POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no...

22
Nos anos de 1990, uma intensa e agressiva disputa por investimentos estrangeiros tomou conta do setor automotivo brasileiro. Estados e municípios articularam-se, patrocinados pelo go- verno central, agências federais, fundos estaduais e bancos oficiais – como o BNDES – e ofereceram a devolução do imposto recolhido (ou o devido) às próprias empresas, através das mais variadas formas de financiamento, sempre a taxas mais ge- nerosas que as do mercado. A guerra foi chamada fiscal por estar baseada no jogo com a receita e a arrecadação futura do ICMS. Envolve, porém, diferentes taxas e financia- mento para capital de giro e infra-estrutura, incluin- do terraplanagem, vias de acesso, terminais portuá- rios, ferroviários e rodoviários, assim como malhas de comunicação e mesmo a diminuição das tarifas de energia elétrica. Nos municípios, taxas, IPTU e ISS foram oferecidos por até trinta anos. Os mecanismos utilizados para atrair esses novos investimentos foram crescendo em sofisti- cação. Apesar de alguns constrangimentos sedi- mentados pela nova lei de Responsabilidade Fis- cal e por algumas das propostas de reforma fiscal em discussão, dificilmente serão completamente extintos sem um novo entendimento político en- tre os Estados da federação. Exatamente pelas di- ficuldades que esse processo envolve, parece-nos que, a médio prazo, não há solução capaz de im- pedir que um governo estadual procure melhorar sua economia e bem-estar às custas de outras re- giões. Exatamente por isso, a questão de fundo atualizada pela guerra fiscal possui uma dimensão nacional e política, pois toca, de fato, nos alicer- POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA * Glauco Arbix * À Fapesp e ao CNPq meus agradecimentos. Gosta- ria também de agradecer as sugestões recebidas do corpo de pareceristas da RBCS. Versão preliminar deste texto foi apresentada no Seminário Interna- cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM, Rio de Janeiro, março de 2001. RBCS Vol. 17 n o 48 fevereiro/2002

Transcript of POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no...

Page 1: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

Nos anos de 1990, uma intensa e agressivadisputa por investimentos estrangeiros tomouconta do setor automotivo brasileiro. Estados emunicípios articularam-se, patrocinados pelo go-verno central, agências federais, fundos estaduaise bancos oficiais – como o BNDES – e oferecerama devolução do imposto recolhido (ou o devido)às próprias empresas, através das mais variadasformas de financiamento, sempre a taxas mais ge-nerosas que as do mercado.

A guerra foi chamada fiscal por estar baseadano jogo com a receita e a arrecadação futura doICMS. Envolve, porém, diferentes taxas e financia-mento para capital de giro e infra-estrutura, incluin-

do terraplanagem, vias de acesso, terminais portuá-rios, ferroviários e rodoviários, assim como malhasde comunicação e mesmo a diminuição das tarifasde energia elétrica. Nos municípios, taxas, IPTU eISS foram oferecidos por até trinta anos.

Os mecanismos utilizados para atrair essesnovos investimentos foram crescendo em sofisti-cação. Apesar de alguns constrangimentos sedi-mentados pela nova lei de Responsabilidade Fis-cal e por algumas das propostas de reforma fiscalem discussão, dificilmente serão completamenteextintos sem um novo entendimento político en-tre os Estados da federação. Exatamente pelas di-ficuldades que esse processo envolve, parece-nosque, a médio prazo, não há solução capaz de im-pedir que um governo estadual procure melhorarsua economia e bem-estar às custas de outras re-giões. Exatamente por isso, a questão de fundoatualizada pela guerra fiscal possui uma dimensãonacional e política, pois toca, de fato, nos alicer-

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA*

Glauco Arbix

* À Fapesp e ao CNPq meus agradecimentos. Gosta-ria também de agradecer as sugestões recebidas docorpo de pareceristas da RBCS. Versão preliminardeste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”,IUPERJ-UCAM, Rio de Janeiro, março de 2001.

RBCS Vol. 17 no 48 fevereiro/2002

Page 2: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

ces de nossa sociedade, na medida em que suge-re a busca de um novo equilíbrio entre coopera-ção e conflito na federação brasileira.

Enquanto isso, a discussão sobre a eficáciadessa política de aguda competição interestadualentendida como instrumento de modernização in-dustrial, capacitação regional e de diminuição dedesigualdades econômicas, permanece uma tarefabásica a ser realizada. Detectamos ao longo danossa pesquisa uma série de impasses, obstáculose problemas que tem nos levado a questionar acompetição entre Estados, pelo menos no forma-to atual em que está configurada.

O presente texto buscará discutir: 1) as ra-zões da descentralização da indústria de auto veí-culos; 2) a natureza da competição interterritorial;3) alguns de seus custos; 4) o despreparo dos go-vernos para enfrentar a negociação com as gran-des corporações; e 5) os primeiros resultados ne-gativos e sugestões de mudança.

Nossa hipótese central é que, embora muitosempreendimentos resultantes da atual onda de in-vestimentos ainda não tenham amadurecido, essadisputa representa um enorme desperdício de re-cursos públicos, tanto para os governos direta-mente envolvidos, quanto para o país como umtodo. As regras do jogo, as armas e o território daguerra fiscal favorecem, em primeira instância, asgrandes montadoras que, de fato, comandam asnegociações. O setor público, fragilizado e des-preparado, teve seu espaço reduzido, ao mesmotempo em que o espaço privado foi sendo grada-tivamente ampliado.

A ausência de nitidez nas novas estratégiasde industrialização e a precariedade institucionalcapaz de desenhar novos caminhos para o desen-volvimento nacional parece estar na raiz de maisum jogo de ilusões na história recente do Brasil.

A terceira onda

O Brasil dos anos de 1990 procurou excluirdas diretrizes públicas a idéia de política indus-trial. Em vão. A ausência de instituições e estraté-gias para elaborar e coordenar os novos proces-sos industriais deixou o projeto de desmontagem

da antiga estrutura desenvolvimentista no meio docaminho, só que agora, com maior dependênciadas multinacionais, sem qualquer ênfase no capi-tal doméstico e centralmente descoordenado emsuas linhas estratégicas.

O setor automotivo foi um dos poucos querecebeu especial atenção do governo federal. Tal-vez por isso continue como um dos mais bemprotegidos em sua estrutura produtiva e em seumercado. Uma proteção assimétrica, sem dúvida,uma vez que as montadoras continuam sendo asgrandes beneficiárias do novo protecionismo go-vernamental, em detrimento do setor de autope-ças, cuja regulamentação consagrada pelo NovoRegime Automotivo (NRA)1 privilegiou as corpo-rações internacionais, drenando força da indústriadoméstica, construída ao longo dos últimos qua-renta anos. Para não falar na dimensão trabalho etrabalhadores, neste caso, implicitamente ignora-da pelas políticas do novo regime (Posthuma,1997; Veiga, 1999; Cardoso, 2000).

O NRA foi bem-sucedido na atração de no-vos investimentos e empresas, como podemos verpelas tabelas e mapa a seguir. No plano federal,porém, as tentativas de coordenação dessa novamigração de montadoras mostrou inconsistência einconstância, com impactos visíveis no sub-apro-veitamento do novo potencial existente.

No plano federal, no final do primeiro manda-to do presidente Fernando Henrique Cardoso, a ten-tativa de criação de um super-ministério, o do Desen-volvimento, revelou-se subordinada e constrangidapelas diretrizes emanadas do Ministério da Fazenda.

Regionalmente, Estados e municípios passa-ram a desenvolver mais intensamente projetos demodernização produtiva buscando a melhoria doperfil econômico de suas regiões. Para isso, con-tribuíram tanto a maior autonomia fiscal-tributáriaconcedida pela Constituinte de 1998 aos governossubnacionais quanto a descentralização de res-ponsabilidades pela elaboração e implementaçãode políticas de desenvolvimento, resultante dasnovas diretrizes assumidas pelo governo federal,sinalizando um distanciamento do velho estiloprepotente e centralizador do Estado brasileiro.No entanto, desprovidos de canais institucionali-zados de comunicação com o setor produtivo,sem contar com corpos técnicos aptos a desenvol-

110 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 3: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

ver o planejamento e de programar escolhas delongo prazo, governadores e prefeitos passaram arecorrer a instrumentos imediatamente disponí-veis, que tinham a vantagem de produzir dividen-dos no curto e médio prazo. Muitas vezes, o len-to trabalho de reforma, reconstrução e criação deinstituições regionais, apropriadas para estimular,monitorar, regular e, principalmente, legitimar –para utilizar as expressões de Polanyi – cedeu lu-gar à busca da diminuição das defasagens indus-triais a partir de um processo de canibalização Es-tados e regiões da federação.

Despreparados regionalmente e sem parâme-tros nacionais, Estados e municípios politizaram acompetição por novos investimentos, em especial osestrangeiros, deflagrando uma disputa interterritorial(Rodríguez-Pose e Arbix, 2001). Os Estados quemais participaram dessa guerra tiveram relativo êxi-to na atração de novos investimentos, desconcen-trando a produção de autoveículos, anteriormentelocalizada no Estado de São Paulo, Minas Gerais e,em menor escala, no Paraná. O novo mapa dessa in-dústria foi completamente alterado (Figura 1)

Figura 1Distribuição Territorial dos InvestimentosCredenciados no Novo Regime Automotivo

(1996-2001), por Estado

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 111

Fonte: Rodríguez-Pose e Arbix, 2001.

PRODUTOS INÍCIO PRODUÇÃO REGIÃO FÁBRICAS

Ford Automóveis 1957 São Paulo 4 Comerciais leves

Caminhões GM Automóveis 1957 São Paulo 2

Comerciais LevesCaminhões

Mercedes Caminhões 1957 São Paulo 2 Ônibus

Scania Caminhões 1957 São Paulo 1Ônibus

Toyota Comerciais leves 1959 São Paulo 1 VW Automóveis 1957 São Paulo 2

Comerciais leves Fiat Automóveis 1976 Minas Gerais 2

Comerciais leves Volvo Caminhões 1979 Paraná 2

Ônibus

Não inclui tratores e máquinas agrícolas.Fonte: Anfavea, Panorama Setorial.

Tabela 1Marcas e Fábricas da 1ª e 2ª Migração (1957-1995)

Page 4: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

Essa nova realidade fabril, em que somenteas montadoras aplicaram cerca de US$ 17 bilhõesentre 1995 e 2000, aumentou em 25% a capacida-de industrial instalada2, além de ter alterado espa-cial e qualitativamente a disposição da produçãode autoveículos, criando novos pólos produtivosa partir da instalação de modernos equipamentosfabris. Em aberto contraste com o ocorrido nosanos de 1950 e 1960, a maior parte das novas fá-bricas de autoveículos foram construídas fora daregião metropolitana de São Paulo, tradicionalcentro industrial brasileiro (Tabelas 1 e 2).

A competição territorial nos países emdesenvolvimento

No campo das teorias neoclássicas e do cres-cimento endógeno, as teses mais dominantes pro-curam demonstrar que o aprofundamento dos pro-cessos de integração das economias em desenvolvi-mento com os circuitos econômicos internacionaisdeveria gerar mais vantagens do que desvantagens.

Nessa perspectiva, considera-se que qualqueraumento nos fluxos de comércio e de informaçãoentre os países desenvolvidos e os em desenvol-vimento tenderia a gerar efeitos competitivos ereestruturadores que, a médio prazo, aumenta-riam a eficiência dessas economias com a eleva-ção significativa da produtividade do trabalho(Grossman e Helpman, 1991). Isso significa queas economias abertas tenderiam a exibir um cres-cimento maior e mais rápido do que as econo-mias fechadas, e também seriam mais aptas a sebeneficiar dos processos de transferência tecnoló-gica, como indicaram Levine e Renelt (1992). Ouseja, os países em desenvolvimento que conse-guissem intensificar suas trocas internacionaiscom países tecnologicamente mais avançados es-tariam mais habilitados a aumentar sua produtivi-dade, a partir do domínio sobre novos padrõesprodutivos e novos processos e produtos, pratica-mente impossível de ser alcançado com seuspróprios recursos (Coe e Helpman, 1995; Coe,Helpman e Hoffmeister, 1997).

112 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Tabela 23ª Migração: Novas Marcas e Novas Fábricas (1996-2002)

Novas Fábricas de Montadoras Anteriormente Instaladas Produtos Início Produção Região Fábricas Fiat – Iveco Caminhões 1999 Minas Gerais 1 Ford Automóveis 2002 Bahia 1 GM Automóveis 2000 Rio Grande 1 Mercedes Automóveis 1999 Minas Gerais 1 Toyota Automóveis 1998 São Paulo 1 VW Caminhões 1996 Rio de Janeiro 1 VW – Audi Automóveis 1999 Paraná 1

Marcas e Fábricas Novas Chrysler Comerciais leves 1998 Paraná 1 Honda Automóveis 1997 São Paulo 1 Mitsubishi Comerciais leves 1998 Goiás 1 Navistar Caminhões 1998 Rio Grande 1 Peugeot Automóveis 2001 Rio de Janeiro 1 Renault Automóveis 1999 Paraná 1 Land Rover Comerciais leves 1999 São Paulo 1

* Não inclui quatro fábricas de motores construídas no período (Chrysler/BMW, VW, Renault, Fiat)** Não inclui fábricas de tratores e máquinas agrícolas.Fonte: Anfavea, Panorama Setorial.

Page 5: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

Essa visão dominante nos últimos vinte anosfoi trabalhada empiricamente por Sachs e Warnerem vários estudos e pesquisas. Em artigos de 1995e 1997, esses dois autores estabeleceram uma cla-ra relação entre as taxas de crescimento e o graude abertura das economias nacionais. Analisandodados de vários países a partir da década de 1960,Sachs e Warner apontaram para o grau maior deconvergência entre as economias em desenvolvi-mento mais abertas, em contraste com divergên-cia anotada entre as economias mais fechadas:“economias abertas podem vivenciar um processode convergência de renda mais rápido do que aseconomias fechadas, já que a mobilidade interna-cional do capital e da tecnologia pode acelerar atransição para uma renda mais estável” (Sachs eWarner, 1997, p. 187).

De modo complementar, outros autores pro-curaram estender o alcance dessas teorias paraum nível intermediário, regional. Nessa dimensão,o aprofundamento da integração econômica dospaíses em desenvolvimento também exerceria,não somente um impacto positivo sobre a eficiênciaeconômica, mas também seria capaz de promoveruma diminuição das desigualdades regionais. Adesativação dos mecanismos hierarquizados doperíodo desenvolvimentista e sua substituição porprocessos de alocação de recursos e investimen-tos mais dependentes do mercado e das decisõesde agentes econômicos individuais estaria levan-do os países atrasados a “aumentar a demandapor trabalhadores não qualificados, mas alfabeti-zados” (Wood, 1994, p. 8). Como os maiores con-tingentes desses trabalhadores estão concentradosna periferia dos países em desenvolvimento, as re-giões relativamente mais atrasadas desses paísestenderiam a se beneficiar muito mais com a aber-tura de suas economias do que as áreas mais in-dustrializadas. Esse processo resultaria, assim, nadiminuição das disparidades regionais dos paísesem desenvolvimento (Wood, 1994; Williamson,1997; Duranton, 1999).

Essas teorias, no entanto, são alvo de inten-sa polêmica. Vários autores contestam os pressu-postos, as projeções e a metodologia das visõesque procuram apresentar a intensificação do co-mércio internacional como portadoras em si de

tantas virtudes. Para a presente discussão, o quenos interessa é a sua adequação – ou não – paraexplicar o curso recente da abertura econômica eda regionalização das políticas públicas no Brasil.Nesse sentido, é importante salientar que essas in-terpretações – que prevaleceram nos círculos go-vernamentais dos anos de 1990 – encontram difi-culdade para explicar por que a abertura econô-mica, contrariamente às suas expectativas, nãotem dado origem a dinâmicas regionais significa-tivamente virtuosas.

De um ponto de vista teórico, a análise tor-nou-se ainda mais sofisticada a partir do aprofun-damento da integração da economia mundial.Uma série de estudos mostra que essa integraçãolibera forças centrífugas e demandas por maiorautonomia regional, no sentido de que a respon-sabilidade pelas políticas de desenvolvimento se-jam transferidas para os governos subnacionais(Keating, 1998; Rodríguez-Pose, 1998). Após anosde tutela estatal, este seria um fator extremamen-te positivo para muitas regiões e municípios quecomeçam a perceber que a integração econômicapode mudar radicalmente sua condição ao abrirnovas oportunidades para o seu próprio desen-volvimento (Markusen, 1996).

A disputa agressiva pelos investimentos es-trangeiros que voltaram a fluir para o Brasil na dé-cada de 1990 é consistente com essa abordagem,uma vez que a prosperidade de cada região vemsendo cada vez mais percebida como dependen-te da capacidade de cada localidade de se dedicara estratégias competitivas efetivas para atrair no-vos empreendimentos (Cheshire e Gordon, 1996;Budd, 1998; Cox e Mair, 1988).

De acordo com Cheshire e Gordon, a com-petição territorial sempre se configura como um“processo implícito ou explícito de disputa comoutras regiões” (1996, p. 385), processo este queinclui uma série enorme de incentivos econômi-cos, de infra-estrutura e mesmo de formação equalificação de fornecedores e trabalhadores.

No entanto, a competição territorial é orien-tada pela lógica de cada região, que busca, antesde mais nada, aumentar sua própria eficiência.Nesse sentido, o fato de a disputa não ter comoobjetivo a diminuição de eventuais disparidades

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 113

Page 6: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

entre as regiões, as conseqüências da competiçãoterritorial podem vir a neutralizar eventuais efei-tos positivos derivados do processo de integraçãoeconômica. Como Cheshire e Gordon (1998) en-fatizaram, a competição territorial é positivaquando consegue promover o crescimento e obem-estar econômico local e nacional. Porém,seus resultados podem mostrar-se negativos. Se-rão classificados como de soma-zero, quandoqualquer aumento no bem-estar local é alcança-do às custas do bem-estar de outras regiões; oucomo puro desperdício, quando a competição ter-ritorial representa não mais do que uma simplesdilapidação de recursos. Neste último caso, osefeitos da competição territorial em termos damelhoria do bem-estar a longo prazo tendem aser insignificantes em termos locais e podemmesmo acarretar conseqüências econômicas per-versas em outras regiões.

No caso da indústria automotiva brasileira, aentrada de novos investimentos na segunda meta-de da década de 1990 foi mediatizada pela emer-gência de novos atores econômicos, que intercep-taram sua trajetória, distorceram sua alocação eempenharam nas negociações com as grandescorporações recursos de monta para suas regiões.Na maior parte dos casos, os custos envolvidossão excessivamente altos, sendo que a contrapar-te das empresas, além de indefinida e incerta, égeralmente superdimensionada pelos órgãos go-vernamentais envolvidos.

Por um lado, a entrada em cena de governa-dores e prefeitos na implementação de políticasregionais pró-ativas foi positiva ao ajudar a des-concentrar a indústria automotiva; por outro, foinegativa ao dissipar valiosos recursos públicos eao introduzir grande turbulência ao já precárioequilíbrio federativo. Se acrescentarmos o despre-paro técnico de Estados e municípios para enfren-

114 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Figura 2Resultados Locais e Globais da Competição Territorial

Fonte: Rodríguez-Pose e Arbix, 2001.

BE

M-E

STA

R

Nív

el L

ocal

SOMA ZERO

PURO DESPERDÍCIO

IMPACTO POSITIVO

Nível Global

Page 7: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

tar as negociações com as grandes empresas e acarência de instituições voltadas para o desenvol-vimento que essa disputa tem revelado, não tere-mos um desenho animador dessa experiência.

A descentralização e suas razões

Quais seriam as razões que poderiam bemexplicar a desconcentração industrial da indústriade autoveículos? Por que as montadoras se afasta-ram das áreas que ofereciam vantagens econômi-cas externas – com disponibilidade de trabalhoqualificado e de uma rede já existente de fornece-dores – e optaram por construir suas novas plan-tas fora do centro industrial do país?

As razões que explicam a atual dispersãodos Investimentos Diretos Externos (IDE) sãomúltiplas.

Em primeiro lugar, vem a questão dos custostrabalhistas em combinação com o que Wood(1994) considerou a principal força do comércioNorte-Sul: a capacitação. A abertura da economiaestaria levando os países em desenvolvimento ase especializar na produção de bens manufatura-dos e relativamente indiferenciados, uma vez queoferecem mão-de-obra alfabetizada mas relativa-mente não-qualificada. O setor automobilísticoencaixa-se nessa categoria e os salários mais bai-xos em países como o Brasil – somados aos incen-tivos dos mercados em expansão – atuam comouma isca para as montadoras. As diferenças sala-riais no interior do Brasil e a redução do gap edu-cacional no país nos últimos anos levaram asmontadoras a buscar as regiões com menores cus-tos trabalhistas. Nesse sentido, os trabalhadoresda Grande São Paulo estão em relativa desvanta-gem em relação aos do restante do país, pois ocusto da hora trabalhada nas plantas automotivasna região do ABC é praticamente 40% maior queem outras montadoras.3

Em segundo lugar, São Paulo possui umaforça de trabalho mais inclinada ao conflito doque no restante do país. As montadoras do ABCforam o berço do movimento sindical mais atuan-te no país no final dos anos de 1970 e na décadade 1980. Os níveis de filiação e de organização

sindical são altos. Desde o final dos anos de 1970,os sindicatos locais tiveram sua história vinculadaaos conflitos com as empresas, criando uma ima-gem que persistiu ao longo do tempo, apesar dassignificativas mudanças políticas e das práticas im-plementadas por seus dirigentes sindicais.

O terceiro fator que ajuda a compor o qua-dro explicativo da recente descentralização é a al-teração de algumas das condições que facilitarama concentração industrial nos anos de 1950 e 1960.Naquele período, a frágil infra-estrutura rodoviáriae ferroviária no país e a concentração do mercadoe do trabalho qualificado na região Sudeste contri-buíram para que o governo federal escolhesse aregião do ABC como o coração da produção auto-motiva. No entanto, a melhoria da malha rodoviá-ria e da infra-estrutura em outras regiões do paísnas últimas três décadas, somadas à necessidadede se aproximar de novos mercados, serviram degrande estímulo para que as montadoras selecio-nassem novas áreas para seus investimentos.

Em quarto lugar, havia, na época, previsõesbastante otimistas em relação ao Mercosul. A ex-ploração simultânea do mercado argentino e dosnovos mercados brasileiros, assim como a possi-bilidade de construção de um sistema produtivocomplementar no Cone Sul – com a perspectivade uma grande racionalização de custos a partirda divisão de trabalho entre as fábricas já existen-tes nos vários países – conformou-se como umgrande atrativo para a alocação de novas plantas,em especial mais ao sul do país.

Se é certo que os fatores acima descritos aju-dam a entender as dificuldades que a região me-tropolitana de São Paulo enfrenta para atrair novosinvestimentos, não são suficientes para explicar oprocesso de descentralização em curso. O princi-pal fator capaz de explicar o processo relativo dedesconcentraçao da indústria automobilística noBrasil é a guerra fiscal deflagrada entre Estados emunicípios brasileiros à procura de investimentos.

O jogo da guerra

Como dissemos, a ampliação dos fluxos decapital estrangeiro fomentou processos de compe-

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 115

Page 8: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

tição territorial que podem diminuir eventuaisefeitos benéficos dos investimentos. O distancia-mento do governo federal da definição de políti-cas regionais despertou o apetite dos mais distin-tos Estados brasileiros: do Rio Grande do Sul aoAmazonas, de Rondônia à Santa Catarina, a esma-gadora maioria dos Estados compete hoje paraatrair novos investimentos.

Deflagrado pelo governo federal com a edi-ção do Novo Regime Automotivo (1995) – funda-mental para que as montadoras tomassem a pri-meira decisão de investir no Brasil – esse proces-so passou, num segundo momento, a contar coma intervenção dos governadores e com a utiliza-ção crescente de incentivos, subsídios e isençõesfiscais, como forma de atrair as grandes empresaspara seus territórios.

Fabricantes aqui instalados desde os anos de1950, assim como novas marcas aproveitaram-sedos benefícios oferecidos, em uma situação que aAmérica Latina voltava a se colocar no campo deinteresses das multinacionais do automóvel. Ouseja, conjunturalmente:

1. O Brasil havia derrubado a inflação em 1994,retomando o controle sobre sua moeda e con-tava com uma economia relativamente estável.

2. O Mercosul, como já registramos, aparentavasolidez.

3. Fundamentalmente, o mercado brasileiro deautomóveis apresentava uma relação habitan-te-por-veículo muito mais promissora do queos mercados saturados dos países avançadosou do que a Argentina.4 A possibilidade de osfabricantes crescerem a médio e longo prazono Brasil era muito maior.

4. O crescimento exuberante que o mercado do-méstico de veículos apresentou a partir de 1993,5

somado às vantagens oferecidas pelo governofederal com o Novo Regime Automotivo para asempresas instaladas no Brasil, proporcionouoportunidades imperdíveis para as montadoras.

Esses condicionantes macroestruturais foramdeterminantes para impactar os processos decisó-rios primários nas matrizes das montadoras. Asprimeiras decisões de reinserir a América do Sul –

e o Brasil em particular – no mapa de novos in-vestimentos automotivos foram tomadas antes dadeflagração da guerra fiscal.

Apenas num segundo momento, após a se-leção e a escolha do país receptor do investimen-to, é que as montadoras se voltaram para a esco-lha da região exata que abrigaria as novas fábri-cas. Procurando a oferta mais adequada aos seusinteresses – técnica, econômica e financeiramente–, as montadoras passaram a receber ofertas, emescala crescente, para melhor alocar seus investi-mentos. Não é por outro motivo que as comuni-dades, ONGs, associações, sindicatos, movimen-tos e a população em geral foram mantidos a umaprudente distância dessas articulações.

Embora as negociações entre as montadorase os Estados tenham assumido formas distintas, osprincipais acordos apresentaram-se como varia-ções em torno de um mesmo tema. Em contrapar-tida ao estabelecimento de uma nova planta auto-motiva em seu território, o Estado e a cidade es-colhidos ofereceram uma série de incentivos queincluem, invariavelmente, os seguintes pontos:

1. Doação de terrenos para a instalação da plan-ta ou de grande parte dele.

2. Fornecimento da infra-estrutura necessária paraa preparação da área. Isso inclui, em geral, ainfra-estrutura viária e logística, mas abrangetambém, em vários casos, ligações ferroviáriase desenvolvimento de terminais portuários.

3. Isenção de impostos estaduais e locais por pe-ríodos não inferiores a dez anos. O mesmovale para as taxas locais. Em vários casos, oacordo inclui a isenção de impostos na impor-tação de peças e veículos.

4. Concessão de empréstimos pelo Estado (pormeio de órgãos ou bancos estatais) a taxasmuito inferiores às do mercado.6

5. Uma série de cauções e garantias estatais, fi-nanceiras e legais.

6. Uma série de benefícios adicionais, que variamde acordo para acordo, envolvendo desde for-necimento de transporte público aos trabalha-dores e creches para seus filhos a diversas me-didas ambientais.

116 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 9: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

Algumas condições variaram de acordo como poder de barganha de cada empresa e de cadaEstado. Mas os termos dos protocolos favorece-ram inevitavelmente as empresas, como podemosconstatar pelos exemplos a seguir.

Um dos primeiros Estados a se engajar naguerra fiscal foi o Estado do Paraná. Em março de1996, o governo do Estado, o município de SãoJosé dos Pinhais e o Fundo de DesenvolvimentoEconômico assinaram um protocolo com a Re-nault.7 As condições do acordo estabeleciam que aRenault deveria construir uma planta em São Josédos Pinhais até o início de 1999, sendo que 60%do capital total do empreendimento caberia à mul-tinacional francesa que, além disso, geraria 1.500empregos diretos e pagaria multa de R$ 50,5 mi-lhões se a planta fosse desativada em menos devinte anos. O Estado do Paraná e o município deSão José dos Pinhais doariam 2,5 milhões de m2,providenciariam a infra-estrutura e a logística ne-cessárias, incluindo acessos rodoviários e ferroviá-rios, assim como uma área exclusiva para a empre-sa no porto de Paranaguá. O suprimento de ener-gia seria feito a uma taxa 25% inferior à praticadapelo mercado. 40% do capital investido (com umteto de US$ 300 milhões) seriam de responsabili-dade do Estado do Paraná. Os empréstimos ofi-ciais à Renault seriam vinculados aos níveis deprodução da empresa, não teriam correção infla-cionária e começariam a ser pagos dez anos de-pois de iniciadas as operações. A Renault recebe-ria ainda isenção de impostos locais por dez anos,assim como todos os fornecedores que viessem ase instalar em sua área industrial. Em outubro de2001, o governo do Paraná concordou em conce-der mais cinco anos para que a Renault (assimcomo para a Volwswagen/Audi) começasse a reco-lher o ICMS devido. Esse novo prazo vem se so-mar aos quatro anos de carência que as empresasjá haviam garantido para si quando assinaram oprotocolo de intenções ao se instalarem no Para-ná. Com isso, tanto a Renault, como a Volkswa-gen/Audi, só deverão começar a pagar ICMS em2009. Como ocorreu com o conjunto das negocia-ções, o novo acordo com as montadoras foi man-tido em sigilo pelo governo do Paraná. A amplia-ção do prazo para o início do pagamento parcial

do ICMS foi concedido pelo governo depois queLei de Responsabilidade Fiscal inviabilizou os fi-nanciamentos prometidos à Renault por meio doFundo de Desenvolvimento Econômico (FDE). Onovo acordo teve como base um novo programade incentivos, denominado Prodepar, criado emjulho de 2001, em substituição ao programa Para-ná Mais Empregos, contestado na Justiça pelo Es-tado de São Paulo e derrubado pelo Supremo Tri-bunal Federal. O Prodepar, além de prever umadiamento de sessenta meses no recolhimento deICMS para empresas que vierem a se instalar ou arealizar novos investimentos agregando tecnolo-gia, procura contornar eventuais obstáculos cria-dos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

As condições para o acordo da General Mo-tors (GM) com o governo do Rio Grande do Sultambém foram extremamente generosas para coma montadora. O protocolo assinado previa US$310 milhões de empréstimos oficiais – destinadosa financiar a compra do terreno –, a uma taxa dejuros de 6% ao ano, a serem pagos a partir do ano2002. A isenção de impostos seria de quinze anos,sendo que o Estado ainda teria de fornecer infra-estrutura e os serviços de água, eletricidade, gásnatural e sistema de telecomunicações a taxassubsidiadas.8 Mais ainda, o Estado deveria cons-truir um porto privado e um canal marítimo deacesso, assim como garantir transporte público àfábrica.

A Ford também assinaria um protocolo como Estado do Rio Grande do Sul alguns meses maistarde, espelhado no acordo da GM. Em troca, amontadora americana construiria uma planta paraproduzir 100 mil carros, com investimentos entreUS$ 500 milhões a US$ 1 bilhão. Para tanto, o Es-tado do Rio Grande do Sul se comprometeria adoar terreno, infra-estrutura, terminal portuário, eas isenções também fariam parte do acordo.9

Num certo sentido, os benefícios oferecidosnão se distinguem em qualidade dos tradicional-mente utilizados no mundo todo para a atração denovas empresas. No entanto, ao realçarmos ovolume de recursos públicos envolvidos – sufi-cientes para cobrir o custo inicial dessas novas fá-bricas – e a incerteza de retorno para o setor pú-blico dessas inversões, seja no médio ou longo

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 117

Page 10: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

prazo, teremos um quadro nada otimista sobre osimpactos dessa onda de IDEs no desenvolvimen-to das regiões menos industrializadas e para opaís como um todo.

A escalada da guerra

Do ponto de vista nacional, a celebração dosacordos com os incentivos estaduais e municipaisindica perdas para o conjunto do país, uma vezque a decisão do investimento fora tomada previa-mente à deflagração da disputa interterritorial. Paraas montadoras, essa competição foi utilizada parareduzir o volume de seus investimentos, compen-sados pela nova intervenção de recursos públicos.

Em segundo lugar, os ganhos decorrentes dadescentralização industrial, em especial nateoricamente anunciada capacidade corretora dedesigualdades, precisam ser relativizados. Comexceção da revoada da Ford para a Bahia, todosos novos investimentos concentraram-se no queCampolina Diniz caracterizou como o polígonomais industrializado e rico do país.

Em terceiro, as análises que apontavam parauma rápida convergência do volume de incentivosoferecidos para um mesmo nível – já que todos oscontendores tenderiam a equalizar seus lances –,minimizando a importância da disputa, tiveramsuas previsões contrariadas pelos fatos. Num curtoespaço de tempo, os incentivos evoluíram signifi-cativamente. Localizamos nessa evolução quatrofases distintas, marcadas sucessivamente por umvolume crescente de recursos públicos envolvidos,em nível municipal e estadual e federal.

O primeiro momento, aberto pela edição doNovo Regime Automotivo, estendeu-se até o inícioda ofensiva deflagrada pelo governador Jaime Ler-ner (PFL) em 1996. Até os lances do Paraná, o ní-vel da disputa no Brasil mal se diferenciava da prá-tica disseminada pelo país de oferecer incentivoslocais para favorecer o deslocamento industrial.Nesse primeiro estágio, encontra-se as instalaçõesem Resende (RJ) e São Carlos, pela Volkswagen(para a instalação de suas fábricas de caminhões emotores) e, no final, em Juiz de Fora, com a entãoMercedes-Benz (para produzir o Classe A).

Num segundo momento, as ofertas do Esta-do do Paraná quebraram significativamente os ní-veis do patamar anterior e passaram a dominar acena da guerra fiscal, conseguindo atrair a Re-nault, VW-Audi e Chrysler, além de uma fábricade motores da Chrysler/BMW. Nessa fase, não sóo volume das ofertas cresceu, como também aqualidade do que passou a ser oferecido. Noacordo com a Renault, por exemplo, o Estado doParaná assumiu a responsabilidade de parte dosinvestimentos diretos, voltando, desde a venda davelha Fábrica Nacional de Motores (FNM), até acuidar diretamente da produção de autoveículos.As principais montadoras que haviam anunciadosua intenção de construir novas fábricas no Bra-sil aceitaram as condições do Paraná, que conse-guiu criar em seu território o segundo pólo auto-motivo brasileiro. A disputa mostrar-se-ia maisprofissional a partir desse estágio. Grupos espe-cializados entraram em cena, contatando as mon-tadoras, viajando ao exterior para apresentaçõesjunto às matrizes, tentando convencê-las das van-tagens econômicas oferecidas por alguns Estados.Os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, SantaCatarina, Rio de Janeiro, Bahia e mesmo algunsmunicípios do interior de São Paulo contaramcom esse tipo de força-tarefa. As vantagens ofe-recidas pelo Paraná, que dispunha de recursosadvindos dos processos recentes de privatização,e a sua engenhosidade institucional e financeiraimperaram e decidiram as regras do jogo em todoo país neste segundo momento.

Essa primazia seria quebrada, porém, pelogovernador Antônio Britto (PMDB), do Rio Gran-de do Sul, que teria sucesso na atração da GM edefiniria o terceiro formato que a corrida dos in-centivos assumiria. A GM, que não via o Rio Gran-de do Sul como uma de suas prioridades,10 passoua demonstrar seu interesse após a oferta do gover-no que tornava disponível US$ 310 milhões paraa empresa a título de capital de giro e infra-estru-tura. O desinteresse da GM transformar-se-ia rapi-damente em aberto entusiasmo. Os US$ 310 mi-lhões iniciais seriam convertidos em US$ 252 mi-lhões cash, pagos na assinatura do acordo, maisde dois anos antes de a fábrica iniciar sua produ-ção. Foi dessa forma, na expressão de uma das

118 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 11: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

autoridades do governo que negociaram com amontadora, que o “RS comprou o passe da GM”.A tradicional instabilidade política do país, assimcomo as constantes alterações de comportamentodos governantes, levaram não só a GM, comotambém a Ford, a considerar a generosidade gaú-cha irrecusável, principalmente porque parte sig-nificativa dos incentivos poderia agora ser recebi-da antecipadamente. Esse mesmo processo tende-ria a se repetir com a Ford. No entanto, apesar dasemelhança do acordo, o governo do Rio Grandedo Sul não tinha mais fôlego financeiro para sus-tentar a mesma oferta da GM. A saída, aceita pelaFord, foi parcelar o pagamento cash em seis ve-zes. “Erro imperdoável” da Ford, diriam alguns deseus diretores, pois a história eleitoral colocaria àfrente do governo do Estado o ex-prefeito de Por-to Alegre, Olívio Dutra (do Partido dos Trabalha-dores, PT), que havia feito da crítica desses acor-dos um ponto expressivo de sua campanha. As re-lações entre a Ford e o novo governo tornaram-sepraticamente insustentáveis com a interrupção dopagamento das cotas acordadas anteriormente eas pressões do novo governo em renegociar osbenefícios diante da difícil situação financeira do

Estado. O resultado foi uma veloz deterioraçãodas negociações, que culminou com a ruptura doacordo e a transferência da montadora para o Es-tado da Bahia, em junho de 1999.

A quarta fase seria aberta exatamente pelodesdobramento dos conflitos iniciados no RioGrande do Sul. Desta vez, a canibalização de umEstado da federação por outro realçaria as carac-terísticas perversas da guerra fiscal. Antes mesmoda definição da Ford junto ao governo do RioGrande do Sul, o governador da Bahia (PFL) ini-ciaria uma intensa ofensiva para atrair a montado-ra americana, que chegou até mesmo a incluiranúncios nos grandes jornais afirmando que a Ba-hia saberia honrar seus compromissos. Um novoconjunto de ofertas seria articulado, envolvendo,desta vez, não só recursos públicos estaduais emunicipais, mas também federais. Para que issoocorresse, a Ford teria que assinar o Novo RegimeAutomotivo Especial para o Nordeste, Norte eCentro-Oeste que, no entanto, tinha esgotado seuprazo de credenciamento. Esse regime era essen-cial para superar a oferta gaúcha, já que permitiaa concessão de incentivos federais para as empre-sas para fins de desenvolvimento regional. Neste

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 119

Tabela 3Exemplos de Custo de Atração de Investimentos

LOCAL ANO EMPRESA INVESTIMENTO INVESTIMENTO EMPREGOS INCENTIVOS

PÚBLICO MONTADORA DIRETOS /EMPREGO

(US$ mi) (US$ mi) MONTADORA (US$) Brasil

Gravataí (RS) 1999 GM 226.585* 600 1.300 174.296 Guaíba (RS) 1999 Ford 271.240* 1.000 1.500 180.296 Juiz de Fora (MG) 1999 Mercedes 228.000* 845 1.500 152.000

Estados Unidos Marysville (Ohio) 1980 Honda 20 800 5.000 4.000 Smyrna (Tennessee) 1983 Nissan 33 796 1.300 25.384 Flat Rock (Michigan) 1984 Mazda/Ford 48,5 747 3.500 13.857 Spring Hill (Tenn.) 1985 Saturn/GM 80 4.145 3.000 26.667 Georgetown (Kent.) 1985 Toyota 149,7 823,9 3.000 49.900 Bloomington (Illinois) 1985 Mitsubishi 83,3 600 2.900 28.724 Lafayette (Indiana) 1986 Isuzu 86 490 1.700 50.588 Tuscaloosa (Alabama) 1993 Mercedes 250 400 1.500 166.667 Spartenburg (C. Sul) 1994 BMW 130 450 1.200 108.333

*Não incluem isenção fiscal estadual e municipal. Repasses iniciais para infra-estrutura + capital de giro. Não incluem

repasse para eventuais empresas fornecedoras que se benefiaram dos acordos.

Fontes: Donahue, 1997; Perrucci, 1994; UNCTAD, 1996; SEDAI/RS, 1999 – US$ 1= R$ 1,7.

Page 12: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

caso, o Congresso Nacional seria mobilizado peloentão presidente do Senado, Antonio Carlos Ma-galhães (PFL), que, em acordo com o governo fe-deral, conseguiu dar sobrevida a um já vencidoregime especial de modo a incluir no rol de ofer-tas a isenção de impostos federais.11 Os incentivosestaduais e municipais ainda permanecem sigilo-sos para a opinião pública e os pesquisadores,ainda que todos os indícios sugiram que não seafastaram muito dos oferecidos pelo Rio Grandedo Sul. De todo modo, nessa quarta fase, com aentrada no jogo de fundos federais, a guerra fiscalatingiria seu ponto mais elevado.12

A relação entre investimentos públicos e em-pregos diretamente gerados pela montadora cons-titui uma das formas de se avaliar a qualidade dosprogramas e iniciativas. Por essa ótica, a tabela 3mostra que os custos por emprego que os Estadosdo Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão pagan-do para atrair os investimento da GM e da Merce-des são mais elevados do que todas as experiênciasnos Estados Unidos, inclusive as mais polêmicas,que mais custaram aos cofres públicos estaduais,como no Alabama e na Carolina do Sul. Se incluir-mos a renúncia fiscal e as perdas financeiras dosEstados poderemos afirmar que a guerra fiscal noBrasil está entre as mais caras do mundo.

Os dados da renúncia fiscal são de difícil aces-so. Além de serem variáveis dependentes do de-sempenho das novas fábricas e da receptividade deseus produtos, os governos guardam a sete-chavesessas informações, tidas como segredo industrial.13

A sedução dos governos

A capacidade de fixar e alterar o destino deseus equipamentos dá às empresas grandes e novasvantagens em sua negociação com os Estados na-cionais e com seus trabalhadores. Com as inovaçõestecnológicas e os novos conceitos produtivos, ascorporações potencializaram a mobilidade de seusinvestimentos, permitindo a coordenação e a insta-lação da produção numa escala geográfica gigantes-ca. Ou seja, é a capacidade de se mover, mais doque o próprio movimento, que acaba condicionan-do as escolhas governamentais (Thomas, 1997).

Essa nova mobilidade das montadoras estána raiz dos crescentes privilégios que têm recebi-do nos últimos anos pelo mundo afora. Isso por-que amplia seu rol de opções e reduz os custosde investimento e de desinvestimento; diminui oimpacto de eventuais sanções dos Estados; permi-te que as empresas se instalem em áreas com me-nor ou nenhuma tradição sindical, a procura debaixos salários, alterando os mecanismos de dis-tribuição de renda em seu benefício; e facilita astransações intrafirmas.

Houve época em que a preocupação com amelhor forma de se contrabalançar a exagerada de-pendência externa de capitais marcava a pesquisaacadêmica. Nos dias de hoje, porém, a ênfase temse mostrado outra, inclusive na América Latina,onde as estratégias para a economia e a sociedadeestiveram sintonizadas com a maré reestruturanteque se articulou em torno do combate à inflação,controle da moeda, ajuste fiscal, cortes orçamentá-rios, privatização e desregulação. No plano interna-cional, o caminho adotado pela maior parte dospaíses latino-americanos realçou a necessidade deintegração com os mercados globais, servindo-se,para tanto, da diminuição das restrições aos fluxoscomerciais, da atração de investimentos externos(diretos e em portfólio) e de tecnologia. Os traba-lhos que tentam desdobrar essa política buscam ca-racterizar as multinacionais como agentes impres-cindíveis do desenvolvimento (Julius, 1990; Brittan,1995) e a sugerir que os distintos países se amol-dem a essas empresas (Stopford, 1994).

Nesse dispositivo, as corporações sempreaparecem como atores de primeira grandeza, sejapelo seu papel crescente no processo de globaliza-ção, seja porque estariam se tornando cada vezmais stateless corporations, o que as credenciaria arealocar as atividades de P&D, por exemplo, empaíses periféricos. Invariavelmente, as análises comesse perfil destacam a convergência de interessesexistente entre as multinacionais e os países hospe-deiros. Eventuais atritos com as orientações dessasempresas tenderiam a afastá-las para outras re-giões, e só um comportamento carregado de ideo-logia deixaria de reconhecer que os IDEs são “umafonte extra de capital e de knowhow gerencial, umacontribuição ao saneamento da balança comercial,

120 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 13: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

um estímulo ao aumento de produtividade, dosempregos, da competição, da produção racional ede transferência de tecnologia” (Brittan, 1995, p. 2).

Existe também uma série de outros estudos(Narula en Dunning, 2000; Mortimore, 2000; Ro-driguez e Rodrik, 2000; Amsden, 2001; Lall, 1993e 1994) que polemizam com essas concepções.Esses autores, apesar de diferenças entre suas pes-quisas, mostram como a globalização não afetoutodas as regiões e os países na mesma extensão eintensidade. Narula e Dunning enfatizaram que “ocaminho do desenvolvimento para um país atrasa-do depende muito de recursos específicos, insti-tuições, estrutura econômica e do tecido político-ideológico e cultural de seu tecido social” (2000,p. 4). Mostraram também como as empresas dospaíses em desenvolvimento têm enormes dificul-

dades para compartilhar tecnologia às multinacio-nais, uma vez que os principais centros produto-res de inovação estão intensamente enraizadosem poucos e específicos territórios. São, portanto,protegidos pelas corporações.

Mortimore, baseado nos modelos de Dunning,demonstrou como a América Latina atraiu, nos anosde 1990, um investimento estrangeiro basicamente“reativo, de segundo ou de terceiro nível, de corpo-rações que procuram aperfeiçoar a eficiência deseus sistemas produtivos regionais; e não o investi-mento direto de primeiro nível destinado a conquis-tar os mercados internacionais” (2000, p. 1623). Emoutras palavras, a América Latina (com exceção doMéxico, que se voltou para abastecer o mercadoamericano) está recebendo praticamente um inves-timento defensivo, de corporações que buscam

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 121

SETOR PRIMÁRIO INDÚSTRIA SERVIÇOS

Foco nos Recursos Petróleo, Gás:Naturais Venezuela, Colômbia,

Argentina;Minerais: Chile,Argentina, Peru

Foco no Acesso a Automotivo: Mercosul;Mercados: industria Químico: Brasil;

Agro-indústria:Brasil, México,Argentina

Foco no Acesso a Mercados: serviços Sistema Financeiro: Brasil,

México, Chile, Argentina;Telecomunicações: Brasil, Argentina, Chile; PeruEnergia elétrica: Brasil, Colômbia, Argentina, América Central;Distribuição Gás: Argentina,Brasil, Chile, Colômbia

Foco na eficiência Automotivo: México;Eletrônico: México, Caribe;Têxtil, Vestuário: Caribe, México

Foco em ativos estratégicos (especialmente tecnologia)

Tabela 4Orientação do Investimento Externo na América Latina – 1990s

Fonte: Mortimore, 2000. Para a tipologia, ver Dunning, 1998.

Page 14: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

manter uma participação previamente existente ouque buscam acessar novos mercados. O impactosobre as economias nacionais desse investimentoestrangeiro defensivo (como no caso da indústriaautomotiva brasileira) é muito menos positivo doque os investimentos das corporações que “buscameficiência” (como na indústria mexicana de autoveí-culos), ou dos investimentos em “ativos estratégi-cos” (os de primeiro nível), que promovem mais in-tensamente as exportações, a qualificação dos tra-balhadores e a qualidade dos produtos (Mortimore,2000, p. 1619).

Rodrik e Rodriguez (2000) refizeram a traje-tória dos principais autores que tentaram mostraros impactos positivos da liberalização comercialpara os países em desenvolvimento (Sachs e War-ner, 1995; Frenkel e Romer, 1999; Edwards, 1998)e encontraram pouca evidência de que a aberturacomercial e os investimentos estrangeiros, em si,estejam associados ao crescimento econômico.

Pesquisando os países em desenvolvimento,Lall procurou mostrar a redução efetiva no uni-verso das suas escolhas estratégicas quando osgovernos passam a aceitar passivamente as polí-ticas das multinacionais. Isso significa que, paraesse autor, a passividade teria conseqüências noplano das opções nacionais de longo prazo que,“naturalmente”, tenderiam a escorregar para asmãos das corporações. Ou seja, Lall tenta discutirum eventual aumento da incerteza desses paísessobre seu futuro. Explicitamente, seus comentá-rios não pretendem reacender velhas polêmicas,que procuravam explicar os entraves no desen-volvimento a partir das ligações com as multina-cionais, mas, com os olhos nas experiências asiá-ticas, o que se sugere é a rejeição do laissez-fai-re como opção política de governo em relação àsgrandes corporações.

As discussões de Amsden (2001) e Jung-enWoo (1991) sobre a Coréia, assim como as deWade (1990) sobre Taiwan, podem ser especial-mente ilustrativas dessa discussão. Ainda que es-ses países tenham buscado atrair IDEs, trabalha-ram intensamente para que a tecnologia e o capitalficassem sob controle de suas próprias empresasdomésticas. Ainda que o número de grandes em-presas em Taiwan fosse menor do que na Coréia,

os dois governos, ao longo dos anos de 1960,1970 e 1980, procuraram envolver o grande capi-tal apenas nos projetos que traziam inequivoca-mente benefícios aos respectivos países.

Esse trabalho seletivo foi completado pormecanismos de restrição à entrada de capital ex-terno e dos direitos de propriedade para estran-geiros nos dois países. Quando os investimentosentravam, a joint venture com o capital nacionalcolocava-se de imediato como instrumento dedi-cado ao controle local do investimento e como ca-nal de transferência de tecnologia. Foi dessa for-ma que o governo coreano procurou restringir aomáximo o número de empresas sob controle inte-gral de capital estrangeiro. As exceções – semprepara os casos de importância estratégica – nuncasuperaram a casa dos 13% do total das indústriasmanufatureiras. Como resultado dessa política, emmeados dos anos de 1980, apenas 5% das multi-nacionais instaladas na Coréia eram integralmentecontroladas pelo capital estrangeiro, um númeromuito baixo se comparado aos cerca de 50% noMéxico e 60% no Brasil. Em Taiwan, em funçãodo pequeno grupo de grandes empresas capacita-das para realizar joint ventures, o número de em-presas totalmente controladas pelo capital externoera de 33,5% em 1985 (Chang, 1998).

Além dos constrangimentos à propriedade eà entrada de capitais, outras barreiras foram utili-zados com sucesso pelos dois governos, como anegociação sobre o tipo de tecnologia a ser insta-lada; seleção de investidores por sua disposiçãoexplícita de qualificar a força de trabalho e capa-citar as empresas locais; definição de conteúdo lo-cal; e metas de exportação.

No entanto, nos anos de 1990, a experiênciaasiática não fazia parte dos horizontes fixados pe-los países latino-americanos que, num movimen-to pendular, modificaram bastante sua visão sobreos investimentos estrangeiros. Em geral, diferente-mente dos anos de 1950, 1960 e 1970, muitos paí-ses passaram a procurar e a dar garantias cada vezmaiores a esses investimentos e às corporações.Os primeiros resultados dessas mudanças nos paí-ses em desenvolvimento, fruto de um balanço ain-da por fazer da experiência anterior, produziramgrande entusiasmo em relação aos benefícios de-

122 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 15: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

correntes de uma rápida liberalização de seusmercados. Após caracterizar a transformação dasrelações entre governos e multinacionais de umaposição adversa para uma posição cooperativa,Dunning não deixa de insistir para que os gover-nos se concentrem e elaborem políticas paraorientar essa relação, mais do “que simplesmenteesperar pelos dividendos advindos das atividadesdessas empresas” (1998, pp. 281-282). RaymondVernon já havia alertado para eventuais conflitosque poderiam surgir entre os interesses de gover-nos e das multinacionais em função dos percalçosprovocados pelo mercado mundial (1998).

Essas indicações, evidentemente, apenas ser-vem para ilustrar que não há um curso natural quefaça coincidir os interesses das multinacionais e osinteresses de um país, região ou sociedade. Pelocontrário, essa difícil convergência só ocorrerá apartir de definições estratégicas aptas a incorporaressas relações e não a aceitá-las passivamente.

Nesse sentido, as experiências asiáticas comos investimentos estrangeiros e as multinacionaissinalizam que a interdependência econômica éuma via de duas mãos. Quando essa relação se dáentre as multinacionais e os governos estaduais, es-trategicamente mais fracos e vulneráveis às políti-cas e aos políticos de ocasião, muitas vezes umasuposta harmonia imediata de interesses é cantadaem verso e prosa para um público carente de boasnotícias. A esse respeito, é sempre bom lembrarque o teste definitivo dessa parceria quase nuncaacontece na inauguração de uma nova fábrica,mas, infelizmente, quando os tempos se tornammais difíceis, como no caso da Chrysler, que recen-temente fechou suas portas no entorno de Curitiba.

As novas fábricas

Fazendo tabula rasa de problemas como osapontados anteriormente, os governadores enve-redaram rapidamente pelos caminhos da disputaindiscriminada para arrastar as multinacionais,identificadas à modernização, geração de empre-gos e alta tecnologia.

De modo recorrente, os governos estaduaisfizeram previsões exageradas sobre a capacidade

de geração de empregos das novas fábricas auto-motivas. No Paraná, o principal programa existen-te na época para atrair investimentos era o ParanáMais Empregos (Governo do Paraná, 1995). Suaestimativa era de que a indústria de autos seria ca-paz de dinamizar toda a economia do Estado,atraindo fornecedores, novas técnicas e tecnologiae criação de empregos diretos e indiretos. Algunsestudos previram que as novas fábricas da regiãoseriam capazes de criar 100 mil novos empregosindiretos, baseados na estimativa de seis mil em-pregos diretos prometidos pelas montadoras (umcoeficiente multiplicador de dezesseis).

No Rio Grande do Sul, a questão do empre-go esteve no centro da disputa territorial. Numprimeiro estudo realizado pela Federação das In-dústrias do Estado do Rio Grande do Sul(FIERGS), estimou-se que a fábrica da GM emGravataí (prevista para gerar 1.300 empregos dire-tos) seria capaz de gerar, ao longo da cadeia, maisde 200 mil novos empregos (150 empregos indi-retos para cada emprego direto). Nas palavras dorelatório: “Nossa estimativa (conservadora) é queo impacto sobre o emprego ao longo da cadeiaprodutiva no Estado será de 201 mil empregos”(FIERGS, 1996, p. 4). Quando o debate foi inicia-do, a FIERGS divulgou novo relatório diminuindosuas expectativas para 100 mil novos postos detrabalho. Finalmente, em novo estudo, uma tercei-ra previsão seria feita, desta vez em torno de 40mil empregos a partir da fábrica da GM (cerca detrinta empregos indiretos para cada um direto).Na Bahia, os números também variaram. Algunspesquisadores de agências governamentais chega-ram a anunciar que os 2.500 empregos diretos quea Ford havia previsto gerariam cerca de 70 mil no-vos empregos indiretos (um coeficiente de 45).

A falta de consistência dessas projeções ape-nas expressa a ausência de critérios para a discus-são. Alguns estudos apenas reproduzem a vonta-de dos governadores. Outros procuram apoio nosmodelos input-output, sem se dar conta de que asnovas fábricas são modularizadas, bem distintasdas anteriores, e seu real impacto é difícil de serprevisto, pois as inovações introduzidas são cap-tadas apenas marginalmente por esses modelos.

Na verdade, não há motivo para otimismo noque se refere à criação de empregos. Pelo contra-

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 123

Page 16: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

rio. As novas fábricas tendem a aumentar os indi-cadores de produtividade que são sempre acom-panhados de um encolhimento nos postos de tra-balho e mesmo de uma redução no número deempregos diretos criados. Essas novas unidades,modularizadas, com nova tecnologia – tanto as deequipamento quanto as que envolvem técnicas or-ganizacionais – foram concebidas, em primeirainstância, para serem poupadoras de emprego. Emuma segunda instância, essas novas fábricas tende-rão a promover o fechamento de emprego nasunidades mais antigas, como as demissões na Forde as da VW (Anchieta) mostram claramente. A ra-cionalização industrial ocorre em todo o comple-xo e na nova divisão de trabalho entre as unida-des de uma mesma montadora.

Num certo sentido, os governos subnacio-nais apenas se adaptaram à tendência dominanteem Brasília, que localiza nos investimentos exter-nos uma espécie de passaporte de ingresso nomundo produtivo de alta competitividade e decrescente capacidade exportadora. Gustavo Fran-co, ex-presidente do Banco Central e figura deproa na condução do Plano Real, afirmava que anova inserção da economia brasileira em um am-biente marcado pela globalização dependia da ex-pansão dos investimentos externos, apresentadoscomo a razão de ser da política de estabilizaçãomonetária, cujo objetivo central era impulsionar“o processo de reestruturação das operações dasfiliais estrangeiras aqui localizadas na direção depadrões internacionais” (Franco, 1996, p. 12).

O dilema é que não há evidências empíricasde que a participação na disputa interterritorialtrará os benefícios apresentados nos documentose nas justificativas dos governos envolvidos nesseprocesso. Pelo contrário, tendo em vista as novascaracterísticas de produção e de tecnologia é pou-co provável que essas empresas irão gerar o dina-mismo econômico esperado. Certamente trarãobenefícios às novas regiões, mas em condições in-certas sobre a dimensão e o timing de seu retor-no, além do impacto negativo no emprego emáreas de industrialização mais antiga. Ou seja, omecanismo básico reproduzido pela guerra fiscalpossibilita que os benefícios eventuais de algumasregiões sejam constituídos à custa de outras.

Foi diante dessas condições que o pêndulogovernamental passou a oscilar entre a ausênciade um projeto globalizador e a transferência deresponsabilidades para os governos estaduais,que passaram a incluir em suas agendas a questãodo desenvolvimento.

A virtude, neste caso, reside na multiplicaçãode iniciativas estaduais, supostamente ordenadaspelos governadores e que, se fossem criteriosas,poderiam efetivamente interferir na configuraçãode uma mancha industrial mais equilibrada e me-nos concentrada nacionalmente. O vício, coetâ-neo, manifesta-se no desperdício, na politizaçãodas decisões, na subserviência às grandes empre-sas, no despreparo técnico e na ausência de pres-tação de contas – como nos velhos tempos do de-senvolvimentismo autoritário. Não é à toa que osmecanismos mais importantes ligados aos novosprocessos de industrialização, aqueles que pode-riam gerar externalidades positivas, continuam im-precisos, ou mesmo ausentes das preocupaçõesgovernamentais. Exatamente por isso, os princi-pais contratos assinados entre Estados e montado-ras não contêm referências precisas ao impactosobre a arrecadação de impostos, à geração deemprego, aos processos de aprendizagem, a polí-ticas salariais, qualificação, à recapacitação de em-presas, adensamento da malha industrial e à trans-ferência de tecnologia.

Ao entrar na disputa sem definir a contrapar-te das empresas e tampouco os custos e o retornopara o setor público; ao participar das negociaçõescom as empresas sem estabelecer relações de reci-procidade; sem indicar os meios de controle sobreos planos apresentados; sem se preocupar com aprestação de contas à população; e sem se pergun-tar pelos direitos do Estado e das cidades, os go-vernadores, de titeriteiros, transformam-se em ma-rionetes. Na verdade, a complacência diante dasregras de um jogo feito por poderosas empresasapenas para colonizar o setor público deixa os go-vernadores com “nada, a não ser um fictício poderde decisão” (Habermas, 1971, p. 64).

Essa transferência de poder para as multina-cionais pode ser registrada a partir da trajetória deexecução dos projetos aprovados. A contração domercado interno e as dificuldades de exportação

124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 17: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

atualizaram a discussão sobre o excesso de capa-cidade instalada, aumentando a apreensão entreos governos por eventuais mudanças nas estraté-gias das corporações. O fechamento recente danova fábrica da Chrysler no Paraná (que produziaa pick-up Dakota) foi a primeira grande revelaçãode que os planos das montadoras nem semprecoincidem com os programas governamentais.Sem menosprezar as razões internas que levaramo grupo DaimleChrysler a tomar sua decisão, omenor questionamento sobre a capacidade de ab-sorção dos veículos produzidos, seja do mercadointerno seja por meio de exportação, apenas au-menta o grau de incerteza que envolve a atualprática competitiva executada pelos governos es-taduais. Embora não existam ainda informaçõesoficiais sobre as perdas do Estado do Paraná nes-sa empreitada, é certo que o fechamento da fábri-ca da Chrysler diminui a diversificação e a com-plementaridade produtiva no interior do pólo pa-ranaense, importante para o desenvolvimento damalha de fornecedores. A Dana, por exemplo,principal fornecedora da Chrysler, e que havia de-senvolvido um sistema específico para a monta-gem das pick-ups, discute agora a sua permanên-cia na região.

Problema semelhante está enfrentando o Es-tado de Minas Gerais com a produção do Classe A,que não vem apresentando bom desempenho nomercado brasileiro. A interrupção de sua fabricaçãorepresentaria um duro revés para o governo de Mi-nas Gerais, que planejou e viabilizou seu programade incentivos, com base nas projeções de venda deum produto de luxo como o Classe A.

Esses dois exemplos recentes apenas realçamalguns componentes da guerra fiscal que já haviamsido anunciados pela interrupção dos planos deinvestimento da Hyundai e da Kia no Estado daBahia. Neste caso, ainda que as fábricas não te-nham sido construídas, há um débito substancialde uma dessas empresas para com o governo Fe-deral, uma vez que se utilizou de vantagens paraa importação de veículos e peças do Novo RegimeAutomotivo sem que tivesse cumprido sua contra-parte, ou seja, a construção da fábrica.

O problema de fundo, porém, acaba escapan-do ao controle do poder de Estado, uma vez que os

interesses e os objetivos das grandes corporaçõesnem sempre coincidem com o interesse público.

Se esses fatores forem considerados, a guer-ra fiscal não surge como uma disputa de soma-zero, mas como puro desperdício. Os Estados quedisputam para atrair as montadoras estão, de fato,financiando grande parte das instalações e do pró-prio funcionamento das novas plantas. E isso apósos fabricantes terem escolhido o Brasil como o lo-cal adequado para seus investimentos. Váriasmontadoras que haviam anunciado investimentosno Brasil, em regiões próximas a São Paulo, mu-daram a localização de suas plantas após a ediçãodo Regime Automotivo Especial para o Nordeste,Norte e Centro-Oeste.

Primeiras conclusões

Não há sinal disponível que nos permita afir-mar que a disputa entre Estados e municípios pornovos investimentos está elevando – ou tenderá aelevar – os níveis de bem-estar do país como umtodo. Os Estados competiram arduamente por in-vestimentos já destinados ao Brasil. Nesse sentidomais geral, contribuíram para aumentar a cota detransferência de recursos públicos para o setorprivado. As condições oferecidas às grandes cor-porações provocaram um impacto negativo emtodo o setor manufatureiro anteriormente instala-do, em especial no setor de autopeças, cujas prin-cipais empresas nacionais foram absorvidas pelasestrangeiras. Aquele que já foi o maior setor deautopeças em toda a América Latina foi desmobi-lizado com a entrada de investimentos no setorautomotivo.

Qual tem sido a atuação do governo federalem todo esse processo? No início, estimulou aoferta de incentivos e subsídios como meios deatrair as montadoras após o Novo Regime Auto-motivo. Depois, o governo federal tolerou e mes-mo aprovou esse tipo de prática. E quando, final-mente, a guerra fiscal ameaçou sair do controle(cf. caso da Ford/Bahia), o governo federal negli-genciou em criar as instituições adequadas quepoderiam ter evitado o desenvolvimento de for-mas mais perversas de competição territorial, a

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 125

Page 18: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

começar pela intensificação de negociações e de-terminação de referências para a negociação entreEstados e montadoras.

A guerra fiscal no setor automobilístico brasi-leiro é um salto no escuro. A abertura parcial emesclada da economia, a fragilidade do governocentral no balizamento e no controle dos proces-sos de modernização industrial e o despreparo dosgovernos estaduais e municipais têm contribuídopara amplificar os efeitos mais nocivos da globali-zação. Efeitos que podem até impulsionar ocrescimento econômico a curto prazo e geografi-camente localizado, mas que, a médio e longoprazo, certamente gerarão mais dependência e ins-tabilidade. E, provavelmente, mais desigualdade.

Porém, há sinais de estímulo emitidos pelasociedade civil contra esse tipo de disputa. O re-sultado das eleições de 1998 expressou mudançasimportantes. Muitos governadores que disputaramagressivamente os investimentos estrangeiros per-deram para seus rivais. A guerra fiscal permeou adiscussão sobre reforma tributária e fiscal, aindaque de modo não completamente efetivo.

O problema de fundo continua sendo a pre-cariedade institucional voltada para o desenvolvi-mento. A dificuldade de Estados e prefeituras paraestabelecer relações de reciprocidade com asgrandes empresas e a sua incapacidade de definirdireitos e deveres de modo equilibrado, recolocacom bastante intensidade o debate sobre a pro-funda disfunção do processo político-institucionalbrasileiro.

A guerra fiscal apenas amplifica essa disfun-ção, pois se alimenta da indefinição dos novospapéis atribuídos aos governos subnacionais naelaboração e na implementação de políticas dedesenvolvimento que estiveram concentradas nogoverno federal desde os anos de 1930. E sem oprovimento de instituições capazes de irrigar odiálogo com a sociedade civil e os distintos gru-pos de interesse privados, de modo a regular, es-tabilizar e legitimar novos comportamentos, nodizer de Polanyi, a guerra fiscal assume, prepon-derantemente, um caráter autofágico.

NOTAS

1 O Novo Regime Automotivo, editado em 1995, esta-beleceu uma série de vantagens baseadas na dife-renciação entre empresas com fábricas instaladas noBrasil e as demais empresas. Para as primeiras, alí-quotas de importação substantivamente menorespara veículos completos (50% menor). Máquinas eferramentas teriam alíquotas zero. Autopeças pode-riam ser importadas com alíquota inicial de apenas2%. O NRA obteve êxito na atracão de novas fábri-cas. Ao mesmo tempo, apresentava desequilíbrios,beneficiando mais as montadoras e expondo àcompetição o setor de autopeças. Ignorou a ques-tão trabalho, assim como as referentes à tecnologia,à recapacitação e outras. Foi a primeira peça depolítica industrial significativa elaborada após a in-terrupção das atividades da Câmara Setorial da In-dústria Automobilística, arranjo tripartite (de curtaexistência, mas bem-sucedido), voltado para a ela-boração de políticas industriais para o setor. Parauma análise mais detalhada dessa experiência ver:Cardoso e Comin, 1993; Arbix, 1996; Arbix e Zilbo-vicius, 1997.

2 As avaliações da capacidade instalada indicam umsalto de 2,4 milhões de unidades/ano para cerca de3,2 milhões/ano de 1996 a 2001. Cf. Anfavea, 2000,Panorama Setorial.

3 Em 1997, um metalúrgico em São Bernardo (SP) re-cebia em torno de US$ 14 por hora de trabalho. Oscustos fora de São Paulo eram cerca de 40% maisbaixos, como nas previsões da GM para sua novafábrica em Gravataí.

4 Em 1996 a relação habitante-por-veículo era de 9,6no Brasil e 5,8 na Argentina (Anfavea, 1998).

5 Entre 1993 e 1997 a produção de veículos foi a queapresentou maior crescimento relativo no mundo,saltando de um total de 1.070 mil autoveículos noano de 1992, para 2.070 mil em 1997. No mesmoperíodo, o mercado doméstico saltou de 760 milpara 1.840 mil autoveículos (Anfavea, 2000).

6 Na maioria dos acordos, o crédito fornecido às em-presas é sempre pago em moeda local, enquanto odébito do Estado tende a ser garantido em dólar.

7 Protocolo do Estado do Paraná com a Renault, 1996.

8 Protocolo assinado entre a GM e o Estado do RioGrande do sul, 1997.

9 Protocolo assinado pela Ford e o Estado do RioGrande do Sul (1997) e que seria posteriormenterompido com a mudança da montadora para Cama-çari, na Bahia, em 1999 (ver mais adiante).

10 Entrevista com executivos da GM concedidas ao au-tor, 2000.

126 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 19: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

11 O Regime Automotivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, editado em 1996, havia sido criado para aten-der reivindicações das bancadas regionais de deputa-dos, que exigiam instrumentos federais para atrairnovas empresas. Apesar de atrativos vários, nenhumamontadora havia se arvorado a construir uma fábricanas regiões beneficiadas por incentivos da Sudene.

12 Chega a oito o número de impostos federais sujei-tos a renúncia para efeitos de desenvolvimento, deacordo com os programas da Sudene. A aprovaçãopelo Congresso em regime de urgência do Novo Re-gime Automotriz, de modo a permitir a ida da Fordpara Camaçari (Bahia), autorizou uma renúncia daordem de cerca R$ 700 milhões/ano, ou um total deUS$ 3,5 bilhões no período de dez anos, com o dó-lar da época. Depois de árdua polêmica, o Ministé-rio da Fazenda negociou esse valor, reduzindo osimpostos a um indicador que forneceu a quantia deR$ 180 milhões/ano.

13 Durante a polêmica sobre a saída da Ford, no pri-meiro semestre de 1999, o governo do Rio Grandedo Sul divulgou documento afirmando que as per-das de ICMS com a Ford atingiriam a cifra de R$ 3bilhões ao longo do tempo.

BIBLIOGRAFIA

AMSDEN, A. (2001), The rise of the rest: late indus-trialization outside the North Atlantic Re-gion. Oxford, Oxford University Press.

ANFAVEA. (1998), Anuário Estatístico da IndústriaAutomobilística Brasileira. São Paulo.

ANFAVEA. (2000), Anuário Estatístico da IndústriaAutomobilística Brasileira. São Paulo.

ARBIX, G. (1996), Uma aposta no futuro: os pri-meiros nos da câmara setorial da indús-tria automobilística. São Paulo, Scritta.

ARBIX, G. & ZILBOVICIUS, M. (eds.) (1997), DeJK a FHC. A reinvenção dos carros. SãoPaulo, Scritta.

BRITTAN, L. (1995), “Investment liberalisation: thenext great boost to the world economy”.Transnational Corporations, 4.

BUDD, L. (1998), “Territorial competition and glo-balization: Scylla and charybdis of Euro-pean cities”. Urban Studies, 35: 663-685.

CHANG, Há-Joon. (1998), “Globalization, transna-tional corporations, and economic deve-lopment: can the developing countriespursue strategic industrial policy in a glo-balizing world economy?”, in D. Baker,G. Epstein e R. Pollin (eds.), Globaliza-tion and progressive economic policy,Nova York, Cambridge University Press.

CHESHIRE, P. C. & GORDON, I. R. (1996), “Terri-torial competition and the predictabilityof collective (in)action”. InternationalJournal of Urban and Regional Research,20: 383-400.

_________. (1998), “Territorial competition: somelessons for policy”. Annals of RegionalScience, 33: 321-346.

COE, D. T. & Helpman, E. (1995), “InternationalR&D spillovers”. European Economic Re-view, 39: 859-887.

COE, D. T., HELPMAN, E. & HOFFMEISTER, A. W.(1997), “North-South R&D spillovers”.Economic Journal, 107: 134-149.

COX, K. & MAIR, A. (1988), “Locality and commu-nity in the politics of local economic de-velopment”. Annals of the Association ofAmerican Geographers, 78: 307-325.

CARDOSO, A. (2000), Trabalhar, verbo transitivo:destinos profissionais dos deserdados daindústria automobilística. Rio de Janeiro,Fundação Getulio Vargas Editora.

CARDOSO, A. & COMIN, A. (1993), “Câmaras se-toriais, modernização produtiva e demo-cratização nas relações de trabalho noBrasil: a experiência do setor automobi-lístico”. Trabalho apresentado no I Con-gresso Latinoamericano de Sociologia delTrabajo, México.

DIEESE. (1999), Indicadores: emprego e salários.Santo André/São Bernardo/São Caetano.

DONAHUE, J. D. (1997), Disunited states: what’sat stake as Washington fades and the sta-tes take the lead. Nova York, Basic Books

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 127

Page 20: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

DUNNING, J. (1998), “An overview of relationswith national governments”. New PoliticalEconomy, 3 (2): 280-284.

DURANTON, G. (1999), “Trade, wage inequalitiesand disparities between countries”.Growth and Change, 30: 455-478.

EDWARDS, S. (1998), “Openness, productivity andgrowth: What do we really know?”. Eco-nomic Journal, 108: 383-398, mar.

FIERGS. (1996), General Motors no Rio Grande doSul. Estimativa do impacto sobre o empre-go. Porto Alegre.

FRANCO, Gustavo. (1996), “A inserção externa eo desenvolvimento”, mimeo.

FRENKEL, J. & Romer, David. (1999), “Does tradecause growth?”. American Economic Re-view, pp. 379-399, jun.

GOVERNO do Paraná. (1995), Programa Paranámais empregos. Curitiba.

GOVERNO do Rio Grande do Sul. (1997), Docu-mento Interno. Porto Alegre, Secretariado Desenvolvimento e dos Assuntos In-ternacionais.

GROSSMAN, G. & HELPMAN, E. (1991), Innova-tion and growth in the global economy.Cambridge, MIT Press.

HABERMAS, J. (1971), “The scientization of poli-tics and public opinion”, in J. Habermas,Toward a rational society, Londres, Hei-nemann Educational Books.

JULIUS, D. (1990), Global companies and publicpolicy, Londres, Pinter.

KEATING, M. (1998), The new regionalism in Wes-tern Europe: territorial restructuring andpolitical change. Northampton (Mass.),Edward Elgar.

LALL, S. (ed.) (1993), Transnational corporationsand economic development. Londres,Routledge.

_________. (1994), “The East Asian Miracle’ study:does the bell toll for industrial strategy”.World Development, 22 (4): 645-654.

LEVINE, R. & RENELT, D. (1992), “A sensitivityanalysis of cross-country growth regres-sions”. American Economic Review, 82:942-963.

MARKUSEN, A. (1996), “Interaction between re-gional and industrial policies: evidencefrom four countries. International Regio-nal Science Review, 19: 49-77.

MORTIMORE, M. (2000), “ Corporate strategies forFDI in the context of Latin America’s neweconomic model”. World Development,28 (9): 1611-1626.

NARULA, R. & DUNNING, J. (2000), “Industrialdevelopment, globalization and multina-tional enterprises: new realities for deve-loping countries”. Oxford DevelopmentStudies, 28 (2).

PERRUCCI, R. (1994), Japanese auto transplantsin the Heartland. Nova York, Aldine deGruyter.

POSTHUMA, A. C. (1997), “Autopeças na encruzi-lhada: modernização desarticulada e des-nacionalização”, in G. Arbix & M. Zilbo-vicius (orgs.), De JK a FHC. A Reinvençãodos Carros, São Paulo, Scritta.

PROTOCOLO de intenções que entre si celebramo Estado do Rio Grande do Sul e a FordBrasil Ltda. para implantação do comple-xo industrial Ford (1997).

PROTOCOLO: Termo de compromisso entre o Es-tado do Rio Grande do Sul e a GeneralMotors do Brasil Ltda (1997).

PROTOCOLO de Acordo entre o Estado do Para-ná e a Renault (1996).

RODRIGUEZ, F. & RODRIK, D. (2000), “Trade po-licy and economic growth: a skeptic’sguide to the cross-national literature”.Cambridge, NBER papers.

RODRÍGUEZ-Pose, A. (1998), Dynamics of regio-nal growth in Europe: social and politicalfactors. Oxford, Clarendon Press.

RODRÍGUEZ-Pose, A. & TOMANEY, J. (1999), “In-dustrial crisis in the centre of the peri-

128 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48

Page 21: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

phery: stabilisation, economic restructu-ring and policy responses in the São Pau-lo metropolitan region”. Urban Studies,36: 479-498.

RODRÍGUEZ-Pose, A. & Arbix, G. (2001), “Strate-gies of Waste: bidding wars in the Brazi-lian automobile sector”. InternationalJournal of Urban and Regional Research,25 (1): 134-154.

SACHS, J. & Warner, A. (1995), “Economic reformand the process of global integration”.Brookings Papers on Economic Activity, 1:1-95.

_________. (1997), “Fundamental sources of long-run growth”. American Economic Review,87: 184-188.

STORPER, M. (1991), Industrialization, economicdevelopment, and the regional questionin the Third World. Londres, Pion.

STOPFORD, J. (1994), “The growing interdepen-dence between transnational corpora-tions and governments”. TransnationalCorporations, 3.

THOMAS, K. (1997), Capital beyond borders. Sta-tes and firms in the auto industry, 1960-94. Nova York, St. Martin’s Press Inc.

UNCTAD. (1996), “Explaining and forecasting re-gional flows of FDI”, Nova York, CTC 26.UN.

VEIGA, J. P. C. (1999), As políticas domésticas e anegociação internacional: o caso da in-dústria automobilística no Mercosul. Tesede doutorado, Sao Paulo, FFLCH, USP.

VERNON, R. (1998), In the hurricane’s eye: thetroubled prospects of multinational enter-prises. Cambridge, Harvard UniversityPress.

WADE, R. (1990), Governing the market. Prince-ton, Princeton University Press.

WILLIAMSON, J. G. (1997), “Globalization andinequality, past and present”. World BankResearch Observer, 12: 117-135.

WOOD, A. (1994), North-South trade, employmentand inequality: changing fortunes in askill driven world. Oxford, ClarendonPress.

WOO, Jun-en. (1991), Race to the Swift: State andfinance in Korean industrialization.Nova York, Columbia University Press.

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA... 129

Page 22: POLÍTICAS DO DESPERDÍCIO E ASSIMETRIA ENTRE PÚBLICO E ... · deste texto foi apresentada no Seminário Interna-cional “A Indústria Automobilística nas Américas”, IUPERJ-UCAM,

POLÍTICAS DO DESPERDÍCIOE ASSIMETRIA ENTREPÚBLICO E PRIVADO NA INDÚSTRIA UTOMOBILÍSTICABRASILEIRA

Glauco Arbix

Palavras-chaveGuerra fiscal; Indústria automobilísti-ca; Políticas públicas; Política indus-trial; Desenvolvimento regional.

Nos anos de 1990, a disputa entreEstados e municípios por novosinvestimentos no setor automotivoatingiu grande intensidade. PoucosEstados resistiram à tentação deoferecer vultuosos incentivos àsmontadoras esperando recompensana forma de empregos, tecnologia eaumento de impostos. A competiçãoganhou o nome de guerra fiscal, porestar baseada no jogo com a receitae a arrecadação futura do ICMS. Aolongo do tempo, os mecanismos uti-lizados para atrair novos investimen-tos foram se tornando mais sofistica-dos e dificilmente serão completa-mente extintos por uma eventualreforma fiscal sem que a relaçãoentre os Estados seja reconfiguradapoliticamente. Exatamente por isso,a questão de fundo atualizada pelaguerra fiscal possui uma dimensãonacional que toca nos alicerces denossa sociedade ao sugerir a buscade um novo equilíbrio entre coope-ração e conflito na Federaçãobrasileira. Nossa hipótese central éque essa disputa, no formato atual,representa grande desperdício derecursos públicos, tanto para os go-vernos estaduais quanto para o paíscomo um todo. As regras do jogo, asarmas e o território da guerra fiscalfavorecem, em primeira instância, asgrandes montadoras que, de fato,comandam as negociações.

POLICIES OF WASTE ANDDESIQUILIBRIUM BETWEEN THEPUBLIC AND THE PRIVATESPHERES IN THE BRAZILIANAUTOMOBILE INDUSTRY

Glauco Arbix

KeywordsFiscal war; Automobile industry;Public policy; Industrial policy;Regional development.

In the 1990s, the dispute betweenstates and municipalities for newinvestments in the automobileindustry increased in terms of fre-quency and intensity. Few statescould resist the temptation to offerenormous incentives to car manu-facturers with the hope of gainingjobs, technology and more taxes inexchange. The competition wasbaptized the "fiscal war" because thegame was based basically on rev-enue and future tax collection of theICMS, a kind of value-added tax col-lected by the Brazilian states. Astime went by, the mechanisms usedto attract new investments werebecoming increasingly sophisticatedand more difficult to abolish by aneventual tax reform at the nationallevel. The current question at thebottom of the fiscal war has both anational and political dimension. Infact, it touches upon the bases ofour society by revealing the need tofind a new equilibrium betweencooperation and conflict amongBrazil’s federation of states. Ourcentral hypothesis is that this dis-pute, in its actual form, representsan enormous waste of publicresources for state governments andthe country as a whole. The rules ofthe game, the weapons involved,and the territory of the fiscal warfavors, in the first instance, the largecar makers.

POLITIQUES DE GASPILLAGE ETDÉSÉQUILIBRE ENTRE LESECTEUR PUBLIC ET LESECTEUR PRIVÉ DANS L’INDUS-TRIE AUTOMOBILE BRÉSILIENNE

Glauco Arbix

Mots-clésGuerre fiscale; Industrie automobile;Politiques publiques; Politique indus-trielle; Développement régional.

Au cours des années 1990, l’affrontemententre les États Fédérés et les communespour de nouveaux investissements dansle secteur automobile s’est beaucoupintensifiée. Peu d’États ont résisté à latentation d’offrir d’importantes subven-tions aux entreprises du secteur automo-bile en y espérant une récompense sousla forme d’emplois, de technologie etd’augmentation des impôts. La compéti-tion a été baptisée de guerre fiscale, carelle s’est fondée sur le jeu entre la recetteet la future perception de l’Impôt sur laCirculation des Marchandises et desServices/ICMS. Au cours des années, lesmécanismes employés pour attirer denouveaux investissements sont devenusde plus en plus sophistiqués et serontdifficilement supprimés par uneéventuelle réforme fiscale sans que larelation entre les États ne soit politique-ment remodelée. C’est exactement pourça que la question de fond, rendueactuelle par la guerre fiscale revêt unedimension nationale qui touche les basesde notre société en suggérant larecherche d’un nouvel équilibre entrecoopération et conflit dans la fédérationbrésilienne. Notre hypothèse centrale estque cette dispute, telle qu’elle seprésente, correspond à un grand gâchisde ressources publiques, aussi bien pourles gouvernements des États que pour lepays en tant que tel. Les règles du jeu,les armes et le territoire de la guerre fis-cale bénéficient, en premier lieu, lesgrandes entreprises automobiles qui, enréalité, mènent les négociations.

228 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 17 No 48