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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Cláudia Garcia Cavalcante Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Cláudia Garcia Cavalcante

Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Cláudia Garcia Cavalcante

Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em

Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem sob a orientação da Prof.ª Dra.

Elisabeth Brait.

SÃO PAULO

2013

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BANCA EXAMINADORA

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Á Maria Irene, minha mãe, para quem sou

pequenina feito grão de milho.

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AGRADECIMENTOS

A minha professora orientadora Beth Brait, pela confiança no projeto e infinita

paciência com esta redatora tão confusa. Aprendi a interpretar e a viver o não-álibi do

ser sempre amparada por seu olhar amoroso e companhia fiel.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem - LAEL, PUC-SP e à CAPES, pela oportunidade do estágio de pesquisa em

Sheffield, Reino Unido.

I am indebted to Professor Craig Brandist, my co-supervisor, without whom the

arrangements with the University of Sheffield and the Bakhtin Centre would have been

impossible. I would also like to thank for providing me access and logistic support

during the research period not to mention the countless debate around the Circle’s work.

To Professor Evgeny Dobrenko, Head of Department of Russian and Slavonic Studies

and Caroline Wordley, Postgraduate Coordinator School of Modern Languages and

Cultures for all the support and kind welcome at the University of Sheffield.

A CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado.

Às Profas. Dra. Sandra Madureira e Dra. Angela Cavenaghi, coordenadoras do

Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

- LAEL, PUC-SP, pelo aval incondicional a todas as minhas solicitações.

À querida Maria Lúcia, secretária do Lael, com quem tenho o prazer de conviver e

beneficiar-me de seu auxílio sempre presente desde 2003, época do mestrado.

À Márcia Martins, que com sua voz doce consegue acalmar os dragões internos em

busca do cumprimento de prazos, escritas burocráticas, etc.

Às Profas. Dra. Maria Helena Pistori e Dra. Maria Inês Campos pelas contribuições da

leitura generosa e indispensável do meu projeto de pesquisa aprovado em primeiro lugar

no Lael no segundo semestre de 2010.

Às Profas. Dra. Fernanda Liberalli e Dra. Miriam Puzzo, responsáveis pelo

encaminhamento decisivo desta pesquisa na primeira sessão de qualificação.

À Profa. Dra. Adriana Pucci, pelas inestimáveis contribuições, por sua criatividade

poética, sabedoria, didática, doçura e compreensão quando em meus momentos de crise

nas qualificações, dizia: “Cláudia, olha para mim, venha para a luz, você sabe! Está tudo

aí!”.

Ao Prof. Dr. Anderson Salvaterra, pelo olhar cuidadoso e minucioso dado à tese nas

qualificações; por ter contribuído no processo de organização do pensamento, por

limpar as lentes dos meus óculos e, assim, fazendo-me enxergar o verdadeiro objeto de

pesquisa em Linguística.

Aos colegas do Círculo Braitiano, pelos almoços, pelas risadas e pelo compartilhar de

sonhos, angústias e expectativas, especialmente à Bruna Dugnani, Orison Marden,

Sandra Lima, Anderson Silva, Vinícius Nascimento e Jean Gonçalves.

À excelente profissional e colega de estudos, Regina Braz, pelo norte que deu à escrita

deste texto na primeira revisão.

Aos caros alunos dos cursos de Ciências Contábeis, Administração e Tecnologia em

Secretariado da instituição onde leciono, meus parceiros discursivos. Com eles, tive a

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motivação para as pesquisas efetuadas em busca de um ensino de língua portuguesa

capaz de conduzi-los a uma atuação cidadã e profissional.

Ao amigo Elton Furlanetto, pelo companheirismo da amizade sincera e pela revisão do

abstract.

Ao colega e pesquisador Jorge Torresan, pela paciência com minhas dúvidas nas

primeiras discussões acerca deste objeto de pesquisa e inestimável colaboração na

leitura do texto final.

Aos colegas e amigos da correção de vestibular da Universidade Nove de Julho, Cássia

Abreu, Chafiha, Christina Munhão, Lane Gatto, Marcello Ribeiro, Renata Valente, Rose

Solitto, Thiago Lauriti, Wagner Saldanha e Wendel Christal pela força e injeção de

otimismo nos dias que precederam minha viagem ao Reino Unido, especialmente à

Profa. Nádia Lauriti pelo carinho enviado a distância.

A minha irmã Carla Calleri, minha amiga de infância Giseli Vicentini, minhas amigas

do coração Áurea Ferreira e Camila Ribeiro, pela certeza da presença carinhosa sem

data de validade.

Ao Prof. Dr. Anderson Sena Barnabé, por ter me conduzido nos primeiros passos como

pesquisadora e do incentivo ao doutorado.

À amiga e Profa. Dra. Eliana Farias, pelo incentivo às publicações e pelo ouvido

compreensivo.

Ao Dorival Bulgarelli, pela compreensão e o cuidado com uma parte do “meu mundo”

que ficou em suspenso por um tempo.

Ao meu irmão Abelardo Cavalcante pelo amor, apoio incondicional, presença constante

e respeito pelas minhas ausências como irmã, tia, madrinha e cunhada.

A Maria Irene Garcia Cavalcante, minha amiga, irmã, companheira de estrada,

conselheira espiritual, curandeira, cuidadora de gatos e também mãe, meu amor e

gratidão, sempre.

A gratidão é a memória do coração Antístenes (Discípulo de Sócrates)

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Tudo o que pode ser feito por mim não poderá

nunca ser feito por ninguém mais, nunca. A

singularidade do existir presente é

irrevogavelmente obrigatória. Este fato do meu

não álibi no existir, que está na base do dever

concreto e singular do ato, não é algo que eu

aprendo e do qual tenho conhecimento, mas

algo que eu reconheço e afirmo de um modo

singular e único.

Mikhail M. Bakhtin

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Análise dialógica e ensino de língua portuguesa para universitários

Cláudia Garcia Cavalcante

RESUMO

Nesta tese, tratamos do ensino de Língua Portuguesa na Educação Superior,

considerando um livro didático como espaço discursivo que permite compreender a

construção da autoria, dimensão que envolve processos de trabalho específicos com a

linguagem. Esses processos contribuem para o ensino da escrita de estudantes

universitários. Nossa perspectiva para desenvolver essa tese é a dialógica. Para tanto,

descrevemos, analisamos e interpretamos os reflexos da concepção dialógica da

linguagem, tal como apresentada nas obras de M. Bakhtin e do Círculo, no livro

didático Prática de texto para estudantes universitários (Petrópolis: Editora Vozes,

2011/1992) (PTEU) escrito por Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, autores

reconhecidamente bakhtinianos por toda a comunidade acadêmica. Esse material

didático foi escolhido, principalmente, pela filiação teórica dos autores-criadores,

baseada no dialogismo, na relação constitutiva eu-outro histórico, social, e pela

apresentação inicial da obra, que propõe um trabalho com a linguagem escrita

acompanhado de reflexões discursivas que propiciam ao aluno uma aprendizagem à luz

das múltiplas linguagens sociais que o circundam. Para situar esse material em uma

esfera mais ampla, buscamos conhecer o perfil educacional do egresso do Ensino

Médio, por meio de exames de larga escala, como Enem e Pisa. Em seguida,

investigamos a organização da educação superior brasileira e as escolhas de curso do

ingressante. De posse desse conhecimento, dialogamos com as Diretrizes Curriculares

Nacionais dos maiores cursos do país para traçar um perfil das habilidades projetadas

para o ingressante no nível superior. Ainda em fase de investigação inicial, pesquisamos

os materiais de ensino de língua disponíveis no mercado, os quais pretendem preparar o

aluno ingressante para as demandas escritas da vida acadêmica. Assim, no processo de

construção do nosso objeto de pesquisa, estabelecemos as seguintes premissas para a

pesquisa: a) reconhecer que há um hiato entre no perfil dos egressos da escola básica e

aquele esperado para o ingressante no nível superior, especialmente no que diz respeito

às habilidades linguísticas, comunicativas e discursivas. b) reconhecer que a produção

de material didático de língua portuguesa para esses estudantes mobiliza aspectos de

linguagem que, de alguma forma, refletem e refratam o hiato mencionado na primeira

premissa. c) reconhecer que há uma relação indissociável entre linguagem e ética, a qual

se reflete em uma pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores e

produtores de textos. A partir dessas premissas, fundamentamos a pesquisa na

concepção de linguagem de Bakhtin e o Círculo que toma todo enunciado produzido em

um contexto histórico, cultural e social como um enunciado concreto em relação à

produção, recepção e circulação de textos entre sujeitos socialmente organizados. Dessa

perspectiva teórica, as noções de autoria e interação discursiva são utilizadas como

categorias de análise que nos permitiram acessar o corpus de estudo constituído do

capítulo de ensino de gêneros discursivos e as propostas de produção textual. A partir

dessas categorias, a metodologia de trabalho partiu de um exercício teórico

metodológico, cujo objetivo era fazer dialogar o corpus com a obra teórica individual de

cada autor, via observação da macro construção e, em seguida, com a organização

específica das partes que constituem o conjunto didático. Esse procedimento reflete

nossa hipótese central de que a filiação teórica de um autor altera o enunciado concreto,

o qual surge com o trabalho de linguagem na construção das propostas de prática de

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escrita. A fim de perseguir essa hipótese, objetivamos investigar se o autor,

comprovadamente bakhtiniano em sua obra teórica, defensor da perspectiva dialógica

da linguagem, promove, com seu livro didático, um espaço de construção de autoria e

contribui para o ensino da escrita de estudantes universitários. Para observar esse

aspecto, o trabalho norteou-se por uma questão central para a teoria dialógica da

linguagem que é a interação, e que pudemos assim formular: De que forma as marcas

da interlocução instauradas entre autor e aluno/leitor encaminharam as atividades

didáticas propostas em PTEU, refletindo e refratando o posicionamento teórico do

autor? As análises, encaminhadas especialmente pelo fio condutor representado por essa

questão, confirmaram nossa tese: o posicionamento teórico do autor é decisivo para

constituir a obra como espaço discursivo que permite compreender a construção da

autoria e, o que é muito importante, como espaço indissociável entre linguagem e ética,

o qual se reflete em uma pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores

e produtores de textos. Este trabalho trata justamente de mostrar como este fato se

concretiza. Esperamos que este estudo apresente relevância teórico-prática para a

Linguística Aplicada, para os estudos da linguagem, em geral e de modo particular para

o ensino de Língua Portuguesa, assim como para a compreensão da possibilidade de

estabelecer a relação entre a teoria bakhtiniana e sua prática.

PALAVRAS-CHAVE: livro didático de português; interação discursiva; autoria;

Bakhtin e o Círculo.

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Dialogic analysis and Portuguese teaching for undergraduated students.

Cláudia Garcia Cavalcante

ABSTRACT

In this thesis, we deal with the teaching of the Portuguese language in higher education,

taking into consideration the course book as the discursive space that allows us to better

understand the construction of authorship – a dimension that involves particular work

processes with language. Such processes contribute to the teaching of writing to

undergraduate students. Our perspective of development of the thesis is dialogic.

Therefore, we described, analyzed and interpreted the reflexes of the dialogic language

– as we read from the works of Bakhtin and the Circle – in the course book Prática de

texto para estudantes universitários (Petrópolis: Editora Vozes, 2011/1992) (PTEU)

written by Carlos Alberto Faraco and Cristovão Tezza, authors who are well known by

their Bakhtinian affiliation. This material was chosen mainly because of the theoretical

commitment of the authors-creators, based on dialogism and on the constitutive socio-

historical relation I-other, as well as by the foreword of the book, which proposes a

treatment to written language followed by discursive reflections that enable the

students to learn in the light of the multiple social languages that surround them. In

order to situate this material in a wider sphere, we aimed at some knowledge about the

educational profile of the high school alumni, by means of large scale examinations,

like ENEM and PISA. After that, we investigated the Brazilian Higher Education

organization and the selection of courses of those starting it. Aware of these, we

establish a dialog with the National Curriculum Guidelines (Diretrizes Curriculares

Nacionais, in Portuguese) of the most popular courses in the country so as to draw a

profile of the projected abilities for the first year students. Yet as our preliminary

investigation, we researched the language teaching materials available in the market,

which try to adjust the student to the demands of academic writing. Thus, in the process

of building our research object, we established the following premises: a)

acknowledgement that there is a gap between the profile of those graduating in high

school and those expected to start higher education, especially in the sense of their

linguistic, communicative and discursive abilities. b) acknowledgement that the

production of educational material to teach Portuguese to those students mobilizes

linguistic aspects that, somehow, reflect and refract the aforementioned gap. c)

acknowledgement that there is an inseparable relationship between language and ethics,

which results in a pedagogy committed to the formation of citizens that are readers and

producer of texts. From these premises, we ground our concept of language on Bakhtin

and the Circle, to whom every utterance is produced in a social, historical and cultural

context, as a concrete utterance in relation to production, reception and circulation of

texts among socially organized subjects. From this theoretical perspective, notions of

authorship and discursive interaction are used as analytical categories that allow us to

access the corpus that consists of the chapters about teaching the discursive genres and

the textual production exercises. Having these categories, the methodology departed

from a methodological-theoretical exercise, whose objective was to establish a dialog

between the corpus and the theoretical individual work of each author, by observation

of the macro construction, followed by the same process with the organization of the

parts that compose the didactic set. This procedure reflects our central hypothesis that

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the theoretical alignment of an author changes the concrete utterances, which springs

from the working with language in the construction of practical exercises of writing.

In order to pursue this hypothesis, we aim at investigating whether the author, overtly

Bakhtinian in his theoretical approach, siding with the dialogic perspective of language,

promotes in his coursebook, a space for the construction of authorship and contributes

to the teaching of writing to university students. To observe this aspect, our work was

guided by the central concept to the dialogic theory of language, i.e, interaction, and by

the question that we formulated: in what ways have the traces of interlocution instated

between author and student/reader led the exercises proposed in PTEU, reflecting and

refracting the theoretical positioning of the author? The analyses led by the kernel

aspect represented by such issue confirmed our thesis: the positioning of the author is

decisive to construct the work as the discursive space that allows the understanding of

the construction of authorship and, most importantly, as an inseparable space between

language and ethics, which reflects as a pedagogy committed to the formation of the

citizen who is a reader and producer of texts. We hope that this study is theoretically

and practically relevant to the field of Applied Linguistics and the studies of language,

as well as to the possibility of establishing a relationship between the Bakhtinian theory

and its practice.

Keywords: Portuguese course book, discursive interaction, authorship, Bakhtin and the

Circle.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

CAPÍTULO 1

Considerações iniciais e metodológicas

36

1.1 Contexto discursivo do problema de pesquisa 36

1.1.1 Exames como ENEM e PISA delineando o perfil educacional do

egresso do Ensino Médio

37

1.1.2 A organização do ensino superior brasileiro e as escolhas do

ingressante

53

1.2 Construção do objeto de estudo e do corpus 67

1.3 Metodologia de abordagem ao corpus e organização da tese 73

CAPÍTULO 2

Diálogos com a teoria∕ análise dialógica do discurso

80

2.1 Língua, linguagem e ensino: Bakhtin e o Círculo 80

2.1.1 Signo ideológico e enunciado concreto 87

2.1.2 Interação e ensino em perspectiva dialógica 90

2.2 Carlos Alberto Faraco: concepções, obras e contribuições 100

2.3 Cristovão Tezza: concepções, obras e contribuições 110

CAPÍTULO 3

A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de linguagem

121

3.1 Percurso da obra: primeira e vigésima edições 121

3.1.1 Objetivos, características e atividades 122

3.2 A interação no capítulo 2 (2011) - gêneros da linguagem 135

3.2.1 Abordagem inicial para o ensino de gêneros na primeira edição 139

3.2.2 A interação autor-leitor no ensino de gêneros na vigésima edição 144

3.3 Diálogos instaurados 170

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CAPÍTULO 4

A autoria na prática de texto para estudantes universitários

269

4.1 Com que roupa o gênero veio para o livro 270

CONSIDERAÇÕES FINAIS 288

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 294

ANEXOS 304

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Lista de quadros

Quadro 1: Banco de teses – resultados dos sites das universidades e do BDTD 26

Quadro 2: Banco de dissertações – resultados dos sites das universidades e do

BDTD

26

Quadro 3: Livros de ensino de língua portuguesa para universitários 29

Quadro 4: Cursos com maior número de matrículas por área 59

Quadro 5: Seções e subseções dos capítulos 1 e 2 (20ª edição, p. 9-38) 131

Quadro 6: Marcas de interação na página 20 do capítulo 2 (2011) 147

Quadro 7: Marcas de interação na página 21 do capítulo 2 (2011) 151

Quadro 8: Marcas de interação na página 22 do capítulo 2 (2011) 155

Quadro 9: Marcas de interação na página 23 do capítulo 2 (2011) 159

Quadro 10: Marcas de interação na página 24 do capítulo 2 (2011) 161

Quadro 11: Seções e subseções do capítulo 1 (1ª e 20ª edições) 181

Quadro 12: Seções e subseções dos capítulos 2 e 3 (20ª edição) 188

Quadro 13: Seções e subseções dos capítulos 2 (1ª edição) e 4 (20ª) 194

Quadro 14: Seções e subseções dos capítulos 3 (1ª edição) e 5 (20ª) 199

Quadro 15: Seções e subseções dos capítulos 4 (1ª edição) e 6 (20ª) 203

Quadro 16: Seções e subseções dos capítulos 5 (1ª edição) e 7 (20ª) 213

Quadro 17: Seções e subseções dos capítulos 6 (1ª edição) e 8 (20ª) 219

Quadro 18: Seções e subseções dos capítulos 7 (1ª edição) e 9 (20ª) 229

Quadro 19: Seções e subseções dos capítulos 8 (1ª edição) e 10 (20ª) 237

Quadro 20: Seções e subseções dos capítulos 9 (1ª edição) e 11 (20ª) 247

Quadro 21: Seções e subseções dos capítulos 10 (1ª edição) e 12 (20ª) 254

Quadro 22: Seções e subseções dos capítulos 11 (1ª edição) e 13 (20ª) 260

Quadro 23: Seções e subseções dos capítulos 12 (1ª edição) e 14 (20ª) 266

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Lista de figuras

Figura 1: PTEU - Apresentação (1992, p. 7-8) 124

Figura 2: PTEU - Apresentação (2011, p. 7-8) 124

Figura 3: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 11) 140

Figura 4: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 12-13) 141

Figura 5: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 14-15) 141

Figura 6: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 16-17) 141

Figura 7: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 18-19) 142

Figura 8: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 20). 146

Figura 9: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 21) 150

Figura 10: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 22) 154

Figura 11: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 23) 158

Figura 12: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 24) 160

Figura 13: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 25-26) 164

Figura 14: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 27-28) 164

Figura 15: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 29-30) 165

Figura 16: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 31-32) 165

Figura 17: Capa do livro didático (2011) 170

Figura 18: Capa do livro didático (1993) 171

Figura 19: Sumário de Prática de texto para estudantes universitários (2011,

p.5-6)

175

Figura 20: Índice de Prática de Texto: língua portuguesa para nossos estudantes

(1992)

176

Figura 21: Capítulo 1- Atividade 1 (2011, p. 9) 182

Figura 22: Capítulo 6 - Texto 1 e Roteiro de leitura (2011, p. 85-86) 205

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16

Figura 23: Capítulo 8- Texto extraído da internet (2011, p. 139) 223

Figura 24: Capítulo 10- Roteiro de leitura ao texto O que é Utopia (2011, p.

174)

240

Figura 25: Prática de Texto – Capítulo 1 (1992, p. 22- 23) 272

Figura 26: Prática de Texto – Capítulo 3 (2011, p. 46) 273

Figura 27: Prática de Texto – Capítulo 6 (1992, p. 104) e Capítulo 8 (2011, p.

130)

277

Figura 28: Prática de Texto – Capítulo 6 (1992, p. 115) e Capítulo 8 (2011, p.

147)

279

Figura 29: Prática de Texto – Capítulo 7 (1992, p. 122) e Capítulo 9 (2011, p.

153)

282

Figura 30: Prática de Texto – Capítulo 7 (1992, p. 132) e Capítulo 9 (2011, p.

159)

284

Figura 31: Prática de Texto – Capítulo 8 (1992, p. 150) e Capítulo 10 (2011, p.

182)

286

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17

INTRODUÇÃO

_________________________________________________________________________________

Nesta tese, investigamos os reflexos da concepção dialógica da linguagem no

livro Prática de texto para estudantes universitários (1992/2011) de Carlos Alberto

Faraco e Cristovão Tezza. Trata-se de uma obra que constantemente é indicada, nos

planos de ensino de vários cursos universitários, como integrante da bibliografia básica,

portanto, merece uma atenção especial. A concepção dialógica a que nos referimos diz

respeito especificamente ao que consta no arcabouço teórico da obra de M. Bakhtin e do

Círculo1, conceito este que tem servido de apoio para estudos com a preocupação

centrada principalmente no sujeito e na linguagem.

A análise aqui apresentada mobiliza dois conceitos-chave centrais e caros para o

pensamento bakhtiniano: interação discursiva e autoria. Operacionalizamos este estudo

por meio da realização de uma análise discursiva da relação destinador/destinatário no

livro didático produzido por dois estudiosos acima citados,, reconhecidos pela

comunidade acadêmica como bakhtinianos. O objetivo deste trabalho é investigar como

o autor promove um espaço de construção de autoria que, de alguma forma contribua

para o ensino da escrita de estudantes universitários, a partir de uma perspectiva

dialógica de linguagem da qual os autores do livro se mostram partidários.

O interesse em propor uma análise discursiva da construção da interação a partir

de um livro didático é atual no contexto de ensino da língua portuguesa na educação

superior. Esse ensino caracteriza-se, primordialmente, por ser uma tentativa de

nivelamento do aluno egresso do ensino médio às demandas da cultura acadêmica e,

consequentemente, da carreira profissional escolhida. O aluno precisa aprender novas

práticas de escrita que o habilitem a funcionar adequadamente nesse novo contexto que

possui normas e maneiras de significação próprias. O que significa dizer que os alunos

precisam de um conhecimento amplo sobre os mais variados gêneros discursivos

oferecidos e impostos pelo mercado de trabalho.

1 A denominação Círculo de Bakhtin é atribuída ao grupo multidisciplinar de intelectuais russos que se

reunia no período de 1918 a 1929. Faziam parte do grupo: Mikahil Mikhailóvich Bakhtin (1895-1975),

Valentin Nikolaevich Volochínov (1895-1936), Pavel Nikolaevich Medvedev (1891-1938), Mariia

Veniaminovna Iudina (1899–1970), Matvei Isaevich Kagan (1889–1937), Ivan Ivanovich Kanaev

(1893–1984) Lev Vasilievich Pumpianskii (1891–1940), Ivan Ivanovich Sollertinskii (1902–1944),

Konstantin Konstantinovich Vaginov (1899–1934), cujos encontros iniciados em 1918 terminaram em

1929 com a prisão de alguns (BRANDIST, 2002, p. 5-6).

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Espera-se que um aluno de um primeiro semestre letivo de um curso

universitário possua muito bem desenvolvidas as práticas principais requeridas do aluno

de primeiro semestre, por exemplo, estão relacionadas às habilidades2 da escrita e da

leitura. O ensino superior caracteriza-se por uma forte ênfase na modalidade escrita

formal da língua portuguesa exigindo uma produção acadêmica que reflita a

compreensão dos conhecimentos produzidos em sala de aula ou em pesquisas

extraclasse que dialogue com o contexto do mercado de trabalho. A escrita e as leituras

acadêmicas realizadas por meio das atividades requeridas e necessárias em muitas

disciplinas, que podem ser resumidas na produção de textos como ensaios, artigos e os

trabalhos de conclusão de curso são, muitas vezes, consideradas a habilidades mais

importantes para que o aluno do ensino superior avance nos estudos (ARAÚJO; DIEB,

2013, MARIANO, 2007, MARINHO, 2011, NEUENFELDT et al., 2011).

Na rotina de ensino, as atividades de avaliação da compreensão tornam-se os

instrumentos em que as deficiências linguísticas aparecem, pois não só o aluno precisa

demonstrar seu domínio do assunto estudado como também necessita expressá-lo em

linguagem adequada. Em outras palavras, os momentos de avaliação do conhecimento

teórico ou especializado, por meio de provas escritas ou trabalhos de conclusão de

disciplina∕ curso, evidenciam a necessidade de domínio da linguagem especializada, a

linguagem da comunidade acadêmica, mas para o aluno progredir nessa direção, antes

ele precisa possuir as habilidades básicas de escrita e leitura.

Contrariando o senso comum que considera a escrita correta a que apenas atende

às normas gramaticais da língua considerada culta, a proficiência na escrita revela-se

por uma postura autoral, responsável, que não prescinde do uso de argumentos

coerentes, coesos e da progressão textual, mas não apenas por isso. A leitura proficiente

embasa essa produção textual fornecendo elementos em favor das ideias do autor, indo

muito além da mera decodificação do que se lê, a leitura proficiente é aquela que

constrói e reconstrói sentidos por meio do estabelecimento de diálogos entre

conhecimentos já adquiridos e os que se adquire na leitura.

E essa escrita valorizada pelos professores universitários não aparece nas

primeiras produções dos ingressantes evidenciando, portanto, o descompasso existente

2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997) classificam a leitura uma

habilidade linguística em passagens como: “Quando se afirma, portanto, que a finalidade do ensino de

Língua Portuguesa é a expansão das possibilidades do uso da linguagem, assume-se que as capacidades

a serem desenvolvidas estão relacionadas às quatro habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e

escrever” (2000, p. 35).

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entre aquilo que se espera do aluno e o que de fato ele realmente apresenta. Felizmente,

essa realidade é percebida pelas instituições que procuram fazer um trabalho de

retomada dos conteúdos transmitidos ao longo da educação básica e também preparar o

aluno para a leitura e compreensão de textos acadêmicos. Esse trabalho é traduzido,

muitas vezes, em uma disciplina específica encarregada do ensino de leitura e produção

textual, com títulos diversificados: “Português, Língua Portuguesa, Comunicação e

Expressão, Português Instrumental, Leitura e Produção de Textos, Técnicas de Redação,

etc.” (CAMARGO; BRITTO, 2011). Há ainda projetos acadêmicos de apoio às

necessidades iniciais de adaptação à universidade, tais como o Programa de Apoio à

Graduação (PAG), criado e conduzido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

A proposta do grupo é adentrar o conhecimento dos textos acadêmicos por suas

características básicas fazendo um resgate de elementos linguísticos e textuais na

aplicação em resumos, resenhas, relatórios, ensaios e artigos, seguindo uma ordem

pedagógica de construção dos gêneros (SILVA; NUNES, 2013).

Ainda interessados nessa disciplina de resgate de competências linguísticas e

discursivas, se podemos assim classificá-la, selecionamos duas grandes universidades

privadas e duas universidades públicas do estado de São Paulo no ano de 2012. Somente

os cursos de graduação das privadas possuíam disciplinas com títulos que variavam

entre Comunicação e Expressão I e II ou Leitura e Produção Textual I e II. As

disciplinas eram ofertadas para as licenciaturas, bacharelados e tecnológicos e o livro

Prática de texto para estudantes universitários (2011), de Carlos Alberto Faraco e

Cristovão Tezza, escolhido para a constituição do corpus desta pesquisa, estava na lista

de obras indicadas como aquela que serviria para conduzir os cursos.

Um levantamento de artigos publicados no SciELO (www.scielo.org)3

relacionados ao ensino de língua portuguesa na graduação traz estudos que revelam

preocupação em apresentar práticas pedagógicas de escrita ancoradas em abordagens

teóricas variadas. Para o texto acadêmico, observamos a proposição de métodos e

estratégias para o ensino de gêneros científicos como resenha (BALTAR, 2006;

MARINHO, 2010) e artigo científico (ARAÚJO; DIEB, 2010; 2013). O artigo de

opinião e o gênero da mídia impressa, também foram trabalhados considerando-se uma

3 Procuramos por artigos indexados sem especificar a área do conhecimento. A busca foi realizada em

outubro de 2013, por meio das palavras-chave: texto acadêmico; língua portuguesa + ensino superior;

escrita + ensino superior; escrita acadêmica e resultou em oito artigos.

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demanda pela escrita e leitura nas práticas sociais dos alunos (MACHADO, 2000). Esse

trabalho propôs a elaboração de um material de ensino para uma determinada instituição

de Ensino Superior por meio da transposição de conhecimentos científicos para a

construção de uma sequência didática de ensino do artigo de opinião.

O artigo de Machado (2000) chamou-nos a atenção pela proposta de criação de

um material didático, apesar de abordar apenas a fase de discussão do ensino do gênero

artigo de opinião. Além dessa proposta, o texto discute a interação estabelecida entre

pesquisadores e professores da universidade para a qual foi realizada a pesquisa. O

artigo citado apresenta pesquisa-embrião para os projetos futuros da pesquisadora que

envolvem estudos consistentes sobre o ensino de textos acadêmicos como, por exemplo,

resumo e resenha. Os resultados serviram de base para a descrição de procedimentos a

serem utilizados em sala de aula ou mesmo para a consulta do aluno.

Outro trabalho (CAMARGO; BRITTO, 2011) dedicou-se à investigação da

presença e das características do ensino específico de Língua Portuguesa na formação

universitária. Verificou-se, com pesquisa realizada em cinquenta e três instituições

públicas e privadas que as disciplinas ofertadas orientam-se por três vertentes, a saber:

1- reparadora; 2- instrumental; 3- discursivo-textual. A primeira demonstra o foco da

universidade em detectar, na produção insuficiente do estudante, deficiências

linguísticas que o impedirão de lidar com demandas escritas da vida acadêmica. O

trabalho indicou que o processo de reparação dessas deficiências caracteriza-se por uma

visão tradicional da língua o que resulta em um ensino ligado à preocupação com a

norma linguística, estrutura e regras de funcionamento, privilegiando o uso da norma-

padrão.

A segunda vertente volta-se ao ensino de produção escrita de textos que

pretendem “instrumentalizar” o aluno para o exercício da profissão, no tocante ao

manejo de textos inerentes à área. O uso da leitura e escrita com fins específicos

denuncia uma visão que “compreende a língua por sua aplicabilidade, destituída das

questões que podem suscitar reflexão, análise, discussão e crítica sobre a complexidade

da linguagem” (CAMARGO; BRITO, p. 349-351).

A última concepção identificada nas ementas das disciplinas pesquisadas ancora-

se a uma abordagem mais ampla de língua, que prioriza os aspectos textuais e

discursivos ao considerar os elementos histórico-sociais do discurso. Essa vertente

destaca-se das demais por assumir a importância da leitura e escrita para o

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desenvolvimento global do indivíduo acadêmico ou em vida na sociedade. No entanto,

o autor observa que as vertentes não são estanques e, frequentemente, se entrelaçam

como em casos em que a função reparadora por ser observada no interior das práticas da

abordagem instrumental quando se reconhecem falhas de aprendizagem do aluno

recém-saído do Ensino Médio e que poderão atrapalhar seu exercício profissional. Esse

intercâmbio de concepções de ensino também pode ser observado no estudo de Baltar

(2006) que discute a pedagogia centrada no desenvolvimento de competências

discursiva nas aulas de Língua Portuguesa Instrumental.

Ressaltamos também a pesquisa realizada por Marildes Marinho (2010; 2011)

que advoga um interesse maior às práticas de escrita e leitura na universidade e discute

a crença no pressuposto de que os alunos deveriam demonstrar domínio da escrita

acadêmica ainda na educação básica, ressaltando “o fato de ser razoavelmente natural

que não tenham um domínio desses gêneros discursivos” (2010, p. 371). Considerando

a concepção bakhtiniana de gêneros, a autora defende a coerência de que a prática da

escrita universitária se desenvolva na própria esfera do conhecimento em que é criada e

constituída, pois nem mesmo aqueles aprovados em vestibulares concorridos de boas

universidades têm obrigação de dominar os gêneros acadêmicos. Para tanto, o trabalho

apresenta uma discussão entre a instituição de gêneros nas aulas e estratégias que

desenvolvam elementos de autoria nos textos produzidos pelos alunos e inclui o relato

de uma aluna do curso de Pedagogia que se ressente de não ter conseguido discordar de

nenhum autor lido, um dos elementos para a produção de uma resenha crítica.

A autora argumenta que mesmo um aluno de ensino médio “treinado” no uso da

língua, que conheça termos técnicos e linguagem rebuscada, por si só não teria

facilidade em ler alguns autores como Marshall Berman e Pierre Bourdieu por esses

pertencerem a uma comunidade de leitores familiarizada com o campo do conhecimento

que professam. A inserção nessa rede discursiva “exige um laborioso trabalho e um

tempo de convivência” que se inicia no curso de graduação e não termina nem mesmo

em cursos de metrado e doutorado (MARINHO, 2010, p. 369-370).

O argumento vem em direção à incapacidade de o aluno discordar de um autor

quando tiver de redigir uma resenha ou, ainda, recomendar a obra para outros leitores.

Nessa linha que objetiva “agenciar conhecimentos prévios” (2010, p. 383) do aluno

universitário e avançar em sua formação, a autora desconstrói a artificialidade do gênero

“trabalho” de disciplina e apresenta o que caracteriza como “evento de letramento

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acadêmico” quando analisa o processo de ensino de escrita de uma resenha,

interpretando três momentos de revisão e reescrita. A sua proposta é instituir um caráter

sócio-comunicativo aos textos transformados em uma estratégia de interação em que o

aluno posicione-se em relação ao que leu e proponha debates necessários entre aqueles

que escrevem e os que leem.

A pesquisadora conclui que é possível minimizar a relação tensa e conflituosa

que se estabelece nas práticas de escrita acadêmica quando se considera que o gênero

discursivo emerge das esferas de produção e circulação com as quais o aluno

ingressante ainda não está familiarizado. O progresso do aluno está diretamente ligado à

construção de estratégias pedagógicas que não reduzam as dificuldades de produção

textual às deficiências linguísticas demonstradas, mas que também revelem as situações

de poder envolvidas no discurso acadêmico, considerando as condições em que se

produz e circula uma resenha, por exemplo.

Em outro momento, Marinho (2011, p. 1) questiona a “perplexidade” da

academia diante do perfil do aluno universitário falante e escrevente de um dialeto não-

padrão, ao que se apresenta o dilema de “corrigir ou não corrigir a fala dos diferentes,

eis a questão?”. A dicotomia apresentada reforça o que a autora chama de “discurso do

déficit” que declara insuficiente a abordagem aos gêneros acadêmicos com um aluno

incapaz de compreender a leitura de um texto e de lidar com os aspectos formais da

língua. No outro extremo, encontra-se a crença de que há uma competência linguística

responsável pelo bom aproveitamento do aluno no vestibular, que, por si só, resultaria

na habilidade de ler e produzir textos da rotina universitária.

Para enfrentar essas concepções que interferem no ensino, a autora propõe

práticas de letramento que dialogam com a antropologia, com a linguística da

enunciação (expressão situada no contexto das teorias de Bakhtin) e análise do discurso

em articulação às discussões sociológicas sobre teoria na prática acadêmica de

Bourdieu. A leitura que faz das diversas áreas do conhecimento auxilia a pesquisadora

em sua reafirmação do conceito de gêneros do discurso ao que contrapõe à visão de que

exista um conjunto de habilidades que, quando aprendidas, transferem-se para uma

produção competente. Concordamos com Marinho quando postula que “o indivíduo se

socializa através da língua” (p. 8).

A autora filia-se ao pensamento teórico bakhtiniano para justificar seu

posicionamento quanto à relação recíproca que se manifesta no falante entre “as formas

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da língua nacional (a composição vocabular e a estrutura gramatical)” e “as formas do

enunciado para ele obrigatórias, isto é, os gêneros do discurso: esses tão indispensáveis

para a compreensão mútua quanto as formas da língua” (BAKHTIN, 2006b, p. 285) 4.

Ao que acrescentamos do mesmo texto:

Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem

mais mutáveis, flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo

falante eles têm um significado normativo, não são criados por ele

mas dados a ele. Por isso um enunciado singular, a despeito de toda a

sua individualidade e do caráter criativo, de forma alguma pode ser

considerado uma combinação absolutamente livre de formas da

língua, como o supõe, por exemplo, Saussure (e muitos outros

linguistas que o secundam), que contrapõe enunciado (la parole)

como ato puramente individual ao sistema da língua como fenômeno

puramente social e obrigatório para o indivíduo.

Decorre, então, que a dificuldade que os alunos apresentam em suas práticas de

escrita e leitura resulta do desconhecimento dos contextos discursivos que circundam os

gêneros acadêmicos, produzindo sentidos somente incorporados na prática do aluno

quando este entende que esses textos são condicionados por fatores sócio-históricos

culturais de produção de sentidos próprios a um evento específico de uso da língua. Não

basta ao aluno dominar a “superfície do texto” (MARINHO, 2011, p. 14), mas que os

conhecimentos linguísticos também não devam ser abstraídos das suas condições de

produção e nem serem a solução para os problemas apresentados pelos alunos

ingressantes. Em outras palavras, apenas conhecer as formas composicionais dos

gêneros não é suficiente, é preciso proporcionar ao aluno leitor/produtor de textos o

contato com outros sujeitos leitores/produtores de textos e que sejam capazes de

estabelecer diálogos críticos, analíticos.

Ainda a respeito da pesquisa de artigos realizada e apresentada acima, em outro

sentido, desenvolveram-se textos que sustentam os processos de valorização do

conhecimento científico nas aulas de iniciação à pesquisa no ensino superior

(NEUENFELDT et al, 2011), bem como o ensino de produção de textos acadêmicos por

meio dos fóruns virtuais nos cursos oferecidos a distância ( ARAÚJO; DIEB, 2010;

2013).

Apesar de dialogarmos com esses estudos e considerarmos bem mais que seus

objetos e suas concepções de ensino de língua, o que ficou evidente com nossas

4 Marinho cita a tradução de Estética da criação verbal (1997), a partir do texto em francês preterido

nesta tese em favor da tradução de Paulo Bezerra (2006) do original russo.

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considerações sobre as pesquisas de Marinho (2010; 2011), é que eles não tiveram

como foco de interesse a análise de materiais didáticos voltados ao ensino da Língua

Portuguesa na universidade. Buscávamos, também, trabalhos que objetivassem verificar

na prática, os fundamentos teórico-metodológicos de seus autores. Desta feita, passamos

a investigar no mercado editorial livros que tivessem o ensino de língua portuguesa na

universidade como foco e quais suas especificidades de ensino como apresentamos mais

à frente nessa Introdução.

Nesse contexto acadêmico, observamos que há muitos estudos desenvolvidos

para contemplar o ensino em nível fundamental e médio da escola básica e, no entanto,

são pouco comuns as pesquisas dedicadas ao ensino da Língua Portuguesa em nível

superior.

Para validar essa justificativa, além dos artigos científicos, fizemos uma

pesquisa nas bases de dados digitais5 das teses e dissertações defendidas em duas

universidades privadas da cidade de São Paulo (Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo/ PUC-SP e Universidade Presbiteriana Mackenzie) e três universidades públicas

do estado (Universidade de São Paulo/USP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” / UNESP e Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP).

Tomamos essas universidades como parâmetro por duas razões: são centros renomados

de excelência em pesquisa e situam-se no Sudeste do país, região de crescente número

de matrículas, mais especificamente na cidade de São Paulo.

O levantamento foi realizado, inicialmente, com uma busca por resultados nos

departamentos relacionados aos estudos da linguagem como Língua Portuguesa, no

Mackenzie e na PUC-SP; Letras Clássicas e Vernáculas, Filologia e Língua Portuguesa,

Semiótica e Linguística Geral, na USP; Linguística e Língua Portuguesa, na

5 MACKENZIE- Disponível em: http://www.mackenzie.br/teses_dissertações.html (Departamento de

Língua Portuguesa- 181 arquivos, nenhum trabalho); PUC/SP- Disponível em:

http://www.sapientia.pucsp.br/ (Departamento de Língua Portuguesa e Departamento de Linguística

Aplicada e Estudos da Linguagem- 820 arquivos, 2 dissertações); USP- disponível em:

http://www.teses.usp.br/ (Departamentos de Letras Clássicas e Vernáculas, Filologia e Língua

Portuguesa, Semiótica e Linguística Geral- 370 arquivos, 1 tese); UNESP- disponível em:

http://unesp.br/cgb/conteudo.php?conteudo=562 (Departamentos: Linguística e Língua

Portuguesa/Araraquara) Letras/ São José do Rio Preto, Letras/Assis e Estudos Linguísticos/São Jose do

Rio Preto, 632 arquivos, 1 tese); UNICAMP- Disponível em:

http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/list.php?tid=30 (Instituto de Estudos da Linguagem –

IEL- 1858 arquivos, 2 dissertações). Todas as consultas foram realizadas em março de 2012.

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UNESP/Campus Araraquara, São José do Rio Preto e Assis; Linguística Aplicada e

Estudos da Linguagem, PUC-SP e Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp.

Foram 3.860 arquivos de teses e dissertações consultados que resultaram em

quatro dissertações de mestrado e duas teses de doutorado que abordam o ensino de

língua portuguesa na universidade. Em seguida, procedemos a uma busca na Biblioteca

Digital Brasileira de Teses e Dissertações6 (BDTD) e encontramos títulos que não

estavam disponíveis (à época da pesquisa inicial) nos bancos das universidades

consultadas. Mantivemos os departamentos consultados, mas a estratégia de busca

diferiu um pouco.

O sistema de informação da segunda consulta pertence ao Instituto Brasileiro de

Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), órgão nacional de informação ligado ao

CNPq e MEC, criado com o intuito de dar maior visibilidade às pesquisas

desenvolvidas no Brasil, por meio da publicação de teses e dissertações. A biblioteca

digital possui uma ferramenta de busca on-line que permite uma pesquisa por palavras-

chave para a qual escolhemos: língua portuguesa + universitários e língua portuguesa +

ensino superior. O sistema não faz distinção entre tese e dissertação fornecendo um

número de quinhentos documentos que satisfizeram o primeiro conjunto de palavras-

chave e duzentos e setenta e nove para o segundo. Com esse resultado, passamos a

analisar os títulos e resumos dos arquivos manualmente porque, apesar da quantidade

apresentada pelo site, apenas alguns realmente eram relacionados ao ensino da língua

portuguesa na universidade.

Desta forma, organizamos os resultados dividindo-os em teses e dissertações. O

quadro seguinte contém os títulos dos trabalhos, o ano de defesa e a universidade:

N. Ano TESES UNIVERSIDADE

1 2007 Da leitura poética à produção do gênero artigo

acadêmico-científico: uma proposta para o ensino na

educação superior

USP

2 2008 As figuras de argumentação como estratégias discursivas.

Um estudo de avaliações no ensino superior

USP

3 2008 O lugar dos lugares: a escrita argumentativa na

universidade

USP

4 2008 O professor de Língua Portuguesa na visão de formandos

em Letras

USP

5 2008 Aquisição do português como língua estrangeira: UNESP

6 Consulta realizada em agosto de 2013. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/.

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Fenômenos de variações no âmbito fonológico

6 2008 A leitura e sua avaliação na formação inicial do professor

de língua portuguesa: contrastes e confrontos

PUC - SP

Quadro 1: Banco de teses – resultados dos sites das universidades e do BDTD.

O quadro acima permite visualizar cinco teses provenientes de universidades

públicas estaduais e uma de universidade privada. Quanto ao tempo da defesa, as teses

concentraram-se no ano de 2008. A variação temporal aparecerá mais destacada no

resultado de dissertações de mestrado abaixo. Podemos especular, pela leitura dos

títulos, que o interesse de pesquisa recaiu nos temas ligados à escrita argumentativa, à

escrita acadêmica, ao artigo científico e à formação de professores pela veia da leitura e

da avaliação.

Numa leitura mais cuidadosa dos trabalhos não encontramos nenhuma pesquisa

que tivesse como escopo a análise de livros didáticos o que nos levou a continuar as

pesquisas também com as dissertações disponíveis no site.

N. Ano DISSERTAÇÕES UNIVERSIDADE

1 1994 A formação contínua do professor de língua materna e

seus reflexos na (re)configuração da práxis

UNICAMP

2 1995 A aprendizagem da língua portuguesa nas vozes dos

calouros/ 91 do curso de Letras da Universidade Federal

de Mato Grosso do Sul

UNICAMP

3 2005 As re(l)ações linguísticas na formação de professores de

língua portuguesa em São Paulo [en] The linguistic

relations in the portuguese teacher training in São Paulo

PUC - SP

4 2005 Um estudo sobre leitura junto a alunos de letras da UFPA

- Campus de Marabá.

PUC - SP

5 2007 O ensino da leitura em curso de graduação em tecnologia PUC - SP

6 2007 Um estudo do resumo acadêmico em curso de graduação PUC - SP

7 2008 A formação de professores de língua portuguesa e a

educação linguística: um estudo de caso

PUC - SP

8 2008 O ensino-aprendizagem do gênero resenha crítica

na universidade

PUC - SP

9 2009 Como atingir a interação, visando à construção do

conhecimento e à aprendizagem de língua portuguesa, em

ambientes virtuais

PUC - SP

10 2010 A educação linguística e a formação de professores na

proposta curricular de um curso de Letras

PUC - SP

11 2011 A educação linguística no curso de Letras: contribuições

para o ensino de Língua Portuguesa

PUC - SP

12 2011 Das teorias linguísticas às atividades didáticas: aulas

online de língua portuguesa em instituição de ensino

superior

USP

Quadro 2: Banco de dissertações – resultados dos sites das universidades e do BDTD

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Das doze dissertações apresentadas, três pertencem a duas universidades

estaduais paulistas e nove a uma mesma universidade privada. Observa-se aqui que,

diferentemente do resultado da busca por teses, os sistemas retornaram títulos desde

1995, culminando com dois trabalhos de 2011, os mais próximos em tempo de nosso

momento de pesquisa.

Similarmente às teses, as dissertações relacionavam-se a pesquisas voltadas ao

ensino de leitura e formação e professores. Um aspecto divergente apareceu nos dois

trabalhos cujo escopo foi o ensino da língua em ambientes virtuais.

Percebemos que quando procuramos por pesquisas voltadas ao ensino de língua

portuguesa na universidade é comum a preocupação com o ensino de alguns eixos de

ensino como leitura, argumentação e outros de especificidade acadêmica como resumo e

artigos científicos, mas não encontramos trabalhos que propusessem analisar, pelo

menos, esses elementos nos livros didáticos. O mote encontrado é a formação de

professores passando pelos processos de aquisição de uma língua estrangeira, apesar de

já se perceber um interesse pelos cursos oferecidos a distância.

Outro fato observado é que as poucas teses e dissertações produzidas no estado

de São Paulo têm seu interesse direcionado a Letras, um curso, infelizmente com baixa

procura. Isso, evidentemente, não justifica um abandono das pesquisas haja vista esse

ser o único curso voltado a formar professores de língua portuguesa para atuação na

educação básica. Além disso, os cursos de Letras também formam os profissionais que

atuarão na universidade nas disciplinas voltadas ao desenvolvimento da leitura e da

escrita cotidianas e acadêmicas. No entanto, o crescimento do número de matrículas e

cursos diversos, resultado da democratização do ensino, além do baixo desempenho dos

alunos egressos da educação básica, apontam para a necessidade de ampliar o foco da

pesquisa no ensino superior.

Ainda no contexto de ensino de língua portuguesa na universidade, há algumas

publicações didáticas com objetivos que variam entre contemplar o ensino da gramática

normativa aplicada a textos específicos de algumas áreas, como, por exemplo, Direito,

Publicidade e Administração e/ou preparar o aluno para a escrita do trabalho de

conclusão de curso e outros gêneros relevantes ao percurso na universidade como

resumos, resenhas, artigos científicos. Há também outros como os livros destinados à

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escrita e leitura de textos jurídicos que fazem uso da linguagem técnica da área7. Outros

priorizam a produção escrita de textos circulantes no ambiente empresarial como

ofícios, relatórios, e-mails, cartas comerciais, atas, circulares, memorandos, atestados,

regulamentos, convocações, avisos, procurações, requerimentos, declarações, editais,

etc.. Há uma demanda por esse último grupo de livros, principalmente em cursos

voltados às profissões gerenciais que se detêm basicamente no ensino da escrita de

documentos comerciais.

Existem algumas exceções que também abordam a norma padrão da língua, mas

não sem antes apresentar uma discussão de língua e linguagem que considera as

variedades e os níveis linguísticos dentro do contexto acadêmico e social do aluno em

nível universitário. O conteúdo dos capítulos direciona-se à prática da língua por meio

da produção textual e, desta forma, a teoria é apresentada de forma diluída nas

introduções aos textos e enunciados dos exercícios.

Dentre os livros que claramente objetivam uma melhoria das condições de

leitura e escrita do aluno recém-chegado à universidade e corroboram a descrição

acima, destacamos três: Língua portuguesa: atividades de leitura e produção de textos,

de Carlos Alberto Moysés, 2010, Produção textual na universidade, de Desirée Mota-

Roth e Graciela Hendges, 2010 e Prática de texto para estudantes universitários, de

Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza, 2011, esse último selecionado para constituir

nosso corpus de estudo.

De forma a exemplificar os materiais disponíveis no mercado editorial brasileiro,

o quadro abaixo agrupa alguns títulos. Foram considerados para a pesquisa os livros que

direcionavam o seu uso para cursos superiores no título ou na apresentação da obra feita

pelo autor. Por essa razão, incluímos alguns materiais específicos de ensino de produção

acadêmica.

ABREU, A. S. Curso de redação. 12. ed. São Paulo: Editora Ática, 2006.

ANDRADE, M. M.; HENRIQUES, A. Língua portuguesa: noções básicas para cursos

superiores. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

ANDRADE, M. M. ; MEDEIROS, J. B. Comunicação em língua portuguesa: normas para

7 “Ora nessa medida, justifica-se a necessidade de estudo das técnicas de uso, manipulação e emprego da

linguagem jurídica. O discurso das práticas jurídicas (normativas, burocráticas, decisórias, científicas)

demanda conhecimentos específicos, formas de locução, técnicas de redação, estilos e medidas

próprios” (Bittar, 2010, p. 387).

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29

elaboração de trabalho de conclusão de curso (TCC). 5. ed. São Paulo: Atlas,2009.

DAMIÃO, R. T. Curso de português jurídico. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

FARACO, C.A.; MANDRYK, D. Língua portuguesa: prática de redação para

estudantes universitários. 12. ed. Editora Vozes, 1998 [1987].

FARACO, C. A.; TEZZA, C. Prática de texto para estudantes universitários. 20. ed. Rio de

Janeiro: Editora Vozes, 2011 [1992].

GOLD, M. Redação empresarial. 4. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

GOLD, M.; SEGAL, M. Português instrumental para cursos de direito: como elaborar textos

jurídicos. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.

GOLDSTEIN, N.; LOUZADA, M. S.; IVAMOTO, R.. O texto sem mistério: leitura e escrita

na universidade. São Paulo: Ática, 2009.

KOCH, I. V. ; ELIAS, V.M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo:

Editora Contexto, 2009.

KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; PAVANI, C. F. Prática textual; atividades de leitura e

escrita. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

MACHADO, A. R.; LOUSADA, E.; ABREU-TARDELLI, L. S. Planejar gêneros acadêmicos:

escrita científica, texto acadêmico, diário de pesquisa, metodologia. São Paulo: Parábola

Editorial, 2005.

MEDEIROS, J. B. Redação empresarial. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MEDEIROS, J. B. Português instrumental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MOTTA-ROTH, D.; HENDGES, G. R. Produção textual na universidade. São Paulo:

Parábola Editorial, 2010.

MOYSÉS, C. A. Língua portuguesa: atividades de leitura e produção de textos. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010.

ZILBERKNOP, L. S.; MARTINS, D.S. Português instrumental: de acordo com as atuais

normas da ABNT. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

Quadro 3: Livros de ensino de língua portuguesa para universitários.

Objetivamos com esta pesquisa de títulos apresentar as obras que diretamente

dirigem-se ao público universitário e podem ser encontradas nas estantes das maiores

livrarias do país ou em suas lojas virtuais. Os livros apresentados no quadro pertencem a

um universo provavelmente maior, mas mesmo assim, ainda representam um número

pequeno, dada a quantidade de cursos universitários distribuídos pelo país8 e a

necessidade de um ensino formal de língua portuguesa na universidade.

Nesse contexto educacional, é possível considerar a necessidade de um ensino

que pretenda resgatar as habilidades de uso da língua portuguesa do aluno ingressante, a

fim de poder contemplar satisfatoriamente as prescrições dos órgãos oficiais para o

perfil do formando. Com isso em mente, surge uma inquietação: é possível que um livro

8 Existem 30.420 cursos presenciais e a distância. Fonte: Censo da Educação Superior - 2011.

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didático, destinado ao ensino superior, reúna condições para inserir seu leitor-aluno nas

práticas sociais de escrita em língua portuguesa, em diferentes esferas da atividade

humana, a partir de seus aspectos discursivos?

A fim de adentrar ao que consideramos um percurso inicial de investigação,

selecionamos para estudo o livro Prática de texto para estudantes universitários, 2011

(PTEU)9pelo fato de ele constar de programas de disciplinas de semestres iniciais

voltadas ao ensino da língua portuguesa nas quatro grandes universidades pesquisadas.

Além disso, apresenta uma proposta centrada na prática escrita, a partir do estudo e da

leitura de textos selecionados que leva em consideração a diversidade linguística dos

contextos socioculturais.

Os autores são reconhecidos pela comunidade acadêmica como bakhtinianos e

essa filiação implica um pensamento linguístico advindo de uma reflexão filosófica

acerca do sujeito único, intrinsecamente axiológico, e que interage com outros sujeitos

em uma realidade concreta. Isso se torna relevante, pois para a perspectiva dialógica, a

linguagem constrói e produz sentidos baseando-se nos diálogos estabelecidos com e

entre discursos.

Estamos nos referindo à perspectiva de uma análise∕teoria que surge a partir da

intepretação do conjunto das obras do Círculo acerca do discurso e que tem influenciado

estudos linguísticos e literários nas Ciências Humanas. A própria tentativa de definição

do termo seria contrária à ideia de inacabamento do pensamento bakhtiniano que

considera os estudos da linguagem “como lugares de produção de conhecimento de

forma comprometida, responsável, e não apenas como procedimento submetido a

teorias e metodologias dominantes em determinadas épocas” (BRAIT, 2006, p. 9-10).

Desse modo, esperamos que a obra veicule uma proposta de ensino que

considere a linguagem sob essa perspectiva teórica de modo a tornar o ensino da língua

significativo e adequado às necessidades do aluno universitário. Ao desenvolver nossa

pesquisa dentro da Análise Dialógica do Discurso (ADD), propondo uma análise dos

reflexos da concepção dialógica no livro selecionado, pretendemos contribuir com as

pesquisas sobre ensino de língua já realizadas nessa linha teórica. Um conceito chave

como o dialogismo tem como premissa um trabalho que nunca está completo ou

terminado, no entanto, proporciona uma continuidade ao que foi feito antes e oferece

9 De agora em diante, o livro Prática de texto para estudantes universitários será referido como PTEU

conforme as suas iniciais.

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uma nova perspectiva a novos contextos que forem surgindo. Assim não pretendemos

esgotar o assunto, mas continuar e avançar na linha de discussão sobre o ensino de

língua portuguesa na universidade, ou seja, dialogar com outras vozes interessadas neste

assunto.

Nosso trabalho de doutorado reflete os temas de pesquisa em Linguística

(conforme citamos) ao propor um estudo de uma obra didática cujo objetivo principal,

segundo seu autor, é “oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da

língua padrão” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 7). Particularmente, interessa-nos

investigar o trabalho com a linguagem empenhado pelo autor para inscrever sua obra

nesse contexto singular de métodos de ensino de língua portuguesa.

Sendo esta pesquisa de tese inserida na linha de pesquisa Linguagem e Trabalho,

orientada pela Prof.ª Dra. Beth Brait, na PUC-SP, vinculada ao Grupo de Pesquisa

Linguagem, Identidade e Memória/ CNPq de mesma liderança, com um período de

estudos teóricos no Bakhtin Centre, dirigido pelo Prof. Dr. Craig Brandist, na

Universidade de Sheffield (Reino Unido), a investigação empreendida persegue um

trabalho de linguagem que reflete/refrata o referencial teórico defendido pelo autor do

livro didático estudado.

Como a produção de um material didático envolve a consideração da esfera

social, histórica, cultural e ideológica em que se situa, acreditamos que o trabalho

desenvolvido seja uma resposta à lacuna editorial apresentada. Além disso, pretende

responder a uma lacuna social e educacional, conforme detalharemos no capítulo a

seguir.

A partir do entendimento da necessidade de ensino de língua portuguesa na

esfera universitária, consideramos que Prática de texto para estudantes universitários

adota a perspectiva dialógica como fundamentação teórico-metodológica o que favorece

a formulação da nossa hipótese de pesquisa. Assim, partimos da assunção de que a obra

promove um processo de construção autoral, em que emerge um sujeito do discurso que

não é mero reprodutor de regras e formas definidas, articulando-se assim, à diversidade

de linguagens sociais.

Torna-se relevante esclarecer, já nesse texto introdutório de tese, que nossa

investigação discute o fenômeno da autoria em, pelo menos, três dimensões ou níveis:

1- a obra de cada autor em separado; 2- a assinatura Faraco-Tezza em PTEU e 3- o

processo de construção de um lugar discursivo do leitor-aluno.

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A partir dessas ressalvas e da hipótese estabelecida, o objetivo geral desta

pesquisa é investigar se a interação discursiva instaurada no livro promove um espaço

de construção de autoria a qual contribua para a formação da competência discursiva de

estudantes universitários.

Concordando com Baltar (2006, p. 176), entendemos a competência discursiva,

aí incluída a indissociabilidade com as situações de interação, a competência

demonstrada/ vivenciada por usuários da língua em interação com outros usuários, por

meio da apropriação dos gêneros constituintes das variadas práticas e esferas sociais.

Nessa visão, o domínio da normatividade gramatical da língua ou de elementos de

expressão linguística (fonética, ortografia, morfossintaxe e semântica) é apenas um dos

elementos que envolvem a questão ética da linguagem.

A competência discursiva assumida neste trabalho de tese é a envolvida nas

atividades de linguagem que ocorrem em diversas situações da vida do sujeito em

sociedade e não apenas o que o autor chama de “escrever universitariamente”

(BALTAR, 2006, p. 177). Ou ainda, que o trabalho com a linguagem envolva sim a

formalização, mas que essa esteja voltada para a interação verbal cuja finalidade é o uso

real da linguagem.

Por essa razão, no processo inicial de delimitação de corpus, procuramos

instâncias de interação verbal entre autor e leitor. No caso de um livro didático, o

interlocutor caracteriza-se por uma posição indissociável entre leitor e aluno, ao que

caracterizamos de leitor-aluno. Para uma descrição mais apurada dessa relação,

recortamos do livro, o capítulo 2, destinado ao ensino dos gêneros do discurso e, a partir

da interação estabelecida, investigamos o encaminhamento às produções textuais.

Com esse pensamento que envolve o ensino de língua em interação e, para

trabalharmos com a hipótese levantada, a partir do objetivo central estabelecido,

guiamos nosso trabalho de investigação pelos objetivos específicos a seguir:

1. Identificar as marcas de interlocução instauradas pelo autor e, a partir delas, o

encaminhamento teórico-metodológico proposto para a formação de leitores e

produtores de textos.

2. Interpretar que concepções de língua, linguagem e ensino de português

emergem do encaminhamento teórico-metodológico construído.

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3. Apresentar, a partir da análise feita, as contribuições que tal obra oferece para

o ensino de Língua Portuguesa no nível superior no que se refere às práticas de

linguagem necessárias para formação de leitores e produtores de texto.

Tendo em vista o objetivo geral e específicos estabelecidos, orientamo-nos pela

seguinte questão central:

De que forma as marcas da interlocução instauradas entre autor10 e leitor-aluno

encaminham as atividades didáticas propostas em PTEU, refletindo e refratando o seu

referencial teórico?

A fim de responder a essa questão central, seguem-se duas questões

desdobramentos da primeira:

1) Que concepções de língua, linguagem e ensino de português emergem do

encaminhamento teórico-metodológico proposto pelo autor?

2) Que contribuições tal obra oferece para o ensino de Língua Portuguesa no

nível superior e para o trabalho de autores de livros didáticos no que se refere

às práticas de linguagem necessárias para a formação de leitores e produtores

de texto?

Tendo definido os objetivos e questões de pesquisa, acreditamos que a

contribuição desta tese amplia-se para além da descrição de mecanismos linguísticos-

enunciativos por ser uma análise discursiva da produção de sentido dos textos do

material estudado. Esta pesquisa apresenta uma relevância teórico-prática para a

Linguística Aplicada e para os estudos da linguagem em geral e, de modo particular,

pretende contribuir para os estudos do ensino de Língua Portuguesa na educação

superior.

Para alcançarmos os objetivos propostos, organizamos esta tese de forma a

apresentar a construção do nosso objeto de pesquisa, os métodos de investigação e de

análise, assim como o arcabouço teórico-metodológico que sustenta a interpretação dos

dados coletados e analisados.

Para tanto, apresentaremos no capítulo 1, alguns pontos que constituem as bases

das premissas desta tese. Entendemos que a análise de um livro didático não pode ser

realizada de maneira estanque desconsiderando as questões que envolvem seu contexto

de produção, circulação e recepção. Portanto, levamos em consideração o perfil

10

Mais à frente explicaremos a escolha da palavra autor utilizada no singular

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linguístico e discursivo do aluno brasileiro egresso da educação básica e ingressante na

educação superior, perfil esse depreendido de dois exames de larga escala: Enem e Pisa.

Além disso, investigamos documentos referentes à política universitária brasileira e, a

partir de dados oficiais, mapeamos os cursos que recebem o maior número de

estudantes.

O capítulo pretende tecer considerações sobre as justificativas sociais e

educacionais que cercam nosso problema de pesquisa assim como apresentar o percurso

metodológico desta pesquisa. Consequentemente, delineamos a construção de nosso

objeto em relação à interação discursiva instaurada no livro didático, abordando a

seleção e os instrumentos de abordagem ao corpus investigado. É importante observar

que o corpus desta pesquisa foi sendo construído paulatinamente, num processo de idas

e vindas que também considerou o trabalho teórico de Faraco e Tezza objetivando

compreender as ressonâncias do trabalho individual de cada autor na construção da

assinatura Faraco-Tezza em PTEU.

No capítulo 2, discorremos sobre a teoria/análise dialógica do discurso

desenvolvida por Mikhail Bakhtin e seu Círculo, enfatizando as noções de interação

verbal e autoria, em estreita relação com os gêneros do discurso, decorrentes de uma

visão de linguagem que considera o signo ideológico na constituição de enunciados

concretos. Nesse mesmo capítulo, apresentamos a obra individual de Carlos Alberto

Faraco e Cristovão Tezza objetivando estabelecer relações com a perspectiva dialógica

e situar a obra analisada.

O capítulo 3, intitulado A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de

linguagem pretender responder à primeira questão de pesquisa. Para tanto, procedemos

a uma descrição da primeira e da vigésima versões do livro didático pontuando as

alterações realizadas no conteúdo e na forma com o objetivo de investigar o percurso de

construção linguístico e discursivo dessa obra. Procuramos não só descrever, mas

analisar o modo como a concepção de escrita se constrói ao longo dos capítulos do

livro. Nesse capítulo, investigamos, também, como o autor trabalha a interação com o

outro buscando promover o ensino dos gêneros discursivos para, a partir dessa

compreensão, analisar o processo de construção do aluno-autor, por meio das propostas

de prática textual.

O capítulo 4 apresenta as seções do livro (em ambas as edições) destinadas à

produção textual escrita e busca responder à segunda questão de pesquisa,

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encaminhando nosso texto para as considerações finais. O trabalho de descrição e

análise parte da interação verbal estabelecida entre autor e leitor que construiu um

entendimento da organização da linguagem em gêneros discursivos. Esse entendimento

pressupõe um sujeito-autor ativo em um processo contínuo de comunicação com um

outro sujeito. A partir dessa perspectiva de ensino de língua, objetivamos nesse capítulo

identificar o trabalho com o discurso realizado pelo autor de forma a identificar e

analisar os efeitos de sentido criados nas atividades. Esperamos que o estudo dessa

materialidade confirme ou refute nossa hipótese de pesquisa.

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CAPÍTULO 1

Considerações iniciais e metodológicas

______________________________________________________________________

Método, diz Sakulin corretamente, é a totalidade dos

dispositivos de investigação científica, quando esses são

baseados em princípios estabelecidos que fluem a partir

de uma compreensão da natureza do objeto de estudo e,

consequentemente, dos objetivos da investigação11

.

Pavel N. Medvedev

Neste capítulo, descrevemos o contexto em que se insere nossa pesquisa e que

norteou a construção do objeto aqui investigado, estabelecendo suas premissas básicas,

em seguida, apresentamos o corpus de estudo levando em consideração o percurso de

escolha e sua delimitação por meio das categorias de análise adotadas. Procuramos,

também, sintetizar os aportes teóricos que orientam a análise dos dados e a interpretação

dos resultados. Para tanto, o capítulo foi dividido em três tópicos e suas subdivisões. No

primeiro, apresentamos os contextos educacional e institucional constituintes do nosso

problema de pesquisa; no segundo, descrevemos a relação entre esses contextos, assim

como o editorial, já apresentado na Introdução e a construção do objeto de estudo e, no

terceiro, dada a complexidade do tema, pretendemos delimitar, dentre as variadas

perspectivas de análise possíveis, a que melhor explique os dados levantados, a partir

dos seus elementos linguístico-discursivos.

1.1 Contexto discursivo do problema de pesquisa

Tendo apresentado alguns resultados de pesquisas acadêmicas, assim como um

breve retrato do mercado editorial, na Introdução desta tese, continuamos com a

contextualização das razões que nos despertaram o interesse pelo estudo. Por não

considerarmos aqueles argumentos suficientes por si só para justificar a empreitada

desta investigação, detemo-nos em alguns dados e pesquisas realizadas sobre o ensino

de Língua Portuguesa no ensino superior e da sua realidade histórico, cultural e social,

agora com foco nos alunos egressos da escola básica. Além desses, empreendemos uma

11

Tradução nossa de: ‘Method’, says Sakulin correctly, ‘is the totality of the devices of scientific

investigation, when these devices are based on established principles which flow from an understanding

of the nature of the object studied and, accordingly of the aims of the investigation’ ( MEDVEDEV,

[1926] 1983, p. 68).

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discussão a respeito dos documentos oficiais que regem a Educação Superior no Brasil,

além de apresentar alguns números sobre cursos e alunos ingressantes.

Os itens seguintes propõem-se a situar o objeto de pesquisa desta tese em um

contexto social que justifique a escolha por essa investigação. Após a apresentação do

que se considera a problemática desta pesquisa, apontaremos o contexto do estudo, a

delimitação do corpus e a metodologia seguida.

1.1.1 Exames como ENEM e PISA delineando o perfil educacional do egresso do

Ensino Médio

Considerando o embate entre a linguagem do aluno que inicia a universidade e a

sua necessidade de adaptação aos valores acadêmicos, apresentamos aqui uma

oportunidade de rever dados significativos de avaliações de desempenho em larga

escala como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Programa Internacional

para a Avaliação de Estudantes (Pisa). Os exames apresentam resultados similares

quanto aos déficits de leitura e escrita do aluno brasileiro. O relatório do Pisa que

estudamos (2009) revela ainda que o Brasil continua abaixo da média mundial para os

pilares educacionais da leitura.

Compreender esses exames, o que consideram e o que apresentam de análises

torna-se necessário para um maior conhecimento do perfil do aluno concluinte da

educação básica e ingressante no ensino superior.

a) Enem

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um exame aplicado anualmente a

alunos concluintes ou egressos do ensino médio, oriundos de escolas públicas ou

particulares, de ensino regular, técnico ou Educação para Jovens e Adultos (EJA). O

exame é voluntario e a responsabilidade pela divulgação e condução da prova é do

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão

vinculado ao Ministério da Educação (MEC).

Criado em 1998, o exame objetiva, principalmente, aferir o desempenho escolar

e acadêmico dos participantes, considerando as competências e habilidades

fundamentais ao exercício da cidadania. Em 2004, além de manter esse objetivo, passou

a ser passaporte de acesso à educação superior como condição indispensável para a

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obtenção de bolsas integrais ou parciais do Programa Universidade para Todos (Prouni)

nas universidades privadas. Posteriormente, começou a ser aceito por algumas

universidades públicas como requisito único, alternativo ou complementar de seleção

(Sistema de Seleção Unificada- Sisu12

). Além do Prouni e do Sisu, a partir de 2013, o

exame também dá acesso a outros dois programas de educação do Governo Federal:

Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que financia os encargos financeiros do curso

e Ciência sem Fronteiras (CsF) que fornece bolsas de estudo no exterior.

Os incentivos governamentais, que também incluem a isenção de pagamento da

taxa do vestibular para os alunos oriundos da escola pública, podem ter sido os

responsáveis pelo aumento de 2.455,67% de inscritos no período compreendido entre os

anos de 1998 e 2008. O Relatório Pedagógico do MEC/Inep13

(2009, p. 86) revela ainda

que 74% dos participantes aderiram à prova do Enem com o objetivo de ingressar no

ensino superior, o que indica interesse e disponibilidade para uma nova etapa de

estudos.

O exame atualmente (2013) constitui-se de uma redação e quatro provas

objetivas contemplando as áreas do conhecimento: Ciências Humanas e suas

Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Linguagens, Código e suas

tecnologias e Redação, Matemática e suas Tecnologias. A avaliação baseia-se numa

matriz de referência14

que considera cinco eixos cognitivos comuns a todas as áreas do

conhecimento: (I) Dominar linguagens; (II) Compreender fenômenos; (III) Enfrentar

situações-problema; (IV) Construir argumentação e (V) Elaborar propostas.

Para o Enem, dominar linguagens refere-se ao conhecimento da pluralidade de

linguagens do mundo contemporâneo, linguagens da informação, da comunicação, da

informática. Relaciona-se também a um reconhecimento dos diferentes tipos de discurso

para transitar entre eles nas interações com o mundo social. Esse domínio implica um

sujeito competente em lidar com a variedade de linguagens para a produção de textos

12

Para o segundo semestre de 2013, 54 instituições públicas de ensino superior participaram do processo

seletivo Sisu.

13 Consideramos para a pequisa os dados do relatório divulgado pelo INEP em 2009, o último

disponibilizado em sua página da internet. Esse relatório refere-se ao desempenho dos candidatos no

exame de 2008. Disponível em:

http://download.Inep.gov.br/educação_basica/enem/relatorios_pedagogicos/

relatório_pedagogico_enem_2008.pdf. Acesso em: 04/06/2013.

14 Edital Enem- 2013. Disponível em

http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=3&página=70&data=09/05/2013. Acesso em:

04/06/2013. A matriz de referência do Enem 2013 é a mesma de 2009.

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autorais, que estabeleçam diálogos, comuniquem propostas e reflexões de forma clara e

coerente (BRASIL, 2009, p. 56). O exercício autoral perpassa todas as áreas do

conhecimento envolvidas no exame, mas para atingirmos os propósitos desta tese,

atemo-nos à relacionada a linguagens.

Os cinco eixos cognitivos apresentados acima são subdivididos em competências

e, especificamente na área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, distribuem-se em:

Competência de área 1: Aplicar as tecnologias da comunicação e da

informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes

para sua vida.

[...]

Competência de área 2: Conhecer e usar língua (s) estrangeira (s)

moderna (s) como instrumento de acesso a informações e a outras

culturas e grupos sociais.

[...]

Competência de área 3: Compreender e usar a Linguagem corporal

como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da

identidade.

[...]

Competência de área 4: Compreender a arte como saber cultural e

estético gerador de significação e integrador da organização do mundo

e da própria identidade.

Competência de área 5: Analisar, interpretar e aplicar recursos

expressivos das Linguagens, relacionando textos com seus contextos,

mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações,

de acordo com as condições de produção e recepção.

[...]

Competência de área 6: Compreender e usar os sistemas simbólicos

das diferentes Linguagens como meios de organização cognitiva da

realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e

informação.

[...]

Competência de área 7: Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as

diferentes Linguagens e suas manifestações específicas.

[...]

Competência de área 8: Compreender e usar a língua portuguesa como

língua materna, geradora de significação e integradora da organização

do mundo e da própria identidade.

[...]

Competência de área 9: Entender os princípios, a natureza, a função e

o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua

vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento,

associando-os aos conhecimentos científicos, às Linguagens que lhes

dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos

problemas que se propõem solucionar.

[...] (Edital Enem, BRASIL, 2013, Anexo II).

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São estipuladas trinta habilidades distribuídas entre as competências. Por

exemplo, a fim de avaliar se o aluno possui uma determinada competência é necessário

que ele apresente habilidades relacionadas a ela.

Habilidades relacionadas à competência 1:

H1 - Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos

como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.

H2 - Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de

comunicação e informação para resolver problemas sociais.

H3 - Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e

informação, considerando a função social desses sistemas.

H4 - Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das

linguagens e dos sistemas de comunicação e informação (Edital Enem,

BRASIL, 2013, Anexo II).

Habilidades relacionadas à competência 6:

H18 - Identificar os elementos que concorrem para a progressão

temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes

gêneros e tipos.

H19 - Analisar a função da linguagem predominante nos textos em

situações específicas de interlocução.

H20 - Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a

preservação da memória e da identidade nacional.

Habilidades relacionadas à competência 7:

H21- Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e

não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar

comportamentos e hábitos.

H22 - Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e

recursos linguísticos.

H23 - Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e

quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos

argumentativos utilizados.

H24 - Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas

para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução,

comoção, chantagem, entre outras.

Habilidades relacionadas à competência 8:

H25 - Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas

linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais,

regionais e de registro.

H26 - Relacionar as variedades lingüísticas a situações específicas de

uso social.

H27 - Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas

diferentes situações de comunicação.

Habilidades relacionadas à competência 9:

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H28 - Reconhecer a função e o impacto social das diferentes

tecnologias da comunicação e informação.

H29 - Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da

comunicação e informação.

H30 - Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao

desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas

produzem.

Deixamos de fora dessa análise, por questões metodológicas, as habilidades

referentes às competências 2,3,4 e 5 por serem específicas das linguagens estrangeira,

corporal, artística e literária, respectivamente.

Percebe-se então um olhar avaliativo dividido em categorias que são as áreas do

conhecimento, as matrizes de referência associadas a essas áreas e as competências

requeridas para cada uma. Inseridos nessas últimas, ainda estão os objetos do

conhecimento. A matriz de referência da área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,

considera o estudo do texto o principal objeto de estudo. Ele é abordado levando em

consideração a variação linguística, a interpretação, as sequências discursivas e os

gêneros textuais. O desempenho escolar esperado do aluno, em toda a sua vida

acadêmica, é contemplado e dividido em competências que podem ser avaliadas pelos

objetos citados no documento.

As diretrizes apresentadas acima foram determinadas em 200915

com a

divulgação da nova sistemática para a realização do exame e a prova do Enem 2013

segue esse formato. Para os fins desta pesquisa, utilizamos o Relatório Pedagógico que

apresenta os resultados do exame realizado em 2008. A prova dividiu-se em uma

redação e sessenta e três questões objetivas e, para nosso estudo, consideraramos os

aspectos centrais das duas modalidades relacionadas às práticas da leitura e da escrita.

Um dos objetivos desse Enem foi propiciar bases para uma autoavaliação do aluno a

partir de uma estrutura que considerava as competências e habilidades necessárias para

a vida ativa em sociedade.

Para tanto, as questões objetivas foram elaboradas (itens de avaliação) em

conformidade com as competências e habilidades estipuladas para cada área do

conhecimento. O relatório indica que o modelo de competências do exame segue a linha

15

Inep- Portaria n° 109, de 27 de maio de 2009. Disponível em:

http://download.inep.gov.br/educação_basica/enem/legislação/2009/portaria_enem_2009_1.pdf. Acesso

em: 04/06/2013.

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defendida por Piaget (1936)16

que considera como competências as capacidades de

“considerar todas as possibilidades para resolver um problema; [...] formular hipóteses;

combinar todas as possibilidades e separar variáveis para testar influência de diferentes

fatores”. E, ainda, usar o “raciocínio hipotético-dedutivo, a interpretação, análise,

comparação e argumentação, e a generalização dessas operações a diversos conteúdos”

(BRASIL, 2009, p. 50). O Enem filia-se, assim, à linha teórica construtivista em que, de

modo geral, o conhecimento se dá pelo desenvolvimento de competências e habilidades

do aluno por suas interações contínuas e com a mediação da escola (BRASIL, 2009, p.

47).

O texto do relatório não define “habilidades” de forma direta, mas defende uma

avaliação que pretenda:

Certificar competências que expressam um saber constituinte, ou seja,

as possibilidades e habilidades cognitivas por meio das quais as

pessoas conseguem se expressar simbolicamente, compreender

fenômenos, enfrentar e resolver problemas, argumentar e elaborar

propostas em favor de sua luta por uma sobrevivência mais justa e

digna, enfim, sejam pessoas capazes de se expressar de forma cidadã

na luta diária pela sobrevivência e superação dos desafios que a vida

impõe a cada um de nós, cotidianamente (BRASIL, 2009, p. 51).

As habilidades apresentadas no relatório pretendem contemplar o que se

considera os princípios de preparação para o exercício pleno da cidadania. Seguindo os

princípios teórico-metodológicos estipulados, o exame apresenta uma matriz geral que

rege todas as áreas e é dividida em cinco competências:

I - Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das

linguagens matemática, artística e científica.

II - Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento

para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-

geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

III - Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações

representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar

situações-problema.

IV - Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e

conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir

argumentação consistente.

V - Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para

elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade,

respeitando os valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural (BRASIL, 2009, p. 52-53).

16

O texto de trezentas e sete páginas não apresenta referências bibliográficas, portanto não se pode

identificar a obra de Piaget que foi utilizada.

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43

As capacidades de ler e compreender adequadamente um texto estão subjacentes

a todas as competências e para estas apresentam-se habilidades que por sua vez

permeiam todas as áreas do conhecimento, o que pressupõe uma integração de

competências e habilidades entre os conteúdos abordados. A Matriz de Competências

enfatiza essa integração e considera a “competência de ler, compreender, interpretar e

produzir textos, no sentido amplo do termo” (BRASIL, 2009, p. 55). Essa interligação

revela uma concepção de conhecimento construído nas relações estabelecidas entre

todas as áreas do conhecimento e nas disciplinas que as representam.

As habilidades descritas no texto contemplam competências inerentes à leitura e

à escrita, o que se verifica no uso dos verbos, “identificar”, “analisar” “traduzir e

interpretar”, “compreender”, “reconhecer”, “confrontar” e “comparar”.

A fim de exemplificar as habilidades elencadas pelo exame e não tornar

exaustiva a leitura de todas, selecionamos aqui as habilidades descritas nos itens 4, 5, e

6 (BRASIL, 2009, p.53 e 143). A escolha dos itens deveu-se ao uso das palavras

“linguagem” e “leitura” expressas na descrição da habilidade. Segue:

4 Dada uma situação-problema, apresentada em uma linguagem de

determinada área do conhecimento, relacioná-la com sua formulação

em outras linguagens ou vice-versa.

5 A partir da leitura de textos literários consagrados e de informações

sobre concepções artísticas, estabelecer relações entre eles e seu

contexto histórico, social, político ou cultural, inferindo as escolhas

dos temas, gêneros discursivos e recursos expressivos dos autores.

6 Com base em um texto, analisar as funções da linguagem,

identificar marcas de variantes linguísticas de natureza sociocultural,

regional, de registro ou de estilo, e explorar as relações entre as

linguagens coloquial e formal (BRASIL, 2009, p. 53).

A correlação estabelecida entre as competências e habilidades a serem

demonstradas pelo aluno mostra a leitura e a escrita determinantes para essa avaliação,

na medida em que seja possível demonstrar autonomia e capacidade de ação diante de

situações-problema. O objetivo é verificar as reais capacidades de atuação do indivíduo

em sua vida futura, profissional e social.

Os requisitos estabelecidos para a redação, parte escrita da prova, leva em

consideração um “escritor, autor de um texto que atende à proposta feita por outros

interlocutores” (2009, p. 63). O participante deverá mostrar habilidades de externar seu

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conhecimento de mundo, organizando-o de forma a combinar suas ideias com o tema

solicitado na forma de um texto dissertativo-argumentativo.

A avaliação da redação leva em consideração as cinco competências expressas

na matriz de referência para a prova objetiva, mas adequando-as às especificidades da

produção de um texto escrito:

I – Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita;

II – Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias

áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites

estruturais do texto dissertativo-argumentativo;

III – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,

opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista;

IV – Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos

necessários para a construção da argumentação;

V – Elaborar proposta de solução para o problema abordado,

mostrando respeito aos valores humanos e considerando a diversidade

sociocultural (BRASIL, 2009, p. 64).

A competência I permeia todas as competências a serem analisadas na correção

da redação, enfatizando a modalidade escrita da língua no nível formal. A oralidade não

é considerada e o domínio da norma culta escrita deverá ser expresso por meio de

adequação ao grau de formalidade requerido para uma seleção e às variações

linguísticas envolvidas no texto-estímulo. O segundo quesito é o respeito à norma

gramatical revelado pela aplicação das regras da sintaxe, pontuação e flexão de nomes e

verbos. Por fim, a escolha lexical adequada à proposta de tema e aos elementos de

concordância, regência relacionados ao registro formal da língua.

A competência II é a que se refere ao tema, à estrutura e a autoria. Os temas do

Enem são relacionados à ordem política, social, cultural ou científica e desdobram-se

em uma situação-problema que deve ser solucionada por meio de um texto dissertativo-

argumentativo. O texto produzido deve demonstrar capacidade de reflexão sobre o tema

oferecido tendo suas partes encadeadas com o que o Enem considera “indícios de

autoria”. O exercício da autoria apresenta-se por meio de uma progressão temática

coerente (competência IV) feita a partir de um recorte pessoal do tema e dos textos-

estímulo apresentados (competência III). Mais especificamente, à capacidade que o

participante terá de deixar em seu texto “marcas pessoais manifestas no

desenvolvimento temático e na organização textual” (BRASIL, 2009, p. 123). A

proposição de soluções para a situação exposta no tema será avaliada considerando-se o

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desempenho do aluno como um autor possuidor de repertório cultural produtivo

(competência III e V).

Antes de passarmos à análise dos resultados da prova, apresentamos alguns

números do exame. O Enem 2008 foi realizado por 2.920.560 participantes com a idade

média de 17 anos (19,2%), 50% egressos do ensino médio, não necessariamente

concluintes recentes. O tipo de escola frequentada por 82,5% dos participantes foi a

modalidade de ensino regular na escola pública. 80,5% não fizeram curso preparatório

para o vestibular e as leituras, esporádicas, eram de jornais e revistas. Como

mencionado anteriormente, a motivação maior dos participantes para a execução do

exame era o acesso ao ensino superior (80%)17

. 42% dos participantes elegeram a

continuidade dos estudos como maior contribuição do ensino médio para sua vida

pessoal, em vez de preparo para atuar no mercado de trabalho.

Relembremos que o Enem 2008 elencou como competências as ações ou

operações de: dominar e fazer uso; construir, aplicar e compreender; selecionar,

organizar, relacionar, interpretar, tomar decisões e enfrentar situações-problema;

relacionar e argumentar; recorrer, elaborar, respeitar e considerar. Se essas ações são

mediadas pela escrita e pela leitura, o que os resultados do exame em questão indicam e

quais análises podem ser feitas?

Comecemos pela nota máxima estipulada para ambas as partes, 100, assim, a

média dos participantes ficou em 41,7 na parte objetiva e 59,4 na redação. O

desempenho geral nas duas modalidades da prova situou-se na faixa de “insuficiente a

regular” com 53,46% dos participantes na parte objetiva e 59,72% na redação. Do total

de examinandos, apenas 0.05% obtiveram a nota máxima. As competências IV e V

foram responsáveis pelo menor desempenho o que indica uma porcentagem de 40% de

participantes que apresentaram capacidade “insuficiente ou regular” em relacionar

informações, construir argumentação e elaborar propostas de intervenção.

Se considerarmos a análise pedagógica realizada item a item (questões da prova)

(p. 225- 299), mais especificamente os itens que enfatizavam diretamente a leitura e a

interpretação de textos verbais e não verbais para a solução, temos como resultados:

17

Desse contingente, apenas 7% pretendiam seguir a carreira do magistério. Situação paradoxal, pois o

curso de Pedagogia é o terceiro maior do país em número de matrículas, conforme apresentaremos mais

à frente.

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46

1- 88% dos participantes não demonstraram reconhecer as diferenças entre os níveis de

linguagem formal e informal (item 1) e 52% (item 14);

2- 77% não estão familiarizados com a linguagem científica (item 5);

3- 70% não souberam interpretar leis e estabelecer relações (item 7) e 11% (item 49);

4- 67% não conseguiram interpretar os dados de um gráfico (item 8), 61% (itens 30 e

45), 71% (item 31); 61% um diagrama (item 22); 60%, uma tabela (item 52); 66%, um

boleto de cobrança de mensalidade de uma escola (item 33);

5- 62% desconhecem a diferença entre os conceitos “absorver” e “reagir” (item 18),

24% não souberam o significado de “dessalinização” (item 25), 25% não decodificaram

a palavra “integral” (item 27), 42% não relacionaram a definição da palavra “indício” a

imagens apresentadas (item 37), 71% desconhecem a expressão “região não

codificadora e fenótipo” (item 53);

6- 64% não interpretaram um texto baseando-se em fatos contemporâneos (item 26);

7- a maior parte dos participantes não fez uma leitura atenta do texto de modo a

interpretar e estabelecer relações: 52% (item 32), 60% (item 39), 63% (item 41), 32%

(item 47), 83% (item 58), 51% (item 59), 65% (item 60), 45% (item 62);

8- 90% demonstraram desconhecer o gênero “crônica” e sua relação com o contexto de

produção, confundindo-a com reportagem jornalística, conto ou romance policial (item

46);

Os déficits observados na prova objetiva se estendem à redação. Para essa parte

da prova, o aluno recebeu um tema e um texto para ler, interpretar uma situação-

problema e escrever uma proposta de intervenção. A redação, assim como a parte

objetiva, também se baseou em cinco competências e apresentou o seguinte

desempenho dos participantes:

1- 98,15% não dominam a norma culta da língua portuguesa escrita;

2- 98,52% não souberam desenvolver o tema dado em um texto dissertativo;

3- 99,31% não são capazes “de selecionar, relacionar, organizar e interpretar

informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista” (p. 136). A

mesma porcentagem é relacionada aos alunos que apresentaram um texto sem coesão;

4- 99,37% não demonstraram capacidade de elaborar uma proposta de intervenção

relacionada ao tema e a discussão inerente a ele;

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47

Se colocarmos em paralelo esse e outros resultados de análises feitas com alunos

de ensino médio, concordamos com o número de 90% de alunos que terminam esse

grau de ensino sem demonstrar o nível de conhecimento esperado18

. No entanto, boa

parte desses participantes utiliza a nota obtida no Enem para ingressar no ensino

superior, na modalidade pública ou privada o que nos leva a acreditar que o aluno que

entra no ensino superior não está preparado para as demandas de conhecimento deste.

Não nos cabe, neste trabalho, adentrar essas questões, mas não podemos ignorar que um

aluno que ingressa no ensino superior passou por várias fases de ensino-aprendizagem,

e, no entanto, demonstra pouca habilidade no uso da língua, seja na leitura e

compreensão de textos ou mesmo na escrita (FARACO, 1984; 2000).

Além dos resultados indicados pelo Enem, a redação de um texto, instrumento

de acesso a várias universidades privadas no país, detecta esses déficits de linguagem.

Mais adiante, apresentaremos alguns números de acesso à educação superior, por

enquanto analisamos os resultados de outro exame em larga escala, o Pisa.

b) Pisa

O Programme for International Student Assessment (sigla em inglês Pisa) -

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes é um exame aplicado a cada três

anos a alunos na faixa dos 15 anos, idade média para o término da educação básica na

maioria dos países participantes. No Brasil, são considerados os alunos da sétima série

até o ensino médio, em função da nova categorização do Ensino Fundamental. Isso

revela que, se com 15 anos o aluno brasileiro estiver na sétima série, ele estará, no

mínimo, com uma defasagem de quatro anos no ensino em relação aos colegas dos

países desenvolvidos evidenciando um nível de repetência ainda alto.

A iniciativa de promover esta avaliação é desenvolvida e supervisionada pela

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)19

e a

18

Censo Escolar 2011. Disponível em http://portal.Inep.gov.br/basica-censo. Acesso em: 12/06/2013.

19 A OCDE é um consórcio internacional e intergovernamental com sede em Paris, que agrupa os países

mais industrializados para a troca de informações e definições políticas para a melhoria da economia e

do bem-estar social. São 34 os países membros da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica,

Canadá, Chile, Coreia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França,

Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Nova

Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, República Eslovaca, Suécia, Suíça,

Turquia. O Brasil é considerado um país parceiro para essa finalidade. Disponível em:

http://www.oecd.org. Acesso em: 15∕03∕2013.

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coordenação nacional brasileira é realizada pelo Inep que se responsabiliza pela

aplicação do exame. A sistemática de seleção inclui o envio por parte das escolas de

listagem com nomes de alunos elegíveis que serão posteriormente sorteados. Assim, a

prova é realizada de maneira amostral e em 2009 foram considerados até trinta alunos

por escola.

Criado em 2000, o exame objetiva a melhoria da qualidade do ensino por meio

de indicadores qualitativos e quantitativos que permitam aos sistemas educacionais

conhecerem o perfil educacional de seus jovens em comparação ao de outros países.

Esse conhecimento deve guiar as ações políticas educacionais de cada país, focando,

principalmente, na distribuição de recursos necessários para a eficiência do serviço

oferecido. Essa avaliação internacional teve papel preponderante na criação do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007. O índice é medido a cada dois

anos e proporciona análises da qualidade de cada escola e de cada rede de ensino.

Baseado nas notas dos países participantes da OCDE nas edições do Pisa, o Inep/MEC

pretende atingir a mesma nota seis em 2022.

Os Resultados Nacionais- PISA 200920

demonstram que a avaliação foi feita em

65 países∕ 67 economias21

. Na quarta participação do Brasil, foram contemplados

20.127 alunos em um total de 947 escolas distribuídas nas vinte e sete unidades da

Federação. O país obteve 401 pontos contra 368 da primeira edição em 2000, o que o

caracteriza como um dos países que mais cresceram em desempenho. Questões

socioeconômicas e culturais também são apontadas pelo exame e correlacionadas aos

resultados, mas por questões metodológicas, não as abordaremos nesta introdução.

Uma das fundamentações teóricas apresentadas considera o letramento ponto

central do exame. O relatório define letramento como “capacidade de o estudante ir

além dos conhecimentos escolares, raciocinar e refletir ativamente sobre seus

conhecimentos e experiências o que caracteriza as competências que serão relevantes

para a vida” (OECD, 2010, p. 19). O texto em inglês enfatiza a diferença entre Leitura e

letramento em Leitura, postulando que o primeiro é comumente compreendido como

20

Consideramos para a pesquisa os dados do penúltimo relatório divulgado pelo Inep em sua página da

internet. Em 2012 foi realizado o último exame, mas seus resultados somente seriam divulgados em

2014, tempo inviável para a finalização desta tese. Os resultados de 2009 estão disponíveis em

http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2012/relatorio_nacional_pisa_2009.

pdf. Acesso em: 20/06/2013.

21 A China é uma nação parceira da OCDE e divide-se em três economias na prova do Pisa: Hong Kong,

Taiwan e Xangai.

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decodificação simples ou até a Leitura em voz alta. O conceito de letramento é mais

amplo e profundo caracterizando-se por uma gama variada de competências, como

conhecimento linguístico básico, estrutura textual e conhecimento de mundo. São

consideradas as habilidades de emprego de variadas estratégias de leitura no

processamento dos textos escritos com vários objetivos e usados em diferentes situações

(OECD, 2010, p. 23).

Em cada edição, o conteúdo do exame prioriza uma área de conhecimento entre

as três estipuladas: Leitura, Matemática e Ciências; assim, os exames de 2000 e 2009

enfatizaram o domínio da Leitura22

. Cada área segue uma definição específica de

letramento e, para a área de leitura, apresenta-se por meio de textos que vão explorar a

capacidade de compreensão, envolvimento, reflexão e aplicação, em um processo ativo

de construção de conhecimento para uma participação mais ampla na sociedade. A

ênfase é dada ao “ler para aprender” (p. 20) o que isenta os alunos de avaliação dos

níveis básicos de Leitura. Além das definições e características que são distintas das

outras áreas, o relatório Pisa 2009 (BRASIL, 2012, p. 20-22) também descreve o

formato dos materiais oferecidos e as competências envolvidas em cada contexto de

avaliação.

A prova constitui-se de conjuntos de itens que envolvem um texto de estímulo

seguido de questões de interpretação, assim cada conjunto constitui uma unidade. Cada

questão é avaliada em sete categorias: situação, formato do texto, tipo de texto, aspecto,

formato, dificuldade e objetivo da questão que podem ser descritos:

1. Situação e contexto da Leitura- Uso para o qual o texto é construído:

a. pessoal- atende ao próprio interesse intelectual ou prático e inclui cartas pessoais,

biografias, textos de ficção, informativos, etc.

b. público- relacionados à participação na sociedade e incluem documentos oficiais,

informações sobre eventos e notícias de interesse da coletividade;

c. educacional- utilizado no ambiente escolar e inclui livros didáticos ou softwares

educacionais, ambos não são escolhidos pelo leitor;

d. ocupacional- relacionadas ao mundo do trabalho como uma tarefa imediata ou futura

como a Leitura de um anúncio de jornal.

22

Mantivemos as iniciais maiúsculas conforme o apresentado pelos Resultados Nacionais PISA 2009.

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A prova impressa dedicou, respectivamente, 30%, 25%, 15% e 30% das

atividades aos aspectos do texto elencados acima, enfatizando, assim, os textos pessoais

e ocupacionais.

2. Formato dos materiais de Leitura – Textos veiculados em suportes diversos como os

escritos à mão, impressos e digitais e dividem-se em:

a. contínuos- organizam-se em sentenças, parágrafos, capítulos de livro;

b. não contínuos- organizam a informação de maneira diversa e apresentam-se como

listas, gráficos, mapas, tabelas, etc.;

c. combinados- abrangem textos contínuos e não contínuos, por exemplo, a

apresentação de um gráfico e um comentário do autor para explicá-lo;

d. múltiplos- são formados por dois ou mais textos diferentes que objetivam provocar a

capacidade de reflexão.

Dos textos dedicados à avaliação da Leitura, 60% eram contínuos e explorados

em questões que envolviam estabelecer conexões entre conteúdos implícitos ou

explícitos como relações de causa e efeito. As tarefas relacionadas a esses textos

concentraram-se na localização, interpretação ou avaliação de informações (OECD,

2010, p. 78)

3. Tipo de texto- Estrutura retórica:

a. descritiva- informações de propriedades de objetos no espaço;

b. narrativa- informações de propriedades de objetos no tempo;

c. expositiva- apresentação de conceitos complexos;

d. argumentativa- apresentação de proposições;

e. instrutiva ou prescritiva- fornecimento de orientações;

f. interativa- possibilidade de troca de informações.

4. Aspecto- Competências envolvidas com o propósito do leitor em relação ao texto lido

e a própria experiência:

a. localizar e recuperar – identificação de elementos essenciais do texto, comparação

destes com o enunciado da pergunta e sua utilização para encontrar a informação

pedida;

b. integrar e interpretar- compreensão do texto lido a partir de comparações e contrastes

de informações;

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c. refletir e analisar- conhecimento de estrutura textual, gêneros e tom avaliativo para

reconhecimento de nuanças na linguagem que revelem a utilidade do texto e o uso que

se faz dele para atingir objetivos específicos (a prova impressa dedicou 50% das

atividades de Leitura a esse aspecto);

d. complexas- atividades com textos digitais que requerem processos diferentes dada a

fluidez e liberdade de organização do meio.

Os aspectos integrar e interpretar constituíram 50% das atividades que requerem

identificação do tema abordado, compreensão da mensagem e da intenção do autor por

meio da leitura global ou de parte do texto.

5- Formato da questão:

a. múltipla escolha simples- até cinco alternativas;

b. múltipla escolha complexa- séries de proposições para escolha;

c. respostas curtas- apenas uma resposta escrita;

d. respostas abertas construídas- uma resposta longa;

e- respostas fechadas construídas- resposta baseada em opções limitadas.

6. Dificuldade- São sete os níveis pré-estabelecidos de acordo com a dificuldade relativa

dos itens, definidos pela quantidade de alunos que conseguem acertar a resposta da

questão.

Para os países com médias abaixo de 460, a prova do Pisa 2009 apresentou mais

questões com essa faixa de escala de dificuldade. A média foi estipulada em 500 pontos

e um desvio padrão de 100. O desempenho do Brasil ficou em 412 pontos, sendo um

dos países que mais evoluíram nos anos de aplicação 2000 e 2009, considerando os dois

exames que enfatizaram a Leitura.

7. Objetivo da questão- É determinado para cada questão seguindo os aspectos

elencados (item 4 acima). Por exemplo: identificar a ideia principal de um texto

narrativo longo.

As questões caracterizam-se em sua maioria por apresentarem uma série de

proposições para que o aluno assinale a alternativa ou construa sua resposta. A prova

estipula sete níveis de proficiência em Leitura (1a, 1b, 2, 3, 4, 5 e 6), esse último o

maior nível em que se encaixam leitores capazes de fazer inferências múltiplas,

compreender um ou mais textos que trazem informações desconhecidas. A partir de

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elementos pouco perceptíveis no texto, avaliar informações e criar hipóteses com

precisão. Esse nível exige um alto grau de abstração do aluno.

O quinto nível além de exigir que o aluno localize informações e as organize a

partir da mais relevante, também demanda a criação de hipóteses a partir de

conhecimento especializado, ou seja, de um texto não familiar. A tônica desse nível é a

capacidade de lidar com conceitos que fogem ao senso comum.

O quarto nível demanda capacidade de recuperar pequenas informações no texto

apresentado a fim de fazer uma avaliação crítica com ou sem levantamento de hipóteses.

O texto deve ser analisado como um todo, detectando-se suas nuanças de linguagem. Os

textos são longos, complexos e pouco familiares.

Atuando como um nível intermediário, o terceiro foca na identificação de

informações que envolve comparação, contraste ou categorização para que a

interpretação seja o resultado da análise de conhecimentos comuns do cotidiano e sua

relação com o tema dos textos propostos. Não se requer compreensão detalhada de

elementos do texto.

O segundo nível caracteriza-se por atividades que requerem do leitor uma

localização de informações baseada em um elemento único no texto, assim não há ideias

conflitantes que possam desviar a atenção do leitor. Para tanto, o leitor deve partir de

pequenas inferências para realizar comparações entre o texto e seu conhecimento

pessoal.

O primeiro nível divide-se em dois: 1a, em que as informações a serem

encontradas estão explícitas em um texto de natureza familiar e o objetivo central é a

identificação do tema central da proposta do autor, em que há poucas ideias

concorrentes que podem confundir o leitor. Abaixo desse nível não são apresentadas as

habilidades requeridas.

A segunda divisão, 1b, reúne as atividades em que as informações a serem

encontradas são simples e o texto de baixa complexidade. Ao contrário do sexto nível

em que a atenção e as análises devem ser refinadas e precisas, esse nível caracteriza-se

pelo uso de conexões simples entre textos de conteúdos familiares.

A OCDE considera a classificação no segundo nível o mínimo de proficiência

em Leitura aceitável para alunos com 15 anos de idade, mas considera baixos os níveis

inferiores (1a, 1b). 27.1% dos estudantes brasileiros estão nessa classificação aceitável,

15,9% no terceiro nível, 6,1% no quarto, 1,2% e 0,1% nos quinto e sexto níveis,

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respectivamente. Mais alarmante que a frequência quase inexistente nos níveis

superiores é encontrar 49% dos estudantes brasileiros nos primeiros níveis ou abaixo.

Como descrito anteriormente, o Pisa 2009 considera o letramento em Leitura a

capacidade de “usar e refletir sobre textos escritos a fim de atingir os próprios objetivos

desenvolvendo conhecimento e potencial para participar na sociedade”23

(OECD, 2010,

p. 23). Isso põe em risco a participação efetiva e cidadã desses jovens na sociedade?

Não temos resposta a nossa própria questão, mas de posse desse conceito de

letramento e dos resultados do desempenho do aluno brasileiro, podemos afirmar que a

sexta economia do mundo24

tem estudantes que não conseguem compreender

completamente e em detalhes um texto com conteúdo e formato não familiares. A isso

se relacionam os hábitos de leitura que também não animam. Os dados revelam que a

leitura prazerosa é feita por 39% dos alunos em um período de meia hora ou menos.

41% têm dificuldade em terminar a leitura de um livro e a leitura de jornais é rara.

Dentre os 65 países participantes, o Brasil ficou na 53ª colocação em Leitura e,

apesar do baixo desempenho, subiu a média de pontos observada desde 2000

aproximando o país daqueles considerados referência em qualidade de educação.

De um modo geral, a formação básica de nossos jovens prossegue de

baixa qualidade. Isso dificulta, inclusive, a chegada na (sic) porta da

universidade de um contingente expressivo de jovens capazes de

concluir a contento um curso superior e de ocupar, posteriormente,

postos de trabalho demandantes de competências e habilidades cada

vez mais complexas e mutáveis. Nosso desempenho médio segue bem

inferior ao da maioria dos países (SOARES; NASCIMENTO, 2012, p.

85).

Conhecer o perfil do aluno brasileiro, seus conhecimentos linguísticos e

discursivos em relação às habilidades de leitura e escrita, ajuda-nos a situar esses jovens

quando acessam o ensino superior. Os dados apresentados e discutidos aqui servem para

definir nosso contexto de pesquisa e a delimitação do corpus de estudo relacionados ao

terceiro nível de ensino da educação brasileira.

1.1.2 A organização do ensino superior brasileiro e as escolhas do ingressante

23

Traduzido de: “Reading literacy is understanding, using and reflecting on written texts, in order to

achieve one’s goals, to develop one’s knowledge and potential, and to participate in society”. 24

Classificação do Centre for Economics and Business Research (CEBR). Disponível em:

http://www.cebr.com/browse-reports/. Acesso em: 24/06/2013.

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54

A pesquisa realizada para a construção desta tese, a escolha do corpus e do

objeto de estudo situam-se também no contexto social e institucional do ensino superior

brasileiro. Contextualizaremos essa esfera antes de apresentar a delimitação do corpus.

Iniciamos com uma retrospectiva histórica e aportamos em 1968, ano em que o

ensino superior brasileiro passou pela reforma universitária, traduzida na Lei nº 5.540,

de 28 de novembro, cuja meta inicial era a expansão da oferta de ensino público,

principalmente no setor federal. O documento também se concentrava em soluções para

uma maior articulação entre o conhecimento acadêmico e o mercado de trabalho.

Conforme Martins, (2009, p. 21) o ensino em nível superior da época “deveria ter

objetivos práticos e adaptar seus conteúdos às metas do desenvolvimento nacional”.

Infelizmente, mesmo com a proposta de uma reforma e o foco voltado à

universidade, o setor público não conseguiu ampliar a oferta de vagas de forma a

atender à demanda da época (também motivada pela expansão do ensino médio entre os

anos de 1947 e 1964). Isso motivou, ainda no bojo da reforma, o surgimento das

universidades privadas que pretendiam, entre outros objetivos, abarcar essa demanda

crescente e diminuir o elitismo do ensino superior.

A reforma teve muitos de seus artigos e parágrafos revogados pela Lei nº 9.394,

de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)25. Como um exemplo

das alterações realizadas, o Art. 1º da Lei de 1968 apresentava o objetivo do ensino

superior que era “[...] a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a

formação de profissionais de nível universitário”. Em seguida, passava à descrição de

características mais técnicas quanto às maneiras de criação dos cursos, quais tipos de

instituições eram adequados a fornecê-los, entre outras.

A Lei de 1996, em seu artigo 43, ampliou aquele objetivo detalhando a função e

propósito da universidade:

Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito

científico e do pensamento reflexivo;

II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos

para a inserção em setores profissionais e para a participação no

desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação

contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica,

visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e

25

A LDB pode ser encontrada em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. O Capítulo IV trata da

educação superior e abrange o texto compreendido entre os Art. 43º e Art. 57º.

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55

difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do

homem e do meio em que vive;

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e

técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o

saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de

comunicação;

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e

profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando

os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual

sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em

particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à

comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII - promover a extensão, aberta à participação da população,

visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação

cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição

(Brasil, 1996, p. 16).

Os objetivos elencados acima demonstram uma tentativa de definir as

especificidades do ensino superior enfatizando o conhecimento científico, o trabalho de

pesquisa e o aperfeiçoamento profissional. Lerche (2009, p. 1) comenta que “[...] a

reforma universitária empreendida naquele ano de tantas memórias ainda não

terminou”.

Concordamos com a pesquisadora, pois se percebe um esforço do MEC/Inep em

intensificar o cuidado com as instituições de ensino superior (IES) por meio de

constante aperfeiçoamento dos sistemas de avaliação. O Sistema Nacional de Avaliação

da Educação Superior (Sinaes), Lei nº 10.861/2004, regula, avalia e supervisiona

instituições públicas e privadas, cursos e o desempenho dos estudantes nas dimensões

relacionadas ao ensino, à pesquisa, extensão, responsabilidade social e outros aspectos

administrativos. Além das visitas in-loco, faz parte da avaliação o Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes (Enade) que objetiva verificar o domínio do currículo

construído para cada curso e estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN) 26

que orientam os cursos de graduação. Um nível de ensino com características

próprias mostra-se organizado para receber ingressantes e produzir egressos aptos para

o mercado de trabalho em todo o país.

Da época da Reforma Universitária aos dias de hoje, é sabido que o número de

vagas tem crescido vertiginosamente entre universidades brasileiras públicas e privadas.

26

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos superiores podem ser encontradas em

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12991/ Acesso em:

11/03/2012.

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56

O último censo (2011)27

avaliou o sistema nacional de ensino superior e apurou 2.365

instituições; 30.420 cursos de graduação presencial e a distância ofertados; 6.739.689

matrículas totais das quais 992.927 são da modalidade a distância (14.6%). Entre os

anos de 2001 a 201128

houve um aumento percentual de 11,4 nos cursos tecnológicos,

6,3 no bacharelado, 0,1 nas licenciaturas. Apesar desse crescimento dos tecnológicos,

sua participação nas matrículas é de 12,9% contra 66,9% dos bacharelados e 12.9% das

licenciaturas.

Além da modalidade de graduação, a categoria administrativa da instituição,

pública ou privada, também é considerada no censo. A rede pública teve uma variação

de 95,3% no total de ingressantes, enquanto a privada, 134,3%, levando em

consideração os anos de 2001 a 2011. Em 2011, a participação da rede privada foi

responsável por 73,7% (4.966.374 alunos) no total de matrículas no ensino superior

brasileiro.

Dentre as regiões do Brasil, a Sudeste apresentou um número de 48,7% no

percentual de matrículas realizadas entre 2001 e 2010 para cursos presenciais. Em 2011,

essa região foi responsável por 3.110.913 matrículas, 2.538.805 na rede privada. Só no

estado de São Paulo, o total de ingressantes foi de 1.704.616. Com esses números, a

região Sudeste é seguida pela Nordeste com 1.326.656 e a Sul com 1.144.303

matrículas.

A participação das IES privadas nos gráficos comparativos não é algo novo, mas

indica mudanças no perfil do ensino superior no Brasil. Pinto (2004) apresenta um

breve histórico a esse respeito, informando que em 1960, antes da Reforma, o setor

privado da educação superior era responsável por 44% das matrículas. Em 2002, esse

número cresceu para 70%, o que caracterizou o Brasil, e assim ainda permanece, um

dos países com a maior taxa de privatização nesse nível de educação permitindo afirmar

que, em 2004, “a participação do setor privado nas matrículas no Brasil é quase três

vezes maior que a da média dos países da OCDE” (PINTO, 2004, p. 730).

O número parece expressivo, mas mesmo contando com processos em direção a

melhorias como a Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68) e a promulgação da

27

Disponível em: http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse. Acesso em: 22/02/ 2013.

28 Disponível em:

http://download.inep.gov.br/educação_superior/censo_superior/documentos/2011/divulgação_censo_20

11.pdf. Acesso em: 28/08/2012.

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57

LDB em 1996 (Lei n. 9.394/96), ainda não temos participação significativa da

população no ensino superior29

.

Para um avanço em direção a um ensino de qualidade e que atenda às demandas

da sociedade moderna, é preciso considerar o perfil do aluno que frequenta a

universidade e buscar dados sobre essa população crescente o que os exames em larga

escala têm fornecido satisfatoriamente. Conhecem-se, pelos resultados, as deficiências

linguísticas do aluno ingressante, e essas informações podem guiar o ensino em sala de

aula. No entanto, esse conhecimento não é suficiente, pois ainda são necessárias

informações sobre o perfil profissional esperado do formando, perfil expresso por

habilidades e competências desenvolvidas em sua passagem pelo curso escolhido.

Para suprir essas informações, sem desviar dos contextos oficiais, abordaremos

as DCN que constituem orientações curriculares às IES. São documentos oficiais,

comumente expressos em pareceres e resoluções, que contemplam elementos essenciais

para cada área do conhecimento visando o desenvolvimento intelectual e profissional do

aluno universitário pautando-se pela flexibilidade e qualidade de formação oferecida.

Por flexibilidade entende-se que a universidade tem autonomia na organização de seus

currículos o que é assegurada pela LDB. Essa autonomia caracteriza-se por liberdade,

criatividade e responsabilidade das instituições de ensino que devem fixar um currículo

alinhado com a formação de um profissional adaptável a situações novas, não

dependente de conhecimentos solidificados e inertes.

O documento de criação das DCN, Parecer Nº: 776/9730

, estabeleceu as normas

gerais para a construção dos currículos31

dos cursos de graduação e, ainda, reafirmou a

autonomia das IES em definir suas atividades de ensino. Por essa razão, as DCN não

29

De acordo com o divulgado pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em

2010, a população brasileira constituía-se de 190.755.799 pessoas. Se em 2011, 6.739.689 alunos

matricularam-se em um curso de graduação, isso representa apenas 3,53% da população brasileira no

ensino superior. (Dados demográficos disponíveis em

ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/ta

b1_1.pdf. Acesso em: 20/06/2013.

30 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1997/pces776_97.pdf. Acesso em:

11/03/2012.

31 Na avaliação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Administração, Pedagogia,

Enfermagem e Letras, apenas nas do curso de Letras, encontramos a definição de currículo: “[...] todo e

qualquer conjunto de atividades acadêmicas que integralizam um curso” (p.29). Essa definição abrange

o conceito de atividade acadêmica curricular que e “[...] aquela considerada relevante para que o

estudante adquira competências e habilidades necessárias a sua formação e que possa ser avaliada

interna e externamente como processo contínuo e transformador, conceito que não exclui as disciplinas

convencionais” (p. 29).

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estabelecem currículos mínimos profissionais a serem seguidos32

, apenas indicam os

tópicos de estudo que devem ser contemplados no projeto pedagógico do curso. Seu

objetivo principal é guiar os cursos para que não sejam apenas transmissores de

conhecimentos e informações, ao contrário, que estimulem práticas de estudo para o

desenvolvimento da autonomia e um processo de formação permanente que se estendam

além do diploma de graduação. Em outras palavras, as diretrizes pretendem direcionar

os cursos “no sentido de oferecer uma sólida formação básica preparando o futuro

graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do

mercado de trabalho e das condições de exercício profissional” (BRASIL, 1997, p. 1-2).

Mais adiante serão apresentadas algumas características gerais desses

documentos e algumas especificidades de três cursos. Continuando nessa linha de

apresentar o perfil do aluno ingressante na universidade, o que pode ser verificado com

os resultados do Enem e do Pisa, torna-se necessário conhecer quais são as normas a

serem observadas pelos sistemas de ensino quanto à construção dos seus currículos.

Antes de um estudo mais detalhado das DCN, ou seja, dos elementos estruturais

a serem observados pelos sistemas de ensino em seus currículos, apresentamos mais

resultados do Censo da Educação Superior 2011 que apresentam o perfil do aluno

ingressante na universidade e sua escolha de curso, esse último dado de maior interesse

para esse momento da pesquisa.

Os 30.420 cursos de graduação do país são agrupados em oito áreas básicas e

para cada uma apresenta-se o número total de matriculados e o de cada curso. O quadro

seguinte apresenta as áreas com seu total de matriculados e o curso com maior número

de alunos.

Área Básica de Cursos Total de

matrículas

Maior curso

da área

Total de

matrículas

1-Ciências Sociais,

Negocios e Direito

2.798.289 Administração 843.197

2-Educação 1.354.918 Pedagogia 586.651

32

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/61 e a Lei de Reforma Universitária 5.540/68,

estabeleciam que o Conselho Federal de Educação era responsável pela fixação dos currículos mínimos

dos cursos de graduação,válidos para todo o país. Por currículo mínimo entendia-se “[...] elevado

detalhamento de disciplinas e cargas horárias, a serem obrigatoriamente cumpridas, sob pena de não ser

reconhecido o curso, ou até não ser ele autorizado a funcionar quando de sua proposição, ou quando

avaliado pelas Comissões de Verificacão [...]” PARECER N.º CNE/CES 67/2003.

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59

3- Saúde e Bem-Estar

Social

931.571 Enfermagem 244.245

4- Engenharia,

Produção e Construção

759.873 Engenharia

Civil

144.648

5- Ciências,

Matemática e

Computação

423.372 Ciência da

Computação

130.356

6- Agricultura e

Veterinária

155.616 Agronomia 55.921

7- Humanidades e

Artes

154.915 Design 39.471

8- Serviços 144.140 Gestão

Ambiental

44.045

Quadro 4: Cursos com maior número de matrículas por área.

De acordo com os dados acima, as três maiores áreas de curso de graduação são

Ciências Sociais, Negócios e Direito; Educação; Saúde e Bem-Estar Social. Essas áreas

também são responsáveis pelos cursos que formam um maior número de profissionais

atualmente. Direito é o segundo maior curso do país com 723.044 alunos matriculados,

mas como também se situa na área de Ciências Sociais, consideramos de mais valia para

a pesquisa analisar os maiores cursos de três diferentes áreas do conhecimento. Por essa

razão, escolhemos as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Administração,

Pedagogia e Enfermagem para conhecer os seus pareceres, suas finalidades e como

abordam, o ensino de língua portuguesa.

a) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Administração

A Resolução nº 4, de 13 de julho de 200533

institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Administração que devem ser refletidas no

projeto pedagógico do curso. Para tanto, esse projeto deve contemplar o perfil do

formando, as competências e habilidades a serem desenvolvidas, os componentes

curriculares, o estágio supervisionado, as atividades complementares, o sistema de

avaliação, o projeto de Iniciação Científica ou Trabalho de curso, esse último, opcional

e o regime de oferta (matutino, vespertino e noturno).

O curso deve almejar, como perfil desejado do formando:

capacitação e aptidão para compreender as questões científicas,

técnicas, sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento,

observados níveis graduais do processo de tomada de decisão, bem

33

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces004_05.pdf. Acesso em: 12/06/2013.

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60

como para desenvolver gerenciamento qualitativo e adequado,

revelando a assimilação de novas informações e apresentando

flexibilidade intelectual e adaptabilidade contextualizada no trato de

situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários segmentos do

campo de atuação do administrador (BRASIL, 2005, p. 2).

Para atingir esse objetivo, as DCN estabelecem oito habilidades e competências

necessárias para a formação profissional. Apresentamos dois itens que se referem mais

diretamente ao uso da língua portuguesa: “II - desenvolver expressão e comunicação

compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas

comunicações interpessoais ou intergrupais”; “VII - desenvolver capacidade para

elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações [...]” (BRASIL, 2005, p.

2).

Percebe-se a ênfase colocada nas habilidades de comunicar-se e elaborar

projetos o que pode ser considerado uma dificuldade para o aluno, lembrando que o

Enem 2009 indicou o número de 40% dos participantes que não conseguem relacionar

informações para construir argumentação coerente em propostas de intervenção.

Como os cursos têm autonomia para desenvolver seus projetos pedagógicos, há

também liberdade na escolha dos conteúdos que devem manter inter-relações com a

realidade nacional e internacional em uma perspectiva de aplicabilidade aos contextos

organizacionais. Para tanto, as DCN dos cursos de Administração sugerem quatro

grupos de conteúdos (Conteúdos de Formação Básica, Conteúdos de Formação

Profissional, Conteúdos de Estudos Quantitativos e suas Tecnologias e Conteúdos de

Formação Complementar), sem, no entanto, nomear as disciplinas.

O primeiro grupo de conteúdos relaciona-se ao ensino da língua portuguesa e é

normalmente oferecido em disciplinas dos três semestres iniciais do curso. Contemplam

desde estudos sociológicos e antropológicos aos “relacionados com as tecnologias da

comunicação e da informação e das ciências jurídicas” (BRASIL, 2005, p. 2). Além

desses, os Conteúdos de Formação Complementar caracterizam-se por sua

interdisciplinaridade objetivando a heterogeneidade na formação acadêmica do aluno. O

ensino formal de língua portuguesa, às vezes se encaixa nesse grupo de conteúdos com

aulas de monitoria extraclasse, sempre dependente do estipulado pelo projeto

pedagógico do curso.

O grupo que abrange os Conteúdos de Formação Profissional e os Conteúdos de

Estudos Quantitativos e suas Tecnologias direciona-se a áreas de estudo mais

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diretamente alinhadas com a especificidade do curso e sua aplicabilidade no ambito das

organizações, como administração de recursos humanos, por exemplo.

O trabalho de curso é um componente curricular opcional, e as universidades

que o adotam costumam oferecer, dentro da disciplina de língua portuguesa, uma

iniciação à produção acadêmica. Percebe-se, no documento, pouca ênfase direta ao

ensino específico da língua portuguesa, mas as competências e habilidades elencadas,

em sua maioria, estão ligadas às habilidades de ler e escrever. Estas englobam práticas

de interpretação de texto, escrita administrativa e argumentativa, além de enfatizar o

desenvolvimento da expressão, que pode ser tanto na modalidade escrita quanto na

falada.

Passemos às DCN do segundo maior curso do país, Pedagogia que pertence à

área da Educação.

b) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Pedagogia

A Resolução nº 1, de 15 de maio de 200634

institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Pedagogia cujas orientações devem constar do

projeto pedagógico do curso. As DCN desse curso especificam o campo profissional do

formando que sera na área da educação em situações formais e/ ou não formais de

ensino. O exercício da docência deve ser: “na Educação Infantil e nos anos iniciais do

Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos

de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas

nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos” (2006, p.1).

A atividade docente compreende, além do contato direto com o aluno em sala

de aula ou em contextos extraclasse, planejamento, execução e coordenação de tarefas

inerentes do setor da Educação, o que envolve participação do profissional na gestão

dos sistemas e instituições de ensino. Na prática acadêmica, esse profissional será

também responsável pela produção e divulgação de conhecimento científico em vários

outros contextos que não só o escolar.

O projeto pedagógico do curso de graduação também deve refletir os princípios,

condições de ensino e de aprendizagem segundo as DCN. Mais especificamente, definir

e implementar:

34

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 14/06/2013.

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1- as competências e habilidades a serem desenvolvidas;

2- a estrutura do curso com: I- um núcleo de estudos básicos; II- um núcleo de

aprofundamento e diversificação de estudos; III- um núcleo de estudos integradores;

3- o estágio supervisionado prioritariamente na Educação Infantil e nos primeiros anos

do Ensino Fundamental;

4- as atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas escolhidas pelos alunos o

que pode ser realizado por meio da Iniciação Científica, atividades de extensão e

programas de monitoria;

5- o Trabalho de Curso.

Essa organização do curso, objetiva propiciar a formação de um profissional,

cujo perfil almejado é descrito em dezesseis itens. Apesar de a linguagem estar presente

em todas as atividades humanas, para fins metodológicos, selecionamos somente os

objetivos mais diretamente ligados ao uso da língua portuguesa na docência,

procedimento análogo ao realizado com as DCN do curso de Administração acima:

[...]

III - fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do

Ensino Fundamental, assim como daqueles que não tiveram

oportunidade de escolarização na idade própria;

[...]

VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História,

Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e

adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;

VII - relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação,

nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das

tecnologias de informação e comunicação adequadas ao

desenvolvimento de aprendizagens significativas;

[...]

XII - participar da gestão das instituições contribuindo para

elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e

avaliação do projeto pedagógico;

XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando,

acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em

ambientes escolares e não-escolares;

XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre

outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes

desenvolvem suas experiências não-escolares; sobre processos de

ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecologicos ;

sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho

educativo e práticas pedagógicas;

XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção

de conhecimentos pedagógicos e científicos (BRASIL, 2006, p. 2).

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Embora apenas os itens VI e VII mencionam língua portuguesa e linguagens,

todos os outros selecionados envolvem habilidades relacionadas a ler e escrever. Por

exemplo, o item III preconiza que o profissional da área de Pedagogia deverá estar apto

“a fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Fundamental,

assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria”

(p.2). A crianca em nível fundamental de ensino, principalmente a que não passou pela

educação infantil, está exposta às primeiras práticas formais da leitura e da escrita e,

para isso, necessita de um profissional que a acompanhe habilmente em sua

alfabetização. O item XII determina que o profissional seja capaz de participar na

elaboração do projeto pedagógico da escola, o que, entre outras habilidades, envolve

uma escrita competente e capacidade de argumentação.

Estamos nos atendo às especificidades do texto, mas não é demais ressaltar que a

prática do profissional da área tocará na escrita e na leitura boa parte do seu tempo, em

atividades de sala de aula ou extraclasse.

De posse desse perfil de formando, o curso deve se estruturar de forma a

contemplar três núcleos de estudos (básicos, de aprofundamento e diversificação de

estudos e integradores). O núcleo de estudos básicos e o que normalmente abrange o

ensino da língua portuguesa é oferecido nos primeiros semestres do curso. As

disciplinas que tratam das metodologias de ensino, que serão aplicadas posteriormente

na prática profissional com criancas, costumam ser ofertadas nos semestres

intermediários e finais dentro dos dois outros núcleos de estudos.

As DCN do curso de Pedagogia sugerem os núcleos de conteúdos e também não

nomeiam as disciplinas ficando a cargo da instituição definir os títulos. Um dos sete

conteúdos estipulados no núcleo básico e o que articula a “decodificação e utilização de

códigos” de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com

conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua

Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Artes, Educação Física;

(BRASIL, 2006, p.3).

O segundo núcleo compreende disciplinas voltadas à atuação profissional e deve

oportunizar ao formando;

[...]

b) avaliação, criação e uso de textos, materiais didáticos,

procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a

diversidade social e cultural da sociedade brasileira;

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64

c) estudo, análise e avaliação de teorias da educação, a fim de elaborar

propostas educacionais consistentes e inovadoras (BRASIL, 2006,

p.3).

Diferentemente das DCN do curso de Administração, as de Pedagogia enfatizam

diretamente a leitura e a produção textual por meio das competências e habilidades

estipuladas no perfil do formando. Este deve ser capaz de pesquisar, analisar e aplicar os

resultados de suas pesquisas em projetos de intervenção na área educacional, além da

pratica diária de sala de aula com seus alunos. Mais uma vez, as DCN enfatizam as

habilidades de produção textual e elaboração de propostas de intervenção, algumas das

deficiências detectadas pelo Enem.

O trabalho de curso é um componente curricular obrigatório e o seu

planejamento e desenvolvimento progressivo costumam ocorrer nas aulas da disciplina

de língua portuguesa e posteriormente em encontros de orientação com professores do

curso.

Vejamos agora as DCN de Enfermagem, curso de graduação da área do

conhecimento Saúde e Bem-Estar Social.

c) Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Enfermagem

A Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 200135

institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem, a serem consideradas

na construção dos currículos e projetos pedagógicos das IES. As DCN desse curso

especificam o campo profissional do formando na área da saúde em nível individual e

coletivo. Assim como nos dois outros cursos apresentados, essas DCN também não

restringem o campo de atuação do profissional, mencionando “programas de assistência

integral a saúde da crianca, do adolescente, da mulher, do adulto e do idoso” (2001, p.

2) e Sistema Único de Saúde (SUS).

O curso deve almejar, como perfil desejado do formando:

I - Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e

reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem,

com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios

éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de

saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional,

com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-

35

Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf. Acesso em: 12/06/2013.

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psicosociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de

responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como

promotor da saúde integral do ser humano; e

II - Enfermeiro com Licenciatura em Enfermagem capacitado para

atuar na Educação Básica e na Educação Profissional em Enfermagem

(BRASIL, 2001, p.1)

Desta forma, enfermeiro é o profissional formado nesse curso e, para adquirir

esse perfil, são estabelecidas competências e habilidades gerais e competências e

habilidades específicas. Como realizado anteriormente, selecionamos os textos de itens

que mais diretamente se relacionam ao uso e ensino da língua portuguesa, nesse caso os

estabelecidos para a comunicação e a educação continuada do profissional.

Competências Gerais:

[...]

III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e

devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas,

na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A

comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades

de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira

e de tecnologias de comunicação e informação;

[...]

VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de

aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática.

Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e

ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o

treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas

proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os

futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive,

estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a

formação e a cooperação por meio de redes nacionais e internacionais

(BRASIL, 2001, p. 2).

As competências referentes à comunicação e educação enfatizam a importância

da interação entre profissionais e o público envolvendo linguagens verbais e não verbais

além de enfatizar a habilidade de ler e escrever. Com essas competências, o profissional

torna-se responsável por seu aprimoramento constante em articulando os aspectos

técnicos da profissão com a área acadêmica/ científica.

Essas competências gerais direcionam a leitura para as competências e

habilidades específicas. Selecionamos as seguintes:

IV – desenvolver formação técnico-científica que confira qualidade ao

exercício profissional;

V – compreender a política de saúde no contexto das políticas sociais,

reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações;

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VIII – ser capaz de diagnosticar e solucionar problemas de saúde, de

comunicar-se, de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho,

de trabalhar em equipe e de enfrentar situações em constante

mudança;

XV – usar adequadamente novas tecnologias, tanto de informação e

comunicação, quanto de ponta para o cuidar de enfermagem;

XXIV – planejar, implementar e participar dos programas de

formação e qualificação contínua dos trabalhadores de enfermagem e

de saúde;

XXV – planejar e implementar programas de educação e promoção à

saúde, considerando a especificidade dos diferentes grupos sociais e

dos distintos processos de vida, saúde, trabalho e adoecimento;

XXVI – desenvolver, participar e aplicar pesquisas e/ou outras formas

de produção de conhecimento que objetivem a qualificação da prática

profissional (BRASIL, 2001, p. 2).

As práticas de escrita e da leitura estão subjacentes às habilidades específicas

que envolvem desenvolver formação técnico-científica; compreender a política de

saúde; usar adequadamente novas tecnologias; planejar programas de educação e

promoção à saúde e desenvolver pesquisas. O profissional deve ser capaz de pesquisar,

compreender a linguagem científica, desenvolvê-la adequando-a a seus propósitos de

planejamento e proposição de soluções de modo a agir como sujeito dentro da dinâmica

da atuação profissional. As mudancas constantes e rápidas da sociedade devem ser

refletidas em um profisisonal capacitado acadêmica e profissionalmente a analisar as

necessidades prioritárias da população que atende e agir com responsabilidade.

A partir dessas premissas de competências e habilidades para o perfil do

profissional de enfermagem, os projetos pedagógicos de curso devem organizar suas

disciplinas contemplando os conteúdos referentes às Ciências Biológicas e da Saúde,

Humanas e Sociais e específicas da profissão. O documento enfatiza um perfil de curso

que valoriza a interdisciplinaridade e, apesar de não abordar diretamente o ensino de

língua portuguesa, deixa subentendido o uso competente como pré-requisito para a

aquisição de boa parte das competências.

As DCN preveem ainda um trabalho de conclusão de curso, a cargo de um

docente que se torna responsável pelo planejamento, orientação linguística e supervisão

técnica da pesquisa.

Concluímos pelos textos que as três DCN apresentadas, além de sugerirem os

tópicos de estudo para a construção dos currículos, também se constituem como

propostas de organização do processo de ensino-aprendizagem baseadas no perfil

esperado para o estudante em formação e em vida profissional futura. Propõem-se a

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orientar, guiar, direcionar, mas não prescrever disciplinas e metodologias fixas, já que o

contexto maior da sociedade em si e das comunidades em que as universidades se

inserem têm características e necessidades diferentes umas das outras. Entende-se que

as diretrizes priorizam competências profissionais globalizantes que envolvem

processos de ser, saber e fazer. O formando deverá conhecer seu lugar acadêmico e

social, adequando seus conhecimentos aos novos conhecimentos e as demandas da

sociedade num contínuo e permanente processo de aprendizagem, propósito primeiro

das DCN.

Ao analisar os documentos apresentados parcialmente, procuramos estabelecer

uma relação direta com os resultados dos dois exames (Enem e Pisa) voltados a aferir

capacidades linguísticas dos egressos do Ensino Médio e futuros universitários. Ao

considerar o uso proficiente da língua um pré-requisito, visto que não há menção direta

à necessidade formal desse ensino na universidade, as DCN estabelecem uma distância

entre o que o aluno demonstra saber fazer ao ingressar e o que deverá ser capaz de fazer

quando formado. Não são consideradas as deficiências apontadas pelos exames e que

dizem respeito a muitas habilidades e competências estipuladas pelas DCN para o

exercício da profissão.

Entre aquilo que é proposto pelas DCN e que, consequentemente, orienta a

confecção das ementas dos cursos, existe uma realidade percebida por nossa experiência

na docência universitária que não pode ser ignorada e já discutida anteriormente nesse

trabalho: o aluno chega à graduação com deficiências de compreensão e de produção de

textos em situações formais. A ausência de ênfase no desenvolvimento das habilidades

apontadas pelos exames em larga escala pode acarretar dificuldade na aquisição

completa das competências necessárias para o exercício da profissão.

1.2 Construção do objeto de estudo e do corpus

Se eu penso num objeto, estabeleço com ele uma

relação que tem o caráter de um evento em processo.

Mikhail M. Bakhtin

De posse da discussão das esferas que se entrelaçam nessa pesquisa de

doutorado apresentamos nosso objeto de estudo, que como dito anteriormente, foi sendo

construído paulatinamente, à medida que avançávamos no estudo da teoria e do livro

didático escolhido.

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Assim, entendemos que, ao analisar um material de ensino criado para circular

em um ambiente universitário, considerando as necessidades desse contexto, esta

pesquisa articula três esferas: a editorial, a educacional e a institucional. Cada esfera por

si só tem funcionamento e objetivos diferentes entre si, daí nosso trabalho situar-se em

suas fronteiras. De maneira pontual, podemos dizer que as esferas imbricam-se devido

ao fato de estarmos lidando com um livro didático de língua portuguesa, um produto

cultural, concebido com o objetivo de sanar as necessidades linguísticas e discursivas de

um público que se insere em um contexto particular da educação superior.

Evidentemente, conforme apresentamos na Introdução e nos itens anteriores, trilhamos

um percurso que diz respeito a elementos editoriais, educacionais e institucionais, mas

ao chegarmos ao livro didático escolhido, passamos por essas questões, que o

constituem, e aportamos no discurso e no trabalho realizado com a linguagem.

Para tanto, procedemos a uma discussão a respeito das pesquisas realizadas

sobre o ensino de Língua Portuguesa no ensino superior, bem como de algumas obras

destinadas a esse ensino disponíveis no mercado editorial. De maneira geral,

procuramos inserir o ensino na universidade dentro de um arcabouço social maior, o da

educação brasileira e investigamos os resultados de dois exames de larga escala

realizados com estudantes de nível médio. A partir desses dados, chegamos ao universo

do ensino superior atual com seus maiores cursos em número de alunos e os

documentos oficiais que regem esse ensino.

Então, de posse desse arcabouço, no processo de construção do nosso objeto,

pudemos estabelecer três premissas de natureza diferentes, mas que se entrelaçam na

pesquisa:

a) Há um hiato entre o perfil dos egressos da escola básica e aquele esperado para o

ingressante no nível superior, especialmente no que diz respeito às habilidades

linguísticas, comunicativas e discursivas.

b) A produção de material didático de língua portuguesa para esses estudantes mobiliza

aspectos de linguagem que, de alguma forma, refletem e refratam o hiato mencionado

na primeira premissa.

c) Há uma relação indissociável entre linguagem e ética, a qual se reflete em uma

pedagogia comprometida com a formação de cidadãos leitores e produtores de textos.

As premissas postuladas e, portanto, envolvidas na investigação levaram-nos ao

interesse pelo ensino da escrita em um livro didático utilizado na universidade.

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Entendemos que o aluno ingressante no ensino superior apresenta problemas

linguísticos-discursivos em exames nacional e internacional, principalmente nas

questões de leitura e escrita e as DCN dos cursos de graduação reforçam a necessidade

dessas habilidades para a vida acadêmica em formação e a profissional decorrente dessa

e há um livro didático largamente mencionado nas ementas das universidades

pesquisadas, PTEU.

Como a leitura e a escrita são habilidades complexas e envolvem questões que

devem ser analisadas individualmente para, em seguida, compor um quadro

comparativo entre si, para os propósitos desta tese, e considerando questões práticas

relacionadas ao tempo de doutoramento, escolhemos analisar como o livro didático

propõe o ensino específico da escrita. Assim, num primeiro momento, procedemos à

leitura do livro integralmente e observamos que o conceito, assim como as práticas de

escrita, permeavam o texto, ou seja, eram apresentados em diversas partes dos capítulos,

além de uma seção específica. Desta forma, entendemos que seria produtivo

compreender o percurso do autor durante o capítulo quando apresenta a teoria e conduz

uma discussão acerca do que seja escrever em sociedade e na universidade.

Apresentamos, de modo geral, esses princípios e mapeamos esse percurso, mas para fins

de análise mais formal, acreditamos que a seção Prática de texto, até por seu destaque

no livro, poderia levar-nos a uma compreensão mais apurada da interação entre autor e

leitor na condução das propostas de escrita.

Alinhados com nosso objetivo central de analisar os reflexos da perspectiva

dialógica da linguagem na obra do autor, nosso objeto concretizou-se no trabalho de

linguagem que esse autor teve na construção do livro. De posse de todos os elementos

editoriais, educacionais e institucionais já mencionados, selecionamos como corpus

para análise final, as seções de cada capítulo responsáveis por uma prática formal de

produção textual escrita.

Nosso olhar detém-se em um comprometimento ético e as implicações estéticas

relacionadas ao trabalho de um autor em estabelecer uma relação discursiva com seu

interlocutor nas seções do livro destinadas ao ensino de produção escrita, a maior

deficiência apontada pelos exames de larga escala apresentados e uma habilidade

bastante requerida para o exercício profissional. Um trabalho de linguagem que se

estabelece na relação enunciativa proposta nessas seções.

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Detemo-nos na questão da autoria, mas partimos dos indícios enunciativos por

meio dos quais o autor constrói um objeto materializado linguisticamente que propõe

diversos tipos de interação com o outro. Quando analisamos duas edições de uma

mesma obra, consideramos o trabalho com a linguagem da edição original e da revista,

num trabalho de construção e reconstrução. É um trabalho de formulação e

reformulação de enunciados concretos que tem como objetivo construir uma interação

verbal que promova a formação de leitores e produtores de texto.

Para delimitar o tema de pesquisa, escolhemos a interação verbal que se

estabelece entre o autor e seu leitor nos enunciados destinados à explicação sobre a

produção de um texto e nos encaminhamentos de atividades (ou propostas de

atividades). Aprofundaremos o conceito de interação central para esta tese e o

situaremos no pensamento bakhtiniano mais adiante no item 2.1.2.

Convém levarmos em consideração, também, as relações autor-texto na

materialização do discurso didático que se expressa por meio de recursos enunciativos-

discursivos com marcas de formalidade ou oralidade nas apresentações teóricas e

também da relação de aproximação ou distanciamento entre destinador e destinatário,

nesse caso, autor e leitor-aluno.

Assim, buscamos apoio em suportes teóricos que fornecessem elementos para

análise das relações estabelecidas entre autor e texto dentro da obra analisada. Por serem

os autores do ponto de vista teórico bakhtinianos e do ponto de vista prático,

comentadores da obra de Bakhtin e autores de livro didático, focamos nos estudos de

Mikhail Bakhtin e do Círculo que apresentam uma discussão a respeito da concepção

dialógica da linguagem em interação como apresentaremos mais adiante.

Voloshinov/Bakhtin (1983b, p. 108-109), em tentativa de sistematização do

processo de criação de um autor, afirma que seu interesse de estudo é a ideologia da

vida que representa a totalidade das experiências humanas, refletindo e refratando a vida

social e as expressões relacionadas a elas. Essa ideologia dá sentido a cada ação e

intenção e a todos os estados de consciência. Por ser um “oceano inconstante e sempre

em mudanças”, na ideologia da vida surgem ilhas de sistemas ideológicos relacionados

à ciência, à filosofia e outros36

.

36

Paráfrase de: “The ideology of life gives meaning to our every action and deed, and to all our

‘conscious’ states. Out of this inconstant and ever changing ocean of the ideology of life there gradually

emerge the numerous islands and continents of ideological systems, those of science, art, philosophy

and political theory” (VOLOSHINOV/ BAKHTIN, 1983b, p. 108).

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Esses sistemas estão relacionados aos desenvolvimentos econômicos e técnicos e

dividem-se em camadas inferiores e superiores. Voloshinov/Bakhtin considera que as

camadas superiores da ideologia da vida possuem um “caráter criativo”, são socialmente

orientadas e é onde se situa a interação do autor com seus leitores.

É aqui que a linguagem comum e sua inter-relação são formadas (ou,

mais precisamente, sua orientação mútua). Ambos, autor e leitor,

encontram-se em um terreno não literário comum, talvez trabalhem no

mesmo lugar, participem das mesmas reuniões e encontros, bate-papo

na hora do chá, ouçam as mesmas conversas, leiam os mesmos jornais

e livros, vão os mesmos filmes. Este, então, é o lugar onde os seus

"mundos internos" são construídos, formatados e padronizados. Em

outras palavras, é um tipo especial de "hibridização" entre seus pontos

de vista e opiniões, uma espécie de hibridização da linguagem interna

de todo o grupo de pessoas [...] (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b,

p. 109, grifos do autor)37

.

Utilizando-se de situações da vida cotidiana, o autor apresenta sua concepção de

ideologia da vida cotidiana estabelecendo uma relação intrínseca entre autor e leitor. Há

entre eles uma linguagem interior e que ao mesmo tempo é exterior. Essa linguagem

interior é o material formado das relações que a pessoa mantém com seu grupo social ou

experiências de vida.

A linguagem, um produto da vida social, é tanto o material como o instrumento

no processo de transformar um trabalho de criação em realização propriamente dita (p.

111). O produto ideológico, o material criado, ainda requer uma modelagem técnica que

acontece no estágio final em que o autor orienta seu trabalho a um editor, esse, por sua

vez, representante do mercado editorial. O processo de dar vida a uma obra é chamado

pelo autor de “as dores do parto da palavra” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b, p. 112).

Voloshinov/Bakhtin argumenta que não há fronteiras claras entre o momento

inicial de criação do autor e seu encontro com o público, mas o leitor, mesmo que

presumido, é, desde o início do processo, um elemento essencial na estrutura do

trabalho, embora ocupem posições independentes no evento do enunciado.

37

Traduzido de: “It is here that their common language is worked out and their interrelationship (or, more

precisely, their mutual orientation). Both author and reader meet on common non-literary ground,

perhaps they work at the same place, they may take part in the same meetings and assemblies, chat over

tea, listen to the same conversations, read the same newspapers and books, go to the same films. This,

then, is where their “inner worlds” are built up, given shape, and standardized. In other words there is a

kind of special “hybridization” between their views and opinions, a kind of hybridization of the inner

language of the whole group of people […]” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983b, p. 109).

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Torna-se relevante afirmar que encontramos na obra do Círculo embasamento

teórico e metodológico de abordagem ao enunciado concreto suficientes, no entanto

mantivemos respeito aos dados emergentes do corpus e, para a análise da materialidade

linguística específica da interação estabelecida entre autor e leitor tornou-se necessário

recorrermos a alguns aspectos da teoria da enunciação de Émile Benveniste ([1946;

1956; 1958; 1962; 1970] 1976; 1989). Sua teoria da enunciação possibilita “a

compreensão das relações existentes entre língua, enunciação, discurso, sujeito,

subjetividade, intersubjetividade e diálogo” (BRAIT, 2001, p. 39).

Nossa teoria de base é dialógica e dela não nos afastamos, no entanto,

assumimos o pensamento de Brait quando afirma que o autor francês abre uma “brecha

no estruturalismo” ao abordar as formas linguísticas por um novo viés que passa a

considerar o sujeito que se enuncia por meio delas. Assim, empregamos em nossas

análises algumas de suas contribuições para o estudo das categorias formais da língua,

especialmente a intersubjetividade expressa pela categoria gramatical dos verbos e

pronomes.

Desta feita, e em relação às posições instauradas no discurso do livro,

procuramos seguir a nomenclatura apresentada e realizar nossas análises baseadas nos

conceitos desenvolvidos pelo Círculo. Como exemplo, podemos citar as expressões

empregadas para as relações estabelecidas no enunciado: a relação

“destinador/destinatário” (BAKHTIN, 2006d); “indivíduo”, “ouvinte”, “observador”,

“falante”, “interlocutor”, “participantes”/ “co-participantes no evento de fala”,

“pessoas”, “sujeito do discurso”, “autor”, “leitor” (VOLOSHINOV/ BAKHTIN,

1983a,b,c,d). Notamos que esses conceitos estão diretamente associados à concepção

dialógica da linguagem pelo fato de que põem em cena sempre o ‘outro’, possibilitando

o constante diálogo.

No que se refere a ensino, abordamos também algumas questões pedagógicas

que emergem da análise da linguagem do livro, considerando as especificidades da

visão dialógica do discurso.

Partindo da postura bakhtiniana, quando usamos o termo pedagogia,

nós nos referimos às práticas ontológicas e epistemológicas que vão

muito além dos textos prescritos ou resultados de aprendizagem que

determinam o que deve ser aprendido e como isso será “ensinado”.

[...]

Para nós, a pedagogia em seu cerne preocupa-se com relações,

atitudes e abordagens que acontecem entre pessoas em vez daquelas

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transmitidas de uma pessoa para outra (WHITE & PETERS, 2012, p.

9-10)38

.

Com essa visão de pedagogia, indissoluvelmente ligada à linguagem, sentimos a

necessidade de métodos comprometidos com a formação de cidadãos leitores e

produtores de textos. Assim, o interesse em penetrar no universo dialógico da

linguagem se apresentou e nosso objeto de pesquisa começou a ser delineado.

Construído nosso objeto e estabelecidas nossas categorias de análise, passamos à

descrição dos procedimentos metodológicos.

1.3 Metodologia de abordagem ao corpus e organização da tese

Esta pesquisa de doutorado, inserida na linha de pesquisa Linguagem e

Trabalho, já há algum tempo encampada por um grupo de estudos no LAEL, tem como

objeto o trabalho com a linguagem em um livro didático (PTEU).

O corpus de estudo desta tese constitui-se especificamente pelo capítulo de

ensino de gêneros discursivos e da seção Prática de texto do livro já indicado para, a

partir da interação discursiva estabelecida entre autor e leitor, reconhecer e analisar os

reflexos da concepção dialógica da linguagem no processo de construção da autoria. A

fim de compreender a filiação teórica dos autores, consideramos também como corpus

de estudo inicial o trabalho teórico individual de Carlos Alberto Faraco e Cristovão

Tezza procurando reconhecer as vozes teóricas com as quais eles dialogam.

De posse desse corpus e parafraseando Brait (2008b, p. 13-14), objetivamos

reconhecer, recuperar e interpretar as marcas e articulações enunciativas que nos

permitam compreender a heterogeneidade constitutiva do nosso objeto.

Por estabelecermos nossa análise em uma obra produzida por dois autores e o

foco deste trabalho recair na questão da autoria, faz-se necessária uma discussão sobre

esse fenômeno discursivo presente na obra de Bakhtin e um dos conceitos-chave que

mobilizamos teórico-metodologicamente. Pretendemos com essa explicação

padronizarmos nossas referências futuras.

38

Traduzido de: “Taking a Bakhtinian stance, when we use the term pedagogy, we refer to both

ontological and epistemological practices that reach far beyond prescribed texts or learning outcomes

that determine what will be learnt and how it will be “taught”(p.9) [...] “For us, pedagogy, at its most

fundamental, is concerned with relationships, attitudes, and approaches that take place between people

rather than those that are delivered from one person to another (p.10).

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Em Problemas da poética de Dostoievski [1963] 2008, O autor e a personagem

na atividade estética [1924-27] (In: Estética da criação verbal [1979] 2006) e O

problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária [1924] (In: Questões

de literatura e de estética: a teoria do romance39, [1975] 2010a) o filósofo russo

distingue autor-pessoa de autor-criador. Trazendo o conceito para o contexto desta tese,

o primeiro refere-se ao escritor, ao autor empírico, que são dois no livro didático, Carlos

Alberto Faraco e Cristovão Tezza. A segunda distinção, o autor-criador, é um

constituinte do objeto estético, ou seja, o construtor do todo que se posiciona

axiologicamente transpondo a realidade vivida, imersa em posições axiológicas, para o

plano da obra, também atravessada por valores.

No ato artístico, aspectos do plano da vida são destacados (isolados)

de sua eventicidade (por quem ocupa uma posição externa a eles, por

quem os olha de fora), são organizados de um modo novo,

subordinados a uma nova unidade, condensados numa imagem

autocontida e acabada. E é o autor-criador – materializado como uma

certa posição axiológica frente a uma certa realidade vivida e valorada

– que realiza essa transposição de um plano de valores para outro

plano de valores, organizando, por assim dizer, um novo mundo

(FARACO, 2011, p. 23).

Faraco e Tezza, no processo de escrita de seu texto (no ato ético), deslocam-se

do plano empírico (cadeia discursiva em que se inserem como escritores) para o plano

estético-discursivo, isto é, o discurso do autor-criador não é o discurso direto dos

autores empíricos (dos escritores), mas um ato axiológico de deslocamento para o plano

interior de um enunciado concreto. E é essa “nova unidade axiológica” que constrói o

autor, a consciência participante diretamente do evento (FARACO, 2011, p.24). O

autor-pessoa é um elemento constituinte do autor-criador, pois entre o ético e o estético

não há abismo. Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza assinaram vários textos

(dimensão ética) levando a uma obra que pode ser considerada de orientação

bakhtiniana (aspecto estético). Temos dois autores-criadores de discursividades teórica e

didática que constituem nosso corpus de estudo, pois objetivamos resgatar as cadeias

discursivas em que se inscrevem individualmente. Tezza ainda insere-se na

39

As edições de Questões de literatura e de estética: a teoria do romance e Estética da criação verbal

compõem uma coletânea de textos escritos por Bakhtin em períodos diversos, e ambas foram

publicadas, em russo, em 1975 e 1979, respectivamente. Desta forma, adotamos o padrão de identificar

o ano de produção do texto individual [entre colchetes] que depois passa a compor a coletânea e a

publicação da obra conjunta. As traduções brasileiras lidas e referenciadas foram feitas a partir do

original russo e indicaremos o ano de publicação em português.

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discursividade da esfera literária (escritor, artista), que não será aprofundada nesta

pesquisa. Faraco-Tezza passa a ser uma assinatura autoral na obra didática, mas

provenientes da assinatura de obras intelectuais individuais, mas que em vários

momentos dialogam e trocam conhecimentos.

É impossível ao autor-pessoa examinar objetivamente seu processo de criação e

o objeto criado, em relação a este fato:

O autor nos conta essa história centrada em ideias apenas na obra de

arte, não na confissão de autor – se esta existe - não em suas

declarações acerca do processo de criação; tudo isso deve ser visto

com extrema cautela pelas seguintes considerações: a resposta total,

que cria o todo do objeto, realiza-se de forma ativa, mas não é vivida

como algo determinado, sua determinidade reside justamente no

produto que ela cria, isto é, no objeto enformado; o autor reflete a

posição volitivo-emocional da personagem e não sua própria posição

em face da personagem; esta posição ele realiza, é objetivada, mas não

se torna objeto de exame e de vivenciamento reflexivo; o autor cria,

mas vê sua criação apenas no objeto que ele enforma, isto é, vê dessa

criação apenas o produto em formação e não o processo interno

psicologicamente determinado (BAKHTIN, 2006a, p. 5).

O sujeito do discurso de Bakhtin é “o autor de uma obra” e “revela a sua

individualidade no estilo, na visão de mundo, em todos os elementos da ideia de sua

obra. Essa marca da individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores

específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação

discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais o autor se

baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes hostis combatidas

pelo autor, etc.” (BAKHTIN, 2006b, p. 279).

Nossa proposta metodológica enfatiza o posicionamento adequado do autor-

criador, o que engendra a obra em relação às diversas práticas discursivas do arcabouço

teórico mobilizado nesta tese. Só assim o texto produzido aqui será efetivamente

dialógico. Para tanto, nossa busca de pesquisa é pela maneira com que o autor-criador

do enunciado, o sujeito do discurso, relaciona- se com seu leitor por meio do que

Bakhtin (2006c) chama de “expressões generalizadas” (p. 313).

Essa busca tem sido realizada por meio das categorias sugeridas pelo autor

russo: “pronomes pessoais, formas pessoais dos verbos, formas gramaticais e lexicais de

expressão da modalidade e de expressão da relação do falante com o seu discurso” (p.

313). Consideraremos dentro da classe de pronomes pessoais, os pronomes possessivos

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(adjetivos e substantivos) que estabelecem relação direta com os sujeitos que falam e

que se dirigem a alguém.

Então, a partir desse momento, com exceção ao capítulo em que descrevemos a

obra individual de cada autor-criador em separado, toda vez que estivermos nos

referindo ao livro Prática de texto para estudantes universitários (2011) ou Prática de

texto: língua portuguesa para nossos estudantes (1992) utilizamos o termo autor.

Esperamos com essa delimitação semântica e conceitual, estabelecer que nesta tese, as

relações dialógicas não esbarram na empiria do Faraco e do Tezza, o uso da palavra

autor, assim no singular, define uma assinatura Faraco-Tezza um autor-criador. A

autoria, conforme já estabelecido, é um conceito-chave deste trabalho e envolve

também um processo de construção de autoria que intentamos encontrar, a do leitor-

aluno nos encaminhamentos às produções textuais.

Nosso estudo da materialidade de PTEU inicia-se com uma comparação entre a

1ª e a 20ª edição do livro para que consigamos visualizar e entender as possíveis

alterações que se fizeram necessárias no percurso editorial do livro, ou seja, de 1992,

primeira edição a 2001, segunda edição reformulada. Além dessas diferenças e

semelhanças, a vigésima edição (PTEU) está dividida em duas partes (apresentação

geral do livro e tópicos de língua padrão), que serão descritas no capítulo 3. Assim, um

dos movimentos da investigação, será colocar em cotejo as duas propostas de divisão do

material para que possamos compreender o percurso de criação e organização do LD.

Este ou aquele ponto de vista criador, possível ou realizado de fato, só

se torna necessário e indispensável de modo convincente quando

relacionado com outros pontos de vista criadores: só quando nas suas

fronteiras nasce a necessidade absoluta desse ponto de vista, em sua

singularidade criativa, é que ele encontra seu fundamento e sua

justificação sólida; mas no seu próprio interior, fora da sua

participação na unidade da cultura, ele é apenas um mero fato, e sua

singularidade pode ser representada simplesmente como um arbítrio,

como um capricho (BAKHTIN [1924] 2010a, p. 29).

Se o ato cultural sustenta-se sobre fronteiras, sua subjetividade, seu “território

interior” (p. 29) não pode ser abstraído dessas fronteiras, sob o risco de

desaparecimento. Dessa ideia decorre nosso percurso metodológico de pesquisa que

considera a descrição e análise do corpus de estudo inicial formado pelas duas edições

do livro, pelas duas divisões do material e pela obra individual de cada autor-criador.

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77

Relembramos o nosso interesse pela interação verbal estabelecida entre o autor e

seu leitor e, para tanto, observamos as ocorrências dos pronomes pessoais, pronomes

possessivos e adjetivos, das formas pessoais dos verbos, das formas gramaticais e

lexicais que expressem a maneira pela qual o autor modaliza a linguagem, ou se

preferirmos, a maneira como o autor enuncia, para estabelecer seu discurso direcionado

ao seu leitor. Assim, direcionamos a pesquisa por esta metodologia:

1- A descrição inicial do corpus levou em consideração:

1.1- A concepção de língua, linguagem e ensino de língua de cada autor-criador.

1.2- A concepção de língua e linguagem de PTEU:

a) A interação verbal instaurada entre autor e leitor;

b) Os itens de língua propostos a serem ensinados pelo autor já no sumário e a

consequente retomada desses aspectos ao longo do corpo do texto;

c) As escolhas linguísticas, enunciativas e discursivas para tratar de aspectos

gramaticais.

1.3- A concepção de ensino de língua de PTEU:

a) O modo como o autor concilia o estudo do texto com foco na produção textual e a

abordagem aos aspectos gramaticais;

b) O tratamento dado à norma padrão da língua;

Reafirmando nosso referencial teórico que se ancora na concepção histórica,

cultural e social da linguagem em uso, emerge a linguagem pensada como atividade,

dentro de atividades específicas e concretas de comunicação efetiva entre os sujeitos e

os discursos envolvidos. (BRAIT, 2006/2008b). Assumindo essa concepção de

dialogismo como aspecto constitutivo dos processos que envolvem a linguagem na

perspectiva bakhtiniana como quadro teórico-metodológico (BRAIT, 2006),

fundamentamos nossas perguntas de pesquisa apresentadas anteriormente.

Nessa direção, pretendemos recortar no discurso de PTEU as instâncias de

interação estabelecida por meio da linguagem adotada por seu autor em direção a seu

leitor presumido, nesse caso, um aluno universitário em formação. A hipótese é que o

autor estabelece uma relação com seu leitor que demonstra a sua concepção de língua,

de linguagem e de como ensiná-la, considerando toda a experiência cotidiana de uso da

linguagem.

Assim, procederemos a esse recorte em consonância com uma busca de

fundamentação teórica nos textos de Bakhtin e do Círculo, detendo-nos, inicialmente

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nas obras Marxismo e filosofia da linguagem, [1929] 2004, Estética da criação verbal,

[1979] 2006d e Problemas da poética de Dostoiévski, [1963] 2008; nos artigos Los

elementos de la construcción artística [1928], Discurso na vida e discurso na arte

[1926]40, What is language?, The construction of the utterance, The word and its social

function [1930], os quatro últimos presentes em Shukman (1983); nos comentadores da

obra do Círculo e demais pesquisadores que propõem estudos da linguagem e ensino.

Por meio dessa pesquisa teórica, organizaremos o trabalho nas seguintes etapas:

1 - Apresentar a concepção dialógica da linguagem que pode ser depreendida das obras

estudadas de Bakhtin e do Círculo e confrontá-la com a teoria professada pelos autores-

criadores em seus escritos teóricos; 2 - Detalhar os conceitos de enunciado concreto e

autoria em relação intrínseca com a interação verbal; 3 - Descrever as duas edições do

PTEU (1ª e 20ª) e situá-las dentro da obra de seus autores; 4- Analisar os capítulos em

que o autor apresenta gêneros discursivos, sua relação com a construção da autoria e

identificar as instâncias de interação com o leitor-aluno. 5- Identificar as noções

construídas de linguagem, texto e gêneros e traçar um paralelo com o pensamento

bakhtiniano, realçando os pontos de encontro e os divergentes de forma a atingir nosso

objetivo de pesquisa; 6 – Reconhecer e analisar a materialidade da perspectiva dialógica

da linguagem nos encaminhamentos às atividades de produção textual.

Desta forma, este tese divide-se em capítulos que discutem os seguintes aspectos:

Capítulo 1 Percurso de construção do objeto de pesquisa: contexto sócio-histórico-

cultural; premissas da tese; categorias de seleção e análise do corpus.

Capítulo 2 A concepção de língua, linguagem e ensino de língua de Carlos Alberto

Faraco e Cristovão Tezza e a sua relação com o pensamento bakhtiniano. A concepção

dialógica de linguagem a partir do pensamento bakhtiniano. Desenvolvimento dos

40

O texto foi publicado originalmente em russo em 1926. Para esta pesquisa utilizamos “Discourse in life

and discourse in art: concerning sociological poetics” publicado em Freudianism: a Marxist critique,

tradução inglesa de I.R. Titunik, 1976, p.93-116. E, ainda, a tradução em lingua portuguesa, a que nos

referimos acima, feita para fins didáticos por Carlos Alberto Faraco e Cristovao Tezza, sem data, a

partir dessa tradução inglesa. Esse mesmo artigo foi publicado com o título “Discourse in life and

discourse in poetry: questions of sociological poetics” traduzido por J. Richmond e publicado em

Bakhtin School Papers: Russian poetics in translation, 1983a, p. 5-30. Com exceção desta última que

tem a assinatura de Bakhtin entre parênteses, as outras edições trazem a autoria de V. N. Voloshinov,

apenas.

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conceitos teóricos de enunciado concreto, interação discursiva e gênero discursivo. A

interação na perspectiva dialógica da linguagem; sua relação com o enunciado concreto

e a construção da autoria.

Capítulo 3 Descrição e análise do livro Prática de texto para estudantes

universitários. Análise da interação autor-leitor no Capítulo Dois- As linguagens da

língua-II. Diálogos instaurados entre a 1ª (1992) e a 20ª (2011) edição.

Capítulo 4 Diálogos com Bakhtin: as vozes discursivas que atravessam PTEU.

Articulação entre a concepção de linguagem dos autores-criadores e a que emerge da

seção Prática de texto. Conceitos bakhtinianos mobilizados pelo autor.

Considerações finais acerca do processo de análise do discurso didático de PTEU e da

confirmação ou não de nossa hipótese acerca do reconhecimento dos reflexos da

concepção dialógica da linguagem na construção da autoria, tal como apresentada nas

obras de Bakhtin e do Círculo.

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CAPÍTULO 2

Diálogos com a teoria∕ análise dialógica do discurso

______________________________________________________________________

Se um escritor [...] não quiser fazer parte da história

meramente como uma piada, se deseja ocupar

verdadeiramente e seriamente um lugar na história, ele

deve entender o que é linguagem, esta linguagem que

nos fornece um material tão especial e peculiar para

nosso trabalho criativo.

Valentin V. Voloshinov/Mikhail M. Bakhtin

Neste capítulo, os conceitos de língua e linguagem são discutidos na perspectiva

dialógica do discurso para, a partir dessa discussão, traçarmos um paralelo entre essa

concepção e a sua apropriação pelo autor de PTEU. Por meio desses conceitos,

compreender, também, o conceito de ensino de língua do autor. Partimos dos escritos

teóricos dos autores e da teoria∕ análise dialógica do discurso que emerge da obra de

Bakhtin e do Círculo.

2.1 Língua, linguagem e ensino: Bakhtin e o Círculo

Cada um de meus pensamentos, com o seu conteúdo, é

um ato singular responsável meu; é um dos atos de que

se compõe a minha vida singular inteira como agir

ininterrupto, porque a vida inteira na sua totalidade

pode ser considerada como uma espécie de ato

complexo; eu ajo com toda a minha vida, e cada ato

singular e cada experiência que vivo são um momento

do meu viver-agir.

Mikhail M. Bakhtin

O arcabouço teórico desta tese ancora-se na concepção histórico-social-cultural

da linguagem em uso de Bakhtin e pensadores do Círculo. Poderíamos facilmente, dado

o estágio em que se encontram as pesquisas baseadas no filósofo russo41, referirmo-nos

a uma teoria de linguagem bakhtiniana. No entanto, “ninguém, em sã consciência,

poderia dizer que Bakhtin tenha proposto formalmente uma teoria e/ou análise do

discurso, no sentido em que usamos a expressão para fazer referência, por exemplo, à

Análise do Discurso Francesa” (BRAIT, 2008b, p. 9, grifo da autora). Apesar disso,

Brait sustenta que é inegável o papel do pensamento bakhtiniano e suas ressonâncias

para os estudos da linguagem nas Ciências Humanas e que, mesmo sem estabelecer um

41

Em entrevista de 1973 a Viktor Duvakin, Bakhtin assim se autodefine: “Filósofo, mais que filólogo.

Filósofo, e assim permaneci até hoje. Sou um filósofo. Sou um pensador”.

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conceito definido, é possível assumir o nascimento de uma teoria/análise dialógica da

linguagem, ou como assinala Faraco (2001, p.29), uma teoria cultural. Brait (2012c, p.

79) ressalta ainda que o caminho percorrido por esse pensamento resultou “no que se

denomina, de maneira exclusivamente brasileira, Teoria/Análise Dialógica do Discurso

(ADD)” (grifo da autora).

A linguista trilha um “arcabouço teórico-reflexivo” quando apresenta a

contribuição dos estudos bakhtinianos a uma transdisciplinaridade de campos do

conhecimento, tais como educação, teoria da literatura, filosofia e outros.

Iniciar a apresentação da análise/teoria dialógica do discurso dessa

maneira significa, de imediato, conceber estudos da linguagem como

formulações em que o conhecimento é concebido, produzido e

recebido em contextos históricos e culturais específicos e, ao mesmo

tempo, reconhecer que essas atividades intelectuais e/ou acadêmicas

são atravessadas por idiossincrasias institucionais e, necessariamente,

por uma ética que tem na linguagem, e em suas implicações nas

atividades humanas, seu objetivo primeiro (BRAIT, 2008b, p. 10,

grifo da autora).

Ao considerar como “objetivo primeiro” as atividades humanas, Bakhtin (2006)

também diferencia o objeto das pesquisas conduzidas pelas ciências. Enquanto as

Naturais mantêm uma relação monológica com um objeto mudo e produz relatos sobre

ele, as Ciências Humanas se relacionam dialogicamente com o texto oral ou escrito,

considerando-o um objeto criado e vivenciado por alguém. O pesquisador dessa última

tem o seu pensamento guiado para interpretar e dar sentido ao pensamento de outro (s)

sujeito (s), cujo acesso somente se realiza por meio de textos. Então, se nas disciplinas

naturais “há uma relação sujeito/objeto; no segundo caso (Ciências Humanas), há uma

relação sujeito/sujeito [...]” (FARACO, 2009a, p. 43). E é nessa relação que se encontra

a diferença fundamental entre as ciências, ao que Bakhtin (2006, p. 307) acrescenta uma

ressalva importante: não há “fronteiras absolutas, impenetráveis”.

Desta forma, o estudo das produções humanas é possível por meio do texto,

ponto de partida da investigação científica. O texto é a realidade imediata do

pensamento e das experiências, dado gerador de todas as disciplinas (linguística,

filologia, crítica literária e outras), afinal “Onde não há texto não há objeto de pesquisa

e pensamento”; “Onde não há palavra não há linguagem [...]” (BAKHTIN, 2006c, p.

307, 323).

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Dessa perspectiva, a investigação considera o texto como um objeto com o que

se dialoga, ou seja, ele é assumido como um “tu, um interlocutor que se inclui na

construção do discurso científico das ciências humanas”, em vez de um “ele” de quem

se fala (BRAIT, 2004, p. 189). As Ciências Humanas são as ciências do texto, pois o

pesquisador contempla a expressão de um sujeito e se pronuncia sobre ela.

Brait (2008) persegue essa tese destacando a necessidade de uma compreensão

do que seja linguagem nessa teoria-análise e, para tanto, é preciso percorrer o conjunto

das obras do Círculo. Em um contexto partilhado de ideias, a linguagem se apresenta

como um conceito complexo e multifacetado, sem, no entanto, contradizer a unidade da

língua nacional (BAKHTIN, 2006, p. 261). Linguagem, então, seria a utilização da

língua efetuada por enunciados concretos, únicos, realizados em formas de uso

relativamente estáveis (os gêneros do discurso) em diversas práticas socioculturais, cuja

realidade fundamental é a interação verbal. Esses enunciados semipadronizados,

situados em variadas esferas da atividade humana, refletem e refratam posições

axiológicas dessa interação (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV42, [1929] 2004).

A linguagem pensada não somente como um sistema abstrato de elementos

invariáveis ou ainda como individual e variável, mas uma linguagem em uso que

combina ambas as dimensões dentro de atividades específicas e concretas de

comunicação efetiva entre os sujeitos e os discursos envolvidos nelas. (FARACO,

2009a, p. 22).

A questão da atividade humana, traduzida em atos concretos, tem nos primeiros

escritos de Bakhtin um lugar de destaque, sendo tratada, segundo Faraco (2009) de

forma detalhada em dois textos. O primeiro, Para uma filosofia do ato (BAKHTIN,

[1919-21] 2010) apresenta a linguagem como atividade e não um sistema de formas

com normas estáticas, como postulado pelo objetivismo abstrato, de cujo pensamento

Ferdinand de Saussure é um dos maiores representantes. O momento dado, vivido,

concreto é a verdade expressa em um enunciado.

Tenho para mim que a linguagem seja muito mais adaptada para

exprimir exatamente esta verdade do que para revelar o aspecto lógico

abstrato na sua pureza. Na sua pureza, o que é abstrato, é

verdadeiramente inefável43: cada expressão é muito concreta para o

42

Utilizaremos duas grafias para o nome do linguista russo, de acordo com a tradução utilizada

(Volochínov, em português e Voloshinov, inglês). 43

A tradução de Para uma filosofia do ato responsável (2010), por Valdemir Miotello e Carlos Alberto

Faraco, foi realizada a partir da versão italiana Per una filosofia dell’atto responsabile, 2009 que havia

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sentido puro, e deforma e ofusca sua validade e a pureza do sentido

em si. Por isto no pensamento abstrato não pegamos nunca uma

expressão em toda a sua completude.

Historicamente, a linguagem desenvolveu-se a serviço do pensamento

participante e do ato, e somente nos tempos recentes de sua história

começou a servir o pensamento abstrato (BAKHTIN, [1919-21] 2010b, p. 83-84).

A realização da expressão, da comunicação, isto é, seu produto e processo, o

enunciado, é apresentado como ato único, irrepetível, realmente presente em uma

situação responsiva, assim, interligando seu conceito à “situação concreta da sua

enunciação, bem como entre o significado do enunciado e uma atitude avaliativa”

(FARACO, 2009a, p 24).

O fato de que o tom emotivo-volitivo ativo, que penetra em tudo o que

é realmente vivido, reflita a inteira irrepetibilidade individual do

momento dado do evento, não o torna, de modo algum,

impressionisticamente irresponsável e ilusoriamente válido. [...] o tom

emotivo-volitivo busca expressar a verdade [pravda] do momento

dado, o que o relaciona à unidade última, una e singular.

[...] Neste sentido o próprio termo “unidade” deveria ser abandonado,

porquanto é muito teorizado; não a unidade, mas a singularidade de

uma totalidade absolutamente irrepetível, e a sua realidade [...]

(BAKHTIN, [1919-21] 2010, p. 92-93).

Nessa linguagem-atividade, o sujeito se situa em um “universo de valores” e, no

segundo texto a que Faraco se refere, “O autor e a personagem na atividade estética”

([1924-27] 2006a), Bakhtin defende um viver-tomada de posição diante do momento

vivido. Assim, quando o sujeito fala sobre algo, assume uma posição valorativa em

direção ao seu objeto, ou seja, sua palavra tem uma dimensão axiológica que lhe é

constituinte (FARACO, 2009b). Somente a palavra-forma restrita ao material é

axiologicamente nula.

sido traduzida do russo por Luciano Ponzio. No entanto, anos antes, Faraco e Tezza fizeram uma

tradução (não publicada) desse texto a partir da tradução inglesa Toward a philosophy of the act, 1993.

A tradução inglesa traz “That which is abstract, in its purity, is indeed unutterable […] (1993, p.31) em

que “unutterable” é traduzido para o português por não-enunciável, o que nos pareceu mais próximo

aos conceitos-chave do pensamento bakhtiniano. Faraco justifica o uso de não-enunciável por uma certa

recorrência de “não” no discurso filosófico. No entanto, de acordo com o tradutor, a edição italiana

optou pela palavra “ineffabile” o que foi mantido na nova tradução para o português. A primeira

tradução (FARACO; TEZZA) do inglês deverá sair em Portugal e o autor pretende manter não-

enunciável (informações obtidas por meio de trocas de e-mails com o autor).

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Em termos da forma artística, Bakhtin ([1924] 2010a, p. 21) a considera

“orientada sobre um valor além do material ao qual se prende e com o qual está

indissoluvelmente ligada”. Assim expande a ideia de que o enunciado é um ato

responsivo dentro de “um contexto cultural saturado de significados, valores [...], isto é,

uma tomada de posição nesse contexto (FARACO, 2009a, p. 25). Faraco ressalta que

nesse ponto assenta-se a teoria da refração do signo que será apresentada por

Volochínov em 1929.

O estudo que Bakhtin conduz dos atos humanos é dividido em dois planos: os

atos praticados por sujeitos definidos concretamente, os atos irrepetíveis e os atos

comuns, repetíveis dentro de uma dada atividade (SOBRAL, 2008, p.11). O desafio,

segundo Sobral, é o não apagamento das singularidades de cada ato específico, mas

também a possibilidade de se distinguir o que existe de comum entre os diversos atos

humanos. O desafio advém da natureza própria dos atos humanos que, ao longo da

história do conhecimento, já foram estudados de forma singular ou generalizada em que

ambas as polaridades não correspondem à condição humana.

“Em Bakhtin, ato/atividade e evento não se confundem com a ação

física per se, ainda que a englobem, sendo sempre entendidos como

agir humano, ou seja, ação física praticada por sujeitos humanos, ação

situada a que é atribuído ativamente um sentido no momento mesmo

em que é realizada” (SOBRAL, 2008, p. 13).

Por ação situada, percebe-se a noção marxista da “primazia da vida vivida, do

real concreto” (p. 19). “Trata-se da ação concreta (ou seja, inserida no mundo vivido)

intencional (isto é, não involuntária) praticada por alguém situado, não transcendente.

Destaca-se assim, o caráter da “responsabilidade” e da “participatividade do agente” (p.

20).

Para o Círculo, os seres humanos não são considerados apenas em sua dimensão

biológica ou empírica (psicofisiológica), mas inseridos em uma situação social e

histórica real, concreta de sujeito. Sujeito-agente, realizador responsável de discursos

dirigidos e em resposta a outro sujeito. Dizendo algo, de uma determinada maneira a

alguém, o sujeito é mediador entre o sistema formal da língua e os enunciados

responsivos e valorativos proferidos em situação real de uso da língua.

Esse pensamento supõe que a linguagem de que faz uso o falante em seus

enunciados, somente acontece em um contexto ideológico específico

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(VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1983a, p. 41). A palavra existe “saturada” de um

conteúdo e significado ideológicos e a desconsideração dessa relação constitui-se “um

dos erros principais do objetivismo abstrato” (p. 42). Ao considerar a dimensão

axiológica do enunciado, Bakhtin∕ Volochínov (2004) opõe-se ao pensamento formalista

cujas bases filosóficas opunham a linguagem poética à linguagem cotidiana. “Já

indicamos que o que falta à linguística contemporânea é uma abordagem da enunciação

em si. Sua análise não ultrapassa a segmentação em constituintes imediatos”

(BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2004, p. 124-125).

Esse olhar sobre a língua “realidade material específica da criação ideológica”

(p. 25) e a enunciação, a unidade-base da língua, seria papel de um novo campo

interdisciplinar.

Em textos como “Tipos de discurso na prosa. O Discurso dostoievskiano”44

([1963] 2008, p. 207-234), primeira parte do capítulo “O discurso em Dostoiévski”,

Bakhtin sugere uma nova disciplina chamada Metalinguística45

para o estudo das

práticas socioverbais concretas e das relações dialógicas, enquanto a Linguística se

ocuparia do estudo da palavra abstrata do sistema.

O filósofo russo amplia esse conceito ao sustentar que a Metalinguística deveria

atuar em conjunto, e não em fusão, com a Linguística no sentido de analisar o discurso

em sua realidade e não por meio de abstrações, apesar de não desconsiderá-la, dados os

seus resultados aplicáveis pelas pesquisas metalinguísticas. Assim, apesar de considerá-

la insuficiente para o estudo da comunicação verbal nos termos das relações dialógicas,

o autor não desqualifica a Linguística, pelo contrário, considera-a indispensável, uma

disciplina humana auxiliar cujos resultados devem ser aplicados (BAKHTIN, 2008;

2010a).

Ele ainda estabelece uma simultaneidade entre um ponto de vista externo, o

extralinguístico, e um ponto de vista interno, a língua “enquanto fenômeno integral

44

Capítulo 5. In: Problemas da poética de Dostoiévski (PPD- livro de Bakhtin escrito em 1929 com o

título de Problemas da obra de Dostoiévski corrigido e ampliado em 1963).

45 A primeira tradução desse termo do russo é de Julia Kristeva (1970) para o francês e nela aparece a

preferência da linguista por translinguística : “La science de cette polyphonie sera donc une science du

langage, mais non pas une linguistique: Bakhtine l’apelle metalinguistique. Ce terme étant aujourd’hui

réservé pour distinguer le statut hiérarchiquement supérieur d’un langage enfin vrai sur le langage, dit

‘objet’, en tant que système de signes, il serait plus juste de choisir le terme de translinguistique pour le

domaine que Bakhtine entrevoit” (p. 14, grifos da autora). Paulo Bezerra, tradutor da obra do russo para

o português (2008, p. XV), considera a escolha inadequada e reducionista para o conceito. Para o

tradutor brasileiro, Metalinguística representa melhor o projeto de Bakhtin de criação de uma nova

disciplina em fronteira com outras ciências.

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concreto” (BAKHTIN, 2008, p. 209). E é essa dupla orientação que constitui as relações

dialógicas, pois a língua só existe na comunicação dialógica de seus usuários, em

qualquer forma de uso (a linguagem cotidiana, prática, científica, etc.).

Quando Bakhtin (2008) afirma que a Linguística e a Metalinguística “estudam

um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético - o discurso, mas o

estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão”, entendemos que uma

das mais conhecidas concepções de discurso em Bakhtin seja o da “língua em sua

integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da linguística, obtido

por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da

vida concreta do discurso” (p. 207).

Essa concepção é explicada no texto referenciado acima para uma análise do

discurso no romance de Dostoiévski, mas o capítulo 5 de Problemas da poética de

Dostoievski também se constitui um daqueles momentos da obra de Bakhtin em que

podemos depreender seu conceito de linguagem na vida, ainda que com propósitos

deliberadamente literários.

Ao analisarmos a prosa, nós mesmos nos orientamos muito sutilmente

entre todos os tipos e variedades de discurso que examinamos. Além

disso, na prática cotidiana, ouvimos de modo muito sensível e sutil

todas essas nuanças nos discursos daqueles que nos rodeiam, nós

mesmos trabalhamos muito bem com todas essas cores da nossa paleta

verbal (BAKHTIN, 2008, p.231, grifos nossos).

Em outras palavras, considera-se como princípio recorrente em Bakhtin a

necessidade de apreensão dos objetos em sua totalidade o que significa considerar a

interação verbal do qual o enunciado é parte constitutiva. Assim recomenda que uma

análise estilística:

Deve basear-se não apenas e nem tanto na linguística quanto na

metalinguística, que estuda a palavra não no sistema da língua e nem

num “texto” tirado da comunicação dialógica, mas precisamente no

campo propriamente dito da comunicação dialógica, ou seja, no

campo da vida autêntica da palavra. A palavra não é um objeto, mas

um meio constantemente ativo, constantemente mutável de

comunicação dialógica (2008, p. 231-232, grifos do autor).

Nesse campo da vida real da palavra, ela funciona como ponte lançada entre um

e os outros sujeitos da comunicação social ideológica, torna-se ato.

Com isso, o autor traça uma distinção entre o modus operandi da Linguística e

da Metalinguística. A partir dessa reflexão, podemos observar que, ainda não voltado ao

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estudo do discurso cujo objeto central são as relações dialógicas, tal como o

concebemos em Bakhtin, há um interesse evidenciado na prática dessa área em afastar-

se da análise pura e simples das abstrações linguísticas, mesmo considerando que “por

trás de cada texto está o sistema da linguagem” (BAKHTIN, 2006c, p. 309).

2.1.1 Signo ideológico e enunciado concreto

A perspectiva dialógica da linguagem considera, como discutido, o texto como

ponto de partida para os estudos das atividades humanas. Ao distinguir o objeto das

Ciências Humanas, as ciências do homem, daquele das Ciências Naturais que estudam

as coisas, os fenômenos, excluindo o discurso, Bakhtin (2006c) apresenta o texto em

“sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos” (p. 307). Se o objeto

daquela é, na verdade, a exposição do pensamento de um sujeito ou mesmo o próprio

pensamento que se cria e se reproduz sobre e para o mundo, todo texto tem um autor (p.

308, grifo nosso). Aquele que escreve ou fala imprime no texto suas vontades, ideias,

opiniões, etc. e, assim, depreende-se que o texto é capaz de absorver posições, valores e

denunciar aspectos relacionados ao tempo e ao lugar de sua criação.

Mas, caso fosse possível uma caracterização didática em espiral ascendente, qual

seria o elemento mais básico do texto que permite ao sujeito revestir sua expressão e

criação de sentidos senão o signo e, mais, o signo ideológico?

A concepção de um signo que seja ideológico confronta-se, diretamente, com as

relações puramente linguísticas: “Signos particulares, sistemas da língua ou o texto

(como unidade semiótica) às vezes não podem ser nem verdadeiros, nem falsos, nem

belos” (BAKHTIN, 2006c, p. 330). Nas relações linguísticas do signo com o signo ou

entre as unidades da língua não há relações dialógicas, pois essas só existem em

enunciados reais, partes de um discurso em que são partilhados sentidos. O enunciado

concreto relaciona-se com valores, expressa beleza, verdade, justiça, etc. Se há um juízo

de valor presente no enunciado, isso se materializa no signo, que é ideológico por

natureza.

Para explicar esse conceito, Bakhtin/Volochínov ([1929] 2004), no texto

“Estudo das ideologias e filosofia da linguagem”, estabelece uma relação entre esta

última e a teoria marxista da criação ideológica. Para o autor, um produto ideológico de

uma determinada realidade não é um corpo físico cujo valor se encerra em sua própria

natureza, mas reflete e refrata outra realidade situada exteriormente. “Em outros termos,

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tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (p. 31, grifos do

autor).

O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são

mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-

se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor

semiótico (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 32).

O signo situa-se nos campos da criatividade ideológica e, portanto, está sujeito

às orientações desta em relação à realidade, refletindo ou refratando-a de forma fiel ou

distorcida. A representação que o signo faz da realidade está sujeita às funções desses

campos na vida social, seu caráter não é “apenas um reflexo, uma “sombra da realidade,

mas também um fragmento material dessa realidade” (p. 33). O signo se materializa de

forma objetiva no mundo exterior. Por ser esse tipo de fenômeno exterior, pode-se

pensar que a ideologia se situa na consciência individual e que o signo apenas seja um

fato externo da compreensão, mas ao contrário, esta só se manifesta por meio do

discurso interior e de um material semiótico. “A consciência só se torna consciência

quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente

no processo de interação social” (p. 33-34).

O homem cria o sistema de signos, realizando-os em um material social e em

terreno interindividual, ou seja, entre dois ou mais sujeitos socialmente organizados em

uma unidade social. Daí depreende-se o conceito de consciência que para Bakhtin/

Volochínov é um fato sócio-ideológico. A consciência não se forma na natureza ou no

campo do individual, mas passa a existir nos signos criados por esses sujeitos

socialmente organizados em seus contextos.

Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu

desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da

consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação

semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu

conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a

palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora

desse material, há apenas o ato fisiológico, não esclarecido pela

consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem

(BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 35-36).

Assim, a palavra é compreendida como fenômeno ideológico na cadeia da

comunicação da vida cotidiana. Apesar de neutra, e por essa razão, reveste-se das

funções ideológicas dos campos da criação ideológica, campos da estética, da ciência,

da moral e da religião. Caracteriza-se como o material que veicula a consciência

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interior, funcionando como signo interior, instrumento da consciência, mas nem por isso

é o único a exprimir os signos ideológicos. A música e a pintura são exemplos de que a

ideologia pode ser representada sem o verbal, embora apoiada nele, como a letra de uma

canção, por exemplo. “A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em

todos os atos de interpretação” (p. 38).

Daí decorre nosso objeto que envolve linguagem e relações dialógicas e

construímos um percurso de compreensão dessa teoria que passa da palavra, ao signo

ideológico e, deste, ao enunciado concreto.

Bakhtin/Volochínov, em Marxismo e filosofia da linguagem, continua a

apresentar sua teoria de linguagem e dialogismo defendendo a assimilação da forma não

em seu sistema abstrato, mas pela “estrutura concreta da enunciação” (2004, p. 95). E é

através de enunciações concretas que o usuário se apropria da língua, enunciações

produzidas e circulantes num discurso vivo que permeia toda interação humana.

Assim, na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e

do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas

normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos

contextos possíveis de uso de cada forma particular. Para o falante

nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas

como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de

sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática

linguística (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 95, grifos nossos).

Ao considerarmos o enunciado concreto/ texto como ponto de partida dos

estudos, há que se considerar o gênero do qual qualquer enunciado faz parte. Bakhtin

(2006b, p. 283) inter-relaciona a assimilação das formas da língua à enunciação na

forma dos gêneros do discurso, uma vez que o indivíduo aprende a falar por meio da

construção de enunciados e não por palavras e/ou orações isoladas. Esses enunciados

estão indissoluvelmente ligados ao contexto de produção, circulação e recepção por

meio do seu conteúdo temático (unidade de sentido), estilo (relação entre a expressão do

gênero e a expressão individual) e forma composicional (estrutura textual do gênero). O

autor ainda argumenta que se tivéssemos de criar gêneros a cada instância de produção

de enunciados, a comunicação seria quase impossível (Bakhtin, 2006b). Assim, os

enunciados expressos em um livro didático não aparecem de uma forma meramente

determinista, mas inseridos na tradição do discurso didático, em que a forma e o

conteúdo permitem que sejam reconhecidos como tal.

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Em O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências

humanas (BAKHTIN, 2006c) esse reconhecimento de enunciados é explicado pelos

elementos extralinguísticos, a que Bakhtin chama de dialógicos e que se ligam a outros

enunciados prévios. É possível dizer que o enunciado didático constitui-se de elementos

extralinguísticos que o penetram também por dentro em uma dupla orientação, onde o

linguístico torna-se apenas um meio. Em texto anterior, em discussão parecida, o tom

valorativo é apresentado como elemento extralinguístico:

Na vida, o discurso verbal é claramente não autossuficiente. Ele nasce

de uma situação pragmática extraverbal e mantém a conexão mais

próxima possível com esta situação. Além disso, tal discurso é

diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem

perder sua significação.

A espécie de caracterizações e avaliações de enunciados pragmáticos,

concretos, que comumente fazemos são expressões tais como “isto é

mentira”, “isto é verdade”, “isto é arriscado dizer”, “você não pode

dizer isto”, etc.

Todas essas avaliações e outras similares, qualquer que seja o critério

que as rege (ético, cognitivo, político, ou outro), levam em

consideração muito mais do que aquilo que está incluído dentro dos

fatores estritamente verbais (linguísticos) do enunciado. Juntamente

com os fatores verbais, elas também abrangem a situação extraverbal

do enunciado. Esses julgamentos e avaliações referem-se a um certo

todo dentro do qual o discurso verbal envolve diretamente um evento

na vida e funde-se com este evento, formando uma unidade

indissolúvel. O discurso verbal em si, tomado isoladamente como um

fenômeno puramente linguístico, não pode, naturalmente, ser

verdadeiro ou falso, ousado ou tímido (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV,

[s/d], p. 4).

A língua-sistema não é viva, não tem posição, porque não considera o falante.

Somente quando este se apropria da língua, utilizando-a em determinados momentos e

lugares sócio-histórico-cultural e revestindo-a de suas crenças, valores, experiências, ela

se coloca a serviço do seu pensamento e das suas ações via processo de enunciação.

2.1.2 Interação e ensino em perspectiva dialógica

Se o signo ideológico aponta para o externo e refrata as posições dos sujeitos

envolvidos na interação, dessa relação é produzido um sentido que não pode ser

conhecido apenas pelo uso e decodificação de formas linguísticas. Isto acontece porque

o sistema não produz sentidos, mas a interação entre sujeitos, sim.

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Quando Tezza (2002b) diz que “[...] elaborar um material didático é sempre

enfrentar sem subterfúgios a realidade concreta, a vida da sala de aula, do ensino [...]”

entendemos que o processo de escrita pode ser construído em relação a um contexto

educacional imediato, visto que no seu caso, o material elaborado teve seu conteúdo

baseado nas aulas que lecionava, nas necessidades que seus alunos apresentavam

quando ingressavam no ensino superior. Se pensando em um contexto mais amplo

considerarmos as condições linguístico-discursivas do aluno de escola média

deflagradas por exames de larga escala, conseguimos visualizar o livro didático

refletindo e refratando essa realidade. Disto decorre que o enunciado concreto é produto

e processo de interação entre aquele que o produziu, mas que não o produziria sem

considerar em função de quem o produziu.

Essa relação dinâmica e indissolúvel permite-nos compreender a enunciação, na

perspectiva bakhtiniana, (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004) como o resultado da

interação de no mínimo dois sujeitos social e historicamente estabelecidos. “O ‘eu’ pode

realizar-se verbalmente apenas sobre a base do ‘nós”. Nesta tese, autor e leitor-aluno.

A significação não está na palavra nem na alma do falante, assim

como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da

interação do locutor e do receptor produzido através do material de

um determinado complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só

se produz quando há contato dos dois polos opostos

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 132).

Em um evento de fala, o locutor poderia se definir como um proprietário

transitório da palavra, somente enquanto essa estivesse sendo o resultado de um

processo fisiológico. Mas se considerarmos os textos escritos, a materialização dos

signos, como estabelecer um proprietário de algo que só se constitui em uma situação

social? Conforme Bakhtin/ Volochínov (p. 114) nem mesmo na alma do locutor a

enunciação seria somente dele, “já que a estrutura da atividade mental é tão social como

a da sua objetivação exterior”. É o que se chama de “território social”, o lugar em que se

constitui a atividade mental e a sua exteriorização.

E desse território social emergem os sistemas ideológicos dos quais

uma obra nutre-se e é por eles interpretada. Em cada época de sua

existência , a obra é levada a estabelecer contatos estreitos com a

ideologia cambiante do cotidiano, a impregnar-se dela, a alimentar-se

da seiva nova secretada. É apenas na medida em que a obra é capaz de

estabelecer um tal vinculo orgânico e ininterrupto com a ideologia do

cotidiano de uma determinada época que ela é capaz de viver nesta

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época (é claro, nos limites de um grupo social determinado). Rompido

esse vínculo, ela cessa de existir, pois deixa de ser aprrendida como

ideologicamente significante (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p.

119).

Essa ligação da obra não só com aquele que produz, para quem e em que

situação social, mas com uma ideologia do cotidiano, justifica, a nosso ver, uma obra

didática (PTEU), em dezenove anos de existência, passar por vinte edições. Significa

dizer que o horizonte social de onde se tornou material, a despeito de mudanças

culturais e históricas, permanece. É uma obra que se consolidou sendo aprovada numa

escala social, adquiriu um “um grande polimento e lustro social, pelo efeito das reações

e réplicas, pela rejeição ou apoio do auditório social” (p. 121).

É a interação verbal realizada na enunciação produzida entre seres socialmente

situados que constitui a língua. Segundo Bakhtin (2006b), “a língua passa a integrar a

vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de

enunciados concretos que a vida entra na língua” (p. 265).

A esse respeito, Ivanova (2003) apresenta a relação entre a palavra, a natureza

do enunciado e o gênero dentro da obra de Voloshinov, depreendida de seus trabalhos A

palavra na vida e a palavra na poesia (1926); A construção do enunciado (1930); O

Freudismo (1927) e Marxismo e filosofia da linguagem (1929).

Voloshinov se baseia na ideia de que um enunciado é produzido por

uma situação extralinguística. É por isso que ele introduz a questão

das relações entre uma situação extralinguística da vida cotidiana e um

enunciado e formula a definição do contexto extralinguístico, em que

inclui o espaço comum dos participantes, o conhecimento partilhado,

a compreensão da situação e sua apreciação comum dessa situação.

Mais adiante nesse artigo, ele desenvolve a noção de contexto e

conclui que a situação entra no enunciado como componente

indispensável ao seu sentido (IVANOVA et al, 2011, p. 249).

É pela ênfase na motivação social do enunciado que Voloshinov vai

desenvolvendo a noção da interação verbal, destacando o papel exercido/representado

pelo locutor (processo de produção) e interlocutor (processo de compreensão) como de

igual valor, pois essa interação determina os enunciados-resposta e a resposta, parte de

uma compreensão ativa que se encontra presente até no enunciado interior do locutor.

Para o linguista russo, não há interlocutor abstrato e as relações de produção do

enunciado estão imbricadas com a recepção do interlocutor, em que grupo social se

encontra. São as chamadas “ligações sociais” que determinam o fato de que toda palavra

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é “um ato bilateral”. E é assim que, segundo Ivanova, a partir dessas reflexões sobre a

interação social e a influência dos participantes na produção de um enunciado que

Voloshinov introduz a noção de “gêneros da vida cotidiana” como o todo do enunciado.

Voloshinov relaciona as situações constantes às formas verbais

constantes e aos enunciados concretos considerando-os como um

todo. É a unidade do verbal e do não-verbal de mais alto nível que se

realiza na noção de “gênero verbal da vida” (žiznennyj rečevoj žanr).

Ademais, Voloshinov indica não apenas a estabilidade dessas

situações sociais da comunicação, não apenas a fixidez das formas da

comunicação, não apenas a estabilidade das formas de abertura e de

fechamento, mas também o fato de que há um número limitado de

temas de comunicação. Essa estabilidade dos componentes ligados

entre eles possui um caráter histórico, pois ela muda em função da

época e dos grupos sociais (IVANOVA et al, 2011, p. 254).

Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin/Volochínov (2004) entende os

atos de fala como os contatos verbais dos indivíduos em suas vidas cotidianas, sob

“diferentes modos de discurso” (p. 42), internos e/ou externos. Nessa concepção, o

signo é a construção do sentido realizado entre indivíduos socialmente organizados em

processo de interação verbal, marcado pelo horizonte social de uma época e de um

grupo social.

Mas como compreender a comunicação de um ato de fala e, consequentemente a

concepção de diálogo, sem relacioná-la única e exclusivamente à comunicação face a

face? Se não há o par locutor-ouvinte, como considerar interlocução a interação que se

estabelece entre autor e leitor em um livro? Pode-se considerado interlocução um

processo em que não há resposta imediata?

A essa pergunta retórica, respondemos com as palavras de Bakhtin/ Volochínov:

Toda enunciação monológica, inclusive uma inscrição num

monumento, constitui um elemento inalienável da comunicação

verbal. Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é

uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um

elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a

precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações

ativas da compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma

parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida política. [...] é

produzida para ser compreendida, é orientada para uma leitura no

contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto

é, no contexto do processo ideológico do qual ela é parte integrante

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 98, grifos nossos).

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Assim, para o filósofo russo, o diálogo é uma ação também presente no discurso

escrito a fim de confirmar, refutar, antecipar, estabelecer afinidades, uma construção

dialógica que demonstra as relações entre o que se pode chamar de parceiros

discursivos, pois nele ocorre um “encontro de dois textos - do texto pronto e do texto a

ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro de dois sujeitos, de dois autores”

(BAKHTIN, 2006c, p. 311).

E, ainda,

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um

elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas

sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de

maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no

quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas,

institucionalizadas que se encontram nas diferentes esferas da

comunicação verbal (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123,

grifos nossos).

As expressões “objeto de discussões ativas”, “feito para se apreendido de

maneira ativa” e “reações impressas”, somente nesse trecho, ilustram o fluxo da

comunicação verbal do qual se desvincula o estudo das formas linguísticas separadas de

sua esfera de comunicação, pois aí, há uma réplica ativa. Para Bakhtin/ Volochínov

(2004), a compreensão da linguagem falada ou escrita imbrica-se com uma tomada de

posição ativa ao contrário da percepção da norma, cujo objeto é um sinal linguístico

unívoco, não um signo, apesar de considerarem legítimas as instâncias de abstração em

prol de determinado objetivo linguístico, “a certos fins teóricos e práticos particulares”

(p. 127) como as realizadas pela fonética e a morfologia, por exemplo.

O enunciado pleno já não é uma unidade da língua (nem uma unidade

do “fluxo da língua” ou “cadeia da fala”) mas uma unidade da

comunicação discursiva, que não tem significado mas sentido. (Isto é,

um sentido pleno, relacionado com o valor – com a verdade, a beleza,

etc. – e que requer uma compreensão responsiva que inclui em si o

juízo de valor). A compreensão responsiva do conjunto discursivo é

sempre de índole dialógica (BAKHTIN, 2006c, p. 332).

É com essa noção de enunciado que tomamos a relação autor-leitor nesta tese.

Concebemos que a linguagem em seu dinamismo desencadeia sentidos produzidos na

interação verbal dos sujeitos do discurso. Sujeitos esses conhecedores da situação em

que se insere a comunicação, coparticipantes de um horizonte espacial comum e do

material em que se concretiza a comunicação. Esse é o todo discursivo cuja

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compreensão pressupõe um ato de resposta visto que “toda compreensão é prenhe de

resposta e, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante”

(Bakhtin, 2006b, p. 271). Ainda que, conforme ressalva de Bakhtin, há diversos graus

de ativismo, em um dos quais, encaixamos a interação no livro didático. As respostas

podem ser dadas de variadas formas, mas são consequências de uma compreensão plena

o que caracteriza o elo na corrente de outros enunciados em que se insere o enunciado

concreto.

Trabalhamos com enunciados escritos produzidos para um destinatário

considerado no momento da criação da obra, ou seja, a sua compreensão responsiva já

foi antecipada pelo autor. Para Bakhtin, os gêneros da comunicação cultural complexa,

que envolvem discursos lidos e escritos, pressupõem o que ele chama de “compreensão

ativamente responsiva de efeito retardado” (p. 272). Em um livro didático, a

compreensão pode ser silenciosa, mas não menos ativa, ou desencadear uma ação

responsiva baseada no enunciado construído entre ambos.

De posse desse conhecimento, entendemos também que é necessária a apreensão

ativa do discurso de outrem, suas posições axiológicas, para que a compreensão ocorra.

Uma obra poética pode proporcionar momentos de deleite, reflexão; um romance,

identificação com personagens, entre outras respostas. No discurso didático, é nesse

momento que se fazem necessárias as estratégias do autor em aproximar-se do seu

leitor, já que em uma esfera pedagógica, o aprendizado é a resposta imediata desejada,

ainda que retardada, conforme Bakhtin ressalta. Disso advém nosso interesse pelas

marcas linguístico-enunciativas constituintes do processo de construção da interação em

PTEU e como essas marcas relacionam-se ao discurso didático em estreita relação com

o posicionamento teórico de seu autor.

Propusemos, aqui, um percurso de compreensão da relação signo linguístico-

enunciado concreto-compreensão responsiva-interação para compreender o discurso de

PTEU e podermos, com o conjunto da tese, inseri-lo em uma cadeia dialógica mais

ampla. E nesse contexto, projetamos uma universidade que deva preparar cidadãos para

o uso da linguagem em todas as esferas sociais, de forma que eles participem

ativamente dessa sociedade produtora e receptora de sentidos múltiplos.

A perspectiva bakhtiniana situa a linguagem do sujeito em um tempo e espaço,

assim, tomamos este ponto de vista enunciativo/discursivo de maneira a também

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contrapor o ensino tradicional de gramática que postula o ensino através de dicionários

e materiais normativos e que descontextualiza o ensino da língua de seus falantes reais.

Parece existir em nossa cultura uma regra fundante daquilo que é

requerido para a construção de novos enunciados, porque à fala se

aplica o princípio da disciplina gramatical; qualquer enunciado tem

sua própria forma submetida a outro juízo: o do certo ou errado

segundo uma regra gramatical específica elaborada não segundo os

falares, mas segundo a escrita de autores tomados como modelos

(GERALDI, 2010, p. 55).

Abordando as questões de ensino de língua, não podemos deixar de destacar um

texto relevante de Bakhtin: Dialogic origin and dialogic pedagogy of grammar: stylistics

in teaching Russian language in secondary school46

, recentemente traduzido para o

português como Questões de estilística no ensino da língua (BAKHTIN, 2013).

O título já sugere que o leitor conhecerá uma faceta pouco difundida do filósofo

Bakhtin, a de professor de escola básica na Rússia. Segundo Bazerman (2005), Bakhtin

lecionou linguagens e artes russas de 1942 a 1945 em escolas de cidades do interior e,

nesse último ano, utilizou uma experiência de sala de aula com alunos de idades entre

14 e 15 anos para produzir esse texto, que na verdade, por ser inacabado, pode ser

considerado um rascunho de ensaio pedagógico. Apesar de já ter lecionado no Instituto

Pedagógico, em Saransk, em cursos de formação de professores em anos que variam

entre 1936 a 1937 e de 1945 a 1961, esse parece ser o único texto de Bakhtin sobre

pedagogia, pelo menos traduzido para o inglês, defende o autor. Em apresentação à

tradução brasileira, Brait ressalta:

Se estudiosos, especialistas e desbravadores de arquivos já conheciam

o lado professor do autor de Problemas da poética de Dostoiévski, o

mesmo não se dá com o público em geral ou com aqueles que pensam

que ele trabalhou exclusivamente com o texto literário. Questões de

estilística no ensino da língua possibilita o conhecimento das frentes

em que Bakhtin atuava, inluindo sua condição profissional e seu

diálogo polêmico com os métodos de ensino de língua materna

existentes na Rússia naquele momento (2013, p. 9).

46

Esse texto teria sido escrito à mão em 1945, de acordo com notas encontradas, publicado em russo em

1996 na revista Russkaia Slovesnost’ e traduzido para o inglês em 2004. O texto em inglês informa que

o título original “Voprosy stilistiki na urokakh russkogo iazyka v srednei shkole,” foi modificado para

os fins da tradução. O texto escrito por Bakhtin foi traduzido em inglês e consta das páginas 12 a 24. A

revista Journal of Russian and East European Psychology continua as páginas seguintes (25 a 49) com

comentários de filólogos russos a respeito das suas origens e propósitos. Esse título também aparece

traduzido como “Problems of Stylistics in Russian Language Lessons at Middle School" (BRANDIST,

2012, p. xi).

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O ensaio pedagógico de Bakhtin deteve-se em um assunto particular, o ensino da

escrita a partir de recursos estilísticos como expressividade e entonação. Com claras

pretensões de ser um texto-guia para professores47

, descreve situações práticas de sala

de aula justificando que sem uma escolha estilística na escrita, o ensino de gramática na

escola detém-se no estudo de formas. Desta forma, acaba caindo em uma tradição

escolástica, já que as escolhas léxico-semânticas realizadas pelo autor de um texto

baseiam-se na representatividade e expressividade dessas formas e não na sintaxe. A

proposta didática do docente russo desenvolve-se por meio de explicações

metodológicas em que se pode visualizar um professor de meia idade, esforçando-se

para ensinar escrita estilística para adolescentes, e no final do dia deve ter ficado

exausto (WILLIAMS, 2005, p. 349).

Uma das contribuições desse artigo de Bakhtin é a ênfase dada, já àquela época,

a uma preocupação que nos parece familiar se considerarmos as políticas educacionais

as discussões presentes nas elaborações de materiais didáticos que propõem mudanças

no ensino de língua brasileiro e que na prática não corresponde à melhoria nas

produções dos alunos (BRAIT, 2013, p. 13). Bakhtin, então, propunha uma articulação

entre a concepção dialógica de linguagem e o ensino de língua em sala de aula. Mais,

especificamente, questiona situações em que o aluno é ensinado por professores e livros

didáticos a transformar orações subordinadas em particípio, mas não é ensinado quando

e por qual razão essa substituição deve ocorrer. Sob tais circunstâncias esse ensino

gramatical não tem finalidade.

Involuntariamente o aluno se pergunta: para que preciso saber fazer tal

transformação, se não entendo seu objetivo? Está claro que o ponto de

vista estritamente gramatical não é em absoluto suficiente em tais

situações. Observemos as seguintes frases: A notícia que eu ouvi hoje

me interessou muito./ A notícia ouvida por mim hoje me interessou

muito. Ambas são gramaticalmente corretas. A gramática as duas

formas. Mas quando devemos escolher uma ou outra? Para responder

a essa pergunta, é preciso entender os aspectos estilísticos positivos e

negativos, isto é, a especificidade estilística de cada uma dessas duas

formas (BAKHTIN, 2013, p. 25, grifos do autor).

47

O texto em inglês traz três ocorrências da palavra professor (teacher) e quinze da palavra instrutor

(instructor/s). Comparando esse texto com o original russo, percebe-se um uso aleatório de duas

palavras (prepodovatel΄- 15 vezes) e [ uchitel΄- 2 vezes] por Bakhtin. No entanto, todas as vezes em

que a palavra teacher foi empregada na tradução, no original aparecia prepodovatel΄, mesma palavra

que tambem foi traduzida por instructor o que indica uma escolha referencial dos tradutores sem

nenhuma relação com a possibilidade de haver duas categorias profissionais diferentes na Rússia àquele

tempo. A tradução brasileira reolve o impasse e padroniza o uso de “professor”. (Agradecemos a

inestimável colaboração do Professor Craig Brandist em todas as traduções do russo para o inglês).

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A ênfase nesse tipo de estudo que efetivamente questiona as razões de uso de

uma forma ou de outra, para Bakhtin, é o seu reflexo no desenvolvimento da

criatividade do aluno em suas produções orais cotidianas. Acredita que com a prática,

serão eliminadas as construções aparentemente retiradas de livros, sem naturalidade,

empregadas pelos alunos das séries finais (sétima, oitava e nona]. Parece que quanto

mais o aluno avança nos estudos, quanto mais aprende sobre gramática, menos natural e

criativo se mostra. Bakhtin utiliza exemplos de frases de Pushkin e Gogol

exemplificando que os períodos compostos por subordinação sem conjunção também

ocorrem na literatura e parece orgulhoso de sua atuação quando descreve sua

experiência em sala de aula ao ler um trecho de Pushkin em voz alta e com muita

expressividade, “até reforçando um pouco a sua estrutura de entonação e enfatizando,

com a ajuda de mímica e de gestos, o elemento dramático contido nessa frase [...]” (p.

30).

Como professor, Bakhtin não abandona o espírito investigativo de pesquisador e,

para chegar às conclusões a que chegou nesse texto, realizou uma pesquisa com 300

redações de alunos de oitava série em que constata a quase ausência de orações

assindéticas, encontradas em apenas três delas. Com alunos de décima série e num total

de 80 redações, foram encontradas sete. Ao mesmo tempo, alunos de oitava e de décima

séries saíram-se muito bem em exercícios de ditado com o mesmo tipo de oração

cometendo apenas alguns erros de pontuação. O professor-pesquisador Bakhtin detectou

que os alunos identificavam facilmente as orações na leitura, mas não eram capazes de

transpô-las para suas próprias produções escritas.

Bazerman, Farmer, Halasek e Williams (2005) relacionam essa experiência

docente de Bakhtin aos seus escritos anteriores a respeito de retórica e, principalmente,

sobre o conceito de herói como uma categoria gramatical. Apesar de o termo ser

frequentemente associado a personagens de textos literários, o pensamento bakhtiniano

vai além dos limites literários e considera herói o tópico de um discurso, um outro em

relação a um eu, um objeto com o qual se dialoga “de tal forma que apreendê-lo

significa alterar-se, modificar-se, construir conhecimento na polifonia das vozes que se

encontram e se cruzam” (BRAIT, 2009, p. 56).

Bazerman et al debatem entre si suas próprias opiniões a respeito do texto de

Bakhtin - professor e concordam que a tônica das ideias do pensador russo é sempre

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99

mostrar algo a ser alcançado: “uma tarefa, um projeto, um problema recém-iluminado”

(2005, p. 364).

Dessa noção de uma articulação entre a concepção dialógica de linguagem e a

sua prática no ensino de língua, estabelecemos nesta tese uma reflexão de enunciado

estreitamente interligado com signo ideológico, interação verbal e gêneros discursivos.

A análise dialógica do discurso apresenta conceitos que são fundamentais para o

desenvolvimento da abordagem ao corpus em busca de respostas às questões de

pesquisa elencadas na introdução desta tese. Dessa forma, pretendemos buscar apoio

nos estudos de Bakhtin e o Círculo que tratam de dialogismo, enunciação/enunciado

concreto, interação verbal, autoria e gêneros do discurso.

Ao optar pela análise do discurso de perspectiva bakhtiniana, a investigação com

o texto é realizada por meio da enunciação que resulta da interação verbal de dois

interlocutores concretos submetidos a um “território social” comum. A esse respeito,

Bakhtin/ Volochínov, ([1929] 2004, p. 117) referem-se ao contexto social. Em Discurso

na vida e discurso na arte [1926] (s/d), Voloshinov aborda o contexto extraverbal que

não só constitui o enunciado de fora, mas penetra-lhe orientando sua expressão externa,

estabelecendo três fatores: “o horizonte espacial comum dos interlocutores”, “o

conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores” e a

“avaliação comum dessa situação”. A partir dessa possibilidade de chegar à

constituição de um enunciatário inscrito no texto, além do enunciador-autor, o leitor-

aluno emerge da interação proporcionada pelas características discursivas do material

que pretende dialogar com o aluno e suas necessidades de inserção no mundo como

produtor e leitor.

Bakhtin (2004, 2006d) entende que o dialogismo é um princípio constitutivo da

linguagem, ou seja, um discurso não se constrói sobre si mesmo, mas pressupõe sempre

um outro. Para ele, a linguagem é por si só dialógica, resultado de uma interação verbal

que se estabelece entre o enunciador, cumprindo o papel de destinador, e o enunciatário

que, por sua vez, desempenha o papel de destinatário do enunciado.

A linguagem é um fenômeno histórico-cultural e social e um livro didático pode

ser entendido como uma construção de signos ideológicos que refletem e refratam a

esfera em que se inserem. Esses signos ideológicos são produzidos em diferentes

situações de uso como manifestações discursivas e que mantêm um diálogo entre si.

Esse diálogo é sempre uma resposta a enunciados anteriores como se pode perceber na

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“conversa” que o autor estabelece com o leitor-aluno ao encaminhar sua atenção para o

capítulo anterior ou mesmo para suas experiências diárias de uso da língua

(apresentaremos mais adiante). O autor termina seus enunciados e passa a palavra ao

seu interlocutor, oportunizando, assim, uma compreensão responsiva ativa que aparece

claramente nos exercícios propostos ao longo do livro didático.

Assim é que assumimos esse pensamento em nosso estudo e, inerente a ele, a

concepção de dialogismo, aspecto constitutivo dos processos que envolvem a linguagem

na perspectiva bakhtiniana como quadro teórico-metodológico. É a partir dessa

discussão sobre a língua em sua integridade concreta e viva, a língua que não se dissocia

dos seus falantes, de seus atos cotidianos, das esferas sociais e dos valores sociológicos

subjacentes a ela que conduzimos as análises apresentadas nesta tese.

Antes, porém, passamos ao estudo da obra do autor-criador Faraco e do autor-

criador Tezza a fim de identificar e relacionar o pensamento bakhtiniano à obra

individual de cada um.

[...] a voz que pensa e a voz que escreve são as mesmas, têm de ser as

mesmas, ou, pelo menos, vítimas permanentes da fissão entre a

palavra e a realidade, querem teimosamente ser as mesmas em cada

vírgula, ou caímos num relativismo vertiginoso em que ninguém está

em lugar algum, o sujeito desaparece (ou desonestamente se esconde)

e a linguagem fala sozinha. (Sempre temi esse descontrole.) (TEZZA,

2012, p. 36).

Conforme apresentado no item 1.3 desta tese, resgataremos a seguir as cadeias

discursivas de cada autor em individual que nos permitam compreender a assinatura

Faraco-Tezza, uma entidade discursiva à parte, mas que não confunde as cadeias

discursivas em que se inserem individualmente. Ao considerar suas obras individuais

procuramos entender o conhecimento que acionam para criar essa obra pedagógica

(PTEU), estabelecendo, desta maneira, uma integração intelectual orientada para uma

construção didática dialógica.

2.2 Carlos Alberto Faraco: concepções, obras e contribuições

O ato criador é, por isso, essencialmente extrarrítmico:

é preciso romper com uma existência ritmada para

poder criar. Pelo ritmo só posso ser possuído; nele vivo

como sob anestesia. Carlos Alberto Faraco

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Carlos Alberto Faraco é linguista, professor titular aposentado da Universidade

Federal do Paraná. De acordo com o seu currículo Lattes, especializou-se na área de

Linguística Aplicada com grande contribuição aos estudos sobre Bakhtin, discurso,

dialogismo, linguística histórica e ensino de língua portuguesa. Escreveu e organizou

várias obras didáticas e teóricas acerca dos estudos de Bakhtin e do Círculo, além da

tradução feita juntamente com Valdemir Miotello, em 2010, de Para uma filosofia do

ato responsável, texto-fonte em italiano de Luciano Ponzio e outra com Cristovão Tezza

do texto “Discurso na vida e discurso na arte” não publicada.

Considerado por Fiorin (2010, p. 16) “um dos mais importantes estudiosos

brasileiros da obra do filósofo russo” e por Brait (2012b, p. 224) “incontestavelmente

um dos mais importantes estudiosos do Círculo no Brasil”, o autor desempenha papel

importante para os estudos bakhtinianos ao promover a primeira coletânea de ensaios48

sobre Bakhtin no Brasil em 1988. Essa publicação faz parte dos encontros de

pesquisadores que consolidam o filósofo russo como “uma referência teórica importante

na academia brasileira em diferentes áreas do conhecimento, da literatura à filosofia”

(FARACO; TEZZA; CASTRO 2006, p. 14). A obra marca a importância das primeiras

leituras de Bakhtin no Brasil:

É que estamos ainda numa fase de primeiros contatos. A voz por

tantos anos calada apenas começa a entrar, ainda de mansinho, nas

fortalezas do pensamento linguístico. Os resultados nessa área vão,

com certeza, demorar ainda um pouco, mesmo porque elaborações

dialéticas costumam provocar, em certos contextos, fortes reações

contrárias (FARACO, 1988, p. 22).

Como consequência dessa previsão, em 2003, Faraco publica Linguagem &

diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin (segunda edição em 2009)

considerada uma “das mais significativas obras publicadas no Brasil sobre o

pensamento bakhtiniano” (BRAIT, 2012, p. 224) consolidando os resultados previstos

em 1988.

Faraco traz aos estudos linguísticos brasileiros um diferencial ao considerar,

interpretar e analisar a linguística histórica e seus ecos na prática do ensino de língua

das escolas brasileiras. Seus textos são constantemente mencionados em teses e

dissertações a respeito de linguagem e ensino de línguas. Um texto bastante utilizado

48

FARACO. C.A.; TEZZA,C.; BRAIT,B.; RONCARI,L.; BERNARDI,R.M.. (Orgs.). Uma introdução a

Bakhtin. Curitiba: Hatier,1988.

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por professores e pesquisadores, As sete pragas do ensino de português49 elenca

algumas, pois há muitas outras, concepções errôneas de ensino de língua portuguesa

proliferadas nas escolas. Para Faraco, as sete “pragas” consistem de:

1- proposição de exercícios em que os professores preocupam-se apenas com o

aprimoramento da mecânica da leitura o que resulta na incapacidade de os alunos

entenderem e analisarem um texto criticamente;

2- apresentação de textos desconectados da realidade do aluno impedindo a criação do

hábito da leitura por gosto e fruição;

3- visão da redação como uma tortura, na qual se solicita ao aluno a produção de um

texto, cujo tema livre tem, como única exigência, um número limite de linhas pré-

determinadas pelo professor;

4- confusão gramatical em que o estudo limita-se à teoria, ou seja, ao estudo sobre a e

não especificamente da língua. Faraco ressalta que o conhecimento formal da gramática

não contribui para um domínio das práticas de linguagem, assim, é possível o

aprendizado de uma língua sem a necessidade de formalização;

5- conteúdos programáticos que não dizem respeito ao verdadeiro objeto de ensino de

uma aula de língua. Os conteúdos são descontextualizados da idade dos alunos e

espalham-se nas séries escolares sem qualquer relação com os propósitos de aquisição

de linguagem para aquele momento do aluno, além de enfatizar o aprendizado de

formas arcaicas que não encontra relevância no uso diário da língua;

6- estratégias erradas de ensino que se pautam na correção de erros ortográficos,

gramaticais e na formulação de listas de palavras a serem memorizadas, como número e

grau de substantivos, conjugação verbal, conjunções, etc. Essas técnicas são errôneas

desde sua base e despertam no aluno um temor constante de cometer erros o que o inibe

ou resulta em hipercorreções, pois, como na “praga” de número 5, não se fala por meio

de listas nem por expressões inúteis.

7- o sétimo e último mal se refere à ênfase no estudo biográfico dos autores nas aulas de

literatura, deixando de lado o verdadeiro objeto do ensino que seria o contato e o

manuseio com os textos.

49

FARACO, Carlos Alberto. As sete pragas do ensino de Português. In: Revista Construtora, 1975. Ano

III, nº 1, p. 5-12. Mais tarde, esse texto entra como capítulo de livro, In: GERALDI, J. W. (Org.). O

texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984

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Com esse e outros textos voltados ao ensino de língua portuguesa nas escolas de

ensino básico, percebemos que o linguista concentra seu olhar em discutir e provocar

reflexões críticas a respeito do ensino de português e das concepções de língua e

gramática, esta ainda um obstáculo no fazer das escolas e no preparo de materiais

didáticos de ensino de línguas.

Em “Por uma teoria linguística que fundamente o ensino de língua materna (ou

de como apenas um pouquinho de gramática nem sempre é bom)”, Faraco e Castro

(2000) questionam a posição dos linguistas que, provavelmente desde 1975, época da

grande expansão da escola pública brasileira, passaram a defender o texto como objeto

central do ensino da língua portuguesa. Uma escolha positiva, considerando seu caráter

opositivo em relação à postura tradicionalista do ensino calcado no aspecto normativo

da linguagem padrão, que deixava de lado os aspectos de leitura e produção de texto.

No entanto, ao se privilegiar o texto, o ensino da gramática fica relegado a um

segundo plano, a um aspecto “prático-intuitivo”, que se caracteriza pela percepção no

texto da concordância verbal e nominal, colocação pronominal, entre outros, por

exemplo. Os linguistas consideram essa abordagem insuficiente e apresentam uma

possível justificativa à prática, pois o professor, ao adotar essa postura, parece se eximir

da responsabilidade de assumir que exclui a gramática da sala de aula. O autor

exemplifica essa conclusão remetendo-se a um momento de sua prática como

professores na Universidade Federal do Paraná em que colegas comentavam que

trabalhar com texto é bom, mas se não há como fugir das regras, então “dar um

pouquinho de gramática é sempre bom” (FARACO; CASTRO 2000, p. 2).

Esse comentário e a consequente prática em sala de aula de se ensinar a

gramática no texto demonstram duas concepções de linguagem distintas, pois o trabalho

com o texto privilegia a linguagem via interação e o estudo gramatical volta-se para a

concepção tradicional monolítica e cristalizada de repetição de fórmulas. Com a

abordagem desse ponto nevrálgico, Faraco e Castro (2000) questionam a necessidade de

uma busca teórica para o conceito de texto e linguagem que ilumine as práticas de

ensino para que deixem de ser tão intuitivas. O autor deixa claro que não defende uma

teoria única ou mesmo que essa teoria definitiva exista, mas que se possa utilizar o

“potencial explicativo de determinada teoria linguística” para tentar resolver problemas

específicos que se apresentam diretamente.

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Para tanto, justificam sua filiação teórica de ensino de linguagem em Bakhtin e

mencionam Marxismo e filosofia da linguagem, primeira obra publicada no Brasil.

Apesar de Bakhtin não ter nessa publicação abordado ensino de língua, o filósofo russo

ficou conhecido por sua discussão relacionada aos estudos da linguagem, em especial,

às questões literárias.

A respeito da ausência de menção a ensino em Marxismo e filosofia da

linguagem, Brandist (2011) retoma historicamente a educação na Rússia nos anos de

1920, época em que o Círculo se reunia. Os membros estavam inseridos em uma

sociedade onde uma “política educacional radicalmente progressiva” (p. ix) foi proposta

seguindo os pressupostos de educadores progressistas, entre eles, e com bastante ênfase

John Dewey (1859-1952)50. Dentre os vários aspectos históricos abordados, Brandist

chama-nos a atenção para a pouca produção do Círculo diretamente sobre pedagogia,

mas ressalta que os princípios educacionais daquele momento da Rússia estão

“impregnados” em seus trabalhos.

Como comentamos no item 2.1.2 desse capítulo de tese, recentemente, um texto

de Bakhtin sobre educação foi encontrado, Questões de estilística no ensino da língua,

traduzido para o inglês em 2004 e português em 2013. Em 2000, ano que Faraco e

Castro escrevem seu artigo Por uma teoria linguística que fundamente o ensino de

língua materna, provavelmente não haviam tido contato com esse texto, mas como

estudiosos da obra de Bakhtin e o Círculo conhecem o potencial de suas discussões para

as questões de linguagem, ser humano e sociedade que também têm sido aplicadas ao

ensino, onde se encontrou respaldo para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa.

Voltando ao trabalho do linguista Carlos Alberto Faraco, percebemos que a

preocupação com a clareza na aplicação das ideias do pensador russo já se encontrava

presente em seu primeiro texto sobre ele: Bakhtin: a invasão silenciosa e a má leitura

(1988, p. 19-36). O objetivo central foi fornecer uma visão do conjunto da obra e

50

Em texto de 1929, John Dewey, influente pensador em educação, relata após sua visita à Rússia em

1928: “Se eu aprendi alguma coisa, aprendi a ser extremamente desconfiado de todas as visões

generalizadas sobre a Rússia. Mesmo que elas estejam de acordo com a realidade em 1922 ou 1925,

podem ter pouca relevância em 1928 e, talvez, ser apenas sentido de antiquário em 1933”. Tradução

nossa de: “If I learned nothing else, I learned to be immensely suspicious of all generalized views about

Russia; even if they accord with the state of affairs in 1922 or 1925, they may have little relevancy to

1928, and perhaps be of only antiquarian meaning by 1933”. (DEWEY, J. Impressions of Soviet

Russian and the Revolutionary World. New York: New Republic Inc, 1929. Disponível em:

http://ariwatch.com/VS/JD/ImpressionsOfSovietRussia.htm#title. Acesso em: 24/04/2013.

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mapear conceitos principais sem os quais seria impossível a aplicação adequada de suas

linhas metodológicas. Em Por uma teoria linguística... (2000) discute a propagação das

obras de Bakhtin no Brasil em que algumas ideias desse filósofo foram sendo utilizadas

indiscriminadamente num modismo acrítico. Argumenta que muito se fez no campo da

teoria, deixando pouco espaço para aplicação.

[...] as ideias de Bakhtin na maioria das vezes parecem, ainda hoje,

inspirar apenas algumas palavras de ordem – tais como: ser humano e

linguagem são inseparáveis; ou a natureza da linguagem é sociológica,

por exemplo –, normalmente identificadas com o ponto de vista geral

do autor sobre linguagem. Essas palavras de ordem são,

evidentemente, insuficientes para o enfrentamento dos problemas

concretos da realidade linguísticopedagógica. Em outras palavras, a

tradicional e necessária ponte entre a teoria e a prática ainda está por

se fazer no que se refere à relação das ideias linguísticas de Bakhtin

com o ensino de linguagem.

No sentido de dar uma contribuição com relação ao tema, vamos

tentar analisar aqui alguns problemas relativos ao ensino de língua

materna à luz da teoria de Bakhtin. Ou seja, nossa intenção é mostrar

onde e por que encontramos, na teoria desse autor, respaldo para uma

melhor interpretação da situação da sala de aula de língua portuguesa

(FARACO; CASTRO, 2000, p. 4).

Se a teoria acerca do pensamento de Bakhtin limitava-se a “apenas algumas

palavras de ordem”, isso, felizmente, não mais reflete a realidade e a qualidade das

pesquisas em linguagem que o levam em conta.

Sobre esse contexto histórico, Brait (2012b) descreve o estado da arte dos

estudos em que a discussão é “menos apaixonada e datada” sobre a questão das autorias

e das traduções.

Tudo se justifica pela necessidade do rigor linguístico, teórico,

epistemológico e até ideológico diante do complexo conjunto

denominado “pensamento bakhtiniano”, o qual, sem dúvida, inclui

muitos aspectos a serem aprofundados pela pesquisa e pela discussão

filosófica, linguística, literária, antropológica, especialmente pelos

elementos que singularizam e∕ou articulam as produções (p. 217).

O rigor linguístico e metodológico foi, desde sempre, a tônica dos primeiros

estudiosos brasileiros da obra de Bakhtin e dos demais membros do Círculo. O grupo

brasileiro era formado por Carlos Alberto Faraco, Boris Schnaiderman, Sírio Possenti,

João Wanderley Geraldi e Carlos Vogt cujos estudos iniciaram-se na década de 1970

com as leituras iniciais de textos que chegavam a partir de traduções em italiano,

espanhol e francês (BRAIT, 2012b). O ensaio de Bakhtin Para uma filosofia do ato

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(1919-21) foi um texto traduzido na década de 90 (não publicado) por Carlos Alberto

Faraco e Cristovão Tezza e lido pelo grupo por meio de cópias que circulavam “de mão

em mão, de e-mail em e-mail” (BRAIT, 2012c) facilitando o acesso dos estudiosos a

um texto hermético e representante do início da fase filosófica de Bakhtin.

Possenti, no Prefácio ao livro Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do

círculo de Bakhtin (2003, p.7) afirma que o conhecimento que Faraco tem da obra de

Bakhtin e dos membros do Círculo lhe permite “pôr certas coisas no lugar”. Assim,

colabora para dirimir as dúvidas e as más interpretações geradas por “leituras apressadas

e equivocadas” (FARACO, 1988, p. 26) que poderiam colocar a fortuna crítica do

filósofo russo em grave risco de má compreensão.

Se Faraco também aborda a pouca aplicação prática das pesquisas iniciais sobre

Bakhtin, não deixa de ressaltar os estudos como um avanço, pelo menos na maneira de

conceber um ensino mais voltado às situações reais de uso da língua. O autor afirma que

é um ensino que passa a considerar o texto e sua interação com o mundo, mesmo que na

prática tenha sido realizado de maneira estanque e individualizada com o foco

tradicional na gramática e a partir de análises de frases isoladas, separadas do contexto

todo do texto.

Em outro momento, Faraco (2008b, p. 104) faz também uma crítica ao Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM) que elege a norma culta, um “objeto recortado no

abstrato” como competência máxima a ser atingida pelo aluno egresso dessa

escolaridade, isolando assim a norma do conjunto das práticas sociais próprias da

cultura escrita a que ela pertence.

Sobre isso, Faraco enfatiza a necessidade de uma mudança de pressupostos

teóricos que considerem o texto em toda a sua complexidade e lugar na sociedade.

Argumenta que se ele vier a ser foco do ensino, em detrimento do “centralismo

gramatical”, ou gramatiquice (2006, p. 21) o que surge é a necessidade de uma corrente

de pensamento que embase essa nova realidade de se pensar o ensino de língua

portuguesa que considere sim, o ensino da gramática, mas não com um fim em si

mesmo.

O autor dedica seu embasamento teórico a Bakhtin, ao que chama de “ponto de

vista histórico-sociológico sobre a linguagem”. Justifica que no pensamento do filósofo

russo [e do seu Círculo] encontra-se uma discussão para o “fenômeno da interlocução

viva”, em que a língua vive e evolui para a comunicação humana, essa mediada pela

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interação verbal. É no contato com as várias linguagens produzidas pela sociedade, na

interação social com outro ser, presente, ausente ou até imaginário, que o aluno poderá

dominar a escrita e a leitura de forma a inseri-lo em uma sociedade letrada.

Ao abordar texto e para refletir sobre a sua produção na escola, Faraco (2006)

relaciona-o a enunciado e aos gêneros discursivos existentes nos diversos contextos

sociais. É na experiência com os gêneros que ocorre a apropriação da linguagem de

maneira valorativa, cuidadosa, que envolve escolhas linguísticas por parte do leitor,

escritor, falante e ouvinte. Experiência que se traduz na leitura e também na escrita, pois

não basta apenas ler para que o aluno se torne um bom escritor.

O linguista também estende sua crítica aos materiais didáticos que apresentam

poucas variedades de gêneros discursivos, dão extrema ênfase aos gêneros literários, em

vez de apresentar alguns considerados mais importantes como: texto informativo,

resenhas, resumos, textos dissertativos, propaganda, manuais de instrução, entrevistas,

etc.

Faraco não está sozinho nessa defesa. A respeito da primazia dos textos literários

no ensino, Geraldi comenta:

Nossa cultura letrada tradicional construiu, ao longo do tempo, duas

autoridades que se complementavam: a do escritor e a do gramático.

Era, e é, com base em escritos daquele que o gramático fixou a regra

da língua; com passagens daquele, ele também exemplificou suas

regras; com textos literários se formou nossa intelectualidade,

inclusive fazendo exercícios de reescrever seus textos, desfeitos para

exercícios por professores que dispunham dos originais para com eles

comparar as novas redações e a elas atribuir um valor (2010, p. 54).

Com isso, o autor revela outro ponto importante encontrado no pensamento de

Bakhtin a respeito das formalizações na língua. À primeira vista, a um leitor inocente,

parece que Bakhtin rejeita o estudo formal, mas suas considerações a respeito do

abstracionismo radical dos estruturalistas contradiz essa afirmação. Ao criticar

Saussure, Bakhtin não lhe tirou o mérito do trabalho, pelo contrário, justifica e

recomenda o uso e estudo de certas teorizações para determinados fins. Discorda, sim,

da ideia de transformar o modelo abstrato de língua em língua, sistema.

Em outras palavras, não há nada de condenável no ato de formalizar,

desde que essa nossa atitude, no caso específico da teoria de Bakhtin,

esteja voltada para a interação verbal ou, falando especificamente de

ensino, desde que o nosso trabalho como professor, com estruturas e

frases eventualmente descontextualizadas, tenha por finalidade última

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não a memorização de conceitos, mas o uso efetivo da linguagem

(FARACO, 2000, p. 6).

Faraco continua defendendo a formalização na escola pela funcionalidade que

carrega, pois um livro de gramática é também uma fonte de consulta para as exigências

da escrita. Por meio de uma reflexão dirigida pelo professor é possível fazer um uso

consciente dos aspectos formais da língua, mas tendo em vista a interação, como ponto

central do estudo. Parece-nos que o objetivo do autor, com esse ensaio (2000) foi

alcançado: demonstrar uma possível articulação entre a teoria bakhtiniana e a sua

prática em sala de aula.

Há, em alguns textos de Faraco (2000; 2006; 2008), a preocupação em abordar

a questão do ensino de gramática em sala de aula, se pertinente ou não, e de situar esse

estudo ao longo dos tempos. Com essa discussão a respeito do ensino de língua

portuguesa na escola, desmistificando o “bicho-papão” da gramática (Faraco, 2006, p.

15), é possível também confirmar sua filiação teórica. Em alguns momentos, como em

um artigo de 2008, o autor textualmente nos indica seu embasamento teórico:

[concepção de linguagem]

Nossa concepção recusa esses olhares que alienam a linguagem de sua

realidade social concreta. Nós a concebemos como um conjunto

aberto e múltiplo de práticas sociointeracionais, orais ou escritas,

desenvolvidas por sujeitos historicamente situados.

Pensar a linguagem desse modo é perceber que ela não existe em si,

mas só existe efetivamente no contexto das relações sociais: ela é

elemento constitutivo dessas múltiplas relações e nelas se constitui

continuamente.

Por outro lado, os próprios falantes tomam forma como sujeitos

históricos e como realidades psíquicas em meio a essa intrincada rede

de relações socioverbais e pela interiorização da própria dinâmica da

interação socioverbal.

Somos, nesse sentido, seres de linguagem, constituídos e vivendo num

complexo feixe de relações socioverbais. De forma alguma, podemos

ser compreendidos como mero aplicadores de regras de um sistema

gramatical; ou como meros reprodutores de um certo monumento

linguístico cristalizado; ou, ainda, como meros usuários de um

instrumento externo a nós (FARACO, 2008b, p. 105).

Em uma concepção na qual a linguagem constitui-se em uma realidade social em

constante movimento de interação realizado por seus praticantes, falantes, ouvintes,

leitores, escritores, a linguagem constitui o ser. Assim, não pode ser vista como uma

ferramenta em uma estante, nos bancos de dados computadorizados, ou ainda nas

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“nuvens”, de que dispõe o usuário para determinadas demandas de sua vida social, ou

mesmo um monumento acabado de expressões formais e “corretas”.

Em um momento anterior (FARACO, 1998, p. 165), o autor aborda mais

diretamente a noção de falante e as instâncias de usuário da língua. Rejeita a visão de

língua que vê o falante univocal um mero atualizador do sistema abstrato, cuja realidade

“heteroglótica” não é percebida como uma realidade linguística inserida em uma língua

social que se manifesta nas diversas práticas discursivas. A língua tem uma integridade

concreta e viva e não é fruto de uma abstração, objeto de estudo da Linguística, cujos

resultados, na opinião e críticas do autor, não têm nos dado respostas suficientes para

um maior entendimento das nossas realidades.

O autor alia a essa visão de linguagem sua concepção de ensino que deve

[...] fundamentalmente, oferecer aos alunos a oportunidade de

amadurecer e ampliar o domínio que eles já têm das práticas de

linguagem. Em língua materna, a escola, obviamente, nunca parte do

zero; os alunos têm uma experiência acumulada de práticas de fala e

de escrita. Cabe-nos, no entanto, criar condições para que esse

domínio dê um salto de qualidade tornando-se mais maduro e mais

amplo. (FARACO, 2008, p.105).

Ao conceber a linguagem como uma prática sociocultural que não se dá apenas

quando o aluno chega à escola, o ensino de língua passa a ser tratado com um enfoque

mais significativo que propiciará a formação cidadã mais coerente com as necessidades

de inserção na sociedade letrada. Ao tratar da heteroglossia, Faraco e Negri (1998, p.

166) unem linguagem e ensino, pois se assume que, nessa perspectiva, as visões de

mundo são atravessadas de valores e não basta ensinar que há várias línguas sociais. É

necessário um maior envolvimento com uma intrincada teia de relações dialógicas

estabelecidas, criadas e que desembocam num processo sócio-histórico dinâmico que

vai além do trabalho sociolinguístico de reconhecimento das variantes em si, um

trabalho que reflete a “heteroglossia dialógica”.

É assim, com essa junção de concepções, que nos voltamos ao ponto em que

Faraco propõe uma mudança de ponto de vista sobre a linguagem. O autor apresenta e

argumenta acerca das visões subjacentes ao ensino de gramática calcado no texto,

prático-intuitivo, ou voltado às normas gramaticais em si, desvinculadas de um contexto

maior ou a serviço de uma interação.

De posse do pensamento de Carlos Alberto Faraco sobre língua, linguagem e

ensino, passamos, na próxima seção dessa tese, a conhecer o trabalho e o referencial

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teórico de Cristovão Tezza, seu companheiro de pesquisas e escritos, e também

estabelecer relações dessa obra com a concepção dialógica da linguagem.

2.3. Cristovão Tezza: concepções, obras e contribuições

A língua do escritor é uma entidade necessariamente

impura, contaminada, suja de intenções, povoada

previamente de muitas outras línguas (do mesmo

idioma ou fora dele), de milhões de vozes. [...] A

palavra que eu tomo em minhas mãos, como ensina

Bakhtin, não é nunca um objeto inerte há sempre um

coração alheio batendo nela, uma outra intenção, uma

vida diferente da minha vida, com a qual eu preciso me

entender. Assim, a minha liberdade de criação, a minha

palavra, tem na autonomia da voz do outro o seu limite.

Cristovão Tezza

Cristovão Tezza, assim como Carlos Alberto Faraco, também é linguista e ex-

professor da Universidade Federal do Paraná, onde se graduou em Letras em 1981.

Tendo construído sua carreira como romancista concomitantemente a uma produção

teórica, sua atuação acadêmica enfatizou a Teoria Literária, dedicando-se mais aos

temas da prosa e poesia, Mikhail Bakhtin e o Formalismo Russo. Sua dissertação de

mestrado em 1987: Os vivos e os mortos, de W. Rio Apa: visão de mundo e

linguagem51

já expressava sua própria visão de mundo e de linguagem consoante com o

filósofo russo Mikhail Bakhtin a quem considera “uma figura fascinante da teoria da

linguagem”52

. A ligação com Carlos Alberto Faraco remonta há certo tempo e na página

destinada aos agradecimentos de sua dissertação, Tezza escreve: “Em especial, rendo

homenagem ao Professor Carlos Alberto Faraco, meu mestre de muitos anos, a quem

devo boa parte de minha formação teórica [...]” (1987, p.II). Faraco também está entre

as pessoas a quem Tezza dedica sua dissertação.

Sua tese de doutorado publicada em 2003, Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o

formalismo russo, também continua nessa linha teórica, embasada na filosofia de

linguagem bakhtiniana. Ainda na área acadêmica, participou da organização dos livros

Diálogos com Bakhtin (2001), Vinte ensaios sobre Bakhtin (2006), inclusive da primeira

obra sobre o pensador russo no Brasil: Uma introdução a Bakhtin (1988). Em todas as

51

Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/Trechos/dissertacao%20de%20mestrado%2001.pdf.

Acesso em: 20/03/2013.

52 Entrevista com Carlos Alberto Faraco. Série Paranaenses, nº 5. Curitiba: Ed. da UFPR, 1994, p. 19-36.

Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/entrevistas/p_94_seriepr.htm. Acesso em:

20/03/2013.

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organizações aparecem artigos53

seus, assim como Bakhtin continua sendo o centro de

outras publicações como: (1) “Polyphony as an Ethical Category” (2002a); (2) “Poesia”

(2006); (3) “A construção das vozes no romance” (1995∕1997). Na área pedagógica, tem

dois livros didáticos em parceria com Carlos Alberto Faraco: Prática de texto: língua

portuguesa para nossos estudantes (1992) reeditado em 2001, Prática de texto para

estudantes universitários e Oficina de texto (2003).

Em entrevista de 1994, quando questionado por Faraco a respeito de ser um

escritor e professor de português na Universidade Federal do Paraná, não de literatura,

Tezza responde:

Jamais conseguiria dar aulas de literatura. A literatura, para mim, é

uma atividade que prefiro deixar no quarto escuro das minhas

intuições. A ideia de organizá-la didaticamente poderia ser danosa,

colocar demasiada lógica e clarividência no que tem seu impulso

misterioso. Há escritores que fazem bem as duas coisas, e eu os

invejo. Mas sinto-me bem como professor de língua portuguesa;

trabalho com a linguagem não-literária de todos os dias, a língua viva,

e isso me fascina sem invadir o meu mundo romanesco. E trabalhar

com textos diferentes, acompanhar o trabalho de linguagem dos meus

alunos é uma atividade que me dá prazer.

Tezza lecionou de 1984 a 2009 e desde então e dedica-se à literatura, a críticas e

resenhas publicadas em jornais e revistas variados. O escritor recebeu vários prêmios de

literatura, entre eles o Jabuti de melhor romance por O filho eterno, em 2008 e o 1º

lugar no Portugal – Telecom de Literatura em língua portuguesa. Segundo o site do

autor, em 2009, o jornal O Globo considerou esse romance uma das dez maiores obras

de ficção da década no Brasil, tendo sido lançado na França, Itália, Portugal, Holanda,

Espanha, México e Austrália.

Considerando a obra literária reconhecida de Tezza, torna-se difícil colocar de

lado essas produções para nos concentrarmos apenas em seus escritos teóricos, mas

nosso foco de pesquisa é outro. Então, o próximo item desse texto (com algumas

53

TEZZA, C. Discurso poético e discurso romanesco na teoria de Bakhtin. In: FARACO. C.A.;

TEZZA,C.; BRAIT,B.; RONCARI,L.; BERNARDI,R.M.. (Orgs.). Uma introdução a Bakhtin. Curitiba:

Ed. Hatier, 1988.

_____. Sobre o autor e o herói: um roteiro de leitura. In: FARACO, C. A.; CASTRO, G.; TEZZA, C.

(Org.) Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR. 3ª ed., 2001. p. 273-303.

_____. Sobre a autoridade poética. In: FARACO, C. A.; TEZZA, C.; CASTRO, G. (org.) Vinte ensaios

sobre Bakhtin. Petrópolis: Editora Vozes, 2006, p. 235-254.

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inevitáveis exceções) será destinado a considerações acerca dos textos desse autor que

nos permita compreender a teoria de língua, linguagem e ensino que professa.

Quando a pesquisa para esta tese foi realizada, o currículo Lattes do escritor

havia tido sua última atualização em 18/08/2003, portanto os textos não mencionados

nesse currículo foram levantados a partir de seu site: http://www.cristovaotezza.com.br.

Procuramos mapear, em ordem cronológica, os dezessete textos que o autor classifica

no site como “não ficção” e que estendemos aqui para não-literários. Há artigos

acadêmicos e/ou jornalísticos publicados a respeito de suas obras literárias que não

serão considerados para os propósitos desse estudo, salvas algumas exceções como a

que apresentaremos mais adiante.

Dentro da categoria de não-literários encontram-se as obras Entre a prosa e a

poesia: Bakhtin e o formalismo russo (2003); Prática de texto para estudantes

universitários (2011) e Oficina de texto (2003) e os artigos já citados.

Apesar de não nos determos aqui nas obras literárias do autor, sabemos também

que não é possível desvincular totalmente um autor, “voz que escreve”, de suas obras e

por essa razão perseguimos a noção de escritor que emerge dos escritos de ou sobre

Cristovão Tezza.

Em seu site há um espaço dedicado aos estudos acadêmicos realizados sobre sua

obra e destacamos aqui o texto de Von Borstel (2006) em que a autora analisa o

romance Trapo (2007). Von Borstel encontra instâncias em que o narrador confunde-se

com o autor, pois na obra o narrador relata fatos da vida de um professor, profissão

desse autor, Tezza. Esse mesmo aspecto é verificado por Tezza a respeito de W. Apa,

obra-tema de sua pesquisa de mestrado (1987). Isso pode nos sugerir que mesmo na

obra de não ficção, caso de PTEU, é possível encontrar traços da escrita de um

professor produzindo um texto para seus alunos.

Essa aparente “mistura” entre narrador e autor-criador encontra-se presente em

O filho Eterno (2007) que Tezza considera um romance e não uma obra autobiográfica

apenas, pois, apesar de a obra ter como objeto sua biografia, um escritor, pai de uma

criança com Síndrome de Down, os fatos retratados são uma refração da realidade

vivida, mas observados por outro olhar.

O texto biográfico ou autobiográfico parte de uma pressuposição de

verdade factual; um acordo tácito se firma quando abrimos uma

“biografia”. Sabemos que, fatalmente, haverá “falhas”, mas isso fará

parte involuntária do jogo intencional biográfico. Já o romance é uma

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“experiência do olhar” que toma um material da imaginação

(biográfico ou não) como ponto de partida. Na biografia, os fatos são

o ponto de chegada; no romance, são o ponto de partida.

[...] A narração de certa forma “desmonta” aqueles pressupostos. Mas,

é claro, como prosa romanesca há momentos muito fortes – mas eles

são a arte da representação, algo refratado, não o “sentimento em si”.

“O filho eterno”, por incrível que pareça, é um livro racionalizante do

começo ao fim (ainda que perturbado o tempo todo pela força das

emoções)54.

A construção do escritor é um tema caro a Tezza e parece permear suas

pesquisas e escritos iniciais como em “A construção das vozes no romance” (1995∕

1997)55

em que seu interesse pela distinção entre autor biográfico (autor-pessoa) e autor

criador se faz conhecer. Nesse texto, o autor debruça-se sobre o texto de Bakhtin, “O

autor e o herói” 56

para explicar a relação autor/personagem, discussão que interessava o

filósofo russo por sua defesa de que o autor é componente de seu objeto, ao que Tezza

completa: “o espectador também o é” (p. 220). Seu último livro O espírito da prosa

(2012) oscila entre um escrito de memórias e um ensaio que trata de sua relação com a

escrita e, em vários momentos, reforça a postura autoral x a experiência:

Estamos condenados à nossa experiência, que não se redime. Podemos

no máximo evocá-la, mas todo desejo de reprodução, esse impulso

infantil estará condenado ao fracasso. A evocação tem de criar o seu

próprio sentido, que é um novo acontecimento – é o instante presente

redivivo, um evento inédito que nasce sobre as ruínas do passado. Às

vezes nos esquecemos deste dado simples: o ato de escrever é um

evento, não uma reprodução (TEZZA, 2012, p. 40, grifos do autor).

O autor-criador, para Bakhtin, é a consciência da consciência e, assim, introduz-

se um princípio bakhtiniano, a exotopia, que apresenta a realidade como um excedente

de visão em que o acabamento do sujeito só é possível por meio da visão de um outro

que lhe completa o ambiente e o tempo não visíveis por ele. Esse conceito liga-se

54

Entrevista concedida a Susan Blum e disponível em:

http://www.leiabrasil.org.br/index.php?leia=depoimentos/depoimento_cristovao_tezza (Acesso em:

02/02/2012).

55 Texto apresentado no Colóquio Internacional "Dialogismo: Cem Anos de Bakhtin", novembro de 1995,

Departamento de Linguística da FFLCH/USP. Publicado em Bakhtin, dialogismo e construção do

sentido, Editora da Unicamp, 1997 (organização de Beth Brait).

56 Tezza refere-se à primeira tradução brasileira de Estética da criação verbal, a partir do francês por

Maria Ermantina Galvão G. Pereira, 1992, p. 23-220. Quando nos referirmos a esse texto, utilizaremos

“O autor e a personagem na atividade estética”, na versão de Estética da criação verbal traduzida do

russo por Paulo Bezerra [2003] 2006, p. 3-192.

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intrinsicamente à concepção dialógica da linguagem, em sua orientação bilateral em que

uma palavra completa seu sentido no outro, no já-dito.

Nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e

morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são

respostas explícitas ou implícitas às palavras do outro, elas só se

iluminam no poderoso pano de fundo das mil vozes que nos rodeiam

(TEZZA, 1988, p. 55).

A essa noção, Tezza acrescenta outro conceito de Bakhtin, o autor-contemplador

e sua analogia ao espectador do teatro:

[...] talvez porque, no teatro, seja didaticamente mais visível ainda o

fato de que é o olhar do espectador que cria o objeto, lhe dá uma

unidade e um acabamento que nenhum de seus atores, vivendo a peça

isoladamente, é capaz de ter (TEZZA, 2001a, p. 223).

Essa consciência da consciência não destrói a autonomia do herói, a voz

representada que, refratada pelo autor-criador, conserva-se como uma voz outra,

característica da linguagem romanesca.

Por sua visão do fazer literário, passam suas concepções acerca de língua e

linguagem. Para o escritor, as “línguas” (2001b) não são o conjunto de palavras

circulantes, nem uma gramática normativa ou fonemas combinados, já que são abstratos

e por isso, desprovidos de significação. Esta visão de língua, para Tezza, desconsidera a

principal parte desse esquema, o falante.

Na palavra, há três “complicadores”, como explica o autor. Além daquele que

fala e produz a linguagem, a matéria própria da palavra tem em seu destinatário o

terceiro elemento constituinte da compreensão. Isso reforça o entendimento de que a

força da linguagem consiste de ser alheia, de ser repleta de vozes dos outros, partes

inseparáveis da palavra; importando o que vem de outro lugar, de quem ouve, quanto o

que sai do locutor, o que se diz. Assim, o que se troca não são códigos desprovidos de

valores, mas “desejos, medos, ordens, confissões [...]”, o que se diz da linguagem não é

que seja certa ou errada, mas “verdadeira, mentirosa, bela, nojenta, comovente [...]

(TEZZA, 2001b).

A língua é o espaço que forma o escritor. [...] A questão é que há

tantas línguas – e isso no universo do mesmo idioma – quanto há

escritores. Quando falo de língua, não se trata apenas do simples

depósito de palavras que circulam em uma comunidade, nem de um

sistema gramatical normativo às vezes mais, às vezes menos estável

numa sociedade, numa estação do ano, num sexo, numa região, numa

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família ou em parte dela, num lugarejo, numa classe social, naquela

rua, num determinado dias, num livro – e quase nunca num país

inteiro.

[...] se desdobramos a palavra, descobrimos que quem lhe dá vida não

é exatamente o falante. Ninguém no mundo fala sozinho. Mesmo que,

numa redução ao absurdo, isso fosse possível – ou seja, uma palavra

que dispensasse os outros para fazer sentido – ela seria uma palavra

natimorta, um objeto opaco à espera de um criptólogo que lhe

rompesse o isolamento, como um Champollion diante de uma pedra

no meio do caminho, mas então a suposta pureza original

autossuficiente estaria destruída (TEZZA, 2001b, p. 36).

Em sua dissertação de mestrado, 1987, Tezza defende que o elemento material

para Bakhtin não se sustenta em si, precisando do todo constituído pelas palavras, cores,

pelos sons que em uma forma organizada estética abandona a característica material

para se concretizar em forma e conteúdo inseparáveis. O autor cita o texto57

“O

problema do material”: “[o objeto estético] constitui-se a partir de um conteúdo

artisticamente formalizado (ou de uma forma artística plena de conteúdo)” (TEZZA,

1987, p. 23) e “O problema da forma”: “A forma artística é a forma de um conteúdo,

mas inteiramente realizada no material, como que ligada a ele” (TEZZA, 1987, p. 23)

ambos de 1924, mas publicados posteriormente em Questões de literatura e de estética:

a teoria do romance (1975∕ 2010a), coletânea de textos de Bakhtin, escritos ao longo de

sua vida.

O autor com essas citações adentra a questão de qual seria a natureza desse

conteúdo, ou ainda mais, qual a significação desse todo indissolúvel (forma e conteúdo)

e continuamos o trecho da segunda citação acima quando Bakhtin explica a maneira

dupla com que a forma deve ser estudada:

1. A partir do interior do objeto estético puro, como forma

arquitetônica, axiologicamente voltada para o conteúdo (um

acontecimento possível) relativa a ele; 2. A partir do interior do todo

composicional e material da obra: este é o estudo da técnica da forma

(BAKHTIN, 2010a, p. 57).

Nesse segundo caso, a forma sendo interpretada apenas como forma resultante

dessa realização no material, uma união do objetivo estético e da natureza do material.

57

Tezza cita trechos em francês de BAKHTINE, Mikhail, Esthétique et théorie du roman. Trad. Daria

Olivier. Paris, Galimmard, 1978, p. 23-82.

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Mais à frente Bakhtin desvencilha-se do termo técnica que vincula ao formalismo e ao

psicologismo.

Assim, Tezza defende os dois aspectos da forma em Bakhtin: o material e o

valor, pois quando se realiza, significa algo, depende de um material e ao significar

remete “para fora dos limites da obra ela-mesma, entendida como material organizado,

como mero objeto” (1987, p. 25).

Nesse trabalho de pensar a língua, o autor refere-se a uma língua brasileira que

se constitui de uma diversidade de linguagens que caracterizam realidades sociais

diversas. Nesse sentido, faz a necessária distinção entre língua e escrita, uma vez que

cumprem papéis diferenciados na vida real. Se a língua é um conjunto de variedades, o

autor espanta-se com o esforço despendido pela sociedade em preservar uma hipotética

unidade, desconsiderando a “diáspora dessas variedades” (TEZZA, 2005b) e que

culmina no conceito de língua padrão, perpetuado pela escrita. A variedade do prestígio

desconsidera a “belíssima massa verbal viva, cotidiana, dos milhares de gramáticas do

nosso dia a dia, que lhe dão alimento e vitalidade” e perde seu valor social de ser quase

a única maneira de o cidadão adentrar o mundo das leis e do patrimônio cultural de uma

sociedade quando se confunde com a língua e não se distingue de uma cristalização

política e criada culturalmente.

O autor questiona essa primazia da norma padrão, uma vez que em qualquer

língua viva não é possível que as gramáticas normativas continuem sem aceitar como

padrão algumas modificações que a língua vem sofrendo ao longo dos tempos.

Exemplifica com o verbo “haver” cujas construções que o substituem por “ter” são

inaceitáveis. No entanto, passam “debaixo da porta” quando não se consegue uma

explicação plausível para casos como os que acontecem com as regências ou a omissão

das preposições junto aos pronomes relativos.

Não fica de fora desse comentário a formação do imperativo que desde que caiu

em desuso o “tu” em favor do “você” (diga/diz- vem/venha), também é considerada um

erro. Para o autor não há necessidade de se fazer tanta questão na distinção entre

esse/este, por exemplo, já que esse uso está quase extinto na fala e da escrita brasileiras

e ressalta o trabalho do dicionário Houaiss que tem estado atento em registrar as

mudanças da língua ao contrário das gramáticas escolares. Acrescenta que muito bem

faria à língua se esse padrão preconizado se aproximasse do que já vem sendo praticado

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por escritores e jornalistas que ao usar a língua, modificam-na sem mesmo terem

consciência disso.

Por que hoje no Brasil se fala tanto que “o português corre perigo”?

Há muitas explicações para esse mito, desde a ideia de que a língua de

Carlos Drummond de Andrade está ameaçada pela placa de hot-dog

da esquina (o que gerou até um inacreditável projeto de lei para

proibir estrangeirismos), até a constatação de que houve uma

“decadência do ensino”. O medo do hot-dog é, perdão, ridículo – o

choque dos empréstimos linguísticos é traço inerente a toda língua e

sinal de sua riqueza, não de sua decadência; um breve olhar pela

história do português já nos informa que atravessamos os séculos

devorando estrangeirismos (tupi or not tupi!). Quanto ao ensino, aí

sim, chegamos a outro ponto, mas em outra perspectiva. O ensino era

“maravilhoso” quando se destinava a uma parcela pequena da

sociedade brasileira, seus 30% urbanizados e letrados da classe-média

que cresceu até os fins dos anos 1960. Mas nos últimos 40 anos

processou-se uma ampliação significativa do alcance escolar ao

mesmo tempo em que se consolidou a mudança do espaço urbano

brasileiro, cuja população suplantou a rural – e nesse processo, a

“língua brasileira” mostrou a cara, quase que subitamente. O padrão

elitizado que se mantinha apenas numa faixa da população não

encontrou vontade política para se universalizar junto com a escola

que se expandia. Ao mesmo tempo, a ampla mobilidade social e

geográfica do povo brasileiro, aliada ao crescimento das

comunicações de massa trouxe à tona, agressiva, esta língua

subterrânea que, até então, só entrava nos salões devidamente

paramentada por Guimarães Rosa ou confinada no exótico da

chamada “cultura popular” ou “caipira” (TEZZA, 2005b)58

.

O escritor não deixa de fora as mudanças educacionais ocorridas no final do

último século em relação ao acesso da população à educação. Ironiza aqueles que se

referem ao passado como “maravilhoso” porque apenas uma pequena parcela da

sociedade se beneficiava dele. Exalta a linguística que descreve a língua falada e escrita

pela sociedade e não apenas a privilegiada escrita advinda da literatura clássica, mesmo

que brasileira. Postura que evidencia um linguista engajado em discutir a primazia da

norma culta e as descrições da língua em uso.

A esse respeito, Tezza, em outro momento, perguntado sobre sua experiência

com a leitura e escrita de universitários, responde:

A categoria “universitários” é ampla demais! Depende do curso,

depende da seleção, depende do vestibular, depende do segundo grau,

58

Publicado em Leituras Compartilhadas, 2005, revista de (in)formação para agentes de leitura (ano 6,

fascículo 19; p. 20-21), publicação de Leia Brasil - Organização Não Governamental de Promoção da

Leitura – Disponível em: http://www.cristovaotezza.com.br/textos/palestras/p_linguabrasileira.htm.

Acesso em: 01∕01∕2013.

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depende da turma, depende da universidade. Toda generalização nessa

área cai na frase-feita ou no chute. A minha experiência como

professor é limitada para generalizar. Digamos que na área de Letras e

de Comunicação, que conheço mais de perto, há alguns “bolsões”

carentes no domínio da escrita. Chutando, diria que 30% dos alunos

têm um domínio de língua padrão escrita abaixo do padrão

desejável.59

Segundo Tezza (2002b), à época da construção de PTEU, e levando em

consideração as necessidades dos seus alunos, pretendeu-se seguir alguns princípios de

linguagem que foram norteadores da elaboração:

a- “Toda questão sobre a língua deve começar de uma perspectiva linguística e não

normativa”. Essa apresentação leva o autor à justificativa de que o aluno que

compreenda a variedade linguística que se revela através de vários textos circulantes na

sociedade aprende mais facilmente as regras normativas ao localizar essa regra em

funcionamento na vida.

b- É importante que o aluno consiga perceber a variedade de usos da linguagem

“como expressão indispensável de sua própria realidade”.

c- É necessário que se perceba a diferença entre oralidade e língua escrita de forma

contextualizada determinada por “universos gramaticais e valorativos distintos”.

d- A língua padrão deve ser percebida como uma construção histórica em que o

aluno compreenda seus usos para que possa obedecê-la como usuário real.

e- Se todos os pressupostos acima forem condizentes com um ensino significativo

existirá uma pergunta a ser respondida quanto à finalidade da norma culta. Pretende-se

que os alunos escolham pelo seu aprendizado a partir da sua significância e não

obrigatoriedade quase sempre penosa para eles.

Para Tezza, esses princípios suscitam, ao mesmo tempo, outras questões para o

ato pedagógico. Assim como Faraco (2006) e Geraldi (2010), o autor postula que a

língua padrão não surgiu nos textos literários e não pode servir como referência para os

usos concretos da vida cotidiana por ser apenas mais uma das linguagens

contemporâneas.

Esse pressuposto em relação à norma culta é indispensável para o aluno ao

trabalhar com a língua, pois a leitura cotidiana se traduz pela variedade de textos

59

Entrevista concedida a Susan Blum e disponível em:

http://www.leiabrasil.org.br/index.php?leia=depoimentos/depoimento_cristovao_tezza (Acesso em:

02/02/2012).

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circulantes (textos publicitários, horóscopos, etc.) que são relevantes para o domínio

padrão. O reconhecimento da língua padrão não existe por si só, mas na consolidação de

um gênero construído social e historicamente.

Ainda defendendo a proposta pedagógica de PTEU, Tezza faz uma distinção

entre os gêneros e discute que é imprescindível ao aluno perceber as diferenças entre um

texto de opinião e um informativo e mostra que dentro da esfera escolar há uma

confusão desses termos que resulta num texto que “fora do tempo e do espaço, não

informa nem opina”.

Em relação ao ensino formal da língua, o autor não diminui a importância do

ensino da técnica do parágrafo, a importância da vírgula, do uso adequado dos

conectores até os exercícios sintáticos mais complexos e repetitivos, mas defende que

esse ensino deva se dar através de textos autênticos e tópicos gramaticais de forma que

complementem o objetivo de ensinar o domínio da escrita e não a formulação de regras.

O autor fecha seu comentário a respeito dos princípios norteadores da construção de seu

livro reforçando que “a palavra só faz sentido como texto, e não como frase” e que há

um princípio inerente a toda criação: o do inacabamento. Nenhum material pode ser

definitivo e por melhor que seja sempre suscitará novas conduções de novos manuais

didáticos que se pretendam condizentes com a natureza da vida de ser inacabada.

Após nossa apresentação da visão teórica do autor do material é importante

salientar que, apesar de termos algumas categorias de análise pré-selecionadas como

norteadoras do estudo, consideramos a postura investigativa de respeitar as informações

que emergem do contato com o corpus.

A partir desse estudo, concluímos que as noções de interação verbal e enunciado

concreto, conceitos-chave da perspectiva dialógica da linguagem, assim como o

dialogismo, elemento constituinte da linguagem e eixo norteador do pensamento

bakhtiniano, estão presentes nos textos intelectuais de Carlos Alberto Faraco e

Cristovão Tezza. Desta forma, e reafirmando nossa filiação a esse referencial teórico-

metodológico, apresentamos no capítulo a seguir, as categorias de análise desta tese: a

interação verbal e sua relação com os gêneros do discurso. Para tanto partimos do

conceito de signo ideológico, elemento seminal onde se assentam e de onde partem

todas as considerações aqui já realizadas sobre a linguagem.

O capítulo seguinte desta tese tem como proposta apresentar a articulação

realizada entre a concepção de linguagem do autor e a que emerge do livro Prática de

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texto para estudantes universitários. Para tanto, analisamos a 1ª e a 20ª edição do livro e

buscamos as mudanças realizadas entre a 1ª edição, em 1992 e a 2ª reimpressão, 2001.

O volume que analisamos, a 20ª edição de 2011, é o mesmo desde a reimpressão. Além

das mudanças realizadas no acréscimo e na substituição de textos, formas gramaticais e

lexicais utilizadas, analisaremos as instâncias de interação entre o autor e seu leitor-

aluno no encaminhamento das atividades de escrita. Para um estudo mais específico, procedemos a uma análise da interação autor-

leitor no Capítulo Dois – As linguagens da língua -II (2011), e os conceitos

bakhtinianos mobilizados pelo autor.

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CAPÍTULO 3

A construção de PTEU - trabalho e retrabalho de linguagem

Em todos esses tópicos, o material se articula mais

como um roteiro de trabalho para professor e estudante

do que como um manual de definições acabadas para

um receptor passivo. Desse modo, o livro vai em sentido

contrário ao da tradição escolar. Nossa hipótese é a

que a quebra desta postura meramente normativa

diante dos fatos da língua é o primeiro passo para que

o ato de escrever ganhe significação real,

transformadora, para quem escreve.

Faraco-Tezza

Neste capítulo, descrevemos e analisamos a organização estrutural e discursiva

do livro PTEU. Esta descrição é feita em confronto entre a primeira e a vigésima

edições considerando as modificações estruturais, linguísticas e discursivas realizadas

entre uma e outra. Nosso objetivo é compreender como o autor constrói a ideia de

produção textual a partir da sua interação com o leitor-aluno. Para tanto, identificamos e

analisamos as diferentes instâncias enunciativas instauradas no texto do Capítulo Dois -

As linguagens da língua-II, para reconhecer e interpretar a maneira como o autor se

dirige ao seu leitor ao longo do capítulo que se propõe a ensinar gêneros discursivos e

estabelecer um padrão de interação para a análise dos outros capítulos de PTEU.

3.1 Percurso da obra: primeira e vigésima edições

Da experiência vaga e obscura até a impressão do livro

tudo o que acontece é uma elaboração e uma expansão

daquela estrutura social que foi estabelecida desde os

primeiros sinais de consciência do homem. Não há

fronteiras visíveis entre os diversos pontos deste

processo, o ato solitário da criação e o encontro com o

público. E nem pode haver: a experiência interior foi

expressão exterior desde o seu início (ainda que velada)

e o ouvinte (apesar de apenas hipotético) foi sempre,

desde o início, um elemento essencial de sua estrutura60

Valentin N. Voloshinov/ Mikhail M. Bakhtin

60

Tradução nossa de: “From the vague and obscure experience right to the printing of the book all that

happens is an elaboration and an expansion of that social structure which was laid down at the first

stirrings of man´s consciousness. There are no clear boundaries between the various points in this process

– between the lonely act of creation and the encounter with the public – nor can there be: the inner

experience from its very beginning was outer expression (albeit covertly); and the listener (even though

only hypothetical) was right from the start an essential element in its structure” (VOLOSHINOV;

BAKHTIN, [1930] 1983, p. 111).

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O livro Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes, de Carlos

Alberto Faraco e Cristovao Tezza, teve a sua primeira edição em 1992, com 243

páginas, e a segunda, em 1993, sem nenhuma alteração. Em 2001, o livro teve uma

reedição, na qual há mudança de título para Prática de texto para estudantes

universitários. A obra encontra-se em sua vigésima edição (2011), totalizando trezentas

páginas 61

. É importante observar esta alteração na nomenclatura do livro, pois isso

indica que houve, por parte do autor, um repensar sobre seu público-alvo, o contexto

deste público, traçando, portanto, um novo diálogo, uma nova enunciação.

Observamos que o leitor de primeira viagem só saberá estar diante de uma obra

revista, re-editada por duas indicações. No texto da orelha de PTEU (2011), o editor

(deduzimos que seja o editor, apesar de o texto não estar assinado) apresenta a obra da

seguinte forma: “A proposta dos autores desta Prática - agora em edição totalmente

revista e consideravelmente ampliada – é resultado de muitos anos de experiência com

textos de estudantes universitários”. Em seguida, na página 4, nas indicações

bibliográficas da obra há duas datas em sequência “1992, 2001”. Sabemos por pesquisas

que a primeira edição é de 1992 e a segunda edição acrescentada é de 2001, conforme

explicitamos acima.

Escolhemos a primeira e última edição para identificar possíveis alterações

realizadas entre uma e outra , entender quais as razões dessas mudanças e em que isso

resultou do ponto de vista discursivo. Nossa proposta de comparação das duas edições

objetiva descobrir em que medida as mudanças no léxico e na entonação criam novas

relações de sentido que indiquem uma nova posição pedagógica, ou mesmo um novo

enfrentamento da linguagem em situações de ensino na contemporaneidade.

3.1.1 Objetivos, características e atividades

Os objetivos de PTEU não podem ser desvinculados de sua trajetória. Conforme

apresentado anteriormente, o livro foi escrito a partir de observações das necessidades

que alunos universitários de uma instituição federal apresentavam no uso da língua.

Desta forma, a primeira edição do livro (1992) surge em diálogo com outra obra

anterior, Língua portuguesa: prática de redação para estudantes universitários, de Carlos

61

A partir desse momento, quando fizermos referências a ambas as edições, omitiremos a autoria

mantendo o ano de publicação e a respectiva página.

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Alberto Faraco e David Mandryk (1987), que já havia apontado uma lacuna no mercado

editorial de livros didáticos para o ensino superior.

A obra, então, pretendeu, à época de sua criação, sistematizar os principais

problemas de escrita e leitura vivenciados por essa faixa educacional e se desvincular

das tão frequentes e comuns apostilas xerocadas preparadas por professores. Esses

materiais, cujos objetivos são válidos, na visão do autor, mostravam-se ineficientes pela

falta de um posicionamento teórico-metodológico consistente acerca do conceito de

língua, linguagem e ensino.

PTEU tem posições claras quanto ao ensino de língua que deve basear-se em

reflexões do que seja linguagem e qual o seu papel na constituição do ser humano e sua

vida em sociedade. A linguagem expressa pelo livro considera a interação sem a qual

não há discurso e pensamento. O eixo central são as variações linguísticas e os

contextos de uso em que a gramática padrão é apenas mais uma delas.

A fim de uma melhor compreensão dos objetivos do livro, destacamos o texto

inicial de PTEU, denominado de Apresentação (p. 7-8) em que o autor justifica sua

obra. Como pretendemos colocar as duas edições (1992/2011) em confronto, mostramos

abaixo esse texto introdutório que, em ambas as edições, é composto por duas páginas.

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Figura 1: PTEU - Apresentação (1992, p. 7-8).

Figura 2: PTEU - Apresentação (2011, p. 7-8).

Nesse texto, o autor apresenta o seu interlocutor primordial: o aluno

universitário, identificado como aquele que tem necessidade de dominar, com destreza,

a escrita em sua formação.

Segue-se o parágrafo inicial da Apresentação nas duas edições:

1ª: Este livro didático foi escrito com vistas a um enfrentamento

diferenciado dos problemas de texto dos universitários, em especial

nos cursos em que o domínio da língua padrão é condição primeira

para o bom desempenho do aluno. O ponto de partida do material

foi a convicção de que o trabalho com a linguagem escrita deve ser

acompanhado de reflexões sociolinguísticas de natureza mais

ampla, que permitam ao estudante localizar a língua padrão, em

suas múltiplas formas, no universo das linguagens sociais (1992,

p.7, grifos nossos).

20ª: Este material didático se destina primordialmente a estudantes

universitários, em especial àqueles em cujo curso o domínio da escrita

é parte fundamental de sua formação. O conjunto do livro procura

oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da língua

padrão. O ponto de partida do material foi a convicção de que o

trabalho com a linguagem escrita deve ser acompanhado de

reflexões sociolinguísticas de natureza mais ampla, que permitam

ao estudante localizar a escrita padrão, em suas múltiplas formas,

no universo das linguagens sociais (2001, p. 7, grifos nossos).

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Na primeira edição o autor advoga “um enfrentamento diferenciado dos

problemas do texto dos universitários”, já na vigésima, esse trecho não aparece. No

primeiro fica pressuposto que há necessidade de enfrentar um problema. O fato de isso

não constar na vigésima edição atenua a visão de texto, de produção de texto como algo

penoso, difícil.

Torna-se relevante para a inserção da nossa investigação na linha de pesquisa

Linguagem e Trabalho a defesa do autor de como deve ser um trabalho com a

linguagem. É exatamente por meio desse trabalho que perseguimos o sujeito instaurado

no discurso do livro.

A linguagem, enquanto trabalho, constitui a língua (sistema simbólico

mediante o qual se opera sobre a realidade) e constituía realidade sob

a forma de um sistema de referências em que a língua ou qualquer

outro sistema simbólico se torna significativo. [...] o trabalho na

linguagem também constitui o sujeito da linguagem. Um indivíduo se

torna sujeito da linguagem no trabalho com a língua. Neste sentido, o

trabalho é individual. Daí o sujeito fazer escolhas, exercer

preferências, agir segundo um ponto e vista, uma visão de mundo

(VIDON, 2003, p. 80).

E são exatamente as escolhas realizadas pelo autor no seu trabalho de construção

de PTEU, esse um retrabalho de linguagem, pois parte de uma edição de partida (1992)

revista em 2001 que chegamos a esse sujeito da linguagem em interação com um sujeito

leitor em uma esfera editorial voltada para um uso pedagógico.

Nessa busca pelo retrabalho do autor e para facilitar a visualização das

semelhanças e diferenças entre as edições, deixamos em negrito o texto que se manteve

na vigésima edição, em que o autor apresenta sua postura teórico-metodológica.

Sublinhamos as diferenças no léxico escolhido para iniciar o capítulo. Como exemplo,

“livro didático”, na primeira, e “material didático”, na vigésima.

Na primeira edição, o autor inicia o texto apresentando a motivação da escrita e

o destinatário “enfrentamento diferenciado dos problemas de texto dos universitários” e,

em seguida, o contexto escolar do destinatário “[...] em especial nos cursos em que o

domínio da língua padrão é condição primeira para o bom desempenho do aluno”.

Comparando-se as formulações, vemos o trabalho do autor-revisor que promove

trocas lexicais “livro didático” para “material didático” ressignificando as condições de

produção da primeira versão. Como se trata de uma nova obra, e se considerarmos a

memória desse texto, estamos nos referindo mais a um material didático que a um livro

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apenas. A palavra, seguindo nossa concepção teórica, muda de sentido quando muda de

contexto, ou seja, a vigésima edição constrói um novo enunciado havendo um

deslocamento também discursivo. Essas mudanças de sintagma nominal, verbal e

expressões completas são frequentes na obra e serão comentadas oportunamente.

Na vigésima edição, o parágrafo é iniciado com o destinatário do material

“estudantes universitários” para em seguida passar ao contexto escolar, mas ampliando

a esfera em direção ao perfil profissional do aluno (“[...] em especial àqueles em cujo

curso o domínio da escrita é parte fundamental de sua formação”). Na primeira edição

não há referência direta ao objetivo principal do livro como na vigésima: “O conjunto

do livro procura oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos e da língua

padrão”, 2011, p. 7). A própria escolha do sintagma nominal “o conjunto do livro”

reforça nossa ideia de um material que tem história.

O segundo parágrafo apresenta a divisão do livro, descrevendo os capítulos, que

variam de uma edição para a outra: “Os cinco primeiros capítulos tratam justamente

desse aspecto [...]” (1992, p.7); “ Os sete primeiros capítulos tratam justamente desse

aspecto [...] (2011, p.7). Dentro desse segundo parágrafo, a primeira edição direciona o

livro também ao professor e explica que a metodologia a ser seguida é a de um “roteiro

de trabalho para professor e estudante ” e não um “manual de definições acabadas para

um receptor passivo”. O mesmo aparece na vigésima edição quando direciona o livro:

[...] primordialmente a estudantes universitários, em especial àqueles

em cujo curso o domínio da escrita é parte fundamental de sua

formação.

[...] o material se articula mais como um roteiro de trabalho para

professor e estudante do que como um manual de definições acabadas

para um receptor passivo (2011, p.7).

O “roteiro de trabalho” proposto ainda reforça a ideia de que a teorização da

língua ficará sempre em segundo plano em favor da atividade prática do aluno como

leitor e autor, valorizando sua experiência em situações cotidianas e na vida escolar.

Nesse momento do texto de introdução, o autor destaca uma postura do livro de

investir na significação de um ato de escrever real e transformador. Assim, ser contrário

a uma tradição escolar que considera “meramente normativa” e, portanto, “ineficaz”.

Também por essa razão, analisaremos as situações de escrita propostas ao aluno a fim

de podermos refletir sobre os sentidos materializados nas propostas que demonstrem um

processo de construção do sujeito do discurso. O objetivo do livro também enunciado

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em “oferecer uma abordagem inovadora da produção de textos” guiou-nos na

investigação da organização do livro que apresentaremos a seguir. Procuramos no texto

dos capítulos a concepção de linguagem escrita de PTEU que, acreditamos, guia a

construção da seção Prática de texto destinada às propostas de produção escrita.

O direcionamento do livro ao professor e a apresentação da postura do livro,

estão em parágrafo separado (3º) na vigésima edição. Mantém-se a ênfase no “roteiro de

trabalho” em vez de “um manual de definições acabadas para um receptor passivo”.

Conforme Bornatto, a respeito desse termo:

Em francês, o termo usual para livro didático é, literalmente, “manual

escolar”. No Brasil, às vezes “livro” e “manual” são usados como

sinônimo, assim como “didático” e “escolar”, mas o termo português

“manual” pode ser associado a um volume completo, autônomo

(conforme o Dicionário Houaiss: obra de formato pequeno que

contém noções ou diretrizes relativas a uma disciplina, técnica,

programa escolar etc), sentido que não se associa tão facilmente a

“livro didático” (2011, p.9, grifos da autora).

A distinção que o autor faz entre material didático, roteiro de trabalho e manual

de definições acabadas corrobora a afirmação de Bornatto e as outras aparições da

palavra “manual” em PTEU referem-se a esse material de noções ou diretrizes citado

acima.

Nesse sentido, PTEU não fornece ao professor um manual62

ou guia com

respostas previstas e direcionamentos teóricos como é comum encontrarmos em livros

ou coleções didáticas destinados ao ensino básico, talvez por considerar que cada

situação de ensino-aprendizagem é única e não se pode prever os contextos em que o

livro será utilizado.

Quanto ao foco do livro, destaca-se a posição do autor-criador Tezza a respeito

do ensino da escrita:

[...] A especificidade da escrita apresenta exigências técnicas

incontornáveis. Isto é, ninguém aprende a escrever nada sem

enfrentar, na prática, a produção de textos, o que significa confrontar

em cada curva no papel a distância difícil entre o que se diz e o que se

escreve, desde a noção quase que puramente gráfica de parágrafo até a

62

Possenti (2003) em apresentação de livro de Faraco já mencionado anteriormente [Linguagem &

Diálogo...] exalta o trabalho do linguista brasileiro em esclarecer pontos relacionados à obra do pensador

russo e finaliza: “Então Bakhtin resolveu todos os problemas teóricos e metodológicos? Nada mais

antibakhtiniano. Pensar assim seria reduzir seu pensamento a um manual, que é o que menos se pode

fazer, seja porque continua havendo história e vida, seja porque seu fraco talvez seja exatamente a falta de

decisões metodológicas. O que não é um problema grave, porque nunca se pretendeu cientista” (p. 9,

grifo nosso).

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convenção abstrata da vírgula; desde a necessidade do uso dos

relatores nos momentos em que a vida real soluciona com um dedo

apontado, até o artifício dos plurais em sequência, em

desaparecimento na vida cotidiana. No terreno dessa prática, não

podemos ter nenhum dogma - tudo que favoreça o domínio da escrita

pode estar na cartilha, desde a simples cópia (essa grande injustiçada,

podemos dizer, porque não escrevemos apenas "mentalmente" - a

escrita é também uma permanente repetição de formas) até os

exercícios mais complexos de transformação sintática. Em qualquer

caso, considero extremamente recomendável que o material didático

só trabalhe com textos que de fato existam no mundo real -

principalmente nos tópicos gramaticais avulsos. Que, aliás - se o

objetivo central é o domínio da escrita, e não a formulação de regras -

devem ser sempre subsidiários, posteriores, complementares

(TEZZA, 2002b, p. 42).

A citação acima parece apresentar o que Tezza acredita ser “uma abordagem

inovadora da produção de textos e da língua padrão”. Os verbos utilizados “aprende”,

“enfrentar”, “confrontar”, “diz”, “escreve” revelam uma visão que o autor tem desse

leitor ativo que age em busca de seu aprendizado. Um aprendizado que respeite o

sujeito, que lhe propicie condições de argumentar, tomar uma posição e dialogar com

opiniões e vozes diversas. A própria escolha da palavra “Prática” reforça esse sentido.

Cabe ao aluno a responsabilidade por seu aprendizado e o livro que ele tem em mãos

pretende facilitar esse contato com a linguagem, apresentando-lhe textos reais e

propostas de situações que ele encontra facilmente no seu dia a dia.

Faraco (2000), corroborando a visão de Tezza, expande a ideia de “textos que de

fato existam no mundo real” com a inserção dos gêneros no ensino, ressaltando que

apenas a leitura de textos diversos não garante o aprendizado da produção escrita se esta

não for estimulada:

Esse estímulo, portanto, deverá sempre caminhar no sentido oposto à

tradicional aula da redação, pois deve levar nosso aluno à ideia de

que o ato de escrever exige particularidades genéricas que precisam

ser respeitadas – determinados aspectos estilísticos de uma resenha,

por exemplo, não estão presentes numa dissertação ou num texto de

propaganda e vice-versa. Em suma, o professor de língua materna

deve estimular o aluno a refletir sobre as diferenças genéricas

existentes entre os mais variados tipos de textos. Cabe a ele mostrar o

papel desses gêneros no processo social de interação verbal, como

forma de garantir a competência e a adequação discursiva do aluno

para as mais variadas situações de interação socioverbal a que ele

poderá ser exposto fora dos limites escolares. Isto é, no fundo, o que

devemos fazer como professores de língua materna é, mais do que

tudo, seguindo os princípios teóricos de BAKHTIN, levar para dentro

da sala de aula – até onde o limite natural da escola permite – a

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realidade dinâmica das relações linguísticas que estão acontecendo

fora dela (FARACO, 2000, p. 8).

Nessa direção, o texto da Apresentação, no 3º parágrafo (primeira edição) e no

4º parágrafo (vigésima) detalham as divisões do livro em duas partes, nomeiam os

capítulos e descrevem-nos brevemente em relação aos gêneros escolhidos, pontuando a

esfera jornalística como referência básica, além dos textos teóricos presentes na

primeira parte. O objeto de ensino texto é apresentado como um dos tópicos mais

relevantes, revelando uma noção de texto como “realidade discursiva” e começa a

figurar no título a partir do capítulo 6 (primeira edição), 8 (vigésima), focando ambos,

os textos de informação. Diferenciam-se nos títulos, porém: a primeira edição nomeia-

os Texto de informação I e II; Argumentando I, II e III e a vigésima, Texto de opinião I

e II; Texto de opinião I e II e O texto crítico.

No que tange à gramática padrão, a proposta é de que essa permeará os

conteúdos, será abordada nos termos da norma-padrão, mas considerada como uma

gramática entre tantas outras, reafirmando ao aluno a realidade das variações

linguísticas.

Destacamos, assim, as acepções teóricas escolhidas pelos autores nessa

Apresentação:

1ª e 20ª: [...] O ponto de partida do material foi a convicção de que o

trabalho com a linguagem escrita deve ser acompanhado de reflexões

sociolinguísticas de natureza mais ampla, que permitam ao estudante

localizar a escrita padrão, em suas múltiplas formas, no universo das

linguagens sociais” (2011; 1992, p.7).

1ª: [...] Em qualquer caso, a teoria sobre os fatos da língua, com

suas inevitáveis tábuas de definições, estará sempre em segundo

plano, em favor da atividade prática fundamentada em boa parte

na intuição do estudante e na sua experiência como leitor e

praticante da escrita ao longo de sua vida escolar” (1992, p.8,

grifos nossos).

20ª: [...] Em qualquer caso, a teorização sobre os fatos da língua

estará sempre em segundo plano, em favor da atividade prática

fundamentada principalmente na intuição do estudante e na sua

experiência sociocultural de leitor e praticante da escrita ao longo

de sua vida escolar (2011, p.8, grifos nossos).

Lembramos nossa estratégia de visualização de colocar em negrito o texto que se

manteve na vigésima edição e sublinharmos o trecho que não foi mantido (“com suas

inevitáveis tábuas de definições”) e acrescentado (“sociocultural”). Sem destaque estão

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as expressões que foram retextualizadas (“a teoria”- “teorização”; “em boa parte” -

“principalmente”; “como leitor” - “de leitor”).

A reformulação “teorização” na vigésima edição aponta para um novo

posicionamento do autor que, provavelmente, não considere que uma única teoria possa

dar conta da complexidade da língua ou mais, que nesse caso “teoria” tenha seu sentido

relacionado a gramáticas normativas, assunto que PTEU lida com muita cautela e

distinção.

Ambas as apresentações são finalizadas com uma citação reconhecendo que a

postura metodológica do livro é utópica: “Enfim, a utopia é esta, repetindo as palavras

de Alcir Pécora63

: ‘... uma prática capaz de, reconhecendo a natureza dos problemas a

ser enfrentados, renovar o papel crítico que cabe ao ensino no processo de

conhecimento’.” (FARACO; TEZZA, 2011, p.8). O sentido de inacabamento, da

inconclusividade manifesta-se nessa passagem, pois o autor pretende inserir sua obra na

imensa cadeia de enunciados já ditos e por dizer a respeito do ensino da língua.

Além da proposta de avançar em direção a um ensino significativo para o aluno,

depreendemos a noção [pensamento bakhtiniano] de linguagem pelas acepções teóricas

apresentadas e pela ênfase em um destinatário que não seja passivo, um leitor real ou

virtual. Além disso, o reconhecimento da necessidade de se apresentar ao aluno “a

escrita padrão, em suas múltiplas formas, no universo das linguagens sociais” (2011, p.

7).

Após o texto da Apresentação, iniciam-se os catorze capítulos cuja organização

divide-se em seções: Atividade, Prática de texto, Língua Padrão e nas subseções:

Exercício, Roteiro de leitura, Texto. Apesar de esses serem os títulos e subtítulos

básicos encontrados, nem todos os capítulos apresentam as mesmas seções e/ou

subseções.

Para exemplificar, destacamos as divisões dos dois primeiros capítulos de PTEU

(2011):

63

Professor de teoria e crítica literárias da Universidade de Campinas (Unicamp). Autor de vários livros,

entre eles: Por que ler Hilda Hilst (2010) e Índice das coisas mais notáveis (2010). Sua produção

consiste de inúmeros trabalhos acadêmicos, críticas e resenhas para jornais e revistas. Há em PTEU

(2011) dois textos seus: “13 problemas e 1 figurino” (p. 100) e “Problemas de argumentação na redação

escolar” (p. 192). Além dos textos, na página 111, é apresentado um roteiro com sete distinções entre

língua e escrita, baseado em seu livro Problemas de redação. O autor também é citado na Apresentação

do livro, conforme trecho acima.

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CAPÍTULO

UM

AS LINGUAGENS DA LÍNGUA- I

Seções Atividade 1- Afinal, o que é a

língua? Subseções Exercício 1

Atividade 2- Um conjunto de

variedades

Diversidade linguística

Variedade e valor

Atividade 3- Variedade e

gramática

Exercício 2

O princípio da regularidade Exercício 3

Atividade 4- Leitura Texto 1- Não existem

línguas uniformes- Sírio

Possenti

Texto 2- [Sobre a

estratificação da

linguagem]- Mikhail

Bakhtin

CAPÍTULO

DOIS

AS LINGUAGENS DA LÍNGUA- II

Seções Atividade 1- Os gêneros da

linguagem Subseções

Alguns exemplos de gênero Exercício 1

Atividade 2- Os gêneros da

linguagem escrita

Exercício 2

Atividade 3- Alguns gêneros da

escrita

Texto Textos 1 a 17

Atividade 4- Estrangeirismos:

que fazer?

Texto 18- Chiques e

Famosas

Ignorância e oportunismo

Dois fatos a considerar

Vocabulário e estrutura

gramatical

Tudo bem, mas o que fazer

quando escrevemos?

Atividade 5- Leitura Texto 19- Meditação sobre

o calor das palavras- José

Castello

Quadro 5: Seções e subseções dos capítulos 1 e 2 (20ª edição, p. 9-38).

Os dois capítulos apresentados não trazem a seção Prática de Texto e somente a

partir do Capítulo Três sugere-se uma produção de texto ao aluno. O Roteiro de leitura

inicia-se a partir do Capítulo Cinco. Pretende-se, com isso, discutir com o aluno os

aspectos relacionados à língua e linguagem para somente depois sugerir que ele

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132

apresente sua compreensão de variedades linguísticas e gêneros. A seção Língua

Padrão inicia-se no Capítulo Oito.

Como fica visível no quadro acima, o capítulo já se inicia com uma atividade,

totalizando quatro no capítulo 1 (2011). O autor nomeia Atividade as instâncias em que

apresenta a teoria do subtítulo indicado, assim todos os capítulos do livro (2011)

iniciam-se com este título. Questionamos se essa escolha resulta de uma filiação teórica

em que se considere esse momento de reflexão acerca da linguagem, uma atividade. Ou

se é apenas uma convenção editorial a ser seguida pelos livros que integram a

denominada literatura universitária, pois PTEU encontra-se na seção Letras e Literatura

da Editora Vozes, mesma seção em que se encontra outro livro do autor: Oficina de

Texto que segue a mesma divisão e nomeação dentro dos capítulos.

Conforme apresentamos no capítulo 2 desta tese, a linguagem para o autor-

criador Faraco (1984; 2000; 2005; 2006; 2008) é concebida como um conjunto aberto e

variado de práticas sociointeracionais desenvolvidas por seres situados historicamente.

A linguagem, nesse ponto de vista, não existe como um fim em si mesmo, mas tão

somente nas trocas realizadas por sujeitos, nos contextos sociais em que constitui e é

constituída. Decorre, então, que linguagem envolve interação e para compreender sua

constituição é necessária uma conceituação própria do que seja interação, linguagem e

atividade (Faraco, 2005, p. 214).

Nesse artigo, Faraco fundamenta-se teoricamente recorrendo ao pensador norte-

americano George Herbert Mead (1863- 1931) e ao psicólogo bielo-russo Lev Vigotski

(1896-1934) cujas concepções de linguagem passam pela característica principal de

ação intersubjetiva que, ao internalizar-se, se transforma em ação intrasubjetiva,

contrariando a visão de linguagem-estrutura.

É possível um diálogo entre Vigotski e Bakhtin uma vez que a dimensão

interativa da atividade humana é privilegiada pelo primeiro na educação e pelo segundo,

nos estudos da linguagem (FERNANDES et al, 2012, p. 96). Para Vigotski, a cognição

é “vista como uma atividade que se dá primeiro na interação e é internalizada, trazendo

para o interior o movimento do exterior (p. 215, grifo nosso).

Não pretendemos adentrar essa discussão entre os pontos de convergência ou

divergência teórica porque teríamos de considerar muitos outros aspectos históricos e

teóricos de tradição filosófica em que ambos, Vigotski e Bakhtin, estavam inseridos

(BRANDIST, 2012). Partimos do ponto central de que o estudo da interação com esse

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enfoque interacional não só permite compreender o funcionamento da linguagem, como

também o surgimento da subjetividade nos indivíduos cuja construção só se dá em

contexto sociointerativo.

Faraco (2005) insiste na ideia de que a linguagem deve ser tratada como

atividade e não estrutura, mas reconhece a lacuna teórica que concilie as duas faces da

linguagem. Oferece como sugestão de reflexão que pensemos na linguagem-interação a

partir das macroestruturas e indica os gêneros do discurso como exemplo.

O linguista alerta-nos ainda sobre o “silêncio” a respeito do ensino da estrutura e

a ênfase exagerada nas questões sociointeracionais e sugere a atividade como uma ideia

já pensada por Humboldt, seguido por Voloshinov a respeito da língua como

atividade64

.

Se não há no horizonte uma teorização que nos forneça as bases para

pensar o estrutural a partir de atividade (o estrutural como ponto e

chegada e não como ponto de partida, para aproveitar a proposta

programática do linguista russo Valentin Voloshinov [...] lemos, com

certo espanto, num Chomsky65

mais recente [...] a asserção de que a

estrutura (a sintaxe) é cientificamente cognoscível, mas a atividade,

face à sua heterogeneidade, complexidade e imprevisibilidade, não o

é: constitui antes um conjunto de mistérios que nunca serão resolvidos

pela mente humana (FARACO, 2005, p. 217, grifos nossos).

Contrariando Chomski, Faraco ressalta que dentre todos os filósofos que

puseram a interação no centro dos seus estudos, Bakhtin e o Círculo foram os que mais

conseguiram avançar na questão, colocando a interação em lugar de constituição e base

para o ser humano. Nesse aspecto, está um dos pilares do pensamento bakhtiniano que

considera as posições socioavaliativas que emergem das inter-relações responsivas

como força motriz das práticas culturais (FARACO, 2008a, p. 38). Não há vida da

linguagem sem a interação. É entre os sujeitos organizados socialmente que se

produzem sentidos, é essa interação que dá vida à palavra assim considerada palavra

concreta. “Toda palavra é inevitavelmente dupla e todo significado é inevitavelmente

social” (TEZZA, 2003, p.31-32). Em Marxismo e Filosofia da Linguagem,

Bakhtin∕Volochínov (2004) discute a natureza socioverbal da linguagem e, dessa forma,

64

Contrapondo-se a duas grandes linhas filosóficas dominantes à época: o “subjetivismo idealista” e o

“objetivismo abstrato”, Voloshinov filia Wilhelm Humboldt à primeira e Saussure à segunda como seus

grandes representantes.

65 Faraco refere-se a CHOMSKY, N. New Horizons in the Study of Language and Mind. Cambridge

(UK): Cambridge University Press, 2000.

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concebe-a como um processo de interação e não como estrutura, produto do sistema.

Aqui, afasta-se do pensamento humboldtiano ao dar à linguagem uma perspectiva

sociológica.

Se para Humboldt a linguagem não é entendida como um sistema

gramatical, mas como uma atividade mental e sistemática de

elaboração; se para ele a gramática como tal (como um a priori) e a

interação são absolutamente acessórias, vêm depois e nunca antes

daquilo que é o essencial, isto é, o trabalho elaborador do espírito;

para Voloshinov este trabalho mental elaborador, com as mesmas

propriedades critativas, é – a contrapelo de toda a tradição

humboldtiana – social; resulta da internalização da lógica dos signos,

que é a lógica da interação socioaxiológica. A linguagem entendida

como heteroglossia é, desse modo a via cardeal de acesso social no

individual (FARACO, 2005, p. 220).

Então, a respeito da escolha do autor de PTEU pelo termo “atividade” ao longo

dos capítulos, chegamos à conclusão de que é em Voloshinov que apoia sua noção de

linguagem como atividade, com um caráter primordialmente social e não acessório

como o era na noção de Humboldt. Faraco é partidário dessa visão de linguagem-

atividade e não sistema, contrapondo-se, em vários de seus textos, ao ensino

predominantemente calcado nas práticas pedagógicas fossilizadas que priorizam o

enfoque no ensino normativo da gramática nas aulas de língua. Ao contrário, a

diversidade linguística em que a modalidade oral apresenta-se de forma diferenciada da

escrita é levada em consideração de maneira contextualizada aos textos e ao ensino da

norma padrão.

Corroborando a visão de Faraco (2005) de que a linguagem deve ser entendida

como interação a partir dos gêneros do discurso, justificamos nossa análise seguinte que

toma como base o Capítulo Dois- As linguagens da língua -II (2011). A escolha da

vigésima edição deve-se ao fato de que apenas nessa há um capítulo à parte para tratar

dos gêneros discursivos, conforme detalharemos quando pusermos as edições em cotejo

no item 3.3 desta tese.

Após a apresentação breve dos dois primeiros capítulos da vigésima edição,

continuaremos a descrever as duas edições, adentrando os capítulos e comentando a

organização dos livros, mas antes, precisamos identificar as marcas de interação entre

auto e leitor e quais são os efeitos de sentido decorrentes dessas marcas e que nos

permitam compreender a organização estrutural e discursiva dos capítulos do livro. De

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posse dessa interação, investigar como o autor constrói as propostas de produção textual

(Capítulo 4 desta tese).

3.2 A interação no capítulo 2 (2011) - gêneros da linguagem

[...] o dialogismo diz respeito às relações que se

estabelecem entre o eu e o outro nos processos

discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos,

que, por sua vez, instauram-se e são instaurados por

esses discursos. E aí, dialógico e dialético aproximam-

se, ainda que não possam ser confundidos, uma vez que

Bakhtin vai falar do eu que se realiza no nós, insistindo,

não na síntese, mas no caráter polifônico dessa relação

exibida pela linguagem.

Beth Brait

Esta tese trata de relações humanas. Interessa-nos uma atividade de um “eu-

autor” e sua relação com um “tu-aluno-leitor-autor”. Tratamos do sujeito inscrito em

uma situação social e histórica real, concreta produzindo discursos dirigidos e em

resposta a outros sujeitos. Esse sujeito situado entre o sistema formal da língua e os

enunciados valorativos que produz em direção e em resposta a alguém constrói sentidos.

É disso que tratamos nesse item de tese.

Para trabalhar a materialidade linguística de um capítulo de PTEU convocamos

noções pertinentes da perspectiva enunciativa da linguagem de Émile Benveniste (1946;

1956; 1958; 1962; 1970) e, de posse dos níveis de análise compreender a interação

instaurada entre autor e leitor nas atividades de escrita.

O linguista francês é conhecido nos estudos da linguagem como o responsável

por trazer para a cena dos anos de 1960 e 1970 o “homem na língua”. Apresenta em

textos que datam de 1939 a 1972 (BRAIT, 2001) um sujeito constituído na e pela

linguagem a qual torna possível que o locutor se marque ao dizer constituindo-se como

tal. Em “Da subjetividade na linguagem”, texto de 1958, Benveniste traça um paralelo

em interdependência entre subjetividade e intersubjetividade.

É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como

sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, na sua

realidade que é a do ser, o conceito de “ego”. A "subjetividade" de que

tratamos aqui é a capacidade do locutor para se propor como "sujeito".

[...] É "ego" que diz ego. Encontramos aí o fundamento da

"subjetividade" que se determina pelo status linguístico da "pessoa"

(BENVENISTE, 1976, p. 286, grifos do autor).

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Benveniste questiona ainda, de maneira filosófica, se esse fenômeno poderia se

chamar linguagem e funcionar como tal fora dessa relação intersubjetiva (p. 287). É o

“eu” se relacionando com o “tu” que institui o sujeito no fenômeno da linguagem e pode

ser abstraído de formas linguísticas que indicam a “pessoa” das quais os “pronomes

pessoais são o primeiro ponto de apoio para essa revelação da subjetividade na

linguagem” (p. 288). Os pronomes pessoais são também indicadores da dêixis, signos

que marcam o sujeito e são materializadas no enunciado por meio de algumas categorias

gramaticais tais como os verbos, os advérbios, os adjetivos e pronomes demonstrativos,

dos quais faz uso o homem ao se enunciar e transformar-se em sujeito. Esse estudo

cuidadoso dos pronomes pode ser encontrado nos textos “Estrutura das relações de

pessoa no verbo” (1946), “A natureza dos pronomes” (1956),” Da subjetividade na

linguagem” (1958) entre outros.

A relação do homem com a linguagem se dá por meio de determinadas

categorias linguísticas que dizem respeito à pessoa, ao tempo e ao espaço, ou seja, a um

“eu-tu-aqui-agora”. E no interior dos enunciados produzidos por locutores individuais

podemos identificar marcas desse colocar a língua em funcionamento. Esse pensamento

é desenvolvido por Benveniste no texto de 1970 “O aparelho formal da enunciação” no

qual discute o “emprego das formas” diferenciando-o das condições de emprego da

língua (1989, p. 81). O sistema da língua oferece um aparelho que permite que o locutor

se enuncie e assim marque sua posição de sujeito na língua. É essa compreensão da

língua que atrai os estudiosos da língua e do discurso que a utilizam sempre que

precisam lidar com a materialidade linguística instauradora dos textos e discursos

(BRAIT, 2001, p. 47).

O locutor, em ato individual de utilização da língua, é responsável pela

enunciação. Esse locutor direciona-se a um ouvinte que por sua vez produz uma

enunciação de volta. A esse processo, Benveniste chama apropriação.

Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assume a

língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de

presença que ele atribua a este outro. Toda enunciação é, explicita ou

implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário

(BENVENISTE, 1989, p. 84, grifo do autor).

Essa apropriação da língua serve para que o locutor (eu) se introduza no

processo comunicativo e estabeleça referências em relação ao discurso e ao outro (tu),

constituindo assim, um colocutor onde a “referência é parte integrante da enunciação”.

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Quando Benveniste argumenta que a “relação do locutor com a língua determina os

caracteres linguísticos da enunciação” e que esses caracteres marcam essa relação

(1970, p. 82) não é apenas a tríade pessoa, tempo e espaço que constitui o aparelho

formal da enunciação. Há outros caracteres de que o usuário se serve para se relacionar

com seu alocutário e a esses, o autor acrescenta a interrogação, a intimação e a asserção

em que o enunciador pretende influenciar o outro ao esperar uma resposta, aplicar

ordens e comunicar suas certezas, respectivamente. Disso inferimos que a escolha

lexical é um índice de subjetividade, pois também revelam marcas desse enunciador no

uso efetivo da língua.

Procuramos assim, com essas noções, respeitar nosso corpus de análise e

abordá-lo com embasamentos teóricos que nos pareceram adequados e compatíveis

entre si, guardadas as devidas dissonâncias. À medida que a investigação avançar,

explicitamos as categorias de análise convocadas para identificar as relações

estabelecidas entre o autor e seu leitor.

Tendo esclarecido nosso segundo aporte teórico, este tópico tem o objetivo de

descrever, analisar e interpretar de maneira específica a interação verbal instaurada em

um capítulo de PTEU (2011). Procedemos a um recorte das marcas de interação entre

autor e leitor-aluno e procuramos interpretar como essas marcas são preenchidas no

capítulo e a maneira com que revelam posições enunciativas. A partir da interação

estabelecida no capítulo, pretendemos apresentar o modo pelo qual o autor apresenta os

gêneros discursivos, constituindo-se, representando um leitor e com ele se relacionando.

Propomos, então, uma análise do Capítulo Dois- As linguagens da língua II (p.

20 a 30), o único que enfoca exclusivamente o ensino de gêneros da linguagem e

fornece alguns exemplos de suas manifestações na língua portuguesa. A primeira edição

não possui um capítulo em separado correspondente, visto que o tema “gêneros da

linguagem” foi inserido no capítulo 1 daquela edição. Faremos a comparação dos

aspectos discursivos de ambas edições ao tratar pela primeira vez de gêneros discursivos

no livro.

Consideramos o texto compreendido entre as páginas 11 a 19 (1ª edição) e 20 a 32

(20ª edição) para observar as condições reais de produção, recepção e circulação

refletidas e refratadas em sua materialidade, na qual se constitui a interação entre aquele

que produz e se enuncia, portanto o destinador (autor), e aquele a quem esse destinador

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se dirige, seu interlocutor, seu destinatário (leitor-aluno). Nesse sentido, analisaremos os

textos de explicação da teoria e os encaminhamentos às atividades.

O critério de escolha dos enunciados desse capítulo de ensino de gêneros auxilia

a confrontação da teoria professada pelo autor com a sua materialização no livro, que se

realiza por meio de uma análise de como o autor concebe a abordagem da linguagem

para o ensino da língua portuguesa. Neste recorte, analisaremos as formas pelas quais o

autor aparece no texto assim como se dirige ao seu interlocutor (leitor-aluno).

Assim, nosso percurso de análise deste capítulo guiou-se por três perguntas: 1-

Como o autor aborda os gêneros discursivos? 2- Que posição (s) enunciativa (s) assume

no texto? 3- Que posição enunciativa confere ao seu leitor e como se relaciona com ele?

Partimos inicialmente das análises das marcas de interação estabelecidas entre

autor e leitor-aluno destacadas pela categoria de pessoa e suas expressões pronominal e

verbal. Esta categoria será analisada pelo uso da primeira pessoa do plural apresentada

como pronome pessoal, pronome possessivo, possessivo adjetivo ou nas formas

pessoais dos verbos. A partir dessas marcas e da distinção entre o “nós-inclusivo” e o

“nós-exclusivo” analisaremos como a 1ª pessoa é preenchida no capítulo em momentos

diferentes. Além dessa estratégia enunciativa, há outra fortemente marcada pelo uso de

“você” ao questionar o aluno sobre sua experiência prévia de uso da língua ou sua

opinião a respeito de algum assunto que esteja sendo discutido.

No discurso didático, o enunciador (autor) tem um papel persuasivo, o

enunciado produzido pressupõe ao enunciatário (leitor-aluno) um fazer em resposta à

proposição.

O enunciador define-se como o destinador-manipulador responsável

pelos valores do discurso e capaz de levar o enunciatário a crer e a

fazer. A manipulação do enunciador exerce-se como um fazer

persuasivo, enquanto ao enunciatário cabe o fazer interpretativo da

ação subsequente. Tanto a persuasão do enunciador quanto a

interpretação do enunciatário se realizam no e pelo discurso

(BARROS, 2006, p. 60).

Nessa citação, a autora utiliza-se da relação persuasão-interpretação na análise

de trechos do texto Viagem ao céu, de Monteiro Lobato. No entanto, essa mesma

relação emerge da investigação realizada com textos escritos que buscam efeitos de

oralidade, em específico, anúncios publicitários de instituições financeiras brasileiras,

no entanto, apesar de tratarmos de gêneros diferentes, a linguagem de um livro didático,

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que pretenda criar um ambiente propício à aprendizagem, lança mão de recursos de

persuasão que muitas vezes envolvem procedimentos discursivos que remetem a uma

situação face a face de sala de aula, produzindo efeitos de sentido próprios de uma

comunicação oral.

Nessa categoria de representação do destinador e do destinatário, também serão

considerados os itens lexicais utilizados pelo autor para caracterizar o leitor-aluno. Por

exemplo: no primeiro capítulo, são utilizados “falante de português”, “falante da

língua”, cientista da língua” e “linguista” . Além desses elementos, os tempos e modos

verbais utilizados pelo autor também serão analisados para compreendermos os sentidos

criados nos direcionamentos aos exercícios.

Fazendo uma retrospectiva desta tese em relação à composição dos conteúdos de

PTEU, relembramos que o objetivo dos dois capítulos iniciais do livro foi definir língua

como um conjunto de variedades (Quadro 5). Essa definição é realizada pelo viés da

perspectiva da diversidade linguística, da gramática, dos gêneros da linguagem e dos

estrangeirismos numa articulação entre os elementos linguísticos, enunciativos e

discursivos a fim de ensinar texto num exemplo que parece coerente, à primeira vista,

com uma proposta de análise dialógica do discurso.

A seguir, apresentamos a parte do capítulo1 da primeira edição destinada ao

ensino de gêneros e apontamos sua construção.

3.2.1 Abordagem inicial para o ensino de gêneros na primeira edição

O capítulo 1 da primeira edição, As linguagens da língua (1992, p. 9-23)

destina-se a discutir a língua humana, a produção do significado e a apresentar algumas

maneiras como essa língua se estratifica. A parte dedicada aos gêneros discursivos

ocupa nove páginas e é essa que se assemelha ao capítulo 2 da vigésima edição que

estende mais a discussão, conforme analisaremos no item 3.2.2 deste capítulo de tese.

Nesta seção específica o autor define a língua como um conjunto de variedades e

ressalta escrita como uma delas. Apresenta os gêneros como “um conjunto de

linguagens que diferem bastante uma das outras num grande número de aspectos” (cf.

Figura 8). Em seguida propõe a leitura de dezessete textos cujas fontes foram omitidas.

Após a leitura, o aluno deve, em equipe de dois a três alunos, identificar algumas

características do gênero de acordo com um roteiro pré-estabelecido. As fontes

referentes aos textos encontram-se na última página do capítulo e servem de conferência

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para o exercício. As figuras seguintes mostram como o autor apresenta os gêneros

discursivos ao aluno:

Figura 3: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 11).

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Figura 4: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 12-13).

Figura 5: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 14-15).

Figura 6: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 16-17).

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Figura 7: Capítulo 1 – Apresentação dos gêneros do discurso (1992, p. 18-19).

De acordo com os créditos no final do capítulo, os textos pertencem a gêneros

variados: propaganda em revista semanal, horóscopo publicado na Folha de S. Paulo,

trecho do romance Grande Sertão: veredas, manual de instruções de um carro, texto

literário, texto de revista em quadrinhos, trecho da Bíblia Sagrada, uma bula de

remédio, um contrato de locação, texto do Millôr Fernandes na revista IstoÉ/ Senhor,

noticia do jornal Folha de S. Paulo, um bilhete de empregada doméstica, um texto

informativo do livro História da língua portuguesa, folheto publicitário, uma resenha

crítica de livro, publicada na revista Veja, trechos de dois textos literários, O povo do

mar e dos ventos antigos e Textos escolhidos.

O leitor desta tese poderá perceber que em comparação com a vigésima edição

alguns textos foram modificados, no entanto mantiveram-se os gêneros. A estrutura do

exercício também é diferente: enquanto na primeira edição o aluno deve ler primeiro os

textos e só depois dessa leitura proceder à identificação dos gêneros, a vigésima edição

propõe o exercício antes da leitura. O texto destinado à apresentação da atividade varia

nas duas edições conforme é possível verificar nas figuras 3 e 7 (1992) e 11 e 12 (2011).

1ª: Esses textos que você acabou de ler são uma pequeníssima amostra

da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente. São

textos que estão nos jornais, nos livros, nas revistas, na televisão, nos

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bares, nas placas de rua, na escola, nos folhetos... Aqui estão

apresentados alguns poucos exemplos dessas linguagens; mas não é

difícil perceber que os exemplos da diversidade linguística escrita

poderiam ser multiplicados ao infinito.

Vamos analisar um pouco essa diversidade. trabalhando em equipe (de

2 a 3 alunos), cada uma com um texto, siga o roteiro abaixo (1992, p.

18).

20ª: Vamos aprofundar um pouco mais a nossa percepção dos gêneros

da escrita, analisando alguns exemplares da linguagem que fazem

parte do nosso dia a dia. Os textos que seguem são uma pequena

amostra da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente

– encontram-se nos jornais, nos livros, nas revistas, nos bares, nas

placas de rua, na escola, nos folhetos de rua etc. Para não direcionar a

análise, as fontes são apresentadas somente no final do capítulo.

Trabalhando em equipe de dois a quatro estudantes, cada uma com um

texto, siga o roteiro abaixo. Lembre-se: o bom leitor é um detetive!

(2011, p. 23)

“Pequeníssima amostra” passa a ser “ pequena amostra” a metáfora do detetive é

acréscimo da vigésima edição. O roteiro de leitura, com exceção da posição no capítulo,

aborda os mesmos itens a serem observados pelo aluno na condução da leitura:

vocabulário, grafia, estrutura da oração, concordância e regência, destinatário, aspecto

gráfico intenção, polissemia, metalinguagem, idade, apesar de nem todos esses aspectos

estarem enunciados na primeira edição.

Conforme análise que conduziremos acerca da interação no capítulo 2 da

vigésima edição, a primeira edição destaca a observância do aspecto gráfico do texto,

mas diferentemente da vigésima limita-se a abordar a estrutura composicional textual:

divisão em parágrafos e linhas. Não há ênfase aso aspectos não verbais, portanto

integrados à constituição dos textos como discutiremos mais adiante.

Percebemos que o texto da primeira edição foi bem expandido na vigésima,

passando a ocupar dois terços do capítulo 2 (2011). Há uma reflexão prévia acerca da

linguagem, das variações linguísticas e um destaque ao tema, forma composicional e

estilo. O autor faz comparações com a vida cotidiana do aluno e discorre sobre várias

esferas da vida e seus gêneros mais comuns. Foca nos gêneros da linguagem escrita e

apresenta os dezessete textos para leitura e exercício. O texto da primeira é breve e falta

essa reflexão mais acaba sobre a estratificação da linguagem em gêneros.

Compreendemos que a reescrita do livro valorizou essa reflexão e dividiu-a em três

capítulos.

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Além do espaço ocupado no livro e da reflexão mais acurada sobre os gêneros

discursivos e da alteração dos textos do exercício, não observamos diferenças

significativas na interação instaurada entre autor e leitor-aluno, desta forma,

continuamos nosso percurso de investigação, agora estudando a interação do capítulo 2

da vigésima edição.

3.2.2 A interação autor-leitor no ensino de gêneros na vigésima edição

Neste item, examinamos o texto do capítulo 2 de maneira global, detendo-nos,

inicialmente, no léxico utilizado pelo autor para referir-se aos gêneros discursivos, a fim

de responder à primeira questão formulada acima: 1- Como o autor aborda os gêneros

discursivos? Como desmembramento dessa questão, responder ainda: 1- Que posição

(s) enunciativa (s) assume no texto? 2- Que posição enunciativa confere ao seu leitor e

como se relaciona com ele?

Eles são citados pelo autor de formas variadas, como “gênero” (p.20-24)

“gêneros da linguagem” (p.20), “gêneros da língua” (p.21), “gêneros da escrita” (p.22,

23) “gênero de texto” (p.23), “gêneros convencionais” (p. 23) e são conceituados como

“[...] variedades da linguagem não se estabelecem por acaso [...] nascem e fazem

sentido no interior das inúmeras atividades verbais de nosso contexto sociocultural. [...]

diferentes roupagens de pronúncia, sintaxe e vocabulário (diferentes sistemas

gramaticais) correlacionadas com a diversidade geográfica e social. [...] a diversidade

linguística se estratifica em diferentes formas mais ou menos estáveis [...] manifestações

da linguagem tipificadas por características formais recorrentes e correlacionadas a

diferentes atividades socioculturais (2011, p. 20)”; “[...] conjuntos de regras próprias de

cada situação” (p. 21).

Se analisarmos cada ocorrência, em específico, percebemos que o autor não está

designando as mesmas características a cada expressão. A partir do léxico,

depreendemos, então, que gênero, para o autor, são atividades da linguagem cotidiana

manifestadas por infinitas maneiras, e que envolvem interação e entonação. Gênero é

também uma forma convencional da linguagem a que se atribui um papel social, valor e

função. Decorre, então, que o gênero é um conjunto de procedimentos sociais, mas por

ser condicionado por esse meio, possui regras e limites, aos quais se adequa.

O autor exemplifica os gêneros como variedades de linguagens e cita situações

de uma aula, um advogado em júri, a troca de informações entre o controlador de voo e

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o piloto de avião e a narrativa de um jogo de futebol pelo rádio. Estabelece, assim, que

os gêneros podem ser da linguagem oral, cuja variedade é praticamente infinita e da

escrita, esta relativamente limitada devido às coerções convencionais, principalmente as

sociais.

Os gêneros da linguagem correspondem a conjuntos de regras próprias de cada

situação como, por exemplo, a escrita de uma crônica, classificada pelo autor um

“gênero muito especial da linguagem”. Inserido nesse conjunto, haveria ainda um

“subgênero da linguagem” (p. 21), o familiar informal que por sua vez insere-se no

“gênero maior” do sistema de cumprimentos. Para esse caso, lança uma hipótese de

interação em que um jovem entra na cozinha, pela manhã, e cumprimenta os familiares.

Além dessas distinções, o autor introduz os gêneros da língua. Esclarece que não

se apreende a língua em sua totalidade senão em parcelas a serem utilizadas em

situações específicas.

A fim de guiar nossa interpretação e permitir uma maior visualização das

ocorrências analisadas, apresentamos as páginas do capítulo que indicam a abordagem

feita às características do gênero e como a interação autor/leitor é construída.

Para facilitar nossa análise enunciativa66, serão considerados os seguintes

elementos de interação:

1- A explicação da teoria que se vale das pessoas do discurso: destinador-autor e

destinatário-aluno;

2- Os encaminhamentos das atividades expressos em formas de comandos que

partem do destinador-autor ao destinatário-aluno;

Para ambos os aspectos, concentraremos no tratamento dado de acordo com as

pessoas do discurso.

Ao destinatário:

a- Se ele é nomeado no enunciado como sujeito, aluno-leitor, por meio de

pronomes ou por expressões lexicais;

b- Se ele é nomeado implicitamente no emprego do “nós” inclusivo

Ao destinador:

66

Baseamos nossas categorias de análise na dissertação de mestrado A interação autor-aluno no livro

didático: marcas de oralidade, de Anatércia Parenti Batista da Torre, defendida em 2007, na Unversidade

Presbiteriana Mackenzie.

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a- Se ele vem nomeado no enunciado como sujeito, autor, por meio de pronomes ou

expressões lexicais;

b- Se ele se identifica por meio do emprego do “nós” inclusivo

Pretendemos com o auxílio das imagens estabelecer relações e responder às

questões formuladas.

Vejamos como o capítulo se inicia:

Figura 8: Capítulo 2- As linguagens da língua-II (2011, p. 20).

Legenda:

Falantes da língua Autor Autor - e leitor-aluno

Objetivando uma melhor visualização das ocorrências a que nos dispusemos a

descrever e analisar, destacamos os pronomes pessoais e possessivos, assim como as

formas pessoais do verbo, com cores diferentes e ligadas às diferentes posições

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enunciativas assumidas pelo autor e pelo leitor-aluno. Foi possível separar as

ocorrências em que o autor se dirige ao leitor-aluno nas seguintes categorias: léxico,

primeira pessoa do plural pronominal e verbal, pronomes possessivos e comandos das

atividades.

Assim, para as instâncias em que o autor dirige-se ao leitor incluindo ambos na

comunidade linguística de falantes de português, nomeamos de falantes da língua. Em

momentos que fica clara sua posição expositiva, teórica, autor. As ocorrências em que o

autor dirige-se ao leitor expondo uma teoria, mas referindo-se ao livro didático,

nomeamos de autor e leitor-aluno. Se o leitor é levado a fazer algum exercício ou a

refletir sobre sua própria experiência cotidiana ou de vida escolar, leitor-aluno.

Procuramos reunir as ocorrências para facilitar a visualização e mantivemos o

sistema de cores para diferenciar as marcas que revelam posições enunciativas

diferentes. A coluna que não tiver ocorrência será representada por N/A, não se aplica:

Léxico 1ª pessoa do

plural

2ª pessoa do

singular

Pronome

possessivo/adjetivo

Verbo de

comando

falante nós vimos N/A sua vida N/A

podemos dizer seu dia a dia

Conforme

exemplificamos

nosso contexto

Cada um de nós nossa vontade

Podemos, então,

dizer

podemos chamar

apreendemos

nos colocam

nós aprendemos

Quadro 6: Marcas de interação na página 20 do capítulo 2 (2011).

Por meio das cores empregadas na Figura 8 e mantidas no quadro acima,

observamos que a posição enunciativa falantes da língua tem predominância sobre as

outras. Percebemos que o autor estabelece uma “conversa” com seu leitor, ora

convocando um leitor-aluno “No capítulo anterior nós vimos como a linguagem, na sua

vida real [...]”, ora estabelecendo uma cumplicidade entre falantes de uma mesma

língua, “[...] mas também em cada um de nós, em cada falante [...]” (p. 20). Fiorin

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(2010) nomeia essa ocorrência “nós vimos” como um plural didático: “Nesse caso,

trata-se de um nós inclusivo (eu enunciador e tu enunciatário), pois indica que o eu e o

tu juntos empreendem o percurso da aprendizagem que o texto didático impõe” (p 126,

grifos do autor).

A posição falante da língua demonstra que o leitor-aluno é incluído nessa

condição com o intuito de aproximá-lo de sua língua. Isso pode ser observado em: “[...]

podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas grandes diferenças

geográficas e sociais de expressão [...], mas também em cada um de nós, em cada

falante” (2011, p.20). E também um aluno em contexto formal de ensino: “[...] uma

aula, por exemplo, ou qualquer situação em que temos de falar em público” (p. 21).

Há, também, momentos em que o autor assume posição de pesquisador

impondo-se com autoridade, mas reafirmando os conceitos teóricos de analistas da

língua: “Desse modo, podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas

grandes diferenças geográficas e sociais de expressão [...] (conforme exemplificamos

no capítulo um), mas também em cada um de nós [...] ou simplesmente por força da

nossa vontade individual....de nosso contexto sociocultural”(p.20). O autor relembra o

leitor-aluno da teoria explicada no capítulo anterior ressaltando o pertencimento do

falante na língua.

Ainda na primeira página do capítulo (Figura 8), em “Como assinalou Mikhail

Bakhtin [...]” (1º parágrafo), o autor retoma aspectos da teoria linguística assumida no

primeiro capítulo do livro e conduz o leitor para uma compreensão da continuidade do

seu pensamento, estabelecendo um diálogo com o que foi apresentado. O segundo

parágrafo também mostra claramente a relação entre o que foi dito antes nesse mesmo

capítulo e no anterior e serve, ainda, como um ponto de apoio para o reforço de sua

visão de linguagem: “[...] podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas nas

grandes diferenças geográficas e sociais de expressão (conforme exemplificamos no

capítulo um), mas também em cada um de nós, em cada falante, em diferentes estágios

de sua vida e em diferentes momentos do seu dia a dia” (p. 20).

Os enunciados destacados refletem as condições específicas dessa interação: o

texto aponta para o discutido no capítulo anterior, mas também para o conhecimento

prévio desse leitor que já foi exposto a essa explicação (variações linguísticas) da

linguagem em sala de aula. O trecho continua estabelecendo uma relação entre autor e

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leitor como falantes da língua: “em cada um de nós, em cada falante, em diferentes

estágios de sua vida e em diferentes momentos do seu dia a dia”.

Na sequência, o 3º parágrafo indica um diálogo que o autor estabelece entre a

apresentação de linguagem e a postura tradicional do ensino de língua nas escolas:

Do ponto de vista formal, essas variedades da linguagem não se

estabelecem por acaso ou simplesmente por força da nossa vontade

individual. Ao contrário, elas nascem e fazem sentido no interior das

inúmeras atividades verbais de nosso contexto sociocultural.

Podemos, então, dizer que a diversidade linguística manifesta, de um

lado, diferentes roupagens de pronúncia, sintaxe e vocabulário

(diferentes sistemas gramaticais) correlacionadas com a diversidade

geográfica e social. E, de outro lado, a diversidade linguística se

estratifica em diferentes formas mais ou menos estáveis, que podemos

chamar de gêneros, isto é, manifestações da linguagem tipificadas por

características formais recorrentes e correlacionadas a diferentes

atividades socioculturais.

[...]

Como as palavras jamais estão separadas de seus usuários e de alguma

situação real, o que nós aprendemos, no processo de aquisição da

linguagem, são gêneros da linguagem, isto é, conjuntos de regras

próprias de cada situação” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 20-21, grifos

do autor).

É possível identificar as posições enunciativas assumidas pelos participantes

dessa situação discursiva (autor e falantes da língua). Nessa interação, o discurso é

moldado pela situação imediata de uma relação estabelecida entre o autor e seu

interlocutor, nesse caso, o leitor-aluno e os falantes da língua, papel em que também se

insere. No entanto, há momento em que, apesar do uso do pronome “nós”, o aluno não

está incluído: “Desse modo, podemos dizer que a diversidade não se manifesta apenas

nas grandes diferenças geográficas e sociais de expressão, (conforme exemplificamos

no capítulo um)” (p. 20). O enunciador assume a postura daquele que detém o

conhecimento e o expõe, apresentando-se ainda como o guia do livro, direcionando o

aluno para o discutido anteriormente.

Em outros momentos, o autor utiliza exemplos que lhe permitem uma completa

identificação com o leitor-aluno, já que ambos, autor e leitor, passaram por processos

semelhantes de aquisição da língua. A posição enunciativa de falantes da língua é a que

emerge de trechos como esse:

Isto porque, na vida real, quando apreendemos uma palavra, ela nunca

está sozinha,[...] [ela] está envolta [...] num conjunto de gestos e

significados que nos colocam imediatamente num sistema concreto de

significações sociais (p. 20, grifos do autor).

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Na segunda página do capítulo, há a continuação da discussão sobre os usos da

linguagem cotidiana:

Figura 9: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 21).

Legenda:

Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno

Com exceção da expressão ratificadora “digamos” que aparece duas vezes nessa

página, mais uma vez, as cores nos permitem depreender que a posição enunciativa

falantes da língua é maioria nas marcas de interação.

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Léxico 1ª pessoa do

plural

2ª pessoa do

singular

Pronome

possessivo/

adjetivo

Verbo de

comando

N/A dizemos N/A nossa [...]

infância

N/A

estamos vivendo nossa opinião

digamos (2x) nossa admiração

podemos [...] não

dizer

nosso repúdio

nós costumamos

avaliar

nossa

indiferença

nos diz

não vemos

nós

vamos nos

apoderando

dizemos

podemos dizer

temos

temos

somos [...]

incapazes

não aprendemos

Quadro 7: Marcas de interação na página 21 do capítulo 2 (2011).

A continuação do capítulo demonstra o destinatário leitor-aluno que ainda não

havia aparecido no texto do capítulo. Nessa categoria, o aluno está inserido em

situações diárias de uso da língua, tanto em contextos familiares quanto contextos

sociais, mas apesar de o autor utilizar “nós”, nas três ocorrências seguintes, ele não se

inclui quando apresenta uma situação possível para um adolescente que ainda convive

com a família: “[...] quando dizemos “bom-dia” ao irmão ou ao pai”, “[...] estamos

vivendo um subgênero da linguagem”, “podemos até não dizer nada [...]” evidenciando

um uso da primeira pessoa como estratégia enunciativa de aproximação com o leitor,

mas a identificação entre adolescentes não ocorre. Usando essa estratégia, o autor

sugere que o aluno imagine a situação proposta e identifique-se com ela.

O autor dedica-se nessas duas primeiras páginas a explicar ao leitor que a

diversidade linguística acontece, pelas atividades verbais que rodeiam os falantes e pelo

“contexto sociocultural”, independentemente do indivíduo (p. 20, 3º parágrafo).

Para esta última característica do gênero, o autor oferece como exemplo uma

situação matinal familiar em que se cumprimenta algum familiar sem olhar-lhe nos

olhos, um exemplo de um “subgênero da linguagem (que pode ser definido como,

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digamos, ‘familiar informal’), do gênero maior ‘sistema de cumprimentos” (Figura 9),

mas que tem limites, nesse caso, a autoridade de um familiar como o pai pode restringir

o uso de certa linguagem, palavrões, por exemplo. O uso da língua, nesse caso, é o

resultado de certos procedimentos sociais que conferem sentido às palavras usadas

nesses contextos.

Nessa passagem, podemos considerar o que Voloshinov/Bakhtin (1983a)

apresenta como contexto extraverbal e os três fatores responsáveis pela interação

provocada pelo enunciado: “o horizonte espacial comum dos interlocutores”, “o

conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores” e a

“avaliação comum dessa situação”. Os exemplos suscitados pelo autor de PTEU

revelam esse pensamento em diferentes momentos do capítulo. A cena sugerida de um

bom-dia familiar apresenta participantes definidos, filho, irmão, pai que funcionam

como coparticipantes cientes da situação em que se encontram e da situação extraverbal

integrada ao enunciado (no período da manhã, é comum procurar comida para o café da

manhã na geladeira; normalmente as pessoas se cumprimentam com um bom-dia

quando se encontram; pessoas que convivem não precisam, necessariamente, manter

contato visual para se cumprimentarem). A cena descrita pelo autor e seus comentários

posteriores mostram interlocutores possíveis e o contexto extraverbal como partes

essenciais da estrutura de significação desse enunciado concreto “Bom-dia”.

Os exemplos fornecidos no texto apresentam situações de uso da língua que

reforçam o sentido de que falamos por meio de enunciados e não de orações isoladas. O

autor mostra situações, contextos de produção, que permitem entender “Bom dia” como

um enunciado e dando à expressão linguística um sentido que só é depreendido pela

situação em que ocorre. Nota-se também o conhecimento que o enunciador tem de seu

leitor ao relatar uma postura típica de jovem.

Observamos o predomínio do ponto de vista do enunciador que se instaura como

falante da língua e lança mão de alguns modalizadores pode haver, pode criar, nós

costumamos, às vezes, quase sempre, somos eventualmente incapazes que apontam para

o uso da língua que nunca pode ser generalizado e depende do contexto em que se

insere. O uso de praticamente também vai nessa direção e mostra a posição teórica do

autor.

Assim, as duas primeiras páginas do capítulo revelam os seguintes princípios de

linguagem:

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1- É preciso conhecer e dominar os diversos tipos de gêneros para que a

comunicação verbal/escrita se estabeleça de forma coerente e eficaz.

2- Só nos comunicamos, falamos e escrevemos através de gêneros do discurso.

3- Os sujeitos têm a sua disposição um ilimitado repertório de gêneros.

4- Até na conversa mais informal, o discurso é moldado pelo gênero em uso.

Fica evidente aqui a noção de enunciado para Bakhtin:

1- Unidade da comunidade discursiva.

2- Nele, há falante e ouvinte: parceiros na comunicação discursiva. O processo de

recepção, portanto, é ativo. Todo enunciado tem natureza responsiva imediata ou

não.

3- Os limites de cada enunciado são definidos pela alternância dos sujeitos do

discurso. Enunciado é a transmissão da palavra ao outro-parceiros do diálogo-

alternando as enunciações entre os interlocutores (réplicas).

O modelo de interação empregado remete-nos à situação de uso da linguagem

defendida no pensamento bakhtiniano em que sempre haverá falante e ouvinte. Estes

são parceiros na comunicação discursiva cujo processo de recepção é ativo produzindo

um enunciado que tem natureza responsiva imediata ou não. Nesse sentido, a linguagem

do capítulo enfocado considera a atividade de reflexão um momento responsivo, com os

possíveis leitores, aluno e o professor, receptores ativos. O leitor imediato é valorizado

como participante da interlocução no seu momento histórico, social e cultural: aluno em

um momento inicial de vida acadêmica.

O capítulo 2 continua com um exercício prático em que o aluno é convocado a

observar e anotar a linguagem do seu dia a dia:

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Figura 10: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 22).

Legenda:

Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno

A página 22 apresenta o primeiro exercício do capítulo. Organizamos as

ocorrências:

Léxico 1ª pessoa do

plural

2ª pessoa do

singular

Pronome

possessivo/

adjetivo

Verbo de

comando

N/A Vamos exercitar você a ouvir nosso ouvido faça [...]

anotando

Vamos [...]

refletir

Pode ser

veremos Procure

transcrever [...]

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sem corriji-la

para nós Explique a

situação

vamos nos deter Dê

como vimos Assinale

nós podemos

pronunciar

Defina

podemos grafá-

las

nós aprendemos

Quadro 8: Marcas de interação na página 22 do capítulo 2 (2011).

Nesta terceira página do capítulo, foi possível diferenciar os verbos

utilizados pelo autor na sugestão da primeira atividade, Exercício 1: “Vamos exercitar

nosso ouvido”, “Vamos agora refletir sobre a noção de gênero” daqueles utilizados para

dar ordens nos comandos das atividades: “Faça uma coleta [...] anotando cinco

ocorrências”, “Procure transcrever a fala”, “Explique a situação”, “dê um rápido perfil

do falante”, “assinale que aspecto chamou a atenção”, “defina o exemplo”. A marca do

coletivo não se repete dando lugar aos verbos no modo imperativo que descrevem as

ações que devem ser seguidas pelo aluno na consecução da atividade. Apesar de a

pessoa e modo verbal terem se alterado, primeira do plural, presente do indicativo para

terceira do singular, imperativo, o autor utiliza a estratégia do uso do “nós”, mas não se

inclui em nenhuma das situações. Desta forma, a proposta de atividade (Exercício 1)

evidencia a posição enunciativa do leitor-aluno a quem se propõe uma atividade prática

de levantamento de ocorrências linguísticas presentes na linguagem informal. O papel

do autor é sugerir a atividade, saindo de cena como companheiro para que o aluno não

só realize o levantamento das expressões, mas situe-as em seu contexto próprio de

produção.

Observamos que, na passagem “Vamos exercitar um pouco o nosso ouvido”, o

autor convoca o leitor a assumir uma postura ativa, executar um exercício que inclui

fazê-lo observar o uso da linguagem em sua vida cotidiana. O exercício proposto

anteriormente foi o de hipótese, de imaginação de uma cena, mas agora, ele deverá

considerar sua vida cotidiana e anotar exemplos de uso, bem como seu contexto.

Ainda no Exercício 1, as marcas modalizadoras apresentadas no texto da

atividade, um pouco, pode ser, se possível, indicam um respeito à vida social da

linguagem em que não há contextos pré-estabelecidos: “Se possível, defina o exemplo

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como manifestação de algum gênero da oralidade , de alguma situação típica” (p. 22,

grifo nosso).

Podemos considerar também como diretivas a sugestão do autor no material a

ser usado e a quantidade de ocorrências anotadas: “munido de um bloco de papel e

caneta [...] anotando cinco ocorrências reais da linguagem oral [...]”. Ou, ainda,

indicando possíveis lugares em que o aluno fará suas anotações: “na fila do ônibus”, “no

supermercado”, “em casa”, “nos telejornais”, “no rádio”. Além desses elementos, no

modelo a ser seguido pelo aluno, o autor elenca os participantes da comunicação

discursiva, a situação, os falantes e o tipo de linguagem utilizado.

Apesar de no início o livro ser apresentado como um material didático que se

destina àqueles universitários que necessitam da escrita em sua formação (cf. Figura 2,

item 3.1.1), o enfoque da interação do autor e leitor nesses dois primeiros capítulos (As

linguagens da língua I e II) é em aspectos da fala cotidiana. Isso é revelado pela

organização de PTEU cujos capítulos partem de situações de uso da fala para chegar à

escrita. Nesse capítulo dois, o aluno deve produzir pequenos trechos de texto, mas

apenas respostas curtas aos questionamentos do autor.

Em seguida, na Atividade 2 (Figura 10) “nós” é utilizado de modo a sugerir uma

identificação com o aluno, mas isso não acontece, e a posição do autor é de exclusão.

No terceiro e quarto parágrafos da página, a estratégia do uso do “nós” retoma o padrão

das explicações das páginas anteriores revelando posições de falante da língua.

Nesta atividade, o autor apresenta uma discussão mais específica sobre Os

gêneros da linguagem escrita e o autor ressalta o foco a ser explorado nos gêneros

escritos que são mais limitados que os orais e passíveis de grande vigilância por parte

de seus usuários: professor, editor do jornal, jornalista, escritor, publicitário: “Trata-se

de uma vigilância objetiva, consciente e sistemática (diferentemente da oralidade, em

que esse autocontrole, embora também exista, ocorre de forma muito mais solta e

natural” (p. 22, grifo do autor). A atenção do aluno é dirigida para o fato de que a escrita

também se divide em gêneros, gêneros convencionais, e não palavras isoladas:

Isto é, as frases que lemos, copiamos ou escrevemos sempre fazem

parte de um gênero, uma forma convencional da linguagem, à qual

atribuímos algum papel social, algum valor, alguma função.

É importante deixar isso bem claro: nós não simplesmente escrevemos

(isto é, escrever não e apenas preencher um espaço em branco com

frases bem estruturadas e bem grafada); nós escrevemos em gêneros (

p. 23, grifos do autor).

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Nessa terceira página do capítulo 2 (Figura 10), a linguagem do autor permite

compreender os seguintes princípios de linguagem referentes ao que constitui o gênero

do discurso no pensamento bakhtiniano:

1- conteúdo temático (assunto);

2- construção composicional (estrutura formal);

3- estilo (utilização da língua: forma individual de escrever, escolha vocabular,

composição frasal e gramatical);

4- o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo fundem-se no todo

do enunciado;

5- cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de

enunciados.

As características do gênero estão implícitas nas discussões e exercícios

propostos pelo autor, mas cada aspecto foi trabalhado individualmente nos capítulos que

se seguem a esse, conforme apresentado no item 3.1.1 desta tese.

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Figura 11: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 23).

Legenda:

Falantes da língua Autor Autor e leitor-aluno Leitor-aluno

Léxico 1ª pessoa do

plural

2ª pessoa do

singular

Pronome

possessivo

Verbo de

comando

O bom leitor é

um detetive!

lemos N∕A nossa percepção Confira

copiamos nosso dia a dia Leia

escrevemos (3x) seu texto Procure definir

atribuímos Trabalhando

[...] siga

Vamos

aprofundar [...]

analisando

Lembre-se

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vivemos Faça

Considere

Observe

Quadro 9: Marcas de interação na página 23 do capítulo 2 (2011).

A página acima demonstra a proposta de dois exercícios. O primeiro consiste da

leitura de três frases para a consequente identificação dos gêneros a que pertencem e o

segundo da leitura de dezessete textos que serão apresentados nas páginas seguintes ( 24

a 32), a partir dos quais e de um roteiro pré-estabelecido de leitura, o aluno também

deve indicar seus gêneros. Como estamos na parte do capítulo em que são propostos

exercícios ao aluno, a posição enunciativa leitor-aluno se mantém na maioria das

marcas levantadas que são o uso de imperativo para os comandos e os possessivos “seu”

e “nossa”. A voz do autor também se enuncia em “Para não direcionar a análise”, que

poderia ter sido apresentada como “para não direcionarmos a análise” como tem sido

feito em PTEU.

Complementando a explanação sobre os gêneros da linguagem escrita, iniciada

na página 22, o Exercício 2 propõe ao aluno que identifique o gênero de “três

ocorrências escolares escritas”. Há três itens com três frases sem referência as suas

fontes de origem: “a) Todo homem deve pensar e fazer o bem, porque só o bem

constrói.”; “ As minhas férias foram muito boas e divertidas, eu visitei a casa da minha

tia na praia.”; “ c) O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos

catetos.”. A interação instaurada com o leitor-aluno se dá por meio dos verbos no

imperativo “confira”, “leia”, “procure definir” repetindo o padrão adotado nas propostas

de atividades. Não podemos dizer que apenas a leitura das frases daria ao aluno a

certeza sobre o gênero em questão, pois, sabemos que, na modernidade, alguns gêneros

de uma determinada esfera têm sido apropriados por outras. Assim, esse exercício

poderia ter recuperado a totalidade do enunciado com algumas informações adicionais,

dado que a frase “a”, por exemplo, poderia figurar em várias esferas tais como a

religiosa, didática, publicitária, etc.

Em seguida à explicação iniciada na página 22 sobre os gêneros da linguagem

escrita, a Atividade 3- Alguns gêneros da escrita convida o aluno a um aprofundamento

da sua compreensão e propõe a análise de “[...] alguns exemplares da linguagem que

fazem parte do nosso dia a dia” (p. 23, Figura 11). O foco da Atividade 3 se mantém e o

autor apresenta algumas características que considera comuns aos gêneros: vocabulário,

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grafia, estrutura da oração, concordância, regência, destinatário, aspecto gráfico,

origem, intenção, polissemia, metalinguagem, idade.

Para o exercício, são apresentados dezessete textos cuja divulgação das fontes de

origem dos textos é resguardada, aparecendo apenas no final do capítulo para não

direcionar a identificação do leitor-aluno. O autor os caracteriza como “uma pequena

amostra da imensa variedade de linguagens” que podem ser encontradas em diversos

locais e, antes de mostrá-los, apresenta um roteiro de análise em que devem ser

considerados os seguintes aspectos para a classificação do gênero em questão:

“vocabulário”, “grafia”, “estrutura da oração”, “concordância”, “regência”,

“destinatário”, “aspecto gráfico”, “origem”, “intenção”, “polissemia”,

“metalinguagem”, “idade”. O roteiro iniciado na página 23 (Figura 11) continua na

página seguinte (p. 24) (Figura 12).

Figura 12: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 24).

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Legenda:

Falantes da língua Autor Autor- e leitor-aluno Leitor-aluno

Léxico 1ª pessoa do

plural

2ª pessoa do

singular

Pronome

possessivo

Verbo de

comando

N/A estamos

analisando

você sabe N/A Assinale (2x)

você

levantou

Observe (2x)

você

encontrar

Considerando

você acertou

você está

lendo

você ainda

não conheça

você esteja se

perguntando

você analisa

você analisou

Quadro 10: Marcas de interação na página 24 do capítulo 2 (2011).

Nessa página, não há um item lexical que identifique o leitor-aluno, mas a

posição de aluno em um contexto específico de ensino formal de português aparece em

“ [...] aqui há um detalhe interessante: você está lendo o texto em sala de aula, num

curso de Língua Portuguesa, diante de um professor que talvez você ainda não conheça

bem”. Aqui, além das formas de imperativo, aparece em vários momentos o uso de

“você”. Esse pronome de tratamento sugere uma aproximação entre os parceiros

discursivos porque simula uma situação de contato face a face. As perguntas do autor,

presentes no roteiro de leitura, são direcionadas ao leitor-aluno e a presença do “você”

reforça essa proximidade. No entanto, ao sugerir que o aluno esteja lendo os textos

indicados em uma situação de sala de aula, evidencia a posição do enunciador como um

terceiro elemento, aquele que se interpõe entre o professor e o aluno. Com esse

comentário, o autor se exclui da possível cena educacional física, mantendo-se apenas

no “virtual”, na interação discursiva do livro didático.

O uso do “você” sugerindo um contato mais próximo entre autor e leitor é

materializado nos trechos em que ao autor questiona o leitor sobre sua compreensão:

“Como você sabe?”, “Pelas características que você levantou, onde é mais provável

você encontrar o texto analisado?”, “[...] confira a fonte e veja se você acertou...)”,

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“você está lendo o texto em sala de aula [...]”, “[...] um professor que talvez você ainda

não conheça bem.”, “É possível que você esteja se perguntando”, “No texto que você

analisa [...], “Considerando tudo que você analisou, em que gênero você classificaria o

texto?”

Apesar de o elemento “você” estar materializado nessa parte do capítulo e com

uma função bem definida de simulação de conversa, os comandos das atividades já

continham esse pronome de forma elíptica: “Assinale [você], se houver, as formas [...]”,

“Observe [você] a divisão em parágrafos [...]” e outras ocorrências conforme quadros

acima. No entanto, o valor de “você” muda. Nas instâncias em que é usado, situações

em que ao autor faz perguntas ao leitor-aluno, ele não está dando ordens, mas

considerando o que o aluno fez ou está fazendo na atividade. Assim, produz-se um

sentido de cumplicidade e interesse pelo leitor que é, dessa forma, incluído como em

um diálogo face a face.

Essa página poderia ser a primeira em que autor e leitor não estivessem

identificados como falantes da língua, caso não levássemos em consideração o uso da

terceira pessoa do plural com o valor da primeira: “[...] as formas que normalmente se

consideram ‘erradas’ [...]”, que revela o seguinte sentido: “as formas que nós, falantes

da língua, consideramos erradas”.

Podemos concluir que o pronome “nós” pode assumir sentidos diferenciados em

função do contexto no qual se insere e em função das escolhas do autor. Nos momentos

de apresentação da teoria, o enunciador apresenta-se como membro da mesma

comunidade discursiva do destinatário no uso frequente do pronome “nós” ou nas

formas verbais de primeira pessoa do plural. O emprego dos possessivos “seu” e

“nosso” também corrobora esses posicionamentos. Nos momentos em que propõe a

execução de atividades, o autor se afasta e assume uma posição de comando. No

entanto, utiliza estratégias de aproximação com o leitor quando insere nos comandos,

perguntas diretas ao interlocutor, valendo-se do uso da 2ª pessoa do singular, você.

Independentemente dessa inclusão do leitor “você” nos enunciados das

atividades, as cores empregadas nos verbos dos enunciados destinados às propostas de

atividades nas figuras acima permitem visualizar um predomínio do modo imperativo,

demonstrando o afastamento quase total do enunciador no momento em que o aluno

deve executar algum exercício. Nesses momentos, o enunciador não compartilha do

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mesmo grupo do leitor-aluno, assumindo uma posição superior, autoritária e plena de

poder, conferido por sua posição de autor conhecedor da teoria que ensina.

Para continuarmos a responder à primeira pergunta levantada: 1- Como o autor

aborda os gêneros discursivos? Procedemos ao estudo dos textos apresentados pelo

autor no espaço compreendido pelas páginas 24 a 32. Os textos são apresentados em

sequência e não há intervenção do autor.

Após os itens a serem observados na identificação dos gêneros, são apresentados

dezessete textos que pretendem recuperar o sentido de um horóscopo publicado em

revista feminina, trecho de textos literários, textos publicitários, revista em quadrinhos,

bula de remédio, contrato de locação, trecho de bate papo da internet e bilhete de

empregada doméstica. Há um texto de Millôr Fernandes da Revista IstoÉ/Senhor e da

revista Veja. O exercício propõe que o aluno reconheça a que gênero pertence cada

texto.

Conforme mencionado, os textos não apresentam fontes e os títulos também

foram omitidos, assim como as imagens em que circularam originalmente. Logo abaixo

do texto 17, o último apresentado, há a exposição dos créditos dos textos e a nomeação

dos gêneros. Por exemplo: “Texto 17: Textos escolhidos, de Fernão Lopes” (2011, p. 32,

grifo do autor).

As figuras 13 a 16 mostram os textos:

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Figura 13: Capítulo 2 – As linguagens da língua II (2011, p. 25-26).

Figura 14: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 27-28).

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Figura 15: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 29-30).

Figura 16: Capítulo 2 – As linguagens da língua-II (2011, p. 31-32).

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Para esta análise do exercício de identificação dos gêneros, detemo-nos no

trecho do roteiro (apresentado em itens que vão da letra a a n, p. 23 e 24) (Figuras 11 e

12) oferecido ao aluno na Atividade 3: Alguns gêneros da escrita:

g. Aspecto gráfico. Observe a divisão em parágrafos, a disposição das

linhas, o emprego de palavras em itálico, em negrito, em caixa alta,

sublinhada, com iniciais maiúsculas. O aspecto gráfico tem alguma

função? (Observe que estamos analisando exclusivamente textos –

obviamente a imagem integrada ao texto, num conjunto dominante

na nossa vida pelos outdoors, televisão, jornais, revista etc.,

potencializa, interfere, interpreta, modifica e multiplica ainda

mais todos os significados implícitos no texto em si ( 2011, p. 24,

grifos nossos).

Observamos que o texto aproxima-se do seu leitor. Há uma forte interação

marcada pelos questionamentos, pelo uso do “nós” inclusivo e pelo uso do imperativo.

A interação verbal é preenchida também com um destinatário falante da língua. O leitor

que foi incluído nesse projeto editorial didático participa ativamente da produção de

sentido.

No entanto, se recuperarmos o apresentado na página 20 ao aluno: “[...] as

palavras jamais estão separadas de seus usuários e de alguma situação real, o que nós

aprendemos, no processo de aquisição da linguagem, são gêneros da linguagem, isto é,

conjuntos de regras próprias de cada situação”, podemos dizer que a situação foi

parcialmente recuperada para o aluno. Conforme Brait (2010),

A dimensão verbo-visual da linguagem participa ativamente da vida

em sociedade e, consequentemente, da constituição de sujeitos e

identidades. Em determinados textos ou conjuntos de textos, artísticos

ou não, a articulação entre os elementos verbais e visuais forma um

todo indissolúvel, cuja unidade exige do leitor, e notadamente do

analista, a percepção e o reconhecimento dessa particularidade” (p.

193-194).

Assim, com exceção dos três textos literários, que provavelmente foram

apresentados ao leitor original em forma de texto verbal, sem imagens, os outros textos

pertencem a gêneros cujos enunciados se completam quando materializados verbo-

visualmente com suas cores, figuras, fontes de tamanho e design diferentes.

Da maneira como foi exposto, o texto perde o seu elemento constitutivo de

significação, pois existe “[...] pela materialidade visual, um caráter semiótico cujas

especificidades expressam a dimensão ideológica, a costura de discursos, de relações

que dão identidade ao texto” (BRAIT, 2011, p. 190). Nessa parte, então, aparece uma

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contradição entre o dito pelo autor no início do capítulo: “as palavras jamais estão

separadas de seus usuários e de alguma situação real (...)” (2011, p. 20) e o praticado na

exposição dos gêneros.

Há ainda uma introdução aos excertos de textos em que o autor diz se tratar de

uma “pequena amostra da imensa variedade de linguagens que vivemos diariamente –

encontram-se nos jornais, nos livros, nas revistas, nos bares, nas placas de rua, na

escola, nos folhetos de rua etc.” (2011, p. 23). Ora, se na transcrição de um texto para

figurar em um material didático se desconsidera a situação real em que esse mesmo

texto circulou em sociedade, acredita-se que a compreensão de enunciado concreto

fique prejudicada.

O enunciado desses textos só se totaliza com o elemento verbo-visual que é

constitutivo do sentido desse texto que, desconectado desse elemento constitutivo, não

pode enunciar seu lugar discursivo, social e cultural. É esse lugar que se configura como

espaço instaurador das condições necessárias para que a propaganda, por exemplo,

possa ser lida, vista subtraída da sua esfera de circulação para se instalar no livro

didático e contribuir para a compreensão do aluno do gênero discursivo. Como são

apresentados, os textos do exercício reduzem sua funcionalidade como horóscopo,

propaganda, etc., com sua finalidade original. Isso significa uma transformação do

status dos interlocutores, uma mudança no gênero discursivo, criando novas imagens,

novas autorias que requerem do leitor outras abordagens que não lhe são fornecidas,

pois o enunciado do exercício restringe-lhe a visão, sugerindo um único gênero, retirado

de fontes específicas, apesar de bem conhecidos do público.

Embora saibamos que o texto verbal apresentado ao aluno no exercício seja o

mesmo, ele assume nessa forma de apresentação uma nova dimensão discursiva,

descaracterizando seus enunciadores e destinatários originais, cuja identificação é

objetivo primeiro do exercício. Nas páginas do livro didático, a autoria é partilhada com

o editor de texto e inúmeras coerções editoriais podem ter afetado a apresentação dos

gêneros, mas a materialidade oferecida ao aluno é aquela que se vê.

Se, para Volochínov, não há interlocutor abstrato e a produção do enunciado está

imbricada com a recepção desse interlocutor, com o contexto social, histórico e cultural

de produção e da recepção, toda palavra é bidirecional e a noção de gêneros do discurso

constitui o todo do enunciado. Um enunciado didático que se propõe e concretiza uma

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interação entre falantes da língua não pode desconsiderar as condições reais de

circulação dos gêneros apresentados.

Acreditamos em razões editoriais para que textos que figuram em livros didáticos

tenham seus leiautes modificados, ou até mesmo para suprir um projeto maior de

economia de espaço, destinando uma maior ênfase ao material verbal e às considerações

de seu autor. A enunciação é sempre um ato de alguém para alguém, que demanda uma

posição responsiva e essa posição ultrapassa os limites verbais.

Pudemos depreender princípios de linguagem em que é preciso conhecer e

dominar os diversos tipos de gêneros para que a comunicação verbal/escrita se

estabeleça de forma coerente e eficaz. O usuário da língua só se comunica por meio de

gêneros do discurso e tem a sua disposição um infindável repertório de gêneros.

Na linha teórica seguida pelo autor do livro didático, não consideramos que os

enunciados concretos que figuram em um gênero discursivo tenham sido propriamente

apresentados aos alunos de forma a propiciar-lhes uma compreensão mais acurada da

linguagem estratificada em gêneros e fornecer-lhe subsídios mais reais para ajudar em

sua produção escrita.

Há um intervalo nesse Capítulo Dois que não foi analisado aqui (Atividade 4 –

Estrangeirismos: que fazer; Texto 18; Ignorância e oportunismo; Dois fatos a

considerar; Vocabulário e estrutura gramatical; Tudo bem: mas como fazemos quando

escrevemos) como descrito no quadro 5 dessa tese, porque muda o foco que estava no

ensino dos gêneros do discurso para uma discussão do autor a respeito dos

estrangeirismos na língua portuguesa e sua posição a respeito de algumas propostas

governamentais de se limitar uma possível invasão estrangeira no nosso idioma.

O capítulo, no entanto, finaliza com a Atividade 5, Leitura apresentando um

gênero “muito especial da linguagem” (p. 37), a crônica, com o texto “Meditação sobre

o calor das palavras, de José Castello (p. 37 e 38). O autor coloca como fonte o texto

retirado do jornal O Estado de S. Paulo, de 20 de julho de 1999, mas sem maiores

indicações de caderno ou possibilidades de encontrá-lo. Em 2003, portanto posterior à

segunda edição de PTEU (2001), José Castello tem suas crônicas reunidas no livro As

melhores crônicas de José Castello.

Estranhamos não encontrar as contextualizações feitas aos autores dos textos do

livro, como o realizado, por exemplo, no livro didático em volume único Português:

língua e cultura escrito por Carlos Alberto Faraco em 2003. Os capítulos desse livro

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trazem um breve comentário a respeito dos autores e fornecem indicações de leituras

complementares do autor ou sobre o assunto desenvolvido. O livro, em questão, foi

aprovado pelos critérios de seleção do PNLEM/2007 e passou a compor o Catálogo do

programa nacional do livro para o ensino médio/2009 juntamente com 10 outras obras.

Para essa seleção pública foram consideradas as obras de volume único bem como as

divididas em três volumes, para as três séries do ensino médio.

Apesar de observarmos essa deficiência no aprofundamento das fontes, a escolha

dos textos para figurarem em PTEU mostra-se alinhada à postura teórica do autor. Na

crônica que finaliza o capítulo, José Castello apresenta seu narrador como um homem

“vítima das palavras, de seu fulgor, de seu poder de desgaste, do modo como elas

podem nos submeter e governar (p. 37)”. O personagem da crônica, se assim se pode

dizer, mostra a influência, boa e má, das palavras na vida de alguns conhecidos, e

destaca seu poder de fixação dos significados nas pessoas e lembra o que acontece com

as palavras no dicionário que ficam congeladas, “perdem seu calor, transformando-se

em etiquetas, dessas que grudam para sempre”. Exorta o leitor a não se esquecer “que

palavras podem ser mastigadas, retorcidas, desdobradas” para evitar que elas asfixiem

ao invés de serem saboreadas.

Por meio da análise realizada com as categorias enunciativas estipuladas,

observamos que o destinador (autor) que se enuncia é aquele que se identifica com os

falantes da língua e, nessa categoria, insere seu destinador (autor-aluno). Essa á a

categoria mais frequente nas discussões teóricas e apresentações de exemplos de uso de

língua. No entanto, quando são propostas atividades de reflexão ou mesmo escritas, o

destinador ausenta-se e assume uma posição exterior ao evento comunicativo, cabendo

apenas ao destinatário (aluno) proceder com a verificação da compreensão. Apesar

disso, a frequência de uso do pronome “você” resulta em uma marca explícita de

aproximação. O uso desse pronome promove um efeito de proximidade, porque, apesar

de o autor nãos e inserir na atividade, ele questiona a opinião do leitor em vários

momentos e oferece-lhe oportunidade de criar alternativas às tarefas solicitadas, assim

como também aborda o aluno como indivíduo, mas inserido em um grupo social, visto

que sugere atividades em pares, grupos.

Apresentamos aqui, apenas o capítulo 2, mas em processo investigativo de

PTEU observamos que essa relação destinador-autor e destinatário-aluno é estável no

conjunto do livro. Percebe-se que a comunicação pretende minimizar os traços de

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assimetria visíveis quando o autor exerce uma posição de detentor do conhecimento e

transmissor deste e ao aluno o papel de feitor de atividades.

A partir do reconhecimento das marcas de interação presentes no capítulo

destinado a ensinar os gêneros do discurso, passamos à descrição e análise das duas

edições de PTEU, a primeira e a vigésima.

3.3 Diálogos instaurados

Tendo apresentado os objetivos, as características e as atividades de PTEU, no

item 3.1.1, continuamos o confronto entre as edições. O cotejo consiste da descrição das

seções e o conteúdo de cada unidade, mas os comentários e análises serão realizados a

partir das mudanças realizadas na passagem da primeira para a vigésima edição. A

interação instaurada entre autor e leitor-aluno levará em consideração as categorias

estabelecidas no estudo do capítulo 2 de PTEU.

Apresentamos as capas das duas edições:

Figura 17: Capa do livro didático (2011).

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Figura 18: Capa do livro didático (1993).67

A editoração da vigésima edição (Figura 17) é de Augusto A. Zanatta e a capa

de Marta Braiman. Tanto a capa quanto a contracapa apresentam linhas esmaecidas de

um caderno em tom de verde, mesma cor dos nomes dos autores do livro que são

apresentados. Na parte central da capa, o título do livro e as palavras “Prática de texto”

aparecem em letras maiúsculas, ocupando a maior parte do espaço. “Prática de” vem em

vermelho e com uma fonte diferenciada das demais. A palavra “texto”, em destaque e

em tamanho maior, tem como preenchimento as linhas de um caderno em azul que

fazem os fundos superiores da capa e da contracapa. Como fundo, à esquerda, também

parece ter sido utilizada a capa de um livro, cujo título está parcialmente aparente e à

direita uma folha impressa.

Logo abaixo da palavra “texto”, em letras minúsculas cinzas, o subtítulo e

direcionamento do livro, “para estudantes universitários”. No canto inferior esquerdo,

há o logo da “Editora Vozes” em letras maiúsculas.

Percebe-se aqui a ênfase dada à palavra “texto” e “prática de”, em vermelho,

chamando a atenção do leitor para o objeto central do livro: o aprendizado da língua

portuguesa por meio da produção textual.

A primeira capa (1992) (Figura 18) traz como indicações editoriais apenas a

diagramação, de Daniel Sant’Anna e Rosane Guedes. No centro da página, há um

67

Por ser uma edição apenas disponível em sebos, algumas em más condições, não encontramos um livro

cuja capa pudesse ser reproduzida aqui. Desta forma, apresentamos a capa da 2ª edição, que se manteve

igual à da 1ª e continuamos nossas análises com a 1ª edição de 1992.

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quadro com contornos marrons e, dentro desse quadro, uma figura menor em preto,

aparentemente feminina, de uma pessoa se movimentando para a direita, empunhando

um arco como se estivesse em batalha ou à caça de algum animal (Diana, a deusa

mitológica da caça, talvez). Essa mesma pessoa é reproduzida atrás, no fundo da

imagem, em tamanho maior, de cor marrom, como se fosse uma projeção, uma sombra,

da primeira. Procuramos por informações dessa figura68

, já que o livro não traz detalhes

e percebemos em análises de outras obras da Editora Vozes que os diagramadores não

apresentam as fontes das figuras utilizadas nas capas, como, por exemplo, o livro de

1993, ano subsequente à produção de PTEU, Estética: a lógica da arte e do poema69

.

A disposição do texto na primeira edição é quase oposta à da vigésima.

Centralizada, no início da capa, está a indicação da edição (2ª edição, capa escaneada).

O título do livro também vem desmembrado, mas agora em apenas duas partes: “Prática

de texto” em vermelho, centralizado acima e logo abaixo com fonte menor o subtítulo,

“língua portuguesa para nossos estudantes”. A figura, já descrita, no centro da página,

abaixo do logo da editora, “Vozes”, que se manteve, com a diferença da adição da

palavra “editora” na vigésima edição, o que parece ter sido uma remodelagem da marca.

Os nomes dos autores aparecem na parte inferior, em letras maiúsculas

centralizadas e também em cores pretas como o subtítulo do livro. O volume da

vigésima edição apresenta tamanho e número de páginas maiores, além do número

maior de páginas. As medidas são 16 cm de largura, 23 cm de altura, 2 cm de

profundidade e 304 páginas, contra 13,8 cm, 21 cm, 1 cm e 244 páginas,

respectivamente, para a primeira edição.

Se, ao analisarmos as intenções dos textos das capas, considerarmos a visão de

Bakhtin/ Volochínov a respeito do dialogismo, acatamos que:

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um

elemento da comunicação verbal. [...] o ato de fala sob a forma de

livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na

mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de

outros autores: ele decorre portanto da situação particular de um

problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o

discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão

ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta,

68

A editora foi consultada e não pôde fornecer detalhes sobre a imagem devido a não terem mais essa

informação em seus arquivos.

69 Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/80635122/BAUMGARTEN-Alexander-Gottlieb-Estética-a-

logica-da-arte-e-do-poema. Acessado em 01∕01∕2013.

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confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio,

etc. (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123, grifos nossos).

Do ponto de vista pergunta-resposta que todo enunciado contém em si

(BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004), o subtítulo da primeira edição revela a motivação

inicial da obra, ou seja, um livro pensado e produzido em resposta às necessidades dos

alunos do autor em relação à língua portuguesa. Entre 1992 e 2001, quando ocorre a

segunda edição reformulada, o livro deixou de circular apenas entre os cursos para os

quais foi pensado e passou a servir também a outras áreas. Isso pode ter motivado a

mudança do título, de forma a abranger também outros alunos que não os seus ou, ainda

reforçar a ideia do objeto de ensino, pois a vigésima edição dedica a prática de texto,

não a língua portuguesa, para estudantes universitários.

Ambas as edições dão ênfase ao título “Prática de texto”. A vigésima reforça

ainda mais a presença da palavra “Texto” colocando-a em posição, tamanho, fonte e cor

diferentes das outras mostradas na capa. Após a expressão Prática de texto, segue-se o

subtítulo para nossos estudantes universitários (primeira edição) e para estudantes

universitários (vigésima).

Esse destaque da palavra texto leva-nos a considerar momentos do próprio livro

em que o autor justifica sua ênfase. No capítulo 4 da vigésima edição (Língua padrão-

I), o autor acrescenta o item A noção de “texto”. Nele, ressalta que o bom escritor é

aquele que escreve textos bons e não frases boas. Continua:

Esse é um ponto que não devemos jamais perder de vista, e talvez o

que oferece mais dificuldades, justamente porque a noção de texto

está ausente das gramáticas tradicionais e, na prática, ocupa um

espaço muito pequeno no ensino escolar da língua. Por essa razão,

este livro procurará trabalhar sempre com a noção de texto, lado a lado

com a noção de língua padrão (FARACO; TEZZA, 2011, p. 57,

grifos do autor).

Observamos um foco no estudo do texto em concomitância com o ensino da

norma-padrão da língua. Para esse ensino, o autor se vale de textos extraídos dos meios

de comunicação e justifica a sua escolha afirmando que houve uma mudança de

referencial para o estabelecimento de padrão: a “boa língua” era aquela expressa pelos

textos literários; atualmente, pelos textos extraídos de jornais, revistas, etc, estes

ignorados pelas gramáticas tradicionais. PTEU possui 118 textos, sendo o gênero

jornalístico o mais presente (57), seguido por textos sobre teoria linguística (27) e

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literários (12). Há ainda trechos de textos variados, pertencentes a gêneros do cotidiano

como bilhete, bula de remédio, tirinha de jornal, bate papo da internet, religioso

(Bíblia), contrato de locação, manual de instruções e verbete de dicionário (22).

Além do foco no texto, concordamos com os estudiosos que “o ato de fala sob a

forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma

esfera de atividade” (BAKHTIN∕VOLOCHÍNOV, 2004, p. 123). PTEU dá sequência ao

trabalho de Faraco e Mandryk (Língua Portuguesa: prática de redação para estudantes

universitários, 1987), cuja importância pioneira direcionou a escrita daquele. Até então,

não havia, no mercado editorial brasileiro, um livro didático destinado exclusivamente a

alunos universitários.

Para suprir essa lacuna, um hábito comum nas universidades é cada curso e∕ou

professor organizar os seus próprios materiais. Tezza (2002b) defende que essa

produção, além de individual e estanque, revela um estilo de produção que não

considera o aluno universitário com especificidades distintas dos alunos da educação

básica. Esta última, sim, uma grande preocupação da produção do mercado editorial.

Nossa experiência como professora universitária e produtora de materiais de uso em

sala de aula vai em direção contrária a essa afirmação, pois o professor que se dedica a

um ou dois cursos específicos familiariza-se com essa população de alunos ingressantes

e conhece suas necessidades de leitura e produção textual. O conhecimento do perfil do

formando proporcionado pelas DCNs e pelos PPCs guia a construção desses materiais.

O que nos parece prudente na defesa do autor é que com a carga horária intensa e as

atividades normais da profissão docente tais como preparação e correção de provas, a

produção de material didático, mesmo que específico, torna-se um trabalho extra

volumoso o qual, muitas vezes, não está inserido nas atribuições do professor ou

requeira habilidades específicas de produção.

Ao contrário da profusão de livros criados para o ensino fundamental e médio,

boa parte das poucas obras destinadas ao público do ensino superior não atende à

demanda efetiva desse público do ensino superior. Isso também concorreu para a

formação de um problema científico gerador de nosso interesse no estudo de livros

didáticos para esta faixa educacional. Desde a capa de PTEU, o leitor consumidor

certifica-se de estar diante de um livro de prática de texto [há muitos outros], mas esse

específico para o ensino superior e, portanto, voltado às necessidades dessa esfera.

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A partir das capas e das considerações acerca da ênfase na palavra texto,

adentramos o livro. Em entrevista de 2002, Cristovão Tezza comenta que ele “foi

inteiramente reformulado, ampliado e atualizado”. Nossa pesquisa concluiu que esta

alteração consistiu em acréscimos de dois capítulos, renomeações de outros, quarenta e

dois textos e uma descrição dos tópicos de língua padrão no sumário, que detalharemos

em seguida.

Reproduzimos o sumário:

Figura 19: Sumário de Prática de texto para estudantes universitários (2011, p.5-6).

A partir do sumário, observamos que PTEU foi dividido em duas partes:

a- A primeira, composta pela introdução do livro através de seu sumário, que vai de

Apresentação, passando por As linguagens da língua I e II; Signo e significado; Língua

padrão I e II; Considerações em torno do “erro”; Língua e escrita; Texto de

informação I e II; Parágrafos; Texto de opinião I e II; O texto crítico; Estrutura da

oração e Referências Bibliográficas.

b- A segunda, formada por Tópicos de Língua Padrão, exposta no sumário e que

faz um índice remissivo da primeira parte, mas destacando as páginas destinadas ao

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ensino sistemático de Anafóricos e relatores; Citação; Concordância; Crase;

Cujo(emprego); Estrangeirismos; Haver, ter, fazer, existir (emprego); Onde (emprego);

Oração: estrutura e flexibilidade; Oração: informação básica e informação

complementar; Oração sem sujeito; Pontuação: sujeito e predicado; Pontuação:

orações restritivas e explicativas; Pontuação: informação básica, informação

complementar; Pronomes átonos (emprego); Que: com antecedente, sem antecedente;

Regência: Relações Lógicas.

A primeira edição (1992) não trazia essa divisão no índice, sendo composta dos

seguintes capítulos: Apresentação; As linguagens da língua; Língua Padrão-I; Língua

Padrão-II; Especulações em torno do “erro”; Língua e escrita; Texto de informação-I;

Texto de informação-II; Parágrafos; Argumentando-I; Argumentando-II;

Argumentando-III; Estrutura da oração e Referências bibliográficas.

O índice da primeira edição:

Figura 20: Índice de Prática de Texto: língua portuguesa para nossos estudantes (1992).

Os capítulos As linguagens da língua II e Signo e significado, (Figura 19) não

aparecem como capítulos na primeira edição (Figura 20). Na versão de 1992, o capítulo

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1 As linguagens da língua, dedica-se à discussão do conceito de língua, variedade

linguística, gêneros, signo e significado, conteúdos que foram desmembrados em três

capítulos da vigésima edição. Os capítulos Texto de opinião I e II e O texto crítico

(Figura 19) substituem os capítulos Argumentando I, II e III da primeira edição (Figura

20). A discussão teórica permanece na última edição, mas os textos apresentados para a

leitura nos capítulos foram modificados.

Outra modificação foi a ênfase dada aos aspectos referentes à prática gramatical,

a que o autor chama de Tópicos de Língua Padrão. Esses itens, destacados no Sumário

(vigésima edição), não recebem os mesmos títulos ao longo de PTEU, numa aparente

proposta de contextualização da nomenclatura gramatical aos estudos dos textos

apresentados para leitura e discussão e às propostas de produção textual. Por exemplo,

no Capítulo quatorze - estrutura da oração (2011, p. 267) são expostos vários aspectos

da formação da oração e o item “cujo (emprego)”, indicado no índice na página 285,

tem o seguinte subtítulo: O dito ‘cujo’....

Outra distinção desse material é indicar os itens gramaticais no Sumário e as

respectivas páginas em que são abordados, ou seja, algumas vezes, em diferentes

capítulos do livro, como o item “Crase” que aparece em destaque nos capítulos 8, 9 e

10. O item gramatical é retomado sempre que se faz necessário.

Depreendemos dessa organização textual que o ensino da norma em PTEU

“estará sempre em segundo plano” (1992/2011, p.8) corroborando a declaração do autor

na Apresentação. A teorização sobre os fatos da língua recai nas diferenças entre as

formas linguísticas decorrentes das variedades da língua e seus diversos contextos de

uso. Para o autor, o trabalho prático com a escrita deve indicar a diferença existente

entre padrão normativo e padrão real:

[...] no universo concreto da escrita há uma visível distinção entre

padrão normativo (para dizer numa palavra, a norma exigida em um

concurso do Banco do Brasil ou nos vestibulares, contemplada pelos

tópicos gramaticais dos compêndios tradicionais) e um padrão real,

isto é, a língua escrita de boa qualidade que representa o uso

contemporâneo da linguagem brasileira em seus veículos de prestígio.

Isto é, em praticamente todos os tópicos gramaticais há uma fissura

crescente entre a norma escolar e a vida real da escrita; uma fissura,

aliás, que não representa nenhuma tragédia, mas apenas o fato

universal da mudança linguística, mesmo na sua modalidade mais

conservadora, a escrita. Essa é uma questão que não pode ser ocultada

pelo professor, qualquer que seja sua posição diante do problema

(TEZZA, 2002b, grifos nossos).

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Essa ideia da distinção entre a modalidade escrita e a falada é desenvolvida em

vários momentos de PTEU, conforme demonstraremos a seguir.

Após o Sumário (2011) e Índice (1992) (Figuras 19 e 20), segue-se a

Apresentação (cf. item 3.1.1). Continuamos com a comparação entre as duas edições de

PTEU, mas antes, cabe estabelecemos os critérios de análise que seguirão as categorias

principais do pensamento bakhtiniano em relação à linguagem, ou seja, interação verbal,

enunciado concreto, o caráter ideológico do signo linguístico, autoria e o conceito

central do pensamento, o dialogismo.

Se a interação verbal é a realidade fundamental da língua e a comunicação a

realização concreta dessa interação, consideraremos aqui os processos de expressão do

autor em relação ao seu leitor-aluno. A atitude do autor em relação ao seu leitor

presumido constrói um evento único e irrepetível, dada a sua situação sócio-histórico

definida: espera-se que um aluno universitário seja o destinatário do livro e que seu

aprendizado se reverta em algo aproveitável para sua vida acadêmica, para não dizer das

práticas discursivas da experiência em sociedade atual e no futuro profissional.

Consideramos as formas linguísticas e os sentidos dos enunciados totalmente

dependentes da forma e do caráter da interação social estabelecida entre os participantes

da enunciação.

A nosso ver, o LDP [livro didático de português] pode ser [...]

analisado e compreendido como um enunciado num gênero do

discurso que está intrinsecamente relacionado às esferas de produção e

circulação e que, desta situação histórica de produção, retira seus

temas, formas de composição e estilo (cf. Bakhtin [1952-53] 1979)

(BUNZEN, 2008, p. 6).

A construção do livro didático e a possibilidade de ser considerado um gênero

discursivo decorre do ponto de vista de que autor e leitor-aluno estão socialmente

organizados em uma universidade, no século XXI e produzindo o enunciado concreto

que analisaremos mais adiante. Ao pensarmos nessa possibilidade da inscrição do livro

didático nos gêneros discursivos, buscamos compreender o conceito bakhtiniano de

gênero mobilizado, perseguindo a noção de natureza do enunciado concreto e sua

manifestação no gênero.

[...] quando os autores e editores de LDP [livro didático de português]

selecionam∕ negociam determinados objetos de ensino e elaboram um

livro didático, com capítulos e∕ou unidades didáticas (organizados por

seções didáticas regulares, pois tem uma inter-relação com a proposta

pedagógica), eles estão produzindo um enunciado relativamente

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179

estável, cuja função social é re(a)presentar, para cada geração de

professores e estudantes, o que é oficialmente reconhecido ou

autorizado como forma de conhecimento sobre a língua(gem) e sobre

as forma de ensino-aprendizagem. Não se pode esquecer que

determinados objetos de ensino (e não outros) são selecionados e

organizados, em uma determinada progressão, levando-se em

consideração, principalmente a avaliação apreciativa dos autores e

editores em relação aos seus interlocutores e ao próprio ensino de

língua materna, para determinado nível de ensino (BUNZEN, 2008, p.

7-8, grifo do autor).

Essa reapresentação de objetos de ensino que o livro didático de português faz

corrobora a função de PTEU e nosso contexto. Marinho (2010) lembra que existe uma

crença de que o aluno que chega à universidade já tenha aprendido a ler e a escrever na

escola básica, independentemente do gênero. Esse pensamento é uma armadilha, pois o

aprendizado dos gêneros acadêmicos se dá na universidade, pois existe uma motivação

do ambiente educacional para isso. Se for gênero ou não, não entraremos nessa questão,

a realidade é que o livro didático está na universidade justamente porque há uma lacuna

entre os conhecimentos do aluno saído do ensino médio e os pressupostos para esse

mesmo aluno quando inicia o ensino superior, daí a importância de sua presença para

ensinar produção de texto.

Em nossa pesquisa, partimos do pressuposto de que o aluno que chega à

universidade já tenha sido exposto a diversos gêneros discursivos em sua trajetória

escolar, mas necessita de um material didático direcionado a esse momento de sua vida.

O princípio arquitetônico da teoria, o dialogismo, é representado neste estudo pelas

visões de mundo estabelecidas pelo autor em sua interação com seu destinatário, seu

posicionamento em relação a ele e o que espera, antecipa para esse leitor. Observaremos

a alternância dos sujeitos do discurso e a que esses sujeitos respondem.

Os quadros a seguir apresentam as seções e subseções dos capítulos,

considerando os títulos dos textos incluídos na primeira e na vigésima edições. Em

seguida a cada um, comentaremos as alterações.

Dedicamos o capítulo 4 desta tese para analisar discursivamente as propostas de

produção textual presentes na seção Prática de Texto, apresentando as atividades, em

ambas as edições, e considerando o encaminhamento dado pelo autor.

O primeiro quadro apresenta a maneira como o capítulo 1 foi dividido na

primeira e na vigésima edição, assim como os textos utilizados. As indicações das

seções foram modificadas entre as edições; na primeira, os itens estão em algarismos

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romanos e em números cardinais na vigésima. O título do capítulo, em ambas, está em

letras maiúsculas, no entanto na vigésima, além da maiúscula, há o emprego do itálico

assim como nos subtítulos, ausentes da primeira. Algumas seções da primeira edição

não trazem títulos ou subtítulos, assim para descrever o seu conteúdo, utilizamos

explicações entre colchetes [ ]. Esse recurso também será utilizado para apresentar

brevemente o conteúdo das seções de PTEU.

Optamos, como recurso metodológico, manter as convenções editoriais de

ambas as edições a fim de sermos fiéis aos textos originais. Assim, onde há o uso de

negrito, itálico, letras maiúsculas ou minúsculas impressos nos livros, estes serão

mantidos aqui nos quadros comparativos.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 1 UM

Título AS LINGUAGENS DA

LÍNGUA

AS LINGUAGENS DA

LÍNGUA-I

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

Texto- [trecho de Questões

de Literatura e de Estética,

Bakhtin, p. 96]

Atividade 1

- Afinal, o que é a língua?

[apresenta reflexões sobre

a realidade da língua e suas

modalidades falada e

escrita]

Exercício 1 [Comparação entre fala e

escrita. Enunciados

escritos que reproduzem a

fala]

ATIVIDADE

II

[17 trechos de textos de

diferentes gêneros: revistas

(Veja, IstoÉ/Senhor), e

jornal semanal (Folha de S.

Paulo- entre 1989 e 1990).

Textos literários,

publicitários, bilhete de

empregada doméstica,

contrato de locação, trecho

da Bíblia

Texto 1, Texto 2...]

Atividade 2

- Um conjunto de

variedades

- Diversidade linguística

- Variedade e valor

[apresenta o conceito

língua e suas

características]

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ATIVIDADE

III

[Explicação sobre a

variedade de linguagens

existentes e proposta de

atividade de pesquisa em

grupo]

Atividade 3 - Variedade e gramática

[discorre brevemente sobre

o conceito de gramática e o

de língua padrão ou norma

culta]

Exercício 2

[Cont. comparação entre

fala e escrita- Enunciados

comuns no dia a dia]

- O princípio da

regularidade

Exercício 3 [Proposta de identificação

da gramática subjacente

aos enunciados

apresentados]

ATIVIDADE

IV

Explicação sobre a produção

do significado.

Texto- [Trecho de Marxismo

e filosofia da linguagem,

Bakhtin, 1981, p. 132]

Atividade 4

- Leitura

Texto 1

Texto 2

NÃO EXISTEM

LÍNGUAS UNIFORMES,

Sírio Possenti (Por que

(não) ensinar gramática na

escola, p. 33)

[Sobre a estratificação da

linguagem]- Mikhail

Bakhtin (trechos de

Questões de literatura e de

estética p. 96-100.

PRÁTICA

DE TEXTO

[Produção de texto seguindo

roteiro e gêneros

estabelecidos (horóscopo,

ficção científica, humor,

notícia de jornal de primeira

página, texto publicitário,

crítica de cinema, manual de

instruções, bilhete)]

CRÉDITO DOS TEXTOS [Os textos e créditos

aparecerão no capítulo 2]

Quadro 11: Seções e subseções do capítulo 1 (1ª e 20ª edições).

O capítulo 1 (2011, p. 9) destina-se a discutir noções básicas de língua,

entendendo-a como um conjunto de variedades linguísticas organizadas por um

princípio regular e reiterável, inserindo assim o conceito de gramática. O capítulo 1 da

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primeira edição (1992, p. 9), apresenta discussão semelhante acerca de língua como

conjunto de variedades, mas insere uma discussão a respeito de gêneros, sem passar

pela gramática, como realizado na primeira edição. Em seguida, aborda questões que

envolvem a produção de significado pelo signo linguístico, aspecto discutido em

capítulo à parte na vigésima edição.

Nesse primeiro capítulo (2011), o que o livro traz como Atividade na primeira

edição tem a mesma função na vigésima, destina-se a apresentar o seu conteúdo,

convidando o aluno a refletir sobre alguns fatos da língua. Em comum, também, o

objetivo de discutir as diferenças entre fala e escrita. Vejamos a primeira página do

capítulo:

Figura 21: Capítulo 1- Atividade 1 (2011, p. 9)

70.

70

Com exceção da capa e do índice da primeira edição, as figuras reproduzidas nesse capítulo três de tese

são da vigésima edição (2011).

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Lembramos que todos os capítulos da vigésima edição iniciam-se com essa

seção Atividade. No capítulo 1:

Atividade 1- Afinal, o que é a língua?

A língua é uma das realidades mais fantásticas da nossa vida. Ela está

presente em todas as nossas atividades; nós vivemos entrelaçados (às

vezes soterrados!) pelas palavras; elas estabelecem todas as nossas

relações e nossos limites, dizem ou tentam dizer quem somos, quem

são os outros, onde estamos, o que vamos fazer, o que fizemos.

[...]

Apesar dessa presença absoluta na nossa vida (ou talvez justamente

por isso), ainda sabemos pouco sobre a linguagem e, em geral, temos

uma relação problemática com ela, principalmente em sua forma

escrita. Isto é, embora não sejamos nada sem a língua, parece que ela

permanece alguma coisa estranha em nossa vida, como se ela não nos

pertencesse. Neste primeiro momento, vamos refletir um pouco sobre

alguns dos traços que definem a língua e por que ela parece muitas

vezes alguma coisa “estrangeira”. (FARACO; TEZZA, 2011, p. 9.)

Na primeira edição, entretanto, o capítulo 1 não faz essa introdução ao assunto.

Há uma citação de Mikhail Bakhtin retirada de Questões de literatura e de estética: a

teoria do romance (o autor cita a edição de 1988, p. 100), e o aluno é levado

diretamente a refletir sobre alguns usos da fala.

ATIVIDADE 1- Vamos começar nosso curso com uma tentativa de

definição do que seja esse misterioso atributo que todos nós temos de

um modo bastante completo desde os dois anos de idade: uma língua

humana. Considerando apenas a fala, observe os exemplos seguintes:

1. Cara, eu conheço ele desdos tempos do colégio! A gente vai

aumoçá sempre junto. Você já tinha visto ele? (FARACO; TEZZA,

1992, p. 10, grifo do autor).

O título Atividade aparece na maioria dos capítulos da primeira edição (Capítulo

3- Língua Padrão-II, Capítulo 4- Especulações em torno do “erro”, Capítulo 5- Língua

e escrita, Capítulo 7- Texto de informação-II, Capítulo 9- Argumentando- I, Capítulo

10- Argumentando- II, Capítulo 11- Argumentando- III, Capítulo 12- Estrutura da

oração).

Podemos observar, pelo uso insistente da primeira pessoa do plural que o

destinatário do 1º capítulo, em ambas as edições, é o falante da língua, categoria em que

também se insere o enunciador: “[...] todos nós temos [...] desde os dois anos de idade

[...]” e, mais como em: “Considerando a sua experiência como falante de português,

responda a essas questões preliminares.” (FARACO; TEZZA, 2011, p. 13, grifos

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nossos). “[...] se saíssemos pela rua com um gravador na mão, recolhendo ‘amostras’

do que as pessoas falam [...]” (FARACO; TEZZA, 1992, p. 10, grifos nossos). O autor

se identifica com o leitor.

Importante observar que na vigésima edição o autor acrescenta um texto de Sírio

Possenti, retirado de “Por que (não) ensinar gramática na escola”. O livro utilizado é de

1997, conforme citado nas referências bibliográficas de PTEU. Nossa ressalva deve-se

ao fato de que esse acréscimo cria um efeito de sentido na direção do que iremos

chamar de “novidade no campo do saber”. Entre uma edição e outra, o autor demonstra

ter incorporado e sentido a necessidade de abordar novas discussões a respeito de língua

e posicionando essas “novidades” nas unidades, dando-lhes um tom atual e que reflete

um campo em constante movimento, a saber, o dos estudos linguísticos.

Na primeira edição, o destinatário do texto é também alguém que está

começando um curso sobre a língua portuguesa, e por curso, entendemos disciplina:

“Vamos começar nosso curso [...]” (1992, grifos nossos). Essa diretiva, no entanto,

proposta ao leitor-aluno não aparece desta forma na vigésima edição, mas no Exercício

3, o leitor é convocado a supor que “[...]é um cientista da língua, um linguista [...]”

(2011, p. 15, grifos nossos). Isso parece corroborar o que Tezza (2002b, p. 40) diz sobre

o papel do aluno frente à linguagem, papel em que deve “pôr a mão na massa na prática

linguística, digamos assim - o estudante precisa ele mesmo trabalhar a escrita, sem

álibi”.

O estilo didático adotado em ambas as edições sugere uma conversa com o

leitor-aluno. É usada a primeira pessoa do plural e as expressões “Vamos começar”,

“Vamos pensar”, “A primeira coisa que devemos fazer”, “Por enquanto, vamos

esquecer momentaneamente os conceitos de certo e errado”, “Enquanto pensamos na

resposta”, etc. Esse tom didático ou plural didático (cf. FIORIN, 2010) varia nas

instruções aos exercícios: [...] Observe os exemplos seguintes [...]Veja [...] responda

[...] Suponha [...] Siga [...] (1992, p. 10-23; 2011, p. 9-15, grifos nossos). Por termos

observado essa recorrência do uso da primeira pessoal do plural na interação que se

estabelece entre autor e leitor, buscamos compreender os efeitos de sentido aí

produzidos, por isso realizamos uma análise dessa interação no capítulo 2 de PTEU

(item 3.2 desta tese).

A interação também se evidencia pelo uso do ponto de exclamação já no

primeiro parágrafo: “Ela [a língua] está presente em todas as nossas atividades; nós

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vivemos entrelaçados (às vezes soterrados!) pelas palavras [...]” (2011, p. 9). A

exclamação expressa na escrita pode indicar qualquer um dos três sentidos, imperativo,

vocativo e exclamação para expressar um alto grau para algo. O ponto também nos

conduz às marcas de interação estabelecidas deslocando o foco do autor para o leitor.

Ora, o escrito sendo uma comunicação deslocada no espaço e no

tempo, o processo exclamativo, não podendo ser espontâneo,

não diz respeito a quem escreve, às suas emoções ou ao seu

estado de espírito, e sim, se desloca para o leitor destinatário,

para o qual o valor exclamativo, dado pelo ponto de

exclamação, cria uma força de interpelação, logo o impacto

almejado para que ele reage (sic) no sentido previsto pelo

escritor (DAHLET, 2006, p. 193, grifo da autora).

A autora argumenta que no enunciado exclamativo, não há apenas transmissão

de conteúdo, mas de uma tomada de posição do enunciador que “apela para o leitor

tomar posição a respeito (p. 195). O valor que autor dá a “soterrados” expressa um tom

valorativo, sugere um partilhamento de opinião com o leitor, ou seja, esse também

concorda com isso. Por outro lado, não há como negar que uma exclamação num texto é

sinal de que o locutor quer deixar clara a sua presença na interação, mesmo que faça uso

dos recursos da terceira pessoa a fim de manter as aparências de um texto mais objetivo.

Este ponto é uma pista fácil para flagrarmos a maneira como o locutor modaliza seu

discurso. Em PTEU, é comum encontrarmos declarações acompanhadas de um ponto

de exclamação e, à medida que julgarmos pertinente, discutiremos essas ocorrências

nesta tese.

O autor introduz a escrita mencionando que os falantes costumam ter “uma

relação problemática com ela” (2011, p. 9), especialmente no que concerne às

diferenças substanciais entre as modalidades falada e escrita.

Como já mencionado, os assuntos desenvolvidos pelo autor no primeiro capítulo

da primeira edição, As linguagens da língua, foram divididos em três na vigésima: As

linguagens da língua I e II, Signo e Significado.

Por essa razão, descreveremos os capítulos 2 e 3 da vigésima edição (2011) de

forma conjugada, por estarem ausentes, como capítulos individuais, na primeira edição.

A interação entre autor e leitor do capítulo 2 (2011) será analisada separadamente no

item 3.2 desta tese.

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EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA

Capítulo DOIS

Título AS LINGUAGENS DA

LÍNGUA II

Seções

Subseções

Atividade 1

- Os gêneros da linguagem

- Alguns exemplos de

gênero

Exercício 1 [Proposta para que o aluno

anote cinco ocorrências reais da

linguagem oral]

Atividade 2

Os gêneros da linguagem

escrita

Exercício 2 [Leitura de três ocorrências

escolares e identificação dos

gêneros]

Atividade 3 - Alguns gêneros da escrita

(Texto 1 a 17)

Créditos

- [17 trechos de textos de

diferentes gêneros: revistas

semanais (Veja – s/d),

IstoÉ/Senhor – 10/5/89) Textos

literários, publicitários, bilhete

de empregada doméstica,

contrato de locação, trecho da

Bíblia, bula de remédio,

horóscopo, texto de revista em

quadrinhos]

- Após a apresentação dos

textos, há uma lista com as

fontes

Atividade 4

-Estangeirismos: que fazer?

Texto 18 CHIQUES & FAMOSAS

(REVISTA DA WEB, ed. 3, p.

121)

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- Ignorância e oportunismo

- Dois fatos a considerar

- Vocabulário e estrutura

gramatical

-Tudo bem: mas o que fazer

quando escrevemos?

Atividade 5 Leitura [apresenta a crônica que

se segue]

Texto 19 MEDITAÇÃO SOBRE O

CALOR DAS PALAVRAS,

José Castello ( O Estado de S.

Paulo, 20/7∕1999)

EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA

Capítulo TRÊS

Título SIGNO E SIGNIFICADO

Seções Seções

Subseções Subseções

Atividade 1 Como se produz o significado?

1- O elemento material do

signo

2- A convenção e o sentido

3- O sentido, ou

“significação”, é

reiterável

4- O segundo estágio do

processo

5- A compreensão é um

processo ativo

6- A natureza social da

escrita

Atividade 2 Leitura

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Texto 1 [SOBRE A ENUNCIAÇÃO]

Mikhail Bakhtin (2004, p. 112-

113)

Texto 2 [SOBRE A COMPREENSÃO]

Mikhail Bakhtin (2004, p. 132)

Atividade 3

Prática de Texto

[Proposta de produção escrita de

quatro gêneros diferentes]

Quadro 12: Seções e subseções dos capítulos 2 e 3 (20ª edição).

O capítulo 2 objetiva apresentar ao aluno as noções básicas de gêneros do

discurso, ao que o autor nomeia “gêneros da linguagem”, “gêneros da língua”, “gêneros

da linguagem escrita”, “gêneros da escrita”, em diferentes momentos do texto. As

Atividades 1, 2 e 3 do capítulo tratam da estratificação da escrita em gêneros.

Em seguida, o autor introduz o conceito de estrangeirismos e discute o assunto

opondo-se àqueles que consideram uma invasão de palavras estrangeiras na língua

portuguesa. Nesse sentido, defende que a língua é viva e em constante movimento, pois

da mesma maneira que palavras entram na língua, costumam desaparecer ou ser

adaptadas. Destaca, assim, que os chamados empréstimos são fatores de enriquecimento

da língua e não o oposto. Ressalta que não pode haver um instrumento de controle sobre

a linguagem e, se houvesse, estaria desconsiderando a riqueza da mistura vocabular que

a língua herdou de outros povos durante sua história.

Após discutir os aspectos sociais dos estrangeirismos, o autor chama a atenção

do aluno quanto ao seu uso em produção textual. Sugere que devem ser evitados, caso

haja uma palavra equivalente na língua, e, caso o termo seja utilizado, que venha

destacado entre aspas. O capítulo finaliza com a leitura de um texto de José Castello

(Meditação sobre o calor das palavras) em que é discutida a influência da linguagem

sobre a vida, até psíquica dos falantes. O texto pertence ao gênero crônica e narra um

fato curioso de um jornalista que resolveu pesquisar em um dicionário palavras cujos

significados fossem instigantes.

Relembramos que os capítulos um, dois e três da vigésima edição foram

desmembrados do capítulo 1 da primeira, que abordou os mesmos assuntos, porém de

forma reduzida e com algumas alterações.

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Um exemplo dessa mudança aparece no esquema que o livro apresenta para o

aluno reconhecer os gêneros de dezessete textos. Em Aspecto gráfico (2011, p. 24), há a

seguinte orientação:

g) Aspecto gráfico: Observe a divisão em parágrafos, a disposição das

linhas, o emprego de palavras em itálico, em negrito, em caixa alta,

sublinhada, com iniciais maiúsculas. O aspecto gráfico tem alguma

função? (Observe que estamos analisando exclusivamente textos –

obviamente a imagem integrada ao texto, num conjunto dominante na

nossa vida pelos outdoors, televisão, jornais, revista etc., potencializa,

interfere, interpreta, modifica e multiplica ainda mais todos os

significados implícitos no texto em si (2011, p. 24, grifos nossos).

Esse direcionamento aparece reduzido no roteiro do exercício na primeira

edição: “e) Observe o aspecto gráfico dos textos: divisão em parágrafos, disposição das

linhas... O aspecto gráfico tem alguma função?” (1992, p. 19, grifos do autor). A

redução da primeira edição em relação à vigésima justifica-se pela disseminação do uso

do computador que acontece anos depois. Mais adiante neste texto, o autor mantém o

uso do gravador para exemplificar uma atitude pesquisadora do aluno na rua. Em 2011,

o gravador não é mais aquele aparelho individual que muitas vezes se parecia com um

rádio, mas um dispositivo ou mesmo aplicativo inserido em aparelhos celulares.

Nesse capítulo, mais uma vez, o destinatário “cientista da língua” é convocado a

“pôr a mão na massa”. O Exercício 1 solicita que o aluno “[...] munido de um bloco de

papel e caneta, faça uma coleta de dados linguísticos, anotando cinco ocorrências reais

da linguagem oral que demonstrem a diversidade da língua”(2011, p. 22). Na primeira

edição, esse destinatário-cientista aparece no 1º capítulo e apenas como uma hipótese:

“São alguns poucos exemplos; na verdade, se saíssemos pela rua com um gravador na

mão, recolhendo ‘amostras’ do que as pessoas de fato falam no dia a dia, passaríamos o

resto da vida coletando material sem jamais esgotar a variedade!” (1992, p.10). Na

vigésima edição, o autor não só realmente propõe a atividade como seleciona o número

de “amostras”, que chama de “ocorrências reais da linguagem oral”.

Esse papel de cientista, apreciação do autor com relação ao seu leitor, está

implícito aqui, mas já o encontramos materializado no capítulo 1. Outro papel que vem

literal, nesse capítulo 2, é o de “detetive”, quando o autor propõe que o aluno trabalhe

em equipe para identificar os gêneros dos dezessete textos apresentados: “Lembre-se: o

bom leitor é um detetive!” (2011, p.23). A primeira edição apenas faz algo semelhante

quando nomeia os falantes como “verdadeiros processadores de significado” (1992, p.

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19), para introduzir o tópico “[...] como se produz o significado” que vai aparecer na

vigésima edição somente no capítulo 3 e que utiliza a mesma expressão. A expressão

denota uma apreciação valorativa relacionada ao leitor em que o sentido de um texto é

construído na interação que se mantém com ele, ou seja, o texto não tem um sentido

pronto ou único. Expressão que se assemelha à de detetive ou cientista, onde há que se

investigar o texto em busca do seu sentido.

Além de “processadores de significado”, o capítulo 3 da vigésima edição

destina-se ao falante da língua, nenhuma referência é feita, explicitamente, a um aluno

universitário. Ambas as edições convocam um aluno de um curso de língua, não

necessariamente universitário: “[...] você está lendo os textos em sala de aula, num

curso de Língua Portuguesa, diante de um professor, que você ainda não conhece bem”

(1992, p. 19; 2011, p. 24).

O autor aborda a escrita como uma modalidade dependente de controle social,

cujo maior representante é a escola que se encarrega de perpetuar o caráter

convencional dos gêneros.

Assim, a diversidade da escrita em geral se realiza sob estrita

vigilância: do professor, do editor do jornal, do próprio jornalista, do

próprio escritor, do publicitário, enfim, de todos que escrevem ou

controlam a escrita. Trata-se de uma vigilância objetiva, consciente e

sistemática [...] (2011, p. 22, grifos do autor).

Os dois capítulos enfatizam que escrevemos dentro de uma grande variedade de

linguagens, em gêneros e cada tipo de escrita tem um destinatário que “dá direção e

significado a nossos sinais” (2011, p. 43). A “presença” do destinatário já pode ser

observada no momento da escrita em que o autor escolhe palavras e estratégias de forma

a atingir esse leitor presumido.

Continuamos com as comparações entre o capítulo 2 da primeira edição e o

capítulo 4 da vigésima que retomam os mesmos objetivos, discutir a língua padrão. O

quadro seguinte mostra as seções e subseções:

EDIÇÃO PRIMEIRA VIGÉSIMA

Capítulo 2 QUATRO

Título LÍNGUA PADRÃO- I LÍNGUA PADRÃO-I

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191

Seções

Subseções

[texto introdutório à

discussão sobre

gramática]

Atividade 1 - Língua padrão e

gramática

[texto introdutório à

discussão sobre gramática]

[Em comum: introdução sobre o que significa gramática; mesmo texto]

ATIVIDADE I

[equivale à atividade 3 do

capítulo 1 da vigésima

edição que discute a

variedade linguística e sua

relação com a gramática]

Exercício 1

[exercício de levantamento

de dados de cinco

ocorrências escritas de

variedades que não a

padrão]

ATIVIDADE II [exercício de

levantamento de dados de

cinco ocorrências escritas

de variedades que não a

padrão]

Atividade 2

Leitura

[direciona a atenção do

leitor para o texto 1 sobre o

lugar da língua padrão]

Texto 1 GRAMÁTICA E

POLÍTICA, Sírio Possenti

ATIVIDADE III

Texto 1 GRAMÁTICA E

POLÍTICA, Sírio

Possenti

ATIVIDADE IV [questões sobre o texto

anterior]

Exercício 2 [questões sobre o texto

anterior]

ATIVIDADE V [não há o subtítulo]

- Mas, afinal o que é

língua padrão?

- Como surgiu o

padrão?

- Língua padrão: um

peixe-ensaboado?

a) A língua padrão não é

uniforme

- Variação geográfica

- Níveis de formalidade

- Diferenças estilísticas

- Língua oral e língua

escrita

Atividade 3 Tentando definir língua

padrão

- subtítulo igual

-idem

-idem

A) A LÍNGUA PADRÃO

NÃO É UNIFORME

-idem

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192

-Língua padrão: há um

referencial?

-idem

-idem

-idem

B) A LÍNGUA PADRÃO

MUDA NO TEMPO

[texto ausente da primeira

edição]

- Padrão: há um

referencial?

-Diversificando as fontes

-O papel dos textos

literários

- A noção de “texto”

[os textos da edição de 91

são os mesmos, porém sem

esses subtítulos]

Atividade 4 - O conceito de padrão

através dos tempos

[direciona a atenção do

leitor para os textos 2 a 5

que mostram a variação do

conceito de padrão ao

longo do tempo]

Texto 2 REGRAS GERAIS DA

ORTOGRAFIA DA

LÍNGUA PORTUGUESA

Regra I, Regra II, Duarte

Nunes de Leão, Ortografia

e origem da língua

portuguesa, 1576

Texto 2 REGRAS GERAIS DA

ORTOGRAFIA DA

LÍNGUA

PORTUGUESA- Regra

I, Regra II- Duarte Nunes

de Leão, Ortografia e

origem da língua

portuguesa, 1576

ATIVIDADE VI [questões sobre o texto

anterior]

Exercício 3 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 3 - Gramática normativa-

Rocha Lima, Gramática

Normativa da língua

portuguesa

Texto 3 - Gramática normativa,

Rocha Lima, Gramática

Normativa da língua

portuguesa

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193

ATIVIDADE

VII

[questões sobre o texto

anterior]

Exercício 4 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 4 - [trecho da Nova

gramática do português

contemporâneo, 1985, p.

8. Celso Cunha e Lindley

Cintra]

Texto 4 - [trecho da Nova

gramática do português

contemporâneo, p. 8. Celso

Cunha e Lindley Cintra]

ATIVIDADE

VIII

[questões sobre o texto

anterior]

Exercício 5 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 5 - [trecho de

Sociolinguística: os níveis

da fala, 1974, p. 36. Dino

Preti]

Texto 5 - [trecho de

Sociolinguística: os níveis

da fala, p. 36. Dino Preti]

ATIVIDADE IX [questões sobre o texto

anterior]

Exercício 6 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 6 - NORMA, J. Mattoso

Camara Jr., Dicionário de

linguística e

gramática,1977, p. 177

Texto 6 - NORMA, J. Mattoso

Camara Jr., Dicionário de

linguística e gramática, p.

177

ATIVIDADE IX [questões sobre o texto

anterior]

Exercício 7 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 7 [trecho de Linguagem e

escola: uma perspectiva

social, 1986, p. 82.

Magda Soares]

Texto 7 [trecho de Contradições no

ensino de português, p. 14.

Rosa Virgínia Mattos e

Silva]

ATIVIDADE X [questões sobre o texto

anterior]

Exercício 8 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 8 [Trecho de O estudo da

norma culta do português

do Brasil, Ataliba T. de

Castilho]

Texto 8 [trecho de Linguagem e

escola: uma perspectiva

social, p. 82. Magda

Soares]

ATIVIDADE XI

[questões sobre o texto

anterior]

Exercício 9 [questões sobre o texto

anterior]

Texto 9 [Trecho de O estudo da

norma culta do português

do Brasil, Ataliba T. de

Castilho]

Exercício 10 [questões sobre o texto

anterior]

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194

PRÁTICA DE

TEXTO-

[Proposta de produção de

um texto sobre a

compreensão do que seja

língua padrão,

empregando entre 90 e

100 palavras]

Prática de

texto

[Proposta de produção de

um texto sobre a

compreensão do que seja

língua padrão, empregando

entre 80 e 90 palavras]

Atividade 5 - Leitura

[ direciona o leitor para a

crônica que se segue]

Texto 10 ASPAS QUE PROTEGEM

E APRISIONAM, Gustavo

Ioschpe (Folha de S. Paulo,

13∕ 12∕ 1999)

Quadro 13: Seções e subseções dos capítulos 2 (1ª edição) e 4 (20ª).

O capítulo 2 (1992) e o capítulo 4 (2011) discutem a língua padrão. A introdução

ao tema variedade x gramática mantém-se na vigésima edição sob o título Atividade 1.

Como a primeira edição incorporou (resumidamente), no capítulo 1, o conteúdo dos

capítulos 2 e 3 da vigésima edição, o início de ambos os textos varia: 1ª: “No capítulo

anterior você entrou em contato com alguns exemplos da imensa variedade linguística

[...]” (1992, p. 24). 20ª: “Nos capítulos anteriores você entrou em contato com alguns

exemplos da imensa variedade linguística [...]” (2011, p. 47), mas ambos remetem o

aluno ao estudado anteriormente.

Esse é o primeiro capítulo de PTEU em que, na introdução ao tema, o autor

dirige-se ao seu destinatário utilizando o pronome de segunda pessoa “você”. No

entanto, no mesmo parágrafo, faz uso da primeira pessoa de plural, mas sem incluir o

leitor:

Nos capítulos anteriores você entrou em contato com alguns exemplos

da imensa variedade linguística que caracteriza as línguas – e já

percebeu que cada uma dessas linguagens se manifesta numa

determinada forma linguística [...]. A essa gramática ideal damos o

nome de língua padrão ou norma culta [...] (2011, p. 47, grifos

nossos).

“Você entrou em contato” no período significa “conheceu” e denota um

processo cognitivo do leitor provocado pelo autor, ou seja, o contato se deu por meio

dos textos que esse escolheu para figurar em seu livro. Na mesma linha de sentido

encontra-se o verbo “percebeu”, mas, nesse caso, o autor intui que o aluno tenha

atingido o objetivo determinado para os capítulos anteriores. Esse recurso demonstra o

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195

papel didático do enunciador em apresentar ao leitor minúcias sobre a língua a que ele

não havia sido exposto anteriormente.

A declaração do autor que o leitor “percebeu” fatos da língua denota uma

previsão do autor acerca o aprendizado do aluno. Com isso, constrói um processo de

interação que remete o leitor a um lugar de aluno que está em consonância com as

discussões do livro e, portanto, sendo capaz de produzir conhecimento sobre a língua. A

interação que estamos observando no livro de um “nós” (autor, falantes da língua, autor

e leitor-aluno) em relação a um “você” (leitor-aluno, falante da língua) nos parece

comum nos livros didáticos, mas teríamos de realizar uma pesquisa sobre essa interação

que se manifesta não só determinando papéis sociais, mas níveis de conhecimento.

Assim como apresentamos no capítulo 1, adotamos o procedimento de respeitar as

informações que vão surgindo na abordagem ao corpus. Indicaremos essas ocorrências

ao longo dos capítulos, se houver, principalmente na seção Prática de Texto.

A Atividade 1 da primeira edição aborda a necessidade do conhecimento acerca

do que se fala e menciona os programas de humor que se beneficiam das diversas

maneiras de apresentação do oral. Enfatiza também a necessidade de aprofundar “um

pouco a noção de gramática”, definindo-a como:

[...] conjunto de regras que todo falante domina na sua interação

cotidiana com outras pessoas, quais alternativas são gramaticais, isto

é, obedecem a um sistema coerente e regular de regras? (Nesse

momento não nos interessa a gramática escolar, o livro em que se

procura descrever a língua padrão, mas tão-somente os fatos reais da

língua) (1992, p. 25, grifo do autor).

E continua questionando o conceito de gramática no exercício abaixo omitido na

vigésima edição.

1. a ocorrência do fato linguístico (por exemplo: você já ouviu

alguém falando b ou d?);

2. a regularidade da forma (por exemplo: cortamos os rr de todos

os infinitivos – vou fazê, vou pensá-, ou só de alguns? Observe o que

ocorre, nos exemplos, com o fonema s);

3. aspectos lexicais (vocabulário), morfológicos (forma das

palavras) e sintáticos (ordem das palavras na frase);

4. a noção de erro (isto é, errado em relação a quê?) (1992, p. 26,

grifos do autor).

Em seguida, ambas as edições propõem ao estudante um exercício de

levantamento de ocorrências escritas de variedades linguísticas que não sejam da língua

padrão. Na primeira edição, o autor omitiu a palavra língua, referindo-se somente a

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196

padrão; mais à frente o processo se inverte: primeira edição: Língua padrão: há um

referencial?; vigésima edição- Padrão: há um referencial?

Outra diferença encontrada é que há um destaque a uns itens na vigésima edição

que na primeira edição aparece em letras minúsculas e mesclados ao texto: a) A língua

padrão não é uniforme; b) A língua padrão muda no tempo. Na sequência, ambas as

edições seguem o mesmo conteúdo, mas variam no seguinte: onde na primeira edição há

o subtítulo ATIVIDADE, na vigésima há Exercício. Em ambas as edições, o item

destina-se a propor exercícios de reflexão sobre os textos lidos.

O texto 7, um texto teórico de Rosa Virgínia Mattos e Silva sobre a polissemia

do termo norma, não existe na primeira edição. O Exercício 8 apresenta questões sobre

esse texto, conforme o procedimento adotado para os textos anteriores do capítulo. Com

a diferença de um número, os textos continuam iguais (Por exemplo: o texto 8 da

vigésima edição é o texto 7 da primeira).

A primeira edição finaliza o capítulo na Prática de texto e a vigésima, além de

oferecer uma proposta de produção semelhante àquela, continua com a proposta de

leitura do texto “Aspas que protegem e aprisionam”, complementar, pois não se requer

análises do aluno. Esse é um texto de 1999 acrescentado à última edição e descreve um

momento da vida profissional do autor jornalista quando esse visita pela primeira vez a

redação do jornal Folha de S. Paulo e depara-se com um placar eletrônico responsável

por notificar os redatores dos erros de ortografia, gramática, concordância, entre outros,

de cada edição produzida.

O capítulo 4 defende que para a produção de um texto escrito com significância

social é necessário que se conheça e aplique as formas linguísticas padrões do

português, pois aquele que escreve utilizando apenas as formas não padrões, poderá não

ser compreendido. No entanto, para que essa escrita aceita socialmente seja produzida, o

aluno não deve memorizar regras historicamente construídas com base nos textos

literários, mas tornar-se parte ativa da língua que vivencia e, para tanto, levar em

consideração meios de comunicação tais como jornais e revistas de qualidade que

representam “de fato, o padrão brasileiro” (2011, p. 55, grifo do autor). Essa asserção do

autor torna-se parcialmente incoerente com a apresentação do texto citado acima e que

fecha o capítulo da vigésima edição em que o autor Gustavo Ioschpe critica exatamente

o apreço dos jornalistas às gramáticas tradicionais, instituindo como erro, e divulgando

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197

em neon vermelho, os deslizes que fogem à norma ditada por esses manuais. Hábito

que, segundo o autor, felizmente não existe mais.

O quadro a seguir apresenta a maneira como o capítulo 3 (primeira edição) e 5

(vigésima) foi dividido, assim como os textos utilizados.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 3 CINCO

Título LÍNGUAPADRÃO- II LÍNGUA PADRÃO-

II

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

Atividade 1 - Para que serve a língua

padrão?

[Questionamento sobre a

função da norma culta,

mesma proposta de

exercício, porém sem

subtítulo]

Exercício 1

[Questionamento sobre a

função da norma culta]

ATIVIDADE II ATIVIDADE II-

(Mesmo texto da

vigésima, porém sem

subtítulo)

Atividade 2

-Alguns pontos de vista

teóricos

[direciona o leitor para os

textos 1 a 4 sobre língua

padrão]

Texto 1 [Trecho do depoimento O

povo não fala errado,

Magda Becker Soares]

(LEIA, fevereiro 86)

Texto 1 Trecho do depoimento O

POVO NÃO FALA

ERRADO, Magda Becker

Soares (Jornal LEIA, 02∕ 86)

Texto 2

[Trecho do ensaio

Gramática e Política,

Sírio Possenti]

O PAPEL DA ESCOLA É

ENSINAR LÍNGUA

PADRÃO

[Trecho do ensaio Por que

(não) ensinar gramática na

escola,p. 17, Sírio Possenti]

Texto 3 [Trecho do artigo Uma

herança de 400 mil

palavras, Antônio

Houaiss] (LEIA, fev. 86)

Texto 3 Trecho do artigo UMA

HERANÇA DE 400 MIL

PALAVRAS, Antônio

Houaiss (Jornal LEIA, 02∕

86)

Texto 4 QUE LÍNGUA DEVEMOS

ENSINAR?

[Trecho do ensaio “Algumas

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198

características do português

do Brasil”- Ana Maria Stahl

Zilles]

PRÁTICA DE

TEXTO

[Proposta de

levantamento de pontos

de vista apresentados pelo

texto anterior]

Roteiro de

Leitura-

[Proposta de levantamento

de pontos de vista

apresentados pelo texto

anterior]

ATIVIDADE III

(Mesmo conteúdo da

vigésima edição, porém

sem os subtítulos. A

edição de 2011 ainda

acrescenta um exemplo de

mesóclise)

Atividade 3 - Onde está a língua

padrão?

- A importância da

variedade linguística

Texto 4 PORTUGUÊS DE

MENAS, Luiz Egypto.

Imprensa, junho 1990, p.

12

Roteiro de

leitura

[questões sobre o texto

anterior]

Atividade 4 Leitura

Texto 5 -PORTUGUÊS DE

MENAS, Luiz Egypto.

Imprensa, junho 1990, p. 12

Roteiro de

leitura

[questões sobre o texto

anterior]

Texto 5 “REPÓRTER NÃO TEM

VOCABULÁRIO”, Imprensa, junho de 1990,

p. 22)

Texto 6 “REPÓRTER NÃO TEM

VOCABULÁRIO”,

Imprensa, junho de 1990, p.

22)

Roteiro de

leitura-

[questões sobre o texto

anterior]

Roteiro de

leitura-

[questões sobre o texto

anterior]

PRÁTICA DE

TEXTO

[Proposta de produção de

texto empregando entre

60 e 70 palavras sobre as

utilidades da língua

padrão ]

Prática de

texto

[Proposta de produção de

texto empregando entre 70 e

80 palavras sobre a utilidade

da língua padrão ]

Texto 6 UNIFICAÇÃO

LINGUÍSTICA, QUE

CLAREZA!, Millôr

Fernandes (IstoÉ∕Senhor,

19∕6∕91, p.8)

Atividade 5 Leitura

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199

Texto 7 UM NOVO ABC,

Graciliano Ramos, Linhas

tortas, 13ª ed., Rio de

Janeiro: Record, 1986

Quadro 14: Seções e subseções dos capítulos 3 (1ª edição) e 5 (20ª).

Os capítulos 3 (1992) e 5 (2011) continuam a discutir o conceito de norma

padrão, mas detendo-se nos problemas que essa concepção levanta quanto a sua

utilidade, localização e avaliação que se faz dela.

Questionamentos como “Para que serve a norma culta?” permeiam todas as

atividades e textos deste capítulo. Nas atividades 1 e 2, o autor questiona o prestígio e a

relevância dessa variedade em economias que apresentam uma disparidade entre as

classes sociais, como a brasileira.

Assim como no capítulo 4, na introdução do capítulo, o autor faz uso da segunda

pessoa de singular para interagir com seu leitor, além da primeira pessoa de plural que

não inclui o leitor, pois se refere ao trabalho do enunciador em apresentar ao leitor sua

concepção de língua e linguagem.

No capítulo anterior discutimos algumas noções básicas para definir

língua padrão. Ao longo deste livro voltaremos a debater o assunto,

uma vez que, como você pôde notar nos textos apresentados, o seu

conceito está longe de ser uma questão resolvida. O que nos interessa

agora é discutir alguns problemas que a concepção de norma levanta

(2011, p. 67, grifos nossos).

O “nós” aparentemente inclusivo, revela a maneira como o enunciador construiu

os capítulos anteriores, em forma de debate, mas esse sendo um gênero

predominantemente oral, não poderia acontecer entre um enunciador e um enunciatário

em um livro didático. Desta forma, “discutimos”, “voltaremos”, “nos interessa” indicam

ações do autor, ou seja, seu trabalho de apresentação dos conteúdos em forma de

discussão e debate. Em “você pôde notar”, o autor intui uma apreciação do leitor em

relação aos textos apresentados.

A Atividade 2, Alguns pontos de vista teóricos direciona a leitura dos textos 1 a

4 propondo um cotejo entre a opinião dos autores dos textos citados e a do leitor-aluno.

Mais uma vez, como no capítulo anterior, o autor determina uma posição para o leitor:

“Compare agora os seus pontos de vista – importante porque são as opiniões de um

usuário da língua padrão, que deve ter boas razões para estudá-la! – com o que pensam

os teóricos [...]” (2011, p. 68). O trecho indica um leitor que faz uso da língua padrão

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200

em suas comunicações. Isso indica uma suposição de que um aluno universitário é

usuário da língua padrão e que seu contato com o livro denota um interesse em construir

mais conhecimento a respeito dessa variedade linguística.

O autor concentra-se na utilidade da norma culta quando usa o exercício: “A

língua padrão serve para:” (2011, p. 68) em que o aluno deve apresentar três respostas.

Após “consultar” a compreensão do leitor, apresentam-se alguns textos (Texto 1, 2, 3 e

4) que servem como pontos de vista teóricos sobre o assunto. O roteiro de leitura ao

texto 4, relembra a atividade anterior do aluno e questiona sobre qual dos pontos de

vista lidos coincidem com o do aluno.

A atividade 3 retoma a discussão de que a língua padrão comumente aceita é a

das gramáticas e a encontrada nos textos de autores consagrados. Aqui, o autor critica a

ausência de contemporaneidade nesses textos e que, por essa razão, falham em

representar a norma padrão atual. Exemplifica com um trecho da Novíssima gramática

da língua portuguesa que apresenta o uso da mesóclise, fenômeno que sobrevive

apenas, e raramente, na língua escrita. Argumenta que não pode ser padrão algo que,

praticamente, inexiste entre os falantes da língua. Esse aspecto dos pronomes átono é

retomado no capítulo 14.

O acréscimo da discussão sobre colocação pronominal revela um trabalho de

revisão do livro em que o autor considerou pertinente incluir essa discussão nesse lugar

do capítulo. A gramática utilizada para tanto é de Cegalla (1987) e foi adicionada às

referências bibliográficas. O objetivo dessa inserção é fornecer um exemplo para o que

o autor considerou de formas que causam estranhamento no estudante, por serem muito

diferentes daquelas encontradas em seu dia a dia.

Além disso, continua, as gramáticas normativas e os manuais de redação

produzidos por alguns jornais brasileiros são conservadores e parecem ignorar as

variedades linguísticas. Com isso, o autor sugere que a questão da norma padrão é uma

discussão longe de se esgotar e justifica a proposta de PTEU em utilizar textos

contemporâneos “que espelham mais diretamente nossa realidade linguística padrão,

tomando como referência a velha gramática normativa, mas mantendo-nos atentos à

diferença” (2011, p. 75, grifos do autor).

As atividades 4 e 5 apresentam textos ( Texto 5, Texto 6 e Texto 7) que avaliam

a língua padrão, questionando sua identidade.

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201

Não há no conteúdo do capítulo (com exceção à seção Prática de texto), uma

abordagem direta à maneira como um texto deva ser produzido. As discussões recaem

sobre a utilidade da língua padrão e quais meios escritos podem ser seu representante.

Continuamos com as comparações entre as edições e o quadro seguinte mostra

como o tema erro gramatical é abordado no capítulo 4 (primeira edição) e 6 (vigésima).

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 4 SEIS

Título ESPECULAÇÕES

EM TORNO DO

“ERRO”

CONSIDERAÇÕES EM

TORNO DO “ERRO”

Seções

Subseções

[Epígrafe de Gustavo

Bernardo sobre a redação

do vestibular]

[Epígrafe de Gustavo

Bernardo sobre a redação do

vestibular]

ATIVIDADE I

[Texto que se relaciona

aos textos do capítulo

anterior sobre o estado da

língua no país]

(de semelhante apenas o

trecho que introduz o

Texto 1)

Atividade 1 - A língua portuguesa vai

mal?

[Texto que se relaciona aos

textos do capítulo anterior

sobre o estado da língua no

país]

- Entre os médicos, os

gramáticos e os loucos

Texto 1 [Trecho de Napoleão

Mendes de Almeida] Texto 1 [Trecho de Napoleão

Mendes de Almeida]

Roteiro de

leitura

[Quatro perguntas sobre o

texto] Roteiro de

leitura

[Quatro perguntas sobre o

texto]

ATIVIDADE II

[ressalta a falta de

critérios linguísticos para

julgar fatos da língua]

Atividade 2 - Leitura

[ressalta a falta de critérios

linguísticos para julgar fatos

da língua]

Texto 2 ELEIÇÕES

PRESIDENCIAIS –

ASPECTOS

DISCURSIVOS, Sírio

Possenti

Texto 2 A CONCEPÇÃO DE

LÍNGUA E GRAMÁTICA

NA MÍDIA, Luís Percival

Leme Britto (a sombra do

caos, p. 194)

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202

Roteiro de

leitura

[Levantamento dos

aspectos do julgamento

linguístico apresentados

pelo texto. Questões de

reflexão sobre o uso da

linguagem escrita e em

geral]

Roteiro de

leitura

[Levantamento dos aspectos

do julgamento linguístico

apresentados pelo texto.

Questões de reflexão sobre o

uso da linguagem escrita e

em geral]

ATIVIDADE III

[reflexão sobre a redação

escolar]

Atividade 3 - Leitura

[reflexão sobre a redação

escolar]

Texto 3 ENSINO, Gustavo

Bernardo (Redação

inquieta. Rio, Editora

Globo, 1988, p. 3-6)

Texto 3 ENSINO, Gustavo Bernardo

(Redação inquieta. Rio,

Editora Globo, 1988, p. 3-6)

ROTEIRO DE

LEITURA

[questões sobre o texto

lido] Roteiro de

leitura

[questões sobre o texto lido]

ATIVIDADE IV

[Discussão sobre a

redação escolar]

Atividade 4 -Problemas de redação

[Discussão sobre a redação

escolar]

Texto 4 TECNOLOGIA E VIDA

QUOTIDIANA [texto de

uma redação de

vestibular]

Texto 4 TECNOLOGIA E VIDA

QUOTIDIANA [texto de

uma redação de vestibular]

Roteiro de

leitura

[Reflexão sobre a

homogeneidade e o

objetivo da redação

escolar ser a aprovação no

vestibular]

Roteiro de

leitura

[Reflexão sobre a

homogeneidade e o objetivo

da redação escolar ser a

aprovação no vestibular]

ATIVIDADE V

[semelhanças entre os

discursos militares e as

redações]

Atividade 5 - A intenção da redação

escolar

[semelhanças entre os

discursos militares e as

redações]

Roteiro de

leitura

[Questões sobre as razões

das semelhanças entre os

discursos]

Roteiro de

leitura

[Questões sobre as razões

das semelhanças entre os

discursos]

ATIVIDADE VI

[Discussão sobre os

problemas encontrados no

Texto 4, em relação à

gramática da língua

padrão]

Atividade 6 Atividade 6- Problemas

técnicos

[Discussão sobre os

problemas encontrados no

Texto 4, em relação à

gramática da língua padrão]

ATIVIDADE

VII

Atividade 7 - Uma classificação dos

problemas

Page 203: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ... · concepção de linguagem de Bakhtin e o Círculo que toma todo enunciado produzido em um contexto histórico, cultural

203

[Apresentação dos

problemas das redações

escolares elencados por

Alcir Pécora no Texto 5.

Questionamento sobre

quais daqueles erros

mencionados o aluno já

observou na sua escrita]

[Apresentação dos

problemas das redações

escolares elencados por Alcir

Pécora no Texto 5.

Questionamento sobre quais

daqueles erros mencionados

o aluno já observou na sua

escrita]

Texto 5 13 PROBLEMAS E 1

FIGURINO, Alcir Pécora

(Problemas de redação,

p. 95)

Texto 5 13 PROBLEMAS E 1

FIGURINO, Alcir Pécora

(Problemas de redação, p.

95)

Roteiro de

leitura

[Resumo do texto em

tópicos, parágrafo a

parágrafo]

Roteiro de

leitura

[Resumo do texto em

tópicos, parágrafo a

parágrafo]

PRÁTICA DE

TEXTO

[Proposta de produção

textual sobre as

experiências do aluno nas

aulas de português]

Prática de

Texto

[Proposta de produção

textual sobre as experiências

do aluno nas aulas de

português]

Quadro 15: Seções e subseções dos capítulos 4 (1ª edição) e 6 (20ª).

Iniciamos as comparações apontando uma diferença nos títulos dos capítulos. A

primeira edição traz Especulações em torno do ‘erro’ e a vigésima, Considerações em

torno do ‘erro’. As duas mantêm as aspas na palavra erro indicando uma posição já

discutida anteriormente de que o erro é algo considerado em relação à norma padrão,

portanto questionável.

A mudança no item lexical “especulação” para “consideração” pode ser

explicada porque a última refere-se ao ato de emitir um ponto de vista a partir de um

exame ou reflexão. A especulação representa uma investigação do ponto de vista

teórico, alheia, portanto, à experiência71

. Por ser fruto de um raciocínio abstrato não tem

ligação com fatos concretos. Podemos assumir que entre uma edição e outra, o autor

pretende mostrar suas reflexões, baseadas não somente na teoria, mas em sua prática de

ensino, daí sua escolha por fazer considerações, fruto de estudos e reflexões, não apenas

especulações em torno do tema.

Assim, este capítulo discute o senso comum de que a língua portuguesa está em

um mau estado, apresentando as visões preconceituosas e mal informadas a respeito da

71

Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, v3.0.

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204

diversidade linguística e da estratificação da linguagem em gêneros. Parte dessa

discussão para argumentar sobre a uniformidade da redação escolar, um gênero criado e

perpetuado pela escola como representativo de um texto bem escrito. Um gênero cuja

função social restringe a um único ambiente: a escola.

A seguir, apresentamos as diferenças estruturais observadas entre as duas

edições no capítulo 4, para a primeira edição, e 6, para a vigésima. Além de não haver

os subtítulos A língua portuguesa vai mal? e Entre os médicos, os gramáticos e os

loucos na primeira edição, há uma mudança da palavra “fatos” para “fenômenos” no

período seguinte:

1ª: [...] Muitas vezes, em nome da defesa do vernáculo, destila-se

simplesmente o preconceito ou a ignorância dos fatos da língua”

(1992, p. 60).

20ª: [...]Muitas vezes, em nome da defesa do vernáculo, destila-se

simplesmente o preconceito ou a ignorância dos fenômenos da

língua” ( 2011, p. 84).

Porém, mais adiante nessa mesma edição aparece o seguinte: “[...] O texto

seguinte trata justamente da falta de critérios linguísticos que costuma ocorrer no

julgamento de fatos da língua.” (1992, p. 60; 2011, p. 86, grifo nosso). Não observamos

intencionalidade justificável no uso de uma ou outra palavra.

Para apresentar o texto 1, a primeira edição apenas refere-se a ele como sendo do

gramático Napoleão Mendes de Almeida. Na vigésima, além do nome do autor, o

capítulo traz que este texto encontra-se “[...] citado pela revista Gafite, editada por L.

Sacconi”72

(1992, p.85), acrescentando uma informação sobre o autor do texto.

72

A revista circulou entre os anos de 1987 e 1989, somente para assinantes.

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205

Figura 22: Capítulo 6 - Texto 1 e Roteiro de leitura (2011, p. 85-86).

O trecho aparece na segunda página do capítulo para discutir o conceito de

língua padrão e a ele se seguem quatro questões que fazem parte do Roteiro de Leitura.

Não há, na materialidade linguística do enunciado do autor, qualquer crítica direta à

opinião de Sacconi sobre a linguagem coloquial, mas um direcionamento ao aluno a

respeito dos sentidos que as palavras adquirem em contexto. O que, fatalmente, levará a

constatação de que, para Sacconi, essas pessoas citadas (cozinheiras?) não sabem falar a

própria língua e, portanto, não podem ensiná-la. Preconceito linguístico e social

declarado.

A retomada dos itens lexicais “delinquentes”, “apodrecimento”, a enumeração

de profissões de menor prestígio social “cozinheiras, babás, engraxates” e a

continuidade dessas profissões sendo realizada com elementos mal vistos pela

sociedade “trombadinhas, vagabundos, criminosos” deixa evidente que,

discursivamente, o autor se posiciona de maneira a desautorizar o discurso de Sacconi

citado no Texto 1. Por meio do ângulo dialógico assumido, o autor traz a voz do outro

esvaziando seu discurso, desautorizando-o. Mais à frente, nos comentários ao Texto 2, o

autor retoma o gramático agora posicionando-se sobre ele: “Novamente, a voz

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206

preconceituosa de Bechara serve de ilustração do que dizemos:” (2011, p. 89) em que se

infere que o autor esperou que o leitor construísse uma imagem do gramático de quando

da apresentação de seu texto e, em seguida, declarou sua opinião.

Isso também fica marcado, pois a este texto e Roteiro de Leitura, segue-se a

proposta de leitura do Texto 2 “A concepção de língua e gramática na mídia” que “trata

justamente da falta de critérios linguísticos que costuma ocorrer no julgamento de fatos

da língua”. O diálogo entre o enunciado acima e a atividade anterior a respeito do trecho

do filólogo Sacconi revela esse posicionamento discursivo.

Em relação ao destinatário, os dois capítulos que tratam da língua padrão,

capítulo 2 e 3, na primeira edição e capítulos 4 e 5, na vigésima, dirigem-se a um falante

da língua “Compare agora os seus pontos de vista – importantes porque são opiniões de

um usuário da língua padrão [...] (2011, p. 68, grifo do autor); “Observe-se, por

exemplo, que ao mesmo tempo em que tais gramáticas estabelecem normas a partir da

língua escrita literária [...] o que causa estranhamento no estudante [...] (2011, p. 74,

grifo do autor). Também consideram a passagem deste falante pela escola como em:

“Na escola, vivemos sob o império do certo e do errado [...] (2011, p. 47); “De fato, já

que em todos os anos escolares não fizemos outra coisa senão tentar dominá-la [...]

(2011, p. 67).

No capítulo 5 (2011) e 3 (1992), em ambas as edições, o livro retoma seu

objetivo e apresenta um novo papel ao aluno:

Enquanto nada disso acontece, é proposta deste livro trabalhar com

textos contemporâneos, que espelham mais diretamente nossa

realidade linguística padrão, tomando como referência a velha

gramática normativa, mas mantendo-nos atentos à diferença. Isto

significa dizer que tentaremos fazer justiça aos fatos da norma

contemporânea evidenciados seja pelas pesquisas que estudam a

realidade linguística do Brasil, seja pelos próprios textos. Nesse

sentido, um melhor domínio da linguagem escrita exige que nos

tornemos “sócios-proprietários” da língua padrão contemporânea.

(2011, p. 75/ 1992, p. 49 grifos do autor).

Assim, reforçam-se os papéis de falante, aluno universitário e proprietário da

língua que nos possibilita entender que as classes profissionais e os papéis sociais

mencionados por Sacconi (2011, p. 85) são, sim, “legítimos conhecedores de nosso

vocabulário” porque este a eles pertence.

Além da interação estabelecida pelo léxico apresentado e que estabelece papéis

interacionais, há também a presunção do autor sobre as preferências e o nível de

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207

aprendizado do seu leitor, como temos apresentado nos capítulos anteriores. Nesse em

que se discute as características e finalidade da redação escolar, o autor direciona a

leitura do Texto 3 com o seguinte comentário: “Vamos ler agora um outro texto, este

direcionado para uma questão que interessa você de perto: a redação escolar.” Nesse

trecho temos o uso do pronome “nós” exclusivo, pois quem fará a leitura do texto será o

leitor-aluno e a esse o autor atribui um interesse. Não podemos deixar de reconhecer

que, nesse caso, diferentemente dos outros exemplos, é óbvio que o aluno que esteja

fazendo um curso de produção de textos, vá se interessar por esse assunto, portanto a

assunção é legítima.

É possível observar, na reformulação da vigésima edição, a necessidade de um

trabalho com “textos contemporâneos”, demonstrando a preocupação em ensinar língua

com textos circulantes na vida cotidiana e não em livros clássicos, portanto

desatualizados e não-representantes da língua praticada por seus falantes.

Reconhecemos aqui a premissa do autor de que a língua padrão não é apenas (se, sim)

aquela ditada pelos textos literários.

Na linha de considerar o retrabalho do autor com a reformulação de PTEU e,

para reforçar este objetivo de valorização de textos contemporâneos, o autor não deveria

ter mantido os mesmos textos da primeira edição, nove anos depois (1992/ 2001),

apesar de ter feito algumas trocas mais recentes.

Ainda sobre o destinatário do texto, o capítulo 6, “Considerações em torno do

‘erro’, retoma o papel de aluno. Além do falante ou aluno que passou pela escola básica,

há uma especificidade de nível de estudo: “No caso específico do curso que você

escolheu, que importância tem o domínio da língua padrão?” (2011, p. 91); (1992, p.

64). Destacamos que, apesar de o título do livro e a sua Apresentação dirigir-se a um

aluno universitário, é a primeira vez na vigésima edição que esse leitor específico

(destinatário presumido) aparece no texto dos capítulos.

Até então, os textos mantêm uma “conversa” com seu leitor, ora convocando um

falante da língua, ora um aluno, que como dissemos antes, poderia ser de qualquer nível

escolar. Nessa citação específica, fica claro um curso em que o aluno tenha feito uma

escolha, o que não acontece no ensino médio. Como exemplo, podemos analisar o texto

que precede o item subsequente a esse, Leitura, e retoma a redação escolar, que está

presente em todos os níveis de ensino desde a escola básica até os cursos superiores e de

pós-graduação. No entanto, as primeiras linhas do texto Ensino (p. 91) já o direcionam

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208

para as redações do vestibular e o Texto 4 Tecnologia e vida quotidiana (p. 95)

apresenta uma redação extraída de um vestibular de uma universidade federal o que nos

faz levantar uma hipótese de que a partir deste capítulo o destinatário está mais

configurado como um aluno universitário e com sua experiência neste nível de ensino,

tendo passado por uma prova de seleção para ingressar no curso que escolheu.

Observamos também que depois do capítulo 2, essa é a primeira vez que o autor

se refere a gêneros, e nesse caso, gêneros de texto (2011, p. 91) o que não aparece na

primeira edição:

1ª: Até agora, em que situações concretas você foi solicitado a

escrever textos? (Na escola e fora dela) (1992, p. 65).

20ª: Até agora, em que situações concretas você escreveu textos, na

escola e fora dela? Enumere os gêneros de texto que você escreve

regularmente ou esporadicamente (diário, redação escolar típica,

trabalhos escolares, cartas, e-mails, poemas...) (2011, p. 91, itálicos

do autor).

O trecho destacado na primeira edição na voz passiva “foi solicitado a escrever”

e a reescrita da vigésima “escreveu textos” em voz ativa incorpora ao texto a esfera de

produção, recepção e circulação em que o aluno escreve e exemplifica com os gêneros

mais comuns para um aluno. A mudança de voz coloca o sujeito como agente de uma

construção ativa, convida o aluno a resgatar uma postura responsiva e a referência feita

a “situações concretas” o insere em um contexto sócio histórico cultural permitindo-lhe

avaliar a pertinência ou não do aprendizado de certos gêneros.

A listagem dos gêneros apresentados como exemplos (diário, redação escolar,

cartas, e-mails, poemas) remete às práticas textuais comuns na escola média. Por

enquanto, não há uma reflexão sobre qual a relação do curso escolhido e o domínio da

língua padrão. A interação do autor com um leitor-aluno universitário torna-se mais

definida quando aquele questiona se o aprendizado dos gêneros mencionados foi

suficiente para assegurá-lo de ser um bom escritor.

Observamos o papel ativo do aluno no exemplo da vigésima edição que atenta

para o fazer responsável do texto escrito “ [...] em que situações concretas você

escreveu textos [...]”(2011, p. 91)”, opondo-se ao papel passivo desempenhado,

aparentemente, pela obrigação das atividades escolares “[...] em que situações

concretas você foi solicitado a escrever textos [...]” (1992, p. 65), na primeira edição.

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209

Além da descrição da organização do capítulo, interessa-nos a abordagem à

produção escrita que aparece em cada um deles. Conforme apresentado acima, a

discussão do capítulo centrou-se nas concepções do senso comum para o erro gramatical

e foca a produção textual, especificamente, com a leitura e discussão do texto 5 13

problemas e 1 figurino (2011, p. 100). O texto é um fragmento do livro Problemas de

redação que discute uma lista de treze problemas possíveis de serem encontrados em

textos escritos. No excerto, o autor não só critica a escrita padronizada da redação

escolar como se propõe a explicar a problemática envolvida nesse tipo de texto,

principalmente a noção de que a boa escrita passe pelo aprendizado de técnicas de

escrita e de normas linguísticas, consideradas parte “das condições específicas da

produção escrita” (2011, p. 102). Defende que o aprendizado mediado pelo ensino de

técnicas da escrita tem sido prioridade da escola que optou por rechaçar os usos de

linguagem mais comuns entre os alunos e advoga em favor de um domínio da escrita

que se dá pela sua prática e não da reprodução de padrões escritos que anulam a

condição do sujeito.

Em suma, o conhecimento do que a escrita tem de mais específico

exige menos cuidados técnicos, e mesmo pedagógicos, do que os de

atualizar uma concepção ética da linguagem. Esta é a grande ausência

que se manifesta na caracterização dessa lista de fracassos: são 13

tipos, mas todos eles foram criados na tentativa de reproduzir os

moldes oferecidos pelo figurino oficial (PÉCORA, 1983, apud

FARACO; TEZZA, 2011, p. 102, grifos nossos).

O trecho citado corrobora uma das premissas desta tese que considera a

concepção ética da linguagem de qualquer prática de texto. Atualizar uma concepção

ética da linguagem é o que fundamenta a noção de autoria para a perspectiva dialógica

de linguagem adotada como referência teórica deste trabalho. Significa dizer que ao

organizar seu discurso e dos outros, o sujeito-autor assume a responsabilidade por

aquilo que diz por meio de uma atitude responsiva em direção aos enunciados alheios e

com os quais dialoga discursivamente antes, durante e depois de sua produção escrita.

O Roteiro de leitura do texto acima direciona o aluno ao universo universitário

ao recuperar um trecho do texto lido: “Na verdade, a forma mais característica de

manifestação dos problemas de textos escritos produzidos na universidade está na sua

ocorrência em bloco. O exemplo de redação escolar que lemos acima [retoma a redação

de vestibular apresentada anteriormente] confirma essa afirmação?” (2011, p. 103;

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210

1992, p. 77). Isso confirma nossa tese de que a partir desse capítulo o foco é na

experiência do aluno já como universitário aqui convocado a analisar sua produção

textual costumeira.

O quadro a seguir apresenta a maneira como os capítulos 5 (primeira edição) e 7

(vigésima) foram divididos, assim como os textos utilizados.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 5 SETE

Título LÍNGUA E ESCRITA LÍNGUA E ESCRITA

Seções

Subseções

Atividade I

[sobre a confusão

comumente feita entre

língua e representação

gráfica da língua-escrita]

Atividade 1 - Falar e escrever

-Uma cultura grafocêntrica”

[sobre a confusão

comumente feita entre língua

e representação gráfica da

língua-escrita]

Texto 1 LINGUAGEM, PODER

E DISCRIMINAÇÃO,

Maurizzio Gnerre

(Extraído de Linguagem,

escrita e poder. São

Paulo, Martins Fontes,

1987, p. 3-7)

Texto 1 LINGUAGEM, PODER E

DISCRIMINAÇÃO,

Maurizzio Gnerre

(Linguagem, escrita e poder.

p. 3-7)

Roteiro de

leitura

[questões sobre a relação

entre contexto e atos de

linguagem a serem

respondidas por escrito]

Prática de

texto

[questões sobre a relação

entre contexto e atos de

linguagem a serem

respondidas por escrito]

ATIVIDADE II [discorre sobre as

diferenças entre língua e

representação gráfica]

Atividade 2 - As diferenças entre língua

[discorre sobre as diferenças

entre língua e representação

gráfica]

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211

Texto 2 HISTÓRIA DE UM

ACIDENTE DE CARRO

[transcrição do relato oral

de um aluno de sétima

série]

Texto 2 HISTÓRIA DE UM

ACIDENTE DE CARRO

[transcrição do relato oral de

um aluno de sétima série]

[levantamento de todas as

características

encontradas no texto oral-

mesma proposta de

exercício, porém sem a

indicação de exercício]

Exercício [levantamento de todas as

características encontradas

no texto oral]

ATIVIDADE III

[discorre sobre o

conservadorismo da

escrita]

Atividade 3 - Falamos uma língua e

escrevemos outra!

[discorre sobre o

conservadorismo da escrita]

Texto 3 A LÍNGUA ESCRITA E

A MUDANÇA, Carlos

Alberto Faraco (Extraído

de Linguística histórica –

uma introdução ao estudo

da história das línguas.

São Paulo, Ática, 1991, p.

14)

Texto 3

A LÍNGUA ESCRITA E A

MUDANÇA, Carlos Alberto

Faraco (

Linguística histórica – uma

introdução ao estudo da

história das línguas, p. 14

ATIVIDADE IV

[especificidades das

modalidades escrita e oral

da língua]

1- Ampla variedade x

modalidade única

(“língua padrão”)

2- Elementos

“extralinguísticos” x

sinais gráficos

3- Prosódia e entonação

x sinais gráficos

4- Frases mais curtas x

frases mais longas

5- Redundância x

concisão

Atividade 4 - Gramática da fala,

gramática da escrita

[especificidades das

modalidades escrita e oral da

língua]

1- Ampla variedade x

modalidade única (“língua

padrão”)

2- Elementos

“extralinguísticos” x sinais

gráficos

3- Prosódia e entonação x

sinais gráficos

4- Frases mais curtas x

frases mais longas

5- Redundância x concisão

Exercício

[Proposta de reescrita do

texto 2 –relato oral-

utilizando entre 45 e 50

palavras]

Exercício

[Proposta de reescrita do

texto 2 –relato oral-

utilizando entre 45 e 50

palavras]

6- Unidade temática:

flutuação x rigidez

7- Interlocutor:

presença x ausência

6- Unidade temática:

flutuação x rigidez

7- Interlocutor: presença x

ausência

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212

8- Aprendizagem

“natural” x

aprendizagem

“artificial”

8- Aprendizagem “natural”

x aprendizagem “artificial”

ATIVIDADE V

[Reflexões de Alcir

Pécora sobre a imagem

que o aluno tem da

escrita]

Atividade 5 - A imagem da escrita

[Reflexões de Alcir Pécora

sobre a imagem que o aluno

tem da escrita]

Questões [questões sobre o

apresentado na Atividade

V]

Exercício [questões sobre o

apresentado na Atividade 5]

ATIVIDADE VI

[Percurso da oralidade

para o universo escrito]

Atividade 6 - O universo da escrita

[Percurso da oralidade para o

universo escrito]

Texto 4 - CONSIDERAÇÕES

EM TORNO DO

ACESSO AO MUNDO

DA ESCRITA, Haquira

Osakabe (Extraído de

Leitura em crise na

escola. Porto Alegre,

Mercado Aberto, 1982, p.

148-152)

Texto 4 AS BIBLIOTECAS NA

ANTIGUIDADE E NA

IDADE MÉDIA, Wilson

Martins (A palavra escrita,

p. 71)

Roteiro de

leitura

[questões sobre o texto 4.

Escrita de um resumo

com 70 a 80 palavras e

um comentário crítico de

40 a 50 palavras]

Roteiro de

leitura

[questões sobre o texto 4]

Texto 5 CONSIDERAÇÕES EM

TORNO DO ACESSO AO

MUNDO DA ESCRITA,

Haquira Osakabe (Extraído

de Leitura em crise na

escola, p. 148-152)

ATIVIDADE

VII

[o que significa o acesso à

escrita]

Atividade 7 Da oralidade para a escrita:

uma passagem difícil

[o que significa o acesso à

escrita]

Texto 5 DA ORALIDADE PARA

A ESCRITA: O

PROCESSO DE

“REDUÇÃO” DA

LINGUAGEM,

Maurizzio Gnerre

(Extraído de Linguagem,

escrita e poder. São

Texto 6 - DA ORALIDADE PARA

A ESCRITA: O PROCESSO

DE ‘REDUÇÃO’ DA

LINGUAGEM, Maurizzio

Gnerre

(Linguagem, escrita e poder,

p. 81-83)

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213

Paulo, Martins Fontes,

1987, p. 81-83)

PRÁTICA DE

TEXTO

[Proposta de produção

textual seguindo roteiro

de perguntas relacionadas

ao texto anterior]

Prática de

texto

[Proposta de produção

textual seguindo roteiro de

perguntas relacionadas ao

texto anterior]

Atividade 8 - Leitura

[direciona o aluno para a

leitura do texto seguinte

sobre livro eletrônico]

Texto 7 - VIRADA DE PÁGINA

[texto de 2000 sobre o e-

book] (Revista Ponto-com,

setembro, 2000

Quadro 16: Seções e subseções dos capítulos 5 (1ª edição) e 7 (20ª).

O capítulo Língua e escrita objetiva discutir uma tradição que parece perpetuar a

ideia de que a língua real é a escrita. Para tanto, o autor analisa a primazia da escrita

sobre a oralidade, apresentando algumas diferenças entre as duas modalidades,

ressaltando que ambas possuem suas gramáticas específicas (itens apresentados no

quadro acima, na Atividade 4).

O texto inicial do capítulo (Atividade 1) destina-se a discutir a incompreensão do

que seja língua e escrita. Ambas as edições utilizam o mesmo texto explicativo com

uma diferenciação na designação dos papéis dos interlocutores. Na primeira edição, o

texto traz: “Todos nós temos uma tendência muito grande de confundir [...]” (1992,

p.79) e, na vigésima, não há essa identificação entre os falantes da língua: “A cultura

letrada, em geral, tem uma forte tendência a confundir [...]” (2011, p. 104). A interação

estabelecida, nessa edição, exclui o autor e o interlocutor dessa identificação,

atribuindo-a a uma entidade intangível. A mudança realizada parece considerar que o

aluno que está no sétimo capítulo de um livro didático que tem se destinado a discutir as

especificidades das variedades linguísticas, inclusive das modalidades escrita e oral, não

poderia partilhar da mesma concepção errônea dos outros componentes da chamada

“cultura letrada”. Sobre a expressão, na introdução do capítulo 6, o autor descreve o que

chama de “elite intelectual do país”. São os “escritores, jornalistas, professores,

políticos, advogados...” (2011, p. 84). O tom destinado a esses integrantes é negativo,

pois são acusados de produzir uma “ladainha acusatória” em relação às discussões de

que o brasileiro lê e fala mal. Neste capítulo 7 não há explicação de quem constitui essa

cultura letrada.

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214

Ainda na Atividade 1, o autor justifica a “confusão” por conta de uma forte

tradição escolar que insiste em considerar a modalidade escrita, a verdadeira. Lembra as

reformas ortográficas conduzidas no país em que a simples alteração de alguns

elementos do léxico, são consideradas “mudanças na língua”.

A Atividade 4 – Gramática da fala, gramática da escrita apresenta oito tópicos

de distinções entre língua e escrita. Mais especificamente, no item 5 Redundância e

concisão, (2011, p. 113), apresenta uma proposta de reescrita do Texto 2- História de

um acidente de carro.

O exercício proposto apresenta-se diferentemente da primeira edição:

1ª: Reescreva o Texto 2, empregando entre 45 e 50 palavras.

Mantenha as mesmas informações básicas do texto original (1992,

p. 89).

20ª: Para “sentir na pele” a distinção entre fala e escrita, reescreva o

texto 2, empregando entre 45 e 50 palavras (importante!).

Mantenha as mesmas informações básicas do texto original (2011,

p. 113, itálico do autor).

Na vigésima edição, o autor enfatiza a necessidade de respeitar o limite de linhas

dado quando insere entre parênteses o imperativo “importante!”. A pontuação, nesse

caso, expressa um sentido imperativo e, ao deslocar-se do autor para o leitor, confere-

lhe uma tarefa, a de seguir o número de palavras prescrito.

A linguagem para o autor também pode passar pelos sentidos. A expressão

“sentir na pele” é comumente utilizada na fala cotidiana com uma conotação negativa,

ou seja, é o resultado de uma má experiência. Como o exercício refere-se ao texto Um

acidente de carro, relato oral de aluno, presume-se que o aluno aqui terá um árduo

trabalho em transformar o texto oral, levando em consideração todas as especificidades

no léxico, pontuação e gramática da norma culta aplicáveis ao texto escrito.

Observamos que não há uma explicação de como isso pode ser feito, desta forma,

desconsiderando a existência de técnicas eficazes para a escrita de um resumo em que a

retextualização é uma delas.

No entanto, mais à frente, o Roteiro de leitura do texto Considerações em torno

do acesso ao mundo da escrita (1992, p. 92-96; 2011, p. 118-122) também solicita ao

aluno que escreva um resumo do texto respeitando-se o limite de linhas fornecido: “3.

Agora, faça um resumo do texto empregando entre 70 e 80 palavras. Lembre-se: aqui

interessa apenas o que está no texto!” Em seguida, o aluno deve produzir um “breve

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215

comentário crítico”: “4. Finalmente, faça um breve comentário crítico sobre o texto

(empregando entre 40 e 50 palavras). Aqui é a sua opinião que interessa!”. Essa

atividade introduz a ideia de resumo e resenha, técnicas de reescrita importantes para o

desenvolvimento da vida acadêmica, sem, no entanto, nomear a última.

O destaque do sintagma nominal “sua opinião” e o uso da pontuação mostram a

apreciação do autor que indica a expressão da opinião do aluno, nesse exercício, como

fator fundamental.

Esse capítulo também convoca o aluno universitário, pois além de enfatizar a

experiência escolar prévia do aluno, o que foi feito em todos os outros capítulos, esse,

como o 6, define melhor o seu interlocutor: “Você continua na escola. Se a hipótese de

Pécora está certa [refere-se à Atividade 4 que faz uma adaptação livre de questões

levantadas por esse autor], como a Universidade pode quebrar esse rolo compressor?”

(2011, p. 116). A linguagem do autor reflete a premissa de que a universidade é um

espaço institucional de pesquisa e construção do conhecimento, não bastando a

reprodução automática de padrões consolidados. O autor continua construindo uma imagem do seu leitor nesse capítulo como em:

“De certo modo, é o grau de importância que damos à atividade de escrever que vai

determinar o grau de nosso domínio da língua padrão. Mas esse, é claro, é um problema

seu, pelo menos na Universidade” (2011, p. 115, grifo nosso).

A vigésima edição acrescenta a leitura de um texto de informação e entende-se

que seja para complementar o conhecimento produzido com a discussão do capítulo

sobre a questão das tradições oral e escrita. O texto Virada de página não se detém

nessa diferenciação, mas na questão da tradição do suporte do texto escrito, que com o

e-book será ampliado, no entanto, não concorrendo com o livro impresso.

Continuamos com as comparações entre as edições e o quadro seguinte mostra

como o texto de informação é abordado nos capítulos 6 (primeira edição) e 8

(vigésima).

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 6 OITO

Título TEXTO DE

INFORMAÇÃO

-I

Título TEXTO DE

INFORMAÇÃO-I

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216

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[texto introdutório

sobre ler e

escrever como

uma maneira de

agir sobre o

mundo]

[Exercício de

observação do

texto de

informação-

descrição de um

esporte]

Atividade 1 Atividade 1- Livrando-se da

“redação escolar”

-O texto de informação

[texto introdutório sobre ler e

escrever como uma maneira

de agir sobre o mundo]

Texto 1 BADMINTON,

Sonia de Castilho

(Boa Forma, Ed.

54, p.38)

Texto 1 BADMINTON, Sonia de

Castilho (Revista Boa

Forma, ed. 54, s/d)

Roteiro de

leitura

- cinco questões

sobre o texto

Roteiro de leitura - cinco questões sobre o texto

PRÁTICA DE

TEXTO

- Escrever um

texto informativo

de três ou quatro

parágrafos sobre

um esporte

qualquer

Prática de texto - Escrever um texto

informativo de três ou quatro

parágrafos sobre um esporte

qualquer

ATIVIDADE II [Leitura de outro

texto de

informação,

agora mais

complexo que o

anterior]

Atividade 2

- Informação + opinião

Texto 2 - A FAZENDA

DA UTOPIA,

João Gabriel de

Lima, de

Mirandópolis.

(Veja, 29∕08∕1990)

Texto 2 - ATRÁS DOS MUROS,

Rachel Verano, de

Iracemápolis (Veja, ed.

1662)

Roteiro de

leitura

- Solicita um

resumo do texto 2

de 25

a 30 palavras;

- Levantamento

Roteiro de

leitura

- Solicita a produção de um

texto de 30 e 35 palavras

sobre o assunto do texto

Mostra ao aluno um resumo

de 39 palavras e outro de 24;

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217

das características

de um texto de

informação;

-Afirmação de

Bakhtin sobre

orientação

apreciativa;

-Retomada do

texto A fazenda

da utopia;

- Citação de

Bakhtin sobre

enunciação;

-Divisão do texto

em parágrafos;

-Resumo de cada

parágrafo;

- O que é

parágrafo e sua

função;

-Relatores que,

onde, assim, nesse

(relação dos

relatores com o

parágrafo)

- Solicita um acréscimo ao

resumo feito, com 35

palavras e em duas orações;

-Ordem das informações,

sequência, parágrafos;

- Divisão do texto em

parágrafos;

Texto 3 - A FAZENDA DA

UTOPIA, João Gabriel de

Lima, de Mirandópolis.

(Veja, 29∕08∕1990)

Roteiro de leitura - Solicita ao aluno um

resumo do assunto do texto

entre 30 a 35 palavras;

- Levantamento das

características de um texto de

informação;

-Afirmação de Bakhtin sobre

orientação apreciativa;

-Retomada do texto A

fazenda da utopia;

- Citação de Bakhtin sobre

enunciação;

-Divisão do texto em

parágrafos;

-Resumo de cada parágrafo;

- O que é parágrafo e sua

função;

-Relatores que, onde, assim,

nesse (relação dos relatores

com o parágrafo)

Atividade 3 -A informação na internet

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218

-Entrevista [O livro Prática

de texto entrevista o

jornalista Bernardo

Ajzenberg acerca das

maiores diferenças entre o

jornal impresso e o digital]

LÍNGUA

PADRÃO

-[língua padrão

escrita do

português

brasileiro]

Língua Padrão

-[língua padrão escrita do

português brasileiro]

Variedade

Crase

– Questões sobre

o texto anterior

“A FAZENDA

DA UTOPIA”- e

exercício de

transformação da

linguagem oral

para a escrita.

Reconhecimento

de erro

gramatical

[explicação de

uso e exercícios

de preenchimento

de espaço]

Variedade

Crase

Flexibilidade

- Retoma um erro gramatical

no texto “A FAZENDA DA

UTOPIA”.

[explicação de uso e

exercícios de preenchimento

de espaço]

[propriedade flexível da

língua em que há variadas

maneiras de se transmitir as

mesmas informações]

ESTRUTURA

DA ORAÇÃO-

[propriedade

flexível da língua

em que há

variadas maneiras

de se transmitir as

mesmas

informações]

Atividade 4 - Leitura

[indica a leitura de dois

textos de Dalton Trevisan e

sugere ao leitor que

identifique as mudanças na

linguagem realizadas entre as

edições de 1965 e de 1992.

O mesmo deve ser feito com

a leitura do Texto 5

apresentado em três

traduções diferentes]

Texto 4 - PENSÃO NÁPOLES,

Dalton Trevisan

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219

Texto 5 - Salmo 46 (Bíblia)

PRÁTICA DE

TEXTO

Sugestão de

escrita de um

texto de

informação com

quatro parágrafos.

O autor fornece

um roteiro.

Prática de texto Sugestão de escrita de um

texto de informação com

quatro parágrafos. O autor

fornece o mesmo roteiro.

Quadro 17: Seções e subseções dos capítulos 6 (1ª edição) e 8 (20ª).

Os capítulos 6 (1992) e 8 (2011) iniciam-se com uma descrição do poder dado

ao usuário da linguagem de agir no mundo em situações concretas, específicas e de

acordo com propósitos claros. Com essa introdução, o autor retoma sua posição a

respeito da redação escolar, um gênero da linguagem cujo problema seria servir de

parâmetro para os demais textos, engessando a prática da escrita.

Ambas as edições tratam do mesmo assunto e com o mesmo texto introdutório.

No entanto, na vigésima edição, há um subtítulo: Livrando-se da “redação escolar”. O

Texto 1 é mantido em ambas as edições, mas na última são omitidos os três últimos

parágrafos e não há referência à página da revista em que se encontra.

O Roteiro de leitura do Texto 1 mantém-se quase igual, com exceção da

itemização (1, 2, 3, 4 e 5) da vigésima edição, ausente na primeira, e de haver uma

questão na primeira edição referente à parte omitida na vigésima. As cinco questões

abordam a intenção de um texto de informação e os interlocutores presentes,

enfatizando a presença do leitor que, nesse texto, vem representado pelo pronome

“você”. O leitor-aluno é questionado sobre a função desse pronome no texto e é levado

a procurar por “rastros” da presença da autora Sonia de Castilho, sugerindo o não

aparecimento do autor, uma característica desse gênero.

Com essa tarefa, o autor provoca o leitor-aluno ao questionar a existência de

uma informação realmente pura, isenta de opinião, retomando a questão da entoação

apreciativa já mencionada em capítulos anteriores.

2. O texto é informativo. Mas existirá informação pura? Em

algum momento aparece uma opinião? (Observe, a propósito, que o

simples fato de a revista escolher o badminton como assunto já

implica uma avaliação do que é ou não relevante para o leitor...)

(2011, p. 130, grifo do autor).

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220

Na segunda questão desse roteiro de leitura, a ênfase do autor recai nas palavras

informativo, informação pura, opinião e avaliação, refletindo seu foco em relembrar ao

aluno a questão de todo texto revelar uma posição avaliativa, mesmo que esta não

apareça materialmente no texto, mas na situação em que esse texto foi publicado. Nesse

caso, a escolha dos editores da Revista Boa Forma pelo esporte, por exemplo.

O Texto 2 A Fazenda da utopia ocupa quatro páginas inteiras da primeira

edição, enquanto que na vigésima há um outro texto, Atrás dos muros, também da

Revista Veja, mas que ocupa apenas uma página, sendo dividido em duas colunas. O

texto A Fazenda da utopia é o Texto 3 da vigésima edição e ocupa três páginas inteiras.

O roteiro de leitura desse texto propõe uma atividade escrita em que o aluno deve

escrever o assunto do texto empregando entre 30 e 35 palavras. Em seguida, deve

levantar as características do texto e procurar por marcas apreciativas do autor no texto.

Há uma citação de Bakhtin, sem a fonte, em que o filósofo russo defende a ideia de que

não existe enunciação que não apresente uma apreciação.

Ressaltamos aqui que na primeira edição o aluno é solicitado a escrever um

resumo do Texto 2, empregando entre 25 e 30 palavras. Na vigésima, percebemos um

trabalho de reflexão do autor do qual depreendemos que o aluno só pode produzir um

determinado tipo de texto se já souber de suas características. Assim, muito antes de

solicitar a produção de um resumo de texto, solicita-se que o aluno observe dois

resumos do assunto do texto, um com 39 e outro com 24 palavras. A esse último, o

autor fornece alguns dados e solicita que o aluno acrescente informações sem

ultrapassar 35 palavras. Em seguida, após a leitura do Texto 3 A Fazenda da utopia, ao

contrário da primeira edição que solicita um resumo do texto sem realizar a discussão

prévia, o aluno deve resumir o assunto do texto e passar às síntese por parágrafos.

A introdução à orientação apreciativa culmina com um resumo que o autor faz

sobre linguagem e quais os aspectos a serem observados na análise de um texto

informativo:

O que Bakhtin fala a respeito da linguagem em geral serve

perfeitamente para compreendermos a natureza do texto lido. A quem

o texto se destina? Qual o seu interlocutor? Saber que o texto saiu na

revista Veja já é, por si só, uma boa dica. Mas o próprio texto dá

indicações do seu leitor virtual. Quem é esse leitor? Tente fazer um

quadro: faixa etária, classe social, nível de informação, escolaridade

etc. Não se trata de “adivinhar”, mas de descobrir, pelos sinais da

linguagem, a quem o texto se dirige (2011, p. 137).

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221

Observamos que na primeira edição, o autor finaliza o mesmo trecho com “Não

se trata de ‘adivinhar’, mas de descobrir, pelos sinais da linguagem, a quem se está

falando” (1992, p. 110). A mudança indica uma preferência do autor por enfatizar a

independência do texto em relação ao seu autor, ou seja, depois de pronto, o texto se

direciona a esse ou aquele leitor, por suas características de gênero, não só falado como

escrito.

Apesar das dicas de análise, não há um exercício de leitura que pudesse retomar

a compreensão desses aspectos pelo aluno. No entanto, a partir dessa unidade, os textos,

tanto de explicação como de encaminhamentos aos exercícios, levam em consideração

que o aluno já sabe das considerações a serem feitas em uma análise do contexto de

produção, circulação e recepção das produções escritas. Isso se reflete, mais uma vez,

nas apreciações que o autor faz do seu leitor, atribuindo-lhe ações mentais: “Você já

deve ter percebido este dado interessante: toda informação é uma escolha, isto é, só

Deus pode dizer tudo, ao mesmo tempo, sem limite de espaço e tempo... Informar é,

antes de tudo, selecionar (2011, p. 132, grifos do autor). O trecho corrobora o assunto

do capítulo, a orientação apreciativa do autor de PTEU é reforçada pelas repetições de

discussões e, nesse caso, pelo uso do destaque visual do itálico.

Essa consideração do autor serve para discutir a questão do contexto de

produção, da orientação apreciativa do texto e introduz a divisão dos parágrafos

considerados como “subpartes graficamente destacadas do conjunto pela mudança de

entrada de linha” (2011, p. 137).

A função e o assunto de cada parágrafo são explorados para a inserção dos

elementos de “costura” entre os parágrafos: os recursos coesivos. O autor destaca um

trecho do texto, colocando em negrito os relatores “que”, “onde”, “assim”, “nesse”, e,

“todos”. Destaca que isoladamente, essas palavras pouco significam, mas exalta a sua

capacidade de ligação entre as ideias e os parágrafos, trabalhando diretamente nos

efeitos de clareza e precisão de um texto.

As instruções mantêm-se as mesmas da primeira edição, com algumas diferenças

na escrita:

1ª- A importância dos relatores é também visível na costura dos

parágrafos. Cada parágrafo novo já conta com as informações dos

parágrafos anteriores, que não precisam ser repetidas, mas que

devem ser levadas em conta para que o texto não se transforme

numa mera ‘colagem’ de informações avulsas sem relação entre si. Como exercício, assinale no início de cada parágrafo do Texto 2

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qual elemento – uma palavra, uma expressão, uma frase –

estabelece a relação com o que se escreveu antes.

Finalmente descubra se algum parágrafo do texto lido poderia ser

trocado por outro sem comprometer a qualidade do conjunto

(1992, p. 111). 20ª- Os relatores são também fundamentais na costura dos

parágrafos. Cada parágrafo novo deve contar com as informações

dos parágrafos anteriores, que não precisam ser repetidas, mas

que devem ser levadas em conta para que o texto não se

transforme numa mera colagem de informações avulsas sem

relação entre si. De alguma forma, o início do parágrafo seguinte

deve se relacionar com o que foi dito antes. Como exercício, assinale

no início dos parágrafos que se seguem qual elemento - uma

palavra, uma expressão, uma frase – estabelece a relação com o

que se escreveu antes.

Finalmente descubra se algum parágrafo poderia ser trocado por

outro sem comprometer a sequência lógica do conjunto (2011, p.

138).

Deixamos em negrito o texto que se manteve na vigésima edição, em que o autor

apresenta a importância dos relatores dentro do parágrafo. Sublinhamos as diferenças no

léxico escolhido entre as edições. Observa-se o uso do modalizador “deve” (contar; se

relacionar) e a mudança da palavra “qualidade” por “sequência lógica” numa aparente

formalização dos termos gramaticais. Na vigésima edição, a mudança no modo verbal

“já conta” para “deve contar” demonstra o percurso do autor desde o primeiro capítulo

em orientar o aluno em seu processo de escrita. Lembramos que esse é o primeiro

capítulo em que há uma seção (Língua Padrão) que se ocupará diretamente de aspectos

gramaticais do texto escrito.

O capítulo continua com apresentação de outros gêneros. Destacamos que, com

exceção dos capítulos 4 (1992) e 6 (2011) em que o autor sugere que o aluno “enumere

os gêneros de texto”, desde o capítulo 2, essa é a primeira vez que gênero vem

acompanhado de um determinante: gênero de linguagem (1992, p. 101; 2011, p. 128).

Ainda que em raras aparições do sintagma nominal, isso não significa que os capítulos

não estejam trabalhando com as diversas características dos textos de acordo com sua

situação social73

.

O capítulo 8, por exemplo, aborda o que o autor chama de gênero informativo,

um texto publicado em uma revista feminina (Revista Boa Forma) e dois outros

73

Em troca de e-mails com um dos autores, foi mencionado que há uma “generite” [palavras do autor] em

nossa escola. O autor se referia ao fato de um livro seu ter sido reprovado no PNLD porque, sob

alegação dos avaliadores, não havia menção a gêneros. Sabemos por análise do livro em questão, que o

livro todo se baseia na concepção bakhtiniana de gêneros da linguagem, apenas o autor optou por não

usar a expressão gênero da linguagem sempre que o apresentava.

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publicados em revista de opinião de circulação nacional (Veja). A vigésima edição

ainda reproduz um texto digital extraído do UolNews. O gênero entrevista é apresentado

por meio de questões do autor enviadas via internet a Bernardo Ajzenberg, diretor de

conteúdo de um jornal online. Essa atividade, A informação na internet, discute a

influência do veículo do texto (televisão, rádio...), e a ênfase é dada à esse suporte. Não

há esse trecho na primeira edição quando a internet não era tão utilizada: “Um espaço

que surgiu há pouquíssimo tempo e que está crescendo de uma forma fantástica (ou,

para os mais conservadores, ‘assustadora’, é a internet, a rede mundial de

computadores” (2011, p. 139).

Como exemplo, um texto extraído no UolNews é apresentado (19∕09∕2000-

12h03): Avião sequestrado cai com 18 ocupantes.

Figura 23: Capítulo 8- Texto extraído da internet (2011, p. 139).

O texto aparece em destaque, em um quadro em que se pretende recuperar

alguns aspectos da verbo-visualidade do texto original, mas não é uma foto da página ou

escaneamento. O leitor é convidado a identificar as diferenças estruturais desse texto em

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relação aos demais lidos, mas por falta da materialidade visual, a análise detém-se

apenas nas características composicionais que podem ser depreendidas do verbal. No

máximo, o aluno percebe que está diante de um texto diferente visto que esse se

encontra em uma caixa de texto cinza e apresenta a opção de hiperlink: “Clique aqui

para assistir ao vídeo”.

Observamos a ênfase do capítulo em sugerir ao aluno que encontre as diferenças

estruturais observadas entre os textos de informação. Há uma coerência interna na

apresentação das diferenças composicionais dos diversos textos do gênero jornalístico,

assim como as suas especificidades linguísticas, estas últimas, foco das perguntas feitas

na entrevista ao escritor. Entretanto, a consecução global do objetivo do autor ao

reproduzir somente a dimensão verbal do texto da internet encontra-se prejudicada.

Deixar de fora as possíveis imagens ou o contexto real em que foi publicado

originalmente não propicia a recuperação da materialidade do enunciado.

Conforme apresentado anteriormente, PTEU reserva uma seção para discutir

“alguns aspectos problemáticos da língua padrão escrita do português brasileiro” (2011,

p. 141). Essa seção, nomeada de Língua Padrão, vem separada do texto com fonte

maior e em negrito e inicia-se no capítulo oito da vigésima edição e seis, na primeira.

Apesar de o índice sugerir que aspectos relacionados à norma estejam distribuídos por

quase todos os capítulos, por exemplo: estrangeirismos, no segundo; concordância, no

décimo etc., apenas a partir deste capítulo aparece em seção específica. Os capítulos 4 e

5 já haviam tratado da língua padrão, sem o destaque dado neste capítulo que apresenta

as noções de variedade e flexibilidade da língua e o uso da crase.

O tópico Língua Padrão sinaliza para o leitor que este encontrará textos

pertencentes ao português brasileiro transcritos fielmente “sem nenhuma ‘correção

purificadora’, ou seja, uma amostra da língua real (1992, p. 111). Aqui, mais uma vez o

leitor é alertado para a sua participação ativa na língua como um “sócio-proprietário”;

“parte ativa da língua e não sua vítima!”(1992, p. 111; 2011, p. 141). Mais uma vez, o

emprego do ponto de exclamação serve para expressar um grau de valor alto a que o

autor atribui a esse papel que não deve ser o do leitor, o de vítima.

O texto da vigésima edição também parece ser mais esclarecedor e tenta corrigir

algumas falhas de interpretação da primeira versão. Por exemplo: No primeiro item

sobre língua padrão (1992, p. 112) há a sugestão de um erro gramatical no primeiro

parágrafo do texto lido [Texto 2], mas não informa qual texto, o que gera uma confusão

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225

devido a haver vários textos antes e depois dessa sugestão. Na vigésima edição, há

também a sugestão de um erro, mas agora é feita indicação ao texto A Fazenda da

Utopia onde aparece o erro, um procedimento que serve de guia ao leitor que deverá

voltar algumas páginas a fim de encontrar o início do texto citado.

Como destacado anteriormente, observamos, mais uma vez, o tom menos

coloquial nas explicações gramaticais:

1ª- Como sócio-proprietário da língua padrão, você considera que

esse erro é, de fato, um erro, ou simplesmente é uma indicação de

que a gramática normativa não dá conta de uma mudança na

realidade linguística brasileira? (1992, p. 112).

20ª- Para discutir: como ‘socioproprietário’ da língua, você

considera que esse erro é, de fato, um erro, ou simplesmente uma

indicação de que a gramática normativa ainda não legitimou uma

mudança concreta do padrão brasileiro oral? (2011, p. 142).

O tom coloquial de “não dá conta de” é trocado por “ainda não legitimou” e

“mudança na realidade linguística brasileira” por “mudança concreta do padrão

brasileiro oral”, na segunda opção destacando que a realidade linguística brasileira de

destaque no momento é o padrão oral. Como na troca anterior de “qualidade do

conjunto” para “sequência lógica do conjunto”, o autor privilegia o uso de expressões

mais formais. Entende-se que a estratégia corrobora o assunto do item Variedade que

faz referências às diferenças entre linguagem oral e escrita, sugerindo em exercício que

o aluno “passe para o padrão escrito normativo as seguintes ocorrências da linguagem

oral” (2011, p. 142).

A seção Língua Padrão divide-se em três itens e o item Estrutura da oração é

retomado na vigésima edição sob o título de Flexibilidade e apresenta as diversas

maneiras de se apresentar a mesma informação. O autor indica ao leitor que questões

mais específicas serão abordadas no capítulo 14 (A estrutura da oração), enfatizando

que o tópico flexibilidade é uma característica da estrutura da língua e não da oração.

O tom da apresentação do exercício muda na vigésima edição:

1ª: Como exercício, reescreva as orações abaixo, conservando as

mesmas informações. Inicie da forma indicada (1992, p. 113).

20ª: Vamos agora exercitar os recursos sintáticos da língua, sentir, na

prática da escrita, a flexibilidade que nos permite variar a expressão e

marcar diferenças sutis de significado. Reescreva as orações abaixo,

conservando as mesmas informações. Importante: inicie da forma

indicada (2011, p. 143, grifo do autor).

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O encaminhamento é dado a uma atividade em que são apresentadas dez orações

e para cada, uma maneira diferente de reescrevê-la. O tom adotado na vigésima é

instaurado de maneira menos imperativa. O autor convida o leitor a colocar em prática o

que foi discutido anteriormente acerca da flexibilidade da língua “Vamos agora

exercitar...”, ao invés de iniciar o exercício solicitando a tarefa ao leitor de forma direta.

A instrução ao exercício mantém-se, mas há uma intervenção do autor no lembrete:

“Importante” em itálico. Aqui, mais uma vez (como no capítulo 7) o uso da língua passa

pelos sentidos: “Vamos [...] sentir, na prática da escrita, [...]”.

Observamos que as dez orações apresentadas trazem um início diferente para a

reescrita do aluno. Na primeira edição, a décima sugeria “Trazendo gestos...”, e, na

vigésima, “Com gestos...”. Uma correção feita pelo autor deixa o texto mais fluido, já

que a reescrita: “Com gestos inspirados na atividade dos lenhadores, Bravos pioneiros

coloca em cena, junto com os bailarinos, os trabalhadores do campo” soa mais próxima

à linguagem cotidiana que o texto que se iniciaria com “Trazendo gestos [...]”.

A atividade 4, presente apenas na vigésima edição, apresenta um texto de Dalton

Trevisan, Pensão Nápoles, em duas versões, uma de 1965 e outra de 1992 para que o

aluno observe a “força estilística da flexibilidade da língua” (2011, p. 144). O autor

solicita ao leitor que leia os dois textos e “Observe como as mudanças de linguagem,

aparentemente insignificantes (afinal, o texto continua apresentando as mesmas

informações!), modificam significativamente a força e o impacto do conto” (2011, p.

144-45, grifo do autor). Em seguida, sugerem que o leitor compare cinco versículos da

Bíblia em três traduções distintas. “Veja como cada palavra ou expressão sinônima tem

a sua própria rede de significados, criando efeitos diferentes, embora com o mesmo

sentido básico” (2011, p. 145). O exercício de leitura dos dois textos (Texto 4 e Texto 5)

é esse, não há comentários posteriores discutindo com o aluno as mudanças de

significado.

Essa atividade de leitura vem ao encontro de nossa proposta de comparação das

duas edições, dado nosso interesse em descobrir em que medida as mudanças no léxico

e no tom, “modificam significativamente a força e o impacto” do texto e quais são “as

redes de significados”, quais “efeitos diferentes” o autor produziu na modificação

realizada para a vigésima edição (2011, p. 145).

No tocante à concepção de produção de texto, esse capítulo enfatiza que o autor

de um texto deve abdicar das práticas de escrita aprendidas na escola, pois essas se

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referem a um universo abstrato em que não há um sujeito do discurso, mas um ser

também abstrato, disposto a repetir fórmulas sobre um mundo irreal.

Saber ler e escrever é, portanto, muito mais que dominar uma técnica

ou um sistema de sinais: é agir sobre o mundo e defender-se dele,

sempre em situações específicas e concretas, intencionalmente

construídas e com objetivos claros (1992, p. 101; 2011, p. 128).

Com esse objetivo, afastar o estudo de textos das práticas consolidadas da

escola, o capítulo passa a discutir o texto de informação, com a justificativa de que é um

gênero pouco frequente nas salas de aula.

Do ponto de vista formal do texto escrito, o aluno é levado a observar a sua

divisão em parágrafos: “subpartes graficamente destacadas do conjunto pela mudança

de entrada de linha” (2011, p. 137). Em seguida, apresenta-se a “costura” dos parágrafos

realizada por meio dos relatores.

Os capítulos 7 (primeira edição) e 9 (vigésima) continuam a abordar o gênero

texto de informação. O quadro seguinte ilustra a comparação entre as edições:

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 7 NOVE

Título TEXTO DE

INFORMAÇÃO

-II

Título TEXTO DE

INFORMAÇÃO-II

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[qualidades do

texto: clareza]

Atividade 1 As qualidades de um bom texto

[qualidades do texto: clareza]

[traz apenas o primeiro

parágrafo do texto de 8

parágrafos apresentado na

primeira edição: Manuais não

explicam o produto]

Texto 1 MANUAIS NÃO

EXPLICAM O

PRODUTO- Ana

Cecília

Americano

(Jornal do brasil,

3∕ 2∕ 92)

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Mas, afinal, o

que é um texto

“bem escrito”?

[ ressalta a

organização

interna do texto

em relação à

externa; a

intenção de quem

escreve, ao

universo de quem

lê e ao assunto de

que se fala]

Mas, afinal, o que é um texto

“bem escrito”?

[ ressalta a organização interna

do texto em relação à externa;

a intenção de quem escreve, ao

universo de quem lê e ao

assunto de que se fala]

Texto 1

Texto 2

Texto 3

Texto 4

Texto 5

Texto 6

[trechos de texto

sem títulos para

avaliação dos

mais bem

escritos]

Texto 1

Texto 2

Texto 3

Texto 4

Texto 5

Texto 6

Texto 7

[trechos de texto sem títulos

para avaliação dos mais bem

escritos]

Roteiro de

leitura

Roteiro de leitura

ATIVIDADE II

[unidade temática

e estrutural]

E o texto

literário? [a

linguagem

literária é

subversiva]

Atividade 2

Correção e adequação

[aspectos técnicos x língua

padrão escrita]

A noção de unidade; [unidade

temática e estrutural]

E o texto literário? [a

linguagem literária é

subversiva]

PRÁTICA DE

TEXTO

[proposta de

escrita de um

texto literário

qualquer]

Prática de texto [proposta de escrita de um

texto literário curto]

ATIVIDADE III

[aprofundamento

da noção de

unidade]

Atividade 3 Unidade temática e unidade

estrutural

[aprofundamento da noção de

unidade]

Texto 7 À MARGEM

DO TEMPO,

Vinícius

Romanini (Veja,

19∕12∕90)

Texto 8 TURISTA OCASIONAL,

Marina Moraes (National

Geographic Brasil, maio de

2000)

Roteiro de

leitura

[ênfase na

observação da

unidade temática,

Roteiro de leitura [ênfase na observação da

unidade temática, unidade

estrutural, uso de relatores,

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229

unidade

estrutural, uso de

relatores, sistema

de referências,

qualidade do

texto]

sistema de referências,

qualidade do texto]

ATIVIDADE IV

[elementos de

coesão entre as

informações do

texto]

Atividade 4

Os relatores

[elementos de coesão entre as

informações do texto]

Prática de texto

[proposta de escrita de um

texto de informação]

LÍNGUA

PADRÃO

Língua Padrão [direciona para a leitura do

texto 9 e retoma aspectos

gramaticais]

Texto 9 À MARGEM DO TEMPO,

Vinícius Romanini (Veja,

19∕12∕90)

Variedade,

Crase,

Acentuaçã

o,

Há x a,

FRASES

SINÔNIMAS.

Variedade,

Crase,

Acentuação,

Há x a,

Frases sinônimas

[retoma aspectos gramaticais

do texto ressaltando a

diferença entre língua oral e

escrita]

PRÁTICA DE

TEXTO

[proposta de

escrita de um

texto de

informação]

Atividade 5 Leitura

[introduz o assunto do texto

10]

Texto 10 NÓS, O GORILA E A

MÁQUINA BUDISTA,

Fernando de Barros e Silva

(Folha de S. Paulo,

13∕02∕2000)

Quadro 18: Seções e subseções dos capítulos 7 (1ª edição) e 9 (20ª).

O capítulo objetiva discutir as características de um texto bem escrito e inicia

com a clareza, relembrando ao aluno que não basta ao texto seguir os aspectos

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230

normativos da língua padrão se não considerar os elementos extratextuais como o

universo do interlocutor, o objetivo do autor e a coerência com o assunto que se aborda.

O início é feito com um questionamento, em ambas as edições:

1ª: “Começamos com uma pergunta: qual é a maior qualidade de um

bom texto? Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –

que, afinal, é o que nós somos! – ele talvez respondesse numa palavra:

a clareza. Todos gostam de entender o que leem!” (1992, p. 116,

itálico do autor).

20ª: “Começamos com uma pergunta: qual é a primeira qualidade de

um bom texto? Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –

que, afinal, é o que nós somos! – ele talvez respondesse numa palavra:

a clareza. Todos gostam de entender o que leem!” (2011, p. 148,

itálico do autor).

De alguma forma, a clareza passou de “maior qualidade de um bom texto” a

“primeira qualidade de um bom texto”. Entende-se que a nova proposta do autor seja

ressaltar todas as características de um texto bem escrito preferindo elencá-las a partir

da primeira considerada mais importante: clareza. A escolha pela palavra “primeira”

parece-nos um reconhecimento de que existem várias características para a escrita de

um texto e nenhuma é superior à outra. Ao contrário, todas são importantes e devem ser

levadas em consideração para a qualidade do conjunto. Os textos seguintes trazem as

outras características, sem continuar com a ordem sequencial. Assim, além da clareza,

são consideradas características de um bom texto:

1- consideração ao objetivo do autor com o texto, o conhecimento de mundo do leitor e

o assunto abordado;

2- correção gramatical relativa à língua padrão e a adequação da linguagem utilizada ao

assunto e ao leitor;

3- unidade temática e estrutural.

Na sequência, o autor separa os textos literários das exigências apresentadas,

considerando-os passíveis de uma linguagem subversiva, pois o autor desse tipo de

texto “se alimenta das linguagens que o rodeiam, recriando-as, transformando-as,

submetendo-as ao seu próprio universo” (2011, p. 152). O texto literário é apresentado

como um texto que subverte a ordem lógica, do senso comum e do padrão seguido por

outros textos. Nesse caso, o autor volta ao questionamento já realizado em capítulo

anterior acerca da (in) capacidade de o texto literário seguir de padrão para a língua

escrita.

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231

Ambas as edições abordam o mesmo assunto sobre as qualidades de um texto

bem escrito. A primeira edição apresenta um texto completo retirado do Jornal do

Brasil, de 3/2/92, enquanto a vigésima mostra apenas o primeiro parágrafo desse mesmo

texto. Aparentemente, o autor acredita que apenas um parágrafo seja suficiente para

atingir seu objetivo de apresentar ao aluno a necessidade de o escritor pensar no seu

leitor quando inicia o texto.

O destinatário do texto, mais uma vez é o falante da língua, e, além de falante,

leitor de textos do cotidiano: “Se perguntássemos ao leitor comum de todos os dias –

que, afinal, é o que nós somos!”. Reconhece-se no aluno o seu papel ativo na língua, é

um falante e produtor de textos o que derruba aquela concepção errônea de que se não

há proficiência no uso da língua padrão, não há a prática eficiente da própria língua.

Atribui-se ao leitor mais um processo mental: “A essa altura, você já deve ter percebido

que todo bom texto tem unidade, isto é, um equilíbrio de intenção, assunto e linguagem

(2011, p. 151, grifo do autor).

Para verificar a compreensão do aluno, são apresentados, ainda, sete textos para

que ele distinga os bem escritos dos mal escritos. Com exceção de dois textos, os outros

são mantidos. O texto 3 é um trecho da obra de Ulisses, de James Joyce, na primeira

edição e, na vigésima, o poema de Carlos Drummond de Andrade Quadrilha. O texto 6

é uma nota de revista (Casa Claudia) sobre a atriz Amy Irving, na primeira, e uma nota

de revista (Decorative) sobre a terceira geração de telefonia celular na vigésima. Assim

com a troca do texto 3, percebe-se a atualização do assunto no texto 6, o que pode

interessar mais ao aluno que possivelmente desconhece a atriz americana mencionada.

O texto 7, acréscimo da vigésima edição, apresenta um trecho de texto com linguagem

coloquial popular como: “profissa”, “dá para optar”, “vencer o bicho”. Com exceção do

poema, os trechos não trazem a fonte pesquisada.

O Roteiro de leitura, em ambas as edições, pede que o aluno, ao ter reconhecido

e distinguido os textos bons dos maus, agora responda a algumas questões referentes à

linguagem utilizada neles. O questionamento detém-se nos detalhes que chamaram a

atenção, como a intenção de sua escrita, a possibilidade de adequação dos textos e uma

situação em que os textos apresentados pudessem ser considerados bons.

Como característica da vigésima edição ou 2ª reimpressão, o texto apresenta-se

mais subdividido em seções procurando chamar a atenção do aluno. A Atividade 2 traz

como subtítulos: Correção e adequação; A noção de unidade; E o texto literário? Esses

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232

itens estão presentes na primeira edição, mas sem o destaque. Entendemos que o autor

preferiu destacar e indicar ao aluno as categorias em que dividiu sua proposta de ensino

da língua portuguesa escrita.

Pode-se depreender que o foco do capítulo é a unidade temática e estrutural que

dá ao texto “um equilíbrio de intenção, assunto e linguagem” (2011, p. 151). Esse

equilíbrio apresenta-se por meio da delimitação do assunto central e da sequência lógica

das informações a serem apresentadas pelo escritor. O autor diferencia a escrita da fala

já que esta é volúvel podendo ter vários assuntos de uma só vez, dependendo do humor

dos interlocutores e das circunstâncias.

A Atividade 3 apresenta textos diferentes em ambas as edições, mas explora

aspectos semelhantes. O aluno deve identificar no texto a sua unidade temática e

estrutural, os elementos de coesão que relacionam os assuntos e o sistema de

referências. Este é apresentado como característica do texto bem escrito, pois situa o

leitor em um universo possível, Como exemplo, menciona o personagem principal do

livro A metamorfose, de Franz Kafka, em que a aparente incoerência de uma pessoa ser

transformada em inseto passa a ser aceitável, dadas as condições estabelecidas pelo

autor. O que, obviamente não aconteceria caso o leitor se deparasse com algo

semelhante ao ler uma notícia em um jornal respeitável.

A Atividade 4 introduz os anafóricos e os relatores como uma “espécie de

espinha dorsal de qualquer texto bem escrito (2011, p. 156). Apresenta-se um texto

cujos elementos de coesão foram deixados em destaque a fim de que com essa estratégia

o autor inicie uma discussão sobre a relação que eles estabelecem no texto e sobre como

o texto seria escrito sem a ajuda deles. Dentre as funções no texto, ressalta a ausência de

ambiguidade e a distinção entre oralidade e escrita. Essa explicação não se encontra na

primeira edição.

Em seguida, o texto explicativo mantém-se e o foco passa a ser a distinção entre

os elementos destacados no primeiro trecho: elementos de referência textual; elementos

de referência situacional; elementos de relação lógica e elipse. O Exercício que se segue

é o mesmo, com um acréscimo de texto “como reforço”, mas na primeira edição não há

a indicação de exercício. O aluno deve sublinhar no texto, os relatores e indicar os seus

referentes.

O texto 9, À margem do tempo, presente em ambas as edições, mas em locais

diferentes do capítulo, também é abordado de maneira diferente. Na primeira edição, o

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233

texto é utilizado para exemplificar a noção de unidade, tema da Atividade III e, após a

leitura, o aluno é questionado se esse é um texto bem escrito. Na vigésima, não há um

tópico de ensino a ser ilustrado pelo texto e o aluno é levado a “observar alguns tópicos

gramaticais de um bom texto de informação”. Não só há a certeza de que se está diante

de um texto bem escrito, como se pode trabalhar os aspectos gramaticais dele, o que

vem mais à frente com: Variedade, Crase, Acentuação, Há x a, Frases sinônimas.

Apesar de, aparentemente, o texto estar à serviço de atividades gramaticais, o que se

destaca são as reflexões sobre língua, discorrendo sobre a adequação ou inadequação ao

padrão oral e escrito. O texto, então, serve como um representante dos conceitos que o

autor tem e apresenta ao aluno o padrão normativo de um texto escrito, considerando

algumas particularidades gramaticais.

A Atividade 5 e os textos 9 e 10 são acréscimos da vigésima edição.

O quadro seguinte apresenta a estruturação do parágrafo, discutindo sua função e

características nos capítulos 8 (1992) e 10 (2011).

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 8 DEZ

Título PARÁGRAFOS Título PARÁGRAFOS

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[discorre sobre o

conceito e a

finalidade do

parágrafo]

Atividade 1 Atividade 1

Sobre o parágrafo

O parágrafo na redação

escolar

[discorre sobre o conceito e a

finalidade do parágrafo]

Atividade 2 Alguns tipos de parágrafos

Texto 1 [trecho retirado da

revista Saúde] Texto 1 [trecho retirado da revista

Saúde]

Roteiro de

leitura

[três questões

sobre o texto] Roteiro de

leitura

[mesmas três questões sobre o

texto]

Texto 2 [texto publicitário

sobre a empresa

Hoechst]

Texto 2 (texto publicitário sobre a

concessionária AutoMobile)

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234

Roteiro de

leitura

[duas questões

sobre o texto] Roteiro de

leitura

[mesmas duas questões sobre o

texto]

Texto 3 [texto extraído do

Suplemento

Folhateen , Folha

de S. Paulo,

18∕2∕91]

Texto 3 Kuerten encara hoje nos EUA

a última fronteira (Folha de S.

Paulo, 20∕08∕2000)

Roteiro de

Leitura

[três questões

sobre o texto

abordando a

ordem dos

parágrafos]

Roteiro de

Leitura

[cinco questões sobre o texto

abordando o texto de

informação e a ordem dos

parágrafos]

Texto 4

[trecho de texto

literário, João

Antônio]

Texto 4

[mesmo trecho de texto

literário, João Antônio]

Roteiro de

leitura

[três questões

sobre o texto

abordando a

liberdade de

paragrafação de

um texto literário

e locuções

nominais]

Roteiro de

leitura

[mesmas três questões sobre o

texto abordando a liberdade de

paragrafação de um texto

literário e locuções nominais]

Texto 5 [trecho de texto

de Teixeira

Coelho]

Texto 5 [trecho de texto de Teixeira

Coelho]

Roteiro de

leitura

[três questões

sobre o texto

abordando o

gênero da

linguagem ensaio

e suas

características]

Roteiro de

leitura

[três questões sobre o texto

abordando o gênero da

linguagem ensaio e suas

características]

ATIVIDADE II

[apresentação da

frase-guia que

inicia o parágrafo]

Atividade 3

Parágrafo e frase-guia

[apresentação da frase-guia

que inicia o parágrafo]

Texto 6 [trecho sem título

retirado da revista

Veja (20∕2∕91, p.

17]

Texto 6 ARQUEOLOGIA

MACHADIANA DO RIO DE

JANEIRO, Marcello

Rollemberg (Revista Cult, nº

37, p. 21)

Texto 7 [texto sem título

de Raymundo

Faoro.

Texto 7 O DESTINO DO LIXO

DIGITAL-Adriana Dias Lopes

(revista Galileu, ed. 109)

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235

Isto∕É∕Senhor, ed.

1149, p.21]

Exercícios de

desenvolvimento

de parágrafos

seguindo as

frases-guia pré-

determinadas.

Roteiro de

leitura

Exemplo 1- -

(trecho sem título

retirado da revista

Veja ( 29∕8∕90, p.

55)

Roteiro de

leitura

Observação das frases-guia de

cada parágrafo do texto

Exercício [desenvolvimento de

parágrafos seguindo frases-

guia pré-determinadas].

ATIVIDADE III

(Apresenta 3

maneiras de

iniciar um

parágrafo)

Exemplo 1- (texto

sem título retirado

da Veja, 29∕8∕90,

p.55)

Exercício-

proposta de

escrita de um

parágrafo e da

primeira oração

do segundo

parágrafo de

introdução,

seguindo um tema

determinado

Exemplo 2- (

texto sem título

de José Serra,

retirado da revista

Imprensa, n.51,

p.18)

Atividade 4 Atividade 4- Parágrafos de

introdução [Apresenta 3

maneiras de iniciar um

parágrafo]-mesmo texto

Exemplo 1- (texto sem título

retirado da Veja, 29∕8∕90, p.55)

Exercício 1- proposta de

escrita de um parágrafo e da

primeira oração do segundo

parágrafo de introdução,

seguindo um tema

determinado

Exemplo 2-( texto sem título

de Jesse Oak Taylo-Ide, “O

caçador de imagens da

Floresta Indiana, National

Geographic, 9∕2000.

Exercício 2- proposta de

escrita de um parágrafo e da

primeira oração do segundo

parágrafo de introdução,

seguindo um tema

determinado

Exemplo 3- - ( texto sem título

de Alberto Mel, retirado do

jornal Laboratório do CCS da

UFPR. Ed. 35, p.6)

Exercício 3- Proposta de

escrita de dois parágrafos

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236

Exercício-

proposta de

escrita de um

parágrafo e da

primeira oração

do segundo

parágrafo de

introdução,

seguindo um tema

determinado

Exemplo 3- (texto

sem título de

Alberto Mel,

retirado do jornal

Laboratório do

Curso de

Comunicação

Social da UFPR.

Ed. 35, p.6)

Exercício-

Proposta de

escrita de dois

parágrafos

Exemplo 4- Proposta de

redação com tema

determinado.

Exercício 4- Proposta de

redação de escrita de segundo

parágrafo

ATIVIDADE IV “Chamada” de

jornal-

Exemplo 1- Preso

irmão de Rosane

acusado de

atentado (Correio

Brasiliense, 13∕

09∕91

Exemplo 2-

Partidarios da

cerveja terão em

Praga sede

internacional

(Folha de S.

Paulo, 6 ∕1∕ 92)

Exercício-

Proposta de

redação de

“manchetes” de

Atividade 5 Quem, quando, onde,

como...- “Chamada” de jornal-

Exemplo 1- (todos os

exemplos foram retirados do

jornal O Estado de S. Paulo,

23∕8∕2000) Rivaldo marca e

ajuda Barcelona a ser

campeão

Exemplo 2-Remédio pode

reduzir desejo de beber

álcool

Exemplo 3- Código Penal que

reduz pena máxima chega ao

Congresso

Exercício - Proposta de

redação de “manchetes” de

jornal sobre cinco assuntos

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237

jornal sobre cinco

assuntos

determinados

determinados

Prática de texto Quatro propostas de redação

de parágrafo com roteiro pré-

determinado.

LÍNGUA

PADRÃO

Regência- de que,

a que, por que...

- Concordância-

(casos em que o

verbo vem antes

do sujeito)

Mais crase-

Exercício para

substituir os

termos grifados

por palavras em

parênteses

Língua Padrão Regência- de que, a que, por

que...

Mais crase- Exercício para

substituir os termos grifados

por palavras em parênteses

Concordância- (casos em que

o verbo vem antes do sujeito)

Prática de texto Quatro propostas

de redação de

parágrafo com

roteiro pré-

determinado.

Quadro 19: Seções e subseções dos capítulos 8 (1ª edição) e 10 (20ª).

O capítulo dedica-se a continuar a discussão sobre parágrafo, negando que haja

uma estrutura padrão, mas que sua organização deva se atentar à progressão das ideias e

dos fatos abordados. Na sequência, introduz a frase-guia que anuncia o assunto do

parágrafo e apresenta modelos de alguns parágrafos introdutórios. O tópico de língua

padrão concentra-se em alguns casos de regência e de concordância como os

apresentados no quadro acima.

Uma observação: após o capítulo 9, as unidades são maiores em número de

páginas que as anteriores porque passam a apresentar não só os tópicos de língua

padrão, iniciados no capítulo oito, mas também exercícios de fixação desses itens

gramaticais. Cabe também observar que, com exceção dos capítulos 1, 2 e 6 (vigésima

edição) e capítulo 1 (primeira edição), até o capítulo 8 não aparecia menção à palavra

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238

gênero da linguagem. Apesar de todos os textos apresentados até aqui explorarem as

características e especificidade de cada gênero, não houve menção ao termo, conforme

comentado quando descrevemos o capítulo oito da vigésima edição. O Roteiro de

leitura do Texto 5 retoma o sintagma nominal gênero da linguagem.

Do mesmo modo como acontece nos capítulos 4 e 5, o autor interage com seu

leitor na introdução representando-o pelo pronome de segunda pessoa, “você”.

Com certeza você já tem uma boa noção do que seja parágrafo. Para

tanto, bastou a leitura de alguns bons textos de informação, com

roteiros de análise – e, mais, naturalmente, a experiência que você tem

como praticante da leitura e da escrita ao longo dos anos (2011, p.

168, grifos nossos).

Mais uma vez, o enunciador conta com uma certeza de que, a partir daquilo a

que foi exposto em PTEU, o aluno já entenda melhor a questão do parágrafo,

pressupondo um processo mental do aluno. Considera também a experiência de falante

da língua que já teve contato com textos escritos e orais em sua vida. Nesse trecho, o

autor exalta seu trabalho com a linguagem do livro, pois reconhece ter escolhido textos

bons e adequados ao assunto, além de produzir esquemas adequados de acesso aos

textos e àquilo que pretendia ensinar.

Vejamos como se inicia o capítulo 10 em ambas as edições:

1ª: No capítulo V você respondeu, intuitivamente, a duas perguntas: o

que é parágrafo e para que ele serve. Para tanto, bastou a leitura de

um bom texto de informação, com um roteiro de análise – mais,

naturalmente, a experiência que já temos como praticantes da

leitura e da escrita (1992, p. 133, itálico do autor).

20ª: Com certeza você já tem uma boa noção do que seja parágrafo.

Para tanto, bastou a leitura de alguns bons textos de informação,

com roteiros de análise – e mais, naturalmente, a experiência que

você tem como praticante da leitura e da escrita ao longo dos anos

(2011, p. 169, itálico do autor).

Apesar de o conteúdo ser o mesmo, a maneira como o autor se dirige ao

destinatário muda, assumindo que o aluno já saiba o que é um parágrafo por ter

estudado o assunto nos capítulos anteriores. Na vigésima edição, o papel do autor

desloca-se de falante da língua, assim como o leitor, e dirige-se somente a seu

interlocutor, considerando a sua experiência como falante. O hábito de pressupor

características e conhecimentos desse leitor fica evidente quando apresenta o item

gramatical crase: “A essa altura da vida, você já decorou mil vezes que a crase é o

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239

encontro da preposição a com o artigo a...” (2011, p. 184). Nesse caso, o autor

demonstra conhecimento de práticas comuns em sala de aula para o ensino do tópico.

Os acréscimos de textos na vigésima edição também ficam evidentes. O autor

usa, em ambas as edições, um trecho de Marxismo e filosofia da linguagem (1981, p.

141) e destaca, em itálico, as informações extraídas do texto: “ajustamento às reações

previstas do ouvinte e do leitor”, seleção e organização de informações, “parágrafos”,

noção “visual”, “suspensão” de uma sequência de linhas, criação de significado.

O texto 3 utilizado é diferente nas duas edições. Na primeira, é um texto sem

titulo extraído do Suplemento Folhateen, da Folha de S. Paulo e, na vigésima, também é

desse mesmo jornal, porém não há a indicação do caderno. No entanto, ambos são

textos jornalísticos, reportagens. O Roteiro de leitura de ambos explora a paragrafação,

a diferença entre um texto publicitário e um informativo, a coesão estabelecida entre os

parágrafos, a que o autor se refere como “costura”. A vigésima edição acrescenta duas

questões, uma sobre o número de parágrafos ter sido ou não suficiente e outra sobre o

fato de um texto jornalístico ser “pouco durável” se deveria ter uma estrutura

diferenciada.

O texto 5 é um trecho do livro de Teixeira Coelho, O que é utopia ( p.173) e

ambas as edições o utilizaram, assim como as questões do roteiro de leitura.

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240

Figura 24: Capítulo 10- Roteiro de leitura ao texto O que é Utopia (2011, p. 174).

Observemos alguns trechos das explicações do autor:

1ª: 1. O texto lido é o início de um ensaio, gênero da linguagem que

podemos definir como um estudo sobre um determinado assunto –

no caso, o conceito de utopia. Tomando o trecho acima como

exemplo, quais as características da linguagem ensaística? Em que

ela difere da linguagem jornalística?

[...]

3. Para encerrar: por que o ensaio parece ser mais exigente

quanto à noção de parágrafo que outros gêneros da

linguagem?(1992, p. 140, itálico do autor).

20ª: 1. O texto lido é o início de um ensaio, gênero da linguagem

que podemos definir genericamente como uma reflexão sobre um

determinado assunto – no caso, o conceito de utopia. Tomando o

trecho acima como exemplo, quais as características da linguagem

ensaística? Em que ela difere da linguagem jornalística?

3. Para encerrar: por que o ensaio parece ser mais exigente

quanto à noção de parágrafo que outros gêneros da linguagem?

(2011, p. 174, itálico do autor).

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241

A palavra “ensaio” é destacada em itálico, há o acréscimo da palavra

“genericamente” e “um estudo” (primeira edição) passa a ser “reflexão”. Não houve em

outros capítulos, no estudo dos parágrafos dos textos, qualquer menção à relação

parágrafo-gênero e, duvidamos que o aluno possa responder a essa pergunta, mesmo

tendo estudado reportagem, notícia, redação escolar...

Na ATIVIDADE II, a primeira edição recomenda a leitura de um texto (p. 140-

141) e a Atividade 3 da vigésima, de um parágrafo do texto Arqueologia machadiana do

Rio de Janeiro, de Marcello Rollemberg (p. 175). A primeira edição alerta para um

“tipo específico de parágrafo” e a vigésima, um “recurso específico de paragrafação”.

Em seguida, ambas comentam a leitura:

1ª: 1. Observe que cada um dos parágrafos é introduzido por uma

oração que apresenta o assunto que se segue. Releia:

a) Com a cabeça raspada e de uniforme azul-marinho, Yuri

Churbanov, ex-vice-ministro e ex-genro do poderoso secretário-geral

do Partido Comunista Leonid Brejnev – que durante dezoito anos

acumulou poderes absolutos na União Soviética – guarda pouca

semelhança com o réu que em 1988 enfrentou com olhar altivo,

durante cinco dias, os juízes do Supremo Tribunal.

Observe que as duas orações seguintes “desdobram” as informações

já adiantadas na primeira:

- Churbanov está preso numa colônia penal, sob rotina árdua, diferente

da anterior;

- Contraste entre os 100 rublos e o 650.000.

Aliás a própria ideia de contraste já estava presente na primeira

oração; as orações seguintes o demonstram.

Este tipo de parágrafo, introduzido por uma espécie de oração-síntese

– que podemos chamar de “frase-guia” -, é muito frequente,

particularmente nos textos jornalísticos (de informação e de opinião) e

nos textos de natureza científica (ensaios, por exemplo.) A frase-guia

“avisa” o leitor do assunto do parágrafo, facilitando a leitura e

organizando o texto. Por essa razão, é interessante que dominemos

bem tal recurso.

Vejamos outro exemplo, agora de um texto de opinião. Observe, em

cada parágrafo, como a primeira oração anuncia o que se segue

(1992, p. 141-142, itálicos do autor).

20ª: Este é o início de um texto longo que apresenta ao leitor um livro

de arte contendo fotos do Rio de Janeiro [as fotos não aparecem no

livro] do tempo de Machado de Assis. Antes de mais nada, preste

atenção na primeira frase do parágrafo: Toda cidade tem seu

cronista por excelência, aquele que melhor a define e caracteriza, de

forma explícita ou não. Observe a estratégia do autor: para chegar ao

Rio de Machado de Assis, ele universaliza a ideia de que as grande

(sic) cidades sempre têm os seus cronistas. A primeira frase anuncia

o tema do parágrafo; as frases seguintes, demonstram o que se disse –

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242

Londres e Dickens, Kafka e Praga etc. Ao final, aparecem o Rio de

Janeiro e Machado de Assis. E o parágrafo se fecha com o assunto do

texto propriamente dito; o livro Rio de Assis, que será resenhado nos

parágrafos seguintes. O tema do artigo foi valorizado pela comparação

internacional proposta na primeira frase e pela ideia implícita de que

Machado é a nossa grande referência literária.

Estamos diante de um texto especializado de uma revista de cultura.

Não se trata de uma informação jornalística direta, em que “não se

perde tempo” com introduções. Mas o recurso da “frase-guia”, que

veremos em seguida, funciona em qualquer gênero e é sempre útil.

Para conferir se é assim mesmo, leia o texto seguinte (2011, p. 175,

itálicos do autor).

As duas edições começam a discussão sobre os textos solicitando ao leitor que

observe o tópico frasal do parágrafo, no entanto a primeira traz “oração” e a vigésima,

“frase” para descrever o primeiro período dos textos. Ambas referem-se a esse período

inicial do parágrafo como frase-guia. Observemos os verbos utilizados para explicar a

função da frase-guia e dos períodos restantes do texto: primeira edição: “apresenta”,

“desdobram”, “avisa”; vigésima edição: “anuncia”, “demonstram”. Após essa

explicação, o autor afirma que a frase-guia aplica-se a qualquer gênero e pede que o

aluno confira isso lendo o próximo texto: Primeira edição: “Leia agora alguns

parágrafos de introdução de texto.”; Vigésima edição: “Para conferir se é assim mesmo,

leia o texto seguinte”. Esse último em tom modalizado e menos assertivo (autoritário).

A mudança lexical de “tipo de parágrafo” para “recurso de paragrafação” indica

um movimento do autor em manter-se coerente à ressalva feita no início do capítulo de

que não há aquilo que se nomeia de um parágrafo padrão. “Tipo” pode conduzir o aluno

à crença de que há modelos a serem seguidos para um início de texto que atraia a

atenção do leitor, guiando sua compreensão do assunto do texto. A escolha da palavra

“recurso” parece-nos mais adequada à proposta do livro em oferecer um roteiro de

trabalho ao aluno e não um “manual de definições acabadas” (2011, p. 7).

O exercício seguinte em ambas as edições é o desenvolvimento de um parágrafo,

utilizando as cinco frases-guia fornecidas pelo autor.

A ATIVIDADE III e Atividade 4 direcionam o aluno a ler os textos seguintes:

primeira: “Leia agora alguns parágrafos de introdução de texto”.; vigésima: “Analise os

exemplos apresentados e faça os exercícios correspondentes”.

O texto-exemplo 3 utilizado em ambas as edições é trecho de um jornal do curso

de Comunicação Social da UFPR e o exercício que o sucede lembra ao aluno que

“devemos desconfiar das receitas infalíveis”, pois esse texto inicia-se com uma

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pergunta, ou seja, de maneira totalmente contrária ao que foi apresentado antes. O aluno

deve seguir esse exemplo para produzir seu texto.

Todos os textos destinados a ensinar a escrever “chamadas” de jornal foram

retirados de jornais de grande circulação (Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo)

sobre assuntos do cotidiano da época. O Exemplo 2 (primeira edição) apresenta um

texto favorável ao consumo de cerveja e na vigésima, divulga um remédio que pode

ajudar quem quer parar de beber.

No tópico Língua Padrão, a ênfase é dada à regência de verbos + que; crase e

concordância verbal em orações iniciadas por verbos. Os textos mantiveram-se na

vigésima edição, mas houve acréscimos. No trecho destinado à regência:

[...] Esse fenômeno chama-se regência, que certamente você já

estudou (e provavelmente tentou decorar caso a caso...). Isto é,

palavras e expressões da língua exigem certas preposições (de, para,

com, a...). Na nossa linguagem diária, não costumamos ter problemas

de regência. Veja que, naturalmente, nós dizemos frases como Eu

gosto dela (e não “eu gosto a ela”), Encontrei com o Fulano (e não

“encontrei de Fulano”), Fui para São Paulo ((e não “fui com São

Paulo”), Torci contra o time dele (e não “torci do time dele”), Sou

favorável a essa lei (e não “sou favorável com essa lei”) etc.

Os problemas de regência começam a aparecer e a nos tirar o sono em

uma situação muito específica: na passagem da linguagem oral para o

padrão escrito. Isso porque se, na ordem direta, em geral o padrão

oral é o mesmo do escrito (como vimos acima), nas orações com a

palavra que a escrita conserva a preposição, enquanto a linguagem

oral costuma suprimi-la. Compare:

Eu gosto dela. A pessoa que eu gosto é ela. (oralidade)

Eu gosto dela. A pessoa de que eu gosto é ela. (padrão escrito)

Sou favorável a essa lei. A lei eu sou favorável é essa. (oralidade)

Sou favorável a essa lei. A lei a que sou favorável é essa. (padrão

escrito) (2011, p. 183, grifos do autor).

À crase:

A essa altura da vida escolar, você já decorou mil vezes que a crase é

p encontro da preposição a com o artigo a... Bem, lembre-se mais uma

vez de que o emprego ou não do acento gráfico indicativo da crase (`)

é apenas uma questão de regência. Perguntas: o antecedente exige a

preposição a? o artigo também está presente? Para sentir o encontro

da preposição a com o artigo – a(s) ou o(s) – Reescreva as frases

abaixo, substituindo as palavras sublinhadas pelas palavras em

parênteses (2011, p. 184, grifos do autor).

O encaminhamento à atividade “Reescreva as frases abaixo, substituindo as

palavras sublinhadas pelas palavras em parênteses” está presente na primeira edição

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244

também. Aqui, novamente aparece a ideia de que o estudo da língua passa pelos

sentidos: “Para sentir o encontro da preposição [...]”.

A parte destinada a apresentar a concordância mantém-se quase a mesma e as

dez “frases” utilizadas no exercício mantêm-se. Há uma explicação de que na

linguagem oral é muito comum que os verbos que antecedem os sujeitos das orações

não concordem com esse sujeito, mas que na escrita, esse é um “erro grave!” e

acrescenta: “Ou seja, essa é uma área da gramática normativa em que a diferença é

bastante vigiada” (2011, p.185). O ponto de exclamação alerta o leitor para a

concordância, uma importante característica da língua escrita.

Com o estudo desse capítulo destinado a ensinar parágrafos introdutórios,

podemos depreender a noção de que a escrita deve ser planejada e dividida em

parágrafos que seguem a intuição que o autor de um texto tem acerca da progressão das

ideias e dos fatos que pretende abordar. O autor ressalta a necessidade de aquele que

escreve ajustar seu texto às reações do seu leitor presumido, seja de um texto

informativo ou um ensaio em que, além do cuidado normal com a progressão das ideias,

há que se atentar à sequência argumentativa. A observância à presença do leitor do texto

já no momento de sua construção justifica o uso da frase-guia, oração inicial do

parágrafo destinada a anunciar o assunto do texto. Além dessa função, a frase-guia serve

para orientar o escritor de modo a não se desviar da proposta do texto.

Os capítulos 9 (primeira) e 11 (vigésima edição) retomam a temática dos

gêneros, abordando agora o texto argumentativo. O quadro seguinte apresenta as seções

e os textos utilizados em ambas as edições.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 9 ONZE

Título ARGUMENTAN

DO - I

Título TEXTO DE OPINIÃO - I

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

Atividade 1 O texto de opinião

Texto 1 EU QUERO FÉRIAS,

Ana Alice dos Santos

Machado (Veja, 28 de

Texto 1 POR QUE A ESCOLA NÃO

SERVE PRA (QUASE) NADA,

Gustavo Ioschpe (Folha de S.

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245

novembro de 1990, p.

114)

Paulo – Folhateen, 1∕ 5∕ 2000)

Roteiro de

leitura

[Exercício dividido em

dez itens de análise

quanto à tese

defendidas pelo autor,

os argumentos

apresentados, a frase-

guia, o destinatário e

as relações lógicas]

Roteiro de

leitura

[Exercício dividido em sete

itens de análise quanto à tese

defendidas pelo autor, os

argumentos apresentados, a

frase-guia, o destinatário e as

relações lógicas]

ATIVIDADE II [discute o ensino de

português que tende a

apresentar receitas,

técnicas para a escrita

dos textos de opinião]

Atividade 2 Leitura comparada

[texto de temática semelhante

ao anterior]

Texto 2 PROBLEMAS DE

ARGUMENTAÇÃO

NA REDAÇÃO

ESCOLAR, Alcir

Pécora (Extraído de

Leitura em crise na

escola: as alternativas

do professor. Porto

Alegre, Mercado

Aberto, 1982, p. 155)

Texto 2

QUE VENHA A TURMA

DOS BANCOS DO FUNDO,

Roberto Pompeu de Toledo

(Veja, ed. 1632)

Exercício- Comparação entre

os textos 1 e 2 quanto à

“intenção, linguagem, perfil do

leitor, argumentação, humor,

ironia...”

Roteiro de

leitura

[destaque às

características de um

texto de natureza

acadêmica]

ATIVIDADE III [crítica à redação

escolar que pretende

ser a única correta e

não apresenta opinião]

Atividade 3 Domínio de linguagem e visão

de mundo

(discute o ensino de português

que tende a apresentar

receitas, técnicas para a escrita

dos textos de opinião)

Texto 3 DESCOBRI

MENTO DO LIVRO

(Editorial de O Globo.

28∕1∕1991)

Texto 3 PROBLEMAS DE

ARGUMENTAÇÃO NA

REDAÇÃO ESCOLAR, Alcir

Pécora (Leitura em crise na

escola: as alternativas do

professor, p. 155)

Roteiro de

leitura

[questões sobre

unidade temática e

estrutural, argumentos

e intenção com que o

texto foi escrito]

Roteiro de

leitura

[destaque às características de

um texto de natureza

acadêmica]

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246

ATIVIDADE IV [análise da

argumentação do texto

a seguir]

Atividade 4 Informação e opinião

Intenção, informação e

opinião

[explora a necessidade de

informação para produzir

argumentação coerente]

Texto 4 EFEITO DA TV

SOBRE AS

CRIANÇAS É

CRIANÇAS É

LIMITADO, Carlos

Eduardo Lins e Silva

(Folha de S. Paulo.

3∕2∕91, p. F-4)

Texto 4 BOLSA-PASSADEIRA, Sandra

Brasil (Veja, ed. 1624, p. 48)

Exercício [destacar no texto lido trechos

de informação e outros de

opinião]

Roteiro de

leitura

[questões sobre

unidade temática e

estrutural, destinatário,

confiabilidade das

informações,

argumentos,

argumento de

autoridade, pontos de

vista e de análise da

qualidade da escrita]

PRÁTICA DE

TEXTO

[proposta de escrita de

texto opinativo sobre a

televisão]

Atividade 5

Leitura crítica

[questões sobre unidade

temática e estrutural,

destinatário, confiabilidade das

informações, argumentos,

argumento de autoridade,

pontos de vista e de análise da

qualidade da escrita]

Texto 5 TEVÊ DEMAISAMEAÇA A

SAÚDE DOS BAIXINHOS,

(Revista Crescer, ed. 79, p. 86)

Texto 6

DESENHOS PODEM

AJUDAR A APRENDER,

Marta Avancini (Folha de S.

Paulo, 18∕07∕1999

Texto 7 EM ESTADO DE CHOQUE,

Carlos Alberto Di Franco

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247

(O Estado de S. Paulo, 26∕ 4∕

1999)

Texto 8 INFLUÊNCIA DOS JOGOS

PERDE PARA A VIOLÊNCIA

DA TV, Fábio Madrigal

Barreto

Prática de

Texto

[proposta de escrita de texto

opinativo sobre a televisão]

LÍNGUA

PADRÃO

Pontuação Língua

padrão

Pontuação

Quadro 20: Seções e subseções dos capítulos 9 (1ª edição) e 11 (20ª).

Os capítulos 9 (1992) e 11 (2011) diferenciam-se dos anteriores ao discutir

aspectos relacionados aos textos que expressam a opinião do autor, não somente

transmitem informações. A distinção entre opinião e informação fica mais clara neste

capítulo, apesar de o autor destacar nos capítulos anteriores que a informação pura e

praticamente impossível de existir, pois a partir do momento que o autor escolheu

determinado assunto para abordar, já houve um posicionamento.

Ao contrário do texto informativo, no texto opinativo a informação deve estar

presente, mas a serviço da construção argumentativa do autor em posicionar-se a

respeito de determinado assunto de forma a convencer o interlocutor, antecipando suas

reações e conhecimento de mundo. Para tanto, o emprego de relatores como “mas”,

“assim”, “no entanto”, “desse modo” entre outros é significativo para o estabelecimento

das relações lógicas.

Apesar de o Texto 1 ser diferente nas duas edições, o Roteiro de leitura

apresenta-se com o mesmo conteúdo, a vigésima edição difere quando acrescenta

trechos de explicação e os divide em itens. O autor sugere ao aluno uma análise texto

por meio das seguintes perguntas: primeira edição: 1. Qual a tese defendida pelo texto?

vigésima edição: 1. Antes de mais nada: Qual a tese defendida pelo texto?

O autor “conversa” mais com o leitor, faz mais inserções: “Antes de mais nada”.

1ª: 2. Que argumentos foram apresentados em defesa da tese? Faça

uma lista desses argumentos (1992, p. 153); vigésima edição: 2. Que

argumentos foram apresentados em defesa dessa tese? Lembre-se: a

classificação do que lemos como texto de opinião tem objetivo

didático, mas obviamente não é absoluta (ou um texto de opinião só

teria opinião!). O texto de opinião se fundamenta em informações, ou

prévias (não preciso repetir o que sei que meu leitor já sabe) ou de

apoio (apresento informações que situam o leitor num mundo concreto

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e informações que servem como provas da tese que defendo).

Localize, no texto lido, informações de apoio que situam o leitor e

informações que comprovam – ou buscam comprovar – a opinião

emitida (2011, p. 188).

A segunda pergunta vem plena de contextualizações e exemplos. O estilo

didático: “lembre-se”, o uso dos textos explicativos em parênteses e a presença do autor

no uso das exclamações. Após a explicação, há o encaminhamento à tarefa,

diferentemente da primeira edição que apenas direciona para o exercício. O item 3

mantém-se o mesmo nas duas edições. Apresentamos as diferenças para o item 4:

1ª: 4. Vamos relembrar uma citação de Bakhtin: [sobre a inexistência

de interlocutor abstrato- sem indicação de fonte]. O texto de opinião

que lemos revela um universo social bastante claro, com uma visão de

mundo, isto é, um sistema de valores que se apresenta sem disfarces.

Isso é inevitável: quem fala, se revela – as palavras vivas de todo dia

não vêm de um dicionário indiferente numa estante, mas de pessoas

reais que têm uma idade, uma situação social, um interesse, um pronto

de vista, uma geografia, uma moralidade... enfim, toda aquela rede

complexa de confluências culturais e sociais que é parte integrante do

indivíduo. No texto acima [ Bakhtin], em que momentos este universo

e esta visão de mundo aparecem¿ (Atenção: não se trata, aqui, por

enquanto, de “condenar” ou “elogiar” tal universo, mas tão- somente

localizá-lo. O bom leitor é sempre um “detetive”!) (1992, p. 154).

20ª: 4. A quem se dirige o texto que lemos? Antes de responder, releia

esta citação de Bakhtin: [sobre a inexistência de interlocutor

abstrato- sem indicação de fonte]. Um texto de jornal dirige-se a

quem, especificamente? A ninguém em especial, é claro; dirige-se, por

princípio, a todos os leitores. A qualquer leitor ou a um grupo

delimitado de leitores? Ora, é impossível se dirigir a todas as pessoas

ao mesmo tempo – como diz Bakhtin, não teríamos essa linguagem

universal. Na verdade, cada palavra que dizemos ou escrevemos

revela quem somos e a quem nos dirigimos, concretamente. Os

profissionais da palavra – jornalistas, publicitários, por exemplo –

sabem muito bem disso: existem textos para jovens, velhos, mulheres,

crianças, e, em cada caso, para interesses específicos (econômicos,

culturais, esportivos...), nível de escolaridade (superior,

fundamental...), classe econômica (salário até 200 reais, de 201 a

500...). Enfim: basta observar uma banca de jornal e perceber como é

multifacetado o universo da palavra escrita. A cada um, a sua

linguagem – essa parece a regra prática da escrita...

Pois bem: faça um perfil do leitor do texto 1. Como um detetive,

descubra pela linguagem do texto quem é ele (2011, p. 188-189, grifos

do autor).

Comparando as duas formulações acima, percebe-se que na vigésima edição o

autor optou por lançar um questionamento antes de sugerir a leitura de um trecho de

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Bakhtin. O foco do questionamento recai sobre as características dos destinatários de

um texto de opinião ao contrário da primeira edição em que o autor foca nas diferentes

visões de mundo dos sujeitos leitores e produtores de texto. “Um texto de jornal”

especifica o tipo de texto e o veículo, dando mais especificidade ao texto de opinião que

pode aparecer em outros canais de comunicação.

São evidentes as marcas de oralidade, demonstrando uma conversa entre autor e

leitor nessa vigésima edição. Acima tivemos “Antes de mais nada” e agora “Pois bem”.

O autor escolheu abordar o destinatário de uma produção textual, mas na vigésima

edição enriquece o texto com detalhes sobre quem pode ser esse interlocutor e quais

suas características individuais. A metáfora do detetive aparece novamente e na

vigésima edição, o autor não sugere mais que o leitor seja um detetive, ele já o

considera assim.

O capítulo continua detendo-se nos relatores adversativos utilizados em ambos

os textos e descreve-os como característicos do texto de opinião, além de “mas” e

“afinal”, o texto da vigésima edição acrescenta os relatores: “no entanto”, porém e “só

que”,; introduz os relatores que podem ajudar a concluir o texto (ausente da primeira

edição) “assim”, “desse modo”, “como vemos”, “considerando esses fatos”, “em

consequência disso”.

O item 10 (primeira edição) e 7 (vigésima) apresentam um exercício de múltipla

escolha a respeito do texto lido (Texto 1) inserindo relatores nos itens:

1ª e 20ª: a) Concordo com a tese, mas a argumentação foi péssima.

b) Não concordo com a tese, mas reconheço que a argumentação

foi boa.

c) Concordo com a tese, e a argumentação foi boa. [...] (1992, p.

155; 2011, p. 189).

Para iniciar o exercício, o autor traz o seu leitor presumido, o aluno universitário

que frequentou um curso preparatório para entrar na universidade: “Para matar a

saudade do cursinho, vai aí um teste de múltipla escolha. Assinale a resposta certa, a

respeito do texto lido. E lembre-se: a opinião é um problema seu!” (1992, p. 155; 2011,

p. 189). Se formos considerar o contexto de circulação de PTEU atualmente, esse

interlocutor não está bem caracterizado, pois o aluno da maior parte das universidades

privadas não frequenta cursinho.

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Além da definição do interlocutor, a interação continua se estabelecendo em

tom de conversa, com expressões como “vai aí”, “é um problema seu!”, além da

exclamação.

Muito comum nesse exercício também é o uso das reticências:

[...] existem textos para jovens, velhos, mulheres, crianças, e, em cada

caso, para interesses específicos (econômicos, culturais, esportivos...),

nível de escolaridade (superior, fundamental...), classes econômica

(salário até 200 reais, de 201 a 500...) [...]. Por que tais relatores (mas,

no entanto, porém, só que...) [...] (assim, desse modo, como vemos,

considerando esses fatos, em consequência disso...) (2011, p. 188-

189, grifos do autor).

Ausentes na primeira edição, as reticências, recurso bem visível no trecho acima,

sugerem que não há apenas os modelos apresentados pelo autor, mas outros que o leitor

pode identificar e aplicar conforme seu conhecimento e∕ou vontade.

Em seguida, a ATIVIDADE II e Roteiro de leitura (1992) e Atividade 3,

Atividade 4 e Roteiro de leitura (2011) focam na especificidade do trabalho do autor de

um texto argumentativo ou de opinião como “uma das áreas mais delicadas do ensino

de português” (p. 155; p. 191). A dificuldade consiste em resistir à tentação de

“classificar, fazer esquemas, levantar ‘macetes’ que deem conta do problema”,

problema esse que envolve o domínio das regras da língua padrão e a opinião daquele

que escreve.

É uma questão complicada, por que a técnica não existe em si: quem

escreve, escreve alguma coisa; e a opinião se articula sempre como

linguagem. Mexer numa coisa é ao mesmo tempo mexer na outra. Foi

assim que, como vimos nos capítulos anteriores, no esforço de levar o

aluno a dominar a língua padrão, a escola levou junto, grátis, um

modelo completo de formas e fórmulas acabadas chamado “redação

escolar”. Em busca da opinião “certa” – aquela que vale nota e que

quase nunca é a nossa! – acabamos sem opinião alguma... (1992, p.

156; 2011, p. 191).

A crítica feita aos modelos de escrita instituídos pela redação escolar retoma o

discutido no capítulo 6 (2011, p. 94), no item Problemas de redação e no capítulo 4

(1992, p. 68) que classificam esse tipo de escrita como um texto de baixa

representatividade, produzido em ambiente competitivo e revelador das técnicas

aprendidas na escola referentes à imagem que se tem de um texto bem escrito.

Nestes capítulos 9 (1992) e 11 (2011), o autor acrescenta que esse tipo de

redação que segue regras específicas é resultado de um modelo inútil, limitador da visão

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de mundo do escritor. Apesar de ser o gênero argumentativo o mais praticado ao longo

da vida, é preciso aprofundar as questões que envolvem o opinar.

Para tanto, o autor apresenta um texto de natureza acadêmica (Problemas de

argumentação na redação escolar), destaca o seu público especializado e explora o

processo de escrita desse tipo de texto que difere de um texto de opinião mais

corriqueiro, encontrado em jornais e revistas. Aquele é um texto que expressa

claramente uma opinião pessoal fortemente embasada em informações concretas,

demonstrando a voz do seu autor em vez da repetição de “vozes já congeladas” que

manifestam preconceitos, lugares-comuns, clichês e chavões da linguagem.

As atividades e textos que se seguem no capítulo dedicam-se à exploração da

compreensão leitora, enfatizando unidade temática, unidade estrutural, destinatário,

opiniões e informações apresentadas com o intuito de verificar o entendimento do aluno

em relação aos aspectos apresentados anteriormente sobre a escrita de um bom texto.

Neste caso, os sinais de pontuação são apresentados como aqueles que

“cumprem a tarefa ingrata – e difícil! – de representar graficamente os recursos

entonacionais da linguagem oral” (1992, p. 168; 2011, p. 208). A explicação poderia ser

considerada insuficiente e até incorreta (cf. Dahlet, 2006), mas, em seguida, o autor

acrescenta que a tarefa acima é impossível dada a “riqueza da linguagem oral”.

A pontuação é, portanto, uma convenção redutora, que não se destina

simplesmente a imitar a fala, mas a ordenar a escrita de acordo com

um código padrão específico do texto escrito. Eventualmente esse

código até contraria a entonação da fala. Um exemplo? Leia:

1. Os acontecimentos dos últimos meses no Golfo Pérsico

trouxeram à tona um problema que atinge a própria essência da

democracia americana (1992, p. 168; 2011, p. 208, grifos do autor).

O exemplo dado serve para indicar ao aluno que, apesar de na leitura em voz

alta, sentirmos a necessidade de pontuar após Pérsico, a norma prescreve a ausência da

vírgula entre sujeito e predicado. Na sequência, são apresentadas as regras de pontuação

para as orações restritivas e explicativas, com orações que trazem modelos da regra

discutida. No final do capítulo, o autor apresenta cinco frases ao aluno e sugere que ele

insira orações explicativas ou restritivas, observando a pontuação de cada caso: “1. Os

aposentados não conseguiram o aumento pretendido”. Para tanto, apresenta um modelo:

“A viagem acontece dentro de um domo de 20 metros de diâmetro./ A viagem, que

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parece roteiro de ficção científica, acontece dentro de um domo de 20 metros de

diâmetro (2011, p. 210, grifo do autor).

O exercício, presente apenas na última edição, propõe uma prática de escrita, ao

sugerir que o aluno crie um aposto ao sujeito. A edição inova com esse exercício, pois a

primeira edição, apenas sugere que o aluno insira vírgulas em frases previamente

apresentadas. Não há comentários posteriores sobre o posicionamento das vírgulas e a

necessidade ou não de colocá-las. Imaginamos que essas situações corroboram o gênero

livro didático que pressupõe um uso em sala de aula com o acompanhamento de um

professor.

Os capítulos seguintes continuam a discussão acerca dos gêneros de opinião.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 10 DOZE

Título ARGUMENTAN

DO - II

Título TEXTO DE OPINIÃO - II

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[apresentação de

um parágrafo

eivado de clichês]

Atividade 1 O lugar comum

[apresentação de um

parágrafo eivado de clichês]

Reconhecendo o lugar comum

Texto 1 O CONTO DA

CRISE MORAL,

Elio Gaspari (Veja,

Ed. 1208, p. 21)

Texto 1 O CONTO DA CRISE

MORAL, Elio Gaspari (Veja,

ed. 1208, p. 21)

Roteiro de

leitura

[Exercício dividido

em seis itens de

análise quanto ao

objetivo do texto, a

paragrafação, o

argumento central,

delimitação do

tema, tom

agressivo, tese do

autor]

Roteiro de

leitura

[Exercício dividido em seis

itens de análise quanto ao

objetivo do texto, a

paragrafação, o argumento

central, delimitação do tema,

tom agressivo, tese do autor]

ATIVIDADE II [discute a ironia

aliada ao tom

agressivo utilizado

em um texto como

Atividade 2 A ironia

[discute a ironia aliada ao tom

agressivo utilizado em um

texto como recurso

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253

recurso

argumentativo ]

argumentativo ]

Texto 2 A PIADA DO

SEPARATISMO, Roberto Pompeu de

Toledo (Veja, Ed.

1214, p.94)

Texto 2

A PIADA DO

SEPARATISMO, Roberto

Pompeu de Toledo (Veja, ed.

1214, p.94)

Roteiro de

leitura

[destaque à

sequência

argumentativa do

texto que faz uso da

ironia como

recurso]

[destaque à sequência

argumentativa do texto que faz

uso da ironia como recurso]

PRÁTICA DE

TEXTO I

[reconhecimento do

lugar comum,

chavão]

PRÁTICA DE

TEXTO

[reconhecimento do lugar

comum, chavão]

ATIVIDADE III [apresenta o texto

como de natureza

informativa]

Atividade 3 As imagens sociais

[discute a construção das

imagens sociais: atividade

política, vida familiar, escola]

A construção das imagens

[peso avaliativo sobre os

dados do cotidiano]

Texto 3 SOCIEDADE DOS

POETAS VIVOS,

Laura Greenhalg

(ELLE, agosto∕90,

p. 35)

Texto 3 A FAMÍLIA BRASILEIRA,

Carlos Heitor Cony (Folha de

S. Paulo, 29∕ 11∕ 1997)

O poder da imprensa

[a construção das imagens

sociais pelos meios de

comunicação]

Texto 4 SOCIEDADE DOS POETAS

VIVOS, Laura Greenhalg

(ELLE, agosto∕90, p. 35)

Texto 5 GERAÇÃO 90: POR UM

POUCO DE TRAUMA,

Gustavo Ioschpe (Folha de S.

Paulo, 20∕9∕1999)

Texto 6

RELACIONAMENTOS

VIRTUAIS FAZEM SUCESSO,

Adriana Dias Lopes (Revista

Galileu, edição 108)

Roteiro de

leitura

[questões sobre a

diferenciação entre

texto de opinião e

informativo]

Texto 7 UM CINTURÃO, Graciliano

Ramos (Infância, p. 29-33)

Texto 8 Informação publicitária

PRÁTICA DE [proposta de Prática de texto [proposta de produção de um

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254

TEXTO II

produção de um

texto opinativo]

texto opinativo]

ATIVIDADE IV [apresenta o texto

que se segue e um

esquema de leitura]

Atividade 4 O texto polêmico

[introduz os textos que se

seguem. O primeiro, de

opinião e o segundo,

polêmico)

Texto 4 CIRURGIAS

CLANDESTINAS

CHEGAM A 5

MILHÕES, (Folha

de S. Paulo, 2∕7∕89)

Texto 9 BIOLOGIA E CULTURA,

Ariano Suassuna (Revista

Bravo!, ed .33)

Texto 5 FORA DO

TEMPO E DA

ÉTICA,

(IstoÉ∕Senhor,

1∕8∕90, p. 22)

Texto 10 PRECONCEITO DA MODA,

Olavo de Carvalho (Revista

Bravo!, ed. 37)

Texto 6

O ABORTO EM

DEBATE, Luiza

Nagib Eluf (Folha

de S. Paulo, s∕d)

Roteiro de

leitura

[ proposta de resumo das teses

centrais dos autores dos textos

9 e 10]

Texto 7 ABORTO JÁ,

Carlo Alberto Di

Franco (O Estado

de S. Paulo, 16∕ 3∕

1991, p. 2)

Prática de texto [proposta de produção de um

texto polêmico]

PRÁTICA DE

TEXTO III

[opinar sobre a

questão do aborto] Língua Padrão Pontuação

[emprego da vírgula entre as

informações básicas e

complementares]

PRÁTICA DE

TEXTO IV

[escrever sobre as

pesquisas de

opinião a partir do

texto que se segue]

Texto 8 CERTEZA NOS

ERROS DAS

PESQUISAS,

Francisco José de

Toledo

(IstoÉ∕Senhor,

24∕10∕90)

LÍNGUA

PADRÃO

Pontuação

[emprego da

vírgula entre as

informações

básicas e

complementares]

Quadro 21: Seções e subseções dos capítulos 10 (1ª edição) e 12 (20ª).

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255

Os capítulos 10 (1992) e 12 (2011) objetivam discutir o chavão, a ironia, as

imagens sociais e o texto polêmico. O chavão é caracterizado como uma estratégia de

substituição à reflexão que resulta em uma “repetição mecânica das vozes que falam

mais alto em nossa volta” (2011, p. 212). A ironia é apresentada como um recurso

eficiente de contra-argumentação que leva ao ridículo a argumentação posta ao dizer o

contrário daquilo que se pretende, demonstrando o poder de sentido das palavras, muito

além-dicionário. O autor introduz a construção das imagens sociais como um aspecto de

criação de valores ligado às relações humanas que nos “dão algum ponto de partida para

pensar, escrever, agir sobre as coisas e o mundo” (2011, p. 218). A esse último, o autor

discute O poder da imprensa em criar associações valorativas que se tornam comuns e,

apesar de positivas, por serem comuns podem ser um território fértil para os lugares-

comuns. O texto polêmico é apresentado como “um gênero curioso”, pois a

argumentação do seu autor dirige-se ao tema e ao autor que escreveu o texto. O autor

ressalta que como um texto argumentativo, o polêmico não é um bom representante,

mas que a polêmica deve ser considerada um “sinal de vitalidade cultural e um grande

estimulante para o leitor pensar e repensar sobre os temas correntes” (2011, p. 229). Na

primeira edição, as imagens sociais e o texto polêmico não são discutidos em separado

como na vigésima e são apenas sugeridos nas propostas dos roteiros de leitura dos

textos.

A interação no capítulo é estabelecida entre o autor e seu leitor-aluno da mesma

forma com que estamos observando em outros capítulos. A segunda pessoa do singular

“você” para se dirigir ao aluno e a primeira pessoa do plural para designar o autor e o

aluno como falantes de uma mesma língua. O autor atribui ao leitor um processo

mental:

O parágrafo, ou melhor, o conjunto de frases acima – que você deve

ter passado os olhos com a sensação de já tê-lo lido antes [...]. Na

verdade, todos nós dispomos de frases e expressões que se repetem

[...] mesmo porque a procura da originalidade permanente poderia nos

transformar em insuportáveis pedantes... Do mesmo modo, quem de

nós não usa num momento ou outro um dito popular para ilustrar ou

demonstrar um fato qualquer? (2011, p. 211).

Pressupõe uma sensação do leitor de já ter lido o texto, já que as frases feitas

apresentadas, apesar de não circularem todas dispostas em um mesmo texto, estão

presentes nos discursos do cotidiano. Assim como as utiliza normalmente. Para

apresentar o chavão como um fato da língua, o autor identifica-se com o aluno

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256

reconhecendo que, como falantes da língua, já o utilizaram e isso não é de todo mal. O

sintagma nominal “insuportáveis pedantes” utilizado reforça essa identificação entre

eles estabelecendo uma característica possível a falantes de uma mesma língua que

tentassem a todo custo evitar problemas de linguagem.

Com o capítulo é dividido em tópicos, cada grupo de textos refere-se a um em

específico. O Texto 1 é usado para verificação da compreensão do discutido sobre

chavão/lugar-comum. A abordagem ao texto é realizada com perguntas para se

identificar o objetivo do texto; observar a paragrafação; os argumentos utilizados pelo

autor, ressaltando, nesse caso, a linguagem agressiva; a delimitação da temática e ainda

questiona se o aluno aceita a tese do autor. “(Último lembrete: não somos obrigados a

concordar com tudo ou discordar de tudo!) (2011, p. 214). Ao Texto 2 sucedem-se três

perguntas a ele relacionadas que exploram o modo como a ironia articula-se e qual seria

a informação prévia envolvida na compreensão. Além disso, questiona-se se o

argumento inicial do autor do texto sustenta-se ao final. Para tanto, sugere que o aluno

observe o movimento argumentativo do autor em cada parágrafo identificando ou não a

presença da ironia. Mais uma vez o aluno é questionado sobre sua concordância ou não

com a argumentação do texto. Os textos 3,4,5,6 e 7, de veículos de imprensa variados,

devem ser lidos a partir de um roteiro de leitura que contempla:

- o ponto de vista (qual o perfil do autor do texto);

- a perspectiva do texto (científica, pessoal, publicitária, jornalística,

literária);

- a relação entre informação e opinião, o peso de uma coisa e outra no

texto (mas observe que, na construção de uma imagem social o texto

informativo é tão funcional quanto o opinativo);

- imagem social criada pelo texto: que tipo de jovem o texto retrata? E

que valor você atribui a essa imagem? é falsa, verdadeira, verossímil?

Essa imagem define todos os jovens? A maior parte? A minoria?

- finalmente, analise a sua relação com a imagem criada pelo texto – é

coincidente? (2011, p. 220, grifos do autor).

A primeira edição propõe o mesmo exercício de análise em torno de quatro

textos com o mesmo assunto: aborto. A vigésima discute juventude em cinco textos. A

esse diferencial se junta outro, já que o roteiro de leitura que precede a leitura dos textos

é diferente entre as edições. A primeira sugere que o aluno

enumere em três colunas os tópicos relevantes para um balanço do tema:

informações (isto é, fatos) / argumentos a favor / argumentos contra. Por

enquanto, não interessa a sua opinião: faça uma leitura “fria”, apenas

separando e classificando argumentos e fatos (1992, p. 183, grifos do autor).

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257

Cotejando as duas edições, percebemos, na vigésima, que o autor considerou

importantes, além das informações e dos argumentos, que o aluno analisasse o ponto de

vista e a perspectiva do texto. Esses indícios são levados em consideração para que o

aluno já parta de uma base contextual que o possibilite identificar e compreender as

imagens sociais emergentes do texto. A responsividade do aluno é respeitada ao pedir

que ele estabeleça uma relação entre o valor que dá à juventude, à própria imagem do

assunto e aquela criada pelo texto.

O conhecimento do texto polêmico (ausente na primeira edição) é dado com a

leitura dos textos 9 e 10 e, nesse caso, o roteiro de leitura vem em sequência e não

anteriormente. O autor reforça uma característica comum entre os dois textos cuja

polêmica dirige-se tanto às ideias quanto às pessoas, caracterizando um recurso retórico

que se vale de referências indiretas e contestações. Como exercício de compreensão

(proposto no Roteiro de leitura), o aluno deve identificar a tese central dos dois autores

lidos fazendo um resumo de no máximo 40 palavras e, em seguida, discutir com os

colegas a validade das argumentações e escolher o melhor.

A seção Língua Padrão, assim como no capítulo anterior, apresenta o item

gramatical pontuação por meio da divisão entre informações básicas e complementares

em um período ou parágrafo. Como exercício, apresenta cinco orações às quais o aluno

deve acrescentar duas informações complementares, dividindo-as com vírgula.

Quanto à concepção de escrita do capítulo, percebe-se uma preparação para a

produção de uma resenha, pois o autor explora incialmente o resumo, depois a tese do

autor e solicita a opinião do aluno q lê. O próximo capítulo apresenta as características

discursivas de uma resenha crítica e a nomeia.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 11 TREZE

Título ARGUMENTA

NDO - III

Título O TEXTO CRÍTICO

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[Discorre sobre a

intencionalidade

instaurada pelo

texto e as múltiplas

linguagens

envolvidas; resenha

Atividade 1 - Todo texto é um ponto de

encontro

- A resenha crítica

- Informação + opinião

[Discorre sobre a

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258

crítica] intencionalidade instaurada

pelo texto e as múltiplas

linguagens envolvidas; resenha

crítica]

Texto 1 ‘ESCOLINHA’

CELEBRA A

IGNORANCIA NA

GLOBO, Nelson

Pujol Yamamoto

(Folha de S. Paulo,

6/1/91, p. F-4)

Texto 1 CRÍTICOS ESPORTIVOS E

CRONISTAS DE ARTES,

José Roberto Torero (Folha de

S. Paulo, 21/7/1999)

-Imparcialidade, relatividade e

clareza

-Analisando uma resenha

Roteiro de

leitura

[questões sobre a

intenção da escrita,

o assunto do texto;

unidade temática,

sequência dos

parágrafos,

interlocutor, limite

ético, opinião do

leitor]

Texto 2

AS BODAS DE PRATA DO

MINGAU KITSCH DA

GLOBO, Fernando de Barros e

Silva (Folha de S. Paulo, TV

Folha, 20/09/98)

ATIVIDADE II [trabalho em equipe

para a leitura de 2

textos identificando

as estratégias

empregadas pelo

autor: titulo,

apresentação do

assunto no 1º

parágrafo, tom da

linguagem,

adequação da

linguagem ao

público,

informação e

opinião, clareza]

Roteiro de

leitura

[questões sobre a intenção da

escrita, o assunto do texto;

unidade temática, sequência

dos parágrafos, interlocutor,

limite ético, opinião do leitor]

Texto 2 UNDERGROUND

CHIQUE, Mario

Mendes ( ItoÉ/

Senhor/Ed. 1021, p.

85)

Atividade 2 - Leitura comparativa

[introduz 5 textos sobre o

filme Eu tu eles, Andrucha

Waddington]

[trabalho em equipe para a

leitura de 2 textos

identificando as estratégias

empregadas pelo autor: titulo,

apresentação do assunto no 1º

parágrafo, tom da linguagem,

adequação da linguagem ao

público, informação e opinião,

clareza]

Texto 3 VODU NO SALÃO (Veja, 9/1/91, p.

Texto 3 DONA FLOR DA

CAATINGA, Apoenan

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71) Rodrigues (IstoÉ, ed. 1610)

Texto 4 TV MOSTRA

SHOW DO

CONFLITO,

Inácio Araújo

(Folha de S. Paulo,

19/1/91, p. E-9)

Texto 4 QUADRILÁTERO

SERTANEJO, Cléber Eduardo

e Sílvio Ferreira (Época, ed.

117)

Texto 5 ROCK IN RIO II,

Jamari França

(Jornal do Brasil,

28/1/91)

Texto 5 BAIÃO DE TRÊS, Isabela

Boscov (Veja, ed. 1662)

Texto 6

REPÓRTER DE

TV AINDA VIVO

AO VIVO DE TEL

AVIV, José Simão

(Folha de S. Paulo,

12/1/91, p. E-5)

Texto 6

FILME ENTRONIZA

DESEJO FEMININO NO

SERTÃO MACHISTA, Inácio

Araújo (Folha de S. Paulo,

18/8/2000)

Texto 7 ‘AMAZÔNIA’

VIVE MAIS DA

BELEZA DO QUE

DA AÇÃO, Leila

Reis ( O Estado de

S. Paulo, 14/12/91

Texto 7 CINEMA DE QUALIDADE

TRAZ A HISTÓRIA DA

NOSSA GENTE, Luiz Zanin

Oricchio ( O Estado de S.

Paulo, 18/08/2000)

ATIVIDADE III [retoma aspectos da

linguagem crítica

dos jornais e

revistas]

Atividade 3 - A opinião dominante

-Recapitulando

[retoma aspectos da linguagem

crítica dos jornais e revistas]

ATIVIDADE IV [O texto crítico no

Brasil] PRÁTICA DE

TEXTO

[ proposta de escrita de

resenha crítica de filme]

Texto 8 JABÁ BEM

TEMPERADO

(Veja, 19/9/920, p.

116)

Atividade 4 - Texto escrito, crítica e

prestígio

- A leitura crítica

- A ‘teoria conspiratória’

- Uma crítica da crítica ATIVIDADE V [introdução ao

texto seguinte:

crítica da crítica]

Texto 9 QUE CRÍTICA?,

Carlos Fernando e

Frederico Barbosa

(Folha de S. Paulo,

23/2/1992)

Texto 8 AGULHA- REVISTA

CULTURAL Nº 6/

FORTALEZA/ SÃOPAULO,

AGO/SET 2000, Editores:

Cláudia Willer e Floriano

Martins www.agulha.cjb.net

Texto 9 QUE CRÍTICA?, Carlos

Fernando e Frederico Barbosa

(Folha de S. Paulo, 23/2/1992)

PRÁTICA DE

TEXTO I

[ proposta de texto

de opinião com

características de

um bom crítico]

PRÁTICA DE

TEXTO I

[ proposta de texto de opinião

com características de um bom

crítico]

PRÁTICA DE

TEXTO II

[proposta de escrita

de um texto crítico

sobre livro, filme

II [proposta de escrita de um

texto crítico sobre livro, filme

ou programa de tevê]

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260

ou programa de

tevê]

LÍNGUA

PADRÃO

[ citações: verbos

discendi,

informações extra;

aspas e travessão]

Texto jornalístico e

literário, ensaio,

entrevista

LÍNGUA

PADRÃO

[ citações: verbos discendi,

informações extra; aspas e

travessão]

Texto jornalístico e literário,

ensaio, entrevista

PRÁTICA DE

TEXTO III

[ proposta de

escrita de um texto

literário em que

haja um diálogo]

PRÁTICA DE

TEXTO

[proposta de escrita de um

texto crítico tendo como base

uma entrevista]

PRÁTICA DE

TEXTO IV

[proposta de escrita

de um texto crítico

tendo como base

uma entrevista]

Quadro 22: Seções e subseções dos capítulos 11 (1ª edição) e 13 (20ª).

Pudemos observar nos dois capítulos anteriores que o autor constrói um percurso

de ensino de resumo e resenha, sem, no entanto, nomear esse último. O autor pede que o

aluno faça resumos por parágrafo o que envolve seleção e interpretação da ideia

principal e em seguida reconheça a tese de cada autor. A partir disso, posicione-se a

respeito da tese do autor. Recapitulando:

Assinale quais as teses centrais de Ariano Suassuna e de Olavo

Carvalho. Faça um resumo de cada caso, empregando um máximo de

40 palavras. Se quiser, comece assim: “Segundo Ariano Suassuna, ...”

ou “Para Olavo de Carvalho, ...”

Para discutir com os colegas: quem tem razão nessa “briga”? (2011,

capítulo 12, p. 236).

O resumo é apresentado como um método de leitura cujas principais

características são a interpretação de texto e a reprodução dessa compreensão com as

palavras do leitor. “[...] somente quando se compreende bem um texto torna-se possível

resumi-lo” (SILVA; NUNES, 2013, p. 53). Esse seria um passo anterior a um mais

elaborado que envolve o primeiro, mas avança na análise de dados e argumentos,

posicionamento do autor, ou seja, na resenha crítica, não só são levados em

consideração os aspectos linguísticos, enunciativos e textuais como se torna essencial

uma análise discursiva do texto.

Esse capítulo treze aborda diretamente a resenha objetivando discutir as

características desse texto e quais relações mantém com o texto opinativo e informativo.

A vigésima edição nomeia o tópico de ensino – resenha crítica, diferentemente da

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261

primeira que a aborda, mas não a nomeia. A vigésima tem ainda três textos explicativos

sobre o gênero que não estão na primeira (Informação + opinião, Imparcialidade,

relatividade e clareza e Analisando uma resenha)

Os textos do capítulo, em ambas as edições, concentram-se em resenhas críticas

publicadas em jornais e revistas conhecidos cujas análises concentram-se em programas

de tevê, o filme Eu tu eles (cinco textos na vigésima edição) e dois textos

metalinguísticos que intentam fazer uma “crítica da crítica”, ou seja, os autores

posicionam-se a respeito dos textos críticos publicados na mídia.

A interação se estabelece entre o autor e o leitor, aquele assumindo os papéis de

organizador do material e falante da língua, como em: “Como temos assinalado ao

longo destas páginas [...] E nossa leitura também é múltipla: não lemos só o que está

escrito – na verdade, o que está escrito detona uma rede complexa de significados, todos

os fios das linguagens que ‘fazem a nossa cabeça’...” (2011, p. 239, grifo do autor). A

primeira aparição do pronome “nós” indica o trabalho do autor com a linguagem, já que

não inclui o leitor, pois a tarefa de “assinalar’ é do autor.

Nos capítulos anteriores tentou-se estabelecer diferenças entre os textos de

opinião e os de informação, considerando o interlocutor, a intencionalidade do texto e

os conhecimentos do leitor acionados para a compreensão. O aspecto didático é a

condução que o autor faz nos inícios de capítulos, reconduzindo a atenção do aluno para

o que foi apresentado antes, estabelecendo conexões de ideias para dar prosseguimento

ao conteúdo.

O aspecto discursivo é exaltado na leitura dos textos e estendido para a produção

escrita. Depreende-se, então, que a leitura é múltipla de sentidos. É um espaço em que

os elementos linguísticos do texto lido apontam para os seus aspectos extralinguísticos,

o contexto de produção, circulação e recepção dos textos. O leitor opera com a

linguagem assim que entra em contato com o material do texto.

Podemos dizer que um leitor crítico é aquele capaz de atravessar os

limites do texto em si para o universo concreto dos outros textos, das

outras linguagens, capazes de criar quadros mais complexos de

referencia. E esta multiplicidade de pontos de vista está presente em

qualquer gênero da linguagem; toda palavra é uma entre outras e para

outras... (2011, p. 239, grifos do autor).

É impossível ao leitor familiar com a obra de Bakhtin não “ouvir” ecos de seu

pensamento sobre a compreensão responsiva ativa:

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262

Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza

ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante

diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela

forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante (Bakhtin,

2006b, p. 271, grifos nossos).

Percebemos que para o autor, a leitura é uma produção de texto o que já pôde ser

comprovado em outros momentos do livro em que a seção Roteiro de leitura propõe

que o aluno redija algo ou conduz a compreensão do aluno, dividindo a leitura em

passos que refletem uma noção de compreensão responsiva ativa. Por exemplo, no

capítulo 5:

Roteiro de leitura: Cada um dos textos lidos acima defende uma ou

mais utilidades para a língua padrão. Faça um levantamento dos

pontos de vista apresentados. O que eles têm em comum? Em que eles

divergem? Você concorda com qual ponto de vista? (se é que você

concorda com algum deles!) (2011, p. 73).

Apesar de não haver uma indicação direta, no caso dessa atividade para que o

aluno consiga visualizar os pontos de vista em comuns ou divergentes no levantamento

realizado, precisará da escrita, ainda que o levantamento possa ser feito visualmente, o

que nos parece pouco produtivo. As seções destinadas à compreensão leitora do aluno

não tomam o texto como base para o reconhecimento de formas linguísticas,

favorecendo a resposta ativa do aluno.

Fica bastante visível nesse capítulo que ao apresentar a resenha o foco recai na

capacidade leitora. No entanto, os questionamentos do autor nas análises dos textos

apresentados, conduzem uma compreensão do que seja esse gênero e quais suas

características, o que favorece a escrita dos textos propostos na seção Prática de texto e

que analisaremos em capítulo à parte.

Há um fio condutor que vai permeando o capítulo e a leitura dos textos,

resultando em uma definição de resenha crítica elaborada ao longo do capítulo: é um

texto publicado regularmente em revistas e jornais que se favorece de fatos e dados

informativos para veicular a opinião do autor a respeito de alguma obra cultural e levar

ao público-leitor o conhecimento da obra e direcionar, de alguma forma, sua “leitura”.

Esse gênero caracteriza-se por uma relatividade que consiste em “situar o objeto da

crítica em relação a outros objetos de crítica; é situar no tempo, no espaço, na história,

no gênero; é perceber a intenção do autor e analisar a obra tendo em vista esta intenção”

(2011, p. 242).

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263

Por ter como tônica objetos culturais atuais, a resenha crítica torna-se datada

rapidamente revelando outra característica própria do gênero: a resenha crítica é

efêmera. Apesar da fugacidade dos temas, o gênero contribui para a formação das

opiniões da sociedade ainda que deva ser lido com cautela e espírito crítico.

A seguir, apresentamos o último capítulo de PTEU, o único cujo título refere-se

a um aspecto gramatical e não textual-discursivo.

EDIÇÃO PRIMEIRA

VIGÉSIMA

Capítulo 12 QUATORZE

Título ESTRUTURA

DA ORAÇÃO

Título ESTRUTURA DA ORAÇÃO

Seções

Subseções

ATIVIDADE I

[Discorre sobre

problemas de

escrita em relação à

língua padrão.]

Atividade 1 - Problemas da oração

- Voltando ao ponto:

linguagem oral x linguagem

escrita

- O que é “oração”?

[Discorre sobre problemas de

escrita em relação à língua

padrão.]

ATIVIDADE II [propõe uma

atividade de

reconhecimento do

princípio da

organização da

língua em regras]

Atividade 2 - O princípio da organização

- A flexibilidade da língua

ATIVIDADE III [retoma aspectos

dos enunciados

apresentados na

atividade anterior

para discutir a

flexibilidade da

língua]

Exercício 1 [ proposta de reescrita de 5

orações acrescentando uma

informação complementar que

expresse opinião]

ATIVIDADE IV [considera o

domínio da

estrutura da oração

uma das condições

da boa escrita]

Atividade 3 - Variedade estrutural

[considera o domínio da

estrutura da oração uma das

condições da boa escrita]

ATIVIDADE V [proposta de

exercício de

correção de 5

orações mal

estruturadas]

Exercício 2 [proposta de exercício de

correção de 5 orações mal

estruturadas]

ATIVIDADE VI [discorre sobre as

informações Atividade 4 -Informações básicas e

informações complementares

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264

básicas e

complementares

das orações]

[discorre sobre as informações

básicas e complementares das

orações]

ATIVIDADE

VII

[proposta de

identificação de

informações

básicas em texto

dado]

Exercício 3 [proposta de identificação de

informações básicas em texto

dado]

ATIVIDADE

VIII

[proposta de

acréscimo de

informações

complementares a 5

orações dadas]

Exercício 4 [proposta de acréscimo de

informações complementares a

5 orações dadas]

- A exceção à regra (sempre

tem uma!)

[ apresenta oração sem sujeito

com os verbos: faz, haver e

ter]

ATIVIDADE IX [proposta de

transformação de

período simples em

período composto

em 10 exercícios]

Atividade 5 -Organizando grupos de

informação

[discorre sobre o conteúdo das

orações compostas]

ATIVIDADE X [ressalta a

importância da

vírgula para a

clareza do texto e

introduz a oração

adjetiva]

Exercício 5 [proposta de transformação de

período simples em período

composto em 10 exercícios]

ATIVIDADE XI [destaca o

posicionamento das

informações

complementares na

oração e a

concordância

verbal]

Atividade 6 -Orações adjetivas

[ressalta a importância da

vírgula para a clareza do texto

e introduz a oração adjetiva]

ATIVIDADE

XII

[proposta de

exercício de

reconhecimento de

informações em

trechos de orações]

Atividade 7 - Informações complementares

formadas por particípio

[ressalta a concordância

sujeito/verbo ou verbo/sujeito]

Exercício 1 [proposta de

inserção de

informações em

orações fornecidas,

ressaltando a

necessidade da

vírgula]

Atividade 8 - Informações complementares

lógicas

[apresenta a articulação de

informações dentro do período

por meio de relatores]

Exercício 2 [proposta de

agrupamento de

orações

independentes em

período composto

Exercício 6 [proposta de inserção de

informações em orações

fornecidas, ressaltando a

necessidade da vírgula]

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265

utilizando os

relatores

fornecidos]

ATIVIDADE

XIII

[proposta de

correção de orações

fornecidas,

empregando

elementos

anafóricos]

Exercício 7 [proposta de agrupamento de

orações independentes em

período composto utilizando

os relatores fornecidos]

ATIVIDADE

XIV

[apresentação e

proposta de

exercício com o

relator “cujo”]

Atividade 9 - Os anafóricos

[proposta de correção de

orações fornecidas,

empregando elementos

anafóricos]

ATIVIDADE

XV

[ressalta a

concordância

sujeito/verbo ou

verbo/sujeito]

Atividade 10 - O dito “cujo”...

[apresentação e proposta de

exercício com o relator “cujo”]

ATIVIDADE

XVI

[discute a

concordância do

sujeito

anteposto/posposto

ao verbo]

Atividade 11 - Sujeito depois do verbo

[discute a concordância do

sujeito anteposto/posposto ao

verbo]

ATIVIDADE

XVII

[destaca a regência

de verbos nas

modalidades escrita

e falada: ater,

assistir, implicar,

preferir, visar,

suceder, aspirar,

compartilhar, ir,

relutar,

concorda/discordar]

Atividade 12 - Regência

[destaca a regência de verbos

nas modalidades escrita e

falada: ater, assistir, implicar,

preferir, visar, suceder, aspirar,

compartilhar, ir, relutar,

concorda/discordar]

ATIVIDADE

XVIII

[proposta de

agrupamento de

orações

independentes em

período composto

utilizando relatores]

Atividade 13 -Onde mesmo?

- Dois casos básicos

[discorre sobre o emprego da

palavra “onde” como relator]

Exercício 8 [proposta de reescrita de

orações utilizando a palavra

“onde”]

Exercício 9 [proposta de substituição da

palavra “onde” por outra

equivalente quando aquela

estiver mal empregada]

Atividade 14 - Pronomes átonos

- Dois pesos, duas medidas...

- Algumas regras para a

sobrevivência entre os

pronomes átonos...

[discorre sobre o uso dos

pronomes átonos em função de

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266

complemento- próclise e

mesóclise]

Exercício 10 [proposta de substituição de

expressões por pronomes

correspondentes]

Atividade 15 -Dois exercícios finais

[proposta de agrupamento de

orações independentes em

período composto utilizando

relatores]

Exercício 11 [5 orações para estabelecer

relações lógicas]

Exercício 12 [5 orações para estabelecer

relações lógicas]

Quadro 23: Seções e subseções dos capítulos 12 (1ª edição) e 14 (20ª).

O último capítulo de PTEU objetiva discutir o conceito de oração e a

diferenciação de ocorrência nos textos escritos e falados requisitos da boa escrita. Para

tanto, discute a ideia de que a gramática consiste em um princípio de organização da

língua e a oração um ordenamento de grupo de informações. A estratégia utilizada foi

partir do domínio da pontuação como fator determinante na estrutura da oração escrita.

O autor chama a atenção para a orientação apreciativa na escrita, aquela que

surge por meio da ordem das informações básicas (do que se fala e o que se diz) e

complementares na oração. Na escrita, a posição do autor é perceptível pela ordem da

informação na oração e, para isso, o emprego da vírgula é fundamental.

A interação com o aluno-leitor se dá pela proposição de exercícios de reflexão

sobre a organização das informações na oração e, como um padrão adotado nos

encaminhamento às atividades, os verbos utilizados, em sua maioria, estão no modo

imperativo. Vejamos como o capítulo se inicia:

Leia atentamente as ocorrências abaixo, assinalando todos os

problemas que você encontrar com relação à língua padrão. Não se

preocupe aqui com problemas de conteúdo – assinale apenas os

aspectos que denunciam pouco domínio das normas técnicas da

escrita. Tente descobrir por que esses erros ocorreram. Lembre-se:

todo erro é a tentativa de um acerto! (2011, p. 267, grifo do autor).

Ao tirar o conteúdo do centro das preocupações do aluno no exercício, o autor

define o foco gramatical das primeiras abordagens à estrutura da oração. Em seguida, o

conteúdo volta a fazer parte dos exercícios gramaticais quando o autor destaca que a

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267

organização da oração revela um posicionamento do autor em relação a determinado

assunto.

Os comandos, então, são característicos dos momentos de exercício prático do

aluno, ele é quem realizará a tarefa e nas reflexões de língua, autor e aluno-leitor são

identificados como falantes da língua ou, apesar do uso do “nós”, o autor exclui-se da

atividade.

Vamos começar observando um aspecto universal das línguas: o

princípio da organização. Isto é, nós sempre falamos organizando

palavras e conjuntos de palavras segundo algumas poucas regras.

Podemos não saber nada a respeito dessas regras; mas o fato é que nós

as seguimos fielmente. Confira, assinalando abaixo o que está bem

estruturado e o que não está (2011, p. 269, grifos do autor).

“Vamos começar observando” indica uma atividade em que o autor não se

inclui, pois organizou a atividade de modo a facilitar a observação do aluno. O mesmo

ocorre com “podemos não saber” em que dificilmente um professor ou autor de livro

didático de português desconheceria as regras gramaticais da língua. Em seguida, “nós

sempre falamos” e “nós as seguimos” retoma a identificação entre falantes da mesma

língua. No entanto, fica bem clara a posição do aluno de “fazedor” quando há a proposta

do exercício prático, mas com base no que foi discutido o que fica claro com a escolha

do verbo “confira”. As análises dos capítulos anteriores mostraram esse padrão

interacional o que indica que o autor passa a palavra ao aluno e à sua compreensão

responsiva ativa.

Uma das diferenças observadas entre as edições, além do já visualizado no

quadro em relação à quantidade de exercícios acrescentada na vigésima é que a primeira

não faz acrescenta outra característica presente nas informações básicas: “o que dizemos

a respeito disso”, detendo-se apenas no “sobre o que falamos”. A primeira edição

explora apenas o primeiro aspecto da informação básica e acrescenta as

complementares. Está ausente também o item Informações complementares lógicas que

ressalta o poder dos relatores em transformar semanticamente a oração.

A ATIVIDADE XVIII (1992) e Atividade 15 (2011) são semelhantes e finalizam

o capítulo. Nessa atividade, em ambas as edições, observamos aquele movimento do

autor em atribuir conhecimentos ao aluno por esse ter passado pelo estudo do livro: “A

essa altura, você já sabe tudo de estrutura da oração!” (1992, p. 240; 2011, p. 295). A

assunção serve de base para a proposição do exercício final do capítulo: “Para

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comprovar, reescreva as orações abaixo [...]” (idem) corroborando o que mencionamos

a respeito da interação nos comandos das atividades. Esse tipo de enunciado é

compreensível em um livro didático em que se pretende que o leitor-aluno tenha

compreendido as discussões e esteja apto a praticar em orações fornecidas. A

compreensão responsiva ativa do aluno e a consequente “conferência” também se darão

no momento de transformação das orações, conforme o autor sugere: “Quando julgar

necessário, substitua palavras e expressões e use relatores para estabelecer relações

lógicas implícitas entre uma informação e outra” (idem). Não há um modelo a ser

seguido e a atividade só será realizada a contento, caso sejam consideradas as

explicações anteriores.

Os acréscimos da vigésima edição consistiram em uma discussão acerca do uso

do pronome relativo “onde” e da posição dos pronomes átonos na oração, além dos

respectivos exercícios de aplicação das regras a orações dadas. Apesar de consideramos

os acréscimos um ganho para a discussão sobre a construção da oração e de aspectos

gramaticais em geral, analisamos os pontos comuns entre as edições, nesse capítulo, e

concluímos que os itens a mais talvez estivessem servindo a um projeto de ensino a ser

seguido no livro, visto que fica aparentemente deslocado no capítulo e sem manter

relação explícita com o que estava sendo discutido. Tanto é que as atividades finais de

ambas as edições são as mesmas, retomam o tema informação básica e complementar.

Como ficou evidente no quadro 23, o último capítulo do livro não traz a seção

Prática de texto. Até por essa razão, torna-se importante continuarmos a rastrear o

conceito de escrita para o autor defendido no capítulo.

A escrita é mais uma vez apresentada como uma modalidade diferente da fala e,

portanto, não deve ser confundida, pois naquela é imprescindível o uso da pontuação

que norteará o leitor a respeito da ordem das informações e de sua valoração. “Isto é,

escrever não é simplesmente passar para o papel o que se fala, mas redizer o que se fala

de uma forma substancialmente diferente (mais uma vez, relembremos o capítulo sete)

(1992, p. 219; 2011, p. 268, grifo do autor). Para dominar a pontuação que será

responsável por transpor para a escrita a potencialidade expressiva da fala, é necessário

entender a estrutura da oração que compreende a ordem das informações apresentadas, a

presença de anafóricos, as relações lógicas e, no caso da vigésima edição, de um uso

adequado de alguns itens gramaticais.

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269

CAPÍTULO 4

A autoria na prática de texto para estudantes universitários

______________________________________________________________________

O mundo inteiro é um magnífico e gigantesco bate-

papo, dos chefes de Estado negociando a paz e a guerra

às primeiras sílabas de uma criança em alguma favela

brasileira ou numa vila africana. É pela linguagem,

afinal, que somos indivíduos únicos: somos o que somos

depois de um processo de conquista da nossa palavra,

afirmada no meio de milhares de outras palavras e com

elas compostas.

Faraco-Tezza

A partir da interação estabelecida entre autor e leitor-aluno e a compreensão das

modificações realizadas entre as edições apresentadas no capítulo anterior por meio de

marcas linguísticas que nos permitem rever o processo enunciativo envolvido na

produção do autor no livro, investigamos, especificamente, neste capítulo, a linguagem

da seção Prática de texto a fim de observarmos – discursivamente - como o autor de

PTEU conduz as propostas de produção de texto e quais os recursos empregados para

promover a autoria do aluno, uma vez que estamos defendendo que há um diálogo

estabelecido entre autor e leitor para a construção do livro. Esta análise justifica-se pelo

fato de que nossa principal preocupação é justamente com o que apresentamos na nossa

introdução: a prática de texto, sobretudo no ensino universitário, é condição sine qua

non para o bom desempenho acadêmico e profissional dos alunos os quais precisam,

além de apresentar certo domínio da linguagem formal para a comunicação em

situações específicas, precisam ter domínio da competência textual para formar juízos,

argumentar, refutar, entre outras tantas ações que lhes garantem participação com voz

ativa onde atuam.

Como nossa análise é discursiva, isto é, como estamos interessados em observar

o contexto de produção do texto com seus sujeitos aí envolvidos e os efeitos de sentido

e não apenas focar os elementos linguísticos que compõem o texto, não é possível

desvincular as propostas de produção textual oferecidas do conteúdo desenvolvido pelo

autor e os procedimentos realizados nos capítulos correspondentes no livro. Desta

forma, a interpretação dos dados deste capítulo 4 constrói-se em ligação indissolúvel

com as descrições e intepretações apresentadas no capítulo 3 desta tese. Se fizéssemos o

contrário, estaríamos abandonando o princípio dialógico inerente à linguagem que

defendemos aqui neste trabalho.

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270

Neste capítulo, então, discutimos os exercícios de produção de texto propostos

pelo autor que figuram no meio ou no final do capítulo, às vezes, em ambos os lugares,

esta ordem não possui nenhum relevância. Colocamos as duas edições (1992/2011) em

cotejo para facilitar a visualização das mudanças realizadas, no entanto organizamos as

propostas por efeito de sentido produzido e que reflitam uma autoria proposta e

construída em um movimento de alteridade.

Lembramos que na vigésima edição, essa seção inicia-se a partir do capítulo 3

numa aparente proposta do autor em priorizar a discussão dos conceitos de língua,

linguagem e gêneros para depois propor ao leitor-aluno uma produção textual. A

primeira edição apresenta a seção Prática de texto já no primeiro capítulo que engloba

alguns assuntos discutidos nos capítulos 1, 2 e 3 da vigésima. Portanto, há aí uma clara

intenção do autor em preparar antes seu interlocutor com noções prévias necessárias

para depois incentivá-lo a praticar o texto escrito propriamente dito. Este não deixa de

ser um outro procedimento que marca o diálogo estabelecido entre autor e aluno no

sentido de que o autor – colocando-se no lugar do aluno – percebesse que informações

básicas prévias são necessárias antes da produção textual.

Nosso objetivo é analisar as questões discursivas que emergiram do corpus deste

trabalho, portanto as seções de produção textual não seguem a ordem estrutural em que

aparecem no livro, por capítulos em sequência, mas são agrupadas de acordo com os

efeitos de sentido produzidos. O percurso do autor e o conceito de escrita realizados nos

capítulos correspondentes a essas seções podem ser recuperados com leituras remissivas

do capítulo anterior e dos quadros correspondentes às unidades de ambas as edições.

4.1 Com que roupa o gênero veio para o livro

Conforme apresentado no capítulo 3 desta tese, as seções Prática de texto são

apresentadas ao leitor-aluno no fim do capítulo e às vezes também no meio, mas sempre

após a explicação de algum ponto teórico ou a leitura de um texto que comprove o

assunto discutido. Assim, as atividades propostas ao aluno sempre vêm como um

exercício de confirmação, para que o aluno apresente sua compreensão das noções

centrais daquele capítulo. O importante a ser observado é que, de fato, esses exercícios

significam mais que uma simples confirmação do entendimento do que antes fora

explicitado. Tais exercícios oferecidos pelo autor é a estratégia encontrada para que o

aluno dialogue com o autor e com o assunto abordado. Este entendimento é de extrema

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271

importância, pois se não concebermos os exercícios propostos desta forma, teremos

apenas uma tarefa cujo objetivo é adestrar os alunos. Atrevemo-nos aqui a citar como

exemplo prático desta prática os costumeiros exercícios do tipo “complete os espaços

em branco”, nesses exercícios não é possível estabelecer diálogo algum com nada e

ninguém, pois não há a possibilidade da discussão, da elaboração de ideias que resgatam

outros conhecimentos. Voltemos a nossa análise específica.

Neste item 4.1, agrupamos as práticas de texto cujo elemento de ensino central é

o gênero discursivo. Localizamos esse enfoque nos capítulos 1 (uma proposta), 6 (duas

propostas), 7 (duas propostas), 8 (uma proposta), 9 (uma proposta), 10 (duas propostas),

e 11 (três propostas) da primeira edição e capítulos 3, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da vigésima,

cujo número de propostas são correspondentes ao da primeira. Desta forma, PTEU

possui doze propostas de produção textual, divididas em sete capítulos.

Definido o critério de escolha, o ensino da produção escrita, enfocando nas

reflexões sobre a estratificação da linguagem em gêneros, fizemos um recorte dessas

seções por uma questão de espaço e de tempo para a finalização do doutoramento. No

entanto, é perfeitamente possível observar a recorrência dos mesmos efeitos nas demais

seções aqui não abordadas. A título de exemplificação do trabalho com a linguagem

realizado pelo autor, escolhemos as seis primeiras práticas de texto, dentro da ordem

dos capítulos acima, que abordavam a escrita baseada em gêneros. Consequentemente,

constituem-se material de análise desta seção as Práticas de texto situadas nos capítulos

1, 6, 7 e 8 (1992) e 3, 8, 9 e 10 (2011). As práticas de texto da vigésima edição

encontram-se também nos anexos desta tese.

A seguir, temos a página em que o autor apresenta ao leitor-aluno, a primeira

proposta de produção textual:

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Figura 25: Prática de Texto - Capítulo 1 (1992, p. 22 - 23).

A atividade que se inicia com “Vamos exercitar agora nossa própria variedade

linguística” (1992) assinala o objetivo da atividade de que, a partir de quatro produções

escritas, o aluno apresente sua compreensão da discussão realizada a respeito de língua,

linguagem e gêneros. Esse direcionamento opõe-se ao da vigésima edição (Figura 26)

“Vamos agora colocar em prática tudo o que discutimos até aqui – [...]” (2011),

corroborando a própria divisão dos capítulos, já que na vigésima, essa atividade de

produção fecha o capítulo que foi dedicado somente à discussão dos gêneros, ao

contrário da primeira que além dos gêneros, discutiu signo e significado.

Com essa mudança no enunciado, o autor dedica uma especificidade e

importância maiores ao gênero que não se confunde com língua, portanto é mais que

uma variedade linguística e supõe a presença do interlocutor. Novamente temos aqui a

preocupação do autor em colocar-se na posição de seu interlocutor a fim de se perceber

o que é mais producente para o aluno. Destaquemos, porém, que a maneira com que o

autor inicia esta atividade não é alterada, nas duas edições ele emprega o verbo ir na

primeira pessoa do plural, evidentemente para reforçar ainda mais o pretenso diálogo

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necessário com o aluno. Esta estratégia soa como um convite: venha comigo dialogar

sobre o que está aqui proposto.

A vigésima edição reforça ainda um estilo didático ao relembrar o que foi

discutido no capítulo “a noção de língua, como um conjunto de variedades, a

estratificação da linguagem em um grande número de gêneros e a importância do

interlocutor para os processos de comunicação”. O aluno deve seguir um roteiro pré-

determinado de dez itens (oito na primeira edição), considerando os gêneros sugeridos:

um horóscopo, uma paródia, uma notícia de jornal entre outros. Essa atividade resgatou

o conhecimento do aluno sobre a dimensão verbal desses gêneros, ao apresentar textos

representativos daqueles a serem produzidos.

Figura 26: Prática de Texto - Capítulo 3 (2011, p. 46).

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274

Em ambas as edições, não há uma discussão sobre a estrutura composicional do

gênero, deixando a cargo do aluno acionar o conhecimento que tem decorrente de sua

prática diária e a leitura dos textos apresentados no capítulo. Este fato reforça um

posicionamento dialógico, pois nesta atividade o aluno deverá resgatar vozes já ouvidas

em outras produções, resgatar estilos já vistos a fim de produzir o que lhe foi sugerido.

Ao destacar os gêneros e enfatizar a importância do seu interlocutor na construção do

sentido, a primeira atividade de produção do livro foge a estruturas comumente

encontradas em livros didáticos que abordam os aspectos tipológicos descrição,

narração e dissertação em detrimento de explorar os gêneros em que estão presentes em

maior ou menos grau, procedimento este que acentua a necessidade de se mostrar ao

aluno a linguagem e a língua em situações reais de funcionamento e os seus efeitos de

sentido, afinal um capítulo meramente expositivo em que se explore, por exemplo, o

tipo descritivo não estabelecerá um diálogo com o aluno por ele não perceber, muitas

vezes, onde aplicar isto, mas se forem tratados gêneros como a bula de remédios, um

manual de funcionamento de um aparelho, é evidente que o aluno perceberá o que é

descrição e fatalmente conseguir-se-á estabelecer com o aluno o diálogo necessário para

a compreensão do que está sendo explorado.

Este direcionamento do autor é um dos eixos centrais da proposta, pois o

exercício propõe que o leitor do texto produzido somente saberá a que gênero está

exposto por meio dos recursos léxicos, linguísticos e composicionais escolhidos pelo

autor. O enunciado do exercício reforça o apresentado anteriormente nesse mesmo

capítulo 3: “[...] a primeira regra de um bom texto escrito: saber quem é o meu leitor. Se

eu não sei quem ele é, o texto fracassa!” (2011, p.43). Com esta diretriz, o autor deixa

clara a importância do diálogo, do perceber o “outro” para se viver em sociedade e nela

participar com voz ativa, em outras palavras isso significa que a primeira proposta de

produção apresenta também uma interação do autor de PTEU com um outro autor, nesse

caso, o leitor-aluno, seu interlocutor principal, que ao produzir um texto, seguindo o

encaminhamento da atividade e os aspectos estudados passa ser um autor-criador.

Isso se manifesta também quando, ao fornecer dez opções de gêneros, o autor

demonstra inserir seu leitor em diferentes práticas sociais de linguagem,

proporcionando-lhe opção e postura responsiva, já que deverá estabelecer um diálogo

entre a proposta de escrita e os textos com os quais já teve contato em sua vida.

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275

A postura emotiva e valorativa do enunciador se expressa também por meio das

exclamações, recurso bastante encontrado em PTEU. Com esse recurso, posiciona-se e

provoca-se uma resposta do leitor como em: “Não indique que item você escolheu: o

leitor deve descobrir pelo próprio texto!”, diretiva ausente da primeira edição. O que

significa que o autor intensificou a necessidade do diálogo, da troca, da interação com o

aluno que deixa de ser apenas leitor-aluno expectador e passa a fazer parte efetiva e com

voz ativa no diálogo pedagógico proposto pelo autor do livro.

Para Bakhtin/ Volochínov (2004, p. 132) “[...] quando um conteúdo objetivo é

expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento

apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há palavra”. O filósofo russo

justifica que o nível mais superficial da avaliação social encontrada na palavra pode ser

observado por meio da entoação expressiva. Essa apreciação, dependendo da sua

audiência, expressa julgamentos de valor de forma diferenciada e jamais estará ausente

da estrutura da enunciação. Aqui, a exclamação estabelece uma ligação entre o discurso

e o contexto, onde a voz do autor se faz “ouvir” mais diretamente, provocando, como

dissemos, uma atitude responsiva ativa do seu leitor ao produzir seu texto, portanto no

processo de tornar-se, como já dito, autor.

Questionamos, contudo, a validade de uma atividade que apresenta ao aluno

gêneros discursivos como horóscopo, ficção científica, texto publicitário, entre outros,

sem a devida explicação dos elementos linguístico-discursivos que os constituem. O

encaminhamento que o autor oferece não pode ser considerado linguístico-discursivo:

“Observe que cada tipo de texto exigirá uma linguagem diferente”, pois carece de

considerações a respeito das características composicionais, estilísticas e temáticas,

constituintes do gênero.

Apesar de alguns exemplos, terem sido apresentados no capítulo dois, aqueles

não são suficientes para uma atividade de produção textual, já que lá, o exercício era

apenas de reconhecimento de gênero. Dos dezessete textos, seis são fragmentos de

manual de instruções, texto de revista semanal, texto literário, entre outros. Não houve

uma reflexão prévia sobre a totalidade de cada obra. Relembrando que a ausência das

imagens, cores e outros aspectos gráficos, parte integrante dos textos originais,

impossibilitou a recuperação do todo do enunciado concreto, conforme discutimos no

item 3.2 desta tese.

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276

Entretanto, tomamos partido do autor, visto que o objetivo não é ensinar a

produzir cada um dos gêneros propostos, mas proporcionar ao aluno uma lembrança

desses gêneros bastante conhecidos. A postura do autor, nos três capítulos iniciais de

PTEU é fazer uma reflexão sobre a estratificação da linguagem em gêneros e não,

necessariamente, ensiná-lo a produzir esses gêneros. Portanto, o autor dialoga com seu

aluno-autor levando-se em consideração o pressuposto de que esse aluno-autor já possui

algum conhecimento prévio sobre alguns gêneros, como funcionam e os efeitos de

sentido que lhes são peculiares.

Outro aspecto pode ser levantado: nesta atividade (capítulo 3), o autor refere-se

a diferentes tipos de texto, no capítulo 2, gêneros. Essa alternância na terminologia pode

revelar que a ênfase na distinção entre gêneros da escrita, como destaca o autor nos

capítulos anteriores, e tipos de texto não seja importante. Como dissemos anteriormente,

observamos que PTEU se pauta mais pelas reflexões sobre língua, linguagem e

produção que propriamente por terminologias acuradas. É comum encontramos as

expressões “imensa variedade de linguagens possíveis” como referencia a gêneros, entre

outras.

Se considerarmos a postura autoral do aluno, a opção dada de escolher quatro

dos dez gêneros ameniza o impacto que a ausência de explicações sobre os textos

poderia causar, já que, desta forma, ele é convidado a escolher algum texto que já tenha

praticado ou tenha mais intimidade por leitura habitual. Mesmo assim, concordamos

que a proposta mostra-se incompleta pelas razões apontadas e pelo fato de esse

encaminhamento não aparecer na atividade, tornando a opção de escolha a única atitude

responsiva considerada.

A discussão acerca da construção de parágrafos realizada no capítulo 6 (1992) e

8 (2011) leva o aluno ao entendimento das partes que podem compor um texto de

informação, reforçando aqui os aspectos referentes à estrutura composicional e ao estilo

do autor. Vejamos:

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277

Figura 27: Prática de Texto - Capítulo 6 (1992, p. 104) e Capítulo 8 (2011, p. 130).

Neste capítulo, o autor privilegiou discutir o gênero redação escolar, criticando-o

por não propiciar ao aluno um exercício de opinar sobre o mundo, baseado em poucas

referências concretas, um gênero ensinado por meio de estruturas composicionais fixas,

cujo conteúdo é menos importante que as técnicas.

Para argumentar contra a redação escolar, o autor introduz texto de informação

como um gênero da linguagem pouco presente na sala de aula. Sabemos que a

informação não é um gênero, mas realiza-se em gêneros variados como reportagem,

notícia, carta do leitor etc. e o autor também reconhece isso em: “Embora a definição

não seja muito precisa – afinal a informação é uma qualidade presente em todo texto -,

por ora ela nos serve como um primeiro divisor de águas (2011, p. 129). Com esse

texto, introduz o Texto 1 Badminton que serve como exemplo para a produção escrita.

Na primeira proposta de escrita do capítulo, ao aluno é solicitada a escrita de um

texto informativo, de dois a três parágrafos, tarefa que poderá seguir o roteiro de leitura

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anteriormente fornecido para o texto acima que se detém na descrição de um esporte.

Esse roteiro detém-se no objetivo do texto, na relevância do interlocutor de um texto

sobre esporte, questiona a informação pura e atrai a atenção do aluno para o fato de que

o autor do texto não aprece por meio de opiniões diretas, como “eu acho que”. Em

seguida a essa orientação, temos a Prática de Texto apresentada na figura 27.

Como orientação, o autor sugere que o aluno invente um esporte e forneça

informações sobre ele para o seu leitor, mas não se esqueça do título. A exclamação

aparece como a voz de um professor alertando seu aluno sobre uma necessidade da

produção: ter um título. Até esse ponto, a ênfase do capítulo foi na estrutura

composicional do gênero comprovada pelo encaminhamento da proposta que relembra o

aluno da divisão do texto em parágrafos.

A leitura da proposta acima, desvinculada dos elementos anteriores discutidos

no texto do capítulo, poderia levar nosso leitor a questionar a validade de uma atividade

que não fornece detalhes acerca do texto a ser produzido, mas não podemos nos

esquecer de que o autor de PTEU constrói seus capítulos de maneira didática e

dividindo aquilo que pretende ensinar em partes, mas que terão certo acabamento no

final do capítulo o que pode ser comprovado com a segunda e última atividade de

escrita:

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Figura 28: Prática de Texto - Capítulo 6 (1992, p. 115) e Capítulo 8 (2011, p. 147).

Essa Prática de texto possui o mesmo encaminhamento em ambas as edições.

No entanto a interação é modificada:

1ª: Agora vamos escrever um texto de informação. Escreva um texto,

de 4 parágrafos, informando o leitor da descoberta de uma

comunidade isolada no interior do Brasil que pôs em prática as

ideias de algum filósofo. Use a imaginação à vontade!

[...]

Importante: use elementos de costura dos parágrafos, para

estabelecer a sequência das informações. E não esqueça do título,

que é o primeiro “gancho” para segurar o leitor pelo colarinho! (p. 115).

20ª: Para recapitular e encerrar esse capítulo, vamos pôr em prática

tudo que aprendemos até aqui sobre texto de informação. Escreva um

texto de quatro parágrafos informando o leitor da descoberta de

uma comunidade isolada no interior do Brasil que pôs em prática

as ideias de algum filósofo. Use a imaginação à vontade – pode ser

uma comunidade de marcianos, de crianças, de beatniks...

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[...]

Importante: use elementos de costura dos parágrafos, para

estabelecer a sequência das informações. E não esqueça do título,

que é o primeiro “gancho” para segurar o leitor pelo colarinho! (p. 147).

Na vigésima edição, há um cuidado maior com a instrução da tarefa,

estimulando que o aluno verifique sua compreensão das discussões do capítulo. O autor

faz uma contextualização breve de seu objetivo com a proposta de escrita. Sugere que o

aluno sinta-se livre em criar seu texto e ajuda-o com alguns exemplos de quais tipos de

comunidade podem ser pensadas, texto ausente na primeira edição, o que mostra um

tom mais professoral do segundo texto. O último lembrete da proposta faz uso de um

tom coloquial e bem-humorado ao sugerir a escolha certa das palavras que agradem o

leitor, no entanto, observamos que o erro gramatical da primeira edição manteve-se na

vigésima com o uso de “não esqueça do título”, onde a gramática normativa da escrita

recomenda “não se esqueça do” ou “ não esqueça o”. Esse procedimento pode ter

fundamento se levarmos em consideração o fato de que, apesar de se tratar de aulas de

língua portuguesa, o autor prefere desobedecer a algumas regras fixas da norma culta da

língua a fim de que seu diálogo com o aluno flua melhor, ou seja, propor um material

didático cuja linguagem se aproxime um pouco mais da linguagem não tão elitizada

pode auxiliar a interação.

O texto que foi fornecido ao aluno no capítulo, A Fazenda da utopia, pertence ao

gênero reportagem e foi publicado em 1990 na revista Veja. Vejamos como se inicia:

Pede-se atenção ao teste que se segue. “Era uma vez uma terra

distante onde todo mundo trabalhava naquilo que mais gostava – e,

mesmo assim, só quando acordasse disposto. Nesse lugar, escola e

assistência médica eram gratuitas, ninguém pagava aluguel e, nas

horas de folga, todos se dedicavam à dança, ao teatro, à música e às

artes em geral” (2011, p. 133).

O texto, reproduzido integralmente em sua forma verbal em três páginas e meia

serve de mote à produção, pois nesse texto, é apresentada ao aluno uma comunidade

isolada que possui um estilo de vida diferente do da maioria dos brasileiros.

A “conversa” mais direta do autor com seu leitor aparece em momentos

diversos, como os textos expressos entre parênteses e pelo uso da exclamação no final

das orientações. A diretiva do título é repetida aqui, como em vários outros exercícios,

reproduzindo o trabalho de repetição comum para o professor em sala de aula. A

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atividade final de produção do capítulo retoma os aspectos composicionais (texto de

quatro parágrafos com sugestões de conteúdo para cada um; uso de elementos de coesão

e título) e estilísticos de um texto informativo (usar a imaginação; a opinião apresentada

não será a do autor). A escrita do texto deve considerar o seu possível leitor que, a partir

do título, deve ser seduzido pelo assunto. Falta no encaminhamento à atividade uma

discussão acerca da possível esfera de circulação do texto a ser produzido, se seria

publicado em uma revista ou jornal, deixando a cargo do aluno, compreender a

referência feita ao texto lido. No entanto, o roteiro de leitura explorou aspectos

referentes ao interlocutor, às características da escrita como o emprego de frases curtas e

chamou a atenção para a posição avaliativa daquele que produz um texto, cuja isenção

total, é praticamente impossível, já que a própria organização do texto, as informações

que o autor escolhe para figurar no início ou no final do texto, afetam a objetividade

total.

O leitor (professor ou pesquisador) que espera um exercício de produção do

gênero reportagem decepciona-se, pois não há menção direta a esse gênero em nenhum

momento. O autor limita-se a encaminhar a atividade com expressões tais como:

“informando o leitor”, texto de informação”, “opiniões de alguém (citado no texto), e

não suas”, “orientação apreciativa”. Além dessas, direciona a atenção do aluno aos

aspectos formais do texto, como a necessidade de uso de conectores para estabelecer a

“costura dos parágrafos”, retomando a seção Língua Padrão do capítulo. O fato de não

mencionar termos mais técnicos para solicitar as atividades soma-se ao fato de o autor

não obedecer a algumas regras gramaticais do padrão culto da língua, estes dois

procedimentos facilitam a interação, afinal um material didático em que se empregue

uma nomenclatura que só diz respeito a pesquisadores e professores num livro para

quem o principal objetivo é aprender a redigir de forma competente, pode ser um

empecilho. O autor se propõe, o que tudo indica, se aproximar do seu leitor.

Entendemos que a proposta estabelece uma relação dialógica com o que foi

discutido anteriormente a respeito da escrita de um texto cujo principal objetivo seja

veicular uma informação. O aluno, ao produzir seu texto, provavelmente acionará seu

conhecimento do gênero reportagem, relembrado pela leitura do texto e da respectiva

fonte que o remete a uma revista de grande circulação nacional.

Até agora, nossa análise nos conduz a uma compreensão de que para o autor o

importante é resgatar elementos centrais da produção de textos, o que reflete e refrata as

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condições em eu o aluno chega à graduação, mencionadas na introdução e no capítulo 1

desta tese. Conforme discutimos também, a disciplina de “resgate” aos conhecimentos

linguístico-discursivos, fornecida nos primeiros semestres, em pelo menos nas

universidades pesquisadas, não pretende aprofundar o conhecimento do aluno em

gêneros específicos, mas as características centrais desses textos. Nem mesmo quando o

autor apresenta a resenha crítica, esse um importante gênero da comunidade acadêmica,

a ênfase é feita nos gêneros nos quais se materializa, mas em seus elementos principais,

conforme apresentamos mais à frente.

Observamos o mesmo procedimento na proposta do capítulo 7 (1992) e 9

(2011):

Figura 29: Prática de Texto - Capítulo 7 (1992, p. 122) e Capítulo 9 (2011, p. 153).

Em comparação entre as edições, podemos observar que outra característica

dessa nova edição é o acréscimo de detalhes às instruções das atividades:

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1ª: “Para você sentir o que estamos discutindo, escreva um texto

literário qualquer!” (1992, p. 122).

20ª: “Para você sentir o que estamos discutindo, escreva um pequeno

texto literário: um poema, o início de um romance, uma história

curta.” (2011, p. 153, grifos do autor).

Nota-se novamente a ênfase dada às palavras “sentir”, indicando que o discutido,

possivelmente, será internalizado com a prática da escrita. Além do que já foi

apresentado antes de a linguagem passar pelos sentidos. Aparentemente, usar o verbo

“sentir” sugere uma situação nada comum num livro didático. Talvez o esperado fosse

“para você perceber, visualizar, observar”, mas “sentir” cria o efeito sugerindo que o

autor quer que o aluno se aproxime, se permita, parecendo quase um “bate-papo” entre

pessoas próximas que trocam ideias: mais uma indicação de uma tentativa de interação

com o aluno.

O enunciado da vigésima edição sugere alguns gêneros literários como o poema,

o romance e uma história curta, numa aparente reformulação didática da primeira

edição, fornecendo ao aluno uma noção de extensão com as expressões “pequeno texto”

e “início de um romance”. A fim de recuperar a imagem de texto literário que o aluno

possui, o autor apresenta anteriormente no capítulo o poema Quadrilha de Carlos

Drummond de Andrade. Por considerar o texto literário “um território de subversão das

outras linguagens” (2011, p. 152), o autor enuncia-se como não conhecedor das razões

pelas quais um texto literário é produzido, libertando, assim, o aluno de quaisquer

amarras estruturais, permitindo-lhe recriar a linguagem, transformá-la e submetendo-a a

seu próprio universo. Consideramos que, apesar dessa Prática de Texto ser curta e,

aparentemente desprovida de informações sobre a composição de um texto literário,

mas uma vez reforçamos nosso entendimento de que o autor constrói um capítulo que

culmina na proposta de escrita, mas não se encerra nela.

Essa primeira proposta de produção de um texto literário não recuperou o

discutido até então no capítulo, que é o conceito de unidade temática e estrutural. Não

há, na tarefa, a recomendação de que se deva observar os aspectos discutidos quanto à

definição e manutenção do assunto ao longo da escrita. Pode-se supor que essa ausência

de direcionamento reforce o apresentado na Atividade 2 a respeito da possibilidade de o

texto literário não se ater a esses parâmetros. A segunda atividade do capítulo,

apresentada a seguir, mostra a construção passo a passo do escritor de um texto.

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Naquela, o objetivo era produzir um texto qualquer, o foco não se concentrou na

questão da unidade, mas na liberdade linguística e discursiva do fazer literário.

A última proposta do capítulo resgata o discutido no capítulo como um todo,

como podemos observar em:

Figura 30: Prática de Texto - Capítulo 7 (1992, p. 132) e Capítulo 9 (2011, p. 159).

A Prática de texto de escrita de um texto informativo vem logo após um

exercício de localização de relatores, e após a leitura dos textos À margem do tempo,

revista Veja de 1990, na primeira edição e Turista ocasional, publicado na National

Geographic Brasil, em maio de 2000, na vigésima edição. O primeiro descreve uma

comunidade isolada da Mata Atlântica e o segundo, o tubarão branco personagem do

filme Tubarão, na década de 70, daí a diferença observada na proposta das duas

edições. Apesar de diferentes, os textos abordam um fato curioso que serve de mote ao

texto a ser produzido no exercício.

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O enfoque da proposta é a unidade temática a ser observada no texto e que pode

ser considerada uma característica do gênero reportagem, apesar de não haver menção a

ele. O capítulo concentrou-se em discutir resumo e os aspectos a serem observados

como a divisão dos assuntos por parágrafos e a “sequência coordenada de informações”

(2011, p. 155), aspecto linguístico e estrutural explorado por meio de anafóricos e

relatores.

A primeira edição não recupera esse sentido, ao contrário da vigésima que

sugere além do objeto da escrita, um animal curioso, as condições que o rodeiam, como

o tempo de descobrimento, quem o descobriu, como as pessoas reagiram a isso e a

imprensa envolvida. A atividade também reproduz o texto lido quando sugere o

discurso direto citado, em que o aluno deve apresentar a fala de um especialista,

utilizando aspectos formais, como as aspas.

Os aspectos temáticos e estruturais continuam sendo discutidos no capítulo 8

(1992) e 10 (2011):

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Figura 31: Prática de Texto - Capítulo 8 (1992, p. 150) e Capítulo 10 (2011, p. 182).

A proposta de redação da Prática de texto apresenta quatro itens que servem de

roteiro à escrita do parágrafo, enfatizando a sequência de ideias e fatos e a unidade

estrutural. Ambas as edições apresentam essa proposta ao leitor:

Para encerrar esse tópico, vamos reforçar agora a noção de parágrafo

pensando na sequência e na unidade estrutural. Escreva um texto, em

quatro parágrafos, que descreva a trajetória de um estudante

universitário. Se quiser, siga o roteiro: [...] (2011, p. 182).

O aluno universitário é considerado, assim como é lhe dada a opção de aceitar

ou não a sugestão do autor, respeitando sua produção e responsividade. O roteiro

fornecido propõe as partes do texto: A introdução pode ser uma descrição de cena ou

uma questão inicial que será respondida depois seguindo o mote da euforia sentida por

um aluno aprovado no vestibular. O desenvolvimento do texto versará sobre a

realização ou não das expectativas em relação ao curso superior, facultando ao aluno o

tópico da conclusão.

Como padrão do autor em PTEU, o gênero a ser produzido não vem nomeado

explicitamente. Considerando a proposta poderia ser um artigo de jornal, uma crônica,

um texto de mural, etc. No item destinado à estrutura o autor volta a atenção do aluno

para o enunciatário do texto a ser produzido, um estudante outro ou o próprio aluno, o

objetivo da escrita e a relação desse objetivo com o leitor, comovê-lo, informá-lo,

estimulá-lo, reforçando a necessidade de se manter a unidade e não ceder à tentação de

abordar vários assuntos ao mesmo tempo. A referência feita ao destinatário do texto

produzido pelo aluno afasta aquela ideia comum de que o texto em sala de aula não é

significativo porque produzido para o professor. Nesse caso, o leitor hipotético aponta

na direção de o texto não ser dirigido para alguém que possivelmente somente usará seu

texto como objeto de correções linguísticas, reduzindo a possibilidade de uma situação

artificial.

Relevante observar que as ressalvas do autor em relação à estrutura do texto

voltam-se a questões discursivas. Mais uma vez, a produção seguirá as imagens que o

aluno tem da escrita de texto, por meio de sua experiência ou a leitura dos textos

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anteriores. O único aspecto tipológico mencionado foi a descrição, mas ainda como uma

das sugestões apresentadas.

As análises aqui apresentadas deixam clara a intenção do autor em propor

contínua interação com seu aluno que, como já foi indicado, aluno esse que se

transforma em aluno-autor pelo fato de que ele não é um mero receptor passivo de um

conjunto de instruções do autor do livro como num manual técnico. Poderíamos

hipotetizar, já que não foi objetivo desse trabalho, um diálogo estabelecido também

entre professor e aluno o que seria fundamental, inclusive, para redimensionar o caráter

do livro didático.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dada a sua complexidade, o livro didático implica investigações várias que

envolvem seu papel educacional, sua trajetória e, considerando-se alguns contextos

institucionais, sua adoção e uso em sala de aula universitária. Além desses aspectos,

devemos levar em consideração o processo de editoração de um material. Nosso

trabalho ateve-se à materialidade de um objeto cultural da maneira como circula nas

livrarias e bibliotecas universitárias, mas dado nosso objetivo central de investigar os

reflexos da concepção teórica de um autor em sua produção didática, não podemos nos

furtar de abordar, ainda que brevemente nestas considerações, um aspecto importante.

Nossa pesquisa, conforme mencionado, situa-se em uma interseção das esferas

educacional, editorial e institucional. Boa parte das instâncias em que observamos uma

incoerência em “ser ou não ser bakhtiniano” pode dever-se às coerções editoriais. Se

observarmos algumas oscilações, podemos creditá-las como uma possível resposta do

processo de autoria aos compromissos mercadológicos de venda e obtenção de lucro.

Poderíamos lançar mão de outra hipótese de que se um material fosse construído

totalmente em acordo com uma postura teórica, poderia não ser aceito para publicação.

Sabemos que não há no pensamento bakhtiniano apenas um método aplicável,

um manual metodológico que se adequaria a variadas situações de linguagem, mas

métodos conhecidos e reconhecidos por pesquisadores em todo o mundo. É possível

reconhecer em PTEU uma filiação teórica sobre a linguagem, depreendida de um

processo de ensino de uso de língua dividido didaticamente em etapas, parte do fazer

pedagógico. Conseguimos visualizar no livro a pretensão do autor em oferecer uma

abordagem inovadora de prática de texto porque fortemente apoiada por reflexões

sólidas sobre língua, linguagem e seus usos.

Se considerarmos nosso objeto de estudo, é possível compreender o caminho

perseguido pelo autor nas propostas de produção textual que envolvem a produção de

gêneros, mesmo que não explicitados como tais. No capítulo 1 (1992)/ 3 (2011) ao

aluno requereu-se que demonstrasse conhecer gêneros variados e produzir alguns com

que tivesse mais familiaridade, sem que fossem destacados os elementos temáticos,

composicionais e estilísticos de cada um. Fizemos uma ressalva a esse aspecto quando

discutimos o capítulo 2 em que não foi apresentado ao aluno as condições reais em que

o texto circulou originalmente, já que em PTEU somente foi oferecido ao aluno seus

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aspectos verbais. Dadas as considerações realizadas sobre o aluno ingressante no ensino

superior, percebemos que PTEU concentra-se em sanar deficiências linguísticas e

discursivas que possam habilitá-lo a lidar com o texto acadêmico, procedimento que

pudemos constatar no final do livro com o ensino da resenha crítica. Embora não

adentre as especificidades de uma resenha científica, prepara o aluno em direção aos

elementos centrais desse gênero, passando pelo resumo, que explora a interpretação do

texto lido e a avaliação crítica, por meio da compreensão responsiva ativa e do incentivo

a um posicionar-se bem situado.

O capítulo 6 (1992)/ 8 (2011) aborda a construção composicional e o estilo do

gênero reportagem, por meio do texto de informação. A ênfase é na postura avaliativa

do autor de um texto quando, além, de informar, escolhe o que informar para alguém e

expressar sua opinião. A estrutura do texto é explorada por meio da ordem em que as

informações devem aparecer em um texto e como essas informações podem seguir uma

sequencia clara e que faça uso de elementos linguísticos como anafóricos e relatores.

Aqui se percebe o primeiro movimento do autor em incorporar a estrutura da língua ao

gênero.

A essa ordem sequencial de informações, o capítulo 7 (1992)/ 9 (2011)

acrescenta o conceito de unidade temática e estrutural do gênero. A estrutura

composicional e o uso da língua é explorado por meio dos elementos referenciais

anafóricos e relatores que estabelecem as referências textual, situacional e lógica,

estabelecendo relação entre as informações providas no texto. A produção de texto,

sugerida após essas discussões, sinaliza para a construção de um texto baseado nos

aspectos linguísticos-discursivos explorados no capítulo.

O capítulo 8 (1992)/10 (2011) reforça a necessidade de organização do texto em

parágrafos e orienta o aluno sobre os assuntos que podem (deixa como escolha) figurar

em cada um deles. O texto, se considerar o próprio autor, será estruturado como um

depoimento pessoal, mas levando em consideração uma temática de início ao fim,

valorizando o sentido de unidade.

A autoria é proposta e se constrói em um movimento interlocutivo, na relação

alteritária entre um autor-criador e seu leitor, um autor-criador em formação.

Percebemos, nesse processo de construção de autoria, uma preocupação em provocar

uma questão de estilo, oportunizar ao aluno uma escolha de recursos linguísticos e, por

que não, de gêneros discursivos, por meios dos quais se posicionaria diante do mundo.

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Fica evidente que a escolha a ser feita não é aleatória, decorre de uma concepção de

linguagem, de enunciado, de interação e de gênero que vai sendo construída ao longo

dos capítulos por meio da reflexão discursiva realizada.

Conforme apresentamos, em PTEU, todas as propostas de produção textual vêm

após um longo trabalho de leitura de textos. A leitura é guiada por meio de roteiros de

observação ou de segmentação textual que objetivam a compreensão dos aspectos

centrais e sempre em relação à proposta daquele autor. Mais uma vez, entendemos que

para um bakhitniano, o processo de escrever é muito mais que um ato, pois envolve a

habilidade da leitura, o que é relembrado inúmeras vezes no livro. A esse respeito,

Possenti ( 2009) argumenta:

Ora, ler deveria ser, antes de mais nada, desmontar um texto para ver como

ele se constrói, ate para que se possa dizer qual a relação entre seu modo de

ser construído e os efeitos de sentido que produz (digo isso pensando não na

circulação dos textos e em seus vários suportes, mas em sua interpretação,

isto e, sua decifração) (p. 104).

Os exercícios de leitura de PTEU procuram enfatizar a posição de um sujeito se

enunciando a partir de um lugar social e produzindo um discurso que apresenta uma

noção de singularidade, apesar de inscrito em uma tradição ou institucionalizado. A

proposta de decomposição do texto por seus aspectos textuais e discursivos envolve um

processo de decodificação que permita apreender os sentidos possíveis produzidos por

essa ou aquela escolha gramatical do autor. Essa linha didática conduzida pelo autor

demonstra para o aluno que aquele objeto que ele tem diante de si, o texto, não é algo

pronto a ponto de ter um único sentido ao qual ele, como leitor, não tem acesso, ou não

seria capaz de reproduzir ou refutar minimamente como autor.

O autor conduz as atividades de escrita, respeitando a proposta inicial do livro

em oferecer situações de reflexão de uso da língua. Por meio das reflexões: escolha de

um tema devido à complexidade do assunto, utilização de fatos ou ideias presentes em

textos lidos, necessidade de uma esquematização prévia da escrita, a escolha do leitor

em estreita ligação com a esfera em que o texto circularia.

Observamos que, nesse exercício, o autor direciona seu texto para outro autor-

criador. Existe uma conversa sobre o posicionamento pessoal do autor de um texto num

processo de amadurecimento intelectual que se consolida na superação das ideias

tomadas por muito tempo como certas, imutáveis. O bom autor é aquele que não só tem

um ponto de vista, mas é capaz de expressá-lo por meio de argumentos adequados.

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As propostas de produção de PTEU revelam que a construção da autoria passa

pela consideração de alguns aspectos e, a esse respeito, concordamos com a tese

defendida por Possenti (2009, p. 108-110) que nos ajudou a verbalizar uma sensação e

uma constatação que foi nos perseguindo à medida que avançávamos nessa

investigação. Qual seja:

1- “Não basta que um texto satisfaça exigências de ordem gramatical” (p. 108).

O autor de PTEU levanta considerações importantes acerca de língua e do

conceito de norma padrão. A reflexão conduzida privilegia a compreensão do uso dos

fenômenos linguísticos e suas implicações. O estudo dos textos responde a um objetivo

enunciativo-discursivo em que o estudo dos aspectos linguísticos enfatiza a necessidade

de o texto fazer sentido e ser compreendido pelo seu leitor, além de adequar-se à esfera

de circulação. Em nenhum momento o estudo dos textos configura-se como pretexto

único de exploração de aspectos gramaticais.

2- “Não basta que o texto satisfaça as exigências de ordem textual” (p. 108).

Aliado ao estudo dos textos, os roteiros de leitura enfatizam a divisão dos

assuntos por capítulos e a necessidade da clareza e a coesão garantida pelo emprego de

relatores adequados. Para um texto ser considerado de qualidade, ele deve evidenciar

um conhecimento de mundo e/ou enciclopédico do aluno-autor, “de outros discursos, de

memória social, traços capazes de dar congruência aos fatos narrados” (POSSENTI,

2009, p. 109).

Os resultados dos exames de larga escala apontam para uma deficiência de

conhecimento cultural, cuja fonte pode ser a leitura de livros, revistas, jornais,

apontando também para a necessidade de um maior direcionamento da leitura via

internet. Sabemos que a profusão de informações a que o aluno está exposto atualmente

não necessariamente passa por uma organização do conhecimento que possa ser

reconhecida em produções escritas.

3- “As verdadeiras marcas de autoria são da ordem do discurso não do texto ou da

gramática” (p. 110).

O texto abordado do ponto de vista discursivo em PTEU leva em consideração o

todo significativo do texto e, apesar de didaticamente o autor conduzir algumas

decomposições, a compreensão do sentido global por meio dos elementos que

produzem sentido (gramaticais, estilísticos) fazem do texto algo maior que a soma de

suas partes. Esses procedimentos refletem-se na ênfase da consideração do interlocutor

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no processo interacional e quais construções textuais seriam mais adequadas para o

processo de construção de sentido. Por meio de uma abordagem que explora os aspectos

discursivos de um texto, que levam o aluno a compreender mais que elementos

linguísticos ou tipológicos, acreditamos que seja possível apostar na construção de um

sujeito leitor e autor autônomo, capaz de lidar com as demandas da vida cotidiana,

acadêmica e profissional.

Chegamos, com tudo o que exposto, ao final desta tese, feitas as reflexões,

análise e interpretações e neste momento, nós pesquisadores, permitimo-nos agora

confessar que vivenciamos em quatro anos um processo muito difícil de

“desidentificação” em prol do fazer científico deste trabalho. Como professores, com

anos de experiência diária com alunos universitários, de primeiro e segundo semestres,

às vezes terceiro e quarto, não mais que isso, sentimos a necessidade de sair da sala de

aula e olhá-la de fora. Isso por si só, já seria um trabalho difícil, pois para o sujeito real,

uma atividade extracorpórea, apresenta-se como um desafio sobrenatural.

O próprio título da primeira edição Prática de texto: língua portuguesa para

nossos estudantes universitários reflete e refrata a situação educacional atual em que,

pelo menos nas universidades particulares, todos os cursos de graduação possuem

disciplinas voltadas a esse ensino ou oferecem “oficinas de texto”, prática bastante

comum nas universidades federais. O pronome possessivo adjetivo “nossos” é uma

marca discursiva que reflete e refrata uma época que não acabou, pelo menos no que diz

respeito à preparação dos alunos ingressantes no ensino superior. E mais, nossos alunos

não são apenas os dos cursos de Letras, como muitas pesquisas apontam, são alunos de

todos os cursos de graduação, no entanto, preparados por nós, profissionais formados

por aquele curso.

Desapego, talvez seja essa a palavra que nos assombrou esse percurso todo. Não

só não estivemos fora da sala de aula, espiando pelo buraco da fechadura, como não

podíamos nos deixar “contagiar” pelo fazer docente, pois essa não era nossa proposta.

Nossa proposta era dar uma volta, definitivamente trocar as lentes e assumir a postura

discursiva de um novo sujeito, um sujeito que formula problemas, investiga soluções,

ouve vozes alheias e volta para si para organizar o caos.

Investigar um contexto que nos parecia muito familiar, a princípio foi

confortável, factível. Com o passar do tempo, percebemos que estávamos tocando em

questões que, até então, nunca nos disseram respeito, afinal seguir um livro didático em

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sala, senão fielmente de capa a capa, inserindo aqui, ali elementos de maior

identificação ou necessidade da turma, parecia-nos garantia de que as necessidades dos

alunos seriam contempladas e de que seriam minimizadas as chances de fugir de algum

conceito importante. Quando isso não era possível (a maioria das vezes não é), produzir

um material didático específico para a classe, passava por questões práticas de

organização de conteúdos, disponibilidade de textos e criação de exercícios, quando não

copiados de outros materiais que circulam na faculdade ou de livros publicados.

O que nos desafiou grandemente foi entender que, mesmo se todos nossos

alunos comprassem PTEU e esse passasse a ser a “bíblia” da disciplina, por

considerarmos sua estrutura e reflexões consoantes com nossas concepções de ensino de

língua, esse não era nosso objeto de pesquisa, afinal foi decidido de antemão que em

nenhum momento, faríamos pesquisa de campo. Essa decisão, quando tomada, parecia

que como um decreto-lei, estabelecesse a possibilidade de separar “a voz que pensa e a

mão que escreve”.

Ao fechar esse trabalho, procuramos dar-lhe um acabamento que nos foi

permitido pelo processo dialógico de “ver o mundo através do sistema de valores do

outro” e voltarmo-nos a nossa posição inicial de responder às questões de pesquisa e

confirmar ou não nossa hipótese. Bem ao estilo bakhtiniano, esperamos que outras

vozes dialoguem com as nossas vozes aqui dessa tese no sentido de complementar

informações dadas e, por que não, ajustar posicionamentos sugeridos com as nossas

considerações.

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ANEXOS

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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1- Prática de Texto - Capítulo 3 (2011, p. 46)

Anexo 2- Prática de Texto - Capítulo 8 (2011, p. 130)

Anexo 3- Prática de Texto - Capítulo 8 (2011, p. 147)

Anexo 4- Prática de Texto - Capítulo 9 (2011, p. 153)

Anexo 5- Prática de Texto - Capítulo 9 (2011, p. 159)

Anexo 6- Prática de Texto - Capítulo 10 (2011, p. 182)

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

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ANEXO 6