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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rosemeyre Moraes de Oliveira Atende aí que é a readaptada da tarde!Sentidos-e-significados do trabalho do professor em readaptação DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DE LINGUAGEM São Paulo 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rosemeyre Moraes de Oliveira

“Atende aí que é a readaptada da tarde!”

Sentidos-e-significados do trabalho do professor em readaptação

DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DE

LINGUAGEM

São Paulo

2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rosemeyre Moraes de Oliveira

“Atende aí que é a readaptada da tarde!”

Sentidos-e-significados do trabalho do professor em readaptação

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para a

obtenção do título de Doutora em

Linguística Aplicada e Estudos de

Linguagem, sob a orientação da Profª Drª.

Ângela Brambilla Cavenaghi Themudo

Lessa.

São Paulo

2018

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Angela Brambilla Cavenaghi Themudo Lessa - Orientadora

(Pontifícia Universidade Católica – SP)

______________________________________________________________

Prof. Dr. Adolfo Tanzi Neto

(Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – BA)

______________________________________________________________

Profª Drª Marcia Donizete Leite Oliveira

(FATEC - Faculdade de Tecnologia de São Paulo – SP)

______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Flamínia Manzano Moreira Lodovici

(Pontifícia Universidade Católica – SP)

______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Kathryn Marie Pacheco Harrison

(Pontifícia Universidade Católica – SP)

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Ficha Catalográfica

OLIVEIRA, Rosemeyre Moraes de, “Atende aí que é a readaptada da tarde”

Sentidos-e-significados do Trabalho do Professor em Readaptação. São Paulo,

2018. 216 pp.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Área e Concentração: Linguística Aplicada e Estudos de Linguagem.

Orientadora: Professora Doutora Angela Brambilla Cavenaghi Themudo Lessa.

Palavras-chave: Linguagem, trabalho do professor, adoecimento, readaptação

funcional.

Autorizo, exclusivamente, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrônicos.

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Agradeço e dedico este trabalho:

Rosemira de Moraes, minha maior inspiração e meu melhor exemplo.

Heloisa Moraes Treiber, meu maior motivo.

Família “J” Marcos Xixa Treiber, Pamela Nishime, Marcio Treiber, Karin Treiber, Marcelo Treiber; Sid Clooney Moraes (que participou o tempo todo e sentiu quando não houve passeio) e José Roberto Moraes Treiber.

Ao Governo do Estado de São Paulo, pelo auxílio financeiro.

Às pessoas que destacadamente me ajudaram a iniciar e concluir este trabalho: Edna Caldeira Martins Guellere e Regina Amélia Botelho Nicolau (EFAP).

Aos que estiveram efetivamente perto de mim no decorrer da pesquisa: Ana Célia Reis; Ana Lúcia Paschoalete; Anajaria Santos Silva; Angelita Marcelina A. Amaral; Bruno Liberato Lopes; Carlos Giannazi; Darlene Silva; Denise Bastos de Medeiros; Dora Cudignola; Ednaldo Torres; Edinéia Carvalho, Elisio Müzel; Geane Batani Bento Luques; Gisely Evangelista Garcia; Gislaine Aparecida Clemente de Amorim; Glisélia Gonçalves; Izilda Santos; Jose Antonio Moreira da Silva; Jaira M. L. Camargo e Silva; Jumara Garcia Lopes, Jussimara Garcia, Marcia Lousan; Marcio Silva; Maria Helena Tambellini FaustinoMariangela Leite; Priscila Karin Caetano Faria; Raquel Rocha; Roberta Sousa; Shirley Ferreira; Sirlene Lopes; Talita Nabas Tavares; Thiago Jefferson.

À melhor Banca Examinadora que alguém pode ter: Adolfo Tanzi Neto, Flamínia Manzano Moreira Lodovici, Kathryn Marie Pacheco Harrison, Leonardo Nogueira Silva Filho, Marcia Donizete Leite, Maria Aparecida Caltabiano Magalhães Borges da Silva.

Aos amigos do grupo ILCAE, pelo apoio inominável: André Nascimento; Antonio Bruno Cavalcante Ferreira; Carolina Cesarino Pereira; Cristiane Machado; Cyntia Moraes Teixeira; Gleice Divitis; Grassinete Albuquerque Oliveira; Luisa Tenente, Maria Angela Masin; Ninive Daniela; Rubens Fernando de Souza Lopes; Silvia Armada; Vilma Lucia de Oliveira Barreira.

Anna Rachel Machado – in memoriam.

Por motivos que só vocês conhecem e em agradecimento pelo apoio especial: Adail Sobral, Adriana Esteves, Adriana Morgado; Alex Genelhu, Associação Coral da Cidade de São Paulo; Claudia Natali; Eliana Antunes; Eliana Cacero; Erly Junior; Fernando Mansano, Flora Lea, Gildete Veiga; Katia Martins; Isaura La Cour, Jacques Carlos; José Lopes Moreira Filho (Doutor), Kate Reis, Lucia Helena Alencastro, Marcia Friggi; Marcia Martins (CEPRIL); Maria Lucia dos Reis (LAEL), Paula Borges; Patrícia Mendes; Rachel Ann Hauser Davis; Regiane Rodrigues; Reis Magno; Reinaldo Moreira; Rodrigo Tavoni, Roseli Bernardes; Rosimeire Boschesi; Walter Oliveira.

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Aos amigos que reencontrei na EE Maestro Brenno Rossi; Patrícia Paiva, Cínthia Salles e aos demais que ganhei de presente: Ana Zanata, Cícera Araújo, Demick Cruz, Eliane Santiago, Eunice Herrera, Joana Santos, Joucineide Gomes, Maria Nazaré, Maria José, Romilda Leite, Rosi Cabral, Solange Silva.

A todos que cansaram de ouvir meus “não posso”, “não vai dar”, “tô estudando” nas vezes em que não pude estar presente nas farras, porém, fiz tudo para dar apoio nos momentos ruins que vocês eventualmente tiveram.

A todos que elogiaram o tema da pesquisa e me incentivaram ainda mais; a todos que possam se beneficiar dos resultados, a todos que passaram a compreender a readaptação funcional de outra forma depois de uma simples entrevista, aos que mudaram seu pré-conceito sobre quem está em readaptação, a quem se reconhecer nesta pesquisa, a quem entender que não deve ser humilhado e permanecer calado.

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A vida é mesmo bem interessante. O destino fecha algumas portas, abre

outras, coloca oportunidades que às vezes deixamos passar, mas não desta vez!!

Às vezes os céus mandam anjos para nos tranquilizar, ajudar e ensinar a

seguir. Os anjos têm nome, às vezes eles têm nome de anjo mesmo, diretamente do

Latim: Angela, esse é o nome do anjo que tive no momento de maior angústia

acadêmica, esse é o nome do acolhimento que tive, da professora de quem me

separarei temporariamente e amiga que ainda terei, honrosa e orgulhosamente!

Angela, obrigada por tudo!

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Algumas palavras

O tema de uma pesquisa acadêmica surge a partir da necessidade do

pesquisador, da necessidade de outrem ou de problemáticas que demandam a

realização de pesquisa para que sejam mais bem compreendidas e que dessa

compreensão nasçam soluções.

Uma pesquisa científica não nasce da inspiração ou vontade de escrever pura

e simples: quem sorve em um tema o faz a partir de uma vivência ou de algo que

espera vivenciar; pode ser por uma curiosidade, mera, porém, nunca infundada: foi a

partir da pergunta “por que o homem não voa?” que o avião foi inventado.

Sorver em um tema é tarefa complexa; a tese nasce de uma hipótese que no

decorrer da pesquisa é confirmada, ou não, por meio dos elementos reunidos e do

tratamento que a fundamentação teórica permite aplicar a esses elementos. Nas

palavras de Amir Klink1:

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.

Esse viajar, processo similar ao que se repete inúmeras vezes em meu

pensar e meu sentir, condensa o turbilhão de ideias acerca do que me leva a

escrever esta tese. Ver por si com seus olhos e pés, conforme dito por Klink,

assemelha-se à reunião dos elementos para a análise que, por sua vez, dirá das

coloridas flores que olhos viram ou da lava incandescente e queimante em que pés

pisaram.

Não obstante, uma tese não se faz apenas dos questionamentos internos e

motivações para tecê-la, das perguntas centrais de uma pesquisa e junção de

elementos, uma tese se faz também da comprovação ou refutação de uma hipótese

obtida somente após a análise satisfatoriamente aportada.

1 https://pensador.uol.com.br/frase/MTU2NzQ1/ - Acesso em 22/12/2016 às 11:01.

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Para sermos professores e doutores do que não vimos é necessário referir à

visão de quem descreveu os fenômenos, esses são os autores de nossas citações

diretas e indiretas e em destaques e resenhados, a nossa Fundamentação Teórica,

a quem recorremos por nos ajudarem a desfazer a imagem de mundo que temos

antes de desnudar uma problemática para compreender a realidade de quem a vive.

Sobre o fazer uma tese e as teorias que a fundamentam, Umberto Eco

categoriza tais fazeres segundo os requisitos dos cursos de graduação da Itália cuja

conclusão exige um trabalho de pesquisa em que “o estudante trata de um problema

respeitante à área de estudos em que quer se formar” (2007,p. 27), entretanto,

conforme refere Eco, uma pesquisa de tese encontra-se inserta em maior

complexidade e profundidade, está no nível da “superlicenciatura, o doutoramento,

ao qual se propõem apenas aqueles que querem aperfeiçoar-se especializar-se

como investigadores científicos” (ECO, 2007 p. 28).

A tese, neste caso, mostra-se como um trabalho não necessariamente

inédito, mas “original de investigação” (ECO, 2007 p. 28), com vistas a contribuir

socialmente para as políticas públicas educacionais acerca de um professor peculiar;

aquele que, por força das intempéries ocorridas no exercício docente, hoje não mais

“professora” e encontra-se sob a condição de readaptação funcional.

Não nos antecipando a conceituar tampouco dissertar sobre qualquer

metodologia de reunião de elementos ou de análise deles, o que será feito no

capítulo correspondente, para escrever esta tese fomos ao terreno sentir se é firme

ou derrapante, se o clima é ameno ou atroz e se esse “sentir o terreno com nossos

pés” além do que podem nos dizer sobre ele os livros, os autores e outros

pesquisadores, faz com que esta pesquisa figure entre as que Eco (2007, p. 29)

chame de “tese de investigação, mais longa, fatigante e absorvente”.

Eco (2007 p. 31) à guisa de “como fazer uma tese” orienta sobre a sequência

(metodológica) que o texto de uma tese deve ter: “(1) escolha do tema preciso

[projeto]2, (2) recolher documentos sobre esse tema [estado da arte, prescritos,

bibliografia disponível], (3) pôr em ordem esses documentos [relevância], (4)

reexaminar o tema em primeira mão à luz dos documentos recolhidos [pertinência]

(5) dar uma forma orgânica a todas as referências precedentes [introdução] (6)

2Os termos entre chaves são inserções feitas pela pesquisadora.

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proceder de modo que quem lê perceba o que se quer dizer e fique em condições,

se for necessário, de voltar aos mesmos documentos para retomar o tema por sua

conta [coerência, coesão, escolhas lexicais, disposição de anexos]” (ECO, 2007, p

31-32).

Viajar e conhecer com os próprios olhos são experiências únicas, tão

singulares que talvez cheguem a ser egocêntricas, porém, fazer uma tese é

“construir um objeto que, em princípio, sirva também para outros” (ECO, 2007 p. 32).

Nestas palavras iniciais referimo-nos às fontes de uma pesquisa acadêmica,

ao ato de sorver em um tema, ao viajar por conta própria para enxergar, ouvir e

sentir, não lisergicamente, nem apenas pela leitura (seja ela romanesca ou teórica),

mas, concretamente, pelo tocar e sentir, ver e sorver.

Toda a tese é composta de um objeto amplo e um recorte mais específico,

não se tratando de bipartição, mas sim de delimitação do tema para que não nos

percamos no tratamento dado por meio das fontes de consulta, os referenciais

teóricos (ou fundamentação teórica) aos elementos reunidos.

Mais uma vez recorremos a Eco (2007, p. 32) para dizer desta tese que se

trata de estudo de fenômeno vivido por muitos, que vem a ser o adoecimento do

professor da rede pública estadual de São Paulo, na maioria de vezes, em

decorrência do exercício docente, que ocasiona patologias físicas de origem

ortopédica, fonológica e respiratória; as psíquicas, como depressão e síndrome do

pânico; há ainda o adoecimento em consequência de fenômenos sociais, como o

assédio moral e a violência escolar.

Nossos participantes, doadores do corpus ímpar, mostram que o mundo de

quem vive a readaptação profissional do professor é uma realidade inimaginável

para aquele que está em exercício docente e para o gestor que vê no professor em

readaptação uma fonte de problemas presentes e futuros a gerir, porém,

aparentemente vilipendiando os passados que engendraram a moldura desse

quadro atual.

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Freude, schöner Götterfunken Tochter aus Elysium

Wir betreten feuertrunken Himmlische, dein Heiligtum!

Seid umschlungen, Millionen Dieser Kuss der ganzen Welt!

Brüder! Über'm Sternenzelt Muss ein lieber Vater wohnen

Ihr stürzt nieder, Millionen? Ahnest du den Schöpfer, Welt?

Such ihn über'm Sternenzelt! Über Sternen muss er wohnen

Friedrich Schiller

Alegria, mais belo fulgor divino Filha de Elíseo

Ébrios de fogo entramos Em teu santuário celeste!

Abracem-se milhões de seres! Enviem este beijo para todo o mundo!

Irmãos! Sobre a abóbada estrelada Deve morar o Pai Amado

Vos prosternais, Multidões? Mundo, pressentes ao Criador?

Buscais além da abóbada estrelada! Sobre as estrelas Ele deve morar

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RESUMO

Esta tese de doutorado, situada no campo da Linguística Aplicada, tem como

objetivos gerais contribuir para as pesquisas em contexto educacional pelo Grupo

ILCAE - Inclusão Linguística em Cenários de Atividades Educacionais (PUC-SP);

contribuir qualitativamente com impressões fornecidas pelos participantes gestores

escolares, professores em exercício docente e professores em readaptação para

futuras ações com foco nas políticas públicas e ações locais nas escolas quanto à

realocação e recuperação desses profissionais e, como objetivos específicos,

compreender de forma crítica os sentidos-e-significados do trabalho desse professor

conforme descritos pelos participantes referidos. Trata-se de pesquisa qualitativa de

cunho interpretativa de base crítica (Triviños, 2008) embasada no referencial teórico

sócio-histórico-cultural e nos estudos sobre afetividade realizados por Vygotsky

(1934/1984, 1989 e 2001) e pela dialética da exclusão-inclusão social conforme

abordada por Sawaia (2012), pelos estudos ergológicos de Schwartz (1996, 1998,

2000, 2002, 2003, 2004, 2006). À semelhança de outros estudos que investigam o

trabalho do professor e dentro dele os discursos provenientes da atividade docente,

esta pesquisa traz certo ineditismo por apresentar discursos referentes à

readaptação funcional do professor reunidos e analisados por uma professora

pesquisadora readaptada, a readaptada da tarde referida no título. O eixo epistêmico

eleito fomenta a transformação social por meio da linguagem. A questão central que

norteia esta pesquisa encontra-se tripartida pelas categorias de atores envolvidos e

por meio de suas respostas buscou-se saber “(i) pelos membros da Gestão Escolar?

(ii) pelos membros do Corpo Docente em exercício? (iii) pelos membros do Corpo

Docente em readaptação funcional? O corpus analisado é composto por respostas

obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas com os atores indicados,

realizadas em escolas jurisdicionadas às Diretorias de Ensino Leste 3 e 4, Centro-

Sul, Sul 2 e Campinas durante os anos de 2015, 2016 e primeiro semestre de 2017.

Após a análise das escolhas lexicais utilizadas pelos participantes, a recorrência de

termos semelhantes e similares demonstram que: o professor em readaptação é, na

maioria dos casos, visto como não-professor; muitos participantes apontaram as

políticas públicas vigentes em relação ao professor em readaptação como as

responsáveis pelo despreparo ao retorno das classes e aulas e pelo descaso com o

que tema é tratado pelos envolvidos diretamente na rotina de trabalho desse

professor. A exclusão social é a principal queixa averiguada, a falta de serviços

médicos que deem suporte ao professor em readaptação é a segunda queixa, a

terceira demonstra que a realocação em espaços em que haja contato direto com

alunos e com o extremo ruído agravam os quadros de ansiedade e pânico e que, o

trabalho na secretaria e nos corredores escolares é o grande fator de

desqualificação profissional e pessoal do readaptado por fazer com que sua

identificação como “professor” seja apagada.

Palavras-chave: Linguagem e trabalho; Readaptação Funcional; Professor.

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ABSTRACT

This PhD thesis, situated in the field of Applied Linguistics, aims to contribute to

research in an educational context through the ILCAE Group - Linguistic Inclusion in

Scenarios of Educational Activities (PUC-SP), to contribute qualitatively with the

impressions provided by the participating school managers, faculty teachers and

teachers undergoing readaptation for future actions focused on public policies and

local actions in schools regarding the reallocation and recovery of these

professionals and, as specific objectives, to critically understand the senses-and-

meanings of the teacher's work as described by the referred participants. This study

is a qualitative research with a critical interpretation base (Triviños, 2008) based on a

social-historical-cultural theoretical framework and on studies on affectivity carried

out by Vygotsky (1934/1984, 1989 and 2001) and the social exclusion-inclusion

dialectic addressed by Sawaia (2012), through the ergological studies of Schwartz

(1996, 1998, 2000, 2002, 2003, 2004, 2006). Like other studies that investigate

teacher work and the discourses derived from teaching activities within this work, this

research brings a certain novelty in presenting speeches related to the functional

readaptation of a teacher gathered and analyzed by a readapted researcher teacher,

the readapted of the afternoon referred to in the title. The elected epistemic axis

fosters social transformation through language. The central question that guides this

research is tripartite by the categories of the involved actors and, through their

answers, we attempted to understand "(i) by the members of the School

Management? (ii) by the faculty members in office? (iii) by the faculty members

undergoing functional readjustment? The analyzed corpus is composed of answers

obtained through semi-structured interviews with the indicated actors, carried out in

schools that were seconded to Teaching Offices 3 and 4 of East Teaching, Center-

South, South 2 and Campinas during 2015, 2016 and the first semester of

2017. After analyzing the lexical choices used by the participants, the recurrence of

similar terms indicates that: the teacher undergoing readaptation is, in most cases,

seen as a non-teacher; many participants pointed out the current public policies

regarding the teacher undergoing readaptation as responsible for the lack of

preparation for the return to classes and for the disregard of which theme is treated

by those directly involved in the teacher's work routine. The main complaint is social

exclusion is, followed by lack of medical services that support the teacher undergoing

readaptation, while the third complaint demonstrates that relocation in spaces in

direct contact with students and with extreme noise aggravates anxiety and panic

scenarios, and that work in the office and in the school corridors is the greatest factor

for the professional and personal disqualification of the readapted, erasing their

identification as a "teacher".

Key-words: Language and work; Functional readaptation; Teacher.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Rol de atividades ............................................................................. 40

Figura 2 – Esquema do trabalho do professor em sala de aula ....................... 58

Figura 3 – Capa do Manual do Readaptado e da Readaptação ...................... 184

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Anexo I da Resolução SE 18/2017 ................................................ 49-50

Quadro 2 – Comparativo das funções dos professores em exercício docente

e professores em readaptação .......................................................................... 61

Quadro 3 – Funções destacadas do Quadro 2 ................................................. 65

Quadro 3 – Categorias de Análise e Interpretação ........................................ 116-117

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAP Avaliação da Aprendizagem em Processo

AOE Agente de Organização Escolar

ATPC Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo

CAAS Centro de Atenção e Atendimento à Saúde

DER - Diretoria de Ensino Regional

DPME Departamento de Perícias Médicas do Estado

GOE Gerente de Organização Escolar

ILCAE Inclusão Linguística em Cenário de Ações Educacionais

LA Linguística Aplicada

PEED Professor em Exercício Docente

PER Professor em Readaptação

PP Professora Pesquisadora

PPP Projeto Político-Pedagógico

QAE Quadro de Apoio Escolar

QM Quadro de Magistério

QSE Quadro de Supervisão Escolar

SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento do Ensino de São Paulo

UE Unidade Escolar

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SUMÁRIO Introdução .................................................................................................. 18

1.1 Contextualização ................................................................................ 20

1.2 Objetivos e Questões Norteadoras .................................................... 21

1.3 Organização dos Capítulos ................................................................ 30

Capítulo 1 As Prescrições do Trabalho do Professor ...........................

31

1.1 Estatutos ............................................................................................... 31

1.2 Atribuições ............................................................................................ 32

1.3 Legislações Sobre a Readaptação Funcional Do Professor ................. 37

Capítulo 2 Fundamentação Teórica ......................................................... 51

2.1 Apresentação a Descrição do Trabalho do Professor ........................... 52

2.1.1 Reorganização do Trabalho do Professor em Readaptação ............. 59

2.1.1.1 Prescrição para o Trabalho e Reorganização Interna: Tornando o

Agir Vivível ..................................................................................................

67

2.2 Construção da identidade docente ........................................................ 71

2.2.1 Entendimento do conceito “identidade” .............................................. 72

2.2.2 Identidade docente: entre trabalhar e “dar aula” ................................ 74

2.3 Conceitos de Vygotsky .......................................................................... 78

2.3.1 Sentidos-e-significados ...................................................................... 80

2.3.2 Afetividade: experiências e vivências a (trans)formar a emoção ....... 87

2.3.2.1 A afetividade segundo Vygotsky ..................................................... 88

2.4 – Sofrimento ético-político: resultado da prescrição para o sujeito e

não pelo sujeito ...........................................................................................

92

2.4.1 Categorizando o “sofrimento ético político” ........................................ 94

2.4.2 O sofrimento ético-político e desigualdade social .............................. 97

Capítulo 3 – Metodologia de Pesquisa ....................................................

101

3.1 Tipo de pesquisa ................................................................................... 101

3.2 A entrevista semiestruturada como dispositivo metodológico para união dos elementos ...................................................................................

103

3.1.1 Seguindo o método da entrevista semiestruturada ............................ 104

3.1.2 Sistematização dos elementos reunidos por meio da entrevista ....... 106

3.2 Participantes .......................................................................................... 108

3.2.1. Gestores escolares ........................................................................... 107

3.2.1.1 Supervisores de Ensino .................................................................. 109

3.2.1.2 Diretores escolares ......................................................................... 109

3.1.2.3 Vice-diretor escolar ......................................................................... 110

3.2.1.4 Professor coordenador pedagógico ................................................ 111

3.2.2 Professores ........................................................................................ 112

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3.2.2.1 Professores em exercício docente .................................................. 112

3.2.2.2 Professores em readaptação .......................................................... 113

3.3 Categorias de análise ............................................................................ 114

Capítulo 4 Análise e Interpretação do Corpus .......................................

118

4.1 Eixo temático “relação professor em sala de aula versus professor em

readaptação” ...............................................................................................

119

4 .2 Eixo temático “demanda escolar” ......................................................... 137

4.3 Eixo temático “ser útil” ........................................................................... 149

4.4 Eixo temático “direitos” .......................................................................... 158

4.5 Eixo temático “apoio” ............................................................................. 165

4.6 Eixo temático “políticas públicas” .......................................................... 170

Considerações finais ................................................................................

182

Referências ................................................................................................

189

Anexos

Anexo 1: Organograma da Secretaria Estadual da Educação .................... 196

Anexo 2: Organograma das Diretorias de Ensino ....................................... 197

Anexo 3 Organograma escolar ................................................................... 198

Anexo 4 Manual do readaptado e da readaptação ..................................... 199

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INTRODUÇÃO

Quem é o “readaptado da tarde” em termos genéricos?

De acordo com o Manual do Readaptado e da Readaptação (Anexo 4) do

Departamento de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Educação de SP3,

o readaptado é aquele que sofreu “afastamento (temporário ou definitivo) das

funções inerentes ao cargo/função-atividade (de origem), por decisão médica,

devidamente autorizada pelo Secretário de Estado da Secretaria da Saúde, através

de Súmula4, publicada no Diário Oficial do Estado”.

No Manual não consta referência direta à atividade docente já que na referida

Secretaria há outros cargos e funções e, quem as exerce, pode sofrer afastamentos

tal qual o professor.

Há vários tipos de afastamento dos funcionários públicos: licença-gala (para

núpcias), licença nojo (por óbito em família), licença para tratar de interesses

particulares - Art. 202, Lei 10.261/68 (com duração máxima de dois anos, concedida

apenas para servidores com cinco anos de exercício). O que é necessário para início

do processo de readaptação é a autorização médica, evidenciando o resultado da

doença que é muitas vezes adquirida no exercício profissional.

O crescimento dos casos de readaptação funcional entre os professores da

Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tem sido vertiginoso: o número de

professores em readaptação (doravante PER) após licença médica cresceu 25% em

2 anos: em 20115 havia 11.872, em maio de 20136 essa soma era de 14.340

professores. Segundo o Diretor de Pessoal de uma das Diretorias de Ensino

(doravante DE), semanalmente, em cada uma das 91 Diretorias de Ensino do

Estado de São Paulo, 10 servidores são readaptados e outros 8 têm sua

readaptação cessada.

Após simples cálculo com base nas informações obtidas, chega-se à média

anual de readaptações de professores: 9564; somando-se tal número ao último 3 Disponível em http://desumare.educacao.sp.gov.br/NucleoAdmPessoal/MANUAL%20Readaptado.pdf. 4 Modo de tornar pública, por meio de publicação em Diário Oficial, uma decisão sobre a vida funcional do servidor após os trâmites de um processo, a readaptação é um processo. 5http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2014-10-30/apos-licenca-medica-14-mil-professores-nao-voltam-as-salas-de-aula-de-sp.html 6 A atualização desses números para os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017 foi pedida ao Centro de Recursos Humanos da Secretaria de Educação de SP. Houve recusa na cessão dos dados sob a alegação de serem dados sigilosos.

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resultado oficial obtido, referente a maio de 2013, temos a seguinte somatória:

23.804 professores readaptados em 2014, 33.268 professores readaptados em 2015

e 42.732 professores readaptados em 2016.

Segundo dados do Portal G1 de comunicação7 o “número de professores

afastados por transtornos mentais ou comportamentais nas escolas estaduais de

São Paulo quase dobrou em 2016 em relação a 2015: foi de 25.849 para 50.0468.

Por intermédio dados obtidos pela Globonews, “por meio da lei de acesso à

informação, até setembro de 2017, 27.082 professores se afastaram”. De um total de

207.3 mil9 de professores no Estado, o número estimado de readaptações perfaz

22.6% do contingente de professores com problemas de saúde.

Em readaptação funcional, o professor tem seu trabalho reorganizado: passa

a trabalhar como bibliotecário, inspetor de alunos, ajudante de cozinha no preparo

da merenda, auxiliar administrativo na secretaria ou coordenação escolar10,

entretanto, tal reorganização pode ter efeito negativo para esse professor, pois,

muitas vezes, readaptá-lo em funções cuja tarefa propicie expô-lo às situações

causadoras de suas patologias originais (como atender o telefone se tem patologias

da voz, limpar lousas entre um turno e outro se tem patologias respiratórias, fazer as

vezes de inspetor de alunos se tem pânico ou etiologia psiquiátrica causada pelo

contato com alunos) pode agravar sua saúde física.

Muitas vezes trabalhando na secretaria ou na biblioteca, o professor passa a

ser designado como “o tio da secretaria”, “a tia da biblioteca” e ainda “a readaptada

da tarde” e isso incide na perda da identidade pessoal e profissional, que também é

fator de sofrimento, pois seu nome é substituído por “tio / tia” e seu estatuto

profissional (professor) é descaracterizado.

7Fonte: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/numero-de-professores-afastados-por-transtornos-em-sp-quase-dobra-em-2016-e-vai-a-50-mil.ghtml> - Acesso em 21/01;2018 às 14:15. 8 O número indicado pela agência de notícias difere do estimado pela pesquisadora, entretanto, a agência não deve ter contabilizado os professores cujas readaptações têm sido cessadas pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado. 9 Fonte: <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,rede-estadual-de-sp-perde-44-mil-professores-em-dois-anos,10000082144> - Acesso em 21/01/2018 às 14:24. 10 Função na qual esta pesquisadora foi realocada sem escolha e sem atendimento nos pedidos de mudança.

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1.1 – Contextualização

A carreira desta pesquisadora como profissional da Educação teve início no

ano de 2003, com aulas na modalidade de reforço e substituição de docente titular

da disciplina de Inglês. A efetivação por meio de concurso público veio no ano de

2006. Dessa data até então, laborou em 4 escolas, uma delas jurisdicionada à DE

Leste 4 e as demais à DE Leste 3.

No ano de 2009, em escola da DE Leste 4 ocorreu a esta pesquisadora

ameaça por aluno armado na porta da sala de aula, fato que desencadeou

acontecimentos concatenados: evitamento da sala do aluno, faltas em hora-aulas e

faltas-dia, estresse pós-traumático, síndrome do pânico, quadros depressivos,

afastamentos médicos, tentativas infrutíferas de retorno às aulas, afastamentos

médicos de maior duração e processo de readaptação funcional encaminhado ao

Departamento de Perícias Médicas do Estado (doravante DPME) até o resultado

favorável à readaptação, com a Súmula publicada em 2012.

O afastamento definitivo da sala de aula, por meio de remoção da escola-

cenário dos fatos foi solicitado no ano de 2011 e atendido já para o período letivo de

2012. Na escola-destino, após encerramento das licenças médicas e retorno ao

trabalho, ocorreu a reorganização do trabalho docente para o administrativo na

Coordenação Pedagógica. Havia mais três professores readaptados cujos setores

de trabalho eram a Secretaria Escolar e uma Sala que ao mesmo tempo funciona

como Ambiente de Leitura e Biblioteca.

As situações vividas na nova situação de “professora em readaptação”

(doravante PER)11 referentes à desqualificação profissional e pessoal, situações de

assédio como controle dos horários de refeição, do número de visitas ao banheiro e

contagem do tempo passado nele, proibição da entrada na sala dos professores

durante intervalos dos alunos e a afirmação de membros da gestão escolar de que

“para trabalhar é louca, mas para fazer doutorado presta! Como é isso?”

desencadearam a procura por mais profissionais em situação semelhante nas redes

sociais, a fim de comparar experiências.

11A abreviatura será usada para os gêneros masculino e feminino e para a concordância no singular e plural.

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A percepção tida por esta pesquisadora de que a maioria dos PER com quem

entrou em contato por meio das redes sociais passam por tal sorte de

desclassificações, maus-tratos e falta de acolhimento e reconhecimento como

profissional, assédio moral e exposição ao abandono fez surgir a ideia de pesquisa

acadêmica com o tema “trabalho do PER”.

Ao ter tido uma ligação efetuada para a escola encaminhada ao Gerente de

Organização Escolar (doravante GOE) pela frase “Atende aí que é a readaptada da

tarde!”, título desta pesquisa, a certeza da necessidade de um estudo aprofundado a

fim de tornar públicas as consequências da readaptação do professor foram

materializadas em projeto de doutoramento e cristalizadas nesta tese.

1.2 – Objetivos e questões norteadoras

Espera-se que com a presente pesquisa novas contribuições possam se

somar às já existentes, no grupo Inclusão Linguística em Cenários de Atividades

Educacionais – ILCAE da PUC-SP, cujo escopo centra-se em pesquisas relativas a

cenários educacionais procurando articular Linguística Aplicada à Educação e à

Psicologia Social, inserindo em seus temas de pesquisa, entre outros, a formação e

o trabalho do professor.

Esta pesquisa se une às demais do grupo por articular linguagem e trabalho

do professor, ao mesmo tempo que inova no Grupo12 por estar a pesquisadora

imersa na situação pesquisada, ou seja, uma professora pesquisadora readaptada

pesquisando a readaptação do professor. Tal pesquisa foi direcionada pela prática

social da linguagem pelos participantes, agentes do contexto sócio-histórico-cultural

em que estão inseridos.

Ao relacionar linguagem ao trabalho, inserimos a presente pesquisa no

campo da Linguística Aplicada ao trabalho do professor, como também, nos estudos

que articulem a relação linguagem e trabalho, linguagem e exclusão social,

linguagem e sofrimento causado pela exclusão social pela qual o professor em

readaptação refere passar

12 Esta pesquisadora não é a primeira professora em readaptação a pesquisar o tema. A pesquisadora Pezzuol, citada no Estado da Arte desta pesquisa, encontrava-se em readaptação quando da elaboração de sua Dissertação de Mestrado.

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Os elementos para a análise consistem em enunciados oriundos de

entrevistas semiestruturadas, método escolhido por dar mais liberdade ao

participante de se expressar e também por permitir ao pesquisador formular

questões adicionais a partir do (des)encadeamento do que é dito, permitindo-nos

inserir novas perguntas à medida que o pesquisado responde a elas, podendo

polemizar ou complementar respostas por ele fornecidas, dando a cada entrevista

caráter mais individual, dinâmico e original.

Após justificar a pertinência desta pesquisa no campo da Linguística Aplicada,

diremos desta pesquisa que seus objetivos gerais são:

• Contribuir para o rol de pesquisas do Grupo ILCAE no que tange ao

trabalho do professor em readaptação;

• Contribuir qualitativamente, por meio das falas dos participantes sobre

a readaptação do professor, para que ações locais nas escolas e

gerais nas políticas públicas educacionais possam ser adotadas, a fim

de promover a recuperação desses professores e reinseri-los

socialmente no ambiente escolar e, profissionalmente, nas salas de

aula.

Como objetivo específico desta pesquisa, intentamos

• Depreender os sentidos-e-significados do trabalho do professor em

readaptação;

A fim de cumprir os objetivos descritos, as perguntas norteadoras desta

pesquisa são:

Que sentidos-e-significados são atribuídos aos professores em readaptação e

seu trabalho: (i) pelos membros da Gestão Escolar? (ii) pelos membros do Corpo

Docente em exercício? (iii) pelos membros do Corpo Docente em readaptação

funcional?

A partir da definição do tema, a etapa decorrente consistiu na pesquisa de

trabalhos acadêmicos que versam sobre a readaptação funcional do professor. O

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resultado da busca demonstrou a existência de pesquisas realizadas à luz dos

campos do saber além da Educação e da Linguística Aplicada, conforme serão

apresentadas a seguir.

A dissertação de Maria de Lourdes Moraes Pezzuol, intitulada “Identidade e

trabalho docente: A situação do professor readaptado em escolas públicas do

Estado de São Paulo. Mogi das Cruzes, SP” datada de 2008, consta de pesquisa

inserida no campo da Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação. Aborda a

ocorrência de um problema de saúde que culmina na readaptação e tem por

objetivos: (i) identificar o perfil de tais professores nos ambientes escolares e (ii)

avaliar as consequências da readaptação para a identidade profissional docente. A

fim de reunir os dados para a análise, a pesquisadora procedeu à organização de

informações colhidas aos órgãos oficiais da Educação e Saúde do Estado de SP,

responsáveis pelos processos de readaptação do professor e por projetos de

preservação da saúde de servidores públicos estaduais.

O embasamento teórico eleito pela pesquisadora contemplou a Teoria Crítica

da Sociedade e a análise dos dados contemplou métodos quantitativos e

qualitativos. O universo empírico foi formado de 254 professores readaptados nas

78 escolas jurisdicionadas à DE da Região de Mogi das Cruzes – SP.

Quantitativamente os resultados apontaram para o número de PER na região e,

dentre eles, apontou que as principais causas de adoecimento em exercício docente

e em readaptação são as mesmas e que continua a acometê-los mesmo após o

afastamento da sala de aula, quando são mantidos no mesmo ambiente insalubre;

qualitativamente, os resultados alcançados com o apoio da metodologia de História

de Vida revelaram pormenores da identidade docente no processo de readaptação.

As considerações da pesquisa apontam para a suspensão da identidade

docente dos PER, da exposição ao preconceito “enraizado na cultura escolar”;

Pezzuol concluiu ainda que o processo de readaptação, nos moldes em que é

realizado, além de não promover a recuperação e retorno do PER a regência de

salas e aulas, o expõe a situações angustiosas que podem agravar estados de

ânimo e promover doenças adicionais à inicial. Além das conclusões, a autora

sugere ações para suplantação das contradições reveladas por meio da pesquisa.

A dissertação de Giselle Rodotá Gonçalves Pinto, datada de 2010, intitulada

“A Readaptação Docente na Rede Estadual de Ensino de São Paulo: visões de

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educadores” teve como objetivo estudar as representações que professores em

exercício docente (doravante PEED) e gestores têm sobre o PER na rede pública

estadual de São Paulo.

A autora ratifica que: após o afastamento da sala de aula, o PER tem seu

novo trabalho atribuído pelo diretor escolar, que mesmo afastado da sala de aula,

sua condição de integrante do Quadro do Magistério não é alterada e que, com a

readaptação, o professor vivencia a diferença entre ser professor e estar professor,

principal objeto de análise de sua pesquisa, com a qual objetiva conhecer a trajetória

do profissional, trabalhando no mesmo ambiente escolar antes e após a

readaptação.

Partindo de questionamentos da percepção do PER acerca de sua atual

condição funcional e quais as razões que levaram a seu afastamento da sala de

aula, a presente pesquisa buscou conhecer também como os PEED e gestores

percebem a readaptação e, igualmente às pesquisas citadas, questiona como a

readaptação é vista em termos das políticas educacionais.

O estudo qualitativo foi desenvolvido em duas escolas da cidade de

Guarulhos – SP com PER em seu quadro funcional, guiado por entrevistas com os

participantes já mencionados, por análise dos prontuários dos PER e análise do

Projeto Político Pedagógico e Regimento Escolar, a fim de avaliar as menções aos

PER nesses documentos norteadores da ação escolar.

A pesquisadora conclui que os trabalhos de apoio pedagógico e

administrativo realizado pelos PER participantes, sua exclusão dos documentos

escolares e das atividades pedagógicas coletivas não os incomoda a ponto de,

unanimemente afirmarem que preferem tais trabalhos ao retorno à sala de aula,

caso suas patologias fossem reversíveis.

A dissertação de Rosana Carneiro Ferreira Medeiros, datada de 2010,

intitulada “Para uma ecologia (mais) humana do professor readaptado”, abordou o

tema da readaptação funcional do professor da rede pública de ensino de Brasília –

DF com base na Ecologia Humana, que considera o ambiente escolar como espaço

ecossistêmico em articulação com os diferentes atores sociais participantes do

complexo fenômeno pesquisado.

A pesquisadora, também PER, busca por meio da pesquisa depreender os

sentidos da readaptação funcional para os docentes que passaram pelo Programa

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de Readaptação Funcional da SEDF, no espaço ecossistêmico chamado “escola

pública”, para tanto, recorreu a dados quantitativos acerca dos números de PER e

para reunir os dados para a análise recorreu à “escuta sensível” dos participantes,

escolhidos entre PER, PEED, gestores escolares e funcionários da área da saúde

envolvidos nos processos de readaptação do professor.

Por meio da etnopesquisa crítica como categoria de análise, utilizada pela

pesquisadora por “permitir reflexões amplas” (p. 5) que coincidem com os

pressupostos da ecologia humana, em seus dados a autora destaca “vivência de

sofrimento e exclusão” (p. 5), como também propõe ações em outros ambientes,

para além da sala de aula, que compõem o ecossistema escolar; evidencia também

que tais ações só serão de pleno êxito se contarem com o comprometimento

irrestrito dos demais envolvidos nesses ambientes.

Em suas considerações finais, que não considera conclusivas, a

pesquisadora ratifica a necessidade da criação de políticas públicas voltadas para a

inclusão e resgate do PER, “ser humano ávido de reconhecimento” (p. 5) e ressalta

que a limitação do agir desse professor fora imposta pelo seu adoecimento.

O trabalho de conclusão de curso de Vanessa Krahenbuhl Dias, datado de

2011, intitulado “Professores de escola pública municipal: adoecimento e

readaptação” é uma pesquisa em que se analisaram as relações entre trabalho e

adoecimento de professores, visando conhecer os fatores que levam ao

adoecimento docente e readaptação de professores do ensino fundamental em

escolas públicas municipais da cidade de Campinas- SP.

A pesquisa abordou o trâmite legal que envolve o processo de licenças

médicas e readaptação, fator de complexidade na relação trabalho-doença. A

pesquisadora trabalhou com dados coletados entre os anos de 2010 e 2011 por

meio de várias técnicas de pesquisa com professores em atividade e readaptados;

iniciou com dados quantitativos sobre o contingente docente e dentro dele a

porcentagem de profissionais em afastamento médico e em readaptação, após,

selecionou uma escola com PER em seu quadro funcional para proceder à

observação do trabalho a fim de entender como as novas funções são organizadas,

que tipos de atividades são atribuídas ao PER, que opiniões professores em

atividade e gestores têm acerca do adoecimento e readaptação no trabalho docente;

simultaneamente a pesquisadora colheu depoimentos orais que, após transcritos,

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foram utilizados para a análise, feita com base na revisão bibliográfica sobre o tema

“mal-estar docente”, utilizado como categoria de análise, apoiada em José Manuel

Esteves.

O objetivo indicado pela autora menciona a contribuição para que reflexões

acerca da saúde e trabalho de professores possam levar à construção de políticas

públicas que abranjam educação e saúde de professores. Em suas considerações

finais autora conclui que as condições de trabalho docente como salas superlotadas,

indisciplina de alunos, pressões e cobranças por manutenção e aumento nos índices

de aprovação, as horas de trabalho extraclasse a fim de concluir o trabalho

burocrático, a necessidade de trabalhar em mais de um cargo ou escola para

obtenção de melhor remuneração, a adaptação repentina à nova organização

curricular que estende o ensino fundamental para nove anos13 são os grandes

causadores do afastamento médico de professores e da readaptação que atinge

cerca de 9% dos professores em situação de licença médica.

A dissertação de Rosemary Carrusca Vieira, datada de 2013, intitulada

“Readaptação funcional de professores no serviço público: a organização como

determinante de conflitos intersubjetivos e dramas pessoais” refere a readaptação

como recurso utilizado por institutos de seguridade social de empresas públicas e

privadas para realocar em outras funções os trabalhadores que passem por alguma

sorte de perda funcional, considerando-se as limitações e potencialidades desse

trabalhador, atribuindo-lhes tarefas compatíveis com suas condições de saúde ora

apresentadas.

A pesquisadora aponta para o fato de que o processo de readaptação

funcional apresenta dificuldades que precisam de solução pontual, pois os

trabalhadores em readaptação ficam impedidos de realizar tarefas que estejam em

compatibilidade com suas limitações, têm dificuldade na preservação de sua saúde e

são excluídos de seus coletivos profissionais.

A proposta da pesquisa é analisar as dificuldades que os profissionais

enfrentam no processo de readaptação, visando compreender o deferimento ou

13 De acordo com a Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que amplia o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade e estabelece prazo de implantação, pelos sistemas, até 2010.

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indeferimento dos processos de readaptação de professores e as implicações

pessoais que o processo causa nesses profissionais; para tanto se utilizou do

método biográfico de Le Guillant (2006), obtendo dados por meio de entrevistas com

os diferentes atores sociais envolvidos nos processos de readaptação para além do

âmbito escolar: médicos, assistentes sociais, psicólogos, entre outros. As categorias

de análise envolveram a Ergonomia (Wisner, 1987; Guérin et. al., 2001), a Ergologia

(Durrive; Schwartz, 2010), a Clínica da Atividade (Clot 2010) e a Filosofia

(Canguilhem, 2009). Ao término das análises, a pesquisadora enumera razões

pelas quais considera a readaptação do professor como um processo fracassado:

“a) a visão negativa e preconceituosa de gestores e pares acerca dos professores

em readaptação funcional, o que conduz a três outras situações; b) negação dos

limites necessários à atividade profissional dos professores em readaptação

funcional; c) o isolamento dos professores do coletivo profissional docente; d)

atribuição de tarefas que subempregam os trabalhadores readaptados” (Vieira,

2013, p. 3).

A dissertação de Sandra Maria Pateiro Salgado Noveletto Antunes, datada

de 2014, intitulada “Readaptação docente trajetória profissional e identidade”, tem

como objetivos compreender e explicitar a ocorrência de afastamento de docentes

por patologias de origem psíquica e se há causa social que provoque o fenômeno da

readaptação de docentes; busca investigar também se o PER possui uma

consciência crítica sobre as causas de sua readaptação e como se constitui sua

identidade depois desse processo.

A pesquisadora aborda os fenômenos sociais e econômicos ocorridos nas

últimas décadas e como o consequente capitalismo influenciou o sistema

educacional e dentro dele as condições de trabalho docente atingindo sua saúde

física e psíquica devido às atuais condições de trabalho, precarizadas também no

sistema educacional.

A autora baseia sua pesquisa em Sennet (2001) e em Esteve (1999), usando

o “mal-estar docente” como categoria de análise. O trajeto percorrido pela

pesquisadora inicia-se nas dificuldades da realização do trabalho docente, passa

pelo mal-estar oriundo dessa dificuldade, chegando ao adoecimento e readaptação

funcional. Já em readaptação, segundo a pesquisadora, a identidade docente é

impactada pela discriminação e estigmatização, pelo sentimento de culpa, pela

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desvalorização social que implica negativamente a qualidade de vida e relações

interpessoais no trabalho, que afetam a vida pessoal do PER. As conclusões

apontam para um grave quadro que atinge os docentes da rede pública estadual

paulista de ensino: o adoecimento, reconhecendo a necessidade de políticas

públicas voltadas para a condição de trabalho e a saúde desses profissionais, bem

como para a valorização do PER.

A tese de Maria Aparecida Silva Macaia, datada de 2014, intitulada “Excluídos

no trabalho? Análise sobre o processo de afastamento por transtornos mentais e

comportamentais e retorno ao trabalho de professores da rede pública municipal de

São Paulo” teve como tema o retorno ao trabalho pós-afastamentos causados por

transtornos comportamentais e mentais sofridos por professores da rede municipal

de ensino da cidade de São Paulo.

Para reunir os dados de sua pesquisa qualitativa, a autora entrevistou 20

PEED e PER do ensino fundamental durante os anos de 2011 e 2012 de forma

individual, grupos focais e questionário socioeconômico e acerca das condições de

trabalho. As respostas obtidas apontam para as condições de trabalho, destacando

que os sentidos da volta ao trabalho para os PEED também motivavam novos

afastamentos; para o PER o conflito maior reside na permanência nessa condição

ou o retorno à sala de aula. Outro foco importante da pesquisa diz respeito à

identidade profissional do PER e o preconceito disseminado entre PEED e gestão,

ressaltando a dialética afastamento-retorno bem como as condições de trabalho pós-

retorno.

A autora, assim como mencionado em outras pesquisas aqui descritas,

aponta para a necessidade de ações voltadas para o retorno do PER ao ambiente

escolar, em nome da manutenção da saúde desses profissionais.

O resultado das análises nessa pesquisa apontam para o fato de que inserir o

PER no mesmo contexto que o afastou da atividade docente pode significar

manutenção e agravamento da patologia inicial e a ela somar-se outras; que a

gestão precisa ser cautelosa na realocação do PER, que as políticas públicas

educacionais são corresponsáveis pelo adoecimento, que há necessidade premente

de revisão dessas políticas no que tange à saúde do profissional de ensino e que o

retorno ao trabalho deve ser precedido de capacitação, ou seja, preparo e

acompanhamento.

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As contribuições encontradas nos sete trabalhos de pesquisa supracitados

auxiliarão na compreensão da linguagem como fator revelador do sujeito inserido

numa situação de trabalho adversa à que desempenhava, isto é, compreendê-la no

âmbito das relações profissionais, sociais e políticas que permeiam a nova vida

profissional de docentes em readaptação; envolve participantes em situações cujas

falas jamais se mostram de forma neutra nem estática, segundo a concepção que

utilizamos, mas sim em contexto sócio-histórico determinado, a partir do qual será

possível depreender sentidos-e-significados14 que o trabalho reorganizado, como

está agora, tem para esses participantes.

Integrando as pesquisas em LA na linha de pesquisa de Educação,

Linguagem e Trabalho com foco no Trabalho do Professor do Grupo de Pesquisa

ILCAE, esta pesquisa teve como cerne a compreensão do trabalho do PER, de

acordo com a abordagem vygotskyana utilizada pelo Grupo, como sujeito sócio-

historicamente situado, cujo trabalho docente, bem como as intempéries, é

constituído na e pela linguagem, que perpassa as atividades no contexto escolar e

envolve todos os seus sujeitos.

A linguagem é, então, o locus das realizações humanas e concretização das

práticas sociais, dessa forma, serão analisados os sentidos-e-significados

construídos a respeito do trabalho ora reorganizado do PER.

Com o propósito de compor o corpus desta pesquisa recorreu-se ao método

da entrevista semiestruturada, eleito por permitir ao pesquisador intervir nas

respostas dos participantes, inserir questões não previstas no roteiro, a fim de

complementar respostas e buscar mais detalhes de vivências, para que cada

entrevista seja única e, ao mesmo tempo, dinâmica e espontânea. As peculiaridades

do método de entrevistas semiestruturadas, inserido no rol de pesquisas qualitativas

serão explanadas em capítulo específico.

14 A partir desta primeira ocorrência da expressão “sentidos-e-significados” grafada com hífen, as demais ocorrências repetirão a grafia. A razão para a hifenização do termo será esclarecida no item 2.3.1 no capítulo correspondente à Fundamentação Teórica que embasa esta pesquisa.

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1.3 – Organização dos Capítulos

A fim de responder às questões norteadoras e fundamentar os aportes

teóricos, de evidenciar os métodos de formação do corpus bem como os de suas

análise e interpretação, esta tese estará organizada em quatro capítulos.

No primeiro capítulo serão mostrados os prescritos que regem os funcionários

públicos estaduais, o trabalho do professor e os específicos para o trabalho do

professor em readaptação.

O segundo capítulo trará os aportes teóricos que fundamentam esta pesquisa

no que concerne à definição de trabalho do professor, bem como de sua

reorganização, a conceituação do que vem a ser “identidade docente”, bem como os

conceitos de Vygotsky na definição de sentidos-e-significados e de afetividade, Por

sua vez, a dialética exclusão-inclusão é tomada de empréstimo da Psicologia Social,

por meio dos estudos de Sawaia (2002) por descrever a dor psicológica sentida por

aquele que é socialmente excluído, estudo também embasado no conceito

vygotskyano de afetividade (1993, 1996).

No terceiro capítulo discorreremos acerca da metodologia de pesquisa: qual

método escolhido e a razão de tal escolha, faremos a descrição dos participantes e

das categorias de análise adequadas para responder aos questionamentos centrais

da pesquisa.

O quarto capítulo será dedicado à de análise e à interpretação do corpus, em

que enunciados dos participantes acerca do tema da readaptação do professor

serão tratados de acordo com as categorias temáticas de suas escolhas lexicais.

Por fim, serão tecidas as considerações acerca da importância desta

pesquisa para os PER, bem como o efeito dos sentidos-e-significados encontrados

nos excertos analisados, oriundos das entrevistas realizadas. Na sequência, serão

elencadas as referências que auxiliaram na construção da análise e na obtenção

dos resultados, seguidas dos anexos que mostram os organogramas referentes ao

trabalho escolar e o Manual do Readaptado e da Readaptação.

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CAPÍTULO 1 AS PRESCRIÇÕES DO TRABALHO DO PROFESSOR Este capítulo é destinado à indicação dos prescritos15 oficiais que regem a

atividade dos profissionais da educação (gestores, professores e profissionais em

readaptação), bem como à descrição das atividades desses participantes, de acordo

com a hierarquia nos organogramas (Anexos 01 e 02).

1.1 Estatutos

Os participantes desta pesquisa atuam na rede pública de Educação do

Estado de São Paulo, são considerados funcionários públicos e os vínculos

funcionais são regidos pelo estatuto instituído pela Lei 10.261, de 28 de outubro de

1968, que promulgou o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São

Paulo.

A legislação que rege o trabalho escolar, especificamente, é a Lei

Complementar 444, de 27 de dezembro de 1985, que dispõe sobre o Estatuto do

Magistério Paulista e dá providências correlatas.

Em seu Capítulo II, Seção I, Artigos 4º e 5º, a referida Lei indica a formação

do Quadro do Magistério e quadros funcionais a que cada função é vinculada:

CAPÍTULO II Do Quatro do Magistério

SEÇÃO I Da Composição

Artigo 4º - O Quadro do Magistério é composto de (dois) subquadros, a saber:

I - Subquadro de Cargos Públicos (SQC); II - Subquadro de Funções-Atividades (SQF). § 1º - O Subquadro de Cargos Públicos (SQC) compreende as seguintes Tabelas: 1. Tabela I (SQC-I), constituída de cargos de provimento em comissão; 2. Tabela II (SQC-II), constituída de cargos de provimento efetivo que comportam substituição.

15 Os pesquisadores que utilizam a Ergonomia da Atividade como aporte teórico veem a “prescrição” como um conceito amplo na relação linguagem-trabalho. Nesta pesquisa, o termo será usado para indicar o conjunto de normas (Leis, Decretos, Resoluções, Instruções) pelo qual a Secretaria de Estado da Educação regimenta o trabalho escolar.

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§ 2º - O Subquadro de Funções-Atividades é constituído da Tabela I (SQF-I) que integra as funções-atividades que comportam substituição. Artigo 5º - O Quadro do Magistério é constituído de série de classes de docentes e classes de especialistas de educação, integradas aos Subquadros do Quadro do Magistério, na seguinte conformidade: I - série de classes de docentes: a) Professor I - SQC-II e SQF-I; b) Professor II - SQC-II e SQF-I; c) Professor III - SQC-II e SQF-I. II - classes de especialistas de educação: a) Orientador Educacional - SQC-II; b) Coordenador Pedagógico - SQC-II; c) Assistente de Diretor de Escola - SQC16-I; d) Diretor de Escola - SQC-II; e) Supervisor de Ensino - SQC-II; f) Dirigente Regional Ensino - SQC-I. Artigo 6º - Além dos cargos e funções-atividades do Quadro do Magistério a que alude o artigo anterior, poderá haver, na unidade escolar, posto de trabalho de Professor Coordenador.

1.2 Atribuições

As atribuições de cada uma das funções ocupadas pelos participantes, é

dada pelo Decreto n.º 57.141, de 18 de julho de 2011, que “Reorganiza a Secretaria

da Educação e dá providências correlatas”, em seu Artigo 72, enumera as funções

dos participantes, a saber:

a) Supervisor Escolar:

I - exercer, por meio de visita, a supervisão e fiscalização das escolas incluídas no setor de trabalho que for atribuído a cada um, prestando a necessária orientação técnica e providenciando correção de falhas administrativas e pedagógicas, sob pena de responsabilidade, conforme previsto no inciso I do artigo 9º da Lei Complementar n.º 744, de 28 de dezembro de 1993; II - assessorar, acompanhar, orientar, avaliar e controlar os processos educacionais implementados nas diferentes instâncias do Sistema; III - assessorar e/ou participar, quando necessário, de comissões de apuração preliminar e/ou de sindicâncias, a fim de apurar possíveis ilícitos administrativos; IV - nas respectivas instâncias regionais: a) participar:

16 Grifos da pesquisadora. As funções Professor I, II e III, atualmente, têm a nomenclatura de Professor de Educação Básica (PEB) I para os anos iniciais do ensino fundamental e PEB II para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio. A função de Orientador Educacional foi extinta. O Assistente de Diretor ocupa a função hoje denominada Vice-Diretor.

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1. do processo coletivo de construção do plano de trabalho daDiretoria de Ensino; 2. da elaboração e do desenvolvimento de programas de educaçãocontinuada propostos pela Secretaria para aprimoramento da gestão escolar; b) realizar estudos e pesquisas, dar pareceres e propor açõesvoltadas para o desenvolvimento do sistema de ensino; c) acompanhar a utilização dos recursos financeiros e materiais paraatender às necessidades pedagógicas e aos princípios éticos que norteiam o gerenciamento de verbas públicas; d) atuar articuladamente com o Núcleo Pedagógico:1. na elaboração de seu plano de trabalho, na orientação e noacompanhamento do desenvolvimento de ações voltadas à melhoria da atuação docente e do desempenho dos alunos, à vista dos reais necessidades e possibilidades das escolas; 2. no diagnóstico das necessidades de formação continuada,propondo e priorizando ações para melhoria da prática docente e do desempenho escolar dos alunos; Por uma Gestão de Resultado com Foco no Desempenho do Aluno e) apoiar a área de recursos humanos nos aspectos pedagógicos doprocesso de atribuição de classes e aulas; f) elaborar relatórios periódicos de suas atividades relacionadas aofuncionamento das escolas nos aspectos pedagógicos, de gestão e de infraestrutura, propondo medidas de ajuste necessárias; g) assistir o Dirigente Regional de Ensino no desempenho de suasfunções; V - junto às escolas da rede pública estadual da área de circunscrição da Diretoria de Ensino a que pertence cada Equipe: a) apresentar à equipe escolar as principais metas e projetos daSecretaria, com vista à sua implementação; b) auxiliar a equipe escolar na formulação:1. da proposta pedagógica, acompanhando sua execução e, quandonecessário, sugerindo reformulações; 2. de metas voltadas à melhoria do ensino e da aprendizagem dosalunos, articulando-as à proposta pedagógica, acompanhando sua implementação e, quando necessário, sugerindo reformulações; c) orientar:1. a implementação do currículo adotado pela Secretaria,acompanhando e avaliando sua execução, bem como, quando necessário, redirecionando rumos; 2. a equipe gestora da escola na organização dos colegiados e dasinstituições auxiliares das escolas, visando ao envolvimento efetivo da comunidade e ao funcionamento regular, conforme normas legais e éticas; d) acompanhar e avaliar o desempenho da equipe escolar,buscando, numa ação conjunta, soluções e formas adequadas ao aprimoramento do trabalho pedagógico e administrativo da escola; e) participar da análise dos resultados do processo de avaliaçãoinstitucional que permita verificar a qualidade do ensino oferecido pelas escolas, auxiliando na proposição e adoção de medidas para superação de fragilidades detectadas; f) em articulação com o Núcleo Pedagógico, diagnosticar asnecessidades de formação continuada, propondo e priorizando ações

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para a melhoria do desempenho escolar dos alunos, a partir de indicadores, inclusive dos resultados de avaliações internas e externas; g) acompanhar: 1. as ações desenvolvidas nas horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC, realizando estudos e pesquisas sobre temas e situações do cotidiano escolar, para implementação das propostas da Secretaria; 2. a atuação do Conselho de Classe e Série, analisando os temas tratados e o encaminhamento dado às situações e às decisões adotadas; h) assessorar a equipe escolar: 1. na interpretação e no cumprimento dos textos legais; 2. na verificação de documentação escolar; i) informar às autoridades superiores, por meio de termos de acompanhamento registrados junto às escolas e outros relatórios, as condições de funcionamento pedagógico, administrativo, físico, material, bem como as demandas das escolas, sugerindo medidas para superação das fragilidades, quando houver17; VI - junto às escolas da rede particular de ensino, às municipais e às municipalizadas da área de circunscrição da Diretoria de Ensino a que pertence cada Equipe: a) apreciar e emitir pareceres sobre as condições necessárias para autorização e funcionamento dos estabelecimentos de ensino e cursos, com base na legislação vigente; b) analisar e propor a homologação dos documentos necessários ao funcionamento dos estabelecimentos de ensino; c) orientar: 1. escolas municipais ou municipalizadas onde o município não conta com sistema próprio de ensino, em aspectos legais, pedagógicos e de gestão; 2. os responsáveis pelos estabelecimentos de ensino quanto ao cumprimento das normas legais e das determinações emanadas das autoridades superiores, principalmente quanto aos documentos relativos à vida escolar dos alunos e aos atos por eles praticados; d) representar aos órgãos competentes, quando constatados indícios de irregularidades, desde que esgotadas orientações e recursos saneadores ao seu alcance. (SIC)

b) Diretor escolar, segundo a LC n.º 1.164/2012 e LC n.º 1.191/2012:

Elaborar e apresentar plano de trabalho no início de cada ano letivo. Coordenar a elaboração e a implantação do projeto político pedagógico, ou proposta pedagógica e do regimento escolar, junto com o vice-diretor e com o coordenador pedagógico. Coordenar as atividades pedagógicas, administrativas e financeiras de acordo com as orientações do conselho escolar e da Secretaria Estadual de Educação. Executar as determinações dos órgãos aos qual a unidade escolar está subordinada.

17Grifos da pesquisadora.

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Cumprir e fazer cumprir a legislação vigente e os convênios propostos no projeto pedagógico da unidade escolar. Representar a unidade escolar, responsabilizando-se juntamente com o conselho escolar pelo seu funcionamento. Elaborar o plano de aplicação dos recursos financeiros para valiação e aprovação. Manter atualizado o inventário dos bens públicos, zelando por sua conservação. Apresentar à comunidade, dentro dos prazos estabelecidos, os resultados da avaliação de desempenho e a movimentação financeira da unidade escolar. Propor ações que visem à melhoria da qualidade dos serviços prestados. Submeter à apreciação do Conselho escolar as transgressões disciplinares dos alunos, ouvida a coordenação pedagógica e o conselho escolar. Cumprir e fazer cumprir o estatuto do magistério. Coordenar o processo pedagógico, articulando as ações entre os turnos de funcionamento da unidade escolar.18 Participar de programas de formação propostos para os coordenadores pedagógicos.

Os fragmentos grifados no excerto supra indicam ações da responsabilidade

do Diretor escolar que envolvem o professor e, por conseguinte, o PER.

c) Vice-Diretor escolar, segundo a LC n.º 1.164/2012 e LC n.º 1.191/2012:

I - auxiliar o Diretor na coordenação da elaboração do plano de ação; II - acompanhar e sistematizar o desenvolvimento dos projetos de vida; III - mediar conflitos no ambiente escolar; IV - orientar, quando necessário, o aluno, a família ou os responsáveis, quanto à procura de serviços de proteção social; V - assumir a direção da Escola nos períodos em que o Diretor estiver atuando como agente difusor e multiplicador do modelo pedagógico da Escola. VI - elaborar o seu programa de ação com os objetivos, metas e resultados de aprendizagem a serem atingidos.

d) Professor Coordenador, segundo a LC n.º 1.164/2012 e LC n.º 1.191/2012:

I - acompanhar e avaliar o ensino e o processo de aprendizagem, bem como os resultados do desempenho dos alunos;

II - atuar no sentido de tornar as ações de coordenação pedagógica espaço coletivo de construção permanente da prática docente;

III - assumir o trabalho de formação continuada, a partir do diagnóstico dos saberes dos professores para garantir situações de estudo e de reflexão sobre a prática pedagógica, estimulando os professores a investirem em seu desenvolvimento profissional;

18 Grifos nossos.

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IV - assegurar a participação ativa de todos os professores do segmento/nível objeto da coordenação, garantindo a realização de um trabalho produtivo e integrador;

V - organizar e selecionar materiais adequados às diferentes situações de ensino e de aprendizagem;

VI - conhecer os recentes referenciais teóricos relativos aos processos de ensino e aprendizagem, para orientar os professores;

VII - divulgar práticas inovadoras, incentivando o uso dos recursos tecnológicos disponíveis.

e) professor, segundo a Resolução SE 52, de 14/08/2013

I – participar da elaboração, implementação e avaliação do projeto político-pedagógico da unidade educacional, visando a melhoria da qualidade da educação, em consonância com as diretrizes educacionais da Secretaria Estadual de Educação; II – elaborar o plano de ensino da turma e do componente curricular, observadas as metas e objetivos propostos no projeto político-pedagógico e as diretrizes curriculares da Secretaria Estadual de Educação; III – zelar pela aprendizagem e frequência dos alunos; IV – considerar as informações obtidas na apuração do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB e de outros instrumentos avaliativos de aproveitamento escolar, bem como as metas de aprendizagem indicadas para a unidade educacional na elaboração do plano de ensino; V – planejar e ministrar aulas, registrando os objetivos, atividades e resultados do processo educativo, tendo em vista a efetiva aprendizagem de todos os alunos; VI – planejar e desenvolver, articuladamente com os demais profissionais, atividades pedagógicas compatíveis com os vários espaços de ensino e de aprendizagem existentes na unidade educacional; VII – articular as experiências dos alunos com o conhecimento sistematizado, valendo-se de princípios metodológicos, procedimentos didáticos e instrumentos que possibilitem o pleno aproveitamento das atividades desenvolvidas; VIII – discutir com os alunos e com os pais ou responsáveis as propostas de trabalho da unidade educacional, formas de acompanhamento da vida escolar e procedimentos adotados no processo de avaliação das crianças, jovens e adultos; IX – identificar, em conjunto com o Coordenador Pedagógico, alunos que apresentem necessidades de atendimento diferenciado, comprometendo-se com as atividades de recuperação contínua e paralela; X – adotar, em conjunto com o Coordenador Pedagógico, as medidas e encaminhamentos pertinentes ao atendimento dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação;

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XI – planejar e executar atividades de recuperação contínua, paralela e compensação de ausências, de forma a assegurar oportunidades de aprendizagem aos alunos; XII – adequar os procedimentos didáticos e pedagógicos que viabilizem a implementação da educação inclusiva e da educação de jovens e adultos; XIII – manter atualizado o registro das ações pedagógicas, tendo em vista a avaliação contínua do processo educativo; XIV – participar das atividades de formação continuada oferecidas para o seu aperfeiçoamento, bem como de cursos que possam contribuir para o seu crescimento e atualização profissional; XV – atuar na implementação dos programas e projetos da Secretaria Estadual de Educação, comprometendo-se com suas diretrizes, bem como com o alcance das metas de aprendizagem; XVI – participar das diferentes instâncias de tomada de decisão quanto à destinação de recursos materiais e financeiros da unidade educacional; XVII – participar da definição, implantação e implementação das normas de convívio da unidade educacional.

As atribuições do professor que atua em sala de aula abrangem o ensino

direto, atividades pedagógicas anteriores e posteriores às aulas (como a

participação nas ATPCs, planejamentos, entre outras), atividades administrativas

(como registro de frequência de alunos e notificações de ausências superiores a

25% do total de aulas), identificação e notificação de alunos com necessidades

especiais, participação em cursos de atualização e aperfeiçoamento, entre outras.

Comparando-se às funções de Vice-Diretor e PC, cuja carga horária semanal é de

40 hs, o professor tem a maior carga de funções, a realizar em carga horária

semanal de 33 horas em média19.

Os decretos até então citados, que atribuem funções aos cargos descritos,

não incluem o PER pelo fato de readaptação ser uma situação funcional e não uma

função dentro do organograma.

1.3 Legislações sobre a readaptação funcional do professor

A legislação mais recente que “Dispõe sobre a situação funcional dos

servidores da Secretaria da Educação que se encontram na condição de

readaptados, e dá providências correlatas” é a Resolução SE-18, de 11/04/2017.

19 Excesso de trabalho em menor carga horária pode ser fator gerador de estresse entre os professores.

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De acordo com as referências feitas ao “rol de atividades” na introdução e no

anexo 2 é nesse documento instrucional que consta o que o PER pode realizar em

seu trabalho reorganizado. O texto do rol de atividades do professor readaptado é

semelhante a todos os participantes desta pesquisa; o mais antigo pertence a Mara,

readaptada há 14 anos.

Elaborado a partir da Lei n.º 10.261/6820, é expedido hoje pela Comissão de

Assuntos de Assistência à Saúde (CAAS); é composto de cabeçalho oficial do

Governo, abaixo a inscrição Rol de Atividades e sob ela a inscrição Professor de

Ensino Básico I e II; na linha abaixo, depois de dois espaços, em fonte dois

tamanhos maior consta à esquerda o nome do professor, em caixa alta e negrito e à

direita, na mesma fonte e em negrito o RG do professor. Abaixo da identificação

consta a lista de atividades, transcritas a seguir: (SIC)

A – Tarefas relacionadas a Planejamento: 1 – colaborar na elaboração do Plano Escolar; 2 – colaborar no desenvolvimento dos programas de currículo referente ao seu campo de atuação e/ou habilitação. B – Tarefas relacionadas a Currículos: 1 – colaborar na organização e preparação de equipamentos e materiais didáticos requeridos para o desenvolvimento das atividades curriculares, especialmente as relativas à sua área de atuação; 2 – colaborar nas atividades relacionadas à vida social e cultural da escola e da comunidade (atividades artísticas, desportivas, solenidades cívicas, campanhas e promoções ...); 3 – participar das decisões referentes ao agrupamento de alunos. C – Tarefas ligadas à avaliação e produtividade da escola: 1 – colaborar na elaboração de tabelas e quadros referentes aos resultados de alunos e classes; 2- levantar, organizar dados relativos à frequência de alunos e classes; 3 – levantar e/ou colaborar no levantamento dos dados relativos às instalações e equipamentos da escola; 4 – colaborar no levantamento dos dados visando ao diagnóstico da situação da escola. D – Tarefas ligadas às Instituições escolares:

20 Próximo de completar 50 anos.

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1 – supervisionar e/ou colaborar na supervisão das atividades da A.P.M., Jornal Escolar, Grêmio, Merenda, Banco do Livro ...: 2 – Participar do Conselho Escolar, quando indicado.

E – Tarefas ligadas ao processo de recuperação dos alunos:

1 – levantar, organizar dados relativos a alunos e classes a serem submetidos ao processo recuperativo; 2 – colaborar no planejamento e execução das atividades de recuperação dos alunos.

F – Tarefas relativas à orientação dos alunos:

1 – levantar, organizar ou colaborar no levantamento e elaboração de dados relativos ao ajustamento pessoal e social dos alunos, às suas aptidões e interesses e condições de saúde; 2 – organizar e/ou colaborar na organização de fichas cumulativas dos alunos; 3 – colaborar na promoção de encontro com pais, ou responsáveis dos alunos.

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Figura 1 - Rol de Atividades

Fonte - Comissão de Assuntos e Assistência à Saúde

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O capítulo X da referida Lei 10.261/1968 versa sobre a readaptação funcional na seguinte forma:

CAPÍTULO X Da Readaptação

Artigo 41 - Readaptação é a investidura em cargo mais compatível com a capacidade do funcionário e dependerá sempre de inspeção médica.

Artigo 42 - A readaptação não acarretará diminuição, nem aumento

de vencimento ou remuneração e será feita mediante transferência.

A menção posterior à palavra “readaptação” no corpo do texto da Lei é feita

no seguinte Artigo

Artigo 256 - Será aplicada a pena de demissão nos casos de: [...]

§ 2º - A pena de demissão por ineficiência no serviço, só seráaplicada quando verificada a impossibilidade de readaptação.

Os artigos supramencionados dizem respeito às quatro ocorrências do termo

“readaptação” na Lei indicada, tratando do tema de forma geral, sem especificar

cargos ou funções.

A legislação mais específica sobre o trabalho do professor, bem como da

readaptação funcional são temas da Lei Complementar n.º 444, de 27 de dezembro

de 1985, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Paulista e dá providências

correlatas. É em seu Capítulo XI que ocorre a primeira menção do professor em

readaptação:

CAPÍTULO XI Dos Direitos e dos Deveres

SEÇÃO I Dos Direitos

Artigo 62 - Os docentes em exercício nas unidades escolares gozarão férias de acordo com o Calendário Escolar. Parágrafo único - Aplicar-se-ão as disposições do caput ao docente readaptado21 com exercício nas unidades escolares.

As dez menções posteriores existentes no Estatuto do Magistério Paulista

encontram-se no Capítulo XV, que versa sobre as Disposições Gerais e Finais:

Artigo 98 - O docente readaptado, que permanecer prestando serviços em unidades escolares, ficará sujeito à Jornada de Trabalho

21 Grifo da Pesquisadora.

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Docente na qual estiver incluído, fazendo jus, ainda, à carga suplementar de trabalho docente que prestava no momento da readaptação, podendo, também, optar pela média da carga horária dos últimos 60 (sessenta) meses imediatamente anteriores a sua readaptação. Parágrafo único - O disposto neste artigo não exclui a aplicação do que estabelece o artigo 28 da Lei Complementar n.º 180, de 12 de maio de 1978. (85) Artigo 99 - O docente readaptado, desde que devidamente habilitado, poderá exercer em Jornada Completa de Trabalho, a que se refere o artigo 38 desta lei complementar, o cargo de Diretor de Escola, de Orientador Educacional e de Coordenador Pedagógico, bem como as funções de coordenação e as de Vice-Diretor de Escola. Parágrafo único - A nomeação ou designação de que trata o caput deste artigo condiciona-se a parecer prévio do órgão próprio de readaptação, quanto à capacidade do funcionário ou servidor para o exercício das novas funções. (83) Vide artigo 45 da Lei Complementar n.º 836/97. (84) Vide § 3º do artigo 41 da Constituição Federal. (85) O caput do artigo 99 está com a redação dada pela Lei Complementar n.º 725/93, que foi revogada pela Lei Complementar n.º 836/97. Artigo 100 - O docente readaptado exercerá funções na mesma unidade onde se achava lotado por ocasião da readaptação, podendo indicar, a cada ano, nova sede de exercício22. Parágrafo único - A mudança de sede de exercício do professor readaptado condiciona-se à existência de vaga na unidade indicada. Artigo 101 - A Jornada de Trabalho Docente e, quando for o caso, a carga suplementar a que estiver sujeito o professor readaptado serão cumpridas em horas-aula. Artigo 102 - Dentro de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta lei complementar, o órgão próprio da Secretaria de Estado da Educação baixará normas regulamentadoras da situação funcional do docente readaptado23.

Abaixo dos Estatutos, instituídos por Leis, há os Decretos Estaduais, as

Resoluções da Secretaria da Educação e as instruções da Coordenadoria de Gestão

22 Fora de vigência. 23 Grifos da pesquisadora.

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dos Recursos Humanos (CGRH) e Coordenadoria de Gestão da Educação Básica

(CGEB).

A exemplo de Decretos, o de número 58.032 de 10/05/2012 institui o

programa “Educação com Saúde” e repassa à Secretaria da Educação os

encaminhamentos para licenças médicas de profissionais da Educação, incluindo no

texto os PER:

Decreto n.º 58.032 de 10-05-2012 - sobre licenças médicas

Autoriza a Secretaria da Educação a realizar inspeções médicas em servidores de seu Quadro de Pessoal e dá providências correlatas GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais e considerando o Programa SP Educação com Saúde desenvolvido no âmbito da Secretaria da Educação, Decreta: Artigo 1º – Fica a Secretaria da Educação autorizada a realizar as inspeções médicas de que tratam os artigos 17, 22, 49 e 64 do Decreto n.º 29.180, de 11 de novembro de 1988, e suas alterações, em servidores de seu Quadro de Pessoal, nos termos da Lei n.º 10.261, de 28 de outubro de 1968, destinadas à: [...] I – concessão e cessação de licença para tratamento de saúde, licença por motivo de doença em pessoa da família e readaptação;

O Decreto 58.973 de 18/03/2013 alterou a redação dada ao Decreto

supratranscrito, incluindo os casos de concessão e cessação dos casos de

readaptação:

DECRETO N.º 58.973, DE 18 DE MARÇO DE 2013. Dá nova redação a dispositivos que especifica do Decreto n.º 58.032, de 10 de maio de 2012, que autoriza a Secretaria da Educação a realizar inspeções médicas em servidores do seu Quadro de Pessoal, e dá providências correlatas. GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, Decreta: Artigo 1º - Os dispositivos adiante relacionados do Decreto n.º 58.032, de 10 de maio de 2012, passam a vigorar com a seguinte redação: I - o artigo 1º: "Artigo 1º - Fica a Secretaria da Educação autorizada a realizar as inspeções médicas de que tratam os artigos 17 e 22 do Decreto n.º 29.180, de 11 de novembro de 1988, com suas alterações, em

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servidores do seu Quadro de Pessoal, nos termos da Lei n.º 10.261, de 28 de outubro de 1968, destinadas a: I - concessão e cessação: a) de licença para tratamento de saúde; b) readaptação; II - aposentadoria por invalidez.

Ainda com o tema “saúde do profissional da Educação”, consta a Resolução

SE-44, de 28/06/2013 que altera a de número SE-1, de 14/012013:

Resolução SE-44, de 28-6-2013

Altera dispositivos da Resolução SE 1, de 14.1.2013, que institui o Programa de Inspeções Médicas, no âmbito da Secretaria da Educação, e dá providências correlatas. O Secretário da Educação, à vista do disposto no Decreto 58.973, de 18.3.2013, resolve: Artigo 1º - Os dispositivos, abaixo relacionados, da Resolução SE 1, de 14.1.2013, passam a vigorar com a seguinte redação: I – o artigo 2º: “Artigo 2º - Pelo programa de que trata esta resolução, serão realizadas, em conformidade com o disposto no Decreto 58.032, de 10.5.2012, alterado pelo Decreto 58.973, de 18.3.2013, e no Decreto 29.180, de 11-11-1988, as seguintes inspeções médicas relacionadas à: I – concessão e à cessação de licença para tratamento de saúde, quando: a) o período de afastamento sugerido pelo médico assistente do servidor seja superior a 15 (quinze) dias; b) o atestado médico apresentado pelo servidor seja omisso quanto ao tempo de afastamento; c) o servidor que, em decorrência de licença anterior, tenha se afastado por período igual ou superior a 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, no ano letivo; II – readaptação; III – aposentadoria por invalidez.

As instruções da CGRH e CGEB dizem respeito mais direto ao exercício de

professores no que tange a cargas horárias; projetos de ensino-aprendizagem

dentro das grandes áreas do conhecimento (Linguagens e Códigos, Ciências

Humanas, Ciências da Terra, Ciências Exatas e Biológicas), forma, conteúdo,

público alvo e perfil dos aplicadores.

No que concerne ao PER, um exemplo é a Resolução SE-70, que “Dispõe

sobre a instalação de Salas e Ambientes de Leitura nas escolas da rede pública

estadual”, projeto que prioriza a presença do PER como aplicador do projeto:

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Resolução SE n.º 70, de 21-10-2011

Dispõe sobre a instalação de Salas e Ambientes de Leitura nas escolas da rede pública estadual O Secretário da Educação, considerando a necessidade de ampliar o número de alunos contemplados com a oportunidade de acesso cotidiano a fontes diversas de informação e cultura; agilizar o processo de instalação de salas e ambientes de leitura nas escolas da rede pública estadual, resolve:

Artigo 1º - A instalação de novas salas e ambientes de leitura nas escolas estaduais deverá ocorrer de acordo com os cronogramas estabelecidos pelos órgãos setoriais competentes, devendo a lista indicativa das escolas atendidas, em cada etapa da programação, ser objeto de publicação no Diário Oficial do Estado.

Artigo 2º - As salas e os ambientes de leitura deverão assegurar aos alunos de todos os cursos e modalidades de ensino da escola: I – acesso a livros, revistas, jornais, folhetos informativos, catálogos, vídeos, DVDs, CDs e quaisquer outras mídias e recursos complementares; II – incentivo à leitura como principal fonte de informação e cultura, lazer e entretenimento, comunicação, inclusão, socialização e formação de cidadãos críticos, criativos e autônomos. Artigo 3º - As salas ou ambientes de leitura contarão com um professor responsável por seu funcionamento, a quem caberá: I – comparecer a Orientações Técnicas, atendendo a convocação ou indicação específica; II - participar das reuniões de trabalho pedagógico coletivo (HTPCs) realizadas na escola, para promover sua própria integração e articulação com as atividades dos demais professores em sala de aula; III – elaborar o projeto de trabalho; IV – planejar e desenvolver com os alunos atividades vinculadas à proposta pedagógica da escola e à programação curricular; V – orientar os alunos nos procedimentos de estudos, consultas e pesquisas; VI – selecionar e organizar o material documental existente; VII – coordenar, executar e supervisionar o funcionamento regular da sala, cuidando: a) da organização e do controle patrimonial do acervo e dasinstalações; b) do desenvolvimento de atividades relativas aos sistemasinformatizados; VIII - elaborar relatórios com o objetivo de promover a análise e a discussão das informações pela Equipe Pedagógica da escola; IX – organizar, na escola, ambientes de leitura alternativos; X - incentivar a visitação participativa dos professores da escola à sala ou ao ambiente de leitura, para utilização em atividades pedagógicas;

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XI - promover e executar ações inovadoras, que incentivem a leitura e a construção de canais de acesso a universos culturais mais amplos; XII – ter habilidade com programas e ferramentas de informática. Parágrafo único – As escolas com mais de dois turnos de funcionamento poderão contar com mais 1 professor responsável pela sala ou ambiente de leitura. Artigo 4º - São requisitos à seleção de docente para atuar nas salas ou ambientes de leitura: I - ser portador de diploma de licenciatura plena; II – possuir vínculo docente com a Secretaria de Estado da Educação em qualquer dos campos de atuação, observada a seguinte ordem de prioridade por situação funcional, sendo: a) docente readaptado; b) docente titular de cargo, na situação de adido, que esteja cumprindo horas de permanência na composição da Jornada Inicial ou da Jornada Reduzida de Trabalho Docente; c) docente ocupante de função-atividade, abrangido pelas disposições da Lei Complementar 1.010/2007, que esteja cumprindo horas de permanência correspondentes à carga horária mínima de 12 horas semanais. § 1º - O docente readaptado somente poderá ser incumbido do gerenciamento de sala ou ambiente de leitura que funcione no âmbito da própria unidade escolar, devendo, para atuar em escola diversa, solicitar e ter previamente autorizada a mudança de sua sede de exercício, nos termos da legislação pertinente. § 2º - Na ausência de docentes, que estejam cumprindo exclusivamente horas de permanência, poderá haver atribuição de sala ou ambiente de leitura ao ocupante de função-atividade, abrangido pelas disposições da Lei Complementar 1.010/2007, que já possua carga horária, atribuída no processo regular de atribuição de classes e aulas, desde que seja compatível com a carga horária do gerenciamento da sala/ambiente de leitura. § 3º - Para os docentes, a que se referem as alíneas “b” e “c” do inciso II deste artigo, inclusive o mencionado no parágrafo anterior, somente poderá haver atribuição de sala ou ambiente de leitura na comprovada inexistência de classe ou de aulas de sua habilitação/qualificação, que lhe possam ser atribuídas, em nível de unidade escolar e também de Diretoria de Ensino. Artigo 5º - O professor selecionado e indicado para atuar na sala ou ambiente de leitura exercerá suas atribuições com uma das seguintes cargas horárias: I - 40 horas semanais, sendo: a) 33 horas em atividades com alunos; b) 7 horas de trabalho pedagógico, das quais 3 horas cumpridas na escola, em atividades coletivas, e 4 horas em local de livre escolha do docente; II - 24 horas semanais, sendo: a) 20 horas em atividades com alunos;

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b) 4 horas de trabalho pedagógico, das quais 2 horas cumpridas na escola, em atividades coletivas, e 2 horas em local de livre escolha do docente. § 1º - Tratando-se de readaptado, o docente cumprirá a carga horária fixada em sua Apostila de Readaptação, que não poderá ser inferior a 24 horas semanais, incluídas as correspondentes horas de trabalho pedagógico (HTPCs e HTPLs) a que faz jus. § 2º - O professor, no desempenho das atribuições relativas à sala ou ambiente de leitura, usufruirá férias de acordo com o calendário escolar, juntamente com seus pares docentes. Artigo 6º - Caberá ao Diretor de Escola: I – selecionar e indicar docentes para atribuição da sala ou ambiente de leitura da sua unidade escolar; II – atribuir ao docente contemplado com a sala ou ambiente de leitura a carga horária prevista no inciso I ou no inciso II do artigo anterior, podendo, se for o caso, compatibilizar a carga horária menor (24 horas semanais) com a carga horária que o docente já possua, desde que o somatório não ultrapasse o limite máximo de 40 horas semanais. III – observar que o disposto no inciso anterior não se aplica à situação de docente readaptado, que cumprirá a carga horária da readaptação no gerenciamento da sala ou ambiente de leitura; IV - distribuir a carga horária atribuída ao docente, ou a carga horária do readaptado, se for o caso, pelos 5 dias úteis da semana, contemplando por dia, no mínimo, 2 turnos de funcionamento da unidade escolar, de acordo com o horário de funcionamento fixado para a sala ou o ambiente de leitura, e respeitando, para a carga horária total do professor, o limite máximo de 8 horas diárias de trabalho, incluídas asHTPCs; V - avaliar, com os demais gestores da unidade escolar, ao final de cada ano letivo, o desempenho do docente no gerenciamento da sala/ambiente de leitura, ficando condicionada sua recondução para o ano subsequente, inclusive a do docente readaptado, aos resultados satisfatórios que venham a ser alcançados; VI – verificar, para a recondução do docente, não readaptado, além do desempenho a que se refere o inciso anterior, o atendimento à condição estabelecida no § 3º do artigo 4º desta resolução, a ser apurada após o término do processo inicial de atribuição de classes e aulas do ano em curso; VII - zelar pela segurança, manutenção e conservação dos equipamentos disponibilizados, do acervo e do espaço físico da sala ou ambiente de leitura, orientando a comunidade escolar para o uso responsável; VIII - elaborar e divulgar instruções relativas à organização, ao funcionamento e à utilização da sala ou ambiente de leitura.

A resolução acima está mais direcionada ao trabalho do PER, atribuindo-lhe

função, horário de trabalho, público para atendimento, condições para atribuição e

permanência na função.

As demais funções que podem ser realizadas pelo PER, bem como as

atividades insertas em cada uma delas, são reguladas pelo “rol de atividades”,

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expedido pela Comissão de Assuntos de Assistências à Saúde (CAAS) da Unidade

Central de Recursos Humanos do Governo do Estado de São Paulo. A CAAS tem a

incumbência de:

Realizar estudos relacionados à política de assistência à saúde dos funcionários/servidores; Analisar as propostas de readaptação e manifestar-se conclusivamente nos recursos interpostos contra despachos proferidos em pedidos de licença-saúde (D. 13.270/79 - Art.23; D. 25.374/86; D. 29.180/88; D. 30.559/89).

Os Decretos, Resoluções e Instruções foram atualizados por meio da

Resolução SE 18/2017, de 11/04/2017, que “Estabelece normas e critérios relativos

à readaptação de servidores da Secretaria da Educação e dá providências

correlatas”, cuja inovação maior é a composição de quadro para limite de PER em

cada escola de acordo com o número de alunos matriculados e, em caso de haver

excedentes, orienta a inscrição no processo de movimentação de sede de

exercício24 e transfere ao PER o trâmite referente à avaliação para continuidade da

condição de readaptado junto ao DPME.

Para o trâmite administrativo da Resolução citada, a Instrução CGRH-3, de

27/04/2017, que “Dispõe sobre normas operacionais e procedimentos para fixação

de Módulo de Docentes Readaptados nas unidades escolares, nos termos da

Resolução SE 18, de 10-04-2017”, indica a transferência compulsória do excedente

de cada U.E., impondo a transferência compulsória e aleijando o PER de mais um

direito: o de permanecer ou perto de sua residência, ou onde tenha acessibilidade

dependendo de suas limitações físicas para locomoção, ou simplesmente da escolha

onde o ambiente de trabalho lhe seja mais prazeroso:

VI – O excedente convocado nominalmente pelo D.O, que deixar de comparecer à sessão de atribuição, terá sua nova sede de exercício atribuída compulsoriamente

24 Aos PEED o processo de mudança de Unidade Escolar é chamado “remoção” e tem inscrição no site do Departamento de Recursos Humanos da SEE, pela remoção, o PEED se transfere integralmente para nova Unidade Escolar; esse processo é vetado ao PER, que pode apenas se movimentar, tendo nova “sede de exercício” e ficando administrativamente vinculado à U.E. anterior.

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Na DER Leste 3, a que pertence esta pesquisadora, o total de excedentes

convocados para escolha de nova U.E. foi de 22 PER; 8 se inscreveram por vontade

própria, o que é permitido pelo artigo 14 da Resolução SE 18/2017:

Artigo 14 – A movimentação dos servidores readaptados poderá ocorrer na seguinte conformidade:

I – se integrante do QAE ou do QSE, mediante transferência, nos termos da legislação pertinente;

II – se integrante do QM, mediante mudança de sede de exercício, para unidade escolar ou para Diretoria de Ensino diversa da de sua classificação.

1º – O docente que tiver mudança de sede de exercício para Diretoria de Ensino diversa da de sua classificação, deverá atuar pela carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, condicionada à anuência da origem e do destino.

2º – Para concorrer à mudança de sede exercício, a que se refere o inciso II deste artigo, o docente poderá se inscrever na Diretoria de Ensino pretendida, durante o período referente aos 10 (dez) primeiros dias úteis do mês de abril de cada ano, observado o interstício mínimo de 2 (dois) anos, a contar da ocorrência da mudança de sede anterior, bem como o disposto no § 2º do artigo 6º desta resolução.

2º – No ato da inscrição, o docente deverá apresentar o Rol de Atividades do Readaptado e declaração de tempo de serviço, em conformidade com o disposto nos incisos I e II do artigo 7º desta resolução, bem como o termo de anuência do superior imediato da unidade sede de exercício.

3º – A inscrição concretizada terá validade de 2 (dois) anos. § 4º – Após 3 (três) dias úteis, contados do término do período de inscrição, a Diretoria de Ensino deverá divulgar, em seu site, a classificação dos inscritos.

O quadro limite de acordo com a relação número de alunos – quantidade de

PER que cada DER e U.E devem limitar encontra-se no Anexo I da Resolução, e

compreende:

Quadro 1 - Anexo I da Resolução 18/2017

QUANTIDADE DE ALUNOS POR ESCOLA / NÚMERO DE READAPTADOS

Até 300 – 2;

301 a 600 – 3;

601 a 900 – 4;

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901 a 1.200 – 6;

1.201 a 1.500 – 8;

1.501 a 1.800 – 10;

1.801 a 2.100 – 12;

2.101 a 2.400 – 14;

2.401 a 2.700 – 16;

Acima de 2.700 – 18.

A readaptação funcional não ocorre apenas com professores, há várias

categorias de profissionais, como policiais e metalúrgicos, entre outras; na iniciativa

privada é chamada de “reabilitação” e é regida por normas do Instituto Nacional de

Seguridade Social – INSS segundo a Lei 8213/1991que “dispõe sobre os Planos de

Benefícios da Previdência Social e dá outras providências”.

Há demais setores do funcionalismo público estadual que possuem servidores

readaptados em seus quadros, entretanto, o disposto na Resolução SE 18, de

10/4/2017 aplica-se somente aos quadros da Secretaria da Educação, conforme

descrição a seguir:

O Secretário da Educação, à vista do que lhe representou a Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos – CGRH e considerando a necessidade de homogeneizar e atualizar normas e critérios relativos à condição de readaptação de servidores desta Pasta, Resolve:

Artigo 1º – O servidor integrante do Quadro do Magistério -QM, ou do Quadro de Apoio Escolar – QAE ou, ainda, do Quadro da Secretaria da Educação – QSE, poderá ser readaptado, desde que se verifique alteração em sua capacidade de trabalho, por modificação do estado de saúde física e/ou mental, comprovada mediante inspeção médica, a ser realizada pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado – DPME.

Após rápido exame dos prescritos que regem o trabalho do PER e orientam a

reorganização das atividades nesse trabalho, a seguir, no Capítulo 2,

descreveremos as teorias que fundamentam esta pesquisa, bem como

justificaremos a escolha dessas teorias.

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CAPÍTULO 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo serão apresentados os aportes teóricos que embasam esta

pesquisa e explanadas as razões pelas quais tais aportes foram eleitos.

Primeiramente serão abordadas as definições de” trabalho do professor” segundo

pesquisadores que associam formação e trabalho docente às questões da

linguagem, a saber: Saujat (2004), Machado (2004) e Leite (2009,2012).

Em seguida, discorreremos sobre a reorganização pela qual o trabalho do

PER passa, apoiados em Pezzuol (2006) que, assim como esta pesquisadora,

vivenciou a readaptação funcional; apoiados em Moita Lopes (2003), Nóvoa (1992)

e Leite (2009, 2015) trataremos da identidade docente.

Em seguida, explanaremos os conceitos da Teoria Sócio-Histórica-Cultural

(doravante TSHC) de Vygotsky, no que tange à formação dos sentidos-e-

significados. A afetividade é outro aspecto do sujeito25 que será trazido segundo os

estudos vygotskyanos como suporte à pesquisa.

A dialética exclusão-inclusão com o consequente sofrimento ético-político,

conceito tomado de empréstimo da Psicologia Social e discutido por Sawaia (2009)

nos valerá nesta pesquisa como categoria de análise que auxiliará na compreensão

de que marcas estão presentes nas falas dos participantes que sofreram uma ou

mais formas de exclusão social em seu trabalho, atingindo-o em suas potências do

agir. As questões pertinentes à linguagem serão respondidas com base na

representação do falante de acordo com Bronckart (2011) e nas escolhas lexicais,

formadoras de conteúdos temáticos.

Para ratificar as questões referentes à identidade, à dor e ao sofrimento

causados pela insatisfação laboral, pela desvalorização e falta de reconhecimento

no trabalho, recorreremos aos estudos de Dejours (1992, 2006) e à Ergologia,

abordagem multidisciplinar sobre o trabalho que tem como maior expoente o filósofo

Yves Schwartz (1996, 1998, 2000, 2003, 2004).

25O termo “sujeito”, quando usado como substantivo, referirá o homem em sua integralidade, nos contextos sócio-históricos temporais. Não há predileção quanto ao sujeito da Filosofia nem da Psicanálise. Quando usado como complemento verbal, por exemplo, “estar sujeito”, o termo referirá o efeito das injunções sofridas pelo homem.

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2.1 Apresentação e descrição do trabalho do professor

O trabalho, atividade tipicamente humana, é entendido como a transformação

da natureza pelo homem de acordo com as teorias marxistas citadas por Vygotsky

(2004) e Machado (2004, 2007); entretanto, estudos de outras áreas valem-se das

descrições de Marx e aplicam-nas em outras áreas de investigação, como por

exemplo, à área educacional.

Dentre as pesquisas sobre trabalho, sobretudo as que restringem o escopo ao

que vem a ser o “trabalho do professor” no âmbito da Ergonomia da Atividade,

campo de pesquisa voltada à qualidade de vida no trabalho, destacamos os estudos

desenvolvidos por Saujat (2004), pesquisador das condições oferecidas pelo

trabalho e a satisfação de quem o exerce, que buscou entender o ensino como

trabalho. Na mesma linha encontramos as pesquisas de Machado (2004,2009) e

Leite (2009, 2015).

Para entendimento do conceito “trabalho”, antes de restringi-lo à atividade

professoral, discorreremos sobre ele à luz da teoria vygotskyana. O legado de

Vygotsky, apoiado nas ideias de Marx, evidencia mais claramente o conceito de

trabalho. A fim de fortalecer a Psicologia como ciência, Vygotsky acreditando que a

falta de unidade do método nas pesquisas nessa área era o motivo da crise que a

Psicologia passava, percebeu a necessidade de criação de métodos analíticos tais

quais os construídos por Marx para estudar os fenômenos sociais: “A Psicologia

precisa de seu O Capital – seus conceitos de classe, base, valor, etc. – com os quais

possa expressar, descrever e estudar seu objeto” (2004, p.393).

Não se tratava de proposição das mesmas categorias, mas sim da construção

de conceitos psicológicos; entretanto, para estudar o trabalho como atividade

humana, Vygotsky interpreta os conceitos de Marx e Engels, principalmente no que

tange à divisão do trabalho bem como seus efeitos para o homem:

Em um extremo da sociedade encontramos a divisão [alienação] entre o trabalho intelectual e o material, a separação entre a cidade e o campo, a exploração implacável do trabalho de crianças e mulheres, a pobreza e impossibilidade de um desenvolvimento livre e

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omnilateral26 do pleno potencial; e no outro extremo, folga e ostentação. De tudo isso resulta não só que o tipo humano autenticamente útil se diferencia em vários tipos, de diferentes classes sociais – como estes, por sua vez, permaneçam em agudo contraste entre e outros, mas também a corrupção e a distorção da personalidade humana, assim como uma sujeição a um desenvolvimento inadequado, unilateral, no interior mesmo de todas essas diferentes variantes tipológicas humanas (VYGOTSKY, 1930, p.3).

Vygotsky (1930) relembra que o efeito do trabalho não é inerente à produção,

mas sim às formas de divisão capitalista desse trabalho, das classes sociais e

gênero; relembra também que o trabalho é crucial para o desenvolvimento humano e

que é na dualidade e não na unilateralidade27, que os potenciais humanos se

desenvolvem por completo.

Diferentemente dos animais, o homem criou ferramentas para auxiliá-lo na

satisfação de necessidades como alimentação, defesa e abrigo; com base nessa

concepção Vygotsky aprimorou essa ideia afirmando que as ferramentas e os signos

mediarão as relações desse homem com o mundo. As ferramentas estão

diretamente relacionadas ao trabalho e às modificações que o homem pode fazer na

natureza, dessa forma, modificando a si próprio.

Os processos de modificação por meio do trabalho e da linguagem estudados

por Vygotsky (2004) foram por ele nomeados de “mediação” e definem, em termos

genéricos, a intervenção de um componente intermediário numa relação que, após

participação desse elemento, deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse

componente.

A mediação material é realizada por meio de instrumentos materiais, como os

que facilitam atividades de trabalho, a mediação psicológica, fator de

desenvolvimento das funções psicológicas, o que distingue os homens dos animais,

segundo Vygotsky (2004), é feita por meio de instrumentos e dos signos, nas

palavras do autor:

26 O termo “ominilateral” é originado do pensamento marxista que afirma que o homem deve ser sentir completo a partir de sua convivência social e com seu trabalho. É sinônimo de “onipresente” e antônimo de “unilateral”, ou seja, refere à integralidade do homem como ser social e laborativo. 27 Visão que abrange um aspecto da realidade, em detrimento daquelas que não são vistas. Para Vygotsky (1930), o trabalho abrange vários aspectos da realidade humana os inter-relaciona, sendo eles o social, o histórico e o cultural.

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[...] O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada muda, fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como ouso de instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto, podemos usar a lógica superior, ou comportamento superior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica. (VYGOTSKY, 1998 p. 73).

A descrição vygotskyana de “reconstrução interna de uma operação externa

(VYGOTSKY, 2007 p. 56), ou “internalização” é perfeitamente aplicável ao trabalho

executado pelo professor: há os objetos prescritivos, conforme descritos no capítulo

anterior, há os combinados entre os coletivos de trabalho como formas internas de

ressignificar as prescrições e há também as ferramentas dos quais o professor se

utiliza para o trabalho com o aluno: as materiais, como lousa, apostilas,

equipamentos audiovisuais, entre outros e também as ferramentas simbólicas,

implícitas, como as estratégias de ensino ou de convencimento para que alunos

prestem atenção na aula. E estas últimas são (re)elaboradas na realização das

atividades e são exemplo da relação linguagem-trabalho na atividade inerente ao

trabalho do professor.

Mas o que é o trabalho do professor e no que consiste?

O Código Brasileiro de Ocupações – CBO, é um documento do Ministério do

Trabalho e Emprego que descreve as profissões reconhecidas por esse Ministério,

contendo nomeação, títulos necessários para o exercício e descrição das

características das profissões e dos profissionais que as exercem. O CBO é utilizado

também para assuntos de Segurança e Medicina do Trabalho e assuntos

previdenciários.

Segundo o CBO, que classifica a função de professor sob o código 2321, com

subcódigos para descrever disciplinas e ciclos de ensino para o qual o professor

leciona (ensino fundamental em séries iniciais e finais, ensino médio regular e

técnico profissionalizante e ensino superior), o professor é aquele que

“Ministra aulas teóricas e práticas, em escolas da rede pública e privada; acompanha a produção da área educacional e cultural; planeja o curso, a disciplina e o projeto pedagógico; avalia o processo de ensino-aprendizagem; prepara aulas e participa de atividades institucionais. Para o desenvolvimento

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das atividades é mobilizado um conjunto de capacidades comunicativas”28.

O Código especifica a necessidade de licenciatura plena para o exercício da

profissão e, para as redes públicas de ensino, ressalta a necessidade de aprovação

em concurso público. Como condições gerais de exercício, o Código descreve que

os professores

Trabalham com clientelas de diferentes faixas etárias, com predomínio de adolescentes, oriundas de comunidades com diferentes contextos culturais e sociais. Atuam em escolas ou instituições de ensino das redes públicas federal, estadual, municipal, da rede privada e ong. Trabalham em zonas urbanas, como estatutários ou empregados registrados em carteira. Desenvolvem suas atividades de forma individual e em equipe, com supervisão ocasional, em locais próprios à atividade de ensino. em algumas atividades, podem estar expostos29 aos efeitos do ruído intenso, à fadiga das cordas vocais e ao estresse do trabalho sob pressão30.

Há cinco formas de vínculo funcional dos professores com o Estado:

• Professor efetivo, categoria A, aprovado em concurso público de provas e

títulos;

• Professor não concursado, pertencente à categoria P, considerado estável

pela Constituição Estadual;

• Ocupante de Função Atividade (doravante OFA) – Categoria S: Docentes com

vínculo após (02/06/07) LC 1.010/2007 e antes de (17/07/09) LC 1.093/2009.

• OFA – Categoria O: Docente candidato à admissão após a publicação da LC

1.093/2009, ou seja, o professor já contratado, com aulas (Temporário).

• OFA – Categoria V: Docentes contratados como eventuais, sem aulas

atribuídas. (Após lei 1093/2009).

Segundo Saujat (2004), as primeiras pesquisas educacionais tinham como

foco o ensino, em detrimento de quem o aplica, tanto que nos EUA apresentavam-se

28 Fonte: http://www.ocupacoes.com.br/cbo-mte/2321-professores-do-ensino-medio. Acesso em 04/01/2018 ás 13:00. 29 Grifos da pesquisadora. Note-se que o próprio CBO traz em seu bojo os fatores de comprometimento da qualidade de vida no trabalho de professor, fatores geradores de adoecimento e readaptação. 30 Fonte: <http://www.ocupacoes.com.br/cbo-mte/2321-professores-do-ensino-medio> - Acesso em 19/01/2018 às 18:15.

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“indicadores de eficácia dos professores” (SAUJAT, 2004 p. 5), buscando prever a

aprendizagem escolar e quantificar a ação do professor no que tange aos resultados

escolares (Idem, p. 6). Para o autor, o destaque das pesquisas é dado apenas ao

processo de ensino-aprendizagem, sendo o professor visto sob diferentes prismas:

professor eficaz (1970), ator racional, sujeito cognitivo, entre outras denominações.

Com base nesses aspectos, Saujat entende que as pesquisas educacionais

acerca do professor deveriam ser confrontadas com as das Ciências do Trabalho

para que se compreenda a complexidade das práticas educativas “nas relações

dinâmicas entre os componentes internos e externos que envolvem sujeito / situação

/ processo ou de compromisso de pluralidades de lógica de ação” (SAUJAT, 2004 p.

19).

O autor destaca a necessidade de que o ensino não seja visto apenas como

processo, mas como trabalho. Saujat desenvolve pesquisas em que o trabalho

educacional contempla o trabalho docente, ora reduzido “a seu objeto, a sua

significação objetiva, à transmissão de conhecimentos” (LEONTIEV, 1976,1984 apud

SAUJAT, 2004 p. 28).

Machado (apud LEITE, 2012, p. 53-54), na busca da construção de um

conceito sobre o “trabalho do professor” refere-se à operacionalidade e efemeridade

que o conceito teria, posto que é uma ação:

a) É uma atividade situada, que sofre a influência do contexto mais imediato e do mais amplo; b) pessoal e sempre única, [uma atividade] que engaja o trabalhador em todas as suas dimensões: física, cognitiva, emocional, etc.; c) impessoal, pois se encontra com os próprios limites de seu funcionamento físico e psíquico [... ] d) mediada por instrumentos materiais ou simbólicos, na medida em que o trabalhador se apropria de artefatos socialmente construídos e disponibilizados para ele pelo meio social [...]; e) interacional, pois essa interação, no sentido mais amplo, é de natureza multidimensional, porque, ao agir sobre o meio com a utilização de instrumentos (materiais ou simbólicos), o trabalhador transforma esse meio e esses instrumentos, e por um outro lado, é ao mesmo tempo, transformado por esses elementos; f) interpessoal, porque envolve interação com vários outros indivíduos presentes ou não, na situação de trabalho. g) transpessoal, no sentido de que também é guiada por modelos do agir, específicos de cada ofício, sócio-historicamente construídos pelos coletivos de trabalho";

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h) conflituosa31, pois o trabalhador está sempre fazendo escolhaspara (re-) direcionar seu agir em diferentes situações de trabalho, diante de "vozes contraditórias interiorizadas, do agir dos outros envolvidos, do meio, dos artefatos, das prescrições...", mas também pelo fato de ser conflituosa, pode provocar a aprendizagem de novos conhecimentos de capacidades e "para o desenvolvimento de capacidades do trabalhador", ou servir de impedimentos para que essa aprendizagem ou esse desenvolvimento não se realize, quando o trabalhador estiver diante de dilemas intransponíveis que lheimpeçam de agir32, gerando a este, sofrimento, estresse, fadiga e até a desistência de agir em situação de trabalho (Machado, 2008:91-92).

A reflexão de Machado acerca dos aspectos sócio históricos que permeiam a

dificuldade de conceituar o trabalho do professor são presentes na obra de

Vygotsky, assunto para Seção posterior neste capítulo.

Leite (2012) também refere o trabalho do professor regido por ferramentas33

materiais e simbólicas, refere ainda que a passagem de simples “artefatos” para

“instrumentos” se dá quando o educador deles se apropria para realizar o propósito

do seu trabalho: “levar o aluno ao conhecimento e ao desenvolvimento” (LEITE,

2012 p. 55).

Apoiada em Machado (2007), Leite relembra que o trabalho do professor não

é restrito à sala de aula, pois, nesse ambiente, ocorre a aprendizagem; porém, o

ensino, operado pelo professor, consiste em planejamento, pesquisa, atividades

avaliativas do desempenho dos alunos, etc., tarefas inerentes ao ensino como

trabalho do professor.

Até então, depreendemos que o trabalho do professor é constituído de

aspectos sócio-históricos, ferramentas materiais e intelectuais e de atividades

realizadas dentro e fora da sala de aula, como formação complementar, pesquisa de

conteúdo, entre outras.

Saujat (2004) afirma que os estudos surgidos apontam para a necessidade de

“construir um ponto de vista mais interativo, interacionista, capaz de melhor

apreender a complexidade e as multidimensionalidades das práticas educacionais”

(SAUJAT, 2004 P. 19). Dessa forma, o pesquisador esclarece que o trabalho

31 Grifos de Leite (2009). 32 Retomaremos as “interferências no agir” em Seção posterior neste capítulo, ao tratar das consequências da exclusão social sofrida pelo PER. 33 Que nomeia “artefatos”.

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docente está para além da relação professor-aluno e do que é desenvolvido apenas

em sala de aula; o professor desempenha atividades voltadas para o alunado e para

si próprio, é ator e agente de seu trabalho, trabalha coletivamente, mas, em muitas

vezes, sua atividade é desempenhada de maneira isolada, é um profissional que

segue prescrições e as reorganiza a fim de criar outras que nortearão seu trabalho

feito diretamente com os alunos34.

Inferimos, pois, que a complexidade referida por Saujat diz respeito à

variedade de elementos materiais e humanos que compõem o trabalho do professor;

a multidimensionalidade refere os diversos aspectos que norteiam tal trabalho:

prescrições superiores e externas, rearranjos individuais e coletivos dessas

prescrições.

Machado (2008) esquematiza o trabalho do professor num diagrama que

permite representação visual dos elementos constitutivos desse trabalho, não

isoladamente, mas nas relações do contexto sócio histórico e nas prescrições

maiores dos sistemas educacionais e de ensino, conforme figura a seguir:

Figura 2: Esquema do trabalho do professor em sala de aula

Fonte: LEITE, 2009 p. 42.

34 Os “combinados” que os professores estabelecem com suas turmas a fim de conseguir adesão, atenção e condições de realizar seu trabalho.

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Ressalta Machado que:

[...] o trabalho (em geral) é visto como atividade em que um determinado sujeito age sobre o meio, em interação com diferentes “outros”, servindo-se de artefatos (materiais ou simbólicos), construídos sócio historicamente, dos quais se apropria, transformando-os em instrumentos para seu agir e sendo por eles transformados (MACHADO, 2008, P. 92-93)

Na afirmação supra, Machado (2009, apud LEITE, 2009 p. 42) retoma e

ratifica o processo de trabalho descrito por Vygotsky, referido no início desta Seção

e conclui que auxiliar o aluno e transformar seus modos de pensar e agir diante da

sociedade em que está inserido não são objetivos ou objeto do trabalho do

professor, mas sim, propósito das prescrições nos sistemas esquematizados na

figura 1.

Apoiados nas considerações de Vygotsky acerca do que é o “trabalho” e nos

demais autores citados ao tentar restringir o significado de “trabalho do professor”,

podemos deduzir que a variedade e complexidade das tarefas que envolvem tal

trabalho, dos âmbitos que regulam o agir docente de forma individual e coletiva, das

ferramentas materiais e intelectuais necessárias às atividades com os alunos, grosso

modo, nos é facultado dizer que o trabalho do professor consiste na somatória de

tudo o que ele tem para fazer, dentro e fora da sala de aula e que o faz apoiado em

ferramentas e apoiado em vários prescritos: pessoais, coletivos e institucionais.

Diferentemente do PEED que reformula seu trabalho, segundo os autores

referidos, o PER tem seu trabalhado reorganizado pela prescrição para atender aos

critérios acima citados, assunto que servirá de tema para a próxima Seção.

2.1.1 Reorganização do trabalho do professor em readaptação

O trabalho docente, conforme visto na seção anterior, é composto de

elementos variados que estão para além da sala de aula. No caso de professor em

readaptação funcional, desde que não esteja em licença médica, em processo de

mudança de escola, nem designado para ocupar funções na Diretoria de Ensino, o

PER geralmente retorna ao trabalho em sua sede de exercício, ou seja, na escola

em que adoeceu (VIEIRA, 2013 p. 3)

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. A partir de laudo(s) expedido(s) pelo médico assistente35 o PER tem

restrições laborativas e, a partir delas, combinado com o rol de atividades, ocorre a

reorganização do trabalho desse professor em atividades operacionais e/ou

administrativas em outros ambientes da escola, diversos da sala de aula (Manual do

Readaptado – Anexo 1)

Essa reorganização, característica da readaptação funcional, foi concebida

como forma de reinserção do professor no contexto escolar, entretanto, segundo

Antunes (2014) e Silva (2014), as novas funções atribuídas são descritas pelos PER

como fontes de novas insatisfações, desvalorização profissional, falta de

reconhecimento e preconceito, velado ou declarado, praticado por colegas e

gestores.

O retorno ao trabalho e às novas atividades constantes desse trabalho

reorganizado36 faz com que o sentido do contexto escolar para o qual retorna seja

semelhante ao que causou o afastamento (SILVA, 2014). Detalhes como

capacidade laborativa antes e depois do retorno, bem como o reconhecimento do

trabalho prestado e do novo que realizará nos levam a mencionar o retorno tendo

por base o afastamento, a citar o novo trabalho, reorganizado, tendo por base o

trabalho anterior, pois, tais situações são dialéticas, constituídas na e pela

linguagem e, por tal razão, de interesse desta pesquisa.

Nesse sentido dialético, no retorno já em readaptação, a relação professor-

aluno é diminuída, às vezes anulada; a relação de trabalho passa a ser com pares,

chefia, trabalhadores operacionais e administrativos. Uma vez que o sentido do

trabalho está associado à causa do afastamento, para que o novo trabalho não

cause ou reforce sofrimento, segundo Antunes (2014) novos ambientes deveriam ser

criados, entretanto, os relatos não mostram essa ou outra opção ou ação em favor

do PER.

Segundo Dejours

“Com a reorganização do trabalho, em consequência das últimas reformas estruturais, criaram-se condições extremamente dolorosas

35 Aquele que “assiste” o PER na(s) especialidade(s) que sua patologia requer tratamento. 36 O termo “reorganização” e suas desinências indicam que, após a readaptação, o professor deixa de realizar as tarefas elencadas na descrição geral das atividades do professor e passa a realizar as constantes do rol de atividades, em conjuntos das restrições indicadas em laudo pelo médico assistente, assim, a reorganização de tarefas descreve a mudança do trabalho pós-readaptação.

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em relação aos valores do trabalho bem feito, o sentido da responsabilidade e a ética profissional. A obrigação de fazer mal o trabalho, de ter que dá-lo por terminado ou mentir, é uma fonte importantíssima e extremamente frequente de sofrimentos no trabalho: está presente na indústria, nos serviços37, na administração”. (DEJOURS, 2006 p. 12)

O autor, psiquiatra e especialista em Medicina do Trabalho, é pesquisador

das psicopatologias oriundas de situações de trabalho e indica que o adoecimento

dos trabalhadores está diretamente relacionado ao sofrimento no trabalho e não fora

dele e que tal sofrimento está relacionado à organização do trabalho:

[...] “quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta” (DEJOURS, 1992, p. 52).

Quando em exercício docente, o professor executa as tarefas descritas na

página 31; quando em readaptação a reorganização de seu trabalho o vincula às

atividades citadas na página 36. Poderemos visualizar as diferenças e semelhanças

em relação ao trabalho do PER em relação ao PEED no quadro a seguir.

O rol de atividades, como reorganizador do trabalho do PER, abrange seis

grandes temas: planejamento, currículo, avaliação e produtividade na escola,

instituições escolares, processos de recuperação e orientação aos alunos. A

montagem do quadro terá base nesses temas em relação tanto ao PEED quanto ao

PER:

Quadro 2 – Comparativo das funções dos professores em exercício docente e professores em readaptação

PROFESSORES EM EXERCÍCIO

PROFESSORES EM READAPTAÇÃO

Fontes Res. SE 52, de 14-8-2013 Lei n.º 10.261/6838 A – Tarefas relacionadas a Planejamento:

XV – atuar na implementação dos programas e projetos da Secretaria Estadual de Educação, comprometendo-se com suas diretrizes, bem como com o alcance das metas de aprendizagem; XVI – participar das diferentes instâncias de tomada de

1 – colaborar na elaboração do Plano Escolar;

2 – colaborar no desenvolvimento dos programas de currículo referente ao seu campo de atuação e/ou habilitação

37 A Educação é um serviço do Estado, obrigatório segundo a CF/1988. 38 Próximo de completar 50 anos.

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decisão quanto à destinação de recursos materiais e financeiros da unidade educacional;

B – Tarefasrelacionadas a Currículos:

II – elaborar o plano de ensino da turma e do componente curricular, observadas as metas e objetivos propostos no projeto político-pedagógico e as diretrizes curriculares da Secretaria Estadual de Educação; XIV – participar das atividades de formação continuada oferecidas para o seuaperfeiçoamento, bem como de cursos que possam contribuir para o seu crescimento e atualização profissional;

1 – colaborar na organização e preparação de equipamentos e materiais didáticos requeridos para o desenvolvimento das atividades curriculares, especialmente as relativas à sua área de atuação; 2 – colaborar nas atividades relacionadas à vida social e cultural da escola e da comunidade (atividades artísticas, desportivas, solenidades cívicas, campanhas e promoções ...); 3 – participar das decisões referentes ao agrupamento de alunos.

C – Tarefas ligadas à avaliação e produtividade da escola:

III – zelar pela aprendizagem e frequência dos alunos; IV – considerar as informações obtidas na apuração do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB e de outros instrumentos avaliativos de aproveitamento escolar, bem como as metas de aprendizagem indicadas para a unidade educacional na elaboração do plano de ensino; VIII – discutir com os alunos e com os pais ou responsáveis as propostas de trabalho da unidade educacional, formas de acompanhamento da vida escolar e procedimentos adotados no processo de avaliação das crianças, jovens e adultos;

XIII – manter atualizado o registro das ações pedagógicas, tendo em vista a avaliação contínua do processo educativo;

1 – colaborar na elaboração de tabelas e quadros referentes aos resultados de alunos e classes; 2- levantar, organizar dados relativos à frequência de alunos e classes; 3 – levantar e/ou colaborar no levantamento dos dados relativos às instalações e equipamentos da escola; 4 – colaborar no levantamento dos dados visando ao diagnóstico da situação da escola.

D – Tarefas ligadas I – participar da elaboração, 1 – supervisionar e/ou

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às Instituições escolares:

implementação e avaliação do projeto político-pedagógico da unidade educacional, visando à melhoria da qualidade da educação, em consonância com as diretrizes educacionais da Secretaria Estadual de Educação; VI – planejar e desenvolver, articuladamente com os demais profissionais, atividades pedagógicas compatíveis com os vários espaços de ensino e de aprendizagem existentes na unidade educacional; XVII – participar da definição, implantação e implementação das normas de convívio da unidade educacional.

colaborar na supervisão das atividades da A.P.M., Jornal Escolar, Grêmio, Merenda, Banco do Livro ...: 2 – Participar do Conselho Escolar, quando indicado.

E – Tarefas ligadas ao processo de recuperação dos alunos:

IX – identificar, em conjunto com o Coordenador Pedagógico, alunos que apresentem necessidades de atendimento diferenciado, comprometendo-se com as atividades de recuperação contínua e paralela; XI – planejar e executar atividades de recuperação contínua, paralela e compensação de ausências, de forma a assegurar oportunidades de aprendizagem aos alunos;

1 – levantar, organizar dados relativos a alunos e classes a serem submetidos ao processo recuperativo; 2 – colaborar no planejamento e execução das atividades de recuperação dos alunos.

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F – Tarefas relativas à orientação dos alunos:

V – planejar e ministrar aulas, registrando os objetivos, atividades e resultados do processo educativo, tendo em vista a efetiva aprendizagem de todos os alunos; VII – articular as experiências dos alunos com o conhecimento sistematizado, valendo-se de princípios metodológicos, procedimentos didáticos e instrumentos que possibilitem o pleno aproveitamento das atividades desenvolvidas; X – adotar, em conjunto com o Coordenador Pedagógico, as medidas e encaminhamentos pertinentes ao atendimento dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação; XII – adequar os procedimentos didáticos e pedagógicos que viabilizem a implementação da educação inclusiva e da educação de jovens e adultos.

1 – levantar, organizar ou colaborar no levantamento e elaboração de dados relativos ao ajustamento pessoal e social dos alunos, às suas aptidões e interesses e condições de saúde; 2 – organizar e/ou colaborar na organização de fichas cumulativas dos alunos; 3 – colaborar na promoção de encontro com pais, ou responsáveis dos alunos.

As funções reproduzidas no quadro acima dizem respeito à prescrição ao

PEED e ao PER no que tangem às suas funções. Tais prescrições obedecem ao

texto injuntivo, que é aquele cujo objetivo é instruir o leitor. Os verbos nesse texto

podem aparecer no imperativo, no presente do indicativo e, como no quadro acima,

no infinitivo, nomeando “ações”.

Por meio dos itens em nesses prescritos, podemos diferenciar que ações

foram planejadas ao PEED e ao PER quando da concepção e publicação deles:

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Quadro 3 – Funções destacadas no Quadro 2

PROFESSORES EM EXERCÍCIO

PROFESSORES EM READAPTAÇÃO

A – Tarefas relacionadas a Planejamento:

Atuar, participar, elaborar Colaborar

B – Tarefas relacionadas a Currículos:

Elaborar Colaborar, colaborar, participar

C – Tarefas ligadas à avaliação e produtividade da escola:

Zelar, considerar, discutir, manter

Colaborar, levantar, organizar, levantar e/ou colaborar, colaborar

D – Tarefas ligadas às Instituições escolares:

Participar, planejar, desenvolver, participar

Supervisionar e/ou colaborar, participar39

E – Tarefas ligadas ao processo de recuperação dos alunos:

Identificar, planejar, executar, assegurar

Levantar, organizar, colaborar.

F – Tarefas relativas à orientação dos alunos:

Planejar, ministrar, articular, adotar, adequar

Levantar, organizar ou colaborar, organizar e/ou colaborar, colaborar.

No que tange ao PEED, os prescritos indicam 16 ações em suas atribuições,

havendo repetições dos seguintes verbos: participar: duas vezes e planejar: três

vezes. Em relação aos PER, há apenas 6 ações em suas atribuições. O verbo

“colaborar” é repetido 8 vezes, levantar: 4 vezes, organizar: 4 vezes, participar:

apenas uma ocorrência. Notamos também que organizar e supervisionar vêm

acrescidos de “ou organizar” e “e/ou organizar”.

39 Nesse item consta ressalva “quando indicado”, separada do período por vírgula.

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Ao PER restam 6 ações, tornando um profissional (colabor)ativo. O

significado de colaborar dado pelo Dicionário, será mostrado a seguir, nas acepções

que o termo admite:

“Significado de Colaborar verbo transitivo indireto Trabalhar com uma ou com várias pessoas numa atividade; cooperar, concorrer: colaborar na redação de um relatório. verbo transitivo indireto e intransitivo Trabalhar em cooperação (ajuda mútua) para que algo fique pronto ou seja realizado; contribuir, auxiliar: o pesquisador colaborou com os dados escritos para o projeto; um único aluno não colaborou. verbo transitivo indireto[Jornalismo] Escrever esporadicamente para periódicos sem pertencer ao quadro efetivo da redação. Etimologia (origem da palavra colaborar): do latim collaborare, trabalhar com. Sinônimos de Colaborar Colaborar é sinônimo de: coadjuvar, cooperar, contribuir, auxiliar”40.

Podemos inferir que a ação atribuída ao PER nos temas da prescrição é

bastante diminuta e que em alguns verbos que denotam ações praticadas com

autonomia, como “supervisionar” e “organizar”, a aparente autonomia é

descaracterizada pelas expressões “ou colaborar” e “e/ou colaborar”. Ademais, as

regências ratificam o “trabalhar com” e o “auxiliar”, o que reforça que o trabalho do

PER, segundo sua prescrição, obsta sua autonomia, limita seu agir.

Quanto à reorganização do trabalho, Dejours tem uma definição que

corresponde aos conceitos ergológicos, colocando-a como “uma atividade

coordenada por homens e mulheres para responder ao que não está posto, desde o

início, pela organização escrita do trabalho” (DEJOURS, 1994, p. 61).

40Fonte: https://www.dicio.com.br/colaborar/ - Acesso em 09/10/2017 às 18:03.

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2.1.1.1 – Prescrição para o trabalho e reorganização interna: tornando o agir

vivível

Na caracterização do “trabalho do professor” em seção anterior a esta, de que

para obedecer às prescrições e tornar o agir mais factível, o professor modifica

essas prescrições no coletivo, individualmente e ainda com os grupos de alunos.

Os sentidos-e-significados dessas reorganizações do agir podem parecer

inexplicáveis, uma vez que ocorrem no nível do inconsciente do ser; entretanto, a

disciplina Ergológica desenvolvida por Schwartz (1992,1998, 2000, 2007) nos dá

subsídios para a compreensão desse fenômeno.

Oliveira (2009), ao desvelar o discurso no trabalho de profissionais da

Enfermagem na sala de medicação de um pronto-socorro público, abordou as

facetas do trabalho indizíveis para quem o realiza, porém, descritíveis pela disciplina

ergológica. Segundo a autora (p. 149), existe em situação de trabalho “o que não há

como ser descrito por meio da linguagem por ser de caráter sensitivo e não

discursivo: [...] suspiros, sorrisos para os pacientes, sinais de cansaço como olhos

vermelhos e o alívio de um plantão sem óbitos”.

Para entender o funcionamento da disciplina ergológica na explicação do

indizível pela linguagem, a seguir, definiremos e descreveremos os aspectos dessa

disciplina.

Segundo Oliveira (2009)

A Ergologia surgiu da experiência pluridisciplinar e pluriprofissional na Universidade de Provence – França – com a criação do dispositivo Análise Pluridisciplinar das Situações de Trabalho – doravante APST - cuja demanda era atender a questionamentos vindos de trabalhadores do modelo taylorista-fordista de produção, questionamentos esses que levaram à reunião de especialistas de diferentes campos: Filosofia, Linguística, Sociologia, Economia, Ergonomia e alguns trabalhadores.(OLIVEIRA, 2009 P. 97).

A disciplina emerge da necessidade de atender aos diferentes campos do

saber envolvidos. Para Schwartz,

[...] não é uma disciplina no sentido de um novo domínio do saber mas, sobretudo, uma disciplina de pensamento. Essa disciplina ergológica é própria às atividades humanas e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e conceito no campo das

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ciências experimentais deve, ao contrário, neutralizar os aspectos históricos. A démarche ergológica, mesmo tendo como objetivo construir conceitos rigorosos, deve indicar nestes conceitos como e onde se situa o espaço das (re)singularizações parciais, inerentes às atividades de trabalho (SCHWARTZ, 2000 P. 45-46).

Schwartz, assim como Vygotsky, caracteriza o trabalho como atividade

tipicamente humana, cerne da disciplina ergológica. Ademais, coloca o trabalho

como atividade sócio-histórica, outro aspecto convergente a Vygotsky: a Ergologia

aborda experiências subjetivas para realização do trabalho, processo semelhante à

internalização vygotskyana; a Ergologia é, pois, um modo de pensar o sujeito

imbricado na situação de trabalho entre o geral e singular, que se alinha à

fundamentação teórica utilizada neste estudo.

A Ergologia define o ato de reorganizar do trabalho sob o termo

“renormalizar41”, que é a recriação da prescrição do trabalho. A renormalização

ocorre

[...] numa situação de exposição às normas e exigências contínuas e em quantidade, para garantir sua existência com um ser singular, o homem reinventa essas normas, configurando assim o meio como seu próprio meio; esse processo de “renormalização” está no centro da atividade. Além da reconfiguração do meio, a renormalização propicia ao homem a garantia da saúde, da integridade psíquica e da felicidade durante a realização da tarefa em situação de trabalho (OLIVEIRA, 2009 p. 93).

A renormalização é também um processo de encontrar o outro com

particularidades semelhantes às suas em situação de trabalho na medida em que

valores e sentimentos individuais são compartilhados, se universalizam e cristalizam.

A linguagem, não apenas a verbal, é o grande mediador dessas relações; nessa

dinâmica que é o trabalho, valores sociais circulam e propiciam o reconhecimento do

outro e nesse processo cada sujeito renormaliza seu trabalho.

Nesse sentido, a renormalização é sócio-histórica, depende de um contexto,

do eu e do outro, imersos nesse tempo, nesse espaço e nessa situação; a

materialidade linguística, que é a norma; a internalização de valores anteriores ao

41Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss “normalizar” é o ato ou efeito de tornar normal e “normatizar” é a situação em que se impões normas, a Ergologia chama de “renormalizar” as mudanças que são feitas nas normas de trabalho, primeiramente em nome da saúde do trabalhador. (OLIVEIRA, 2009, p. 95).

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trabalho somados aos adquiridos nele necessários à renormalização faz com que ela

seja não apenas uma necessidade vital, mas uma atividade linguageira, ainda que

indescritível no discurso daquele que exerce o trabalho e o reorganiza.

Até agora a discussão referiu ao coletivo de trabalho, porém, no capítulo de

análises teremos depoimentos que falam de solidão e abandono e falta de

acolhimento. Nessas situações, o sujeito também renormaliza o trabalho por meio de

uma entidade que a Ergologia nomeia “corpo-si”, que vem a ser

[...] uma entidade enigmática. Não é apenas o corpo no sentido físico, mas é toda a somatória de corpo, alma, inteligência, emoções, sistema nervoso, a história e formação social do ser, é um corpo formado tanto na história da humanidade quanto da história do próprio ser. Somatória dos vários “corpos” requeridos na condução da atividade: “o social, o psíquico, o institucional, as normas e os valores (do contexto e retrabalhados), a relação às instalações, aos produtos, aos tempos, aos homens, aos níveis de racionalidade, etc.”42(DURRIVE e SCHWARTZ, 2008).

Entendemos como corpo-si como somatória de tudo que compõe o sujeito e

que é requerido no momento da renormalização do trabalho; o corpo si, para agir,

recorre às potencialidades de que pode lançar mão ao renormalizar: o uso de si, por

si e pelos outros:

O uso de si: este conceito é dividido em dois outros conceitos: o uso de si por si, que é o dispositivo por meio do qual o trabalhador recria/reorganiza o trabalho. É o produto de uma vontade autônoma que determina as próprias leis. O uso de si por si está presente nas singularidades da situação de trabalho; é uma experiência singular que coloca em jogo as próprias normas para que se vá ao encontro de um destino a ser vivido na forma de tarefa a realizar. Há também o uso de si pelos outros, a prescrição que impõe o que o trabalhador deve fazer. É fruto das vontades heterônomas que sujeita o ser às leis externas; conjunto de coerções, normas e prescrições integrantes da situação de trabalho que devem ser seguidas para realização das tarefas. O uso de si por si em relação ao uso de si pelos outros significa escolher a si mesmo por meio dos próprios valores, dos saberes e valores plurais orientando situações de trabalho que são sempre singulares (OLIVEIRA, 2009 p. 100)

A renormalização ocorre em todos os aspectos da vida humana;

entretanto, é no trabalho que suas ocorrências e implicações ficam mais evidentes:

essa é a razão da Ergologia explorar as questões referentes ao trabalho, apoiada

em vários campos do saber, inclusive a Linguagem. 42 Glossário da Ergologia | Louis Durrive & Yves Schwartz

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A Ergologia preceitua que o trabalho é constituído por elementos

situados além da norma e dos saberes de quem concebe essa norma; a somatória

de saberes e experiências de quem realiza o trabalho é igualmente fundamental

para os ergólogos porque ocorre na maior parte de atividades e profissões. Sobre o

viver e renormalizar em nome desse viver para além do trabalho, Schwartz indica

que

Há sempre o uso de si pelo fato de que estar vivo é reinventar maneiras de viver, de sobrevier, de viver em comum. Viver não pode ser pura execução. Não podemos imaginar nenhuma atividade – de trabalho ou outra – que não seja também o uso de si, ou seja, a mobilização dessa substância enigmática que a Ergologia nomeia “o si mesmo”. Essa é uma afirmação ergológica fundamental. SCHWARTZ (2007, p. 17)

As situações de renormalização descritas convocam a “subjetividade” para

ser realizadas; são decisões puramente pessoais, assim no caso do trabalho do

PER quando em estado de solidão e exclusão. Por tal razão, os ergólogos usam as

expressões “corpo-si” e “uso de si” no lugar de “subjetividade”. A situação dramática

do uso do corpo-si e da necessidade de renormalizar são mais amplas que a

subjetividade; segundo Schwartz (2007)43:

A subjetividade é muito restritiva (...) o debate de normas é exigido por nossa saúde, isso não ultrapassa a questão da subjetividade, a globalidade do corpo-si não pode ser compartilhada e o enfrentamento dos valores pode ser claro e consciente e não podemos criar fronteiras, então a atividade é uma transgressão entre corpo e alma, entre consciente e inconsciente e entre verbal e não-verbal e por isso a síntese do conceito de atividade não pode ser apropriado por nenhuma ciência em particular.”

As dialéticas apontadas por Schwartz (mímeo) apontam também para a

linguagem,44: se pedíssemos a um PER que verbalizasse o passo a passo de

qualquer tomada de decisão, como por exemplo, emitir um comprovante de

escolaridade na ausência do Gerente de Organização Escolar (doravante, GOE), ele

descreveria o processo de procurar nome completo, série e número do registro de

aluno na lista ou no sistema, colocar os dados no impresso, datar, carimbar e

43 Yves Schwartz, 2007, PUC-SP - Minicurso. 44 Quando refere o verbal e não-verbal.

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assinar P/O, entretanto, os processos interiores que a levaram a essa tomada de

decisão seriam omitidos: é um processo perpassado pela linguagem e que a

linguagem em si não consegue descrever.

O processo é análogo ao das “funções psicológicas superiores” descritas por

Vygotsky (1998)45 que indica a mudança de operações mentais elementares, quase

instintivas como a criança que chora para ter o colo da mãe, para operações mais

elaboradas, em que a criança por meio da linguagem convence a mãe que tê-la ao

colo é bom para ambas. A teoria de Vygotsky é aplicável principalmente à Educação,

entretanto, elegemos a Ergologia para explicar os processos de renormalização por

ter seu foco voltado única e especificamente para a situação de trabalho, cerne

desta pesquisa.

Na seção anterior caracterizamos o trabalho do professor por meio dos

constituintes da atividade docente; nesta seção demonstramos os expedientes

físicos e psíquicos por meio dos quais o trabalhador, neste escopo o PER,

renormaliza a prescrição e o trabalho para torná-lo vivível. Na seção a seguir, cujo

tema é a “identidade docente”, demonstraremos os aspectos constitutivos dessa

identidade, ou seja, os determinantes que fazem com que o professor veja a si e a

sociedade o veja como profissional da Educação; no que tange ao PER, indicaremos

a desconstrução corporativa e social dessa identidade.

2.2 Construção da identidade docente

Uma característica inerente ao homem é a busca pelo conhecimento, do

mundo e de si, uma construção hermenêutica; tal construção se configura em

sentidos simbólicos em que se entrecruzam as referências do mundo externo e do

próprio homem: conceitos, ideias, vivência, crenças, prerrogativas de si e dos meios

sociais e físicos em que esse homem se encontra imerso.

45Nossa investigação mostrou que um conceito não se forma pela interação deassociações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funçõesmentais elementares participam de uma conciliação específica. Essa operação édirigida pelo uso de palavras como meio para centrar ativamente a atenção ,abstrair determinados traços, sintetizá-los por meio de um signo. (VYGOTSKY, 1989, p. 70).

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Os aspectos descritos, em somatória, auxiliam a depreensão do que vem a

ser a identidade, com base na Lei de Dupla Formação dos processos psicológicos

superiores, conforme descritos por Vygotsky (1989), assunto da próxima seção.

2.2.1 Entendimento do conceito “identidade”

Vygotsky como desenvolvedor principal do que nomeamos Psicologia Sócio

histórica, fundou seus conceitos acerca dos fenômenos humanos partindo do estudo

dos processos psicológicos superiores; aqueles que permitem compreender o

funcionamento psicológico como algo tipicamente humano oriundo da ontogenética,

atravessado pelas interações sociais e simbolicamente mediado pelos sistemas

construídos pela humanidade, sendo o principal deles, a linguagem.

Com referência aos processos que constroem os conceitos de identidade, o

autor os inclui nos processos psicológicos superiores porque implicam a consciência

de si mesmo no mundo em que vive, nos contextos inseridos, no outro necessário

para o conhecimento do si, esses processos são peculiares ao homem. Ao estudar a

formação dos processos psicológicos superiores, adquirimos conhecimentos por

meio dos quais o processo de construção da identidade se torna compreensível.

Segundo Vygotsky, os processos psicológicos superiores estão ligados à Lei

da Dupla Formação em que “todas as funções no desenvolvimento da criança

aparecem duas vezes: primeiro, no nível social e depois, no nível individual;

primeiro, entre pessoas (interpsicológico) e depois, no interior da criança

(intrapsicológico)” (VYGOTSKY 1998, p. 75).

A compreensão do conceito implica considerar que não se trata de imposição

social ao sujeito; o outro não é aquele que obriga a interiorizar algo mas sim que

medeia tal interiorização; o outro como parâmetro de si subjazia à teoria

vygotskyana, na qual esse outro, mediador, “não é passivo nem apenas ativo; é

interativo” (VIGOTSKY, 1998, p. 21), ou seja, a intersubjetividade não é constituída

“pelo” outro, mas sim “com” o outro.

Destarte, o conceito de “Lei da Dupla Formação” se apresentado de forma

reducionista, não atrela o processo de formação da identidade; entretanto, tal

ancoragem se dá no fato de que a identidade é formada nas relações sociais, com a

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dinâmica, o sujeito primeiro se relaciona e depois internaliza o mundo, a realidade, o

aqui, o agora e o outro.

Vygotsky considera que a função psicológica superior ocorre primeiramente

pela intersubjetividade para, posteriormente, se tornar intrasubjetiva. A efetiva

relação entre a “Lei de Dupla Formação” e a “formação da identidade” está na

“transformação” do plano interpsíquico para o intrapsíquico, chamada de

“interiorização”. Esse é um processo sintético e, para Vygotsky, a ideia de síntese é

essencial na compreensão de processos psicológicos: síntese não é justaposição ou

soma de elementos, mas sim a gênese de algo novo, inédito, cuja possibilidade de

ocorrência só existe no trato desses elementos, cuja transformação origina novos

fenômenos.

O item atuante na confluência desses elementos é a cultura, pois, estando

para além de mera absorção, a cultura é meio de transformação e de fusão, de

compartilhamento social de conteúdos simbólicos e significados nas inter-relações

de sujeitos imersos na mesma cultura; ao se tornar em processo intrapsíquico, os

conteúdos sintetizados passam a ser o “sentido” pessoal atribuído pelo sujeito ao

teor internalizado.

Leontiev, como seguidor de Vygotsky, auxilia na compreensão do processo

de internalização ao afirmar que

A ação interior constitui-se, portanto, primeiro sob a forma de uma ação exterior desenvolvida. Posteriormente, após uma transformação progressiva – generalização, redução específica dos seus encadeamentos, modificação do nível em que se efetua – ela interioriza-se, isto é, transforma-se em ação interior, desenrolando-se inteiramente no espírito da criança (LEONTIEV, 2000, p. 200)

Leontiev ressalta o quanto os processos de interiorização são carregados de

significação e aponta para ressignificação, sendo esta que opera na transfiguração

de elementos e conteúdos socialmente compartilhados que, por sua vez, adquirirão

sentido intrapsíquico. Assim como o trabalho, tema desta pesquisa, a identidade é

carregada de sentidos-e-significados.

Inserta na temática do trabalho e atrelada ao conceito de “identidade”, temos

a questão da identidade profissional, grosso modo, as maneiras pelos quais o

trabalhador se reconhece num ramo profissional e como é reconhecido pelos

demais: o médico se reconhece por trabalhar nos limiares entre a saúde e a doença,

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a vida e a morte; a sociedade o reconhece pelo avental branco e o estetoscópio no

pescoço.

Os componentes de um trabalho levam à identificação do trabalhador em

sentido social, porém, a identidade profissional é objeto de vários estudos cujo cerne

é a indagação de como e o que formam essa identidade. No caso desta pesquisa, é

a identidade docente que nos pede para ser esmiuçada e esclarecida, o que

faremos na seção a seguir.

2.2.2 Identidade docente: entre trabalhar e “dar aula”

Professora, a senhora trabalha ou só dá aula?

A caracterização de uma “identidade docente” construída pelos membros dos

grupos sociais em que o professor figura enseja um questionamento: o que é ser

professor? O que é o exercício da profissão docente? O professor trabalha ou só dá

aula? Que vivências ou experiências os “não professores” possuem para indicar ao

professor como deveria ser feito um trabalho, cujas atividades envolvidas e formação

necessária não são conhecidas por pseudo-especialistas críticos da Educação? Por

que outras categorias profissionais não ensejam tanto destaque nas mídias como o

dado ao professor?

Em seção anterior comentamos que o trabalho do professor requer

atribuições normativas, extra-normativas e burocráticas, que o coloca diante de

funções outras desconexas e adversar ao ensinar, como: atendimento de pais,

alimentação dos sistemas de acompanhamento dos alunos com dados, gestão de

conflitos, entre outros, que colocam o exercício docente como um dos mais

complexos e desgastantes, pelo acúmulo de atribuições e excesso de pressão

externa na forma de críticas advindas da sociedade e do próprio Estado.

Como visto, a identidade do sujeito é sócio-historicamente construída e

internalizada por meio da linguagem como suporte simbólico. Por essa razão a

identidade “profissional” vem a ser um recorte desse universo maior que é o

entendimento de si no mundo.

Os princípios da teoria de Vygotsky (1989) nos descrevem como sujeitos

sociais e históricos cujo desenvolvimento mental se dá na medida em que nos

apropriamos de conhecimentos que, por sua vez, foram disseminados por gerações

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anteriores à nossa por meio da linguagem e por ela nos chegaram em condições

peculiares: os contextos.

Da mesma forma, a internalização de “atividades” construídas histórica e

socialmente, entre elas, as de trabalho, constituem o que é peculiar à psicologia

humana e é a maior ênfase na diferenciação entre o animal e o homem. A somatória

de conhecimentos é individual, isso diferencia os homens entre si. Outro fato

diferencia os homens é a atividade de trabalho: segundo Schwartz (2007), toda a

atividade de trabalho é irrepetível porque é carregada dos saberes de quem a

realiza.

No conjunto de atividades que compõem um “trabalho”, destacam-se as

profissões: metalúrgicos, bancários, professores; entretanto, dizer-se desta ou

daquela profissão não basta para a formação da “identidade profissional”. Nesse

sentido, Moita Lopes (2003, p.15) afirma que “Há nas práticas cotidianas que

vivemos um questionamento constante de modos de viver a vida social que têm

afetado a compreensão da classe social, do gênero, etc., em resumo, de quem

somos na vida social contemporânea”.

Tal afirmação indica a necessidade de o profissional refletir sobre seu papel

social a partir de sua profissão e estabelecer a distinção entre ambos, ou seja,

separar sua identidade pessoal da profissional e ainda ter a intelecção das

diferenças entre tais identidades, pois a identidade coordena os significados e os

papéis sociais estabelecem a função dos sujeitos.

No que tange à identidade docente, apoiado em Derouet (1988), Moita Lopes

(1995) argumenta que a identidade docente é uma construção que perpassa toda a

vida profissional do professor, desde a escolha da profissão à aposentadoria,

passando por espaços como a Instituição de Ensino em que se graduou e se

aperfeiçoou às salas de aula em que tenha atuado.

O autor ratifica que

“O processo de construção de uma identidade profissional própria não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo profissional e ao contexto

sociopolítico em que se desenrola.” (MOITA LOPES, 1995, p. 116)

O autor refere que a identidade profissional do professor se dá

continuamente, perpassando pelas relações sociais e profissionais que envolvem

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alunos, família e instituição escolar; ocorre pela construção do saber e conhecimento

junto aos alunos, pelo convívio em seu universo profissional, pela formação

continuada e pela imersão sociocultural.

Nesse sentido, podemos afirmar que a identidade profissional é mutável e

está em permanente construção; o ser “professor” é social e historicamente situado

e, portanto, sua identidade profissional é moldada por esses aspectos, sempre

mediada pela linguagem. Rajagopalan (2003) ratifica esse aspecto acerca da

identidade:

“[...] as identidades estão, todas elas, em permanente estado de transformação, de ebulição. Elas estão sendo constantemente reconstruídas. Em qualquer momento dado, as identidades estão sendo adaptadas e adequadas às novas circunstâncias que vão surgindo” (RAGAJOPALAN, 2003, p. 71)

Deste modo, depreendemos o que vem a ser a “identidade docente” como

representação de uma identidade profissional; depreendemos também que a

identidade profissional é relacionada ao papel que o indivíduo representa

socialmente, à conexão sujeito – contexto em que realiza seu trabalho e às

competências que utiliza para tal realização.

Nesse sentido, Ferreira (2009) argumenta que a identidade está relacionada

aos aspectos acima citados:

[…] tem relação com a individualidade – referência em torno do qual o indivíduo se constrói; com concretude – não uma abstração ou mera representação do indivíduo […] com temporalidade – transforma-se ao longo do tempo; com socialidade – só pode existir em um contexto social; com historicidade – vista com configuração localizada historicamente, inserida dentro de um projeto e que permite ao indivíduo alcançar um sentido de autoria na sua forma particular de existir (FERREIRA, 2009 p. 48).

O professor é um profissional que atua dentro e fora de sala de aula, que tem

seu agir orientado por uma abordagem específica; destarte, a identidade docente é

socialmente construída a partir da importância social e histórica do seu agir, de seu

cotidiano de trabalho; pessoalmente, o professor é a somatória de seus saberes e

dos sentidos-e-significados que o “ser professor” têm em sua vida.

Segundo Machado (2009, mímeo), ser professor é trabalhar com as

habilidades de saber-fazer e saber-ensinar, com aptidões que mobiliza em seus

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saberes externos e internos e, em suas identidades profissional e pessoal; o

professor é o elo entre a sociedade e o saber. Antes da identidade docente, o

professor possui a identidade humana, oriunda da relação dialógica indivíduo-

sociedade-espécie.

Ainda segundo Machado (2009, mímeo), as características pessoais e sociais

que compõem a identidade docente se articulam em configurações peculiares em

conformação com os detalhes que a formam; assim, é um processo sempre em

formação, à procura de completude, em desconstrução e reconstrução.

No que tange ao professor, ele é um ator social cuja ação o identifica no

contexto histórico, social, político, organizacional e cultural; seu campo de atuação

envolve resultados quantitativos e qualitativos pela população atendida, os

percentuais obtidos nesses resultados têm alterado a identidade docente do

professor, responsabilizado pelas ocorrências de baixos níveis de aprovação:

No caso da educação escolar, constatamos no mundo contemporâneo que ao crescimento quantitativo dos sistemas de ensino não tem correspondido um resultado formativo (qualitativo) adequado às exigências da população envolvida, nem às exigências das demandas sociais. O que coloca a importância de definir nova identidade profissional do professor (PIMENTA, 2000, p. 19).

Entendemos a identidade docente como modos de ser e estar na profissão;

para Schwartz (2007), a formação da identidade no trabalho perpassa lutas,

conflitos, e saberes de modo contínuo, razão pela qual ele prefere usar a expressão

“processo identitário”. É nessa dinâmica em que enunciados produzidos sobre o

mesmo trabalho serão diferentes para os diferentes sujeitos que o realizam:

oscilarão entre o “se dizer” e o “se sentir” imerso nesse trabalho (OLIVEIRA, 2009).

Freire (1991) ratifica a construção da identidade docente como um processo

contínuo:

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática (FREIRE, 1991, p. 58).

Se o trabalho do professor descrito na seção anterior pode ser definido como

a soma de tudo o que ele tem para fazer, a identidade docente não pode ser

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reduzida à soma de tarefas, pois, em cada uma delas é lançado o olhar do

professor, individualmente, sua identidade é seu modus operandi.

Depreendemos a identidade docente como patrimônio de grupo profissional,

construída nos sentidos-e-significados sociais e históricos da profissão, na revisão

constante de saberes, a fim de adaptá-los às competências e habilidades requeridas

ao exercício da profissão em suas mais distintas realidades; individualmente, é

formada pelo cotidiano, por tudo aquilo que internaliza e mobiliza no momento do

ensinar.

Após esclarecimentos acerca do que vem a ser o trabalho do professor e a

identidade docente, na seção a seguir, discutiremos a pertinência dos conceitos

desenvolvidos por Vygotsky no que tange aos sentidos-e-significados e à

afetividade, categorias eleitas para a análise do corpus.

2.3 Conceitos de Vygotsky

Conforme já referido na Introdução, esta tese surgiu da necessidade de

compreender e repensar o papel do professor readaptado nas escolas e, para tanto,

apoiamo-nos nas considerações de Vygotsky, que identificou as ações sociais do

homem influenciando diretamente seu desenvolvimento histórico e cultural, nos

âmbitos físico, social e político de suas vivências, entre estas últimas encontra-se o

trabalho, cujo desempenho mantém e reproduz relações sociais.

Relembramos que, para definir o trabalho, Vygotsky busca em Marx (1845-

1846/1999) conceituar o homem como um ser capaz de produzir instrumentos, a fim

de facilitar a execução de tarefas. Em Marx baseia as discussões referentes à

formação do homem como ser social, partindo das discussões acerca do

materialismo histórico-dialético no qual as relações homem-sociedade em que se

insere são determinadas pela primordialidade da sobrevivência do homem diante da

realidade dinâmica.

Marx (1845-1846 / 1993 p. 39), ao discutir sobre a existência humana,

ressaltou que a necessidade é o principal fator que leva o homem a agir e que esse

agir passa a ser social quando é partilhado com outros homens como, por exemplo,

nas atividades de trabalho; a relação entre pares, constitutiva da atividade, enseja a

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transformação do objeto e simultaneamente transforma o homem por meio da ação

executada no e pelo meio sociocultural em que se insere:

“[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a História, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.” (MARX, 1987 p. 39)

Na situação de interação homem-ambiente, sem relegar o aspecto sócio-

histórico-cultural, é a linguagem o instrumento mediador principal por trazer consigo

as características culturais construídas historicamente e por possibilitar a

compreensão de sentidos-e-significados, repetitivos ou não, bem como proporcionar

questionamento acerca da necessidade de novas produções. (VYGOTSKY –

1934/1996).

Há um determinante maior na designação desses sentidos-e-significados: as

escolhas lexicais por meio das quais os sujeitos descrevem o que entendem por

“trabalho do professor readaptado”; tais escolhas refletirão o pensamento dos

grupos dos participantes e este pensamento mostrará como o papel do readaptado é

constituído por esses grupos.

Um importante conceito auxiliar na depreensão do processo por meio do qual

sentidos-e-significados são formados, discutidos e modificados, parte das

discussões de Engeström (1999) acerca dos ciclos expansivos no trabalho, que

envolvem os grupos de atores participantes do e no trabalho do professor

readaptado.

Tal movimento implica discussões acerca do sentido do papel do PER,

implica também observar como tais sentidos são compartilhados no grupo e

ambiente em que o readaptado se insere, como tais sentidos tornam-se significados

compartilhados e exercem mudanças (ou não) na realidade desse readaptado.

Nas Seções a seguir apresentaremos mais detalhadamente as categorias

eleitas para a análise do corpus.

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2.3.1 Sentidos-e-significados

Antes de discorrer sobre o conceito de “sentidos-e-significados” faz-se

importante mencionar que os itens lexicais que compõem a expressão destacada

possuem abordagens e definições distintas na obra de Vygotsky; entretanto, devido

à interdependência e relação dialética entre ambos, serão utilizados como termo

composto: sentidos-e-significados.

A relação entre pensamento e linguagem é um dos grandes temas presentes

na obra de Vygotsky, aspecto central para a compreensão do que vem a ser a

consciência humana. O autor, tendo se utilizado do método de análise por unidades,

buscou em suas pesquisas a unidade que seria fundamental nessa relação, tendo

concluído que essa unidade é o “significado” irredutível em ambos os processos por

ser a palavra vista em seu interior:

Assim, o significado da palavra é, ao mesmo tempo, um fenômeno de discurso e intelectual, embora isto não signifique a sua filiação puramente externa a dois diferentes campos da vida psíquica. O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na medida em que o pensamento esteja relacionado à palavra e nela materializado, e vice-versa, ou seja, é um fenômeno de discurso apenas na medida em que o discurso esteja vinculado ao pensamento e focalizado por sua luz. É um fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente, é a unidade da palavra com o pensamento (VYGOTSKY, 2000a, p. 398).

Vigotsky (2000) ressaltou que a palavra tem seu aspecto generalizante, ou

seja, uma forma original de representação da realidade na consciência; uma palavra

é capaz de sintetizar a ação do homem, pois carrega a generalização dessa ação.

Para o autor, ação e linguagem são indissociáveis e estão unidas geneticamente46

no desenvolvimento da criança.

Eis o porquê da mutabilidade do significado; ele é ajustado à realidade da

criança de acordo com seus níveis de desenvolvimento, o processo entre

pensamento e linguagem é dinâmico uma vez que ocorre do pensamento para a

46 A aplicação do termo “geneticamente” deriva de gênese, no sentido da formação. Não se refere à genética, estudo dos genes humanos.

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palavra e da palavra para o pensamento, nas palavras do autor, “O pensamento não

se exprime na palavra, mas nela se realiza” (VYGOTSKY, 2000 p.409).

Ainda na investigação entre pensamento e linguagem, Vygotsky distingue a

estrutura da linguagem como externa (a face social da linguagem), a egocêntrica

(um autoteste entre pensamento e linguagem que ocorre no sujeito) e interior

(apreensões do mundo e realidade, internalizadas no sujeito); da discussão entre os

aspectos citados Vygotsky elabora o conceito de sentido, central para a

compreensão do conceito de significado.

Dessa forma, Vygotsky diferencia o sentido do significado: o sentido

corresponde à linguagem interior, tem predomínio sobre o significado e se apresenta

de forma mais ampla que ele, posto que define a somatória dos eventos psicológicos

despertados pela palavra na consciência47. A instabilidade do sentido em relação ao

significado é descrita pelo autor:

[...] o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. Como se sabe, em contextos diferentes, a palavra muda facilmente de sentido. O significado, ao contrário, é um ponto imóvel e imutável que permanece estável em todas as mudanças de sentido

da palavra em diferentes contextos (VYGOTSKY, 2000a, p.465).

O sentido engrandece uma palavra, partindo do contexto em que ela é

enunciada e é esse enriquecimento conferido à palavra que se torna fundamental no

processo de formação do significado. Na linguagem interior, o predomínio do sentido

sobre o significado, a palavra é referida por Vygotsky como “uma espécie de coágulo

concentrado de sentido” (VYGOTSKY, 2000a, p.470); depreende-se, então, o

primado do sentido da palavra por ser uma linguagem em si.

Trazendo o sentido para a suas investigações acerca da relação pensamento

e linguagem, Vygotsky (2000) concluiu que não há coincidências entre o

pensamento e a linguagem, que o percurso entre pensamento e palavra é indireto e,

por tal razão, ocorre a mediação interna e “por isso o pensamento nunca é igual ao

significado direto das palavras” (p. 479). Nesse sentido, Vygotsky (2000a) destaca

47 Os efeitos da palavra no sujeito que sofre exclusão social serão abordados no capítulo de análise.

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um tema central na Psicologia: o papel dos motivos e dos afetos na constituição do

pensamento. Para o autor,

Por trás do pensamento existe uma tendência afetivo e volitiva. Só ela pode dar resposta ao último porquê na análise do pensamento. Se antes comparamos o pensamento a uma nuvem pairada que derrama uma chuva de palavras, a continuar essa comparação figurada teríamos de assemelhar a motivação do pensamento ao vento que movimenta as nuvens. A compreensão efetiva e plena do pensamento alheio só se torna possível quando descobrimos a sua eficaz causa profunda afetivo-volitiva (VYGOTSKY, 2000a, p. 479-480. Grifos do autor).

Na conclusão do capítulo “Pensamento e palavra48”, Vygotsky afirma com

mais veemência que a questão da consciência humana é mais vasta e profunda que

o entendimento do papel da palavra na formação da consciência; entretanto, a

palavra é elemento-chave para tal compreensão por estar intrinsecamente ligada à

consciência. Para o autor, “A palavra consciente é o microcosmo da consciência

humana” (VYGOTSKY, 2000 p.486).

Vygotsky (1934/1962 p.146) salienta que os conceitos “sentido-e-significado”

são distintos, mas que o pleno entendimento de ambos se dá quando analisados

dialeticamente; o autor salienta que o sentido

“[...] é a soma de todos os eventos psicológicos suscitados em nossa consciência pela palavra. Trata-se de um todo dinâmico, complexo, fluido, que tem diversas zonas de estabilidade desigual. O significado, por sua vez, é somente uma das zonas de sentido, a mais estável e precisa, ou seja, uma palavra adquire seu sentido no contexto em que aparece; em contextos diferentes, ela muda seu sentido” (VYGOTSKY 1934/1962, p. 146).

Daniels (2002), igualmente destaca que a existência dos sentidos parte dos

significados sociais gerados por participantes dos grupos; Engeström (1999), da

mesma forma, discute tal questão descrevendo a maneira pela qual, nos sistemas

de atividade, os sentidos-e-significados podem ser modificados em relação ao

objeto; os participantes têm pontos de vista e conhecimentos prévios distintos sobre

os objetos; assim, na comunhão dessas diferenças, novos sentidos-e-significados

são criados, social e historicamente compartilhados.

48 VIGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e palavra. In: ______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. cap. 7. p. 103-132.

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Na descrição do autor, “as significações são fenômenos da consciência

social, mas quando são apropriadas pelos indivíduos passam a fazer parte da

consciência individual. [...] O sentido pessoal é engendrado, produzido na vida do

sujeito, em sua atividade” (ENGESTRÖM, 2005 p. 111). Destarte, depreende-se que

os significados referentes às rotinas de atividades de grupos se cristalizam e

expressam sentidos acerca da atividade do PER, nesse processo, não devem ser

discutidos isoladamente.

Os sentidos individuais acerca do trabalho, reorganizado devido à situação de

readaptação funcional do professor e os compartilhados nos grupos em que esse

professor está inserido e produz sua atividade, podem ser observados por meio dos

discursos, cujas escolhas lexicais poderão demonstrar se os significados

compartilhados podem ser retomados, discutidos e modificados.

Por ocorrer numa dinâmica em que integra a atividade de trabalho desse

professor, faz-se relevante discorrer sobre a linguagem como conceito central na

obra de Vygotsky (1934-2001), equivalente à ferramenta psicológica e dispositivo

essencial para domínio de processos mentais. Conforme reiterado por Daniels

(2003, p. 26), essas ferramentas e dispositivos linguageiros influem

significativamente nas mudanças ocorridas no comportamento do homem nos

diferentes contextos em que está inserido; o autor enfatiza as divergências entre as

ferramentas materiais no que tange a sua utilização para obter e modificar outras

coisas materiais.

Para Vygotsky, a relação do homem com os objetos não é direta; advém da

mediação de sistemas simbólicos nessa relação: a linguagem é o sistema simbólico

utilizado no espaço escolar entre os professores já em readaptação e os professores

em sala de aula, que podem vir a ser readaptados, e gestão escolar.

O conceito de mediação entre homem e natureza por meio de ferramentas /

instrumentos foi expandido por Vygotsky para os sistemas de signos: linguagem,

escrita, sistemas numéricos (COLE e SCRIBNER, 1984, p. XXVI). Os sistemas

verbais também foram criados nos grupos sociais e ao longo da História tanto foram

modificados, como proporcionaram ao homem desenvolvimento cultural, criação de

máquinas, para ter melhor resultado com menor esforço e menos tempo empregado

na realização de tarefas.

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Wertsch (2007) observou dois tipos de mediação que Vygotsky versou em

seus estudos: a mediação explícita e a implícita. O autor indica que a mediação

explícita é caracterizada por interferências externas no andamento da atividade; tal

interferência é proposital e objetiva assessorar o sujeito na reorganização da

atividade em que se encontra imerso

“[...]. Explicit mediation involves the intentional introduction of signs into an ongoing flow of activity. [...], the signs tend to be designed and introduced by an external agent, such as a tutor, who can help reorganize an activity in some way49.[…].” (WERTSCH, 2007 p.185)

Na mediação implícita, temos sinais na forma de linguagem falada; se torna

central por participar na comunicação da atividade de trabalho (OLIVEIRA, 2009), é

a fala sobre o trabalho por meio da qual buscar-se-á identificar debates, intempéries

e regras sociais presentes no trabalho. “[...], implicit mediation typically involves

signs in the form of natural language that have envolved in the service of

communication and are then harnessed in other forms of activity50. […] .”

(WERTSCH, 2007, p.185).

Ao examinar o conceito de mediação exposto por Vygotsky e revisto por

Wertsch compreende-se melhor a construção de sentidos-e-significados individuais

e compartilhados em determinado contexto, no caso específico desta pesquisa,

escolas que tenham em seu quadro um ou mais PER; é possível também conhecer

as experiências, conhecimentos prévios e/ou modificados e posicionamentos

ideológicos sobre o objeto do estudo nesta pesquisa: o trabalho reorganizado do

professor ora readaptado.

Depreende-se, então, a mediação pela linguagem como um

“[...] sistema simbólico fundamental em todos os grupos humanos, elaborado no curso da história social, que organiza os signos em estruturas complexas e desempenha um papel imprescindível na

49"[...]. A mediação explícita envolve a introdução intencional de sinais em um fluxo contínuo de

atividade. [...], os sinais tendem a ser projetados e introduzidos por um agente externo, como um tutor, que pode ajudar a reorganizar uma atividade de alguma forma. (Tradução feita pela pesquisadora). 50"[...], a mediação implícita geralmente envolve sinais na forma de linguagem natural que envolveu

ao serviço da comunicação e, em seguida, são aproveitadas em outras formas de atividade. (Tradução feita pela pesquisadora).

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formação das características psicológicas humanas [...]”. (Rego, 1995 p. 53).

A mediação pela linguagem vem a abranger aspectos e planos linguísticos

mais abrangentes que a simples troca de informações e/ou emissão de opiniões

acerca de um assunto, ela perpassa a questão da atividade, desnuda a consciência

de participantes tanto da atividade em si quanto desta pesquisa, atribui sentidos-e-

significados individuais e compartilhados à atividade de trabalho do PER.

Para Vygotsky, o sentido produzido pelas palavras é efêmero, posto que traz

à tona na memória do indivíduo avivamentos breves e recentes, determinados e

modificados em conformidade com as situações na consciência desse indivíduo e é

instável porque pode ser alterado de acordo com os contextos em que se está

inserido.

Para Leontiev (1977), o sentido está relacionado à vida do indivíduo e às

motivações que ele tem, reflete as percepções do mundo e de si e é manifestado no

e pelo discurso, mostrando o que é pessoal; o processo de atribuição de sentidos é

dialético entre indivíduo, sociedade e história; posto dessa forma, o sentido parece

ser menor que o significado, porém, o sentido traz consigo o arcabouço ideológico

do indivíduo e reflete sua vivência, ou seja, o sentido é subjetivo.

Vygotsky justifica a instabilidade do sentido, ao afirmar que “toda emoção é

um chamamento à ação ou uma renúncia a ela” (VYGOTSKY, 1926/2014 P. 139), os

comportamentos humanos são reflexos das emoções, assim, oriundam reações,

referimo-nos aqui à afetividade aliada ao comportamento, nas conclusões do autor:

“[...] o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando compreendemos sua base afetiva-volitiva (VYGOTSKY, 1926/2014 p. 129).

Podemos inferir que os conceitos emocionais são constituídos por outros cuja

afetividade varia entre positiva, negativa ou neutra; os sentidos são constituídos,

pois, nas relações do sujeito com seu meio social e dessa relação advêm seus

sentimentos, que podem ser modificados.

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Em relação aos significados, eles estão associados concomitantemente ao

pensamento51 e à linguagem52; são os significados que pressupõem a comunicação,

processo em que esses significados são desenvolvidos e compartilhados.

É pelo significado que a mediação simbólica entre mundo e sujeito é feita; ele

é o controle da compreensão e ação do sujeito sobre o mundo. O significado é mais

estável, é a parte “registrável” da palavra no aspecto metalinguístico; o significado é

a própria representação da palavra, segundo Vygotsky, “uma unidade53 do

pensamento verbalizado” (VYGOTSKY, 1934/2001, p. 10).

Entendemos o significado como itens históricos e culturais, construídos e

modificados nas interações sociais, fundantes da consciência; de acordo com

Vygotsky, “são possíveis infinitas variedades de graus da (auto)consciência”

(VYGOTSKY, 1925/2004 p. 71).

Depreendemos, dessa forma, que o sentido é pessoal e o significado é social;

logo, a compreensão de quem vem a ser o sujeito socialmente localizado só pode

ser abordada na relação dialética e na indissociabilidade do sentido somado ao

significado, ou seja, o sujeito é perpassado em sua existência pelos sentidos-e-

significados.

Tal qual mencionado na seção que trata de “identidade”, as apropriações

intra- e inter-psicológicas oriundam da constituição dialética que ocorre entre o

individual e o social é semelhante ao que ocorre com os sentidos e os significados,

ou seja, não há inter- sem o intra-, não há individual sem social, não há sentido

pessoal que não tenha sido formado pelo significado social e quem, em tal

formação, não tenha ocorrido a mediação pela linguagem.

Encontramo-nos diante de uma relação dialética e recíproca, reveladora da

complexidade na (re)construção de sentidos-e-significados e na inseparabilidade

deles, desta forma a grafia sentidos-e-significados, hifenizada54, ratificando a

correlação do sentido pessoal com os significados historicamente condensados, é a

mais relevante de ser utilizada.

51 Expresso pela palavra. 52 Expressa pela ação. 53 Grifo da pesquisadora: uma unidade corresponde a um item lexical. 54 Adequada também aos propósitos analíticos nesta pesquisa.

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A fim de concluir esta seção e sintetizar os processos de formação dos

sentidos-e-significados do social para o individual, apoiamo-nos no descrito por

Lessa et al. (2010):

[...] é preciso considerar que qualquer produção de linguagem, oral ou escrita, vem imbuída de imagens subjetivas, estejam elas ligadas à imagem que o produtor quer passar de si mesmo, ou à imagem que o locutor tem de seu interlocutor e vice-versa, relações de hierarquia, etc. Assim, sob esse ponto de vista, a linguagem não existe isoladamente em si mesma, como se estivesse em um vácuo, pois seus significados são sócio historicamente construídos e resultantes de diferentes interações linguísticas das quais os seres humanos participam. Em outras palavras, quem usa a linguagem com alguém o faz por algum motivo, o qual obviamente leva em consideração o produtor, o receptor, seus respectivos papeis sociais, a relação entre ele, a imagem que um possui do outro, o local em que a interação acontece e seu momento histórico (LESSA, PENNA e GAZOTTI-VALLIM, 2010 P. 40).

Retomando a citação acima, as construções subjetivas de locutores e

interlocutores, acerca de um tema na forma de imagens, tendem a ser positivas,

negativas ou neutras, aspectos relacionados à afetividade, stricto sensu. Os

aspectos referentes à afetividade presente nos discursos é tema da seção a seguir.

2.3.2 Afetividade: Experiências e Vivências a (Trans)Formar a Emoção

“[...] o homem é uma totalidade e não uma coleção; em consequência, ele se exprime inteiro na mais insignificante e mais superficial das condutas – em outras palavras: não há um só gesto, um só tique, um único gesto humano que não seja revelador” (SARTRE, 1997 P. 696).

Derivado da palavra “afeto” (com radical –afet-), o termo “afetividade” designa

os conjuntos de emoções que as pessoas vivem, ao se deparar com variadas

situações (ao se assustar há os que gritam e os que gargalham). Mais que uma

escolha lexical, a afetividade é um campo de estudo da Psicologia, que averigua os

processos pelos quais os impulsos mentais incontroláveis determinam o agir e

integram um substrato compartilhado.

Uma das características do processo de afetividade é não ser consciente: a

emoção é perceptível quando já formada; entretanto, ao perceber a emoção,

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conscientemente se pode decidir o agir, como acelerar quando se percebe que no

farol alguém armado se aproxima de seu veículo.

Tem-se, então, segundo Meneses (2000), a distinção entre impulso e ação, a

afetividade que “afeta” e determina o agir, permeado por questões éticas (atropelar

ou não o sujeito armado que se aproxima?), ou agir segundo o provável efeito da

situação que provocou a emoção (se não o atropelo, morrerei baleado) sem que se

imponha culpa ao ator da situação.

O princípio de que o homem é uma totalidade, citado no início desta seção, se

refere a impulsos que estão para além da consciência e da liberdade e que, para

tomar consciência desses processos afetivos, é preciso desorganizá-los e remontá-

los, principalmente quando se procura pelo desencadeador de algum impulso afetivo

cujo agir tenha causado mal-estar para algum sujeito (agente ou paciente)

(SARTRE, 1997).

É de bem e mal-estar, dos impulsos e atos e suas consequências para

agentes e pacientes, que nesta pesquisa figuram como atores sociais que formam o

contexto de trabalho do PER (além dele próprio) que trataremos doravante,

embasados nos conceitos de “afetividade”, conforme descrito por Vygotsky (1989) e

de sofrimento no trabalho, segundo o entendimento de Dejours (1999).

2.3.2.1 A Afetividade, segundo Vygotsky

Wallon (1968), ao estudar os fenômenos afetivos, distinguiu “emoção” de

“afetividade”: as emoções oriundam de estados subjetivos, porém, geram efeitos

físicos como contrações musculares, choro e outras manifestações que incidem

sobre o tônus muscular; a afetividade, segundo o autor, define um estado mais

amplo posto que engloba sentimentos, cuja origem é psicológica e emoções, cuja

origem é biológica.

[...] as emoções, são a exteriorização da afetividade (....) Nelas que assentam os exercícios gregários, que são uma forma primitiva de comunhão e de comunidade. As relações que elas tornam possíveis afinam os seus meios de expressão, e fazem deles instrumentos de sociabilidade cada vez mais especializados. (WALLON, 1995 p. 143)

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Vygotsky, ao estudar a forma pela qual as emoções primitivas evoluem para

vivências emocionais superiores, concluiu que a emoção inicialmente se manifesta a

partir de uma reação biológica, porém, ao somar-se a outras funções psicológicas

nas interações sociais, o que seria instintivo55 alcança um nível mais complexo de

atuação humana de forma consciente e autodeterminada, com essas conclusões,

Vygotsky associa a afetividade ao aspecto sócio-histórico e explica que "a atividade

humana é explicada com referência a influências sociais e culturais e pela

reconstituição de seu desenvolvimento histórico na filogenia e na ontogenia" (apud

Van Der Veer & Valsiner, 1996, p. 386).

Veer e Valsiner (1996), afirmam ainda que Vygotsky "tentou mostrar que a

criança incorpora instrumentos culturais através da linguagem e que, portanto, os

processos psicológicos afetivos e cognitivos da criança são determinados, em última

instância, por seu ambiente cultural e social" (p. 386).

Dessa forma, depreendemos que Vygotsky avalia criticamente as abordagens

pautadas em aspectos apenas corporais, por refutarem as características

superiores, e também relega as sínteses qualitativas que ocorrem junto ao

desenvolvimento humano, ou seja, o processo que Vygotsky nomeia

“internalização”: "Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas

vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre pessoas

(interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica) (VYGOTSKY,

1989, p. 75), presumindo-se que as relações socioculturais propiciarão para que

conhecimentos e sentimentos sejam internalizados.

Vygotsky não refere o desaparecimento da emoção, mas sim sua sublimação

para processos simbólicos e cognitivos em que o caráter social tem papel precípuo:

as emoções, que são orgânicas, passam a ter maior complexidade quando atual no

universo simbólico, ou seja, quando a emoção pode ser manifestada de outras

formas constituem os fenômenos afetivos; os aspectos sócio-culturais, os processos

cognitivos e afetivos se influenciam na medida em que se relacionam.

Note-se o destaque dado por Vygotsky ao “outro” e à “ação mediada”: nossas

vivências são alicerçadas em conceitos, ou seja, um sistema de modos de pensar e

sentir as emoções socialmente construído que nos indica o final da emoção, ou seja,

55 Como as reações físicas são descritas por Wallon.

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os filtros sociais das emoções por que passamos como modos aceitáveis em relação

às afecções do corpo56:

“A análise em unidades indica o caminho para a solução desses problemas é de importância vital. Demonstra a existência de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada ideia contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu comportamento e a sua atividade” (VYGOTSKY, 1989 pp.6-7).

A teoria desenvolvida por Vygotsky aborda diversos aspectos, abrangentes e

complexos, desde o processo de ensino-aprendizagem ao desenvolvimento

humano, dentre eles, a participação de fatores sócio-histórico-culturais nesses

processos.

A partir das interações sociais históricas e culturais, os sujeitos tomam

conhecimento do mundo que os rodeia, da realidade que vivem e dos papéis que

ocupam nos mais variados contextos em que se inserem: familiar, escolar,

profissional, nas imediações de suas moradias, entre (tantos) outros. Toda e

qualquer interação é permeada pela afetividade.

Para Vygotsky (2001), as emoções são reflexos de estímulos causados pelos

contextos em que os sujeitos estão inseridos; essas emoções formam e/ou

modificam os comportamentos humanos. Nesse sentido, as conclusões do autor

coincidem com a definição de afetividade para e psicanálise a para Sartre (op. cit.).

Vygotsky, a partir de experimentos, completa ainda que as emoções são mediadas

pela linguagem, assim, as palavras carregadas de afetividade influenciarão os

coenunciadores, o que não ocorre com as palavras simplesmente ditas.

A afetividade, segundo Vygotsky, é formada por emoções que engendram

dois grupos distintos: um deles concernente a sentimentos de reforço positivo

(satisfação, realização, regozijo) e outro de reforço negativo (depressão, angústia,

desespero, medo). As interações podem desencadear nos sujeitos (re)viver tais

emoções por meio dos sentidos: tátil, auditivo, visual, olfativo, palativo (som do tiro,

56Assunto a ser retomado na seção que tratará da dialética exclusão-inclusão.

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cheiro de flor, aspereza em alguma superfície, etc.). A cada lembrança, o sujeito

poderá reviver algo que lhe fora prazeroso ou angustiante. Para o autor,

Se fazemos alguma coisa com alegria as reações emocionais de alegria não significam nada senão que vamos continuar tentando fazer a mesma coisa. Se fazemos algo com repulsa isso significa que no futuro procuraremos por todos os meios interromper essas ocupações. Por outras palavras, o novo momento que as emoções inserem no comportamento consiste inteiramente na regulagem das reações pelo organismo. (VYGOTSKY, 2001, p. 139).

Assim, uma ação ou palavra pode desencadear no sujeito (paciente ou

ouvinte) um conjunto de reforços negativos que, por sua vez, podem agravar uma

situação já instaurada. Depreende-se, então, a afetividade como algo maior que o

componente orgânico; ela é influenciada pelas interações sociais e com o passar do

tempo pode vir a representar valores éticos e morais (como bem e mal-estar

oriundos de ações aceitas ou não no contexto em que se está inserido).

Grande parte das pesquisas fundamentadas no conceito de afetividade

formulado por Vygotsky figura demandas do processo ensino-aprendizagem que

podem ser respondidas a partir da intersecção “cognição-afetividade”, focando as

problemáticas principalmente em alunos das séries iniciais, aprendizado da escrita,

do pensamento lógico, entre outros; entretanto, o aspecto social tangente à

afetividade permite-nos avaliar a situação de trabalho dos demais agentes

envolvidos nesse processo, seja em contato direto com os alunos ou não.

Vygotsky, conforme excerto supra, refere o fazer algo com repulsa e procurar

meios de interromper esse ato; as emoções negativas que levam a essa repulsa e à

consequente fuga desses atos muitas vezes define a rotina laboral do PER: tal qual

a criança a quem falta afeto não consegue aprender, o adulto a quem o afeto é

negativo também terá dificuldade em permanecer no ambiente de trabalho e realizar

as tarefas que lhe são previamente estabelecidas ou que dependerão “do dia

acontecendo” (OLIVEIRA, 2009).

Assim como em outras situações na vida, a afetividade também estará

presente nas relações de trabalho, influenciando e cognitiva e sócio-historicamente e

inter-relacionando todos esses aspectos no agir do PEED em sala de aula e no agir

do PER em seu trabalho reorganizado. As consequências dessa reorganização é

tema da seção a seguir: o sofrimento ético-político.

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2.4 Sofrimento ético-político: resultado da prescrição para o sujeito e não pelo

sujeito.

Até aqui foram descritos aportes teóricos permeados por relações dialéticas: o

eu e o outro, o social e o histórico, o pensamento e a palavra, regentes e regidos,

prescrição e obediência. Ao abordar o sofrimento ético-político, Sawaia (2002) o faz

por meio da dialética exclusão-inclusão, nesta ordem, e não inversamente, porque

conclui que a inclusão não seria necessária se os sujeitos incluídos (seja em

programas públicos, em organizações sociais, entre outros) já não tivessem sido

efetivamente excluídos, ou, nas palavras da autora

“É no sujeito que se objetivam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como motivação, carência, emoção e necessidade do eu. [...] É o indivíduo que sofre, porém esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubjetividades delineadas socialmente (SAWAIA, 2002 p. 98-99).

No que tange à abordagem da exclusão como categoria de análise, Sawaia

(2002) aponta alguns estudos que empregam o conceito de exclusão sem,

entretanto, aprofundar seu significado para o sujeito excluído por tomar a exclusão

unilateralmente, deixando de ponderar sobre aspectos psicológicos sofridos, além

da discriminação e pobreza, que caracterizam a exclusão no ponto de vista de

algumas teorias reducionistas; além delas, segundo a autora, existe a injustiça social

decorrente dos sistemas político e econômico no qual estamos inseridos.

Sawaia (2002), com base em Heller (1979, 1985), Espinosa (1957) e

Vygotsky (1193, 1996), delineou três aspectos da exclusão: (i) o objetivo, decorrente

da desigualdade social (o meio agindo sobre o sujeito)57; o ético, decorrente da

injustiça (no sentido do sujeito sofrer o que não faria ao outro)58 e subjetivo,

decorrente do próprio sofrimento (e da falta de questionamento feitos ao sujeito

sobre sua situação, necessidades, desejos, vontades não satisfeitas)59. Para a

autora, “é o indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e

sim em intersubjetividades delineadas socialmente” (SAWAIA, 2002, p.99).

57 Comentários da pesquisadora. 58 Idem. 59 Ibidem.

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A considerar que o professor readaptado é excluído porque deixa de cumprir

o papel socialmente esperado por ele e que, como consequência disso, tem sua

identidade profissional e pessoal comprometidas e isso pode ser um fator

desencadeador de sofrimentos das ordens supra descritas, podemos inferir que esse

professor sofre injustamente pela perda da identidade e assédios dos quais não é

agente (e sim paciente), que é produto psicológico das intersubjetividades desiguais

e excludentes construídas socialmente por meio da linguagem.

A exclusão subjetiva efetuada por meio do discurso no dia a dia de trabalho

do readaptado causa-lhe uma dor que

“abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela organização social [...] retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da negação imposta socialmente às possibilidades de a maioria apropriar-se da produção material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público e de expressar desejo e afeto (SAWAIA, 2002, p. 106).

Por articular o aspecto social da linguagem em contexto social no qual o

sofrimento ético-político é imposto ao sujeito à teoria sócio-histórica de Vygotsky que

consideramos os estudos de Sawaia supracitados pertinentes para a análise do

corpus.

O cerne do estudo do corpus é a composição de sentidos-e-significados que,

mesmo não descritíveis pela linguagem, mas acessíveis por meio delas (com

recortes na escolha lexical de quem fala do trabalho do professor readaptado) serão

delineados por nada mais além dela, a linguagem.

Faz-se relevante lembrar aqui que as escolhas lexicais são carregadas de

afetividade segundo a descrição de Vygotsky (2004, p. 6-7), que essa afetividade

pode ter caráter positivo ou negativo, e que gerarão estímulos psíquicos de mesmo

caráter. A escolha lexical de itens negativos revela, pois, uma série de estímulos

psicologicamente negativos cuja consequência para quem o os vive é a dor

psíquica, que por vezes desencadeia, somaticamente, dor física; somadas ou

isoladas, tais dores indicam um estado (não raro, nem peculiar) de sofrimento.

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A partir da identificação dada pelos elementos reunidos de que, em

determinada situação laborativa de reorganização do trabalho do PER, vários

sujeitos que têm em comum, para além do trabalho reorganizado, a dor e o

sofrimento de exercê-lo.

É desse sofrimento, de certa forma coletivo, causado pelo excesso de

afetividade negativa devido a uma condição de trabalho60 que o conceito de

“sofrimento ético-político” tecido por Sawaia (2002) vem a teorizar e, sendo um

conceito cunhado no campo do saber na Psicologia Social, será usado de

empréstimo em nossas análises por ser a linguagem e seu uso corrente um

elemento psíquico, social e histórico. Entendemos, pois, que Psicologia Social e

Linguística Aplicada são complementares e que a primeira é relevante para auxiliar

no entendimento dos elementos a que a segunda lhe recorre: enunciados como

materialidade linguística.

2.4.1 Categorizando o “sofrimento ético político”

Exclusão e inclusão são situações que podem trazer insatisfação ou

felicidade: a exclusão do rol do suspeito de um crime, a inclusão na lista de

aprovados no vestibular; a inclusão do nome de um parente numa lista de

desaparecidos em um voo, a exclusão do time preferido na classificação do torneio

entre tantas outras. Estes exemplos demonstram que nem exclusão é só negativa e

nem a inclusão é só positiva.

Tais relações benéficas ou maléficas da dialética exclusão/inclusão só podem

ser investigadas a partir dos sujeitos e suas interações sociais: falar da exclusão ou

da inclusão alude “falar de desejos, temporalidade e afetividade simultaneamente

com os aspectos econômicos e direitos sociais” (SAWAIA, 2002 p.98).

Ao aprofundar as questões afetivas referentes à exclusão/inclusão, Sawaia

destaca a discriminação constante no método científico das pesquisas em Psicologia

Social e ratifica a necessidade de mais empatia dos pesquisadores com o objeto do

estudo pesquisado, ou seja, de considerar mais a afetividade dos sujeitos

participantes porque isso não incide em obscurecimento no processo investigativo.

60 No caso desta pesquisa, uma vez que há mais determinantes do sofrimento ético-político.

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Sawaia observou que a emoção é característica do pensamento e da ação,

de forma individual ou coletiva. Temos, então, a ocorrência de um fenômeno objetivo

(o que se pesquisa) e simultaneamente subjetivo (quem é pesquisado),

evidenciando que o sujeito quando é objeto da pesquisa demonstra além de

necessidades físicas (corpóreas), também necessidades afetivas; não é apenas um

corpo que reage isomorficamente a várias interações, mas é sim o sujeito, fruto de

vivências, de fatores sociais, de dor resultante das comparações em que se vê

classificado como desvalorizado e inútil para seus iguais, inferior aos demais e por

eles utilizável.

A definição da autora resume essa perversa dinâmica: “Corpo é matéria

biológica, emocional e social, tanto que sua morte não é só biológica, falência dos

órgãos, mas social e ética! Morre-se de vergonha, o que significa morrer por decreto

da comunidade” (SAWAIA, 2002, p. 101)

O caráter ético reside no não reconhecimento do outro como igual e na

justificativa de que, a partir da inferioridade atribuída a esse outro, dele se pode

dispor convenientemente; o caráter político é reconhecível a partir do momento em

que tal prejulgamento é coletivo na esfera social em que o sujeito subjugado está

inserido.

Tem-se, então, a somatória dos itens que definem o quem vem a ser o

sofrimento ético-político; usá-lo como categoria de análise61 na dinâmica das

diversas formas de exclusão do PER (SAWAIA, 2002) justifica-se por auxiliar na

construção de um sentido e um significado socialmente construídos, cuja afetividade

é aquiescente com os itens lexicais que delineiam tal exclusão.

A fim de explanar de forma mais detalhada o significado da categoria de

análise até então descrita, o sofrimento ético-político, foi feito o levantamento

etimológico dos itens que compõem a expressão a fim de validá-la para além da

expressão pura e simples, mas para também nobilitá-la como fundamentação teórica

nesta pesquisa inserta do campo da Linguística Aplicada. O esmiuçamento

etimológico da expressão será mostrado em seção imediatamente posterior.

61 Grifo da pesquisadora.

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De acordo com o Dicionário Etimológico Virtual62, “ética63” vem do grego

ethos que, dos vários sinônimos, o mais pertinente a esta sessão e aos objetivos da

pesquisa é “modo do ser”. O verbete menciona a expressão grega ethike philosofia

como “filosofia moral” ou “filosofia do modo de ser”.

Prossegue o verbete com a tradução do termo dada pelos romanos para o

latim mos (com o plural mores) significando “costume” e originando a palavra

“moral”. Tanto ethos e um de seus significados “caráter” e mos assinalam

comportamentos humanos não naturais como andar, comer, dormir e outras ações

instintivas, mas sim adquiridos por meio de hábitos e reforços.

Ética é, portanto, segundo sua etimologia, uma faceta humana estabelecida

sócio historicamente nas relações coletivas e mutável nos meios em que se vive,

trabalha, estuda, se tem lazer, etc. Tal definição converge aos conceitos de

Vygotsky, que Sawaia cita e referencia, sobre os aspectos sócio históricos a definir

comportamentos traduzíveis pela linguagem. O estudo psicossocial de Sawaia

aponta tal aspecto de forma asseverada e indica o comum e o repetido que, mesmo

não ético, recebe o status de “normal”.

O mesmo dicionário apresenta o termo “político” interpretado sob quatro

rubricas: Nepotismo (pela recorrência de tal situação na história brasileira), Fascismo

(como autoritarismo político); Aliança (do latim alligare, significando “compor”, “ligar”

como referência à formação de partidos políticos) e Político, significando “cívico”,

gerado da palavra latina polites significando “cidadão”, com origem em “polis”,

traduzida como cidade.

No século XVI o termo foi incluído ao inglês com sentido pejorativo

designando pessoas que para aceder ao poder se utilizavam de recursos escusos,

dando origem então ao item lexical “politiqueiro” como conhecemos hoje; já o termo

“político” como representante do Governo ainda permanece.

No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2008), político, na acepção 4,

inserta na rubrica de direitos públicos, é adjetivo “relativo à cidadania”; como

substantivo designa “aquele que exerce um cargo público ou atua indiretamente na

política”, com etimologia “relativo ao cidadão (de interesse da pesquisa), ao Estado;

62<www.dicionarioetimologico.com.br/etica> - Acesso em 11/11/2-16 às 13:35. 63 Substantivo do qual deriva o adjetivo “ético”.

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hábil na administração de negócios públicos (p. 718). Temos ainda a referência a

“político” ser derivado de “política”, em cujo verbete a acepção 1 designa “arte e

ciência da organização, direção e administração da Nação e dos Estados” e descrita

na etimologia como “ciência dos negócios do Estado” (p. 717).

Por meio de busca etimológica acedemos a mais inferências e depreensões

de que o “sofrimento ético-político” pode vir a “categorizar na análise”: o

comportamento do grupo social para com o indivíduo (na forma de equipe docente e

gestora para com o PER) que o integra tendo por base as consequências de um ato

político praticado por agentes do Estado em que o indivíduo-fim é desconsiderado

no e pelo meio: este é o sofrimento ético-político.

A seguir trataremos da dinâmica em que ocorre tal espécie de sofrimento para

os sujeitos. A elucidação linguística que o caracteriza se dará apenas no capítulo de

análise.

2.4.2 O sofrimento ético-político e desigualdade social

Sinônimo de “diferença”, indicativo de disparidade, somatória de

características que distinguem uns dos outros: bons dos maus, ricos dos pobres,

normais dos anormais, mais que um item lexical, a desigualdade caracteriza o

fenômeno social das desproporções entre povos e homens. A desigualdade atinge o

ser em sua essência; ele, por sua vez, passa a experimentar e posteriormente viver

a inferioridade, humilhação e desrespeito por e em sua maneira (ou única

alternativa) de viver.

O campo que investiga esse fenômeno mais profundamente por correlacionar

o sofrimento à maneira/alternativa de viver, ou seja, a afetividade nas relações

sociais, é a Psicologia Social; não apenas pesquisando, mas propondo formas para

que o indivíduo que sofre com a “diferença” mude seu relacionamento consigo e com

(e no) mundo em que está inserto.

Na rubrica de “fenômenos sociais” estão também o preconceito e a violência

que, tal qual a desigualdade, ocorrem nas relações comunitárias, na existência

coletiva e nas “regras” dessa convivência. Nessas configurações, a contribuição da

Psicologia Social, segundo Bock (2008), é examinar as dimensões objetivas de tais

relações, bem como os aspectos psicológicos são originados dessa desigualdade.

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Afunilando a “desigualdade” para o campo social, podemos citar as de

oportunidades de ascensão social, de acesso à educação e cultura, ao uso de

espaços e equipamentos sociais; renda, gênero, profissão e atuação tanto nas

empresas quantos nas instituições. Para Camargo, (2011), a desigualdade

econômica é a mais conhecida64.

À somatória de fatores sociais e afetivos que causarão ao indivíduo em

situação de desigualdade social, os sentimentos de medo e humilhação, Sawaia

(2012) denominou “sofrimento ético-político”; na definição da autora, trata-se de um

sofrimento que aniquila as potências pessoais, uma exposição constante a ameaças

de ordem física (violência, falta de abrigo, de acolhimento) e psicológica

(humilhação, medo, baixa estima) que acentuam a desigualdade para quem a vive.

Apoiada em Espinosa e Vygotsky, entre outros, Sawaia refere as diversas

formas pelas quais o sofrimento ético-político impacta o ser em seu físico e sua

alma; uma delas emerge de ser considerado social ou profissionalmente com

inferioridade, inutilidade, menos valia; que é aleijado de se apropriar de produções

sociais (como exposições de artes, acesso a igrejas, etc.); que é esquecido nas

políticas públicas de saúde, educação, moradia e segurança e que não é

considerado como cidadão por não possuir endereço fixo; que é socialmente

retirado da condição chamada “humanidade”. A autora valeu-se desse viés teórico

para analisar a dialética da inclusão-exclusão social.

Assim, o sofrimento ético-político vem a ser um fenômeno social, manifestado

em situações como de trabalho, de convivência com os demais dos vários grupos

em que o ser pode estar e no silenciamento de sua voz em seu mundo, Dejours

(1999) evidencia tais efeitos ao referir que

“O sujeito pode transferir esse reconhecimento do trabalho para o registro da construção de sua identidade. E o trabalho se inscreve assim na dinâmica da autorrealização. A identidade constitui a armadura da saúde mental. Não há crise psicopatológica que não tenha em seu núcleo uma crise de identidade. E isto confere à relação com o trabalho sua dimensão propriamente dramática. Ao não contar com os benefícios do reconhecimento de seu trabalho nem poder aceder ao sentido da relação que vive com esse trabalho, o sujeito se confronta com seu sofrimento e só a ele. Sofrimento

64 Para o autor, distribuição de renda de forma injusta não deve ser chamada de desigualdade social por ser consequência dela, e não causa.

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absurdo que só produz sofrimento, dentro de um círculo vicioso, e que será desestruturante, capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e causar doenças mentais. Por isso, não há neutralidade no trabalho em relação à saúde mental.” (DEJOURS, 1999).

É também um fenômeno histórico, pois a História nos oferece uma variedade

de registros de momentos em que o “diferente” é marginalizado, seja pela etnia,

religião ou classe social. Destarte, a categoria se nos apresenta pertinente para

analisar situações de desigualdade e de exclusão social. Descrito por Sawaia

(2009), é um sofrimento

[...] gerado nos maus encontros caracterizados por servidão, heteronomia e injustiça, sofrimento que se cristaliza na forma de potência de padecimento, isto é, de reação e não de ação, na medida em que as condições sociais se mantêm, transformando-se em um estado permanente da existência (Sawaia, 2009, p. 370).

A dialética da exclusão / inclusão65 é subjetiva e, por tal razão, é estudada por

Sawaia a partir da afetividade. Para a Psicologia Social, reinserir o ser em seu meio

é fator de diminuição da desigualdade, é promover a melhoria da saúde, aumentar a

oferta do abrigo contra a violência; porém, as formas de reinserção, se não forem

pensadas e executadas por aqueles que dela necessitam e somente por aqueles

que vislumbram seus resultados, desconsiderando seus métodos, perderá sua

beneficência e ultrapassará a tênue linha da nocividade.

Para Sawaia (1995), toda a intervenção positiva na desigualdade social fará

melhorar a saúde do indivíduo, pois, ao promover a saúde, se condena toda a forma

de violência capaz de violentar o corpo, o sentimento, a razão; capaz de gerar

servidão e desigualdade.

A afetividade positiva é, portanto, uma intervenção profícua para os sujeitos

em situação de desigualdade social. A vontade de mudar somada ao apoio externo

(intervenções da Psicologia Social) faz devolver esperanças a esses sujeitos. A

afetividade age da reunião de esforços próprios e somados e compartilhados dos

mesmos grupos de excluídos, pois se identificam como se fossem um mesmo corpo

que sofre as mesmas chagas; são um coletivo que buscam e a na mesma “nova”

65 Nesta ordem exata porque, no entendimento de Sawaia, é da exclusão que as situações em que a inclusão é uma necessidade da pessoa surgem. Os que habitam os padrões não precisam de políticas para inclusão, o diferente, sim.

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capacidade a reação e o encontro de um caminho que leve à mudança para a

(re)inclusão.

Podemos inferir, pois que, além de contraparte na dinâmica da exclusão-

inclusão, a afetividade positiva é, pois, o elemento a fazer com que, de fato, a

inclusão seja consolidada: numa ação social com moradores de rua, com

recicladores de materiais descartados, ou ainda, na reintegração PER que, em

repetidos casos, após reiteradas licenças, retorna para a escola, mas não para atuar

em sala de aula, necessitando, portanto, de acolhimento para que seu novo trabalho

não lhe seja penoso, meio de exclusão pelos colegas e gestores, razão para mais

afastamentos, ou seja, a perpetuação de um ciclo.

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CAPÍTULO 3 METODOLOGIA DE PESQUISA

Este capítulo é destinado à descrição do tipo de pesquisa realizada para

obtenção e composição do corpus bem como às justificativas da escolha da

modalidade escolhida.

3.1 Tipo de pesquisa

A pesquisa neste trabalho de tese tem como base a abordagem qualitativa. A

metodologia para reunião e análise dos elementos bem como da fundamentação

teórica visam a responder de maneira mais clara e objetiva possível à pergunta de

pesquisa (SILVERMAN, 2006). A escolha foi determinante por permitir uma

abordagem metodológica que torne mais acessível o entendimento do que é ser

PER e ter seu trabalho reorganizado e, como consequência, sua imagem social

alterada em virtude da não-especificidade desse novo trabalho.

A abordagem qualitativa oferece a vantagem de visitar várias disciplinas das

Ciências humanas (como a Sociologia, Filosofia, História, Psicologia Social e a

Linguística Aplicada dialogando com a Teoria Sócio-Histórico-Cultural de Vygotsky).

O que a princípio parece descaracterizar um paradigma próprio se torna a vantagem

principal: ser multidisciplinar: “É melhor entender a investigação qualitativa como um

terreno ou uma arena para a crítica científica social, do que como um tipo específico

de teoria social, metodologia ou filosofia” (SCHWANDT, 2006 p. 194).

Assim, a pesquisa qualitativa consegue dar sentidos-e-significados ao que é

reunido para ser interpretado com unidades de medida (abordagens quantitativas):

“Em certo sentido, todos os métodos de pesquisa são, no fundo, Qualitativos. O

emprego de dados quantitativos ou procedimentos matemáticos não elimina o

elemento intersubjetivo que representa a base da pesquisa social” (VIDICH; LYMAN,

2006 p. 49).

Tal abordagem em pesquisas acadêmicas data de 1970 e surgiu de um

movimento reformista. Segundo Schwandt (2006),

“o movimento abrangeu múltiplas críticas epistemológicas, metodológicas, políticas e éticas da pesquisa científica social em campos e disciplinas que favorecem estratégias de pesquisa

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experimental, quase-experimental, correlacional e da pesquisa feita

através de levantamentos (SCHWANDT, 2006 p.193).

Na pesquisa qualitativa os elementos a analisar geralmente são empíricos e

descrevem comportamentos humanos em várias situações; como o trabalho é uma

atividade tipicamente humana, investigar peculiaridades como os presentes no

trabalho do PER justifica a escolha dessa abordagem (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Ainda segundo os autores supracitados, a abordagem qualitativa permite

fazer uma reflexão mais profunda sobre os fenômenos estudados. No processo

analítico da pesquisa qualitativa se utilizam conjuntos distintos de métodos, como a

análise semiótica, a análise narrativa, do conteúdo, do discurso, de arquivos e a

fonêmica, até mesmo as estatísticas, as tabelas, os gráficos e os números (DENZIN;

LINCOLN, 2006).

Não é apenas na abordagem que os cuidados devem ser tomados; as bases

ontológicas do pesquisador em relação a alguns itens devem ser obedecidas:

clareza na descrição dos pressupostos norteadores da abordagem qualitativa;

rigidez na descrição das formas pelas quais o trabalho de campo e o processo

analítico se desenvolveram; resultados que não apresentem disparidade com os

elementos reunidos; riqueza e abundância de dados coletados; facilitação de acesso

do participante às análises e resultados, bem como da retirada da pesquisa quando

solicitado; organização e manutenção de arquivos que preservem os dados, bem

como comparações deles.

Os tipos de estudos qualitativos mais usados no Brasil, segundo Pinto et al.

(1999), são as pesquisas etnográficas, seguidas pelas bibliográficas, pesquisa-ação

e recentemente a Teoria Fundamentada em Dados. Godoi e Balsini (2006)

elencaram os estudos de caso, a pesquisa-ação e a Teoria Fundamentada em

Dados como as formas de pesquisa qualitativa mais utilizadas nas pesquisas em

ciências humanas, nas quais a Linguística Aplicada está inserta.

A fim de delinear os aspectos metodológicos dos quais nos valeremo para a

união dos dados que permitirão realizar os estudos sobre o trabalho reconfigurado

do professor readaptado, a seguir iniciaremos a descrição dos métodos qualitativos

utilizados, bem como a justificativa para sua escolha.

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3.1 A Entrevista Semiestruturada como Dispositivo Metodológico para União

dos Elementos

Para agregar os elementos nesta pesquisa recorreu-se à aplicação de

entrevistas semiestruturadas por sua excelência como instrumento, cujas respostas

ensejam uma análise qualitativa por meio de valores pessoais atribuídos ao(s)

objeto(s) da pesquisa e também por valorizar a presença do pesquisador; por

proporcionar espontaneidade ao pesquisado, enriquecendo, assim, a pesquisa.

A entrevista mostra-se, pois, como método de reunião de elementos usada

por pesquisadores em ciências humanas em abordagens qualitativas, ou quando os

elementos não se encontram ainda registrados e documentados e podem ser

disponibilizados por pessoas:

A entrevista é uma das técnicas de coleta de dados considerada como sendo uma forma racional de conduta do pesquisador, previamente estabelecida, para dirigir com eficácia um conteúdo sistemático de conhecimentos, de maneira mais completa possível, com o mínimo de esforço de tempo. (ROSA; ARNOLDI. 2006 p. 17).

Richardson (1999) traz sua definição sobre o termo “entrevista” com base nos

seus elementos constitutivos:

O termo entrevista é construído a partir de duas palavras, entre e vista. Vista refere-se ao ato de ver, ter preocupação com algo. Entre indica a relação de lugar ou estado no espaço que separa duas pessoas ou coisas. Portanto, o termo entrevista refere-se ao ato de

perceber realizado entre duas pessoas (RICHARDSON, 1999 p. 207).

Este “ato de perceber realizado entre duas pessoas” citado por Richard

coincide em sentido com a definição de Marconi e Lakatos (2003), ao definirem a

entrevista como um “encontro entre duas pessoas para que uma se informe a

respeito de determinado assunto, caracterizado pela conversação face a face de

maneira metódica” (MARCONI E LAKATOS, 2003 p.195). É um método utilizado em

investigações sociais para coletas de dados, diagnósticos e tratamentos de

problemas sociais. Para as autoras, é instrumento por excelência para investigações

sociais.

Ribeiro complementa a descrição de Marconi e Lakatos, ao especificar que a

entrevista é

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A técnica mais pertinente quando o pesquisador quer obter informações a respeito do seu objeto, que permitam conhecer sobre atitudes, sentimentos e valores subjacentes ao comportamento, o que significa que se pode ir além das descrições das ações, incorporando novas fontes para a interpretação dos resultados pelos próprios entrevistadores (RIBEIRO, 2008 p.141).

Inserta no campo de análises qualitativas, a entrevista semiestruturada pode

assemelhar-se a processos indutivos; entretanto, o que a diferencia (e a torna

vantajosa para o pesquisador) é a imersão fidedigna no universo em que

entrevistado vive o fenômeno pesquisado e, dando-lhe liberdade e fazendo-lhe

intervenções, não há o que se comparar com matérias jornalísticas e subjetivas de

elementos orais. André (1983) refere a manifestação acerca do fenômeno em sua

manifestação natural, bem como os diferentes significados que a experiência vivida

pelo sujeito podem ser depreendidos.

3.1.1 Seguindo o método da entrevista semiestruturada

Parte dos questionamentos feitos aos atores sociais são básicos e relevantes

à pesquisa, porém, na intervenção, as questões são apoiadas na hipótese trazida

pelo participante oferecendo espaço para que novos questionamentos sejam-lhe

feitos a partir da identificação feita pelo pesquisador da linha de pensamento do

pesquisado: há um “roteiro” geral, usado com todos os participantes; todavia, a

dinâmica das respostas e o conhecimento do pesquisador acerca do tema assentirá

novas indagações.

Os questionamentos principais de uma entrevista semiestruturada não são

feitas ao acaso; eles se originam do fenômeno estudado, do estado da arte, do

conhecimento prévio do pesquisador e da situação dos participantes em relação aos

questionamentos centrais da pesquisa. Outros fatores como a familiaridade do

pesquisador com o pesquisado e o levantamento prévio sobre os aspectos

sociais/históricos/profissionais referentes ao fenômeno proporcionam obtenção de

elementos mais detalhados sobre o caso pesquisado.

Ao elaborar um roteiro de entrevista semiestruturada, é preciso ter

esclarecidos os objetivos não apenas da entrevista mas do trabalho como um todo.

Todo o tipo de registro é importante como horário, local, data, duração,

comportamentos, gestos e expressões fisionômicas do entrevistados (os registros

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visuais enriquecem os elementos e estão para além do que não é captado pelo

gravador de voz). Há entrevistados que concordam falar no momento em que são

abordados pelo pesquisador, porém, fixar previamente data, local e horário que

sejam convenientes ao entrevistado é o mais indicado.

O objetivo é fazer com que a entrevista transcorra em um locus amoenus para

o entrevistado e deixá-lo descontraído, proporcionar desde os primeiros contatos um

clima de empatia e cordialidade, garantindo, assim, o sucesso da entrevista. Gil

(1999) considera que, quanto mais livre de qualquer indício de coerção ou

intimidação o entrevistado se sentir, mais fácil será estabalecer entre entrevistador e

entrevistado o rapport66 (quebra de gelo). No caso desta pesquisa, iniciar a

entrevista com assertivas como “sou readaptada como você e estou em busca de

respostas e/ou soluções para nossa situação funcional” demonstrou oferecer mais

segurança aos participantes.

É de suma importância confirmar as assereverações do participante e

concordar com elas, dar chance para que ele fale abertamente e a partir de

respostas polêmicas fazer as intervenções.

Os tipos de perguntas podem ser:

- de natureza descritiva: “o que você tem para fazer hoje?”67, mostra significados de comportamentos;

- gerais e/ou específicas, para saber a experiência do participante em relação ao fenômeno pesquisado;

- explicativas ou causais, porque mostram os modos de pensar dos sujeitos acerca do fenômeno estudado;

- consequenciais, porque podem avaliar os impactos para o grupo a partir de determinado acontecimento;

- avaliativas, porque mostram juizo de valor que os pesquisadores fezem acerca dos fenômenos;

- hipotéticas, no caso desta pesquisa, permite saber do não readaptado como agiria ou se sentiria em situações-problema que causam sofrimento ao readaptado;

- categoriais, permite saber do participantes onde ele se enquadraria ou se colocaria no contexto em que o fenômeno está sendo estudado.

66 Técnica que consiste em atenção, positividade e coordenação na hora de uma entrevista. 67 Oliveira, 2009.

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Richardson (1999, p. 216-217) elenca alguns passos que podem auxiliar os

iniciantes em pesquisa a utilizar a entrevista como método para a reunião de

elementos:

1. Explicar o objetivo e a natureza do trabalho, dizendo ao entrevistado como foi escolhido. 2. Assegurar o anonimato do entrevistado e o sigilo das respostas. 3. Indicar que ele pode considerar algumas perguntas sem sentido e outras difíceis de responder. Mas que, considerando que algumas perguntas são adequadas a certas pessoas e não o são a outras, solicita-se a colaboração nas respostas. Suas opiniões e experiências são interessantes. 4. O entrevistado deve sentir-se livre para interromper, pedir esclarecimentos e criticar o tipo de perguntas. 5. O entrevistado deve falar algo da sua própria formação, experiência e áreas de interesse. 6. O entrevistador deve solicitar autorização para gravar a entrevista, explicando o motivo da gravação.

Há de se inferir que, quanto mais as questões forem centradas no sujeito e

demonstrarem interesse em sua experiência, quanto mais empático for o

pesquisador no momento da entrevista, melhor será a qualidade dos elementos

obtidos.

Dessarte, podemos definir a entrevista semiestruturada como a reunião de

elementos referentes a determinado fenômeno, produzidos de forma oralizada e

armazenados em arquivos de áudio e transformados em arquivos de texto

(transcritos) numa situação em que pesquisador e pesquisado devem estar imersos

no contexto em que o fenômeno ocorre.

Uma vez reunidos os elementos, para seguir o rigor que uma pesquisa de

tese deve ter, proporcionar acesso quando e se necessário, organizar e encaminhar

a análise, é imperiosa a sistematização dos elementos, assunto sobre o qual

discorreremos no item a seguir.

3.1.2 Sistematização dos elementos reunidos por meio da Entrevista

Ratificamos que a análise de nossos elementos obedecerá a abordagem

qualitativa por buscar depreensão de sentidos-e-significados acerca do trabalho

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reorganizado do professor readaptado no contexto escolar. Para tanto, os elementos

foram reunidos por meio de entrevistas gravadas e transcritas.

A transcrição na íntegra de entrevistas somada de anotações importantes

como peculiaridades do local ou gestos feitos, por exemplo, geram grande

quantidade de material de natureza diversificada devido às peculiaridades

enunciativas.

Tem início, então, a fase em que o pesquisador sistematiza o material para

viabilizar as análises e, para tanto, há procedimentos que devem ser observados

para que a sistematização seja precisa: i) destacar em cada transcriçãos os

possíveis excertos que respondam à pergunta central da pesquisa, ii) destacar os

excertos que remetem à abordagem conceitual, ou seja, que gerem interpretações

respondidas com questões geradas diretamente da teoria eleita para a análise e iii)

destacar as maiores evidências que concordem com a hipótese descrita no projeto e

também, as que refutem para posterior confecção de quadro comparativo a fim de

comprovar qual possibilidade ocupa maior espaço dentro da “tese”.

Infere-se, pois, que a sistematização obedece a uma dinâmica que flui da

entrevista individual para a realidade em que o fenômeno ocorre após a separação

de várias respostas dadas às mesmas perguntas; da abordagem conceitual para a

fundamentação teórica aplicada, pois, nos quadros comparativos, ver-se-á o

entrecruzamento dos conceitos teóricos, desfragmentando a imensidão de

elementos e unindo-os em pontos comuns e elementares.

É superveniente que o pesquisador realize repetidas leituras posteriores de

modo a inculcar-se delas, classificando os excertos inicialmente, permitindo que as

teias da análise comecem a ser tecidas no entrecruzamento das várias

interpretações acerca do mesmo tema; apontamentos são igualmente necessários

porque auxiliarão a análise de pontos nevrálgicos cujos sentidos-e-significados

enriquecerão as respostas à pergunta central da pesquisa.

A consulta a outras pesquisas qualitativas sobre o mesmo tema norteará e

enriquecerá a análise, adicionando outros entendimentos, explicações e

interpretações ao universo de elementos excertados dando à análise e

considerações clareza e objetividade.

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No exame da literatura sobre o tema, além do estado da arte há de analisar

os prescritos existentes por trazerem em seu âmago profundas definições sobre os

tópicos investigados; seus conteúdos estarão ligados aos enunciados trazidos pelos

sujeitos e auxiliarão o pesquisador na depreensão dos sentidos-e-significados

desses enunciados na apreensão do fenômeno e sua dinâmica no contexto em que

ocorre.

Impregnar-se, pois, pelos elementos e quantificá-los apenas em busca de

regularidades pode implicar erros na análise, uma vez que respostas semelhantes

podem apresentar significados distintos; há possibilidade de que o mesmo

fundamento seja expresso em respostas díspares e/ou contraditórias para o mesmo

participante. É com o decorrer da análise e o aprofundamento nos elementos que a

estrutura de resposta às questões da pesquisa formar-se-á, pois é ela o fio a tecer a

análise.

É na conclusão da análise (diferente de considerações finais, inclusive por ser

o tema desta pesquisa um assunto que não se encerra na, pela e com a produção

desta tese) que os sentidos-e-significados trazidos pelos participantes serão mais

notáveis e compreensíveis: o fenômeno estudado, por meio da redação do

pesquisador, será lapidado em escolha lexical, signo, sema.

Trabalhar elementos com análise qualitativa mostra-se, pois, como enfoque

metodológico com regularidades implícitas em que a objetividade é a condição

principal para o trabalho com os elementos; a consulta à literatura e estado da arte é

totalmente necessária para aniquilar qualquer ocorrência de “achismo” na hora de

transformar relatos de convivência em um fenômeno, em elementos de análise de

uma pesquisa científica.

3.2 Participantes

Esta seção é dedicada à descrição dos participantes desta pesquisa, a sua

enumeração, ao detalhamento de suas funções na Educação pública do Estado de

São Paulo. As demais informações obedecerão aos critérios delineados na pergunta

de pesquisa: serão apresentados os gestores escolares (Supervisores, Diretores,

Vice-Diretores e Professores Coordenadores), os professores em exercício e os

professores em readaptação.

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3.2.1 Gestores escolares

A gestão escolar compreende as seguintes funções: Professor Coordenador

Pedagógico; Vice-Diretor, Diretor, Supervisor de Ensino e Dirigente Regional de

Ensino, acima do qual encontram-se o Secretário Estadual da Educação e o

Governador (conforme anexo 1).

3.2.1.1 – Supervisores de Ensino

O Supervisor de Ensino está hierarquicamente colocado entre o Dirigente de

Ensino e o Diretor escolar. O acesso ao cargo se dá por meio de designação ou

concurso público para o cargo, porém, para ambas as formas de acesso os pré-

requisitos são semelhantes nos seguintes critérios: 8 anos de efetivo exercício no

funcionalismo estadual (correspondente a 2920 dias trabalhados), formação em

Pedagogia ou pós-graduação lato sensu na área de Educação, o que difere é a

exigência comprovada de exercício de gestor escolar por 3 anos (correspondente a

1095 dias).

São dois os Supervisores participantes desta pesquisa, ambos atuantes da

DE Leste 3:

✓ Rodolfo, 12 anos de Estado, 3 na Supervisão, professor efetivo, Mestre em

Educação,

✓ Isadora, 28 anos de Estado, 19 na Supervisão, professora efetiva, Mestre em

Educação.

O segundo grupo de gestores participantes é o de Diretores, cujas funções

serão descritas a seguir, antes da apresentação dos atores sociais.

3.2.1.2 Diretores Escolares

O Diretor é a autoridade máxima nas Unidades Escolares, está à frente das

funções pedagógicas, administrativas e operacionais que ocorrem nas escolas; é

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auxiliado pelo Vice-Diretor68. Para ser diretor, o professor deve ter 5 anos de efetivo

exercício em sala de aula (1825 dias trabalhados) e ser graduado em Pedagogia

(preferencialmente) ou Gestão Escolar.

Os Diretores participantes nesta pesquisa são:

✓ Lucy, bióloga, pedagoga, professora universitária em cursos de

Pedagogia, efetiva no Estado de 1996 e Diretora a partir de 2003;

✓ Luiz, professor de História, Mestre em Filosofia da Educação, Diretor

escolar, afastado das funções escolares em virtude do quinto mandato

como parlamentar, sendo dois como Vereador em São Paulo e três

como Deputado Federal (SP) com pautas direcionadas a assuntos

educacionais, sendo a questão da readaptação do professor uma

delas69.

Conforme o organograma escolar (anexo 2), a hierarquia horizontal figura o

Coordenador Pedagógico e o Vice-Diretor no mesmo plano; entretanto,

descreveremos em primeiro lugar o conjunto de funções do Vice-Diretor por ser ele o

único que pode substituir o Diretor no caso de ausência, férias ou algum diferente

tipo de afastamento.

3.1.2.3 Vice-Diretor escolar

O Vice-Diretor está hierarquicamente situado na escola abaixo do Diretor,

conforme mostrado no organograma de funções. Para ser Vice-Diretor é necessário

comprovar 5 anos de efetivo exercício (1825 dias trabalhados) em sala de aula ou

sala de aula mais coordenação pedagógica.

As descrições das funções designadas ao Vice-Diretor inserem seu trabalho

nos âmbitos administrativo e mediador do trabalho escolar; o trabalho pedagógico

consta apenas no VI das tarefas elencadas. O Vice-Diretor coordena o trabalho das

68 A nova organização dos Quadros na Secretaria da Educação prevê a alocação de um Vice-Diretor para escolas com até 10 salas de aula, de 11 a 25 salas, dois Vice-Diretores e acima de 26 salas de aula, pode haver 3 Vice-Diretores na escola. 69 O Diretor é autor da Lei n.º 15.946, de 19 de outubro de 2015 que institui o “Dia Estadual de Luta pela Dignidade do Servidor Público Readaptado”, a ser comemorado, anualmente, em 14 de abril.

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equipes administrativas e operacionais como os Gerentes e Agentes de Organização

Escolar, os serviços de merenda, limpeza, controle de patrimônio, entre outros.

Os Vice-Diretores participantes desta pesquisa são dois:

✓ Daniela, pedagoga, funcionária estável, 29 anos de Estado, há 9 como

Vice-Diretora;

✓ Janete, educadora física e pedagoga, no decorrer da pesquisa

aposentou-se com 22 anos de Estado, durante os quais atuou por 3

anos como Vice-Diretora, mais 11 anos de tempo de serviço na

iniciativa privada.

Paralelamente à função de Vice-Diretor, há a de Professor Coordenador

Pedagógico (PC), próximo cargo no grupo de gestores escolares.

3.2.1.4 Professor Coordenador Pedagógico

É o responsável pelo acompanhamento do trabalho do professor.

São quatro os PC participantes desta pesquisa:

✓ Solange, pedagoga, 12 anos de Estado, 6 como PC dos anos iniciais;

✓ Jefferson, historiador, 11 anos no Estado, 3 como PC dos anos finais e

ensino médio;

✓ Bernardo, sociólogo, 6 anos de Estado, 3 como PC dos anos finais e

ensino médio;

✓ Ruth, pedagoga, Mestre em Educação, 13 anos de Estado, 4 anos

como PC dos anos iniciais, 7 meses como Diretora e 3 anos atuando

na formação continuada do professor.

Com a descrição da função de PC e apresentações dos atores sociais acima,

encerra-se a caracterização do grupo de “gestores escolares”. A seguir,

apresentaremos os professores participantes, inseridos em dois grupos distintos:

professores em exercício (PEED) e professores em readaptação (PER), obedecendo

às perguntas norteadoras desta pesquisa.

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3.2.2 Professores

A hierarquia vertical tanto da Diretoria de Ensino quanto da escola traz na

linha inferior o professor, que é o profissional responsável pela aplicação processo

ensino-aprendizagem junto ao aluno.

No Estado de São Paulo o pré-requisito para ser professor é a formação

universitária voltada para a carreira docente, a Licenciatura, e exigência de

complementação pedagógica para os cursos cuja formação é o Bacharelado, como

Engenharias, Secretariado, Administração, entre outros.

Há disciplinas com déficit de professores em sala, como Matemática, Física e

Química; em caráter emergencial e mediante autorização do Sr. Governador pode

ocorrer a contratação por tempo determinado de estudantes no penúltimo e último

semestre do curso.

3.2.2.1 Professores em Exercício Docente

No âmbito do serviço público estadual em SP, estar “em exercício” significa

não estar em afastamento, seja médico, administrativo, em candidatura eleitoral ou

em mandato eletivo. Citar o participante como “em exercício docente” ratifica duas

informações acerca dele: de não estar sob as formas de afastamento citadas e de

não estar em readaptação funcional.

São dez os PEED participantes desta pesquisa:

✓ Geisy, bióloga, 8 anos de Estado, sendo 4 na categoria O e 4 como

efetiva;

✓ Edson, artista plástico, 8 anos de Estado sendo 4 na categoria O e 4

como efetivo;

✓ Tamires, letróloga, 4 anos no Estado como efetiva, possui duas

especializações lato sensu;

✓ Drica, geógrafa, 3 anos de Estado, categoria F formada anteriormente

em Ciências Contábeis e Direito;

✓ Anelise, 29 anos de Estado, efetiva, historiadora e geógrafa;

✓ Audrey, 28 anos de Estado, eetiva, historiadora e geógrafa;

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✓ Lene, 26 anos de Estado, efetiva, historiadora, já atuou como PC;

✓ Anne, 9 anos de Estado, efetiva, letróloga;

✓ Beta, 11 anos de Estado, sendo dois deles na categoria O, geógrafa,

socióloga e filósofa e

✓ Mari, 33 anos de Estado, categoria F, pedagoga com formação inicial

em Magistério, alfabetizadora.

A seguir categorizaremos e elencaremos os atores sociais PER participantes

desta pesquisa.

3.2.2.1 Professores em Readaptação

Lembrando que a readaptação é uma situação funcional, depende de

encaminhamento da Unidade Escolar à Perícia Médica para que as condições de

saúde sejam avaliadas e comprovadas por meio de exames e laudos médicos.

Ademais, ressaltamos ainda que, para ingresso ao Quadro do Magistério, o PER

passou por todo o processo seletivo descrito na seção anterior a esta, referente ao

PEED.

A seguir serão elencados os atores sociais PER participantes desta pesquisa:

✓ Laine, pedagoga, 20 anos de Estado, 14 como readaptada com laudos

neurológico e ortopédico, atuando na coordenação pedagógica de sua

Unidade Escolar mediante autorização do CAAS;

✓ Zélia, letróloga, 20 anos de Estado, 5 como readaptada com laudos

ortopédico e psiquiátrico, atua na secretaria escolar;

✓ Marcelo, matemático, 11 anos de Estado, 2 como readaptado com laudos

ortopédico e psiquiátrico, atua na secretaria escolar;

✓ Celi, letróloga, 16 anos de Estado, 6 como readaptada com laudos

neurológico e psiquiátrico, atua na secretaria escolar;

✓ Marcia, cientista social, 17 anos de estado, 4 como readaptada, no decorrer

da pesquisa foi aposentada por invalidez com laudo ortopédico, porém, com o

acidente sofrido70 também teve laudos neurológico, pneumológico e

70A participante foi atingida por três tiros por um aluno no estacionamento da escola.

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psiquiátrico, atuou como operadora de máquina de xérox e arquivista na

secretaria escolar;

✓ Mara, matemática, 28 anos de Estado, 14 como readaptada com laudo

cardiológico, atua na secretaria escolar;

✓ Edilaine, cientista biológica com habilitação em matemática, aposentada no

decorrer da pesquisa com 30 anos de Estado, 14 como readaptada com laudo

ortopédico, atuou na Sala Ambiente de Leitura.

Após categorizar e elencar todos os participantes, apresentaremos a seguir

as categorias de análise dos enunciados que compõem o corpus desta pesquisa.

3.3 Categorias de análise

Esta seção é dedicada à descrição das categorias de análise e interpretação

dos elementos constituintes do corpus desta pesquisa. Trata-se de análise

linguística dos conteúdos temáticos identificados pela ocorrência e recorrência de

itens lexicais comuns, agrupados em grandes temas, referentes ao trabalho do PER.

A compreensão do trabalho do PER é o objeto de estudo nesta pesquisa, na

qual buscamos compreender as vivências entre gestores escolares, PEED e PER e

os sentidos-e-significados que delas oriundam, interpretando a realidade desses

sujeitos a partir de suas escolhas lexicais, ou seja, tomando a palavra como ponto

de partida para aceder ao pensamento e à ação.

Para se chegar a esses elementos, procedeu-se à transcrição de entrevistas

registradas em arquivos de áudio; posteriormente, os elementos foram copiados

para planilha eletrônica na qual os itens lexicais que indicam temas como

“encostado”, “auxílio”, “demanda escolar”, entre outros; tais grupos foram separados

em planilhas menores identificadas por abas em uma planilha principal.

Os marcadores linguísticos serão destacados em negrito; após realizar o

levantamento dos conteúdos temáticos e sua identificação linguística, procederemos

à interpretação por meio das categorias interpretativas a seguir indicadas: sentidos-

e-significados, afetividade, dialética exclusão-inclusão e seu consequente sofrimento

ético político, conforme descritos no capítulo de Fundamentação Teórica.

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Interpretar elementos à luz da categoria de sentidos-e-significados nos

direciona à compreensão do ser humano como sujeito que se constitui e é

constituído pela mediação, processo no qual a linguagem ocupa papel central, e

pela interação (Vygotsky, 2001), o que equivale a dizer que o ser humano só é

humano nas e pelas interações com outros humanos e com mundo real em dado

contexto social e histórico.

Segundo Lessa (mímeo), a construção dos sentidos-e-significados se dá de

forma dialética entre o individual e o social, entre o intra e o interpsicológico, assim,

os significados sociais constroem os sentidos individuais que, na interação, darão

sentido aos significados sociais, a relação é dialética e contínua de forma que

discuti-los e analisá-los de forma isolada torna-se inviável, razão pela qual, como em

outras pesquisas do grupo ILCAE, a grafia também liga o sentido ao significado, por

meio da hifenização.

A segunda categoria interpretativa remete ao estudo da afetividade, também

ancorada em Vygotsky; segundo o autor,

[...] as existências de um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem, mostra que cada ideia tem uma atitude afetiva transmutada em relação ao fragmento de realidade ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus pensamentos até o comportamento e sua atividade (VYGOTSKY, 2004 p. 6-7).

A leitura da citação acima nos auxilia no entendimento de que o pensamento

acerca de determinada situação gerará um tipo de afetividade no tratamento dessa

situação: se há a crença por parte de algum gestor escolar de que o PER é um

incapaz, esse pensamento gerará o tratamento de incapaz, tratamento este que

poderá ser simpático ou antipático, gerando no PER satisfação ou insatisfação, ou

seja, a afetividade e a atitude pode ser positiva ou negativa para ambos, quem trata

e quem é tratado.

Sawaia (2012) aborda a afetividade como categoria de análise em três fases:

a primeira diz respeito ao sofrimento de quem é excluído; a segunda, explica o

sofrimento como ético-político71 e a terceira mostra a relação dialética que há entre a

71Descrito em seção específica no capítulo da Fundamentação Teórica.

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exclusão - inclusão, destacando o fato de que incluir simplesmente pode agravar o

sofrimento pelo qual o excluído passa.

A terceira categoria interpretativa é aquela que nos auxilia na compreensão

da dialética exclusão – inclusão como um sofrimento ético-político, ou seja, em que

medida a prescrição feita ao PER, sem sua participação, sem a enumeração de suas

necessidades na rotina do trabalho reorganizado, auxilia para o seu retorno à

regência de aulas ou deixa de auxiliar, promovendo mais adoecimento e

afastamento da escola, mesmo já em readaptação.

As concepções de análises linguísticas e interpretativas mostram-se

apropriadas a esta pesquisa por permitir indicações pontuais para a depreensão dos

sentidos-e-significados atribuídos ao trabalho do PER pelos atores sociais

participantes.

Vale ressaltar que os eixos temáticos foram agrupados de acordo com as

escolhas lexicais mais recorrentes, portanto, serão apresentados de maneira não

linear, e que os critérios de agrupamento foram organizados de modo a responder

às perguntas de pesquisa conforme a ordem hierárquica apresentada e que, para a

formação dos grupos, foram privilegiadas as relações semânticas de sentidos-e-

significados.

Para proporcionar ao leitor melhor entendimento, estruturaremos as

categorias de análise e interpretação no quadro a seguir:

Quadro 4: Categorias de análise e interpretação

QUESTÕES

NORTEADORAS

ELEMENTOS PARA

A ANÁLISE

CATEGORIAS DE

ANÁLISE

CATEGORIAS

INTERPRETATIVAS

Que sentidos-e-

significados são

atribuídos aos

professores em

readaptação e seu

trabalho:

(i) pelos membros da

Gestão Escolar?

(ii) pelos membros do

Entrevistas

semiestruturadas

realizadas com

os seguintes

atores sociais:

- supervisores;

- diretores;

- vice-diretores;

- coordenadores

pedagógicos;

- professores em

Eixos temáticos;

Grupos de

grandes temas.

Sentidos-e-

significados;

- afetividade;

- exclusão –

inclusão;

Sofrimento ético-

político.

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118

Corpo Docente em

exercício?

(iii) pelos membros do

Corpo Docente em

readaptação

funcional?

exercício

docente;

- professores em

readaptação.

O próximo capítulo será destinado à análise e interpretação de excertos

selecionados do corpus.

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CAPÍTULO 4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO CORPUS

Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda Que palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando

Coração na boca, peito aberto, vou sangrando São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando!

Gonzaguinha, 1993

Este capítulo é destinado à análise e discussão dos elementos empíricos,

com base nos pressupostos teóricos eleitos, descritos no Capítulo 2, correspondente

à Fundamentação Teórica. Neste capítulo serão respondidas as questões

norteadoras desta pesquisa, ora retomadas:

Que sentidos-e-significados são atribuídos aos professores em readaptação e

seu trabalho: (i) pelos membros da Gestão Escolar? (ii) pelos membros do Corpo

Docente em exercício? (iii) pelos membros do Corpo Docente em readaptação

funcional?

De acordo com a descrição feita no capítulo metodológico, a análise será

centrada nos sentidos-e-significados, na afetividade, nas dialéticas exclusão-

inclusão e no sofrimento ético-político referentes ao trabalho do PER. como

categoria de análise e nos estudos ergológicos. A ordem dos excertos destacados

obedecerá à questão norteadora: gestores, professores em exercício e professores

em readaptação.

Retomando ainda a descrição, vale ressaltar que as escolhas lexicais

destacadas em negrito foram agrupadas em temas com similaridade semântica,

grupos estes nomeados de acordo com as escolhas lexicais feitas pelos

participantes, tais como: encostado, prestativo, humilhação, útil, etc.

O conjunto de respostas fornecidas traz em seu bojo o conteúdo temático, ou

seja, “[...] o conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas, isto

é, que são traduzidas no texto pelas unidades declarativas da língua natural

utilizada” (BRONCKART, 2012, p. 97).

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Bronckart (2012) salienta que a forma do texto em que o conteúdo temático

se encontra inserido não compromete a análise; tal texto pode variar entre os mais

diversos gêneros de diversos campos do saber, do cotidiano ao científico.

O autor destaca ainda que, tal qual as variáveis que determinam a produção

dos textos72, “as informações constitutivas do conteúdo temático são representações

construídas pelo agente-produtor” (BRONCKART, 2012 p. 97), ou seja, é o

conhecimento internalizado acerca do tema que levará a construir sentidos-e-

significados para suas vivências, desencadeadas nas e pelas ações de linguagem: o

que se conhece do trabalho do PER e seus determinantes sociais e históricos

compõem as impressões acerca desse trabalho, diferentes pelas vivências,

inserções, observações ou participação nesse contexto; o (des)encadeamento

discursivo é consequência.

Para responder aos questionamentos, na seção a seguir cumpriremos o

intuito de aceder aos sentidos-e-significados contidos no primeiro eixo temático

eleito para análise, descrito na seção a seguir.

4.1 Eixo temático “relação professor em sala de aula versus professor em

readaptação”

Esta seção é dedicada à análise dos enunciados acerca do trabalho do PER

com foco nos sentidos-e-significados atribuídos a esse trabalho, por meio de

escolhas lexicais que operam na formação de conteúdos temáticos.

Excerto 1 - Isadora:

PP – [...] a relação “professor em sala de aula” e “professor readaptado”, a senhora tem alguma opinião sobre isso ou alguma observação sobre essa relação? Isadora - Os readaptados, como eu disse pra você, como a grande maioria é do aspecto administrativo eu não vejo nenhuma relação com os professores, pedagogicamente, interação pedagógica, porque esse readaptado não participa por exemplo

72 Conteúdos sócio-históricos já presentes e internalizados no sujeito por meio da interação, mediada pela linguagem.

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de ATPC, esse readaptado não participa das discussões dos projetos com os professores, porque ele fica lá na secretaria fazendo o trabalho burocrático, de ... de ... preenchimento de documentos, participa, é claro, das interações mais gerais da escola, mas não tem relação pedagógica, não vejo não, então tem essa especificidade do readaptado, na sala de leitura sim, tem, acredito que até em outras escolas haja essa, no meu setor existe uma exceção, mas acredito que se for fazer uma pesquisa mais geral, penso que essa questão pode ser mais generalizada, o professor readaptado que trabalha na sala de leitura tem uma relação, tende, é uma tendência, ter uma relação de proximidade com os professores, os que estão no administrativo, que é a maioria, pelo que eu observo, aí não tem, relação, interação pedagógica com os professores.

Na resposta dada à pesquisadora, Isadora apoia-se em grupos de escolhas

lexicais como aspecto administrativo – nenhuma relação – interação pedagógica –

readaptado não participa – trabalho burocrático – readaptado na sala de leitura –

tendência à aproximação com outros professores – relação de proximidade para

atribuir sentidos-e-significados ao tema neste eixo temático: relação PER – PEED.

Notamos o cuidado de diferenciar lexicalmente as relações pedagógicas, os

ambientes pedagógicos e administrativos em uma fala que aparentemente exclui

qualquer ponto de vista pessoal e reprodução de discursos outros.

Vygotsky (1998) afirma que é na interação do eu e o outro que se constroem

os sentidos-e-significados e que a interação é um processo sócio-histórico em que

sujeitos imersos num mesmo contexto compartilham a mais variada ordem de

informações.

Isadora atribui ao PER em relação a seu outro, o PEED, sentido-e-significado

de não participar das atividades como o ATPC e discussão de projetos da escola73;

justifica essa “não participação” pelo fato de o PER ser alocado, como a grande

maioria, em setores administrativos da escola, fazendo o trabalho burocrático;

menciona também que o PER que trabalha na sala de leitura74 tem mais relação de

proximidade com os professores.

73 Grifo da pesquisadora para destacar com recurso gráfico o sentido-e-significado acedido. 74 O professor regente da sala ambiente é preferencialmente um PER, conforme editais para essa função que, na seção referente ao perfil desse professor, indica: II – DOS REQUISITOS: 1 – ser portador de diploma de licenciatura plena; 2 – possuir vínculo docente com a Secretaria de Estado da Educação em qualquer dos campos de atuação, observada a seguinte ordem de prioridade por situação funcional, sendo:

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A Sala de Leitura surgiu de um projeto pedagógico da Secretaria da

Educação para incentivar e reforçar o hábito da leitura nos alunos por meio de

ambiente propício, atualização de acervo e recursos multimídia (computador,

coleções de DVDs didáticos e paradidáticos, projetor, entre outros). O acervo é

multidisciplinar, entretanto, a formação preferencial para o professor tutor desse

ambiente é Letras, por tal razão, a proximidade maior acaba ocorrendo com os

projetos de Língua Portuguesa75.

Em termos de afetividade, Isadora aparentemente mantém neutralidade, ou

seja, não demonstra positividade nem negatividade em seu enunciado; há uma

diferenciação no uso substantivo “professor” para se referir ao regente de aulas e no

uso do adjetivo “readaptado” como substantivo para se referir ao professor alocado

nos ambientes administrativos envolvidos com trabalho burocrático e ao alocado em

sala de leitura, envolvidos com uma proximidade maior com o trabalho pedagógico

devido ao trabalho com professores e alunos.

O mesmo tratamento discursivo ocorre no que tange à exclusão do PER na

relação função/proximidade pedagógica: em suas escolhas lexicais, Isadora monta

discursivamente um cenário em que a exclusão não ocorre de maneira explícita, o

que ocorre é a natureza do novo trabalho realizado pelo PER ser a responsável pelo

afastamento do PER porque ele fica lá na secretaria fazendo o trabalho burocrático.

No excerto a seguir mostraremos a relação PEED-PER construída

discursivamente pelo supervisor Rodolfo.

Excerto 2- Rodolfo:

PP - Como pode descrever o relacionamento readaptado-demais funcionários e vice-versa nas escolas em que você já trabalhou?

Rodolfo - Alguns funcionários tratam os readaptados como encostados. Outros, tratam de acordo com as atividades que realizam. Ou seja, se fazem alguma coisa, são bem-vistos.

PP – E como você vê o trabalho do readaptado?

a) docente readaptado [...].Fonte: https://see-diretorias.azurewebsites.net/dejau/sala-de-leitura/

75 Como o projeto “Concurso Literário” http://linguaportuguesaleste3.blogspot.com.br/p/concurso-literario_14.html.

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Rodolfo - Há alguns professores readaptados que desenvolvem excelentes trabalhos nas escolas. Outros, preferem cumprir o horário e não aceitam realizar nenhuma atividade.

Rodolfo se utiliza dos pronomes-sujeito indeterminados alguns – outros para

compor a relação dicotômica na atribuição de sentidos-e-significados ao PER e seu

trabalho: se para alguns o PER é um encostado, para outros, que tratam de acordo

com as atividades que realizam [...] são bem-vistos.

As escolhas lexicais na construção do enunciado apontam para a construção

da relação encostado – não realiza atividades / bem-vistos – realizam

atividades; observamos ainda que a ênfase dada por Rodolfo ao sentido-e-

significado atribuído por ele na relação semântica faz atividades – bem visto / só

cumpre horário e não aceita realizar atividades – encostado é iniciada pela

expressão “ou seja”, após a qual ratifica a atribuição anterior.

Na réplica, ao ser indagado sobre “sua” opinião sobre o PER, Rodolfo

mantém a dicotomia alguns – outros; porém, a relação encostado – bem visto dá

vez, nas escolhas lexicais de Rodolfo, a excelentes trabalhos – cumprir horário e

não aceitam realizar nenhuma atividade.

Retomando Vygotsky (1989), entendemos que a expressão mais simples do

pensamento e da linguagem é representada pelo significado da palavra e que este,

por sua vez, é a generalização de conceitos, assim sendo, o significado é um

fenômeno do pensamento, determinado pelas interações culturais existentes no

meio em que o sujeito se encontra imerso.

Entendemos também que o significado, a linguagem e as palavras são

produtos das interações sociais em cada contexto sócio-histórico e que a atividade

humana, como modos da complexa relação homem-mundo, é permeada por fins a

alcançar, de objetivos, que orientam o agir humano.

Nos conceitos de Vygotsky, encontramos suporte para entender que as

escolhas lexicais de Rodolfo expressam atributos socialmente construídos: há

readaptados que são encostados, que apenas cumprem horário e não aceitam

realizar atividades como generalização de um conceito, assim como os que realizam

atividades são bem-vistos.

Ao ser indagado sobre sua visão acerca do trabalho do PER, Rodolfo

novamente os classifica entre os que “fazem alguma coisa” e os “encostados”,

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porém, com outras escolhas lexicais: “Há alguns professores readaptados que

desenvolvem excelentes trabalhos nas escolas. Outros, preferem cumprir o horário e

não aceitam realizar nenhuma atividade”. Notamos que os que “desenvolvem

excelentes trabalhos” são referidos pelo item “professor”; os “encostados” que “não

aceitam realizar nenhuma atividade” são os “outros”, separados por vírgula no início

da oração, separados dos “professores readaptados que desenvolvem”.

No que tange à afetividade, ela é configurada via escolha lexical como

positiva para os que realizam atividades, tratados pelo atributo de “professor”, seus

trabalhos realizados como “excelentes”; a oposição reside em “outros”, que sem

atributos, “preferem cumprir o horário e não aceitam realizar nenhuma atividade”.

Segundo Vygotsky (2004), a emoção, da qual a afetividade é produto, pode

ser entendida como reação em momentos críticos do comportamento; em que a

reação emocional, secundária, é um potente organizador do comportamento, assim,

se fazemos algo com alegria, temos êxito, se fazemos algo com repulsa, tendemos a

interromper esse algo (VYGOTSKY, 2004 p. 137). Vygotsky afirma ainda que a

emoção não pode ser vista passivamente porque ela gera as ações e reações

referentes ao fenômeno.

Depreendemos nas escolhas lexicais, ou seja, nas palavras de Rodolfo, a

ação de reconhecer os professores readaptados pela realização de excelentes

trabalhos e referir os que nada realizam como os outros.

Quanto à exclusão, esta se nos mostra clara na dialética “bem-vistos porque

realizam algo – outros, tratados como encostados”. Sawaia (2008, p. 103) refere que

as emoções são significados radicados na vivência cotidiana, mediados por relações

semióticas que, por sua vez, configuram os motivos: estados que portam valores

emocionais estáveis, desencadeadores do pensamento e da ação; excluir é uma

ação, no excerto analisado ela é demarcada pela linguagem, demonstrando a

dialética já referida.

No excerto a seguir, examinaremos a atribuição de sentidos-e-significados

atribuídos ao PER e seu trabalho por outros componentes da gestão escolares, os

diretores e vice-diretores.

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Excerto 3 – Lucy:

PP - Como você o relacionamento desse readaptado de sua escola com os colegas, dos colegas com ele?

Lucy - O relacionamento é normal, entre Gestores e readaptados e professores de sala de aula e readaptados, o que tem é um certo constrangimento entre funcionários da secretaria, os agentes de organização escolar, que falam sobre salário do readaptado em relação ao dele e ambos estarem realizando atividades semelhantes. Não entendo como uma crítica sobre o readaptado e sim uma revolta normal, em que os salários são distintos e a função e o tempo de serviço diferente.

Lucy atribui à relação PER – PEED – Gestores o sentido e significado de

normalidade. Comparando-se a escolha lexical normal no início do excerto às

demais destacadas posteriormente, depreendemos normal como “sem

constrangimentos”.

Na sequência, Lucy refere que há constrangimento entre funcionários da

secretaria no que tange ao salário do readaptado em relação ao dele uma vez

que ambas as categorias profissionais realizam atividades semelhantes. Não

obstante a situação descrita ocorrer fora da relação citada, é uma exceção à

normalidade referida pela participante, razão pela qual discorreremos aqui sobre tais

escolhas lexicais na resposta de Lucy.

Apoiados em Vygotsky (1997), retomamos a observação de que as relações

sociais, fundadoras dos processos individuais, são formadas por tensões e

equilíbrios; destarte, a individualidade humana é construída contraditoriamente por

apoios e constrangimentos, por singularidades expressas no nome que recebe, nos

papéis que lhe são atribuídos e nas expectativas que têm depositadas. As funções

sociais nos são dadas e o mesmo meio social que as dá, cobra o preenchimento

delas dentro de expectativas.

Os constrangimentos referidos por Lucy podem ser deslindados por meio da

TSH de Vygotsky: uma vez que trabalhando em contextos semelhantes e realizando

atividades semelhantes, o constrangimento salarial citado pode ser visto como busca

pela valorização financeira no universo social em que se trabalha: a secretaria

escolar.

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126

A causa das tensões descritas por Lucy pode estar nas prescrições que

regulam as condições para ingresso na função de agente de organização escolar e

na de professor; pode estar na prescrição que coloca o PER na secretaria escolar,

não mais como professor, nem como agente, mas como provável razão de revolta

normal, em que os salários são distintos e a função e o tempo de serviço

diferente.

No próximo excerto daremos continuidade à discussão do eixo temático

“relação PER – PEE – Gestores” com base no enunciado da participante vice-

diretora.

Excerto 4 – Daniela

PP - Como é que você vê o relacionamento dos professores readaptados de sua escola com os colegas em sala e dos colegas em sala com eles?

Daniela - Tudo bem aceitam numa boa, quando não querem fazer outro tipo de trabalho os professores não gostam, mas fica por isso mesmo. PP - E como você como vice-diretora reage a isso? Daniela - Respeito todos, somos colegas.

Daniela atribui à relação PER – PEED o sentido-e-significado de aceitação

por meio das escolhas lexicais tudo bem, aceitam numa boa; entretanto, tal

aceitação parece ser negada em seguida, quando Daniela refere que quando não

querem fazer outro tipo de trabalho os professores não gostam.

Daniela recorre à elipse do sujeito e tal qual Rodolfo (excerto 2), ao uso de

verbos na terceira pessoa do plural, aparentemente, para preservar-se de expressar

sua impressão sobre o assunto. Daniela também apresenta em seu enunciado a

bipartição não querem (PER) fazer outro tipo de trabalho / professores não

gostam; entretanto, o sentido-e-significado é construído pela participante com

aparente neutralidade.

Quando indagada sobre seu posicionamento profissional acerca da bipartição

citada, Daniela configura discursivamente um cenário de respeito e profissionalismo

por meio das escolhas “Respeito todos, somos colegas” usadas em primeira

pessoa, colocando-se, assim, inserida na situação de enunciação.

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Retomando os conceitos vygotskyanos de formação social dos significados,

depreendemos que Daniela se apoia naqueles já construídos no meio escolar,

anteriores a sua função de gestora e à situação de discorrer sobre o assunto para

fins de pesquisas.

No que tange à afetividade, as escolhas de Daniela em “fica por isso

mesmo” e “Respeito todos, somos colegas” remetem à amenização de conflitos

que possam emergir; ademais, o enunciado da participante demonstra empatia, que

é uma forma de afetividade positiva.

A empatia, mais que um sentimento, engloba um conjunto de atividades

humanas, tema presente nas obras de Vygotsky. A empatia tem por finalidade

conhecer o outro, aceder a suas ideias e anseios: é uma característica presente nas

dimensões sociais em que o homem se insere.

Vygotsky (2009, p. 25) descreve que a imaginação é necessária a quase toda

atividade mental humana, que ela age quando lemos o jornal e temos a informação

de fato que não testemunhamos, mas o reconstruímos mentalmente, quando uma

criança estuda Geografia e recria mentalmente o ambiente estudado, quando

recebemos e uma carta e somos informados de algo que aconteceu com outra

pessoa e sentimos satisfação ou comiseração pelo acontecimento ocorrido a outrem;

esse é o princípio da empatia.

Vygotsky (1999, p. 314) refere a empatia como a capacidade de compreender

o estado da alma do outro, de identificar-se com ele e com suas ações; o autor

destaca que a empatia plena é atingida quando a identificação com o outro é tão

grande a ponto de agir como o outro agiria em determinada situação, ampliando a

experiência pessoal.

Em relação à dialética exclusão-inclusão, Daniela a princípio marca a

exclusão pela elipse do sujeito e pela supressão da escolha “professor” ao se referir

ao PER. No decorrer do excerto, Daniela descaracteriza tal exclusão ao afirmar

“Somos colegas”, dessa forma, a participante realiza discursivamente a igualdade

de cargos e situações funcionais; ademais, demonstra pela escolha “Respeito

todos” a equidade no tratamento dado tanto ao PER quanto ao PEED.

A seguir, examinaremos excertos em que Coordenadores Pedagógicos, como

membros da Gestão, avaliam a relação PER – PEED.

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Excerto 5 – Solange:

PP – Como é que você vê os outros colegas, o relacionamento dessa readaptada com os colegas, dos colegas com ela? Solange – É assim, com as meninas da tarde do ciclo I elas se dão bem porque ela ajuda, mas assim, os outros professores?! Eles têm aquela visão “ah, tá lá encostada, não faz nada, não acrescenta em nada ”, eu vejo isso, tem um pouco de preconceito sim, principalmente porque é psiquiatria ... é louca ... então tem esse preconceito sim, claro que tem, mas as meninas da tarde acolhem bem ela, acho que ela se deu melhor com essa turma, entendeu? Mas tem aquele preconceito sim daquele professor folgado que tá encostado, não faz nada, porque assim, no caso dela que é psiquiatria, aparentemente ela tá bem, porque ela vem de carro pra escola, mas o caso dela é grave e as pessoas não entendem isso, mas eu entendo, é gravíssimo, é muito grave ... (PP- Talvez só quem passe por ele) eu tenho um contato bem direto com ela e... ela fala isso, ela tem noção também porque há pouco tempo ela fez uma cirurgia de ... de ... ela tirou pálpebra, tirou barriga. “Tá com depressão e tá tirando barriga ? Tá fazendo cirurgia estética?” Só que isso foi pra ela, foi pra recuperar uma autoestima que ela não tem, que tá lá no pé ... nem isso ajudou ela, nem isso ... continua mal, mudou a medicação, tá tomando uma medicação fortíssima porque não tá bom, e o povo achando que ela fez cirurgia estética porque ela tá ótima, que ela tá bem ... e coisas assim.

Solange atribui mais de um sentido-e-significado à relação PER – PEED: em

relação aos professores da tarde, do Ciclo I, as escolhas lexicais elas se dão bem,

as meninas da tarde acolhem bem constroem discursivamente o sentido-e-

significado de boa relação e bom acolhimento à PER em questão; justifica tal

afirmação porque ela ajuda, acrescendo à PER a imagem de pessoa colaborativa e

prestativa.

Concluída a relação “PER – professores do Ciclo “I”, Solange introduz a

resposta referente aos demais PEED com um questionamento retórico: “mas assim,

os outros professores?!” ao qual responde: “Eles têm aquela visão “ah, tá lá

encostada, não faz nada, não acrescenta em nada”, eu vejo isso, tem um pouco

de preconceito sim, principalmente porque é psiquiatria ... é louca ... então tem

esse preconceito sim, claro que tem”. O preconceito contra o PER é tema na pesquisa

de Pezzuol (2008).

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Por meio das escolhas lexicais encostada, não faz nada, não acrescenta

em nada, preconceito, psiquiatria, louca, repetição do item preconceito, seguido

do advérbio de afirmação sim e da asserção claro que tem enfatizando a situação

de haver preconceito contra o PER, Solange atribui à relação “PER - demais

professores da escola” o sentido-e-significado de encostada que não faz nada e

não acrescenta em nada e que é louca em virtude de seu diagnóstico

psiquiátrico76.

Solange enfatiza o preconceito: “tem aquele preconceito sim daquele

professor folgado que tá encostado, não faz nada” e atribui mais um sentido-e-

significado ao já iniciado no parágrafo anterior: folgado.

A caracterização do PER por meio de aspectos negativos é explicável por

meio de Vygotsky (1993), que teorizou que o meio social sempre exercerá influência

na formação da identidade do indivíduo; segundo o autor, a cultura delineia o

funcionamento psicológico do ser humano e a partir dela e de experiências de

interação do mundo que o homem constrói a subjetividade; para que a cultura seja

internalizada pelo homem é necessária uma estruturação, porém, tal estruturação já

é formada ao longo da história desse homem (PEZZUOL, 2008).

Tal base filogenética, entretanto, não define o comportamento social já que

ele é produto das relações sociais: no ambiente escolar e na cultura de cumprimento

de metas educacionais medidas pelos índices de aprovação, de diminuição dos

índice de abandono e evasão escolar em que o PEED é o primeiro responsabilizado

pelo êxito ou fracasso do processo, é aceitável que ele não reconheça o PER como

participante desse processo; contudo, há de se reconhecer que o PER, de acordo

com o enunciado por Solange, é vítima do preconceito reiterado pelos PEED.

No que concerne à afetividade no excerto em análise, Solange descreve

acolhimento por parte dos professores do Ciclo I e afastamento por parte dos demais

professores, evidenciado pelos itens “não acrescenta nada”. Deparamos no

excerto em análise duas extremidades da afetividade: a positiva e a negativa como

reflexos de significados entranhados na vida cotidiana por meio da mediação das s

subjetividades.

76 Tal associação “diagnóstico psiquiátrico – é louca” foi tema para julgamento proferido contra esta pesquisadora por mais de um membro da gestão escolar ao ser informada sobre ingresso no Doutorado: “para trabalhar é louca, para estudar está boa?”.

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Para Sawaia (2012), a afetividade está relacionada à capacidade humana de

ser afetado, ou seja, o conjunto de reações ao ser afetado; tal capacidade é central

na construção de valores éticos, pois o que faz com que o fato que atinge o homem

seja bom ou mau é o afeto que dele oriunda.

Para o PEED que exclui o PER, talvez não haja sofrimento; entretanto, para o

PER excluído, tais situações descritas por Solange podem ser determinantes da

piora de e um estado de saúde física mental já instaurado, o que se evidencia nos

fragmentos: “aparentemente ela tá bem / mas o caso dela é grave”, e “há pouco

tempo ela fez uma cirurgia de ... de ... ela tirou pálpebra, tirou barriga / nem

isso ajudou ela, nem isso ... continua mal, mudou a medicação, tá tomando

uma medicação fortíssima porque não tá bom, e o povo achando que ela fez

cirurgia estética porque ela tá ótima, que ela tá bem ... e coisas assim”.

A questão do sofrimento fica mais evidente em “[...] Só que isso foi pra ela,

foi pra recuperar uma autoestima que ela não tem, que tá lá no pé ...”. O

sofrimento vivido pela PER é explicável por meio da categoria do sofrimento ético-

político descrito por Sawaia (2012) como o modo pelo qual se trata e se é tratado

pelo outro na intersubjetividade, face a face ou anonimamente, situação determinada

pela organização social em que se está inserido, retrata, segundo a autora, a dor

que surge da situação de ser socialmente tratado como inferior, da negação de

manifestar um desejo, no excerto em tela, o de ir para a escola de carro e fazer uma

cirurgia estética.

No excerto a seguir serão analisados os sentidos-e-significados de mais um

coordenador acerca da relação PEED – PER.

Excerto 6 - Jefferson:

PP – E você tem ideia de quantos professores readaptados tenha conhecido nas escolas pelas quais você passou nesses 10 anos?

Jefferson – Eu não passei por tantas escolas, mas eu me lembro daqueles que infelizmente ficavam invisíveis acerca de uma má gestão escolar e aqueles que eu tive o prazer de conhecer e trabalhar junto né, então eu acho que posso calcular em média uns 5 a 6.

PP – Como você – apesar de que já praticamente respondeu – mas eu vou perguntar de novo porque algum detalhe pode ter escapado da sua lembrança ou até mesmo da própria resposta: a convivência

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dessa professora com os outros professores, o tratamento deles para ela, dela para eles, porque você se interessou, foi perguntar “quem é você? o que você faz sempre aqui nesse espaço? Por que está sempre sozinha”. E os demais professores? Jefferson – Então, eu percebi que ela foi uma professora readaptada que trabalhou nessa escola muitos anos, então ela já era bem conhecida, chegou a caminhar em coordenação, em vice-direção né, aí quando teve que passar pelo processo de readaptação ela ficou num cantinho, e entrando outras gestões eu não sei se não gostavam ou não entendiam o trabalho, embora que eu senti ali uma parte meia ... um peculiar meio particular sabe, então um dia foi gestora e outro dia estava readaptada, então aqueles que passaram a assumira gestão a partir dali começaram a fazer um processo de exclusão , podemos assim dizer, e os outros companheiros não se espantavam eu acredito que por já conhecer a história dessa professora na unidade, então é uma professora que tem uma história, que já tinha formado gente na mesma unidade, que conhecia a realidade da comunidade, então era uma pessoa de suma importância no processo educacional e estava lá, guardada num cantinho, porque a gestão achava prudente que o que ela fazia ali já era o suficiente .

As escolhas lexicais de Jefferson inserem seu enunciado no eixo temático ora

estudado, porém, a ênfase maior é dada ao tratamento dado à PER pela gestão

escolar. Os sentidos-e-significados atribuídos por Jefferson à relação PEED – PER

de aparente conformidade com as atitudes da gestão para com a PER, o que é

expresso pela asserção presente no fragmento “os outros companheiros não se

espantavam77 eu acredito que por já conhecer a história dessa professora na

unidade”

No que tange à relação Gestão – PER, os sentidos-e-significados atribuídos

por Jefferson indicam isolamento do PER, evidenciado no fragmento “[...] eu me

lembro daqueles que infelizmente ficavam invisíveis acerca de uma má gestão

escolar”; ratificado no fragmento “quando teve que passar pelo processo de

readaptação ela ficou num cantinho, e entrando outras gestões eu não sei se

não gostavam ou não entendiam o trabalho [...] aqueles que passaram a

assumir a gestão a partir dali começaram a fazer um processo de exclusão”

por meio das escolhas grifadas.

Sawaia (2012 p. 99) coloca a questão da exclusão e da afetividade de quem a

sofre como uma questão social, mas, acima de tudo, política, alertando para a 77Grifo da pesquisadora.

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necessidade se refletir os modos pelos quais o Estado trata seus cidadãos. Os

gestores escolares que fizeram com que a PER ficasse “num cantinho” e, ao

assumir a gestão em que a ora PER também foi gestora e hoje, devido às limitações

impostas pela doença, a colocam num “processo de exclusão”, segundo enuncia

Jefferson, são representantes do Estado e respondem pela gestão escolar pública.

O fato de haver adoecimento que leva à readaptação e abandono dos

gestores imediatos a esse PER indicam a necessidade apontada por Sawaia de

refletir as práticas do Estado em termos de cuidado ao outro que nele vive e em seu

nome labora.

Vygotsky (1996) estudou a exclusão como um dos fatores determinantes da

identidade do sujeito, identidade esta mutável segundo as influências sócio-espaço-

temporais, perpassada pela linguagem, que auxilia no autoconhecimento; por meio

da linguagem tomamos conhecimento do outro e somos para nós o que o outro

concebe sobre nós, assim, o eu que é tornado invisível e excluído pelo outro

passará a ser reconhecer como tal (VYGOTSKY, 1996 p. 18).

No excerto em análise, Jefferson descreve a PER como alguém “trabalhou

nessa escola muitos anos, então ela já era bem conhecida, chegou a caminhar

em coordenação, em vice-direção” e que “teve que passar pelo processo de

readaptação”; mais adiante, ao retomar a descrição de seu referente, o participante

indica que “é uma professora que tem uma história, que já tinha formado gente

na mesma unidade, que conhecia a realidade da comunidade, então era uma

pessoa de suma importância no processo educacional e estava lá, guardada

num cantinho, porque a gestão achava prudente que o que ela fazia ali já era o

suficiente”.

Ao descrever a trajetória da PER referente, Jefferson enfatiza a carreira da

profissional: professora com muitos anos na escola, que passou pelos cargos de

coordenadora e vice-diretora, bastante conhecida, “pessoa de suma importância

no processo educacional”. Além de conferir-lhe um sentido-e-significado de

pessoa importante na e para a escola, Jefferson faz escolhas lexicais valorativas à

PER, demonstrando afetividade positiva, aspecto prevalecente no enunciado. O

resultado da afetividade positiva, segundo Vtgotsky (2009), é o fazer com satisfação:

para Sawaia (2012), a afetividade positiva é responsável pela sensação de

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pertencimento, necessária ao processo da construção da identidade do sujeito e

forma de reconhecimento como parte da sociedade.

Dando continuidade às respostas às questões norteadoras desta pesquisa,

porém agora, buscando aceder aos sentidos-e-significados acerca do PER e seu

trabalho vistos pela ótica do PEED, daremos início à análise com base nos

enunciados do segundo grupo de participantes acerca da relação PEED – PER.

Excerto 7 – Edson:

PP - Pode falar um pouco sobre o modo como os colegas em sala de aula, coordenadores e direção tratam esse profissional readaptado? Edson - Os readaptados são quase "pessoas invisíveis" na escola, quase sempre deixados de lado ou esquecidos nos eventos escolares PP - Por favor, fale mais sobre isso “quase invisíveis”. Edson - Onde o professor readaptado trabalha, na secretaria, como agora no seu caso, ou em outros espaços, o alunado não lhes reconhecem como professores, a gestão e grupo docente também não. Quase nunca vocês são lembrados para participar de confraternizações, olha aí o que está acontecendo com você nesse exato momento!

Edson responde ao questionamento acerca do tratamento dado ao PER por

colegas em sala e gestores, usando as seguintes escolhas lexicais: quase

"pessoas invisíveis”78, deixados de lado, esquecidos nos eventos e quase

nunca lembrados; por meio de tais escolhas, Edson atribui ao tratamento dado ao

PER os sentidos-e-significados de esquecidos, deixados de lado e de pessoas

invisíveis.

Edson justifica tal atribuição asseverando que o fato do PER trabalhar em

outros espaços adversos à sala de aula faz com que não haja reconhecimento

profissional do PER como um professor conforme o fragmento “Onde o professor

readaptado trabalha, na secretaria, como agora no seu caso, ou em outros

espaços, o alunado não lhes reconhecem como professores, a gestão e grupo

78 Durante a entrevista, a expressão destacada entre aspas “quase invisíveis” foi dita pelo participante acompanhada pelo gesto corresponde, por tal razão foi assim transcrita.

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docente também não. Quase nunca vocês são lembrados para participar de

confraternizações”.

A relação “outros espaços – falta de reconhecimento” descrita por Edson

caracteriza a exclusão do PER dentro de seu próprio universo escolar, mostra o

concurso do pensar, sentir e agir conforme descrito por Sawaia (2012), determinado

socialmente pela própria classe profissional do PER; o movimento dialético mostrado

no enunciado de Edson configura-se mais proximamente do “zero afetivo”, referido

por Sawaia como a “morte emocional”, ou seja, o ápice do sentimento de não

pertencimento social, cuja extremidade oposta é a “exaltação”.

O excerto a seguir corrobora o uso de um item lexical recorrente nos excertos

até então estudados, enunciados por Jefferson (PC) e Edson (PEED): invisível.

Excerto 8 – Drica:

PP - Pode falar um pouco sobre o modo como os colegas em sala de aula, coordenadores e direção tratam os dois readaptados da sua escola? Drica - Acredito que eles são meio “invisíveis” PP – Me explica melhor esse detalhe, esse “invisíveis”? Drica - Então... Quando eles chegam na sala dos professores, ninguém cumprimenta, nas confraternização (SIC) também não chama, ano retrasado minha diretora deu uma lembrancinha para todos professores e esqueceu os readaptados.

Drica ratifica o sentido-e-significado de invisíveis ao PER em relação ao

PEED e gestão e por meio do advérbio de modo meio ameniza o efeito de sentido

negativo da invisibilidade citada.

Drica novamente ratifica o enunciado de Edson relativamente à não

participação do PER nos eventos escolares porque a gestão “não chama”. Ao final

do excerto Drica refere mais um sentido-e-significado atribuído ao PER na relação

PER – PEED – gestão: o de esquecidos, expresso no fragmento “minha diretora

deu uma lembrancinha para todos professores e esqueceu os readaptados”.

Nos excertos a seguir, ainda examinados dentro do eixo temático “relação

PER - PEED”, acederemos aos sentidos-e-significados dessa relação visto pela ótica

do próprio PER.

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Excerto 9 – Zélia:

PP - Como poderia descrever a relação professor em sala – professor readaptado? E a gestão também. Zélia - São coisas que a gente nem gosta de lembrar porque machuca né. Acontece muito isso quando um professor se readapta, os outros acham que ele deixou de ser professor, eu nunca deixei de ser professora. Depois que fui readaptada não fui mais tratada como professora, pra ser sincera, às vezes nem como gente!

Um aspecto notável no enunciado de Zélia é o número de advérbios de

negação escolhidos: nem gosta, nunca deixei, não fui mais e nem como gente. A

participante usa a escolha lexical coisas como aparente sinônimo para fatos, há um

efeito de sentido de objetificação quando, no final do excerto, refere que “não fui

mais tratada como professora, pra ser sincera, às vezes nem como gente!”.

Destacamos a dicotomia “quando um professor se readapta, os outros

acham que ele deixou de ser professor” / “eu nunca deixei de ser professora”:

Zélia contradiz uma fala recorrente no corpus “readaptação = destituição do ser

professor” por meio da asserção “eu nunca deixei de ser professora”, introduzida

pelo pronome sujeito “eu”. O que poderia ser uma coordenada sindética adversativa

se fosse introduzida pela conjunção “mas” é mostrada pela participante como uma

certeza, enfatizada pelo advérbio de negação: “eu nunca deixei de ser professora”.

Por meio das escolhas lexicais da participante no excerto em análise

podemos aceder a mais de um sentido-e-significado: os de objetificação, maus-

tratos e deposição social da função de professora devido à readaptação, expressos

em “coisas” e “não fui mais tratada como professora, pra ser sincera, às vezes

nem como gente!”.

A afirmação de Vygotsky (1989) de que os sentidos-e-significados são

construídos social e historicamente é vista no fragmento do excerto “quando um

professor se readapta, os outros acham que ele deixou de ser professor”, em

que verificamos o social representado por “os outros” e o histórico em “quando um

professor se readapta / acham”; o presente do indicativo usado atribui ao enunciado

um sentido perdurável, como se a participante dissesse “em qualquer tempo que um

professor se readaptar vão achar que ele deixou de ser professor”.

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A exclusão social (Sawaia, 1995, 2006, 2012) é claramente evidenciada na

construção discursiva do excerto supra, verificável nas escolhas lexicais já

destacadas. A categoria de análise denominada pela autora de sofrimento ou

felicidade ético-políticos como auxiliares de avaliação da exclusão/inclusão social

são um instrumento que permite analisar no sujeito a qualidade de sua afetividade

nas relações sociais construídas na intersubjetividade, o que indicará o tipo de

satisfação que esse indivíduo tem como consequência de seu pensar e de seu agir;

sucesso ou padecimento, impostos pela condição social.

Pelo uso de advérbios de negação, inferimos que Zélia demonstra

insatisfação nas relações PEED – PER, que a intersubjetividade traz coisas que

não gosta de lembrar porque machuca e nesse machucado está a corporalização

do sentimento de quem é excluído, referido por Sawaia (2012), como a dor mediada

pela injustiça social. Observa-se, então, uma afetividade negativa, que culminará,

segundo Vygotsky (VYGOTSKY, 2001, p. 139), na repulsa que faz com que

procuremos meios de interromper a ocupação que causa a afetividade negativa e na

regulação das reações pelo organismo, que vem a ser dor e o que não se gosta de

lembrar porque machuca.

No excerto a seguir evidenciaremos mais detalhes da relação PEED – PER

segundo outra participante imersa na situação de readaptação.

Excerto 10 – Celi:

PP – E os outros professores, aqueles que não tinham ou nunca tiveram um problema de saúde, físico, psicológico, que nunca tiveram razão pra tirar licença, pra ficar afastado, como você avalia o tratamento deles com você nesse período de fragilidade? Celi: Então, lidar com o outro é sempre muito difícil né, porque muitas pessoas duvidam que você está doente, até eu mesma muitas vezes me questionei “nossa? Será que eu tô tão doente assim que eu não posso trabalhar? Não posso fazer nada?” [...] E entre os colegas, não só os professores, mas até o pessoal da gestão, eu sei que pairava sempre aquela dúvida: será que ela tá doente mesmo? Eu cheguei a ouvir essa insinuação “será que ela não tá fingindo?” porque um problema psicológico não é um problema que você faz um Raio X, faz um exame que detecta que você tá com esse problema, você fala “eu tô com dor” então não tem um medidor (trocadilho) pra avaliar o quanto você está com dor, é subjetivo, então isso deixa margem para que as pessoas duvidem, principalmente aquelas pessoas que não têm nenhum problema de saúde e fingem ter problemas de saúde para

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se beneficiar de um afastamento, ele conhece bem da história então ele se passa às vezes por doente sem estar.

Celi inicia seu enunciado referindo dificuldades da intersubjetividade: “lidar

com o outro é sempre muito difícil”: Vygotsky (1989) conceituou que é na relação

com o outro que o sujeito se constitui, que constitui sua identidade. A dificuldade

referida pela participante é justificada em “porque muitas pessoas duvidam que

você está doente”.

É também na intersubjetividade que o sujeito se reconhece no mundo, que

avalia seu papel no contexto social em que está inserido, segundo Sawaia (2006,

2012), o sujeito reconhece a si na alteridade pessoas-lugares ora com

individualidade e ora como negação de si: Celi refere que por a terem questionado e

que pela sugestão de “está doente mesmo ou está fingindo?”, chegou a duvidar de

si mesma.

A dúvida oriunda dos demais participantes acerca da perda ou não da

capacidade laborativa de Celi é nela internalizada, a ponto de influenciar seu pensar

e agir: Será que eu tô tão doente assim que eu não posso trabalhar? Não posso

fazer nada?”; a dúvida social passa a ser individual para a participante, quase

reconstituindo sua individualidade (VYGOTSKY, 2001).

O primeiro sentido-e-significado a que se pode aceder por meio das escolhas

lexicais da participante dizem respeito à “dúvida” acerca de sua patologia

psicológica.

Na sequência, Celi justifica o porquê de as patologias psíquicas levantarem

dúvidas: “um problema psicológico não é um problema que você faz um Raio X,

faz um exame que detecta que você tá com esse problema, você fala “eu tô

com dor” então não tem um medidor pra avaliar o quanto você está com dor, é

subjetivo, então isso deixa margem para que as pessoas duvidem.”

A afirmação converge para o sentido expresso por Solange, no excerto 5, de

que, por não se evidenciar por meio de sinais e sintomas físicos, nem se evidenciar

por meio de exames clínicos, as patologias da alma (SAWAIA, 2002) são

desqualificadas por aqueles que delas não padecem.

O segundo sentido-e-significado expresso nas escolhas lexicais de Celi indica

que “problemas psicológicos, por serem imensuráveis, geram dúvidas de sua

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existência”; o terceiro sentido-e-significado contido no excerto supra refere a

“possibilidade de fingimento”, expressa em “[...]aquelas pessoas que não têm

nenhum problema de saúde e fingem ter problemas de saúde para se beneficiar

de um afastamento, ele conhece bem da história então ele se passa às vezes

por doente sem estar.”.

No que tange à afetividade presente no enunciado de Celi, percebemos certa

diminuição na potência do seu agir quando a dúvida dos demais, expressa no

fragmento “Será que eu tô tão doente assim que eu não posso trabalhar? Não

posso fazer nada?” passa a ser a sua própria. Para Sawaia (2009 p. 367), o que

aumenta ou diminui a potência de um corpo para agir também aumenta ou diminui a

potência da alma para pensar; a autora refere que os afetos são produtos dessa

mudança de potência, a partir do instante que Celi refere perda do crédito em si

mesma, podemos depreender tal afetividade como negativa.

Essa afetividade negativa é o determinante do sofrimento trazido pela dúvida,

expresso em “Eu cheguei a ouvir essa insinuação “será que ela não tá

fingindo?”. Apesar da ausência de indicadores lexicais que marquem a exclusão

como em outros excertos, entendemos que a exclusão social é latente na e pela

dúvida do fingimento da doença.

4 .2 Eixo temático “demanda escolar”

Dando continuidade à análise do corpus de forma a responder às perguntas

norteadoras desta pesquisa, o próximo eixo temático a ser extraído das entrevistas

dos participantes diz respeito à demanda escolar, compreendida como as

necessidades rotineiras ou especiais da escola no âmbito administrativo ou, de

acordo com a demanda escolar, os gestores atribuem novos locais de trabalho e

novas funções ao PER. As consequências da inconstância na atividade de trabalho

serão mostradas nos excertos a seguir.

Excerto 11 – Isadora:

PP – A senhora falou do rol de atividades e falou da sua observação sobre “preciso disso hoje / você vai fazer isso hoje”, né? Seo rol é genérico, se ele é igual para todos os readaptados, o da prefeitura também, o texto é igual ao nosso do Estado. Se esse rol é genérico,

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como é que a senhora entende que o diretor realoque aquele professor readaptado? Isadora - Eu estive numa escola, pra você ter uma ideia, que tava sempre me dizendo que estava com muitas demandas e não estava tendo tempo pra fazer, “ah, eu não tenho ninguém pra fazer, não tenho tempo pra fazer” e eu falei assim: “e os seus readaptados, o que eles fazem?”, né, “por que você não conversa, não mostra essas tarefas pra toda a equipe e pergunta “olha, quem pode fazer? Quem pode atuar nisso? A gestora nunca tinha pensado nesses readaptados como uma pessoa capaz, uma pessoa ativa, era como se fosse assim pra atender telefone só, pra anotar recado, subvalorizado.

Isadora descreve uma situação em que a escola tinha demandas não

cumpridas e que não haviam proposto a um PER ajudar nessa demanda, porque “A

gestora nunca tinha pensado nesses readaptados como uma pessoa capaz,

uma pessoa ativa, era como se fosse assim pra atender telefone só, pra anotar

recado, subvalorizado”.

Deparamo-nos com um cenário discursivo que, pelas escolhas lexicais,

remete ao vilipêndio contra a capacidade laboral e intelectual do PER, a própria

participante refere a subvalorização na situação descrita. Para Isadora, os sentidos-

e-significados na relação “demanda escolar – trabalho do PER”, dados por suas

escolhas lexicais, apontam para o “poder fazer” e “poder atuar”; para a gestora

referida o sentido-e-significado na relação citada colocam o PER como um

profissional “limitado” no sentido de realizar tarefas além de “atender o telefone só”

e “anotar recados”.

Vygotsky (1989) esclareceu que as sistemáticas experiências de infelicidades

causam no ser um autoconceito que é internalizado e que essa internalização se dá

pelo contato com outras pessoas e situações sociais, a formação do autoconceito

decorre de processos cognitivos e é fruto da percepção que a pessoa tem de si

mesma com base no que as inter-relações demonstram a essa pessoa.

A exposição repetida a situações em que a capacidade laborativa é

subjugada pode fazer com que o PER se sinta, como o referem e como Isadora

menciona; subvalorizado.

A exclusão social do PER no ambiente escolar aparece marcada nas

escolhas lexicais que descrevem esse profissional contrariamente a “uma pessoa

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capaz, uma pessoa ativa” caracterizando sua potência de agir no trabalho “como

se fosse assim pra atender telefone só, pra anotar recado, subvalorizado”.

Sawaia (2009 p. 367) relembra a junção e indissociação entre afeto e ética:

há de depreender que a afetividade negativa provenha de uma ética não inclusiva,

ou seja, a cultura disseminada da inclusão perversa (SAWAIA, 2009 p. 8), da falta de

acolhimento e de empatia que fazem com o que ser não seja efetivamente incluído.

A empatia e acolhimento reais denotam a promoção da alegria ao propiciar ao

PER a realização de um trabalho mais próximo da satisfação que da repulsa. Ao

classificar o PER como incapaz e promover a (auto)depreciação e repulsa ao

trabalho para o qual é tido como incapaz e passivo, a gestora afirmará a desvalia

que, segundo os enunciados componentes do corpus desta pesquisa, é recorrente.

No excerto a seguir, daremos continuidade ao tema “demanda escolar –

trabalho do PER”, agora visto sobre a ótica de um professor coordenador79.

Excerto 1280 – Bernardo:

PP – É assim: eu gostaria que você me falasse como vê o trabalho da professora readaptada de sua escola, como via quando você era professor e como vê agora como coordenador. Bernardo- ... ai ... é difícil argumentar isso, porque eu ainda vejo da mesma forma ela ... como a escola não possui uma pessoa, digamos assim, destinada ao trabalho da sala de leitura, não existe um professor lá da pasta81 de sala de leitura, ela sempre se prontificou a ajudar nesse sentido; desde que eu estou nessa escola ela faz esse trabalho de catalogar livros, ela faz esse trabalho de empréstimo, sempre nesse sentido . PP – É por vontade dela? Bernardo - Por vontade dela e por necessidade, e é aí que entra a questão da necessidade, porque por diversas vezes ela é realocada à secretaria ... é onde ... onde ela na falta,

79 Nas entrevistas dos diretores e vice-diretores participantes não há ocorrência do item lexical “demanda”, razão pela qual houve quebra de hierarquia na ordem das análises. 80 O excerto é longo, porém, evidencia aspectos como a imprevisibilidade da e na situação de trabalho que, segundo os estudos ergológicos, é fator de ansiedade para quem realiza tal trabalho. Fazer recortes nesse excerto talvez apagasse a importância do que é descrito nele: a demanda escolar a anular o direito da PER de escolher sua função e seu locus amoenus para executá-la. 81 “Pastas” designa projeto pelo qual o Professor Coordenador de Núcleo Pedagógico - PCNP é responsável: o PCNP de Ciências Físicas e Biológicas é responsável pela pasta do projeto “Prevenção também se ensina”; o de Filosofia pela pasta do projeto dos Grêmios Escolares e o de Português pela pasta do Projeto Sala Ambiente de Leitura.

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principalmente quando falta algum funcionário, há um tempo atrás nós estávamos com um déficit de funcionários grande ... né ... acabou vencendo o contrato de muitos, acabou vencendo o contrato de muitos antes da chamada do concurso, acabou vencendo e ela acabou trabalhando bastante tempo na secretaria, no atendimento ali diretamente ao ... ao público eee ... hoje como coordenador, talvez antes eu não consegui enxergar essa importância, até hoje lá, eu peço para que tirem ela da sala de leitura somente em casos extremos, somente se não tiver ninguém mesmo na secretaria porque ... ela faz um trabalho beeem legal principalmente com alunos de educação especial, também por vontade eles ajudam ela bastante na sala de leitura, principalmente na organização, catalogação de livros, empréstimos, eles sempre, um ou outro passa uma aula lá com ela, é bem interessante.

PP –“Fica ali onde o diretor mandar”, mas pelo que você me diz, essa Professora Vanessa, ela ...conseguiu escolher essa sala de leitura (Bernardo – sim) para ser o novo local de trabalho dela.

Bernardo – Ela não tinha essa opção de escolha , justamente quando acontecia a ... aquela questão do ... da falta de funcionários, nunca, ou pelo menos não me lembro, de ter visto ela trabalhando no corredor, como inspetooora, por exemplo, ou outras funções, isso de fato eu não me lembro de ter visto ela trabalhando assim, maaas82, na secretaria da escola muitas vezes, porque pela falta de funcionários, pelo menos uma vez por semana eu a vejo lá, mas 70 ou 80% do tempo eu acredito que ela faz esse trabalho que ela escolheu, porque eu acho que é um trabalho que ela gosta e, dá uma certa satisfação pra ela e também porque a escola acredito que se tivesse uma pessoa ali talvez ela seria realocada,.

PP – A demanda prevaleceria (BERNARDO – Exato!) sobre a vontade (BERNARDO – Exato!) dela? Então ela não teria voz nem chance de escolha (BERNARDO – acredito que não) nem nada disso?

BERNARDO –Acredito que não, acredito que a vontade e a necessidade do gestor acabam prevalecendo nesses casos.

PP – E esse comentário “eu não sei se ela está lá” às vezes é de forma negativa?

BERNARDO – Ó ... acredito que não porque eles ... quando ela não está lá ... sim ... ela tem, digamooos, questões de faltas médicas né, ela precisa ir ao médico, então, às vezes nesse sentido, às vezes talvez no pejorativo, mas eu não ... daí eu falo pelo meu entendimento não pelo do professor quee ... vou falar que não dá pra contar porque às vezes ela não ta na sala de leitura, ela ta na secretaria entendeu? Então não vou já fazer um

82 As repetições de vogais representam o prolongamento na fala.

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planejamento, às vezes eu converso com ela: “ó ...” e às vezes é complicado porque mesmo eu conversando com ela e falar “Vanessa, amanhã vou levar os alunos na sala de leitura, tal sala a tal horário”, mas às vezes ela mesma não sabe porque aí falta funcionário e ela tem de ser realocada, então por isso que eu falei a falta de um ... de um destino ...

PP – É ... o trabalho dela é bem, é bem imprevisível né? (BERNARDO – Exato!) Ela chega na escola e não sabe o que vai fazer.

BERNARDO – É como você disse: é a demanda da escola que acaba gerando o que ela vai produzir.

No excerto acima trazemos as reflexões de Bernardo acerca do trabalho de

Vanessa, PER na escola em que o participante é coordenador, no que diz respeito à

demanda escolar como critério para que a direção escolar determine as funções e

ambiente na escola em que o PER trabalhará.

A primeira seleção das escolhas lexicais de Bernardo remete a sentidos-e-

significados que remetem ao “perfil colaborativo” da PER e à “falta de um professor

designado especificamente para a Sala Ambiente de Leitura”, expressos no

fragmento “a escola não possui uma pessoa, digamos assim, destinada ao

trabalho da sala de leitura, não existe um professor lá da pasta de sala de

leitura, ela sempre se prontificou a ajudar nesse sentido; desde que eu estou

nessa escola ela faz esse trabalho de catalogar livros, ela faz esse trabalho de

empréstimo, sempre nesse sentido”.

Ao ser indagado se ela colaboração é espontânea por parte da PER,

Bernardo adiciona mais aspectos da dinâmica da demanda em sua escola:

"PP – É por vontade dela?

Bernardo - Por vontade dela e por necessidade, e é aí que entra a questão da necessidade, porque por diversas vezes ela é realocada à secretaria ... é onde ... onde ela na falta, principalmente quando falta algum funcionário, há um tempo atrás nós estávamos com um déficit de funcionários grande ... né ... acabou vencendo o contrato de muitos, acabou vencendo o contrato de muitos antes da chamada do concurso, acabou vencendo e ela acabou trabalhando bastante tempo na secretaria.

De acordo com o referido por Bernardo, compreendemos o momento em que,

pela carência de funcionários na secretaria escolar; a PER é retirada da sala de

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leitura e levada a cumprir a rotina administrativa da secretaria escolar, o sentido-e-

significado do trabalho da PER a que acedemos por meio da descrição no fragmento

supra é o da “necessidade da realocação na secretaria motivada pelo déficit de

funcionários”.

Há mais sentidos-e-significados descritos pelo participante em suas escolhas

lexicais; o da falta de opção de escolha da PER em permanecer na Sala de Leitura

expresso em “Ela não tinha essa opção de escolha, justamente quando

acontecia a ... aquela questão do ... da falta de funcionários”.

No fragmento a seguir, de acordo com sua vivência, é mostrado o que ocorre

na escola onde o participante atua como PC:

PP – A demanda prevaleceria (BERNARDO – Exato!) sobre a vontade (BERNARDO – Exato!) dela? Então ela não teria voz nem chance de escolha (BERNARDO – acredito que não) nem nada disso? BERNARDO – Acredito que não, acredito que a vontade e a necessidade do gestor acabam prevalecendo nesses casos.

O sentido-e-significado construído via lexical é do da “demanda escolar”

prevalecendo sobre a escolha da PER realizar atividades de acordo com sua

escolha pessoal.

No fragmento a seguir, notamos que o hábito de tirar a PER da sala de leitura

e levá-la a laborar em outros ambientes com déficit funcional, o que é prejudicial ao

cumprimento do Projeto Pedagógico:

“vou falar que não dá pra contar porque às vezes ela não ta na sala de leitura, ela ta na secretaria entendeu? Então não vou já fazer um planejamento[...], mas às vezes ela mesma não sabe porque aí falta funcionário e ela tem de ser realocada, então por isso que eu falei a falta de um ... de um destino.

O sentido-e-significado que o participante exprime é o da “imprevisibilidade”

no trabalho da PER, corroborado pelo fragmento: “É como você disse: é a demanda

da escola que acaba gerando o que ela vai produzir.”

Assim, com relação à exclusão/inclusão categorizada como dialética por

Sawaia (2009), a atividade de trabalho é permeada por dialéticas tais como:

geral/singular, global/local, macro/micro, simbólico/subjetivo. Do plano mais geral

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para o plano mais peculiar do indivíduo que realiza o trabalho, é que nascem as

incertezas e os confrontos entre as normas antecedentes e a renormalização

singularizada no fazer em situação de trabalho.

Nessa constante dinâmica, na atividade há três características marcantes: a

transgressão, a mediação e a contradição, resultante do embate entre as normas

antecedentes e a ação em si, do modo pelo qual o indivíduo reorganiza seu fazer

com base no uso de si no trabalho e as redefinições que faz do aqui e do agora;

essa análise feita pelo sujeito sobrepuja os limites temporais, sociais e institucionais

e torna possível e desejável ao sujeito imaginar suas circulações e reinvestimentos

na atividade, com o fim de torná-la prazerosa (Schwartz, 2004a, 2004b, 2005).

Com tais características, as transformações no controle de processos de

trabalho tangentes ao PER acarretam trilhar no solo em que se misturam aspectos

coletivos e individuais, sociais, econômicos e políticos, em que interesses por vezes

não convergentes e a necessidade de negociação e articulação permanentes

procuram pelo bem comum.

No excerto a seguir, abordaremos a relação “demanda escolar – trabalho do

PER” sob a ótica de professor(es) em sala de aula.

Excerto 13 – Edson:

PP - Se você pudesse definir o trabalho do readaptado em uma palavra só, qual seria ela? Edson – Severino. PP - Gostaria de comentar o porquê da resposta anterior? Edson - O readaptado é um tapa-buraco, sua força laborativa é explorada de acordo com as demandas e áreas carentes de profissionais.

O enunciado de Edson mostra-se semelhante aos dos participantes no que

tange à alocação do PER em setores em que a demanda de trabalho altera suas

rotinas; nesse sentido, o participante recorre a escolhas lexicais que asseveram que

“O readaptado é um tapa-buraco, sua força laborativa é explorada de acordo com

as demandas e áreas carentes de profissionais”.

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Edson atribui à relação “demanda escolar – trabalho do PER” o sentido-e-

significado de “tapa-buraco”. A expressão em tela é formada pela conjugação do

verbo tapar na terceira pessoa do singular do presente do indicativo: ele/ela tapa,

sucedido do substantivo buraco, na forma popular83 que designa “Pessoa que

substitui outra ou outras ou que é capaz de desempenhar diversas funções na falta

de quem as desempenha habitualmente”.

Desse modo, o sentido-e-significado atribuído pelo participante assemelha-se

ao significado dicionarizado da expressão. Ao comparar o PER a um tapa-buraco e

dizer dele que sua força de trabalho é explorada para suprir carências setoriais na

escola, Edson ressalta a primazia da demanda de trabalho sobre o PER.

Não encontramos fundamentos teóricos para a atribuição das expressões

populares “tapa-buraco” e “quebra-galho” ao nome próprio Severino, entretanto, há

ocorrências da expressão em obras literárias e em uso popular.

Após a publicação do Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

em 1955, o substantivo “Severino”, nome do protagonista da narrativa, passou a

designar retirantes da seca que, na tentativa de alimentar as famílias, aceitavam

qualquer trabalho.

Em uma emissora de TV com transmissão nacional de um programa de

humor nas noites de sábado, havia uma personagem de nome “Severino quebra-

galho”, um porteiro de um estúdio de gravações televisivas. Os esquetes dos quais a

personagem participou tinham sempre o mesmo contexto: quando havia falha de

continuidade e faltava um “objeto” em cena, o quebra-galho era requisitado para

substituir tal objeto ausente do cenário; na edição de 19/12/2015, Severino é

chamado pelo diretor de cena para substituir um periscópio.

Nos excertos até aqui analisados, é notável a recorrência na subvalorização

do trabalho em si, tal qual Vanessa que não pode dar continuidade em seu projeto

de leitura e trabalho com alunos especiais por ser retirada para “tapar buraco” na

secretaria, e do trabalhador que o realiza, designado por “Severino”.

Alocar o PER algures é uma ação inclusiva que exclui (SAWAIA, 2002); é a

manutenção da ideologia da dominação que gera e conserva, por intermédio de

relações de opressão, a exploração, conforme referida por Edson. O tema crítico

83 https://www.priberam.pt/dlpo/tapa-buraco – Acesso em 21/12/2017 às 17:58.

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consiste no fato da ideologização da opressão tornar-se dominante na organização

da sociedade escolar, qualificando seus membros de acordo com as relações

materiais na mesma coletividade, ou seja, o produto da força laborativa referida

pelo participante.

Para além de reflexões que estejam relacionadas estritamente com a

sobrevivência em uma situação de trabalho incerta e conflitante, Sawaia (2012)

atenta para a necessidade da Psicologia se ater aos desejos, aspirações e sonhos

daqueles que são socialmente excluídos; a autora classifica a exclusão social como

cerceamento da experiência e da mobilidade, como imposição a diferentes formas

de humilhação e geração de tristeza (SAWAIA, 2009 p. 369-370).

Dessa maneira, tornar repetidamente Severina a atividade dos PER citados

por Bernardo e Edson é afetar-lhes negativamente, é impor-lhes angústia pelo

imprevisível da situação de trabalho (Schwartz, 2004a, 2004b, 2005) e também

excluí-los pela falta do olhar para suas verdadeiras necessidades e desejos

(SAWAIA, 2009) de serem reconhecidos como profissionais e não como substitutos

de carências no cenário da rotina escolar.

No excerto a seguir, demonstraremos a relação “demanda escolar – trabalho

do PER” sob a perspectiva de PER. Não obstante a ausência da escolha lexical

“demanda”, que classifica o eixo temático em tela nesta seção, nos excertos que se

seguem a descrição das atividades praticadas indicam a “demanda escolar”

sobrepujando o trabalhador PER que a realiza.

Excerto 14 – Celi

Celi –[...] É o famoso Severino-quebra-galho, você está na escola, você é quebra-galho: você faz uma ligação pra um pai, você faz uma declaração, você abre um portão, você atende um telefone, você faz geralmente o que ninguém quer fazer.

Celi não utiliza o item lexical “demanda”; entretanto, seu enunciado é

coincidente com o de Edson (excerto 13) na direção de categorizar o PER como

“Severino” e seu potencial laborativo de “quebra-galho”, de acordo com as

escolhas lexicais da participante.

A participante refere fazeres componentes da atividade administrativa

desenvolvida na secretaria escolar, ratificando o caráter de ”quebra-galho”,

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expressão utilizada duas vezes no mesmo enunciado. Dessa forma, o sentido-e-

significado atribuído por Celi à relação tema deste eixo temático é de quebra galho,

somado à rotina de quem “faz geralmente o que ninguém quer fazer”.

No que tange à afetividade da participante na situação descrita, há uma

questão essencial: Edson, no excerto anterior, classifica o PER como Severino que

tapa buraco; Celi, enumerando suas atividades não em primeira pessoa discursiva, a

que fala, mas em segunda pessoa, a com quem se fala, dando o efeito de sentido de

afastamento de uma situação que lhe seja angustiosa e dissaborosa, é quem sofre a

condição de ser a quebra galho, a ponto de enumerar suas tarefas em segunda

pessoa.

Dizer sobre sua própria atividade “É o famoso Severino-quebra-galho, você

está na escola, você é quebra-galho” não demonstra generalização de um sujeito

que fala para os demais, mas sim, o processo que ocorre do social para o individual,

do interpessoal para o intrapessoal, processo esse chamado de internalização

(VYGOTSKY, 1989).

Sawaia (2009, p. 99) afirma que o sofrimento de quem sofre a exclusão não

tem origem no próprio sujeito, mas nas intersubjetividades balizadas socialmente,

razão que leva ao estudo da exclusão pelo viés da afetividade, o que suscita refletir

a forma pela qual o Estado cuida de seus cidadãos.

No excerto a seguir, que também não traz o item lexical “demanda” referido

pela participante, pode-se conhecer um pouco do que é o trabalho do PER sendo

reorganizado diariamente pela gestão escolar.

Excerto 15 – Marcia:

Vou te falar pela minha experiência [...] minha readaptação. Eu me machuquei na escola –[...] Me puseram na secretaria, com o rol debaixo do braço e eles me olhavam assim “ai meu deus, mas uma pra ler diário oficial ” porque não tem o que fazer né , eu voltei com a documentação e me puseram na secretaria, a primeira vez que eu puxei a gaveta do arquivo, o ombro caiu e eu tive de voltar e fazer uma nova cirurgia no ombro, daí me readaptaram por definitivo, com um rol que eu não poderia ter contato com aluno, tinha que manter distância, que eu não podia carregar peso, etc e tal. Daí eu fui colocada numa escola [...] e eles me colocaram em uma carteira na secretaria pra eu cuidar do material pedagógico junto à coordenação, para os professores, então assim, com todos os meus diplomas debaixo do braço porque a partir daquele momento eu ia ser “a garota do xerox”,

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sim, porque eu ia tirar xerox na escola, essa era a minha função, durante um ano e meio eu fiquei nessa função, a de tirar xerox, só isso. Daí, depois disso, entrou uma nova secretária e ela falou assim “ah, no horário do intervalo, eu preciso que você tome conta das crianças, no pátio” Eu peguei o meu rol de atividades e falei “cê tá vendo aqui que eu não posso ter contato com crianças? Então ... eu não vou! Eu não posso ter contato com crianças!” Aí o pessoal fechou a cara e o bico pra mim, disse que precisava daquela carteira na secretaria e disse então que era pra eu subir e ficar na sala dos livros, onde os alunos iam buscar os livros pra estudos. [...] eu conheço muito bem as caras e bocas que o pessoal faz pra quem é readaptado. É “aonde você vai ficar? Em qualquer lugar que não seja aqui do meu lado pra me atrapalhar.”, é essa a função do readaptado.

O conjunto de escolhas lexicais da participante, “me puseram na

secretaria”, “eu fui colocada numa escola”, “eles me colocaram em uma

carteira na secretaria”, “uma nova secretária e ela falou assim “ah, no horário

do intervalo, eu preciso que você tome conta das crianças, no pátio”, “(a

secretária) disse então que era pra eu subir e ficar na sala dos livros, onde os

alunos iam buscar os livros pra estudos. [...]” remetem para a atribuição dos

seguinte sentidos-e-significados: a alocação algures, o trabalho inespecífico, a

atividade rotineira comprometida pela retaliação.

O PER encontra-se imerso num coletivo de trabalho que tem suas regras

próprias de pertença, das quais derivam as identidades profissionais. Para Sawaia

(1996), os grupos sociais têm em sua formação múltiplos coletivos, efêmeros e

inconstantes em que as formas de identificação também se apresentam provisórias,

que por sua vez designam relações sociais apoiadas em interesses ou

compromissos comuns: formam-se alianças por interesses, ocorrem cisões por

quebras de interesses e essa é a situação que nos parece ter ocorrido a Marcia: pela

recusa de “tomar conta de crianças no pátio” teve seu mobiliário retirado e sua

alocação modificada, conferindo a efemeridade na relação do coletivo de trabalho

para consigo.

Inicialmente, Marcia refere que o trabalho atribuído a ela pós-readaptação

seria a leitura do Diário Oficial, descrevendo que já haveria outro profissional para o

desempenho de tal tarefa. Para que não fosse “mais uma para ler o Diário Oficial”

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deram-lhe outra função que causou acidente e piora de um estado anterior, a lesão

no ombro.

Posteriormente, a participante refere que sua função passou a ser “menina

do xerox”, em novo relato de função executada, Marcia conta que a nova

secretária, que não compõe a gestão e, por tal razão, não poderia atribuir funções a

um professor, esteja ele em exercício docente ou em readaptação, tentou realocá-la

para as funções de inspetor escolar, para a qual houve recusa, e com ela, a atitude

de terem-lhe tirado a carteira escolar em que trabalhava na secretaria por uma

necessidade: a do mobiliário que, no relato da participante, primava sobre o trabalho

que ela poderia prestar.

Mais uma demanda escolar, referida pela participante, sobrepujando o rol de

atividades e sua afirmação de que “Eu não posso ter contato com crianças!

mesmo com tal restrição, mandaram-na subir para a sala dos livros84.

Para além de trabalhos e mobiliários que demandem na rotina escolar, a

participante refere que o local de trabalho do PER é “Em qualquer lugar que não

seja aqui do meu lado pra me atrapalhar.”, é essa a função do readaptado”.

O excerto acima é outro exemplo de quem, em virtude da readaptação, passa

a ter sua atividade “Severina”. Segundo Schwartz (2000, p. 38), a variabilidade das e

nas situações de trabalho não faz com os problemas sejam sanados, faz com que

outros surjam. O autor afirma que toda a situação de trabalho é uma experiência, um

reencontro, porém, se o trabalho é ora modificado, não há com que se reencontrar.

Nesse caso, o indivíduo que tem de reorganizar seu trabalho por meio do

debate entre normas antecedentes, valores já internalizados e a nova atividade que

ora se coloca, não terá um reencontro, mas sim uma realidade na qual os valores

são requeridos como em que uma prova de fogo em que os sujeitos são avaliados e

julgados por meio de sua capacidade de lidar com esse reencontro.

Marcia reagiu a esses conflitos mostrando que não poderia ter contato com os

alunos e nas tentativas de reencontrar seu trabalho, de forma inalterada, sofreu a

alteração da rotina contra sua vontade sendo realocada da secretaria e da rotina de

84Note-se que: a sala dos livros não é a Sala Ambiente de Leitura, segundo as escolhas lexicais da participante trata-se de um ambiente de guarda de livros onde apenas o aluno coordenador de sala retira e devolve os livros necessários à disciplina da aula naquele dia e horário; não há desenvolvimento de projetos de leitura nesse local, nem a designação da participante como Professor de Sala de Leitura.

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tirar xérox por um ano e meio para o local de guarda dos livros; a situação denota

um debate entre as normas antecedentes e seus valores, o resultado do julgamento

tido foi a anulação do reencontro, na forma de realocação.

A seguir, daremos continuidade à análise do corpus, orientados pelo terceiro

eixo temático neste capítulo.

4.3 Eixo temático “ser útil”

Nas análises dos excertos anteriores deparamo-nos com atribuições de

sentidos-e-significados ao PER e seu trabalho que oscilam desde “folgado”,

“encostado”, “que nada acrescenta” a “necessário ao desenvolvimento do projeto

pedagógico” e “ajuda”.

Nesta seção daremos visibilidade dos sentidos-e-significados acerca de “ser

útil” para os participantes desta pesquisa, iniciando pelos atuantes na gestão

escolar.

Excerto 16 – Jefferson

Jefferson – [...] conheci um outro professor, ele teve paralisia infantil e depois de um período ele teve que se readaptar, ele teve um problema na perna, enfim, e ele reclamava nesse sentido, que enquanto ele era docente ativo ele se sentia valorizado, se sentia querido, se sentia útil para toda uma sociedade, e quando ele passou a ser readaptado, isso ele reclamava mesmo esse companheiro, ele reclamava de um grande esquecimento , que inclusive em alguns momentos já não o chamavam mais de professor, chamavam o senhor, o tio, ou qualquer coisa, menos que ele era um professor formador né .

As escolhas lexicais de Jefferson se mostram em alguns aspectos

coincidentes com as de Solange (excerto 5) e Zélia (excerto 9), cujos enunciados

referem que uma das consequências da readaptação para quem a sofre é o

esquecimento e a destituição paulatina do reconhecimento do profissional em

readaptação como “professor”.

O fragmento “em alguns momentos já não o chamavam mais de

professor, chamavam o senhor, o tio, ou qualquer coisa, menos que ele era um

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professor formador né” vem a corroborar os sentidos-e-significados anteriormente

citados e introduz um adicional; para o PER referente de Jefferson ser útil é ser

reconhecido como professor ativo e ser valorizado pelos serviços prestados.

O professor citado por Jefferson no fragmento “ele reclamava mesmo esse

companheiro, ele reclamava de um grande esquecimento, que inclusive em

alguns momentos já não o chamavam mais de professor, chamavam o senhor,

o tio, ou qualquer coisa, menos que ele era um professor formador né”,

Sawaia (2012, p. 100) relembra que falar da exclusão é falar sobre os desejos

do homem; o fragmento acima demonstra um sujeito que se sente excluído por não

ser mais tratado, nem chamado de professor; se sente excluído pelo esquecimento

de que fora um professor formador; tal esquecimento o aflige a ponto de reclamar,

de exteriorizar um incômodo e as emoções a que está submetido; são as emoções

que indicam o (des)compromisso com o que representa sofrimento para o homem,

tanto por parte da sociedade civil quando pelo próprio Estado, (SAWAIA, 2002 p.

110).

Os fatores descritos pelo participante afetaram o ser professor com referência

à potência de seu agir: deixar de estar em sala significou não se sentir mais útil;

retomamos as considerações de Sawaia acerca de inclusão perversa, que é aquela

em que o processo de inclusão que não contempla ações efetivamente inclusivas,

acaba por se tornar excludente com mais intensidade (2012, p. 9), situação que se

mostra por meio das escolhas lexicais de Jefferson.

O excerto a seguir, continuidade da entrevista com Jefferson, elucida mais

situações de “descaso” que ocorrem com o PER, segundo escolha lexical do

participante.

Excerto 17 - Jefferson

PP - As outras escolas, os outros readaptados que você citou que são assim exemplos de “deixados ao deus dará”, é ... como você acha que esses professores definiriam seu trabalho nessa situação em que estão?

Jefferson – Com pena nesses casos que mencionei, acho que descaso define bem, acho que eles se sentem, eu me sentiria assim, entender que é um profissional, que é útil, que tem uma função a desenvolver, e quando alguém te coloca dentro de um arquivo e fecha a porta e te diz “olha, fica aí dentro tantas horas

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por dia” a pessoa não quer te ver nas outras dimensões que se execute com destreza, volta no ponto que te falei do profissionalismo, então o que faltou aí? O profissionalismo, não por parte do readaptado, mas por parte daqueles que tiveram que reconduzi-lo no seu processo trabalhista nesse sentido, então eu imagino que nesse sentido vem a acarretar todos os outros processos psicossomáticos aí que vem acarretar aí numa perca da credibilidade e isso mexe na questão da autoestima porque como que esse profissional vai passar a se enxergar como tal? Então ele foi abandonado e largado em um canto? Então eu penso que o profissionalismo contemplaria todas as esferas dessa discussão, tantos os já readaptados como aqueles que vão procurar as novas funções naqueles ambientes dos readaptados.

À situação de vilipêndio das competências e habilidades que o PER possui

para realizar atividades externamente à sala de aula, descrita nas escolhas lexicais

de Jefferson os sentidos-e-significados atribuídos são de “descaso”, de “falta de

profissionalismo” e “inabilidade de condução do processo de pós-readaptação”.

Na teoria vygotskyana, que embasa nossas análises, consta que nossas

capacidades e operações psíquicas têm origem nas relações sociais e são

dialeticamente internalizadas; a integração, a fusão e a articulação de nossas

funções psíquicas foi chamada por Vygotsky (2001) de consciência, desenvolvida no

sentido filogênico para o ontogênico.

A dinâmica acima descrita explica a internalização do sentimento de deixar de

ser útil, consequente da falta de atribuição de tarefas que reforcem positivamente as

potências do agir do PER; nas palavras de Jefferson “quando alguém te coloca

dentro de um arquivo e fecha a porta e te diz “olha, fica aí dentro tantas horas

por dia” a pessoa não quer te ver nas outras dimensões que se execute com

destreza”, ou seja, a repetição do não fazer que propicia o eclodir do “não sou

capaz de fazer”, tal qual referido por Celi (excerto 14).

Nos primeiros fragmentos destacados no excerto supra, Jefferson refere

“pena” e, momentos depois se coloca no lugar do outro: “eu me sentiria assim”; o

participante demonstra empatia, estado conceituado por Vygotsky (1999) como a

capacidade de compreender o outro, a ponto de atribuir-lhe sentimentos que a

vivência em situação semelhante despertaria no eu.

Sawaia (2012) chamou de afetividade a capacidade que o homem tem de ser

afetado, a empatia utilizada por Jefferson configura uma forma de aproximação

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daquele que é afetado (SAWAIA, 2002 p. 98), de modo a encontrar solução para o

mal que afeta aquele sujeito, naquele momento e contexto, a afetividade de

Jefferson é construída discursivamente de forma positiva, não obstante a referência

de situação conflituosa.

Mais uma categoria de análise que, a nosso ver, é requerida no excerto

supra, clamada pelas escolhas lexicais de Jefferson é o sofrimento ético-político

(SAWAIA, 2002 p. 106), composto pelas afecções da alma que atingem o corpo

laceram a vida de formas variadas. Tal sofrimento é qualificado pela forma como sou

tratado e trato o outro nas relações intersubjetivas, quer seja face a face ou

anonimamente, porém, tais formas têm em comum terem sido advindas da

organização social.

O sofrimento ético-político retrata a dor sentida por aquele que é tratado como

inferior, que é desvalorizado repetidamente a ponto de não se sentir útil para

sociedade, é a ocorrência do que Jefferson descreve no fragmento “então eu

imagino que nesse sentido vem a acarretar todos os outros processos

psicossomáticos aí que vem acarretar aí numa perca da credibilidade e isso

mexe na questão da autoestima porque como que esse profissional vai passar

a se enxergar como tal?”.

O participante descreve com proximidade o conceituado por Sawaia: as

afecções da alma, impingidas socialmente ao sujeito, passam a ser refletidas no

corpo e com a doença instaurada, a credibilidade passa ser questionada, tal qual

referido por Celi (excerto 9).

No excerto a seguir, discorreremos, com base no enunciado por mais um

membro da gestão escolar, mais sobre o eixo temático desta seção: ser útil.

Excerto 18 – Bernardo:

PP – Então ela se sente bem nesse trabalho, ela não é uma readaptada que se sente encostada ou inútil, né? Ela é bem atuante! Bernardo – Então, eu vejo ela atuante, agora se ela ... se ela se sente útil, valorizada dentro dessas funções aí, eu não consigo ... eu sempre vejo ela alegre, mas é muito pelo jeito dela, ela não é uma pessoa triste, de fato ela não é ... mas ... o sentimento dela quanto a isso ... eu ...

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PP – Ela aparenta estar satisfeita? Bernardo – Ela aparenta estar ... ah ... não sei se satisfeita, mas ela tenta talvez, “ser útil”? Não sei se essa é uma colocação legal de fazer, mas ela tenta movimentar o espaço assim nesse sentido, de ... ela acabou ficando com essa função da sala de leitura, por não ter uma pessoa específica, tendo essa função ela agrega com outras coisas [...].

Bernardo atribui à PER em referência o sentido-e-significado de “alegria”,

entretanto, enfatiza que isso é um traço pessoal da professora: “... eu sempre vejo

ela alegre, mas é muito pelo jeito dela, ela não é uma pessoa triste, de fato ela

não é ... mas ... o sentimento dela quanto a isso ... eu ...”.

Ao ser indagado acerca da aparente satisfação com que a PER realiza suas

atividades de trabalho, Bernardo atribui a ela; nesse contexto, o sentido-e-significado

de ser “atuante”, “movimentar o espaço” e de, a partir da função em sala de leitura,

“agregar” outras coisas.

Schwartz (2010) define “agregar” como uma das ações necessárias para que,

dentro de um polo virtual, o sujeito que realiza uma atividade possa redefini-la; o

polo é complementado por mais duas extremidades: a “sintetização” e a “expressão”

de objetivos, competências, saberes prévios e interesses mais ou menos comuns a

todos que se veem envolvidos na mesma atividade; para a Ergologia, é essa

negociação interna que dará meios para que o sujeito renormalize a atividade, de

modo a torná-la factível.

As negociações internas indicadas pela Ergologia são coincidentes em certa

medida com a capacidade que o homem tem de avaliar a forma pela qual as

emoções o afetam, renegociar uma atividade internamente é fazer com que ela seja

para quem a realiza afetivamente positiva ou negativa; a PER citada por Bernardo

movimenta seu espaço e dessa forma modifica seu fazer para que lhe torne

prazeroso.

No que tange ao uso da escolhas lexicais “útil” e “satisfeita”, nota-se que

Bernardo as introduz com certo resguardo de emitir uma opinião sua, com pausas de

voz e reflexões “se ela se sente útil, valorizada dentro dessas funções aí, eu não

consigo ... [...] mas ... o sentimento dela quanto a isso ... eu ...[...] Ela aparenta

estar ... ah ... não sei se satisfeita mas ela tenta talvez, “ser útil”? Não sei se

essa é uma colocação legal de fazer [...].

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Não diremos de Bernardo que suas escolhas lexicais denotam falta de

empatia, que não consiga avaliar os estados de alma da PER referida e descrevê-los

como se fosse uma vivência sua, pois, a entrevista de Bernardo, na íntegra, revela

momentos em que ele, na qualidade de gestor escolar, não tinha internalizado que

suas próprias ações são passíveis de “afetar” a PER e a qualidade de seu trabalho.

No excerto a seguir, daremos continuidade à análise de mais um excerto do

eixo temático “ser útil”, sob a ótica de uma professora em exercício.

Excerto 19 – Anne:

PP - Assim, na convivência que você tem com elas, no que você vê a da sala de leitura levando ou recebendo alunos na biblioteca, a da secretaria, você diria que elas são pessoas satisfeitas ou tristes com a função?

Anne – Com a função de estar na biblioteca?

PP – Isso.

Anne – Não ... não ... não ... ainda mais por estar na área, como a que está lá ela é de português, eu acho que ela acaba se realizando um pouquinho, mesmo quando não tem aluno na biblioteca a gente passa pela sala eu sempre vejo ela com um livro na mão, ela lá, mexendo nos livros, não sei se de repente esse é um trabalho que ajuda assim no psicológico, de repente ela tá se sentindo meio útil mas ela tá mexendo na área dela, porque professor já mexe com livro, de português então nem se fala, é uma questão de gosto pessoal mesmo pela letra, pelo escrito, pelo livro (R - português, história) sociologia também, a professora de sociologia também tá readaptada ... e sempre com muito livro, sempre lendo muita coisa.

Anne argumenta que as professoras que estão na sala de leitura têm

formação em Letras e em Sociologia, que são profissionais cujos perfis e áreas de

formação contemplam o gosto pela leitura, pelo manuseio dos livros, e que quando

as vê é sempre trabalhando com os livros, independentemente da presença de

alunos na Sala de Leitura.

Pelas reflexões trazidas e, por meio das escolhas lexicais de Anne sobre o

serviço das PER de sua escola na sala de leitura, atribui a elas o sentido-e-

significado de “meio útil” e ao trabalho realizado o de “ajudar no psicológico”.

Anne utiliza o adjetivo “útil” precedido do advérbio de intensidade” meio”;

depreende-se dessa construção frasal o sentido-e-significado de que o sentimento

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de ser útil, pelo expresso por Anne acerca das PER, não ser pleno; entretanto,

apresenta a compensação de qualquer aparente insatisfação por meio da escolha

lexical “mas ela tá mexendo na área dela”.

Vygotsky (2001 p. 139) indicou que as reações emocionais daquilo que

fazemos com alegria não significam nada além de que continuaremos fazendo da

mesma forma, porque esse fazer é satisfatório e que a emoção inserta no

comportamento durante esse fazer consiste na regulagem das emoções pelo corpo.

No mesmo sentido, Sawaia expôs que o sentimento negativo que afeta o

homem em sua alma faz com que o corpo adoeça, que sofra a “dor” causada pela

exclusão. Ao mencionar o efeito do trabalho com os livros realizado pelas PER da

sala de leitura, Anne diz achar “que ela acaba se realizando um pouquinho,

mesmo quando não tem aluno na biblioteca a gente passa pela sala eu sempre

vejo ela com um livro na mão, ela lá, mexendo nos livros”, indicando ausência

de insatisfação, de frustração ou qualquer tipo de dor.

A amenização do grau de satisfação no excerto supra, “ela acaba se

realizando um pouquinho” talvez se dê pelo mesmo motivo de “meio útil”: sentido-

e-significado da não plenitude; entretanto, a abordagem qualitativa somada à

abordagem ergológica para análise do corpus indicam que as falas que procuram

dar um sentido ao trabalho reproduzem uma subjetividade que reside na

especificidade de elementos que geraram um enunciado, e não outro, uma escolha

lexical, e não outra, especificidade essa que foge ao domínio do mensurável;

portanto, graduar o trabalho e a satisfação advinda dele, torna-se tarefa impossível

(Schwartz, 2004).

No excerto a seguir, veremos o sentido de “ser útil” para uma professora em

readaptação.

Excerto 20 – Celi:

PP - Alguns colegas com quem eu conversei aqui colocam esta escola como diferencial, como uma escola em que se tem acordo, uma escola em que o readaptado não é tão Severino assim como você falou, em alguma oportunidade você teve chance de dizer “olha, eu não quero fazer esse trabalho, eu quero fazer outro, olha, eu sou muito boa nisso aqui, por que vocês não me deixam fazer isso aqui pra ver meu desempenho? Você teve essa abertura aqui?

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Celi – Olha ... o pessoal aqui até tenta ser ... agradável né? Mas na verdade a gente própria se sente tão ... tão nada, tão incapaz, porque você foi, você se preparou, né, pra dar aula, então, eu me preparei muito, bastante, o tempo que eu tive foi estudando, me esforçando pra poder dar uma aula melhor, pra ser uma professora melhor, pra ter um diferencial na minha aula, enfim, eu me preparei pra isso, pra ser professora, então hoje eu sou um peixe fora d’água, eu não estou mais em sala de aula, então eu tento me adaptar fazendo outras coisas e eu me sinto assim, que eu posso ser útil fazendo o que ninguém quer fazer, então sempre tem alguma coisa chata que ninguém quer fazer, então pode deixar que eu faço.

Celi refere que, no período em que exerceu atividade docente, foi preocupada

com o preparo para uma aula que tivesse um diferencial, mas que hoje, em

readaptação, tenta se adaptar às novas atividades; a participante atribui a condição

de ser útil o sentido-e-significado de “fazer o que ninguém quer fazer” e de

“prestatividade”, ao dizer que “sempre tem alguma coisa chata que ninguém quer

fazer, então pode deixar que eu faço”.

Em relação à construção dos períodos pré- e pós-readaptação construídos

discursivamente pela participante, notamos, além da autodepreciação, a referência a

que as pessoas envolvidas em sua atividade de trabalho tentam ser agradáveis;

Vygotsky (1984) conceituou que é na vigência da intersubjetividade que a identidade

se forma, a construção da subjetividade é perpassada pela linguagem, elemento

responsável pela internalização da realidade em que estamos imersos.

Os substantivos e adjetivos usados pela participante para descrever seu

trabalho na fase atual “a gente própria se sente tão ... tão nada, tão incapaz”,

“hoje eu sou um peixe fora d’água, eu não estou mais em sala de aula”

expressam uma identidade construída no grupo social de seu trabalho, formada por

discursos estigmatizantes que fazem com que Celi internalize a visão depreciativa

de outrem sobre si e o trabalho que realiza hoje, não mais em sala de aula.

Celi associa ser útil a fazer o que ninguém mais quer; aparentemente

buscando reconhecimento profissional; a falta de reconhecimento é invisível, ela

está registrada na intersubjetividade, mas é pouco compartilhada socialmente. Para

Sawaia (2012, p. 59-60), os sujeitos que se confrontam com o sofrimento ético-

político estão sujeitos à depreciação que, nas escolhas lexicais da participante, é

mostrada como vivida de forma intensa.

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No excerto a seguir discorreremos acerca da opinião de mais uma PER sobre

“ser útil”.

Excerto 21 – Zélia:

PP - Se cessassem sua readaptação hoje e tivesse de voltar pra sala de aula amanhã, você se sentiria preparada pra isso? Zélia - Se minha readaptação fosse cassada eu não teria condições físicas nem muito menos psicológica para estar numa sala de aula! Seria um crime contra minha pessoa! Apesar de que a minha maior realização profissional foi dentro da sala de aula. Lá, eu era útil...Eu fazia a diferença e meus alunos, mesmo com toda indisciplina também me ensinavam muito.

Zélia refere a falta de condições para retorno à atividade docente e que se

esse retorno fosse determinado repentinamente, representaria um crime contra ela.

A seguir, a participante apresenta o paradoxo da situação profissional atual: a sala

de aula é o local para onde não deseja voltar, mas é o local referido como “Lá eu era

útil”, atribuindo a ser útil o sentido-e-significado de “fazer a diferença” para os

alunos e “aprender com eles”85.

A escolha lexical de Zélia indica que, ao ressaltar que na sala de aula era útil,

fora dela não tem o sentimento de utilidade, de satisfação, de ser tratada como

gente (excerto 9). A participante aparentemente projeta a inutilidade para a esfera de

sua intersubjetividade, provável causa do sofrimento psíquico e físico, residente em

três prováveis processos: falta de reconhecimento de si como representante útil na

sociedade; receio da perda da aparente proteção que o trabalho fora da sala de aula

lhe propicia e desempenho de um trabalho que não a valoriza socialmente, mas sim,

a desgasta física e psiquicamente.

Assim como a internalização do mundo em que se vive ocorre do social para

o individual, o sofrimento construído discursivamente por Zélia denota o resvalo do

sofrimento do social para o individual; as escolhas lexicais da participante denotam

que seus mal-estares são ignorados apesar de seu corpo sofrer os efeitos da

exclusão (SAWAIA, 20102 p. 106).

85 Reconhecível referência para o legado de Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. trecho do poema Exaltação de Aninha (O Professor) de Cora Coralina, in: Vintém de cobre: meias confissões de Aninha, 9. ed., São Paulo: Global, 2007.

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O professor em readaptação tem perdas significativas de direitos quando

comparado ao professor em exercício: o de exercer funções em designação apenas

após avaliação e autorização do CAAS, aposentadoria aos 25 anos de exercício

docente, gratificações, entre outros. A seção a seguir será dedicada à análise de

enunciado em que os direitos do PER são colocados em questão.

4.4 – Eixo temático “direitos”

O primeiro excerto a ser analisado nesse tema tem algumas peculiaridades:

foi enunciado por um diretor escolar que exerce mandato parlamentar e que, no

papel de legislador, tem em sua pauta projetos que visam modificar as atuais

legislações que regem o trabalho do PER, conforme descritos a seguir.

Excerto 22 – Luiz:

PP - Primeira questão: em termos de políticas públicas hoje para o readaptado, na sua opinião, o ainda que falta? Luiz – Na verdade não há hoje uma política pública de defesa da dignidade e dos direitos dos professores readaptados, os professores são marginalizados, são excluídos, são estigmatizados pelo governo e muitas vezes, dependendo da situação, pela própria escola, ou então pelas diretorias de ensino. Então a nossa luta é para que esse professor readaptado, ele tenha, ele seja tratado com dignidade humana, que ele possa dar uma contribuição ao processo educacional logicamente que não mais em sala de aula porque ele não pode, porque às vezes ele tem impedimentos de estar lecionando em sala de aula, mas ele pode dar, pela experiência acumulada de cada professor readaptado ele pode contribuir em outras áreas: na discussão do projeto político pedagógico da escola, ele pode trabalhar junto à coordenação pedagógica da escola, ele pode fazer grandes contribuições do ponto de vista ... ajudando na gestão da escola então ele tem que ser valorizado nesse aspecto e também nos seus direitos, como por exemplo, essa nossa luta aqui na Assembleia, o professor readaptado da rede estadual não tem direito à aposentadoria especial sendo que ele continua professor, ele não saiu da sala de aula porque ele quis, porque foi opção, o professor readaptado tem um laudo conclusivo, um laudo médico que o retira da sala de aula então ele não pode ser punido por isso, ele tem que ter também, na nossa opinião, por isso que eu apresentei o projeto de lei aqui, ele tem que ter direito à aposentadoria especial. Infelizmente hoje o governo não elabora política pública em favor do professor readaptado.

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Luiz inicia seu enunciado destacando que não há hoje, no Estado de São

Paulo, políticas públicas voltadas à questão da readaptação funcional do professor,

em suas escolhas lexicais “não há hoje uma política pública de defesa da

dignidade e dos direitos dos professores readaptados”; Luiz prossegue

desenhando discursivamente a situação em que o PER se encontra: “são

marginalizados, são excluídos, são estigmatizados pelo governo e muitas

vezes, dependendo da situação, pela própria escola, ou então pelas diretorias

de ensino. Então a nossa luta é para que esse professor readaptado, ele tenha,

ele seja tratado com dignidade humana”.

Os sentidos-e-significados atribuídos por Luiz ao PER denotam profissionais

“excluídos como seres de direito”, que não têm “defesa da dignidade e dos

direitos”, que “são marginalizados, são excluídos, são estigmatizados pelo

governo e muitas vezes, dependendo da situação, pela própria escola, ou

então pelas diretorias de ensino, um profissional que precisa ser “tratado com

dignidade humana”.

Notemos que as escolhas lexicais de Luiz em termos da necessidade do

resgate da dignidade não configuram o PER como “indigno”, mas sim como

“excluído” do direito de ser tratado com dignidade humana.

Sawaia (2006) menciona que Vygotsky, ao refletir sobre a constituição do

sujeito levando em conta a imaginação e os afetos, reconheceu que o homem tem

direito a ter necessidade de dignidade, tão essencial como a satisfação de

necessidades como fome e sede, é a satisfação das necessidades dos direitos

humanos, da cidadania e do reconhecimento social (SAWAIA, 2006, p. 90-91).

Ainda apoiada em Vygotsky e Espinosa, Sawaia (1999) salienta o aspecto

ético-político dos afetos. A autora retoma a articulação ética – afetos em movimento

porque a natureza do sujeito só se concretiza a partir de outro sujeito, porém,

historicamente, a qualidade da articulação descrita é que muda historicamente na

relação em que ou se está junto ao outro ou se está contrariamente ao outro, ou

seja, em situação de encontro ou confronto (SAWAIA, 1999 p. 99).

Luiz esclarece que o PER não deixou de ser professor, porém, os direitos

garantidos ao PEED não são estendidos aos PER pela inexistência de políticas

públicas, pela falta de reconhecimento do Estado e pela punição imposta àquele que

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teve sua saúde afetada, a ponto de ser afastado por laudo médico da atividade

docente.

O participante enuncia os adjetivos “marginalizados”, “excluídos” e

“estigmatizados” como práticas do Estado para esse profissional. Sawaia (2012 p.

117) lembra que inserir a afetividade na análise dos modos pelos quais a exclusão é

enfrentada permite aceder à definição do que é cidadania e avaliar os cuidados que

o Estado tem para com seus cidadãos, torna-se manifesto nas escolhas lexicais de

Luiz, que, como legislador além de gestor escolar, indica alguns cuidados que o

Estado deve adotar para garantir o PER como ser de direito, tal qual o PEED: “ele

tem que ser valorizado [...] nos seus direitos”, “[...] ele continua professor”, “o

professor readaptado tem um laudo conclusivo, um laudo médico que o retira

da sala de aula então ele não pode ser punido por isso”, “ele tem que ter

direito à aposentadoria especial”.

O próximo excerto mostrará o ponto de vista de uma vice-diretora acerca dos

direitos do PER.

Excerto 23- Daniela:

PP - Você acha que o readaptado tem chance de ser ouvido quando o novo trabalho não o agrada, nem agrega no que pode significar suarecuperação?

Daniela - Sim, tem todo direito de exigir o que pode se adaptar no trabalho sem ser prejudicado em sua saúde.

Daniela é assertiva e enfática ao referir o PER como ser de direito; suas

escolhas lexicais indicam a possibilidade da exigência de uma função que não

prejudique a saúde; destarte, Daniela atribui sentidos-e-significados da “manutenção

da saúde” precedendo a nova função no trabalho do PER.

A participante, ao mencionar o “não prejuízo à saúde” do trabalhador PER,

alude ao que a Psicologia Social86 conceitua como “promoção da saúde” do

trabalhador. Temos citado ao longo desta pesquisa relações dialéticas, saúde /

doença também se configura uma e é presente na vida laborativa do profissional da

Educação.

86 Constante em nosso aporte teórico com as obras de Sawaia.

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Sawaia (1994 b, p. 157) conceitua a saúde como uma questão sobremaneira

sócio-histórica, assim sendo, ética, por ser um processo ordenado pela convivência

social e vivência pessoal, não se tratando apenas da “não doença” ou estado de

pleno bem-estar, mas sim, uma possibilidade objetiva – o trabalho que faz adoecer –

e subjetiva, na forma de busca do direito à saúde (SAWAIA, 1994c p. 109-110),

referido por Daniela.

Vygotsky (1989) destacou o trabalho como atividade tipicamente humana,

mediadora entre o homem e a sociedade, regulada segundo as necessidades desse

homem, identificada nele mesmo ou no ambiente em que se encontra. Daniela

expressa claramente a necessidade da adaptação do trabalho à saúde no excerto

em tela.

Schwartz (2000) indica que, para que o trabalho atenda às necessidades de

quem o realiza, sua organização deve oferecer a possibilidade de produzir algo que

tenha sentido, que proporcione exercitar suas habilidades e competências e sentir a

evolução de seu fazer, com o fim de ajustar esse fazer; assim, produzir a satisfação

que manterá a saúde no trabalho; o contrário, determinará a insatisfação e o

adoecimento.

No excerto a seguir destacaremos o ponto de vista de uma PER sobre o tema

“direito” em seu trabalho.

Excerto 24 – Marcia:

[...]87eu conheço muito bem as caras e bocas que o pessoal faz pra quem é readaptado. É “aonde você vai ficar? Em qualquer lugar que não seja aqui do meu lado pra me atrapalhar”, é essa a função do readaptado. Então já que eles me deram o direito de eu não ter espaço eu também dei o direito a eles de não me perturbarem PP - Essas pessoas que criticam o readaptado, que fazem essas caras e bocas, toda escola tem aquele professor que tira reiteradas licenças durante o ano, e que volta pra sala de aula de repente, ele tira as aulas do ofa e fica nessa coisa de vai e volta, vai e volta, cê acha que passa na cabeça das pessoas com esse perfil que eles podem vir a ser o readaptado de amanhã que eles tanto criticam? Marcia – Não, não passa na cabeça desse pessoal a readaptação. Infelizmente no Estado, como a gente ganha pouco, o professor se sente no direito de ser individualista, então é “EU quero o horário que é melhor pra MIM”, “EU quero a sala que é melhor pra

87 Continuação do excerto 15.

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MIM”, “EU quero o dia que é melhor pra MIM! Se eu for faltar, se eu estou de licença, o problema é MEU! EU estou coberta pelo Estado!” Por quê? Porque o Estado criou isso para o professor, você é meu funcionário e ponto final! Então a vingança do professor é “ok, eu tenho esses direitos que você me dá, eu vou abusar!” [...] então assim, os espaços estão aí para serem preenchidos, o readaptado ele tem que mostrar que é assim: “não! Eu não estudei pra isso! Eu estudei, eu tenho formação, eu tenho inteligência para outras coisas, eu não vou fazer o que você tá mandando porque você não manda em mim, eu sou funcionária do Estado e o Estado tá dizendo aqui no meu rol de atividades que é isso que eu vou fazer, então dentro do que ele tá me impondo, é isso!” E se eu achar que também não dá pra fazer isso eu conversar com o meu médico e vou dizer “olha, eu tô em crise, pede uma nova perícia pra mudar minha readaptação porque eu não tô bem!”, pronto e acabou! Só que são poucos os que pensam em direito, o pessoal no Estado pensa assim “ah, eu quero garantir minhas aulinhas e pronto!”.

No excerto 15, retomado em parte no excerto supra, Marcia referiu ter seu

mobiliário retirado e ter sido realocada em virtude de fazer cumprir seu rol de

atividades e não trabalhar com crianças, conforme lhe fora ordenado pela secretária

escolar. Na continuidade desse enunciado, a participante assinala que à mudança

repentina sofrida, descrita no fragmento “já que eles me deram o direito de eu não

ter espaço” sua reação consistiu em não dar “o direito a eles de não me

perturbarem”.

Com aparente ironia, a participante atribui à relação direito de outrem – meu

direito, no contexto de trabalho o sentido-e-significado de “limite”, aludindo à máxima

“seu direito termina onde começa o meu”.

Na sequência, ao ser indagada sobre o professor que reitera licenças

médicas, Marcia refere o egocentrismo na categoria docente como direito justificado

pela desvalorização financeira do trabalho, situação em que os envolvidos atribuem

sua carga horária segundo uma necessidade pessoal, ignorando o coletivo,

imbuindo-se do sentimento expresso no trecho “[...]o Estado criou isso para o

professor, você é meu funcionário e ponto final! Então a vingança do professor

é “ok, eu tenho esses direitos que você me dá, eu vou abusar!”.

Marcia desencadeia uma discussão residente no conflito axiológico “o outro x

eu”, conflito esse que é sócio-histórico e, que é elaborado ou vivido pelo homem na

intersubjetividade e é permeado pela linguagem. Schwartz (2006) conceitua tal

espécie de conflito no trabalho como o “uso de si” e a define como o elemento mais

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incógnito no entendimento do ser que realiza o trabalho por não descrever apenas o

sujeito na sua individualidade, mas sim na atividade laboral, sempre em contato com

o outro, cuja presença pode ser física ou imaterial, manifesta na prescrição.

O uso de si é desmembrado por Schwartz (2003, 2010) no “uso de si por si” e

no “uso de si pelo outro”, que fazem revelar as complexidades e fragilidades

presentes nas situações de trabalho.

O uso de si por si é primordial porque é por meio dele que o trabalho tem o

sentido de factível e vivível; é a instância do sujeito convocada na e para realização

do trabalho, uma vez que é composta de todo o conhecimento, vivência e

habilidades, é a somatória do organismo biofísico com a subjetividade presente para

avaliar a distância e empenho necessários para que o trabalho prescrito seja

efetivamente realizado.

O uso de si pelo outro refere o desempenho do sujeito inserto em seu mundo

do trabalho, imerso em normas das mais diversas ordens, subordinado à toda sorte

de desigualdades hierárquicas, situação em que esse sujeito se aparelha de

recursos próprios para bloquear os efeitos da onerosos da norma que ora se impõe,

a fim de geri-la.

Retomamos aqui a afirmação de Vygotsky (2001 p. 139) que o trabalho

angustiante gera no homem tentativas de bloqueá-lo lançando mão do uso de si por

si; tais tentativas podem ser exemplificadas pelo “direito de não me perturbarem”

descrito por Marcia, pelas reiteradas licenças de professores ainda em exercício que

sofrem a sobrecarga do trabalho docente e se afastam em nome da manutenção da

saúde, ou do uso de si pelo outro, exemplificado no fragmento “a vingança do

professor é “ok, eu tenho esses direitos que você me dá, eu vou abusar!”

No próximo excerto indicaremos mais uma peculiaridade do “direito” do PER

quando do retorno à escola, sob a ótica de mais uma participante imersa no cenário

de readaptação.

Excerto 25 – Celi:

PP - E depois que saiu a sua readaptação, que saiu a súmula, que saiu no diário oficial o retorno para sua Unidade Escolar, como foi chegar aqui, na condição de readaptada? Celi – [...] a sensação é bem essa de inutilidade, você não tem serventia mais pra nada, porque, o que é um professor

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readaptado? Ele não é ninguém! Ele não tem um espaço pra bolsa88, ele não tem direito a um armário pra você guardar sua bolsa, porque os armários pros professores são poucos então a preferência é pro professor que vai guardar o material, então sua bolsa pode ficar no chão, pode ficar em qualquer lugar. A cadeira? Você senta aonde tá vazio né, é assim!

As escolhas lexicais de Luci remetem à exclusão até mesmo da posse de um

armário para guarda dos objetos pessoais e de fazer uso do mobiliário, tal qual

referiu Marcia nos excertos 15 e 24. Os sentidos-e-significados irrogados por Celi no

que tange aos “direitos” no exercício do trabalho como PER configuram

discursivamente o “esquecimento”, expresso em “o que é um professor

readaptado?”; a “desvalia”, expressa em “Ele não é ninguém, ele não tem espaço

pra bolsa” e a “exclusão”, expressa em “ele não tem direito a um armário” e “A

cadeira? Você senta onde tá vazio né, é assim!”

Por meio do marcador conversacional “né”, contração da locução adverbial de

confirmação “não é”, Celi ratifica a situação de ter para sentar a cadeira que estiver

vazia, enfatiza o fato e atribui o efeito de recorrência com a asserção “é assim!”,

situação coincidente com a descrita por Marcia nos excertos supracitados: “[...]

aonde você vai ficar? Em qualquer lugar que não seja aqui do meu lado pra me

atrapalhar”.

A situação descrita pela participante enunciadora do excerto supracitado e

pela enunciadora dos excertos 15 e 24 caracterizam o que Sawaia conceitua como

“inclusão perversa”, como um tipo de inclusão às avessas, que marca, estigmatiza e

impõe controle social contra os fragilizados pela exclusão sofrida.

O processo do qual surge a inclusão/exclusão é material e objetivo; contudo,

quando internalizado pelo sujeito e instalado no nível da consciência, passa a

parecer natural, abalando suas resistências e levando à assunção de sentir-se como

o a sociedade o coloca: o professor da sala de aula tem mais merecimento do

armário porque ele dá aula, ao PER resta sentar onde der e fazer o que ninguém

mais gosta, ou, não fazer e ter seu mobiliário retirado, conforme relatos das

participantes.

88 Situação idêntica foi vivida por esta pesquisadora.

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Nesse sentido, Sawaia (2012, p. 9) esclarece que a dialética

inclusão/exclusão faz com que a subjetividade pode ser alternada, desde o sentir-se

incluído até o sentir-se discriminado, efeito de sentido no enunciado de Celi, ou

sentir-se revoltado, efeito de sentido no enunciado de Marcia, que aparentemente

usa a ironia para regular os efeitos da revolta no organismo (VYGOTSKY, 2001 p.

139) quando a afetividade é negativa.

A seção a seguir será dedicada à análise dos enunciados, cujo eixo temático

contempla a escolha lexical “apoio”, usada na acepção de “ajuda”.

4.5 Eixo temático “apoio”

É como uma necessidade afetiva que, nos excertos a seguir, analisaremos

aqueles que contemplam o item lexical-tema desta seção; o que vem a seguir,

expressa o pensamento de uma gestora acerca do apoio ao PER.

Excerto 26 – Solange:

PP - Se você pudesse opinar em alguma política pública em favor do readaptado, qual seria sua sugestão?

Solange – Eu acho que assim: eles têm, o readaptado, aquela função do que ele pode fazer o que ele não pode fazer. Ele tem que ter um trabalho a mais e não só deixar ele na escola. A gente não tem uma formação aqui? De PCs? Não uma formação, mas um trabalho assim, de apoio, de ajuda, “o que está acontecendo lá na minha escola” para justamente saberem disso, eles estão readaptados, mas o que acontece lá na escola? Às vezes não chega aqui.

R – Dar a chance dele ser ouvido?

Solange – De ser ouvido e falar, porra! “O que você faz na sua escola? O que você gostaria de fazer aqui na sua escola? Vamos fazer um encontro aqui na Leste 3, vamos fazer uma convocação de readaptados pra saber “o que tá acontecendo na sua escola?”. As pessoas não se preocupam com isso ... eu acho que, fazer parte da escola como ele realmente é e que ninguém enxerga, só esse trabalho que você tá fazendo, achei fantástico, de se preocupar, acho que a maioria não se preocupa, só acham que readaptou fica lá quietinho no seu cantinho cumprindo o horário e vai embora. Acho que tem que ter todo um trabalho até mesmo pra que ele tenha a melhora dele, se tiver condições de melhora. Então falta

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um trabalho nesse sentido, de ... de ... de dar um apoio, de dar voz para ele, nos órgãos centrais e na Secretaria da Educação.

Nas escolhas lexicais de Solange depreendemos o sentido-e-significado do

item “apoio” como um conjunto de providências que as instâncias centrais de

administração de pessoal da SEE podem tomar para acompanhar a evolução do

PER e acompanhá-lo de fato; ao mesmo tempo, Solange refuta a ideia de que o

trabalho do PER seja “ficar encostado e cumprir horário”, como já referido em

excertos anteriores.

Com as indicações de expedientes e encontros que podem ser realizados

para que o PER “seja ouvido”, Solange demonstra a empatia como manifestação de

afetividade positiva (VYGOTSKY, 1999 p. 314), ou seja, como capacidade de

entender o outro em sua totalidade.

Sawaia (2002, p. 98-99) afirma que é no sujeito que as formas de exclusão se

objetivam e que são vividas como necessidades do eu; Vygotsky (1998, p. 6-7)

afirmou que as ideias são carregadas de atitudes afetivas que se transmutam em

relação aos fragmentos de realidade a que esses afetos se referem e que a trajetória

dos impulsos de uma pessoa é direcionada a suas necessidades; entretanto, a

empatia é que proporciona direcionar impulsos na satisfação da necessidade de

outrem.

Baseada em Vygotsky,Sawaia (2006) indica a afetividade como consequência

da capacidade que o homem tem de atribuir sentidos peculiares diante das

determinações sociais e que, com isso, alcançará sua liberdade, por meio da

habilidade de criar; ressalta que a afetividade está estritamente ligada à experiência

e à percepção corpórea, ao campo das funções psicológicas superiores, matizando-

as ou pela alegria ou pelo sofrimento.

O excerto a seguir demonstra mais algumas formas de prestar apoio ao PER.

Excerto 27 – Anelise e Audrey.

PP – E se de repente esse readaptado passa por uma perícia e o perito diz “você está bom, você tá ótimo, pode voltar pra sala de aula”, como é que vocês acham que seria essa volta dele?

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Anelise – Eu acho que seria assustadora , porque ele tá há muito tempo fora de sala de aula, ele vai pegar um pessoal, as crianças agora tá um pessoal muito apreensivas, muito elétricas, é vinte e quatro horas ligado na pilha, e ele que tá fora, com certeza ele não vai conseguir dominar esse pessoal e ele vai ficar perdido, ele não vai ter condições a menos que você comece com outro professor junto, como um ponto de apoio ajudar, pra ele ir pegando o engajamento da turma da sala, sem isso não terá condições.

Audrey – Ele terá de ter bastante apoio pedagógico, senão ele não vai ter condições pra conseguir

Anelise – conseguir se adaptar novamente a essa situação e conseguir novamente viver essa realidade.

PP - Vocês estão dando essa proposta de solução e vocês já vivenciaram essa experiência ou nem?

Anelise – Não, isso aí é uma opinião, mas nunca vivenciei não.

Audrey – Deveria ter esse apoio.

Anelise – Mas eu acredito que tudo que tem apoio é importante né! É uma sugestão né que até de repente ajudaria.

Audrey – Porque a gente tem alguns amigos que pegam licença por estresse, por nervoso né, por algumas outras coisas assim sem ser readaptado, às vezes o professor fica um tempo afastado, dois meses, três, quatro, e quando volta, volta inseguro né!Fica assim: “ai, será que vou conseguir de novo? Será que vou ter que entrar de licença de novo? Será que vou sofrer alguma coisa?” daí a gente tem que ficar apoiando né, dizendo o tempo todo “não, vai dar certo! Se precisar de alguma coisa vem aqui, me chama” e a gente tá junto, entendeu?

As escolhas lexicais das participantes concentram ideias centrais que dão aos

seus enunciados os seguintes sentidos-e-significados ao ato de apoiar tanto o PER

quanto o PEED: afastamentos longos deixam o docente “perdido”, com “receio de

retorno” e dúvidas que colocam suas próprias habilidades e competências à prova:

“ai, será que vou conseguir de novo? Será que vou ter que entrar de licença de

novo? Será que vou sofrer alguma coisa?”

Tais sentidos-e-significados descritos configuram manifestações linguageiras

sobre o afeto ora sentido de forma negativa: medo do retorno, dúvida sobre suas

capacidades, medo de sofrer. Tais estados foram descritos por Vygotsky (1999) sob

as seguintes relações dialéticas: biológico e psicológico, interno e externo, corpo e

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mente, indicando assim que o social e histórico são indissociáveis do afeto; cada

aspecto influenciará o outro no modo de “sentir” o afeto.

Sawaia (2012) também desvenda o sentimento de impotência e humilhação

que sentem aqueles que se veem diante da impossibilidade de trabalhar sob a

categoria de análise a que se chama de sofrimento ético-político, pela qual designa

a angústia e ansiedade advindas da situação do adoecimento no trabalho; tal

adoecimento demarca com ansiedade e medo o momento presente da tentativa de

volta e pode demarcar o futuro, na forma da exclusão social no ambiente de

trabalho.

Para amenizar os afetos negativos e problemas que referiram, Anelise e

Audrey apresentam propostas de solução: “ele não vai ter condições a menos que

você comece com outro professor junto, como um ponto de apoio ajudar, pra

ele ir pegando o engajamento da turma da sala, sem isso não terá condições”.

Anelise enfatiza pela repetição que “não terá condições” a menos que tenha

“um ponto de apoio para ajudar”, uma premente necessidade para os que retornam

à sala de aula nos enunciados da participante; Audrey reafirma a relação sem apoio

– sem condições em “Ele terá de ter bastante apoio pedagógico, senão ele não

vai ter condições pra conseguir”

Nos excertos a seguir demonstraremos a percepção de ter “apoio” sob a ótica

de PER.

Excerto 28 – Zélia:

PP - Você recebeu algum tipo de apoio? Houve algum encaminhamento para terapia ou algo parecido? Zélia - Na verdade não recebi apoio de ninguém, não escolhi o lugar onde eu gostaria de trabalhar, recebia ordem de todos da secretaria e até de professores!

Zélia é assertiva ao dizer que não recebeu apoio de ninguém; na sequência

do enunciado enumera o que constrói discursivamente como “não apoio”: a

impossibilidade de escolha do novo local de trabalho e o recebimento de ordens de

pessoas que hierarquicamente não são habilitadas a aplicar as prescrições para o

trabalho; assim, nas escolhas lexicais de Zélia temos um sentido-e-significado para

“apoio” atribuído por uma relação antagônica em que apoio é “aquilo que não recebi”

e falta de apoio é aquilo que “recebia de todos”.

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A repetição das situações que Zélia indica em seu enunciado como “falta de

apoio” na forma de receber ordens de todos indica a forma negativa por meio da

qual o pouco afeto no trabalho a atinge, de modo a verbalizá-lo, buscando respeito e

reconhecimento profissional.

Para Vygotsky (apud SAWAIA, 2002p. 105), nosso sistema psicológico é

afetado pela mediação das intersubjetividades no viver cotidiano, as emoções e

sentimentos são significados radicados nesse viver. O cotidiano de trabalho de Zélia

é manifestado discursivamente por ela como acontecimentos históricos em

construção em que percebemos a emoção como fruto de coerções sociais de

controle (SAWAIA, 2002 p. 104).

O excerto a seguir também refere ausência de apoio.

Excerto 29 – Marcelo:

PP - Você recebeu algum apoio ou serviço especializado com vistas a te ajudar a voltar pra sala de aula?

Marcelo –Não, também não, ninguém recebe.

A resposta de Marcelo é peculiar em alguns aspectos: o primeiro deles diz

respeito à elipse do verbo, aparentemente enfatizando o fato “não ter recebido

apoio”; ao referir “também não”, Marcelo se insere discursivamente entre os que se

encontram em readaptação e não recebem apoio especializado, mais uma vez utiliza

a elipse verbal, criando o mesmo efeito de sentido de “supressão”; ao afirmar que

“ninguém recebe” apoio, o pronome indefinido que antecede o verbo no presente

do infinitivo não indetermina o sujeito mas abrange um coletivo de PER que não

recebe apoio ou serviço especializado, conforme o enunciado da questão e a

resposta obtida pelo participante.

Com base nas escolhas lexicais do participante, depreendemos que o

sentido-e-significado atribuído por ele no que tange à prestação de apoio e

atendimento em serviços especializados ao PER é o de negação, expresso pelo uso

de três advérbios de negação e um pronome indefinido numa resposta formada por

cinco palavras.

Marcelo responde por um coletivo de trabalho que tem em comum, além da

categoria profissional, a condição de estar em readaptação funcional; são

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professores que compartilham a mesma sorte de intempéries em suas rotinas de

trabalho, a mesma incerteza acerca de ter a readaptação cessada e ter de assumir a

regência de salas e aulas de um dia para outro, sem preparo ou apoio, situação

citada por Isadora e Bernardo (excertos 1, 11, 12 e 18).

A esse coletivo de trabalho que se identifica e reconhece por mais detalhes

para além na nomenclatura profissional, Schwartz (2008) denomina de “entidades

coletivas relativamente pertinentes” e o diferencia do coletivo instituído por

organogramas ou funções; para o campo ergológico, esses coletivos referem a

atividade humana cuja fronteira não é departamental ou pré-definida mas sim

ajustada momento a momento; nas palavras do autor essa dinâmica é definida como

uma “sinfonia sem maestro” (SCHWARTZ, 2008 p. 154).

Para Vygotsky (2001), o trabalho é uma atividade sócio-historicamente

situada em que o sujeito abrange a dimensão social e apreende suas regras bem

como as repassa, mediado pela linguagem: a resposta de Marcelo apresenta caráter

atemporal, ou seja, conforme citado por Luiz (excerto 22), enquanto não houver

políticas públicas voltadas para a readaptação funcional dos funcionários públicos,

independentemente de categoria, haverá necessidade, conforme apontado por

Sawaia (2012 p. 117), de se estudar a afetividade como um olhar para a forma pela

qual o Estado cuida de seus cidadãos: ninguém recebe ou receberá apoio.

O assunto “políticas públicas” será o tema do eixo temático a seguir,

possibilitando pontuar os aspectos referidos pelos participantes.

4.6 – Eixo temático “políticas públicas”.

As políticas públicas compreendem os conjuntos de programas, decisões e

ações tomadas pelos governos com a participação direta ou indireta de entidades

públicas e/ou privadas, visando à garantia dos direitos de cidadania para grupos ou

segmentos sociais, econômicos, éticos ou culturais, ou seja, garantia dos direitos

constitucionais.

Tais políticas públicas possuem um sentido político, que é aquele em que se

tomam decisões em favor de um bairro, da saúde pública, do programa de água e

esgotos, ou seja, o sentido político é sempre aquele no qual é decidido o melhor

para as populações governadas.

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O segundo sentido da política, do interesse desta pesquisa, diz respeito ao

aspecto administrativo e é chamado de “Políticas de Estado”, amparadas na

Constituição Federal e Estadual, ocorrem de forma a organizar os setores

administrativos, de pessoal, de cargos, salários e demais assuntos internos.

O PER é um funcionário público estadual, regido por Estatutos, abrigado pelo

Regime Próprio de Previdência Social e conveniado ao Instituto de Assistência

Médica do Servidor Público Estadual – IAMSPE para seu atendimento de saúde e

dos dependentes diretos (cônjuge e filhos) ou agregados (pai, mãe) mediante

contribuição diferenciada.

O conjunto de políticas públicas, conforme configurado hoje não contempla

situações especiais como a readaptação funcional, segundo os participantes desta

pesquisa, cujos enunciados a seguir denotarão.

Excerto 30 – Lucy:

PP – Na sua opinião, o que falta em termos de políticas públicas para o PER? Lucy - Não vejo nada a acrescentar sobre as políticas em relação ao professor readaptado.

Retomando o excerto 22, vemos respondido por um gestor escolar que

também é legislador estadual que “Na verdade não há hoje uma política pública

de defesa da dignidade e dos direitos dos professores readaptados”. Se

tomarmos por base o sentido-e-significado do fragmento enunciado por Luiz, em que

configura “exclusão do PER como ser de direito”, ao afirmar que não há o que se

acrescentar nas políticas em relação a esse professor, atribui-se ao enunciado de

Lucy o sentido-e-significado de “desconhecimento das necessidades reais do PER”

o que deveria ser previsto em políticas públicas específicas segundo o excerto

mencionado.

Aposentadoria especial aos 25 anos de magistério, festividades e menção em

documentos oficiais escolares são exemplos de Políticas de Estado e internas

escolares que não contemplam o PER, conforme já mencionados nos excertos das

entrevistas de Solange, Bernardo e Edson; ao dizer que não vê “nada a

acrescentar sobre as políticas”, Lucy aparentemente concorda com o que Sawaia

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(2009 p. 8) conceitua como “inclusão perversa”, caracterizada pela falta de

acolhimento e pela manutenção de aspectos excludentes.

O excerto a seguir denota conduta prática.

Excerto 31- Daniela:

PP - Se você pudesse opinar em alguma política pública em favor do readaptado, qual seria sua sugestão?

Daniela - Eles estarem atualizados dos direitos e deveres muitos nem sabem das leis e procurar sindicalizar.

PP - Você recomendou que o professor readaptado se sindicalize mais, o que o sindicato representa a mais na garantia de direitos do funcionário em geral e do professor, na sua opinião?

Daniela - Porque um sindicato ganhou o processo dos readaptados da ação deles aposentar com 25 anos.

Daniela refere a necessidade de ter conhecimento dos direitos e deveres

expressos nas leis e a necessidade de afiliação sindical, ao ser indagada do porquê

da afiliação sindical, a participante elucida que há ganho judicial de um direito que

não consta nas prescrições oficiais do PER e projeto de Luiz na Assembleia do

Estado: aposentadoria aos 25 anos de exercício.

Pelas escolhas lexicais de Daniela, o sentido-e-significado de uma política

pública deve ser o “conhecimento de direitos e deveres”. Quanto à sugestão de

afiliação sindical e ganho de ação de um direito que não consta dos prescritos

estaduais, depreendemos do enunciado da participante o sentido-e-significado da

“busca pelos direitos”: se a Justiça reconhece o direito à aposentadoria especial e

concede ganho de processo coletivo sindical, no enunciado da participante, o PER

tem de se inteirar que há precedentes e se utilizar deles.

Retomando o conceito ergológico do “uso de si”, lembramos que ele é um

exercício de internalização do contexto sócio-histórico pelo trabalhador e que é

mediado pela linguagem, fator de escola e arbitragem entre valores, por vezes,

contraditórios, dentre os quais o trabalhador aduz para a realização da atividade; um

dos grupos desses valores constitui o polo político, responsável pelas prescrições

para o trabalho.

Na ausência de uma prescrição clara, o trabalhador articula elementos

encontrados entre o geral e o singular, a prescrição e sua(s) ingerência(s) em

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relação dialética, para Schwartz (1998), a integração entre os polos (no nosso caso,

o pessoal e o político) propicia ao ser que realiza o trabalho administrar as potências

do seu agir; quando Daniela assente que conhecer direitos e deveres é uma

necessidade, seu enunciado coincide com a integração referida por Schwartz.

O excerto a seguir demonstra acolhimento.

Excerto 32 – Janete:

PP - Se você pudesse opinar em alguma política pública em favor do readaptado, qual seria sua sugestão? Janete - Ter um olhar diferenciado para esse profissional procurando inseri-lo no ambiente de trabalho, e acima de tudo visar a promover a saúde nesse ambiente, ou seja, que lhe fossem direcionadas atividades que tivessem propósitos de reabilitá-lo.

As escolhas lexicais de Janete remetem ao já enunciado em outros excertos,

a participante ressalta que o PER não deixa de ser profissional, que necessita de um

olhar diferenciado, de atividades que visem à promoção de sua saúde, que possam

habilitá-lo ao retorno à regência de aulas; entretanto, a participante delineia tais

atitudes como componentes de uma política pública ainda inexistente (Luiz, excerto

22).

A somatória das ações propostas por Janete aponta para políticas públicas

em relação ao PER com um propósito específico, assim, depreendemos que para a

participante o sentido-e-significado dessa política seria a “reabilitação”.

Vygotsky (2001, p. 139) não refere exatamente a manutenção da saúde no

trabalho, mas, ao estudar as reações emocionais que regulam o corpo, salientou

que o fazemos com alegria, continuará a ser feito da mesma forma e o que fazemos

com repulsa impulsiona mudar a forma do fazer ou interromper esse fazer.

Da mesma forma, Sawaia (2012) refere que o sentimento negativo que atinge

a potência do agir do homem faz com o que corpo adoeça; a exclusão no ambiente

de trabalho causa os mesmos efeitos negativos. Os aspectos citados pelos autores

supramencionados elucidam o significado de “inserir o PER no ambiente de

trabalho” e garantir sua boa saúde e sua “reabilitação”.

Os excertos 30, 31 e 32 foram extraídos de entrevistas com gestores

escolares; a seguir, apresentaremos impressões do tema segundo a ótica de PEED.

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Excerto 33 – Edson:

PP - Se você pudesse opinar sobre política pública para readaptado, qual seria sua indicação? Se tiver mais de uma pode dizer, fique à vontade.

Edson - Deveria haver políticas públicas de prevenção e reabilitação em diversas áreas para a saúde do readaptado, pois esse ainda é um profissional ativo nas unidades escolares, desenvolve alguma atividade laborativa.

Pelo uso do verbo inicial no futuro do pretérito, Edson menciona uma

condição inexistente em um aspecto peculiar do funcionalismo público estadual:

“políticas públicas de prevenção e reabilitação em diversas áreas” do macro

para o micro, abordando inicialmente a “saúde do readaptado” para depois

delimitar o readaptado “nas unidades escolares”.

A atribuição de sentidos-e-significados que Edson confere às políticas

públicas que “Deveria haver” apontam para a “prevenção e reabilitação” segundo

as escolhas lexicais do participante.

Edson refere ainda que o PER “é um profissional ativo nas unidades

escolares”, contradizendo algumas menções de “folgado” e “encostado” (excerto 2)

e que desenvolve atividades. O efeito de sentido de positividade e pró-atividade do

PER é destacado por Edson por meio do advérbio “ainda”, denotando-lhe valoração

positiva.

O excerto a seguir, enunciado por uma PEED, apresenta opinião diversa do

excerto supra.

Excerto 34 – Tamires:

PP - Se você pudesse opinar sobre política pública para o readaptado, qual seria sua indicação?

Tamires - Aposentar o professor, deixá-lo em casa

PP - Por quê?

Tamires - Porque ele não será recuperado.

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Nas asserções de Tamires, formadas por escolhas lexicais como

“Aposentar”, “deixá-lo em casa” e “não será recuperado” notamos ausência de

proposição de ações que reabilitem o PER; notamos ausência de acolhimento e de

empatia, assim, os sentidos-e-significados atribuídos pela participante no que tange

à elaboração de políticas públicas para o readaptado remetem à “exclusão”, à

“erradicação” da presença de PER na escola por meio da aposentadoria.

Relativamente à afetividade, a ausência de empatia aparenta ser o aspecto

em maior destaque. Ao referir a empatia como a capacidade de compreender a alma

do outro a ponto de reconhecer desse outro as necessidades e emoções, Vygotsky

(1999, p. 314) ressalta o sentido de “agir como o outro agiria” para ampliar a

experiência pessoal; depreendemos então de enunciado de Tamires uma aparente

inabilidade de se colocar no lugar do PER.

Sawaia (2012, p. 8) afirma que a sociedade exclui para incluir e que isso vem

da ordem social desigual e que a grande maioria da humanidade é inserida por meio

da insuficiência e das privações; Ao sugerir que se deixe o PER em casa, Tamires

reproduz discursivamente o modelo de exclusão apontado por Sawaia, sem contudo

se configurar no enunciado da participante qualquer forma de inclusão, ainda que

perversa (SAWAIA, 2002).

Os excertos a seguir apresentarão sugestões de políticas públicas para o

PER segundo a ótica deles próprios, indicando o que seria necessário para o

exercício de sua função reorganizada.

Excerto 35 – Marcia:

PP - Agora vamos mudar um pouquinho, ou talvez não, o foco: se você pudesse opinar em alguma política pública sobre o readaptado ou para o readaptado, qual seria o seu pedido, o seu palpite, qual seria a sua sugestão? Marcia – Primeiro que a perícia devia ser na área em que a gente tá realmente sendo tratado, porque o ortopedista atender a gente que é da psiquiatria não tem nada a ver, esse é o meu primeiro pedido, que a gente passasse como na prefeitura, por um especialista, “eu quero é conversar com um especialista” porque o especialista sabe o que eu tô passando ou não ; segundo, acredito que tenha que ter sim aquilo que você me perguntou antes de um apoio a nós, então é “que apoio eu posso dar? Existe algum acompanhamento que possa ser feito em paralelo que a pessoa vá uma vez por semana, que a pessoa

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vá uma vez por mês? Que pode ser online, que possa ser presencialmente, porque eu acho que esse apoio faz muita diferença, eu senti a diferença frequentando o PROVE, me deu muita força, agora eu trabalho com uma terapia ocupacional e trabalho com o psiquiatra, meu trabalho com o psiquiatra é a cada 30 dias e a terapeuta ocupacional a cada 15 dias, isso faz muita diferença; e o terceiro é, dar a oportunidade ao readaptado, mas de forma clara, de poder trabalhar eventualmente em outra unidade do Estado, porque se não se sente em segurança de trabalhar onde tem aluno, ok, coloca a gente pra trabalhar dentro da Secretaria da Educação, coloca a gente pra trabalhar na área de alimentação, por exemplo, lugares em parceria com o Estado, onde a gente possa exercer uma função compatível com a inteligência e o conhecimento que a gente tem, porque é fogo, a gente estudou, a gente fez pós-graduação, a gente fala outras línguas e não precisa ficar dentro de uma escola lendo jornal e atendendo telefone, atendendo campainha e apagando incêndio, a gente tem capacidade pra fazer outra coisa, existe na prefeitura algumas escolas que fazem projetos, o professor readaptado, então, ele pode fazer projeto, ele faz um projeto de aula de xadrez, um projeto de recuperação paralela com criança menor que a faixa com que ele trabalha, existem outras possibilidades e isso não é dado pra gente do Estado, existem oportunidades além das de hoje.

As escolhas lexicais de Marcia indicam ações pontuais para melhor

atendimento do PER: “avaliação feita por peritos especialistas na área de

adoecimento do professor”, que a participante refere ocorrer na assistência e perícia

médica municipal; tal queixa está relacionada com as licenças negadas para a

participante, para Marcelo e para vários outros professores, sendo eles PER ou

PEED; o Diário Oficial do Estado corrobora tal queixa com a quantidade de licenças

negadas ou diminuídas, publicadas semanalmente.

A segunda ação pontuada pela participante diz respeito ao “encaminhamento

para serviços especializados” de apoio psicológico e ocupacional, o que ocorreu com

a participante na Prefeitura e, segundo ela, foi de extrema importância.

A terceira ação pontuada diz respeito à realocação do PER: o que geralmente

ocorre é o retorno para sua escola de origem, o que por vezes reforça a exposição

do PER àquilo que foi a causa de seu afastamento, como o contato com alunos

(causa da readaptação de Celi e desta pesquisadora), o ruído; nem toda a escola

tem condições de acessibilidade, assim, um PER que porventura tenha passado a

usar muletas ou cadeira de rodas, terá dificuldade para chegar à Secretaria escolar

ou Sala Ambiente de Leitura (dificuldade relatada por Zélia, que usa muletas após

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acidente de trabalho e foi realocada para o terceiro andar da escola, que não possui

elevador).

Marcia refere que toda a formação inicial e continuada do PER é parte de um

conjunto de habilidades e competências que podem ser aplicadas em outras

Secretarias ou até mesmo em outros departamentos da Secretaria da Educação. Por

toda as ações pontuadas pela participante, por todas as situações descritas,

podemos depreender que os sentidos-e-significados atribuídos às políticas públicas

que poderiam ser adotadas indicam a necessidade de “melhor atendimento”,

“encaminhamento” e “melhor aplicação das competências”, coincidentemente ao

enunciado por Isadora (excerto 1).

No que tange à inclusão praticada pela SEE aos readaptados, Marcia refere a

subvalorização do PER como um profissional, o que se evidencia no fragmento “a

gente estudou, a gente fez pós-graduação, a gente fala outras línguas e não

precisa ficar dentro de uma escola lendo jornal e atendendo telefone,

atendendo campainha e apagando incêndio, a gente tem capacidade pra fazer

outra coisa!”. Tal subvalorização é mencionada por Isadora (excerto 1) e, nesse

aspecto, o sentido do enunciado por ambas as participantes é mais uma vez

coincidente.

A inclusão do PER, como é feita hoje, descrita pelos enunciados dos

participantes, tenta negar a exclusão, mas a abordagem do tema segundo Sawaia

(2012) permite depreender que são fenômenos idênticos; para a autora, a exclusão

é tão entranhada na inclusão que permite dizer que exclui-se para incluir; tais

processos são históricos e culturais, são regulados na e pela ordem social vigente

em que se percebe o mecanismo igualdade / desigualdade dos grupos sociais que

fazem o desmonte de políticas públicas, quer por sua má aplicação ou pela

inexistência, deixando de assegurar os direitos básicos, razão para o enunciado de

Luiz (excerto 22) e o excerto supra.

No excerto a seguir os pedidos por um atendimento especializado são

ratificados.

Excerto 36 – Celi:

PP - Vamos para outro campo: política pública! Se você pudesse opinar numa política pública a nosso favor, qual seria o seu pedido, a sua sugestão?

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Celi – Então, eu acho que o principal seria o tratamento médico, eu acho que a gente teria que ter um tratamento médico mais completo, [...]eu faço tratamento no Servidor Público, eu passo com a minha psiquiatra a cada três meses, então 90 dias é muito tempo, se eu tenho uma emergência eu tenho que ir pra lá de madrugada pra tentar um encaixe pra tentar uma medicação, como eu fiz o mês passado, então é muito superficial, então não dá conta, você precisa de um psicólogo você tem que pagar porque dificilmente você vai conseguir no Servidor Público, [...] Então com tantas pessoas com problemas psiquiátricos e psicológico, eu acho que teria que ter um respaldo, uma estrutura né, hospitalar, pra atender não só na área psiquiátrica né, mas eu vejo as outra pessoas que têm, bom, eu tenho problema também de coluna né, problemas de tendinite, com as várias crises que eu tive de epilepsia eu acabei deixando meus braços e minhas pernas tudo com tendinite, então, tô com um problema bastante complicado nos braços, os joelhos, meu, problemas na rótula, tenho que fazer cirurgia nos dois joelhos, e eu faço tratamento pelo convênio, então eu pago um convênio pra poder fazer esse tratamento porque dentro do Servidor público, nem o estadual nem o municipal têm. Eu preciso fazer cirurgia no joelho mas eu preciso de um médico especialista em joelho, não tem ... você não consegue a consulta. Existir até existe, mas você não tem acesso a essa cultura, então eu acho que uma das partes seria um investimento na área da saúde pra que você pudesse fazer um tratamento adequado. A segunda parte: eu tenho problema com alunos, não adianta eu “tar” readaptada numa escola, adianta? PP – É importante isso o que você tá dizendo. Celi - Não adianta! Meu problema não vai ser resolvido, é a mesma coisa que você ser alérgica a abacaxi, deixar de comer o abacaxi mas te darem o suco dele! Quer dizer: não adianta! Quando eu me readaptei, eu tentei procurar outras áreas pra ver se eu conseguia ser readaptada pra outra área, trabalhar na saúde, trabalhar na biblioteca, trabalhar em outras áreas, por quê? Porque aí eu não vou ter contato com esse agente que tá me causando todo esse mal, então eu vou me recuperar, talvez eu pule, talvez eu não pule, enfim, há uma possibilidade maior, agora, eu estou num lugar em que sempre está cutucando a ferida, como é que eu vou ficar bem? Não fico.

Assim como Marcia (excerto 35), Celi pontua ações que deveriam constar de

políticas públicas para PER. A primeira delas diz respeito ao atendimento médico

especializado mais completo e priorizado, expresso no fragmento “passo com a

minha psiquiatra a cada três meses, então 90 dias é muito tempo, se eu tenho

uma emergência eu tenho que ir pra lá de madrugada pra tentar um encaixe

pra tentar uma medicação, como eu fiz o mês passado, então é muito

superficial, então não dá conta” e ratificado em “você precisa de um psicólogo

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você tem que pagar porque dificilmente você vai conseguir no Servidor Público, [...]

Então com tantas pessoas com problemas psiquiátricos e psicológico, eu acho

que teria que ter um respaldo, uma estrutura né, hospitalar, pra atender não só

na área psiquiátrica né”.

A segunda ação pontuada diz respeito à realocação do PER na escola.

Muitas vezes esse profissional é “devolvido” à situação que causou seu afastamento,

conforme referido por Marcia (excerto 35) e essa situação pode ser configurada

como agravante de um problema anterior ou causador de novos somados ao

anterior; um deles é o contato com alunos para quem teve readaptação originada

por estresse pós-traumático devido à violência escolar.

Celi descreve tal situação no fragmento “eu tenho problema com alunos,

não adianta eu “tar” readaptada numa escola, adianta? [...] não adianta! Meu

problema não vai ser resolvido, é a mesma coisa que você ser alérgica a

abacaxi, deixar de comer o abacaxi, mas te darem o suco dele!

A participante refere que deveria haver formas de inserção do PER em outros

departamentos ou Secretarias para que a exposição à doença seja minimizada:

“Quando eu me readaptei, eu tentei procurar outras áreas pra ver se eu

conseguia ser readaptada pra outra área, trabalhar na saúde, trabalhar na

biblioteca, trabalhar em outras áreas, por quê? Porque aí eu não vou ter

contato com esse agente que tá me causando todo esse mal, então eu vou me

recuperar, talvez eu pule, talvez eu não pule, enfim, há uma possibilidade

maior, agora, eu estou num lugar me que sempre está cutucando a ferida,

como é que eu vou ficar bem? Não fico.

Por meio das escolhas lexicais nas declarações acerca de políticas públicas

voltadas ao PER que deviam ser adotadas, os sentidos-e-significados atribuídos

pela participante apontam para a “ausência de serviço de saúde diferenciado”, para

a “necessidade de pagar um convênio particular para ter melhor atendimento” e para

“a realocação do PER em atividade que o exponha à causa da readaptação não o

recupera”.

O fragmento “agora, eu estou num lugar em que sempre está cutucando a

ferida, como é que eu vou ficar bem? Não fico” impele reflexões tangentes à

questão do afeto como o conjunto de afecções do corpo que atuam na potência do

agir. Celi ressalta que estar onde está realocada cutuca sua ferida, ou seja, a expõe

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continuamente à situação de sofrimento, dando as suas emoções um sentido

totalmente negativo.

Sawaia (2012, p. 111) esclarece que os sentidos da emoção só podem ser

entendidos quando se compreende o indivíduo na sua totalidade psicossocial, não

bastando definir as emoções que as pessoas sentem, mas também o motivo que as

originaram, Vygotsky (2001, p.139) refere que o fazer com repulsa fará com que

procuremos modos de interromper a ocupação, porque as emoções participam da

regulagem das reações pelo organismo.

Celi mostra-se discursivamente como uma pessoa com problemas de saúde

cuja ocupação laborativa a cutuca na ferida, que isso é causa de sua não melhora,

que não tem um serviço de saúde que atenda a todas suas necessidades, tanto nas

especialidades médicas quanto na continuidade do tratamento, interrompido,

segundo a participante, com um amplo espaço entre uma consulta e outra.

Na pontuação desses aspectos, percebemos mais detalhes coincidentes aos

enunciados de Marcia (excerto 35) e de Daniela (excerto 31) no que tange à

manutenção da saúde do PER, para o que seriam necessárias políticas públicas

específicas, conforme indicadas pelos participantes.

De acordo com os sentidos-e-significados depreendidos neste capítulo de

análise, por meio das escolhas lexicais dos participantes, constatou-se que o PER é

visto como “não-professor” a partir do momento em que é afastado do exercício

docente; é visto como “folgado e encostado” por alguns e como “um colega” por

outros enunciadores em nosso corpus; há referências também de professores em

exercício que não sabiam que o funcionário na secretaria é um professor.

Alguns enunciados atribuem ao diretor a responsabilidade do esquecimento

do PER em documentos norteadores, planejamento e festividades escolares,

isentando-se de participação no processo de exclusão profissional do PER,

verificado nos itens lexicais que compuseram os eixos temáticos norteadores das

análises.

Vimos excertos que disseram do PER ser arisco, que disseram dos PEED

não se reconhecerem como sujeitos que podem ser tornar o PER de amanhã e por

tal razão vilipendiam os que se encontram em tal situação e vimos enunciados que

disseram de diretores que sujeitam o PER a toda sorte de descasos, num ciclo em

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que a ausência de ações administrativas, políticas e pedagógicas perpetuam as

formas de penalização contra o PER, descritas neste capítulo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O brado angustiante do “eu quero ser gente” perpassa o subtexto de todos os discursos.

Ele não é apenas o desejo de igualar-se, mas de distinguir-se e ser reconhecido.

SAWAIA, 2002

O que se buscou ao longo deste trabalho de pesquisa foi depreender quais

sentidos-e-significados são atribuídos aos professores em readaptação e a seu

trabalho, pelos membros da Gestão Escolar, pelos membros do Corpo Docente em

exercício e pelos membros do Corpo Docente em readaptação funcional.

Buscou-se, desde o início desta pesquisa, percorrer os caminhos de uma

averiguação cujo foco é a visão acerca do PER e seu trabalho do ponto de vista de

sujeitos imersos e externos à situação de readaptação funcional e, para não incorrer

no erro de uma pesquisa ensimesmada, recorreu-se ao estado da arte sobre o tema.

O fator desencadeador desta pesquisa constituiu-se das desqualificações

profissionais e pessoais sofridas por esta pesquisadora quando do retorno à

Unidade Escolar na condição de PER; buscando apoio nas redes sociais identificou-

se com vários colegas que sofreram/sofrem descasos, foram encontrados colegas

que se calam, a maior parte deles, os que enfrentam seus opositores e sofrem

retaliações, os que se exoneraram e, infelizmente, foram encontrados relatos de

suicídios cometidos por PER. Esta pesquisadora tentou e conseguiu trazer à luz da

pesquisa acadêmica os relatos de sofrimento com os quais teve contato.

A injunção contida no título “Atende aí que é a readaptada da tarde”, após a

análise do corpus, pareceu tomar forma de um apelo, de um pedido introduzido

pelos sinônimos do verbo atender: recebe e acolhe aí, que é a readaptada da tarde.

Alguns relatos atribuem ao diretor a responsabilidade do esquecimento

sofrido pelo PER nos planejamentos e festividades escolares, isentando-se de

participação nesse processo de exclusão social e profissional construídos nas

escolhas lexicais que compuseram os eixos temáticos nesta pesquisa, porém, nem

toda a responsabilidade cabe ao diretor porque o rol de atividades desqualifica o

PER e dá efeito de sentido de autorização legal para que o PER auxilie na produção

da merenda e na lavagem dos utensílios de cozinha.

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Em relação ao rol de atividades (p. 39), depreendemos que é um dispositivo

que rege a vida do PER de maneira genérica: não se pode considerá-lo um

documento legal pois, apesar de trazer o timbre oficial do Estado, há ausência de

data, nome, carimbo e assinatura de um responsável pela emissão e pelos dados

nele contido, ademais, o texto é semelhante para todos que o recebem.

Por deixar de inserir as necessidades específicas do PER e as limitações

ambientais ou laborais que devem ser respeitadas, por inserir atividades que não

são condizentes com a descrição das funções do professor (dada pelo Decreto

57.141/2012), o rol parece contemplar apenas a satisfação das carências geradas

pela falta de funcionários operacionais na escola, deixando de “atender o

readaptado da manhã, da tarde ou da noite” em suas reais necessidades e propiciar

sua recuperação.

O conjunto de legislações que regem o trabalho do PER foi unido em uma

apostila no formato digital (arquivo em .pdf – portable document file – arquivo de

documento portátil) sob o nome de Manual do Readaptado e da Readaptação e

publicado na versão inicial em 2005 e atualizada em 2013.

A Publicação tem em sua capa o cabeçalho oficial do Departamento de

Recursos Humanos da SEE, logo após a denominação da apostila, abaixo do

cabeçalho, instiga algumas leituras adicionais.

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Figura 3 – Capa do Manual da Readaptação e do Readaptado

Fonte: http://www.desumare.com/attachments/article/180/MANUAL%20Readaptado.pdf

A ilustração mostra uma sala de aula com alunos dispersos da atividade em

sala de aula, alheios à situação de aprendizagem que aparentemente ocorre. A

professora, aparentemente idosa, é mostrada com a mão na cabeça, olhar que

expressa inconformismo. O cenário montado pelo ilustrador é o reflexo da maioria

das salas de aula: alunos incontroláveis, desobedientes, professores estressados,

entristecidos e adoecidos.

Ao usar tal cenário como capa de um manual, o Departamento de Recursos

Humanos aparentemente reconhece que a rotina da sala de aula poderá levar os

professores à readaptação, entretanto, segundo enunciados dos participantes,

faltam providências que diminuam tanto o afastamento quanto a readaptação de

professores.

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Nos excertos analisados, foi dito por uma gestora que o PER é arisco, foi dito

pelo conjunto de PER entrevistados que o PEED não se vê como sujeito passível de

passar pela readaptação e que por tal razão vilipendia os que estão nessa situação;

que diretores sujeitam o PER a várias sortes de descasos, num ciclo em que a

ausência de ações administrativas e pedagógicas perpetuam as formas de

penalização contra o PER, descritas no capítulo de análise com base nos

enunciados e nas escolhas lexicais feitas pelos participantes.

De acordo com os sentidos-e-significados construídos no capítulo de análise,

o PER é visto como “não-professor” devido a não exercer a função docente, é visto

como “folgado” e “encostado” por alguns, como “um colega” por outros e há

referências no corpus de professores que sequer sabiam que aquela pessoa que

atua na secretaria é um professor.

A definição legal de “readaptação” consta do Capitulo X, art. 41 da Lei 10.261

de 1968 e versa que “Readaptação é a investidura em cargo mais compatível com a

capacidade do funcionário e dependerá sempre de inspeção médica”, inserindo a

readaptação na dimensão política do trabalho do PER, a dimensão mais ampla, que

se realiza quando ocorrem a apreciação e deferência de todos os envolvidos para

todos os aspectos do tema, sem isso, não há política plena por não atingir as

realidades de todos os interessados.

Cabe ressaltar que nem todas as entrevistas foram realizadas no ambiente da

Unidade Escolar do participante, porém, em relação às entrevistas assim realizadas,

não houve qualquer tipo de restrição por parte da direção escolar quanto à

realização de entrevistas e observação do trabalho do PER.

A escola, ambiente de trabalho do PER, é uma instituição que, por excelência,

deveria praticar a inclusão irrestrita; a do corpo discente não diz respeito ao foco

desta pesquisa, a do corpo docente, com necessidades dignas de realocação,

atribuição de atividades, acessibilidade e restrições específicas, nem sempre é

atendida, por vezes é punitivamente contrariada e outras é ignorada, o que se

comprova por meio dos enunciados analisados.

Faz-se relevante e pertinente trazer para estas considerações a afirmação de

Liberalli (2009, p. 240) de que a escola é hoje o local em que as desigualdades e

injustiças sociais são mantidas e que desejos de mudança, individuais ou coletivos,

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não passam da proposição à ação, isto porque “A escola, além de oprimir, tira dos

sujeitos a possibilidade de ver que são oprimidos”.

Restam evidentes das entrevistas duas situações de trabalho do PER: o

repetitivo, em que a atividade atribuída não muda, todos os dias a sequência

laborativa é semelhante: atender balcão, atender telefone, realizar chamada

administrativa nas salas de aula (apesar de casos em que há restrição de contato

com alunos), voltar para a secretaria e atender balcão e telefone até o término do

horário; e o imprevisível, que se constitui no ter para hoje o local e a atividade que a

demanda escolar determinar, sem local fixo, sem atividade rotineira, servindo de

“coringa” para o expediente administrativo escolar.

A presença do PER nas ATPC não é obrigatória, porém, segundo relatos, não

há convites ou incentivos para que participem de tal atividade, quando tentaram

participar, alguns PER disseram ter ouvido críticas de que como não são mais

professores, para que fazer ATPC? Há relatos também de terem sido tirados da

ATPC para controlar fluxo de saída e entrada de alunos no portão, organizar provas

de avaliações internas e externas de alunos do período em que a ATPC ocorria e

ajudar na merenda e limpeza de ambientes e utensílios devido à ausência de

funcionários da cozinha.

A ATPC, por definição, seria um momento para reflexão e ação pedagógica;

entretanto, no que diz respeito ao PER, os relatos obtidos denotam que, em relação

ao PER, é mais um momento da prática da exclusão, referida na fundamentação

teórica e na análise do corpus.

Quanto ao procedimento de profissionais da educação e do processo

educativo para a sociedade local do entorno da UE, eles são norteados pelos

objetivos institucionais escolares; a efetivação e êxito de tal processo é medido por

índices de aprovação, aparentemente o único tema efetivamente discutido no

ambiente escolar, relegando-se a segundo plano a saúde e bem-estar de seus

trabalhadores; a situação de afastamentos médicos de profissionais da educação é

divulgado pela mídia, entretanto, políticas públicas voltadas para o tema não são

divulgadas.

Os aspectos trazidos pelos participantes, a disparidade em relação ao estado

da arte de pesquisas sobre formação do professor versus readaptação do professor

no âmbito do estado de São Paulo e os números de afastamento de professores por

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motivo de saúde, principalmente da saúde mental, abalada pelos crescentes casos

de violência escolar, apontam para a necessidade de: realização de mais pesquisas

sobre a readaptação do professor; adoção de políticas públicas específicas para

essa parcela do funcionalismo público estadual e oferta de alternativas de

realocação do PER para além do ambiente escolar.

A (re)produção dos discursos analisados demonstram a perpetuação da culpa

e responsabilização e punição impostos ao PER, desde a desigualdade de direitos

(como a aposentadoria especial aos 25 anos de exercício docente), passando pelas

dificuldades existentes para a designação de cargos como coordenação escolar,

cujo parecer CAAS é dado sem a avaliação do interessado, pela proibição de

realização de cursos na modalidade EAD oferecidos pela Escola de Formação de

Professores – EFAP aos PEED, o que conta pontuação para evolução funcional por

via não acadêmica, até a transferência compulsória da U.E em caso de não

atendimento à convocação oriunda da Resolução 18/2017.

Todos os temas discutidos nesta pesquisa são fruto da enunciação que, por

sua vez, é um fenômeno social, que tem por base os contextos sócio-históricos, por

meio dos quais o indivíduo depreende o mundo e a realidade que o circundam por

meio da linguagem e, pela linguagem, transfere aos membros de seus convívios

(familiar, social, laboral, estudantil, etc.), é pela linguagem que os valores acerca do

PER e seu trabalho são construídos e transmitidos: muito dos conteúdos do excertos

analisados aparenta ser reprodução discursiva de um fenômeno.

Diante de tal fenômeno linguístico, o que é atribuído como sentido-e-

significado sobre o PER é a destituição social do exercício docente e falta de ações

que de fato recuperem-no para o retorno à sala de aula.

Outro detalhe marcante se constitui nas demonstrações de individualismo do

PEED que, por não se reconhecer como profissional sujeito às intempéries da

atividade docente, não reconhece o PER como profissional, talvez porque ele

reproduza uma situação rejeitável internalizada, talvez pelo egoísmo citado por

Marcia (excerto 24), talvez pelas classes e aulas disponíveis em virtude de

readaptação do colega que, por vezes, completa a jornada de não-efetivos que

esperam para que mais efetivos sejam readaptados e que mais aulas vaguem,

segundo relatos constituintes do corpus reunido.

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No início destas considerações retomamos as questões norteadoras desta

pesquisa a fim de enumerar, além de sentidos-e-significados, seus determinantes,

as propostas de ação deles oriundas para que a Educação como processo possa

beneficiar e ser beneficiada pelo trabalho do PER.

Os elementos lexicais analisados não encerram a necessidade de que mais

pesquisas encontrem à luz da ciência a rotina (ou falta dela) de trabalho do PER

sejam realizadas e que, com base nesses elementos, as políticas públicas futuras

orientem abordagem e tratamento de modo a, conforme referido por Luiz (excerto

22) resgatar a dignidade do Professor em Readaptação, para tanto, dependemos de

políticas públicas específicas, de pesquisas acadêmicas sobre o tema, da empatia e

do entendimento de cada um que, retomando a epígrafe dessas considerações, o

PER é um profissional que busca reconhecimento e que quer se distinguir, o corpus

mostra que ele é distinguido: pelas gestões, pelos demais professores e às vezes

por si próprio, quando toma para si a culpa da readaptação.

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ANEXOS Anexo 1: Organograma da Secretaria Estadual da Educação

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Anexo 2: Organograma das Diretorias de Ensino

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Anexo 4 – Manual do Readaptado e da Readaptação

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O que é a Readaptação?

Readaptação é o afastamento, (temporário ou definitivo) das funções inerentes ao cargo/função-atividade (de origem), por decisão médica, devidamente autorizada pelo Secretário de Estado da Secretaria da Saúde, através de Súmula, publicada no Diário Oficial do Estado.

O que é Súmula?

Súmula é um número dado pela Comissão de Assuntos de Assistência à Saúde – CAAS à conclusão do processo, para registro.

I - PROCEDIMENTOS PARA ENCAMINHAMENTO DA SOLICITAÇÃO DE

READAPTAÇÃO.

A – Da Proposta de Readaptação

1. pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME)

2. por qualquer autoridade pertencente aos quadros da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo, relativamente aos seus subordinados, mediante solicitação de perícia médica para fins de readaptação, devidamente justificada.

2.1 - encaminhamento, ao DPME, através das unidades de saúde credenciadas, para realização de perícia médica – (servidor de unidades localizadas fora da Capital). 2.1.1 - Documentos necessários: a. Ofício do superior imediato b. Anexo I – Ficha Funcional do Servidor c. Atestado Médico.

B - Do Aguardamento

1. O interessado deverá aguardar, através do Diário Oficial, em exercício ou em licença, se for o caso, a convocação para perícia médica pelo DPME da Secretaria da Saúde.

2. O interessado deverá aguardar a decisão, em exercício ou em licença, se for o caso.

C - Da Publicação da Súmula

1. A readaptação do interessado é efetivada, somente com a publicação da Súmula de Readaptação em DO, na Seção II, pela CAAS - Comissão de Assuntos de Assistência à Saúde, da Secretaria da Saúde.

2. Com a publicação da Súmula, são liberadas as aulas/classe dos titulares de cargo e ocupantes de função-atividade, de acordo com a legislação vigente.

3. Publicada a Súmula de Readaptação, pela CAAS, o servidor readaptado deverá ser imediatamente afastado de suas funções para desempenhar as novas atribuições fixadas por essa Comissão.

4. Se designado em função diversa, terá cessada a designação, e mediante parecer da CAAS, poderá ser novamente designado.

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5. Em gozo de férias ou em licença-saúde - assumir o exercício ao término do gozo.

6. Não há interrupção de férias ou licença-saúde, em decorrência da publicação da readaptação.

7. Publicada a Súmula, a CAAS encaminha ao DRHU, os seguintes documentos:

Ofício CAAS,

o Rol de Atribuições a ser desempenhado pelo Readaptado

D - Duração da readaptação

A CAAS define o período de readaptação: 6 meses, 1 ano, 2 anos, definitivo ou outros.

1. Período é estabelecido na Súmula. 2. Início da readaptação é o 1º dia útil subseqüente à publicação da Súmula. 3. 90 dias antes do término deverá se agendado nova perícia (Res. SGP

04/2013 de 22/02/2013).

II - PROCEDIMENTOS/INFORMAÇÕES GERAIS

1. A unidade de classificação deverá acatar, de imediato, as orientações do Ofício Circular nº 5/2002.

1.1 convocar o docente para fazer a opção de carga horária (art 98 da L.C. 444/85 e o parágrafo único do artigo 5º da Resolução SE 307/92, publicada em 01/01/92- Revogado pelo artigo 5º da Res. SE nº 23, 20/04/2011):

1.1.1 opção pela carga horária do momento da readaptação, ou 1.1.2 opção pela média da carga horária dos últimos 60 (sessenta) meses, imediatamente anteriores à readaptação;

1.2 não há opção de jornada para o QAE/QSE, sua jornada é a completa, ou seja, 08 horas diárias = 40 Horas semanais.

2. Implantar no sistema as Súmulas autorizadas. 3. Com base nos dados coletados nos cadastros PAEF/SE e PAPC, comunica-

se que a sede de exercício do interessado é o próprio órgão de classificação, de acordo com a legislação vigente, exceto para Diretor de Escola.

4. No caso de Diretor de Escola, a sede de exercício será a DE à qual está subordinada a unidade onde tem o cargo classificado.

5. Tratando-se de professor titular de 2 cargos, em unidades escolares diversas, o exercício deverá ocorrer nas duas unidades.

6. O Processo de Readaptação é encaminhado à DE, para dar ciência ao interessado de sua readaptação e do rol de atividades que deverá desempenhar na unidade de classificação.

7. O docente cumprirá, na unidade sede de exercício, as horas correspondentes às atividades com alunos e as horas de trabalho pedagógico, em atividades coletivas (HTPC).

8. O ACT, com aulas atribuídas em mais de 1 unidade, deverá cumprir na Sede de Controle e Freqüência a carga horária de sua opção.

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III – PROCEDIMENTOS sobre

A - MOVIMENTAÇÃO DO READAPTADO A movimentação do readaptado dar-se-á na seguinte conformidade:

1. Integrante do QAE ou QSE - através de transferência, (artigos 54 e 55 da L.C. 180/78), instruído nos termos da legislação pertinente.

2. Integrante do QM - Mudança de Sede de Exercício 2.1 de U.E. para U.E., obedecido o disposto na legislação vigente;

2.2 condiciona-se à composição do módulo e anuências das unidades envolvidas; 2.3 documentos necessários obrigatórios - modelos anexos

2.3.1.requerimento do interessado; 2.3.2.declaração de anuência da U.E. de origem; 2.3.3.declaração da U.E. de destino devendo conter:

a) anuência b) grau de parentesco c) módulo – a mudança de sede de exercício ocorrerá,

somente se a unidade pretendida tiver um ou nenhum docente readaptado em exercício;

2.4 docente readaptado em regime de acumulação, alem dos documentos acima a U.E. de destino deverá declarar que está ciente da carga horária a ser cumprida pelo interessado. 2.5 retorno para a unidade de classificação, a pedido, instruir processo com documentos - requerimento e declaração de anuência das duas unidades envolvidas. 2.6 o docente readaptado em regime de acumulação de cargo, com sede de exercício em unidades diferentes, poderá solicitar mudança para uma dessas unidades, (instruir processo com documentos de 2.3.1 a 2.3.3 - exceto itens b e c); ou para uma terceira, obedecendo, neste último caso, na íntegra, itens 2.3.e 2.4. 2.7 para unidade sede de exercício municipalizada extinta ou fundida, (Res. SE 141/97), providenciar o abaixo descrito:

a) o docente deverá retornar imediatamente para a unidade de classificação, se a unidade sede de exercício for municipalizada, extinta ou fundida;

b) o Dirigente da DER que jurisdiciona a U.E. sede de exercício deverá solicitar a mudança – (retorno) a partir de...., em virtude de... para a unidade de classificação do interessado, através de Ofício, juntado ao Processo de Readaptação.

2.8 a documentação, descrita no item 2.3, deverá ser juntada pela DER da U.E. de exercício, atual, ao Processo de Readaptação do interessado, e, este ser encaminhado ao DRHU para providências. 2.9 mudança de sede de exercício não significa transferência do cargo e/ou função-atividade; estes permanecem na unidade de classificação, devendo a mesma se responsabilizar pela vida funcional do readaptado.

B – EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DIVERSAS/PARECER CAAS

1. O integrante do QSE/ QAE/QM poderá ser designado, nomeado ou afastado para exercer funções no serviço público, desde que haja interesse da autoridade constituída, manifestado através de ofício, e ouvida, previamente, a CAAS, quanto à compatibilidade das novas atribuições com sua capacidade laborativa.

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2. O integrante QM - docente poderá ser designado para : 2.1 compor módulo de assistência junto à DE; 2.2 diretor de escola; 2.3 vice-diretor de escola; 2.4 professor coordenador 2.5 outros,

3. O integrante do QSE/QAE poderá exercer outras funções, tais como de Secretário de Escola, Chefe de Seção e outros...

4. Documentos necessários obrigatórios 4.1 ofício do superior imediato; 4.2 Rol das atribuições da função que irá exercer; 4.3 manifestação da DE da U.E. de exercício atual.

5. A documentação acima deverá ser juntada pela DER da U.E. de exercício, atual, do interessado, ao Processo de Readaptação e, ser encaminhado ao DRHU, para providência junto à CAAS.

C - CESSAÇÃO

A cessação da readaptação poderá ser: 1. Proposta pelo superior imediato, através de – ofício, atestado médico. 2. Solicitação do interessado, através de – requerimento atestado médico. 3. A documentação acima deverá ser juntada ao Processo de Readaptação,

pela DER da U.E. de exercício do interessado, ser encaminhado ao DRHU para providências junto à CAAS.

4. O interessado deverá aguardar, através do Diário Oficial, convocação para inspeção médica pelo DPME da Secretaria da Saúde.

5. A cessação da readaptação é efetivada, somente com a publicação da Súmula de Cessação, em DO, na Seção II, pela CAAS.

6. Publicada a Súmula de Cessação, o servidor deverá assumir o exercício na nova situação, no 1º dia útil, imediatamente subseqüente à publicação, ou, conforme o caso, após término de férias ou licença a qualquer título.

7. A unidade de classificação deverá acatar, de imediato, as orientações do Ofício Circular nº 5/2002.

8. Cessada a readaptação, o docente deverá observar o disposto na legislação pertinente à atribuição de aulas.

IV. INSTRUÇÕES COMPLEMENTARES

1. Em processo de readaptação, o docente, OFA ou Titular de Cargo, não poderá ampliar a carga horária.

2. A unidade de classificação deverá extrair cópias do Ofício CAAS e do Rol de Atribuições, para : 2.1 entregar uma cópia ao interessado; 2.2 colocar no prontuário do interessado, uma cópia dos referidos

documentos, bem como da declaração de opção e publicação da Apostila de Carga Horária do docente.

3. Caso o readaptado necessite de licença-saúde, apresentar os documentos abaixo, atendendo ao Comunicado DPME – publicado no DO de 04/03/2005, Seção I pág. 16. 3.1 Rol de Atribuições da CAAS;

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3.2 Rol de Atribuições que exerce na unidade, datado e assinado pelo superior, (este rol é elaborado pelo superior, baseado no Rol de Atribuições emitido pela CAAS);

3.3 Relatório do médico Assistente - modelo na publicação supra mencionada.

4. Em caso de mudança de sede de exercício, o readaptado, ao se apresentar na nova unidade, entregar à Direção cópia do Rol de Atribuições proposto pela CAAS, para que esta elabore o rol de tarefas a serem exercidas pelo interessado na U.E. e cópia da apostila de Carga Horária.

5. Fica vedado ao titular de cargo (QM/QAE), participar do concurso de remoção, e, caso a readaptação ocorra durante o concurso, a Administração tomará as seguintes medidas: 5.1 exclusão do concurso, se ainda houver tempo hábil ou, 5.2 tornar sem efeito o ato de remoção, caso já tenha sido publicada a Súmula

de Readaptação. 6. Em caso de cessação da readaptação vigente, o servidor deverá reassumir as

atribuições de seu cargo no dia imediatamente subsequente à publicação da súmula de cessação da CAAS, ou conforme o caso, após o término de férias ou de licença a qualquer titulo. Artigo 6º § 1º da Res. SGP 04, de 21/02/2013

7. A posse do funcionário e/ou servidor readaptado, aprovado em Concurso público, em qualquer cargo, depende de apresentação de novo laudo médico (CSCF), expedido pelo DPME.

8. Para a readaptação temporária, observar o término do prazo estipulado não cessa a readaptação; até 90 dias antes do término do prazo estipulado, agendar, através de ofício do superior imediato, junto ao DPME, perícia médica para fins de reavaliar a readaptação (Artigo 6º § III da Res. SGP 04/2013 de 22/02/2013).

9. O horário a ser cumprido pelo readaptado é de exclusiva competência da autoridade, hierarquicamente superior a ele.

10. O docente readaptado deverá: 10.1 cumprir na unidade sede de exercício as horas correspondentes às de

sua opção de jornada, (exceto as de HTPL). 10.2 assinar ponto no livro próprio dos docentes; 10.3 gozar férias e recesso escolar, de acordo com o Calendário Escolar, se

em exercício na U.E ; 10.4 inscrever-se, na UA de classificação, anualmente para fins de

classificação, quando do processo de atribuição de classes e/ou aulas; não poderá ter aulas atribuídas.

10.5 se em regime de acumulação de cargo, em outra esfera administrativa, deverá comunicar ao Departamento Médico correspondente, através de ofício, a sua condição de readaptado.

11. O readaptado deverá assumir o exercício na nova unidade, somente após a publicação, em D.O. da Portaria de Mudança .

12. A unidade de classificação, ao receber o Título de Mudança, deverá acatar, de imediato, as orientações do Ofício Circular nº 5/2002.

13. O readaptado que tiver a sede de exercício transferida para outro município fará jus ao período de trânsito, previsto no inciso XIV, do artigo 78 da Lei 10.261/68,

14. O readaptado e a unidade deverão acompanhar todas as publicações e legislações, pertinentes à sua condição, editadas pelas Secretarias da Educação e da Saúde.

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Resolução SE nº 23, de 20-4-2011

Dispõe sobre a situação funcional dos integrantes do Quadro do Magistério,

do Quadro de Apoio Escolar e do Quadro da Secretaria da Educação, readaptados, e dá providências correlatas.

O Secretário da Educação, à vista do que lhe representou o Departamento de Recursos Humanos e considerando a necessidade de atualizar as normas desta Secretaria sobre a situação funcional dos servidores readaptados,

Resolve: Artigo 1º - o integrante do Quadro do Magistério (QM), Quadro de Apoio

Escolar (QAE) e Quadro da Secretaria da Educação (QSE) poderá ser readaptado, desde que ocorra modificação no seu estado físico e/ou mental, comprovada por intermédio de inspeção médica realizada pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado, que venha a alterar sua capacidade para o trabalho, em relação a determinadas tarefas específicas de suas funções.

Artigo 2º - a readaptação de que trata esta resolução poderá: I – ser proposta pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME,

quando, através de inspeção de saúde para fins de licença ou aposentadoria, ficar comprovada a ocorrência das alterações previstas no artigo anterior;

II - ser sugerida pelo chefe imediato, relativamente aos seus subordinados, mediante encaminhamento ao DPME de solicitação de perícia médica devidamente justificada.

Artigo 3º - o integrante do QM, QAE e QSE ficará obrigado, enquanto

perdurarem os motivos que deram origem à readaptação, a cumprir o Rol de Atribuições constante da Súmula de Readaptação, na mesma unidade de classificação do cargo ou da função-atividade.

Artigo 4º - o readaptado poderá ser afastado: I – se docente, no âmbito da Secretaria da Educação, para: a – integrar o Módulo dos órgãos setoriais e subsetoriais; b – exercer o Posto de Trabalho de Professor Coordenador ou Vice-Diretor de

Escola; c – exercer a função de Diretor de Escola; II – se servidor do QAE/QSE, no âmbito da Secretaria da Educação, para: a – ser designado para a função de Secretário de Escola; b – ser designado / nomeado para cargos de chefia. III – fora do âmbito da Pasta, ouvida a Comissão de Assuntos de Assistência

à Saúde da Secretaria de Gestão Pública – CAAS, e devidamente autorizado, por prazo certo e determinado, observado, no entanto, o disposto no artigo 5º desta resolução.

Parágrafo único – o afastamento previsto neste artigo somente poderá ocorrer após pronunciamento favorável da Comissão de Assuntos de Assistência à Saúde da Secretaria de Gestão Pública - CAAS.

Artigo 5º - o readaptado cumprirá, na unidade de classificação do cargo ou da

função-atividade, o número de horas correspondente à sua jornada ou carga horária de trabalho semanal.

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§ 1º – o docente readaptado poderá, por ocasião da publicação da Súmula de Readaptação, optar:

1 – pela carga horária que prestava no momento da readaptação, ou 2 – pela média da carga horária dos últimos 60 meses imediatamente

anteriores à readaptação. § 2º - o docente readaptado cumprirá a carga horária a que faz jus em hora

relógio (60 minutos), em qualquer das opções acima mencionadas, e horas de trabalho pedagógico em local de livre escolha - HTPL, em conformidade com seus pares.

§ 3º - o horário de trabalho a ser cumprido pelo readaptado é de exclusiva competência da autoridade superior.

Artigo 6º - a sede de exercício do readaptado é a unidade de classificação do

cargo ou da função-atividade, exceto a do Diretor de Escola que será a Diretoria de Ensino à qual está subordinado.

Artigo 7º - o período em que o titular de cargo de classes de suporte

pedagógico, readaptado, permanecer em exercício na Diretoria de Ensino, será considerado de afastamento do cargo para fins de substituição.

Artigo 8º - As aulas e/ou classes de Professor Educação Básica I e Professor

Educação Básica II serão liberadas para atribuição no 1º (primeiro) dia útil subsequente ao da publicação da Súmula de Readaptação.

Artigo 9º - o docente enquanto permanecer na condição de readaptado

deverá: I – perceber vencimento/salário correspondente à carga horária fixada nos

termos do § 1º do artigo 5º, e II – inscrever-se, anualmente, para o processo de atribuição de classes e/ou

aulas, exclusivamente para efeito de classificação. Artigo 10 - Cessada a readaptação do docente, no decorrer do ano, e na

impossibilidade de seu aproveitamento imediato, deverão ser tomadas as seguintes providências:

I – se titular de cargo, será declarado adido e perceberá vencimentos correspondentes à Jornada Inicial de Trabalho podendo, a seu expresso pedido, ser incluído em Jornada Reduzida de Trabalho, até seu aproveitamento;

II – se docente ocupante de função-atividade declarado estável, nos termos da Constituição Federal/88 ou docente abrangido pelo § 2º do artigo 2º da Lei Complementar nº 1.010/2007, perceberá salário pela carga horária de 12 (doze) horas semanais ou 60 (sessenta) horas mensais, até seu aproveitamento.

Artigo 11 - a movimentação dos readaptados dar-se-á na seguinte

conformidade: I – se integrante do QAE e QSE, através de transferência nos termos da

legislação vigente; II – se integrante do QM, através de mudança de sede de exercício. § 1º - a movimentação de que trata o inciso II deste artigo, poderá ocorrer

com interstícios de, no mínimo, 1 (um) ano, a contar da vigência da mudança de sede anterior, respeitado o limite de até 2 (dois) readaptados por unidade escolar ou até 6 (seis) por Diretoria de Ensino.

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§ 2º - o limite estabelecido no parágrafo anterior não se aplica aos readaptados da própria unidade de classificação do cargo e aos readaptados com necessidades especiais, comprovadas por laudo médico.

Artigo 12 – o Docente readaptado poderá ter seu cargo/função-atividade

transferido para unidade escolar de grau de ensino distinto, em decorrência de municipalização, extinção e/ou fusão da unidade de classificação, na hipótese de não haver unidades com cargo ou função-atividade correspondente ao seu na jurisdição da Diretoria de Ensino.

Artigo 13 - Compete ao Diretor do Departamento de Recursos Humanos, em

relação aos readaptados, autorizar a movimentação através de: I - portaria de mudança de sede de exercício, quando se tratar de integrante

do QM; II – transferência, quando se tratar de integrante do QAE/QSE. Artigo 14 - Fica vedado ao titular de cargo, enquanto perdurar a readaptação,

inscrever-se em concurso de remoção por união de cônjuges e títulos ou remoção por permuta.

Artigo 15 - o tempo de serviço prestado na condição de readaptado poderá

ser considerado no campo de atuação para efeito de classificação no processo anual de atribuição de classes e aulas.

Artigo 16 - o docente que tiver processo de readaptação em tramitação não

poderá: I – se titular de cargo: a) ampliar a jornada de trabalho e b) substituir outro docente com carga horária superior; II - se abrangido pelo § 2º do artigo 2º da Lei Complementar nº 1.010/2007,

ampliar a carga horária semanal de trabalho. Artigo 17 - o docente readaptado que for nomeado para cargo decorrente de

aprovação em concurso público terá sua posse condicionada à apresentação de Certificado de Sanidade e Capacidade Física, expedido pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado.

Artigo 18 – o Departamento de Recursos Humanos poderá expedir normas

complementares para o cumprimento desta resolução. Artigo 19 – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,

revogadas as disposições em contrário, em especial as Resoluções SE nºs 307, de 31.12.1991, e 26, de 11.3.1997.

Notas: Constituição Federal; Lei Complementar nº 1.010/07, à pág. 25 do vol. LXIII; Revoga a Res. SE nº 307/91, à pág. 160 do vol. XXXII; Revoga a Res. SE nº 26/97, à pág. 88 do vol. XLIII; http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/23_11.HTM?Time=5/9/2012%2

05:47:15%20AM – 10/06/2013

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Portaria DRHU 39/96 – DO 18/07/96 (Regulamenta a Resolução SE 307/92)

A Diretora do Departamento de Recursos Humanos, visando atualizar normas regulamentares e uniformizar procedimentos relativos à situação funcional dos integrantes do Quadro do Magistério readaptados, expede a presente portaria:

Artigo 1º - A readaptação do integrante do Quadro do Magistério verificar-se-á quando ocorrer modificação de seu estado físico e/ou mental, comprovada mediante inspeção médica, cuja competência é do DPME, da Secretaria da Saúde.

Artigo 2º - A readaptação poderá ser proposta:

I – pelo superior imediato, justificando a medida, ou

II – pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado (D.P.M.E.).

Parágrafo único – No caso previsto no inciso I deste artigo, o expediente deve ser encaminhado previamente ao DRHU.

Artigo 3º - Enquanto perdurarem as condições que motivaram a readaptação, o integrante do Quadro do Magistério deverá cumprir o rol de atribuições constante da Súmula de Readaptação, na mesma unidade de classificação do cargo ou na sede de controle de freqüência da função-atividade, obedecida a carga horária fixada na seguinte conformidade:

I – se docente, em horas-aula:

a) na jornada de Trabalho Docente para o titular de cargo, acrescida, quando for o caso, de carga suplementar, e para o servidor, na carga horária que vinha exercendo no momento da readaptação, ou

b) na média das cargas horárias nos últimos 60 meses, imediatamente anteriores à readaptação, tanto para o titular de cargo como para o servidor.

II – se especialista de educação, em número de horas correspondente à jornada Completa de Trabalho.

§1º - Para fixação da carga horária de que trata o “caput” deste artigo, o docente deverá, por ocasião da publicação da Súmula de Readaptação, optar por uma das condições constantes do inciso I.

§2º - Em qualquer das opções mencionadas no parágrafo anterior, o docente fará jus a exercer, em local de livre escolha, as horas-atividade inerentes à carga horária fixada.

Artigo 4º - O docente readaptado assinará ponto, usufruirá férias regulamentares e fará jus aos períodos de recesso escolar, em conformidade com seus pares.

Artigo 5º - A sede de exercício do readaptado será fixada conforme segue:

I – se docente, na unidade escolar de classificação do cargo;

II – se titular de cargo de especialista de educação, da Delegacia de Ensino a que se jurisdiciona a unidade de classificação do cargo.

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§1º - O readaptado poderá optar, anualmente, por mudança de sede de exercício, respeitado, na unidade de destino, o limite de até 2 readaptados por unidade escolar, quando docente, ou por Delegacia de Ensino, se especialista de educação.

§2º - O limite estabelecido no parágrafo anterior não se aplica aos casos de readaptação da própria unidade de classificação do cargo.

§3º - Fará jus ao período de trânsito, previsto no inciso XIV do artigo 78 da Lei 10261/68, o readaptado que tiver a sede de exercício transferida para outro município.

Artigo 6º - É vedado ao titular de cargo, durante o período em que permanecer readaptado, inscrever-se em concurso público de remoção por permuta, por união de cônjuges ou por títulos.

Artigo 7º - As classes e/ou aulas de Professores I, II ou III serão liberados, após a publicação da Súmula de Readaptação, para todos os fins e imediatamente atribuídas aos docentes classificados no processo de atribuição de classes/aulas de acordo com a legislação pertinente.

Artigo 8º - Ouvida previamente a Comissão de Assuntos de Assistência à Saúde (CAAS), e devidamente autorizado, o readaptado poderá ser:

I – nomeado para prover cargos em comissão;

II – designado para o exercício de cargos/funções previstos em legislação.

Parágrafo único – O docente readaptado designado para exercer cargo/função, nos termos deste artigo, fará jus à remuneração prevista para o cargo/função exercido.

Artigo 9º - O período em que o titular de cargo de especialista de educação permanecer em exercício na Delegacia de Ensino, em virtude da readaptação, será considerado como de afastamento do cargo, para efeito de substituição.

Artigo 10º - O readaptado que for nomeado para cargo decorrente de aprovação em concurso público de Ingresso/Acesso, terá sua posse condicionada à apresentação de Certificado de Sanidade e Capacidade Física (CSCF), expedido pelo D.P.M.E., de acordo com o que dispõe o artigo 14 do Decreto 29180/88.

Parágrafo único – O disposto neste artigo se aplica, similarmente, à admissão de docente cuja última dispensa tenha sido imediatamente posterior a um período de readaptação.

Artigo 11 – O docente readaptado, deverá, anualmente, inscrever-se para o processo de atribuição de classes/aulas, exclusivamente para efeito de classificação.

Artigo 12 – Cessada a readaptação do docente no decorrer do ano letivo, a Direção da U.E. deverá providenciar o seu imediato aproveitamento, nos termos da legislação que regulamenta o processo de atribuição de classes/aulas, vigente no ano em curso.

Parágrafo único – Se o docente titular de cargo ou estável, na ocasião da cessação da readaptação, estiver com sede de exercício em unidade distinta da inicialmente fixada, deverá apresentar-se de imediato na unidade de classificação do cargo ou de

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sede de controle de freqüência da função, para atendimento do disposto no “caput” deste artigo.

Artigo 13 – Na impossibilidade de seu aproveitamento, quando da cessação da readaptação, o docente:

I – se titular de cargo, será declarado adido, nos termos da legislação pertinente;

II – se estável, deverá ter atribuída a carga horária semanal mínima de 10 horas, prevista nos artigos 3º e 4º da LC 706/93;

III – se admitido pela Lei 500/74, sem direito à estabilidade, será dispensado.

Artigo 14 – O titular de cargo de especialista de educação, ao ter cessada sua readaptação, deverá assumir de imediato o exercício de seu cargo.

Artigo 15 – O docente que tiver processo de readaptação, em tramitação, não poderá:

I – se titular de cargo, ampliar jornada de trabalho e/ou substituir docente com carga horária superior;

II – se estável ou ocupante de função-atividade, ampliar a carga horária semanal de trabalho.

Artigo 16 – Esta portaria entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário, em especial a Portaria DRHU-16, de 26/03/86 e Portaria DRHU-29, de 28/06/96

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4 – São Paulo, 123 (35) Diário Oficial Poder Executivo - Seção I sábado, 23 de fevereiro de 2013 Gestão Pública GABINETE DO SECRETÁRIO Resolução SGP 04, de 21-2-2013 O Secretário de Gestão Pública, no uso de suas atribuições, e Considerando a importância de promover condições para a recuperação e reabilitação laborativa dos servidores readaptados; Considerando a necessidade de conferir maior agilidade e eficiência à operacionalização do instituto da readaptação; e Considerando a necessidade de editar normas relativas à padronização do instituto da readaptação, resolve: Artigo 1º - O servidor público estadual poderá ser readaptado quando ocorrer modificação de suas condições de saúde que altere sua capacidade de trabalho. Artigo 2º - A readaptação de que trata o artigo anterior desta Resolução poderá ser proposta exclusivamente: I - pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME; II - por qualquer autoridade pertencente aos quadros das Secretarias de Estado, da Procuradoria Geral do Estado e das Autarquias, relativamente aos seus subordinados, mediante encaminhamento ao Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME de ofício solicitando a realização de perícia médica para fins de readaptação, devidamente justificada por relatório médico e, se for o caso, por exames médicos complementares. § único - Os pedidos que não atenderem ao disposto neste artigo serão indeferidos de plano pela Equipe Técnica de Readaptação do DPME. Artigo 3° - As perícias para fins de readaptação serão realizadas pelo DPME, bem como, a critério deste, quando necessário, por outros órgãos ou entidades oficiais, e ainda, por instituições médicas que mantenham convênio com a Administração direta ou indireta, na forma prevista pelo artigo 202 da Lei Complementar n° 180, de 12 de maio de 1978, com a redação dada pela Lei Complementar n° 1123/2010. § único - Do laudo emitido por ocasião da perícia médica de que trata o “caput” deste artigo deverão constar informações claras e específicas acerca da eventual incapacidade laborativa do servidor, ambiente de trabalho e/ou atividades laborativas contra-indicadas. Artigo 4º - Compete à Comissão de Assuntos e Assistência à Saúde – CAAS a decisão relativa a proposta de que trata o artigo 2° desta Resolução, mediante análise do laudo pericial e das justificativas, definindo a duração do período de readaptação, segundo os seguintes critérios: I - readaptação temporária, por prazo nunca superior a dois anos ou inferior a um ano, para servidores portadores de incapacidade temporária para o exercício do cargo; II - readaptação definitiva, para servidores cujo laudo médico ateste afecções que causem prejuízo permanente da capacidade laborativa do cargo, porém, que permitam o exercício de outras atividades. § 1º - Na hipótese prevista no inciso I do caput deste artigo o servidor readaptado será encaminhado pela CAAS ao Serviço de Medicina Social do Instituto de

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Assistência Médica ao Servidor Público Estadual – IAMSPE, para a obtenção do tratamento e/ou frequência ao Programa de Reabilitação prescrito. § 2º - Ao servidor deverá ser facultada flexibilidade de horário que permita a conciliação do exercício profissional com o tratamento e/ou Programa prescrito. § 3º - O servidor fica obrigado a comprovar efetiva realização do tratamento médico e/ou freqüência ao Programa de Reabilitação perante a unidade em que se encontra em exercício, para fins de registro de frequência. § 4º - O servidor fica obrigado, ainda, a comprovar efetiva realização do tratamento médico e/ou frequência ao Programa de Reabilitação perante o DPME, ao cumprir o disposto no inciso III do artigo 6º desta Resolução. Artigo 5º - Da súmula de readaptação a ser publicada pela CAAS deverão constar o prazo estipulado para a readaptação e, quando for o caso, o tratamento médico e/ou Programa de Reabilitação recomendados. Artigo 6º - Aos servidores a quem tenha sido concedida readaptação temporária aplicar-se-ão os seguintes procedimentos: I - será considerado como de início da readaptação o 1º dia útil imediatamente subsequente ao da publicação, pela CAAS, da súmula de que trata o artigo anterior; II - o servidor readaptado deverá obrigatoriamente assumir as atividades readaptadas e cumprir o Rol de Atividades definido pela CAAS; III – noventa dias antes do término do período estipulado de readaptação funcional, caberá à unidade administrativa a que pertence o servidor e/ou ao servidor solicitar ao DPME avaliação da capacidade laborativa com finalidade de manter ou cessar a readaptação funcional vigente; § 1° – Em caso de cessação da readaptação vigente, o servidor deverá reassumir as atribuições de seu cargo no dia imediatamente subsequente à publicação da súmula de cessação da CAAS, ou conforme o caso, após o término de férias ou de licença a qualquer título. § 2º - Compete ao superior imediato do servidor acompanhar o cumprimento dos procedimentos de que trata este artigo. § 3º - Sempre que o superior imediato constatar inadaptação do readaptado às novas atribuições, deverá solicitar à CAAS, por intermédio do Grupo de Trabalho de Readaptação da respectiva Secretaria de Estado, da Procuradoria Geral do Estado e das Autarquias, reavaliação do Rol de Atividades ou da sua condição de readaptado. § 4° - Será considerado como de readaptação o interstício que vier a ocorrer entre o término da readaptação e a publicação da súmula de cessação. Artigo 7º - Aos servidores a quem tenha sido concedida readaptação definitiva aplicar-se-ão os procedimentos previstos nos incisos I, II do artigo 6° desta Resolução. Artigo 8º - A critério da Administração, o servidor readaptado poderá ser nomeado para prover cargo em comissão ou ser designado para o exercício de outras funções do serviço público estadual, desde que ouvida previamente a CAAS, quanto à compatibilidade das novas atribuições com sua capacidade laborativa. Artigo 9º - Nos casos de exoneração, dispensa, aposentadoria, falecimento ou transferência do readaptado, o superior imediato comunicará a ocorrência à CAAS,

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por intermédio do Grupo de Trabalho de Readaptação da respectiva Secretaria de Estado, da Procuradoria Geral do Estado e das Autarquias e, na sua falta, de Órgão de Recursos Humanos. Artigo 10 – No caso de servidor readaptado que necessite se afastar em licença para tratamento de saúde, deverá apresentar no ato da perícia cópia do rol de atividades de readaptado específico do servidor, expedido pela CAAS, relatório médico conforme modelo constante do Anexo I desta Resolução e comprovar a realização de tratamento e/ou frequência ao Programa de Reabilitação de que trata o § 1º, artigo 4º desta Resolução. Artigo 11 – Ficam revogadas as disposições em contrário. Artigo 12 - Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação. (republicado por conter incorreções) Relatório do Médico Assistente Nome do Paciente: __________R.G.: _______ CPF: _____________________ 1 - Diagnóstico (Cid-10): ___________________________________________ 2 – Data de início da doença: _______________________________________ 3 - Limitações (Física e/ou Psíquica): ________________________________ 4 - Exames Subsidiários (Resultados): ________________________________ 5 - Tratamento (Pregresso e Atual): __________________________________ 6 - Evolução: ___________________________________________________ 7 - Prognóstico: _________________________________________________ (Município), ________ de ____________ de 20____ Assinatura e Carimbo do Médico Ciente e de Acordo: ––––––––––––––– Assinatura do Solicitante Obs.: As informações acima fornecidas deverão obedecer aos preceitos da Ética Médica.

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Resolução SE nº 08/2012 – dispõe sobre a carga horária dos docentes da rede estadual de ensino:

I – Jornada Integral de Trabalho Docente:

a) total da carga horária semanal: 40 horas (2.400 minutos); b) atividades com alunos: 26h40min (1.600 minutos);

II – Jornada Básica de Trabalho Docente: a) total da carga horária semanal: 30 horas (1.800 minutos); b) atividades com alunos: 20 horas (1.200 minutos);

III – Jornada Inicial de Trabalho Docente: a) total da carga horária semanal: 24 horas (1.440 minutos); b) atividades com alunos: 16 horas (960 minutos);

IV – Jornada Reduzida de Trabalho Docente: a) total da carga horária semanal: 12 horas (720 minutos); b) atividades com alunos: 8 horas (480 minutos).

Artigo 2º - Para cumprimento do disposto no artigo anterior, as jornadas de trabalho docente passam a ser exercidas em aulas de 50 (cinquenta) minutos, na seguinte conformidade:

I – Jornada Integral de Trabalho Docente: a) 32 (trinta e duas) aulas; b) 3 (três) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 13 (treze) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

II – Jornada Básica de Trabalho Docente: a) 24 (vinte e quatro) aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 10 (dez) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

III – Jornada Inicial de Trabalho Docente: a) 19 (dezenove) aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 7 (sete) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha;

IV – Jornada Reduzida de Trabalho Docente: a) 9 (nove) aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 3 (três) aula de trabalho pedagógico em local de livre escolha.

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ANEXO (a que se refere o parágrafo único do artigo 2º)

CARGA SEMANAL(HORAS)

AULA DE 50MINUTOS

COM ALUNOS TRABALHO PEDAGÓGICO SEMANAL

NA ESCOLA LOCAL LIVRE

40 32 03 13

39 31 03 12

38 30 03 12

37 29 03 12

35 28 03 11

34 27 02 11

33 26 02 11

32 25 02 11

30 24 02 10

29 23 02 09

28 22 02 09

27 21 02 09

25 20 02 08

24 19 02 07

23 18 02 07

22 17 02 07

20 16 02 06

19 15 02 05

18 14 02 05

17 13 02 05

15 12 02 04

14 11 02 03

13 10 02 03

12 09 02 03

10 08 02 02

09 07 02 01

08 06 02 01

07 05 02 01

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quarta-feira, 19 de março de 2014 Diário Oficial Poder Executivo - Seção I São Paulo, 124 (52) – 17 Educação GABINETE DO SECRETÁRIO Resolução SE-12, de 18-3-2014 Dispõe sobre a situação funcional dos servidores da Secretaria da Educação que se encontram na condição de readaptados, e dá providências correlatas O Secretário da Educação, à vista do disposto no Decreto nº 58.032, de 10 de maio de 2012, alterado pelo Decreto nº 58.973, de 18 de março de 2013, que autoriza a Secretaria da Educação a realizar inspeções médicas em servidores do seu Quadro de Pessoal, e considerando a necessidade de atualizar normas relativas à situação funcional de servidores que se encontram na condição de readaptados, Resolve: Artigo 1º - O integrante do Quadro do Magistério - QM, ou do Quadro de Apoio Escolar - QAE ou, ainda, do Quadro da Secretaria da Educação - QSE poderá ser readaptado, desde que se verifique alteração em sua capacidade de trabalho, por modificação do estado de saúde física e/ou mental, comprovada mediante inspeção médica, a ser realizada por intermédio da Secretaria da Educação, de acordo com o que dispõe o Decreto nº 58.032/2012 e alterações posteriores. Artigo 2º - A readaptação do servidor poderá ser: I – proposta pelo Comitê de Apoio ao Servidor - CAS da Secretaria da Educação, quando, através de inspeção médica, ficar comprovada a modificação do estado físico e/ou mental, a que se refere o artigo 1º desta resolução; II - sugerida pelo superior imediato, relativamente a seus subordinados, mediante encaminhamento de solicitação de perícia médica, devidamente justificada, ao Centro de Qualidade de Vida – CQV, do Departamento de Planejamento e Normatização de Recursos Humanos – DEPLAN, da Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos - CGRH da Secretaria da Educação; ou III - solicitada pelo próprio servidor, desde que acompanhada de atestado médico que comprove a modificação do estado físico e/ou mental, a que se refere o artigo 1º desta resolução. Artigo 3º - O servidor readaptado, enquanto perdurar sua readaptação, deverá cumprir o Rol de Atribuições constante da respectiva Súmula de Readaptação, na unidade/órgão de classificação do seu cargo ou função-atividade, que é sua sede de exercício. § 1º - Excepcionalmente, no momento da concessão da readaptação, o Comitê de Apoio ao Servidor – CAS/SE poderá propor ao coordenador da CGRH, mediante anuência do servidor, a transferência da unidade/órgão de classificação do seu cargo ou função-atividade e/ou a mudança de sua sede de exercício para unidade/órgão diverso. § 2º - O servidor que tenha se submetido à alteração do órgão/sede de classificação e/ou da sede de exercício, nos termos do parágrafo anterior, somente poderá alterar novamente a sede de exercício após manifestação favorável do Comitê de Apoio ao Servidor – CAS/SE, observadas as disposições do artigo 10 desta resolução.

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§ 3º - A sede de exercício do servidor readaptado que seja integrante das classes de suporte pedagógico do QM será sempre a Diretoria de Ensino de circunscrição da unidade/órgão de classificação do respectivo cargo. § 4º - O período em que o titular de cargo das classes de suporte pedagógico permanecer em exercício na Diretoria de Ensino, na condição de readaptado, será considerado como de afastamento do cargo para fins de substituição. Artigo 4º - O servidor readaptado poderá: I – se pertencente ao QM a) ser afastado, designado ou nomeado em comissão, conforme o caso, no âmbito da Secretaria da Educação, para integrar o módulo de órgãos setoriais ou subsetoriais da referida Pasta; b) se docente, além da possibilidade prevista na alínea anterior, ser designado para: 1 – exercer as atribuições inerentes ao cargo de Diretor de Escola; 2 – ocupar o posto de trabalho de Professor Coordenador ou de Vice-Diretor de Escola; 3 – atuar no Programa Ensino Integral, exclusivamente como docente responsável pela Sala/Ambiente de Leitura; II – se pertencente ao QSE ou ao QAE, ser designado ou nomeado em comissão, conforme o caso, para exercer cargo de direção em órgãos setoriais ou subsetoriais da Secretaria da Educação. III – independentemente do quadro funcional a que pertença, ser afastado, designado ou nomeado em comissão fora do âmbito da Secretaria da Educação, desde que a critério da administração e devidamente autorizado por prazo certo e determinado. § 1º – Os afastamentos, designações e nomeações em comissão previstos neste artigo somente poderão ocorrer após manifestação favorável da Comissão de Assuntos e Assistência à Saúde – CAAS, da Secretaria da Gestão Pública, exceto na situação relacionada no item 3 da alínea “b” do inciso I deste artigo. § 2º - O superior imediato, antes de fazer a indicação de docente readaptado para ocupar posto de trabalho de Vice Diretor de Escola ou de Professor Coordenador, bem como para atuar na Sala/Ambiente de Leitura em escola participante do Programa Ensino Integral, deverá verificar se as atribuições respectivamente correspondentes são compatíveis com o Rol de Atribuições do referido docente. Artigo 5º - O servidor readaptado cumprirá, na unidade/ órgão de classificação do seu cargo ou função-atividade e/ou em sua sede de exercício regularmente fixada, o número de horas correspondente à sua jornada ou carga horária semanal de trabalho. § 1º – Tratando-se de docente, o servidor poderá, por ocasião da publicação de sua Súmula de Readaptação, optar: 1 – pela carga horária que cumpria no momento da readaptação; ou 2 – pela média aritmética das cargas horárias referentes aos últimos 60 (sessenta) meses imediatamente anteriores ao mês da readaptação. § 2º - A carga horária definida de acordo com a opção do docente readaptado, nos termos do item 1 ou 2 do parágrafo anterior, deverá ser fixada em Apostila de Readaptação, a ser devidamente publicada no Diário Oficial do Estado – DOE, por competência do Dirigente Regional de Ensino. § 3º - O docente readaptado, com sede de exercício estabelecida em unidade escolar, deverá cumprir a carga horária fixada em sua Apostila de Readaptação, em aulas de 50 (cinquenta) minutos, observada a composição de cargas horárias

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constantes do Anexo que integra a Resolução SE-8/2012, excluindo somente as aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha – ATPL, em conformidade com seus pares docentes. § 4º – O docente readaptado, com sede de exercício estabelecida em Diretoria de Ensino, deverá ter a carga horária fixada em sua Apostila de Readaptação convertida em horas-relógio, de 60 (sessenta) minutos cada, para ser cumprida, em sua totalidade, no âmbito da Diretoria de Ensino, inclusive a carga horária correspondente às aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha – ATPL. § 5º - O docente readaptado, que se encontre em situação de afastamento, designação ou nomeação em comissão, de que trata o artigo 4º desta resolução, terá a carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, de 60 (sessenta) minutos cada, decorrente do respectivo ato administrativo, que prevalece sobre a carga horária fixada na Apostila de Readaptação, para ser integralmente cumprida no âmbito da unidade/órgão do afastamento, designação ou nomeação em comissão. § 6º - A definição do horário de trabalho a ser cumprido pelo servidor readaptado, qualquer que seja sua sede de exercício, é de exclusiva competência do superior imediato, em especial quanto à fixação de horário de entrada e saída e, quando se tratar de docente com exercício em unidade escolar, também com relação à distribuição de sua carga horária pelos dias da semana e pelos turnos de funcionamento da escola, inclusive o noturno, independentemente de qual seja seu campo de atuação. Artigo 6º - Publicada a Súmula de Readaptação, o servidor assumirá o exercício de suas atribuições, na unidade/órgão que lhe for indicado como sede de exercício, no primeiro dia útil imediatamente subsequente ao da publicação da referida Súmula ou ao do término de período de impedimento legal, como férias ou licenças a qualquer título, em que porventura se encontre. Parágrafo único - A classe e/ou as aulas atribuídas a um docente que venha a ser readaptado serão liberadas, para nova atribuição, no primeiro dia útil imediatamente subsequente ao da publicação da Súmula de Readaptação. Artigo 7º - O docente enquanto permanecer na condição de readaptado deverá: I – ser remunerado pela carga horária fixada em sua Apostila de Readaptação, nos termos dos §§ 1º e 2º do artigo 5º desta resolução; e II – inscrever-se, anualmente, para o processo de atribuição de classes e/ou aulas, exclusivamente para efeito de classificação. Artigo 8º - Cessada a readaptação do docente, no decorrer do ano letivo, e na impossibilidade de seu aproveitamento imediato, deverão ser adotadas as seguintes providências: I – se titular de cargo, será declarado adido, passando a ser remunerado pela carga horária correspondente à da Jornada Inicial de Trabalho Docente, até seu aproveitamento; II – se docente ocupante de função-atividade, será remunerado pela carga horária de 12 (doze) horas semanais ou 60 (sessenta) horas mensais, até seu aproveitamento. Artigo 9º - A movimentação dos servidores readaptados poderá ocorrer na seguinte conformidade:

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I – se integrante do QAE ou do QSE, mediante transferência nos termos da legislação pertinente; II – se integrante do QM, mediante mudança de sede de exercício. § 1º - A movimentação, de que trata o inciso II deste artigo, poderá ser pleiteada pelo docente readaptado a qualquer tempo, desde que seja observado o interstício mínimo de 1 (um) ano, a contar da vigência da mudança de sede anterior. § 2º - A mudança de sede de exercício do docente readaptado deverá ser pleiteada preferencialmente para unidade escolar que mantenha segmento de ensino compatível com o seu campo de atuação. § 3º - O limite para a movimentação a que se refere o parágrafo anterior será de até 2 (dois) docentes readaptados por unidade escolar, desconsiderados, em qualquer número, os docentes readaptados da própria unidade. § 4º - Ao docente readaptado que apresente necessidades especiais, devidamente comprovadas por laudo médico, não se aplica o limite do número de docentes estabelecido no parágrafo anterior. § 5º - O docente readaptado poderá pleitear a mudança de sua sede de exercício para a Diretoria de Ensino de circunscrição da unidade de classificação do seu cargo ou função-atividade, onde passará a exercer seu Rol de Atribuições, cumprindo a carga horária fixada em sua Apostila de Readaptação, conforme dispõe o § 4º do artigo 5º desta resolução, observados, para este tipo de movimentação, a conveniência administrativa e o limite, por Diretoria de Ensino, de até 6 (seis) docentes nessa situação. Artigo 10 – Para que ocorra a movimentação prevista no artigo anterior, além do pedido de transferência ou de mudança de sede, deverão ser juntados ao expediente os termos de anuência dos superiores imediatos das unidades de origem e de destino. § 1º - Efetivada a movimentação, caberá ao superior imediato do servidor readaptado na unidade de destino o acompanhamento do seu exercício e a análise do seu desempenho. § 2º - Quando o servidor readaptado não corresponder às atribuições do seu rol de readaptação e/ou descumprir normas legais, o superior imediato da unidade de destino poderá requerer ao Dirigente Regional de Ensino que adote as providências necessárias, junto à CGRH, para promover o retorno do readaptado à unidade de classificação do respectivo cargo ou função-atividade. § 3º - O requerimento do superior imediato, para retorno do servidor readaptado à unidade de classificação, deverá ser acompanhado de relatório circunstanciado, que comprove o desempenho incompatível com o rol de atribuições e/ou o descumprimento de normas legais, assegurada a oportunidade de ampla defesa, observando-se que, em caso de deferimento do pedido de retorno, ficará o readaptado impedido de pleitear nova movimentação, nos termos desta resolução, pelo prazo de 1 (um) ano, a contar da vigência do retorno. Artigo 11 – Em casos de extinção de unidade escolar, por qualquer motivo, inclusive em decorrência de processo de municipalização do ensino, o servidor readaptado terá seu cargo ou função-atividade transferido para a unidade escolar mais próxima, juntamente com os demais servidores da unidade extinta. Parágrafo único – Para o docente readaptado, na situação de extinção de escola, deverão se observar os seguintes procedimentos:

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1 – se a escola extinta for sua unidade de classificação, seu cargo ou função-atividade será transferido na conformidade do que dispõe o caput deste artigo, independentemente do(s) segmento(s) de ensino que se ofereça(m) na escola mais próxima; 2 – se a escola extinta for apenas sua sede de exercício, o docente readaptado retornará ao órgão/unidade de classificação de seu cargo ou função-atividade, podendo, de imediato, pleitear nova mudança de sede de exercício, desconsiderada a exigência de cumprimento do interstício mínimo, de que trata o § 1º do artigo 9º desta resolução. Artigo 12 – Compete ao Coordenador da CGRH, em relação aos servidores readaptados, autorizar a movimentação mediante: I - Portaria de mudança de sede de exercício, quando se tratar de integrante do QM; II – Transferência, quando se tratar de integrante do QAE ou do QSE. Artigo 13 - Fica vedado ao titular de cargo, enquanto perdurar a readaptação, inscrever-se em concurso de remoção, qualquer que seja a modalidade. Artigo 14 – O tempo de serviço do docente prestado na condição de readaptado poderá, observado o campo de atuação, ser considerado para efeito de classificação no processo anual de atribuição de classes e aulas. Artigo 15 - O docente que tiver processo de readaptação em tramitação não poderá: I – se titular de cargo: a) ampliar a jornada de trabalho; b) substituir outro docente com carga horária superior. II - se ocupante de função-atividade, ampliar a carga horária semanal de trabalho. Artigo 16 - O servidor readaptado, que venha a ser nomeado para cargo em decorrência de aprovação em concurso público, terá sua posse condicionada à apresentação de Certificado de Sanidade e Capacidade Física (laudo médico) considerando-o apto, que tenha sido expedido pelo Departamento de Perícias Médicas do Estado - DPME da Secretaria da Gestão Pública, vedada a expedição por qualquer outro órgão/unidade de saúde. Artigo 17 – A Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos poderá expedir normas complementares que se façam necessárias ao cumprimento do disposto na presente resolução. Artigo 18 – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário, em especial o § 3º do artigo 3º da Resolução SE-35, de 30.5.2007, alterado pela Resolução SE-81, de 30.11.2007, e a Resolução SE-23, de 20.4.2011.