PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Reni Gomes da Silva Limites e possibilidades da inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio modalidade Educação de (Jovens e) Adultos: percepções de alunos e professores DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Reni Gomes da Silva

Limites e possibilidades da inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio modalidade Educação de (Jovens e) Adultos:

percepções de alunos e professores

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Reni Gomes da Silva

Limites e possibilidades da inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio modalidade Educação de (Jovens e) Adultos:

percepções de alunos e professores

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação: História, Política, Sociedade sob a orientação da Profa Dra. Alda Junqueira Marin.

SÃO PAULO 2013

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Profa Dra. Alda Junqueira Marin (Orientadora)

____________________________________________ Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno (PUC-SP)

____________________________________________ Prof. Dr. Carlos Antônio Giovanazzo Junior (PUC-SP)

____________________________________________ Profa Dra. Paula Perin Vicentini (USP)

____________________________________________________ Profa Dra. Maria Julia Canazza Dall'Acqua (UNESP/Araraquara)

____________________________________________________ Prof. Dr. Leôncio José Gomes Soares (UFMG) (Suplente)

_____________________________________________________ Profa Dra. Luciana Maria Giovanni (PUC-SP) (Suplente)

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DEDICATÓRIA

Meus ancestrais Maternos: Em pé: Tia Maria, Avô Geraldo, Avó Malvina; Sentados: Tio Samuel, Tia Rute, Tio José e um amigo da família

Este trabalho é um tributo aos meus

ancestrais:

bisavós que viveram as primeiras

gerações pós-abolição da escravidão,

avós que lutaram contra a pobreza

extrema e a exploração no campo

pais que fizeram muito mais do que

imaginam para que eu tivesse condições de

chegar até aqui.

Mas principalmente é uma homenagem

para Tia Rute, Tio José e Tio Samuel, pessoas

que trazem na pele marcas que são fontes de

diferentes preconceitos – negros, pobres, analfabetos, surdos, cegos e hoje

idosos.

Neste trabalho me encontrei e me descobri a continuação de vocês. As

exclusões que sofreram são maiores que as enfrentadas pelos alunos com os

quais convivi na EE Rute José Samuel e é nossa tarefa lutar para que nossos

descendentes, deficientes ou não, possam viver numa sociedade mais justa e

igualitária.

Avó Maria: única ancestral

Paterna retratada

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AGRADECIMENTOS

À CAPES, cujo financiamento possibilitou a realização dessa pesquisa.

À Professora Alda Junqueira Marin, que mais do que orientadora, foi

companheira presente e ativa, não apenas no plano intelectual, mas arregaçou as

mangas e “pôs a mão na massa” para possibilitar melhor resultado a este trabalho.

Aos professores José Geraldo Silveira Bueno e Leôncio José Gomes Soares,

que se dispuseram a ler meu incipiente texto de Qualificação e a passar uma tarde

discutindo comigo e com a Professora Alda. Ao (re)ler o trabalho encontrarão ideias

e frases inteiras ditas por vocês naquela tarde. Como foram ditas para mim tomei a

liberdade de incorporá-las ao trabalho.

À Elizabete Adania, nossa amada Betinha, secretária do nosso Programa,

sempre pronta a sanar nossas dúvidas, mediar relações e a nos estimular. Você é

também é fundamental para a realização de cada trabalho neste Programa.

Aos professores e funcionários que encontrei na minha caminhada

profissional. Àqueles que compartilharam seu tempo comigo na EE Rute José

Samuel, um agradecimento especial. Essa história é nossa!

Obrigada também aos novos companheiros da Diretoria de Ensino,

supervisores e diretores das escolas, que contribuíram de muitas maneiras para que

eu pudesse ter condições de me dedicar à escrita deste trabalho.

Aos alunos do Ensino Médio EJA da EE Rute José Samuel, jovens, homens e

mulheres, deficientes ou não, que escolheram a EJA como caminho para voltar à

vida escolar, propiciando a obtenção de um sonhado certificado e o sentimento de

pertencimento ao grupo de brasileiros que concluiu total ou parcialmente a educação

básica. Em especial para os alunos deficientes que, enfrentando mais dificuldades

que os demais para a conclusão dessa etapa de suas vidas, aceitaram participar

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dessa pesquisa, oferecendo reveladores, francos e comoventes depoimentos.

Pessoas às quais não está determinada a vida isolada na família ou num pequeno

núcleo social, como aconteceu com meus tios.

Aos amigos que apoiaram das mais diversas formas: seja dando apoio moral,

torcendo, discutindo, oferecendo contribuições de suas áreas específicas, obrigado.

Fatalmente vou esquecer alguém, mas preciso nomear alguns: Marcelo Luiz, Wilma

Castanho, Abrão Pereira, Sandra Jorge, Odair Rodrigues, Izabel Sandra, Gerson

Chagas, Gilberto Pereira, Érika Capella, Rute Reis, Alba Batista e Fátima Broslavski.

A minha família: meus pais, Israel e Elzi, meus irmãos Elaine, Clésio e Celso

e ao Bruno, nosso futuro lindo e amado! Obrigada por sempre incentivarem e

apoiarem meus estudos, mesmo que isto reduzisse os momentos de nossa

convivência.

À Nina, companheirinha fiel que permaneceu deitada ao meu lado nas longas

horas de escrita, muitas vezes aquecendo meus pés e quando achava que era hora

de brincar, por mais de uma vez pisou no teclado do computador ou saiu correndo

com meus livros ou canetas na boca.

Ao Maurício, companheiro firme, às vezes duramente objetivo, leitor atento e

questionador deste trabalho. Esteio que me segurou nos momentos em que minhas

(muitas) inconstâncias, desânimos, lágrimas e recuos frente às dificuldades

estiveram prestes a vencer. Amor com o qual a vida me presenteou, que me deixou,

e às vezes me fez, trabalhar. Mas também me deu boas razões para parar.

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A semente lançada no seio da terra parece perdida por longo tempo; porém nem a intempérie, nem o próprio inverno conseguem destruí-la; a seu tempo germina, cresce e produz frutos. Da mesma forma, a semente que plantam, muitas vezes com grande canseira, dorme no coração dos educandos, mas terminará por despontar e dar fruto a seu tempo; e serão suas palavras e seus exemplos que hão de estimular a germinação.

(Marcelino Champagnat)

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SILVA, R. G. 2013. Limites e possibilidades da inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio modalidade Educação de (Jovens e) Adultos: percepções de alunos e professores Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RESUMO

O objetivo desta tese é analisar os limites e possibilidades da inclusão escolar

de alunos deficientes no Ensino Médio nas modalidades EJA/Educação Especial.

Tomou-se como campo empírico uma escola na capital do estado de São Paulo,

reconhecida como inclusiva por atender um significativo número de alunos

deficientes. Utilizou-se como procedimentos de pesquisa: levantamento bibliográfico,

análise documental e questionários, respondidos por 12 (doze) alunos e 9 (nove)

professores. Os dados coletados foram analisados a partir das contribuições teóricas

de Pierre Bourdieu, Escolano e Viñao Frago, Antônio Nóvoa e Licínio C. Lima. A

tese defendida é a de que os entes governamentais, federal e estadual propõem

ações políticas que objetivam promover a inclusão escolar de alunos deficientes ou

não, por meio da EJA; e a inclusão escolar de alunos deficientes , por meio da

Educação Especial. No entanto, mantêm ou criam um conjunto de impedimentos de

ordem organizacional, política e burocrática, de tal monta que, ao invés de apoiar,

muitas vezes produzem obstáculos à sua efetivação. Ao final das análises,

confirmou-se a hipótese de que, para diminuir os limites e ampliar as possibilidades

de alcançar os objetivos propostos para a EJA, eliminando o caráter supletivo e de

aligeiramento que hoje caracteriza esta modalidade, além de tornar a inclusão

escolar dos alunos deficientes uma política educacional efetiva, por meio da

Educação Especial, o Estado precisaria investir mais do que dispõe ou está disposto

a investir na sua “mão esquerda”, através da organização administrativo-burocrática,

de recursos financeiros e do diálogo entre os formuladores, os executores e os

destinatários das ações.

Palavras-Chave: Ensino Médio. Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar.

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SILVA, R. G. 2013. Limits and possibilities of school inclusion of disabled in high school education (and Young) Adults: perceptions of students and teachers. Doctoral Thesis. Program of Postgraduate Studies in Education: History, Politics, Society. Pontifical Catholic University of São Paulo

ABSTRACT

The objective of this thesis is to analyze the limits and possibilities of school

inclusion for students with disabilities in high school modalities EJA/Special

Education. Taken as empirical field a school in the state capital of the state of São

Paulo, accredited as inclusive for catering to a significant number of disabled

students. As research procedures were used: bibliographic survey, documentary

analysis and questionnaires answered by twelve (12) students and nine (9) teachers.

The analysis of collected data was based on the theoretical contributions of Pierre

Bourdieu, Escolano e Viñao Frago, Antônio Nóvoa e Licínio C. Lima. The argument

is that the government agencies, federal and state policies aim to propose actions to

promote school inclusion of students with disabilities or not, by means of the EJA;

and school inclusion of students with disabilities, by means of the Special Education,

but maintain or create a set of impediments of organizational, political, bureaucratic,

such that they, rather than support, usually produce barriers to their accomplishment.

At the end of the analysis, it was confirmed the hypothesis that in order to decrease

the limits and extend the possibilities of achieving the proposed objectives for the

EJA, eliminating the supplementary nature and focus on streamlining which

nowadays characterizes this modality, besides making the inclusion of disabled

students an effective educational policy through Special Education, the state would

need to invest more than it has or is willing to in its "left hand" through the

administrative-bureaucratic organization, financial resources and dialogue among

formulators, executors and recipients of actions.

Keywords: High School. Young and Adults Education. Special Education. School Inclusion.

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LISTA DE SIGLAS

APEOESP: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

APAE: Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais

APM: Associação de Pais e Mestres

ATPC: Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo

AOE: Agentes de Organização Escolar

AEE: Atendimento Educacional Especializado

ASE: Agentes de Serviços Escolares

CAPE: Centro de Apoio Pedagógico Especializado, transformado em Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado

CAPES: Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

CAESP: Centro de Atendimento Especializado

CEE: Conselho Estadual de Educação

CEJA: Centro de Educação de Jovens e Adultos

CEEJA: Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos

CGEB: Coordenadoria De Gestão da Educação Básica

CEI: Coordenadoria de Ensino do Interior

CEREJA: Centro de Referência em Educação de Jovens e Adultos

COGESP: Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo

CORDE: Coordenadoria Nacional para a Pessoa Portadora de Deficiência

DA: Deficiente Auditivo

DER: Diretoria Regional de Ensino

DF: Deficiente físico

DI: Deficiente Intelectual

DV: Deficiente Visual

EDA: Educação de Adultos

EE: Educação Especial

EE: Escola Estadual

EF: Ensino Fundamental

EI: Educação Infantil

EJA: Educação de Jovens e Adultos

EMEJA: Ensino Médio na modalidade EJA

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EMEJA/EE: Ensino Médio nas modalidades Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial

ENCCEJA: Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos

ETECS: Escolas Técnicas Estaduais

ETI: Projeto Escola de Tempo Integral

EVESP: Escola Virtual de Programas Educacionais do Estado de São Paulo

FDE: Fundação para o Desenvolvimento da Educação

GDAE: Gestão Dinâmica de Administração Escolar

GOE: Gerente de Organização Escolar

HTPC: Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDESP: Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo

INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LIBRAS: Língua Brasileira de Sinais

MDF: Medium Density Fiberboard - Fibra de Média Densidade

MEC/SEESP: Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

NINC: Núcleo de Inclusão Educacional

NR: Não Respondeu

OFA: Ocupante de Função Atividade

PCNP: Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico

PDE-Escola: Plano de Desenvolvimento da Escola

PEPG:EHPS: Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade

PUC-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SARESP: Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

SAPEs: Serviços de Apoio Pedagógico Especializado

SciELO: Scientific Electronic Library

SDECT: Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia

SE: Secretaria de Educação (de São Paulo)

SEE: Secretaria de Estado da Educação

TILS: Tradutor e Intérprete da LIBRAS

UFRS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSCAR: Universidade Federal de São Carlos

UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Cadernos do Professor e do Aluno: Programa São Paulo Faz Escola..........................................................................................

57

Figura 2 - Divisão Geo-Administrativa das Diretorias Regionais de Ensino da rede estadual na cidade de São Paulo..................................

85

Figura 3 - Candidatos aguardando realização de processo seletivo........... 100

Figura 4 - EE Rute José Samuel: 1º Pavimento.......................................... 102

Figura 5 - Sala de Leitura da EE Rute José Samuel................................... 103

Figura 6 - Pátio e Refeitório da EE Rute José Samuel................................ 105

Figura 7 - EE Rute José Samuel: 2º Pavimento.......................................... 107

Figura 8 - Sala dos Professores da EE Rute José Samuel......................... 108

Figura 9 - Sala de Informática da EE Rute José Samuel............................ 110

Figura 10 - EE Rute José Samuel: 3º Pavimento.......................................... 112

Figura 11 - Laboratório de Ciências da EE Rute José Samuel..................... 112

Figura 12 - Salas de Aulas da EE Rute José Samuel................................... 113

Figura 13 - Matrículas dos alunos deficientes no Ensino Médio modalidade EJA da EE Rute José Samuel.....................................................

116

Figura 14 Herança bem sucedida 219

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Declaração de Salamanca: duas versões............................... 71

Quadro 2 - Características sociodemográficas dos Alunos...................... 125

Quadro 3 - Características sociodemográficas dos Professores.............. 126

Quadro 4 - Infância dos Alunos................................................................. 131

Quadro 5 - Infância dos Professores......................................................... 132

Quadro 6 - Estrutura familiar dos alunos................................................... 133

Quadro 7 - Estrutura familiar dos professores.......................................... 134

Quadro 8 - Concepções dos Professores sobre o Magistério................... 137

Quadro 9 - Hábitos Culturais dos Alunos no tempo livre.......................... 140

Quadro 10 - Hábitos Culturais dos Professores no tempo livre.................. 141

Quadro 11 - Hábitos Culturais dos Alunos: Frequência à Passeios/Eventos....................................................................

142

Quadro 12 - Hábitos Culturais dos Professores: Frequência à Passeios/Eventos....................................................................

143

Quadro 13 - Hábitos Culturais de Alunos: Frequência e tipos de Leituras....................................................................................

144

Quadro 14 - Hábitos Culturais de Professores: Frequência e tipos de Leituras....................................................................................

145

Quadro 15 - Trajetória acadêmica dos Professores.................................... 148

Quadro 16 - Trajetória acadêmica dos Alunos............................................ 148

Quadro 17 - Motivos dos Alunos escolherem a EE Rute José Samuel...... 153

Quadro 18 - Motivos da escolha e expectativas dos Professores quanto à EJA.......................................................................................

158

Quadro 19 - Motivos da escolha e expectativas dos Alunos quanto à EJA..........................................................................................

159

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Quadro 20 - Formação dos professores para atuar na EJA....................... 162

Quadro 21 - Avaliação dos Alunos sobre a estrutura e iniciativas pedagógicas da EE Rute José Samuel...................................

166

Quadro 22 - Avaliação dos Professores sobre a estrutura e iniciativas pedagógicas da EE Rute José Samuel...................................

167

Quadro 23 - Dificuldades e facilidades dos Professores na prática profissional na EJA.................................................................

169

Quadro 24 - Modos de trabalho dos professores em sala de aula na percepção dos Professores....................................................

170

Quadro 25 - Modos de trabalho dos professores em sala de aula na percepção dos Alunos.............................................................

171

Quadro 26a Concepções dos professores sobre Inclusão Escolar de deficientes................................................................................

178

Quadro 26b - Concepções dos professores sobre Inclusão Escolar de deficientes................................................................................

179

Quadro 27 - Concepções dos Alunos sobre a inclusão escolar de deficientes................................................................................

180

Quadro 28 - Concepções dos Professores sobre aprendizagem em turmas com alunos deficientes................................................

182

Quadro 29 - Frequência dos Alunos à Sala de Recursos........................... 184

Quadro 30 - Articulação dos Professores das classes regulares com as Professoras das Salas de Recursos.......................................

185

Quadro 31 - Percepções das Professoras das Salas de Recursos............. 185

Quadro 32- Dificuldades e alternativas encontradas pelos professores para a inclusão escolar de deficientes....................................

188

Quadro 33 - Nível de desafios das deficiências para inclusão escolar, segundo os professores..........................................................

189

Quadro 34 - Condições mais relevantes para a inclusão escolar de deficientes, segundo os professores.......................................

192

Quadro 35- Dificuldades e desafios encontrados pelos alunos.................. 199

Quadro 36 - Auto-avaliação dos Professores.............................................. 200

Quadro 37 - Avaliação dos Professores pelos alunos................................. 201

Quadro 38 - Contribuições do Ensino Médio nas modalidades EJA/Educação Especial..........................................................

203

Quadro 39 - Expectativas dos alunos quanto à continuidade dos estudos....................................................................................

204

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Teses e Dissertações Banco CAPES......................................... 25

Tabela 2 - Teses e Dissertações Banco CEREJA....................................... 25

Tabela 3 - Artigos Banco SciELO................................................................. 25

Tabela 4 - Matrículas na Rede Estadual de São Paulo: Dados do Censo Escolar.........................................................................................

74

Tabela 5 - Resultados do SARESP 2011 – Rede Estadual Paulista........... 95

Tabela 6 - Resultados do IDESP 2011 – Rede Estadual Paulista............... 95

Tabela 7 - Trajetórias dos alunos deficientes na EE Rute José Samuel.... 119

Tabela 8 - Posição dos Professores sobre a inclusão escolar de deficientes....................................................................................

176

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................... 16

1 CAPÍTULO I O CONTEXTO DA PESQUISA: O ENSINO MÉDIO..... 39

1.1 O Ensino Médio na modalidade EJA................................................. 40

1.2 A modalidade Educação Especial na Modalidade EJA..................... 62

1.3 É possível outro cenário para o Ensino Médio na modalidade EJA/Educação Especial?...................................................................

80

2 CAPÍTULO II O CENÁRIO DA PESQUISA: A ORGANIZAÇÃO DO

CAMPO EMPÍRICO......................................................................... 84

2.1 A busca do campo empírico.............................................................. 84

2.2 A perspectiva de órgãos intermediários: diálogo com Professoras Coordenadoras de Núcleo Pedagógico.............................................

86

2.3 EE Rute José Samuel: um breve histórico........................................ 92

2.3.1 A EE Rute José Samuel e as ações educacionais das últimas décadas.............................................................................................

96

2.4 EE Rute José Samuel: Estrutura física, administrativa e social........ 99

2.5 A inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio na modalidade EJA....................................................................................................

115

2.6 Características sociodemográficas dos sujeitos da pesquisa........... 122

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3 CAPÍTULO III PERCEPÇÕES DE ALUNOS E PROFESSORES

SOBRE O ENSINO MÉDIO NA MODALIDADE EJA......................... 151

3.1 EE Rute José Samuel: motivos da escolha....................................... 151

3.2 EJA: motivos da escolha e expectativas........................................... 157

3.3 Formação dos professores para atuar na EJA.................................. 161

3.4 Condições para o trabalho pedagógico............................................. 164

3.5 Modos de trabalho dos professores em sala de aula........................ 168

4 CAPÍTULO IV PERCEPÇÕES DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE O ENSINO

MÉDIO NAS MODALIDADES EJA/EDUCAÇÃO ESPECIAL............................ 175

4.1 Concepções de professores e alunos sobre a inclusão escolar de deficientes..........................................................................................

175

4.2 Concepções dos Professores sobre aprendizagem em turmas com alunos deficientes..............................................................................

181

4.3 A articulação entre os professores das Salas de Recursos e das classes regulares...............................................................................

181

4.4 Alunos e Professores: dificuldades, desafios e alternativas.............. 187

4.5 Contribuições do Ensino Médio nas modalidades EJA/Educação Especial.............................................................................................

202

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 209

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................. 220

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16

INTRODUÇÃO

Antes de mergulhar no universo da pesquisa permita-me apresentar

brevemente, ao leitor, o campo no qual me constitui como pessoa e,

consequentemente, como pesquisadora. Sou filha de pai que frequentou a escola

até a 4ª série do antigo primário – segundo ele incomparavelmente superior à

mesma série do EF (EF) de hoje – e de mãe analfabeta funcional. Para ambos,

pertencentes que eram a famílias camponesas, a realidade era tal como a descrição

feita por Pinto:

Criança pobre que não vai à escola porque sua capacidade de trabalho é prematuramente solicitada socialmente (tempo integral), desde que possui suficiente habilidade de coordenação motora para executar uma tarefa mecânica. E, se vai à escola, a abandona ao fim de um ou dois anos, porque a solicitação de trabalho que já pode oferecer aos 9 ou 10 anos é imperativa, pela razão de que o trabalho que o semianalfabeto vai executar vale mais, socialmente falando (para as condições miseráveis de vida de sua família, de sua comunidade) que o trabalho que poderia fazer (embora concretamente não tem condições de chegar jamais a fazer) se completasse sua educação na escola. (PINTO, 2003, p. 71) (itálico no original)

No caso da minha mãe, as dificuldades impostas pela pobreza se somaram

ao machismo que fez com que meus avós considerassem a escola desnecessária, e

até perigosa, para as mulheres. A relação deste casal com a leitura era necessária

para as tarefas cotidianas da vida e, no caso do meu pai para a leitura e estudo da

Bíblia que despertou nele a necessidade de novos conhecimentos.

Nascidos em Minas Gerais, quando crianças viveram a primeira migração

junto com suas famílias para estado do Espírito Santo em busca de trabalho como

agricultores. No final dos anos 1960, com pouco tempo de casados e apenas uma

Compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se

fez. (BOURDIEU, 2005, p. 40).

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mala como bagagem, novamente migraram, desta vez para São Paulo que, naquele

momento era vista por eles, e por muitos outros, como “terra das oportunidades”. As

oportunidades realmente existiram e dentro de alguns anos meu pai trabalhava

como metalúrgico de uma grande multinacional automotiva da capital paulista, o que

lhes dava condições de chegar num supermercado e fazer uma compra “de dois

carrinhos”, como ele gosta de lembrar. Para este casal ver os quatro filhos

estudando era um prazer que vinha acompanhado da exigência (principalmente

paterna) de que o nosso objetivo deveria ser alcançar sempre a nota máxima, não

nos satisfazermos com nada menos que isso, principalmente por sermos negros,

pessoas que têm a responsabilidade de ser duas vezes bom: bom porque todos

devem ser competentes no que fazem e, bons outra vez, para que as outras

pessoas percebam e reconheçam isso. Hoje reconheço nele, e em suas exigências

para nosso comportamento escolar, uma das interpretações feitas por Bourdieu dos

sujeitos que fazem uma espécie de

antecipação de um futuro que, na maioria das vezes, não poderá viver senão por procuração, por intermédio dos filhos, para os quais „transfere, como diz, suas ambições‟. Espécie de projeção imaginária de sua trajetória passada, o futuro „que sonha para o filho‟ e no qual se projeta desesperadamente devora o seu presente. Por estar condenado às estratégias de várias gerações, que se impõem toda vez que o prazo de acesso ao bem cobiçado excede os limites de uma vida humana, ele é o homem do prazer e do presente adiados que serão vividos mais tarde „quando houver tempo‟... (BOURDIEU, 2008, p. 102).

Creio que posso caracterizar-me como um caso de herança bem sucedida,

(BOURDIEU, 2008, p. 232) daqueles nos quais se vislumbra uma superação (da

trajetória) dos pais com a conservação do projeto que não pôde ser concretizado por

eles: a ambição de uma escolarização completa, de uma profissão definida e

socialmente respeitada (com todas as contradições e tabus do magistério), a

conquista de um cargo público, enfim: a “ascensão que leva o filho a superá-lo é, de

certa forma, seu próprio acabamento, a plena realização de um „projeto‟ rompido que

ele pode, assim, completar por procuração” (BOURDIEU, 2008, p. 232).

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O projeto de ascensão na vida de meu pai rompeu-se quando a crise

econômica dos anos 1980 – a década perdida1 – atingiu a multinacional na qual

trabalhava e ele foi demitido, não conseguindo posteriormente nenhum novo

emprego com a mesma longevidade e vantagens financeiras e funcionais. A

precariedade das novas possibilidades de emprego e mudanças de ordem pessoal

fez com que ele e minha mãe decidissem deixar a capital e adquirir/construir seu

primeiro imóvel próprio na cidade de Sumaré/SP, para onde nos mudamos quando

eu tinha 12 anos. Foi como moradora de Sumaré, e depois da vizinha Hortolândia,

que realizei minha formação escolar primária, o Curso de Magistério, a Graduação

em História e a Pós-Graduação em Sindicalismo e Economia do Trabalho na

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Com pouco capital financeiro, a herança que herdei dos meus pais foi “certo

capital cultural e certo ethos (sistema de valores implícitos e profundamente

interiorizados)” (BOURDIEU, 2008, p. 41) que contribuíram para meu desempenho e

sucesso ao longo de minha escolarização básica e na graduação. A dedicação fez-

me a primeira professora em várias gerações da família, assim como o exercício da

profissão me pôs em contato com a militância política sindical e partidária e diante

de novas perguntas e necessidades. Uma destas necessidades foi o ingresso na

pós-graduação, onde se tornou dificílimo manter a competência exigida por meu pai.

A maior dificuldade foi a necessidade de conciliar trabalho acadêmico com longas

jornadas de trabalho primeiramente como professora da disciplina de História,

depois como Professora Coordenadora Pedagógica e atualmente como supervisora

de ensino da rede estadual de São Paulo.

No final de 2005, ao iniciar o mestrado no Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação: História, Política, Sociedade (PEPG: EHPS) da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), solicitei a remoção do meu cargo

1 Economicamente a década de 1980 caracteriza-se como uma das piores do Brasil, com inflação de

10 a 12% ao mês, aumentos mensais das tarifas públicas e reajustes salariais abaixo da inflação. No período imediatamente anterior (anos 1960 – 1970 quando meus pais chegaram à São Paulo) assistiu-se o surgimento de uma nova classe média urbana formada, sobretudo por funcionários públicos qualificados, técnicos com salários médios, ou seja, não mais uma classe média proprietária, mas uma classe média assalariada. Nasce também uma nova classe média operária, formada por brasileiros mais miscigenados, que vem do campo em busca de melhores condições de vida, com uma cultura de trabalho duro, submissa, sem formação política, com pouca escolaridade. Os cargos de gerência, chefia e gestão foram apropriados pela nova classe média assalariada, à nova classe operária coube os serviços da fábrica. Para ambos os grupos havia a sensação de mobilidade ascendente, mesmo que esta fosse desigual uma vez que os de cima crescem proporcionalmente mais que os de baixo. Só tive ciência que fizemos parte desse processo anos mais tarde, ao estudar economia do trabalho. Diversos estudos discutem esse período, entre eles Baltar (1996).

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para a capital paulista. Fiquei feliz quando descobri que havia sido removida para

minha primeira opção: uma escola localizada perto de uma estação de metrô. Além

da localização, a colocação dessa escola como minha primeira opção para a

remoção atendia a outro critério pragmático: o fato da escola estar dentro da

jurisdição de uma Subsede do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do

Estado de São Paulo (APEOESP) onde o grupo político no qual eu militava julgava

importante ter alguém. Portanto eu estava mudando para São Paulo para fazer o

Mestrado, para militar e teria que trabalhar para sustentar-me.

Se o leitor conhece o funcionamento da rede de ensino estadual em São

Paulo sabe que, pelas resoluções da Secretaria de Educação (SE), compete ao

Diretor de Escola a atribuição de classes e aulas aos docentes da unidade escolar,

seguindo a ordem de classificação por tempo de serviço. Na maioria das escolas os

diretores, ao invés de atribuir as aulas, permitem que os professores as escolham,

conversando entre si e decidindo quem fica com quais aulas. Devido às

movimentações dos colegas, que podem sair ou chegar à escola, os professores só

têm certeza de seus lugares na ordem de classificação poucos dias antes da

atribuição/escolha, e só sabe para quais turmas irá lecionar no momento da

atribuição/escolha, já que depende da decisão do diretor e, ou, das decisões

pessoais e negociações com os colegas melhor classificados. Portanto, ao chegar à

escola no início de 2006 fiquei feliz ao saber que sobraram para mim as turmas de

Educação de Jovens e Adultos (EJA) no período noturno (sobraram porque eu era a

última na classificação e as colegas de disciplina não queriam o noturno). Minha

expectativa passou a ser a de que seria muito bom dar aulas para pessoas como

meu pai (egresso da EJA na qual concluiu o EF): alunos de Ensino Médio mais

velhos, interessados, sem indisciplina.

No meu primeiro dia de trabalho, a ansiedade natural da mudança do interior

para a capital, da estreia em uma nova escola, era maior porque seria a primeira vez

que atuaria com aqueles alunos. Mas este, e vários outros dias que se seguiram,

foram assustadores. Pela primeira vez em quase oito anos de magistério, ao entrar

na sala da primeira turma deparei-me com a presença de dois alunos surdos; na

segunda sala mais surdos e na terceira turma, além de alunos surdos, havia também

um aluno com baixa visão. Como naquele ano não havia acontecido planejamento

antes do início das aulas, só tivemos tempo para receber algumas informações no

intervalo desse primeiro dia. Além de mim outros professores estavam com a mesma

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inquietação, e a coordenadora, após pedir desculpas pela falta de tempo, informou-

nos que estávamos numa escola inclusiva e que, por isso, na maioria das salas

encontraríamos alunos Deficientes Auditivos (DAs) e, em algumas, além destes,

encontraríamos também alunos Deficientes Visuais (DVs).

Os próximos dias e as próximas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo

(HTPCs), chamadas, a partir da Resolução SE no 08/2012 (SÃO PAULO, 2012), de

Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), foram dedicadas à discussão e

compreensão dessa situação. Soubemos que, além dos alunos DAs e DVs, a escola

recebia também, tanto nos anos finais do EF quanto no Ensino Médio, alunos com

Paralisia Cerebral (PC), Deficientes Físicos (DFs) e Deficientes Intelectuais (DIs). O

argumento era que a inclusão escolar desses alunos já se dava há algum tempo

naquela escola porque estes se sentiam acolhidos e aceitos, tanto pelos colegas

quanto pelos professores que já estavam na casa e, ainda, pela existência das Salas

de Recursos2 buscavam garantir condições mínimas de diálogo entre alunos e

professores.

A presença desses alunos deficientes e minha dificuldade de lidar com eles,

criando formas alternativas de comunicação tais como bilhetes, gestos, mímicas,

remeteram-me a outra situação de minha história familiar: tenho tios-avós maternos

surdos e com problemas visuais que evoluíram para a cegueira. Os limitados capital

econômico e cultural fez com que esse processo não fosse investigado e

acompanhado de maneira adequada, mas simplesmente atribuído ao fato de meus

bisavós serem primos. Durante minha infância via a tia Rute e os tios José (falecido)

e Samuel, anualmente, quando, nas férias, íamos Betim, município da região

metropolitana de Belo Horizonte na casa da minha avó. Cotidianamente, meus avós,

tias e até alguns vizinhos próximos auxiliavam como intérpretes3 nos diálogos com

2 De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica as Salas de

Recursos são ambientes de natureza pedagógica, orientado por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais especiais, em horário diferente daquele em que frequentam a classe comum. (BRASIL, 2001, p. 50) 3 É importante conceituar a diferença entre interlocutor e intérprete. De acordo com o Dicionário Aurélio, “Interlocutor é Do lat. Interlocutus, Pat. Pass. de interloqui, “interromper”, „intervir num debate‟. 1. Aquele que fala com outro; colocutor. 2. Aquele que fala em nome de outro.” (FERREIRA, 1999, p.1125). “Intérprete 1. Pessoa que interpreta; 2. Pessoa que serve de tradutor ou de intermediário para fazer compreender indivíduos que falam idiomas diferentes; 3. Comentarista (...) e

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os “de fora”. Achava muito interessante meus pais saberem aquela língua e, ao

mesmo tempo, considerava estranho e engraçado aquelas três pessoas surdas e

cegas “conversarem” horas entre si e com quem soubesse conversar com eles,

contarem histórias, rirem, trabalharem (a tia Rute até hoje, com quase setenta anos,

tem uma rotina de trabalho que a faz lavar roupas à mão todas as quartas-feiras e

arear todas as panelas da casa na sexta-feira, mesmo que elas quase não sejam

utilizadas, uma vez que minha avó não permite mais que ela cozinhe, o que ela fazia

até recentemente). Também faz parte da rotina de vida deles frequentar

semanalmente a Igreja Cristã Evangélica – Casa de Oração, desde a infância,

mesmo que não ouçam as mensagens ou que não possam cantar. Exigem ser

informados das coisas que acontecem na família, querem atenção e esperam

presentes das visitas, lembram-se de acontecimentos distantes. Enfim, não têm

nenhum problema cognitivo, apenas não ouvem e, nos últimos anos não enxergam

como nós.

Durante minha juventude entendi que ali se desenvolvia uma forma de

comunicação construída e dominada por aquele grupo social que nunca frequentou

uma escola, não conhecem LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) mas criaram um

idioma próprio para a comunicação com as pessoas com as quais convivem.

Recentemente, conversando com minha avó, perguntei sobre a infância deles, e ela

a palavra interpretar tem, entre outros, os seguintes significados: Ajuizar a intenção, o sentido de; Explicar, explanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei, etc); Representar (no caso do cinema, do teatro, televisão, etc); Julgar, considerar, reputar (Interpretou o seu silêncio como assentimento).” (FERREIRA, 1999, p.1125). As diferentes conceituações que o conceito de Intérprete encerra, torna-o mais abrangente que o conceito de interlocutor. Poderíamos afirmar, livremente que o interlocutor transmite a uma pessoa o que foi dito por outra, em outra língua, de forma literal. Já ao intérprete é permitido também aclarar o sentido, fazer adaptações ao conteúdo da fala proferida para que esta se torne melhor compreendida por aquele que recebe. Sua possibilidade de intervenção é maior. A profissão do Tradutor e Intérprete da LIBRAS (TILS) é regulamentada pela Lei nº 12.319/2010 (BRASIL, 2010). No caso do estado de São Paulo, a contratação de interlocutores, e não de intérpretes, baseia-se em duas questões: 1) do ponto de vista burocrático-financeiro seriam necessárias alterações legais para que este pudesse ser inserido na carreira do magistério mais caro, além disso, desse profissional exige-se proficiência e formação específica, o que o torna caro. A solução encontrada pela Secretaria de Educação foi optar pelo professor interlocutor, docentes (já fazem parte da carreira do magistério) que apresentem diploma ou certificado de curso de graduação ou de pós-graduação em Letras – Libras; ou certificado de proficiência em Libras, expedido pelo MEC; ou curso de Libras de, no mínimo, 120 (cento e vinte) horas ou, ainda, habilitação/especialização em Deficiência Auditiva/Audiocomunicação com carga horária de LIBRAS. 2) Do ponto de vista pedagógico, os professores são resistentes à presença que um profissional que, ao interpretar, possa interferir nas suas aulas, preferindo alguém que se restrinja a repetir para o aluno o que ele, professor, disse. Os alunos, por sua vez, preferem alguém que interprete, que faça as adaptações que possibilitem melhor aprendizado aprender. Por isso, os conceitos serão utilizados de acordo com o seu significado conceitual. Quando o instrumento de pesquisa foi elaborado essa discussão não estava definida, mas a apresentação dos resultados da pesquisa já seguem a conceituação.

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me disse que eles sempre “foram normais apesar de não falarem nem enxergarem

direito, só eram ruins para capinar feijão porque estragavam muito”. Desta fala

entendo que eles estavam incluídos naquele grupo social que tinha como objetivo

trabalhar no campo, para aquele grupo social a escola não era acessível para

deficientes e nem para não deficientes. A inclusão escolar de todos que tentamos

atender hoje, e que vislumbramos como um dos caminhos para a inclusão social dos

deficientes, é necessidade das sociedades escolarizadas, letradas e urbanizadas.

Por serem pessoas que trazem na pele características físicas e sociais que são

fontes de diferentes preconceitos – negros, pobres, analfabetos, surdos, cegos e

hoje idosos – eles são os homenageados principais deste trabalho. O nome da

escola pesquisada foi substituído pelos nomes desses 3 (três) tios, por isso será a

Escola Estadual (EE) Rute José Samuel.

Voltando à escola; meses depois do início das aulas, a coordenadora decidiu

voltar para a sala de aula e fui escolhida pelo Conselho da Escola4 para ocupar esse

posto. Dois motivos foram preponderantes para isso: o fato de ter atuado como

coordenadora no município de Hortolândia/SP e também por estar cursando o

mestrado – no qual pesquisei os temas educacionais discutidos nos Congressos da

APEOESP entre os anos de 1997 e 2006, fato que, na visão dos colegas, me

conferia condições de compreender e discutir alguns dos determinantes sociais e

políticos que colocam professores e alunos na realidade na qual vivem. Algumas

dessas disciplinas não tinham relação direta com a dissertação que estava sendo

elaborada, mas foram eleitas por mim para serem cursadas exatamente para minha

formação em face da realidade com a qual me defrontava na escola todas as noites.

Do lugar de professora coordenadora e com os debates que fazíamos entre

professores responsáveis pelas turmas e as professoras especialistas responsáveis

pelas Salas de Recursos, nos questionávamos se a EJA contribui de fato para a

inclusão dos alunos deficientes, ou se estamos praticando o que Ferraro conceitua

4 Naquele período era o Conselho de Escola que elegia o Professor Coordenador Pedagógico de

cada escola. A partir da Resolução SE 88/2007 a nomenclatura da função foi modificada para Professor Coordenador e este passou a ser selecionado pelo Diretor e pelo Supervisor de Ensino da escola após passar por aprovação em processo de credenciamento organizado pelas DRE e apresentação de projeto de trabalho. Recentemente nova modificação introduzida pela Resolução SE 42/2012 na legislação aboliu o processo de credenciamento, tornando possível aos professores titulares de cargo e temporários admitidos nos termos da Lei 500/74 que estavam com vínculo ativo no dia 02/06/2007, (chamados categoria F de acordo com a Lei Complementar 1.010/2007) assumirem a Coordenação apenas com a declaração de interesse e apresentação de projeto de trabalho.

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como “exclusão na escola” (FERRARO, 1999, p. 24) ou, para sermos mais

específicos, excluindo dentro da modalidade da Educação Básica que tem como

princípio reparar as carências educacionais e oferecer condições equitativas de

acesso a patamares de conhecimento que possibilitem maior igualdade na

sociedade. Findo o mestrado, e continuando na atuação como professora

coordenadora na mesma escola, passei a pensar com mais carinho na possibilidade

de um trabalho de doutoramento que estudasse os processos e práticas

pedagógicas de inclusão escolar no Ensino Médio modalidade EJA.

A produção na área

Ao longo do curso, na obtenção dos créditos, do levantamento bibliográfico,

da consulta documental, da coleta de dados e da realização do Exame de

Qualificação o projeto inicial foi sendo remodelado até consolidar-se. Um passo

fundamental foi a localização da produção de autores e análises que pudessem

servir como referência para as diferentes temáticas presentes no então projeto:

inclusão escolar de deficientes/ EJA/ Ensino Médio/ Educação Especial (EE),

verificando o que já foi estudado e qual a contribuição que meu trabalho poderia

trazer para o estudo da educação.

Por uma questão metodológica, e para não tornar a introdução exaustiva vou

ater-me, aqui, a citar os autores e deixarei a discussão sobre seus achados e

análises para os capítulos nos quais os focos se apresentarem. Talvez seja de

conhecimento do leitor a amplitude de debates, conceitos e tensões quando

tratamos de escolarização e deficiência tanto para a definição da política (é

educação inclusiva ou inclusão escolar?) quanto à forma de tratamento do seu

público (é portador de necessidades especiais, de necessidades educacionais

especiais ou deficiente?). Neste debate a decisão foi a de apoiar-me nas

contribuições de Durkheim (2007), Canguilhem (apud COELHO e MONTEIRO,

2010) e Bueno (2008), que foram essenciais para as respostas às perguntas acima.

Na temática da EJA são múltiplos os olhares, as produções e autorias; dentre as que

contribuíram para a elaboração deste trabalho as principais foram: Libâneo (2007),

Pinto (2003), Romão e Gadotti (2007); Gadotti e Romão (2011); Haddad (2007);

Soares (2011). Como era de se esperar, e é salutar, nas duas temáticas

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observamos divergências quanto a conceitos fundantes de cada tema – inclusão ou

integração de alunos e formas de efetivação da inclusão escolar, diversidade,

educação inclusiva – em comum entre os diferentes autores o fato de, mesmo

implicitamente, os estudos voltarem-se à Educação Infantil (EI) e ao EF.

O passo seguinte foi o levantamento bibliográfico. Começando pelo Banco de

Teses da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

(CAPES), que sabidamente concentra a maior parte da produção acadêmica do

Brasil, no Banco de Teses do Centro de Referência em Educação de Jovens e

Adultos (CEREJA) fui, também ao Scientific Electronic Library (SciELO). Tendo certo

que as discussões sobre inclusão escolar de deficientes e sobre a EJA não são

recentes, adotei como recorte inicial o ano de 2000 quando, respectivamente, foram

publicados o Parecer 11/2000 que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000) e a Resolução SE no 95/2000

(SÃO PAULO, 2000) que dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades

educacionais especiais nas escolas da rede estadual de ensino de São Paulo.

Foram utilizados diferentes descritores: EJA, EJA Ensino Médio,

necessidades educacionais especiais, educação inclusiva, educação e exclusão,

educação e diversidade e EJA, educação especial e diversidade, tomando contato

com vasta bibliografia. Também foram analisados descritores como inclusão escolar,

inclusão no Ensino Médio, práticas inclusivas, EJA_EM. Os trabalhos levantados

com esses descritores mostraram-se repetitivos ou distantes das discussões

pensadas e, apesar da grande quantidade numérica, as abordagens adotadas não

ampliavam as discussões apresentadas nos descritores eleitos por mim como

prioritários. Quando o cotejamento começou a evidenciar a repetição dos trabalhos

em diferentes descritores julguei conveniente interromper o levantamento e centrar-

me na análise do material encontrado.

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Tabela 1: Teses e Dissertações Banco CAPES

DESCRITORES ENCONTRADAS SELECIONADAS

EJA 63 16

Necessidades Educacionais Especiais 58 05

Educação Exclusão 175 07

Educação Inclusiva 148 09

Educação Diversidade 355* 04

EJA Diversidade 03 01**

EJA Ensino Médio 14** 02

*Muitos destes não afetos necessariamente ao debate educacional. ** Trabalhos já selecionado e contabilizado no descritor EJA

Fonte: Banco de Teses CAPES. Organização da autora

Tabela 2: Teses e Dissertações Banco CEREJA

DESCRITORES ENCONTRADAS SELECIONADAS

EJA 16 02

Necessidades Educacionais Especiais

Estes descritores não foram levantados neste Banco porque ele se organiza

em função do descritor EJA.

Educação Exclusão

Educação Inclusiva

Educação Diversidade

EJA Diversidade

Fonte: Banco de Teses CEREJA. Organização da autora

Tabela 3: Artigos Banco SciELO

DESCRITOR ENCONTRADOS SELECIONADOS

EJA5 29 10

Necessidades Educacionais Especiais 130 15

Educação Exclusão6 25 04

Educação Inclusiva 23 05

Educação Diversidade7 ------ ------

EJA Diversidade ------ ------

Fonte: Banco de Artigos SciELO. Organização da autora

A análise dos trabalhos das 3 (três) tabelas evidenciou grande diversidade de

enfoques que vão desde a questão das diretrizes governamentais e análise de

5 Variações de forma do mesmo descritor: EJA, Educação de Jovens e Adultos, Educação de

Pessoas Jovens e Adultas, Educação de Pessoas Adultas. 6 Parte dos artigos vinculados a este descritor repete-se em Educação Inclusiva e só foi possível

chegar a eles utilizando-se “Educação e Redução da Pobreza e Educação e Desigualdades Sociais”. 7 Com estes descritores não foi possível a localização de artigos neste Banco de Dados.

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políticas locais, passando por questões de gênero, papel e formação do professor,

currículos, práticas. As leituras dos resumos dos trabalhos selecionados, e depois

dos trabalhos completos com maior proximidade temática e teórica, permitiram-me

concluir que, tanto os estudos voltados para a EJA quanto aqueles que tratam da a

inclusão escolar de alunos deficientes nessa modalidade de ensino são produzidas

principalmente por mestrandos e dedicam-se ao estudo dos processos de inclusão

escolar na EI e no EF, sendo o Ensino Médio tratado tangencialmente quando

pensado dentro da educação básica. No nível de doutorado foi possível identificar os

seguintes trabalhos que tinham relação com o objeto desta tese (naquele momento

ainda em construção): as abordagens de Rial (2007); Silva (2005); Silva (2007);

Silva (2010); Costa (2008) e Andrade (2004) e quanto à inclusão de deficientes

nesta modalidade foram encontradas duas teses com maior aproximação temática:

Tinós (2010) e Andrade (2008).

Bases teóricas para o estudo

Uma constatação importante do levantamento bibliográfico é que nem todos

os pesquisadores tomam o cuidado de enunciar qual (ais) autores oferecem suporte

teórico para seus trabalhos. Aqueles que o fizeram elegeram teóricos que vão do

clássico Sócrates aos contemporâneos Zabala e Perrenoud. Nota-se também

pesquisadores de temas educacionais que buscam seus referenciais em outras

áreas do conhecimento como Análise de Discurso, Estudos de Gênero e Culturais,

Foucault, Michel Pêcheux, Bakhtin, teórico da Linguística. No campo das Ciências

Sociais, as escolhas recaem sobre teóricos que se inscrevem tanto na chamada

Teoria Crítica como Marx, Henri Lefebvre, Habermas, quanto nos autores rotulados

como crítico-reprodutivistas como Pierre Bourdieu, Basil Bernstein e Norbert Elias.

Também são citados Paulo Freire, Vygotsky, Gimeno Sacristán, Perrenoud, Zabala e

Nóvoa.

No percurso de definição do objeto e do objetivo do estudo, as discussões de

aulas e as leituras realizadas caminharam no sentido de estabelecer Pierre Bourdieu

como referencial teórico privilegiado. Tido por muitos como inscrito na vertente

sociológica reprodutivista, um crítico desmobilizador, limitado à constatação da

escola como reprodutora da sociedade, conforme Catani, Catani e Pereira (2001, pp.

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63-85) essa ideia decorre das dicotomias presentes na sociedade brasileira à época

das primeiras leituras de A Reprodução nos anos 1980, interpretação que aprisionou

as teorias do autor na dicotomia “reprodução x transformação” e em seguida

“reprodução x resistência” em que se deu pouca atenção ao arcabouço conceitual

desenvolvido pelo autor até a época, sem levar em consideração o fundamento da

existência das mediações e das autonomias relativas, essencial nas análises do

autor e também porque se esperavam “propostas pedagógicas na obra do autor: na

ausência de um discurso doutrinal sobre a educação, ela foi interpretada como

“„teoria da educação‟ sem propostas” (CATANI, CATANI e PEREIRA, 2001, p. 69).

Aos que partilham esse ponto de vista lembramos que, ao realizar seus

estudos sociológicos sobre diferentes campos da vida social como a arte, o esporte,

a televisão, a alta cultura, a política e a educação, o objetivo do autor era mostrar

como se dá a adesão dóxica dos agentes sociais à ordem estabelecida. Se doxa,

em grego, significa opinião, adesão dóxica poderia ser livremente interpretada como

adesão ou convicções pessoais, individuais e subjetivas que podemos ter sobre as

coisas e os fatos, como consequência de opiniões, experiências ou, como diriam os

aristotélicos, conhecimentos baseados no senso comum, e não no conhecimento

epistemológico. Portanto, ao analisar cada um daqueles campos, Bourdieu não se

pretendia elaborar propostas para eles e sim discutir e expor o quanto estamos

implicados nesta adesão, caracterizada pelo autor como impensada, pré-reflexiva,

incorporada como uma segunda natureza. Cabe ao sociólogo envolvido na análise

de cada campo específico, utilizar seus conhecimentos e contribuições para

“desnaturalizar e desfatalizar” o mundo social que envolve as pessoas, por meio da

descoberta das causas objetivas e das razões subjetivas que fazem as pessoas

fazerem o que fazem, serem o que são e sentirem da maneira como sentem. E dar-

lhes, instrumentos para comandarem o inconsciente social que governa seus

pensamentos e limita suas ações, conforme Wacquant (2002, p. 100).

Não precisamos passar muito tempo numa escola para confirmarmos o

quanto esta formulação é real, o quanto temos pouco espaço para ações refletidas,

calcadas na epistemologia. Na maioria das vezes os agentes escolares “apagam

incêndios”, dão respostas imediatas e imediatistas, agem reativamente, quase nunca

planejadamente. Isso vale para o bem e para o mal: no caso da escola objeto desta

análise (e da maioria das escolas) poucas vezes refletimos sobre a existência das

mediações e das autonomias relativas que nos levam a fazer menos do que

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queremos e devemos, e muitas vezes nem percebemos que fazemos muito mais do

que poderíamos dadas as condições existentes. Como profissional da rede estadual

de ensino de São Paulo. devo admitir que também sou levada a agir reativamente

na maior parte do tempo, “às cegas”, como nos alerta Nóvoa ao reproduzir Antoine

Prost:

A primeira característica chocante no funcionamento actual das escolas é seu caráter cego. As outras instituições interrogam-se periodicamente sobre elas próprias, reflectindo colectivamente em instâncias qualificadas sobre o seu funcionamento. Esta prática é desconhecida nos estabelecimentos de ensino. E estamos de tal modo habituados a este funcionamento às cegas, que já nem nos damos por ele! (NÓVOA, 1995, p. 36).

Enxergar essas situações e atitudes e ter um pé dentro da academia à época

da gestação da ideia desta tese me fez (e faz) acreditar que a análise das questões

suscitadas por neste trabalho possam caracterizar-se como “conhecimento engajado

(...) uma política de intervenção no mundo político que obedeça, na medida do

possível, às regras em vigor no campo científico” (BOURDIEU, 2001, p. 43).

Outros conceitos de Bourdieu estão presentes nesta tese e são discutidos

oportunamente, como habitus, capital cultural, social e econômico, estratégia, illusio

e também uma contribuição do autor em uma discussão menos conhecida na qual

ele apresenta “as contradições entre a mão direita e a mão esquerda do Estado”.

(BOURDIEU, 2001, p. 10). De acordo com o autor, a educação é um dos

constituintes da mão esquerda, formada pelo conjunto dos “ministérios gastadores” e

que se opõem ao Estado da mão direita, composto pelos burocratas dos ministérios

das finanças, dos bancos públicos ou privados e dos gabinetes ministeriais. Se

pensarmos o campo educacional como um dos componentes da mão esquerda, qual

seria o lugar da EJA e da EE para o Estado brasileiro?

Além de Bourdieu, estudos de Escolano e Viñao Frago, Antônio Nóvoa e

Licínio C. Lima e darão suas contribuições teóricas a este trabalho principalmente na

discussão sobre necessidade da mesoabordagem da escola e de sua cultura

organizacional, de forma integrada/articulada de objetos macroestruturais, como o

Estado, e a macro-organização do sistema escolar e de objetos de estudo de tipo

microestrutural como a sala de aula, os grupos/subgrupos de formação, os atores e

suas práticas em contextos específicos de ação, sem nunca perder de vista a

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complexidade, a heterogeneidade e a diversidade que marcam profundamente essa

instituição.

Conforme Lima (2008, p. 8) “a escola poderá ser estudada não apenas como

uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas também como uma

instância auto-organizada para a produção de regras e a tomada de decisões.” A

leitura dessa afirmação remeteu-me imediatamente às práticas que ocorrem na EE

Rute José Samuel que, no trato diário de sua realidade, muitas vezes readequa as

orientações recebidas verticalmente, cria soluções internas para questões que são

próprias, mas pertinentes a qualquer outra escola da rede com as mesmas

condições e realidades semelhantes. Isso não significa analisar a escola

isoladamente, mas estabelecer relações entre aquele micro universo e os níveis

macro e meso sociais a partir da visão segundo a qual:

As escolas constituem uma territorialidade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos actores educativos internos e externos; por isso, a sua análise só tem um verdadeiro sentido se conseguir mobilizar todas as dimensões pessoais, simbólicas e políticas da vida escolar, não reduzindo o pensamento e a acção educativa a perspectivas técnicas, de gestão ou de eficácia stricto sensu. (NÓVOA, 1995, p. 16)

As contribuições de Escolano e Viñao Frago foram importantes para

pensarmos as subjetividades dos espaços escolares e sobre o papel educativo que

a arquitetura escolar desempenha. Baseados nos conceitos de espaço, lugar e

território, que serão apresentados oportunamente, os autores afirmam que, “todos

aspectos, desde a estrutura arquitetônica do prédio ao mínimo detalhe decorativo,

devem ser considerados como também fazendo parte do currículo escolar, uma vez

que correspondem a „padrões culturais e pedagógicos‟” (ESCOLANO; VIÑAO

FRAGO, 2001, p. 45).

Problema, justificativa, tese e objetivo

As perguntas suscitadas no trabalho na escola e na convivência cotidiana

com os alunos, a realização dos debates e leituras nas disciplinas cursadas, a

realização do levantamento bibliográfico, o contato com os autores de referência das

áreas permitiram-me a conclusão que EJA e deficiência são temáticas com

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considerável mapeamento acadêmico, mas com importantes lacunas quanto a dois

temas pouco explorados: o EMEJA e os processos de inclusão escolar dentro deste

nível e modalidade de ensino. A ideia inicial do estudo mostrou-se consolidada

quando foi possível responder a cinco perguntas: 1) Qual o problema a ser

estudado? 2) Por que este tema, qual sua relevância? 3) Quais os objetivos

pretendidos? 4) Onde, qual o campo de investigação? 5) Como, quais os

procedimentos e instrumentos? Vamos às respostas.

Para a primeira pergunta a resposta é: o problema a ser estudado são os

limites e possibilidades do processo de inclusão escolar de alunos deficientes no

EMEJA/EE. Por que esse tema e qual a sua relevância é a segunda pergunta. Visto

que o objetivo legalmente estabelecido é o de que “na modalidade de EJA [e na

educação profissional], as ações da EE [devem] possibilitar a ampliação de

oportunidades de escolarização, formação para ingresso no mundo do trabalho e

efetiva participação social” (BRASIL, 2007, p. 10) é relevante discutir em que medida

esse objetivo pode ser alcançado, quais as políticas nesse sentido, quais as ações

dos diferentes agentes na implementação dessa política educacional. Por isso, essa

tese defende que o Estado brasileiro – por meio dos entes federais e estaduais –

propõem ações políticas que objetivam promover a inclusão escolar de alunos

portadores de necessidades educacionais especiais – deficientes ou não, por meio

da EJA e da EE, conforme a Declaração de Educação para Todos de Jomtien8 e a

Declaração de Salamanca – mas mantêm ou criam um conjunto de impedimentos de

ordem organizacional, político, burocrático de tal monta que, ao invés de apoiar,

prejudicam, muitas vezes, produzem barreiras para que as escolas alcancem o

objetivo estabelecido para elas.

Para a terceira pergunta (qual objetivo pretendido?): Para analisar as práticas

pedagógicas que se desenvolvem numa escola que oferece o EMEJA que a torna

reconhecida como apta a atender um significativo número de alunos deficientes que

8A Declaração Mundial sobre Educação para Todos de Jomtien, inspiradora do arcabouço legislativo

sobre educação inclusiva no Brasil, em seu Artigo 3º define como universalizar o acesso à educação e promover a equidade: Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser assumido. Os grupos excluídos - os pobres: os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e linguísticas: os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regime de ocupação - não devem sofrer qualquer tipo de discriminação no acesso às oportunidades educacionais. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo.

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a ela acorrem, verificando a complexidade das relações que se dão na sua cultura

organizacional, as peculiaridades, formas de funcionamento e implementação do

trabalho pedagógico no dia-a-dia da atuação dos agentes, para compreender e

identificar o que dá a esta escola feições próprias e o reconhecimento público de

escola inclusiva, identificando linguagens escolares próprias, rituais, estilos culturais

que são explicativos:

e meios fundamentais pelos quais as escolas criam padrões mentais, como formas de perceber e comportar-se perante a realidade, ao mesmo tempo em que já atuam como fatores de seleção inicial, favorecendo crianças que têm maior proximidade com tais códigos e discriminando as que não vivem tais condições. (MARIN, 2006, p. 8).

E porque estudar o Ensino Médio na modalidade EJA? A escolha do Ensino

Médio ocorreu por identificação pessoal. Gosto dos paradoxismos de identidade e

de público deste nível de ensino. A indefinição identitária: é preparatório para o

vestibular ou para o mundo do trabalho? é responsabilidade de qual ente federativo?

é parte da educação básica mas não é de oferta obrigatória pelo Estado? é comum,

integrado ou concomitante com o ensino técnico? Vejo como espaço de construção

e de exercício da nossa autonomia relativa. No que diz respeito ao público, os

paradoxos também se apresentam: normalmente são jovens com identidade

também em construção, muitos são indisciplinados, mas majoritariamente felizes,

curiosos, esperando ser convencidos de que vale a pena desligar a música

barulhenta para ouvir um professor. Gente às vezes já desiludida ou pessimista

diante das perspectivas que vislumbra para a própria vida, convivendo com outras

que têm planos ambiciosos para o próprio futuro, ambos carentes de orientações,

dicas, abertos às sugestões, mas prontos para criticar também, apontar problemas,

cobrar soluções. Gosto do EF, mas creio que no Ensino Médio as emoções e

possibilidades de diálogo são maiores. Ainda mais quando tratamos do Ensino

Médio, na modalidade Educação de (Jovens e) Adultos com alunos da modalidade

Educação Especial.

Essas são algumas das discussões presentes no primeiro capítulo desta tese,

intitulado “O contexto da Pesquisa: O Ensino Médio”. Ele foi orientado no sentido de

discutir esse nível de ensino, relacionando-o às duas modalidades que se imbricam

na EE Rute José Samuel. Foram analisadas prescrições legais para esse nível e

para cada modalidade de ensino, seus objetivos, a forma de oferta na rede estadual

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paulista. As perguntas que deram origem a este capítulo eram: quais são, mesmo,

os objetivos do Ensino Médio? Como conceituar a modalidade na qual atuava: trata-

se de curso supletivo ou de educação de jovens e adultos? Os alunos, sujeitos da

modalidade EE, devem ser conceituados como portadores de necessidades

especiais ou deficientes? O capítulo encerra-se com uma discussão sobre as

possibilidades da inclusão de deficientes neste nível e modalidade de ensino. Como

fruto dessas análises o título deste trabalho consolidou-se, ficando definido como

“Limites e possibilidades da inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio

modalidade Educação de (Jovens e) Adultos: percepções de alunos e professores”.

A palavra ”Jovens” segue entre parênteses porque uma das conclusões às quais

cheguei com as análises é que é um equívoco que esta modalidade tenha sido

denominada Educação de Jovens e Adultos, porque, na prática, os alunos que se

encontram nessa numa faixa etária, seja por suas experiências de vida, seja pelas

responsabilidades que assumem, seja, ainda, pela necessidade de situarem-se no

mundo do trabalho são, forçosamente, adultos. Daí, em minha opinião, tratar-se da

Educação de Adultos. O processo de elaboração das pesquisas e a redação desse

primeiro capítulo foram importantes para lapidar a hipótese de que, para cumprir os

objetivos da Educação de Jovens e Adultos e da EE, o Estado precisaria investir

muito mais na organização administrativo-burocrática e recursos financeiros e do

que dispõe ou está disposto a investir na sua “mão esquerda”.

Campo empírico e procedimentos de pesquisa

No segundo capítulo desta tese, apresento ao leitor como, após tentativas,

frustradas, de diálogo com os órgãos centrais e intermediários da SE e diante das

peculiaridades foi possível elaborar “O cenário da pesquisa: o campo empírico e sua

organização.”

Em que pese minha atuação como professora coordenadora na EE Rute José

Samuel (e até por isso mesmo), inicialmente o campo empírico seria outro: a ideia

era verificar a mesma realidade em diferentes escolas da rede estadual na cidade de

São Paulo e cotejá-las; para isso seria necessário um mapeamento dessas escolas,

o que foi buscado junto ao Centro de Apoio Pedagógico Especializado (CAPE) que,

de acordo com sua página na internet:

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Atua no gerenciamento, acompanhamento, e suporte às ações regionais de educação especial, nos processos de formação continuada, na provisão de recursos e na articulação das escolas com a comunidade, procedendo a orientações e encaminhamentos. (SÃO PAULO, 2012)

A expectativa era a de que o CAPE, por ser responsável pelo “gerenciamento,

acompanhamento e suporte às ações regionais” dispusesse de dados sobre o

atendimento dos alunos deficientes matriculados em EJA no Estado de São Paulo.

Como as solicitações feitas pelos canais indicados pela instituição (emails e

telefonemas) não foram respondidos a esta pesquisadora; as mesmas solicitações

foram protocoladas nas 13 (treze) Diretorias Regionais de Ensino (DRE) da capital.

Esse processo está descrito e discutido no segundo capítulo mas, sinteticamente,

posso afirmar que após um longo caminhar ele mostrou-se contraproducente. O

desinteresse, as recusas e mesmo a falta de informações organizadas foram

entendidas por mim como denotativas da falta de um trabalho sistemático nesse

sentido, uma vez que no caso da existência de informações haveria interesse na

sua divulgação. Diante desse cenário consolidou-se a escolha da EE Rute José

Samuel como campo empírico privilegiado.

Trata-se de uma escola em que, entre os anos de 2002 a 2011, foi possível

identificar as matrículas de 193 (cento e noventa e três) DAs, 29 (vinte e nove) DVs

e 3 (três) DFs, totalizando 225 (duzentos e vinte e cinco) alunos com alguma

deficiência matriculados nessa escola ao longo da última década. Só para se ter

uma ideia da peculiaridade desta escola, de acordo com os Resultados Finais do

Censo Escolar (BRASIL, 2011), nos últimos cinco anos, a cada ano, esta escola

sozinha atendeu em média 6,6% (seis vírgula seis por cento) dos alunos deficientes

matriculados no EMEJA na capital paulista, alunos que escolheram a EJA como

forma de conclusão de sua escolarização básica e como lócus de sua formação. E

como é essa escola? Essa resposta é dada ao leitor através da apresentação da

escola, em sua estrutura física e administrativa, juntamente com aspectos da sua

estrutura social, tentando expor quantos elementos foram possíveis das inter-

relações que se dão naquele espaço social. No processo de construção do texto o

leitor será convidado a conhecer a escola como se acompanhasse um aluno

caminhando por ela pela primeira vez.

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Por fim, a quinta pergunta: como o trabalho será realizado? Com quais

procedimentos e instrumentos? O primeiro passo de um trabalho acadêmico é quase

sempre a busca de embasamento teórico.No caso desta tese esse processo não foi

diferente, ele aconteceu por meio das leituras já anteriormente citadas, da análise

das prescrições legais relativas à EJA e à EE, buscando identificar as orientações e

condições oficialmente oferecidas pelos entes governamentais, federal e no estado

de São Paulo para a implementação dessas duas modalidades de ensino dentro do

Ensino Médio.

A partir desse passo inicial, a continuidade da resposta ao como analisar as

práticas pedagógicas que fazem com que esta escola seja socialmente reconhecida

como escola inclusiva seria: colocando em cena, dando “voz aos sujeitos aos quais

se destinam o fazer pedagógico da Educação de Jovens e Adultos” (SOARES, 2011,

p. 62) e também àqueles que desempenham o fazer pedagógico, ou seja, os alunos

e professores.

O instrumento escolhido para a coleta de dados foi o questionário. A opção

pelo uso de questionários como instrumento de pesquisa deveu-se às vantagens

deste apontadas por Selltiz et al (1965, p. 279-280) dentre elas a possibilidade de

ser administrado simultaneamente a um maior número de indivíduos, a

impessoalidade do questionário na avaliação posterior dos dados, a confiança, por

parte dos respondentes quanto a uma maior garantia do seu anonimato e também a

diminuição do risco de se exercer algum tipo de pressão, por parte do pesquisador,

sobre seus respondentes. Também foi atendida a recomendação do autor quanto à

necessidade de realização de um teste do instrumento, o que foi feito. No caso dos

alunos o questionário foi respondido por uma aluna DV e, o questionário destinado

aos professores, foi testado por um professor da escola. Ambos apresentaram

críticas, sugestões, necessidade de readequações que foram incorporadas e deram

forma aos questionários efetivamente utilizados.

Os questionários, que traziam questões semelhantes para professores e

alunos, foram divididos em 3 (três) agrupamentos, de forma que pudessem

“explicitar os propósitos da pesquisa e, ao mesmo tempo, ser internamente

homogêneos, externamente heterogêneos, coerentes e plausíveis.” (LÜDKE e

ANDRÉ, 1986, p. 43): O primeiro agrupamento, igual para alunos e professores,

busca identificar o perfil dos sujeitos tendo por base características

sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, pertencimento racial, filiação religiosa,

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local de nascimento e moradia atual) estrutura familiar (grau de escolaridade e

profissão dos pais e avós, renda familiar, filhos, questões sobre a infância) e hábitos

culturais. O objetivo foi compreender os processos de formação de algumas

disposições do “habitus, disposições adquiridas pela experiência, logo, variáveis

segundo o lugar e o tempo” (BOURDIEU, 2004a, p. 21) desses agentes sociais.

Conhecer a trajetória de vida, constituição dos gostos, experiências individuais e

coletivas pelas quais o sujeito da pesquisa tenha passado é fundamental uma vez

que o habitus é fruto da construção histórica que se dá num “processo de

interiorização, que implica tanto um período de ensinamento quanto de

aprendizagem, custa tempo.” (BOURDIEU, 2000, p. 139).

Nas questões voltadas aos alunos busquei dialogar sobre aspectos da

“‟escolarização‟ pelo viés da chegada à sala de aula, do desejo de estudar, dos

significados, dos sentidos e dos impactos do processo de ensino-aprendizagem”

(SOARES, 2011, p. 41) no qual os alunos colocaram-se quanto às expectativas em

relação à EJA, contribuições desta e perspectivas de futuro, dificuldades, práticas

pedagógicas que vivenciaram, condições, gestão da escola e das políticas voltadas

para eles, suas concepções sobre inclusão, sobre a formação recebida e valores

(respeito às diferenças, preconceitos) e sobre os professores. Nas questões

voltadas aos professores, a linha que pautou a elaboração das questões foi a das

“‟Práticas pedagógicas‟ tendo como referência o fazer cotidiano em sala de aula, o

que se passa na ação pedagógica com os sujeitos” (SOARES, 2011, p. 41) em que

os professores posicionaram-se sobre a EJA – como/porque atuam nessa

modalidade, quais as práticas pedagógicas em sala de aula, qual a visão sobre as

expectativas dos alunos quanto à EJA, quais as dificuldades encontradas no

trabalho cotidiano – e sobre a EE em EJA – formação, jornada de trabalho,

dificuldades e desafios, alternativas de trabalho encontradas, concepções de

aprendizagem e de inclusão, expectativas, condições de trabalho, sobre gestão da

escola, valores (respeito às diferenças, preconceitos) e o modo como auto avaliam o

trabalho pedagógico realizado em conjunto com seus colegas professores.

Na elaboração do questionário o conceito bourdieusiano de habitus, foi basilar

para explicar como se formam as percepções dos alunos e professores sobre a

estrutura escolar na qual se encontram, tendo em mente que cada um deles traz um

conjunto de disposições diferenciadas que produzirá graus variados de sucesso,

entendido aqui como o reconhecimento, por parte dos destinatários do EMEJA, de

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que as ações da EE possibilitaram a ampliação de oportunidades de escolarização

abrindo ou ampliando possibilidades de ingresso no Ensino Superior ou a

continuidade de estudos em outros níveis, formação para ingresso no mundo do

trabalho e efetiva participação social, conforme previsto na Política Nacional de

Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007, p. 10).

Para possibilitar uma organização didática, no terceiro capítulo analisamos as

“Percepções de Alunos e Professores sobre o Ensino Médio nas modalidades EJA”,

divididas em 5 (cinco) eixos nos quais foram discutidos: 1. Motivos da escolha da EE

Rute José Samuel; 2. Motivos da escolha e expectativas quanto à EJA; 3. Formação

dos Professores para atuar na EJA 4. Condições para o trabalho pedagógico e 5.

Modos de trabalho dos professores em sala de aula. No quarto capítulo são

apresentadas as “Percepções de Alunos e Professores sobre o Ensino Médio nas

modalidades EJA/EE”, capítulo também organizado em 5 (cinco) eixos: 1.

Concepções dos professores sobre aprendizagem dos alunos deficientes; 2.

Concepções de professores e alunos sobre a inclusão escolar de deficientes; 3. A

articulação entre os professores das Salas de Recursos e das classes regulares; 4.

Alunos e Professores: dificuldades, desafios e alternativas e 5. Contribuições do

EMEJA/EE.

No texto, o leitor identificará alguns depoimentos de funcionários da parte

administrativa da escola. Estes não foram colhidos de forma sistematizada. Fizeram

parte de diferentes momentos de conversa sobre a história da instituição, seja

propositalmente provocadas por mim ou surgidas em momentos de organizações de

documentos, de espaços e lugares pedagógicos, em festas para as quais

funcionários aposentados erm convidados e comentavam mudanças que percebiam.

Por um desses caminhos estranhos que a vida toma, bem na fase de

elaboração do texto de qualificação e de finalização da coleta de dados fui

convocada para assumir o cargo de supervisora de ensino da rede estadual sendo,

portanto, necessário deixar a escola. O que no princípio pareceu-me um complicador

terminou por se mostrar o distanciamento necessário para que a análise pudesse

ser menos passional e mais isenta, se é que isso é possível, já que as motivações

para este projeto nasceram baseadas em relações afetivas: na EE Rute José

Samuel vivi quase seis anos de muito mais realizações do que de sacrifícios: lá

aprendi o quanto os alunos têm a ensinar para os professores, senti que quando me

ausentava isso era percebido com preocupação e interesse honesto, não como

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motivo de alegria por ir embora mais cedo, vi alunos lutarem contra grandes

dificuldades financeiras, familiares e emocionais para chegarem à formatura e

comemorar com lágrimas nos olhos a emoção de um sonhado certificado de

conclusão Ensino Médio para entregar para nas mãos dos filhos, pais e, ou,

companheiros. Também lá encontrei pessoas que além das dificuldades comuns

enfrentavam o fato de não enxergar, não ouvir ou não poder responder o que o

professor ou os colegas estavam falando, mostrando ou vendo, mas estavam lá,

brigando por seu espaço e pelo reconhecimento dos seus direitos e potencialidades.

Mesmo que nos questionemos sobre os limites da escola no sentido de promover

inclusão social, promover igualdade de oportunidades e condições de superação de

obstáculos aos nossos alunos, o fato de terem usufruído o direito de concluírem a

escolarização básica é parte do progresso e “importante para uma sociedade que

pretenda ser justa (...) as críticas que podem e devem ser feitas não devem significar

a negação dessas modalidades” (CROCHIK, 2011, p. 70).

No processo de escrita desta tese imaginei-me num diálogo (que em alguns

momentos transformou-se num monólogo) com dois grupos distintos: primeiro os

estudantes das diferentes licenciaturas que optaram pelo magistério esperando

encontrar garantias de emprego abundante e estabilidade – mesmo cientes de que

os salários não serão muito altos – e sonhando ainda que seu papel será ensinar

história, geografia, biologia ou língua portuguesa... e ouviram que se conseguirem

aulas na EJA será melhor porque o trabalho nesta modalidade é mais tranquilo

porque os alunos já viveram bastante e estão dispostos a aproveitar a escola como

oportunidade de mudança de vida. Também escrevo pensando naquele professor

que já está no magistério há mais tempo e sonha com aulas na EJA para poder

descansar, relaxar um pouco e ser professor de verdade. A ambos gostaria de dizer

que há doses de prazer em trabalhar com adultos, mas há, na mesma proporção,

doses de muita angústia diante do tanto a fazer em tão pouco tempo, tantas

expectativas e tantos desafios. Lamento informar aos dois grupos que será pequena

a possibilidade de repetirem a história da novela “O Salvador da Pátria” exibida pela

Rede Globo no final dos 1980 na qual a professora Clotilde foi fundamental na

transformação do ingênuo bóia-fria Sassá Mutema num político importante.

Se um dia existiu, vai longe o tempo romantizado que lecionar para as turmas

de EJA significava trabalhar com pessoas mais velhas que, devido às suas

trajetórias de vida e suas características culturais e geracionais, acorriam às salas

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de aula em busca da recuperação do tempo perdido, interessadas em aprender

principalmente com vistas à reinserção no mercado de trabalho. Hoje os tempos são

outros. Cada vez mais o público dessa modalidade é formado por alunos

multirrepetentes, por pessoas que querem, além de estudar para a reinserção no

mercado de trabalho, obter uma certificação que lhes proporcione reconhecimento

social. Enfim, são múltiplos os interesses como são múltiplos os alunos e alunas. A

sociedade precisa de professoras e professores que atuem intencional e

conscientemente dos limites e possibilidades de “abrir o pensamento a outros

possíveis. [É na escola] que os desafios começam e importa agarrá-los com utopia e

realismo” (NÓVOA, 1995, p. 42).

Na fase final de redação desta tese adotei a sigla EMEJA para referir-me ao

Ensino Médio na modalidade EJA. A adoção desta sigla foi uma tentativa de

melhorar a redação e a leitura do texto, evitando a repetição da mesma frase.

Quando me referir ao Ensino Médio Em alguns lugares do texto o leitor encontrará

outra sigla importante neste trabalho: EMEJA/EE. Esta será utilizada para referir-me

ao Ensino Médio oferecido, concomitantemente, nas modalidades EJA e Educação

Especial.

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CAPÍTULO I O CONTEXTO DA PESQUISA: O ENSINO MÉDIO

Este capítulo foi orientado pela necessidade de explicitar algumas

considerações a propósito das questões imbricadas neste trabalho que podem ser

desdobradas e verificadas separadamente: o Ensino Médio na modalidade EJA

(EMEJA) e a modalidade Educação Especial dentro da modalidade Educação de

(Jovens e) Adultos. De acordo com o Parecer CNE 11/2000

O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com característica própria. (BRASIL, 2000, p. 28)

O texto, de autoria do conselheiro-relator Carlos Roberto Jamil Cury, continua

explicando que, para garantir essa feição própria dentro de um processo

considerado como medida de referência – no caso aqui os objetivos propostos para

o Ensino Médio (claros do ponto de vista legal e difusos do ponto da realidade, como

veremos) – deve-se pautar pelo princípio da proporcionalidade o qual, por sua, vez é

uma dimensão da equidade que tem a ver com a aplicação circunstanciada da

justiça, impedindo o aprofundamento das diferenças, por meio do tratamento

desigual dos desiguais, a fim de que estes eliminem barreiras discriminatórias e se

tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades de acesso à educação

escolar.

O trabalho com uma modalidade traz em si a necessidade do reconhecimento

das suas especificidades e exige que métodos, estratégias, práticas, estrutura física,

recursos humanos e materiais sejam pensados a partir dessa realidade. Quando

modalidades encontram-se sobrepostas na mesma sala de aula, multiplicam-se as

especificidades e exigências, mas mantêm-se as expectativas de resultados (quase)

tautócronos9, ou seja, que os alunos desiguais (partículas) com diferentes pontos de

9 Tautocronia é um conceito da geometria analítica que na forma substantiva tautócrono é assim

definido: “Trajetória de uma partícula que, sujeita à ação de uma força, chega a um ponto em um mesmo intervalo de tempo, qualquer que tenha sido o ponto de partida.” Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p. 1932.

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partida, sujeitos à ação de uma força (trabalho da escola) cheguem a um ponto

(domínio das competências e habilidades esperadas para o Ensino Médio), em um

mesmo intervalo de tempo, qualquer que tenha sido o ponto de partida. O quase,

entre parênteses na frase anterior foi posto porque, para que a tautocronia seja

perfeita, entre os alunos da EJA e do ensino regular, a diferença é o tempo de

duração do curso e condições diferenciadas, como veremos. Na EE Rute José

Samuel esta realidade desafiante era o dia-a-dia de alunos e professores, por isso

um dos debates entre os professores era como pensar e, principalmente, como

efetivar os objetivos de cada uma e de ambas as modalidades simultaneamente,

visando a ampliação de oportunidades de escolarização, formação para ingresso no

mundo do trabalho e efetiva participação social, como prescrito no documento do

MEC/SEESP Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (BRASIL, 2007, p. 10).

O caminho adotado por mim foi analisar separadamente as modalidades para,

ouvindo alguns de seus agentes, alunos e professores, fazer o diálogo entre elas.

Algumas perguntas iniciais eram: quais são, mesmo, os objetivos do Ensino Médio?

Como conceituar a modalidade na qual atuávamos: trata-se de curso supletivo ou de

educação de jovens e adultos? Os alunos, sujeitos da modalidade EE, devem ser

conceituados como portadores de necessidades especiais ou deficientes? Assim,

são retomados aspectos de legislação e de leituras feitas para responder a essas

questões.

1.1 O Ensino Médio na modalidade EJA

A EJA é uma conquista da sociedade brasileira. O seu reconhecimento como um direito humano veio acontecendo de maneira gradativa ao longo do século passado, atingindo sua plenitude na Constituição de 1988, quando o poder reconhece a demanda da sociedade brasileira em dar aos jovens e adultos que não realizaram sua escolaridade o mesmo direito que os alunos dos cursos regulares que frequentam a escola em idades próprias ou levemente defasadas. (...) os fatos históricos posteriores ao da votação da nova Constituição limitaram a concretização desse direito no contexto das reformas neoliberais implementadas nos anos seguintes (...) (HADDAD, 2007, p. 8)

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Inicio essa parte do texto trazendo um debate apresentado por Romão e

Gadotti (2007) sobre o conceito de EJA, que, nas palavras dos autores, está envolto

em “certa balbúrdia vocabular conceitual” (p. 26) geradora de dificuldades de

comunicação entre os que atuam na área. Em outro texto (GADOTTI e ROMÃO,

2011, p. 36) apresentam os termos que muitas vezes utilizados como sinônimos:

educação de adultos, educação popular, educação formal e educação comunitária e

os diferencia:

Educação de adultos: termo popularizado por organizações internacionais

como a UNESCO para referir-se a uma área especializada da educação;

Educação popular/comunitária: como uma concepção geral de educação, via

de regra, opõe-se à educação de adultos impulsionada pela educação estatal.

Tem como princípio respeitar o senso comum trazido pelos setores populares,

problematizando-o, buscando a teoria presente na prática, incorporando-lhe

um raciocínio mais rigoroso, científico, unitário.

Educação não formal: principalmente vinculada a organizações não

governamentais, partidos políticos, igrejas, etc. Geralmente organizadas onde

o Estado se omitiu e muitas vezes organizadas em oposição á educação de

adultos oficial; os autores informam ainda que educação não formal tem sido

utilizada nos Estados Unidos para referir-se à educação de adultos que se

desenvolve nos países do Terceiro Mundo, geralmente vinculada a projetos

de educação comunitária. Internamente, eles (os estadunidenses) utilizam

esse conceito para referir-se à educação não formal aplicada ou administrada

no nível local no país.

Educação do sistema (oficial): entendida quase exclusivamente como

escolarização básica, caracteriza-se por objetivar “produzir a passagem dos

modos de saber tradicional para modelos de saber modernizado, segundo os

valores dos polos dominantes da sociedade” (GADOTTI e ROMÃO, 2011, p.

36)

Defensores do conceito de Educação de Adultos (EDA), os autores vão

buscar a etimologia da palavra adulto, “particípio passado do verbo adolescere, que

quer dizer “crescer, aumentar, fazer-se grande.” (ROMÃO e GADOTTI, 2007, p. 29).

Originárias do mesmo vocábulo latino, “adolescente” designa o que está em

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processo de crescimento e “adulto” significa o “indivíduo amadurecido”, que chegou

ao termo do processo de maturação, no final da adolescência. Afirmam os autores:

Assim, “adultez” se inicia com o fim da adolescência. Ocorre que, em países com profundas diferenças sociais, os jovens pobres são forçados a entrar na idade adulta mais cedo, sendo excluídos dos estudos regulares, próprios da adolescência e da mocidade, obrigados a lutar pela sobrevivência. Em outras palavras, tornam-se adultos mais cedo, até mesmo pelas experiências de relações sociais e de trabalho formal ou informal a que são compulsoriamente submetidos. Pode-se dizer, que embora biologicamente adolescentes e moços, psicológica e socialmente são inseridos no mundo dos adultos, assumindo responsabilidades assimétricas, inclusive em relação a seus direitos de cidadania – ainda incompleta perante a Lei. Na qualidade de adultos, passam a ser clientela dos cursos desenvolvidos na EDA que – certamente por causa da inclusão de jovens precocemente adultos – equivocadamente passaram a ser denominados cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA). (ROMÃO e GADOTTI, 2007, p. 31)

A formulação dos autores é uma contribuição importante por politizar o debate

e nos alertar para a importância de atentarmos para sutilezas que algumas

conceituações podem esconder: a de que os jovens da EJA são, na prática, adultos

seja por suas experiências de vida, pelas responsabilidades e expectativas

depositadas em seus ombros, seja pela necessidade urgente de situarem-se

socialmente no mundo do trabalho. O equívoco que os autores apontam na

nomenclatura habitual e legalmente utilizada para essa modalidade ganha mais

sentido quando nos referimos ao Ensino Médio, cuja idade de entrada 18 (dezoito)

anos, já os coloque, legalmente, entre os adultos. Em que pese minha total

concordância com os autores, manterei no texto o conceito que foi incorporado nas

normas e diretrizes nacionais da Educação Básica e que ainda luta para se

consolidar socialmente e, para demonstrar minha concordância e minha posição

política de que tratamos de Educação de Adultos, no título deste trabalho a palavra

“jovem” seguirá entre parênteses por não poder ser (legalmente) excluída.

Com essa compreensão em mente dediquei-me à tarefa de realização de

levantamento bibliográfico sobre o EMEJA. Da grande quantidade de trabalhos

encontrados sobre a temática EJA, poucas o fazem referindo-se ao Ensino Médio.

As que o fazem notadamente tratam de avaliação, práticas pedagógicas ou

possibilidades de realizações didáticas dentro de disciplinas específicas neste nível

e modalidade de ensino.

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A escassez da produção de dissertações e teses que tratam da questão do

trabalho desenvolvido nas turmas de EMEJA é, para mim, denotativa e fruto da falta

de identidade e de olhares mais atentos para esse “não lugar” na Educação Básica.

A leitura dos resumos disponibilizados pelos autores nos Bancos de Teses

pesquisados levaram-me a identificar apenas quatro dissertações, três teses e dois

artigos que mais se aproximavam da temática em discussão. Das quatro

dissertações que abordavam o EMEJA, (RIAL, 2007) tem como foco a análise das

práticas de avaliação na disciplina de História, COSTA (2008) pesquisou quais as

expectativas dos alunos de EMEJA em relação à escola e duas tratam de projetos

de inserção profissional no mundo do trabalho (SILVA, 2005 e SILVA, 2010).

Pensando sobre a EJA com a perspectiva de inclusão e emancipação, Rial

(2007) analisou processos de avaliação desenvolvidos em turmas de EMEJA na

disciplina de História. Para isso baseou-se em depoimentos de alunos, professores e

coordenadores de uma escola de formação técnico profissional e de uma escola

estadual de Ensino Médio. Ao concluir o trabalho a autora constatou, no depoimento

de professores, confirmados pelos alunos, a preocupação com a realização de um

trabalho diferenciado, que leve em conta as especificidades dessa modalidade de

ensino por meio da realização de atividades de interpretação, raciocínio, diálogos,

trabalhos em grupo e não mais como tática de memorização. Mas constatou,

também, um aspecto que considerou desmotivador: a percepção de que “certos

educandos se utilizam de uma instituição escolar com o simples propósito de

adquirir um certificado, ou que procuram a EJA considerando-a um terminar mais

rápido e promovedora de um estudo facilitador” (RIAL, 2007, p. 77).

Costa (2008), a partir do embasamento legal construído pela análise das

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, documentos

institucionais e oficiais da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul e de

entrevistas buscou compreender quais as expectativas de 13 (treze) estudantes da

EJA em relação à escola. Constatou que esses jovens atribuem grande importância

à educação e reconhecem a escola como espaço privilegiado de formação e, assim

como no estudo de Rial, também vêm a escola como forma de melhorar a vida, por

meio de trabalho melhor remunerado e também pela possibilidade da obtenção de

um sonhado diploma.

Silva (2005) desenvolveu seu trabalho buscando verificar a concepção que os

alunos faziam sobre o aprendizado no Ensino Médio do Centro Estadual de

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Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) do município de Pinhais (RS). A

primeira constatação da autora é a exiguidade de pesquisas que se referem ao

EMEJA e a educação profissional. A segunda constatação foi:

A presença do ideário neoliberal e forte influência das agências internacionais nas fundamentações e orientações do ensino no Brasil (...) proposto e conduzido não de forma consensual e linear, mas sob influência tanto das elites tradicionais e de sua adesão negociada ao capital internacional, quanto da resistência das classes trabalhadoras. Dessa forma os recursos financeiros, além das políticas integradas da União, Estadual e Municipal, direcionam-se principalmentes à fase do Ensino Fundamental e Médio. (...) A EJA, no entanto, possui diretrizes e políticas de caráter excessivamente “flexíveis”, o que a torna bastante vulnerável e desconectada da Educação Básica, apesar de estar respaldada perante a Lei, como uma modalidade dessa Educação. (SILVA, 2005, p. 181)

Essa constatação da autora – a excessiva flexibilidade e a desconecção com

a Educação Básica – em que pesem os discursos e o paralelismo com o ensino

regular era um dos debates presentes no dia-a-dia da EE Rute José Samuel

juntamente com a terceira constatação da autora, que se junta à já feita por Rial: os

alunos do CEEBJA-Pinhais apontam buscar esta escola devido à necessidade de

certificação e esperando melhoria das condições econômicas, através da obtenção

de um diploma. A autora vê nessa busca uma importante distinção entre os alunos

do Ensino Médio regular e os alunos do EMEJA:

A aspiração por condições melhores de vida, e consequentemente de chances no mundo do trabalho, é um diferencial do público de Ensino Regular, que é na maioria das vezes composto por adolescentes e jovens que ainda estão formando suas opiniões e expectativas de futuro, no qual além do trabalho, a continuidade dos estudos é uma de suas principais metas. (SILVA, 2005, p. 185)

Lamentavelmente para os alunos de Pinhais, a intenção de cursar uma

universidade não se apresentava como aspiração, pois, de acordo com a autora, “o

sentimento de inferioridade em relação aos que estudam no ensino regular, ainda se

apresenta consideravelmente forte no aluno da EJA” (SILVA, 2005, p. 185). Seria

esta a mesma realidade dos sujeitos deficientes matriculados na EE Rute José

Samuel? Ou entre eles haveria aspirações quanto à continuidade dos estudos de

nível superior?

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Por fim, verificando as diferenças entre as prescrições legais e a realidade da

escola de EMEJA estudada, a autora questiona como é possível reforçar aspectos

de colaboração, integração e trabalho em grupo num programa cuja característica

de atendimento é predominantemente individualizada e impessoal, no sentido que

cada aluno tem objetivos (médias e frequências mínimos), iguais para todos, num

espaço pré-determinado de tempo? E mais, como manter a perspectiva de um

trabalho interdisciplinar e integrado nesse espaço escolar caracterizado pela

desarticulação, tanto política (campo das relações municipais, estaduais (e eu

acrescento federais) quanto didático-pedagógica (disciplinas isoladas)? Com essas

questões por base a autora indica para pesquisas futuras a necessidade de

aprofundar a discussão sobre o significado da mudança de Ensino Supletivo para

Educação de Jovens e Adultos analisando se esta mudança foi apenas de

nomenclatura ou se houve transformações nas práticas.

O quarto estudo que guarda relações com as discussões propostas nesta

tese, foi a dissertação defendida por Silva (2010) na qual buscou compreender as

formas e níveis de participação dos professores na formulação de propostas

educacionais no Projeto de Aceleração do Ensino Médio – Avançar (Projeto

Avançar) em Pernambuco que, como indica o nome, apesar de desenvolver-se entre

os anos de 2001 e 2008 – após os marcos legais de regulamentação – deixa

transparecer a ideia da EJA como forma de aceleração. A partir da reflexão sobre a

precariedade das formas de financiamento do Ensino Médio e da discussão sobre a

busca do governo central pela elevação das taxas de rendimento escolar por meio

da implantação de programas político-pedagógicos em regime de parceria.

Das teses que tratam do EMEJA, Silva (2007) o faz a partir do ponto de vista

do aluno egresso dessa modalidade que acessa o ensino superior. No trabalho,

realizado com o apoio do referencial teórico de Bourdieu, conclui-se, dos

depoimentos dos entrevistados, que, em muitos casos as razões do fracasso estão

na inadequação dos alunos à escola e da escola a eles, o que faz com que muitos

alunos simplesmente não queiram estar lá por um período e, mais tarde, quando as

demandas de suas vidas modificam-se e a necessidade da escolarização básica

torna-se determinante, muitos recorrem à EJA como escola de emergência, uma

forma de aceleração de estudos visando a colocação no mercado de trabalho ou

acesso ao ensino superior. Os quatro graduandos sujeitos da pesquisa responderam

questionários e entrevistas nos quais foi possível verificar marcantes diferenças de

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condições materiais das famílias e de escolaridade, distanciamento dos pais de suas

vidas escolares, quer por atribuírem pouca importância à escola, devido à (falta de)

condições materiais ou por dificuldades dos pais em se relacionarem socialmente

(caso de uma aluna cujos pais, coreanos, não dominavam a língua portuguesa) e

dados referentes aos diferentes tipos de escolas frequentadas, diferentes fluxos das

trajetórias escolares. Em comum encontra-se o fato de atribuírem à aceleração do

tempo o principal motivo de escolha da EJA para a conclusão do Ensino Médio.

A segunda tese encontrada no levantamento bibliográfico, intitula-se A EJA e

os jovens do último turno: produzindo outsiders. Tendo Norbert Elias como

referencial teórico, Andrade (2004) explica que:

compreender como outsiders a grande maioria dos alunos e alunas jovens beneficiários da EJA, no Brasil, tem como finalidade chamar a atenção para o fato que essa ação educativa faz parte de um engenhoso e perverso processo desigual e excludente que não existe por forças naturais, mas sim por mecanismos construídos ao longo do tempo, através de práticas sociais que se desenvolvem dentro e fora da escola, tanto no âmbito do micro como do macrossocial. Toda esta gama de situações constitui expressão de uma produção de outsiders, considerando ser a EJA uma modalidade educativa direcionada, basicamente, para os setores mais vulneráveis, do ponto de vista socioeconômico, e que seus atores carregam marcas profundas causadas pela desigualdade das oportunidades sociais e educativas. Neste estudo, usamos o verbo produzir (outsiders) no gerúndio. Tal recurso deixa explícito que os processos sobre os quais nos propomos a discorrer são compreendidos como ações em movimento, não permitindo a construção de análises baseadas em explicações deterministas e dogmáticas, como se o atual estado em que se encontra a ação educativa da qual falamos e os jovens que dela fazem parte não comportassem um potencial de mudanças. (ANDRADE, 2004, p.19)

Entrevistando estudantes dessa modalidade de EF e Médio concluiu,

concordando com Gomes e Carnielli (2003)10, que a pretensa democratização

oportunizada pela EJA é o “lugar dos que podem menos e também obtêm menos”

Andrade (2004, p.189) verifica que isso é fruto de hierarquia baseada na dualidade

10

No citado artigo Gomes e Carnielli analisam a opinião de alunos sobre o que os autores chamam de

dualidade presente nessa etapa da escolarização. Nas análises das entrevistas realizadas para a elaboração do trabalho os autores detectam que os alunos demonstram reconhecer a citada dualidade ao afirmarem que o Ensino Médio regular seria melhor pelo maior tempo de estudo, pela organização e maior riqueza curricular e apontando que a EJA termina por ser uma alternativa negligenciada de democratização do ensino, restrito a alunos que querem e podem menos. Conclusões semelhantes já foram apontadas nos trabalhos citados ao longo deste levantamento bibliográfico.

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não superada pela escola brasileira: uma escola para as elites e outra para os

pobres, e no caso da EJA escola para pobres e escola para os mais pobres, ou

escola para os que não mais merecem a escola ou, ainda, escola para os que

precisam de um verniz de escolarização. Por isso, de acordo com a autora podemos

caracterizar que a EJA encontra-se em estado de abandono, viabilizada pelos

sujeitos que nela atuam e dela usufruem carecendo de atitudes imediatas para

transformar a atual realidade.

Por fim, mas não por último, num denso trabalho que questiona se o

financiamento da EJA constituiu um direito, no interregno 1996 a 2006, Volpe (2010)

analisou a EJA oferecida nos dois níveis de ensino (Fundamental e Médio) sob o

viés dos recursos financeiros como condição sine qua non para a construção de

uma política pública de educação e, como tal, para a EJA, conclui:

Historicamente, o Financiamento da EJA mostrou-se mais reativo (resposta à uma demanda instaurada por pressão socioeconômica) do que pró-ativo em reconhecimento a um direito. Portanto, a bandeira hasteada jurídica e discursivamente da EJA como direito público subjetivo “não pegou”, não resultando em ações concretas efetivas. Logo, a nossa pergunta motriz – constituiu o financiamento da Educação de Jovens e Adultos um direito, no interregno 1996 a 2006? – poderia peremptoriamente ser respondida como um “não”, pois como direito: a) os investimentos em EJA não seriam tão baixos em relação a outros níveis e modalidades de ensino, conforme demonstrado em relação às três esferas (federal, estadual e municipal); b) investir-se-ia muito mais considerada a demanda potencial; c) não seria entregue aos dissabores de cortes orçamentários de cunho economicista ou a manobras políticas corporativistas, alimentadas por oblíquos fins eleitoreiros. (VOLPE, 2010, p. 428)

Como veremos na discussão sobre a institucionalização da EJA, este aspecto

econômico contribui para o tratamento secundário destinado à modalidade que

acaba por se utilizar de espaços ociosos nas escolas, por (re) utilizar materiais

destinados às crianças e/ou jovens do ensino regular, enfim, a serem tratados com o

que sobra das migalhas destinadas à educação, como afirma a autora.

Duas coisas são recorrentes nestes trabalhos: 1) o EMEJA utilizado como

estratégia11 dos alunos para obterem sua certificação e 2) a crença dóxica desses

11

Para Bourdieu (2007), as estratégias caracterizam a ação dos indivíduos como a expressão dos componentes externos – objetividade das regras - e das disposições internas – subjetividade das escolhas-. Marcados pelo lugar social em que estão situados, os indivíduos desenvolvem as

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alunos de que a escola é a instituição legítima para proporcionar-lhes algo definem

como necessidade de melhor formação, educação para viver melhor e ser mais

respeitado pelas pessoas com as quais se relacionam, maior possibilidade de

encontrar um emprego melhor ou promover-se, ou seja, estão interessados,

participam e admitem “o jogo”, cujo alvo é a ascensão social por meio da escola,

presos que estão à illusio de que vale a pena jogar, disputar o jogo e melhor posição

social. (BOURDIEU e WACQUANT, 2008).

A lacuna que percebi no levantamento bibliográfico foi a nulidade de estudos

sobre a forma como as escolas de EM estão organizadas e sobre a formação e

práticas pedagógicas dos professores especialistas desse nível de ensino para

atender as expectativas dos alunos e alcançar os objetivos propostos para esta

etapa da escolarização dentro da Educação Básica. Portanto, perguntas que nos

fazíamos na EE Rute José Samuel continuavam sem respostas: quais são, mesmo,

os objetivos do Ensino Médio? Como conceituar a modalidade na qual atuávamos:

trata-se de curso supletivo ou de EJA?

Uma característica percebida nos estudos e no trabalho como professora

coordenadora é que é possível identificar maior clareza de objetivos e métodos no

EF na modalidade EJA se comparados ao trabalho com o Ensino Médio na mesma

modalidade. Não estou afirmando aqui que o trabalho neste nível seja mais fácil, que

goze de melhores condições de funcionamento ou de ações políticas claramente

definidas. Mas, quando o professor e o aluno, dos anos iniciais do EF encontram-se

numa sala de aula, cada um deles tem mais ou menos definido o que fazer e o que

esperar da escola. O professor começa ou dá continuidade ao processo de

alfabetização em língua portuguesa e matemática, trabalha visando a produção de

textos ou o domínio das operações matemáticas. Nos anos finais do EF far-se-á,

além da consolidação dos processos em andamento, a introdução de temas sociais,

políticos, científicos.

Já no EMEJA, o que fazer? Rever conhecimentos já esquecidos pelos alunos

após longo período de afastamento da escola? Trabalhar conteúdos pertencentes ao

EF aos quais os alunos não tiveram acesso, ou pensar naqueles requeridos nos

vestibulares e concursos? Utilizar metodologias e processos avaliativos inovadores

que produzem um estranhamento nos alunos, ou acomodar-se aos métodos

estratégias mais eficazes para a manutenção e ou o melhoramento de sua posição no espaço social, sem, no entanto, a intenção manifesta ou o cálculo.

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tradicionais (texto na lousa, exercícios, visto no caderno e prova?) solicitados e ainda

valorizados pela maioria dos alunos? Como manter o interesse dos jovens, que ouvem

e trocam músicas e jogos no celular, e do senhor, que ainda não entendeu o conceito

básico e quer silêncio para pensar? Se trabalhar com música o que fazer com o

surdo? Se passar filme como manter o interesse do cego?

Creio que a indefinição, de objetivos e métodos, muitas vezes caracterizada

como falta de identidade do EMEJA, seja heterônoma, isto é, externa, alheia, não

nascida ou inerente à modalidade, uma vez que a mesma lista de perguntas

acomete os professores que atuam no Ensino Médio regular; o que significa afirmar

que o problema está na falta de identidade ou na identidade difusa que este nível de

ensino comporta, ou ainda, devido aos motivos elencados por Carneiro (2012):

Nenhum nível de ensino no Brasil tem sido mais desprezado pelo Estado quanto o Ensino Médio. Fazem-se estudos, patrocinam-se conferências nacionais e internacionais, publicam-se documentos e estatísticas e promovem-se reformas. Tudo fica, porém, no âmbito de constatações do tipo: Historicamente o Ensino Médio tem funcionado como um rito de passagem para a universidade; Historicamente o Ensino Médio tem ficado em plano secundário no conjunto das políticas públicas de educação do Estado brasileiro. Historicamente o Ensino Médio tem permanecido no regaço da educação escolar das elites. Historicamente o Ensino Médio tem sido impedido de se expandir com qualidade. Historicamente o Ensino Médio tem ocupado os espaços ociosos do Ensino Fundamental, razão por que possui alta concentração de matrículas no turno da noite. Historicamente o Ensino Médiotem tido uma forte marca de ensino descontextualizado. Historicamente o Ensino Médio tem assumido a feição de „preparatório‟ para o vestibular. Historicamente o Ensino Médio tem tido um currículo enciclopédico, assestado para padrões culturais de segmentos cultos da sociedade. Historicamente o Ensino Médio tem estado fora de políticas consistentes da articulação União Federal/Unidades Federadas, sob a alegação de que se trata de matéria de responsabilidade dos estados. Historicamente não se sabe o que os alunos aprendem para a vida, embora se saiba que estes estão em preparação para o vestibular. Historicamente o Ensino Médio tem apresentado um desenho pedagógico e escolar sem identidade própria. Historicamente o Ensino Médio tem ficado ausente de políticas consistentes, longas e continuadas de avaliação. Todas essas formas de visualização do Ensino Médio revelam que o ciclo diacrônico de estudos sobre ele tem tido um foco meramente

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constatativo, deixando de lado as três dimensões frontais esquecidas que lhe são inerentes como etapa terminal da educação básica: São elas articuladamente: Componente estruturante da educação básica; Salário docente Condições de trabalho no ambiente escolar.

(...) Refiro-me a estes três pontos como a trindade ausente do Ensino Médio abandonado. (p. 57-58) (negritos no original)

A longa citação foi mantida na íntegra em virtude da síntese que faz da visão

e tratamento historicamente destinado ao Ensino Médio como um todo e,

consequentemente para as suas modalidades (EJA, EE e Educação profissional). O

enfrentamento das demandas oriundas da trindade ausente do Ensino Médio

abandonado é frontal porque poderia conferir (outra) identidade, mudar a história

desse nível de ensino, o que exigiria investimento de recursos por parte da mão

direita do estado para sanar a dívida educacional criada em séculos de

desigualdades e exclusões, que faz com que cheguemos ao século XXI com milhões

de adultos que não tiveram oportunidade de iniciar e completar sua escolarização e

com outros tantos milhões de jovens que, se conseguem concluir a escolrização, o

fazem sem a qualidade mínima necessária. Para Bourdieu (2001), a educação é um

dos constituintes da mão esquerda, formada pelo conjunto dos agentes dos

“ministérios gastadores” (Educação, Saúde, Previdência Social, por exemplo), mas

se caracterizam como opostas ao Estado da mão direita, composto pelos burocratas

dos ministérios das finanças, dos bancos públicos ou privados e dos gabinetes

ministeriais.

No texto Os excluídos do interior, Bourdieu e Champagne (2008) argumentam

que, até a expansão da escolarização média (que no caso da França se deu pós

anos 1950) a escola pouco se via obrigada a lidar com diferenças sociais ou

culturais uma vez que excluía já nos exames de seleção alunos oriundos de famílias

socialmente desfavorecidas. Até aí, analisam os autores, havia uma aceitação tácita,

por parte de todos, de que aquela etapa da escolarização não era mesmo para

todos, também porque todos não estavam preparados para ela. Isso mudou a partir

das transformações ocorridas nos sistemas escolares e desde então “a escola

exclui; mas a partir de agora exclui de maneira contínua, em todos os níveis [...] e

mantém em seu seio aqueles que exclui, contentando-se em relegá-los para os

ramos mais ou menos desvalorizados.” (BOURDIEU e CHAMPAGNE, 2008, p. 224).

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No caso do Brasil esse processo de abertura da escola para contingentes até

então excluídos tem se dado desde os anos 1930, inicialmente no nível que hoje

chamamos de EF. Em artigo publicado em 2008, Souza e Oliveira analisam as

finalidades e controvérsias da expansão do Ensino Médio inserindo-o dentro do

sistema nacional de ensino brasileiro. Afirmam que, como etapa da escolarização

historicamente voltada para a preparação para o ensino superior, destinado às

elites, sua expansão é fruto da pressão pela ampliação de vagas propiciada tanto

pelo contexto econômico mais amplo quanto pela movimentação interna aos

sistemas de ensino que, ao longo de nossa história recente, vem enfrentando a

questão do acesso à escola para crianças e jovens. A chegada desses novos

contingentes gerou o impasse que ainda percebemos: o caráter propedêutico “de um

ensino destinado às elites, de um lado, e a necessária articulação com a preparação

para o trabalho, decorrente da sua expansão para setores das classes

trabalhadoras” (SOUZA e OLIVEIRA, 2008, p. 60).

Ainda nos anos 1970, a Lei 5.692/1971, enfrentou essa tensão estabelecendo

a profissionalização obrigatória. De acordo com os mesmos autores, a motivação da

reforma era diminuir a pressão que os egressos do Ensino Médio exerciam por mais

vagas nas universidades, mas essa “concepção profissionalizante” não se efetivou

seja pelas dificuldades estruturais da rede de Ensino Médio, seja pela

impossibilidade de inserção no mercado de trabalho de todos os técnicos formados

nesse novo modelo. Em 1982 a obrigatoriedade foi revogada e desenvolveu-se,

entre pesquisadores e educadores, a concepção hoje estabelecida na LDB: a do

então 2º Grau como complemento indissociável do 1º Grau, inserida dentro de um

sistema maior: a Educação Básica composta pela EI, o EF e o Ensino Médio

Nessa perspectiva, entendendo o Ensino Médio como parte da formação geral, articula-se a antiga polaridade: propedêutico profissional. Dessa concepção decorre toda a reforma do Ensino Médio, que desvinculou a formação geral, potencialmente direito de todos, da formação profissional, opção ou exigência para a ocupação de determinados postos de trabalho. (SOUZA e OLIVEIRA, 2008, p. 62)

Concordo com os autores que a chegada de novos setores da população com

diferentes expectativas a esta etapa da escolarização, dada a grande diversidade de

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um país com dimensões e desigualdades continentais, torna-se difícil a formulação

de uma alternativa única e inflexível exigindo uma também difícil

“articulação de políticas e programas que deem conta de atender tanto aos egressos do Ensino Fundamental, que o concluem na idade considerada "correta", para quem o Ensino Superior é uma perspectiva em termos de desejo, mas que não se contrapõe a certa profissionalização; e aos egressos do Ensino Fundamental ou de programas de educação de jovens e adultos que retornaram à escola, os quais, em sua quase totalidade, antes de serem estudantes são trabalhadores (mesmo que muitas vezes desempregados).” (SOUZA e OLIVEIRA, 2008, p. 63)

Enquanto essa articulação de políticas e programas não se corporifica,

assistimos a coexistência de formas diferenciadas desse nível da escolaridade

fazendo com que, muitas vezes, mesmo nós, profissionais da educação, nos

confundamos. Hoje a SE oferece na rede estadual Ensino Médio regular, Ensino

Médio na modalidade EJA, Ensino Médio Profissionalizante, Ensino Médio regular

concomitante com o Ensino Técnico, Ensino Médio regular integrado ao Ensino

Técnico e Ensino Médio Integral. Alguns desses cursos são oferecidos e geridos

pela SE nas escolas estaduais, outros em parceria com a rede privada, outros são

ofertados e geridos pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e

Tecnologia (SDECT) como é o caso das Escolas Técnicas Estaduais (ETECs).

Múltiplas fontes, múltiplas visões, múltiplos objetivos, programas desarticulados!

É Libâneo (2007, p. 257) quem nos ajuda a formular a identidade do Ensino

Médio prescrita legalmente após amplos debates e dentro da conjuntura econômica

e política que vivemos: trata-se de etapa da Educação Básica que deve ser

entendida numa visão humanística e cidadã, “que não se esgota nem na dimensão

da universidade (como o propedêutico) nem na do trabalho (como no técnico), mas

compreende as duas”. Essa perspectiva, continua o autor, está expressa em alguns

documentos nacionais oficiais sobre as competências e as habilidades específicas

esperadas do estudante nesse nível de ensino. O desenvolvimento dessas

competências e habilidades expressas no Parecer CNE/CEB nº 15/98 (BRASIL,

1998) e na Resolução CNE/CEB nº 03/98 (BRASIL, 1998) seriam então, os objetivos

do Ensino Médio:

Desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar aprendendo, da

autonomia intelectual e do pensamento crítico;

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Constituição de significados socialmente construídos e reconhecidos como

verdadeiros;

Constituição das competências e habilidades necessárias ao exercício da

cidadania e do trabalho;

Domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos

Competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras

linguagens contemporâneas.

A dúvida quanto aos objetivos do trabalho no EMEJA fica, assim, legalmente

dirimida. Mas, conhecedor da distância e das recontextualizações dos textos legais,

o relator do Parecer CNE/CEB 11/2000 (BRASIL, 2000), num ponto que se refere

diretamente ao Ensino Médio, afirma que, sendo a EJA uma modalidade da

Educação Básica, deve pautar-se pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que

se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela [a EJA] deve orientar-

se pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, já que uma proposta de

componentes curriculares diferenciados para esta modalidade poderia configurar a

criação de uma nova dualidade. Mas alerta quanto ao risco de uma reprodução

descontextualizada das especificidades da EJA e, ainda, que deve ser princípio

metodológico do professor identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro a fim

de produzir-se uma atuação pedagógica capaz de apresentar soluções justas,

equânimes e eficazes, que propiciem inserção profissional e busca da melhoria das

condições de existência dos alunos. Portanto, o tratamento dos conteúdos

curriculares não pode se ausentar desta premissa fundamental: a vivência do

trabalho e a expectativa de melhoria de vida. Ou seja, intrinsecamente observa-se

no texto legal a centralidade da chamada concepção humanística e cidadã, cidadão

que trabalha, produz.

A dificuldade de implementação dessa concepção humanística e cidadã

“surge na tensão entre flexibilização e institucionalização desta modalidade de

ensino” (HADDAD, 2007, p. 17). Via de regra as propostas de EJA organizadas de

forma flexibilizada estão ligadas às iniciativas populares/comunitárias ou não

formais; estas tendem a oferecer horários diferenciados (durante o dia, por exemplo,

o que permite atender idosos e deficientes que se sentem mais confiantes para sair

de casa nesse período; donas de casa que estudam ao mesmo tempo em que os

filhos e conseguem voltar para casa a tempo de realizar suas tarefas diárias, etc.);

horários menores (duas horas de aula, por exemplo podendo atender àqueles que

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dispõem de pouco tempo); aulas em diferentes espaços tais como empresas,

centros comunitários, igrejas e outros. Estas formas flexibilizadas de EJA são

principalmente vinculadas a organizações não governamentais, partidos políticos,

etc. Já as formas institucionalizadas fundamentalmente são aquelas oferecidas pelo

Estado, desenvolvidas por meio do oferecimento de cursos e exames organizados e

regulamentados nos diversos sistemas de ensino em instituições próprias e

integrantes da Educação Básica, conforme estabelecido na Resolução CNE/CEB no

01/2000 (BRASIL, 2000). Essa mesma resolução, no seu artigo 5º determina que

devem ser assegurados:

I - quanto à equidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação; II - quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores; III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica. (BRASIL, 2000)

Para a concretização plena da EJA (e de qualquer outro nível ou modalidade

da educação) como direito, ampla, voltada para uma visão que transcenda a de

ensino supletivo, seria necessário que os sistemas investissem recursos financeiros,

humanos e pedagógicos, o que, de acordo com Volpe (2010) não ocorre em nosso

país uma vez que:

O financiamento da Educação de Jovens e Adultos íntegro, contínuo, na perspectiva que reconhece o direito público subjetivo de TODOS escolarizarem-se independentemente da idade, é dimensão ainda não concretizada da democratização do Estado brasileiro. Nesse sentido, continua premente revermos a condição da EJA enquanto modalidade que goza apenas dos “farelos de migalhas”; de expectante dos sobejos dos níveis regulares de ensino: recursos financeiros, administrativos e humanos; ociosidade de salas, mera complementação de cargas horárias de professores e toda sorte de profissionais sem formação específica. (VOLPE, 2010, p. 428)

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No caso da rede estadual paulista, a institucionalização desta modalidade que

recebe “farelos de migalhas” demonstra a preponderância das questões econômicas

sobre as sociais efetivando-se as contradições entre “a mão direita e a mão

esquerda do Estado”. Vejamos: a legislação estadual, fruto das tensões que

permeiam o Estado, estabelece a seguinte organização e regulamentação do

oferecimento da EJA nas escolas paulistas, reunidas principalmente12 nas

Resoluções SE 01/2001 (SÃO PAULO, 2001) e Resoluções SE 3/2010 (SÃO

PAULO, 2010)

Cursos presenciais, curso de frequência flexível e atendimento individualizado

desenvolvido por meio do Telecurso 2000 e curso de presença flexível e

atendimento individualizado oferecidos nos Centros Estaduais de Educação

Supletiva. (Res. 1/2001, Art. 1º);

Na estruturação dos cursos presenciais, observar-se-á a duração mínima de

1200 horas relógio ou 1600 horas/aulas de efetivo trabalho escolar. (Res.

1/2001, Art. 3º e Res. 3/2010, Art., 3º, inciso I, alínea b);

Para o Ensino Médio idade mínima de dezoito anos completos para inicio e

dezenove anos e seis meses para a conclusão do curso. (Res. 3/2010, Art.,

3º, inciso I, alínea b);

Organização curricular composta por todas as disciplinas que compõem a

Base Nacional Comum, com 5 (cinco) horas/aula diárias com duração de

cinquenta minutos cada no período diurno e, quarenta e cinco minutos no

noturno, distribuídas na conformidade das matrizes curriculares previstas para

o Ensino Médio. (Res. 1/2001 Art. 2º e Res.3/2010 Art. 4º, inciso I);

Controle sistemático da presença dos alunos às atividades diárias, observada

a frequência mínima de 75% do total de horas letivas previstas para cada

semestre. (Res.3/2010 Art. 4, inciso II);

Turmas deverão ser constituídas, em média, de 40 (quarenta) alunos.

(Res.3/2010 Art. 4, inciso III);

Nos cursos de frequência obrigatória às aulas, por bimestre e por disciplina,

os resultados do semestre letivo deverão ser expressos em escala numérica

de notas, em números inteiros de 0 (zero) a 10 (dez), em que a nota, igual ou

12

Digo principalmente porque (muitas) outras regulamentações foram criadas para esta modalidade.

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superior a 5,0 (cinco), é considerada satisfatória para a continuidade dos

estudos. (Res.3/2010 Art. 7, inciso I)

Garantia de que ao longo do período correspondente à integralização dos

estudos e ao total de horas de efetivo trabalho escolar, o conteúdo

programático previsto para o currículo do Ensino Médio seja efetivamente

desenvolvido; (Res.3/2010 Art. 3, inciso II)

Adoção, em caráter obrigatório, a partir de 2010, dos materiais didáticos de

apoio, organizados e selecionados por esta Pasta, consolidados como

Propostas Curriculares dos cursos regulares de Ciclo II do EF e do Ensino

Médio do Estado de São Paulo, para os alunos ingressantes e em

continuidade, com exceção das Telessalas. (Res.3/2010 Art. 1);

A lista de regulamentações nos permite duas conclusões rápidas: a primeira é

que restam poucas possibilidades de flexibilização que possa atender à públicos

com necessidades específicas como aqueles atendidos pelas iniciativas

populares/comunitárias. Para cursar a EJA na rede estadual é preciso que o aluno

tenha condições de se adequar ás regras instituídas.

A segunda conclusão é que é possível perceber como a oposição entre a mão

direita e a mão esquerda do estado atinge a EJA; por meio da organização que a

destina a funcionar principalmente nas salas de aulas ociosas, principalmente no

período noturno, com turmas de no mínimo quarenta alunos, utilizando sobras de

materiais dos alunos do ensino regular, tendo vedado alguns recursos. Só para dar

dois exemplos: os alunos cegos do ensino regular recebem os laptops adaptados

para utilizarem nas aulas, direito negado aos alunos da EJA; o segundo exemplo é o

Programa Acessa Escola13 também destinado somente ao ensino médio regular. Ou

seja, se a mão esquerda tem acesso restrito a recursos financeiros a parte que

compete à EJA é mais que insuficiente.

13

De acordo com o Artigo 1º da Resolução SE 37/2008 (SÃO PAULO, 2008): O Programa Acessa Escola destina-se ao atendimento aos alunos, professores e servidores das Escolas Estaduais tendo, entre outros, os seguintes objetivos: disponibilizar à comunidade escolar os recursos do ambiente web, criado pelo Programa; universalizar as atividades de inclusão digital, otimizando os usos dos recursos da internet aos alunos, professores e servidores, nos períodos de funcionamento das escolas. Ao estabelecer (no Artigo 3º) a implantação do Programa, preferencialmente, nas escolas da Rede Estadual de Ensino Médio Regular, (grifo meu), na prática os implementadores do Programa traduziram a palavra preferencialmente como um filtro econômico, vedando às escolas que oferecem apenas o EMEJA que, na prática, perdem o direito de receber os computadores e monitores à que o Ensino Médio regular tem direito. Este é o caso da EE Rute José Samuel.

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O último tópico das regulamentações (que é o primeiro Artigo da Resolução

SE no 3/2010) foi colocado por neste lugar intencionalmente porque a situação que

ele criou na EE Rute José Samuel é simbólica do quanto a EJA é relegada ao último

plano na institucionalização das políticas educacionais. Em 2007, a SE instituiu o

Programa São Paulo faz Escola14, criando um currículo único para todas as escolas

da rede. Parte deste Programa são os Cadernos do Professor e os Cadernos dos

Alunos.

Figura 1: Cadernos do Professor e do Aluno: Programa São Paulo Faz Escola

Fonte: http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/sao-paulo-faz-escola. Acesso em: 20 abr. 2013

No ano de 2008, as escolas regulares receberam a primeira versão deste

material e foi criado um link no site da SE para que os professores apresentassem

suas sugestões e críticas ao material. Em 2009, nova edição dos cadernos foi

impressa e enviada nominalmente aos professores em exercício na rede estadual.

De acordo com a SEE

O Caderno do Professor é um material distribuído para professores de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Composto por 76 cadernos organizados por bimestre, por série e por matéria, ele indica com clareza o conteúdo a ser ministrado aos

14

De acordo com o site da SE: O Programa São Paulo Faz Escola foi criado em 2007 e tem como foco a implantação de um currículo pedagógico único para todas as mais de 5 mil escolas da rede pública estadual.Com o programa, todos os alunos da rede estadual recebem o mesmo material didático e seguem o mesmo plano de aula. O fato de todas as unidades escolares contarem com o mesmo currículo pedagógico auxilia na melhora da qualidade de ensino da rede pública, uma vez que coloca todos os alunos da rede estadual no mesmo nível de aprendizado.A Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB) disponibiliza aos alunos da rede estadual o conteúdo do currículo proposto (Currículo, Cadernos do Gestor, Cadernos do Professor e Cadernos do Aluno) a fim de consolidar a articulação com o currículo em ação nas salas de aula de todo o Estado. Texto disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/sao-paulo-faz-escola Acesso em: 22 abr. 2013.

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alunos da rede pública estadual. É complementar ao material didático que já estava disponível para todas as escolas. (SÃO PAULO, 2008)

Em cumprimento às determinações do Parecer CNE/CEB 11/2000 (BRASIL,

2000) que define que as propostas curriculares da EJA acompanhem as propostas

curriculares do ensino regular, a SE selecionou, organizou e enviou para as escolas

(poucos) exemplares dos Cadernos do Professor adaptados para a EJA. Na

apresentação dos Cadernos informa-se que estas adaptações são um roteiro, com

Situações de Aprendizagem/atividades que deveriam ser privilegiadas para alunos

da EJA. Informa ainda que, partindo do princípio que os Cadernos para o ensino

regular já são recortes do conhecimento socialmente produzido, as adaptações eram

novos recortes baseados em critérios de relevância social, de atividades que

favoreçam a construção de novos conceitos e procedimentos ligados aos temas

propostos nos termos vindouros, respeitando, ainda, a faixa etária dos alunos e que

não demandam muito tempo para estudos fora da escola, visto tratar-se de

trabalhadores, em sua maioria. Para não nos estendermos vamos citar aqui dois

exemplos de cortes feitos nas disciplinas: em Português, no Ensino Médio, foram

eliminados detalhes sobre os movimentos literários; em Sociologia privilegiou-se a

temática do trabalho.

Desta vez os referidos cadernos não foram mais enviados nominalmente aos

professores; passaram a pertencer à escola e por isso são utilizados pelos

professores numa espécie de comodato ou empréstimo, que devem deixá-lo na

escola se eventualmente mudarem de local de exercício. Para os alunos, deveriam

ser utilizados os mesmos Cadernos do ensino regular; as adaptações feitas estavam

nos Cadernos dos Professores: etapas haviam sido eliminadas ou modificadas;

lições de casa não eram solicitadas (por tratar-se de aluno trabalhador), o que

significava, por exemplo, trabalhar as atividades 1 e 4 de determinado Volume, ou

seja: pular atividades, encurtar o currículo proposto para os alunos doensino regular.

Outra “sutil” diferença do ensino regular: o material para o aluno da EJA não

era encaminhado diretamente à escola – uma vez que a utilização desse material

não estava prevista nos serviços de produção e distribuição para essas turmas.

Assim, as escolas de ensino regular recebiam o material, distribuíam para seus

alunos e levavam (por meios próprios, o que equivale a dizer carros de funcionários)

as sobras para as DRE e nós, que tínhamos turmas de EJA íamos até a DRE contar

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e transportar (também por meios próprios) o material necessário. Multiplique-se 12

disciplinas X 4 Volumes de Caderno do Aluno X cada aluno matriculado na EJA em

um semestre. Após o primeiro semestre de tentativas de organização da logística

necessária, a direção, coordenação e professores da EE Rute José Samuel decidiu

não dispender energia neste trabalho e optou por ministrar os conteúdos, propostos

nas orientações para os professores, com os materiais que cada um tivesse,

dispusesse ou quisesse utilizar, ou seja, a maioria optou pela boa e velha lousa e

giz, quando muito um filme ou música, apesar de a escola dispor de vários materiais

como jogos, pranchas de artes, materiais diversos de papelaria, Laboratório e Sala

de Leitura.

A decisão de deixar de empreender esforços para realizar o transporte de

material didático que, no nosso entendimento, deveria ser encaminhado diretamente

para a escola, como acontece com os alunos do ensino regular e, ao optar por isso

ter que buscar alternativas para que os alunos tenham acesso aos conteúdos

propostos pelo Estado, é um exemplo prático da “autonomia relativa” da escola

“hetero-organizada para a reprodução, mas também como uma instância auto-

organizada para a produção de regras e a tomada de decisões” (LIMA, 2008, p. 8).

Criou-se uma regra ad-hoc, uma regra informal para uma circunstância bem

específica e emergencial.

A realidade, imposta pelas instâncias externas às quais a escola está

subordinada, condiciona e, muitas vezes, faz com que as instituições sejam levadas

a auto-organizar-se para manter-se. No caso do material didático em questão, a

auto-organização era decorrente da desorganização da infraestrutura da rede

estadual, que não reconhece o aluno da EJA como destinatário de direitos,

destinando-lhe lugar de aluno de segunda classe. Uma das professoras brincava

afirmando que dentro das nossas possibilidades, a adaptação curricular possível na

EJA transforma-se sempre num apanhado dos melhores momentos do ensino

regular, ou seja, rebaixam-se exigências, seleciona-se o que na avaliação do

professor é mais importante ou mais fácil para os alunos, caracterizando o que

Romão e Gadotti (2007, p. 31) chamam de “uma espécie da “para-sistema” que se

desenvolve paralelamente ao sistema educacional (...) no qual todos os

procedimentos seguem o modelo do ensino regular, apenas se reduzindo as séries a

um semestre” ao que podemos acrescentar: termina por constituir-se em

mecanismos sub-reptícios de distribuição de bens culturais e simbólicos que

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propiciam a exclusão branda por meio de seus insensíveis ajustamentos para

enfrentar as “contradições causadas pelo acesso de novas camadas da população

ao ensino secundário” (BOURDIEU e CHAMPAGNE, 2008, p. 221).

Pergunto-me em que medida a instituição desse “para-sistema” não é

decorrente da imprecisão teórica daqueles que estão encarregados de elaborar

políticas educacionais para nossa sociedade. Creio não ser possível encontrar uma

definição única para política educacional, uma vez que se trata de um conceito

polissêmico. Por isso, neste trabalho vou me utilizar da elaboração de Martins (1994,

p. 8-12) que explica ser um termo representador de um processo só existente

quando a educação assume uma forma organizada sequencial, ditada e definida de

acordo com as finalidades e os interesses que se tem em relação aos aprendizes

envolvidos neste processo. Por isso, pressupõe organização, seletividade e

criteriosidade sobre o que será ou não transmitido e é um dos instrumentos para se

projetar a formação dos tipos de pessoas que uma sociedade necessita. Isso quer

dizer que a política educacional é carregada de intenções. A política educacional,

muito mais que um rol de metas e planos setoriais, é um processo complexo que

não se esgota em programas de governo, mas está presente e atua na subjetividade

humana. Ao tratar da educação, que deve ser transmitida de geração a geração, a

política educacional interfere no corpo de regras sociais constituintes da moralidade

de um grupo, podendo incluir ou excluir valores, e acaba delimitando, assim, o

próprio processo de formação subjetiva do ser humano, que envolve os sentimentos

e as disposições emocionais que vão regular a sua conduta.

Complementando a análise dessa autora, Shiroma, Moraes e Evangelista

(2002, p.8-9) afirmam que as políticas públicas, nas quais a educação se inclui, são

estratégicas para o Estado, pois revelam as características próprias da intervenção

de um Estado na organização e na administração da res publica. Mas o Estado não

age independentemente, pois está comprometido com distintas forças sociais em

confronto, por isso as políticas públicas são sempre mediatizadas por lutas,

pressões e confrontos entre elas. Todas as políticas sociais (e educacionais),

mesmo sob semblante muitas vezes humanitário e benfeitor, expressam as

contradições que acontecem no interior do Estado.

Ao determinar o montante dos recursos a serem destinados à educação, qual

o nível de ensino será priorizado ou ao implementar este ou aquele currículo,

aqueles que têm a responsabilidade de implementar as políticas educacionais detêm

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a capacidade de forjar pessoas e consequentemente influenciar uma sociedade. Por

isso, “toda política educacional é estabelecida e definida por meio de um exercício

prático de poder” (MARTINS, 1994, p. 18). Ao analisar os estudos relacionados à

temática aqui proposta, da forma como é ofertado, na rede estadual em São Paulo,

o EMEJA não tem sido tratado como uma política educacional intencionalmente

planejada com o fim de promover a educação das pessoas às quais se destina.

Trata-se, outrossim, de ações políticas, muitas vezes desconectadas, incoerentes e

contraditórias. A consequência dessas ações políticas têm terminado por pautar a

EJA como curso supletivo ou como aligeiramento/aceleração do ensino regular no

qual a efetivação das diferentes ações não tratam os alunos como sujeitos, mas

como seres invisíveis que, por serem invisíveis de tudo, não têm identidades nem

especificidades a serem contempladas, não requerem formação específica de seus

professores, não requerem infraestrutura adequada (utilizando as salas ociosas das

escolas destinadas ao ensino regular), nem material que seja voltado para eles, que

padecem dos males da inadequação do sistema escolar (regras fixas e inadequadas

às necessidades diferenciadas desses sujeitos/alunos).

As ações educacionais evidenciam, ainda, uma indefinição teórica entre

conteúdo e forma da educação, que atinge não só a EJA, mas também o ensino

regular. Álvaro Vieira Pinto (2003), numa de suas “Sete lições sobre educação de

adultos” assim define:

a) O que constitui o conteúdo da Educação comporta duas respostas distintas: a.1) Segundo o conceito ingênuo (o mais comum), o conteúdo da Educação está definido pela totalidade dos conhecimentos que se transmitem do professor ao aluno. São as disciplinas, o currículo do curso, aquele que enche as lições e são objeto da aprendizagem. a.2) O conceito crítico do conteúdo envolve a totalidade do processo educativo, a qual está sempre presente em cada ato pedagógico (em uma lição, por exemplo). Não está constituído somente por “aquilo que” se ensina, mas igualmente por aquilo “que” ensina, “aquilo que” é ensinado, com todo o complexo de suas condições pessoais, pelas circunstâncias reais dentro das quais se desenvolve o processo educacional.

b) O que constitui a forma da Educação? Igualmente comporta duas respostas distintas: b.1) Segundo o conceito ingênuo, a forma da educação são os procedimentos pedagógicos, o método (com todos seus implementos técnicos) de acordo com o qual é administrado o ensino. É a maneira de transmitir o conhecimento. b.2) Existe, evidentemente, um problema de forma, de método, de transmissão do saber. (...) É necessário compreender que

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forma e conteúdo não são apenas aspectos – distintos, mas unidos – de uma mesma realidade, que é o ato educacional como um todo, concretamente indivisível e só analiticamente separável em partes. Por isso, estão inter-relacionados e se condicionam um ao outro. São aspectos e não componentes autônomos. (PINTO, 2003, pp. 41-45).

Se pensarmos nas ações políticas em implementação na rede estadual,

identificaremos traços profundos da concepção ingênua tanto do conteúdo quanto

da forma da educação. A centralidade do foco da resolução dos problemas que se

apresentam nas escolas recai sempre sobre o entendimento de que os professores

não sabem o que devem e como devem ensinar. Daí iniciativas que se propõem a

definir um currículo – que termina por se consolidar em listas de conteúdos – e

apostilas, cartilhas, nas quais se descrevem passo a passo como o professor deve

fazer e o que deve fazer. Ou os elaboradores das ações educacionais não pensam,

criticamente, a relação entre conteúdo e forma da educação ou estão de tal modo

presos à burocracia institucional e centralizadora das grandes redes, que não

planejam ações concebidas sob a lógica de que

O conteúdo da educação não está constituído somente pela “matéria” do ensino, por aquilo que concretamente pertencem ao ato educacional; assim, são parte do conteúdo da educação: o professor, o aluno, ambos com todas suas condições sociais e pessoais, as instalações da escola, os livros, os materiais didáticos, as condições locais da escola, etc. Não aceitar este ponto de vista é deliberadamente se colocar à margem do mundo real, e raciocinar sobre uma reduzida e arbitrária abstração (a “matéria” do ensino). (PINTO, 2003, p. 42)

1.2 A modalidade EE na Modalidade EJA

Se, por um lado, a disseminação da escolarização tem contribuído para a construção de novos sujeitos sociais, por outro, seu processo de massificação tem produzido uma série de transformações na nossa sociedade. Ao mesmo tempo em que a escola se abre a novos contingentes de alunos, ela se vê obrigada a responder a essa demanda sem estar preparada para uma mudança qualitativa que lhe permita lidar com os anseios desse novo tipo de ator (...) uma escola que não foi pensada nem feita para eles. (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 34)

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O leitor que acompanha este processo até aqui deve lembrar-se que, na

discussão anterior, uma das constatações quanto à produção teórica sobre o

EMEJA é a exiguidade de trabalhos acadêmicos sobre a temática. Quando

agregamos a modalidade EE neste debate o cenário torna-se mais difícil, uma vez

que tanto os autores de referência quanto os estudiosos das pós-graduações das

duas áreas voltam-se especificamente para uma ou para outra área. Os (poucos)

trabalhos que as relacionam discutem majoritariamente a questão da inclusão de DI

nas turmas de alfabetização, portanto, nos anos iniciais do EF na modalidade EJA.

Dos trabalhos consultados decidi apresentar aqui o de Andrade (2008) que

estudou os processos que levaram jovens excluídos do EF regular a retornarem ou

migrarem para EJA, analisando como as questões de gênero, classe social, raça/cor

implicam a in(ex)clusão da/na escola. Após ouvir os depoimentos dos alunos, a

autora conclui que o processo de juvenilização da EJA vem demandando

reconfigurações nesta modalidade, e que a escolarização modela e interfere em

muitas das dimensões e relações que os jovens estabelecem consigo mesmos, com

os outros e com o mundo e que os processos de ex/inclusão da/na escola ocorrem

de modos diferentes conforme os pertencimentos de gênero, classe e raça.

Em que pese o fato de a autora não ter incluído a questão da deficiência entre

suas variáveis, esse trabalho é apresentado aqui porque suas contribuições sobre o

papel da diversidade como um diferenciador nos processos de ex/inclusão da/na

escola, deve ser discutido, uma vez que demonstra que a instituição escolar ainda

não aprendeu, ou não aceitou, trabalhar com aqueles que não apresentam um perfil

esperado, que não é visto e considerado “normal” para aquele lugar. Meu

entendimento é que, no grupo dos alunos não aceitos pela escola, com os quais não

aprendeu a trabalhar, e também nem consegue alcançar adequadamente, estão os

muitos alunos que concluem os anos iniciais do EF sem o domínio das

competências leitora e escritora ou ainda aqueles adolescentes e jovens que

concluem o EF e o Médio sem o domínio das mesmas competências, sofrendo os

efeitos da má escolarização15 por toda a vida.

15

No momento de elaboração deste texto a SE divulgava os resultados de sua última avaliação de larga escala, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) no qual ao final do 5º ano apenas 33,5% dos alunos atingiram o nível adequado de proficiência em língua portuguesa previsto para a série e 14,8% o nível avançado. Olhando pelo outro lado 51,7% de nossas crianças concluíram o primeiro ciclo do EF sem o domínio das competências adequadas esperadas. Se avançarmos para os anos finais do EF (9º ano) o quadro se agrava: apenas 14,0% atingiram o nível adequado e 1,6% conseguiram chegar a patamar avançado de aprendizagem em

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O que permite que isso aconteça? Falta de condições da escola de lidar com

aqueles que têm ritmo diferente de aprendizagem? Despreparo dos (vários)

professores pelos quais esses educandos passaram? Ou é mais fácil imputar a

esses sujeitos a responsabilidade pelas próprias dificuldades ou limitações? É

comum ouvirmos, nas reuniões de Conselho de Classe e Série/Ano, que

determinados alunos não aprendem porque são fracos, preguiçosos ou lentinhos.

Ou, ainda, o mais comum dos argumentos para o fracasso escolar: o mito da

omissão parental, que “é produzido pelos professores que ignorando as lógicas das

configurações familiares, deduzem, a partir dos comportamentos e dos

desempenhos escolares dos alunos, que os pais não se incomodam com os filhos,

deixando-os fazer as coisas sem intervir.” (LAHIRE, 1997, p. 334). Quando

submetidos às avaliações institucionais esses alunos são indicados como aqueles

que apresentam desempenho abaixo do básico (das expectativas de aprendizagem

propostas para o nível e Série/Ano) sendo, portanto, tarefa de todos, na escola,

apoiá-los, trabalhando no sentido de sanar o problema, possibilitando-lhes avançar

rumo aos níveis básico, adequado e, quiçá, avançado! Mas a sabedoria popular nos

ensina que, em diversos setores da vida, quando uma tarefa é atribuída a todos,

indistintamente, provavelmente não será realizada por ninguém. Infelizmente na

escola isso não é diferente.

Quando iniciei minha caminhada de elaboração desta tese, uma das questões

mais difíceis para mim foi definir conceitualmente quais seriam os sujeitos da

pesquisa dentro da EJA: pessoas portadoras de necessidades educacionais

especiais por especificidades e variáveis como diferenças etárias, gênero, etnia,

classe e os chamados comumente de alunos de inclusão (cegos, surdos, deficientes

físicos, etc.) ou me deteria apenas nestes últimos. A crítica dos pareceristas que

analisaram meu projeto foi que eu parecia ter medo de conceituar estas pessoas

Língua Portuguesa. No EM a preocupação se mantém: apenas 26,3% dos nossos jovens que concluíram a escolarização básica no ano de 2012 demonstraram ter domínio adequado da proficiência esperada em língua portuguesa e apenas 0,5% atingiram o nível avançado. Em matemática os números são mais assustadores: 27,1% dos alunos do ciclo I do EF atingiram o nível adequado e 9,7% o avançado; 9,1% e 1,0% respectivamente no segundo ciclo e pasmem: apenas 4,5% dos alunos do EM dominam as proficiências adequadas previstas para esta etapa da escolaridade e 0,3% conseguiram avançar, estando 55,8% dos formandos do Ensino Médio paulista abaixo do básico previsto em matemática. Dados disponíveis em: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/saresp-e-idesp-2012-mostram-melhora-do-ensino-medio. Acesso em: 05 abr. 2013.

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como deficientes (cegos, surdos, deficientes físicos, etc.) e por isso estava

identificando-os tangencialmente, de forma genérica.

Confesso e reconheço que na verdade tratava-se de duas questões distintas:

1) não estava clara para mim a amplitude dos sujeitos e especificidades a serem

investigadas e 2) apesar de minha atuação como professora e coordenadora de uma

escola com grande número de deficientes, não estava completa para mim a

definição do conceito adequado para a identificação desses alunos que eu

denominava, no texto, genericamente como portadores de necessidades

educacionais especiais de origem orgânica.

Naquele momento minhas referências eram a Declaração de Salamanca

(SALAMANCA, 1994), o documento do MEC/SEESP Política Nacional de Educação

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007) e a Deliberação do

Conselho Estadual de Educação (CEE) n.º 68/2007 (SÃO PAULO, 2007).

Como/quem esses documentos definem como público das políticas de educação

inclusiva ou alunos com necessidades educacionais especiais?

A Declaração de Salamanca afirma: “o termo „necessidades educacionais

especiais‟ refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades

educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de

aprendizagem.” (grifo meu) (SALAMANCA, 1994, p. 3). Por sua vez, o documento do

MEC/SEESP (BRASIL, 2007) traz a seguinte definição sobre o seu público alvo:

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover

respostas às necessidades educacionais especiais. (BRASIL, 2007,

p. 8)

Mais à frente o documento apresenta o conceito de deficiência que adota:

considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com

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autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2007, p. 9)

Na Deliberação do CEE n.º 68/2007 (SÃO PAULO, 2007) a legislação paulista

apresenta, na sua definição de educando com necessidades educacionais especiais,

como deficientes os que apresentam transtornos globais do desenvolvimento e

aqueles que apresentam altas habilidades e superdotação, deixando em aberto um

grupo de alunos com outras dificuldades ou limitações:

Art. 3º - Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais: I – alunos com deficiência física, mental, sensorial e múltipla, que demandem atendimento educacional especializado; II – alunos com altas habilidades, superdotação e grande facilidade de aprendizagem, que os levem a dominar, rapidamente, conceitos, procedimentos e atitudes; III – alunos com transtornos invasivos de desenvolvimento; IV – alunos com outras dificuldades ou limitações acentuadas no processo de desenvolvimento, que dificultam o acompanhamento das atividades curriculares e necessitam de recursos pedagógicos adicionais. (SÃO PAULO, 2007) (grifos meus)

A leitura deste artigo da Deliberação me faz entender que o CEE incorpora os

princípios gerais da Declaração de Salamanca (SALAMANCA, 1994) estendendo o

conceito de educandos com necessidades educacionais não apenas para aqueles

com problemas motivados por causas orgânicas (surdos, cegos, deficientes físicos

ou com paralisia cerebral), mas inclui entre esses todos aqueles que apresentem

outras “dificuldades ou limitações que dificultem o acompanhamento das atividades

curriculares e necessitam de recursos pedagógicos adicionais” (SÃO PAULO, 2007).

Mas quem seriam os alunos com outras dificuldades ou limitações? Parecia que não

era só eu que estava indefinida! Se adotasse o entendimento de que todos os

alunos com “dificuldades ou limitações que dificultem o acompanhamento das

atividades curriculares” (SÃO PAULO, 2007) o público alvo das necessidades

educacionais especiais ampliar-se-ia consideravelmente. Por isso definir o normal, o

deficiente, o patológico, o diferente ou com dificuldades ou limitações acentuadas no

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processo de desenvolvimento, era fundamental para mim. Quem é o aluno normal

do EMEJA?

Duas leituras essenciais na construção dessa definição foram os textos de

Durkheim (2007) e Canguilhem (apud COELHO e MONTEIRO, 2010). Ao apontar

“As regras relativas à distinção entre o normal e o patológico” Durkheim afirma que

sua busca é definir saúde e doença em sociologia considerando saúde a plena

adaptação do sujeito ao meio e patologia (doença) o que não está adaptado ou

perturba essa adaptação, ou seja, o que foge à norma, às formas mais gerais de

determinado grupo, comportamento ou instituição social e são normais aqueles fatos

que:

Que podem ser reconhecidos, se não em todos os indivíduos de um

determinado grupo, na maioria;

Podem ser verificados mostrando que a generalidade do fenômeno se

deve às condições gerais da vida coletiva;

Liga-se às condições da vida do grupo do grupo considerado, seja como

necessidade ou meio para a existência do referido grupo;

É relativo ao tipo e estágio de sociedade que se verifica.

Já Canguilhem, a partir da definição de que o normativo é aquilo que

estabelece uma norma considerada comum aos seres daquela espécie, sem deixar

de ser subordinada a quem (ou a que) a instituiu, define o patológico a partir do

normal, “assim a doença difere da saúde, o patológico do normal, como um atributo

difere de outro, quer pela presença ou ausência de um princípio já definido, quer

pela reestruturação da totalidade orgânica.” (COELHO e MONTEIRO, 2010, p. 2).

A partir das formulações desses autores passei a pensar nos alunos da EE

Rute José Samuel. A primeira relação que fiz é a da relatividade da normalidade

dependendo do estágio social, conforme Durkheim, ou a quem ou o que a institui,

conforme Canguilhem. Assim, a definição do que seja um aluno normal tem

determinantes variáveis. Em linhas gerais quando nos referimos ao aluno da

Educação Básica a imagem imediata é de crianças e adolescentes fisicamente

saudáveis, saúde que significa plenas condições motoras para brincar, correr, pintar,

desenhar, falar, cantar, contar. A saúde física, obviamente, acompanhada e

propiciada por perfeitas condições de saúde intelectual como domínio das funções

motoras, inteligência que lhes permita apreender e demonstrar os conhecimentos

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científicos que a escola tem a tarefa de transmitir às novas gerações. Os alunos do

EMEJA, são adultos que por diferentes motivos foram excluídos do grupo dos alunos

“normais” entendidos como aqueles que tiveram condições de cursar regularmente a

escolarização básica. “Anormais” porque em algum momento de sua vida foram

reprovados, por inadequação comportamental à instituição escolar, por ter que

abandonar a escola por necessidades financeiras ou por dificuldades oriundas de

suas deficiências físicas (cegueira, surdez, paralisia cerebral, amputação ou

paralisia de músculos, etc.). Portanto, se observados do ponto de vista dos alunos

normais da Educação Básica, todos os alunos da EJA são anormais, uma vez que

fogem do padrão comum de aluno esperado pela escola.

Se meu objeto de estudo era a educação nesta modalidade diferente, o

conjunto de alunos atendidos por ela forma o grupo normal da EJA, ou seja, neste

grupo é normal ser multirrepetente, ser homens e mulheres de idades variadas, ser

majoritariamente trabalhador oriundo das camadas populares16, ser migrante dos

diferentes recantos desse país continental. A estes se somam os deficientes,

pessoas que conseguiram conquistar visibilidade, respeito e o direito de estar nas

escolas regulares que, por ser aberta para todos, deveria receber e lidar com todos.

Mas esta instituição que sempre se apoiou no trabalho pautado na homogeneidade

do seu público, tem muitas dificuldades para criar as condições necessárias para

lidar com a diversidade, com a heterogeneidade e com as especificidades que são

inerentes ao contingente de alunos da EJA.

A esta altura o leitor deste trabalho já deve estar se perguntando: por este

raciocínio, quais sujeitos sobraram para a pesquisa? Em dado momento dessa

trajetória me fiz esta pergunta e creio que encontrei a saída nas discussões travadas

no dia-a-dia da escola. Para mim, para os demais professores, funcionários e

alunos, quem eram os diferentes, os anormais naquele espaço, quem precisava ser

incluído no EMEJA? A conclusão foi a de que na visão dos diferentes agentes

envolvidos no processo educacional, os alunos diferentes nesse nível e modalidade

de ensino são os que eu definia no projeto original como portadores de

necessidades educacionais de causas orgânicas.

16

Camadas populares devem ser entendidos conforme Glória (2002): referem-se aos grupos cultural e socioeconomicamente desfavorecidos e que não detêm o capital linguístico socialmente reconhecido ou legitimado.

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No dia-a-dia da escola – não apenas da modalidade EJA – aluno pobre ou

que vive “apertado”, homem ou mulher, disciplinado ou indisciplinado, são

características normais, fazendo com que todos sejam vistos e tratados como iguais

(ao menos no discurso), com tudo de positivo e negativo que a igualdade de

tratamento pode significar. O aluno que tira o chão do professor, que

dificulta/modifica o trabalho de organização da escola, que impõe diferentes formas

de convivência com os colegas é, sim, o aluno deficiente conforme definido no (já

citado) documento do MEC/SEESP (BRASIL, 2007): aqueles que tem

“impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em

interação com diversas barreiras, podem ter restringida sua participação plena e

efetiva na escola e na sociedade,” (BRASIL, 2007, p. 9) ou seja, diferente é o surdo,

o cego, o deficiente físico, aqueles que apresentam transtornos globais do

desenvolvimento, alunos com síndromes do espectro do autismo e psicoses e,

ainda, os raros casos de alunos com altas habilidades/superdotação.

Levando em consideração que a definição do que é normal, ou não, depende

do grupo social no qual determinado sujeito vive, para a nossa sociedade capitalista,

na qual todos os sujeitos devem ter condições plenas de se integrar para produzir e

consumir, qualquer pessoa que tenha um problema que dificulte essa integração

plena e gere barreiras no convívio, na comunicação e, principalmente, no

desempenho produtivo é deficiente (para esta sociedade). Na possibilidade dessa

pessoa passar a viver num grupo social onde os valores e objetivos sejam outros,

essa deficiência pode ser vista apenas como uma diferença ou uma característica.

Mas é na sociedade capitalista – que tem como objetivo que todos, indistintamente,

contribuam para a reprodução do sistema – que vivemos, estudamos, pesquisamos

e trabalhamos. É esta sociedade que exclui: as famílias recusam-se ou sofrem muito

para aceitar um filho deficiente porque sabe que ele terá dificuldades para o convívio

social e, nos casos mais severos, nunca será independente (não decidirá os rumos

da própria vida nem proverá seu próprio sustento); as empresas também esperam

que seus funcionários se adaptem às condições oferecidas sem necessidade de

repensar nada em sua estrutura; as escolas esperam que os alunos aprendam o que

ela tem a ensinar no ritmo e com metodologias iguais para todos

(homogeneamente); enfim, todos esperam a normalidade por isso qualquer um que

apresente diferenças precisa, ser incluído. Mas incluído onde? Incluído no conjunto

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dos normais, dos produtivos social e economicamente. A Declaração de Salamanca

(SALAMANCA, 1994) expressa essa visão ao referir-se ao público da EE e da EJA:

Jovens com necessidades educacionais especiais deveriam ser auxiliados no sentido de realizarem uma transição efetiva da escola para o trabalho. Escolas deveriam auxiliá-los a se tornarem economicamente ativos e provê-los com as habilidades necessárias ao cotidiano da vida, oferecendo treinamento em habilidades que correspondam às demandas sociais e de comunicação e às expectativas da vida adulta. Isto implica em tecnologias adequadas de treinamento, incluindo experiências diretas em situações da vida real, fora da escola. O currículo para estudantes mais maduros e com necessidades educacionais especiais deveria incluir programas específicos de transição, apoio de entrada para a educação superior sempre que possível e consequente treinamento vocacional que os prepare a funcionar independentemente enquanto membros contribuintes em suas comunidades e após o término da escolarização. Tais atividades deveriam ser levadas a cabo com o envolvimento ativo de aconselhadores vocacionais, oficinas de trabalho, associações de profissionais, autoridades locais e seus

respectivos serviços e agências. (SALAMANCA, 1994, p. 13) (grifos meus)

A mesma ideia está expressa no documento do MEC/SEESP (BRASIL, 2007):

na modalidade de educação de jovens e adultos e educação profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades de escolarização, formação para ingresso no mundo do trabalho e efetiva participação social.” (BRASIL, 2007, p. 10)

Definido que o público do trabalho seriam os deficientes e não todo o conjunto

de alunos da EJA que apresentam necessidades educacionais especiais faltava

ainda dissipar a imprecisão conceitual em torno da definição de educação inclusiva

ou EE, presentes nos documentos legais apresentadas anteriormente neste

trabalho. Para isso foi fundamental a discussão apresentada por Bueno (2008) pelo

texto As políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação especial? O

autor analisa diferentes versões da Declaração de Salamanca (SALAMANCA, 1994)

publicadas no Brasil nas quais se verificam modificações que nos permite

compreender as divergências conceituais apontadas anteriormente, estas estão

sintetizadas no Quadro 1, na próxima página.

Na comparação das versões desse importante documento o autor chama

nossa atenção para observarmos que elas não podem ser atribuídas a enganos ou a

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questões semânticas, mas expressam concepções políticas que apontam no sentido

de reduzir o conceito de educação inclusiva à EE, voltada ao atendimento dos

alunos com deficiências. Nesta lógica, as políticas de inclusão escolar passaram a

ser tratadas como prerrogativa da EE, termo que “em nenhum momento aparece no

texto original da Declaração [de Salamanca] como responsável pelas políticas de

integração/inclusão escolar” (BUENO, 2008, p. 50). Se pensarmos o quanto a nossa

educação básica está distante do objetivo de integrar, de incluir verdadeiramente

crianças, jovens e adultos, oferecendo, a todos, escolarização que transcenda as

necessidades básicas de aprendizagem, precisamos ampliar nosso olhar definindo a

educação inclusiva como “um objetivo político a ser alcançado”, na qual se incluem

todos os alunos que, por um motivo ou por outro, são vítimas da má escolarização e

do “fracasso escolar [que] têm se abatido sobre os deserdados sociais, sejam eles

deficientes, com distúrbios ou “normais”. (BUENO, 2008, p. 49)

Quadro 1: Declaração de Salamanca: duas versões

Tradução impressa publicada pela Coordenadoria Nacional para a Pessoa

Portadora de Deficiência (CORDE)

Versão eletrônica disponível no site da CORDE

As escolas comuns com essa orientação integradora, representam o meio mais eficaz para combater atitudes discriminatórias (Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, 1994, p. 10)

Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias. (disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/sicorde/decl_s

alamanca.asp) Acesso em 10/07/2007

(...) instamos (...) aos governos a defender o enfoque da escolarização integradora e apoiar programas de ensino que facilitem a educação de alunos e alunas com necessidades educativas especiais. (Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, 1994, p. 11)

(...) congregamos (...) os governos a endossar a perspectiva de escolarização inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os programas educacionais. (disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/sicorde/decl_s

alamanca.asp) Acesso em 10/07/2007

Assegurar que, num contexto de mudança sistemática, os programas de formação do professorado, tanto inicial quanto contínua, estejam voltados para atender às necessidades educativas especiais nas escolas integradoras. (Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, 1994, p. 12)

Garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas. (disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/sicorde/decl_s

alamanca.asp) Acesso em 10/07/2007.

Fonte: Dados obtidos em Bueno (2008, p. 43 - 63). Organizado pela autora

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Assim sendo, estava definido o conceito a ser utilizado no trabalho: educação

inclusiva num plano mais amplo, voltada para todos os portadores de necessidades

educacionais especiais e a EE voltada para a garantia da inclusão escolar dos

alunos deficientes, com transtornos globais do desenvolvimento, com síndromes do

espectro do autismo e psicoses e alunos com altas habilidades/superdotação.

Esse processo de definição foi discutido com os professores e contribuiu para

desnaturalizar, naqueles que ainda tinham, a visão de que os discursos integradores

e inclusivos têm como objetivo a intenção purista e desinteressada da produção do

bem estar daqueles que apresentam qualquer tipo de deficiência. Lembrando a

todos qual é mesmo o objetivo final e legal da Educação Básica: “assegurar a todos

os brasileiros a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e

fornecer-lhes os meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”

(BRASIL, 1996). Ou seja, trabalhamos para fornecer aos educandos os meios

necessários para que se integrem e produzam para si e para a sociedade,

trabalhamos para a reprodução da sociedade, seja ela qual for. Infelizmente essa

conclusão foi chocante para alguns porque acreditavam que trabalhamos para que

os alunos revolucionem a sociedade e associam a palavra reprodução a algo

pejorativo e sempre ruim. Não haviam pensado que se uma revolução for feita, e

mudar a sociedade, esta precisará ser reproduzida para se manter e não voltar ao

estágio anterior, e outros nunca haviam pensado no trabalho docente como

importante para a manutenção da sociedade; são professores que nunca haviam

pensado no papel social da escola.

A ação cega faz com que parte dos professores vivam o dia-a-dia

considerando a escola uma instituição pura e quase desvinculada dos jogos de força

que a circundam e a condicionam, uma instituição unicamente responsável pela

transmissão de conhecimentos legítimos e por tornar os alunos aptos e legitimados

(pelos certificados e diplomas) a ocuparem um lugar melhor na sociedade, cabendo

ao aluno demonstrar que tem mérito e soube usufruir das benesses educacionais

oferecidas pela instituição escolar. Logo, se não for bem sucedido nos seus projetos

de felicidade é porque ele, aluno sujeito, não merece e, ou, não se preparou como

deveria e poderia. Tem-se a impressão que:

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Eles só fazem bem o que têm a fazer (objetivamente) porque acreditam fazer uma coisa diferente do que fazem; porque fazem uma coisa diferente do que acreditam fazer; porque eles acreditam no que eles acreditam fazer. Mistificadores mistificados, eles são as primeiras vítimas das operações que efetuam. É porque acreditam operar uma classificação propriamente escolar ou mesmo especificamente “filosófica”, porque eles acreditam atribuir diplomas de qualificação carismática (“espírito filosófico”, etc.), que o sistema pode operar uma verdadeira reviravolta do sentido de suas práticas, conseguindo que façam aquilo que nem “por todo ouro do mundo” fariam. (BOURDIEU e SAINT-MARTIN 2008. p. 192)

Toda a discussão anterior permitiu a definição da EJA e da EE como

modalidades que têm como objetivo propiciar a inclusão escolar de alunos,

deficientes ou não, na educação básica. Deste processo uma pergunta nova surgiu:

qual era a dimensão desse universo de alunos atendido pelas modalidades objeto

deste trabalho na nossa rede? Para responder a essa pergunta busquei informações

junto ao Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), no qual são coletados, junto às escolas do

país, dados referentes à estrutura dos estabelecimentos, às matrículas,

caracterização dos docentes, movimentação e rendimento escolar. Os dados estão

disponíveis desde 1999 mas a forma de apresentação destes, até 2006, dificulta a

verificação da distribuição do atendimento das modalidades EJA e EE nos níveis

Fundamental e Médio. A partir do ano de 2007 o portal do INEP apresenta esses

dados de forma mais completa: as matrículas foram desmembradas por nível de

ensino (educação infantil, ensino fundamental e médio) e também por modalidades

(EJA, EE, Educação Profissional). Inicialmente os dados selecionados e

apresentados na Tabela 4, trataria apenas das matrículas no Ensino Médio oferecido

pela rede estadual, uma vez que o objetivo era visualizar o tamanho das duas

modalidades neste nível de ensino, mas o processo de elaboração mostrou ser

interessante expor ao leitor os dados referentes ao EF com o objetivo de contribuir

para o mapeamento do contingente de alunos atendido pela EJA, pela EE e pelas

duas modalidades ao mesmo tempo, para reiterarmos que esta não é a realidade

apenas da EE Rute José Samuel, que a mesma realidade é encontrada no estado e

na capital de São Paulo.

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Tabela 4: Matrículas na Rede Estadual de São Paulo: Dados do Censo Escolar

Ensino Regular EJA (presencial + semi presencial)

Educação Especial

Educ. Especial na EJA

Estado Capital Estado Capital Estado Capital Estado Capital

Fu

nd

am

en

tal

2007 2.841.788 775.383 193.392 13.648 36.999 10.246 817 23

2008 2.771.588 771.765 168.460 13.527 42.066 10.315 987 34

2009 2.674.586 752.924 142.249 12.438 47.903 11.047 1.213 34

2010 2.592.461 746.745 91.331 8.020 46.039 10.088 851 34

2011 2.523.666 743.583 70.208 5.660 40.703 9.969 761 33

Total 13.404.089 3.790.400 665.640 53.293 213.710 51.665 4.629 158

Méd

io

2007 1.470.524 380.250 449.844 126.861 4.499 723 1.371 678

2008 1.478.373 375.359 427.443 124.952 5.472 747 1.364 535

2009 1.485.610 379.807 377.341 109.986 7.035 806 1.354 356

2010 1.558.942 402.562 281.405 86.332 8.185 974 1.075 305

2011 1.582.146 413.437 228.855 71.732 8.784 1.311 1.056 283

Total 7.575.595 1.951.415 1.764.888 519.863 33.975 4.561 6.220 2.157

Total Geral 20.979.684 5.741.815 2.430.528 573.156 247.685 56.226 10.849 2.315

Fonte: BRASIL. 2011. Resultados Finais do Censo Escolar. Organizado pela autora

A observação e análise da Tabela 4 permitem apontar alguns dados

interessantes.

Enquanto as matrículas do EF apresentam quedas anuais, as matrículas do

Ensino Médio demonstram comportamento inverso: aumentam anualmente. De

acordo com o Resumo Técnico do Censo Escolar 2011 (BRASIL, 2011) os motivos

desse comportamento podem ser atribuídos à acomodação do sistema educacional

que vem corrigindo seu histórico de retenções e, com isso, diminuindo também a

distorção idade-série, principalmente no EF. Esse processo resulta na modificação

do fluxo escolar que aumenta a demanda para o Ensino Médio que ainda tem

espaço para ampliação, considerando o tamanho da coorte adequada para este

nível da Educação Básica.

Ao observarmos a EE, vemos pequenas variações anuais no número de

matrículas no EF, tanto no estado de São Paulo, como um todo, quanto na capital,

em particular. Já no Ensino Médio estes números aumentam anualmente, tendo

praticamente dobrado no período de 2007 a 2011. Essa variação pode ser explicada

pelas políticas que têm possibilitado a correção do fluxo de alunos do EF para o

Médio, pela maior permanência dos alunos deficientes na escola e pelo ingresso de

alunos deficientes que frequentaram o EF em escolas e classes especiais nas

escolas regulares da rede estadual.

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A terceira observação refere-se ao decréscimo de matrículas na EJA tanto de

EF quanto de Ensino Médio. Considerando que, de acordo com o Censo

Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010

(BRASIL, 2010, p. 62) 64% (sessenta e quatro por cento) da população brasileira

acima de 25 (vinte e cinco) anos não tem o Ensino Médio, sendo 49,3% (quarenta e

nove vírgula três por cento) sem instrução e EF incompleto e, ainda, 14,7% (catorze

vírgula sete por cento) da população acima de 25 (vinte e cinco) anos ensino médio

incompleto, vemos que há espaço para a expansão da matrícula uma vez que o

atendimento de EJA é muito menor e aquém do que poderia ser, mas como bem

afirma Gadotti (2011) parece que o(s) governo(s):

Está [estão] desarmado[s] teórica e praticamente para enfrentar o problema da educação para todos os brasileiros. Assinou a “Declaração Mundial de educação para Todos” e o “Plano De Ação Para Satisfazer as Necessidades Básicas De Aprendizagem” [e a Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos de 1997] mas não demonstra vontade política para honrar os compromissos assumidos.” (GADOTTI e ROMÃO, 2011, p. 46) (negrito no original)

Concordo com Freitas (1992) quando afirma que o termo vontade política

deve ser utilizado com cuidado, pois “sugere que os problemas sociais poderiam ser

superados com a „vontade‟ de algumas pessoas, desde que se dispusesse a

resolvê-los.” Como não estamos tratando de pessoas e sim de política de Estado,

utilizo a citação ciente do seu significado: a falta de vontade política pode ser

reconhecida quando vimos anteriormente o tratamento meramente economicista

dispensado à EJA bem como formas escamoteadas de cumprimento da

responsabilidade estabelecida no artigo 5º da LDB:

que encaminha à cobrança do direito público subjetivo e que tem, entre seus preliminares, o recenseamento da população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso (art. 5º, § 1º , I) e fazer-lhes a chamada pública. (art. 5º § 1º, II). Isto importa em oferta necessária da parte dos poderes públicos a fim de que o censo e a chamada escolares não signifiquem apenas um registro estatístico.” (BRASIL, 2000, p. 23)

A população em idade escolar está recenseada pelo IBGE, inclusive a

população de adultos que não teve acesso à escola na idade adequada, mas a

oferta de cursos e exames é feita dentro de limites burocráticos tão grandes e com

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formas de chamamento tão tímidas que a impressão criada é a de que não se quer

alcançar o contingente que tem, garantido, o direito subjetivo à educação. Assim,

vemos no Estado de São Paulo, chamadas para o Exame Nacional para Certificação

de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), realizados em parceria com o

INEP serem divulgadas no Diário Oficial e no site do governo estadual. Não é

preciso muito empenho intelectual para duvidarmos da eficácia desses mecanismos

de divulgação para alcançar a população alvo dos exames de certificação.

Igualmente ineficaz é o cadastramento de alunos para a abertura das classes para o

ano seguinte: o chamamento é realizado em agosto e o cadastramento entre os

meses de setembro a novembro. Divulgado através de resoluções como, por

exemplo, a Resolução SE nº 55/2011 (SÃO PAULO, 2011) compete às escolas fazer

a divulgação por meios próprios e de acordo com suas possibilidades e

conveniências. Em janeiro, pouco antes do início das aulas, quando as pessoas

procuram as escolas não há vagas, uma vez que as turmas foram criadas com base

nos cadastros de realizados nos meses anteriores. É bem verdade que se pode

conseguir autorizações de aberturas de novas turmas, mas, para isso a direção da

escola precisa comprovar que tem matriculados em torno de 60 (sessenta) alunos

na mesma turma para ser autorizada a “desdobrá-la”, devendo então completar a

capacidade da turma que deve ser composta por, em média, 40 (quarenta) alunos,

conforme o Artigo 4º, Inciso III da Resolução SE no 3/2010 (SÃO PAULO, 2010).

A crítica aqui, caro leitor, é a de não haver uma política de educação

intencional, articulada que crie amplas possibilidades de divulgação junto à

população trabalhadora. Se houvesse intencionalidade e vontade política, a

divulgação seria feita nos ônibus, metrôs, postos de saúde, na televisão, shoppings,

fábricas, enfim, nos locais onde a público alvo da EJA circula e não nas escolas, de

onde eles estão excluídos.

Os números que mais chamam a atenção na Tabela 4 são aqueles que

demonstram a disparidade de tamanho das duas modalidades de ensino analisadas

aqui: mesmo considerando a queda constante do número de matriculas na EJA,

quando comparadas, a EJA atende a um contingente imensamente maior que a EE.

No entanto, as políticas para esta última têm sido priorizadas, resultando na

ampliação do atendimento aos alunos que necessitam desse trabalho diferenciado.

No caso da EJA o que vemos é diferente: como discutimos anteriormente, seja por

vias indiretas, por omissão ou por falta de vontade política, na prática temos a

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efetivação da proposta de Darcy Ribeiro, nomeada por Gadotti (2011, p. 56) de

“eutanásia pedagógica”: esperar que a morte resolva o analfabetismo adulto e eu

acrescentaria, esperar que a morte17 resolva os “64% (sessenta e quatro por cento)”

(BRASIL, 2010, p. 62) de brasileiros com mais de 25 (vinte e cinco) anos que não

concluíram a escolarização considerada básica para os brasileiros. Temos que

concordar que “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise,

é um programa. Um programa em curso.” (RIBEIRO, 1986, p. 09)

Um exemplo da falta de vontade política e da indefinição dos programas e

projetos políticos da rede estadual nesse sentido pode ser pecebido num processo

em andamento: em julho de 2011 a SE publicou o Decreto no 57.141/2011 (SÃO

PAULO, 2011) que reorganizou toda sua estrutura. No Artigo 47 registra-se a

criação de Centros de Ensino destinados aos diferentes níveis e modalidades de

ensino: Centro de Ensino Fundamental dos Anos Iniciais, Centro de Ensino

Fundamental dos Anos Finais, do Ensino Médio e da Educação Profissional, do

Centro de Educação de Jovens e Adultos e do Centro de Atendimento Especializado

que, nas suas respectivas áreas de especialização têm a incumbência de:

a) elaborar, atualizar e normatizar o currículo; b) elaborar e propor diretrizes e normas pedagógicas; c) orientar as Diretorias de Ensino e as escolas na implementação do currículo e das normas e diretrizes pedagógicas; d) desenvolver materiais didáticos para alunos e docentes, orientando sua utilização; e) elaborar: 1. instrumentos de avaliação do currículo e do processo de ensino-aprendizagem, orientando sua aplicação; 2. normas e procedimentos de supervisão e coordenação pedagógica para os diferentes níveis e modalidades de ensino; f) especificar recursos didáticos e paradidáticos necessários e orientar sua aplicação; g) propor a definição de políticas, diretrizes e parâmetros para processos de avaliação de desempenho do ensino fundamental e médio, em articulação com a Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional; h) analisar os resultados das avaliações do

17 Quem se ocupe em pensar um minuto que seja sobre o tema, verá que é óbvio que quem acaba

com o analfabetismo adulto é a morte. Esta é a solução natural. Não se precisa matar ninguém, não se assustem! Quem mata é a própria vida, que traz em si o germe da morte. Todos sabem que a maior parte dos analfabetos está concentrada nas camadas mais velhas e mais pobres da população. Sabe-se, também, que esse pessoal vive pouco, porque come pouco. Sendo assim, basta esperar alguns anos e se acaba com o analfabetismo. Mas só se acaba com a condição de que não se produzam novos analfabetos. Para tanto, tem-se que dar prioridade total, federal, à não-produção de analfabetos. Pegar, caçar (com e cedilha) todos os meninos de sete anos para matricular na escola primária, aos cuidados de professores capazes e devotados, a fim de não mais produzir analfabetos. Porém, se se escolarizasse a criançada toda, e se o sistema continuasse matando os velhinhos analfabetos com que contamos, aí pelo ano 2.000 não teríamos mais um só analfabeto. Percebem agora onde está o nó da questão? (RIBEIRO,1986).

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ensino, sugerindo a adoção de medidas para correção de rumos e aprimoramento. (SÃO PAULO, 2011, p. 13)

Além das determinações contidas no Artigo 47 do Decreto no 57.141/2011

(SÃO PAULO, 2011), o documento encaminhado às DRE e às escolas, intitulado

“Orientações para a organização dos trabalhos para o ano letivo de 2012”, explica: o

Centro de Atendimento Especializado (CAESP) subdivide-se em dois núcleos:

Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado (CAPE), responsável pela EE e o

“Núcleo de Inclusão Educacional (NINC), responsável pelas questões indígenas,

quilombolas, além do atendimento a outros públicos que requeiram atenção

específica no EF e Médio.” (SÃO PAULO, 2012, p. 08) (grifos meus). De acordo com

o documento por meio CAESP:

As novas demandas, advindas da heterogeneidade atendida pela rede pública, são estudadas e encaminhadas às Coordenadorias responsáveis. Tais demandas envolvem tanto questões pedagógicas quanto financeiras, bem como a criação de novas funções no quadro funcional da SEE e o acompanhamento de novos convênios. (SÃO PAULO, 2012, p. 08)

A leitura das tarefas do CAESP modifica a visão do público alvo das políticas

de inclusão escolar da SE expressas anteriormente na Deliberação CEE 68/2007

(SÃO PAULO, 2007) pois coloca no mesmo Centro de Atendimento os deficientes,

os indígenas, os quilombolas e outros não identificados. Recentemente, em

Orientação Técnica destinada á supervisores, diretores e professores

coordenadores, numa explicação sobre a nova estrutura da SE, a atual

coordenadora da Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB) informou

quem são os outros públicos que requerem atenção específica: são aqueles aos

quais possam se destinar os a educação das relações etnico-raciais e a educação

para a diversidade sexual. O público da EJA está contemplados num setor

específico: o Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) que é:

responsável pelas questões relativas ao atendimento educacional daqueles que, por diferentes motivos, não tiveram acesso à escolarização na idade própria ou cujos estudos não tiveram continuidade no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. As ações do CEJA se destinam ao apoio e orientação do trabalho desenvolvido: no Programa Alfabetiza São Paulo, nas Classes de Educação de Jovens e Adultos, nas Telessalas e nos Centros

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Estaduais de Educação de Jovens e Adultos - CEEJA. São atribuições do CEJA, de acordo com o artigo 47, do Decreto nº 57.141/2011: proposição, elaboração e revisão de diretrizes e normas pedagógicas para a Educação de Jovens e Adultos – EJA. (SÃO PAULO, 2012, p. 09)

A dúvida que a separação desses grupos em diferentes Centros suscita é:

qual a concepção de educação inclusiva da SE do estado de São Paulo? É a de

Jomtien que amplia o enfoque da educação inclusiva para os diversos grupos

excluídos? Se sim, porque separar o público da EJA em outro Centro de

Atendimento? Se não, porque agregar os temas ligados á educação indígena,

quilombola, étnici-racial e diversidadesexual no Centro de Atendimento

Especializado?

De qualquer forma é preciso admitir que mesmo com a confusão conceitual

exposta acima o CAESP tem se mostrado mais ativo na rede estadual do que o

CEJA, responsável por orientar e apoiar a EJA. Até o momento de finalização deste

trabalho, mesmo atuando cotiadianamente como supervisora dentro de uma DRE,

atenta a qualquer possível movimentação nessas modalidades, as notícias que

tenho são de ações do CAPE no sentido de atender as demandas das escolas por

materiais e as demandas do Ministério Público quanto à urgência no atendimento às

questões de adequações arquitetônicas das escolas, transporte, contratação de

pessoal especializado (professores e cuidadores). Do NINC tem-se informações da

realização de três encontros para tratar da questão quilombola18 nas DRE que

contam com 26 (vinte e seis) escolas estaduais quilombolas (Apiaí e Registro) e o

último na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores, com a presença

de cerca de 150 educadores. Quanto à Educação Escolar indígena19, a SE informa

atender os descendentes de povos indígenas das etnias guarani, tupi-guarani,

terena, kaingang e krenak nas regiões das DRE de Bauru, Caraguatatuba, Itararé,

Miracatu, Penápolis, Registro, Santos, São Paulo (DRE Norte 1 e Sul 3), tendo

conseguido ampliar, de 2012 para 2013, o número de professores indígenas em

atuação em 34% e o número de alunos atendidos também. Quanto ao CEJA, a única

ação de que tive notícias é a organização ENCCEJA, que acontece periodicamente

conforme determinação do INEP desde o ano de 2002, conforme a Portaria no

18

Informação disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/educacao-quilombola-e-tema-de-orientacao-tecnica-na-rede-estadual Acesso em: 14 mai. 2013. 19

Informação disponível em: http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/educacao-indigena Acesso em: 14 mai. 2013.

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77/2002 (BRASIL, 2002). Na chamada para a prova realizada no primeiro semstre

de 2013, a chamada se deu da forma discreta explicada anteriormente.

Espero que num futuro breve minhas críticas quanto à falta de ações políticas

específicas para a EJA possam ser superadas por ações emanadas desse Centro.

1.3 É possível outro cenário para o EMEJA/EE?

Ao contrário de respondermos a pergunta-título ao final deste tópico, aqui

quero começar respondendo: é possível outro cenário para o EMEJA/EE? As

experiências empíricas vividas no trabalho diário na rede estadual de ensino, os

estudos teóricos, o levantamento bibliográfico e documental reforçam a tese

apresentada ao leitor no início deste trabalho: a de que o Estado brasileiro – por

meio dos entes federais, estaduais – mantém ou cria um conjunto de impedimentos

de ordem organizacional, político, burocrático e pedagógica de tal monta que, ao

invés de apoiar, prejudicam, produzem barreiras para que as escolas alcancem o

objetivo estabelecido para elas. Mas há ações exitosas e avanços que podem servir

de exemplo e de estímulo para a continuidade do trabalho.

Estudos nos mostram que o processo de mudanças é lento, mas progressivo.

Ainda em 2002, Soares afirmava: “estamos em um período de transição, convivendo

com antigas práticas como a do „ensino supletivo‟ marcada pelo aligeiramento do

ensino, e uma nova concepção de educação expressa pelo direito e por uma

Quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes importa, seus atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de reconhecimento, de submissão. Porém, por mais exata que seja a correspondência entre as realidades, ou os processos do mundo natural, e os princípios de visão e divisão que lhes são aplicados, há sempre lugar para uma luta cognitiva a propósito do sentido das coisas do mundo (...). A indeterminação parcial de certos objetos autoriza, de fato, interpretações antagônicas, oferecendo aos dominados uma possibilidade de resistência contra o efeito de imposição simbólica. (BOURDIEU, 2011, p. 22).

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educação de qualidade.” (SOARES, 2002, p. 7). Passada mais de uma década

dessa afirmação, pelo menos para o estado de São Paulo, onde estão concentradas

as ações governamentais voltadas para a EJA no nível médio, caminhamos

lentamente no processo de cumprir as funções estabelecidas para a EJA, conforme

(SOARES, 2002, p. 13):

Função reparadora, que se refere ao ingresso no circuito dos direitos civis,

pela restauração de um direito negado;

Função equalizadora, que propõe garantir uma redistribuição e alocação em

vista de mais igualdade de modo a proporcionar maiores oportunidades de

acesso e permanência na escola, aos que até então foram mais

desfavorecidos;

Função qualificadora. É a função correspondente às necessidades de

atualização e de aprendizagem contínuas, próprias da era em que nos

encontramos. Diz respeito ao processo permanente de educação ao longo da

vida.

No âmbito da EE é Bueno (2008, p. 60) que nos convoca a perceber que cabe

a nós, estudiosos, envidar esforços para que a:

„inclusão escolar‟ não se restrinja somente à população tradicionalmente atendida por ela, pois se assim for ela estará fadada ao insucesso, já que as diferentes expressões do fracasso escolar têm se abatido sobre os deserdados sociais, criados por políticas econômicas e sociais altamente injustas, sejam eles deficientes, com distúrbios ou „normais‟. (BUENO, 2008, p. 60)

E o que podemos ou devemos fazer nesse sentido? Longe de transformar

este texto numa discussão panfletária, voluntarista, creio ser necessário nos

apropriarmos das contribuições expressas por Bourdieu na epígrafe deste subtítulo:

fugirmos de pensamentos e percepções estruturados conforme, e pelas estruturas

das relações de dominação que vivemos. É preciso que não permitamos que nossos

atos de conhecimento e de reconhecimento da realidade que vivemos se

transformem em amarras que a tudo naturalize, devemos, antes, empreender a luta

cognitiva, por meio do debate, de propostas, da discussão dos processos

educacionais, valorizando as possibilidades de resistência contra o efeito de

imposição simbólica que atinge a todos os agentes da educação, sejam eles alunos,

professores, gestores ou elaboradores.

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Respondendo à pergunta lançada no início deste tópico, penso que outro

cenário para o EMEJA/EE seria possível. Para isso, o ponto de partida deveria se

voltar para todo o Ensino Médio, buscando soluções para as questões encerradas

na trindade ausente do Ensino Médio abandonado de que falamos anteriormente, ou

seja, lidando articuladamente, com a colocação do Ensino Médio como “componente

estruturante da educação básica” (CARNEIRO, 2012, p. 58) extensivo a todos, de

oferecimento obrigatório, com profissionais preparados e dedicados a lidar com

jovens (no ensino regular) e adultos (na EJA), remunerados dignamente e com

condições de trabalho intencionalmente pensadas, não como aproveitamento das

sobras do EF.

Além dos investimentos de diferentes ordens para eliminar a trindade ausente

do Ensino Médio, um passo fundamental seria a abertura da SE aos debates sociais

que envolvem as duas modalidades, colocando em diálogo os formuladores, os

executores e os destinatários das ações. Se puder prescrever ações, outro passo,

seria a proposta de Romão e Gadotti:

Os integrantes do governo devem, também, ser alvo da Educação de Adultos para que aprendam que o desenvolvimento com justiça social só pode ser alcançado quando as próprias pessoas participam da formulação das políticas e da elaboração de planos, programas e projetos que interferirão em suas vidas. Enquanto permanecer a visão de que o governo está de um lado e a sociedade de outro, as ações governamentais voltadas para a população ou serão paternalistas ou serão ditatoriais. (ROMÃO e GADOTTI, 2007, 108)

Nossa bandeira, na luta cognitiva em defesa de verdadeiras educação de

adultos e Educação Especial não podem ser desenvolvidas por meio de campanhas

isoladas, trabalho voluntário, sistemas compensatórios. Devem, ao contrário, ser

derivadas de políticas de estado e não de governos transitórios, precisam ser “ações

sistemáticas, metódicas, profissionais e prioritárias.” (ROMÃO e GADOTTI, 2007,

108). Não devemos entender a ideia de prioridade a essas modalidades como

concorrência com o ensino regular, mas como forma de realmente propiciar a

educação para todos.

Como professora, coordenadora e como supervisora de ensino, posso afirmar

que o diálogo entre os profissionais que atuam nas escolas que oferecem as

modalidades EJA e EE com agentes sociais de outras áreas, são raríssimos ou

inexistentes. No que diz respeito à EE, acontecem alguns diálogos com instituições

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especializadas, mas são diálogos notadamente utilitários, nos quais se buscam

formas, “procedimentos pedagógicos, o método (...) maneiras de transmitir o

conhecimento.” (PINTO, 2003, p. 44).

No que diz respeito à EJA, não se tem notícias, divulgações ou convites para

participação nos fóruns de EJA, nas conferências nacionais e internacionais, ou se

há algum diálogo com as iniciativas promovidas por organizações de trabalhadores e

empresários, bem como “as numerosas e crescentes iniciativas municipais que

surgem a todo tempo. (...) somam-se as experiências de grupos populares e de

organizações não-governamentais”. (SOARES, 2002, p. 08).

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CAPÍTULO II O CENÁRIO DA PESQUISA: A ORGANIZAÇÃO DO

CAMPO EMPÍRICO

2.1 A busca do campo empírico

De acordo com os dados do Censo Escolar, expostos na Tabela 4 (p. 74

desta tese), no capítulo anterior, no ano de 2011 havia 283 (duzentos e oitenta e

três) alunos deficientes matriculados no EMEJA na cidade de São Paulo. Destes, 26

(vinte e seis) estavam matriculados na EE Rute José Samuel, de acordo com o

levantamento documental realizado. Onde estariam os demais? Diante desta dúvida

seria necessário um mapeamento das escolas da capital, o que foi buscado junto ao

CAPE que, de acordo com sua página na internet:

atua no gerenciamento, acompanhamento, e suporte às ações regionais de educação especial, nos processos de formação continuada, na provisão de recursos e na articulação das escolas com a comunidade, procedendo a orientações e encaminhamentos. (SÃO PAULO, 2012)

A expectativa era que o Núcleo dispusesse de informações sobre a

distribuição daqueles 283 (duzentos e oitenta e três) alunos pelas escolas estaduais

da capita paulista. Minha suposição era a de que encontraria um cadastro dos

alunos deficientes por escola, nível de ensino e até por modalidade, uma vez que

teriam que providenciar os materiais para cada um. Num primeiro contato telefônico

fui orientada a encaminhar um e-mail para a Coordenadora do Núcleo que

responderia minhas questões ou encaminharia a quem pudesse fazê-lo a contento.

Passados quinze dias do envio do e-mail entrei novamente em contato e foi

solicitado que eu aguardasse, uma vez que a Coordenadora não recebera ainda

meu pedido de informações em virtude do excesso de atividades. Nas outras vezes

que cobrei recebi respostas semelhantes, chegando mesmo a refazer o pedido

outras vezes.

Como as solicitações feitas pelos canais indicados pela instituição (emails e

telefonemas) não foram respondidos a esta pesquisadora, as mesmas solicitações

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foram protocoladas nas 13 (treze) DRE da capital (Figura 2), por meio de uma carta

de apresentação fornecida pela Universidade, uma breve explicação do projeto,

motivos do questionamento e algumas questões sobre EJA e EE. A tarefa mostrou-

se muito esclarecedora do desconhecimento e desrespeito aos direitos do cidadão à

informações, dos entraves burocráticos e do desinteresse ou descrédito pelos

pesquisadores.

Figura 2: Divisão Geo-Administrativa das DRE da rede estadual na cidade de São Paulo

Fonte: http://escola.edunet.sp.gov.br/Map_Cap_Diretoria.asp Acesso em: 10 jan. 2012

Três DRE indeferiram a solicitação alegando que eu deveria buscar respostas

junto à SE ou à Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), órgão

em extinção naquele período em face da publicação do Decreto no 57.141/2011

(SÃO PAULO, 2011). Em outra, entre setembro de 2011 e março de 2012, foi

alegado que não seria possível obter resposta porque o supervisor de ensino

responsável pela EE estava em licença médica por tempo indeterminado.

Outras 3 (três) DER solicitaram que eu aguardasse, que entrariam em contato

quando houvesse resposta. Fui contactada por telefone por Professores

Coordenadores de Núcleos Pedagógicos (PCNP) responsáveis pela EE de outras 3

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(três) DRE que disseram não ter informações de alunos deficientes matriculados nas

escolas de suas jurisdições que EMEJA.

Essa recusa e falta de informações organizadas são denotativas da falta de

sistematização do trabalho realizado nas escolas, uma vez que, caso houvesse

informações, acredito que as DRE teriam interesse em divulgá-las. Questionamentos

trazem desconforto, sendo mais fácil ignorá-los ou silenciá-los do que buscar ou

enfrentar as respostas. Excluindo-se os alunos matriculados na EE Rute José

Samuel, são pelo menos 257 (duzentos e cinquenta e sete) alunos deficientes

matriculados no EMEJA, na cidade de São Paulo, que precisam de algum trabalho

específico para que possam ser verdadeiramente incluídos, dos quais as DRE não

têm nenhuma notícia, mesmo tendo acesso privilegiado aos dados do Censo

Escolar, informados pelas escolas sob suas juridições. Se essa realidade é

encontrada na cidade considerada mais importante no país, o que dizer de regiões

menos privilegiadas?

2.2 A perspectiva de órgãos intermediários: diálogo com Professoras Coordenadoras de Núcleo Pedagógico

Das 13 (treze) DRE fui recebida para conversar sobre o questionário

protocolado em em 3 (três).

Numa delas foi-me dada a lista das escolas “de supletivo” e um calhamaço

com as fichas enviadas por todas as escolas daquela jurisdição com a informação

dos alunos deficientes para eu procurar se, entre aqueles, havia alunos da EJA. Na

consulta ao material encontrei apenas um surdo que havia concluido o curso no 1º

Semestre de 2011. Além do fato evidente de a DRE não ter informações da

existência desses alunos, achei interessante observar que mesmo num órgao

regional da SE nem a nomenclatura correta da modalidade é adotada. Desde a Lei

9.394 de 1996 o “supletivo” e as práticas decorrentes daquela concepção deveriam

ter sido substituidos pela concepção de EJA. Como vimos anteriormente, as

mudanças são lentas.

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Em 2 (duas) fui recebida pelas Professoras Coordenadoras de Núcleo

Pedagógico20 (PCNPs) responsáveis pela EE, sendo uma delas da DRE à qual

estava vinculada como professora coordenadora. Vamos chamá-las de DRE 1 e

DRE 2. De acordo com o site da SE na internet nas 2 (duas) DRE há 40 (quarenta)

escolas estaduais que oferecem o EMEJA, sendo 24 (vinte e quatro) na DRE 1 e 16

(dezesseis) na DRE 2.

No diálogo com as PCNPs foi possível detectar algumas coincidências

interessantes: ambas têm larga experiência de atuação na EE como professoras, 18

(dezoito) e 22 (vinte e dois) anos, respectivamente e ambas estão há 4 (quatro) anos

designadas como PCNPs. Quanto à formação, a representante da DRE 1 é

Pedagoga, com especializações em Deficiência Visual, Auditiva e Intelectual e

estava em fase de conclusão de uma pós-graduação em Inclusão Escolar. A

representante da DRE 2 é licenciada em Matemática e Ciências e atuava como

professora de classes regulares até ficar sem aulas e ter atribuída, em caráter

excepcional, uma classe especial de DI. Foi orientada e acompanhada por um

supervisor de ensino, procurou cursos na Associação dos Pais e Amigos dos

Excepcionais (APAE) e em outras entidades especializadas no atendimento a essas

crianças. Desde então apaixonou-se pela EE e não quis mais voltar às aulas

regulares.

Na DRE 1, no ano de 2011 foram registrados 492 (quatrocentos e noventa e

dois) DIs com laudos, 2 (dois) DVs e 5 (cinco) DAs. Há 1 (uma) Sala de Recursos

20

O Decreto Nº'57.141/2011 (SÃO PAULO, 2011) que reorganizou a SE reiterou o que já era legislado através de resoluções que os Professores Coordenadores do Núcleo Pedagógico atuam nos Núcleos Pedagógicos das DRE (antigas oficinas Pedagógicas) tendo a atribuição de apoiar a gestão do currículo da rede pública estadual de ensino, implementando ações de apoio pedagógico e educacional que orientem os professores na condução de procedimentos relativos a organização e funcionamento do currículo nas modalidades de ensino; de acordo com a Resolução SE nº 91/2007 (SÃO PAULO, 2007) Art. 2º - Os Professores Coordenadores nas Oficinas Pedagógicas atuarão como: Especialistas das seguintes áreas/disciplinas: a) Linguagens e Códigos, compreendendo as disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física; b) Ciências da Natureza e Matemática, compreendendo as disciplinas de Ciências Físicas e Biológicas, Física, Química, Biologia e Matemática; c) Ciências Humanas, compreendendo as disciplinas de História, Geografia e Filosofia e de acordo com a Instrução Conjunta CENP/DRHU, de 2-7-2008 (SÃO PAULO, 2008) Cada Oficina Pedagógica será composta de no mínimo 16 (dezesseis) e de no máximo 22 (vinte e dois) Professores, conforme previsto no artigo 3º da Resolução SE 91/2007, distribuídos na seguinte conformidade: a) 01 para atendimento à Educação Especial; b) 01 para atendimento a projetos especiais;* c) 01 para atendimento à Tecnologia Educacional; d) 02 a 05 para atendimento a docentes do Ciclo I do EF; e) 11 a 17 para atendimento a docentes do Ciclo II do EF e Ensino Médio. *São Projetos Especiais da SE: Programa Escola da Família, o Projeto Escola de Tempo Integral (ETI) os Programas do MEC (Mais Educação, PDE-Escola e Escola Ativa), Escolas Prioritárias, Escola Virtual de Programas Educacionais do Estado de São Paulo – EVESP e Parcerias. (SÃO PAULO, 2012, p. 09)

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para os DVs, 4 (quatro) para o apoio aos DIs e interlocutores de LIBRAS para os 5

(cinco) alunos surdos (que são acompanhados durante todo o período de aulas,

inclusive nos intervalos) e 3 (três) classes especiais que atendem aos alunos com

deficiência intelectual severa. A PCNP fez questão de frisar que a atribuição de

aulas aos interlocutores de LIBRAS só foi possível graças a uma interpretação que

ela classificou como diferenciada da Resolução SE no 38/2009 (SÃO PAULO, 2009)

que rege a questão. De acordo com ela, a maioria das DRE aguarda e exige

profissionais com a proficiência em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS),

certificação só fornecida pelo Pró-libras21 e ela conseguiu mostrar, aos supervisores

da DRE, que a habilitação ou especialização em deficiência auditiva com carga

horária em LIBRAS seria suficiente, conforme o 2º Parágrafo do 2º Artigo da

Resolução. Na DRE 2 são aproximadamente um 1200 (mil e duzentos) alunos com

diferentes deficiências. Estava em fase de realização o levantamento sobre o

número e as formas de atendimentos dos alunos atendidos em 2011. A PCNP não

soube precisar quantas salas existem, mas há Salas de Recursos com professores

especialistas e itinerantes e 9 (nove) classes de especiais para DIs, das quais 1

(uma) atende aos alunos com múltiplas deficiências (surdo-cegos e PCs). Em que

pese a existência de alunos DAs (não se sabe quantos) não há interlocutores nessa

DRE, devido à escassez de profissionais. Nenhuma das 2 (duas) PCNPs tinham

informações precisas sobre os alunos deficientes na EJA.

Ambas PCNPs afirmaram realizar periodicamente Orientações Técnicas para

os professores coordenadores das escolas e organizar cursos de curta duração para

professores, principalmente cursos de LIBRAS. Mas afirmaram que estes cursos não

têm grande procura principalmente por realizarem-se no contraturno de trabalho dos

professores e por valerem pouquíssimos pontos para uma possível evolução

funcional dos cursistas. A PCNP da DRE 1 tem um roteiro pré-estabelecido de

visitas semanais às escolas, limitadas em dez visitas por mês pela Resolução SE no

37/2010 (SÃO PAULO, 2010) que disciplina o trabalho dos PCNPs. Como o rodízio

demora aproximadamente oito meses para se completar, cada escola é visitada uma

vez ao ano. Nestas visitas ela participa de orientações nas ATPCs, assiste aulas,

conversa, elogia e adverte diretamente os professores de acordo com as práticas

21

Exame Nacional para Certificação de Proficiência no uso e no ensino da Libras e para Certificação de Proficiência na tradução e interpretação da Libras/Português/Libras, conforme Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005).

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que assiste. Na DRE 2 o atendimento às escolas e professores é feito de acordo

com a demanda destas. Quando solicitada pela escola a PCNP atende aos

professores e coordenadores principalmente nas ATPCs.

Quando questionada sobre quais os mecanismos utilizados para que a

legislação, programas e metas da EE cheguem à sala de aula (alcancem

professores e alunos) a PCNP da DRE 1 disse que gosta de trabalhar

especificamente o 2º Artigo da Resolução SE no 11/2008 (SÃO PAULO, 2008) que

justifica e determina o atendimento ao aluno deficiente nas classes regulares.

Afirmou ainda que prefere discuti-la, quando visita as escolas, diretamente com os

professores e não em Orientações Técnicas para coordenadores. Segundo ela o

debate com os professores é mais produtivo uma vez que cansou de conversar com

os coordenadores e perceber que a discussão não chegava aos professores.

Quanto à forma de atendimento aos alunos, a representante da DRE 1 relatou

o trabalho realizado diretamente por ela com uma aluna de uma das suas escolas,

com laudo médico de autista. Foi um trabalho pensado como exemplo de adaptação

curricular para a disciplina de geografia no qual, ao deparar-se como uma imagem

de desbarrancamento de uma encosta, a aluna começou a chorar e relatar uma

situação de enchente pela qual a família passou. Depois dessa experiência a

menina tornou-se mais comunicativa em sala de aula, permitindo a aproximação de

alguns colegas e da professora. Mas esse atendimento específico aos alunos não

está no rol de tarefas desses profissionais, por isso ambas afirmam atender

prioritariamente os professores da maneira descrita anteriormente e, aos alunos, por

meio da providência e fornecimento de recursos assistivos disponibilizados pelo

CAPE. A PCNP da DRE 1 afirmou atender e orientar também pais de alunos e fazer

encaminhamentos destes para atendimentos em serviços especializados. Já a

PCNP da DRE 2 afirmou que estabeleceu parcerias com serviços de atendimento

especializado em diferentes entidades (Hospital São Paulo, Associação Amigos dos

Autistas, Associação Educacional para Múltipla Deficiência) e outras, para as quais

as escolas são orientadas a encaminhar as famílias dos alunos ainda sem

diagnóstico.

Questionadas se consideravam que os serviços oferecidos propiciam

condições para que os alunos deficientes sejam incluídos nos processos de ensino-

aprendizagem que ocorrem nas escolas, a PCNP da DRE 1 avaliou que os serviços

oferecidos pelo Estado poderiam propiciar o desenvolvimento e sucesso dos alunos

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principalmente porque há condições estruturais suficientes (não ideais). Para ela a

dificuldade maior encontra-se na conduta resistente do professor, que alega não ter

tempo, conhecimento e condições de trabalhar e atender a multiplicidade de

problemas presentes na sala de aula. Ela observou que, às vezes, se depara, por

exemplo, com crianças com as carteiras adaptadas, livros didáticos e apostilas

ampliados e lupa na mão, mas o professor está na lousa passando um conteúdo

diferente, com letras minúsculas, obrigando a criança a levantar-se para ler o que

está lá, ou seja, o professor escolhe utilizar um material diferente do adaptado, e não

oportuniza o acesso do aluno ao (novo) material pelo qual optou, baseado

exclusivamente nas necessidades e interesses dele (professor). A PCNP da DRE 2

afirmou que, dentro dos limites e possibilidades, os alunos deficientes aprendem.

Para ela o problema maior está no fato da maioria das escolas confundir

comportamentos típicos com atos de indisciplina e dar conotação muito maior a

qualquer ação dos deficientes. O que em outras crianças seria tratado como

molecagem, no deficiente transforma-se em agressividade, desinteresse,

autodiscriminação, principalmente para os DIs.

Quanto à participação desses alunos nas avaliações institucionais externas

tais como o SARESP, ambas informaram que apenas as notas dos alunos

cadastrados como DI – que têm o cognitivo comprometido de alguma maneira – não

contam para fins de avaliação. Aqueles que apresentam outras deficiências recebem

provas adaptadas (ampliadas, em Braille, podem ter ledor, escriba) por isso contam

nos índices de desempenho das escolas. A PCNP da DRE 2 defendeu que, assim

como se pede ao professor de DI que avalie diferentemente esses alunos, a SE

deveria elaborar avaliações específicas para esses alunos, não os excluindo dos

índices. Ela disse que a informação de que alunos com deficiência intelectual não

contariam na avaliação fez com que, em 2010, muitas escolas cadastrassem como

tais aqueles alunos com dificuldades ou indisciplinados. Diante do aumento

excessivo do número desses alunos, a Dirigente criou uma norma ad hoc,

determinando que só deverão ser cadastrados como tais os alunos que tenham

laudo médico.

Sobre a EJA, ambas confirmaram que não há PCNP responsável por esta

modalidade de ensino, que o que vem para o EJA é absorvido pelos PCNPs de

acordo com o assunto. Na DRE 1 há um PCNP encarregado da distribuição de

material para as escolas de EJA (organiza os Cadernos de Alunos que sobram das

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escolas regulares e devem ser retiradas pelas escolas que oferecem a EJA). A

PCNP da DRE 2 que havia começado a conversa defendendo a necessidade de

formação específica para a EJA demonstrou surpresa quando eu a informei que não

há nada de diferenciado na atribuição de aulas ou formação pensada para esses

professores. A PCNP responsável pelo Núcleo Pedagógico da DRE 1, que ouvia

nossa conversa interferiu, perguntando se eu não tinha disponibilidade para assumir

uma das vagas da área de Ciências Humanas disponíveis na DRE e desenvolver um

trabalho nesse sentido.

Para nenhuma delas o diálogo com professores, coordenadores e diretores

das escolas de EJA traz demandas diferentes das demais. A PCNP da DRE 1

afirmou não se lembrar de ter sido chamada para conversar especificamente com

professores da EJA no período em que está na função e que, quando encontra

professores da EJA nas ATPCs, a única questão diferente é a reclamação quanto à

exiguidade do tempo para o trabalho que fica acentuada quando há algum deficiente

entre os matriculados nas turmas, o que é raro chegar ao conhecimento dela. Da

PCNP da DRE 2 a resposta foi: NADA. Categoricamente nenhuma demanda

específica! Ela só sabe que tem um deficiente quando este precisa de um material

específico. No mais, para ela, está tudo muito bem, tudo caminhando. Daí ela não

saber ao certo o número de surdos porque estes não demandam materiais

específicos, só as Salas de Recursos que são geradas de acordo com a digitação

das escolas e atribuídas sem passar por ela.

Estes depoimentos foram considerados importantes e mantidos no texto

porque para mim podem ser comprovadores da invisibilidade de especificidades da

EJA para a SE. Se voltarmos aos números expostos na Tabela 4 (p. 74 desta tese)

veremos que nos últimos cinco anos 5% dos alunos do EF e 23,3% dos alunos do

Ensino Médio utilizou essa modalidade como estratégia para a continuidade ou para

concluir sua escolarização básica, no entanto, se observarmos atentamente as

funções e determinações da organização dos Núcleos Pedagógicos expostas na

nota 17 (p. 77 desta tese), veremos que houve preocupações por parte da SE em

designar profissionais para acompanhar a EE, os Projetos Especiais e a Tecnologia

Educacional, mas não houve preocupação com a EJA, não há nenhum trabalho

específico nos Núcleos Pedagógicos voltados para esses alunos e seus professores.

Essa situação pode ser uma expressão da “visão supletiva” que ainda persiste

nessa modalidade, que no máximo é tratada como um resumo dos cursos regulares

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e não numa perspectiva de “educação inclusiva que abranja a educação especial

mas não se restrinja apenas a ela”, conforme Bueno (2008, p. 50).

Mais que isso, comprova duramente a conclusão de Volpe (2010, p.428), já

citada no primeiro capítulo desta tese, de modalidade de ensino “que goza apenas

dos “farelos de migalhas”; de expectante dos sobejos dos níveis regulares de

ensino: recursos financeiros, administrativos e humanos; (...) e toda sorte de

profissionais sem formação específica.” (VOLPE, 2010, p. 428)

De todo o exposto, caro leitor, o desenrolar do tempo e o caminho percorrido

na busca de informações, os silêncios, as negativas, as não-respostas dos órgãos

responsáveis pelo gerenciamento das ações e orientações às escolas, organização

de programas de formação, alocação de recursos humanos e estruturais

necessários para a efetivação do trabalho pedagógico de um lado e, de outro lado a

vivência diária na EE Rute José Samuel que fazia com que também levássemos

nosso dia-a-dia resolvendo os problemas internamente ou buscando soluções

independentemente dos órgãos centrais e sendo reconhecidos pelos alunos da EJA

– deficientes ou não – como uma escola na qual eles poderiam ser acolhidos no

caminho para a obtenção da formação almejada, fez com que esta escola fosse

firmando-se como campo empírico desta pesquisa.

2.3 EE Rute José Samuel: um breve histórico

O histórico que passo a narrar foi construído por mim a partir do cotejamento

entre os documentos de arquivo da escola, os diálogos com diversos funcionários e

o levantamento bibliográfico que trata da história recente da educação paulista. De

acordo com estes, a EE Rute José Samuel foi fundada em 1962. O terreno onde se

localiza a escola foi doado ao governo do estado de São Paulo pela família de seu

patrono que tinha preocupações com a cultura e educação. No mesmo ano em que

o terreno foi doado para a construção da escola duas áreas próximas também foram

doadas pela família, são os espaços onde hoje funcionam a Casa Modernista e o

Museu Lasar Segall.

A EE Rute José Samuel é tradicional na cidade de São Paulo, localizada na

zona centro-sul, entre duas estações do Metrô. De acordo com as informações

disponíveis no site da Subprefeitura (SÃO PAULO, 2013), a região é considerada

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nobre na cidade possuindo uma alta renda média per capita, em torno de R$ 3,6 mil

(três mil e seiscentos reais) mensais, bem acima do índice médio do município, que

é de cerca de R$ 1,3 mil (um mil e trezentos reais).

No bairro, os dados sobre educação são gritantes sobre seu desenvolvimento. Quase 80% dos moradores completaram o Ensino Fundamental, contra 49,9% do município. O Ensino Médio foi concluído por 71,34% da população, bem superior aos 33,68% da média municipal, e os anos de estudo chegam a 12,30. Em toda São Paulo, esse número pára em 7,67. Não à toa, a taxa de analfabetismo é reduzida, atingindo 1,10%, quatro vezes menor que os 4,88% da cidade. (SÃO PAULO, 2013)

A vizinhança da escola é composta, em sua maioria, por adultos e idosos,

com poucas crianças. Essas pessoas, em sua maioria, podem ser classificadas

como pertencentes a frações da classe média, que optam por matricular seus filhos

nas escolas particulares da região. Essa caracterização demográfica, somada à

existência de uma grande rede de serviços como hospitais e centros médicos,

bibliotecas, museus, lojas e empresas de diferentes setores, torna a região um pólo

atrativo de mão-de-obra, vinda de todas as regiões da cidade.

Pelos motivos acima citados, a escola recebe, em sua maioria, alunos fora, de

pouco poder aquisitivo tanto nas turmas dos anos finais do EF quanto na EJA.

Muitos destes alunos vêm de bairros distantes da capital ou mesmo de municípios

da Grande São Paulo. Isto, de acordo com os pais e alunos do EF, ocorre por

acreditarem que a escola é “mais forte” do que as de seus respectivos bairros, por

isso vale a pena arcar com os custos de transporte; muitos pais também trazem os

filhos junto com eles quando vem trabalhar na região; a escola recebe, também,

vários alunos de Casas de Abrigo e Projetos Sociais e ex-alunos de escolas

particulares que migraram para a escola pública em virtude de questões econômicas

ou fracassos sucessivos naquelas instituições. No caso dos alunos da EJA o

principal diferencial da escola é sua localização privilegiada, que facilita o acesso

deles quando saem do trabalho e facilitam o retorno para diferentes bairros da

cidade e da região metropolitana.

A decisão das famílias das frações médias da sociedade, de encaminhar os

filhos para escolas particulares, supostamente melhores que as públicas, e a busca

das famílias de extratos menos favorecidos por escolas melhores no conjunto das

escolas públicas, são escolhas que

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reproduzem de alguma maneira a estratificação social, aliás tal como ela se encontra nos diversos tipos de ensino. Se os membros das classes populares e médias tomam a realidade por seus desejos é que nesse terreno como em outros, as aspirações e as exigências são definidas, em sua forma e conteúdo, pelas condições objetivas, que excluem a possibilidade de desejar o impossível”. (BOURDIEU, 2008, p. 47)

Acredito que muitas famílias busquem essa escola aspirando que seus filhos

consigam, por meio dela, um futuro melhor que o próprio, por isso esses pais

investem em transporte, alimentação e outros recursos dos quais possam dispor.

Conscientemente, ou não, entendem que:

A localização da escola e suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende. (VIÑAO FRAGO & ESCOLANO, 2001, p. 45)

Por isso querem que seus filhos estudem numa escola que tem tradição e,

apesar dos problemas que assolam a educação, tem conseguido manter

desempenho satisfatório em avaliações institucionais como o SARESP e o Índice de

Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP), reforçando a ideia

de “escola forte” e bem sucedida externamente. Avaliações que têm se imposto

como medida de qualidade, inclusive pela população que, muitas vezes, mesmo não

entendendo os aspectos políticos envolvidos nos indicadores, os tomam como

parâmetro na escolha da escola de seus filhos. Os professores, pressionados pela

necessidade de buscar resultados, também terminam por aderir à lógica das

avaliações e se angustiam ao perceber que, apesar dos resultados considerados

positivos, parecem que não estão fazendo o que deveriam, da forma como deveriam

e acreditam que tem problemas demais. Apresento o resultado do SARESP de 2011

na Tabela 5, exame no qual os alunos da escola tiveram desempenho acima das

médias do Estado, da Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande

São Paulo (COGESP) e da Coordenadoria de Ensino do Interior (CEI)22, da DRE e

do Município. Na Tabela 6 estão expostos os resultados da escola no IDESP, no

22

A COGESP e a CEI foram extintas pelo Decreto 57.141/2011 que reorganizou a SE.

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qual a escola apresentou média de desempenho superior às escolas do município e

da Grande São Paulo.

Tabela 5: Resultados do SARESP 2011 – Rede Estadual Paulista

Língua Portuguesa Matemática

5º EF 7º EF 9º EF 3ª EM 5º EF 7º EF 9º EF 3ª EM

Estado 195,0 208,1 229,6 265,7 209,0 216,6 245,2 269,7

COGESP 191,2 204,6 225,5 262,4 204,5 211,8 239,9 265,3

CEI 202,1 211,6 233,6 268,9 219,5 221,4 250,4 273,8

Diretoria 202,2 211,8 233,5 268,2 214,1 219,4 247,7 271,6

Município 190,5 204,1 225,7 263,0 201,9 210.5 239,2 265,2

Escola ------ 216,7 231,5 ---- ---- 220,5 251,2 ----

Fonte: Disponível em: http://saresp.fde.sp.gov.br/2011/ConsultaRedeEstadual.aspx?opc=1. Acesso em: 10 abr. 2012.

Tabela 6: Resultados do IDESP 2011 – Rede Estadual Paulista

4ª Série EF 8ª série EF 3ª série EM

Escola -------- 2,48 --------

COGESP 4,02 2,33 1,57

Diretoria 4,59 2,59 1,68

Município 3,89 2,29 1,53

Estado 4,24 2,57 1,78

Fonte: Disponível em: http://idesp.edunet.sp.gov.br/arquivos2011/004893.pdf Acesso em: 10 abr. 2012

É preciso que estejamos atentos aos riscos das avaliações institucionais,

apontadas por Freitas (2007, p. 975) como ocultadoras da má qualidade,

responsabilizadoras de professores alunos e portadoras dos seguintes riscos:

Risco conceitual: tomada das avaliações institucionais como referência e não,

por exemplo, a criação de indicadores mais amplos e sensíveis às

desigualdades sociais ou que tipo de escolarização temos e que tipo de

educação queremos;

Aumento da aprovação ou da classificação das escolas nas avaliações não

significa, muitas vezes, aumento da aprendizagem dos alunos;

Uso da média como referência, o que não significa melhora para todos e para

cada um;

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Metas distantes, o que pode dar a entender que, enquanto estamos a

caminho da data e do objetivo estabelecidos, os governos não devam ser

cobrados com isso inverte-se a ordem, primeiro as avaliações, depois as

políticas.

Em que pese essas críticas e outras atribuídas às avaliações institucionais

por priorizarem aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos, exigências

econômicas e políticas em detrimento das necessidades dos alunos e das escolas e,

ainda de serem utilizadas para mostrar as falhas das escolas e escamotear as falhas

das políticas públicas, elas têm se imposto e

a regularidade dessas ações culmina em comportamentos, de todos os envolvidos, que contribuem não para a melhora da qualidade do ensino das escolas públicas da rede estadual e, sim para o controle social de todos os ligados direta ou indiretamente à escola pública. Não se trata da melhora da qualidade do ensino, trata-se do aperfeiçoamento de um mecanismo que impede o surgimento de resistências quanto ao modelo social vigente. (GESQUI, 2013, p.176)

2.3.1 A EE Rute José Samuel e as ações educacionais das últimas décadas

Infelizmente a escola não dispõe de um acervo sobre sua própria história e os

projetos no sentido de resgatá-la não tem conseguido implementar-se. Ao longo do

período de trabalho lá; nas conversas com funcionários e ex-alunos foi possível

entender que, de sua fundação até o início dos anos 1990, esta escola e outra

construída na quadra ao lado, recebiam uma grande demanda de alunos. Chegaram

a funcionar quase trinta salas de aulas por período, atendendo aos alunos dos anos

iniciais e finais do EF e Médio, regular e EJA e classes especiais voltadas para o

atendimento de alunos DVs e DI. Na reorganização da rede estadual efetuada entre

1995 e 1998:

A Secretaria de Estado da Educação (SEE) analisa a educação na perspectiva de que o sistema educacional paulista enfrenta uma crise de eficiência, de eficácia e de produtividade, mais do que uma crise de universalização de direitos. Assim, os problemas educacionais, apontados pela Secretaria de Estado da Educação são identificados como disfuncionalidades do sistema educacional e expressariam a incapacidade do Estado em administrar as políticas educacionais. (SOUZA, 2002, p. 79)

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Uma das medidas efetivadas pela SE, nessa época para resolver o que ela

caracterizava como disfuncionalidades do sistema educacional, foi a reorganização

da rede de ensino (regulamentada pelos Decretos no 40.473 /1995 (SÃO PAULO,

1995), no 40.510/1995 (SÃO PAULO, 1995) e pela Resolução SE no 265/1995 (SÃO

PAULO, 1995). Para os envolvidos no processo de reorganização, talvez a medida

mais marcante tenha sido a distribuição dos alunos em prédios diferentes, de acordo

com os níveis de ensino. Assim, os alunos dos anos iniciais do EF e as classes de

especiais foram alocados em prédios escolares mais simples ou menores que

passaram a funcionar, preferencialmente, em dois turnos diurnos diários; os alunos

dos anos finais do EF e os do Ensino Médio foram alocados em escolas maiores,

que dispunham de instalações ou capacidade de receber laboratórios, quadras, etc.

e deveriam funcionar, preferencialmente, em dois turnos diurnos e

excepcionalmente, no período noturno, o que terminou por se constituir em regra por

dois motivos: primeiro porque as escolas não conseguem acomodar todos os alunos

no período diurno, principalmente nas periferias das grandes cidades, onde ainda há

menos vagas que alunos; segundo motivo: nossa realidade sócio-econômica que

exige que muitos alunos necessitem trabalhar enquanto estudam, demandando

cursos noturnos. Caso as escolas tivessem (ou tenham) pelo menos 10 (dez) alunos

deficientes passaram a receber (recebem) Salas de Recursos para atendê-los; caso

o número seja inferior àquele a escola recebe atendimento por meio de professores

itinerantes.

Onde foi possível, a reorganização da rede separou os anos finais do EF e o

Médio regular em prédios diferentes, caso da EE Rute José Samuel que, nas

palavras de um dos Agentes de Organização Escolar (AOE):

“a escola perdeu muitos alunos: todas as classes especiais, de anos iniciais do Ensino Fundamental e de Ensino Médio, ficando apenas com as turmas dos anos finais do Ensino Fundamental e as de Ensino Médio EJA. Inclusive os alunos do Ensino Fundamental na modalidade EJA foram transferidos para a rede municipal. Foi um baque, porque perdemos também funcionários” (AOE 1).

O que a escola sentia como perda de funcionários, era o objetivo da SE,

defendido como melhor racionalidade de recursos humanos e financeiros, uma vez

que seria possível concentrar recursos materiais, didáticos e financeiros, haveria

melhor fixação do corpo docente nas escolas já que diminuiria a fragmentação das

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jornadas em diferentes escolas. Na visão dos críticos, a reorganização teve dois

efeitos principais: primeiro diminuiu significativamente o número de salas e segundo

preparou o caminho para a municipalização do EF:

Em 11/4/96, a Secretaria da Educação mostrou que o número de classes foi reduzido em 7.834 (de 186.223, em 1995, para 178.389), tendo sido desativadas 152 unidades escolares. Considerando que o número de escolas de Ciclo Básico a 4ª série passou de 559 para 2.313 (34,4% do total), em 1996, e que estas ficam fechadas à noite, é possível que, para isto, tenham sido suprimidas vagas no ensino regular ou supletivo noturnos. (GHANEM, 1996, p. 47)

Do depoimento do funcionário acima percebe-se que a EE Rute José Samuel

foi duramente atingida pelos dois efeitos da reorganização uma vez que perdeu

turmas tanto para escolas da rede estadual – caso do Ensino Médio, que foi alocado

na escola vizinha, quanto para a rede municipal – para a qual foram todas as turmas

de EJA de EF e algumas das turmas dos anos iniciais do EF. A vice diretora e a

professora coordenadora que atuavam nos meus primeiros anos de trabalho,

juntamente com funcionários administrativos, são unânimes em afirmar que “a

escola era lotada”. Quando ingressei lá, no ano de 2006, várias salas de aula

estavam fechadas e no decorrer do ano foram cedidas pelo governo do estado a

uma instituição que atua na capacitação de DVs para o mercado de trabalho.

Em que pese o trabalho desenvolvido com deficientes por ambas as

instituições, esse processo foi traumático. Principalmente porque a direção da escola

foi apenas comunicada que deveria providenciar a desocupação das salas que

seriam cedidas para a Associação, doando as carteiras, realocando as Salas de

Recursos que ocupavam duas delas. Coube à direção da escola e da instituição

procurarem-se para conversar e para acompanhar as obras e adequações

arquitetônicas, como a mudança e criação de portões de acesso, instalação de

grades divisórias, nenhuma dessas adequações modificou a acessibilidade interna

para os alunos da EE Rute José Samuel, que por exemplo, apesar de seus três

pavimentos, não tem rampas de acesso, nem elevadores. Devido ao projeto

arquitetônico da escola, não foi possível, por exemplo, separar um dos quadros de

energia elétrica da escola que ficou na área pertencente à Associação. Assim, até

2011, para acender as luzes do primeiro pavimento da escola era preciso abrir um

portão que dá acesso “ao outro lado” que, para não ser observado, colocou uma

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divisória no espaço, ou seja, o quadro de energia ficou preso num cubículo que não

pode ser deixado aberto porque não pertence à escola, mas no caso de uma

emergência esta se verá em apuros até que seja localizada a chave e aberto o

cadeado que separa o espaço!

2.4 EE Rute José Samuel: Estrutura física, administrativa e social

Como é o campo empírico da pesquisa? Como funciona essa instituição

escolar? Nesta parte do texto busco apresentar a estrutura física e administrativa,

juntamente com aspectos da estrutura social da escola, tentando expor quantos

elementos forem possíveis que demonstrem a cultura organizacional que devem “ser

lidos ad intra e ad extra as organizações escolares, isto é, tem de ser equacionados

na sua interioridade, mas também nas inter-relações com a comunidade envolvente”

(NÓVOA,1995, p. 32). No processo de construção do texto optei por apresentar a

escola que tenho na minha lembrança e na minha vivência, por isso não reproduzi

sua planta original, preferindo desenhá-la à mão (Figuras 4, 7 e 10), sem

compromissos com as escalas. A ideia é a de que o leitor conheça a escola como se

estivesse acompanhando um aluno que no passeio de orientação que costuma ser

feito com as crianças da 5ª série/6º ano e com os alunos DVs, estes acompanhados

pela professora da Sala de Recursos; na maior parte das vezes os demais alunos

vão descobrindo a escola de acordo com a necessidade. Nas figuras que trazem o

desenho da escola, as portas estão marcadas junto às paredes e todos os

tracejados são grades ou portões que limitam o acesso a um ou outro espaço ou

lugar.

Espero que o leitor, ao caminhar com nosso aluno, reconheça aspectos das

reflexões de Escolano e Viñao Frago quanto à subjetividade dos espaços escolares

e sobre o papel educativo que a arquitetura escolar desempenha. De acordo com os

autores “todos esses aspectos, desde a estrutura arquitetônica do prédio ao mínimo

detalhe decorativo, devem ser considerados como também fazendo parte do

currículo escolar, uma vez que correspondem a “padrões culturais e pedagógicos”

(ESCOLANO; VIÑAO FRAGO, 2001, p. 45). Estas reflexões se baseiam em três

conceitos principais: espaço, lugar e território.

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O espaço se projeta ou se imagina; o lugar se constrói... a partir do fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto a converter-se em lugar, para ser construído. (...) Território é uma noção subjetiva, ou caso se prefira, objetivo-subjetiva, de índole individual ou grupal e de extensão variável. (ESCOLANO e VIÑAO FRAGO, 2001, p. 61 e 63).

Assim, ao apresentar a escola, em alguns momentos farei referência a esses

conceitos e à convicção de que nenhum dos elementos que possamos encontrar

deixa de ser simbólicos, seja de um processo histórico, de uma concepção de

escola, de comportamento esperado, de lugares sociais e, por isso não são neutros.

Por via silenciosa são parte do currículo oculto.

Saindo da estação do Metrô, caminha-se duas quadras até uma rua tranquila,

arborizada, na qual se encontra um muro cinza com um portão de entrada para os

alunos e uma porta de ferro que dá acesso à área administrativa da escola,

normalmente utilizada por funcionários e pessoas que procuram a secretaria da

escola. Além de facilitar o acesso para os alunos, a localização da escola favorece

também sua utilização como polo para realização de vários concursos e processos

seletivos nos finais de semana. A Figura 3 retrata um desses momentos:

Figura 3: Candidatos aguardando realização de processo seletivo

Fonte: Fotografia disponível em: http://www.spescoladeteatro.org.br/noticias/ver.php?id=1585

Acesso em: 15 abr. 2013

Esta utilização do prédio escolar, também como lugar de realização de

concursos, tem como principal aspecto positivo a doação de recursos para a

Associação de Pais e Mestres (APM) da escola, fato que possibilita a manutenção

de uma limpeza impecável, difícil de ser encontrada em outras escolas e a

possibilidade de que a escola resolva pequenos problemas com verbas próprias, tais

como a criação de uma sala chamada de “Sala Multimídia” que consistiu na

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instalação do projetor multimídia no teto da sala de aula, ligado a um aparelho de

som, cabos para ligar ao computador portátil, adaptações nos interruptores para que

as luzes da sala pudessem ser apagadas de modo independente, conforme a

necessidade (só as lâmpadas da frente ou dos fundos da sala), instalação de

cortinas blackout embaixo das persianas que a sala dispunha e a pintura de branco

da parede de projeção.

Pode parecer pouco, mas muitas escolas da rede estadual possuem os

mesmos equipamentos, mas não têm recursos financeiros para comprar o

cabeamento necessário e pagar um técnico para fazer a instalação e adaptações

necessárias. Quando a Sala ficou pronta era quase um cinema, já que ganhou uma

área de projeção de 150 (cento e cinquenta) polegadas! Pelo lado negativo, a

utilização da escola como lugar de realização de concursos impõe uma rigidez

quanto à utilização dos espaços. Exemplo disso é a própria sala citada. Quando a

instalação ficou pronta, alguns professores empolgados pensaram em realizar

alguma campanha para adquirirmos cadeiras confortáveis para a sala, o que não foi

possível porque perderíamos uma sala para a realização dos concursos. Após

discussões que ocorreram, prevaleceu a estrutura tradicional: as boas e velhas

carteiras! Ou seja, o lugar anterior de sala de aula comum, que poderia ser

readequado, re-mobiliado, para tornar-se lugar de aulas diferenciadas,

interessantes, significativas, não pôde ser modificado, não por critérios pedagógicos,

mas pelas imposições financeiras.

Outra situação simbólica envolve esta sala: a Fundação para o

Desenvolvimento da Educação (FDE) decidiu instalar cortinas padronizadas em

todas as escolas da rede estadual. Uma empresa venceu a licitação e chegou à

escola com a determinação de retirar todas as cortinas que tínhamos (inclusive as

blackouts) e colocar as novas, quase brancas, o que inviabilizaria a utilização de

nossa sala durante o período diurno. Foi preciso autorização da gerência da

empresa para que as instalações de nossa sala fosse respeitada! O mesmo não

aconteceu nas salas da coordenação e da direção, que tiveram suas cortinas

rendadas, praticamente novas retiradas e entregues para fazermos o que

quiséssemos, menos colocar de volta. Nas salas de aula o processo foi o mesmo.

Ao chegar ao portão, leitor e aluno encontram à sua direita um portão (quase

que) permanentemente fechado que dá acesso a uma rampa que, antes de chegar à

secretaria, termina numa escada de vários degraus. Um muro que “protege” um

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pequeno espaço reservado ao jardim no qual há grama, plantas ornamentais e

árvores como um pau-brasil, há anos orgulhosamente plantado por uma das

funcionárias da Secretaria, senhora que, mesmo aposentada, cumpre diariamente

em média 5 (cinco) horas diárias de trabalho voluntário. Esse jardim só é visto por

quem sobe a rampa, ou seja, por funcionários, professores e visitantes. No dia-a-dia

os alunos só veem este espaço se chegarem atrasados ou saírem mais cedo;

nesses casos como “os portões deles” estão fechados, passam pela entrada da

secretaria.

Figura 4: EE Rute José Samuel: 1º Pavimento

Fonte: Elaboração da autora

Como não pode seguir à direita, nem à esquerda, o aluno segue em frente

onde encontra um banco de alvenaria onde pode esperar os colegas e o segundo

portão que dá acesso ao pátio, onde imediatamente tem, à sua esquerda, a cantina

(terceirizada, que até 2011 rendia algo em torno de R$ 600,00 (seiscentos reais)

mensais para a APM). Atrás desta fica um salão (duas salas de aulas unidas pela

derrubada de paredes) com aproximadamente setenta (setenta) cadeiras

universitárias e um palco. Este espaço tem múltiplos usos: era utilizado como lugar

de projeção de filmes até a instalação da Sala Multimídia; como depósito de

entregas grandes como lotes de apostilas, livros didáticos, kits de material escolar;

enfim tudo que os carregadores se recusam a transportar escada acima para os

locais corretos, o que geralmente é feito depois com a ajuda dos alunos mais fortes,

normalmente da manhã ou os adultos da EJA. O salão serve, ainda, como lugar

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para realização das já citadas provas de concursos e para reuniões organizadas

pela DRE. Paralelo a este salão, encontra-se a casa da Zeladoria para a qual há um

portão de acesso no corredor e uma entrada independente pela rua. A casa da

zeladoria da EE Rute José Samuel é ocupada por uma das AOEs que também é

mãe de aluno e membro atuante na APM da escola. Ela e sua família costumam

prestar serviços para além das funções de zeladora: nos finais de semana pintam

eventuais pichações, fazem pequenos reparos, contribuindo assim para o aspecto

agradável do ambiente escolar.

Do pátio, olhando para frente, leitor e aluno veem uma grade que os separa

de um espaço ao ar livre que pertence à Associação e, à esquerda dessa área, a

Sala de Leitura que é uma junção de duas salas de aula que ficaram ociosas com a

perda de alunos pela reorganização.

Para atuar na Sala de Leitura, de acordo com a legislação, a escola pode

contar com dois professores para atender aos seus três períodos de funcionamento,

mas as limitações impostas pela mesma legislação (que só permite que a

designação recaia sobre professores Categoria F com no máximo 13 (treze) aulas

atribuídas) dificulta o preenchimento das vagas na maioria das escolas da rede.

Assim, no período de levantamento de dados, esta Sala só funcionava a partir das

14h00, atendendo aos períodos da tarde e noite. O Programa Sala de Leitura23, é

um dos poucos programas destinados às escolas que inclui a EJA. A sala, que já

23

De acordo com site da Secretaria de Educação: Criado em 2009, o programa Sala de Leitura oferece a alunos do 6º ao 9º ano do EF, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos um ambiente com rico acervo de livros e periódicos. A presença de Salas de Leitura nas instituições de ensino visa estimular a prática da leitura e o desenvolvimento de atividades, construídas especialmente para atender o perfil e os interesses dos alunos de cada escola. (SEE, 2010).

Figura 5: Sala de Leitura da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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dispunha de um acervo próprio, antigo é dotada foi reformada e equipada com novas

prateleiras, mesas e cadeiras, 2 (dois) computadores e impressora, quadro branco e,

principalmente, novo acervo de livros, que também tem sido incrementado por livros

enviados por programas do governo federal. Além do acervo de livros, esta recebe

semanalmente algumas das revistas semanais de grande circulação no país e,

diariamente, exemplares dos dois principais jornais em circulação no estado de São

Paulo.

Ao lado da Sala de Leitura encontram-se duas salas de aula, uma foi cedida

para a Associação e a outra foi “deixada” para a EE alocar eventuais turmas com

alunos cadeirantes. Nos cinco anos em que atuei na escola, em que pese a

presença de pelo menos 5 (cinco) cadeirantes (2 (dois) do EF e 3 (três) da EJA),

esta sala só atendeu uma turma porque tanto os professores quanto os alunos

queixavam-se do isolamento em relação às outras turmas e preferiam, com a

concordância dos cadeirantes, subir e descer as escadas com eles nos braços a

ficarem “lá no cantinho”. Estas salas são exemplo das dificuldades de convivência

que existe entre as instituições: a Associação utiliza a sala para suas aulas de canto.

Se tiver uma turma na Sala de Leitura, ou alunos conversando ou brincando no

corredor, um grupo incomoda o outro. É sempre uma relação melindrosa.

Saindo da Sala de Leitura encontra-se uma grade que (pelo menos até minha

saída em 2012) fechava o que chamávamos de “o nada”. O vão que forma-se entre

a Zeladoria e a sala de aula no térreo durante o ano de 2007 tornou-se um problema

no período noturno. Espaço aberto originalmente destinado à ventilação das janelas

da zeladoria e como área livre, de recreação, difícil de ser iluminado à noite devido

às características do prédio, passou a ser utilizado por alunos como lugar para fumar

maconha, fazendo com que às vezes fôssemos obrigados a sair da Sala de Leitura

ou da Direção para repreendê-los, adverti-los, etc. A situação tornou-se

insustentável, pois as reclamações vinham da casa da zeladora, de quem estava

nas salas de aulas ou na Sala de Leitura, que eram invadidas pela fumaça. A

solução encontrada para resolver o problema imediato foi a instalação de uma

grade, que permaneceu no local mesmo depois que as coisas se acalmaram com a

saída dos líderes do grupo: um porque concluiu o curso e outro porque desistiu de

estudar.

Ao longo dos 5 (cinco) anos nos quais atuei na EE Rute José Samuel, o uso

de drogas ilícitas no prédio escolar foi, talvez, o único caso de violência, conforme

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Charlot, que enfrentávamos na EJA, ou outros problemas disciplinares no máximo

poderiam ser conceituados como transgressões ou incivilidades:

O termo violência, deve ser reservado ao que ataca a lei com uso da força ou ameaça usá-la: lesões, extorsão, tráfico de drogas na escola, insultos graves. A transgressão é o comportamento contrário ao regulamento interno do estabelecimento (mas não ilegal do ponto de vista da lei): absenteísmo, não-realização de trabalhos escolares, falta de respeito, etc. Enfim, a incivilidade não contradiz, nem a lei, nem o regimento interno do estabelecimento, mas as regras da boa convivência: desordens, empurrões, grosserias, palavras ofensivas, geralmente ataque quotidiano - e com frequência repetido - ao direito de cada um (professor, funcionários, aluno) ver respeitada sua pessoa. (CHARLOT, 2002, p. 437)

No caso do uso e tráfico de drogas, há ataques flagrantes à lei e “à natureza e

às atividades da instituição escolar” (CHARLOT, 2002, p. 434), encaradas por

muitos alunos como uma etapa de suas vidas a ser suportada e rapidamente

superada, com a obtenção da almejada certificação. Violência à escola, portanto, de

alguma maneira, ligada “violência da escola: uma violência institucional, simbólica,

que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus

agentes os tratam” (CHARLOT, 2002, p. 435) com imposição de regras, critérios

arbitrários de atribuição de notas, não valorização de reivindicações, enfim, múltiplas

situações a que os alunos são expostos. No dia-a-dia das escolas, problema difícil

de ser resolvido, daí o paliativo da grade que significou uma restrição ao já exíguo,

espaço livre, sentido principalmente pelas crianças do EF. O problema apenas

descentralizou-se para outros lugares.

Figura 6: Pátio e Refeitório da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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No lado direito do pátio nosso aluno e o leitor, veem uma porta que dá acesso

ao depósito de merenda e um pequeno palco, lugar onde se realizam (raros)

eventos culturais e lugar preferido dos alunos quando estão sem atividade. Atrás

deste fica a cozinha e o refeitório com mesas e bancos. Quando cheguei à escola

esta cozinha era o território de um senhor que merece ser lembrado aqui: o melhor

cozinheiro dos meus 15 (quinze) anos de magistério. Criativo, econômico, sabia

cumprir o cardápio determinado pelo Departamento de Merenda da rede estadual

mas transformava os preparados insossos em comidas saborosas, negociava com

as crianças a ingestão de saladas e frutas, transformava em tortas e bolos a

merenda que sobrava; com ele nada estragava. Ele era um dos funcionários mais

antigos da escola que se aposentou, agora cargo de merendeiro está em extinção,

passando a ser função exercida por Agentes de Serviços Escolares (ASE)

contratados temporariamente por até 1 (um) ano ou o serviço é realizado por

empresas terceirizadas. No caso dos primeiros, quando o funcionário acostuma-se e

aprende as especificidades do trabalho com os alunos termina o contrato; os das

empresas terceirizadas muitas vezes são substituídos sem nenhuma comunicação

com a escola.

Saindo do refeitório à direita há um portão a partir do qual tem-se acesso à

Sala de Educação Física (onde são guardados os materiais dessa disciplina e

equipamentos de uma fanfarra incompleta), à quadra de esportes e à segunda área

descoberta da escola, espaço chamado de Quadrinha, utilizado pelos grupos de

alunos que perdem a disputa pela Quadra quando há jogos de futebol e onde ficam

alunos de aula vaga do período diurno. Os alunos da EJA não têm acesso a essa

área, visto que não fazem aulas de Educação Física.

No mesmo corredor dessas dependências, entre duas escadas, localiza-se o

bebedouro dos alunos, o portão que dá acesso ao quadro de luz de que falei

anteriormente e os sanitários dos alunos e alunas. Cada uma das escadas possui

uma grade de correr que possibilita fechá-las conforme os interesses e

necessidades. Assim, por exemplo, na hora dos intervalos do período diurno os

alunos ficam isolados no pátio, com acesso aos corredores de cima controlado pelos

AOEs. Essa medida, historicamente, é justificada pela ocorrência de furtos e outros

atos de indisciplina que acontecem durante os intervalos se os alunos forem

deixados soltos. O mesmo não acontece no noturno com os alunos da EJA porque

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muitos optam por não saírem das salas durante o intervalo, preferem conversar,

adiantar algum trabalho, etc. Outros, ainda, evitam o intervalo para não verem-se

obrigados a tomar conhecimento ou ter contato com colegas que se escondiam nos

banheiros para utilização de drogas, problema difícil de ser controlado uma vez que

nem alunos, nem funcionários, queriam se indispor ou enfrentar essas pessoas. O

que nos leva à consequência da violência já descrita anteriormente: o silenciamento,

a conivência e “tudo se passa como se a violência na escola estivesse convertendo-

se em um fenômeno estrutural e não mais, acidental.” (CHARLOT, 2002, p. 434)

Antes de subir a escada para o 2º pavimento, observa-se que, além da grade

de correr, embaixo de cada escada há uma porta, pois aqueles espaços são

utilizados respectivamente, como depósito de ferramentas e materiais de

manutenção da zeladoria e como “sala”, lugar destinado às funcionárias da limpeza,

na qual as “meninas da [empresa] terceirizada” guardam seus pertences pessoais e

o material de trabalho. É isso mesmo o que o leitor está pensando: embaixo da

escada, onde para ficar em pé precisam estar alertas para não bater a cabeça nos

degraus. Lá é o lugar delas.

Figura 7: EE Rute José Samuel: 2º Pavimento

Fonte: Elaboração da autora

Subindo para o segundo pavimento, ao final da escada nossos visitantes têm

à sua frente e à direita três salas de aulas onde são alocadas as turmas “mais

difíceis” de cada período em virtude da proximidade física com a coordenação e a

direção da escola, ou turmas com alunos cadeirantes que, neste caso, sobem

apenas os dois lances de escada. Após estas salas uma porta foi instalada para

separar a Sala dos Professores, sanitários utilizados pelo pessoal administrativo, a

Sala de Informática e um pequeno depósito de material de consumo (papelaria).

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A Sala dos Professores é o território onde circulam dois grupos distintos de

professores: um grupo de efetivos e estáveis que estão na escola há muitos anos

tendo vivido diferentes momentos da história da instituição, alguns desses já

estavam na escola durante o processo de reorganização, tendo acompanhado a

transferência do Ensino Médio para a escola vizinha; o outro grupo, maior, é

formado por professores novos que estão chegando como efetivos (nas vagas

daqueles que se aposentam) e outros como Ocupantes de Função Atividade

(OFAs), professores temporários que têm aulas atribuídas principalmente em

substituições aos impedimentos dos efetivos. Estes dois grupos de professores têm,

em comum, a queixa de não saberem o que fazer com tantas diferenças ao mesmo

tempo e a angústia de sentirem que não sabem como atingir os objetivos a que se

propõem quando pensam no que esses alunos deveriam aprender e nas

competências e habilidades esperadas deles.

Figura 8: Sala dos Professores da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Devido às muitas dificuldades que cercam a questão da inclusão – falta de

formação dos professores, número elevado de alunos por sala, falta de adaptações

necessárias para garantir a acessibilidade – as orientações dadas aos professores

que chegam, principalmente pelas especialistas das Salas de Recursos, ou pela

coordenação, dizem respeito ao comportamento em sala de aula: não andar durante

as explicações, não falar enquanto escreve na lousa, registrar na lousa tudo o que

falar, especialmente as instruções de avaliações, preparar aulas e matérias com

antecedência e preferencialmente conteúdos sintetizados – para facilitar a

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transcrição para o Braille ou a interpretação em LIBRAS nas Salas de Recursos –,

utilizar mais recursos audiovisuais e até o pedido para que os professores evitem

bigodes e barbas que interferem na leitura labial daqueles (poucos) alunos que a

fazem. Essas orientações ajudam, mas não são capazes de garantir condições

adequadas de aprendizagem para esses alunos, e muitas vezes são impossíveis de

serem praticadas pelos professores devido à falta de tempo e recursos e até mesmo

formação para o preparo de aulas diferenciadas, à dinâmica diária da sala de aula e,

também, devido a hábitos arraigados, dos quais, muitas vezes o professor não quer

abrir mão.

Demonstrando não ter desenvolvido disposições que lhes permitiriam

compreender os sentidos da escola enquanto instituição dotada de compromissos

sociais, entre eles a inclusão escolar de todos os alunos, muitos professores alegam

não terem sido informados da realidade que encontrariam na escola e, por isso,

alegam “não serem obrigados a mudar” seus métodos de trabalho. Outros, depois

de algum tempo de trabalho, propõem que as escolas que receberem “esse tipo de

aluno” deveriam ter atribuições diferenciadas. Além dos preconceitos e da ausência

de centralidade no que é melhor para a aprendizagem dos alunos, é interessante

observarmos que esse discurso persiste apesar do fato de que, legalmente, todas as

escolas são inclusivas e deveriam estar prontas para receber “todo tipo de aluno”.

Esses comportamentos demonstram que o conceito de escola inclusiva não é

compreendido por parte significativa de seus profissionais. O fato de alguns

pensarem que existe um determinado tipo de aluno indicado para um determinado

tipo de escola por si só contradiz a ideia de uma escola inclusiva para todos.

Se, por um lado, os professores da EE Rute José Samuel passam por um

período de estranhamento inicial, por outro, em seguida, percebem que terão que

criar estratégias de convivência e de ensino aos diferentes alunos à sua frente.

Aqueles que pensam sobre a educação sob um viés crítico, focalizando não apenas

o caráter socializador da escola, mas buscando seu papel de instituição social

dotada do objetivo de propiciar acesso aos conhecimentos socialmente construídos

ao longo da história da humanidade, dotando os alunos das condições mínimas de

sobrevivência na sociedade em que vivemos, preocupam-se com os caminhos e

descaminhos dessa modalidade de ensino. Aí surge a questão principal: o que fazer

quando der o sinal e eu (professor) estiver em sala, frente a frente com aquelas

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quarenta e cinco pessoas olhando para mim? Esse medo, essa insegurança quanto

aos modos de agir será discutidas no terceiro e quarto capítulos.

Saindo da Sala dos Professores, aluno e leitor, que estão conhecendo a

escola, encontram, imediatamente ao lado, a Sala de Informática, que à época da

elaboração deste trabalho era composta por 26 (vinte e seis) computadores

praticamente não utilizados em virtude de problemas de acesso à internet,

manutenção deficiente e de problemas com as empresas contratadas para isso, No

caso da EE Rute José Samuel, esses problemas eram agravados principalmente por

causa da confusão em torno do EMEJA: os computadores foram enviados para a

escola em virtude do Ensino Médio. Na hora de designarem os monitores e os

softwares do Programa Acessa Escola (já apresentado ao leitor na nota 13, p. 56

desta tese) descobriu-se que era a modalidade EJA que não está incluída no

Programa. Como decorrência, a escola não foi incluída no Programa já que isso

poderia caracterizar descumprimento da Resolução SE 37/2008 (SÃO PAULO,

2008), mas os computadores não foram retirados. Estes pertencem a empresas que

os alugam para a FDE, “em projeto para reformular todo o parque de informática da

rede estadual de Educação [no qual] além das máquinas alugadas, a SE fechou projeto

que garante manutenção, seguro, atendimento às escolas e avaliação dos

computadores já existentes” (SÃO PAULO, 2009), e, por isso, a escola não pode

providenciar manutenção própria, o que caracterizaria, legalmente, violação das

máquinas. Logo, servem mais para fotografia do que para o aprendizado dos alunos.

Figura 9: Sala de Informática da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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Se ao chegar ao topo da escada o leitor e o aluno optaram por seguir para o

lado esquerdo, encontraram as salas da coordenação pedagógica, as salas

destinadas à direção e vice-direção, a porta que dá acesso ao hall de entrada da

secretaria. São alocados na secretaria 10 (dez) AOE, responsáveis pela escrituração

escolar e pelas funções dos antigos inspetores de alunos. Estes profissionais, assim

como os professores, também divide-se em dois grupos distintos; 6 (seis) efetivos,

dentre estes 1 (uma) aposentada, que continua trabalhando voluntariamente para a

escola e outros 5 (cinco) titulares de cargo, maioria funcionários antigos que

dedicam-se principalmente ao serviço interno da secretaria. Os outros 4 (quatro),

normalmente destinados “ao corredor”, função menos valorizada por significar a

atuação como inspetores, são contratados temporariamente por um ano, o que faz

com que, quando aprendem a lidar com os alunos, quando conhecem todos os

professores, o contrato já está terminando. O estado os substitui por outros e o

processo recomeça.

Ao lado da sala que dá lugar à secretaria há um anexo que é território

exclusivo da Gerente de Organização Escolar (GOE)24, funcionária que está na

escola há quase (20) vinte anos. O anexo tem uma porta permanente e

propositalmente fechada, por isso a acesso é feito através de uma sala de aula

ociosa que foi transformada em lugar de guardar os materiais patrimoniados (como

TVs, notebook, aparelhos de som), materiais de consumo mais caros e documentos

da secretaria. Pela disposição dessas duas salas, a GOE preserva um certo

isolamento que lhe permite alguma privacidade e mantém sob seu olhar alguns dos

bens mais caros da escola.

No canto desse corredor, nossos visitantes chegam à Sala Multimídia, da qual

já contamos a história.

Ao subir as escadas para o terceiro pavimento nosso aluno e leitor

encontram, à direita, 4 (quatro) salas de aulas e as portas de acesso a um pequeno

depósito para livros, diários de classe antigos e outros papéis e duas saletas

originalmente criadas para atendimento médico e odontológico, serviços que há

anos foram retirados das escolas, mas lá permaneceram paredes parcialmente

azulejadas e pias. Para estes “quartinhos” é que foram transferidas as Salas de

24

Gerente de Organização Escolar é uma função do Quadro de Apoio Escolar para a qual podem ser designados Secretários de Escola (cargo em extinção) e AOEs que obtiveram aprovação no processo de Certificação Ocupacional. São responsáveis por gerir as atividades atribuídas aos AOE, ASE, Secretários de Escola e Assistente de Administração Escolar.

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Recursos quando suas dependências foram cedidas para a Associação. Após uma

rebelião das professoras, que se recusavam a permanecer num espaço que não

cabia nem o material e no qual era impossível criar um ambiente pedagogicamente

agradável, a sala de aula número 6, desse corredor, foi dividida ao meio e as Salas

de Recursos foram transferidas para este lugar, onde era possível, por exemplo,

instalar os cabos de internet, computadores e outros equipamentos.

Figura 10: EE Rute José Samuel: 3º Pavimento

Fonte: Elaboração da autora

Desde então “os quartinhos” são utilizados respectivamente como “lugares”

para ampliação do depósito de livros e de material inservível que aguarda o fim do

processo administrativo para descarte. (cadeiras e carteiras quebradas,

equipamentos eletrônicos que não funcionam, etc.).

Se, no final da escada, nossos visitantes optaram em seguir para a esquerda,

encontraram uma sala de aula, as Salas de Recursos de DA e DV, e outras duas

salas de aula que nos meus dois últimos anos nesta escola, só foram utilizadas no

período da manhã.

Na frente das Salas de Recursos

fica um banheiro só utilizado em dias de

concursos e o Laboratório de Ciências

Físicas e Biológicas. Nos cinco anos que

trabalhei na EE Rute José Samuel, no

período diurno, vi este Laboratório ser

usado pelos professores de Arte do EF

que gostavam da possibilidade de

utilização das bancadas e de uma fonte

de água próxima, quando manipulavam

Figura 11: Laboratório de Ciências da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da Autora

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tintas e por uma professora de Ciências. Nestes mesmos cinco anos. Os alunos do

EMEJA utilizaram esse espaço também com professores de Arte e com uma

professora de Química que substituiu o titular responsável pelas aulas. Essa

professora inclusive me orientou na re-organização desse lugar que estava em

completa desordem devido ao período em que foi utilizado como mais um lugar

destinado para depósito.

Nossos visitantes foram

apresentados a quase todos os

lugares da escola faltando apenas

aquele onde o aluno passará a maior

parte do tempo em que estiver na

escola: a sala de aula. Espaçosas e

bem iluminadas, cada uma é equipada

com um conjunto de 40 (quarenta)

carteiras, mesa do professor, dois

ventiladores que exigem manutenção

constante devido às ações de

vandalismo, lixeiras com pedal e

lousas quadriculadas em Médium Density Fiberboard - Fibra de Média Densidade

(MDF).

Estas foram uma das aquisições mais comemoradas pelos professores no

período em que trabalhei na escola. Antes as lousas eram pintadas na parede, muito

ásperas, difícil de escrever e limpar. Estas facilitam muito a vida de quem as utiliza

como principal recurso pedagógico.

Normalmente os alunos são alocados nos períodos por faixa etária: no

período da manhã (das 07h00 às 12h20min.) estudam as turmas de 7ª Série/8º Ano

e de 8ª Série/9º Ano, com idades entre 13 (treze) e 14 (catorze) anos, no período da

tarde (das 13h00 às 18h20min) estudam as turmas de 5ª Série/6º Ano e 6ª Série/7º

Ano que recebe alunos de 10 (dez) aos 12 (doze) anos. Mas há exceções, pois a

escola recebe alunos fora das idades/séries normais, quase sempre meninos. Nos

anos de 2011 e 2012 ouvi as primeiras reclamações de pais em relação a este fato.

Elas partiam de responsáveis por crianças que, devido à entrada na escola aos 6

(seis) anos, chegam com 10 (dez) anos na 5ª Série/6º Ano e lá encontram alunos

mais velhos, o que é considerado uma ameaça aos pequenos. Nestes casos, o

Figura 12: Salas de Aulas da EE Rute José Samuel

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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diálogo é o caminho. Mas o questionamento, dos pais, é se eles (os grandes) não

podem ir logo para a EJA, vista por esses pais e por parte considerável dos

professores, como melhor lugar para os multirrepetentes, ou seja, um lugar de

exclusão educacional.

No período noturno, das 19h00 às 23h00, estudam as turmas de EJA. São

compostas por alunos de larguíssima faixa etária que vai dos 18 (dezoito) anos,

idade legal de entrada, aos 70 (setenta) anos, a aluna mais velha. Essa disparidade

criou um critério de formação das turmas até então novo para mim: a formação das

turmas por idade. De acordo com os professores e funcionários que estão na escola

há mais tempo, esse critério foi estabelecido após a constatação de que ele contribui

para a diminuição da evasão dos alunos mais velhos que, quando eram

matriculados junto com os mais jovens, desistiam muito da frequência às aulas por

causa dos problemas de indisciplina e das diferenças nos ritmos de aprendizagem.

A alegação é que os alunos mais jovens aprendiam rapidamente o conteúdo

proposto pelos professores e não tinham paciência com as dificuldades de

compreensão dos mais velhos, fato que gerava até brigas, e mais indisciplina.

Desde então, a regra informal criada pela escola passou a definir que a idade dos

alunos aumente de acordo com a letra que designa a turma: assim a faixa etária dos

alunos do 1ºA é de 18 (dezoito) a 20 (vinte) anos, a turma do 1ºB aproximadamente

dos 20 (vinte) aos 25 (vinte e cinco) anos e assim sucessivamente. As turmas mais

velhas reúnem alunos geralmente acima dos 40 (quarenta) anos,

A bem da verdade, é preciso admitir que essa estratificação geracional dos

alunos interfere na organização do trabalho da escola, uma vez que os professores,

sempre que podem, evitam dar aulas para as turmas mais jovens por acharem que o

melhor desempenho acadêmico não compensa os problemas disciplinares e nem o

maior dispêndio de energia intelectual que estes alunos exigem. A preferência pelas

turmas mais velhas e com mais dificuldades acadêmicas, muitas vezes, é

expressada abertamente pelos professores, que afirmam preferi-las mesmo que por

isso tenham que fazer concessões pedagógicas ou, em outras palavras, rebaixar as

exigências, muitas vezes afirmando que, para o nível de compreensão daquelas

turmas, qualquer pouco é suficiente. Ou seja, tanto para os mais jovens quanto para

os mais velhos, que já viveram diferentes processos de exclusão dos conhecimentos

escolares mantém-se – deliberadamente ou não – a exclusão, seja em virtude de

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não serem escolhidos pelos professores, seja pelo rebaixamento do conteúdo a ser

ensinado.

2.5 A inclusão escolar de deficientes no Ensino Médio modalidade EJA

Esperando ter alcançado o objetivo de apresentar a estrutura organizacional

da EE Rute José Samuel, dando pistas quanto a aspectos da estrutura social da

escola e mostrado relações ad intra e ad extra àquela organização escolar, é

necessário, agora, apresentar ao leitor como se deu a escolha e o processo de

escuta aos sujeitos da pesquisa. Creio ser importante reiterar que a escolha dessa

escola como campo empírico não se deu por comodidade para a pesquisadora e sim

por outros dois motivos: primeiro porque não consegui diálogo com os órgãos que

poderiam indicar outras escolas com a mesma realidade. O segundo motivo foi

perceber que, quando cotejados os números de alunos matriculados no EMEJA/EE

declarados no Censo Escolar (Tabela 4) e os matriculados na EE Rute José Samuel,

cheguei à conclusão que, nos últimos cinco anos, esta escola sozinha atendeu em

média 6,6% desses alunos, por ano. Se considerarmos que, de acordo com o site da

SE, são 288 (duzentas e oitenta e oito) escolas que oferecem o EMEJA, na capital,

porque esse grupo de alunos optou por concentrar-se na mesma escola? Seriam

todos moradores da mesma região? Todos trabalhariam no entorno da escola?

Enfim, havia perguntas que precisavam ser respondidas.

Talvez o leitor esteja se questionando como cheguei a esses dados. Com os

dados do Censo Escolar em mãos, enquanto aguardava as respostas dos e-mails

enviados ao CAPE e dos pedidos de informações protocolados nas DRE de Ensino

dei início a um levantamento documental sobre o atendimento aos alunos deficientes

da EE Rute José Samuel. Na busca, realizada nos arquivos da secretaria da escola,

foram encontrados registros sobre a presença de alunos deficientes a partir do ano

de 2002. De acordo com funcionários mais antigos, a presença de alunos deficientes

remonta aos anos 1970, quando eram oferecidas, entre as turmas regulares do EF e

Médio, Classes Especiais para DVs. Com a reorganização do final dos anos 1990,

que resultou na transferência das turmas dos primeiros anos do EF, das Classes

Especiais e do Ensino Médio regular para outras escolas, permanecendo apenas os

anos finais do EF e as turmas de EJA, foram criadas as Salas de Recursos e alunos

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deficientes que tinham concluído o EF e já tinham idade para frequentar o EMEJA,

optaram por lá permanecer. Desde então, estes alunos trouxeram outros e algumas

instituições de atendimento especializado, localizadas nas proximidades,

começaram a encaminhar seus usuários para a escola. Uma professora que atuava

em Classe Especial permaneceu na escola assumindo a Sala de Recursos voltada

para o atendimento de alunos DVs e, em 2004, foi criada a Sala de Recursos

voltada para o atendimento DAs. A análise da Figura 13 permite identificar que o

pico das matrículas ocorreu em 2005, ano em que a escola teve cinquenta e dois

alunos deficientes matriculados no primeiro semestre25.

Figura 13: Matrículas dos alunos deficientes no Ensino Médiomodalidade EJA da EE Rute José Samuel

0

50

Deficientes Físicos 0 0 0 0 1 0 0 0 1 2

Deficientes Visuais 1 5 4 7 3 2 4 3 2 6

Deficiente Auditivos 5 40 25 45 37 40 25 27 17 14

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Arquivos da EE Rute José Samuel Elaboração da autora

Como o curso é semestral foi necessário rastrear cada aluno nas diferentes

listas porque em muitos casos só aparecia a indicação da deficiência quando o

aluno estava no terceiro semestre, havendo a necessidade de voltar aos semestres

anteriores para saber se ele era um aluno novo ou se a indicação não havia sido

feita. Os AOEs informam que não era uma prática perguntar se o aluno que estava

sendo matriculado tinha alguma deficiência. Era comum um responsável, ou

representante, fazer a matrícula e não ocorria a ninguém perguntar sobre a

existência de alguma deficiência. O número expressivo de alunos, as solicitações

das professoras das Salas de Recursos e a necessidade de formação das turmas

para atribuição a essas professoras tornou a informação antecipada desses alunos

necessária. Os funcionários não souberam afirmar exatamente quando a ficha de

matrículas foi remodelada incluindo um campo específico para a informação da 25

Para esse cotejamento foram utilizadas apenas as matrículas do 1º semestre de cada ano. Essa opção metodológica foi feita para manter a mesma métrica do Censo Escolar que coleta os dados até o mês de maio de cada. Se fossem somadas as matrículas do 2º semestre a média elevar-se-ia para 10% (dez por cento) das matrículas no Ensino Médio Educação Especial/EJA.

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existência de deficiência, atendendo as solicitações. A partir do ano de 2010, as

listas de alunos/classes emitidas pelo sistema de Gestão Dinâmica de Administração

Escolar (GDAE) passaram a associar, ao registro de matrícula do aluno, a

informação de alguma deficiência, ou seja, o estado de São Paulo passou a colher a

informação oficialmente. Disso se depreende que as DRE têm pelo menos duas

formas sistematizadas de informação sobre as especificidades dos alunos: o próprio

sistema da SE e o Censo Escolar.

Levando-se em conta as possíveis falhas na identificação dos alunos pelos

motivos acima expostos, na pesquisa dos registros nas Listas Piloto da secretaria da

escola dos anos de 2002 a 2011 foram localizados 193 (cento e noventa e três)

alunos caracterizados como DAs, 29 (vinte e nove) alunos caracterizados como DVs

e 2 (dois) caracterizados como DFs. No diálogo com os professores e funcionários

foi lembrado mais 1 (um) deficiente físico do qual lembramos apenas o primeiro

nome, o que impediu a localização do prontuário dele. Com este aluno o número de

DF subiu para 3 (três). A totalização permite concluir que foram, pelo menos, 225

(duzentos e vinte e cinco) alunos com alguma deficiência matriculados no EMEJA

nessa escola, ao longo da última década.

Depois da primeira triagem nas listas decidi verificar os prontuários dos

alunos deficientes matriculados na escola ao longo da última década (2002 a 2011)

para responder corretamente a duas perguntas que me incomodavam: Primeira:

qual a origem geográfica desses alunos? Segunda: qual a trajetória de cada um na

escola? ou por quantos e quais semestres estiveram matriculados?

A resposta à primeira pergunta permite informar que eles são de todas as

regiões da grande São Paulo, não apenas de todas as regiões da Capital. São

cidades como Carapicuíba, Osasco, Diadema, bairros diversos como Jardim Ângela

no extremo da Zona Sul, ou Itaim Paulista no extremo da Zona Leste. Daí a

explicação de não encontrá-los nas diversas DRE da capital.

Quanto à idade, estes alunos seguem a diversidade geracional comum na

EJA: uma variação que abarca nascidos entre os anos 1952 e 1991, por exemplo,

alunos que em 2011 tinham entre 21 (vinte e um) e 60 (sessenta) anos. A idade

média dos alunos é de 32 (trinta e dois) anos, muito acima da faixa etária normal do

Ensino Médio que é de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, e também acima da idade

média dos alunos matriculados no EMEJA no Brasil que, de acordo com o Censo

Escolar, nos anos de 2007-2011, foi de 28 (vinte e oito) anos. A idade média desses

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alunos reforça a ideia expressa no início deste trabalho de que estamos tratando da

educação de adultos, pessoas já enfrentando as questões próprias dessa fase da

vida, com responsabilidades sociais, civis e familiares.

Entre os alunos deficientes os homens são maioria, representam mais de

61% das matrículas, são ao todo 138 (cento e trinta e oito) homens e 87 (oitenta e

sete mulheres). Esta maioria é proporcional entre os DAs e DVs; entre os deficientes

físicos somente homens matricularam-se na escola até o encerramento da coleta de

dados. Esse dado contraria as estatísticas referentes às matriculas segundo o sexo,

grupos de idade e tipo de curso frequentado nos quais as mulheres são maioria. De

acordo com os dados do IBGE, (2010, p. 8) dos 1.723.817 (um milhão, setecentos e

vinte e três mil, oitocentos e dezessete) matriculados no EMEJA no Brasil 45,45%

(quarenta e cinco vírgula quarenta e cinco por cento) são mulheres e 54,55%

(cinquenta e quatro vírgula cinquenta e cinco por cento) são homens. Quando

analisados os matriculados neste nível e modalidade de ensino com idade entre 30

(trinta) e 39 (trinta e nove) anos – faixa etária da média dos alunos deficientes da EE

Rute José Samuel – o percentual de mulheres aumenta passando a representar

61,77% (sessenta e um vírgula setenta e sete por cento) contra 38,23 (trinta e oito

vírgula vinte e três por cento) dos homens, do total de 286.633 (duzentas e oitenta e

seis mil, seiscentas e trinta e três) matrículas. Atribuo esse dado, diferenciado

quanto ao acesso das mulheres deficientes à escolarização, à dupla vulnerabilidade

a que elas estão expostas, mulheres que são:

Atingidas duplamente pelos estereótipos e práticas discriminatórias em função do gênero e da deficiência. Essa combinação gera uma série de barreiras atitudinais, onde são sustentadas ideias do tipo: não podem trabalhar, não podem cuidar de uma casa, são impedidas de vivenciar um relacionamento amoroso e sexual, não podem ter experiências de maternidade, são impossibilitadas de estudar em escolas, ingressar em curso superior, não tem condições de gerar um filho, bem como cuidar, educar, etc. Essas concepções sustentadas a partir da caracterização do gênero e dos impedimentos ocasionados pela deficiência comprometem o contexto de vida das mulheres com deficiência, as quais se sentem afastadas do convívio social. Embora, tenham ocorrido alguns avanços no que tange aos direitos das pessoas com deficiência, das mulheres, entre outros grupos marginalizados, essas práticas discriminatórias ainda são comuns. (ALMEIDA, 2009, p. 9)

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Essas considerações exigem abordagens que aprofundem a discussão da

vulnerabilidade dessas mulheres, que sejam feitas relações entre gênero/deficiência

e raça, no caso de algumas, aprofundando o debate sobre o papel da diversidade

como um diferenciador nos processos de ex/inclusão da/na escola, conforme o

trabalho de Andrade (2008) exposto no primeiro capítulo.

Na análise sobre as especificidades dos alunos deficientes matriculados na

EE Rute José Samuel foram focalizadas, também, as trajetórias individuais de cada

um, o que nos permitiu perceber pelo menos 6 (seis) grandes grupos, distribuídos

conforme a Tabela 7:

Tabela 7: Trajetórias dos alunos deficientes na EE Rute José Samuel

Grupos de Trajetórias N

o de

alunos % do Total

DA DV DF

Grupo 1 Concluíram o EMEJA, sem nenhuma repetência

26 nem interrupção nos três

semestres previstos 87 38,66% 75 11 1

Grupo 2

Matricularam-se em um semestre, tendo deixado de frequentar a escola após repetências ou não, sem informações sobre a conclusão do Ensino Médio.

53 23,55 47 6 ----

Grupo 3

Apresentam trajetória acidentada, com histórico de repetências e abandonos, tendo abandonado o Ensino Médio antes de concluí-lo.

31 13,77 28 3 ----

Grupo 4 Apresentam trajetória acidentada, com histórico de repetências e interrupções, tendo concluído o EMEJA

28 12,44 25 2 1

Grupo 5

Cursaram o 1º ano em outra escola (no ensino regular e ou na EJA), concluindo os demais o Ensino Médio na EJA sem reprovação.

18 8% 12 6 ----

Grupo 6

cursaram um termo (1º ou 2º) em outra escola, tendo concluído o Ensino Médio com pelo menos uma reprovação na EE Rute José Samuel

8 3,50% 6 1 ----

Sem trajetória conhecida 1 0,04 ---- ---- 1

225 99,96% 193 29 3

Fonte: Arquivos da EE Rute José Samuel - Elaboração da Autora

26

Como a escola adota o sistema de progressão parcial ou dependência, para definir repetência adoto a conceituação de Abramovay e Castro, para as quais: “reprovação ocorre quando um aluno não tem desempenho adequado em uma ou mais disciplinas, o que pode ser corrigido com a recuperação ou a dependência. Já a repetência refere-se ao que ocorre quando um aluno já utilizou todos os mecanismos e mesmo assim não atingiu a média exigida para o aproveitamento em uma ou mais disciplinas: ele fica retido na mesma série, tendo de cursá-la na íntegra novamente. (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 497)

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Com essas informações em mãos e sem respostas do CAPE e das DRE a

decisão foi centrar o foco na EE Rute José Samuel definindo critérios para a escolha

dos sujeitos amostrais. Tentando definir um número que tornasse o trabalho de

coleta e de análise futura exequível, cheguei a algo em torno de dez sujeitos,

pensando nos dez anos de dados disponíveis na escola. A ideia inicial foi distribuir

longitudinalmente estes sujeitos (um matriculado a cada ano abrangido), levando em

consideração a proporção das diferentes deficiências presentes na escola (86%

(oitenta e seis por cento) de DAs 13% (treze por cento) de DVs e 1% (um por cento)

de DFs). Para se ter exatidão matemática, o universo seria muito grande, por isso a

decisão foi modificar a formulação: no mínimo 1 (um) DF, 2 (dois) ou 3 (três) DVs de

7 (sete) a 10 (dez) DAs, ou seja, a amostra foi ampliada para algo entre 10 (dez) e

14 (catorze) sujeitos para tentar manter certa representatividade da população

localizada.

A ausência do pré-estabelecimento do número fechado deveu-se também a

uma precaução diante da possível dificuldade de localização de alguns sujeitos há

muito tempo afastados da escola, com cadastros desatualizados e outros problemas

que poderiam acontecer. A precaução mostrou-se fundamentada. A dificuldade de

comunicação e a diversidade das deficiências também trouxeram consequências

para o desenvolvimento deste trabalho.

A primeira consequência foi uma dificuldade na elaboração do instrumento de

pesquisa: como, sem saber “falar” LIBRAS, entrevistar os DAs? Nas reuniões,

juntamente com minha orientadora, concluí que a melhor forma seria a elaboração

de um questionário fechado que os alunos, poderiam responder autonomamente.

Mas este, para abranger as diversas questões envolvidas, este ficou longo. Como

transcrever tudo para o Braille? Utilizar o trabalho da professora da Sala de

Recursos para uma atividade particular? Como coordenadora (ou exatamente por

estar na fase de transição da função de coordenadora para a de supervisora) preferi

não utilizar da estrutura da escola e, mesmo incorrendo no risco de ser criticada

como pesquisadora por utilizar o mesmo instrumento de pesquisa com

procedimentos diferentes, decidi entregar o questionário fechado para os alunos

DAs, para o deficiente físico e para os professores responderem em casa ou em

seus lugares e momentos possíveis e marquei encontros com os alunos DVs, nos

quais apliquei o questionário pessoalmente.

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Levando em consideração os critérios quanto ao número, a distribuição

longitudinal pelo período abrangido pela pesquisa, as diferentes deficiências e

também pensando nos possíveis problemas de comunicação, principalmente com os

alunos surdos, tais como dificuldade ou desinteresse das famílias dos egressos para

explicar o objetivo da pesquisa, não devolução ou desinteresse em participar, no

caso dos alunos matriculados, foram distribuídos (por email para alguns e impresso

para outros) 15 (quinze) questionários, dos quais nove foram devolvidos, mesmo

que dois 2 (dois) incompletos. Os 3 (três) primeiros alunos DVs com os quais entrei

em contato aceitaram prontamente o convite para encontros. Nestes encontros os

questionários foram respondidos e os depoimentos gravados e posteriormente

transcritos, mostrando-se momentos interessantes de reflexão sobre as experiências

desses alunos na escola.

O principal problema no uso do questionário veio de onde eu menos

esperava: os alunos deficientes físicos. Devido à desatualização dos dados

cadastrais não consegui contato com os dois ex-alunos, por isso a decisão foi

solicitar a contribuição de um que estava matriculado à época. Conversamos quando

ainda estava elaborando o questionário, ele prontificou-se a responder, mas, de uma

hora para outra, foi contratado por uma equipe de basquete de cadeirantes,

abandonando a escola já no último semestre do curso porque não conseguia

conciliar os horários dos treinos e das aulas; só consegui o contato quando ele

voltou para buscar a transferência para uma escola perto do local do treino. Quando

isso aconteceu, eu já estava fora da escola e, sabendo que eu estava à sua procura,

os funcionários da secretaria nos puseram em contato, mas infelizmente até a

finalização deste texto não consegui a devolução do questionário.

Para os professores o questionário fechado também foi utilizado. O principal

motivo dessa escolha foi evitar a realização de entrevistas, que poderiam

transformar-se em conversas entre amigos ou em reunião de ATPC. A participação

destes deu-se por adesão voluntária. Doze professores de diferentes disciplinas e

das Salas de Recursos receberam o questionário organizado de forma que é

possível ter uma caracterização pessoal de cada um, a trajetória formativa e suas

percepções sobre o trabalho na EJA com os alunos deficientes. O único critério para

a indicação destes professores foi o de terem, pelo menos, um ano de trabalho na

escola. Este critério foi definido porque julguei necessário ouvir aqueles professores

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que já haviam passado pela surpresa inicial da presença dos alunos e deficientes e

já desenvolveram estratégias para o trabalho com eles.

Dos doze questionários entregues, 9 (nove) foram devolvidos, ou seja, 3 (três)

professores, sem se posicionarem abertamente, não participaram da pesquisa com

justificativas como esquecimento, extravio, dentre as quais, a mais surpreendente foi

a alegação de que a empregada de uma das professoras jogou fora o questionário

por duas vezes. Como a coleta coincidiu com minha saída da escola, a cobrança

tornou-se mais difícil para mim e o escamoteamento mais fácil para eles. Lamento

profundamente porque, do meu ponto de vista e de acordo com as citações de

alunos nos questionários, alguns desses colegas desempenham trabalhos que

podem ser considerados exemplos de práticas pedagógicas inclusivas, tais como as

do professor que leciona física, uma das disciplinas consideradas mais difíceis da

área de exatas que escrevia recados, desenhava na lousa, levava objetos táteis

para os cegos.

2.6 Características sociodemográficas dos sujeitos da pesquisa

Nas próximas páginas serão apresentadas e discutidas as respostas dos

sujeitos ao questionário, instrumento de pesquisa deste trabalho. A apresentação

dos eixos será entremeada por quadros com as questões feitas e com as

alternativas de respostas escolhidas pelos respondentes. Além de expor o

instrumento da pesquisa, o objetivo da apresentação desses quadros é oferecer ao

leitor a possibilidade de visualização dos dados, de forma que novas leituras possam

ser feitas e contribuições e críticas apresentadas.

O primeiro agrupamento de informações do questionário foi respondido por

professores e alunos tendo como objetivo a construção de um perfil dos sujeitos com

características sociodemográficas (gênero, idade, local de nascimento

pertencimento racial, filiação religiosa, moradia atual, estado civil, renda familiar,

filhos); estrutura familiar (grau de escolaridade e profissão dos pais e avós, questões

sobre a infância) e hábitos culturais. O objetivo foi o de compreender os processos

de formação do habitus (BOURDIEU, 2004, p. 21) desses agentes sociais. Conhecer

a trajetória de vida, o processo de constituição dos gostos, as experiências

individuais e coletivas pelas quais o sujeito tenha passado é fundamental uma vez

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que ele é fruto da construção histórica que se dá num “processo de interiorização,

que implica tanto um período de ensinamento quanto de aprendizagem, custa

tempo.” (BOURDIEU, 2000, p. 139).

Quanto às características sociodemográficas, os alunos (Quadro 2) que

responderam os questionários dividiram-se em proporções iguais quanto ao gênero:

6 (seis) homens e 6 (seis) mulheres, nascidos majoritariamente na capital paulista –

apenas o Aluno 1, mais velho dos respondentes, nasceu no interior do estado e o

Aluno 10 numa das cidades da Grande São Paulo – todos os outros são paulistanos,

com idades variáveis entre 20 (vinte) e 43 (quarenta e três) anos o que significa que

a média de idade dos respondentes é de 27,5 (vinte e sete vírgula cinco) anos,

menor, portanto, que a média de idade dos alunos deficientes matriculados na EJA.

Essa média seria diferente se dois dos alunos surdos mais participantes das

atividades escolares, mais velhos, tivessem devolvido os questionários. Atribuo a

não participação desses alunos aos problemas de comunicação citados

anteriormente, uma vez que eram alunos com boa compreensão das aulas devido à

leitura labial que dominavam bem, mas como eram egressos, o contato com eles

dependia da intermediação de familiares, o que não foi feito comsucesso. Entre os

professores (Quadro 3) a diferença percentual quanto ao gênero modifica-se

substancialmente. Dos 9 (nove) respondentes, 2 (dois) homens e 7 (sete) mulheres,

números que refletem a realidade nacional que, de acordo com a última Sinopse do

Professor (BRASIL, 2009), o magistério da Educação Básica nacional é formado por

78% (setenta e oito por cento) de mulheres, número que motiva muitos estudos

sobre a relação gênero e magistério, entre eles o de Apple, que nos fornece pistas

importantes sobre este fenômeno:

À medida que o magistério passa de predominantemente masculino a feminino, a própria instituição do trabalho também muda. Isso leva a que aumentem significativamente os controles sobre o currículo e a prática docente ao nível da formação das professoras e ao nível da sala de aula. Esse processo está estruturado em torno de um conjunto distinto de dinâmicas de gênero. Por fim, as mulheres são ativas, não passivas, na tentativa de criar posições para si como professoras, baseadas em sua própria posição na divisão sexual e social do trabalho. Seus esforços podem ter tido resultados contraditórios, mas são parte de um movimento mais amplo – e que ainda é necessário hoje – para desafiar as relações patriarcais em casa e no trabalho. (APPLE, 1988, p. 10)

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Assim como os alunos, professoras e professores, em sua grande maioria,

nasceram na capital paulista. Apenas as Professoras 2 e 5 são originárias do interior

do Estado. Com média de idade de 46 (quarenta e seis) anos, apenas o Professor 6

tem menos de 10 (dez) anos de magistério e 4 (quatro) deles estão no magistério há

mais de 25 (vinte e cinco) anos, tendo sido formados num período em que o debate

sobre a educação inclusiva ainda era incipiente.

Quanto à auto-atribuição de pertencimento racial, 1 (uma) aluna não

respondeu, 6 (seis) auto identificaram-se como brancos, 3 (três) como pardos, 2

(dois) como pretos. Entre os professores também a maioria é formada por brancos, 7

(sete) professores, 1 (uma), Professora 5, autoidenticou-se como amarela e o

Professor 6 como preto. Na elaboração das questões, mantive a classificação

adotada pelo IBGE que separa pardos e pretos, mas, para fins de análise aqui

prefiro a posição política de agregá-los sob o conceito de negros pela dupla

justificativa a seguir expressas:

Estatisticamente, pela uniformidade de características socioeconômicas dos dois grupos. Teoricamente, pelo fato de as discriminações, potenciais ou efetivas, sofridas por ambos os grupos, serem da mesma natureza. Ou seja, é pela sua parcela preta que os pardos são discriminados. A justificava teórica é obviamente mais importante, pois ao fornecer uma explicação para a origem comum das desigualdades dos pretos e dos pardos em relação aos brancos, coloca os dois grupos como beneficiários legítimos de quaisquer ações que venham a ser tomadas no sentido de reverter o quadro histórico e vigente dessas desigualdades. (OSÓRIO, 2003, p. 26)

Assim, se dentro conjunto total dos alunos deficientes não foi possível

identificar o pertencimento racial porque esse dado só passou a ser coletado

recentemente, entre os que quiseram “falar” este percentual é de 45,45% de negros

e 54,55% de brancos, dos quais 3 (três) mulheres vivem as intersecções de etnia,

gênero e deficiência. Se acrescentarmos a estas a questão da má-escolarização,

agigantam-se os desafios enfrentados cotidianamente por essas alunas. Entre os

professores, o estado conjugal é variável: 4 (quatro) são casados ou vivem em união

estável, 3 (três) são solteiras e 2 (dois) são separados. Os alunos são,

majoritariamente solteiros. Apenas 1 (uma) das alunas vive em união estável e 2

(dois) são casados. Dos 9 (nove) solteiros, 7 (sete) vivem com os pais e irmãos e os

outros informaram viver com outros parentes ou amigos.

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Quadro 2: Características sociodemográficas dos Alunos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Gênero/Sexo Masculino Masculino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Local de Nascimento

Birigui (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

Taboão da Serra (SP)

São Paulo (SP)

São Paulo (SP)

Idade 43 28 21 29 33 25 20 24 25 23 28 31 Etnia Branco Branco Branca Preta Branco Branca ? Branco Parda Pardo Parda Preto

Estado Civil Casado Solteiro Solteira Solteira Solteiro Solteira Solteira Solteiro Solteira Solteiro União

Estável Casado

No de Filhos Não Não Não Não Não 1 Não Não Não Não Não Não

Renda familiar (sal. mínimos)

2 a 5 5 a 10 1 a 2 Até 1 2 a 5 1 a 2 1 1 a 2 2 a 5 5 a 10 2 a 5 2 a 5

Com quem mora

Esposa/ Filho dela

Pai/Mãe/ Irmãos

Mãe Mãe/

Compa-nheiro

Outros Parentes/ amigos

Não Respondeu

(NR) Mãe

Pai/Mãe/ Irmãos

Outros Parentes/ amigos

Pai/Mãe/ Irmãos

Compa-nheiro

Esposa

No de

moradores da casa

3 4 2 3 2 2 2 4 5 8 2 2

Local atual de moradia

Vila das Mercês/

São Paulo

Brás/ São Paulo

Jabaquara/ São Paulo

Jabaquara/ São Paulo

Cambuci/ São Paulo

Vila Ema/ São Paulo

Pq Inde- pendência/ São Paulo

America-nópolis/

São Paulo

Vl. Constança/ São Paulo

Jd. Jaqueline/ São Paulo

Bancários/ São Paulo

COHAB J. Bonifácio/ São Paulo

Religião Evangélico Evangélico Católica Católica Católico Católica/

Candomblé Católica Católica Evangélica Evangélica Evangélica Católica

No

de Irmãos 3 4 5 1 3 2 Não 2 2 7 1 4 Posição de Nascimento

3º 5º 4ª ? 1º 1ª 1ª 2º 1ª 3º 1ª 1º

Condição de Moradia

Própria Alugada Cedida Própria Alugada Alugada Alugada Própria Alugada Própria Alugada Própria

Tamanho da Moradia

4 cômodos 6 cômodos 4 cômodos 5 cômodos 4 cômodos ? cômodos 4 cômodos ? cômodos ? cômodos 5 cômodos 3 cômodos 4 cômodos

Parentes deficientes

Não Não Não Sim/ ? Não Não Não Não Não Sim/Irmã Não Não

Organização da autora

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Quadro 3: Características sociodemográficas dos Professores

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Gênero/Sexo Masculino Feminino Feminino Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Feminino Local de Nascimento

São Paulo São Paulo Marília/SP São Paulo Barretos/SP São Paulo São Paulo São Paulo São Paulo

Idade 54 47 53 40 55 37 37 46 47 Etnia Branco Branca Branca Branca Amarelo Preto Branca Branca Branca

Estado Civil Separado Solteira Solteira Separada Solteira Casado Casada União

Estável Casada

No de Filhos 02 01 Não 01 Não 2 2 Não Sim

Renda familiar (sal. mínimos)

Mais de 15 Sal.

5 a 10 Sal. 10 a 15 Sal. 5 a 10 Sal. Mais de 15

Sal. 2 a 5 sal.

Não Respondeu

Mais de 15 Sal

Mais de 15 Sal

Com quem mora

Esposo Mãe, filho,

Irmãos Mãe Filha

Outros parentes

Esposa e Filhos

Esposo e filhas

Companheiro Filhos(as)

No moradores

da casa 2 4 2 2 2 4 4 2 3

Local atual de moradia

Moema Ipiranga Vila Mariana Planalto Paulista

Saúde Grajaú V. Guarani V. Mariana Ipiranga

Religião Protestante Católica Católica Católica Católica Budista Católica Protestante ou

Evangélica Católica

No de Irmãos 02 04 01 03 06 1 1 Sim Sim

Posição de Nascimento

2º 5º 2ª 1ª 6ª 1º 1º 1º 2º

Parentes deficientes

Não Não Não Não Não Não Não Não Não

Condição de Moradia

Própria Própria Própria Própria Própria Alugada Própria Própria Própria

Tamanho da Moradia

5 cômodos 9 cômodos 6 cômodos 6 cômodos 9 cômodos 3 cômodos 11 cômodos 9 cômodos 15 cômodos

Parentes deficientes

Não Não Não Não Não Não Não Não Não

Organização da autora

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127

Essa característica dos alunos é coerente com os dados do país como um

todo, no qual, de acordo com o IBGE, observou-se o aumento da idade mediana dos

homens e das mulheres solteiros na data do casamento para, respectivamente, 28

(vinte e oito) e 26 (vinte e seis) anos, pessoas que têm optado primeiro por estudar e

conquistar espaço profissional para depois assumir compromissos com família e

filhos. Tanto que apenas 1 (uma) das respondentes tem filho.

Apenas 2 (dois) alunos afirmaram pertencer a famílias com renda familiar

entre 5 (cinco) e 10 (dez) salários mínimos; os demais vivem em famílias com

rendimentos inferiores ou iguais a 5 (cinco) salários mínimos que, à época da coleta

de dados, totalizavam R$ 2.725,00 (dois mil, setecentos e vinte e cinco reais). Estas

famílias compostas por em média 3,25 (três vírgulas vinte e cinco) moradores, vivem

espalhados em diversos bairros das zonas sul, leste e norte da capital, 5 (cinco)

morando em casas próprias, 1 (uma) em casa cedida por parentes. Os outros alunos

moram em casas alugadas.

O nível de renda dos professores é bem maior. Apenas o Professor 6 afirmou

ter renda familiar entre 2 (dois) e 5 (cinco) salários mínimos e quatro professores

afirmaram pertencer a famílias com renda superior à 15 (quinze) salários mínimos,

pouco mais que R$ 8.000,00 (oito mil reais) à época da coleta de dados. Esses

professores são os 4 (quatro) que já possuem mais que 25 (vinte e cinco) anos de

magistério. 3 (três) são mulheres que, portanto, já poderiam aposentar-se, mas nos

depoimentos afirmaram não fazê-lo, principalmente porque suas rendas são

fundamentais na manutenção da família e elas cairiam significativamente com a

aposentadoria, uma vez que parte do salários dos professores é formada por

gratificações. Também diferentemente dos alunos, esses professores vivem em

famílias menores, formadas por em média 2,66 (dois vírgula sessenta e seis)

moradores, que residem nos bairros de classe média próximos à escola, com

exceção do Professor 6, que mora no extremo da zona sul da capital. Se verificados

os números de irmão que os professores têm, percebemos que tanto as 4 (quatro)

professoras que têm apenas 1 (um) filho cada, quanto os professores que têm 2

(dois) filhos cada um, dão pistas de disposições quanto ao futuro que nutrem para

seus filhos: utilizam estratégias de controle reprodutivo de forma que possam

propiciar maiores capital econômico e cultural para seus filhos, esperando que estes

os superem.

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Como um dos constituintes do habitus dos agentes o pertencimento religioso

dos nossos sujeitos também foi investigado, uma vez que

A religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos. (BOURDIEU, 2004, p. 33-34)

Sendo assim, podemos afirmar que professores e alunos da EE Rute José

Samuel “seguem a tendência censitária para a população [brasileira] total no que se

refere à filiação religiosa declarada.” (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003. p. 84): são

cristãos. O maior grupo é adepto da vertente católica da religião cristã (7 (sete)

alunos e 6 (seis) professores), em segundo lugar estão aqueles que defendem a

vertente evangélica, citada por 2 (dois) professores e 5 (alunos). As únicas variações

são 1 (uma) professora budista e 1 (uma) das alunas que, além de católica afirmou

também ser adepta do candomblecismo.

Neste trabalho, as disposições de alunos (e suas famílias), construídas

enquanto adeptos da vertente evangélica, ocupam lugar importante. Como veremos

no quarto capítulo, o trabalho de evangelização para surdos fez que com que

algumas instituições investissem na formação de seus membros para atuarem como

intérpretes de LIBRAS. Os Alunos 1 e 2 são oriundos de uma dessas instituições; o

primeiro trouxe sua noiva, também membro da igreja, para atuar como intérprete de

LIBRAS voluntaria na escola, esta, por sua, vez trouxe outras amigas para

auxiliarem no trabalho. Crentes da necessidade de empenhar esforços para auxiliar

ao próximo na medida de suas possibilidades, elas o fizeram, investindo, para isso,

recursos financeiros próprios e tempo disponível.

Além da questão religiosa, dedicou-se parte das questões para a análise da

infância de nossos sujeitos. O olhar para essa fase da vida de alunos e professores

é fundamental na ótica da principal referência teórica desse estudo, isso por que:

cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, certo capital cultural e certo ethos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural (...) é a responsável pela diferença inicial

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das crianças diante da experiência escolar, e consequentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 2008, 42)

Para o autor, é necessário que haja uma análise multivariada das questões

que incidem sobre o habitus primário, variáveis como o nível cultural dos

antepassados da primeira e segunda gerações, o local e tipo de residência, a vida

cultural. Por isso num primeiro momento foi perguntado para alunos e professores

onde viveram a infância. Do grupo de alunos, (Quadro 4), apenas o Aluno 1 passou

sua infância numa cidade do interior paulista. Entre os professores, (Quadro 5), além

das Professoras 3 e 5, que nasceram em cidades do interior, a Professora 8,

nascida na capital paulista, viveu sua infância junto com a mãe na cidade de

Joinvile, estado de Santa Catarina. Independentemente se no interior ou na capital,

esses professores, quando crianças, tinham espaços restritos para suas

brincadeiras: brincavam principalmente dentro de casa. Mesmo assim, ao

responderem sobre as brincadeiras das quais participavam, indicam brincadeiras

socializadoras e coletivas como pega-pega, esconde-esconde, ou brincadeiras com

bola. Entre os alunos a situação não é diferente. Apenas 3 (três) alunos e dois

Professores (homens) e a Professora 3, que afirma ter sido “uma menina hiperativa,

terrível”, que nunca conseguiu ficar quieta, tiveram a rua como lugar de suas

brincadeiras. Esse dado, que apresenta meninos principalmente na rua e meninas

principalmente dentro de casa, estão ligados aos papéis e comportamentos pré-

determinados por relações de gênero, que naturalizam papéis polarizados: homens

no espaço da rua, mulheres no espaço doméstico, configurando disposições de

gênero na formação do habitus de meninos e meninas.

Essa pergunta estava associada a outra questão importante: a convivência

com outras crianças deficientes. Esta só existiu para 6 (seis) alunos e, segundo eles,

acontecia principalmente nas escolas especiais que frequentavam. No grupo de

professores não houve nenhum que indicasse ter tido qualquer tipo de convívio com

deficientes. Perguntados sobre a existência de algum familiar, próximo ou distante,

com algum tipo de deficiência. A Aluna 4 respondeu que sim, mas não escreveu

quem seria ou qual o grau de parentesco; o Aluno 10 tem uma irmã mais nova, que

ficou completamente cega após a adolescência, que sofre do mesmo problema

degenerativo que ele, a retinose pigmentar. Ela também é aluna egressa da EE Rute

Jose Samuel. Todos os professores afirmaram não ter, nem entre seus familiares,

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nem nas amizades de infância, nenhum deficiente. Ou seja, para os professores, a

convivência com pessoas deficientes é uma decorrência do exercício profissional

que gera desconforto ao exigir que repensem suas práticas pedagógicas, seus

modos de comunicação, de transmissão dos conteúdos. São alunos que, conforme

Durkheim (2007), perturbam a adaptação, ou seja, fogem à norma, às formas mais

gerais dos grupos de alunos esperados. É uma situação que interpela seus habitus,

e, para alguns, interfere para que eles se alterem.

Provavelmente, o desconhecimento da deficiência ao longo da vida e o

contato perturbador com ela, no exercício profissional, sejam as explicações para o

fato de que, parte significativa dos professores, (5 (cinco), sejam contrários ou

imponham ressalvas à inclusão dos alunos deficientes na escola e também explique

a postura resistente de parte dos professores, reclamada pelos alunos deficientes

como dificultador nas relações diárias na escola, causando prejuízos no aprendizado

e dando origem a discriminações sentidas pelos alunos.

Quanto às relações familiares perturbou-me perceber que a maioria absoluta

dos alunos tem poucas informações sobre seus ancestrais (avós) maternos ou

paternos, conforme pode ser observado no (Quadro 6): apenas 2 (dois) alunos

tinham informações sobre a profissão e escolaridade dos avós e 4 (quatro) deles

não sabiam, ou não quiseram fornecer, as mesmas informações em relação aos

pais. Como em minhas vivências familiares “os adultos – e de modo singular os avós

– empenham-se em despertar e manter o interesse das jovens gerações pela

história familiar” (PINÇON e CHARLOT, 2002, p.15), eu esperava que o mesmo se

desse nas famílias daqueles alunos. A bem da verdade, outra expectativa minha

quando os questionários foram levados para casa com um prazo razoável para

devolução, era que os alunos buscassem informações que eles não tivessem e até

apoio para compreender as questões junto aos seus familiares, o que me parece

que não aconteceu.

O desconhecimento da própria história apareceu também com relação à

origem da deficiência. Quando da devolução dos questionários, perguntei a 6 (seis)

dos alunos surdos sobre a origem da deficiência, apenas 2 (dois) souberam dizê-lo:

1 (uma) por rubéola e outro por má formação do conduto auditivo, de acordo com a

namorada. Entre os alunos DVs o percentual de informações é maior. Dos 3 (três)

alunos, 2 (dois) sabiam em detalhe a origem da deficiência.

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Quadro 4: Infância dos Alunos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Local de moradia na infância

Birigui São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo São

Paulo

Com quem morava

Com os Pais

Com os Pais

Só com a Mãe

Com outros

parentes

Com os Pais

Só com a Mãe

Com os Pais

Com os Pais

Só com a Mãe

Com os Pais

Só com a Mãe

Com os Pais

Onde brincava (Principal-mente)

Dentro de casa

Dentro de casa e na

escola

Dentro de casa, na escola e

em parques

Dentro de casa

Na rua Dentro de

casa Dentro de

casa Dentro de

casa Dentro de

casa Na rua

Dentro de casa

Na rua

Seus melhores amiguinhos eram

Não deficientes

Deficientes Deficientes Não

deficientes Não

deficientes Não

deficientes Deficientes Deficientes Deficientes Deficientes

Não deficientes

Deficientes

Tipos de brincadeiras

Carrinho Bola

(futebol, vôlei, queimada,

etc.)

Jogos eletrônicos Bola(futebol,

vôlei, queimada,

etc.)

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.

Escolinha Boneca, casinha

Bola (futebol, vôlei,

queimada, etc.)

Boneca, casinha.

Jogos eletrônicos

Bola (futebol, vôlei,

queimada, etc.)

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.)

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.)

Boneca, casinha

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.)

Boneca, casinha

Jogos de tabuleiro/

Cartas Brincadeiras

de rua (pega-pega,

esconde-esconde, etc.)

Bola (futebol, vôlei,

queimada, etc.)

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.)

Boneca, casinha Carrinho

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.) Cadeirinha

Brincadeiras de rua

(pega-pega, esconde-

esconde, etc.) (pega-pega,

esconde-esconde, etc.)

Organização da autor

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Quadro 5: Infância dos Professores Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Local de moradia na infância

São Paulo São Paulo

Marília, São José da Bela

Vista, São Paulo

São Paulo Barretos/SP NR São Paulo Joinvile/SC São Paulo

Com quem morava

Pais Pais Pais Pais Pais Pais Pais Somente

com a mãe Pais

Onde brincava (principal-mente)

Na rua Dentro de casa Na rua Dentro de casa Dentro de casa Dentro de casa

e na rua Dentro de casa Dentro de casa Dentro de casa

Seus amigos eram

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Não deficientes

Tipos de brincadeiras

Carinho, bola, Brincadeiras

de rua.

Boneca, casinha;

Brincadeiras de rua

Escolinha; Boneca, casinha;

Brincadeiras de rua

Escolinha; Boneca, casinha;

Brincadeiras de rua

Boneca; Bola (futebol, vôlei,

queimada, etc.), Brincadeiras de rua, Subir

árvore.

Jogos de tabuleiro,

brincadeiras de rua

Escolinha; Boneca; Jogos

de tabuleiro/cartas

Escolinha; Boneca

Escolinha; Boneca; Bola

(futebol, vôlei, queimada, etc.), Brincadeiras de rua, Subir

árvore

Organização da autor

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Quadro 6: Estrutura familiar dos alunos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Pai: Profissão, Escolaridade

Metalúrgico Ens. Fund.

Ajudante geral

Ens. Fund. NR NR Pintor NR NR

Pintor Ens. Méd.

NR

Porteiro, zelador

Ens Fund Incompleto

Pedreiro Não sabe

Diretor da Cisper

Ens. Fund.

Mãe: Profissão, Escolaridade

Do lar Vendedora Ens.Fund. Incompleto

NR NR Doméstica NR Diarista Doméstica Ens. Méd.

Técnica Enfermagem Ens. Méd.

Do Lar Nenhuma

escolaridade

Auxiliar de Limpeza Não sabe

Doméstica Ens. Fund.

Cônjuge: Profissão, Escolaridade

NR NR NR NR NR NR NR NR NR NR Operador de Call Center

Cursa Direito

Gerente de Farmácia

Licenciada em História

Avô Paterno: Profissão, Escolaridade

NR NR NR NR NR NR NR Agricultor Agricultor Nenhuma

escolaridade NR Não lembra NR

Avó Paterna: Profissão, Escolaridade

NR NR NR NR NR NR NR Do Lar Agricultor Nenhuma

escolaridade NR Não lembra NR

Avô Materno: Profissão, Escolaridade

NR NR NR NR NR NR NR Barbeiro Agricultor Nenhuma

escolaridade NR Não lembra NR

Avó Materna: Profissão, Escolaridade

NR NR NR NR NR NR NR Do Lar Agricultor Nenhuma

escolaridade NR Não lembra NR

Organização da autora

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Quadro 7: Estrutura familiar dos professores Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Pai: Profissão, Escolaridade

Metalúrgico EF

Militar Alfabetizado

Bancário EM

Advogado Superior

Agricultor EM

NR Vendedor de automóveis

Fund II

Desenhista EM

Contador Fund II

Mãe: Profissão, Escolaridade

Doméstica EF

Do lar Alfabetizado

Do lar EF

Professora Superior

Do lar EF

Do lar EF

Do lar Fund II

Do lar EM

Do lar Fund II

Cônjuge: Profissão, Escolaridade

Professora Ens. Sup.

FMU NR NR

Engenheiro Superior

NR NR Engenheiro

Superior Administrador

Superior NR

Avô Paterno: Profissão, Escolaridade

Lavrador EF

Negociante Não sei

Fazendeiro Não sei

Comerciante EM

NR NR Tinha

Chapelaria NR NR

Avó Paterna: Profissão, Escolaridade

Doméstica EF

Do lar Não sei

Do lar Não sei

Professora Magistério

NR NR Do lar

Não sei Do lar NR

Avô Materno: Profissão, Escolaridade

Ferroviário EF

Agricultor Não sei

Funcionário Público Não sei

Comerciante EM

NR NR Mecânico Não sei

NR NR

Avó Materna: Profissão, Escolaridade

Doméstica EF

Do lar Não sei

Do lar Não sei

Professora Magistério

NR NR Do lar

Não sei Do lar NR

Organização da autora

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O Aluno 10 relatou que ele e a irmã (também ex-aluna da EE Rute José

Samuel) sofrem de retinose pigmentar e catarata contra a qual fizeram cirurgias

“só que em virtude do descolamento da retina, não teve êxito, não teve como reverter. É genético. Assim, apesar de que os nossos pais enxergam, mas eles dizem que tiveram pessoas na família que tiveram também deficiência visual.” (Aluno 10)

O Aluno 12, mais velho de cinco irmãos não deficientes disse:

“A minha mãe, na gravidez, quebrou o braço. E ela tirou um raios-X. O meu é causado por um raios-X. Não é doença. Ela estava com seis meses, aí ela tirou o raio-X e tirou sem a proteção. Aí, desfragmentou a raiz do olho. É uma desfragmentação da raiz do olho.” (Aluno 12)

Entre os professores a situação modifica-se, (Quadro 7), mas 3 (três) sujeitos

não souberam, ou não quiseram, responder sobre a profissão e escolaridade de

seus avós; a Professora 8 sabia apenas que suas avós (materna e paterna) eram

donas de casa, não tendo informações sobre os avôs. Entre os demais, apenas a

Professora 4 têm pais com ensino superior: a mãe era professora e o pai advogado.

Os demais são descentes de pais e avós com, no máximo, o Ensino Médio, que

desempenhavam profissões hoje vedadas a quem tem apenas esse nível de ensino,

tais como gerente de banco e professoras. Os demais exerciam profissões que

abrangem um largo espectro, tais como ferroviários, comerciantes, lavradores,

mecânico e um fazendeiro. Quanto aos cônjuges, todos buscaram seus parceiros

entre pessoas com nível superior (Quadro 7): as professoras buscaram

companheiros de fora do magistério (engenheiros e administradores).

Diferentemente delas, os 2 (dois) professores que responderam ao

questionário, escolheram professoras como companheiras. De acordo com Nóvoa,

esse comportamento das professoras está ligado ao fenômeno da feminilização do

corpo docente, ocorrido em meados do século XIX, no qual se verifica uma

desvalorização relativa da profissão docente, numa lógica de que, não sendo a

provedora da família, não precisaria ser mais bem remunerada, uma vez que seu

salário seria

uma espécie de renda suplementar e não como a renda principal da família e porque a situação que as mulheres ocupam na hierarquia social [para algumas parece ainda ser] mais determinada pela

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posição de seus maridos que por sua própria atividade profissional (NÓVOA, 1991, p. 126-127).

Não quero defender que professores devam relacionar-se, afetivamente,

somente com professores, mas quando percebemos outros comportamentos que

demonstram uma espécie de vergonha do magistério é preciso que atentemos para

outros detalhes ou pistas.

Quando perguntados se apoiariam os filhos caso esses optassem pelo

magistério como profissão, (Quadro 8) só os professores afirmam que sim, um deles

acrescentando o comentário de que seria uma forma de realização pessoal desse

filho, como aliás, é para ele. Entre as professoras a situação modifica-se, apenas a

Professora 7 apoiaria seus filhos, caso estes optassem pelo magistério. Entre as

demais a insatisfação se revela quando afirmam não querer que seus filhos sejam

herdeiros da profissão que exercem. Mesmo tendo filhos, a Professora 9 preferiu

não responder à pergunta, assim como a Professora 8. Outras preferiram se

posicionar, acrescentando comentários à resposta. Comentários incisivos como:

“Jamais. Quero uma profissão melhor para minha filha.” (Professora 4) e “Não. Não

há perspectiva de melhoria nas condições de trabalho e salário.” (Professora 5).

Parafraseando Bourdieu, (2008, p. 232) são professoras que esperam que a

ascensão dos filhos seja, de “certa forma, seu acabamento” (BOURDIEU, 2008, p.

232), que eles, por procuração, realizem seu projeto rompido. Confesso que me

incomodou perceber que minhas colegas professoras, além de buscarem estratégias

matrimoniais que as levaram a não eleger professores como companheiros, também

não apoiariam seus filhos caso estes escolhessem o magistério por profissão

(Quadro 8), mesmo afirmando ter escolhido ser professoras voluntariamente e de

encontrarem realização pessoal na profissão. Apenas a Professora 4 disse que este

não era seu objetivo profissional, e que foi levada a ser professora pelas

circunstâncias. Observando diferentes variáveis intencionalmente colocadas no

questionário, como questões sobre origem familiar, pertencimento étnico, renda,

tamanho da moradia atual foi possível fazer um cálculo das semelhanças e

diferenças entre os sujeitos, professores e professoras: o Professor 1, filho mãe e

avós domésticas27, de pai metalúrgico, e neto de lavrador e ferroviário

27

A questão na qual os professores deveriam registrar a profissão e escolaridade de seus ascendentes era aberta, devendo ser escrita pelo professor. Ao escrever que sua mãe e avós eram “domésticas” não sei ao certo se o Professor 1 quis dizer empregadas domésticas ou donas de casa.

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Quadro 8: Concepções dos Professores sobre o Magistério: Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Ser professor(a) foi uma escolha sua

Sim Sim Sim Fui Levada

pelas circunstâncias

Sim Sim Sim Sim Sim

O que te motivou a escolher essa profissão

Gostar de Mat. e por ser

a carreira mais indicada

Autonomia na Atuação, Lidar com pessoas

Identificação com meus

Professores

A situação vivida no

mento

Meu professor de Matemática

do EF

NR

Interesse pela

Educação Especial

Contato com Pessoas surdas

A facilidade de ensinar o

outro

Seus pais influencia-ram sua escolha

Não Não Não Sim Não Não Não Não Sim

Existem outros professores em sua família

Sim, Irmã Sim, prima Sim, irmã e

sobrinha Sim, mãe,

avós Não Não Não

Madrinha/Prima

Irmã/ Cunhada

Você gosta do que faz

Sim, identifico-me

com a profissão de

ensinar

Sim

Sim, ensinando

acabo aprendendo

muito. É uma troca

de experiências

Sim, me acostumei

com o decorrer dos

anos.

Sim, respeito dos

alunos e colegas.

Sim, pq contribuo

para a formação de um mundo

melhor

Sim Sim Sim

Apoiaria seu(s) filho(s) caso optassem pelo magistério

Sim. Creio que é uma forma de

realização pessoal

Não Não

Não. Jamais.

Quero uma profissão

melhor para minha filha.

Não. Não há perspectiva de melhoria

nas condições de trabalho e

salário.

Sim Sim NR NR

Organização da autora

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138

O Professor 6 não respondeu as questões sobre sua origem familiar, mas

numa análise multivariada, é o único que se auto-identificou como negro, o professor

com menor renda familiar declarada, único que mora na periferia da cidade, com

seus dois filhos e a esposa numa casa com apenas 3 (três) cômodos. Dessas

realidades, infere-se que para ambos os professores, o magistério significou a

possibilidade de mobilidade social ascendente, seja do ponto de vista financeiro

(Professor 1) ou social (Professor 6). No caso das professoras a situação difere, uma

vez que são todas originárias de extratos médios da sociedade (algumas mães

professoras, pais e avôs desenhista, contador, advogado, gerente de banco,

comerciantes e fazendeiro) para as quais, o magistério significou no máximo a

manutenção do status familiar, senão um declínio, caso da Professora 4, que tinha

outros planos para a própria vida.

As últimas questões desse agrupamento tinham como objetivo aferir a vida

cultural de alunos e professores (Quadros 9 a 14). Questionados sobre o que fazem

do tempo livre, alunos (Quadro 9) e professores (Quadro 10) prioritariamente

descansam e cuidam da casa. Os diferencia o fato de os professores afirmarem a

frequência a cinemas, teatros, shows e os alunos indicarem mais visitas aos

familiares e assistirem menos televisão que os professores, fato atribuído por mim

aos dificultadores impostos pelas deficiências. Para os professores, a televisão é

presença constante, exceto para o Professor 6, que afirmou raramente assistí-la, os

demais o fazem diariamente, preferencialmente telejornais, novelas, seriados e

filmes.

A internet faz parte da maioria absoluta dos sujeitos, apenas o Aluno 5,

afirmou não acessá-la, para os demais alunos e professores, esta é a principal e

mais frequente fonte de leitura diária, seja de casa ou do trabalho. Na internet

também realizar operações bancárias, trabalham e veem notícias

Quando solicitamos que indicassem a frequência a espaços culturais

separadamente, percebemos mudanças significativas em relação ao anteriormente

afirmado, conforme exposto nos Quadros 11 e 12: a frequência à cinemas cai

drasticamente, pois apenas 4 (quatro) professores o faz sempre. Nenhum dos

alunos tem este hábito, mesmo com o fácil acesso a estes numa cidade como São

Paulo. Quando o assunto é teatro o número diminui para 2 (dois) professores e

concertos ou shows, apenas 1 (um) professor.

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139

Podemos sintetizar os dados dos Quadros 11 e 12 afirmando que, em média,

as atividades de lazer de eleição dos professores são as viagens, shopping centers

e restaurantes, ao passo que os alunos restringem-se às visitas aos shoppings

center, aonde apenas 3 (três) vão aos cinemas. Poucos dizem viajar ou fazer outros

tipos de passeios como parques e restaurantes.

Do ponto de vista das leituras, alunos (Quadro 13) e professores (Quadro 14)

demonstram gostos semelhantes com leve vantagem para os alunos: metade de

cada grupo afirma ler jornais diariamente. Quando o assunto é a leitura de livros (de

ficção ou não-ficção) os alunos estão, percentualmente, muito à frente dos

professores. 4 (quatro) alunos, (2 (dois) DAs e 2 (dois) DVs) afirmaram ler

frequentemente, mesmo hábito apenas do Professor 6.

Esses dados são preocupantes, pois basta olharmos a quantidade de marcas

nas colunas “raramente” e “nunca” dos Quadros 13 e 14 para identificarmos a

precariedade do contato com as atividades culturais, mesmo as mais simples. Se

caso os alunos tiveram acesso restrito a mecanismos de distinção como herança

familiar, podemos entrever que dificilmente a escola poderá fazer diferença, uma vez

que os principais agentes que poderiam contribuir nesse sentido, não podem fazê-lo

por também não tê-los incorporados. “A cultura „livre‟, condição implícita do êxito em

certas carreiras escolares, é muito desigualmente repartida entre os estudantes”

(BOURDIEU, 2008, 45) e eu acrescentaria, também entre os professores, que

restringem sua vida cultural basicamente à televisão e a passeios ligados ao

consumo, como é o caso dos shoppings. São disposições que estruturaram seus

habitus e que não sofreram alterações durante outras formações ao longo da vida.

Essa realidade traz consequências para as práticas pedagógicas desses

professores e para o aprendizado dos alunos, que não veem, ou não buscam,

alternativas culturais para enriquecer seu trabalho. Pode-se dizer que existem bem

poucas diferenças entre tais disposições dos professores quando comparadas às

dos alunos. Fato que é apontado pelos alunos, conforme será exposto mais à frente

neste trabalho.

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140

Quadro 9: Hábitos Culturais dos Alunos no tempo livre

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

O que faz no tempo livre

Descansa Cuida da

casa Vai à igreja Assiste TV

Descansa Visita

familiares Visita

amigos Vai à igreja

Pratica atividades

físicas

Descansa Visita

familiares Faz

compras Assiste TV

Descansa Visita

familiares e amigos Cuida da

casa Vai à igreja

Vai à cinemas, teatros, shows

Visita familiares

Visita amigos

Assiste TV

Faz compras

Assiste TV

Descansa Visita

familiares Cuida da

casa Assiste TV

Cuida da casa

Visita amigos

Vai à cinemas, teatros, shows

Vai à igreja Ouve

música Pratica

atividades físicas Vai à

cinemas, teatros, shows

Descansa Visita

familiares Cuida da

casa

Visita familiares

Visita amigos Pratica

atividades físicas

(Esportes radicais)

Tipos de Filmes preferidos

Ação/ Aventura Animação

Ação/ Aventura Comédia Policial

Ação/ Aventura

Terror Policial

Suspense

Animação

Ação/ Aventura Animação

Ficção científica

Terror

Documentário Ficção

científica Romance

Comédia Romance

Ação/ Aventura Comédia Romance

Policial Romance

Policial

Ação/ Aventura Comédia

Frequência que assiste TV

Raramente Raramente Diariamente Raramente Diariamente Raramente Raramente Diariamente Raramente Diariamente Raramente Raramente

Tipos de programas de TV preferidos

Jornais Debates

Jornais Seriados Filmes

Jornais Novelas Filmes

Jornais Novelas Filmes

Novelas Esportes Filmes

Jornais Filmes

Jornais Documentário

Filmes

Jornais Novelas

Novelas Seriados Filmes

Jornais Esportes

Variedades Novelas

Jornais Filmes

Acesso à internet

De casa Do trabalho

De casa De casa

Do celular De casa Não

Do trabalho

Do celular Sim. Não

respondeu de onde.

De casa Do

trabalho Do

trabalho De casa

Finalidades de acesso à internet?

Trabalho Ver notícias

Estudo Lazer

Operações bancárias

Ver notícias

Recreação/Lazer

Trabalho Ver notícias

Estudo Compras

Ver notícias Estudo

Operações bancárias

NR Estudo

Compras Trabalho Estudo

Não respondeu

Recreação/Lazer

Não respondeu

Trabalho

Estudo

Organização da autora

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141

Quadro 10: Hábitos Culturais dos Professores no tempo livre Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

O que faz no tempo livre

Visita familiares,

Vai à Igreja, Pratica

atividades físicas, Vai a

cinemas, teatros, shows

Assiste TV; Ouve Música; Vai a cinemas, teatros, shows.

Descansa; faz compras;

Assiste TV.

Descansa; Cuida da casa; Vai a cinemas, teatros, shows.

faz compras; Assiste TV, Vai

a cinemas, teatros, shows.

Descansa, Ouve música, Cuida da casa

Descansa

Descansa; cuida da casa; vai ao cinema, teatro, shows,

Descansa; pratica

atividades físicas; vai ao cinema, teatro,

shows,

Tipos de Filmes preferidos

Ação/Aventura, Drama,

Suspense

Documentário; Drama; Musical

Animação; comédia; Romance

Animação; Romance; Suspense

Comédia; Drama;

Romance; Não respondeu

Drama; Comédia e

Bíblico

Ação/Aventura; comédia; Romance

Drama; Romance; Suspense.

Frequência que assiste TV

Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente Diariamente Raramente Diariamente Diariamente Diariamente

Tipos de programas de TV preferidos

Jornais, Esportes,

Filmes

Jornais; Desenho

Variedades; Novelas; Esportes

Jornais; seriados; novelas

Jornais; documentários;

seriado

Jornais; documentários;

Filmes

Jornais; Variedades;

novelas

Jornais; Novelas; Seriados;

filmes

Jornais; documentários;

filmes

Acesso à internet

Sim: casa, trabalho, celular

Sim: casa Sim; casa, trabalho,

Sim: casa, da escola

Sim: casa Sim Sim. Casa,

trabalho

Sim. Casa; do celular

Sim; casa, trabalho; escola

Finalidades de acesso à internet?

Trabalho, compras; Noticias, Estudo

Trabalho; estudo

Trabalho

Trabalho; ver notícias;

recreação e lazer

Trabalho; ver notícias;

recreação e lazer; estudo;

compras; operações bancárias.

NR

Trabalho; estudo;

recreação e lazer;

Operações bancárias.

Trabalho; ver notícias;

recreação e lazer; estudo;

compras; operações bancárias.

Trabalho; ver notícias; estudo;

recreação e lazer.

Organização da autor

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142

Quadro 11: Hábitos Culturais dos Alunos: Frequência à Passeios/Eventos D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna11 Aluno12

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

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Sem

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Rara

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Nu

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Sem

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Rara

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Sem

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Rara

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Nu

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Sem

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Rara

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Nu

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Sem

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Sem

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Rara

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Nu

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a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

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a

Sem

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Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Cinema X X X X X

Não

Re

spo

nde

u

X X X X X

Teatro X X X X X X X X X

Concerto X X X X X X X

Não

Re

spo

nde

u

Parques X X X X X X X X X

Viagem X X X X X X X X

Museus X X X X X X X

Exposições X X X X X X X

Shopping X X X X X X X X X

Restaurante/Bares X X X X X X X X

Prática de Esportes

X X X X X X X X

Organizações Sociais

X X X X X X X X

Organização da autora

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143

Quadro 12: Hábitos Culturais dos Professores: Frequência à Passeios/Eventos Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

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a

Sem

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Rara

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te

Nu

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a

Sem

pre

Rara

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Nu

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a

Sem

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Rara

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te

Nu

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a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Cinema X X X X X X X X X

Teatro X X X X X X X X X

Concerto X X X X X X X X

Parques X X X X X X X X X

Viagem X X X X X X X X X

Museus X X X X X X X X X

Exposições X X X X X X X X X

Shopping X X X X X X X X X

Restaurante/Bares X X X X X X X X X

Prática de Esportes X X X X X X X X X

Organizações Sociais

X X X X X X X X X

Organização da autora

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144

Quadro 13: Hábitos Culturais de Alunos: Frequência e tipos de Leituras D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

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Sem

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Nu

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Nu

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Sem

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Rara

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Sem

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Rara

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Sem

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Rara

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Sem

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Rara

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Sem

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te

Nu

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Sem

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Rara

men

te

Nu

nc

a

Sem

pre

Rara

men

te

Nu

nc

a

Jornais

Não R

espondeu

Não R

espondeu

X X X X X X X X X

Revista: saúde X X X X X X X

Revista: religião X X X X X X X

Livros de ficção X X X X X X X

Sites e matérias na Internet

X X X X X X X

Revistas semanais X X X X X X

Revista: humor, quadrinhos ,jogos.

X X X X X X X

Revista: esportes, lazer e automóveis.

X X X X X X X

Revista: cinema, TV, música, celebridades

X X X X X X X

Livros: não-ficção e biografias.

X X X X X X X

Dicionários, enciclopédias, manuais

X X X X X X X

Revista: moda, decoração, comportamento.

X X X X X X X

Revista divulgação: científica, tecnológica, filosófica ou artística.

X X X X X X X X

Organização da auto

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145

Quadro 14: Hábitos Culturais de Professores: Frequência e tipos de Leituras Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Dia

ria

me

nte

Rara

me

nte

Nu

nc

a

Dia

ria

me

nte

Rara

me

nte

Nu

nc

a

Dia

ria

me

nte

Rara

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nte

Nu

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a

Dia

ria

me

nte

Rara

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Nu

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Dia

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Rara

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Nu

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Dia

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Rara

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Dia

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Rara

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Dia

ria

me

nte

Rara

me

nte

Nu

nc

a

Dia

ria

me

nte

Rara

me

nte

Nu

nc

a

Jornais X X X X X X X X X

Revista: saúde X X X X X X X X X

Revista: religião X X X X X X X X X

Livros de ficção X X X X X X X X X

Sites e matérias na Internet X X X X X X X X X

Revistas semanais X X X X X X X X X

Revista: humor, quadrinhos ,jogos.

X X X X X X X X X

Revista: esportes, lazer e automóveis.

X X X X X X X X X

Revista: cinema, TV, música, celebridades

X X X X X X X X X

Livros: não-ficção e biografias. X X X X X X X X X

Dicionários, enciclopédias, manuais

X X X X X X X X X

Revista: moda, decoração, comportamento.

X X X X X X X X X X

Revista divulgação: científica, tecnológica, filosófica ou artística.

X X X X X X X X X

Organização da autora

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146

Quando questionados sobre a vida acadêmica, apenas os Professores 1 e 2,

(Quadro 15), estudaram todo o EF e o Médio somente em escolas públicas, os

demais alternaram períodos/etapas em instituições públicas e privadas. Já o ensino

superior, foi cursado por todos, em universidades privadas. Além da graduação em

suas disciplinas, 3 (três) professoras cursaram complementação em pedagogia.

Entre os professores, a professora 4 parece ser a que mais sofreu o “processo de

inflação de títulos escolares e da desvalorização correlativa” (BOURDIEU, 2008, p.

159) dos diplomas e a que mais investiu em formação, visando “manter ou melhorar

sua posição no espaço social” (BOURDIEU, 2008, p. 147). Ao concluir a licenciatura

em Letras, vendo-se em dificuldades para conseguir aulas, cursou Artes, disciplina

da mesma área de conhecimento (Linguagens e Códigos). Almejando a

possibilidade de também lecionar para os anos iniciais do EF e/ou alcançar um

cargo na gestão escolar, cursou Pedagogia e, acalentando seu sonho de deixar o

magistério, cursou pós-graduação em História da Arte. Se o leitor relacionar essa

trajetória acadêmica às respostas dessa professora sobre sua “escolha pelo

magistério”, apresentadas anteriormente no Quadro 8, perceberá que este não era

seu objetivo. A professora optou pelo magistério devido “à situação vivida no

momento”, foi “levada pelas circunstâncias”, Quando perguntada se gosta do que faz

a resposta foi “sim, me acostumei com o decorrer dos anos”. Gostar e acostumar-se

são duas coisas bem diferentes, reveladoras de certa disposição relativa à

adaptação às circunstâncias.

A pós-graduação stricto sensu só é citada como parte dos desejos dos

professores homens. O Professor 1, que leciona matemática na rede estadual e

exerce cargo de gestão na Prefeitura Municipal de São Paulo e o Professor 6, que

lecionava poucas aulas de língua portuguesa e inglês na rede estadual e algumas

na rede privada, iniciaram cursos de mestrado em suas respectivas áreas, mas

foram obrigados a abandoná-los, um vez que se tornaram inconciliáveis as

demandas dos cursos e as jornadas de trabalho.

A trajetória escolar dos alunos durante o EF (Quadro 16) é bastante

heterogênea, 6 (seis) afirmam ter cursado todo EF em escolas de especiais, sendo o

Ensino Médio a primeira experiência numa escola regular; 4 (quatro) alunos

estudaram toda a vida em escolas regulares ao mesmo tempo em que eram

atendidos em instituições especializadas na área de suas deficiências, onde

aprenderam Braille e LIBRAS; 2 (dois) alternaram períodos de estudos na escola

Page 149: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

147

regular e em escolas especiais. Para todos a trajetória foi difícil, fazendo com que

fossem necessário 10 (dez) ou 11 (onze) anos para a conclusão do EF, atrasado em

virtude de reprovações. Apenas 4 (quatro) concluíram aquela etapa da escolarização

no tempo previsto. A Aluna 11 concluiu o EF em menos tempo em virtude dos

processos de aceleração pelas quais passou. Dela ouvi também uma declaração

que, infelizmente, permeia a realidade de muitos alunos, deficientes ou não: terem

suas dificuldades e deficiências, quaisquer que sejam, rotuladas como DI. No caso

desta aluna esse rótulo deixou marcas profundas.

Mas você começou com que idade? A estudar? (É.) Eu comecei com 11. E você sabe por quê? Porque nas outras escolas que eu entrei, não me aceitavam porque eu tinha muita dificuldade de aprender. Mas para saber que você tinha dificuldade de aprender, você tinha que já ter estado em alguma escola? É, mas ninguém nunca me testou. E quem definiu que você tinha... Que eu cheguei a entrar na escola antes, mas aí não me aceitaram. Você estudava um pouco? Eu estudava um pouco e, aí, depois saí. E eles falavam com a sua mãe, que não dava para você continuar? Eles falavam que não dá para continuar, porque não tinha como eles me ensinarem, que eu tinha muita dificuldade de aprender. A minha mãe me tirou. E quanto tempo você demorou para terminar o EF? É porque teve séries que eu não fiz. Por exemplo, eu não fiz a primeira, não fiz a terceira, não fiz a quinta. E fiz a sexta, sétima e oitava junto. Eu fiquei um tempo fora da escola, depois entrei em uma escola que tem perto do Hospital São Paulo. Aí, lá, eu fiquei dois anos na sala de DM [Deficientes Mentais]. Por quê? Eu não sei, eu não entendo até hoje, nunca me foi explicado. Eu fiquei dois anos nessa sala. E aí, depois, eu fui para a classe comum, passei para a segunda série, lá mesmo. Aí, depois eu pulei para a quarta e depois vim para cá. Era aceleração. Na época, eu tinha 17 [(dezessete)] anos. Como foi a questão da dificuldade, você só não aprendia porque não tinha material? Por vários motivos, tinha coisa que eu não conseguia aprender de jeito nenhum, não tinha materiais para mim e, também, porque nas outras escolas que eu entrava os professores mesmo não tinham paciência para me ensinar. Então, você acha assim: se você pudesse dizer que o que mais te atrapalhou na sua vida escolar, o que mais fez falta para você? O que mais fez falta para mim foi eu ter pulado as séries. Eu não queria ter pulado, eu queria ter feito tudo direitinho, todas elas, completas. Eu acho que me atrapalhou muito, porque muita coisa que tinha que aprender, eu não aprendi. (E hoje faz falta?) Hoje faz,

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148

Quadro 15: Trajetória acadêmica dos Professores Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Em que tipo de instituição de ensino você estudou

EF: Pública EM: Pública

EF: Pública EM: Pública

EF: Privada EM: Pública

EF: Púb/Priv EM: ?

EF: Privada EM: Pública

EF: Publico EM: Privado

EF: Privada EM: Pública

EF: Privada EM: Privada

EF: Privada /Pública

EM: Pública

Graduação Privada Privada Privada Privada Privada Privada Privada Privada Privada

Cursou outra Faculdade

Sim Não Pedagogia Artes

Pedagogia Hist. Da Arte

Pedagogia Não Não Não SIM

Não citou curso

Pensa em fazer outra Faculdade

Sim, Mestrado em Mat

Não Sim,

Enfermagem Não sabe Não sabe Sim Não Sim Talvez

Estuda atualmente

Não Não Não Não Não Não Não Não Sim/Inglês

Organização da autora

Quadro 16: Trajetória acadêmica dos Alunos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Tempo para conclusão do E.F

Mais de 11 anos

10 anos

8 anos

8 anos

Menos de 8 anos.

11 anos Menos de 8 anos.

Mais de 11 anos

10 anos 10 anos Menos de 8 anos.

Mais de 11 anos.

Tipo de escola na qual cursou o Ens. Fund.

Somente em escola pública.

Somente em escola Especial Pública

Somente em escola Especial.

Somente em escola

regular, pública

Somente em escola de Educ. Especial Pública.

Parte em escola

Especial e parte em escola regular

Parte em escola

Especial e parte em escola regular

Somente em escola Especial

Particular.

Somente em escola Especial Pública.

Somente em escola Especial.

Somente em escola

regular, pública

Somente em escola

regular, pública

Ficou fora da escola antes do EM/EJA

De 1 a 3 anos.

De 3 a 5 anos.

De 1 a 3 anos.

Não

De 1 a 3 anos.

Menos de 1 ano

Não. Não. De 1 a 3

anos

De 1 a 3 anos.

Não

De 5 a 10 anos

Organização da autora

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149

e como. Assim... se eu pudesse fazer, pelo menos, as séries que eu não fiz, eu faria. Voltaria para a escola? Eu voltaria. (Aluna 11)

Três questões são marcantes no depoimento dessa ex-aluna: a primeira,

expressa nas primeiras frases da citação acima, foram as decisões de vedar o

acesso da aluna à escola baseadas em pré-julgamentos, uma vez que ela não era

nem mesmo avaliada. A segunda questão marcante foi a consequência desses pré-

julgamentos: a incorporação, por parte da mãe – sua única estimuladora, já que o

pai dizia que “você é burra mesmo” – e por ela mesma, de que os problemas de

aprendizagem, as dificuldades eram dela porque “não tinha como eles me

ensinarem, que eu tinha muita dificuldade de aprender”. Ou seja, percebe-se

implícita a ideia de que a escola fez a sua parte a contento: ensinou. Mesmo que,

mais à frente, ela cite a falta de recursos pedagógicos e a falta de paciência dos

professores, o problema estava nela, aluna, que não cumpria sua parte nessa

empreitada: não aprendia, ou seja, ela internalizou o processo de exclusão do qual

foi vítima. Essa situação só modificou-se quando lhe foi oferecido algum trabalho

diferenciado na Sala Especial para DI, o que nos leva à terceira questão: em que

pese o trabalho positivo que possibilitou o progresso acadêmico da Aluna 11, sua

alocação nesta Sala foi feita de forma absolutamente arbitrária pela escola, sem

discussão com a família para a tomada da decisão quanto à vida escolar daquela

jovem que hoje, adulta, ressente-se do que deixou de aprender.

Ao tomar para si a culpa pela repetência, os jovens silenciam sobre os condicionantes socioculturais e sobre o lugar da escola na reprodução das desigualdades, assim como sobre as diferenças entre os distintos estabelecimentos escolares. (ABRAMOVAY e CASTRO, 2003, p. 510).

Além do silêncio culposo, a trajetória escolar dessa aluna evidencia como os

juízos professorais, muitas vezes classificatórios e até discriminatórios instaurados

na cultura escolar, construídos sobre “um conjunto de critérios difusos, jamais

explicitados, padronizados ou sistematizados, que lhe são oferecidos pelos trabalhos

e exercícios escolares ou pela pessoa física de seu autor” (BOURDIEU e SAINT-

MARTIN, 2008. p. 192), marcam a vida de uma pessoa que, mesmo após a

obtenção da certificação do Ensino Médio que lhe possibilitou um emprego melhor,

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com renda maior do que o benefício previdenciário que recebia, ainda voltaria para a

escola para cursar as séries que deixou de estudar em virtude dos prejuízos

causados não por sua deficiência, mas pela incapacidade da instituição escolar

atender às suas necessidades. Tais marcas constituem disposições estruturadas

resultantes de segregação, de incapacidade para a aprendizagem, embora não

tenham destruído a noção de que aprender é necessário.

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CAPÍTULO III PERCEPÇÕES DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE O ENSINO MÉDIO NA MODALIDADE EJA

As questões que constituem esse capítulo foram norteadas pelo objetivo de

aferir, nas alternativas escolhidas para as respostas, percepções, os motivos da

escolha da EE Rute José Samuel. Dos alunos buscou-se informações sobre os

motivos da escolha da instituição para cursar a EJA, quais os motivos da escolha e

expectativas quanto à EJA. Dos professores as questões buscavam aferir porque os

professores lecionam para as turmas de EJA, se intencionalmente ou premidos por

outras questões, como foram formados ou como se formam continuadamente para

atuar e, diante dessa formação, como atuam, como organizam seu trabalho e suas

práticas pedagógicas para dar conta de responderem aos objetivos propostos para o

nível e modalidade de ensino no qual atuam. Cotejou-se as percepções de ambos

os grupos de agentes sobre as condições para o trabalho pedagógico e sobre os

modos de trabalho dos professores em sala de aula.

3.1 EE Rute José Samuel: motivos da escolha

Das perguntas direcionadas aos alunos, uma das perguntas mais importantes

era o motivo da escolha da EE Rute José Samuel para cursarem o EMEJA. O

objetivo era confirmar se realmente a escolha era feita em virtude do

reconhecimento da escola como inclusiva, diferente das demais, se era devido à sua

localização ou outros fatores. Importante é lembrar que as escolhas dos sujeitos não

se dão no vazio, ao acaso, são dotadas de:

Senso prático, de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. (BOURDIEU, 1994, p. 42).

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As respostas dos alunos (Quadro 17) confirmaram o que era ouvido por

funcionários e professores da EE Rute José Samuel, uma vez que a escola foi a

opção desses alunos por receberem indicação de colegas egressos e das

instituições especializadas que frequentavam para atender suas deficiências, ou

seja, os alunos ajustaram sua escolha às suas chances objetivas de receberem um

atendimento adequado às suas necessidades, cálculo mais ou menos consciente,

das chances de sucesso. Apenas a Aluna 6 afirmou ter procurado a escola

unicamente pela facilidade de acesso e transporte, veja Quadro 17.

Então, eu vim para cá uma porque era referência. Então, muitos DVs já tinham estudado aqui e me indicaram. E outra que, na região de Itaquera, não tinha escola com Sala de Recurso. E eu tinha que procurar outro lugar, depois, para transcrever o material. Então, eu já escolhi uma escola que tivesse Sala de Recurso. Que eu não precisasse ficar me deslocando para outro lugar, para transcrever o material, levar o material. (Aluno 12) Então, eu vim para cá uma porque era referência. Então, muitos DVs já tinham estudado aqui e me indicaram. E outra que, na região de Itaquera, não tinha escola com Sala de Recurso. E eu tinha que procurar outro lugar, depois, para transcrever o material. Então, eu já escolhi uma escola que tivesse Sala de Recurso. Que eu não precisasse ficar me deslocando para outro lugar, para transcrever o material, levar o material. (Aluno 12) E continuou no Ensino Médio porque já estava aqui? Aí eu saí daqui, na verdade, fui estudar em uma escola lá em São Miguel Paulista, que eu morava para lá. Depois estudei em uma escola chamada (...) no Jabaquara e aí, depois, vim para cá. E por que veio para cá? Porque eu gostava daqui. Aqui, eu acho que ensinam melhor. E também porque aqui, vocês ampliam os materiais para a gente. (Aluna 11)

Percebe-se que esta escola, pelos recursos de que dispõe – principalmente a

Sala de Recursos e a localização – e pelo tratamento que dispensa aos alunos está

dotada de um capital simbólico, que lhe confere reconhecimento social e prestígio,

para atuar junto a estes alunos.

Capital que é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação à um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns, mas também são unidos por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 2008, p. 67)

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Quadro 17: Motivos dos Alunos escolherem a EE Rute José Samuel

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Por que a EE Rute José

Samuel

Recebi indicações

de parentes

ou amigos

Recebi indicação

de colegas

deficientes que

também estudaram na escola

Recebi indicação

de colegas

deficientes que

também estudaram na escola

Por ter fácil

acesso (Ônibus e

metrô)

Recebi indicações

de parentes

ou amigos.

Recebi indicação de

instituição especializada

na minha deficiência.

Por ter fácil

acesso (Ônibus e metrô)

Recebi indicações

de parentes

ou amigos.

Recebi indicação de

instituição especializada

na minha deficiência.

Recebi indicação

de colegas

deficientes que

também estudaram na escola.

Recebi indicações

de parentes

ou amigos.

Porque já tinha feito o Ens. Fund.

Na Escola e conhecia

os apoios que a Escola

oferecia.

Recebi indicação

de colegas

deficientes que

também estudaram na escola.

Organização da autora

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É este capital simbólico, o prestígio que ele encerra que os alunos buscam,

mesmo que para isso sejam necessários investimentos, de recursos financeiros

(transporte e alimentação) e de tempo. Mas o capital simbólico construído pode ser

perdido, uma vez que, como alerta a citação acima sua existência e manutenção

está ligada à “uma rede durável de relações”, vinculada a “um grupo” unido por

ligações “permanentes e úteis”. Essa rede de relações está constantemente

ameaçada pela rotatividade dos agentes que habitam a escola. Rotatividade

desejada, quando nos referimos aos alunos, que precisam cumprir seu percurso

acadêmico e partir, mas indesejada quando obriga a rotatividade dos profissionais

da rede, não que se deseje que estes sejam vitalícios, mas que haja políticas que

permitam fixar e manter profissionais que apresentem perfil adequado para atender

as especificidades dos diferentes alunos que acorrem à esta escola. E que esses

profissionais não continuem sofrendo com as determinações da burocracia, que

fecha postos de trabalho, não oferece condições de trabalho adequadas e perde

funcionários para outras redes de ensino (particulares ou municipais).

A ameaça a esta história da escola pode ser confirmada quando verificamos o

decréscimo da procura dos alunos deficientes e de matrículas na EE Rute José

Samuel. Decréscimo, em muito explicado, por um exemplo da burocracia

excludente, na legislação que pretende implementar uma política educacional

inclusiva: a Sala de Recursos, mas as regras impossibilitam seu funcionamento

adequado.

No âmbito federal encontramos no “Documento orientador do programa

implantação de salas de recursos multifuncionais” as seguintes orientações:

No contexto das políticas públicas para o desenvolvimento inclusivo da escola se insere a organização das salas de recursos multifuncionais, com a disponibilização de recursos e de apoio pedagógico para o atendimento às especificidades educacionais dos estudantes público alvo da educação especial matriculados no ensino regular. (...) O Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CEB nº 4/2009, estabelece as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, definindo que: Art. 5º O AEE [Atendimento Educacional Especializado] é realizado, prioritariamente, nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, em centro de atendimento educacional especializado

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de instituição especializada da rede pública ou de instituição especializada comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a secretaria de educação ou órgão equivalente dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios. (BRASIL. 2012, p. 5) (grifos meus)

Na legislação estadual paulista, a mais recente regra de funcionamento das

Salas ou Serviços de Apoio Pedagógico Especializado (SAPEs) estão definidas no

artigo 8º da Resolução SE no 11/2008:

Art. 8º - A implementação de Serviços de Apoio Pedagógico Especializado (SAPEs) tem por objetivo melhorar a qualidade da oferta da educação especial, na rede estadual de ensino, viabilizando-a por uma reorganização que, favorecendo a adoção de novas metodologias de trabalho, leve à inclusão do aluno em classes comuns do ensino regular. Parágrafo único - Os Serviços de Apoio Pedagógico Especializado (SAPEs) serão implementados por meio de: 1 - atendimento prestado por professor especializado, em sala de recursos específicos, em horários programados de acordo com as necessidades dos alunos, e, em período diverso daquele que o aluno frequenta na classe comum, da própria escola ou de outra unidade; 2 - atendimento prestado por professor especializado, na forma de itinerância. (SÃO PAULO, 2008)

O primeiro grifo no fragmento do “Documento orientador do programa

implantação de salas de recursos multifuncionais” suscita uma dúvida: o que o

governo entende por ensino regular? É qualquer matrícula em classe comum,

independente da modalidade ou ensino regular é aquele oferecido nas chamadas

classes e turmas regulares, que excluem a modalidade EJA? No mínimo, é um texto

ambíguo que, dependendo dos interesses do leitor, pode resultar na exclusão da

EJA desse atendimento. Mas o que evidencia a burocracia excludente, na legislação

que pretende implementar uma política educacional inclusiva, é o fato de ambas as

legislações restringirem o atendimento ao período inverso de matrícula do aluno. A

justificativa é que o atendimento neste serviço não pode substituir a frequência às

salas de aulas. Mas ao concluir a redação da legislação desta forma, excluiu-se, no

mínimo, todo aluno trabalhador desse atendimento.

Esse é o maior entrave e contradição do atendimento das Salas de Recursos

na EE Rute José Samuel. Sua existência gera a expectativa de atendimento por

parte dos alunos e de respaldo especializado por parte dos professores e até

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funcionários, mas ela fica dificultada. Pela regulamentação legal, as Salas de

Recursos da EE Rute José Samuel devem atender os alunos em dois períodos de

24 (vinte e quatro) horas-aula semanais cada, distribuídos no período diurno, das

7h00 às 12h20min e das 13h00 às 18h30min. Ocorre que os alunos deficientes da

EJA, que possibilitam a existência das salas, são maiores de 18 (dezoito) anos,

disputados acirradamente pelas empresas que precisam cumprir as determinações

da Lei Federal nº 8.213/1991, por estabelecer cotas28 para contratação de

deficientes nas empresas, e com isso, e por suas necessidades financeiras, esses

alunos trabalham, não podendo, portanto frequentar a Sala de Recursos.

Até o ano de 2010 a escola contava com 2 (duas) professoras atuando nas

Salas de Recursos. Essas se dispunham a cumprir horários diferenciados, algumas

vezes por semana, para atender aos alunos nos seus horários de entrada, 19h00,

em dias pré-agendados por professores ou alunos, faziam as funções de

interlocutoras de LIBRAS em sala (por exemplo, dias de apresentação de trabalhos

pelos alunos deficientes, de explicação de conteúdos muito conceituais). Além disso,

elas cumpriam suas 2 (duas) horas de ATPC junto com os professores da EJA, entre

os quais elas se incluíam29. Como, contratualmente, o horário delas era no período

diurno, não tinham direito à Gratificação por Trabalho Noturno, garantido àqueles

que trabalham a partir das 18h00. Uma dessas professoras, após quase 20 (vinte)

anos de magistério como professora temporária na rede estadual, foi aprovada num

concurso público, indo trabalhar num município distante da capital. Outra perdeu

suas aulas em virtude do ingresso de uma professora concursada. No início de 2011

era, portanto (2) duas novas professoras, número que foi ampliado quando se

conseguiu atribuir uma vaga em aberto há anos. Portanto eram 3 (três) novas

professoras, com as quais o acordo possível, feito entre a direção da escola e 2

(duas) delas, foi que 1 (uma) vez por semana elas entrariam mais tarde e trabalharia

até às 20h.

A bem da verdade é preciso informar que estas professoras não deixam de

contribuir para o trabalho pedagógico da escola. Durante horário legal de trabalho

28

De 100 a 200 empregados com 2% de deficientes no quadro de funcionários, de 201 a 500, com 3%; de 501 a 1000, com 4% e acima de 1001, com 5%. 29

Uma observação importante nesta questão do pertencimento: as professoras das Salas de Recursos prontamente dispuseram-se a responder o Questionário, mas “pularam” todas as questões que se referiam à EJA. Para mim um claro sinal de não-pertencimento ao grupo dos professores daqueles alunos.

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atendem os alunos do EF que apresentam dificuldades de aprendizagem em sala,

cumprem suas ATPCs junto com os professores desses alunos. O que significa que,

com a concordância dos diferentes agentes da escola, durante o horário das aulas,

os alunos saem de suas salas de aula para receber atendimento na Sala de

Recursos. Uma pergunta que pode ocorrer é: se descumprem a lei durante o dia

atendendo os alunos, porque não o fazem à noite, com os alunos da EJA? A

resposta é que não o fazem em respeito à isonomia salarial com os professores que

lecionam à noite a que não teriam direito caso assim o fizessem.

A discussão sobre a Sala de Recursos será retomada na parte do texto em

que discutimos o funcionamento concomitante das modalidades EJA e EE. Aqui,

parte da discussão foi mantida por relacionar-se à história recente da escolar por ser

um exemplo dos impedimentos de ordem organizacional, burocrático que, ao invés

de apoiar, produzem barreiras para a efetivação da inclusão escolar de alunos

deficientes.

3.2 EJA: motivos da escolha e expectativas

Porque os professores atuam nessa modalidade de ensino? No Quadro 18,

verificamos que, dos 6 (seis) professores que responderam a essa questão, apenas

2 (dois) afirmaram ter feito essa escolha intencionalmente. Para os demais, inclusive

3 (três) professores com mais de 25 (vinte e cinco) anos de magistério e, portanto,

com boa classificação na hora da atribuição de aulas, a “escolha” das aulas na EJA

se deu em virtude de serem as aulas disponíveis no momento da atribuição. Seja

essa disponibilidade em virtude das necessidades de acúmulo da cargo de alguns

desses profissionais – que por isso só podem lecionar à noite – ou em virtude de

concessões feitas para colegas menos pontuados e com a necessidade de conciliar

diferentes escolas e problemas, ou, ainda, pela matemática envolvida na

composição das jornadas de trabalho que, muitas vezes, obriga o professor “a

quebrar períodos” para poder totalizar as aulas. De qualquer modo, se a escolha não

se dá intencionalmente, significa que esses professores não queriam lecionar neste

horário ou para esses alunos, mas o fazem porque é o que é possível fazer. E

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Quadro 18: Motivos da escolha e expectativas dos Professores quanto à EJA

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Tempo (anos) que trabalha na EJA

>25 anos 15 a 20 >25 anos 4 a 6 anos 4 a 6 anos 2 a 3 anos NR NR NR

Trabalha exclusivamente na EJA

Concilia com o Regular

Concilia com o Regular

Concilia com o Regular

Concilia com o Regular

Concilia com o Regular

Concilia com o Regular

NR NR NR

Por que trabalha na EJA?

Pq eram aulas disponíveis no momento da

atribuição

Por escolha intencional

Por escolha intencional

Pq eram aulas

disponíveis no momento da atribuição,

mas gosto muito

Pq eram aulas disponíveis no momento da atribuição.

Pq eram aulas

disponíveis no momento da atribuição

NR NR NR

Organização da autora

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Quadro 19: Motivos da escolha e expectativas dos Alunos quanto à EJA D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Por que optou por fazer o EMEJA

Melhor alternativa

para economizar

tempo

Certificação

/ diploma. Para

usufruir o direito à

educação negado na

idade adequada. Preparação

para ingresso e permanência

no mercado

de trabalho.

Busca de conheci-mentos

para continuar

os estudos.

Melhor alternativa

para economizar

tempo.

Melhor maneira

para conciliar estudo e trabalho.

Para usufruir o direito à

educação negado na

idade adequada. Preparação

para ingresso e

permanência no mercado de trabalho.

Melhor maneira

para conciliar estudo e trabalho.

Preparação para

ingresso e permanência

no mercado

de trabalho.

Melhor alternativa

para economizar

tempo Preparação

para ingresso e permanência

no mercado

de trabalho.

Busca de conhecimentos para continuar

os estudos.

Preparação para

ingresso e permanência

no mercado

de trabalho.

Certificação/

diploma. Melhor

maneira para

conciliar estudo e trabalho. Busca de conhecimentos para continuar

os estudos.

Melhor alternativa

para economizar

tempo. Melhor

maneira para

conciliar estudo e trabalho.

Melhor alternativa

para economizar

tempo. Preparação

para ingresso e permanência

no mercado

de trabalho.

NR

Organização da autora

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estando lá, no noturno, na EJA, trabalhando porque precisam, creem que seus

alunos só estão lá também porque precisam do certificado. Apenas o Professor 1 e a

Professora 4, acreditam que seus alunos têm expectativas de continuidade dos

estudos. Para os demais a escola é apenas a instituição chanceladora de um

certificado que facilitará o ingresso ou a permanência dos alunos no mundo do

trabalho.

Por que os alunos procuram a modalidade EJA? Quando perguntados sobre

os motivos que os levaram a procurar essa modalidade para cursarem o Ensino

Médio, (Quadro 19), as respostas evidenciam que a visão supletiva e de aceleração

impressa culturalmente na população quanto a esta modalidade de ensino

embasaram suas decisões para a procura da EJA. Empataram em primeiro lugar as

respostas que indicaram como principais motivos a economia de tempo para

conclusão do Ensino Médio e a busca de preparação para o mercado de trabalho.

Dito de outro modo, assim como os alunos dos estudos de Rial (2007) e Silva

(2007), apresentados mo primeiro capítulo, para os alunos deficientes matriculados

na EE Rute José Samuel a EJA também revestiu-se de caráter estratégico para a

obtenção da certificação definida como básica em nossa sociedade, e como

possibilidade de aproximação do alvo que é a ascensão social por meio da escola.

Creem nisso e participam “do jogo”, presos que estão à illusio de que vale a pena

jogar, disputar o jogo e melhor posição social. Veem na oportunidade de avanço da

escolarização a possibilidade de diminuição das diferenças.

Os recém-chegados ao ensino secundário são levados a esperar, só pelo fato de terem tido acesso ao mesmo, o que este proporcionava no tempo em que estavam excluídos desse ensino. Tais aspirações que, num outro tempo e para outro público, eram perfeitamente realistas, de vez que correspondiam a oportunidades objetivas, são frequentemente desmentidas de forma mais ou menos rápida, pelos veredictos do mercado escolar ou do mercado de trabalho. (BOURDIEU, 2008, p. 162).

Este parece ser o retrato de nossos alunos – deficientes ou não, que vivem a

necessidade do aumento contínuo e progressivo “da barra” dos níveis de estudo.

Nossos alunos de certa maneira anteveem essa realidade. Trata-se de um processo

denominado por Bourdieu de “translação global da estrutura da distribuição entre as

classes ou as frações de classes dos bens que são objeto da concorrência”

(BOURDIEU, 2008, p. 176), um processo por meio do qual as distâncias que

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separam os diferentes grupos sociais, em termos culturais e escolares, manter-se-

iam incessantemente, embora em patamares variados.

3.3 Formação dos professores para atuar na EJA

Quando realizei o levantamento bibliográfico, no início deste trabalho de

pesquisa, decidi verificar também as discussões em torno da formação de

professores uma vez que eles são importantes agentes no processo de inclusão

escolar dos alunos. Como aprenderam a enfrentar as especificidades das

deficiências? Que formação receberam para atender a multiplicidade de sujeitos da

EJA? De acordo com Barcelos (2006)

Os educadores da EJA são os mais recentes andarilhos da educação brasileira. Há que se lhes dar atenção. Escutá-los com cuidado. Ouvi-los mais devagar. Atentar para suas histórias. Elas são feitas de pedaços de vida e de morte. De sucessos e fracassos. De avanços e recuos. De alegrias e tristezas. Seus corações e mentes estão cheios de ideias, de desejos, de aprendizados. (BARCELOS, 2006, p. 82)

Assim como nas temáticas apresentadas anteriormente os trabalhos

encontrados discutem prioritariamente a docência nas turmas de EJA das séries

iniciais do EF, não sendo possível identificar nenhum trabalho que discutisse a

formação de professores para o trabalho na EJA com as diferentes disciplinas que

compõem o currículo das séries finais do EF e Ensino Médio. A pesquisa foi

interrompida quando encontrei o importante trabalho de Laffin e Gaya (2013). Trata-

se de um artigo no qual as autoras apresentam os resultados de um levantamento

nacional da produção acadêmica sobre a formação docente para a EJA entre os

anos de 2000 e 2011. Para a realização desse estudo, as autoras basearam-se em

pesquisa bibliográfica das dissertações e teses, produções em periódicos, livros e

trabalhos e eventos científicos sobre o tema Formação de professores e Educação

de Jovens e Adultos.

De acordo com as autoras, na página eletrônica da CAPES foram

identificados 47 (quarenta e sete) trabalhos, distribuídos por todo o país, com maior

concentração nas regiões sul e sudeste, mas não foi possível, para elas, identificar

grupos ou linhas de pesquisa ou ainda “um grupo de docentes orientadores que

caracterize uma atuação específica na área de Educação de Jovens e Adultos e

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formação docente” (LAFFIN e GAYA, 2013, p. 181). Após apresentar também a

análise de artigos em anais de eventos e periódicos, as autoras concluem que a

pesquisa no campo da EJA:

Reforça a ausência da oferta de formação inicial em instituições de ensino superior no âmbito das licenciaturas e, portanto, a impossibilidade de gerar mecanismos de acesso à ciência ou ao pensamento científico nesse campo. Isso nos leva a questionar se a questão não se agrava quando constatamos a ainda hoje reduzida quantidade de professores com formação inicial específica na educação de jovens e adultos que atuam nesse campo. Reitera-se ainda a consideração de Di Pierro (2005, p. 18), quando apontava que este ainda é “[...] um campo educativo de pouco prestígio e baixo grau de formalização”, com a ideia de que a formação geral docente passa a ser pensada para um sujeito abstrato e que, portanto, daria conta da diversidade social, econômica, cultural, simbólica e geracional dos sujeitos da escolaridade. (LAFFIN e GAYA, 2013, pp. 201-202).

O trabalho das autoras reitera as respostas dos professores da EE Rute José

Samuel e uma hipótese, de certa maneira, conhecida. Se os cursos de Pedagogia

estão caminhando ainda no sentido de preparar os novos profissionais para o

trabalho em EJA, não é surpresa sabermos que o mesmo não ocorre ainda nas

demais licenciaturas, questão que precisa ser repensada se queremos, mesmo,

implementar processos educativos que se queiram inclusivos.

Quadro 20: Formação dos professores para atuar na EJA

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Disciplina que ministra

Mate- mática

História Biologia Portu- guês, Artes

Mate- mática

Portu- guês Inglês

Educ. Espe-

cial

Educ. Espe-

cial

Educ. Espe-

cial Em sua opinião, trabalhar com jovens e adultos requer uma formação específica?

Não Sim Não Não Sim Não NR NR NR

Você participa ou já participou de cursos de formação continuada sobre EJA?

Sim Sim Sim Não Não Não NR NR NR

Organização da autora

Conforme exposto no Quadro 20, os professores da EE Rute José Samuel

não são exceção a essa situação; também afirmam não terem recebido formação

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inicial para esse trabalho e a maioria considera que trabalhar com jovens e adultos

não requer uma formação específica. Consideram bom ou excelente o conhecimento

que têm dos conteúdos específicos de suas disciplinas e a maneira de transmití-los

e entendem que isso basta. Demonstram partilhar o conceito ingênuo de educação

(o mais comum), conforme Pinto (2003), no qual o conteúdo da Educação centra-se

no domínio dos conhecimentos que o professor deve transmitir ao aluno. Não creem

ser importante outros fatores envolvidos, como as especificidades do perfil dos

alunos, seus objetivos, sua realidade, não interferissem no processo educacional.

Os Professores 1, 2 e 3 afirmaram ter participado de curso de formação

continuada sobre a EJA nas outras redes que atuam, (município e Fundação Paula

Souza). Desnecessário é dizer que na rede estadual tal formação inexiste.

Não poderia deixar de citar aqui o único trabalho que se refere diretamente ao

EMEJA que encontrei durante o levantamento bibliográfico: a dissertação de Silva

(2010). No texto a autora discute a participação dos professores desse nível e

modalidade de ensino na formulação das propostas curriculares, na atuação e no

monitoramento das práticas docentes na EJA, num projeto em Pernambuco. Esse

projeto é desenvolvido em parceria pela rede estadual e por um grupo corporativo

empresarial, que elabora e executa projetos voltados para a educação de adultos,

inclusive a formação continuada para os professores. Após as análises, a autora

conclui que, para que um processo de formação continuada alcance sucesso a

autora verifica a necessidade de os profissionais de educação serem participantes

de um ciclo formativo, estruturado sobre 3 (três) eixos constitutivos e

interdependentes: formação inicial e continuada, atuação experiencial e participação

considerada como:

condição à formação político-profissional-identitária do professor e instrumento de controle social da escola pública. (...) e condição constitutiva ao desenvolvimento humano, [que] vem sendo suprimida das unidades escolares, sendo substituída por propostas de ensino de qualidade vertical, que limitam o potencial inventivo e o desenvolvimento das habilidades cognitivas e ético-políticas do corpo docente. (SILVA, 2012, p. 4)

Realizada por agentes exógenos à escola, distantes e desconhecedores da

realidade dessas, a formação vertical, feita “para” professores, não é capaz de

atingir seus objetivos.

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164

3.4 Condições para o trabalho pedagógico

Neste eixo procurei tratar, principalmente, de questões em torno da estrutura

física e de iniciativas pedagógicas que foram, ou poderiam ter sido, oferecidas pela

escola e, ou, melhor explorada pelos professores. Na primeira parte desse eixo

refiro-me, principalmente, aos recursos físicos, uma vez que esses aspectos, “desde

a estrutura arquitetônica do prédio ao mínimo detalhe decorativo, são considerados

como também fazendo parte do currículo escolar, uma vez que correspondem a

“padrões culturais e pedagógicos” (ESCOLANO; VIÑAO FRAGO, 2001, p. 45).

Por isso foi solicitado aos sujeitos que qualificassem como insuficiente,

regular, bom ou excelente (Quadros 21 e 22) espaços como a Sala Multimídia, a

Sala de Leitura, o Laboratório, acesso a computadores, as condições das salas de

aulas e aspectos como as iniciativas da escola para realizar excursões, passeios

culturais, estudos do meio ambiente, interesse dos alunos e ações da EE

desenvolvidas na escola. Das questões organizadas neste formato essas foram as

que receberam mais qualificativos negativos (insuficiente e ruim).

Os alunos, como usuários da escola, tendem a ser mais críticos, em relação

aos pontos elencados acima do que os professores, que tendem a defender a

instituição. Diferentemente dos professores, que qualificam alguns lugares como

excelentes, para os alunos nada pode ser assim considerado, basta olharmos o

Quadro 21 para termos a clareza da tendência negativa de avaliação feita pelos

alunos. Assim, por exemplo, 7 (sete) alunos consideraram a Sala de Leitura como

insuficiente ou regular, contra apenas 4 (quatro) que a consideraram como boa. Para

esta avaliação negativa, pesaram significativamente a posição dos alunos DVs, para

os quais a escola ainda dispõe de um acervo muito restrito. A maioria dos alunos

não respondeu a pergunta sobre o Laboratório da escola, provavelmente em virtude

de não o conhecerem. Dentre aqueles que responderam a maioria considerou o

espaço insatisfatório ou ruim, inversamente, os professores o consideram um

espaço bom e excelente, voto de 2 deles. Professores alunos concordam em relação

a 4 (quatro) pontos: positivamente, quanto às boas condições das salas Multimídia e

de aulas e, negativamente, quanto à insuficiência do acesso aos computadores e

das iniciativas da escola para realizar excursões, passeios culturais, estudos do

meio ambiente.

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165

Qualificados os lugares, passei a questionar a sua utilização, por meio de

duas questões semelhantes. Para os professores (Quadro 24) a pergunta foi: a além

da sala de aula, que outros espaços utiliza para suas aulas?

Para os alunos (Quadro 25) a pergunta foi: Quais espaços, lugares

pedagógicos (extra-sala) foram frequentados durante o curso EMEJA, na EE Rute

José Samuel? A Sala Multimídia foi indicada por 4 (quatro) professores e 4 (quatro)

alunos, como o segundo lugar mais utilizado na escola, depois das salas de aulas.

Nenhum professor citou utilizar o Laboratório, apesar de ele ter sido citado por 2

(dois) alunos, fato explicável porque são alunos egressos, que utilizaram o lugar com

uma professora que lecionou Química por um período e um professor de Artes, que

gostava de dar aulas lá por causa das bancadas e da possibilidade de dispor os

alunos sentados de frente um para o outro. A Professora 3 causou estranheza para

minhas lembranças de coordenadora ao afirmar utilizar a Sala de Informática. A

Professora 4 e 2 (dois) alunos lembraram a realização de passeios a teatros, que

aconteciam, principalmente, até o ano de 2010, quando se aposentou uma

professora de Português que fazia questão de levar suas turmas ao teatro ao menos

uma vez a cada semestre. A Sala de Leitura foi utilizada pelo Professor 6, fato

também lembrado por outros 2 (dois) alunos.

De todo esse exercício para relacionar as visões de alunos e professores

quanto à utilização de lugares destinados ao fazer pedagógico, o saldo da pesquisa

é a subutilização desses, predominando as aulas realizadas por modos tradicionais,

dentro das salas de aulas. Nas ATPCs, os argumentos utilizados pelos professores

para a subutilização dos diferentes lugares disponíveis vão desde o pouco tempo

disponível para o planejamento de aulas diferenciadas, passam pela falta de

funcionários que pudessem preparar o laboratório, previamente, e limpá-lo depois e

terminam pela argumentação de que provocam agitação, desorganizam os alunos e

atrasam o cumprimento dos conteúdos planejados para os (curtos) semestres.

Argumentos válidos, mas não determinantes, uma vez que, por exemplo, a Sala de

Leitura dispunha desse profissional, que participava inclusive das ATPCs, mas eram

raríssimas as iniciativas no sentido de transformar aquele lugar preparado para a

leitura, num lugar de aprendizado, dinâmico, de práticas pedagógicas incentivadoras

da leitura. Mas como esperar isso, se os próprios professores afirmaram não ter a

leitura como um hábito cotidiano, como vimos no Quadro 14?

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166

Quadro 21: Avaliação dos Alunos sobre a estrutura e iniciativas pedagógicas da EE Rute José Samuel D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Ins

ufi

cie

nte

Reg

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Ins

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Reg

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Bo

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Excele

nte

As iniciativas da escola para realizar excursões, passeios culturais, etc.

X X

Não R

espondeu

X X X X

Não R

espondeu

X X X

A Sala de Leitura

X X X X X X X X X X

A sala Multimídia

X X X X X X X

O laboratório

X X X X X X

Acesso a computadores e outros recursos de Informática.

X X X X X X X X X X

O interesse dos(as) estudantes.

X X X X X X X X X X

Organização da autora

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167

Quadro 22: Avaliação dos Professores sobre a estrutura e iniciativas pedagógicas da EE Rute José Samuel Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Ins

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Reg

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m

Excele

nte

As iniciativas da escola para realizar excursões, passeios culturais, estudos do meio ambiente

X X X X X X

Não R

espondeu

Não R

espondeu

Não R

espondeu

A Sala de Leitura

X X X X X X

A Sala Multimídia

X X X X X X

O laboratório

X X X X X X

Acesso a computadores e outros recursos de Informática

X X X X X X

O interesse dos estudantes

X X X X

Organização da autora

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168

3.5 Modos de trabalho dos professores em sala de aula

Mesmo caracterizando o público da EJA como formado por alunos com

dificuldades de aprendizagem; turmas heterogêneas e com altos índices de evasão;

além de alunos cansados e da falta de material didático específico (Quadro 23), os

professores afirmam que o trabalho na EJA não requer formação específica (Quadro

20), afirmação que traz implícita a ideia de que todos os alunos são iguais.

“igualdade formal que pauta a prática pedagógica [e] serve como máscara e

justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais diante do

ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida.” (BOURDIEU, 2008, p.

53).Ou seja, com a ideia de que os alunos da EJA são iguais à todos os alunos, não

requerendo formação específica, os professores incorrem no risco de não

apresentar as soluções justas, equânimes e eficazes que realmente propiciem

melhoria nas condições de existência dos alunos, conforme prescreve o Parecer

CNE/CEB 11/2000 (BRASIL, 2000)

Para os professores, os alunos da EJA compensam suas dificuldades quando

se mostram mais interessados que os alunos do ensino regular, valorizam o papel

da escola e do professor, são mais disciplinados e possuem laços de

companheirismo e solidariedade entre si que facilitam a convivência e permitem um

ambiente pedagógico saudável e produtivo.

Frente às características (negativas) dos alunos citadas no Quadro 23 os

professores dizem tentar adaptar o conteúdo programático à realidade dos

educandos, direcionando as atividades às necessidades do mundo do trabalho;

contextualizam os conteúdos na realidade e procuram trabalhar de acordo com o

nível de aprendizagem desses alunos, fazendo referências aos assuntos do dia-a-

dia deles. Para isso, dizem utilizar, como metodologia de trabalho, centralmente

aulas expositivas baseadas na explicação do conteúdo, exercícios e provas e

trabalhos de pesquisas individuais e em grupos. Procedimentos, aliás, que foram

apontados pela maioria dos alunos como as melhores maneiras de aprender, o que

demonstra a herança de uma visão de escola tradicional, construída historicamente

Page 171: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

169

Quadro 23: Dificuldades e facilidades dos Professores na prática profissional na EJA

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Quais as dificuldades encontradas na prática profissional da EJA?

Aprendizagem; Retenção de

conhecimentos; cansaço

Altos índices de evasão

Altos indices de evasão;

Dificuldade de aprendizagem;

Indisciplina

Heterogeneida-de das turmas; Dificuldade de aprendizagem;

cansaço

Altos indices de evasão; número

excessivo de faltas;

dificuldades em reter conteúdos; desenteresse;

cansaço.

Altos indices de evasão;

Dificuldade de aprendizagem;

Falta de material didático;

NR NR NR

Quais as facilidades encontradas na prática profissional da EJA?

Maior interesse; reconhecimento

do papel do professor;

companheirismo e solidariedade entre os alunos

Valorização do papel da escola

Alunos mais

interessados;

companheirismo

e solidariedade

entre os alunos

Alunos mais interessados;

Valorização do papel da escola; companheirismo e solidariedade entre os alunos.

reconhecimento do papel do professor

Valorização do papel da escola

Disciplina NR NR NR

Organização da autora

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170

Quadro 24: Modos de trabalho dos professores em sala de aula na percepção dos Professores

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Além da sala de aula, que outros espaços utiliza para suas aulas?

Sala Multimídia Sala Multimídia Sala de

Informática

Aulas de Vivências, Passeios Culturais

Não respondeu Sala Multimídia

e de Leitura NR NR NR

Quais as três principais metodologias e recursos utiliza para desenvolver seu trabalho na EJA?

Explicação, exercícios,

provas; trabalhos de

pesquisa

Explicação, exercícios,

provas; Trabalhos de

pesquisa; Recursos

Multimídia; grupos de

discussão; uso de livros

paradidáticos

Explicação, exercícios,

provas; Trabalhos de

pesquisa; grupos de discussão;

Explicação,

exercícios,

provas;

Trabalhos de

pesquisa;

Ditados;

Computador/

Internet

Explicação, exercícios,

provas; Trabalhos de

pesquisa, Lição de casa.

Explicação, exercícios,

provas; grupos de discussão; uso de livros paradidáticos

NR NR NR

Quais os três suportes de textos de apoio mais utiliza?

Livros Didáticos do EM e Apostilas

Multitextos (músicas, jornais,

revistas); Texto

(sintetizados ou não) na lousa; Livros didáticos

do Ensino Médio.

Cópias de textos didáticos para os alunos colarem nos cadernos;

Texto (sintetizados ou não) na lousa; Livros didáticos

do Ensino Médio

Orientações Curriculares para a EJA e Apostilas do

Programa São Paulo Faz

Escola; Multitextos

(músicas, jornais,

revistas); Livros didáticos do Ens. Médio.

Orientações Curriculares para a EJA e Apostilas do

Programa São Paulo Faz

Escola; Cópias de

textos didáticos para os alunos colarem nos

cadernos

Orientações Curriculares para a EJA e Apostilas do

Programa São Paulo Faz

Escola; Multitextos

(músicas, jornais, revistas);

Livros didáticos do Ens. Médio.

NR NR NR

Organização da autora

Page 173: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

171

Quadro 25: Modos de trabalho dos professores em sala de aula na percepção dos Alunos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Como aprende melhor

Trabalhos de

Pesquisas Individual/

Grupos

Recursos multimídia (Datashow,

vídeos, som) Passeios

Culturais e Científicos Computador

/Internet

Explicação, exercícios e provas. Lição de

casa Computador

/Internet

Passeios Culturais e Científicos

Explicação, exercícios e provas Recursos multimídia (Datashow,

vídeos, som) Lição de

casa.

Trabalhos de

Pesquisas Individuais

ou em Grupos.

Explicação, exercícios e provas

Trabalhos de

Pesquisas Individual /

Grupos Jogos

Explicação, exercícios e provas

Trabalhos de

Pesquisas Individual /

Grupos Passeios

Culturais e Científicos Computador

/ Internet

Explicação, exercícios e provas Uso de livros

paradidá-ticos

Computador /Internet

Explicação, exercícios e provas

Trabalhos de

Pesquisas Individual /

Grupos Lição de

casa

Trabalhos de

Pesquisas Individual /

Grupos Ditados

Explicação, exercícios e provas

Tipos de materiais mais utilizados pelos professores

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Cópias de textos que os alunos devolviam. Texto na

lousa.

Livro didático do

Ensino Funda-mental.

Cópias de textos

didáticos que os alunos

devolvem ao final das

aulas.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Livro didático do Ens. Fund. Texto na

lousa.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Cópias de textos para

colarem nos

cadernos. Texto na

lousa.

Livros didáticos do Ensino

Funda-mental e, ou, Médio.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Cópias de textos que os alunos devolviam.

Livros didáticos do Ens. Médio.

Texto na lousa. Livros

didáticos do Ensino

Médio.

Apostilas com

sínteses de conteúdos do Ensino

Médio Regular. Texto na

lousa. Livros

didáticos do Ens. Médio.

Apostilas (Cadernos do Aluno) fornecidas

pelo Estado.

Organização da autora

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172

Alguns alunos surdos (Quadro 25) apontaram que teriam melhores condições

de aprendizagem se fossem utilizados, por exemplo, passeios culturais e científicos,

utilização do computador e acesso à internet, recursos de multimídias como

Datashow, vídeos, som. Esse último item é citado por alguns, uma vez que vários

professores utilizavam filmes em suas aulas. No cotidiano das aulas, alunos e

professores concordam que os recursos didáticos utilizados foram as apostilas

(Cadernos do Aluno) fornecidas pelo Estado, cópias de textos que os alunos

colavam nos cadernos ou devolviam ao final das aulas – fruto da necessidade de

economia de material por parte dos professores, porque as cópias de textos são

pagas pelo professor – o tradicional texto na lousa, livros didáticos do EF ou do

Médio.

Quanto aos demais procedimentos e recursos, somente os alunos egressos

apontam ter participado de atividades em outros ambientes que não a sala de aula,

como a Sala de Leitura ou passeios e vivências. Este é mais um sintoma do quanto

à cultura da escola tem mudado. Em que pese o fato de os recursos como o

Laboratório, a Sala de Leitura, ampla quantidade e possibilidade de aquisição de

materiais de papelaria, proximidade de parques, museus, cinemas e teatros

continuarem disponíveis e, de novos continuarem recursos materiais serem

agregados – aleatoriamente, sem planejamento e desvinculado de qualquer

planejamento, é verdade – os professores, premidos pela falta de um repertório

cultural ampliado, somado a condicionantes como a necessidade de acúmulos de

cargos, empecilhos burocráticos para a organização de saídas escolares,

manifestam disposições de precariedade de seu habitus para atuar diante de

situações como essas, não conseguindo ver ou criar projetos e estratégias

diferenciados de ensino, manifestando disposições de comodismo, para a criação de

rotinas, e de ausência de diálogo com outras instituições sociais e de busca de

outras formas de ensino. A observação dessa realidade, presente também em

outras escolas e professores, nos leva a pensar no que

Não é somente a regularidade ou a permanência destas práticas, entretanto, que nos levam a considerá-las como constituinte do habitus, mas é a incorporação de disposições e esquemas de pensamento que engendram determinadas práticas, ou seja, é a compreensão de que tais práticas são produtos de um modus operandi, de uma mesma lógica (...), tendo em vista que o habitus é

social e historicamente construído. (KNOBLAUCH, 2005, p. 8)

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173

Para finalizar esse eixo é preciso relacionar algumas questões anteriormente

discutidas: 1) que a SE não julga necessária a designação de professor coordenador

para tratar da EJA nos Núcleos Pedagógicos das DRE; 2) que inexistem ações

voltadas para a formação continuada dos profissionais que atuam nessa modalidade

– o que poderia ser feito pelos PCNPs de cada disciplina; e 3) à visão dos

professores da EE Rute José Samuel, que consideram essa formação específica

desnecessária, reiteramos a visão de modalidade de ensino desvalorizada, vista

como educação pobre para pobres.

Para que esta visão modifique-se, é preciso que sejam efetivadas discussões

sobre o papel dessa modalidade de ensino, no sentido de que a disposição de tratar

a EJA como ensino supletivo seja modificada, não apenas em termos legais, mas

também nas ações políticas e na práxis. É preciso que a organização burocrático-

administrativa inclua esta modalidade, de fato, em seus planejamentos e ações,

mesmo que para isso seja necessário buscar formação e diálogo fora dos sistemas

oficiais – federal e, ou, estadual –, abrindo interlocução junto à academia, às

prefeituras, aos sistemas organizados por sistemas populares e comunitários e,

principalmente com aqueles que são os executores e destinatários das ações

educacionais: alunos e professores, principalmente.

Sem esse diálogo, agindo como se o governo fosse uma instituição

desatrelada da sociedade, será difícil propiciar que a EJA constitua-se

verdadeiramente, primeiro: como função reparadora que “necessita ser pensada

como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e

satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos.” (BRASIL, 2000, p.

9), para significar:

Não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: [mas] o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. (...) Logo, não se deve confundir a noção de reparação. (BRASIL, 2000, p. 7).

Segundo: como função equalizadora, que

Distribua os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e

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174

permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. (BRASIL, 2000, p. 10).

Pelo exposto neste trabalho, até o momento, as ações voltadas para o

EMEJA tem caminhado no sentido contrário do prescrito no documento acima

citado. Ao invés de “receber proporcionalmente maiores oportunidades que [aos]

outros” (BRASIL, 2000, p. 10), esta modalidade EJA tem recebido “farelos de

migalhas.” (VOLPE, 2010, p. 428).

Terceiro: como função qualificadora que, partindo do princípio do caráter de

incompletude humana, constitui-se não apenas em função, mas no “próprio sentido

da EJA” (BRASIL, 2000, p.68):

Um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade. [Permitindo a] conquista de conhecimentos até então obstaculizados por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver comprime os espaços da estética, da igualdade e da liberdade.

(BRASIL, 2000, p.68).

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175

CAPÍTULO IV PERCEPÇÕES DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE

O ENSINO MÉDIO NAS MODALIDADES EJA/EDUCAÇÃO ESPECIAL

Neste quarto capítulo as questões foram organizadas em torno de 5 (cinco)

eixos que discutem as concepções dos professores sobre aprendizagem dos alunos

deficientes, as concepções de professores e alunos sobre a inclusão escolar de

deficientes, como se dá a articulação entre os professores das Salas de Recursos e

das classes regulares, quais as dificuldades e desafios encontrados por alunos e

professores, bem como as alternativas encontradas no dia-a-dia, no trabalho

pedagógico e nas relações interpessoais e, por fim, como os alunos avaliam as

contribuições do Ensino Médio nas modalidades Educação de Jovens e Adultos e

Educação Especial (EMEJA/EE) para suas vidas fora da escola.

Se no capítulo anterior o objetivo era explorar as respostas sobre a EJA, este

capítulo foi orientado pelo esforço de demonstrar as percepções dos alunos e

professores sobre as imbricações entre as modalidades EJA e EE, como vivem e

lidam com as questões que surgem e precisam ser equacionadas, quais os limites e

as possibilidades da efetivação de um trabalho que, de fato, contribuam

positivamente para a inclusão social de nossos alunos deficientes.

4.1 Concepções de Professores e Alunos sobre a inclusão escolar de deficientes

Neste eixo foram apresentadas questões que buscavam analisar o que

professores e alunos pensam sobre a inclusão de deficientes em salas de aulas

comuns. A primeira questão nesse sentido feita para os professores foi para que

como se posicionassem quanto à inclusão (Tabela 8). A Professora 3 optou por não

responder. As Professoras 2 e 5 são contrárias. Os demais professores são

favoráveis, mesmo que apresentem ressalvas, como fizeram as Professoras 8 e 9,

responsáveis pelas Salas de Recursos: “favorável, desde que haja apoio e estrutura

para atender as necessidades dos alunos”.

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176

Tabela 8: Posição dos Professores sobre a inclusão escolar de deficientes

Favoráveis

Professor 1

Professora 4

Professora 6

Professora 7

Favoráveis sob condição Professora 8

Professora 9

Contrários Professora 2

Professora 5

Não respondeu Professora 3

Elaboração da Autora

Se os professores divergem quanto à inclusão escolar dos alunos deficientes,

contraditoriamente a reconhecem enquanto direito dos alunos (Quadro 28). Diante

da afirmação “que todos os alunos, quaisquer que sejam as suas necessidades

educativas, têm o direito a assistir às aulas numa turma comum”, todos concordam,

totalmente (5 (cinco) professores) ou parcialmente (3 (três) professores) e 1 (uma)

das professoras das Salas de Recursos preferiu não responder. Como,

propositalmente, as perguntas foram feitas separadamente, entendo nessas

posições contraditórias dois significados diferentes. Numa visão otimista, parte dos

professores, ao reconhecerem o direito à inclusão escolar dos alunos, têm

preocupações com as condições nas quais ela se implementa. Numa visão menos

otimista, se cotejadas as perguntas, significa que as Professoras 2 e 5 reconhecem

direito, mas são contrários a ele, como afirmaram sem ressalvas na primeira vez que

foram perguntadas, o que demonstra a contradição de suas manifestações.

Quando perguntados se concordam que a inclusão escolar dos alunos

deficientes atenua as diferenças entre eles e os seus companheiros não deficientes

(Quadro 26a), 3 (três) professores concordam totalmente, 2 (dois) concordam

parcialmente, 1 (um) discorda parcialmente com a assertiva. Intrigou-me a opção

das 3 (três) professoras das Salas de Recursos, que, deliberadamente ou não,

optaram por deixar a questão em branco. Em síntese, dos 9 (nove) professores,

apenas 3 (três) têm certeza absoluta do papel equalizador de diferenças que a

inclusão pode trazer aos alunos, ou seja, é uma questão não plenamente resolvida

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177

no interior do corpo decente da escola e na sociedade. Se pensarmos nas questões

anteriores, resta a dúvida se a resistência dos professores à inclusão é uma questão

realmente associada à falta de estrutura e formação ou se é uma questão de

princípios, de não acreditar que a inclusão escolar deva ser implementada ou que a

aprendizagem dos alunos deficientes seja efetivamente possível, mesmo se forem

criadas todas as condições reivindicadas como necessárias.

Para os alunos foi perguntado se há pontos positivos ou negativos na inclusão

escolar dos alunos deficientes (Quadro 27). Apenas alunos surdos apontaram não

haver nenhum ponto positivo. Para esses 3 (três) alunos, falta comunicação, não

compreendem o que os professores esperam deles. Para os demais alunos, mesmo

existindo os problemas citados anteriormente, como a falta de conscientização e

preparo dos professores; falta de recursos pedagógicos; o fato de os professores

falarem das dificuldades deles para todo mundo e dificuldades para acompanharem o

ritmo de aprendizagem dos outros alunos, há muitos pontos positivos tais como a

aceleração do ritmo de aprendizagem deles (deficientes), em virtude dos estímulos

recebidos dos colegas e principalmente porque há melhora nas relações entre

deficientes e não deficientes, diminuindo, assim, as diferenças.

Ao aplicar o questionário do Aluno 12, quando perguntei sobre os pontos

positivos, ele fez questão de dizer que, na opinião dele, e de sua mãe, obter as

vantagens da inclusão foi o principal motivo dele ter ido para a escola comum há

vinte e tantos anos, quando o debate sobre inclusão era menor:

Quando convive só com pessoas com a mesma deficiência, ele sai com uma cabeça diferente. Ele sai meio perdido. [trecho inaudível] fica meio com resquício de deficiente mental, bem leve, mas fica. Nada ele reconhece, ele tem dificuldade com tudo, medo. Quando ele está no mundão desde pequeno, ele tem mais facilidade de conviver as coisas. Tem mais facilidade. Pelo menos eu percebo isso com pessoas que já estudaram no Padre Chico, Benjamin Constant e os que estudaram... Você vê que tem uma grande diferença. (Aluno 12)

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178

Quadro 26a: Concepções dos professores sobre Inclusão Escolar de deficientes Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

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O contato com alunos deficientes nas classes comuns não contribui para que os outros alunos assumam condutas inadequadas.

X X X X X X X X

Os alunos deficientes não obteriam mais proveito se fossem educados em instituições de ensino especial.

X X X X X X X

A inclusão escolar é uma moda, deixará de se praticar quando se provar que não é rentável em longo prazo.

X X X X X X X X X

A atenção que os alunos deficientes requerem não prejudica o sucesso dos outros alunos da turma.

X X X X X X X X X

A educação dos alunos deficientes atenua as diferenças entre eles e os seus companheiros demais alunos.

X X X X x X

Fonte das questões: BOLIEIRO, 2012, pp. 4-6. Organização da autora

Page 181: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

179

Quadro 26b: Concepções dos professores sobre Inclusão Escolar de deficientes Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

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Os que estão a favor da inclusão de deficientes nas turmas comuns na realidade estão pouco interessados em melhorar a qualidade do ensino.

X X X X X X X X X

Atender alunos deficientes não é benéfico, nem para eles nem para os alunos demais alunos.

X X X X X X X X X

Incluir deficientes nas turmas ocasiona mais benefícios que problemas.

X X X X X X X X

A inclusão precisa ser repensada, já que a sociedade pode estar criando uma nova modalidade: a de excluídos dentro da inclusão.

X X X X X X X X X

Fonte das questões: BOLIEIRO, 2012, pp. 4-6. Organização da autora

Page 182: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

180

Quadro 27: Concepções dos Alunos sobre a inclusão escolar de deficientes

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Pontos positivos

da inclusão escolar de deficientes

Não há

Não há

Melhora as relações

entre deficientes

e não deficientes

Nas classes

comuns os alunos

deficientes podem

acelerar o seu ritmo

de aprendiza-

gem, porque

são estimulados

pelos demais.

Melhora as relações

entre deficientes

e não deficientes

Nas classes

comuns os alunos

deficientes podem

acelerar o seu ritmo

de aprendiza-

gem, porque

são estimulados

pelos demais.

A

educação

dos alunos

deficientes

diminui as

diferenças.

Melhora a compreens

ão dos limites e possibili-

dades dos deficientes

Não há.

Melhora as relações, a compreen-

são dos limites e possibili-

dades dos deficientes diminui as

diferenças.

Melhora as relações

entre deficientes

e não deficientes

Melhora as relações, diminui as

diferenças.

Nas classes

comuns os alunos

deficientes aceleram o seu ritmo

de aprendiza-

gem porque

são mais estimulados

Pontos negativos

da inclusão escolar de deficientes

Não tem comunica-

ção

Não compreendo o que os prof. querem que eu faça.

Não respondeu

.

Professor fala da

dificuldade da gente para todo mundo.

Não há.

Professor fala da

dificuldade da gente para todo mundo.

Falta de atenção e conversa com os outros

alunos da classe.

Professor fala da

dificuldade da gente para todo

mundo Não

compreendo o que os prof. querem que eu faça.

Não respondeu

Falta conscientiz

ação, preparo

dos prof. e recursos

pedagógicos

Dificuldade para

acompa-nhar o

ritmo de aprendiza-gem dos outros alunos.

Já melhorou,

mas o maior

problema era a

formação dos prof.

Organizado pela autora

Page 183: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

181

4.2 Concepções dos Professores sobre aprendizagem em turmas com alunos deficientes

Para analisar o posicionamento que os professores têm sobre a capacidade de

aprendizagem desses alunos, foi apresentada, entre outras, a seguinte assertiva

(Quadro 27) “O aluno deficiente não pode enfrentar os desafios que se colocam na

turma em igualdade de condições com os demais alunos", 5 (cinco) professores

discordam totalmente, demonstrando que consideram que os alunos deficientes

podem, sim, ser desafiados em sua aprendizagem como os demais alunos. Entre os

demais, 1 (um) discorda parcialmente e 3 (três) concordam parcialmente, apontando

em outras questões a necessidade de adequações. Mas a maioria, 6 (seis)

professores, concorda que a presença de um aluno deficiente na turma proporciona

novas situações de aprendizagem para outros alunos, que traz mais benefícios do

que problemas, uma vez que a educação dos alunos deficientes em instituições de

ensino especial, pode fazer com que os alunos adquiram uma visão distorcida da

realidade, acentuando as exclusões decorrentes de sua deficiência (posição

defendida por 6 (seis) professores, com 3 (três) concordâncias parciais), mas

apontam a necessidade de que os processos sejam repensados, já que a sociedade

pode estar criando um novo grupo formado por excluídos da inclusão, ou vítimas de

um

sistema de ensino, amplamente aberto a todos e, no entanto, estritamente reservado a alguns, [reunindo] as aparências da „democratização‟ com a realidade da reprodução que se realiza em um grau superior de dissimulação, portanto, com um efeito acentuado de legitimação social. (BOURDIEU, 2008, 223).

4.3 A articulação entre os professores das Salas de Recursos e das classes regulares

Conforme discutimos no eixo que trata dos Motivos da escolha da EE Rute

José Samuel, a existência das Salas de Recursos é importante para os alunos que

procuram a escola e um dos elementos constituintes do capital simbólico, que

confere reconhecimento social e prestígio a ela. Esses alunos esperam encontrar

Page 184: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

182

Quadro 28: Concepções dos Professores sobre aprendizagem em turmas com alunos deficientes Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

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O aluno deficiente não pode enfrentar os

desafios em condições de igualdade com os

demais alunos.

X X X X X X X X X

Todos os alunos, quaisquer que sejam as

suas necessidades educativas, têm o direito

a assistir às aulas numa turma comum.

X X X X x X X X

A presença de um aluno deficiente não

interfere no progresso dos seus colegas. X X X X x X X X

A presença de um aluno deficiente

proporciona novas situações de

aprendizagem para outros alunos.

X X X X X X X X X

As aprendizagens dos alunos deficientes

fazem-se mais lentamente devido às

dificuldades que enfrentam nas turmas

comuns.

X X X X X X X

Nas classes comuns os alunos deficientes

podem acelerar o seu ritmo de

aprendizagem.

X X X X X X X X X

A heterogeneidade das turmas não é fator

de insucesso escolar. X X X X X X X X

Fonte das questões: BOLIEIRO, 2012, pp. 4-6. Organização da autora

Page 185: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

183

profissionais que os apoiem, seja na produção de matérias adaptados ou como

intermediadores na comunicação entre estes e os professores. Também discutimos

naquele eixo o quanto os determinantes legais que funcionam como elementos de

exclusão para os alunos trabalhadores, que se veem impedidos do acesso a esse

recurso pedagógico. Mesmo assim o serviço existe, por isso julguei importante

perguntar, primeiro aos alunos, se buscam ou não este atendimento e, no caso de

não o fazerem, quais os impedimentos para que isso aconteça. Para os alunos

surdos, maioria dos alunos deficientes atendidos pela escola, a frequência a este

atendimento pedagógico é menor, atribuída principalmente ao trabalho. Mas também

há aqueles que não frequentam simplesmente por desinteresse, caso da Aluna 6

que respondeu que não o faz “por nada” e da Aluna 11, que disse que frequentava

“de vez em quando, por causa do trabalho e da preguiça”.

Além dos impedimentos decorrentes da necessidade do trabalho, as

necessidades diferenciadas de apoio desses alunos talvez sejam fatores da

diferença da demanda dos serviços pedagógicos. Para os alunos surdos, a

necessidade principal é a do interprete de LIBRAS (Quadro 29), para intermediar a

comunicação entre eles e os professores e os colegas de sala, portanto, reivindicam

apoio durante as aulas. Para os alunos DVs a demanda é diferente, em sala

consegue acompanhar as aulas por meio de descrições, informação auditiva, olfativa

ou qualquer outra referência que favoreçam a configuração do cenário ou do

ambiente, dispensando a necessidade do atendimento imediato. Para ele o

atendimento especializado consiste na produção de material tátil, do acesso a

áudios-livro e ampliações. Por isso, quando perguntadas em qual atividade da Sala

de Recursos despende mais tempo (Quadro 31), a Professora 9, responsável pela

Sala de Recursos destinados aos alunos DVs responde que é na produção de

materiais, enquanto as outras duas, Professoras 7 e 8, responsáveis pelo

atendimento aos DAs, afirmam que é no atendimento aos alunos (incluindo-se

nestes atendimentos os alunos do EF, conforme explicado anteriormente na página

154/155).

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184

Quadro 29: Frequência dos Alunos à Sala de Recursos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Frequenta a Sala de Recursos? Se não, por quê?

Não. Trabalho

Não. Porque

intérprete não ter.

Não. Trabalho

Sim, às vezes.

Sim. Não. Por

nada.

Não. Chego depois

Não. Não dá tempo.

Não ainda. Não

justificou.

Sim, durante todo o curso.

De vez em quando,

por causa do

trabalho e da

preguiça.

Sim, durante todo o curso.

Recursos necessários

Intérprete de Libras

Intérprete de Libras próprio da

escola

Progra-mas

especiais de compu-

tador Intérprete de Libras.

Intérprete de Libras.

Intérprete de Libras.

Intérprete de Libras.

Intérpret

e de

Libras.

Material em Braille; Máquina

de Braille, Gravador

Lupa, Materiais ampliados

Progra-mas

especiais de compu-

tador Material

em Braille; Máquina de Braille

Page 187: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

185

Quadro 30: Articulação dos Professores das classes regulares com as Professoras das Salas de Recursos Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6

Você se articula com o professor da Sala de Recursos para que ambos possam atender as necessidades do aluno que têm em comum? Se sim, como se dá esta articulação? Se não, quais os empecilhos para que ela aconteça?

Sim, envio o material para ser trabalhado com

o aluno.

Não, o material utilizado é

comum a todos, menos para DVs

que não me organizei ainda. Na verdade nem sei como fazê-

lo.

Não. Trabalhamos em

horários diferentes. Deixo

os conteúdos para serem

transcritos em Braille

Sim, através de trabalhos transcritos

passados por ele.

Sim, algumas vezes através

de informações sobre o histórico

do aluno, a avaliação feita

pelos professores da

sala de recursos.

Como encontro com elas na

ATPC da manhã converso, deixo e pego material.

Organizado pela autora

Quadro 31: Percepções das Professoras das Salas de Recursos

Profa 7 Profa 8 Profa 9 Antes de trabalhar na Sala de Recursos que tipo de experiência profissional você teve?

Escola Especial e Classe Especial

Escola Especial e Ensino Itinerante

Escola comum

Em que período os alunos da EJA frequentam a Sala de Recursos.

Às vezes no mesmo período da sala de aula, às vezes no

período oposto

Às vezes no mesmo período da sala de aula, às vezes no

período oposto Sempre no período ao das aulas

Em qual atividade da Sala de Recursos você despende mais tempo?

Atendimento ao aluno Atendimento ao aluno Na produção de materiais

Como você se articula com os professores das classes para que possam atender adequadamente às necessidades dos alunos que tem em comum?

Orientações em ATPC, Conselho de Classe e

horário de lanche

Orientações em ATPC, horário de lanche e Conselho de Classe

Orientações em ATPC, Conselho de Classe e sempre que o

professor solicita informações na Sala de Recursos.

Você tem sugestões a fazer para o aprimoramento do serviço da Sala de Recursos em relação aos alunos que são atendidos por este serviço?

Atendimento legal em período de aula.

Poder atender legalmente os alunos em período de aula.

Que o atendimento seja associado à matrícula do aluno no ensino

regular e não facultativo ao aluno, somente em casos especiais.

Organizado pela autora

Page 188: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

186

Na prática, essa é a articulação entre os professores das classes regulares e

os professores das Salas de Recursos (Quadro 30): produção de materiais, para os

alunos DVs e atuação como interlocutoras, no caso dos alunos DAs. Essa

constatação é comprovada pelas respostas dos professores quando questionados

quanto à forma de articulação com as professoras das Salas de Recursos. As

respostas são: “envio o material para ser trabalhado com o aluno” (Professor 1),

“deixo os conteúdos para serem transcritos para o Braille” (Professora 3); “sim,

através de trabalhos transcritos passados por ele (?)” (Professora 4); “como encontro

com elas na ATPC da manhã, converso, deixo e pego o material” (Professor 6).

Apenas a Professora 5 demonstrou interesse além da produção de material didático,

afirmando buscar “informações sobre o histórico do aluno, a avaliação30 feita pelos

professores da Sala de Recursos.”

De que forma a articulação entre elas e os professores das classes regulares

acontece? As Professoras respondem e a ex-coordenadora, agora autora deste

trabalho acrescenta: nas ATPCs e reuniões do Conselho de Classe, [que fazem

junto com os professores do EF], quando são procuradas por algum professor na

Sala de Recursos [se, e quando, estes conseguirem chegar mais cedo, portanto,

fora de seus horários de trabalho] e nos horários de lanche, mostra cabal do habitus

da precariedade docente: profissionais que precisam utilizar seus parcos 20 (vinte)

minutos de intervalo para continuar trabalhando.

De todo o exposto neste eixo, caracterizo como tacanha, precária e

conservadora a reivindicação dos alunos e professores. Tacanha porque restrita ao

interlocutor de LIBRAS ou alguém que produza materiais táteis e transcreva textos

para o Braille; precária por destinar-se unicamente ao fazer e não ao formar, trocar,

construir junto novas possibilidades de práticas pedagógicas e conservadora

contribuir para a manutenção de mundos segregados, surdos de um lado e ouvintes

de outro, intermediados por um profissional que transita entre os dois; cegos de um

lado e videntes de outro, intermediado por outro profissional intermediador.

30

Diagnóstico das habilidades e competências dominadas pelos alunos, normalmente realizada no início de cada semestre e que compõe o portfolio dos alunos, que é uma forma de controle da real existência desses alunos. Desse portfolio deve fazer parte, além das avaliações e trabalhos que forem possíveis, as avaliações médicas dos alunos, como audiometrias, exames oftalmológicos, laudos, etc. Normalmente ao final do ano alguns são levados para a DRE, discutidos em reunião, quando há algo significativo para compartilhar e é arquivado na Sala de Recursos, posteriormente.

Page 189: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

187

4.4 Alunos e Professores: dificuldades, desafios e alternativas

Como discutido no eixo que tratou dos modos de trabalho dos professores em

sala de aula, do ponto de vista dos professores as principais dificuldades

enfrentadas por eles, no trabalho com os alunos da EJA, são aqueles que se

relacionam às dificuldades de aprendizagem dos alunos (opção escolhida por 5

(cinco) dos 6 (seis) respondentes); turmas heterogêneas e com altos índices de

evasão (opção escolhida por 4 (quatro) dos 6 (seis) respondentes), a existência de

alunos cansados e a falta de material didático específico. Tais problemas são

superados pelas vantagens relacionais com os alunos. Quando a questão sobre

dificuldades no trabalho pedagógico inclui os alunos deficientes, a lista de

dificuldades cresce consideravelmente (Quadro 32). Para os professores a presença

dos alunos deficientes não modifica aspectos disciplinares e não altera a eficácia do

trabalho pedagógico nas turmas, por demandarem atendimentos com diferentes

níveis de aprendizagem, também reconhecem que os alunos deficientes têm ciclos

de atenção comuns aos dos demais alunos, por isso podem se beneficiar das

atividades desenvolvidas regularmente. Dificuldades para avaliação do desempenho

do aluno, falta de mobiliário e material didático adaptado; dúvidas quanto às

adaptações curriculares; número excessivo de alunos na classe; desmotivação para

trabalhar com essa clientela, foram outras dificuldades apontadas. Mas, para todos,

unanimemente, o desafio está no despreparo/falta de capacitação profissional e na

carência de orientação pedagógica especializada.

Eles esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas escolas inclusivas. Em uma palavra, os professores acreditam que a formação em serviço lhes assegurará o preparo de que necessitam para se especializarem em todos os alunos, mas concebem essa formação como sendo mais um curso de extensão, de especialização com uma terminalidade e com um certificado que lhes convalida a capacidade de efetivar a inclusão escolar. Eles introjetaram o papel de praticantes e esperam que os formadores lhes ensinem o que é preciso fazer, para trabalhar com níveis diferentes de desempenho escolar, transmitindo-lhes os novos conhecimentos, conduzindo-lhes da mesma maneira como geralmente trabalham com seus próprios alunos. Acreditam que os conhecimentos que lhes faltam para ensinar as crianças [no caso, os adultos] com deficiência ou dificuldade de aprender por outras incontáveis causas referem-se

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Quadro 32: Dificuldades e alternativas encontradas pelos professores para a inclusão escolar de deficientes Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

As três maiores dificuldades enfrentadas pelos professores para a inclusão escolar de alunos deficientes

Despreparo/ falta de

capacitação profissional; Carência de orientação pedagógica

especializada Dificuldades

para avaliação do desempenho

do aluno.

Despreparo/ falta de

capacitação profissional; Carência de orientação pedagógica

especializada; Dificuldades

para avaliação do

desempenho do aluno.

Despreparo/ falta de

capacitação profissional;

Falta de mobiliário e

material didático adaptado;

Carência de orientação pedagógica

especializada

Despreparo/ falta de

capacitação profissional; Adaptações Curriculares; Dificuldades

para avaliação do desempenho

do aluno.

Despreparo/ falta de

capacitação profissional;

número excessivo de

alunos na classe;

Acessibilidade; Falta de

mobiliário e material didático

adaptado; Carência de orientação pedagógica

especializada

NR NR NR

Alternativas encontradas pelos professores para a inclusão escolar de alunos deficientes

Explico conteúdo de maneira lenta

e com linguagem

simples; Faço ou solicito

adaptações curriculares

Conta com a ajuda dos colegas de

classe (alunos)

Explico conteúdo de maneira lenta

e com linguagem

simples; Faço ou solicito

adaptações curriculares

Explico conteúdo de maneira lenta

e com linguagem

simples; Faço ou solicito

adaptações curriculares

Explico conteúdo de maneira lenta

e com linguagem

simples; Faço ou solicito

adaptações curriculares

Peço ajuda aos prof. De

Educ.Esp.

NR NR NR

Organização da autora

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primordialmente à conceituação, etiologia, prognósticos das deficiências e que precisam conhecer e saber aplicar métodos e técnicas específicas para a aprendizagem escolar desses alunos. (MANTOAN, 2000, p. 6)

Provavelmente, é essa sensação de ver-se diante de um conjunto de alunos

que desafia as formas consolidadas do fazer pedagógico, que mostra que os

métodos e técnicas dominados pelos professores não atingem a todos, exigindo

mudanças, que está na origem do desconforto maior provocado pela inclusão dos

deficientes nas turmas, até aí, normais. Quando somos convocados a sair da norma

à qual estão condicionados, sofrem e, se possível, afastam o que desconhecem.

Para verificar quais os maiores desafios encontrados pelos professore e quais

as condições mais importantes que os professores julgavam necessário para

implementar a inclusão escolar dos alunos deficientes, forma elaboradas duas

questões. Na primeira foi solicitado aos professores que enumerassem, por ordem

de dificuldades, as áreas de deficiências que consideravam apresentar maiores

desafios para o processo de inclusão escolar, sendo 1 a mais difícil e 7 a mais fácil.

(Quadro 33). A segunda questão neste sentido solicitava aos professores que

classificassem, por ordem de prioridade crescente, de 1 a 10 (sendo 1 a mais

importante e 10 a menos importante), as condições que consideram mais relevantes

para que seja possível a realização de um efetivo processo de inclusão escolar.

(Quadro 34)

Quadro 33: Nível de desafios das deficiências para inclusão escolar, segundo os Professores

Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Auditiva 6 4 5 7 5 7 4 5 3 Autista 4 7 2 2 4 3 1 1 1 Física 5 1 7 5 7 5 6 7 5 Múltipla 1 7 4 1 2 2 2 2 2 Paralisia cerebral 3 7 1 3 1 1 3 3 6 Visual 7 5 6 6 6 6 7 6 7 Intelectual 2 7 3 4 3 4 5 4 4

Organização da autora

As respostas, destacadas em amarelo no Quadro 33, apontam no sentido de

que consideram mais difícil propiciar a inclusão escolar de alunos que apresentam

transtornos espectro do autismo e paralisia cerebral, e em segundo lugar, dos

alunos que apresentam múltiplas deficiências. De outro lado, destacadas em azul,

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consideram mais fácil promover a inclusão dos alunos com DF e dos DVs. Situações

facilmente compreensíveis em virtude do não comprometimento intelectual e

comunicacional desses alunos.

A forma como a Professora 2 respondeu a questão foi a que causou mais

dificuldade de interpretação. Por ter numerado diferente do solicitado, num primeiro

momento a dúvida foi se a professora tinha entendido a solicitação, uma vez que

tudo o que os demais caracterizaram entre as mais difíceis, ela atribuiu a pontuação

7 (destinada a mais fácil), e, de outro lado, a deficiência física, considerada uma das

mais fáceis pelos demais, ela pontuou como a mais difícil. Numa observação mais

atenta, e considerando o fato de que a professora é contrária à inclusão, pude inferir

que ela confundiu-se na atribuição dos pontos, mas não foi, de todo, incoerente com

o que pensam os demais professores. Interpretei que ela considera mais fácil

promover a inclusão de deficientes físicos e considera todas as demais difíceis – daí

sua contrariedade à política. Se este raciocínio estiver correto, numa escala

ascendente, seria menos difícil incluir DAs, depois DVs e, igualmente difícil,

promover a inclusão escolar de autistas, deficientes múltiplos, de PCs e de DI.

No EMEJA da EE Rute José Samuel, tivemos matriculado um aluno com

paralisia cerebral, contado entre os três DF (que não foi possível localizar a época

da coleta de dados) que teve sua escolarização possibilitada, sobretudo, à

dedicação e intermediação efetivada por seu pai, que o levava para a escola e

entrava em sala junto com ele, copiava matérias, ajudava como podia na elaboração

de atividades. Com o tempo, os colegas de sala passaram a compreender o que ele

dizia, a perceber que ele acompanhava os conteúdos. Para os professores, o maior

problema era o fato de não terem tempo de sentar ao lado, de aprender a

comunicar-se com ele. Turmas lotadas, poucas aulas, às vezes duas turmas ao

mesmo tempo. Assim como no caso da Aluna 11, apresentado anteriormente,

também no caso desse aluno, a escola, por meio de seus agentes, é que não estava

preparada para incluí-lo, para promover sua aprendizagem, tarefas que foram

repassadas para a família.

Para propiciar a inclusão escolar dos outros alunos, considerados mais fáceis

de serem incluídos por serem DVs e DAs, os professores da EE Rute José Samuel,

recorrem às práticas pedagógicas expostas no Quadro 32: a maioria afirma explicar

os conteúdos de maneira lenta e com linguagem simples, o que incorre em risco de

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empobrecimento conceitual; fazem ou solicitam adaptações curriculares; contam

com a ajuda dos colegas de classe, alunos ouvintes que estão aprendendo LIBRAS,

por exemplo, para a explicação. O Professor 6, com aulas espalhadas ao longo do

dia na escola e responsável por lecionar língua portuguesa e inglês em algumas

turmas foi o único que assinalou, entre as alternativas, que pede ajuda às

professoras de EE, responsáveis pelas Salas de Recursos.

Nenhum professor afirmou concordar totalmente que a inclusão de alunos

deficientes obriga a alteração das atividades normais da aula, por isso, apesar de

indicadas as adaptações curriculares como uma dificuldade, eles as fazem,

conseguindo atingir não apenas os alunos deficientes, mas também os não

deficientes. Os alunos reconhecem o esforço de parte dos professores nesse

sentido; se somados, são 7 (sete), os alunos que afirmam que pelo menos alguns

professores de preparam material diferenciado para eles.

Exemplos de adaptações curriculares são dados pelas Professoras 3 e 5. A

professora 3 leciona Biologia, disciplina com conceitos científicos difíceis de serem

traduzidos em LIBRAS e com figuras difíceis de serem explicadas verbalmente.

Buscando imagens para trazer para os alunos surdos e que, ao mesmo tempo,

pudessem ser desenhadas em relevo, para os cegos, percebeu que beneficiava

consideravelmente os alunos normais, que ouviam “o que” ela estava falando mas

também não compreendiam ao certo “do que” ela estava falando. A Professora 5,

temida por lecionar matemática, é famosa e amada especialmente pelos alunos com

baixa visão pela preocupação que tem por eles. Como ela não conseguia fazer

letras grandes na lousa, tem o cuidado de trazer para as aulas folhas de almaço com

o conteúdo todo escrito à mão, com pincel atômico preto em letras grandes. Material

que é deixado para ser transcrito pela professora da Sala de Recursos para os

alunos totalmente cegos.

A segunda pergunta feita aos professores baseava-se nas dificuldades para a

inclusão escolar, apontadas no Quadro 32, que responsabilizam a falta de condições

ou dificuldades, como o despreparo, a falta de capacitação profissional e a carência

de orientação pedagógica especializada. As respostas à questão, expostas no

Quadro 34 são ao mesmo tempo, reveladoras e preocupantes. A Professora 4 foi

quem demonstrou menos incoerência entre as dificuldades que alega

(despreparo/falta de capacitação profissional; dificuldades para avaliação do

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desempenho do aluno e para as adaptações curriculares), e as condições que

necessita para efetivar o trabalho pedagógico: em primeiro lugar, orientações de

como agir ou comunicar-se como os alunos deficientes e, em segundo, formação

específica.

Os demais professores caminham em outra direção. Quando observadas as

cores destacadas em azul no Quadro 3431, a surpresa é o lugar onde os professores

classificam a avaliação, a necessidade de técnicos especializados e a formação

específica, entre as dez condições mais relevantes para a inclusão escolar de

deficientes.

Quadro 34: Condições mais relevantes para a inclusão escolar de deficientes, segundo os Professores

Pro

f. 1

Pro

fa 2

Pro

fa 3

Pro

fa 4

Pro

fa 5

Pro

f. 6

Pro

fa 7

Pro

fa 8

Pro

fa 9

Abertura para enfrentar situações desconhecidas.

9 1 4 7 2 7 4 4 4

Atitudes dos professores 3 2 1 10 6 1 1 1 1

Avaliação/acompanhamento dos alunos

10 2 8 9 7 10 7 7 7

Colaboração entre professores 5 1 6 6 5 8 3 3 5

Conseguir mudar seus valores e eliminar seus preconceitos

8 1 7 5 10 5 2 2 3

Formação especifica 6 1 10 2 8 3 10 10 8

Materiais e recursos 4 1 5 4 4 9 8 8 9

Metodologias de ensino 7 1 2 8 3 6 6 6 10

Técnicos especializados (professores, psicólogos, terapeutas)

2 1 9 1 9 2 9 9 6

Ter orientação de como agir e, ou, se comunicar com os deficientes.

1 1 3 3 1 4 5 5 2

Organização da autora

A dificuldade de avaliação aparece em terceiro lugar no conjunto das

dificuldades enfrentadas pelos professores, empatada com a “desmotivação para

trabalhar com essa clientela” (os deficientes). Numa demonstração clara de utilização

da avaliação unicamente como instrumento de verificação da aprendizagem e,

portanto, determinante para a promoção ou retenção dos alunos, uma pergunta

recorrente no dia-a-dia da escola questionava se seria justo promover ou reter um

aluno que não ouviu ou não viu o conteúdo ministrado, os exemplos colocados na

31

As respostas da Professora 2 não foram analisadas nesta questão porque, também nesta questão ela decidiu utilizar-se de uma forma diferenciada para classificar as alternativas propostas. Nesta não foi possível fazer inferências sobre as intenções da Professora.

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lousa. Na hora de determinar a classificação, esse elemento fundamental do trabalho

pedagógico, quando vista como processual, é colocado em oitavo lugar pelos

professores da EE Rute José Samuel.

Os técnicos especializados (professores, psicólogos, terapeutas), apoio que

ocupa o segundo lugar nas reivindicações por condições, visto como capaz de

oferecer orientação pedagógica especializada ou, conforme citação anterior de

Mantoan, capazes de fornecer esquemas de trabalho pré-definidos que possam ser

aplicados em “suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que

presumem encontrar nas escolas inclusivas.” (MANTOAN, 2000, p. 6), só é apontado

como prioritário pela Professora 4, aparecendo em nono lugar na escala construída

pelos professores.

A formação especializada, antídoto para o despreparo e para a falta de

capacitação? Apontada como principal dificuldade por 8 (oito) dos 9 (nove)

professores, é classificada em décimo lugar na escala de condição para a efetivação

da inclusão escolar.

Inversamente, observando as alternativas classificadas como prioritárias, em

amarelo, é eleita como condição mais importante “[as] Atitudes dos professores”

seguida pela necessidade de “ter orientação de como agir e se comunicar com os

deficientes”. Numa primeira tentativa de explicação para esse ordenamento, pode-se

pensar que os professores, diante das dificuldades que encontram, se utilizam do

argumento do despreparo e da falta de apoio como justificativa para não fazerem

aquilo que, verdadeiramente, não acreditam, não têm disposições para fazer, mas

sabem que é esperado que eles façam, por isso, quando se veem confrontados,

assumem o papel que sabem, esperam dele: a atitude. Para executar a tarefa, então,

descartam a necessidade da formação e do apoio técnico e passam a reivindicar

apenas a instrumentalidade: como agir e se comunicar com os deficientes. Este

comportamento dos professores pode ser relacionado ao que vimos no segundo

capítulo quando, ao relatar o diálogo e o trabalho das PCNPs da EE, amabas

afirmarem nunca terem recebido demandas dos professores da EJA.

A segunda conclusão possível seria que, essa atitude de auto-

responsabilização poderia ser interpretada afoitamente como individualismo desses

sujeitos, o que, conforme Carneiro, baseado em Carpentier-Roy e Pharand, precisa

ser observado mais detidamente, uma vez que

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Diversos professores interiorizam a ideia de que ele seria uma tendência particular dos professores um pouco como se viessem a encontrar nessa profissão indivíduos com tendência individualista. Não é nada disso. O que é preciso entender é que nas condições de trabalho que advêm da organização do trabalho docente, que não permitem a construção de grupos de trabalho, o individualismo torna-se uma última posição de defesa em relação que é mais fonte de sofrimento que de prazer. Quando não é possível criar coletivamente mecanismos de defesa e de catarse para o sofrimento, o professor se defende individualmente; quer dizer, o sofrimento faz parte da carga de cada sujeito-professor que precisa encontrar por seus próprios meios a capacidade de manter sua saúde mental apesar das agressões de ambiente de trabalho. Então se entende que o individualismo é produto do sofrimento psíquico, o produto de uma organização de trabalho que atomiza os indivíduos, os isola e desmotiva-os. Assim, não se pode mais dizer, simplesmente, que o individualismo é a causa as desmobilização desse corpo profissional. (CARNEIRO, 2012, p. 92)

Dito de outra forma, este comportamento é mais uma manifestação do habitus

da precariedade, pelo qual os professores assumem que estão sozinhos, que as

situações presentes no dia-a-dia da escola são de sua responsabilidade, e, tendo

incorporado a crença de que a formação teórica não serve para a prática,

restringem-se no máximo, a buscar um jeito de fazer o que devem fazer, e não o que

acreditam dever fazer.

Reconhecida apenas pelos alunos, a relação com os professores ainda

parece ser um grande entrave no atendimento aos alunos deficientes. De acordo

com as respostas (Quadro 35), o despreparo dos professores para trabalhar com

eles e as dificuldades de relacionamento criaram mais dificuldades do que a falta de

material adaptado ou de intérprete em sala de aula. Quando avaliam os professores

(Quadro 37) reconhecem que a maioria dos professores tem bom domínio dos

conteúdos que ministra, que preparam material diferenciado para facilitar a

aprendizagem dos alunos deficientes, mas apontam também não entender o que os

professores querem que eles façam – quais os objetivos – o que termina por criar

situações de conflito. Quando perguntados se sofreram algum tipo de discriminação

durante o período de estudos na EE Rute José Samuel, os 3 (três) alunos surdos

que responderam afirmativamente apontaram que essa discriminação partiu dos

professores e não de outros colegas, problemas gerados pela dificuldade de

comunicação que, depois de relatados para a professora da Sala de Recursos,

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foram encaminhados à direção ou à coordenação da escola, que se encarregava de

conversar com os envolvidos.

Apesar dessas ponderações, quando professores se auto-avaliam (Quadro

36) e quando são avaliados pelos alunos (Quadro 37), há concordância de que, com

exceções, citadas nominalmente, os professores são adjetivados como profissionais

que dominam os conteúdos que lecionam, que respeitam os alunos, que se

preocupam e dedicam-se. Como, então, resolver o impasse de ser um bom

professor que só consegue se relacionar bem e ensinar aos alunos que não fogem à

norma, numa escola, que se almeja, inclusiva?

É Nóvoa quem nos responde. De acordo com autor não é possível definir o

bom professor por meio de uma lista de competências – como, aliás, estabeleceu o

governo do estado de São Paulo, por meio da Resolução SE no 70/2010 (SÃO

PAULO, 2010). Para ele, o conceito de competências está ligado à origens

comportamentalistas e de leituras de caráter técnico e instrumental, por isso prefere

adotar o conceito de disposições

Ao sugerir um novo conceito, disposição, pretendo romper com um debate sobre as competências que me parece saturado. Adoto um conceito mais “liquido” e menos “solido”, que pretendo olhar preferencialmente para a ligação entre as dimensões pessoais e profissionais na produção identitária dos professores. Coloco, assim, a tônica numa (pré)disposição que não é natural mas construída, na definição pública de uma posição com forte sentido cultural, numa profissionalidade docente que não pode deixar de se construir no interior de uma pessoalidade do professor. (NÓVOA, 2009, p.29) (itálicos no original)

A partir dessa definição o autor nos apresenta as 5 (cinco) disposições que

devem caracterizar o trabalho docente nas sociedades contemporâneas. Vamos

tentar apresentá-las relacionando-as à realidade da EE Rute José Samuel:

O conhecimento: partindo do princípio que se deve conhecer bem

aquilo que se ensina, o trabalho do professor deve pautar-se pela construção de

práticas que conduzam os alunos à aprendizagem. Conhecimento que não se faz no

vazio, mas na aquisição e compreensão. No que diz respeito às disciplinas

específicas, quer me parecer que essa disposição é reconhecida pelos alunos e

professores da escola. No que diz respeito às especificidades dos alunos, adultos,

deficientes, ainda há que se desenvolver não apenas a disposição, mas a pré-

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disposição, visto que, esses professores ainda não se deram conta dessa

necessidade.

Cultura profissional: Os professores precisam compreender os sentidos

da instituição escolar, integrar-se, aprender com os colegas mais experientes,

registrar e refletir sobre o trabalho e exercitar a avaliação, como elementos centrais

para o aperfeiçoamento e inovação. Objetivo difícil de alcançar dentro das condições

objetivas colocadas para o conjunto dos professores. Como conciliar duplas ou

triplas jornadas de trabalho e reflexão? Como exercitar o registro e a auto-avaliação

dentro de um calendário escolar que prevê poucas horas para isso, distribuídas

fragmentariamente ao longo do ano, ou em ATPCs nas quais dificilmente se

consegue reunir todos os professores de uma turma de alunos? Mais uma vez os

entraves organizativos e burocráticos impedem o desenvolvimento de um trabalho

pedagógico que “envolve a totalidade do processo educativo”, não pautado apenas

nos “procedimentos pedagógicos, no método (com todos seus implementos

técnicos) de acordo com o qual é administrado o ensino.” (PINTO, 2003, pp. 41-45).

Tato pedagógico: admitindo que se trata de uma disposição de difícil

definição, o autor a caracteriza como a “capacidade de relação e de comunicação

sem a qual não se cumpre o ato de educar. (...) a serenidade de quem é capaz de

conquistar os alunos para o trabalho escolar” (NÓVOA, 2009, p.30). Se as outras

duas disposições já se apresentam como desafio, esta não é menor. Construir

capacidade relacional despojada de juízos concebidos a priori, é o que nos pedem

os alunos da EE Rute José Samuel. Quando um aluno surdo nos mostra que é mais

difícil vencer a barreira preconceito professoral do que a da comunicação, ele está

exigindo dos profissionais da educação esta disposição, esse desejo de fazer junto,

fazer com ele.

Trabalho em equipe: os novos modos de profissionalidade, as

demandas trazidas para a instituição escolar, “implicam num reforço das dimensões

coletivas e colaborativas, do trabalho em equipe, da intervenção conjunta nos

projetos da escola.” (NÓVOA, 2009, p.30). Essa disposição existia na EE Rute José

Samuel, mas estava em risco, conforme mostrado anteriormente neste trabalho. A

rotatividade dos profissionais das escolas é uma ameaça constante à constituição e

manutenção dessa.

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Compromisso social: diferentes nomes que “convergem no sentido dos

princípios, dos valores, da inclusão social, da diversidade cultural (...) indo além da

escola.” (NÓVOA, 2009, p.30). O autor conclui afirmando: “Comunicar com o público,

intervir no espaço público da educação, faz parte do ethos profissional docente”

(NÓVOA, 2009, p.30). Na minha percepção esta é a disposição mais difícil de

construir uma vez que implica na modificação do habitus de cada agente. A

dificuldade está em modificar a interiorização das estruturas sociais adquiridas

desde a mais tenra infância dos sujeitos, que criam comportamentos que são

internalizados, incorporados através de mecanismos muitas vezes inconscientes,

que muitas vezes, leva-nos a agir de forma diferente da qual agiríamos

conscientemente.

É o habitus incorporado que faz com que parte dos professores, reconheçam

o direito à inclusão social dos alunos deficientes, mas sejam contrários sua

efetivação. Mas o habitus não é dado, ao contrário, a essência de sua concepção é

a característica de permanente reconstrução, sendo assim, é um condicionante e

não um determinante. Pode ser modificado

Do ponto de vista dos alunos, as dificuldades a superar são muitas (Quadro

35). Algumas dessas dificuldades são comuns aos alunos deficientes e aos não-

deficientes, como a necessidade de conciliar estudo e trabalho, em diferentes áreas

como comércio, hospitais, indústria, gráfica, etc., com o objetivo de ajudar os pais

nas despesas com a casa, sustentar a família e para garantirem a própria

independência. Apenas 4 (quatro) saíram do EF e foram direto para o EMEJA, os

outros tiveram que parar por um tempo. Como a maior parte dos alunos, as

disciplinas que consideram mais difíceis são as da área de Ciências Exatas

(Matemática, Química, Física). Apenas 1 (uma) aluna citou dificuldades em Filosofia,

diferentemente do que, nós professores da área de Ciências Humanas,

pensávamos. Sempre nos culpamos por basearmos nossa aula majoritariamente na

linguagem oral e acreditávamos que os surdos tinham muita dificuldade com isso.

Para nossos alunos-sujeitos, às dificuldades comuns da escola, agregam-se

aquelas oriundas de suas deficiências. Talvez mais rapidamente que para os

demais, logo veem suas aspirações desmentidas e percebem que, se quiserem

permanecer na escola e obter sucesso, que em última análise será a certificação,

precisam investir; e eles investem, principalmente quando percebem que a escola

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não está dotada dos recursos assistivos que esperavam, como material adaptado,

sempre atrasado, no caso dos alunos cegos, ou a falta de intérpretes de LIBRAS

para os surdos, buscando cumprir as exigências próprias da escola como

comportamento adequado, leia-se disciplina, notas mínimas, por exemplo. Jogaram

o jogo da escola aqueles alunos que em busca do seu direito subjetivo à educação

tiveram que sair da proximidade de seus locais de moradia para estudar, em busca

de alguém que lhes possibilitasse o acesso aos textos escolares. Jogou o jogo da

escola o Aluno 1, que trouxe a própria noiva para auxiliá-lo no dia-a-dia da sala de

aula e esta, por sua vez, trouxe outras colegas. A presença dessas voluntárias, é

fruto de um movimento social pouco divulgado para a maioria de nós, ouvintes, mas

importante para os surdos. Silva (2010) realizou um estudo no qual fez uma

“comparação etnográfica e histórica das práticas de algumas instituições religiosas –

Igreja Católica, Igreja Batista e Testemunhas de Jeová – que têm se ocupado da

atividade missionária com surdos.” (SILVA, 2010, p. 6). No trabalho, o autor cita

como exemplo uma igreja que se localiza nas mediações da EE Rute José Samuel,

de onde as voluntárias são oriundas. No estudo, o autor mostra como

Tendo por foco de análise a dinâmica urbana da cidade de São Paulo, (...) É necessário considerar que algumas congregações Batistas têm uma grande capacidade de colocarem-se como instituições de referencias nesse circuito, como exemplo, as Igrejas Batistas da Vila Mariana e da Liberdade. (...) Além de local de culto e estudo bíblico, elas também são pontos de referência para jogos de futebol, festas, viagens, acampamentos, atividades de férias, contatos para inserção profissional e também apresentações teatrais de e para surdos. Como exemplo, as diversas visitas do pastor batista Arriens em São Paulo, com seu teatro de surdos, fazem com que pessoas que não sejam membros da Igreja Batista visitem a congregação que o está recebendo. Sendo assim, se habitualmente o ministério com surdos local associa apenas cerca de dez a vinte surdos, nesses dias extraordinários, pode ter sua freqüência aumentada para duzentos surdos. Por essas razões extra-religiosas essas congregações batistas compõem também um local de importante referência na denominada comunidade surda. (SILVA, 2010, p. 159)

A noiva do Aluno 1, membro da Igreja Batista citada por Silva (2010), que

além das atividades descritas na citação, forma intérpretes de LIBRAS para

auxiliarem nos cultos e eventos. Ela, vendo a necessidade dos colegas do noivo,

trouxe duas colegas, que também auxiliavam de acordo com suas possibilidades.

Elas também estavam presas à illusio e investiram como forma de contribuir para

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Quadro 35: Dificuldades e desafios encontrados pelos alunos D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Disciplina na qual encontrou mais dificuldade

Português

Inglês

Matemática

Física Matemática

Inglês

Sociologia Filosofia

Matemática

Não respondeu

Matemática

Física

Inglês Geografia Matemática Química Física

Inglês

Matemática

Química Física

Química Física

Teve dificuldades no Ensino Médio/EJA

Falta de Intérprete ou de material adaptado.

Relaciona-mento com

os prof. Despreparo dos prof. para lidar com os

deficientes. Falta de

Intérprete ou de

material adaptado.

Não respondeu

Não teve dificuldades

Relaciona-mento com

os prof. Acesso à Sala de

Recursos. Falta de

Intérprete ou de

material adaptado.

Precon- ceito dos

profissionais da escola.

Assinalou que teve

dificuldades mas não respondeu

quais.

Relacionamento com

os professores.

Relaciona-mento com

os prof.

Integração na turma e

com os prof.

devido à timidez

extrema.

Acesso à Sala de

Recursos (por causa do

horário) Despreparo de prof. para lidar com os

deficientes. Falta de material

adaptado.

Falta de acessibilid

ade do prédio da escola.

Acesso à Sala de

Recursos (por causa do

horário) Falta de material

adaptado.

Sofreu alguma discrimina- ção durante o curso?

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Sim, por parte de

professores.

Não respondeu.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Não respondeu

Sim, por parte de

professores.

Sim, por parte de

professores.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Não, fui acolhido e respeitado por todos.

Organização da autora

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200

Quadro 36: Auto-avaliação dos Professores Prof. 1 Profa 2 Profa 3 Profa 4 Profa 5 Prof. 6 Profa 7 Profa 8 Profa 9

Sim

Não

A m

aio

ria

Alg

un

s

Sim

Não

A m

aio

ria

Alg

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s

Sim

Não

A m

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Sim

Não

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Sim

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Sim

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Sim

Não

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Alg

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Sim

Não

A m

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ria

Alg

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s

São distantes, têm pouco envolvimento.

X X X X X X

Não r

esp

ond

eu

Não r

esp

ond

eu

Não r

esp

ond

eu

Têm respeito pelos estudantes.

X X X X X X

São indiferentes, ignoram a presença de alunos deficientes nas salas.

X X X X X X

São preocupados e dedicados.

X X X X X X

São autoritários, rígidos, abusam do poder.

X X X X X X

Valorizam as diferenças e ensinam a respeitá-las.

X X X X X X

Preparam material diferenciado para facilitar a aprendizagem dos alunos deficientes.

X X X X X X

Organização da autora

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC … Gomes da... · Educação de Jovens e Adultos. Educação Especial. Inclusão Escolar. ... DI: Deficiente Intelectual DV:

201

Quadro 37: Avaliação dos Professores pelos alunos D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Sim

Não

A m

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s

Sim

Não

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Sim

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Sim

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Sim

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A m

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Sim

Não

A m

aio

ria

Alg

un

s

Têm respeito pelos estudantes.

X X X X X X X

Não r

esp

ond

eu

X X

São indiferentes, ignoram a presença de alunos deficientes nas salas.

X X X X X X X X X

São preocupados e dedicados.

X X X X X X X X X

São autoritários, rígidos, abusam do poder.

X X X X X X X X

Valorizam as diferenças e ensinam a respeitá-las.

X X X X X X X X X

Preparam material diferenciado para facilitar a aprendizagem dos alunos deficientes.

X X X X X X X X X X

Organização da autora

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202

para que esses alunos tivessem aumentadas as chances de êxito nas quais

acreditavam.

Investimentos de diferentes ordens, como de tempo, de recursos financeiros

para pagar as próprias passagens, e ainda, para lidarem com a desconfiança por

alguns professores, que ficavam em dúvida se elas “só estavam traduzindo ou

fazendo por eles”. A desconfiança piorou quando um novo casal surgiu entre uma das

voluntárias e um aluno. Parte dos professores alegava que essa era uma prova de

que o diálogo entre eles ia muito além do conteúdo pedagógico. Outro exemplo de

interferência dado pelos professores era o fato delas fazerem perguntas durante as

aulas. Esses colegas tinham dificuldade de aceitar que elas, não lembrando ou não

sabendo alguns conteúdos, precisavam compreendê-los para re-explicar, para esses

professores elas não precisaram entender, tinham que, simplesmente repetir as

explicações dadas por eles, sem interferências e exemplos criados por elas. Uma

clara tentativa de controle do saber, por parte desses professores.

4.5 Contribuições do Ensino Médio nas modalidades EJA/EE

Como tratava-se de um questionário fechado, para aferir as contribuições do

Ensino Médio nas modalidades EJA/EE, foram apresentadas para os alunos duas

questões (Quadro 38): a primeira era quais as três principais contribuições do

Ensino Médio nas modalidades EJA/EE, a segunda questão: Pensando nos

conhecimentos adquiridos no Ensino Médio, escolha até 3 alternativas que

expressem como você considera o seu preparo para conseguir um emprego, exercer

alguma atividade profissional?

Essas questões tinham o objetivo específico de verificar se os objetivos da

inclusão escolar de jovens e adultos deficientes, prescritos no documento do

MEC/SEESP Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (BRASIL, 2007), estavam sendo atingidos pela escola. Na introdução desse

trabalho apresentei ao leitor que esta era uma pergunta que incomodava o grupo de

professores da EE Rute José Samuel quando duvidava se estava no caminho certo

em nosso trabalho:

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203

Quadro 38: Contribuições do Ensino Médio nas modalidades EJA/EE D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Qu

ais

as

trê

s p

rin

cip

ais

co

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do

En

sin

o M

éd

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as

mo

dalid

ad

e E

JA

/ E

E?

Aumentei

meus conheci-mentos,

adquiri mais informações, tenho mais

preparo. Melhorei

minha autoestima,

minha satisfação pessoal. Atendi à

expectativa de meus

familiares.

Aumentei meus

conheci- mentos,

adquiri mais informações, tenho mais

preparo. Tive

reconheci-mento no trabalho. Surgiram

novas oportunida-

des de trabalho.

Não respondeu.

Melhorei minha

autoestima, minha

satisfação pessoal.

Aumentei meus

conheci- mentos,

adquiri mais informações, tenho mais

preparo. Melhorei

minha autoestima,

minha satisfação pessoal. Atendi à

expectativa de meus

familiares.

Tive reconhecim

ento no trabalho.

Aumentei meus

conheci- mentos,

adquiri mais informações, tenho mais

preparo. Atendi à

expectativa de meus

familiares. Surgiram

novas oportunida-

des de trabalho.

Minha vida ficou pior,

mais cansativa,

mais corrida.

Minha vida ficou pior,

mais cansativa,

mais corrida.

Melhorei minha

autoestima, minha

satisfação pessoal.

Aumentei meus

conheci-mentos,

adquiri mais informações, tenho mais

preparo. Melhorei

minha autoestima,

minha satisfação pessoal.

Superei as expectativas de meus familiares.

Melhorei minha

autoestima, meu

comporta-mento,

como falar certo.

Pen

san

do

no

s c

on

he

cim

en

tos

ad

qu

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os n

o c

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o,

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paro

pa

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co

nseg

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um

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pre

go

, e

xerc

er

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um

a a

tivid

ad

e p

rofi

ssio

nal?

Foram fracos e

superficiais

Não sei Não

respondeu.

Proporcionaram cultura e conheci-

mento

Apesar de ter

frequentado uma boa

escola, me considero

desprepara-do(a), pois

não aprendi o suficiente

para conseguir um bom

emprego.

Foram bem desenvolvi-dos, com

aulas práticas,

laboratórios etc.

Apesar de ter

frequentado uma boa

escola, me considero

desprepara-da, pois não

aprendi o suficiente

para conseguir um bom

emprego.

Me considero preparado para entrar no mercado de trabalho.

Não respondeu

Tiveram relação com a profissão

que escolhi/ exerço.

Foram adequados ao que o

mercado de trabalho solicita.

Foram bem desenvolvi-dos (aulas práticas,

laboratórios etc.)

Me considero preparado para entrar no mercado de trabalho.

Proporcio-naram

cultura e conheci-mento

Organização da autora

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204

Quadro 39: Expectativas dos alunos quanto à continuidade dos estudos

D E F I C I E N T E S A U D I T I V O S DEFICIENTES VISUAIS

Aluno 1 Aluno 2 Aluna 3 Aluna 4 Aluno 5 Aluna 6 Aluna 7 Aluno 8 Aluna 9 Aluno 10 Aluna 11 Aluno 12

Pretende continuar estudando após o Ensino Médio/EJA

Não

Curso de computa-

ção ou informática

Curso profissio-nalizante

Curso preparató-

rio para vestibular Curso de computa-

ção ou informática

Curso superior.

Curso profissional

izante.

Curso de língua

estrangeira

Curso preparatóri

o para vestibular Curso de computa-

ção ou informática

Curso profissional

izante

Não respondeu.

Curso superior: Letras

Curso superior:

Pedagogia

Já faz Curso

superior de Educ. Física

Organização da autor

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Na modalidade de educação de jovens e adultos e educação profissional, as ações da educação especial possibilitam a ampliação de oportunidades de escolarização, formação para ingresso no mundo do trabalho e efetiva participação social”. (BRASIL, 2007, p. 10). (grifos meus)

Para os 11 (onze) alunos que responderam à primeira questão, alguma coisa

mudou. Para o Aluno 8 e a Aluna 9 a vida ficou pior, mais cansativa, mais corrida.

Para o Aluno 8, surdo, o processo de adaptação à escola deve ter sido difícil, uma

vez que, em outras questões, aponta ter sofrido discriminação por parte dos

professores e que não conseguia compreender o que os professores queriam que

ele fizesse. Mesmo assim, no contínuo das questões, ele defende a inclusão escolar

como forma de melhorar a compreensão dos limites e possibilidades dos deficientes

e, entre as alternativas das contribuições para o mercado de trabalho, ele escolheu a

frase na qual afirma que se sente preparado para entrar no mercado de trabalho.

Portanto, podemos dizer que houve contribuições positivas inclusive para ele.

No caso da Aluna 9 não foi possível fazer o mesmo cotejamento, uma vez

que esta foi a última questão que a aluna quis responder. Quando ela, junto com

outro colega, me entregou o questionário, mostrei a ela que faltavam questões, mas

ela disse que não queria responder mais. Talvez para ela, uma garota que luta

contra muitos estigmas – pelas respostas sobre família, pois o pai parece ser uma

figura ausente, ela viveu sua infância só com a mãe, surda, negra, gorda – a escola

não seja mesmo um ambiente fácil, e por isso os aspectos negativos tenham um

peso mais relevante.

Para os demais alunos, ter cursado o Ensino Médio nas modalidades EJA/EE,

em menor ou maior grau, houve contribuições positivas. O reconhecimento no

trabalho e o surgimento de novas oportunidades de trabalho foram citadas 2 (duas)

vezes. Em segundo lugar, 5 (cinco) alunos citaram como contribuição o aumento dos

conhecimentos, aquisição de mais informações e de mais preparo. A contribuição

mais citada foi a melhora da autoestima, conquista de satisfação pessoal e

atendimento à expectativas de suas famílias, às quais devem “não só os

encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de

ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola.” (BOURDIEU,

2008, p. 48).

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Aliás, é importante dizer que os alunos que têm melhor desempenho, do

ponto de vista dos professores, e ambições de ascensão social “parecem pertencer

a famílias que diferem da média de sua categoria, (...) por seu nível cultural global”

uma vez que essas famílias, superando dificuldades econômicas e aquelas oriundas

das dificuldades de terem filhos deficientes – 2 (dois), filhos, no caso da família do

Aluno 10 – transmitiram a eles capital cultural e capital simbólico que lhes permitem

seguir trajetórias de maior prestígio e reconhecimento social que muitos de seus

pares não-deficientes.

Exemplo disso é o fato de o Aluno 10, antes mesmo de sua matrícula na

escola, já atuar como revisor de textos, ter habilidade para negociar seu acesso a

uma instituição de ensino superior, ser leitor de diferentes literaturas e o único aluno

que afirmou frequentar regularmente espaços culturais – mais inclusive que os

professores – citando detalhes dos lugares, das visitas realizadas, filmes

assistidos...; filho de um porteiro e de uma dona de casa, esse aluno sempre

demonstrou compreensão e manejo da língua portuguesa, tornando-se foco da

atenção e elogios por parte dos professores, e fator de distinção conforme explicado

por Bourdieu (2008, p. 46). O Aluno 12 – mais velho dos 4 (quatro) filhos de um

casal formado por uma empregada doméstica e um operário, que chegou a diretor

de médio escalão numa multinacional de vidros da Grande São Paulo por

demonstrar domínio exemplar de cálculos – foi criado para ser independente; busca

e negocia pessoalmente os patrocínios que propiciam sua subsistência e sua prática

esportiva, mencionados no segundo capítulo.

Quando perguntados como avaliam as contribuições do EMEJA/EE como

você considera o seu preparo para conseguir um emprego, exercer alguma atividade

profissional, os alunos dividem-se. O Aluno 10, cego que já exercia a função de

revisor de textos em Braille antes do ingresso na escola média, afirma que os

conhecimentos adquiridos na escola tiveram relação com seu trabalho. As Alunas 8

e 11 afirmam sentir-se preparadas para o mercado de trabalho. O Aluno 2 disse não

saber como avaliar as contribuições do curso para o ingresso e permanência no

mercado de trabalho; 2 (dois) optaram por não responder. Os demais dividem-se em

grupos de 3 (três): o primeiro grupo afirma que os conhecimentos e conteúdos

escolares foram bem desenvolvidos, por isso proporcionaram conhecimento e

cultura; e outros 3 (três) acham que os conteúdos foram fracos e superficiais e por

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207

isso, ao final do curso, afirmam que, apesar de ter frequentado uma boa escola,

consideram-se despreparados, pois não aprenderam o suficiente para conseguir um

bom emprego. Se juntarmos, de um lado os alunos que consideram positivas as

contribuições da escola e, de outro lado, aqueles que não souberam, não quiseram

responder e os que acham que os conteúdos trabalhados foram fracos e

superficiais, teremos dois grupos proporcionais quanto à contribuição do EMEJA/EE

para suas perspectivas de futuro.

Um comportamento comum aos dois grupos é a expectativa de continuidade

dos estudos. Inclusive alunos que não tinham incluído a busca de conhecimentos

para continuar os estudos entre os motivos para a busca do Ensino Médio,

passaram a incluí-lo como possibilidade nos seus projetos de vida. Apenas o Aluno

1, mais velho dos respondentes, afirmou que não pretende continuar estudando

após a conclusão do Ensino Médio. Os 3 (três) alunos DVs afirmaram a perspectiva

de cursar o ensino superior, sendo que o Aluno 10 já tinha sido aprovado no

vestibular para cursar Letras e estava no aguardo de que a Universidade criasse

condições de recebê-lo (contratação de profissional para acompanhá-lo e aquisição

e elaboração de material adaptado para ele; a Aluna 11, fez um acordo com o

marido no qual ela aguardará que ele conclua o curso de Direito que já estava em

andamento no momento da pesquisa, quando então ela iniciará a sua graduação em

pedagogia e o Aluno 12 já encontrava-se no 5º (quinto) semestre da Licenciatura em

Educação Física no momento da coleta de dados. Para as Alunas 3, 4 e 7 o curso

preparatório para o vestibular é o próximo passo que darão rumo ao ensino superior.

Para os demais alunos DAs a continuidade nos estudos é prevista por meio de

cursos profissionalizantes na área de informática e de língua estrangeira. Somados,

são 6 (seis) alunos que, mesmo enfrentando barreiras as barreiras impostas pela

marca da deficiência e dificuldades na trajetória escolar, ao contrário dos alunos do

CEEBJA-Pinhais, citados no levantamento bibliográfico do primeiro capítulo, não se

curvam frente os possíveis sentimentos “de inferioridade em relação aos que

estudam no ensino regular” conforme Silva (2005, p. 185)

Mesmo que tenha havido uma divisão dos alunos quando perguntados

diretamente quanto ao mundo do trabalho. as respostas dos alunos a este eixo de

questão nos permite considerar que, em que pesem suas limitações e entraves

enfrentados no dia-a-dia, o trabalho pedagógico efetivado na EE Rute José Samuel,

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208

tem, sim, dado conta de cumprir o estabelecido no documento do MEC/SEESP

(BRASIL, 2007), acima citado, ou seja, tem conseguido possibilitar a ampliação das

oportunidades de escolarização dos alunos, que continuam aspirando formas de

inclusão social e de sucesso pessoal, de êxito pela escola, seja ela, agora, técnica

ou superior social e de sucesso pessoal, de êxito pela escola, seja ela, agora,

técnica ou superior. Com isso, mesmo que sociologicamente, possamos vislumbrar a

manutenção da “estrutura da distribuição diferencial dos benefícios escolares e dos

benefícios correlativos, mediante uma translação global das distâncias” (BOURDIEU,

2008, p. 176) contribui para a formação desses alunos e ingresso no mundo de

trabalho e também para uma melhor participação na vida social.

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209

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é simples a tarefa de amarrar os fios32 de uma trabalho que foi construído

ao longo de 4 (quatro) anos, nos quais muitas leituras e pesquisas bibliográficas

foram feitas, discussões teóricas acaloradas com professores e colegas doutorandos

e mestrandos, por um lado, e com professores da EE Rute José Samuel, por outro.

Desde o projeto inicialmente apresentado ao Programa de Estudos Pós-Graduados

em Educação: História, Política, Sociedade até a impressão final, foram várias as

versões e reescritas, discutidas e forjadas dentro da Linha de Pesquisa Escola e

Cultura: Perspectivas das Ciências Sociais, que investiga os processos e práticas

educacionais das instituições escolares, visando contribuir teoricamente para a

formação e educação dos agentes escolares.

Conforme já apresentado ao leitor na introdução, esse trabalho é fruto da

minha trajetória familiar, profissional, e acadêmica. Do âmbito familiar herdei o gosto

pelo estudo e a consciência do quanto a deficiência pode ser um limitador para a

vida das pessoas. Da minha trajetória profissional, inicialmente como professora da

disciplina de História e, a seguir como professora coordenadora pedagógica,

juntamente com colegas os professores da rede estadual paulista, fui desafiada a

lidar com os alunos deficientes no EMEJA, da trajetória acadêmica recebi as

contribuições teóricas que me possibilitaram analisar o desafio da inclusão escolar

daqueles alunos como um problema sociológico.

32

Nestas Considerações Finais, para a amarração dos fios julguei ser conveniente e interessante grafar, os conceitos recorrentes nesta tese em itálico. Procurei fazê-lo apenas quando aparecem pela primeira vez nesta parte do texto.

Cego é quem vê só aonde a vista alcança (...)

Mudo é quem só se comunica com palavras (CANDEIA, 1976)

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210

O problema desta tese foi formulado através da seguinte pergunta central:

quais são os limites e possibilidades do processo de inclusão escolar de alunos

deficientes no Ensino Médio modalidades EJA/EE? Para responder a esta pergunta

definiu-se como objetivo e objeto de trabalho, a análise das práticas pedagógicas

que se desenvolvem na EE Rute José Samuel, uma escola que recebeu a alcunha

de inclusiva em virtude do grande número de alunos deficientes que atende nos

seus três períodos de funcionamento, na modalidade EE, mas principalmente, no

EMEJA, no qual se imbricam as duas modalidades.

A relevância do trabalho foi inicialmente defendida apenas em virtude dos

objetivos legais propostos para as ações da EE na modalidade EJA, que é

possibilitar a ampliação de oportunidades de escolarização, formação para ingresso

no mundo do trabalho e efetiva participação social desses sujeitos. Inicialmente

acreditava ser relevante discutir em que medida esse objetivo poderia ser

alcançado, quais as ações políticas no sentido de garantir a efetividade do trabalho

pedagógico nesse nível de ensino e nessas modalidades, concomitantemente. Na

realização da pesquisa mais um elemento relevante se impôs: o número de alunos

de ambas as modalidades, seja na rede estadual em toda rede estadual ou,

especificamente, na capital paulista: a população de alunos da EJA (5% dos alunos

do EF e 23,3% dos alunos do Ensino Médio) sem nenhum trabalho específico e de

alunos da EE sem identificação, sem acompanhamento dos serviços que recebe,

conforme as discussões do primeiro capítulo, no qual demonstramos que os órgãos

centrais e intermediários da SE não sabe informar onde e como está sendo atendida

os alunos recenseados pelo Censo Escolar.

A pergunta central do trabalho, o objetivo definido, as experiências vividas no

dia-a-dia da EE Rute José Samuel e o debate realizado no Exame de Qualificação,

apontaram no sentido que a tese a ser defendida era a de que o Estado brasileiro,

seja por meio do aparato burocrático federal e/ou estadual, propõe ações políticas

que tem por objetivo a promoção da inclusão escolar de alunos portadores de

necessidades educacionais especiais, deficientes ou não, por meio da EJA e da EE,

conforme os documentos internacionais dos quais é signatário – como a Declaração

de Educação para Todos de Jomtien e a Declaração de Salamanca – mas os

impedimentos de ordem organizacional, político, burocrático que mantém ou cria, ao

invés de apoiar, muitas vezes prejudicam, produzem barreiras para que as escolas

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211

alcancem o objetivo estabelecido para elas e para que os alunos usufruam

plenamente de seus direitos.

Bourdieu, Escolano e Viñao Frago, Nóvoa e Licínio Lima e forneceram as

bases teóricas para as análises e permeiam todo o trabalho. Outros autores foram

referenciais para debates específicos, como Durkheim (2007), Canguilhem (apud

COELHO e MONTEIRO, 2010) e Bueno (2008) quando foi necessário estabelecer

as diferenças conceituais entre necessidades educacionais especiais e deficiência;

Libâneo (2007) contribuiu para a definição da identidade do Ensino Médio e Pinto

(2003), Romão e Gadotti (2007); Gadotti e Romão (2011); Haddad (2007); Soares

(2011) foram as bases para a consolidação do conceito de educação de adultos e

das ações educacionais federais e estadual.

No levantamento bibliográfico confirmamos que o Ensino Médio é objeto de

poucos estudos acadêmicos, número que se reduz mais ainda quando o recorte é o

oferecimento deste nível de ensino na modalidade EJA. Essa constatação deu à

elaboração do trabalho um caráter desafiador, uma vez que foi necessário forjar um

contexto para a pesquisa. O primeiro capítulo foi dedicado a esta construção, ao

encadeamento das ideias que buscaram discutir, principalmente, a identidade desse

nível de ensino relacionando essa identidade às especificidades da EJA e da EE.

A análise das prescrições legais para o Ensino Médio expostas principalmente

no Parecer CNE/CEB nº 15/98 (BRASIL, 1998) e na Resolução CNE/CEB nº 03/98

(BRASIL, 1998) que estabeleceram as Diretrizes Curriculares Nacionais para este

nível de ensino definem os objetivos do Ensino Médio: desenvolver a capacidade de

aprender e continuar aprendendo, constituir autonomia intelectual, de pensamento

crítico, de significados socialmente construídos e reconhecidos como verdadeiros,

desenvolver as competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania e

do trabalho, o domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos e a

competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras

linguagens contemporâneas. Tudo isso sem perder o caráter de etapa da

escolarização que deve ser entendida numa visão humanista e cidadã, que não se

esgota no caráter propedêutico nem no técnico, mas compreenda ambos, conforme

Libâneo (2007).

E a EJA? A ela cabe os mesmos objetivos e caráter.

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212

Partindo do princípio de que a EJA é uma conquista da sociedade brasileira,

por destina-se aos adultos que, por diferentes motivos foram excluídos da

escolarização regular na faixa etária apropriada, é fácil reconhecer que esta

conquista ainda não está plenamente incorporada e constituída como direito, uma

vez que, mesmo prescrita legalmente e nos debates sociais e acadêmicos como

modalidade com funções definidas: 1) reparar e restaurar o direito negado à

educação básica, 2) equalizar e redistribuir oportunidades de acesso e permanência

na escola e, 3) qualificar para o processo permanente de educação ao longo da

vida, na prática é oferecida pelo Estado, percebida pelos professores e utilizada

pelos alunos como ensino supletivo, de aceleração e aligeiramento, como estratégia

de economia de tempo e de encurtamento da distância entre as limitações impostas

pela realidade concreta e a certificação, almejada como possibilidade de ascensão

social por meio da escola.

Os alunos, presos à illusio e à crença dóxica da educação como propiciadora

de melhores oportunidades de trabalho e de abertura de portas para o ensino

superior ou para outras oportunidades de estudos, sem perceber que, esse direito

conquistado insere-se num processo maior de nossa sociedade, definido por

Bourdieu (2008, p. 176) como a “translação global da estrutura de distribuição entre

as classes ou frações de classes dos bens que são objeto da concorrência”, neste

caso, o bem é a certificação, a conclusão da educação básica prevista para todo

cidadão.

Quando chegam à escola, os alunos percebem que a modalidade que

escolheram para concluírem sua escolarização padece dos males do não

reconhecimento, que se expressa principalmente no modo como é organizada

institucionalmente na rede estadual: utilizando salas ociosas, majoritariamente no

período noturno, com turmas grandes, o que anula as possibilidades de uma

atenção qualificada às necessidades de todos e de cada um, utilizando sobras de

materiais e com um currículo que, no máximo, pode ser caracterizado como recortes

do Ensino Médio regular, alijada de programas, projetos, recursos pedagógicos e

impedida de frequentar e usufruir espaços e lugares do fazer pedagógico, enfim,

marcada pelo habitus da precariedade, o que leva muitos alunos e professores a

criarem estratégias e investimentos pessoais para sobreviverem e alcançarem

melhores resultados.

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Na discussão sobre os sujeitos da modalidade EE, um longo trabalho de

elaboração permitiu cotejar diferentes interpretações legais e acadêmicas dos

conceitos de portadores de necessidades educacionais especiais, de inclusão

escolar e de educação inclusiva. Com o apoio de autores referenciais e a partir das

discussões com os professores da EE Rute José Samuel definiram-se como

portadores de necessidades a população de alunos que carece de um trabalho

pedagógico que promova a equidade, que trate diferentemente aqueles que são

fruto das exclusões que vivemos, como idosos, trabalhadores, alunos

multirrepententes, entre outros. Os alunos deficientes, objeto desta tese, são

aqueles que apresentam impedimentos de natureza física ou sensorial, sujeitos que

trazem em si a marca, o estigma da diferença, e que são considerados pelos

professores como um desafio à prática pedagógica. Por fim, construiu-se o

entendimento da educação inclusiva num plano mais amplo, voltada para todos os

portadores de necessidades educacionais especiais, medida a ser constantemente

perseguida em nossa sociedade que produz constantemente diferentes formas de

exclusão e, inclusão escolar como ações da EE, voltadas para a garantia de acesso,

permanência e de sucesso dos alunos deficientes na escola. A consequência dessa

conceituação nos impõe a certeza de que, na sociedade capitalista, a propalada

educação inclusiva é um horizonte que se distancia à medida que nos aproximamos

dele, conforme Bueno.

A invisibilidade dos sujeitos da EJA, deficientes ou não, foi o principal

elemento do cenário da pesquisa. No início da pesquisa não existia um lugar

destinado à EJA nos órgãos centrais e, os agentes que ocupavam o lugar destinado

à EE não quiseram ou não puderam dialogar com a academia. Os órgãos

intermediários, representados pelas 13 (treze) DRE, também demonstraram pouca

disposição ao diálogo e, aqueles aceitaram, não tinham muito que dizer sobre os

sujeitos da pesquisa, uma vez que dedicam-se, quase que exclusivamente, a

acompanhar, como podem, os alunos deficientes matriculados nos anos finais do EF

e os raros que estão no Ensino Médio regular.

Silêncios e desinformações que em muito explicam o trabalho solitário das

escolas, experienciado e incorporado como natural pelos agentes escolares, aos

quais são imputados a responsabilidade pelos baixos resultados, uma vez que, do

ponto de vista das representantes desses órgãos, há condições estruturais

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suficientes, mesmo que não ideais, para o atendimento adequado das demandas da

inclusão escolar, que não são explorados em virtude da conduta resistente dos

professores.

Se o leitor tiver mantido em sua memória as discussões expostas no primeiro

capítulo, lembrará que o CEJA criado em 2011 para apoiar o trabalho da EJA ainda

não efetivou-se e lembrará também que nas DRE não há profissionais destinados ao

trabalho com a EJA. Se observarmos, por um lado, o (reduzido) tempo que as

PCNPs que se dispuseram a dialogar têm para acompanhar o trabalho das escolas

sob sua responsabilidade e, por outro lado, a falta de profissionais que trabalhem as

especificidades da EJA, podemos afirmar que, aparentemente, o Estado espera que

os professores constituam, sozinhos, as disposições necessárias para o trabalho

pedagógico com alunos portadores de necessidades educacionais especiais,

(deficientes ou não) visto que, quando destina recursos e apoios, o faz de forma

insuficiente.

O percurso mostrou que o melhor campo empírico dessa tese seria seu ponto

de partida, a EE Rute José Samuel, apresentada ao leitor no segundo capítulo desta

tese. Nesta apresentação conhecemos uma instituição hetero-organizada, mas

também auto-organizada, capaz de tomar decisões ad-hoc para manter-se e cumprir

seus objetivos sociais.

O prédio da escola é simbólico de uma época em que se esperavam apenas

alunos normais, que podiam subir muitas escadas, tinham (e tem) espaços vedados

por muitas grades, funcionários relegados à lugares fisicamente tão desvalorizados

quanto as posições que socialmente ocupam. Também nesse prédio há lugares

subutilizados no trabalho pedagógico com todos os alunos da escola e outros

vedados aos alunos da EJA.

A história dessa escola mostra-nos o quanto as instituições escolares estão

submetidas às decisões heterônomas que as mutila em sua estrutura física e social,

caso da reforma promovida pelo estado nos anos 1990 ou parceria, também importa

verticalmente com uma Associação, nos anos 2000 ou, ainda pela utilização do

prédio para a realização de concursos, por motivos financeiros, o que redunda em

limites à realização de novas possibilidades para o trabalho pedagógico.

Após breve descrição das características gerais do conjunto de alunos

deficientes que passou pela escola na década de 2002-2011, realizou-se análise

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sociodemográfica dos alunos e professores da escola, antes de partimos para a

discussão das percepções desses sujeitos sobre a EJA e sobre a EE. O objetivo da

análise sociodemográfica foi voltar nosso olhar para as condições de constituição do

habitus e disposições desses sujeitos, condicionantes de seus comportamentos em

relação à escola e à deficiência – própria, no caso dos alunos e desses, no caso dos

professores.

Descortinamos os motivos pelos quais os alunos escolheram estudar e,

também, os motivos que levaram os professores a atuar profissionalmente no

Ensino Médio modalidade EJA oferecido na EE Rute José Samuel, se

intencionalmente ou premidos por outras questões, como foram formados ou como

formam-se continuada para atuar e diante, dessa formação, como atuam, como

organizam seu trabalho e suas práticas pedagógicas para dar conta de responderem

aos objetivos propostos para o nível e modalidade,

Para a primeira questão, a resposta é que os alunos escolheram a EE Rute

José Samuel em virtude do capital simbólico, social, que esta escola goza junto aos

alunos egressos e às instituições especializadas no trabalho com deficientes

existentes na cidade. Alunos que buscam principalmente os serviços lá oferecidos,

como a Sala de Recursos, facilitados pela localização da escola, mas buscam

também uma escola onde esperam que o ensino seja mais forte ou professores que

ensinem melhor. Esse ensinar melhor, no caso dos alunos deficientes, tem

encontrado como barreiras as imposições legais do funcionamento das Salas de

Recursos, o que na prática tem vedado o usufruto desse direito aos alunos adultos e

trabalhadores, além das dificuldades, reais ou supervalorizadas, alegadas por

professores, de formação insuficiente, curta duração do curso, turmas heterogêneas

e com grandes quantidade de alunos, entre outras. No que diz respeito ao grupo de

professores, a tradição e o prestígio de escola inclusiva, elementos constitutivos do

capital simbólico construído na trajetória histórica da instituição, está ameaçada em

virtude da rotatividade de professores, que rompe o sentimento de vinculação, de

pertencimento à um grupo unido por uma rede de ligações permanentes e uteis.

Os professores que compõem o grupo atual, e que se dispuseram a participar

da pesquisa, lecionam na EJA principalmente porque eram as aulas disponíveis no

momento da atribuição e não porque quiseram ou escolheram intencionalmente

essas aulas e, consequentemente, alunos. Mesmo julgando que os alunos dessa

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modalidade apresentam características, leia-se problemas, diferentes dos alunos do

ensino regular, como entre outros, dificuldades de aprendizagem e altos índices de

evasão, não acreditam na necessidade de formação específica para o trabalho com

os alunos dessa modalidade. Formação que não tiveram em sua formação inicial, e

não teriam na rede estadual, se quisessem, uma vez que o CEJA criado para

encaminhar as questões da EJA, há quase dois anos, ainda não deslanchou e a

organização dos Núcleos Pedagógicos, responsáveis pela formação dos professores

em nível regional, não prevê profissionais ou trabalhos específicos para atendam

essa modalidade.

A história de vida desses professores que ao longo de suas vidas não tiveram

qualquer contato com deficientes fora da escola, o fato de vivenciarem dificuldades

na efetivação do trabalho pedagógico com os alunos deficientes e a sensação de

não estar desempenhando satisfatoriamente a tarefa de contribuir para a

aprendizagem dos alunos, produz, de certa maneira, disposições divergentes,

quanto à inclusão escolar dos alunos deficientes. Em que pese o fato de

reconhecerem a inclusão escolar como um direito desses alunos, dos 9 (nove)

respondentes, 4 (quatro) são favoráveis, os outros são favoráveis sob condições ou

contrários. Quando cotejadas com outras questões percebemos que a resistência

dos professores à inclusão pode ser mais que uma reação á falta de estrutura e

formação, sendo, também, uma questão de princípios, calcada no habitus desses

agentes, que parecem não acreditar que a inclusão escolar de alunos deficientes

deva ou possa efetivamente ser implementada, mesmo se forem criadas todas as

condições necessárias.

Quais seriam essas condições necessárias? Quando indicam as maiores

dificuldades enfrentadas para promover a inclusão escolar dos alunos deficientes os

professores apontam 1) o despreparo, a (falta) de formação 2) carência de

orientação pedagógica especializada por meio de um grupo de trabalho coletivo,

formado por profissionais especializados (professores especialistas, psicólogos,

terapeutas) e 3) dificuldades para a implementação de um processo avaliativo justo

frente às debilidades do próprio sistema de ensino. Mas, quando solicitados a

classificar, por ordem de importância o que mais precisam para realizar um trabalho

de inclusão escolar efetivo, elegem a própria atitude e a necessidade de orientação

instrumental de como agir nas situações concretas e imediatas, demonstrando auto-

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responsabilização e relegando para os últimos lugares aquilo que num primeiro

momento haviam indicado como maiores dificultadores.

O despreparo dos professores, as dificuldades de comunicação e a falta de

clareza dos objetivos e expectativas que tinham que atingir, faz com que os alunos

deficientes também responsabilizem àqueles como o maior empecilho para seu

sucesso na escola. Acusam parte desses professores de agirem

discriminatoriamente, mas são capazes de reconhecer, na maioria dos professores,

algumas das 5 (cinco) disposições de um bom professor apontadas por Nóvoa:

domínio do que ensina, cultura e tato profissionais, trabalho em equipe e

compromisso social.

Diante dessa realidade, os professores agem utilizando métodos e recursos

possíveis: as orientações curriculares pensadas para o ensino regular e adaptadas,

leia-se, cortadas, para a EJA, livros didáticos também destinados ao Ensino regular.

Mesmo existindo na estrutura da escola 3 (três) Salas de Recursos, que deveriam

propiciar mais apoio para alunos e professores, há barreiras para o funcionamento

efetivo dessas, uma vez que são pensadas legalmente para atender as

necessidades de alunos e professores ideais: alunos que sejam crianças ou

adolescentes dedicados integralmente ao estudo, que possa permanecer ou voltar

para a escola no contraturno, condições dificilmente possíveis para o adulto

trabalhador e, professores que trabalhem em grupos, que se encontrem fora da sala

de aula para discutirem as situações desafiadoras que enfrentam, que tenham

tempo de trocar experiências profissionais. Como esses alunos e professores ideais

não são encontrados na realidade, aprendem a movimentar-se no improviso,

trabalhando com o (pouco), com as migalhas que recebem, incorporando habitus da

precariedade, que é assumido como algo “natural”, inerente ao trabalho educacional.

Quanto aos objetivos gerais propostos para o Ensino Médio, quais sejam,

desenvolver a capacidade de aprender e continuar aprendendo, constituir autonomia

intelectual, do pensamento crítico, de significados socialmente construídos e

reconhecidos como verdadeiros, das competências e habilidades necessárias ao

exercício da cidadania, o domínio dos princípios e fundamentos científico-

tecnológicos e a competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras

e outras linguagens contemporâneas, a mesma afirmação não é possível de ser

feita. Creio que seria interessante um trabalho futuro que verifique em que medida o

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Ensino Médio regular é capaz de atingir essa gama de objetivos, tão ampla e

significativa e quais são as condições propiciadas pelas ações educacionais nesse

sentido.

Como os objetivos listados já são altos para o Ensino Médio regular, após as

análises expostas ao longo deste trabalho, podemos afirmar que a tautocronia

subentendida nas prescrições legais entre o ensino regular e a EJA/EE, dada a

presente estrutura e formas de oferecimento das modalidades não é possível, ou

seja, mesmo tendo atingido parcialmente os objetivos pessoais traçados

individualmente, os alunos desiguais da EJA, e dentre estes, os mais desiguais, os

alunos deficientes que carecem do apoio da EE, com diferentes pontos de partida,

habitus e disposições construídos ao longo de suas vidas, sujeitos à ações

educacionais burocráticas e premidas por interesses econômicos preponderantes

aos pedagógicos, não conseguirão chegar a contento ao domínio das competências

e habilidades esperadas para o Ensino Médio. E, mais importante, o fracasso da

conquista desse objetivo não pode ser atribuído à suas vítimas, alunos e

professores, devendo, antes, ser atribuído ao conjunto impedimentos de ordem

organizacional, político, burocrático mantidos ou criados pelos entes governamentais

que, ao invés de apoiar, prejudicam, muitas vezes, produzem barreiras para o

alcance dos objetivos estabelecidos para a educação.

Tudo está perdido? Não há possibilidades de êxito nessas modalidades de

ensino? Longe de permitir essa conclusão, espero que este trabalho tenha

conseguido demonstrar a realidade dialética na qual a EJA e a EE estão inseridas.

Os limites da inclusão escolar dos alunos deficientes são impostos por nossa

sociedade, que se organiza em múltiplos processos excludentes. Reconhecer a

existência desses processos excludentes não significa resignação ou a adesão

dóxica de que só podemos reproduzir as condições dadas, passivamente. Significa

sim, expor o quanto estamos implicados nesta adesão, e buscarmos, se preciso

criarmos, instrumentos que nos permita produzir outros possíveis. Os êxitos da

inclusão escolar que pudemos observar na EE Rute José Samuel devem ser

encarados de duas maneiras: como produtos de processos de inclusão

subordinados, precários dentro de nossa sociedade capitalista, por um lado, mas

como processos ao mesmo tempo utópicos, dadas as condições nas quais se

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desenvolvem, mas realistas, vistos que são concretos, capazes de produzir

mudanças nas vidas dos diferentes agentes que habitam a escola.

Como disse Candeia, cadeirante, autor da epígrafe dessas considerações

finais “cego é quem vê só aonde a vista alcança (...) mudo é quem só se comunica

com palavras” por isso é preciso ir além, criar outros possíveis e, acima de tudo,

hoje, com o que somos e como somos: filhos, pais, netos, tios, sobrinhos,

professores possamos contribuir continuamente para desnaturalizar o mundo social

no qual vivemos, para que, assim como os alunos retratados neste trabalho hoje

usufruem melhores condições de vida e maiores possibilidades de sucesso e de

autonomia do que meus tios Rute, José e Samuel, nossos descendentes, sejam eles

deficientes ou não, usufruam um mundo social mais justo e escolas realmente

inclusivas.

Figura 14: Herança bem sucedida

Tia Rute, o lugar vago do Tio José, Tio Samuel e o Bruno, nosso herdeiro.

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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