. 483

Entretanto, nem todos têm essa visão materialista sobre a responsabilidade

social.

Alguns vêem como <<dever ser>>, isto é, encaram as empresas como

expressões da atividade humana, voltadas aos benefícios dos homens e da facilitação de

acesso aos bens materiais e imateriais.

Desse modo, a empresa como unidade de produção e distribuição de bens está

sujeita às mesmas regras comuns às atividades humanas. 484

La visualizamos com el trabajo interactivo de un hombre que debe poner en

práctica tanto sus cualidades técnicas como las Morales Y afectivas en el desempeno de una tarea política sumamente compleja, porque abarca componentes de muy diferente calidad. Admitimos así que la empresa es una actividad del hombre de carácter interctivo, dirigida a facilitar a otros la disposición de ciertos biens materiales. Apropriables o no, que son necesarios para la manutención y el crecimiento de la persona humana.

482 Os economistas neoclássicos cindem os aspectos econômicos de outros. O modelo econômico neoclássico se caracteriza por escolhas hiper-racionais e comportamento maximizador, buscando compreender o funcionamento dos mercados e não das organizações. Além disso, funciona como pressuposto que dá base à Análise Econômica do Direito. (ZYLBERSZTAJN, Décio e SZTAJN, Rachel. Direito & Economia, análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 1-62). 483Friedrich von Hayek "O Caminho da Servidão" (1944), também Milton Friedman (Escola de Chicago), expuseram com clareza aspectos fundamentais da doutrina basicamente contrária ao intervencionismo.Outras impressões em http://pt.org/wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo, acesso em 15/03/2008. 484 Em tradução livre: Visualizamos a empresa como o trabalho interativo do homem, que deve aplicar tanto a técnica como as qualidades morais no desempenho de uma tarefa política extremamente complexa, pois abrange componentes de qualidade diversa. Temos que admitir, a empresa é uma atividade humana interativa, que facilita o fornecimento de bens materiais aos outros. Adequados ou não, são necessários para a manutenção e crescimento da pessoa humana. (PALADINO, Marcelo. La responsabilidad de la empresa en la sociedad Construyendo la sociedad desde la tarea directiva. Buenos Aires: Ariel Sociedad Económica, 2004, p. 24).

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Ética, solidariedade, cooperação, responsabilidade social, compõem o conjunto

de valores, representam insumos indispensáveis aos empreendimentos e aos negócios

empresariais.

Nessa perspectiva o valor econômico está atrelado à produção de outros valores

humanos genéricos e não o reverso.

Prosseguindo, a responsabilidade não se confunde com solidariedade, não é

nova expressão para antiqüíssima e indispensável filantropia. Aliás, ações puramente

beneméritas são aceitáveis, mas em regra representam desperdícios, esgotando-se em

ações caritativas e pontuais: 485

Função social da empresa, entendo, não significa apenas produzir, gerar empregos, pagar as dívidas, distribuir os resultados aos acionistas ao final de cada exercício social. Função social da empresa é também produzir com eficiência produtos de qualidade. É respeitar o meio ambiente, evitando a emissão de poluentes, tratando os efluentes antes de lançá-los no solo, nas águas ou no ar. É investir em cultura, promovendo espetáculos artísticos, patrocinando exposições de arte, investir no aperfeiçoamento dos seus empregados, no mínimo neles e, sempre que possível, fazer investimentos que beneficiem a comunidade em que atua.

Embora conscientes do seu papel no desenvolvimento econômico, as empresas

muito raramente refletem sobre as conseqüências de suas ações, principalmente o grau

de impacto sobre as comunidades mais vulneráveis, postura incompatível com novos

tempos em que se abominam ações e planos voltados exclusivamente aos interesses

dos investidores.

Isso tem sido difundido, deixando a responsabilidade social ora no caminho da

boa estratégia, ora como simples obrigação.

Without business we have nothing. Business is a precondition to any healthy society," (…) "Companies haven't done a good job at building the trust. They have not done a good job at understanding how their impact on communities where they work

485SZTAJN, Rachel. A responsabilidade social das companhias. (In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, nº 114, ano XXXVII, abril-junho/1999, p.34-50). A autora utiliza a expressão responsabilidade social como sinônimo da função social (p.35).

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affects long-term prosperity. (…)He added that companies need to take a strategic approach to improving their social impact and responsibilities, but that it shouldn't be seen as simply a public relations exercise. "Only by working with stakeholders will trust be restored. Companies will have to go farther and show they are doing good for the community and not just the company. (…) Vasella, Chairman, Novartis, said that the mission of a corporation is primarily to serve the customer and that profits go back to growing the business and paying better wages. (…) He also called for increased transparency and the need to engage in beneficial social activities. ‟We need to make an

effort to communicate what we do and how we do it”. 486

No Brasil a responsabilidade das empresas no âmbito constitucional impõe ir

além das fronteiras de simples papel ator ou devedor de direitos sociais, (CF, arts. 6º a

11º).

A Constituição, como tela da responsabilidade social, sugere modelo

empresarial voltado ao lucro e atendimento dos homens em sua dignidade. Então,

correto dizer que as decisões empresariais não podem distanciar-se da ética, do respeito

às pessoas, da comunidade e de tantos valores que dignificam o homem.

Por isso afirma-se sem receio, que na sua acepção mais ampla, o homem

consumidor deve ser o centro das atenções de todas as empresas sérias. 487

486 Em tradução livre: “Sem os negócios nós não temos nada. Negócios são uma pré-condição de qualquer sociedade saudável‟(...) „Empresas não têm feito um bom trabalho na construção de confiança. Elas não têm feito um bom trabalho no entendimento de como são seus impactos nas comunidades onde seus trabalhos afetam longos períodos de prosperidade‟. Ele adicionou que as empresas precisam adotar uma estratégia de aproximação para melhorar seus impactos e responsabilidades sociais, mas isso não deveria ser visto como simplesmente um exercício de relações públicas. „Somente pelo trabalho com os “stakeholders” a confiança será restaurada. Empresas terão que ir além e mostrar que elas estão fazendo o bem para a comunidade e não somente para a empresa‟. Vasella, presidente da Novartis disse que a missão de uma corporação é antes de tudo servir o cliente e obter lucros para o crescimento dos negócios e pagamento de melhores salários. (...) Ele também exige um aumento de transparência e a necessidade em engajar-se em atividades sociais benéficas. „Nós precisamos fazer um esforço para comunicar o que nós fazemos e como nós fazemos isso”. (Cf. PORTER, MICHEL E VASELLA, Daniel. Global Business – Saviour or Scapegoat? World Economic Forum Annual Meeting 2006, (In: wweforum.org/site/knowledgenavigator.nsf/Content/_S15369?open&event_, ac. em 14/02/2006 ) 487 Confiram-se: Uma das principais tarefas da administração consiste em equilibrar os resultados de curto prazo com os de longo prazo, em saber lidar com o mercado atual e com as inovações que vão surgindo. A administração tem como missão estabelecer o equilíbrio entre as diferenças expectativas das partes envolvidas. A primeira parte não é o acionista. É o consumidor. Se você não satisfizer o consumidor, nada mais resta a fazer. (DRUCKER, Peter. The new meaning of corporate social responsability. California Management Review. In: Revista Exame. São Paulo: Abril, nº. 861, 15 de fevereiro de 2006, p. 74).

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6.1.1. Conceito e evolução histórica

Antes mesmo de conhecer-se a trajetória histórica, precisa-se compreender o

efetivo significado da expressão <<responsabilidade social das empresas>>.

Responsabilidade deriva de respondeo <<responder>> + abilis <<capaz>>.

Logo, ser responsável significa estar capacitado a respostas, ou reconhecer-se autor de

seus próprios atos.

Esse reconhecimento de si próprio, envolve, minimamente, noção de capacidade,

possibilidade de prever conseqüências e de eleger as ações que produzam as melhores

conseqüências.

A responsabilidade social traduz-se na capacidade de colaborar na busca do bem

comum e na solução dos problemas, coincidindo, então, com uma das características

mais marcantes do homem que é <<ser político>> necessitar e ter capacidade de viver

em comunidade. 488

A atividade empresarial não pode buscar somente resultados patrimoniais, suas

metas não se dirigem somente à produção de resultados favoráveis aos acionistas e

investidores, mas também deve voltar-se ao cumprimento das obrigações com a

sociedade.

Esses compromissos garantem resultados positivos mais permanentes,

bastando que as empresas mantenham-se de acordo com as normas sociais vigentes,

com os valores mais elevados e também com as expectativas legítimas da sociedade.

488ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 73.

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Superado o tempo da visão eminentemente econômica da empresa ou rotulá-la

de boa apenas porque se mostre cumpridora de leis e regras éticas da sociedade, pois

isso são posturas necessárias mínimas.489

É verdade que houve um tempo onde o pensamento estava voltado

exclusivamente aos lucros e a outros resultados econômicos positivos. Isso dominou a

vida das empresas pelo menos até o século XX, marcado por inegáveis transformações

principalmente a partir da crise de 1929.490

A crise deu ensejo ao descontentamento com o capitalismo liberal, a queda

expressiva do poder econômico originou o welfare state, no qual o Estado representa o

grande provedor das necessidades humanas.

A atividade empresarial foi deixada ao plano muitíssimo secundário.

489Por séculos esse foi o pensamento do empresariado. Aliás, todo executivo ou colaborador da empresa deveria apenas cumprir a lei e os estatutos, qualquer coisa além, representaria trair os interesses dos acionistas. A obrigação moral dos administradores era gerar benefícios para os acionistas e preservar suas economias. Friedman, M.A. Friedman Doctrine. The social responsibility of business is to increase its profits. The New York Times Magazine, 1970, pp. 32-33 e 123-125. Apud MILBERG, Amalia. Conceitos e Tendências. (In: PALADINO, Marcelo. La responsabilidad…, op.cit., p. 39). 490A crise econômica desencadeada a partir de 1929, quando da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, reflete a crise mais geral do capitalismo liberal e da democracia liberal. No período entre guerras (1919 -- 39), a economia procurou encontrar caminhos para sua recuperação, a partir do liberalismo de Estado, ao mesmo tempo em que se consolidava o capitalismo monopolista.. Os anos 20 foram marcados pela prosperidade do país, mas de forma a acentuar a desigualdade socioeconômica - a parcela mais rica da população aumentava sua riqueza, diferentemente da classe trabalhadora. Essa prosperidade era fruto de uma situação de equilíbrio precário da economia, com a concentração maciça de capitais, que, por sua vez, eram originários da superprodução e da facilidade na obtenção de créditos. A superprodução foi característica de todo esse período, favorecida pela política de liberalismo econômico adotada pelo Estado e responsável pelo aumento dos estoques, pela queda nos preços, pela redução dos lucros e pelo desemprego. A facilidade de créditos, concedidos tanto às pessoas como às empresas, pretendia aumentar o consumo. Dessa maneira manteve-se a ilusão de que a crise era passageira. Em outubro de 29, a venda de ações cresceu nas Bolsas de Valores, criando uma tendência de baixa no preço das ações, que fez com que cada vez mais investidores/especuladores vendessem seus papéis. De 24 a 29 de outubro, a Bolsa de Nova York teve um prejuízo de US$ 40 bilhões. Em abril de 1930, havia 3 milhões de desempregados; em outubro, 4 milhões; um ano depois, existiam 7 milhões e, no início de 1933, de 12 milhões a 14 milhões. A redução da receita tributária que atingiu o Estado fez que não só os empréstimos ao exterior fossem suspensos e as dívidas cobradas como também que fossem criadas altas tarifas sobre produtos importados, o que fez que a crise se tornasse internacional. (RECCO, Cláudio B. A grande depressão de 29. In: www.historianet.com.br, acesso em 20/2/2006).

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Esse pensamento perdurou até a década de 50, quando germinou a

responsabilidade social, entretanto, nesse período as empresas se restringiam à simples

ações pontuais e meramente filantrópicas, desvinculadas duma estratégia global.491

Na década de 60, marcada por convulsões sociais492, as empresas adotaram

novas formas de atuação, mas no Brasil isso não teve grande expressão, principalmente

pela falta de diálogo do Estado com as empresas e com a sociedade, conforme ressalta

PAULA DE SOUZA. 493

Como vimos, os autores deste período reconhecem a intimidade dos relacionamentos entre as corporações e a sociedade, introduziram a questão ética e o bem-estar dos funcionários. No Brasil, os militares tomam o poder político, instauram a Ditadura e recebem volumosos financiamentos norte-americanos com a justificativa de promoverem o desenvolvimento do país. Também nas empresas não havia espaço para o diálogo e a participação. (...) Neste período, chaminés emitindo gases eram sinônimos do desenvolvimento industrial. Com tanto desenvolvimento „pairando no ar‟ o período segue sem qualquer transtorno em relação à comunicação das empresas e das comunidades em que estão inseridas.

Isso foi alvo de críticas severas nos anos 70, principalmente dos ambientalistas,

que atribuíam aos empresários a responsabilidade pela maior degradação dos recursos

naturais.

A década de 80 foi marcada pelo retrocesso das empresas, especialmente

decorrente do grave caos econômico vinculado à crise do petróleo.

Na Inglaterra, nas mãos da neoliberal Ministra Tatcher, a liberdade econômica, o

projeto de minimização do Estado, a maciça privatização e arrecadação, a melhoria do

491 Isso coincide com a chegada de empresas estrangeiras e da industrialização, formação de vários conglomerados, incremento da economia brasileira e extensão dos benefícios aos empregados, familiares e à própria comunidade. 492 Alguns fenômenos ocorreram: ditadura militar (panorama político do Brasil); os Beatles; Jimmy Hendrix; Festival de Woodstock; Guerra do Vietnã; movimento hippie. Na economia brasileira tentou-se afastar os resultados funestos da euforia desenvolvimentista deixada pelo governo JK, mas os resultados também não foram promissores. 493 (In: Comunicação organizacional e responsabilidade social corporativa. Trabalho apresentado no XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação. Belo Horizonte. Realizado nos dias 02 a 06 de setembro de 2003).

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gerenciamento do setor público, foram algumas das ações reafirmadas com

intransigência. 494

Em nosso país, a redemocratização trouxe novos modelos de organizações

públicas e privadas, afetando o mundo corporativo que se sensibilizou a revalorização da

ética, do diálogo, da transparência.

Deu-se muita utilidade à comunicação da empresa com o público, transformada

naturalmente como fonte de esclarecimento de direitos e deveres dos cidadãos, não

somente dos consumidores diretos de produtos e serviços.

A sustentabilidade ocupou fóruns econômicos mundiais e, segundo FREEMAN,

alterou o conceito de empresa, vista como organismo que necessariamente se

relacionam com a sociedade por meio dos stakeholders <<indivíduos ou grupos que

afetam ou podem ser afetados pelo êxito das empresas>>.495

Mesmo para os que como Cornell & Shapiro496 pregam o lucro como a principal

finalidade, as empresas passaram atender não somente as expectativas dos investidores

e acionistas, mas também os interesses dos demais grupos com os quais se relaciona

(fornecedores, empregados, consumidores, comunidade etc).

494 Confira-se a expansão do neoliberalismo inglês:A década de 80 foi marcada pelo surto da ideologia neoliberal. (...) Neste período as políticas econômicas dos países mais poderosos estiveram dirigidas a uma desregulamentação de vários mercados, à privatização de certas empresas, ao aumento da competitividade internacional. (...) Os países do chamado Terceiro Mundo ainda são pressionados politicamente a adotar um regime liberal de governo e uma política neoliberal. Eles não saíram ainda deste ciclo, mas o fracasso das políticas de ajuste estrutural, sobretudo na África e ainda após a crise mexicana no final de 1994, colocou na ordem do dia as políticas de compensação dos efeitos sociais negativos das políticas econômicas. (SANTOS, Theotonio dos. Socialismo e democracia no capitalismo dependente. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 56). 495 Freeman vê que há grupos de stakeholders primários, isto é, ligados diretamente até a própria existência da empresa (ex. acionistas, investidores, trabalhadores, clientes); grupos de stakeholders secundários, que não participam das operações da empresa, mas podem ser influenciados e influenciam seus resultados (ex. poder público, formadores de opinião pública). (FREEMAN, R.E. Strategic Management: A stakeholder approach. Apud. PALADINO, Marcelo. La responsabilidad de la empresa en la sociedad. op.cit., p.44-45). 496 CORNELL, B. & SHAPIRO, A. Corporate stakeholders and corporate finance. Financial Management, 16:5-14, 1987.

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6.1.2. A atualização do tema e a globalização

Desde o início do século XXI a responsabilidade social passou a ser indicador

de desempenho social corporativo.

Constantemente são feitas avaliações, v.g., oferta de emprego às minorias,

programas de aperfeiçoamento de segurança e saúde, redução na produção de

poluentes.

A globalização497 e as novas tecnologias trouxeram grandes oportunidades de

negócios e junto o aumento dos riscos, por exemplo, de serem expurgadas do mercado

no caso de estratégias indevidas e inadequadas.

A desterritorialização das empresas, tidas como globais, transnacionais,

supranacionais, multinacionais e outras categorias, é marco, pois facilitam sobremodo a

ampliação das relações comerciais. 498

A responsabilidade social incrementou a teoria da cidadania corporativa499,

empresas não devem singelamente cumprir a lei, precisam desenvolver ética nos

negócios, respeito com os colaboradores, comunidade, meio ambiente, pois só assim

serão valorizadas. 500

497Um movimento propagandístico de grande porte e universalmente disseminado chamado globalização. Este notável empreendimento de marketing, que mobilizou todas as energias de difusão disponíveis tanto pelos governos cêntricos, quanto pelas agências internacionais, estruturou-se ao derredor de umas tantas teses e se direcionou a alcançar certos objetivos, frontalmente contrários a algumas das diretrizes básicas da novel Constituição brasileira. (MELLO, Celso A. Bandeira de. Os 20 anos sofridos da Constituição de 1988. In: Revista do Advogado. São Paulo: AASP, 2008, set., p.37-41) 498 Empresa internacional tem sede num país e comercializa em outro; empresa multinacional tem sede num país e além de comercializar, mantém centros de distribuição, gerenciamento, fabricação; transnacional é a empresa, tal como a internacional, que tem sede num país e comercializa em outros; as empresas supranacionais não se reconhecem sediadas em qualquer dos países em que operam, exemplo, empresas globais fabricam componentes em vários países, para depois produzir um produto final e só aí passa a ser comercializado globalmente. (McINTOSH, Malcom et alli. Cidadania corporativa: estratégias bem sucedidas para empresas responsáveis. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001, p. 28). 499Archie CARROLL redefiniu: responsabilidade social corporativa consiste na empresa se empenhar para obter lucro, obedecer a lei, ser ética e ser uma boa cidadã corporativa. Op. cit., p. 289. 500DONALDSON, T. e DUNFEE, T. Towards an Unified Conception of business ethics: Integrative social contracts theory. (In: Academy of Management Review. vol.19, p. 252/284).

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Na década de 90 houve reformulação na relação havida entre empresas e

sociedade. 501

Sendo todos os homens, como já foi dito, livres por natureza, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição e submetido ao poder político de outrem, sem o seu consentimento, o que é feito de acordo com outros homens para juntarem-se e unirem-se numa comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com os outros, no gozo seguro de suas propriedades. (...) Quando qualquer número de homens concorda em formar uma comunidade ou governo, tornam-se, imediatamente, incorporados e constituem um corpo político no qual a maioria tem direito de agir e decidir pelos demais.

O contrato social entre empresa e os indivíduos ou grupos erigiu-se em

ferramenta, não somente para satisfação de interesses, incremento ao desenvolvimento

da própria corporação. 502

Num movimento circular empresa e sociedade se influenciam. Muitas crises de

origem econômica503 exigem da sociedade mundial ação mais cautelosa, de modo a

evitar comprometimento dos negócios.

É preciso proteger o direito de propriedade, da propriedade empresarial, o lucro

e também a imagem corporativa perante a sociedade. 504

501MORRIS, Clarence. Os grandes filósofos do Direito. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 130-154. 502Sobre a economia norte-americana pós-ato terrorista de 11 de setembro de 2001: (..) voltou a mostrar visível recuperação após o susto do 11 de Setembro. Se tivesse seguido os manuais, teria elevado os juros, para prevenir o risco da inflação. Mas ele resistiu confiante na intuição de que as novas tecnologias estavam proporcionando importantes ganhos de produtividade às empresas, suficientes para reduzir custos e compensar as pressões inflacionárias decorrentes do aumento da demanda (Benjamin Steinbruch: O goleiro que salvou um pênalti atrás do outro. In: diarioon.com.br/arquivo/4332/colunas, acesso em 22/02/2006). 503(...)a quebra do México, em 1994, a crise asiática, em 1997, o default da Rússia, em 1998, e os colapsos do Brasil e da Argentina nos anos seguintes. Mais adiante, aconteceram o estouro da bolha da internet (2000), os atentados do 11 de Setembro (2001). Idem. 504Em 1997 sinais de regulação, norma de responsabilidade social – SA8000, desenvolvida pela Social Accountability International – SAI, que tem por objetivo certificar e monitorar ação social das empresas e verificação das conformidades sociais. Há várias outras certificações vêm sendo buscadas pelas empresas, por exemplo, a que ocorreu em 2007 com a construção da ISO 26000 de Responsabilidade Social, cuja pretensão, em resumo, é fixar diretrizes internacionais a serem adotadas por organizações empresariais. Outros detalhes www.iso.org/wsgsr; confiram-se também as palavras de Regina Queiroz. ISO 26000 – Diretrizes para a responsabilidade social. Etapas da construção. Revista Observatório Social. No. 12 set/out/2007.

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A obsessão pelo lucro é meta incompatível com as empresas na

contemporaneidade505, embora isso seja visto muitos países, principalmente nos países

latinos, cercados por problemas com a carga tributária elevada, burocracia excessiva,

corrupção etc. 506

O <<fazer de qualidade>> é paradigma de algumas empresas, o que traz

benefícios empresariais, obtidos por organizações com pauta social mínima - de respeito

ao meio ambiente, consumidores, a dignidade humana, valores culturais e outros. 507

Encantar e não ludibriar o consumidor, lealdade, confiança, boa-fé, são alguns

dos múltiplos princípios que devem coincidir com a ação das empresas.

Há quem reconheça nisso um novo contexto ou nova concepção de capitalismo

(capitalismo social) ou economia solidária. 508

505Alguns pensam ao contrário: Na economia que prevalece hoje no mundo, que o senhor batizou de supercapitalismo, não há empresa socialmente responsável ou virtuosa? Não. Empresas não são pessoas. Elas não têm uma bússola moral e existem para um único propósito: oferecer boas oportunidades para os consumidores como forma de maximizar o lucro para os acionistas. (...) As empresas gastam milhões em relações públicas e passamos a acreditar que elas têm personalidade, são boas ou más, que são instituições criadas para atingir fins públicos. Elas não são. Na prática elas estão dando passos muito pequenos e não vão sacrificar o retorno dos acionistas em prol de um bem social. (REICH, Robert B., ex-secretário do trabalho do governo Bill Clinton, entrevista para Revista Exame. São Paulo: Abril, ed. de 07 de novembro de 2007). 506O SEBRAE-SP possui estudo revelador sobre fechamento das empresas no primeiro ano de abertura e isso deve-se, em grande parte, pela falta de planejamento relativo ao conhecimento dos hábitos de consumos da clientela. (www.cori.rei.unicamp.br/foruns/empreen/evento2/incubadoras, acesso em 22/02/2008). 507Sobre consumidores e a responsabilidade social das empresas. Se você prestou atenção na lista, nomes como Petrobrás, Vale e Coca-Cola estão presentes tanto entre as empresas com mais responsabilidade social quanto entre as menos responsáveis. (...) atribui esse fato à aceitação das ações sociais e de marketing dessas empresas por uma parcela do público e à percepção crítica de uma outra parte dos consumidores, que desconfiam dos negócios dessas organizações no que se refere aos impactos sobre o meio ambiente. (...) o brasileiro está atento ao que é divulgado pela mídia sobre as empresas. O fato da Parmalat ocupar o primeiro lugar na lista das empresas menos responsáveis socialmente pode estar relacionado à denúncia, sobre uso de soda cáustica no leite fornecido por algumas cooperativas”. (PRADO,Thays.Planetasustentável.In:planetasustentável.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteúdo_29065,3/9/08). 508Economia Solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano - e não do capital - de base associativista e cooperativista, voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços, de modo auto-gerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Assim, o trabalho se transforma num meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista. (pt.wikipedia.org/wiki/Economia_solidária - 39k, a.25.6.08).

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6.1.3. A responsabilidade social como meta empresarial

Na contemporaneidade as empresas não são simples parcelas da propriedade

privada, pois além dos resultados econômicos, há na atividade empresarial quatro metas

básicas para as corporações. 509

Criar riquezas; desenvolver as pessoas que trabalham na empresa; prestar serviços à comunidade e confirmar a empresa como organismo de ação duradoura são as quatro metas complementares e minimamente desejáveis.

Deixem-se de lado os aspectos éticos e de justiça social, ainda sim haverá

espaço para ações socialmente responsáveis, pois isso sensibiliza os consumidores e

conseqüentemente trará grande retorno econômico à empresa.

Rentabilidade não basta, a sobrevivência das corporações envolve agregação

de outros valores – evolução, plenitude, comprometimento, estratégia, qualidade. 510

Aliás, o traço contemporâneo da gestão corporativa implica novo viés na

conceituação da empresa. 511

Conceituamos a empresa como uma realidade humana e a definimos como a integração de seres humanos que complementam suas falhas e multiplicam suas qualificações, através de um empreendimento comum, com o propósito de cumprir sua missão e seus objetivos: como um organismo vivo, a felicidade pessoal de nossos colaboradores e o apoio ao cumprimento de seu projeto de vida são metas prioritárias.

Hodiernamente, empresas, socialmente responsáveis, são prestigiadas pelos

consumidores, multiplicando seus resultados pela fidelidade com a marca ou o nome, o

que também ocorre com os trabalhadores, ativos imateriais que multiplicam as ações

empresariais.

509Sobre os fins das empresas responsáveis, confiram-se: CIFUENTES, Carlos Llano. La responsabilidad de la empresa en la sociedad Construyendo la sociedad desde la tarea directiva. prólogo da obra organizada por Marcelo Paladino. Buenos Aires: Ariel Sociedad Económica, 2004. 510Dados de pesquisa mostram a relação da atividade empresarial com os consumidores e sua importância na gestão das grandes empresas. (In: INSTITUTOS ETHOS E AKATU, Pesquisa 2004. Responsabilidade Social das Empresas/Concepção do Consumidor Brasileiro. São Paulo, 2003). 511VIANNA, Marco A. Ferreira. O líder cidadão e a nova lógica do lucro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003, p. 3.

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A responsabilidade social é atitude negocial promissora, porém usada

indevidamente impacta por demais a imagem das próprias empresas.

Isso talvez explique porque muitas empresas optam pelo marketing social512,

ainda criando pessoas jurídicas distintas, por exemplo, fundações, outras linhas de

produtos, tudo para manter ou resgatar modo mais fácil os nexos de confiança junto à

sociedade, mantendo o good will (reputação) bem elevado. 513

A adoção de um código de ética, máxime no caso da atividade empresarial,

repercute sobre os interesses coletivos, isso porque, as históricas desigualdades entre os

fornecedores e consumidores não interessam nem um pouco ao mercado e investidores.

512Marketing e responsabilidade social são elementos que aparentemente não se misturam. A maior parte das empresas, por exemplo, nega que faz 'marketing social'. (..) No entanto, se utilizado no melhor sentido da expressão, as ações de responsabilidade social deixam de lado eventuais conotações pejorativas que possam ser associadas a objetivos meramente mercadológicos e passam a ser vistas como um elemento que colabora para que a empresa atue como agente de transformação social, graças a atuações (ações) que desenvolve em determinada comunidade. (...) Diz-se que uma empresa é socialmente responsável quando possui a capacidade de ouvir seus diferentes públicos - acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente - e consegue incorporar as necessidades deles no planejamento das próprias atividades, buscando atender às demandas de todos. Não se limita a fazer o que a lei determina, mas vai além, em busca do bem-estar dos que possuem algum laço ou contato com ela. É com as ferramentas de marketing que faz o planejamento de suas ações, pesquisa o público que quer como parceiro e identifica suas necessidades e expectativas. (...) Além das ferramentas de marketing, há evidentemente outros fatores (...) Entre eles destaque-se a existência de uma política de responsabilidade social, o compromisso da alta direção da empresa, uma linha orçamentária específica, o envolvimento de funcionários, fornecedores e parceiros, o monitoramento e a avaliação das ações sociais. E, finalmente, um plano de comunicação que divulgue com exatidão e correção tanto as ações como seus resultados. (...) A população, hoje, é mais consciente, bem informada e protegida pela lei. Aprendeu a identificar os objetivos reais de uma ação social e sabe distinguir a empresa que se propõe a fazer alguma coisa sem comprometer-se com soluções efetivas para os problemas sociais. A sociedade cada vez mais se posiciona e faz cobranças. E a conta pode ser alta. Felizmente. (VANDA PITA - Superintendente de Responsabilidade Social Corporativa do Grupo Santander Banespa. In:Fórum – Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, set/2008). 513Expressão em inglês „boa vontade‟, que aplicada à atividade empresarial, denota a reputação que esta e/ou seus produtos gozam junto aos consumidores. Uma empresa obtém essa condição por meio da qualidade de seus produtos e de sua propaganda e publicidade, mas também por meio de atitudes e procedimentos como o financiamento de campanhas humanitárias, a defesa do meio-ambiente, o apoio a esportistas e artistas etc. (...) o que, de uma forma direta ou indireta, ajuda a criar uma imagem positiva junto aos consumidores (efetivos ou potenciais) de seus produtos. O good will é considerado um ativo da empresa, e, no caso de venda da mesma, ele avaliado e entre como parte do seu valor. (In: www.ajudabancaria.com/termos_mercado_g.html, acesso em 22/02/2008). Há exemplos dessa mencionada desvinculação de personalidades jurídicas, por razões tributárias ou organizacionais, como ocorreu com a Fundação Ronald/MacDonald, Fundação Bradesco.

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Por exemplo, a depauperação do público (consumidor) reduz a fonte de custeio

das riquezas514, conclusão óbvia, mas assim como outras passaram às agendas

empresariais, forçando a adaptação dos objetivos para além do lucro. 515

Os consumidores estão mais exigentes nas informações, querem saber como

agem, quais os motivos das ações empresariais, valorizando o engajamento empresarial

na busca de uma sociedade melhor. 516

Os liberais mais extremados não imaginam o círculo de virtudes decorrentes

disso, ou os bons resultados tanto para a empresa como para os investidores. 517

Todos devem cooperar para o “bem comum”, nisso estão o Estado, as

empresas e a sociedade civil. 518

Descabidos são tanto o intervencionismo extremado do Estado, quanto ações

empresariais indevidas, por exemplo, manipuladores de processos políticos. 519

O que se lamenta é a falta de sintonia entre a teoria e a prática, em parte pela

visão míope de considerável parcela dos empresários e dos representantes do poder

público.

514Desde 2007 a economia norte-americana experimenta crise, após longa e forte liquidez global no mercado financeiro. Entretanto, a alta fluidez gerou créditos sub-prime (menor rigor na concessão x juros mais altos), o que, em princípio representaria um bom retorno aos investidores. Os primeiros sinais do engano foram mostrados pelo setor financeiro-imobiliário, a partir da inadimplência crescente do tomador final e subseqüente devolução dos bens hipotecados.Essa crise rapidamente pelo mercado global lembrando, em alguns aspectos, a grande crise de 29. (In: www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro. Acesso em 12.06.08). 515 A empresa, para sua própria subsistência, precisa pôr em prática, atividades diversas daquelas que até pouco tempo eram consideradas suficientes para a sua manutenção, ou seja, as diretamente relacionadas à produção de riquezas e obtenção do lucro. (ARNOLDI, Paulo R. C. e MICHELAN, Taís C. de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. (In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, 2000, nº 117, p. 157-162). 516 Não basta seguir a lei, para os consumidores é preciso um código ético. (GOMIDE, Maurício M. Balanço social: exercício de cidadania. In: Revista Brasileira de Contabilidade. Brasília: CFC, no. 06/76-82, ano II, 1998). 517 Variável considerável aos investidores no mercado de ações, conforme demonstra o portal eletrônico da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) e as publicações do IGC (índice de ações com governança corporativa diferenciada) ou ISE (índice de sustentabilidade empresarial). Idem 518 É o Estado o devedor verdadeiro de políticas públicas efetivas. As lacunas sociais não vão ser preenchidas somente pelas empresas, mas parcela importante do trabalho de todos. 519Conhecido como “mensalão” e descoberto em 2005, o escândalo brasileiro no qual empresas, estatais e privadas, foram acusadas de financiamento de campanhas eleitorais em troca de aprovação de projetos. Acesso em 10/03/2005: (veja.abril.com.br/idade/exclusivo/corrupcao_cronologia/index_caiu).

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Ainda há muitos conflitos ou colidências entre os resultados econômicos e o

interesse público, por isso necessário ao Estado lançar mão de vários instrumentos

repressivos (multas, interdições, etc).

De qualquer modo, além da responsabilidade social há que se comentar a

responsabilização civil das empresas.

6.2. Responsabilidade civil

Todas as atividades ou ações interferem nos interesses e bens alheios, são as

chamadas externalidades na linguagem dos economistas.

Algumas delas demandam compensação, como por exemplo, inobservância de

um sinal de trânsito seguido de dano à integridade patrimonial ou pessoal de outrem.

A empresa enquanto atividade organizada também pode causar danos, por isso,

espontânea ou forçosamente, se obrigam a compensar ou indenizar, pois muito embora

existam externalidades não compensáveis 520, a regra é a da recomposição dos danos

Essa é a pauta jurídica da responsabilidade civil, definida como vínculo

obrigacional decorrente de ato ilícito do devedor ou fato jurídico que o envolva, no qual se

estabelece: sofrido o dano, o (credor) pode exigir o pagamento do respectivo passivo.521

O tema é amplo, disseminado em todos os campos do direito como observa

CAVALIERI FILHO:522

520COELHO, Fábio U. Dá exemplos de externalidades não compensáveis, v.g., concorrência entre dois empresários que exploram o mesmo segmento, o cheiro da tinta que invade o apartamento vizinho, os transtornos das greves legais etc. (Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, vol. 2, 2004, p. 249ss). 521 Idem, p. 254. 522CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. (In: Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, 2003, v.6, n. 24, p. 30-47).

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A responsabilidade civil é um estuário onde deságuam todos os rios do direito: publico e privado, material e processual; é uma abóbada que encaixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo acaba em responsabilidade. (...) nisso reside a impossibilidade de se concentrar todas as regras da responsabilidade em um só título, em uma só parte do Código.

Aqui, cuidaremos de alguns aspectos da responsabilidade civil das empresas,

especialmente, quanto aos danos <<efetivos e potenciais>>, causados aos consumidores

e outros indivíduos que com ele se equiparem.

Imprescindível algum esclarecimento sobre as espécies de responsabilidade

civil: <<subjetiva e objetiva>>.

A primeira é a prática do ilícito decorre de dolo ou culpa; já na responsabilidade

objetiva esses elementos não são cogitados, bastando apenas o dano e sua relação

conexa com a conduta de alguém. Distintos são os pressupostos e os elementos de uma

ou outra espécie de responsabilidade.

6.2.1. Elementos da responsabilidade civil subjetiva

Os três elementos comumente envolvidos no estudo da responsabilidade civil

subjetiva são <<culpa, dano e nexo de causalidade>>.

A culpa estudada por muitos autores523, voltada ao exame da responsabilidade

civil é considerada como qualquer comportamento contrário ao direito, seja intencional ou

não.524

Num sentido estrito, a culpa é marca da conduta imprudente ou negligente, mas

num sentido mais amplo, também são as condutas deliberadas, conscientes e anti-

sociais (dolo).

523MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, vol. XXIII, p. 72; SERPA LOPES, Miguel M. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962, vol. V, p.197, AGUIAR DIAS, José. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960, t. I, p. 137 e outros 524 PEREIRA, Caio M. da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. 1, p. 566.

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Das várias classificações atribuíveis à culpa525, interessa distinguir a culpa

contratual da extracontratual, ambas de grande interesse nas relações de consumo.

Enquanto a contratual relaciona-se com a violação de dever contratual, v.g.,

falta de cuidado com a coisa depositada, a extracontratual526, viola dever relacionado aos

princípios gerais por exemplo não colocar no mercado de consumo produtos sem

qualidade, guardando referência próxima ao ilícito.

Aliás, há íntima relação entre ato ilícito e a culpa (art. 186 do Código Civil).527

Ato ilícito é o fato violador de obrigação ou dever preexistente, que o agente podia ou devia observar. Seu substractum é a culpa. Esta o qualifica...(...) O ato ilícito acarreta, de si só e originariamente, o vínculo da obrigação. São seus requisitos objetivos: o ato contra o direito, isto é, praticado de maneira ilícita; o resultado danoso; a relação causal entre ele e o dano. (...) Assim, é a lição de Savatier, não há ato ilícito sem culpabilidade, como não há culpabilidade sem imputabilidade.

Além desse elemento, há <<o dano>> que se traduz na alteração de situação

favorável, independe de violação da norma ou de conduta antijurídica. 528

O estudo do dano nos remete a perdas econômicas, mas outras perdas podem

servir à responsabilidade civil. Então só é cabível se o dano repercutir na esfera jurídica

de alguém. 529

525RIZZARDO, Arnaldo. Op.cit., p. 8-9. 526 Na prática não há diferença entre culpa contratual e extracontratual, a indenização quando permitida será a mesma. No entanto, dado que o Código de Defesa do Consumidor assume muitos princípios constitucionais e dá ao consumidor muitas prerrogativas confiram-se as palavras de RIZZARDO: “Ela é conhecida com o nome de extracontratual na ofensa de um dever fundado no princípio geral do direito, desrespeitando-se as normas, ferindo os bens alheios e as prerrogativas da pessoa. Por isso, diz que são vulneradas as fontes das obrigações. É a chamada culpa aquiliana, nome oriundo da Lex Aquilia, do direito romano, pelo qual o dever de reparar o dano por fato culposo se fundava naquele texto. É a culpa que nasce dos atos ilícitos” . op. cit., p. 7. 527CARVALHO SANTOS, J.M de. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1947, vol. V, p. 16. 528Para Enneccerus: dano é toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição, do que resulta o direito a uma reparação em pecúnia sempre decorrente da conduta comissiva ou omissiva de outrem. (Apud. CARREIRA ALVIM, J. E. Reflexões sobre a responsabilidade civil médica. A tutela antecipada na ação de reparação. Erro médico. São Paulo: ADV-Advocacia Dinâmica Seleções jurídicas (COAD). v.3, p. 40-43, abr./2004). 529 Confiram-se: O fenômeno dano admite vários enfoques. Primeiramente distinguem-se dano simplesmente fático O fenômeno dano admite vários enfoques. Primeiramente verifica-se uma distinção entre o dano simplesmente fático na ordem natural dos acontecimentos e o dano com repercussões no ordenamento jurídico. (In: CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização. São Paulo: RT, 1994, p. 41).

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No aspecto jurídico, o dano classifica-se, de acordo com o interesse protegido, em <<dano patrimonial e extrapatrimonial>>.

O patrimonial é composto de dois elementos, um no momento da violação ou

afetação do patrimônio real, outro relacionado à frustração dos resultados positivos. 530

Há também o dano moral ou extrapatrimonial referente a valores espirituais,

morais, atingindo a subjetividade dos indivíduos em sua intimidade psíquica (dano moral

subjetivo), v.g., perda de filho em acidente de consumo.

Também há dano moral objetivo, isto é, aquele que atinge a moral das

pessoas531 no âmbito social, por exemplo, negativando dados cadastrais.532

O terceiro elemento é << nexo de causalidade>>, representativo do vínculo

entre a conduta e o resultado.533

(...) este o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre que um problema jurídico vai ter na indagação ou na pesquisa da causa, desponta sua complexidade maior. Mesmo que haja culpa e dano, não existe obrigação de reparar se entre ambos não se estabelecer a relação causal. Como explica Genéviève Viney, „cabe ao jurista verificar se entre os dois fatos conhecidos (o fato danoso e o próprio dano) existe um vínculo de causalidade a cargo de Jacques Ghestin, Lês Obligations, Responsabilité Civile, n. 333, p.406.

Decorre de leis naturais <<causa e efeito>>, por isso, no âmbito civil adota-se a

teoria da causalidade adequada534, isto é, causa é a condição apta e adequada na

produção do evento, segundo o que ordinariamente acontece.

530 Esse dano pode incluir dois elementos distintos, que são enumeradas no art. 1149: de um lado, a perda, ou seja, o empobrecimento sofrido pela herança do credor - damnum emergens, por outro lado, o ganho frustrado - lucrum cessans. (Planiol-Ripert, Tratado Practico de Derecho Civil Francês, Las Oligaciones. Apud. RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 18). 531 Pessoas jurídicas também - Súmula 227 do STJ. No aspecto da moral objetiva não há qualquer razão para isso não se estender esse direito ao ressarcimento, v.g, de alguma empresa que tenha sofrido abalo em sua reputação comercial. 532 REALE, Miguel. O dano moral no direito brasileiro. (In: Temas de direito positivo. São Paulo: RT, 1992, p. 23). 533 PEREIRA, Caio M. da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76. 534 Várias teorias sobre o nexo causal: a) teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non, que dá fundamento ao Código Penal em vigor, considerando como causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido e que considera todos os fatores que concorrem para determinado evento; b) Teoria da causalidade adequada, em oposição à teoria da equivalência das condições, propondo que a causa é a condição apta e própria ou adequada a produzir o evento segundo o que ordinariamente acontece; c) Teoria da interrupção do nexo causal

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6.2.2. Elementos da responsabilidade objetiva e outras anotações

Muito do que se disse sobre a responsabilidade subjetiva serve ao exame da

responsabilidade objetiva. Dano e causalidade são elementos que se assemelham nas

duas hipóteses.

Entretanto a origem histórica é distinta. A responsabilidade objetiva foi

construída ao longo do século XX, resposta ou compensação aos dissabores da

Revolução Industrial, ao maquinismo e a tecnologia que trouxeram inúmeras vantagens,

nem por isso deixaram de amplificar os riscos e o equilíbrio havido nas relações.

Acidentes, antes pontuais, passaram ocorrer com freqüência, poucos eram

resolvidos exigindo das vítimas comprovação da culpa.535

E, realmente, a teoria subjetiva da culpa já não era suficiente para solucionar todas as hipóteses surgidas. A necessidade de maior proteção da vítima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão.

O avanço teórico para dar efetividade a essa falta de solução foi exigir apenas

que a comprovação de que a atividade, por sua própria natureza e independentemente

da ilicitude, implique em riscos para os direitos de outrem.

Evoluiu-se à teoria do risco criado. 536

(...) uma verdadeira cláusula geral ou aberta de responsabilidade objetiva,

Adotou-se, assim, com esta novidade no campo do direito positivo, a teoria do risco criado, tendo em Caio Mário da Silva Pereira o seu maior defensor. Trata-se de uma

ou da relação causal imediata, preconizando considerar-se adequado o antecedente que aparecer em último lugar e, portanto, tido como causa imediata, de sorte que a última condição, pelo simples aspecto cronológico deve ser considerada causa do dano; d) Teoria da causalidade por omissão, buscando demonstrar ser necessária a comprovação do nexo de causalidade em termos normativos e não naturalísticos, impondo-se demonstrar que o dano resultou diretamente da inação (omissão) dos agentes administrativos e do mau funcionamento do serviço”. (MOREIRA, João B. G. Nexo de causalidade para efeito de responsabilidade do Estado. Reexame do tema. Interesse público. Porto Alegre: Notadez, nº. 39, 2006, p.33-42). 535STOCO, Rui. Tratado da responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 157. 536BERALDO, Leonardo de Faria. A responsabilidade civil no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e alguns apontamentos do direito comparado. (In: Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, no. 20, 2004, p. 217-234).

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questão de socialização dos riscos, pois, o dano decorrente da atividade de risco recairá, sempre, ou no seu causador (que se beneficia do risco auferindo lucro), ou na vítima (membros da sociedade).

A responsabilidade objetiva desses moldes foi defendida com veemência por

Ripert537 e Le Tourneau538, basicamente pelos benefícios na redução das exigências,

pois bastaria a comprovação da simples relação de causalidade.

Paulatinamente isso se disseminou pelo mundo e no Brasil acabou consagrada

no ordenamento jurídico, v.g., Código Brasileiro de Aeronáutico e Código de Defesa do

Consumidor.539

Ampliada pelo Código Civil de 2002, a responsabilidade merece um breve

comentário.

6.2.2.1. A responsabilidade objetiva como cláusula geral no Código Civil 540

Indiscutivelmente, a grande consagração da responsabilidade objetiva deu-se

por sua inserção no Código Civil, o que ampliou sua incidência, possibilitando melhores

resultados.

537RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Trad. OLIVEIRA, Osório de. Campinas: Bookseller, 2002, no. 116, p. 215. 538 LE TOURNEAU, Philippe. La responsabilité civile. Paris:Dalloz, 1976, n. 2, p. 4. Apud. PEREIRA, Caio M. da Silva. Responsabilidade civil, op. cit., p. 267. 539 Interessante o cotejamento feito por NUNES, RIZZATTO entre a livre iniciativa e a defesa do consumidor sob o ponto de vista do risco assumido pelo empresário fornecedor: “(...) é verdade que a livre iniciativa está garantida. Porém, a leitura do texto constitucional define que: a) o mercado de consumo aberto à exploração não pertence ao explorador; ele é da sociedade e em função dela, de seu benefício, é que se permite sua exploração; b) como decorrência disso, o explorador tem responsabilidades a saldar no ato exploratório; tal ato não pode ser espoliativo; c) se lucro é uma decorrência lógica e natural da exploração permitida, não pode ser ilimitado; encontrará resistência e terá de ser refreado toda vez que puder causar dano ao mercado e à sociedade; d) excetuando os casos de monopólio do Estado (p.ex. do art. 177), o monopólio, o oligopólio e quaisquer outras práticas tendentes à dominação do mercado são proibidos; e) o lucro é legítimo, mas o risco é exclusivamente do empreendedor. Ele escolheu arriscar-se: não pode repassar esse ônus para o consumidor”. (In: Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55). 540 Art. 927... Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.

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Transformou-se, de fato, em cláusula geral, no que sofreu muitas críticas,

especialmente, pelo seu conteúdo muito aberto. Entretanto, o posicionamento mais ácido

é o risco de insegurança jurídica, o que se afigura inconsistente, já que as balizas estão

no próprio Código (art. 927), o que retira do aplicador a imputada liberdade desmedida.

Somente excepcionalmente, isto é, nos casos indicados é que a

responsabilização dispensa a prova de culpa. 541

Por certo que o corpo do art. 927 do Código Civil possui alguns pontos que

demandam compreensão: <<atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem>>.

Todavia, isso não significa que a interpretação fique ao exclusivo alvedrio do

sujeito, pois nenhuma expressão jurídica, por mais vaga que seja, dá margem à tamanha

liberdade.

Inicialmente, a expressão <<atividade normalmente desenvolvida>>, diz respeito

àquela desenvolvida de modo organizado e habitual, não é um simples ato isolado. 542

Em segundo lugar, <<o risco>> deve ser inerente à atividade, não ao

comportamento do agente, por exemplo, imperícia no manejo de um veículo de passeio.

Entretanto, se dessa imperícia resultar dano, haverá sim espaço para indenização, mas

sob outro fundamento que não propriamente no princípio do risco criado.543

541 Confiram-se alguns dos dispositivos: Código de Defesa do Consumidor; nas hipóteses de prestação de serviço público (CF, art. 37,§ 6º); transporte de pessoas (ferroviário, aéreo etc); danos ao meio ambiente (Lei 6.983/81); danos nucleares (Lei 6.453/77) e em muitos outros casos, previstos no próprio Código Civil (arts.734, 932, 936). 542Veja referência dada pelo próprio Código Civil brasileiro (art. 966), cuida do empresário, mas faz alusão expressa à organização e habitualidade. 543 Sobre essas diferenças, confiram-se as palavras de: (..)Evidente, assim, a responsabilidade objetiva da empresa ré, fundada no preceito contido no artigo 927, parágrafo único, do Novo Código Civil: "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." No caso em apreço, a responsabilidade objetiva não deriva propriamente da atividade de risco, ou perigosa, mas sim do risco da atividade. A empresa que, no âmbito de sua organização, ocasiona danos com certa regularidade, deve assumir o conseqüente risco e traduzi-lo em um custo. Em uma sociedade de produção de bens e serviços de massa, os defeitos acontecem inevitavelmente, são previsíveis, evitáveis e estão quantificados em probabilidades. Acabam sendo encarados como metas de erros, que geram danos, assumidos como risco do negócio. É inviável hoje, nas grandes corporações e conglomerados de comunicação, verificar condutas individuais. O que interessa é o resultado das atividades. Os elevados níveis de gestão e governança corporativa convertem os danos causados a terceiros em

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O risco e potencialidade lesiva ou danosa são facilmente detectados nos casos

clássicos como: mineração; fornecimento de energia; transportes de produtos inflamáveis

e outros.544

No entanto, o exame de alguns casos concretos demanda adequação e

interpretação545, o que é natural, quando se trata de cláusula geral tal como prevista no

Código Civil brasileiro, que, diga-se, não esgota o tema da responsabilidade civil inerente

à atividade empresarial.

6.2.2.2. A responsabilidade objetiva no Código de Defesa do Consumidor

O Código cuida da responsabilidade civil dos fornecedores (CDC, arts. 12 a 27),

fundada na qualidade do produto-serviço e sua inobservância, causa de

responsabilização do fornecedor.

Concentra-se essa responsabilização na existência de defeito relacionado à

segurança ou ao vício referente à adequação ou prestabilidade, por isso correto afirmar-

se que duas são as hipóteses de responsabilidade tratadas no Código de Defesa do

Consumidor.

Pelo fato do produto ou serviço (CDC, art. 12) ou por simples vícios, que

maculam a qualidade, quantidade ou prestabilidade (CDC, art. 18).

conduta puramente racional, com cálculo de riscos e prevenção embutidos no preço. (Francisco Loureiro como relator da ap.cível no. 588 191 4/4-00 Santo André - 4ª. Câmara de D. Privado, j. 18.12.08) 544Enunciado no. 38, fixado na Jornada de Direito Civil (2002) no STJ – configura-se quando a atividade, normalmente desenvolvida pelo autor do dano, causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da comunidade. 545É responsável aquele que causa dano a terceiro no exercício da atividade perigosa, sem culpa da vítima. Ultimamente, vem conquistando espaço o princípio que se assenta na teoria do risco, ou do exercício de atividade perigosa, daí há de se entender que aquele que desenvolve tal atividade responderá pelo dano causado. A atividade de transporte de valores cria um risco para terceiros. Neste quadro, conforme o acórdão estadual, não parece razoável mandar a família do pedestre atropelado, reclamar dos autores não identificados no latrocínio, a indenização devida, quando a vítima foi morta pelo veículo da ré, que explora atividade sabidamente perigosa, com o fim de lucro. Inexistência de caso fortuito. (Resp 1856.659/SP, 3ª T/STJ, 26.06.00, DJU 18.9.00.). Outros são citados por GODOY, Cláudio L. Bueno. Código civil comentado. Org. Cezar Peluso. op. cit., p. 767.

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No primeiro caso há quebra do dever geral de segurança, isto é, todo fornecedor

dá garantia implícita de somente inserir no mercado, produtos ou serviços livres de

defeitos.

Essa garantia é devida por todos os partícipes da cadeia de fornecimento,

<<responsabilidade geral, solidária e objetiva>>, não importando se a atividade é ou não

de risco.546

No segundo caso (CDC, arts. 18 e seguintes) a questão é vício por inadequação

de qualidade ou quantidade, que a despeito de alguma convergência, não seguem o

regime jurídico dos vícios redibitórios do Código Civil.547

Incluem-se também nesse regime, os vícios decorrentes de falhas nas

informações sobre serviços e produtos.

Aliás, a informação é aspecto relevantíssimo na atualidade, caracterizada

principalmente pela velocidade das negociações, publicidade massiva e consumismo

desenfreado. Confiram-se:

Serviço inadequado – Entrega rápida – Vício de informação –

Frustração da confiança. 548

546 O CDC converge e diverge do Código Civil de 2002, vejamos: nos dois diplomas há previsão da responsabilidade objetiva, mas no campo civil exige-se que a atividade seja de risco ou já prevista em lei, mas no campo consumerista independe da atividade ser ou não de risco. Além disso, no Código Civil há possibilidade de invocação das excludentes de caso fortuito e força maior (art. 393), já no Código de Defesa do Consumidor DC (art. 12 § 3º) não há referência a essas excludentes. (MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antonio H. Vasconcellos e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: RT, 2006, p. 278-279) 547 O vício redibitório no CC é somente sobre produtos, já no CDC tanto sobre produtos como sobre serviços. As escolhas na resolução do problema são mais amplas no CDC e são de exclusiva alçada do consumidor, que está livre para três alternativas: rescisão com perdas e danos; abatimento proporcional do preço. Diferente no diploma civil em que somente a possibilidade de substituição de peças/ conserto/ reexecução do serviço. Comparem-se os artigos 442 do Código Civil e o art. 18 § 1º do CDC. 548 Direito do consumidor – Lei 8.078/90 e Lei 7.565/1986 – Relação de consumo – Incidência da primeira – Serviço de entrega rápida – Entrega não efetuada no prazo contratado – Dano material – Indenização não tarifada. I – Não prevelecem as disposições do Código Brasileiro de Aeronáutica que conflitem com o Código de Defesa do Consumidor. II – As disposições do Código de Defesa do Consumidor incidem sobre a generalidade das relações de consumo, inclusive as integradas por empresas aéreas. III – Quando o fornecedor faz constar de oferta ou mensagem publicitária a notável pontualidade e eficiência de seus serviços de entrega, assume eventuais riscos de sua atividade, inclusive o chamado risco aéreo, com cuja conseqüência não deve arcar o consumidor. IV – Recurso especial não conhecido. (STJ – 3ª. T – REsp 196031/MG, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 24.04.2001)

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Vício por inadequação – Modelo ano anterior – Falha informacional do comerciante – Responsabilidade solidária – Dever de informar.549

Enfim, comparando-se as duas responsabilidades (social e civil) percebe-se, a

primeira envolve atitudes dos empresários, relacionadas ao foco dado à propriedade

empresarial, proporcionando satisfação ao grupo de investidores e à própria sociedade;

já a responsabilidade civil guarda relação com a capacidade da empresa em responder

por suas externalidades, pelas repercussões de seus atos sobre o patrimônio material e

moral de terceiros.

A responsabilização de qualquer modo mantém estreita relação com a

propriedade e com patrimônio empresarial, tema do qual nos ocuparemos adiante.

549 Processual civil e direito do consumidor – Recurso especial – Ação por danos morais Venda de veículo – Ano de fabricação equivocado – Condenação por danos morais – Valor – Matéria não debatida no acórdão recorrido – Responsabilidade solidária – Fabricante e fornecedor ....(STJ – 3ª T – REsp 713284/RJ – rel. Min. Nancy Andrighi – j. 03.05.2005).

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7. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE

7.1. A propriedade e sua perspectiva histórica

A propriedade é tão antiga quanto a história da humanidade.

Nas sociedades tribais ou nos clãs a propriedade tinha função específica, isto é

produzir alimentos e itens essenciais à sobrevivência.550

COULANGES demonstrou que a propriedade privada decorria da organização

estrutural da religião doméstica. 551 A segregação de centenas e centenas de pessoas

mantinha cada grupo familiar na sua terra e com sua religião.

A propriedade era sacralizada, não se identificavam os indivíduos enquanto

proprietários, embora a propriedade tivesse valor muito maior do que a própria vida e a

integridade dos indivíduos.552

Na Roma antiga convivia-se com a estrutura patriarcal, propriedade era absoluta

e exclusiva aos chamados paterfamilia, com direito de vida e morte sobre todas as coisas

550 Na Antiguidade a propriedade pertencia aos mortos, acreditava-se permanecessem vinculados às condições da vida terrena. Fustel de Coulanges sustenta que a crença era de que com a morte os homens passavam a ter segunda existência, que se realizava junto dos vivos, explicando a ritualização (fogo sagrado etc). (In: A cidade antiga. São Paulo: Rideel, p.68). 551 A família está vinculada ao altar e este, por sua vez, encontra-se fortemente ligado ao solo; estreita relação se estabeleceu, portanto, entre o solo e a família. Aí deve ser sua residência permanente, que jamais abandonará, a não ser quando uma força superior a isso a constranja. Como o lar, a família ocupará sempre esse lugar. O lugar pertence-lhe; é sua propriedade, a propriedade não de um único homem, mas de uma família, cujos diferentes

membros devem vir, um após outro, nascer e morrer ali. (Ibidem, p. 50). 552O corpo do devedor respondia pela dívida, mas a terra não se sujeitava à expropriação. A lei das Doze Tábuas (451-449 a.C.), escrita por dez legisladores romanos, baseada na legislação grega, sob fórmulas lapidares, retrata na Tábua III: “I- Para o pagamento de uma dívida em dinheiro, confessada pelo devedor e por ela condenado, tenha ele o prazo de trinta dias para se desobrigar; (...) VI- Terminado esse prazo, o devedor seria morto, podendo ser cortado em pedaços, na hipótese de existirem vários credores. Mas a lei admitia também, o que era mais usual, a venda do devedor a um estrangeiro, para além do Tibre.” (In: www.internext.com.br/valois/pena/451ac.htm, consulta em 08/06/06).

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(incluindo os escravos), sobre o destino da família, assumindo poderes proprietários

absolutos. 553

Isso perdurou até que a expressiva influência do direito canônico e dos

costumes tirou da propriedade essa visão individualista e absoluta. Então, a ordem era

relativizar a propriedade, reconhecê-la por seu caráter social, visão da qual germinaram

as limitações impostas aos imóveis - direitos de vizinhança (interesse de vizinhos e

interesse público em geral).554

7.1.1. A propriedade na modernidade

O final da época medieval, marcada pela efervescência política, como os

exemplos históricos da queda da Bastilha555 e da Independência americana556, mudanças

significativas ocorreram no modo de ver e explicar o mundo.

O Iluminismo libertou a sociedade dos mitos e superstições, era forte o prestígio

aos homens das ciências e das idéias, tudo foi racionalizado e não faltaram críticas às

ideologias.

O ideário era a liberdade, a propriedade não mais se submetia à vontade da

coroa e passou à essência do liberalismo clássico. 557

553No princípio do Direito Romano, a propriedade é um direito absoluto e exclusivo. Por viverem numa estrutura patriarcal, os romanos concediam todo o poder familiar aos „paterfamilia‟, que tinha o direito de vida e morte sobre seus escravos, tratados como „rei vindicatio‟ (coisa), decidiam, muitas vezes, o destino de seus descendentes e eram senhores absolutos da propriedade. Podiam até mesmo destruí-las, em virtude do „jus obutendi” (BERTAN, José N. Propriedade privada & função social. Curitiba: Juruá, 2006, fl. 33). 554GIRARD, Paul F. enuncia as limitações: a) no interesse dos vizinhos (reserva de espaço não agricultável entre lotes vizinhos) (...) b) no interesse público (uso público das margens de terrenos ribeirinhos)...”.– apud GRAMSTRUP. Erik F. Por uma definição dogmático-constitucional de função social da propriedade. (In: Cadernos de direito civil constitucional, cad.2, p.96/97). No mesmo sentido: CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 170. 555A queda da Bastilha (14-07-1789) marca o movimento da burguesia, que cônscia do seu papel na vida econômica, afasta a aristocracia e a monarquia absolutista. Novo modelo de sociedade e Estado influenciou grande parte do mundo e marcou a transição do mundo para a idade contemporânea e para a economia de mercado. 556A declaração de independência norte-americana destruiu o sistema absolutista inglês, que impedia o desenvolvimento da economia de mais de 2 milhões de pessoas espalhadas em 13 colônias. 557 Embora destacados, os princípios da livre iniciativa e concorrência, não ocupavam o mesmo papel nuclear da propriedade. Confiram-se: Se a história da civilização poderia nos ensinar alguma coisa, seria que a propriedade privada está indissoluvelmente ligada à civilização. MISES, Ludwig von. Liberalismo segundo a tradição clássica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.

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A propriedade, abrangendo os pertences individuais, a terra e meios de

produção, era alavanca da sociedade e da riqueza coletiva558, funcionando como motor

para a classe trabalhadora, que até então vivia em situação de degradação e distante da

cidadania.

Nem tudo era aceitável, havia crítica às soluções liberais, à política do laissez-

faire não faltou, principalmente de <<Marx e Engels>>, convencidos dos reais propósitos

do Estado e dos grandes capitalistas em concentrar mais e mais as riquezas. 559

GASSEN lembra que aqueles pensadores viam no trabalho e na propriedade

idêntico conteúdo. 560

(...) tanto a divisão do trabalho como a propriedade privada são expressões idênticas. A divisão do trabalho enuncia-se em relação à atividade desenvolvida pelos homens, enquanto que a propriedade privada refere-se ao produto desta atividade. Resumidamente as formas de propriedade para Marx e Engels são: 1) propriedade tribal; 2) propriedade comunal e estatal antiga; 3) propriedade feudal, ou de Estados, ou de ordens sociais; e 4) propriedade moderna burguês.

Nessa identidade (propriedade-trabalho) explicou-se a origem dos antagonismos

históricos entre o capital e o trabalho, isto é, a classe burguesa mantinha todos

subordinados ao capital, a propriedade era o centro de tudo561, tal como o traçado pelo

giz napoleônico.562

558O teorema é o seguinte: a propriedade privada dos meios de produção e a liberdade econômica estimulam os indivíduos a empregar de maneira mais eficiente os escassos recursos econômicos. Neste sistema, o emprego dos recursos procura atender necessidades mais urgentes dos consumidores, evitando, assim, o desperdício. É a soberania do consumidor, que exerce o papel primordial na condução do emprego dos fatores de produção no sistema de livre mercado”. (MENDES Lucas. A contradição do liberalismo clássico. A falácia do Estado mínimo. In:Mídia sem máscaras w.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4372, acesso em 20.02.2008). 559ENGELS F. & MARX K. Manifesto do Partido Comunista disponível: (www.dorl.pcp.pt/images/classicos/manifesto, acesso em 22.02.08). V.ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução de L. Conder. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. 560 GASSEN, Valcir. A natureza histórica da instituição direito de propriedade. (In: Fundamentos de história do direito. org. Antonio C. Wolkmer. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 162/163). 561 Consagrou-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, passando a ser visto como um direito humano fundamental praticamente intangível não só por outrem, como pelo próprio Estado. 562 Art. 544: La proprieté est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolute (...). – A propriedade é o direito de dispor das coisas de modo mais absoluto.

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Assim, como nos dias de hoje (CF, art. 22, inc. XXII), a propriedade consagrou-

se como direito fundamental, assegurando-se contra medidas arbitrárias de expropriação,

status, aliás, adquirido a partir de sua inclusão na Declaração Universal dos Direitos do

Homem (24/10/1948), conforme comentado por LIMA. 563

A propriedade é uma instituição conseqüente às exigências da pessoa humana, a primeira das quais é precisamente a sua expansão. A propriedade é a expansão da pessoa em direção às coisas, no sentido de transformar em meios de realização de suas próprias potencialidades. Logo, a propriedade existe para a liberdade. E essa naturalmente submetida às limitações naturais desta última. Assim, como não há liberdade absoluta, também não deve haver propriedade absoluta. Logo, a propriedade é um direito essencial à plena expansão da vida humana, desde que exista uma função de sua finalidade.

Segundo COMPARATO, direito de propriedade é mecanismo eficaz de

subsistência da liberdade individual contra os ataques de terceiros, especialmente do

Poder Público.564

7.1.2. A propriedade na contemporaneidade e seu real significado

O ponto alto do liberalismo foi a proteção dos indivíduos contra as

arbitrariedades do Estado, no direito clássico o individualismo foi posto a serviço dos

capitalistas.

563LIMA, Alceu A. Os Direitos do homem e o homem sem direitos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1974,p. 134. 564Não se trata apenas, de reconhecer o direito individual dos proprietários, garantindo-os contra as investidas dos demais sujeitos privados ou do próprio Estado. Cuida-se também, de evitar que o legislador venha a suprimir o instituto, ou desfigurá-lo completamente, em seu conteúdo essencial. (...) É esta (Wesensgehalt) a expressão usada pela Lei Fundamental de Bonn, em seu art. 19, para definir a competência do legislador ordinário, na regulação do conteúdo e dos limites de um direito fundamental. Na medida em que, de acordo com essa Lei Fundamental, um direito fundamental pode ser delimitado pela lei, ou com fundamento em lei, esta deve ser geral, não podendo valer somente no caso individual. E na segunda alínea: Em caso algum pode um direito fundamental ser violado em seu conteúdo essencial. COMPARATO, Fabio. Direitos humanos. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. (In: http://www.cjf.jus.br/revista/numero3/artigo11.htm, acesso em 16.06.08).

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O patrimonialismo foi o marco no direito de propriedade565, entretanto, esse

direito foi se onerando com o desempenho da função social até o seu reconhecimento

em sede constitucional, prodigamente tratado no Brasil.566

Por séculos o significado da propriedade esteve vinculado à apropriação de

coisas físicas, o que justifica seu lugar central no direito das coisas.

Contudo, isso se amplia dia a dia, pois a propriedade encerra algo atribuível a

alguém, ao mesmo tempo legitima o respeito de todos. Essa ampliação é bem

perceptível no exame da <<Property>> do direito anglo-saxão, cujo conteúdo transcende

o direito das coisas, conforme nos remete as lições de MAILLE. 567

O conjunto dos direitos reais, pessoais e intelectuais forma um todo, uma „universalidade‟ de direito que toma neste caso um nome: patrimônio da pessoa (...) a propriedade instala-se no mais profundo de cada um de nós. Assim, se realiza a unidade do „patrimônio‟ do indivíduo: todos os seus direitos, pecuniários e não pecuniários, vêm fundir-se nele. (...) O direito de propriedade vem afinal inscrever-se no próprio centro da noção de patrimônio.

No direito de propriedade incluem-se todas as relações econômicas e sociais

mantidas entre os indivíduos em que os direitos são fluídos, não dizem respeito somente

à relação estabelecida entre o titular da apropriação e à própria coisa apropriada.

Essa plasticidade conceitual permitiu a criação de várias figuras, nos países do

common law os direitos reais não são estritos (numerus clausus). Então previsível que

surgissem novos processos e novos conceitos.568

565O tratamento anterior foi traduzido por Pontes de Miranda: (...) sentido amplíssimo, propriedade é o domínio sobre qualquer direito patrimonial. Tal conceito desborda o direito das coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo direito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas (cp. Arts. 485, 524 e 862). Em sentido quase coincidente, é todo direito sobre coisas corpóreas e a propriedade literária, científica artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só domínio. O primeiro sentido é o da propriedade, no art. 5º, XXII, da Constituição Federal de 1.988. O segundo é o que corresponde aos arts. 524-530 do Código Civil. O terceiro é o menos usado nas leis, e mais em ciência. O quarto é mesclado aos outros e quase sempre é o que se emprega quando se fala de proprietário, em relação a outro titular de direito real (e.g., arts. 713 e 730).(In: Tratado de Direito Privado. São Paulo: Bookseller, 2001, Tomo 11. p. 37). 566Sob a ótica de direitos fundamentais, confiram-se: art. 5º Caput, inc. XXII e XXIII; como princípios, confirme-se o artigo 170, inc. II e III, todos da Constituição Federal de 1988. 567MAILLE, Michel. Introdução crítica ao direito. Lisboa: Estampa, 1994, p.166-171. 568PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas..... op. cit, p. 71.

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Entre elas, já desde épocas medievais, o trust. Esse perfil foi responsável, entre outros fenômenos, pelo surgimento das sociedades anônimas, pois desde cedo, a tradição do direito anglo-saxão conviveu com a possibilidade de dissociação entre titularidade e administração do patrimônio.

7.2. A propriedade empresarial

Toda essa proteção se estende à propriedade empresarial, vista não somente

como conjunto de bens e direitos.

Historicamente é sabido que a atividade empresarial se intensificou na Idade

Média, tempo de proliferação dos negócios, quando germinaram as primeiras

corporações e modelos de organizações profissionais.

O núcleo do estudo de direito mercantil era o aspecto subjetivo da empresa

propriamente dito, isto é, o empresário ocupou o tema central, posteriormente cedeu

passo a teoria dos atos de comércio.

Hoje a reflexão dos juristas volta-se a finalística da atividade empresarial, não

mais restrita ao conjunto de bens corpóreos ou incorpóreos. 569

Outro fenômeno, também, modifica a idéia de propriedade na sociedade pós-moderna, é o que os autores chamam de propriedade passiva. É possível a divisão da propriedade entre propriedade ativa, propriedade de gestão ou produtiva e passiva, concernente na propriedade de parcela do capital das empresas.

Então, a empresa passou ser vista como fenômeno complexo: o empresário

(pessoa natural ou jurídica); o estabelecimento (conjunto patrimonial agrupado para a

produção e circulação de bens e serviços); a empresa propriamente dita (atividade

unitária e economicamente organizada).

569A propriedade passiva é atribuída aos acionistas, usufrutuários passivos dos investimentos iniciais e dos acréscimos. MATIAS, João L. Nogueira e ROCHA, Afonso de P. Pinheiro. Repensando o direito de propriedade. (In: http: conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/ acesso em 20.06.08).

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No estabelecimento incluiu-se ativo imaterial, interesses extrapatrimoniais,

tangíveis e intangíveis, redefinindo-se o estabelecimento como núcleo da atividade

empresarial.

Atividade empresarial por sua vez, tomada como conjunto de direitos, bens

<<corpóreos (imóveis, equipamentos, bens de produção) e incorpóreos (patentes de

invenções, modelo de utilidade, registro de desenho industrial e de marca)>>, todos

reunidos pelo empresário na exploração de sua atividade econômica.

Alberga-se nisso a propriedade industrial (Lei 9.279/96)570, cujo escopo é a

proteção do direito patrimonial e pessoal (criatividade humana), ambas reconhecidas

como passíveis de exploração econômica (art.5º), mas que também possui uma função

social:571

Há, sem dúvida, uma função jurídica da propriedade industrial, conforme

esclarece JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES ao abordar o regime que permite ao industrial ou comerciante auferir benefícios de sua obra, anotando que não se for contida a concorrência desleal, o próprio progresso [evolução] ficaria em risco devido à comodidade que decorre da imitação como processo vicioso, constituindo repetição de cópias sem melhoramento ou aperfeiçoamento [Regime das patentes e royalties, RT, 1972, 17]. Ademais e como lembrou o insuperável FRANCISCO FERRARA [Teoria jurídica de ia hacienda mercantil, tradução de José Maria Navas, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1950, p. 219] a marca permite ao produtor utilizar da fama que obteve para lançar novos produtos "o más exactamente para asegurar a los mismos Ia aceptación por Ia clientela habitual". (...)Contudo, o direito de proteção da marca está definido no artigo 5o, XXIX, da Constituição Federal, e deverá ser interpretado tal como o é o direito de propriedade, cuja função social está solenemente prevista [artigo 5o, XXIII], porque, se não for admitida uma proteção ampla ao fabricante de produtos com marcas notórias, haverá diluição da potencialidade patrimonial desse segmento atrativo da indústria, base da livre iniciativa e da expansão da ordem econômica [artigo 170, da CF], o que constitui desestímulo perigoso para os empreendedores. O artigo 2o, V, da Lei da Propriedade Industrial [n. 9279/96],assinala que os direitos da propriedade industrial se dão pela repressão à concorrência desleal, sendo que consta do artigo 10 bis, da Convenção da União de Paris, que os atos da concorrência desleal compreendem "todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio,

570(...) As diversas produções da inteligência humana e alguns institutos afins são denominadas genericamente de propriedade imaterial ou intelectual, dividida em dois grandes grupos, no domínio das artes e das ciências: a propriedade literária, científica e artística, abrangendo os direitos relativos às produções intelectuais na literatura, ciência e artes; e no campo da indústria: a propriedade industrial, abrangendo os direitos que têm por objeto as invenções e os desenhos e modelos industriais, pertencentes ao campo industrial. (PIMENTEL, Luiz O. Direito industrial – As funções do direito de patentes. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.278). 571 Apel. no. 605.855-4/7 - SP, 4ª. C. D. Privado, 11/12/08, Rel. Zulliani.

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estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente".

A propriedade imaterial assim como qualquer outra também se funcionalizou, já

que não é exclusiva do interesse de seu titular. 572

Além dessa funcionalização, há também a organicidade profissional da

atividade, isto é, profissionalidade e especialização foram duas grandes características

da atividade empresarial no século XX, resposta mínima à evolução natural e ao avanço

frenético da tecnologia, da globalização e das virtualidades. 573

Novos enfoques foram dados à propriedade, contribuindo, sobremodo, para

repensar do direito empresarial.574

O direito empresarial disciplina a atividade organizada de produção e circulação

de bens e serviços, por isso já ficou no passado a teoria dos atos de comércio, adotada

antes pelo Código Comercial de 1850. 575

O direito comercial brasileiro filia-se, desde o último, quarto do século XX à

teoria da empresa. Nos anos 1970, a doutrina comercialista estuda com atenção o sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. Já nos anos 1980, diversos julgados mostram-se guiados pela teoria da empresa para alcançar soluções mais justas aos conflitos de interesse entre os empresários. A partir dos anos 1990, pelo menos três leis (Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locações e Lei de Registro do Comércio) são editadas sem nenhuma inspiração na teoria dos atos de comércio. O Código Civil de 2002 conclui a transição, ao disciplinar, no Livro II da Parte Especial, o direito de empresa.

572Impõe-se caducidade à propriedade pelo não uso ou por sua incorreta exploração. Confiram-se: Lei 9279/96: Art. 80, § 1º. – A patente caducará quando, na data do requerimento da caducidade ou da instauração de ofício do respectivo processo, não tiver sido iniciada a exploração. No mesmo sentido, vide art. 143, incisos I e II. 573O conceito de estabelecimento alterou-se, além do empresarial físico, há o virtual ou empresa „ponto-com‟. Aliás, três são os ambientes ou estabelecimentos virtuais o B2B (business to business) no qual dois ou mais empresários transacionam insumos; B2C (business to consumer) no qual os internautas são consumidores e C2C (consumer to consumer) no qual a empresa é apenas intermediária dos negócios feitos entre os próprios consumidores. (COELHO, Fábio U. In: A internet e o comércio eletrônico. São Paulo: Tribuna do Direito. 1999, p. 8). 574 Direito empresarial é: conjunto de normas e princípios que regem a atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços exercida, profissionalmente, pelo empresário, por meio de estabelecimento, no interesse da coletividade (DINIZ, Maria H. In:Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 33). 575COELHO, Fabio U. Curso de direito comercial – direito de empresa. São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2007, p. 26.

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7.2.1. O conceito de empresa.

Por sua importância capital no desenvolvimento da sociedade, as empresas

sempre ocuparam atenção dos estudiosos das ciências humanas e jurídicas. Isso se

justifica até mesmo pelo feixe de interesses públicos e privados. 576

Juristas dissentem sobre o real conceito jurídico de empresa, mas os debates se

reduzem a duas formulações teóricas. A primeira acolhe simplesmente a noção

econômica de empresa e a incorpora no nível jurídico, outra corrente procura construir a

empresa e traduzi-la como fenômeno jurídico com características próprias.

7.2.1.1. A concepção econômica de empresa

Sob esse enfoque, a empresa se identifica como sistema de alocação de

recursos econômicos e coordenação de custos sociais. Adeptos dessa formulação

proclamam, as empresas concretizam os fatores de produção, satisfazendo não somente

os empresários, acionistas, mas toda sociedade.577

L‟impresa è um organismo econômico che raccoglie e pone in opera sistematicamente i fattori necessari per ottenere um prodotto destinato allo scambio, a rischio dell‟empreditore.

Acompanhando o pensamento de Vivante, sábias as palavras de CARVALHO

DE MENDONÇA.578

576Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. (COMPARATO, Fábio K. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 3). 577 Em tradução livre: A empresa é organismo econômico que recolhe e coloca em prática de forma sistemática os fatores necessários para obter um produto destinado a troca, por conta e rico do empreendedor.(In: VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale. Milão: Vallardi, 1922, v.1, p. 100). 578 CARVALHO DE MENDONÇA, José X. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v.1, 1955, p. 482.

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(...) empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços, destinados a troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade.

Recentemente, a empresa vem sendo definida de modo unitário, são indistintos

os conceitos jurídicos e econômicos, como revela PONT para quem a empresa é “una

organización de capitã y trabajo destinada a la producción o a la mediación de bienes o

de servicios para el mercado”.579

Essa referência econômica sempre foi presente na construção do conceito

jurídico, assim empresa e atividade empresarial são expressões sinônimas, que

representam ação coordenada e complexa, com objetivo de troca de riquezas, mediante

produção e circulação de produtos.

O suporte teórico econômico não é totalmente proveitoso aos que se interessam

pelo Direito. Aliás, nem todos os aspectos econômicos interessam à ciência jurídica, por

exemplo, há aspectos intrínsecos do sistema produtivo em si << transformação da

matéria prima em manufaturado>>, que não interessam ao direito.

7.2.1.2. A concepção jurídica de empresa

O direito privado não absorveu totalmente o conceito econômico da empresa.

De fato, essa talvez seja uma das razões pelas quais o Código Civil, assim

como o Código Comercial de 1850, não tenha conceituado o fenômeno <<empresa>>,

ocupando-se apenas do empresário (art. 966) e do estabelecimento empresarial

(art.1142).

579 Em tradução livre: a empresa é uma organização de capital e trabalho, destinada a produzir ou intermediar bens e serviços para o mercado (In: PONT, Manuel B. Manual de derecho mercantil. Madrid: Editorial Tecnos S. A., 1994, p. 101).

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Contudo, juridicamente o termo empresa é utilizado com significados múltiplos,

ora referindo-se à atividade desenvolvida, ora à organização feita, ora sendo

compreendida como instituição. 580

Como expressão da atividade do empresário, a empresa está sujeita à condição

e pressupostos traçados por diplomas jurídicos, por exemplo, registro nos órgãos

competentes, licenças de funcionamento e outros.

Outra significância é tomá-la como idéia criadora e merecedora da tutela

jurídica, v.g. normas de repressão à concorrência desleal ou proteção à propriedade

imaterial (nome comercial, marcas, patentes).

O terceiro ângulo mostra a empresa como complexo de bens, que compõe o

estabelecimento comercial, motivando o interesse na regulação do ponto comercial e a

sua transferência.

Na verdade, na empresa há um feixe de relações, como, por exemplo, as

mantidas com os trabalhadores, que nuclearmente interessam ao direito do trabalho, mas

nem por isso deixam de ser objeto de disciplina das relações privadas <<arts. 1.169 a

1.178 do Código Civil>>.581

Também no direito estrangeiro, principalmente na França e na Itália, dissociam-

se as noções de empresa e de empresário.582 O termo empresário centraliza e

personifica a teoria da empresa, exemplarmente contida no Código Civil italiano de

1942.583

580O fenômeno empresarial acabou sendo decomposto “em sujeito de direito (empresário), objeto (estabelecimento) e fato (atividade)”. (MUNHOZ, Eduardo S. A empresa contemporânea e direito societário. São Paulo: Juarez Oliveira, 2002, p. 181). 581Esses dispositivos são complementares à disciplina do direito empresarial relativo aos poderes dos prepostos, gerentes, contabilistas e outros órgãos auxiliares. 582Michel Despax em sua obra L‟ Entreprise et le Droit pontifica:(...) de mais a mais, com efeito, o direito considera a empresa como uma entidade autônoma distinta da pessoa do empresário, e, em certos casos, até mesmo opõe o interesse desta ao interesse daquele – apud. Rubens Requião, Curso de direito comercial, op.cit., p. 53. 583O marco inicial do quarto e último período da história do direito comercial é a edição, em 1942 na Itália, do Codice Civile, que reúne numa única lei as normas de direito privado (civil, comercial e trabalhista). Neste período, o núcleo conceitual do direito comercial deixa de ser o „ato de comércio‟, e passa a ser a „empresa‟– (COELHO, Fábio U. Curso de direito comercial. op. cit.., p.18).

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7.3. Asquini e a construção da teoria da empresa

Na elaboração do conceito de empresa notável a influencia da obra de Alberto

ASQUINI, que elaborou o esquema poliédrico de análise. 584

O perfil subjetivo no qual a empresa, de fato, é o sujeito que exercita

profissionalmente atividade organizada, objetivando a produção, a troca de bens ou

serviços. Não há distinção entre empresa e empresário.

Já pelo ângulo funcional ou dinâmico a empresa é a própria atividade

organizada para a produção.

Em terceiro lugar Asquini aborda o perfil objetivo ou patrimonial. Nesse

projetam-se os fenômenos econômicos, a empresa incorpora sim a noção de

estabelecimento, distinguindo-a do patrimônio do empresário, v.g. no tratamento do

estabelecimento comercial e fundo de comercio, (CPC, arts. 678 e 716).585

Por último, discorre sobre o perfil corporativo da empresa., tomada como

pluralidade de pessoas, ligadas entre si por várias relações individuais, formando núcleo

organizado em função de objetivo comum.

Isso tem sido adotado por várias empresas, resultado da soma das expectativas

do empresário e dos seus colaboradores, voltados aos melhores resultados econômicos

e ao sucesso da atividade desenvolvida.

584ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Trad. Fábio K. Comparato. (In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, v. 35, n. 104, out/dez/96, p. 109/126). 585ZUCCHI, Maria C. Direito de empresa. São Paulo: Harbra, 2004, p. 26-27.

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7.4. A contribuição dos juristas brasileiros

Por muitos anos no Brasil adotou-se a teoria dos atos de comércio, seguindo o

sistema francês disciplinador da atividade mercantil.586

Isso ficou no passado587, doutrina, julgados e o próprio legislador588 voltaram ao

sistema italiano referente à teoria da empresa.

Na análise de vários diplomas a palavra <<empresa>> é empregada com

sentidos plúrimos. 589

Inúmeras são as leis que se referem à empresa tanto que seria impossível relacioná-las, mas pode-se perfeitamente anotar que realmente não imprimem ao termo empresa o sentido de precisão técnica necessário, ora querendo significar empresário, ora estabelecimento, ora sociedade estritamente, ora objeto de atividade, enfim uma verdadeira miscelânea que em nada contribui para o seu perfeito entendimento, exigindo do intérprete esforços inauditos.

Na perspectiva desse trabalho, adota-se à semelhança da propriedade em

geral, o significado de empresa como fenômeno complexo de natureza jurídico-

econômica.

Didática a diferenciação dos conceitos de empresa, de estabelecimento

empresarial e de empresário, representada por Waldemar FERREIRA.590

586O direito comercial brasileiro filia-se, desde o último quarto do século XX, à teoria da empresa. Nos anos 1970, a doutrina comercialista estudada com atenção ao sistema italiano de disciplina privada da atividade econômica. Já nos anos 1980, diversos julgados mostram-se guiados pela teoria da empresa para alcançar soluções mais justas aos conflitos de interesses entre empresários. A partir dos anos 1990, pelo menos três leis (Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locações e Lei do Registro do Comércio) são editadas sem nenhuma inspiração na teoria dos atos de comércio. O Código Civil de 2002, concluiu a transição, ao disciplinar, no Livro II da Parte Especial, o direito de empresa. Sobre direito empresarial brasileiro e sobre sua filiação sistema francês, expresso no Código Comercial de 1850, (COELHO, Fabio U. Curso de direito comercial – direito de empresa. op. cit, p. 20-23). 587Sylvio Marcondes, Oscar Barreto Filho, Rubens Requião, Fábio K. Comparato, Ruy de Souza. Apud BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa:uma análise da empresarialidade. São Paulo: RT, 1985. p. 259. 588Exemplares são as leis: n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra); 8.078/90 (Código de Defesa do consumidor); 8.245/91 (Lei de Locações); 8.934/94 (Registro Público de Empresas). 589BULGARELLI, Waldírio. Sociedades Comerciais. São Paulo: Atlas, 1999, p.316. 590FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo:Saraiva,1961,p. 45.

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São três círculos, um maior, um médio e um pequeno, todos com um mesmo e único centro imaginário. O círculo menor representa os estabelecimentos. O médio, a empresa. O maior representa o empresário, ou seja, a pessoa natural ou jurídica, sob cuja vontade se forma o estabelecimento e se movimenta a empresa.

O empresário dirige seus esforços para a produção de riquezas, a partir dos

bens corpóreos e incorpóreos, organizando-os para atingir a finalidade econômica.

No desempenho dessa função o empresário produz riquezas, remunera trabalho

e o capital, mantendo postura ativa e dinâmica. 591

REALE, o saudoso jusfilósofo, seguiu essa trilha, expressa no Código Civil de

2002, para ele a empresa é atividade econômica, unitariamente estruturada para a

produção ou a circulação de bens e serviços. 592

7.5. Teoria da empresarialidade. Supremacia da funcionalidade

Inolvidável a contribuição de BULGARELLI, para quem a empresa relaciona-se

ao fenômeno sócio-econômico com fortes repercussões no plano jurídico.593

Aproximando-se de Asquini, embora sua visão sobre a empresa seja

tridimensional, afasta o aspecto corporativo e dá nova significação <<

empresarialidade>>, termo que utilizamos para exprimir, numa idéia geral e abstrata,

aquilo que é próprio da empresa. Para BULGARELLI a empresa é: 594

(...) atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens.

591COMPARATO. Fábio K. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: RT,1976, p. 94. 592REALE, Miguel. O Projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 98. 593BULGARELLI, Waldírio. A teoria ..., op. cit., p. 147. 594 Idem, p. 154.

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A tridimensionalidade da atividade é formada por três fatores: organicidade;

profissionalidade e economicidade. 595

Na empresa há complexo de bens e pessoas organizados pelo empresário, cuja

incumbência é dar à atividade a profissionalidade necessária, com expressivas marcas

da habitualidade, estabilidade e continuidade.

A significação jurídico-econômica da empresa implica numa organização,

ajustada a atividade qualificada, como lecionaram os mestres italianos Ascarelli e

Pannunccio. 596

Atividade não é ato, mas o exercício efetivo de uma série deles, atos

coordenados entre si com finalidade econômica de produção ou distribuição de bens e

serviços.

7.6. Atualizando a definição de empresa

No mundo contemporâneo, a atividade econômica empresarial também é

exercício do direito de propriedade. Sob essa perspectiva, não é simples expressão de

direito subjetivo, a serviço de interesses próprios e particularizados, mas mecanismo de

cumprimento da ordem econômica constitucional.

Aguda, pois é a compreensão de GOMES sobre o verdadeiro perfil da empresa

e do empresário:

595O empresário organiza sua atividade, coordenando seus bens materiais e imateriais (estabelecimento), o capital, o trabalho aliciado de outrem. Eis a organização. Mas essa organização, em si, o que é? Constitui apenas um complexo de bens e um conjunto de pessoal inativo. Esses elementos – bens e pessoal - não se juntam por si; é necessário que sobre eles, devidamente organizados, atue o empresário, dinamizando a organização, imprimindo-lhe atividade, que levará à produção; tanto o capital do empresário com o pessoal que irá trabalhar nada mais são isoladamente do que bens e pessoas. A empresa somente nasce quando se inicia a atividade sob a orientação do empresário. Dessa explicação surge nítida a idéia de que a empresa é essa organização dos fatores da produção exercida, posta a funcionar, pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizada do empresário, desaparece, ipso facto, a empresa. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 183). 596ASCARELLI, Tulio, PANNUCCIO, Vicenzo. Apud BULGARELLI, W. A teoria jurídica da empresa, op. cit., p.182.

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(...) a evolução das estruturas da economia relegou a segundo plano, sob a

perspectiva social, atividade de gozo do proprietário quando comparada à atividade produtiva do empresário. (...) Dessa constatação, surgiu a categoria jurídica da empresa, introduzida no centro do sistema do direito privado. (...) Conquanto subsistam controvérsias a respeito de sua natureza, até que se afirme ser noção econômica que se não traduziu ainda em termos jurídicos, possível não é ignorá-la, ou abstraí-la, ao menos como forma de exercício do direito de propriedade. Espécies jurídicas, como o contrato de adesão e o contrato-tipo, pressupõe-na como atividade, e a legislação moderna, principalmente nos setores de direito comercial, do direito do trabalho e do direito fiscal, contém disposições relativas a seu início e continuação. (...) O exercício da atividade econômica pela organização de bens e pessoas dessas unidades orgânicas, cada dia maiores e mais poderosas exige a disciplina que encare o direito de propriedade sob novas perspectivas. Sendo a empresa em última análise, um dos modos de seu exercício e devendo subordinar-se esse exercício ao interesse geral, o poder jurídico que o pressupõe deixa de ser, nesse ponto, um direito subjetivo puro, porque não é mais, exclusivamente, „um poder da vontade para a realização de um interesse próprio‟, senão um poder que, embora exercido com um fim lucrativo, e, portanto, no interesse de quem o exerce, deve ao mesmo tempo legitimar-se pela realização de interesse extrapessoal transindividual. Desse modo, o proprietário na

veste do empresário tem deveres e responsabilidade. 597

De fato, a atividade empresarial é poder, exercido com objetivo econômico de

satisfazer não só interesses restritos (acionistas, empresário), mas, efetivamente, um

importante instrumento capaz de gerar riquezas globais.

Sem dúvida, a empresa se comunica com os terceiros quase sempre por meio

dos contratos. Aliás, NERY demonstra a importância nuclear dos negócios jurídicos e do

contrato para o desenvolvimento da atividade empresarial. 598

Tradicionalmente, a atividade é conceito básico de direito comercial, fenômeno essencialmente humano (BONFANTE, Lezioni di storia del commercio, p. 7). E hoje se pode afirmar que é conceito básico de direito empresarial. A empresa se realiza pela atividade, como o sujeito se realiza pelos seus atos. Tanto o ato quanto a atividade se exteriorizam por meio dos negócios jurídicos, de tal sorte que se afirma que o contrato é o núcleo básico da atividade empresarial.

A empresa realiza-se pela atividade (objetividade), diferentemente do sujeito,

que se realiza por seus atos (subjetividade). Essa atividade empresarial também

expressa a vontade humana exteriorizada por meio dos negócios jurídicos.

597GOMES, Orlando. A reforma do Código Civil. op. cit., p.48ss. 598NERY, Rosa Maria B.B. de Andrade. Ato e atividade. (In: Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, 2005, nº 22, p. 9-21)

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O escopo econômico não é o único perseguido pela atividade empresarial.

Reafirmam-se, as empresas como agentes econômicos599 que produzem efeitos

minimamente duplos: positivos sobre a atividade econômica, renda, bem-estar de

outrem; negativos, por exemplo, ocorre com a poluição ambiental, esgotamento de

recursos etc.

PACHECO faz alusão à relevância de alguns desses efeitos em detrimento de

outros, isso, em princípio, acarreta motivos ponderáveis para algumas das atividades

serem tidas como ilícitas (poluição ambiental) ou minimamente sujeitas ao controle

estatal.600

Relevante saber, a empresa tem um papel social muito acentuado com a

sociedade e nos seus negócios com o público consumidor. Esse é o núcleo da função

social.

599Note-se que por agentes econômicos se compreende aqui um conjunto bastante amplo de pessoas, abrangente não apenas dos empresários – que organizam e dirigem atividades econômicas de produção ou circulação de bens ou serviços -, mas de todas as pessoas com uma função qualquer na economia. A noção envolve, portanto, consumidores, trabalhadores, o próprio estado etc. (COELHO, Fabio U. Curso de direito comercial. op. cit., p. 33). 600PACHECO, Pedro M. El analisis economico del derecho – una reconstrucción teórica. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1994, p. 136.

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8. RELAÇÕES PRIVADAS: FUNÇÃO SOCIAL - EMPRESA - CONSUMIDORES

O termo função é aplicável a muitas ciências e saberes humanos, mas

naturalmente com significados peculiares.

Para os léxicos a palavra função expressa o uso, utilidade ou serventia601,

derivando do latim „functio‟, significando exercer, desempenhar tarefa, dar utilidade a algo

CHAUÍ, baseada na Metafísica de Aristóteles, esclarece que todo ser, fenômeno

ou ação tem sua essência ligada à função. 602

(...) causas primeiras: são aquelas que explicam o que a essência e é também a origem e o motivo da existência de uma essência. Causa (para os gregos) significa não só o porquê de alguma coisa, mas também o que e o como uma coisa é, o que ela é. As causas primeiras nos dizem o que é, como é, por que é e para que é uma essência. São quatro as causas primeiras: (...) 4. a causa final, isto é, a causa que dá o motivo, a razão ou finalidade para alguma coisa existir e ser tal como ela é, por exemplo, o bem comum é a causa final da política, a felicidade é a causa final da ação ética; a flor é a causa final de a semente transformar-se em árvore etc.

Há outras variações, nas ciências químicas, a função é o conjunto de

substâncias semelhantes; na sociologia, função é base do funcionalismo, na matemática

é relação entre dois ou mais elementos de um ou mais conjuntos.

Essa última idéia emprestada da matemática é aproveitável nas ciências

jurídicas, pois todos os institutos jurídicos, v.g., empresa, propriedade, família, exercem

papéis relevantes na vida social.

Esses institutos têm elementos que se relacionam com os interesses individuais

e também com o interesse social, cuja finalidade é contribuir com a convivência pacífica e

com desenvolvimento dos homens, suprindo suas necessidades globais.

601Houaiss, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1402. 602CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000, unidade 6.

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Além das peculiaridades assumidas em cada ciência, a expressão função social

sofre reflexos culturais em cada sociedade, mudando seu conteúdo.

Nada diverso ocorre com o princípio da função social. Sua essência decorre da evolução de sua utilização que releva o valor nele embutido, como interpretado e formatado pela própria sociedade.

Adstrita aos institutos jurídicos de direito privado, a função social reflete, de fato,

opção pelo distanciamento das codificações clássicas, especialmente marcadas pelo

individualismo exagerado.

Não é difícil compreender, a função social dos institutos jurídicos ocupa posição

relevante, instrumento útil e essencial à própria realização da justiça.

Justiça e utilidade são conceitos próximos.603

As considerações que determinam as noções doutrinárias de justiça sempre ocorrem em conjunção com considerações utilitárias. Elas não são, portanto, um caso de „justo‟ou „injusto‟, mas em regra se preocupam em achar modos de agir que sejam tanto justos quanto apropriados para um propósito relevante.

No final do século XX a grande preocupação, dos que se dedicam aos estudos

das ciências jurídicas, foi adotar perspectiva utilitária aos institutos jurídicos, com vistas a

reequilibrar os interesses meramente individuais às necessidades coletivas.

Entretanto, o real objetivo da funcionalização é dar efetividade aos direitos

fundamentais.604

603NERY, Rosa M. B.B. de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. op. cit. p. 247. 604Sobre isso: a atribuição de um poder tendo em vista certa finalidade ou a atribuição de um poder que se desdobra como dever, posto que concedido para a satisfação de interesses não meramente próprios ou individuais, podendo atingir também a esfera de interesses alheios. MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 148.

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8.1. A perspectiva da função na ciência do direito

BOBBIO ao publicar Dalla estructura alla funcione propôs a funcionalização do

direito, indo muito além dos estruturalismos de Kelsen, cujo objetivo teórico precípuo foi

regular a conduta dos indivíduos.605

Para o mestre italiano, enquanto a estrutura do ordenamento envolve seus

elementos (normas) e suas relações recíprocas, a função volta-se à orientação real e

concreta onde cada elemento tem seu papel na realização do direito.

A função somente se realiza quando integrada à própria estrutura. Estrutura e

função são dois elementos incindíveis da mesma realidade.606

Elogiável o trabalho dos que se debruçaram sobre as estruturas normativas,

mas isso não pode ser um fim em si mesmo, a completude do direito só é alcançada

quando se analisam os elementos externos à própria estrutura.607

Função, em direito, é também uma relação entre (i) situações jurídicas e (ii) um elemento externo a elas, que pode ser o sujeito, a comunidade formada pela sociedade civil, o sistema de trocas por critério de valor, a estruturação da coletividade existente e operante por intermédio do Estado. (...) A função das situações jurídicas é, assim, portanto, a sua vocação, a sua finalidade, o „para que‟se destinam, o propósito a que servem. Evidentemente, cada uma delas pode apresentar múltiplas funções, desde a mais estritamente individuais, até tipicamente coletivas, passando pelas sociais.

O direito em si mesmo nada serviria, se não realizasse seus principais objetivos:

pacificar, equilibrar, garantir a coexistência social e mais do que tudo, a sua precípua

finalidade que é realizar a justiça.

605BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função:novos estudos de teoria do direito. trad. de Daniela B.Versiani. Barueri: Manole, 2007, p. 53. 606(...) não se trata de antinomia, mas de idéias complementares. A estrutura de qualquer norma ou instituto jurídico deve ser interpretada em vista das funções, próprias ou impróprias do conjunto de seus elementos ou disposições: e toda função é limitada pela estrutura do conjunto. COMPARATO, Fábio K. A reforma da empresa. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 4. 607 BOBBIO, Norberto. Da estrutura... op. cit., p. 78.

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Sem essa predisposição contínua na reavaliação dos sistemas jurídicos, justiça

é simples utopia, mas que se concretiza a partir da funcionalização dos institutos

jurídicos.

8.2. Função social: limitação ou conformação dos institutos jurídicos

privados

No século XX experimentou-se de modo expressivo a funcionalização do direito.

Sua importância foi fundamental no resguardo da dignidade humana, valor fundamental

para a realização da destinação social da humanidade.

A razão disso é simples, as ciências jurídicas precisavam de respostas mais

adequadas e conseqüentes ao desenvolvimento e amadurecimento expressivo da

sociedade.

A sociedade, independentemente dos tempos promissores, tem expectativas em

relação aos institutos jurídicos, alterando-se ao longo da história, exigindo dos cientistas,

dos políticos, do governo, dos magistrados constante atualização.

Indiscutível, que a atualização do direito privado pela funcionalização, tornou-o

mais apto a tratar dos múltiplos interesses individuais e coletivos, sem exageros ou

sobreposições ao valor fundamental de promoção do ser humano.

Promover o homem é finalidade máxima de qualquer instituto jurídico e das

instituições políticas, o que empresta à função social caráter dúplice: ora é útil a limitar os

direitos ou posições jurídicas subjetivas, ora conforma os direitos à axiologia jurídica

constitucional.

Os institutos apenas o são enquanto atendam a função social que lhes é inerente. Não podem manifestar-se sem ela, não podem produzir efeitos que a deturpem. A conformação jurídica funcional caracterizou, nesse múnus transformação do pensamento jurídico pela adoção expressa de paradigmas que extrapolam a

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individualidade e os desejos egoísticos do ser. As diversas manifestações da propriedade, o contrato, a empresa, a família, a sucessão não são produtos isolados do ser individual, mas reflexos da axiologia constitucional que condiciona e qualifica seus

conteúdos. 608

O primeiro perfil é contornar os institutos jurídicos, ditando o ponto exato, no

qual o exercício dos direitos, inerente a determinado instituto, pode ser realizado sem que

se transforme em ato ilícito (Código Civil, art. 187).

O outro é orientar e conformar a ação dos titulares dos institutos jurídicos de

direito privado, trazendo-lhes benefícios como, por exemplo, a imunidade do imóvel à

desapropriação, (CF, art. 185, II).

Essa vertente binária é esclarecida por PENTEADO, com base em lições de

Barassi, para quem a função social da propriedade é limitativa ou impulsiva, isto é,

enquanto a primeira é freio, a segunda é mecanismo positivo que orienta

comportamentos.609

A função social limite pode criar deveres, quer de prestação positiva, quer negativa. Já a função social impulsiva não aparece indefectível e necessariamente como um limite. Permanecendo intacta a substância do direito de propriedade, modela-se a sua estrutura de modo diverso, incentivando-se uma gestão proprietária socialmente útil.

Esse perfil impulsivo fica ainda mais nítido, examinando-se função e finalidade

útil, coincidindo coma a visão dos que vêem, por exemplo, a propriedade como elemento

de satisfação não apenas de interesses individuais, mas fonte de riqueza a ser

reempregada em prol da sociedade.

Com segurança, essa utilidade social é o que afirma a proteção jurídica dos

institutos privados e dos seus titulares. 610

608GUERRERO, Camilo A. Amadio. Função social da propriedade intelectual. (In: Função do direito privado no atual momento histórico. Coord. Rosa M. de Andrade Nery. São Paulo: RT, 2006, p. 250-51). 609BARASSI, Lodovico. Proprietà e comproprietà. Milano:Giuffrè, 1951, Apud: PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. op. cit., p. 179. 610DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho (publico y privado). Trad. Adolfo Posada e Carlos G. Posada. Buenos Aires: Editorial Heliasta, 1975, p. 240.

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A função social, além disso, também dinamiza o sistema tradicional de

sanção.611

Como já foi apontado por parte da doutrina, há dupla finalidade decorrente da

noção da função social, como no exemplo da propriedade: (a) a função positiva, consistente nos instrumentos coativos ao aproveitamento do objeto; (b) a função negativa, representada pelas sanções aplicáveis diante do não-aproveitamento, como nas hipóteses de desapropriação-sanção de imóveis, de perda da marca industrial devido à não utilização, de incorporação do domínio da obra intelectual, entre outros.

A proposta de PERLINGIERI é mais ampla, a função social expressa situação

juridicamente complexa que objetiva sancionar, por exemplo, aquele que faz uso indevido

da propriedade, mas transformando-se em ferramenta útil que dá aos institutos aptidão

mínima na promoção dos valores fundantes do sistema jurídico. 612

(...) o conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser autuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos limites à função social.

Num determinado período histórico, principalmente em razão das fortes críticas

de Marx a propósito da propriedade burguesa, minimizou-se a função social dos direitos.

Posteriormente retomou-se o tema, especialmente com o movimento em prol da

constitucionalização dos direitos.613

De fato, os ideais marxistas, embora nobres, foram se esfacelando pela

experiência com a depauperação social, ausência de liberdade, estatização, enfim,

mazelas que desvirtuam a função social, isto é, reduzem-na à condição limitadora dos

interesses individuais.

611GAMA, Guilherme C. Nogueira de. Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007, p. 11. 612PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 224. 613LOPES, José R. Lima. O direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 410.

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Os indivíduos têm e merecem ter seus desejos e projetos individuais

respeitados pela sociedade, não precisam ter pudor na busca da satisfação de seus

desejos.

A função social não deve ser interpretada como elemento limitador dessas

opções individuais, mas deve ser vista como simples ferramenta para efetivação dos

direitos individuais e coletivos.

8.3. Evolução na aplicação da funcionalização

Na aplicação da função social percebem-se suas multifaces: papel, pretensão,

dever, poder, dentre outros.

Entretanto, qualquer das opções adotadas, pressupõe necessariamente o

conhecimento da concepção de dois grandes juristas, construtores dos fundamentos e da

normatividade da função social da propriedade.

Renner afirma, a propriedade enquanto instituto jurídico mantém-se nas mãos

dos indivíduos, mas se atendidos os papéis determinados pelo sistema social.614

Sob essa perspectiva qualquer instituto jurídico de direito privado tem prévia e

determinada função social, por exemplo, o papel social da empresa é ser centro produtor

de riquezas por meio do capital e do trabalho.

Com efeito, a função social de determinado instituto <<propriedade, empresa,

contrato>> está relacionado intimamente com o papel que, de fato, esses direitos

apresentam perante o Estado.

614 (...) if the preservation of the species is the natural law for every social order, then every economic and consequently every legal institution must fulfil a function therin. Tradução livre: Se a preservação das espécies é lei natural para toda a ordem social, então toda instituição econômica e jurídica deve ocupar uma função no seu interior. (RENNER, Karl. The institutions of private law and their social functions. Trad. Agnes Schwarschild. London: Routledege&Kegan, 1949, p.69)

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Esse vínculo entre direito e política foi bem interpretado por PENTEADO a partir

dos ensinamentos de Renner.615

Daí se pode inferir que o tema da função social da propriedade se relaciona com o modelo político, ou seja, com a maneira concreta segundo a qual será administrada a polis. No direito brasileiro, a funcionalização da propriedade relaciona-se à necessidade de distribuição de terras e de proteção de valores como o meio ambiente em geral (...) O Estado regulador, paradigma do direito contemporâneo, procura, por um lado, manter a propriedade e, por outro, retribuí-la aos excluídos. Simultaneamente, através de outros mecanismos, busca a proteção da fauna, flora, belezas naturais e bens culturais, que, ainda que incorporados na estrutura do direito privado de um sujeito individual, merecem ser levados em conta de consideração.

Não se olvide o contributo de Duguit, defensor da idéia de que cada ser humano

tem sua cota a cumprir e que todo o desenvolvimento e aprimoramento do homem serve

igualmente à prosperidade e ao engrandecimento da sociedade.

Esse toque de solidarismo, na obra de Duguit, básica na hipercomplexa tarefa

de compreender os fenômenos da convivência humana, caiu num certo exagero, pois

querendo ou não suas propostas foram usadas como justificativas para abafar a

liberdade individual e a própria estrutura da propriedade.616

De qualquer modo, o valor de seu trabalho foi dar sentido instrumental à função

social, absorvendo em boa parte as construções normativas do direito público (bem

comum, interesse público etc), impondo à administração pública somente realizações que

sejam em prol dos interesses coletivos.617

Muitos dos institutos têm papel ou função social a cumprir, entretanto, alguns

deles já descrevem típicas funções, por exemplo, como ocorre com a empresa e a

própria propriedade. 615PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. São Paulo: RT, 2008, p. 185-186. 616Críticas de HIRONAKA ao pensamento de Duguit: A propriedade não é uma função social, mas contém uma função social, de tal forma que o proprietário deve ser compelido a dar aos bens um destino social, além daquele que atende a seu próprio interesse, na intenção de, harmonizando o uso da propriedade ao interesse coletivo, se chegar ao plano da Justiça Social. (HIRONAKA, Giselda M. F. Novaes. Função social do contrato. In: Revista de Direito Civil. São Paulo: RT, v. 45, 1988). 617MELLO, Celso A.Bandeira. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 81.

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Não há mais espaço para a visão sectária dos institutos jurídicos, pois nenhum

deles pertence, exclusivamente ao direito público ou privado. Aliás, essa bipolaridade na

essência já foi ultrapassada, pois o direito serve ao homem e cada homem à sociedade.

Sobre esse modo peculiar de se encarar os institutos jurídicos LOUREIRO é

magistral ao afirmar o pleonasmo no termo <<função social dos institutos de direito

privado>>, já que todo o direito tem o papel de promover a segurança e o bem-estar-

social.618

Além dessa característica de papel, a função pode ser encarada como direito,

dever ou pretensão. 619

Pode assumir o papel de direito subjetivo ou de posição jurídica de vantagem,

ainda que preventivamente, por exemplo, <<evitar que algo mal aconteça>>. 620

Como dever jurídico a função social é elemento limitador da conduta das

pessoas <<entre si e com as autoridades>>, por exemplo, não interferência no direito de

ir e vir ou no direito de propriedade.

Invocada como pretensão, a função social condiz e muito com os que se

envolvem na relação jurídica, v.g. caso do direito obrigacional entre os contratantes.

Essas categorias <<direito, dever e pretensão>> não são estanques, mantendo

entre si forte relacionamento. 621

618LOUREIRO, Francisco E. A propriedade como relação jurídica complexa. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 109. 619SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 1963 p. 722 620SICHES, Luiz R. Introducción..., op. cit., p. 140-47. 621O constitucionalista italiano Santi Romano estabelece conexões entre poderes, direitos e deveres. Aponta a existência de poderes que, para serem exercidos, pressupõem determinados direitos, como no caso do poder de alienar. Pode existir o direito a um poder, como pretensão em relação a outros sujeitos de ser conexo como titular deste e exercê-lo, tal como no caso dos direitos políticos. Por fim, pode-se associar deveres a um poder, ao estabelecer modos de exercício desse direito ou limitar seu exercício. (TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social da empresa. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, nº. 810-39, 2003).

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A opção teórica é a mesma adotada por FERRAZ, para quem a função social é

o berço dos deveres jurídicos, desenvolvendo-se também como papel promocional na

adoção de condutas desejadas 622

(...) a idéia de dever atua assim como um motivo para o comportamento lícito que se cumpre, primariamente, não pelo temor de sanções, mas por respeito desinteressado.

Essa opção é a mais correta, não há qualquer margem ou liberdade de escolha

aos titulares de certas posições jurídicas referentes a certos direitos (propriedade,

empresa etc).623

Contudo, os deveres não impõem simples e meras restrições. Na verdade,

todos os deveres conformam os institutos jurídicos, como liberdade, patrimônio, dando a

cada um o mínimo de conteúdo e finalidade.624

Nesse sentido, a função social revela pluralidade de situações jurídicas

subjetivas, todas assumidamente antiindividualista, acompanhando sinfonicamente o tom

constitucional.625

8.4. A função social: pilar do direito privado de propriedade

O elemento <<função social>> alterou a estrutura e o regime jurídico do direito

de propriedade, modificando seu conceito e conteúdo. 626

A referência constitucional à função social como elemento estrutural da definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito meramente subjetivo

622FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução..., op. cit., .p.161. 623GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de direito civil: em comentários do código civil português. São Paulo: Max Limonad, vol I, tomo I, 1ª ed. brasileira, 1956, p. 475. 624GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.92. 625FACHIN, Luiz E. A função social da posse e a propriedade contemporânea. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 19. 626MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2000, p. 27.

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de livre domínio e disposição da propriedade por uma social da propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que categoria de bens objeto do domínio deve cumprir.

Na verdade, além de estruturar o direito de propriedade, a função social

legitima os poderes de seus titulares.

Enquanto direito fundamental, a propriedade compõe o conjunto de direitos

indispensáveis à pessoa humana; são aqueles necessários a assegurar existência com

liberdade, dignidade e igualdade.

Além disso, impõe deveres aos proprietários, mitigando a força desse direito,

conforme leciona GOMES: 627

Considerada na perspectiva dos poderes do titular, a propriedade é o mais amplo direito de utilização econômica das coisas, direta ou indiretamente. O proprietário tem o direito de servir-se da coisa, de lhe perceber os frutos e produtos, e lhe dar a destinação que lhe aprouver. Exerce poderes jurídicos tão extensos que a sua enumeração seria impossível. O exercício de poderes inerentes a um determinado direito, sob pena de configurar a hipótese legal do abuso previsto no art. 187 do Código Civil, está limitado ao fim econômico ou social. Essa percepção teleológica confere à função social uma chancela finalística, quer recaia sobre móveis, quer sobre imóveis.

Aliás, isso nem é novidade, pois a propriedade também impõe aos proprietários

deveres ou poderes, conforme palavras de São Tomás de Aquino sobre a administração,

distribuição e uso das coisas.628

627GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 110 628Colham-se as palavras de Santo Tomás de Aquino: “(...) Relativamente às cousas exteriores tem o homem dois poderes: Um é o de administrá-las e distribuí-las. E, quanto a esse, é-lhe lícito possuir cousas como próprias, o que é necessário à vida humana por três razões: A primeira é que cada um é mais solícito em administrar o que a si só lhe pertence, do que o comum a todos ou a muitos. Porque, neste caso, cada qual fugindo do trabalho, abandona a outrem o que pertence ao bem comum, como se dá quando há muitos criados – Segundo, porque as cousas humanas são melhor tratadas, se cada um emprega os seus cuidados em administrar um cousa determinada; pois, se ao contrário, cada qual administrasse indeterminadamente qualquer cousa, haveria confusão – Terceiro, porque, assim, cada um, estando contente com o seu, melhor se conserva a paz entre os homens. Por isso vemos nascerem constantemente rixas entre possuidores de uma coisa comum e indivisamente. O outro poder que tem o homem sobre as cousas exteriores é o uso delas. E, quanto a este, o homem não deve ter as cousas exteriores como próprias, mas, como comuns, de modo que cada um as comunique facilmente aos outros, quando delas tiverem necessidade”. (CUNHA, Paulo F. da. Para uma teoria liberal social da propriedade. bloq.liberal-social.org/2004/01/para-uma-teoria-liberal-social-da., ac. 14.05.08).

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De fato, alguns deveres são impostos, como, por exemplo, usar e fruir, aliás, o

agir contrário afasta a proteção desejável, como nos exemplos constitucionais da política

urbana e a sanção imposta à propriedade (CF, art. 182, §§).

Esse sentido já havia sido reconhecido na Constituição germânica, conforme

leciona KICH. 629

O proprietário da terra que não lhe der ocupação para a produção e destino econômico, estará com sua conduta deixando de produzir bens necessários ao abastecimento. Garantir-lhe um direito que ele próprio não quer exercer, deixa de ser lógico. Fica assegurado a ele o direito de usar e fruir. Se não usa e não frui, é ele quem abandona a coisa. É esta mensagem que o legislador constituinte germânico introduziu – ao dizer (art. 14, segundo parágrafo, da Constituição de 1949) que a propriedade obriga. Obriga ao efetivo exercício. Não querendo exercer o direito e cumprir a finalidade econômica da propriedade, terá ainda assegurado o valor patrimonial decorrente da desapropriação, perdendo o direito de administrar a coisa.

No mesmo sentido estão as palavras de DUGUIT:630

A propriedade implica, para todo detentor de uma riqueza, a obrigação de empregá-la em acrescer a riqueza social. Só ele pode cumprir certo dever social, e, mercê dela, a interdependência social. Só ele pode aumentar a riqueza geral, fazendo valer a que ele detém. Se faz, pois, socialmente obrigado a cumprir aquele dever, a realizar a tarefa que a ele incumbe em relação aos bens que detenha, e não pode ser socialmente protegido se não a cumpre, e só na medida em que a cumpre.

A consagração da função social em nosso país ocorreu no Código Civil de 2002,

diploma jurídico cuja premissa básica é a socialidade.

Aliás, se comparados, os diplomas civis de 1916 e de 2002, pode-se ver nítida

distinção entre ambos, apurável, justamente, na leitura do disposto no artigo 1228:

O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente o possua ou detenha. § 1º.- O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico

629KICH, Bruno. A propriedade na ordem jurídica econômica e ideológica. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, p. 115. 630DUGUIT, Leon. Manual de derecho constitucional. Madri: Marcial Pons, 2001, p. 276.

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e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º - São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar alguém.

Direitos e deveres imantam <<propriedade e função social>>, mas não

representam simples restrições ao titular. Esta é a perspectiva no exame comparativo

feio por LOUREIRO ao analisar o art. 1228 do Código Civil em vigor e o art. 524 do

Código Civil anterior. 631

Embora tenha os dois citados artigos de lei, conteúdo semelhante, o certo é que sofreu o conceito de propriedade profunda modificação. Passou da clássica definição de Lafayette, „direito real que vincula e legalmente submete ao poder absoluto de nossa vontade a cousa corpórea, na substancia, acidentes e acessórios‟ (Direito das Cousas, Rio de Janeiro, Typografia Baptista de Sousa, 1922, p. 26), para relação jurídica complexa, que tem por conteúdo as faculdades de uso, gozo e disposição da coisa por parte do proprietário, subordinadas à função social e com correlatos deveres, ônus e obrigações em relação a terceiros.

Não poderia ser diferente se na tábua de valores constitucionais, o constituinte

brasileiro afirmou o aspecto social da propriedade, afastando-se, em definitivo, dos

contornos absolutistas e individualistas de outrora. 632

Verdade, antes dele, outros diplomas já expressavam o valor da função

social633, mas essa finalidade reforçou-se com o Código civil de 2002. 634

Quanto à propriedade, outro dos três mais significativos pilares estruturais do Direito Civil – ao lado da família e do contrato – não parece restar mais dúvida, na atualidade, a respeito de que ela não é uma função social que lhe é inerente, significando que se encontrará o proprietário obrigado a dar uma determinada

631LOUREIRO, Francisco E. Comparou os dois dispositivos: o art. 1228 do Código Civil de 2002 e o 524 do Código Civil de 1916. Idem, p. 1044. 632REALE, Miguel alerta sobre o novo conceito: “(...) com base no princípio constitucional que a proteção da propriedade é social, superando-se a compreensão romana quiritária de propriedade em função do interesse exclusivo do indivíduo, do proprietário ou do possuidor”. Visão geral do projeto do Código Civil, cidadania e justiça. (In: Revista da Associação Brasileira dos Magistrados do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n. 10, 1º Semestre 2001, p.64). 633Ao referir-se ao Plano Diretor a Lei 10257/01 estipula no Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. 634HIRONAKA, Giselda M. F. N. Direito civil brasileiro: De Clóvis Bevilácqua a Miguel Reale. A visão contemporânea, a transição legislativa e as tendências para o século XXI. Pronunciamento sobre o novo Código Civil ocorrido em 03.10.2001, ciclo promovido pelo Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

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destinação social aos seus bens, concorrendo assim para a harmonização do uso da propriedade privada ao interesse social, mas sem o exagero da coletivização dos bens, „modus‟ próprio de outro regime ou sistema político-econômico, de natureza socialista. De toda sorte, o que se passa pelo cenário da pós-modernidade, enfim é o mesmo este excepcional e indiscutivelmente fenômeno que restringe e limita o exercício do direito de propriedade, pela faceta de suas diversas faculdades jurídicas, amparando arestas do individualismo tradicional, como diria Caio Mario da Silva Pereira, e bombardeando de todos os ângulos, o absolutismo do direito de propriedade.

A reafirmação dos valores coletivos difere da submissão havida nos regimes

totalitários. No entanto, a luta pela realização individual, do grupo e da coletividade,

passa indiscutivelmente pelo respeito aos anseios dos outros e da própria sociedade. 635

Com razão ALEXY, para quem toda norma de direito civil é norma simples de

competência ou norma configuradora, não proibitivas ou restritivas636, a função social

nesse particular é norma que completa, densifica e concretiza o direito material, em

especial quando envolve as propriedades: material, intelectual, de bens da produção.637

Todo o arcabouço doutrinário e jurisprudencial, sobre a função social da

propriedade, é útil ao desenvolvimento do presente trabalho, por isso não poderia ser

desprezado.

Há sutis diferenças nas perspectivas dos doutrinadores, pois muitos não tomam

a função social como dever e sim poder ou representação de poder, isto foi esmiuçado

por COMPARATO, a funcionalização dá às propriedades individuais destinos adequados

e vinculados ao objetivo social ou coletivo.638

635Georges Ripert vê nos direitos o meio para que o homem se realize e exerça sua função na sociedade. Apud. BARROS, Washington Pacheco. A propriedade agrária e seu novo conceito jurídico constitucional. Porto Alegre: Ajuris nº 32, ano XI, 1984 636Garantias constitucionais como as referentes ao matrimônio, à propriedade e ao direito de herança pressupõem normas de direito civil. Sem normas sobre o direito de propriedade a garantia constitucional de propriedade não teria sentido. (...) As normas de direito civil necessárias para a garantia do direito fundamental não apenas não restringem, por si sós esses direitos, como são positivamente compreendidas por eles. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos... op. cit., p. 336). 637MENDES, Gilmar F. e outros. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília jurídica, 2002, p. 214ss. 638COMPARATO, Fábio K. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 32.

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No entanto, essa abordagem é insuficiente639, pois as riquezas embutidas nas

propriedades, nos contratos, nas empresas, encontram na função social um modo de

reafirmação constitucional.

Por exemplo, tanto na Constituição (art. 184) como no Estatuto das Cidades, há

prescrição de perda do imóvel rural e urbano, quando não houver o cumprimento daquela

finalidade social.

Isso revela a opção política da sociedade, assumidamente solidarista, que

relativiza os excessos de individualismo, mas sem deixar de relevar suas características

promocionais de impulsionar e orientar o crescimento econômico, a circulação de

riquezas e o bem-estar coletivo (CF, arts. 5º, XXIII e 170, III).

Como já foi dito anteriormente, a função difere da responsabilidade social, pois

não decorre apenas do voluntarismo dos proprietários.640 Na verdade, o ordenamento

oferece instrumentos de convencimento641, para que a propriedade entre em sua rota

social.642

639Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ou qualquer direito patrimonial. Tal conceito transborda o direito das coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo direito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas (...) Em sentido quase coincidente, é todo direito sobre as coisas corpóreas e a propriedade literária, científica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só o domínio. O primeiro sentido é o da propriedade, no art. 141, § 16, da Constituição de 1946. (MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Tratado de direito privado. atualizado por Vilson R. Alves. Campinas: Bookseller, 2001, t. XI ,p. 37). 640A função social da propriedade está presente no exercício desse direito de várias formas, por exemplo, estabilização da posse e da propriedade que não podem ser obstadas pela cláusula de inalienabilidade, imposta por ato de vontade anterior a posse ou uso. (NERY JR, Nelson. Usucapião ordinário. Escritura de doação com cláusula de substituição fideicomissária com justo título para usucapião. Doação causa mortis. Insinuação de doação. Registro imobiliário. In: Revista de direito privado. São Paulo: RT, 2003, n. 2, p. 177-185). 641Interessante os incentivos fiscais oferecidos aos proprietários de terras, que instituam, de fato, a Reserva Particular do Patrimônio Natural. Confiram-se: Direito de propriedade preservado; Isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) referente à área criada como RPPN; Prioridade na análise dos projetos, pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA; Preferência na análise de pedidos de concessão de crédito agrícola, junto às instituições oficiais de crédito, para projetos a serem implementados em propriedades que contiverem RPPN em seus perímetros; Possibilidades de cooperação com entidades privadas e públicas na proteção, gestão e manejo da RPPN. (portal eletrônico do IBAMA e a Lei no. 9.985/2000). 642SILVA, José A. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 281 e também BASTOS, Celso R. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 210.

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8.5. Função social: princípio conformador das propriedades

Imaginássemos a natureza da função social da propriedade empresarial,

voltaríamos às múltiplas possibilidades, por exemplo, se a função social da propriedade,

possui feição de cláusula geral ou de princípio.643

Investe-se na idéia de que a função social da propriedade, enquanto princípio da

ordem econômica permite ajustes do direito fundamental, não se presta ao

preenchimento de eventuais lacunas, percebidas na solução de um caso concreto.644

Assim como qualquer princípio, a função social da propriedade, inclusive a

empresarial; revela expressiva tendência do direito positivo645, serve como norte

interpretativo ou ferramenta útil de hermenêutica.

A função social da propriedade dá sinais inescondíveis do significado que a

sociedade brasileira dá à propriedade.

Analisá-la é também se envolver com a socialidade, eticidade e a aplicação

irrestrita dos direitos fundamentais nas relações privadas, às relações de consumo e aos

bens de produção.

Os bens de produção e também os de consumo não interessam somente às

ciências econômicas, também ao direito, pois são ferramentas de realização das

necessidades dos indivíduos.

Nos bens de produção, em sua relação com os beneficiários, há realização

social, como bem dito por COMPARATO, a produção não serve apenas aos

643MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, p. 323-324. Judith vê a boa-fé como cláusula geral que contém o princípio da função social. Já SILVA, vê os incisos da Constituição, que prevêem a função social da propriedade, como princípios <<da função social>>, que se traduzem em normas de aplicabilidade imediata. (SILVA, José A. Curso de direito ..... op. cit., 1999, p. 281). 644 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º. 645 Como visto, são proposições jurídicas descritivas que enunciam as grandes tendências do direito. (GRAU, Eros R. A ordem econômica na Constituição de 1988. Interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 79).

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proprietários, são elementares na produção de riquezas e no propiciar efetivo dos direitos

fundamentais. 646

Não se trata apenas de ver a empresa sob a perspectiva da justiça social, mas

vê-la como expressão mais ampla da livre iniciativa. Aliás, sobre isso SZTAJN é muito

eficiente na compreensão de Irti:647

Nas palavras de Irti, liberdade de iniciativa não é apenas a liberdade de promover, ou não, a atividade industrial, comercial ou financeira, mas também significa liberdade de acesso, liberdade de entrar em certo ramo de atividade negocial, de competir com outros pelo que a liberdade de iniciativa se liga diretamente à liberdade de concorrência.

Abordar livre iniciativa e função social da empresa envolve pelo menos dois

direitos fundamentais que não se contrapõe, mas convivem.

Muito do que se tem visto no dia a dia dos negócios é a exacerbação da livre

iniciativa ou os exageros teóricos sobre a função social das empresas, quando na

verdade o que se pretende mesmo é o balanceamento destes dois fatores.

Não há risco de coletivização da propriedade, salvo em algumas nações sob o

comando ditatoriais, mas também não há espaço para o exercício da atividade

empresarial desvinculada dos interesses sociais.

É preciso deixar claro, é na propriedade inclusive a empresarial, como em

qualquer outro direito fundamental, que os homens reafirmam-se em sua dignidade.648

Pode-se concluir que o homem contemporâneo só é plenamente livre e completo na sua dignidade, quando pode garantir sua existência real, afirmada não somente na sua personalidade, mas também necessariamente na sua propriedade, isto é, nos direitos reais.

646 COMPARATO, Fábio K. Função social da propriedade dos bens de produção. (In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: RT, nº. 63, 1986, p. 72-75). 647 STAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 32. 648 MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Obtenção dos direitos fundamentais....., op. cit. p. 49.

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Não há absolutismo de qualquer direito, isto é, todos têm a mesma importância

e peso, por isso, no exame de um caso concreto, são os princípios que desempenham

papel fundamental na busca da almejada justiça.

Todos os bens, sem excluir os bens de produção ou consumo, precisam estar

conformes à ordem jurídica constitucional.

GRAU maximiza a relevância dos bens de produção, aceitando coincidentes os

conceitos de função social da propriedade e da função social da empresa.649

A propriedade e sua função social não se compatibilizam com a regra do tudo

ou nada, na verdade o princípio da função social conforma a propriedade não

propriamente como regra específica, mas como elemento de ajuste do conteúdo,

unificador do sistema e condensador dos valores constitucionais.650

Como mandados de otimização, na expressão de Alexy, os princípios traduzem

a observância e o esforço de todos, de modo que as bases constitucionais se revelem

efetivas na aplicação de determinado dever ser.

Esse <<dever ser>> da empresa com os consumidores é apenas uma das

múltiplas acepções da função social.

649 Aí, incidindo pronunciadamente sobre a propriedade de bens de produção, é que realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como função social da empresa. (GRAU, Eros. A ordem econômica..., op. cit., p. 258). 650 Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico até chegar à regra concreta que vai reger à espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete. (BARROSO, Luís R. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. (In: A nova interpretação constitucional. Ponderação e direitos fundamentais e relações privadas. org. BARROSO, L. C. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29-30)

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8.6. A empresa relacionada com o consumidor na perspectiva da função

social

Assim, como todo e qualquer instituto jurídico, a empresa também deve

conformar-se aos princípios da socialidade e da eticidade.

Até os primeiros anos do século XXI havia intenso tráfego de capitais, absoluta

reverência a mundialização do mercado e ao consumismo desenfreado, o que para o

leigo deixaria a aplicação da socialidade, da ética e do direito fundamental da dignidade

humana um momento de simples utopia

Em 2008 com o agravamento da crise global, onde o mundo desenvolvido

apresentou déficits inimagináveis651, passou ser razoável o questionamento de que

economia não possa ser controlada por meios monetários puros, ou fincada no laissez-

faire.

Nunca houve tanta necessidade de compatibilização dos vários interesses

(individuais e coletivos), não se admiti mais que nos meios empresariais mais elevados, a

empresa se transforme em meio hostil ao bem estar social, ou seja usada como

instrumento de opressão de outros homens, ou ocupada como foro de satisfação de

egoísmos.

Mesmo num ambiente competitivo, a empresa não serve a simples satisfação de

interesses econômicos individuais, não é local para ações desprezíveis aos interesses

651 O Produto Interno Bruto (PIB) do Japão, a segunda maior economia do mundo, encolheu 3,3% no quarto trimestre, a maior contração desde 1974, e mostrou mais uma vez que a segunda maior economia do mundo enfrenta uma severa recessão à medida que a crise econômica global se aprofunda.A contração foi maior do que a queda de 3,1% esperada pelos economistas e marcou o terceiro trimestre consecutivo de retração - a primeira vez que isso acontece no Japão em sete anos. Na comparação com o quarto trimestre de 2007, a queda no PIB foi de 12,7%, no pior resultado também desde o choque do petróleo, em 1974. A queda é também muito superior às registradas nos Estados Unidos (-3,8%) e na zona do euro (-1,2%). (In: http://www.portalms.com.br/noticias/PIB-do-Japao-tem-maior-queda-desde-1974/Mundo/Economia/30878.html, acesso em 21/02/09).

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dos colaboradores, dos empregados e de tantos outros que se vinculam direta ou

indiretamente aos resultados da atividade empresarial.

Os reflexos da atividade empresarial são múltiplos e expressivos: lucro do

empresário, possível impacto ambiental, concorrência, nas relações com os

consumidores.

Indubitável, a empresa almeja resultados positivos, contudo, não se limitam ao

aferimento de lucros. Com efeito, a atividade empresarial desempenha, querendo ou não,

importante papel na promoção do desenvolvimento social, compatibilizando os interesses

individuais, locais, regionais e globais.

A empresa é instrumento de influência e de transformação, repercutindo suas

ações sobre o comportamento de outras pessoas, de outras instituições e grupos sociais,

como, por exemplo, nas escolas, Forças Armadas, agremiações esportivas e outras. 652

Isso não pode ser desprezado pelas empresas, pois do contrário jamais

cumprirão sua função social, isto é, com o seu dever, dado que não se confunde com a

responsabilidade social ou com o marketing social.

8.7. Função social, filantropia e responsabilidade social

Já foi dito, a função social, enquanto princípio conformador da propriedade

empresarial, tem características muito distintas da responsabilidade social e de ações

filantrópicas de empresas e de empresários.

652 Tanto as escolas quanto as universidades, os hospitais e os centros de pesquisa médica, as associações artísticas e os clubes desportivos, os profissionais liberais e as Forças Armadas – todo esse mundo tradicionalmente avesso aos negócios viu-se englobado na vasta área de atuação da empresa. A constelação de valores típica do mundo empresarial – o utilitarismo, a eficiência técnica, a inovação permanente, a economicidade de seus meios – acabou por avassalar todos os espíritos, homogeneizando atitudes e aspirações. (COMPARATO, Fabio K. A reforma da empresa. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 290, 1985, p. 9).

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Há quem as considere semelhante, porém entre ambas há diferenças

substanciais, pois enquanto aquela é opção empresarial, já o respeito à função social é

dever da empresa derivado do princípio informador da ordem econômica.

Com efeito, na função social não há opção ou escolha empresarial, mas sim

imposição a um dever inescapável.

Norma de conduta moral, fruto da solidariedade humana, a caridade e a

filantropia não conformam as ações empresariais na ordem econômica. Ações

beneméritas são necessárias, num mundo em que muitos não têm acesso a coisas

absolutamente básicas, mas não são peculiares às empresas.

O objetivo social da empresa não é filantropia ou ações caritativas aos menos

favorecidos, pois, embora necessárias e elogiáveis, não se coadunam com a noção

jurídica que se empresta à função social da propriedade empresarial: 653

Filantropia, por sua vez, envolve uma atividade estranha às operações da empresa, portanto não se trata de função, que lhe seja essencial, nem mesmo esperada; trata-se de uma espécie de caridade, que a empresa se dispõe a fazer (...) Pode-se inclusive afirmar que essa espécie de prática é mantida a distância segura dos procedimentos internos da empresa, de maneira que tenha sempre a liberdade de suprimi-la no momento em que se mostre desinteressante.

8.8. Função social da empresa: ampliação do conceito constitucional de

propriedade

A função social assume nas propriedades sua melhor característica, pois todas

têm uma finalidade, sabidamente transcendente a simples satisfação dos interesses dos

empresários e dos investidores, conforme leciona COMPARATO.654

653 OSMO. Carla. Pela máxima efetividade da função social da empresa (In: Função..., op. cit, 289). 654 COMPARATO, Fábio K. Estado, empresa e função social. (In: Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, . n. 732-41, 1996).

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(...) atividade dirigida a um fim e comportamento, de parte do sujeito agente, um poder ou competência (...) o desenvolvimento da atividade é, portanto, um dever, mais exatamente um poder-dever; e isto, não no sentido negativo, de respeito a certos limites estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas na acepção positiva, de algo que deve ser feito ou cumprido.

Por isso, freqüentemente afirma-se, função social da propriedade, incluindo-se a

empresarial, é o poder-dever do proprietário em dar à empresa determinado destino,

vinculando-o aos objetivos econômicos e aos objetivos marcados pelos interesses

coletivos.

Claro, a propriedade como direito fundamental e como relação jurídica complexa

mantém seu conteúdo essencial mínimo, o que possibilita a fruição econômica.

Entretanto, genericamente considerada, deve ser conformada pela vocação humana em

perseguir e solidificar o bem comum.

A função social dos bens de produção ou a função social da empresa atrela-se a

uma nova concepção da propriedade, que, em resumo, é de se perceber conformada

pela disciplina constitucional.

Certamente, na empresa o poder dos proprietários é cercado de ampla

liberdade, do fazer qualquer coisa que algo proibido por lei ou qualquer regulamento. No

entanto, esse primado liberal não pode contrariar a unidade e valores constitucionais.

O exercício desse poder proprietário dos bens de produção não é tão

discricionário como se pensa, mas é poder funcional que se não for cumprido a contento

poderá implicará em algum tipo de sanção.

Nem todos compreendem bem isso, mas porque não vêem a propriedade

empresarial conformada aos anseios coletivos e algo vinculado aos compromissos

constitucionais: 655

655COMPARATO, Fábio K. Direito empresarial..., op. cit.

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Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. A função social da propriedade não se confunde com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios; em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos.

A socialidade racionaliza e reformata o modo como se deve observar a

empresa, ponto de partida fundamental das várias relações jurídicas, sobre as quais se

constrói a malha social.

Imagine-se, por exemplo, o significado disso no mundo do trabalho, no qual a

propriedade empresarial é protagonista. Sobre ela os trabalhadores constroem relações

de sobrevivência, relações inter pessoais e também de superação aos desafios

intelectuais e sociais.

Não há regra jurídica trabalhista mais impactante, do que os resultados positivos

propiciados por empresas, quando conformadas à função social, por exemplo, mantendo

o meio ambiente do trabalho local adequado e satisfatório.

Pense-se nos efeitos e influências que a atividade empresarial possa trazer para

a estabilidade social, desconcentração de riquezas, preenchendo o fosso da injustiça

social, ou quanto de serviço relevante já prestou e possa prestar à humanidade, quando

vê resultados concretos, por exemplo, na pesquisa de novos medicamentos ou técnicas

de construção.

Como já foi dito, a função social da empresa enlaça o conceito constitucional da

propriedade, ampliando muitíssimo os enfoques do direito privado. 656

656COMPARATO, Fabio K. Estado, empresa... , op. cit, p. 43-44.

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(...) o conceito constitucional de propriedade é bem mais amplo que o tradicional do direito civil. Segundo o consenso geral da melhor doutrina, incluem-se na proteção constitucional da propriedade bens patrimoniais sobre os quais o titular não exerce nenhum direito real, no preciso sentido técnico do termo, como as pensões devidas pelo Estado, ou as contas bancárias de depósito. Em conseqüência, também o poder de controle empresarial, o qual não pode ser qualificado como um ius in re, há de ser incluído na abrangência do conceito constitucional de propriedade.

Parece ter sido essa a perspectiva emprestada em 1976 pela lei reguladora das

sociedades por ações (Lei 6.404/76), editada como necessidade reflexa do

expansionismo empresarial.

Curiosamente nessa jóia jurídica, tipicamente capitalista, projetaram-se vínculos

com a função social revelados pelo menos em dois dispositivos.

Com efeito, no artigo 116 prescreveram-se regras de conduta ao acionista

controlador, impondo-lhe dever de usar o poder para propiciar o cumprimento da sua

função social. O mesmo pode ser dito sobre o artigo 154 no qual se exige dos

administradores, mínimas considerações entre suas ações e a função social da

organização.657

Na lei das sociedades anônimas a funcionalização, aos olhos críticos de

CARVALHOSA, desenvolve-se em quatro vertentes: nas relações de trabalho, com os

consumidores, nas relações concorrenciais e também com o meio ambiente.658

657 A lei cogita do comportamento do empresário, não do proprietário, embora os equipare, filiando-se, ao que parece, a tese de que a empresa é um modo de exercício da propriedade. (GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 130-1). 658 (...) três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados, em termos de melhoria crescente da sua condição humana e profissional, bem como de seus dependentes. A segunda volta-se ao interesse dos consumidores, direitos ou indiretos e indiretos dos produtos e serviços prestados pela empresa, seja em termos de qualidade, seja no que se refere aos preços. A terceira volta-se aos interesses dos concorrentes, a favor dos quais deve o administrador da empresa manter práticas eqüitativas de comércio, seja na posição de vendedor, seja na de comprador. A concorrência desleal e o abuso de poder econômico constituem formas de antijuridicidade tipificada. (...) E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação ecológica, urbana e ambiental da comunidade em que a empresa atua. O compromisso com a preservação da natureza transcende, outrossim, aspectos meramente comunitários para se colocar num plano mundial. (In: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2003, v.3, p.276).

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Na verdade, os administradores e as empresas, quaisquer das formas

societárias assumidas, devem levar em conta a dualidade de interesses <<internos e

externos>>, ou seja, os interesses diretamente relacionados com o funcionamento da

empresa <<acionistas, capitalistas, trabalhadores, consumidores etc>> e interesses

daqueles que se relacionam indiretamente com ela <<comunidade>>.659

Parece que numa extremada febre de vaidade e egoísmo, os administradores

olvidam-se de que escolhas empresariais têm reflexos diretos na propriedade

empresarial., o que os grandes pensadores da economia como COASE há muito cogita

.660

Uma das principais razões para o fracasso da teoria relativa ao problema dos efeitos nocivos decorrentes da produção, reside no conceito equivocado do termo fator de produção. Usualmente entendido como entidade física, na qual o empresário adquire e a usa (um are do terreno, uma tonelada de fertilizante), na verdade traduz-se no direito de executar certas ações (físicas). Podemos falar sobre o possuidor de um terreno, que o utiliza como fator de produção, mas, de fato, o que possui é o direito de executar um limitado rol de ações. (...) Os direitos do proprietário de terras não são ilimitados. Nem sempre é possível para ele remover o solo para outro lugar, por exemplo, escavando-o. E embora possa ser possível impedir que algumas pessoas usem terra, isto pode não ser uma verdade para outras pessoas. Por exemplo, algumas têm o direito de cruzarem o terreno, de erguerem ou não certos tipos de edifícios ou cultivar certas plantações. Isto não ocorre simplesmente por causa de um regulamento do governo, mas pelo fato de que um sistema na qual os direitos dos

659 COMPARATO, Fabio Konder. Estado, empresa...., op. cit., p. 44. nota 5. 660 Tradução livre de parte do artigo de COASE, Ronald H. O problema do custo social. (In: Journal Law and Economics (outubro de 1960):: “A final reason for the failure to develop a theory adequate to handle the problem of harmful effects stems from a faulty concept of a factor of production. This is usually thought of as a physical entity which the businessman acquires and uses (an acre of land, a ton of fertilizer) instead of as a right to perform certain ( physical ) actions. We may speak of a person owning land and using it as a factor of production but what the landowner in fact possesses is the right to carry out a circumscribed list of actions. (...)The rights of a landowner are not unlimited. It is not even always possible for him to remove the land to another place, for instance, by quarrying it. And although it may be possible for him to exclude some people from using "his" land, this may not be true of others. For example, some people may have the right to cross .the land. Furthermore, it may or may not be possible to erect certain types of buildings or to grow certain crops or to use particular drainage systems on the land. A system in which the rights of individuals were unlimited would be one in which there were no rights to acquire. (...)If factors of production are thought of as rights, it becomes easier to understand that the right to do something which has a harmful effect (such as the creation of smoke, noise, smells, etc.) is also a factor of production. (...)Just as we may use a piece of land in such a way as to prevent someone else from crossing it, or parking his car, or building his house upon it, so we may use it in such a way as to deny him a view or quiet or unpolluted air. The cost of exercising a right (of using a factor of production) is always the loss which is suffered elsewhere in consequence of the exercise of that right-the inability to cross land, to park a car, to build a house, to enjoy a view, to have peace and quiet, or to breathe clean air. It would clearly be desirable if the only actions performed were those in which what was gained was worth more than what was lost. But in choosing between social arrangements within the context of which individual decisions are made, we have to bear in mind that a change in the existing system which will lead to an improvement in some decisions may well lead to a worsening of other (disponível no site www.sfu.ca/allen/CoaseJLE1960.pdf, ac. em 21/11/2008)

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indivíduos fossem ilimitados, nem haveria aquisição de direitos. Porém, se os fatores de produção são entendidos como direitos, mais fácil entender sobre o direito de fazer ou não fazer algo que produzirá um efeito nocivo (como a produção de fumaça, ruído, odores, etc). (..) O custo do exercício deste direito (do uso de um fator de produção) sempre implica em perda que é sofrida em outro lugar, justamente em conseqüência do exercício deste direito – (...) respirar ar puro. (...) O desejável seria que somente fossem executadas as ações em que os ganhos valessem mais do que o que foi perdido. Mas para escolher entre acordos sociais dentro do contexto nas quais as decisões individuais são feitas, nós temos que ter em mente que a mudança no sistema existente, na qual levará ao avanço em algumas decisões pode também levar ao atraso de outras.

A proposta de COASE é interessante e alerta os detentores da propriedade

empresarial sobre algo inerente à rotina de sua atividade, isto é, a de fazer escolhas

adequadas aos acordos sociais.

Nessa linha é preciso que os empresários estejam conscientes, o crescimento

econômico e suas benesses, somente serão perenes e trarão progressos à própria

atividade empresarial e também ao desenvolvimento social, quando conformarem a

empresa ao cumprimento de sua função social.

O que se exige no cotidiano das relações é o balanceamento ou a valência entre

livre iniciativa, autonomia, ética e função social, já que se repudiam empresas

desrespeitosas aos valores mais grandiosos da comunidade: dignidade humana, meio

ambiente, a ética social, o direito do consumidor. Aliás, isso, em certos casos, resulta no

enquadramento do ilícito, da sanção, enfim, da responsabilização.

Essa postura é vista no que se chama de nova empresarialidade, isto é, aquela

que exerce a atividade empresarial de modo mais elástico e criativo, imantada pelos

princípios da função social e da boa-fé objetiva, bem como, com outras possibilidades de

gerenciamento, num movimento denominado de governança corporativa. 661

(...) aplicada à atividade empresarial requer, portanto, adoção de princípios norteadores da conduta dos administradores com reflexos na gestão, na sociedade empresária e de seus órgãos sociais a um conjunto de normas criadas para tanto,

661DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de empresa. op. cit, p. 25-6.

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abrangendo, como vimos, relacionamento com os sócios, administradores, grupos e consumidores (...) Enfim, a sociedade empresária e seus órgãos sociais deverão aderir a um conjunto de normas éticas para melhorar sua relação com o mercado consumidor ou fomentar sua atividade usando o poder para a consecução do objeto social e a realização da função social da empresa (Lei no. 6.404/76, art. 116).

. As novas estratégias de gestão do capital privado e a funcionalização da

empresa ampliaram em muito o conceito de propriedade, por exemplo, lei de

recuperação judicial de empresas (Lei 11.101/2005, art. 47)662, Estatuto das Cidades (Lei

10.257/2001, art. 39)663, o novo Código Civil (Lei 10.406/2002).664

De modo explícito ou não665, essas hipóteses revelam, o modelo clássico e

individualista dispensado ao gerenciamento da propriedade é impróprio ao desempenho

do relevante papel que cabe às empresas modernas.

Definitivamente, a propriedade empresarial vai além da produção de riquezas

patrimoniais. Destacando-se no pioneirismo da Lei n. 6.404/76, um conjunto de normas

que não se reduzem à disciplina das sociedades anônimas, mas exemplo concreto de

conformação da propriedade e da atividade empresarial à sua finalidade social.

É preciso imaginar o quanto mais trabalhoso para o empresário é praticar essa

nova postura, principalmente quando envolva relações não paritárias.

662 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica O Senador Ramez Tebet – Relator do Projeto de Lei nº 71/2003 que resultou na mencionada lei, ao elaborar seu parecer, assim se posicionou sobre a adoção do princípio da preservação da empresa: “Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis como: nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros”. 663 Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei. 664 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 665 Confiram-se Enunciado 53 do CJF: “deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência externa”.

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Isso porque séculos e séculos de individualismo, de produção economicamente

lucrativa, de liberdade, praticamente sem restrições, dificultam sobremodo o trato dos

parceiros (consumidores, trabalhadores, comunidade), quase sempre envoltos em

legislações mais protecionistas.

Nas relações com os consumidores finais essa dificuldade ainda não está

superada, mas bem menos gravosa, se comparada aos primeiros anos posteriores à

vigência no ordenamento jurídico da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

8.9. A função social da empresa nas relações de consumo

O ponto culminante do trabalho é clarificar e reafirmar os anseios constitucionais

de desenvolvimento da sociedade, tomando-se como referência, as relações jurídicas

privadas entre as empresas fornecedoras de produtos e serviços e os consumidores.

Se o direito tende a harmonizar os interesses, é vasto o trabalho oferecido na

seara do consumo, isso porque fornecedores e consumidores parecem estar envolvidos

num infinito conflito.

Não se pretenderia atribuir ao direito perfil revolucionário, pois é certo que a

ordem jurídica tende a conformar-se com os valores sociais dominantes, expressando o

sistema econômico vigente.

Entretanto, reserva-se à ciência jurídica a busca contínua para que o direito

cumpra sua aptidão natural <<realização da justiça>>.

O estudo aprofundado da propriedade ou <<propriedades>>, assim como das

obrigações, por exemplo, expressas nos contratos, são instituições jurídicas básicas do

sistema econômico e social.

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Compreender as estruturas dos institutos é minimamente desejável, mas há

muito de funcionalidade nesses clássicos, que precisam ser desvendados.

Dissemos antes, se as propriedades são instrumentos de produção das

riquezas, os contratos, em todas suas fases <<fase pré-contratual, contratual e pós-

contratual>>, são meios hábeis ou bons veículos de circulação daquelas.

Mais que reconhecido, um dos principais papéis sociais da empresa é atender à

demanda da sociedade, por bens e serviços, sejam eles essenciais, supérfluos ou

simplesmente decorrentes do artificialismo midiático.666

No cumprimento desse objetivo, a empresa se organiza e se estrutura

objetivando atingir maior rentabilidade, precisa lidar com as demandas, mantendo-se

sensível às reais necessidades de sua clientela, da comunidade e da sociedade como

um todo.

Não pode permanecer alheia aos interesses particulares dos sócios e dos

administradores, mas balanceando-os aos interesses das pessoas ou dos grupos ligados

direta ou indiretamente.

Precisa, como um de seus principais objetivos, dinamizar suas finalidades

econômicas, pois no desenvolvimento de sua atividade, assume riscos e desafios que

exigem certa dose de arrojo e agressividade.

666VÁZQUEZ, Adolfo S. Ética. Trad. de João Dell‟ Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 221-222. Anota em sua obra, o consumidor tem necessidades criadas pela influência da publicidade insistente e organizadas. No mesmo sentido, confira-se a obra de SCHWERINER, Mario E. Rene. Comportamento do Consumidor - Identificando Necejos e Supérfluos Essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006. Desejos se transformam em necessidades sintéticas pela ação do marketing. O mercado sob prismas aparentemente antagônicos. <<Forquilha do consumo>>, representada pelo símbolo 'Y'. O eixo é o consumo. De um lado as empresas objetivam dinheiro, forçando vendas; de outro o indivíduo vinculando sua felicidade no ato de consumir.

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A empresa, querendo ou não, necessita rever constantemente seu papel em

prol do interesse social, mantendo-se parceira na realização dos valores mais elevados

da sociedade.667

As propriedades têm função dinâmica e como todas as empresas têm papel ou

função social a cumprir.

Claro está, que as relações estabelecidas pelos empresários precisam ser

conformadas às suas necessidades, mas a empresa precisa envolver-se com as

necessidades alheias, sem o que, o mercado não alcançará ambiente razoavelmente

competitivo, leal e de respeito aos direitos dos consumidores.

Desde o início reafirmou-se o papel da Constituição, sua repercussão sobre

todos os fenômenos jurídicos - propriedade, produção e consumo de bens e serviços,

mercado, economia, outros tantos.

Manter os desígnios ou conformidades constitucionais exige da ciência e da

técnica jurídica, a construção de fórmulas e esquemas, que dão concretude aos

princípios e conceitos mais abstratos.

667 Em agosto de 2008 disputavam-se, ferrenhamente, direitos constitucionais, por exemplo, a atividade empresarial de arrozeiros no Estado de Roraima e direitos das tribos indígenas à demarcação de terras na Raposa Serra do Sol. Confiram-se as cirúrgicas palavras de MARTINS: “O que está em jogo no Supremo e, portanto, a interrupção ou a mitigação do processo de reconquista do domínio do território pelo Estado Nacional. Os interesses dos índios, nesse aspecto coincidem com os do Estado; o dos arrozeiros não. Nas conexões dessa tendência histórica, temos o surgimento de sujeitos de direito e sujeitos de brasilidade de diversos do convencional, mas igualmente legítimos. Vale lembrar que em países como a Inglaterra, quando a expansão do capitalismo, no século 17 colidiu com os direitos tradicionais da população, as lutas sociais asseguraram o reconhecimento dos direitos sociais como precedentes em relação aos direitos econômicos e à conseqüente coisificação dos seres humanos na devastação cultural que se disseminava. No Brasil não tivemos, com a força social devida, instituições tradicionais reguladoras dos direitos dos pobres, trabalhadores e desvalidos porque esta era, afinal uma sociedade escravista, resumida ao mandar e obedecer. As lutas tardias dessa população, dos banidos da condição de sujeitos..... (..) Mesmo no direito de propriedade, a Constituição de 1988 abrandou sua rigidez para acolher a legitimidade do costume quanto à posse e ao uso da terra. Estamos num momento de recriação identitária e, portanto, de inclusão social não pela assimilação aniquiladora, mas pelo reconhecimento integrador da diferença..... (MARTINS, José de Souza. Em pauta o direito de ser diferente. O Estado de São Paulo, 31/08/08, p. J4).

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Contudo, o fundamental é aceitar-se a essencialidade dos direitos fundamentais

e dos desideratos constitucionais, o que em tempos de consumo massificado e

impessoal, parece bem mais difícil.668

A aplicação aos consumidores – desiguais entre si e diferentes das empresas – dos princípios fundamentais da ordem jurídica liberal (liberdade e igualdade) mostra-se freqüentemente inadequada e geralmente desprotetora dos seus interesses comuns. As (aparentes) exceções àqueles princípios vão revelar-se, muitas vezes, como determinadas por um valor, dito de ordem superior – a prioridade do comércio jurídico.

Contudo, tanto a proteção do consumidor, quanto defesa de sua integridade,

representam compromissos do Estado e de todos os atores sociais e econômicos.

Com efeito, Estado chamou para si essa tarefa, pois de modo inovador, o

constituinte elevou a defesa do consumidor à posição jurídica de direito fundamental,

atribuindo-lhe igualmente condição de princípio conformador e estruturador da ordem

econômica.

O percurso do consumo está sempre em ligeira e constante transformação, o

que demanda a criação de novos padrões jurídicos, porém sempre próximos dos direitos

e princípios constitucionais.

O direito do consumidor, colocado dentre os direitos fundamentais, cria para

todos os atores sociais e econômicos obrigação constitucional.

Aposto como princípio informador da ordem econômica, permite e legitima a

adoção de medidas necessárias <<intervenção e dirigismo nos negócios privados>> a

efetiva proteção dos mais vulneráveis.669

Esse horizonte de efetividade não é só para as relações de consumo, mas para

todos os institutos jurídicos que esbarram nos direitos fundamentais.670

668 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almedina, 1982, p.12. 669SILVA, José Afonso da. Curso de direito...., op.cit., p. 261-2.

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A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais.

Sobre o consumidor, quadram-se as palavras magistrais do culto Ministro Celso

MELLO: 671

Na realidade, a proteção estatal ao consumidor – quer seja esta qualidade com um direito fundamental positivado o próprio texto da Constituição de República, quer seja compreendida como diretriz conformadora da formulação e execução de políticas públicas, bem assim do exercício das atividades econômicas em geral – assume, em última análise, na perspectiva do sistema jurídico consagrado em nossa Carta Política, a condição de meio instrumental destinado, enquanto expressão de um „princípio constitucional impositivo‟ (EROS ROBERTO GRAU, „A ordem econômica na Constituição de 1988‟, p. 272, item n. 115, 6ª. Ed., 2001, Malheiros), a neutralizar o abuso do poder econômico praticado em detrimento das pessoas e de seu direito ao desenvolvimento e a uma existência digna e justa.

De outro lado, a essência da norma jurídica civil é encontrada nas dobras e

linhas da Constituição Federal, pois nela o direito se revitaliza e se mantém conectado

com as necessidades mais elementares do homem.

Liberdade, igualdade, família, meio ambiente, propriedade se efetivam a partir

dos princípios constitucionais, a quem todos devem respeito, garantindo-se o objetivo

supremo de sobrevivência digna aos homens.

Sem esse compromisso é impossível analisar as relações jurídicas e também as

de consumo. Em outras palavras, o manejo da Constituição Federal deve ser fonte

primária para todos os segmentos sociais, públicos e privados.

Percebe-se isso no dia a dia da sociedade, não somente no olhar do jurista, mas

de outros cientistas, como no exemplo sobre o papel do Supremo Tribunal Federal na

solução de conflitos, envolvendo aspectos inerentes às propriedades:

670STJ - REsp 771616/RJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 1/8/2006. 671 Min. Celso de Mello, STF, ADI/25191-DF, j. 2006 (conhecida como ADI dos bancos)

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Esta semana é do Supremo. As anteriores também foram.As próximas, muito provavelmente, serão. O processo de tomada de decisão expõe e confronta princípios, como por exemplo, presunção de inocência e moralidade da administração pública; segurança pública, diversidade cultural. O embate, contudo, não é só de princípios. Instituições, grupos, corporações, interesses imiscuem-se em categorias filosóficas abstratas. (..) A relevância dos temas e sua potencialidade de provocar impactos no âmbito político, na esfera de ação das corporações e na área privada justificam que se dirija atenção para as decisões do Supremo. Com efeito, de área de interesse quase exclusiva de juristas e de operadores do direito, a Justiça estatal passou a constar da

agenda política e da pauta dos meios de comunicação. 672

A defesa da valorização constitucional nas relações privadas já se faz tardia.

Alas, não é sem tempo abandonar-se a separação rigorosa entre o público e o privado,

principalmente após a chegada da lei consumerista. 673

Esses compromissos com os princípios, direitos e valores constitucionais

aplicáveis aos institutos privados não são apenas possíveis, mas desejáveis e

vantajosos, tanto a Constituição de 1988, quanto o Código de Defesa do Consumidor não

são simples documentos legais, há significância expressiva no nível ideológico, cultural e

principalmente de justiça social.

A propriedade e sua função social, ao lado da livre iniciativa, da concorrência

saudável, da busca do pleno emprego, da defesa do consumidor entre outros princípios,

se compatibilizam. Entretanto, por vezes, exigem apenas sopesamento e balanceamento,

não escolhas exclusivas do <<tudo ou nada>>, raramente recomendável à solução dos

conflitos.

Normas constitucionais exigem interpretação comprometida, como leciona

LORENZETTI.674

672 Impressões da socióloga Maria Teresa a respeito da disputa entre os arrozeiros e os índios em Roraima. (SADEK, Maria T. Aina. Coordenadora do Centro Brasileiro de Pesquisas Judiciais. Ativismo judiciário a pleno vapor. O Estado de São Paulo, 31/08/08, p. J4). 673IRTI. Natalino. Societá civile, elementi per un‟analisi di diritto privado. Milão: Giuffrè, 1992, Introdução. 674 Em tradução livre: As leis sem alma devem ser interpretadas por juízes com alma, sobretudo, se se tem em conta que o sistema de valores do ordenamento é um mandato tanto para os legisladores como para os juízes que aplicam a lei. (LORENZETTI, Ricardo Luis. Haciendo realidad los derechos humanos. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, nº. 39, 2001, p. 31).

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Las leys, „sin alma‟, deben ser intrepretadas por jueces „com alma‟, sobre todo si se tiene em cuenta que el sistema de valores del ordenamiento es um mandato tanto para el legislador como para los jueces que aplican la ley.

Na solução dos conflitos de consumo é impossível não beber na fonte

constitucional. 675

(...) a primazia que a Carta Política conferiu à defesa do consumidor quanto à preservação da integridade das prerrogativas jurídicas, quem, em seu favor, foram reconhecidas pelo ordenamento positivo, podendo-se afirmar, a partir de tal asserção, que os direitos do consumidor, embora desvestidos de caráter absoluto, qualificam-se, no entanto, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório que vise compor situações de antagonismo (...) Daí justificar-se, plenamente, o reconhecimento de que a proteção do consumidor – que traduz prerrogativa fundamental do cidadão – qualifica-se como valor constitucional inerente à própria conceitualização do Estado Democrático e Social do Direito, razão pela qual incumbe a toda coletividade – e ao Poder Judiciário, em particular – extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.

Na esfera de consumo e no âmbito da propriedade todos os institutos jurídicos

privados também têm compromisso com a função social (CF, arts. 5º, XIII, XXIII, 170,II a

IX e parágrafo único e 186), o que impõe observância desse dever a todos atores da

ordem econômica.

Enquanto atividade organizada, na sua relação com os investidores, com os

sócios e também com os terceiros, a empresa deve atender aos princípios

constitucionais, em parte refletidos na cláusula geral de boa-fé (Código Civil art. 421),

concretizando sua vocação econômica, comprometida com a função social.676

A propriedade empresarial deverá atender à função social, exigida pela Carta Magna; por isso o empresário deverá exerceu sua atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços no mercado de consumo, de forma a prevalecer a livre concorrência sem que haja abuso de posição mercadológica dominante, procurando proporcional meios, para a efetiva defesa dos interesses do consumidor e a redução de desigualdades sociais. (...) É preciso compatibilizar essa sua função social, visando o bem comum, o bem estar e a justiça social, com a finalidade de produção de lucros.

675 Novamente nos referimos ao voto do Min. Celso Mello na ADI/2591-DF. 676DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil..., op. cit., p. 23.

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As propriedades constituem-se riquezas, nem tanto sob o ponto de vista do

poder de disposição de seu titular, mas pelos reflexos que esse poder tem sobre os

homens. Isso porque, sem deter os meios, modos e processos produtivos, os homens

sempre estarão numa posição de desigualdade, na sua relação com os fornecedores de

bens e serviços. 677

Entretanto, as relações de consumo não podem desenvolver-se como de dois

pugilistas num ringue de luta, ao contrário, embora cercada pela mutabilidade,

velocidade, as relações de consumo devem ser vividas como momentos peculiares de

cooperação, objetivando a realização do necessário e do desejável dentro da ética e

socialidade.

Os desejos de consumo se alteram a cada minuto, os lançamentos de novos

produtos e serviços despertam o interesse dos empreendedores, que se mantêm ávidos

pelos mercados.

A globalização trouxe crescimento nas oportunidades de negócios aos

empresários fornecedores, já os consumidores têm nos contratos, não somente um

instrumento de circulação de riquezas, mas mecanismo sério de realização do seu

interesse pelos produtos e serviços de qualidade.

Entretanto, isso tudo corre numa ambiência em que os negócios envolvem

relações virtuais, desmaterializadas, despersonalizadas, instáveis e especulativas,

exigindo, que os parceiros negociais dêem maior atenção aos compromissos

fundamentais.678

677A base desse modelo é constituída pelo enunciado lógico: „O igual deve ser tratado igualmente: o desigual, desigualmente‟. (...) a primeira parte desse enunciado deve ser interpretada por meio da norma de tratamento igual: Se não houver uma razão suficiente para a permissibilidade de um tratamento desigual, então o tratamento igual é obrigatório. E a segunda parte deve ser interpretada pela norma de tratamento desigual: Se houver uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório. (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. op. cit, p. 424-25). 678Defendo a idéia de que a crise da pós-modernidade no direito advém também da modificação dos bens economicamente relevantes, que na Idade Média eram os bens imóveis, na Idade Moderna, o bem imóvel imaterial e na que na Idade Atual seria o bem móvel imaterial ou o desmaterializado „fazer‟ dos serviços, do software, da comunicação, do lazer, da segurança, da educação, da saúde, do crédito. Se estes bens imateriais e fazeres que são a riqueza atual, os contratos que autorizam e regulam a transferência destas „riquezas‟ na sociedade também têm de mudar, evoluir do modelo de dar da compra e venda para modelos novos de serviços e dares complexos, adaptando-se a este desafio desmaterializante „pós-moderno. (MARQUES, Cláudia L. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços. op. cit., p. 64)

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A atividade empresarial, para cumprir sua função social em relação aos

consumidores, deve antes de tudo atender às suas necessidades, até porque parte delas

criadas ou fomentadas pelos próprios empresários e pelo mercado de consumo.679

A iniciativa em intervir nas relações de consumo, expressa no Código de Defesa

do Consumidor, em princípio indesejável para os mais conservadores, representou salto

de qualidade à dignidade do consumidor e também de toda sociedade, beneficiada

principalmente com a circulação de novas tecnologias, serviços de qualidade etc.

Com efeito, esse modo mais sutil de intervenção, acaba varrendo do mercado o

empresariado menos comprometido com a ética. Isso é aceitável pelo intervencionismo

estatal (CF, art. 174), pois representa uma reserva ao Estado-administração de agir como

fiscalizador ou como agente normativo da atividade negocial.

Louve-se também o Estado-legislativo, pois ao elaborar o Código de Defesa do

Consumidor subsidiou padrões mais elevados de produção, cartilha a ser seguida pelo

bom empresariado.

Vale lembrar, o Brasil, embora não tenha iniciado o debate em torno da defesa

do consumidor, foi o primeiro país a codificar o tema, concretizando os compromissos

políticos de tratamento normativo constitucional às relações de consumo.680

Com ou sem intenção, elogios ao constituinte, pois a codificação, determinada

pela própria Constituição Federal (ADCT, art. 48), serviu como pontuação importante no

679(...) a propriedade empresarial deverá realmente atender a sua função social, sendo exercida a atividade de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo em sistema econômico no qual prevalece a livre concorrência sem abuso da posição dominante de mercado, proporcionando-se meios, para a efetiva defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais” (LISBOA, Roberto S. A livre iniciativa e os direitos do consumidor. In: Direito empresarial contemporâneo. Coor. Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 145). 680EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1999, p.23-5.

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alcance de sua aplicação, tangenciando todas as atividades produtivas, inseridas no

elástico conceito trazido no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.681

Em várias manifestações o sistema de proteção aos consumidores revela a

função social da empresa.

Primeiramente a função social presente nas relações contratuais.

Essas relações não só planificam vínculo entre fornecedor e consumidor, mas

no contrato a finalidade transcende os interesses mediatos, dando oportunidade a

atividade empresarial em realizar várias finalidades constitucionais, por exemplo, atender

as necessidades, à justiça social e facilitar o acesso a direitos básicos.

Nessa perspectiva,as palavras de ROSADO mostram a relação direta havida

entre a cláusula geral da boa-fé e a função social da empresa na ordem econômica. 682

A boa-fé não é apenas um conceito ético, mas também econômico, ligado à funcionalidade econômica do contrato e do serviço da finalidade econômico-social que o contrato persegue. São dois os lados, ambos iluminados pela boa-fé: externamente, o contrato assume uma função social e é visto como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica (...); internamente, o contrato aparece como vínculo funcional que estabelece planificação econômica entre as partes, às quais incumbe comportar-se de modo a garantir a realização dos seus fins e a plena satisfação das expectativas dos participantes do negócio.

De fato, o contrato de consumo tem finalidade econômico-social, destina-se

transferir riquezas entre os empresários e os diversos grupos de interessados

consumidores.

681 Fornecimento de serviços ou contrato de serviços é o negócio jurídico que propiciar ao titular ou que envolver a prestação de uma fazer economicamente relevante, de um ato ou de uma omissão útil e interessante no mercado de consumo, de uma atividade remunerada direta ou indiretamente, um fazer imaterial e principal, que pode ou não vir acompanhado ou complementado por um dar ou pela criação ou entrega de bem material acessório a este fazer principal, dizer eu é, em verdade, a causa de contratar e a expectativa legítima do consumidor frente ao fornecedor”. Idem, p. 90, nota 130. 682 Min. Ruy Rosado, palestra proferida aos magistrados fluminenses, parcialmente transcrita no trabalho de CAVALIERI, Sergio. O direito do consumidor no limiar.... op. cit., p. 8.

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Dão maior segurança e transparência nas relações de consumo, harmoniza os

interesses dos participantes, viabilizando, de modo concreto, os princípios inerentes à

ordem econômica constitucional.

De outro lado, a empresa também desempenha sua função social, quando

adota posturas consentâneas aos ditames constitucionais no momento de composição de

conflito, propiciando, por exemplo, mecanismos alternativos de solução (CDC, art. 4º.

V).683

Também na seara judicial a empresa pode ser forçada a cumprir sua

responsabilidade com a função social, por exemplo, reconhecendo direitos processuais

diferenciados dos consumidores.684

Agravo de instrumento - Exceção de incompetência - Cláusula de eleição de foro – Nulidade da cláusula quando favorece apenas uma das partes - Inteligência dos arts. 6°,VIII, e 47, do CDC, e art. 5o, LV, da Constituição Federal - Negado provimento ao recurso

A função social da empresa é ainda mais exuberante sob a perspectiva

processual, quando analisada a desconsideração da personalidade jurídica,

principalmente vista no corpo do artigo 28 § 5º da Lei 8.078/90.685

Isso porque a inobservância de suas obrigações, principalmente no âmbito da

responsabilidade dos fornecedores , acarreta a superação do princípio da autonomia

patrimonial da pessoa jurídica, instituto elementar no direito empresarial.

683 Essa experiência ocorreu no ano de 2008/2009 na cidade de São Paulo. Câmara de Indenização 3054 (CI 3054) engendrada pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Fundação Procon, todos os Estado de São Paulo, contando com a participação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e a receptividade da própria companhia aérea, que se envolveu no trágico acidente, sua seguradora para o exercício facultativo do acertamento indenizatório. 684 REsp. n. 904.194, j . 15.03.07, rel. César Asfor Rocha, DJ de 26.03.07. 685 art. 28 O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetividade quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

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Aliás, a <<disregard doctrine>>, originária do direito anglo-saxão, inspirou o

legislador brasileiro a garantir, efetivamente, o papel constitucional destinado às

sociedades empresariais, de modo não sirvam exclusivamente aos interesses exclusivos

dos sócios e acionistas.686

Nessas hipóteses excepcionais lembra a julgadora:687

Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e dos administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor de desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28 do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Há muitas formas de funcionalização da propriedade empresarial nas relações

de consumo, muitas delas referem-se às práticas empresariais, por exemplo, no manejo

das estratégias de marketing, na busca da excelência e na mantença de mecanismos de

controle da qualidade dos serviços e produtos de consumo.

Claro, ao partilharem suas expectativas com a de milhares de consumidores, os

fornecedores mostram-se à frente do seu tempo, iniciativas e estratégias entabuladas em

prol de resultados positivos e dos lucros empresariais são legítimas, mas isso não pode

implicar sacrifício e desrespeito aos direitos do consumidor.688

686 SERICK enaltece o importante papel da atividade judiciária. É no caso concreto, que se verifica quando e como é necessário prescindir-se da estrutura formal da pessoa jurídica e atingir patrimonialmente a pessoa de seus sócios. (SERICK, Rolf. Forma e realta della persona giuridica . trad. Marco Vitale. Milano: Giuffrè, 1996, p.13ss) 687 Min. Nancy Andrighi, Resp 279.273/SP, j. 04/12/03. Interessante também a seguinte ementa: Penhora – Sociedade comercial – Desconsideração da personalidade jurídica de empresa-executada – Admissibilidade – Condenação transitada em julgado há mais de 03 anos decorrente de acidente de consumo – Ausência de ativos financeiros comprovada – Pretensão da fornecedora-devedora de penhora sobre seu faturamento – Reconhecimento pela própria devedora de que se encontra com dificuldades financeiras, sem crédito no mercado financeiro – Abuso do direito configurado – Desconsideração da personalidade jurídica que se fundamenta tanto na lei civil (art.50 CC/02) quanto no CDC (art. 28) – Possibilidade de constrição direta sobre os bes particulares dos sócios – Recurso improvido. (AI. 7.281.253-0, 23ª. CDPrivado/TJESP, rel. JB Franco de Godoi, j. 08.10.08). 688Muitas empresas obrigam o poder público a intervir, como no exemplo do atendimento aos consumidores: “Novas regras para centrais telefônicas beneficiam consumidor, dizem entidades. (...)decreto que normatiza a prestação de serviços pelas centrais de atendimento telefônico, conhecidas como call centers, “o consumidor ganha um aliado

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Inconcebível também que os empresários louvem-se da pouca eficiência do

Estado, no desempenho de seu papel fiscalizatório ou implementador de políticas

públicas, objetivando vantagens dos consumidores.

Relembre-se, todos os que se envolvem na cadeia de fornecimento, facilitando e

propiciando a chegada do produto ou serviço ao seu destino final, devem manter conduta

ética e comprometida com os preceitos constitucionais (CF, art. 170).

Nos últimos tempos os agentes públicos têm respondido de modo

razoavelmente rápido e eficazmente às demandas dos consumidores, por exemplo, no

recall envolvendo veículo de tradicional montadora alemã, que por vício de produto e de

informação provocou lesão física em alguns consumidores. 689

Ações concretas, espontâneas ou não, revelam a função social assumida pelas

empresas, especialmente quando mostrem seus reais vínculos aos direitos e princípios

explícitos ou implicitamente previstos na Constituição Federal e no próprio Código do

Consumidor.

A ordem econômica, parcela da ordem jurídica, delineia o modo como a

atividade econômica deve desenvolver-se, traçando diretrizes, programas e finalidades a

serem seguidas por todas as empresas, especialmente as que lidam com bens e serviços

ao consumidor.

contra práticas abusivas de empresas que dificultam a solução de reclamações dos clientes”. No referido diploma, dentre as regras estabelecidas, está o pronto atendimento por telefonista, sem as constantes transferências determinadas por mensagens eletrônicas que roubam tempo e dinheiro dos usuários, de acordo com Maria Inês. (In:http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/07/31/materia.2008-07-31.2629454739/view, acesso em 31/08/08). 689 Justiça obriga Volkswagen a fazer recall do Fox - A Volkswagen anunciará um recall para os 477 mil carros da linha Fox vendidos no País, cumprindo determinação do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça. A convocação é para corrigir defeito no sistema de ampliação do porta-malas, que provocou mutilações em dedos de pelo menos oito consumidores. A empresa também negocia indenizações com essas vítimas e já fechou acordo com cinco delas, que receberão entre R$ 65 mil e R$ 90 mil. (In: http://ultimas-noticias.org/brasil/justica-obriga-volkswagen-a-fazer-recall-do-fox, ac.14/08/08).

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As atividades empresariais, pretendendo estar à frente de seu tempo,

minimamente devem respeito à dignidade humana e solidariedade, transparência.

Isso, por exemplo, é desestimular o consumismo desenfreado, incentivar o

consumidor à conduta ecologicamente correta, enfim a empresa precisa assumir ações

desejáveis no cumprimento dos múltiplos deveres com os consumidores.

Nem se diga que é seu dever observar o adimplemento das obrigações, isso é o

mínimo. É preciso cooperação, lealdade, ética e boa-fé, no cumprimento daquilo a que se

obrigou como empresa fornecedora.

Em pleno século XXI é impensável que empresas engendrem projetos

antiéticos, ou confortem-se na responsabilização dos consumidores pelos erros na

relação de consumo, v.g. endividamento690, poluição ambiental, ignorância quanto aos

riscos dos produtos ou serviços etc.691

Permitindo e gerenciando o cumprimento da função social da empresa, seus

controladores e administradores estarão cumprindo com seus deveres, não apenas com

a sociedade empresária, mas principalmente com a comunidade global.

A observância da função social da empresa não toca em liberdades ou

voluntarismo, seja do empresário ou da empresa, nem tampouco se tratam de faculdades

ou direitos, mas constituem deveres impostos pelo Código Civil, por outras leis

<<sociedades anônimas, incorporações, concorrência, abuso do poder econômico etc>>

e principalmente pelo próprio Código de Defesa dos Consumidores no seu constante

diálogo com outras fontes normativas.

690COSTA, Geraldo de F. Martins da. Superendividamento A Proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. São Paulo: RT, 2002. 691FRIEDMAN, Milton et all. Liberdade de escolher – o novo liberalismo econômico. Trad. Ruy Jungmannn. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 214.

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Nessa concretização da função social da empresa, o fornecedor volta-se ao

consumidor específico ou dirige-se às coletividades de consumidores (parágrafo único do

art. 2º), mas sempre estar atento ao cumprimento de seus deveres.

Deveres que assumem contornos de obrigações positivas ou negativas (dar ou

fazer), mas que também exigem ações dentro da eticidade e da lealdade, a empresa

deve evitar ao máximo efeito danoso a terceiros ou à própria lei.692

Isso decorre não somente da cláusula geral da boa-fé objetiva e de todos os

deveres anexos a essa, mas representa concretude desejável e indispensável do

princípio da função social da empresa.693

O dever inerente à função social da empresa ocorre antes ou

independentemente da própria formalização contratual, isto é, a prática empresarial

também deve estar funcionalizada.

Com efeito, se a empresa é atividade organizada, deve estar adequada aos

princípios, regentes dos institutos jurídicos de direito privado, no qual se inserem

empresa e negócios. Em outras palavras, também nas suas atividades de produção,

gestão, comercialização, divulgação as empresas devem seguir a linha da

funcionalização.

Os deveres de proteção, incluindo informação, segurança, lealdade, cooperação

e outros, não são favores aos consumidores, mas posições mínimas de respeito à

dignidade daqueles.

692NONAKA, Gilberto: A idéia da boa-fé objetiva é uma regra ética de conduta. Tem um caráter normativo e se relaciona com o dever de guardar fidelidade à palavra dada. É a boa-fé lealdade (Treu und Glauben). É a idéia de não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia (In: O exercício abusivo do dever no código de defesa do consumidor. Tese apresentada por ocasião do Congresso Estadual do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado em 2005. <www.mp.sp.gov.br>, acesso em 06.06.08). 693MARTINS COSTA, Judith. Comentários ao código civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. 5º, T. I, p. 38.

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Independentemente do contrato, o sistema jurídico não autoriza aos

fornecedores abuso nos poderes proprietários mantidos sobre os meios de produção de

bens e serviços, como, por exemplo, é seu dever genérico de proteção e segurança

contra todos os riscos e perigos de danos inerentes no mercado de consumo.694

Aliás, sociedade de consumo relaciona-se intimamente à sociedade de riscos,

cada vez mais presente na vida dos consumidores, cada dia mais expostos aos produtos

e ao desenvolvimento industrial.695

Reconhecem-se ganhos expressivos para a sociedade e para a humanidade

<<por exemplo, avanços nos meios de transporte, desenvolvimento da biotecnologia>>, e

o somente pelo bem estar causado aos homens o lucro e os ganhos empresarias

extraordinários já estariam absolvidos.

Entretanto, a contrapartida é exigível, isto é, a empresa deve cumprir fielmente o

seu dever de proteger a vida e a saúde dos consumidores, valores mais suscetíveis aos

riscos decorrentes da atividade empresarial.696

Abusos nesse terreno são intoleráveis, como por exemplo, abreviar o prazo de

validade de fármacos, para extrair mais vantagens econômicas com a obrigatória e

desnecessária renovação de compras e aquisições, ou dissimular a validade de produtos

perecíveis, por abuso e falta de capacidade em assumir os riscos do negócio.697

694A teoria do risco foi absorvida pelo novo Código Civil, em seu artigo 927, parágrafo único, cujos preceitos, em resumo, impõe obrigação de indenizar, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Assim, adota expressamente a teoria do risco, chamada de objetiva, no qual é totalmente irrelevante a presença de imprudência ou negligência. 695CASTRO, Fabiana M. M. G. de. Sociedade de risco e o futuro do consumidor. (In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, n° 44, out. a dez. de 2002, p. 123/124). 696 CDC, art. 6º, inc. I e art. 64. 697 Exemplos não faltam sobre as falhas com o dever de informação, mas curioso o mencionado por NONAKA, relativamente ao abusivo dever de informação envolvendo produção e comercialização de vários produtos, episódio conhecido como {maquiagem de produtos}. Confiram-se: “É o caso em que o fornecedor informa na embalagem, de forma singela, a quantidade, a metragem ou o peso dos produtos comercializados, mas sem esclarecer ao consumidor final redução proporcionada, que acarretou o aumento disfarçado do preço. In casu, o dever de informar foi exercido, mas de forma abusiva”. (NONAKA, Gilberto: op. cit.).

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Mais um exemplo de exercício efetivo da função social da empresa é o

compartilhamento de informações qualificadas, prestigiado a dignidade do consumidor e

sua liberdade de escolha efetiva e real.

Realizar com o fornecedor troca de riquezas é desejo dos consumidores e da

sociedade em geral. Entretanto, espera-se muita atenção aos consumidores, de modo

que realizem o mais amplo e efetivo direito de escolha, isto é, adquiram produto ou

serviço com a máxima e concreta consciência real e liberdade.

Com efeito, numa sociedade na qual as relações são virtuais e

despersonalizadas, realizadas em espaços geográficos indefinidos, a autonomia da

vontade se reduz a cada dia, por isso, a empresa deve ser virtuosa, valorizando

sobremodo o direito de informação do consumidor.698

Esse é o perfil da alteridade da relação de consumo, pois a capacidade de

escolha do consumidor e seu direito à informação, relacionam-se diretamente com o

dever do fornecedor em assumir essa prestação.699

698A evolução do direito contratual no mundo jurídico, verifica-se que o que determinou a prevalência da autonomia privada sobre a vontade estatal foi a necessidade de repúdio ao controle que o Estado exercia sobre as pessoas. Era o laissez-faire/laissez-passer. Em um primeiro momento, tudo era regulado pelo Governo, que retratava uma função paternalista sobre as pessoas. (...) Essa evolução, com reflexos em toda a política social teve que ser controlada em determinado momento para resguardar a liberdade das pessoas na busca de seus interesses. Nessa fase do liberalismo clássico, a autonomia privada era uma concessão. Quando da elaboração do Código Civil de 1916, a sociedade era mercantilista e a economia estável. Durante o período de vigência do Código Civil de 1916, o contrato passou por uma evolução bastante marcada pelas mudanças da sociedade. Em um primeiro momento, na fase em que reinavam os contratos clássicos, tal qual emergiram do direito francês, o individualismo pregava o respeito à palavra dada. Por volta do término da Primeira Guerra, a situação sócio-econômica na Europa impôs a necessidade de verificar a conveniência da mudança nas cláusulas do contrato em determinadas circunstâncias. Essa realidade teve reflexos no ordenamento jurídico pátrio e começaram a surgir doutrinas de revisão contratual. Aquilo que era imutável, dependendo do contexto social, poderia ser reavaliado. (ALMEIDA, Maria Glória V. B. Gavião de e PIERRI, Deborah. A defesa do consumidor e o superendividamento. Tese apresentada no XVI Congresso Nacional do Ministério Público. Belo Horizonte: MG, 6 a 9 de novembro de 2005). Sobre a autonomia da vontade confiram-se: “O princípio da autonomia da vontade significa que as pessoas podem dispor sobre os seus interesses, através de transações com as outras pessoas envolvidas. Estas transações, contudo, geram efeitos jurídicos vinculantes, se a ordem positiva assim o estabelecer. A autonomia da vontade é limitada pela lei”. (COELHO, Fábio U. Curso de direito comercial. op. cit., p. 11). 699LÔBO, Paulo L. Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. (In: Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, n° 37, jan. a mar. de 2001, p. 76).

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A Lei 8.078/90 contribuiu em muito na explicitação dos padrões, não somente

garantindo o direito básico à informação (CDC, art. 6º, III), qualificando-o quando exige

do empresariado informações adequadas e suficientes (CDC, art. 46).

Esse dever é tão forte, deve ser assumido mesmo que acarrete prejuízo

econômico ao fornecedor, ou mácula direta ou indireta sobre sua imagem, como ocorre

no conhecimento posterior de vícios do produto e do serviço à entrada no mercado de

consumo.

Nesse último caso a empresa somente terá cumprido sua função social com os

consumidores e com a sociedade se chamá-los e alertá-los ao <<recall>>.

Aliás, mesmo aquém do desejável, se comparado com o direito norte

americano, o artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor 700 combina o direito à

informação com a segurança dos produtos e serviços, reafirmando os direitos

700Dois importantes direitos básicos: <<direito à informação e direito à segurança>>. Cf: “Diferenças entre o recall no Brasil e nos EUA. Estruturas governamentais desiguais. No Brasil, após a aprovação do CDC, é o DPDC que registra, desde 2000, em nível nacional, recalls de automóveis, medicamentos, alimentos, brinquedos e produtos de informática, entre os principais produtos. Atualmente, nos Estados Unidos, ao menos sete agências respondem pelo recall da maioria dos produtos oferecidos ao consumidor. A Food and Drug Administration - FDA (Administração de Drogas e Alimentos) fiscaliza alimentos, medicamentos, cosméticos, dispositivos médicos, alimentos para animais, produtos veterinários, vacinas e produtos derivados de sangue e plasma; a National Highway Traffic Safety Administration - NHTSA (Administração Nacional de Segurança das Estradas, ligada ao Departamento de Transportes) fiscaliza veículos automotores e equipamentos de segurança relacionados, como pneus e cadeiras de segurança para crianças; a Environmental Protection Agency - EPA (Agência de Proteção Ambiental) regula pesticidas, fungicidas e monitora as emissões veiculares, podendo retirar do mercado equipamentos como catalisadores, por exemplo; o United States Department of Agriculture - USDA (Departamento de Agricultura) também controla alimentos, especialmente carnes, ovos, produtos avícolas e laticínios, frutas e vegetais frescos, congelados e enlatados; e a Consumer Product Safety Comission - CPSC (Comissão para Segurança de Produtos ao Consumidor), que fiscaliza mais de 15 mil tipos de produtos, como eletrodomésticos, roupas, eletroeletrônicos, móveis, utilidades domésticas, lâmpadas, brinquedos, produtos para crianças, artigos esportivos e de recreação e artigos de informática (computadores, componentes, acessórios, softwares etc.). No site oficial de recalls dos EUA (www.recalls.gov), há ainda a United States Coast Guard - USCG (Guarda Costeira, ligada ao Departamento de Segurança Interna), que fiscaliza embarcações e equipamentos de navegação. (...) Certamente a atuação do DPDC é mais difícil que a de seus equivalentes nos EUA, dada a escassez de recursos e a falta de prioridade de todos os governos na consolidação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). Embora o DPDC seja o organismo de coordenação da política do SNDC, o monitoramento de recalls é dividido entre vários órgãos, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Procons estaduais e municipais, e ministérios públicos estaduais e federal. Se isso torna o sistema capilar, pode contribuir também para o difícil acesso a informações e para a tomada de providências imediatas. Portanto, a diferença nas estruturas e nos orçamentos entre os sistemas de defesa do consumidor dos dois países pode não explicar tudo. O CDC (artigo 10) estabelece (...)Todavia, os recalls brasileiros não cumprem, na maior parte das vezes, o que ditam o CDC e a Portaria nº 789/01 do DPDC. Por aqui, fala-se em "retirada voluntária" ou "recolhimento espontâneo" dos produtos do mercado, e muitas vezes os consumidores tomam conhecimento dos problemas por meio da imprensa, que acaba funcionando como canal de divulgação”. (In: www.idec.org.br/rev_idec_texto_impressa.asp?pagina=2&ordem=2&id=708, acesso em 06.06.08).

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constitucionais de respeito à vida, segurança, dignidade e a importância da

funcionalização social da empresa para a experiência humana.

Outra expressão reveladora da funcionalização da empresa desponta nos

deveres de colaboração ou cooperação, extraídos dos princípios de socialidade e de

justiça social.

Harmonizar interesses é ordem estampada no CDC, art. 4º, inc. III, e para a

consecução desse fim, consumidores e fornecedores devem cooperar entre si.701

Pense-se, por exemplo, nos convites a fidelização de produtos e serviços, feitos

aos consumidores e o custo econômico disso para a empresa. Pense também no

compromisso da empresa em ser fiel no fornecimento de peças e componentes (CDC,

art. 32 e 39), lembrando-se que essa fidelidade é menos virtude e mais dever, pois não

está ao seu exclusivo arbítrio.

Atenta à sua função social, a empresa precisa manter-se fiel às expectativas

dos consumidores, pois parte delas fundadas nas estratégias de marketing empresarial.

Não deve quebrar a confiança de seus parceiros, desencadeando sérios riscos a

confiabilidade do consumidor não somente na empresa, mas no sistema como um

todo.702

Também no cumprimento efetivo da função social, a empresa deve manter-se

atenta aos deveres de lealdade e diligência, essencialmente ligados à cláusula geral da

boa-fé, reafirmando o mais primário dos direitos fundamentais que é o da dignidade da

pessoa humana.

701Exemplo disso está na Lei 9.791/99, que criou o dever para todas as concessionárias de serviços públicos estabelecerem ao consumidor e aos usuários data opcionais para o vencimento de seus débitos. 702 CDC, art. 32: “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”, ao passo que seu parágrafo único previu que “cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”. Essa disponibilização de peças deve ser feita de modo efetivo, o que era impensável, anos atrás, em que veículos importados não tinham peças para realização de assistência técnica.

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Com efeito, lealdade e diligência correspondem à premissa - nada pode ser feito

ou realizado pelo empresário se puder causar dano ao consumidor de modo direito ou

indireto.

Exige-se do fornecedor diligência ampliada, conduta compatível com as

finalidades do bem-comum, do bem estar e da justiça social, sem olvidar de seus

interesses econômicos, mantendo-se afastado do exclusivo patrimonialismo de

outrora.703

A socialidade, eticidade, boa-fé devem imbuir todas as atividades empresariais,

assegurando condições justas e razoáveis aos consumidores, de modo que a empresa

cumpra sua verdadeira função social no agir coletivo.

Empresas devem manter-se firmes na busca do melhor, mesclando eficiência

produtiva, mas sempre objetivando cumprir o <<ótimo de Pareto>>, isto é, o máximo ou o

ótimo de eficiência, mas sem implicar em danos, prejuízos ou diminuição do bem estar

de qualquer outro.704

A eficiência da empresa em aumentar sua lucratividade não pode corresponder

à minimização do bem estar de outros co-relacionados empresários, cidadãos e

principalmente dos consumidores, esses pela simples razão de que são mais vulneráveis

nas relações jurídicas.

Claro que outros aspectos justificariam esses cuidados, mas pense ainda no

aspecto econômico e logo se compreende que, de fato, consumidores quebrados

interessam menos aos empresários e à própria economia global.

703O princípio da boa-fé objetiva privilegia o respeito à lealdade, requerendo do empresário um padrão de conduta, que tenha como standard „o bom homem de negócios‟, que deve ter o cuidado próprio na condução de seus interesses (DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2008, 8º vol., p. 23). 704 No final do século XIX o economista italiano Vilfredo Pareto observou o surpreendente desequilíbrio entre causas e efeitos. A Lei de Pareto, como ficou conhecida, tornou-se universal ao destacar um pequeno número de eventos como responsável por uma porcentagem desproporcionalmente grande dos resultados. Sobre a Lei de Pareto confiram-se: SIMÃO Filho, Adalberto. A nova empresarialidade. Tese apresentada para a titulação em doutorado junto a PUC/SP, 2002, p.51.

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A empresa é fonte de riquezas e de desenvolvimento social das nações, por

isso toda atividade economicamente organizada, deve ser prestigiada, premissa seguida

exemplarmente pela nova lei de falências e recuperação de empresas, ao valorizar o

princípio da preservação da empresa e de sua função social.705

Isso renova o direito privado e condiz melhor com a igualdade e com a justiça

social almejadas.

Nem se argumente retorno ao passado, pois não há concessão de privilégios,

de fato, o que se ampara são os mais vulneráveis, fracos, enfim, desiguais, não por

generosidade, mas por deveres efetivos.

Enfim, sem receio de ferir a liberdade, indispensável no sistema capitalista, o

mercado tem sua função, conformando-se com todos os princípios da atividade de

produção de bens e serviços, mesmo que isso represente intervenção no domínio

econômico.706

(...) o mercado não é uma instituição espontânea , natural – não é um locus naturalis – mas uma instituição que nasce graças a determinadas reformas institucionais, operando com fundamento em normas jurídicas que o regulam, o limitam, o conformam; é um locus artificialis. O fato é que, a deixarmos a economia de mercado desenvolver-se de acordo com as suas próprias leis, ela criaria grandes e permanentes males.

Resistências ainda ocorrerão, pois a base da economia mundial é fincada em

premissas tradicionais de individualismo, de liberalismo e de resultados tangíveis, mas a

perda dessa noção multifacetada da função social da empresa trouxe perdas à sociedade

global, o que deve ser refletido e rapidamente corrigido.

705 Lei 11.101/2005, “art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a separação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e os estímulos à atividade econômica”. 706 IRTI, Natalino. L‟ordine giuridico del mercato. Roma: Laterza, 1998, p. 5.

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260

Vivenciar o princípio da função social, enquanto dever da empresa, é trazer

contribuição à experiência jurídica, estimulando formas mais solidárias e éticas na

produção, organização e proteção dos consumidores, renovando, enfim, a busca

incessante do Direito pelas trilhas da justiça social.

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261

CONCLUSÕES

A experiência jurídica é diversa como a história da humanidade, igualmente

diversos e heterogêneos são os sistemas jurídicos, que se modificaram sensivelmente.

Do fechado ao aberto séculos e séculos se passaram.

A velocidade das mudanças desde a Revolução Industrial demandou alteração

na técnica legislativa, resultando um sistema pronto a atualizar-se por meios de

princípios, conceitos indeterminados, cláusulas gerais, fatores culturais, costumes, dentre

outros.

Há quem sugira a descodificação como meio de atualização do direito, mas a

observância dos comandos constitucionais basta, pois unificam o sistema normativo, e

priorizam direitos e valores fundamentais da sociedade.

O melhor exemplo é a clássica propriedade, incluindo-se também a empresarial,

que se atualizou enormemente a partir do princípio da função social.

As funções sociais da propriedade e da empresa são vistas como cláusulas

gerais, embora alguns prefiram tomá-las como categoria de conceitos indeterminados

Os direitos fundamentais (defesa do consumidor, da propriedade, da dignidade)

se efetivam quando observadas as ordens constitucionais, principalmente traçadas pelos

princípios <<dever ser>> e menos pelas regras.

Isso é mais perceptível no exame da co-relação entre direito e economia,

mantidos de modo estreito no trato dos interesses privados, do interesse público e no

desenvolvimento das nações.

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262

Em período de crise, direito e economia se colocam lado a lado nos quadrantes

da ordem econômica e da ordem jurídico-constitucional, um meio de justificar o

intervencionismo estatal moderado.

A economia, boa parte em decorrência de seus processos lógicos e neutros,

cujo objetivo básico é administrar a finitude dos recursos, não tem gerado nível mínimo

de satisfação, ao invés tem causado certo desconforto no mercado e alto grau de

insatisfação social.

Indubitável que o direito tem papel importante, principalmente na regulação de

interesses privados, pois ora se condiciona, ora é condicionado por fatos econômicos,

mas sem espaço garantido para a liberdade irrestrita.

Alguns buscam explicações na análise econômica do direito (AED), cuja

proposta é não ao intervencionismo e sim à reforma das instituições legais e jurídicas,

tornando-as aptas ao crescimento econômico e progresso social.

As duas ciências devem manter-se em processo de inter-relacionamento,

abrindo espaço ao exercício concreto de valores como dignidade, solidarismo,

desenvolvimento social dos povos, dentre outros. Isso porque a ordem econômica de

qualquer nação importa aos consumidores, empresários e aos povos, o que é visível em

nossa Carta, qualificada como econômica, até mesmo pela abundância de preceitos com

essa natureza

A ordem constitucional harmoniza e unifica a ordem jurídica, bem por isso o

direito econômico vincula-se irremediavelmente à força normativa da Constituição. Esse

vínculo tornou-se mais necessário com a globalização, o que se refletiu na economia dos

povos, principalmente pela ampliação de negócios, no aprofundamento da exclusão

social da massa trabalhadora, lamentavelmente pouco qualificada com novas tecnologias

e com o conhecimento especializado.

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263

Tanto quanto a ordem jurídica, a econômica também vive à mercê das

mudanças sociais e políticas, pois do liberalismo burguês ao Estado social sempre houve

frustração com a distribuição igualitária de riquezas.

O Estado viu-se minguado em suas funções com a chegada do neoliberalismo o

que refletiu enormemente sobre a economia e sobre a atividade empresarial. No Brasil

isso operou de modo negativo, principalmente pela falta de cuidado com as questões

sociais.

No pós-positivismo, em decorrência dos desastres econômicos, houve retorno

sensível aos valores básicos da livre iniciativa e o seu pleno convívio com a intervenção

estatal moderada. O Estado assumiu importante papel na manutenção do equilíbrio,

reaproximando direito, economia e ética.

Os magistrados libertaram-se de velhas fórmulas abstratas e generalizantes, até

porque, todos os agentes (públicos e privados) devem respeito aos direitos fundamentais,

que em sua expressiva maioria (justiça social, dignidade da pessoa humana, defesa do

consumidor, meio ambiente e outros) revelam-se como princípios inafastáveis ou pilares

que sustentam a ordem jurídica.

Embora a ordem jurídico-econômica não se esgote no texto constitucional é a

linha constitucional que amarra todo o arcabouço jurídico-econômico, alinhavados pelos

princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social.

O bem comum servindo à pessoa humana <<centro de tudo>>, núcleo de toda

atividade, justifica a opção constitucional em conformar toda à ordem econômica,

particularizando a nova ordem mundial que concebe mercado e empresas com outras

peculiaridades.

O mercado altera-se ao sabor dos ventos e decisões políticas e menos pela lei

da oferta e procura. Já o controle da atividade empresarial é amplo, ex. audiências

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públicas, agências reguladoras, comissões de investigação, retirando do Estado o

controle centralizado.

Por sua vez, as empresas assumiram papel mais relevante nos traçados das

políticas sociais, revelando poder mais fortalecido, principalmente por deterem

informações qualificadas, um dos maiores e mais eficazes ativos empresariais.

Globalizaram-se as regras de mercado, desconstruiram o clássico conceito de

soberania e comprometimento patriótico; indicadores e padrões se internacionalizaram,

passaram a ser ditada não somente pelo Estado, mas também por foros e entidades

mundiais, v.g. OMC - Organização Mundial de Comércio ou procedimentos elaborados

pelo setor produtivo (v.g. ISO).

O intervencionismo moderado é necessário, pois altera comportamentos,

conforma o exercício da atividade econômica, reduz riscos para os indivíduos e para as

empresas.

A tônica é o balanceamento entre as normas de ordem privada e pública,

objetivando preservar o interesse público (livre mercado, interesses dos consumidores).

O regramento sobre as relações de consumo é exemplo desse intervencionismo

moderado, o que no Brasil é feito pelo Código de Defesa do Consumidor.

Esse regramento sobre as relações de consumo alterou o modo de produção, a

forma do relacionamento entre fornecedores e consumidores, o que, por conseqüência

modificou outros conceitos como concorrência, propriedade etc.

O consumidor deixou de ser simples destinatário da mercadoria ou do serviço.

Aliás, mesmo sujeitos, que em principio nada teriam de consumidor, foram equiparados

àqueles (CDC, art. 2º, 17 e 29), incluindo-se nesse rol todas as vítimas de acidentes de

consumo e também aos que se exponham às praticas comerciais.

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O recebimento direto da remuneração, dos produtos ou serviços colocados no

mercado de consumo, não é essencial na definição dos fornecedores para a definição

trazida no art. 3º do CDC, pois mesmo as estratégias de marketing acobertadas por

pseudo-gratuidade acabam, de fato, revertendo em proveito econômico para a empresa.

A proteção jurídica do consumidor, assim como a da propriedade, funciona ora

como princípio que conforma a ordem econômica, ora como direito fundamental.

Estimulam-se a busca pela qualidade de produção (produtos e serviços) e

também pela dignidade, igualdades e liberdades, marcas características do

constitucionalismo moderno.

Universalizam-se direitos e liberdades que já não são simples mecanismos de

defesa contra ações do Estado, mas meios de equilíbrio e otimização dos direitos

fundamentais.

Na verdade, a defesa do consumidor funciona como princípio de integração de

toda a ordem jurídica, em que bem convivem os direitos dos consumidores e as regras

sobre concorrência, a dignidade humana, justiça social e o desenvolvimento econômico.

De fato, o consumidor deve também se autoproteger e a experiência do povo

brasileiro nesta seara tem sido dinâmica e equilibrada, também o Estado tem sua

incumbência em proteger não somente o consumidor, mas o mercado em geral, sem

perder de vista que no centro de tudo estão os homens.

Harmonizar os interesses dos consumidores com os interesses individuais das

empresas é papel do Estado e da empresa.

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Exige-se maior consciência dos fornecedores, dado que mais negócios maiores

os riscos, impondo aos empresários a observância do agir leal, cooperativo, sem receio

de que isso paralise a eficiência de sua produção.

Não é sem tempo, empresário precisa refletir o significado da boa-fé objetiva e o

quanto isso se espalhou por todas as relações civis, exigindo-lhe essa conduta antes,

durante e posteriormente ao negócio contratado.

As riquezas, que não se resumem aos lucros contábeis, devem circular, não

somente no sopro do viés patrimonialista, mas pela realização de negócios baseados na

virtude de manterem-se atentos aos interesses dos mais vulneráveis, pilar e postulado do

direito do consumidor.

A doutrina e legislação de consumo não somente produziu modificação na

produção de serviços e bens, mas se espalhou por outras searas.

Um desses exemplos é o reflexo no sistema jurídico processual, nem tanto pelo

forte impacto causado pela aliança com a tutela de interesses difusos e coletivos, já

alinhavada pela Lei 7.347/85.

De fato, no Código de Defesa do Consumidor dois dispositivos especialmente

destacados no corpo do trabalho, principalmente pelo forte reflexo sobre as economias

da empresa.

Acompanhando o movimento pela efetividade da Justiça e pela funcionalização

dos institutos, marcante o trato dado pelo CDC à disciplina do ônus da prova e também à

tutela das obrigações de fazer e de não fazer, respectivamente previstos nos artigos 6,

VIII e 84, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

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A norma que disciplina o ônus da prova, sob o ponto de vista da facilitação de

acesso à justiça, vem carregada de técnica legislativa moderna e adequada, pois o

indeterminismo de seus conteúdos é extremamente vantajoso aos consumidores.

O artigo 6º, VIII do CDC representa típico conceito indeterminado, bastando ao

consumidor prova suficiente do fato e do nexo causal, o que é vantajoso na superação

das dificuldades inerentes a sofisticação dos processos de produção.

Entretanto, para o fornecedor pode implicar em custo elevado, de sorte que,

verossimilhança e hipossuficiência dos consumidores são elementares que precisam ser

consideradas pelo fornecedor.

Manter atitude profissional com os dados, informações e documentos são

providências que devem ser consideradas, pois embora custosas poderão ser menores

em algumas hipóteses nas quais o magistrado entenda recomendável a inversão do ônus

da prova.

Funcionalizar as economias da empresa, já que isso pode ampliar sobremodo a

oportunidade, enfim, as chances da empresa na defesa da verdade real sempre que

estiverem em litígio judicial com os consumidores.

Também funcionalizando as economias das empresas é necessário observar-se

o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, pois expressiva a ampliação dos

poderes dos magistrados, o que pode comprometer seriamente os ativos da empresa.

Aliás, mesmo os que não mantêm qualquer relação do consumo precisam estar

atento, pois também o Código de Processo Civil (art.461) estendeu essa principiologia a

toda obrigação de fazer e de não fazer.

Se antes do CDC as obrigações não cumpridas resultavam quase sempre em

perdas e danos, a chegada desse diploma deu sopro de eficiência a essa tutela,

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deixando excepcional a indenização, por exemplo, obrigações essencialmente

infungíveis.

Isso reforçou o poder decisório em forçar o cumprimento da obrigação, plus no

atendimento da efetividade do processo civil, o que é extremamente vantajoso ao

consumidor.

Entretanto, em certas hipóteses de inadimplemento, podem representar custos

elevadíssimos ao fornecedor inadimplente, demandando cuidados desdobrados em suas

opções, pois a atividade empresarial poderá ser inclusive proibida, se os mecanismos

substitutivos menos gravosos não forem capazes de impor à empresa o cumprimento de

seus deveres.

A funcionalização da empresa, assim com de qualquer instituto, representa algo

de extrema importância na ordem econômica e jurídica.

De verdade, a empresa também possui responsabilidades diversas. A social

compreendida como atividade, cujo objetivo é atender não somente aos anseios dos

acionistas <<shareholders>>, como também daqueles que com ela se relacionam

<<stakeholders>>.

Ética, solidariedade, cooperação, responsabilidade social, são insumos

indispensáveis aos empreendimentos e aos negócios empresariais.

De outro lado, a empresa, no desempenho de sua atividade, produz

desenvolvimento econômico e outras externalidades, algumas delas demandam

responsabilização, por exemplo, publicidade enganosa, ressarcimento de danos

decorrentes dos acidentes de consumo, poluição ambiental.

Responsável é o empresário que colabora com o bem comum, com a solução

dos problemas em sociedade, cumprindo os compromissos com a sociedade, o que não

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se resume no simples cumprimento da lei, mas reafirmam valores eleitos pela sociedade

como os mais elevados.

Essa atitude chamada de responsabilidade social, desde os anos 90, passou ser

importante indicador do mundo corporativo. O paradigma é o fazer de qualidade,

desenvolvendo-se dentro de uma pauta social mínima, v.g., respeito ao meio ambiente,

consumidores, a dignidade humana, valores culturais e outros.

Essa procura pela qualidade nem sempre é o resultado final obtido, o que impõe

responsabilização, principalmente quando essas externalidades reflitam de modo

inconveniente sobre os interesses e bens alheios,

Diferentemente da responsabilidade sócia que é opção empresarial, a civil pode

ser <<subjetiva e objetiva>>, bastando nessa última a comprovação do dano e sua

relação com a conduta de alguém, sem que se cogite de dolo ou culpa.

A responsabilidade objetiva é resultado inteligente aos dissabores e riscos

criados pela Revolução Industrial, propiciando soluções jurídicas mais ágeis em várias

circunstâncias, mas que reflete a opção por uma cláusula geral, cujas balizas de

aplicação são: desenvolvimento organizado e habitual da atividade mais o risco inerente

à atividade e não ao comportamento do agente.

Funcionalização das propriedade também deve ser considerada, pois a

propriedade, que no início dos tempos estava atrelada à religiosidade dos povos,

relativizou-se com o direito canônico.

Mais tarde, ante ao ícone da liberdade, origem dos princípios da livre

concorrência e da livre iniciativa, a propriedade passou a ser absoluta e concentrada.

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Essa concentração de riqueza passou a ser um dos objetivos básicos das

economias de livre mercado e vista como direito fundamental a propriedade representou

no início apenas um mecanismo de prevenção contra as arbitrariedades do Estado.

Entretanto funcionalizada a propriedade revela um meio de expansão da pessoa,

no sentido de meio de realização de suas próprias potencialidades.

Claro que a propriedade não implica necessariamente em apropriação de coisas

físicas (v.g. propriedade imaterial), mas como na Property (direito anglo-saxão), traduz-se

num conjunto de direitos reais, pessoais e intelectuais, ou forma universalizada de direito.

Isso é pertinente à propriedade empresarial, construída especialmente a partir

das primeiras corporações e organizações profissionais, nas quais a pessoa do

empresário ocupava o núcleo da concepção no direito medieval.

Posteriormente, a noção de empresa passou representar unidade de produção

de bens e serviços, mais tarde, a propriedade empresarial passou a ser vista como

fenômeno complexo: o empresário (pessoa natural ou jurídica); o estabelecimento

(conjunto patrimonial agrupado para a produção e circulação de bens e serviços); a

empresa propriamente dita (atividade unitária e economicamente organizada).

Sob o aspecto exclusivamente econômico, a empresa é organização técnico-

econômica: produz, combina capital e trabalho, objetiva a troca de riquezas e o lucro; sob

o aspecto jurídico há muitos significados: atividade desenvolvida, organização e

instituição.

No contributo de ASQUINI a empresa é estudada sob quatro perfis: subjetivo

(empresário); funcional (atividade voltada à produção); objetivo (patrimônio próprio);

corporativo (pluralidade de pessoas que se organizam para um fim).

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Porém, vista como fenômeno sócio-econômico é mecanismo de cumprimento da

ordem econômica constitucional, assumindo a empresa nesse particular sua verdadeira

função social.

Nesta perspectiva é imperativa a implementação da ética universal, com relações

comerciais de sucesso, aí a função social será compreendida como poder-dever exercido

com fim lucrativo, não somente no interesse de quem o exerce, mas igualmente na

realização de interesse extrapessoal, transindividual.707

Dever que impõe ao proprietário empresarial responsabilidades com a sociedade

em geral e de modo específico com o seu público consumidor.

A funcionalização da empresa, vista como princípio de conformação da

propriedade, se relaciona muito bem com os princípios <<eticidade e socialidade>>,

acompanhando assim o movimento global de funcionalização dos direitos privados.

A funcionalização não está relacionada ao utilitarismo, pois no Direito equivale a

realizar a justiça, os valores maximizados nos direitos fundamentais.

A funcionalização é um basta ao estruturalismo positivista, pelo menos desde

que o primado das ciências jurídicas passou ser a função ou a destinação de cada

instituto jurídico.

A função social na verdade não é simples sanção ao uso da propriedade,

desconforme com o bem estar social, mas tendência universal de que todos os bens,

incluindo os de produção e de consumo, são conformados por esse princípio dentre os

vários que otimizam o desenvolvimento social.

707 É legítima enquanto exercida no interesse na justiça social, mas ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário. Confiram-se os apontamentos de CARVALHOSA, Modesto.

Comentários..., op.cit., p. 53.

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A atividade empresarial amplifica essa tendência, já que o feixe de relações

ultrapassa a busca pelos resultados econômicos positivos, pois ações empresariais têm

grande repercussão sobre o comportamento de pessoas, instituições, grupos sociais.

Diferente da filantropia, que é simples opção ou generosidade, a função, de fato,

no aspecto empresarial, é algo que mantém os bens de produção incorporados à

exploração empresarial, orientando-os à realização dos interesses coletivos. (v. Lei

6.404/76 - arts. 116 e 154).

Na atividade empresarial leva-se em conta a dualidade de interesses <<internos

e externos>>, ou seja, os diretamente relacionados com o funcionamento da empresa

<<acionistas, capitalistas, trabalhadores, consumidores etc>> e os que se relacionam

indiretamente com a <<comunidade>>.

No plano teórico a função social da empresa é colocada sob três perspectivas:

relativa à condição humana dos empregados; a relativa aos concorrentes (práticas

eqüitativas no comércio); por fim, a terceira, relativa aos interesses dos consumidores,

sobre qualidade ou preços dos produtos e serviços prestados.

Relativamente aos consumidores a função social envolve compromissos com as

regras objetivas de melhoria nas relações com o mercado consumidor, também com as

normas éticas, que expressam a governança corporativa.

Empresas e consumidores têm interesses recíprocos e não coincidentes, o que

é útil ao mercado competitivo, leal e respeitoso aos direitos dos clientes, na verdade,

fundamental em tempos de consumo massificado.

A função social da empresa nas relações de consumo tanto representa direito

fundamental, no qual a proteção jurídica cria para todos os atores sociais e econômicos

obrigações constitucionais inconfundíveis, quanto, configura princípio conformador da

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ordem econômica, legitimando medidas necessárias <<intervenção e dirigismo nos

negócios privados>> que assegurem efetiva proteção dos mais vulneráveis.

Interpretação comprometida fortalece a posição de defesa do consumidor na

ordem constitucional, supera ou equilibra a inevitável posição de desigualdade havida na

relação com os fornecedores de bens e serviços.

Aliás, os contornos da função social da empresa nas relações de consumo

revelam-se mais claros nos contratos e nas práticas empresariais.

Nos primeiros, conformam o instituto aos ditames constitucionais, pois contratos

são ferramentas necessárias à realização de interesses por produtos e serviços de

qualidade.

Aliás, no que se refere ao aspecto negocial, exige-se da empresa atuação

refletida, negócios que se inspiram na cláusula geral de boa-fé objetiva, isto é, a empresa

precisa considerar o parceiro de negócios, o consumidor deve ser respeitado, a ele deve

ser oferecida contratação justa e equilibrada, de modo que o consumidor comprometa-se

com seus produtos e serviços naturalmente.

Vista pelo ângulo das práticas empresariais, a função social orienta todas as

estratégias de marketing, iniciativas em prol de resultados positivos e lucros

empresariais, sem sacrifício e desrespeito aos direitos do consumidor.

A função social da propriedade empresarial delineia o modo como a atividade

econômica deve desenvolver-se nas relações de consumo, o que exige de seus

controladores e administradores cumprimento de seus deveres o mercado de consumo.

Ética, lealdade e compromisso em não produzir, com sua atividade empresarial,

qualquer dano à terceiro ou à própria lei, põem os deveres do empresariado-fornecedor

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atrelados à cláusula geral da boa-fé e ao princípio da função social, potencializando

outros deveres tais como confiança, lealdade, cooperação, segurança.

Todos esses deveres convergem para a visão mais tradicional de que a

empresa deve sim zelar pelo seu nome, pela qualidade de seus produtos, serviços e

atendimento, dando ao consumidor condições adequadas de fazer melhores escolhas.

Na prática a função social da propriedade empresarial exige prestígio à

dignidade efetivando a liberdade de escolha dos consumidores, para que nada resulte

ainda que potencial e indiretamente danos aos interesses particulares e coletivos.

Busca-se o <<ótimo de Pareto>>, o ótimo de eficiência em prol de resultados,

mas distantes de quaisquer danos, prejuízos ou diminuição do bem estar de qualquer

outro.

A ética empresarial, também, é observada quando a empresa inclui na relação

custo x benefício, a dimensão do benefício social.

Por fim, mesmo representando intervenção no domínio econômico e restrições

na sua atividade empresarial, o dever ou a função social das empresas serve como

princípio conformador da atividade de produção de bens e serviços de consumo e não

apenas como garantia a eventual arbitrariedade estatal.

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