Política_e_desenvolvimento_em_sociedades_dependentes_FHC.pdf

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POLlTICA EDESENVOLVIMENTO EM

SOCIEDADES DEPENDENTES

A necessidade de um amplo c ~guro

conhecimento da correlação cntre as ideologiase as estruturas de poder é hoje um dado deevidência • uma exigência básica de com­preensão dos mecanismos políticos e sociais.Os estudos neste sentido são um insuummtode ajuda decisiva ao entendiJm:nto da afirmaçãonacional dos países subdesenvolvidos ou emvias de deKnvolvimcnto.

O presente estudo é uma notável inlfO.dução 80S problemas espcdficos dessa correIa·ção n«csshia: o socwlogo FEWANDO liENat­

QUE CAU)QSO apresenta um retrato de corpointeiro do universo econômico em que se inse­rem o empresariado brasileiro e o empresariadoargentino, analisando, com ampla objetividade,as suas tarefas c possibilidades reais, assimcomo as suas referências ideol6gicas no sentidode esúmulos explícitos para os respectivos cam­pos de desenvolvimento econômico. Os con·ceitos de dependência não são arbitrários nemo~ecem. para a sua formulação, a sectarismosdesligados do movimento estrutural da reali·dade: a eleição possfvd de certos modelos de'desenvolvimento econômico, ditada pela con·juntura despertada para a atuação nacional enacionalista, ~ que estabelece, em última análise,a amplitude e as oscilações simétricas dessadependência.

Num livro como êste, em ~ articula umasérie enorme de conceitos e de pressupostostknicos, a limpidez upositiva não é uma qua·lidade acess6ria: ela caminha, passo a passo, ~olongo das exposições e dos raciocínios especl·ficamente sociológicos, poHticos e econômicos.

A obra está enriquecida de uma biblio>­grafia atualizada e por um Vllioso anexo, emque se dão exaustivas explicações sôbre os pro­cedimentos usados: na coleta e IlOálise dos dados.

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DEPEND~NCIA EDESENVOLVIMENTO NA

AMÉRICA LATINA

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

e

ENZO FALETTO

Ninguém discorda a respeito da natureza social epolítica do processo de desenvolvimento latino-ame­ricano: o presente livro pretende mostrar, de maneiradireta e específica, como se dá essa relação e queimplicações derivam da forma de combinação que seestabelece entre economia, sociedade e política emmovimentos históricos e situações estruturais dístintos.

O exame levado a efeito pelos autores - ambossociólogos de renome internacional - oferece umadimensão realmente esclarecedora pata o estudo dodesenvolvimento econômico da América Latina, exata­mente porque coloca-se em função de coordenadasdecisivas que levam à caracterização de sua tipicidadepara os diferentes núcleos nacionais latino-americanos;falar da América Latina sem especificar dentro delaas diferenças de estrutura e de história constitui umequívoco técnico de conseqüências práticas perigosas.

A distinção necessária em relação li essas diferen­ças levou os autores, por fôrça de uma metodologiaadequada, à crítica dos conceitos de subdesenvolvi­mento e de periferia econômica e à valorização doconceito de dependência, corno instrumento teóricopara acentuar tanto os aspectos econômicos do subde­senvolvimento quanto os proc~ssos políticos de domi·nação de uns países por outros, de urnas classes sôbreas outras, num contexto de dependência nacional.

Dentro dêsse quadro de vigorosa apresentação damatéria é que se expressam as qualidades notáveis dopresente estudo, possIvelmente um dos mais completosque já se fizeram sôbre as realidades econômicas,sociais e políticas da América Latina, nos seus aspectosúltimos e essenciais.

ZAHAR. EDITORES.a cultura a serviço do progresso social

RIO DE JANEIRO

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Ideologias do Empresariado IndustrialArgentino e Brasileiro

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BIBLIOTECA DE CIl!:NCIAS SOCIAIS

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© Copyright by Fernandõ Henrique Oardoso

capa de

l!lRICO

1971

Direitos para esta edição reservados por

ZAHAR EDITORES

Rua México, 31 - Rio de Janeiro

Impresso no Brasil

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lNDICE

Apresentação

I. IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER NA CI-:lllNCIA POLITICA .

A Herança do "PeflJ8amento Olds8'lco" .

As Anál,",es Oontempor4neas .... '.' •................

1. A Politica como "Ciência Emplrica" e como Análise"Sistêmica" .

2. As Teorias Politicas de "Alcance Médio"

Teoria PoUtica e Inve8tigaçiio OientVica

lI. OS TIPOS DE' DEPEND:lllNDIA E AS IDEOLOGIASDE DESENVOLVIMENTO .

Alianças Polfticas no Periodo de De8envolvlmento Orien-tado para o Exterior .

Ome EcoMmica e OriS6 Politica: A Etapa de Transiçiio

m. SITUAÇ~O ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLITICAS

IV. IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLITICAS .

Origem Social e Atitude Politica .

Os Empresários e a Ideologia Naciom:rJ-PopuZista .

As PoZarizaç6es SigniticaUvas nas Ideologias dos Em-presários .

As Variantes Fundamentais das Ideologias Empresa-riais: A Escolha dos Aliados de Classe .

As Variante8 Fundamentais das Ideologias Empre8a­ria,",: A Orientaçiio Internacionalista e a OrientaçiioPopul,",ta .

A8 Vari<J4llte8 Fundamentais daa Ideologias Empresa-riais: O Parceiro Hegem6nwo '" .

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6 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

V. DEPEND1!:NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 173

L>ependénGia ~8trutural 173

Orientações Politicas e L>ependéncia ~strutural 178

A Ideologia "Nacional-Populista" . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 184

Bistema Produtivo, Mercado e Ideologia , 188

Interesses ~conômico8 e Poder . . . . .. 197

VI. CONCLUSOES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 201

ANEXOS 207

Anexo sobre os Procedimentos Usados na Coleta e Aná-lise dos L>ados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 209

Elaboração de Dados, Construçã.o de Indices e Escalas 209

Modelos EstaUstlcos e Supostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212

Coleta dos Dados ..... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 213

Questionário .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 216

BIBLIOGRAFIA CITADA 217

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APRESENTAÇÃO

ESTE livro apresenta resultados de reflexões e de investiga­ções que venho fazendo desde 1963. Ele não cobre o con­junto de informações que disponho sobre o tema e, apesarde possuir unidade interna, deve ser compreendido no con­texto de outros trabalhos de interpretação e análise que reali­zei nos últimos cinco anos, a maioria dos quais está referidano texto e na bibliografia.

Não quis utilizar, para controlar as interpretações e paracomprovar certas hipóteses, o conjunto de documentos e in­formações disponíveis. Preferi apresentar o resultado de in­vestigações de campo porque tinha uma intenção metodoló­gica definida que se explica no primeiro capítulo. Por isso,utilizei apenas os resultados de duas investigações feitas peloInstituto Latinoamericano de Planificación Económica y So­cial, das Nações Unidas, na época em que fui diretor-adjuntode sua Divisão Social. Essas pesquisas foram feitas sob minhadireção entre 1965 e 1966, em colaboração com o Instituto deCiências Sociais da Universidade do Brasil e com o Consejo Na­cional de Desarrollo, da Argentina, sendo orientados nesses países,respectivamente, por Luciano Martins e Juan Carlos Marin. Otema das investigações ultrapassa os aspectos específicos da ideo­logia política dos empresários, e abrange problemas mais ge­rais da formação e do comportamento do empreliariado industrial.

Evidentemente, a análise dos dados e as interpretaçõesaqui apresentadas, que foram redigidas em Paris entre outu­bro de 1967 e março de 1968, são de minha exclusiva res­ponsabilidade pessoal.

Entretanto, não posso deixar de agradecer a colaboraçãoe dedicação fora do comum de dois companheiros de trabalhode Santiago, Enzo Faletto e Vilmar Faria, que me ajudaramnas etapas anteriores da investigação e que discutiram comigo

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8 POLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

tanto a forma de aproveitamento dos dados como alguns te­mas que foram desenvolvidos no trabalho.

Em versão ligeiramente diferente, este livro serviu comotese para o concurso da cadeira de Política da Universidade deSão Paulo. Quero agradecer o estímulo que recebi, naquelaocasião, da parte de colegas e amigos, dentre os quais gostariade mencionar os nomes de Ruth Corrêa Leite Cardoso, Flo­restan Fernandes, Leôncio Martins Rodrigues Netto, Lucia­no Martins, Pedro Paulo Poppovic, Maurício Segall e RobertoGusmão. O apoio intelectual e humano desses companheirostem sido constante, especialmente nos momentos difíceis porque passam com freqüência os intelectuais em países como oBrasil, tão pontilhado de instabilidades e incertezas.

São Paulo, julho de 1969

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CAPíTULO I

IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODERNA CI:BNCIA POLíTICA

N ESTE livro procura-se tratar, de forma limitada e conside­rando temas cuja significação prática ainda nos angustia nopresente, antigos problemas das Ciências Sociais: a relação en­tre ideologias e estruturas. No seu tratamento, embora quasenunca de forma explícita, se alude forçosamente a outros tan­tos temas cuja proposição recua séculos na história do pensa­mento -social: aS'- relações entre poder e situação econômica,entre val()t,es·· e determinações históricas.

Entretanto, o movimento da exposição não obedece auma reflexão sobre esses temas. Se os dois próximos capítu­los podem aparecer expositivamente como, pelo menos, um"ensaio de classificação" e, portanto, como sistemáticos, é por­que eles derivam de investigações anteriores nas quais a aná­lise permitiu propor esquemas de interpretação. Nos capí­tulos finais, a exposição segue outro movimento, inspirado di­retamente na análise de informações coligidas por uma inves­tigação de campo. 1 Por trás dessa análise subsistem váriosproblemas metodológicos - no sentido clássico da expressãonas Ciências Sociais - que não serão discutidos no trabalhomas que parece conveniente assinalar neste capítulo inicial,para mostrar sua significação na problemática atual da ciênciapolítica.

As questões mais gerais dessa natureza que desejamosindicar se referem à relação entre ideologias e estrutura social,

1 Sobre os procedimentos dessa investigação, ver o apêndicecorrespondente.

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poder e situação de mercado e, paralelamente, no terreno pro­priamente metodol6gico, à possibilidade de vincular uma análisedas determinações gerais, ao nível das estruturas, e uma aná­lise de verbalizações que expressam opiniões, no nível da rea­ção manifesta de indivíduos.

A ciência política se orientou nos últimos anos por pa­radigmas e preocupações intelectuais que praticamente recusaminteresse às preocupações metodológicas e às soluções propos­tas no passado para encarar esses temas. Em forma muito ge­neralizada, seria possível reconhecer pelo menos três grandeslinhas de pensamento que classicamente inspiraram a forma­ção da política como disciplina científica, e em cada uma delasexiste um modo de encarar o significado das ideologias e dosvalóres para a ciência.

A HERANÇA DO "PENSAMENTO CLÁSSICO"

Em primeiro lugar, veremos o modelo que toma formasistemática na pena de Montesquieu e que - menos desli­gado da temática própria de uma ciência política porque pro­posto como paradigma das Ciências. Sociais em geral - apa­rece codificado em Durkheim. O passo entre L'Esprit deslois e as Regles de la Méthode Sociologique não supõe umaruptura mas uma continuidade. Existe uma ordem nos fenô­menos políticos - nos fatos sociais para Durkheim _. quenão é universalmente idêntica, mas varia de modo reconhe­cível segundo cada forma de governo. E cada forma de go­verno supõe um princípio orientador que lhe é inerente.

O cientista deverá reconhecer a relação necessária e "na­tural", isto é, estrutural, que existe entre a parte e o todo,entre as instituições políticas e as formas de governo, entreestas e seus princípios orientadores. Na linguagem moderna,dir-se-ia que existe uma funcionalidade própria a cada tipode sistema e o que seria disfuncional visto da perspectiva deum sistema ideal de governo ou de um sistema particular dis­tinto daquele que é objeto de preocupação do cientista, é fun­cional em termos de outro sistema. A objetividade do mundoexterior na sua opacidade e resistência ao olhar subjetivo do.investigador termina por impor-se e o obriga a capitular di­ante das "regras de observação": há que afastar as pré-noções e

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IDEOLOGIAS E Es'l'RUTURAS DE PODER 11

ler na intrincada teia de relações reais - objetivamente exis­tentes - o movimento das coisas.

Enquanto parte integrante de uma estrutura, a "ideolo­gia" seria o princípio inspirador de um sistema político, mol­dado conforme à natureza dos fatos sociais, ela própria coisa,idêntica, nesse aspecto, ao mundo circundante. Caberia à ci­ência, portanto, devolver. à ideologia sua condição de parte deum todo; parte igual, desse ponto de vista, aos demais inte-,grantes do sistema: tão "objetiva" quanto os componentes es­truturais do todo. E caberia à ciência, ao mesmo tempo, atarefa de eliminar a ideologia particular do investigador, namedida em que esta aparece como viseira que dificulta a per·cepção clara e distinta do mundo das coisas. Nessa acepçãoa ideologia é a anticiêneia, fantasma a ser descartado.

Com este paradigma se conseguia cindir o que antes apa­recera dramaticamente ligado na concepção de Maquiavel: apaixão que constrói polIticamente deixa entrever nela mesmaas regras do conhecimento, a "ciência da política". 2 Já não émais na ação política densa de opções, contingências, valores- imersa na ideologia, em suma - que o "politicólogo" vaideterminar a natureza do fato político, as leis de funcionamentoda arte de influir e do poder de imposição. Já não importatanto con~iderar os fios da ação que, guiada por uma vontadede poder, constrói as cadeias de uma situação de força, deum Estado, exprimindo em seu fiat os desígnios de um homem,de um grupo ou de uma classe. É nas relações estabelecidas,DO resfduo objetivado da vontade fluida, que o cientista poderedescobrir os resultados de uma prática passada - dada àobsçrvação - e que se determina ex past; os princípios queinspiraram essa prática aparecem funcionalmente encravados nateia objetiva de situações e relações, molas num êmbolo, quese contraem e relaxam como corações mecânicos.

A segunda grande corrente do pensamento clássico seopõe justamente ao "cientificismo" positivista. No historieis­mo aparece a preocupação com o fluxo soeial, com o devir

2 Ver a interpretação de Gramsci no primeiro ensaio deNote B1&Z MachÍ<ltlelli BVUa politica e suUo stato moderno, Einaudi.Roma, 1949.

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12 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

como criação humana, que, por isso mesmo, se torna práticasingularizada: o movimento da história se deixa adivinhar peladescontinuidade. Só o irredutIvelmente particular é portadordos sinais da ação humana criadora. Mesmo que a diferença,como fragmentação, denunciasse o geral, este não tem signifi­cação heurística: o conhecimento não pode ser mais que apre­ensão das fissuras e das singularidades, cada uma das quaistraz o sópro de um Geist particular cuja história geral será, nomelhor dos casos, o desenvolvimento do "espírito dos povos",não a lei do movimento de estruturas. Evidentemente sob essaforma, a Política não aspirou a ser ciência - conhecimentodo geral - mas "consciência": iluminação interna dos momen­tos particulares da vontade de poder, como se da estrutura in­terna das lâminas de um vitral surgisse a luminosidade capazde revelar a transparência de sua verdade interior. O discur­so, no limite, não poderia revestir o nexo racional e a ciênciapolítica pereceria irremediavelmente na retórica.

Não foi, portanto, diretamente dessa concepção que dericvou o segundo paradigma a que fazemos referência, mas pre­cisamente de sua crítica. Na Ciência Social é Weber, comose sabe, quem recolhe dessa tradição o possível núcleo racio­nal e, como faz Marx com Hegel, propõe um novo procedi­mento metodológico. Mantém o irredutível puralismo dos va­lôres: na luta entre os vários deuses, ou, mais precisamente,entre os vários demônios, não há critério objetivo possível parahierarquizar as probabilidades de verdade. A ação humana éuniversalmente valorativá, a do ator como a do observador.Existe, portanto, uma arbitrariedade, uma singularidade, debase. Mas, e é o mas que conta, se o ponto de partida revelapela escolha do tema uma arbitrariedade (pois o critério daescolha é valorativo e subjetivo), a partir desse ponto o co­nhecimento científico é possível: as valorações devem ser ca­tegoriz?das racionalmente e os comportamentos serão medi­dos como distanciamentos do parâmetro racional. Certamente,os conceitos são construídos com o propósito de elucidar pro­blemas postos pela história e a história é o resultado da lutaentre homens que tratam de impor, com sua vontade, a verda­de particular de seu modo de encarar o mundo. O cientista,por sua vez, seleciona os aspectos da história que considerasignificativos, em função de seus interesses e valores, e os pro-

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IDEOLOGIAS E EsTllUTUIAS DE PoDU

põe como temas. Entretanto, definidos os problemas, os con·ceitos são construídos como "módulos racionais": são conce·bidos como uma pura ferramenta da razão. Weber construíaconceitos tfpico-ideais, valorativamente isentos, porque sem apretensão de encerrar neles conteúdos históricos concretos.AssÍttl, o capitalismo poderia ser conceptualmente definido apartir, por exemplo, de uma de suas dimensões, como a buscametódica e sistemática do lucro através de práticas racionaise da acumulação constante, como fez o próprio Weber com oconceito de "capitalismo moderno", ou poderia ser caracteri·zado, como fez Marx, a partir das relações de produção, quan·do então o conceito básico seria o de mais-valia, isto é, umaforma de explorar o trabalho de uma classe por outra classe.Em princípio, qualquer das duas "definições" seria, para Weber,igualmente válida: nenhuma delas, descle que se restrinja suasignificação ao âmbito de um conceito "dpico-ideal", contémem si mais do que uma ordenação racionalmente elaborada deaspectos escolhidos na pluralidade de facetas da história segundointeresses culturais do próprio investigador.

Contudo, nem a liberdade que a metodologia weberianafaculta está baseada num puro formalismo lógico, nem elasignifica arbitrariedade na análise científica.

Com efeito, os conceitos são vazios de conteúdo, masnão são lógico-formais: possuem uma intenção histórica defi·nida; são construídos para ordenar situações que foram esco­lhidas em função da significação histórica que possuem para ocientista. Dessa maneira, distinguem-se, por exemplo, na tipo­logia das formas de dominação, a dominação racional, a domi·nação tradicional e a dominação carismática em função do sig­nificado que determinadas situações históricas concretas tive­ram, para a elucidação das quais se fez necessário construiraqueles três tipos. Os tipos não são o resultado de uma opo­sição lógica, ou de um contínuo que iria, por exemplo, do maisforte ao mais fraco, do mais racional ao mais irracional. Ain­da que se pudesse pensar numa oposição entre a dominaçãoracional e a tradicional nesses termo9-, a dominação carismá­tica não poderia localizar-se num quadro formal de oposiçõesentre esses dois tipos logicamente dispostos em pólos opostos.

Por outro lado, a arbitrariedade inicial da escolha dotema e da construção dos conceitos termina por submergir na

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14 PoLfncA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

ascese de uma prática científica objetiva. A "demonstração"da relação suposta como significativa ao nível conceptual seráfeita através do método comparativo, isolando-se em situaçõesconcretas os elementos que podem revelar-se empiricamentecomo os antecedentes causais de um conseqüente que se querestudar. Dessa forma não terá sido, por exemplo, no reconhe­cimento da existência de uma relação significativa entre a éticaprotestante, especialmente em sua versão calvinista, e o "es­pírito do capitalismo", feita no livro famoso de Weber, quese demonstrou ser esta relação significativa causalmente adequa­da. A segunda parte da análise weberiana do capitalismo,básica na análise científica, supunha mostrar que além deexistir uma congruência de significado entre uma conduta eco­nômica de acumulação sistemática e racional e uma orientaçãopiedosa, existia também uma relação causal entre o capitalis­mo moderno e a ética calvinista. Note-se que a relação designificação entre os dois temas havia sido indicada anterior­mente mesmo por Marx. Mas a pesquisa weberiana vai tentarmostrar que em inúmeras situações histórico-sociais estavampresentes vários dos fatores fundamentais para a eclosão docapitalismo moderno, menos um: uma forma particular deética religiosa que impelia os empresários a uma conduta quefosse ao mesmo tempo metódica e de acumulação sistemática.Por isso, estuda o judaísmo; o !sIão, o budismo etc. e mostraque apenas no calvinismo havia os ingredientes de valor capa­zes de juntar uma conduta íntima, piedosa, com uma práticaeconômica externa, de acumulação sistemática e racional. Es­tabelecidos 9s liames entre essas duas ordens de fatores (re­petimos, não em A ·Etica Protestante e o Espírito do Capita­lismo, mas numa série de outras obras), faz-se a imputaçãode causa e efeito; não entre qualquer forma de capitalismo eum tipo de ética, mas entre o capitalismo "moderno", tal comoaparece conceituado inicialmente, e a ética protestante, especial­mente em sua forma calvinista.

Para completar seu procedimento metodológico, Weberrequeria, portanto, que se chegasse a uma interpretação. cau­sal, isto é, que, além de chegar-se à determinação das relaçõesde sentido, e à determinação das conexões de causa e efeito,se mostrasse como seria possível esperar que houvesse uma pro-

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IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER

babilidade típica de que o que fora suposto teoricamente comorelacionado pelo seu sentido, fosse também relacionado emtermos de causa e efeito.

Existe, portanto, um duplo movimento na metodologiaweberiana. Primeiro, se constitui o objeto de análise a partirde uma preocupação histórico-valorativa. Como na históriase digladiam vontades particulares guiadas por valores e mo­tivadas por estímulos racionais, emotivos ou tradicionais, osconceitos que vão servir de ponte entre o pensamento e ofluxo da vida social devem ser esquemas de relação entre mo­tivos e fins: a dominação, por exemplo, será tradicional, bu­rocrático-racional ou carismática de acordo com os _meios (oquadro administrativo) e as formas de legitimação que ela as­sume na relação entre dominadores e dominados. Existem, na·turalmente, meios externos de coação que garantem o exercícioda dominação. Mas o reconhecimento da existência de umacondição básica e geral - a violência - permeando as rela·ções de poder não é suficiente para Weber, para oferecer avereda da compreensão. Ao contrário, vai buscá-la na relaçãoparticular entre uma forma externa de comportamento (umaconduta) e a teia das orientações valorativas. Em segundo lu­gar, supondo que se estabeleceram as conexões de sentido entreuma prática externa e uma orientação - entre o "capitalismomoderno", por exemplo, e a ética calvinista - começa o tra·balho da relação analítica. O conceito típico ideal não podeaspirar a esgotar a "realidade", e menos ainda a demonstrarque ao .menos um segmento do real está contido nele. Se aanálise começa pela construção de tipos onde encadeamentostípicos de seqüências de eventos, na medida em que o encami·nhamento do trabalho científico ultrapassa a etapa prévia deescolha de regiões de conhecimento, estabelecem o reino doconcreto: a imputação causal é necessária; será feita pelo mé·todo comparativo, e se estabelece pela reconstrução dos liamesparticulares que unem um evento antecedente com seus con·seqüentes.

Assim, Weber propõe um paradigma que resguarda os re­quisitos da intenção hist6rica e da elaboração te6rica, que ul­trapassa o particuIarismo do fato vivido e situado pela cons·trução de categorias mais gerais de explicação, que reconhecea hist6ria - incluindo nela o cientista - como o reino da

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16 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

vontade 3 e busca assegurar a isenção valorativa do cientistae a objetividade da ciência. O preço que a metodologia webe­riana paga à sua ambição contraditória é a descontinuidade en­tre a razão e a realidade e entre os diferentes momentos dahistória: o tipo ideal permite organizar logicamente os pólosdistintos de orientação das ações, mas a dinâmica interna en­tre eles escapa a seus propósitos.

A metodologia weberiana dará grande liberdade ao cien­tista na categorização histórica, justamente porque admite ovazio entre a categoria e a história. Mas a análise weberianaconsiste justamente em saltar esse abismo: os conceitos típico­-ideais não são mais do que pontes que se destroem à medi­da que o conhecimento caminha.

É fácil compreender que a partir dessa metodologia asideologias ganham uma significação particularmente importan­te: não se trata de buscar o nexo real entre uma estrutura- uma teia de relações dadas - e uma forma de pensar, quepode ser concebida como parte inte&rante da estrutura, comono método anteriormente apontado, pois o que interessa nométodo de compreensão é a relação entre motivos, meios efins, portanto seqüências de ações reciprocamente orientadas,e não seu resíduo substantivado. Trata-se precisamente deredescobrir a possibilidade de recuperar o nexo entre a forçaque transforma e a situação que está sendo transformada: aética calvinista ilumina o sentido de acumulação, não explicaa acumulação como parte de um "sistema econômico", nemse opõe a essa explicação. A ideologia é indicador do "foco

3 Ver o artigo sumamente interessante de Eugenio Fleis­chmann, "De Weber a Nietzsche", em Archives Européennea deBociologie> tomo V, n.O 2, 1964. Convém esclarecer a significaçãodo que antes Se afirmou sobre a superação do "fato vivido" nametodologia weberiana. Weber não define seus conceitos deorientação das ações psicologicamente. Não supõe como neces­sária uma teoria da personalidade para explicar as interações.O sentido da ação, para Weber, tanto pode ser assumido comoum motivo existente de fato como um dado para o ator, comopode ser suposto ou descoberto na análise pelo investigador. Epode ainda, em certos casos, ser estatisticamente estabelecido,como média de comportamentos. Portanto, não existe qualquerpsicologismo na análise weberiana.

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IDEOLOGIAS E EsTllUTURAS DE PODElt 17

valorativo", da virtu, do principio interno de animação quedistingue das coisas a ação significativa, embora essa última,como se sabe, possa transformar-se com o tempo em hábito,rotina, ação meramente reativa. Não se sugere a hipótese do"elemento funcional" no interior de uma estrutura, nem a re­lação entre infra-estrutura e superestrutura. E é evidente queo cientista não assume os valores contidos nas ideologias: pou­co importa que segundo. sua escala própria sejam orientaçõesdivinas ou demoníacas. Não é menos certo, porém, que as ideo­logias justamente porque encerram vaiores são pistas para acompreensão dos processos sociais, lumes - apesar delas ­para o conhecimento.

A terceira fonte clássica de inspiração de uma possível ci­ência política deriva da crítica marxista simultaneamente à visãohegeliana do processo histórico e ao natural-estruturalismo dopensamento burguês. Por certo, também nesse modo de inter­pretação se parte de "relações estruturadas". Porém, precisa­mente porque são estruturadas, essas relações se conform«mnum "todo" que se hierarquiza: o conceito de domínio, dedeterminação fundamental e secundária é decisivo. Não es­tamos mais diante de um mundo de infinitas possibilidadescuja apreensão passa por uma hierarquização externa (ele pró­prio sem "leis de estrutura"), nem de um mundo onde o"princípio de ordem" vige na sua expressão geral, como a or­dem natural, embora se diferencie estruturalmente. Ao con­trário, a ordem é uma imposição hist6rica, quer dizer: derivade um modo particular de articulação entre as partes. Porém,esse "modo particular de articulação das partes" se torna his­toricamente geral. ~ um tipo particular de imposição, ummodo hist6rico de ordem, que, ao cumprir-se, "cria" uma lei.A validez da lei estabelecida estará obviamente limitada pelapermanência ou decomposição das forças que a supõem: a leido valor está encerrada nos limites do mercado, e este, porsua vez, supõe modos determinados de produção; a mais-valiarelativa não tem vigência senão dentro de um mundo de ex­propriações (separação entre o produtor e os meios de pro­dução, proletariado e burguesia) no qual as forças produtivasse desenvolvem exponencialmente, e assim por diante.

Precisamente a análise do "modo de articulação" das com­ponentes dessa totalidade revela as leis de seu movimento:

...

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18 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

não se supõe mais um princípio que anima as estruturas,mas estruturas que são elas próprias movimento. Todavia,esse movimento não deriva, como na dialética hegeliana, de umadialética dos princípios simples e essenciais, da Idéia que geradiferenças na totalidade: uma esfera social, uma esfera econô­mica, uma esfera política, uma esfera ideológica. Ao contrário,é porque existem contradições "secundárias", por exemplo, en­tre uma forma de consciência e as relações de produção, ouentre estas e as forças de produção, que as ou a contradiçãoprincipal subsiste. Em conseqüência, o movimento da es­trutura - o todp estruturado - não se dá como um princí­pio abstrato, mas como a particularidade concreta das múlti­plas contradições presentes.

A partir dessa perspectiva seria possível constituir tantouma ciência política como uma teoria científica das ideologias:a determinação específica dos modos de consciência e das for­mas de atuação das classes sociais deixaria de ser representadacomo o puro reflexo de uma estrutura subjacente, isto é, derelações entre o fenômeno e a essência, para ser a busca dascondições reais de movimento do "todo estruturado", de umtipo determinado de sociedade. A circunstância revelaria, emconseqüência, sua própria lei; é no particular que o cientistalê o movimento geral. Assim, não só a lei histórica existecomo expressão de um "universal concreto", mas só atravésda concretude existe esse universal. f

Para Marx, além disso, a prática social determinada abri­ria possibilidades da crítica às ideologias e da cristalização deuma teoria científica. Prática social determinada porque pre­cisamente as concepções burguesas da economia, da política,da sociedade - da história, numa palavra - pela boa razãode que revelam um aspecto parcial da articulação do todo ­a imposição burguesa sobre o proletariado e a sociedade emgeral - mas não podem revelar as contradições que se opõem

f Não é necessário aqui chamar atenção para a diferençaentre a análise marxista e o empirismo. Basta ler a famosaIntrodução à Crítica da Economia PoZUica, no seu posfácio, paraver que desse ponto de vista as diferenças entre a dialética e oempirismo são radicais: para chegar ao concreto, Marx parteprecisamente do abstrato.

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a essa dominação, não alcançam a perspectiva mais adequada,isto é, mais conforme com as "leis de movimento" da socie­dade burguesa. Estas passam necessariamente pela prática pro­letária e, em conseqüência, a ação e o pensamento a partir daperspectiva do proletariado contêm maior amplitude e maiorpotencial de explicação do que as demais perspectivas, todaselas carregadas de "ideologias", ou seja, de consciência de­formada pelos pr6prios interesses de classe. Distingue-se, assim,ideologia de ciência e se relaciona ciência com consciência so­cial, sem que se negue, em geral, o elemento de verdade pos­sível numa forma ideológica de pensamento e nem se dissolvaa ciência nas formas de consciência.

Posteriormente - e foi sob essa forma bastarda que aanálise política contemporânea das ideologias sofreu o impactoda influência marxista - a Sociologia do Conhecimento trans­formou a indagação sobre a natureza das ideologias e suas vin­culações com as estruturas que as encerram em uma reflexãosobre o próprio conhecimento como reflexo de uma "situaçãoexistencial" e pôs em dúvida a noção de Ciência Social emsentido preciso. Para escapar em parte à tirania do relativis­mo· da opinião em contraposição ao saber, a SOciologia do C0­nhecimento levou o cientista social (e com maior razão ocientista político) ao ato inicial de fé do reconhecimento daexistência de· uma teia de relações determinante do horizontedo conhecimento possível. A "objetividade possível", limi­tada, porém com fronteiras conhecidas, seria a resposta ~ter·.

nativa à ilusão do conhecimento como expressão de um movi·mento da pura razão. Assim, transformava-se a crítica mar­xista .das ideologias na crítica sociológica do conhecimento,transpondo-se a barreira que Marx sempre evitou; pois jamaisassumiu a falácia da concepção do pensamento como "epife­nômeno" na medida em que recusou radicalmente a relação,para o marxismo metafísico, entre essência e fenômeno. Flan·queado esse obstáculo, os seguidores da Sociologia do Conhe­cimento foram mais longe no plano epistemológico do que opróprio Mannheim e, numa espécie de reação anacrônica aum platonismo do Phaedrus e da República sem mesmo passarpelo Teeteto, terminaram por dissolver no temporal e no mu­tável todas as possibilidades do conhecimento, em vez de ex·plicar cientificamente o temporal e o mutável.

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20 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

As ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS

Dessa tradição do pensamento político subsistiu muitopouco, de forma coerente, na ciência política contemporânea.Parece claro que, sob qualquer das alternativas maiores de in­terpretação dos processos políticos e em particular das ideo­logias, o conceito de Poder é decisivo: dir-se-ia num caso queo Poder se oferece à análise científica a partir de suas insti­tuições e que estas regulam o comportamento dos indivíduose dos grupos segundo regras reconhecíveis; noutra alternativase insistirá sobre as distinções entre força e autoridade, entrepoder em geral e dominação, mas será mantida a idéia de ummandato que, se é certo passa do nível externo da violênciapara o nível interno da obediência, não é menos certo que seassenta sobre a probabilidade de encontrar meios de imposi­ção; e finalmente, na tradição marxista, será posta ênfase paracaracterizar especificamente a política numa sociedade de clas­ses, na apropriação dos mecanismos de violência (inclusive oEstado) por uma classe e no exercício da violência como prá·tica rotinizada. As ideologias se relacionam com o Poder, sejaporque constituem elemento funcional do seu exercício, núcleovalorativo que dá sentido aos que o exercem e, no caso dopoder legítimo, critério para a obediência, ou expressão par­ticular do modo de articulação das classes. As relações supos­tas entre a esfera política da sociedade e seus demais compo­nentes podem ser concebidas diferentemente (relação neces­sariamente secundária diante do primado em última instânciada economia, no pensamento marxista, relacionamento variá­vel mas em todo caso teoricamente independente entre a açãopolítica e a ação econômica na concepção weberiana, ou es·feras autônomas e complementares numa estrutura geral e di·ferenciada na concepção positivista clássica); os métodos deanálises são distintos, mas a reflexão teóricá se faz com umsuposto comum: a política é o reino da imposição e, como con·seqüência, supõe o exercício virtual da violência.

É essa abordagem, precisamente, que se vê esmaecida nosprincipais representantes contemporâneos da Ciência Política, ecom ela a representação teórica do fenômeno político e dosignificado das ideologias herdados do pensamento clássico.

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IDEOLOGIAS E EsTRUTUIAS DE PODEI 21

Por outro lado, se bem é verdade, como indicamos, quea representação do fato político varia nas correntes intelectuaismencionadas e, por isso mesmo, a representação da realidade edas possibilidades de conhecimento são distintas, em qualquerdas tradições clássicas uma possível ciência política teria seueixo teórico definido em torno de "situações sociais". ParaWeber essas situações não seriam mais que seqüências de açõespoliticamente orientadas (isto é, em obediência a algum tipode regra de legitimação); para um herdeiro da tradição deMontesquieu que tivesse passado pela disciplina da análisedurkheimiana seriam instituições que regulam o exercício daautoridade e correntes coletivas de opinião que se formam nointerior de uma ordem institucional dada; e para Marx, seriamo resultado da confrontação de classes sociais lutando para im­por "sua regra" e conformando, dessa maneira, um todo es­truturado. Tampouco se percebe na bibliografia atual umenfoque semelhante em que de qualquer modo se busque um"feixe de relações" - seja este concebido simplesmente comoações reciprocamente encadeadas, como representações coletivas institucionalizadas, ou como relações estruturadas.

Ao contrário, seria possível dizer, com certa simplificação,que o conceito de Poder foi sendo substituído pouco a poucopelo conceito de Influência~ e a idéia de "situação" como umresultado mais ou menos estável da ação humana foi sendosubstituída pela idéia de "processo". Além disso, o dinamismodesse processo foi sendo encarado de forma crescente comoo resultado da relação entre um ator - com seus atributosde "personalidade-status" - e outro ou outros atores indivi·duais, embora a ação deles se oriente por objetos sociais, es­truturas políticas ou por valores compartidos socialmente (cul­turas políticas).

Aparentemente, a transição entre as concepções clássicase as atuais teria sido feita através de Weber. Só aparentemente.Na verdade, como indicamos, Weber não assumia como neces­sário um psicologismo - ao contrário, refutava-o. Nem des­ligava o processo de construção dos tipos ideais (racionais) daintenção de apreensão da história pelo conhecimento.

Ora, o pensamento atual nas Ciências Políticas, ainda umavez simplificado, tem duas origens teóricas opostas mas quena prática científica - sem que se tenham resolvido os pro-

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22 PoLfnCA B DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

blemas metodol6gicos implicados - se complementaram: oempirismo s6cio-antropol6gico e o pensamento "sistêmico".Este último - que teoricamente tem maior relevo que o an­terior - passou à Ciência Política atual graças à influênciade Parsons e por isso muitas vezes aparenta uma linguagemweberiana. Entretanto, a proeza intelectual de Parsons, se bemé certo, começa em The Structure of Social Action com a pre­tensão de buscar as invariáveis no pensamento clássico (aí in­cluídos naturalmente Weber e Durkheim, e excluído Marx),para depois, através de uma espécie de generalização empíricadas idéias encontradas, constituir a Ciência Social ao redor dasidéias de "ação-relação-sistema", e termina por propor um en·foque pr6prio. Neste, como é sabido, guarda o m~smo cui·dado de Weber de evitar a reificação dos conceitos. Mas pro­põe em The Social System um esquema que se afasta do para­digma weberiano em pontos fundamentais e que possivelmentese aproxima mais das idéias de Pareto (outro dos clássicos par­sonianos), não deixando contudo de modificá-las profundamente.

Com efeito, a unidade do sistema parsoniano é a relação en­tre os papéis sociais vividos por atores individuais e o conjunto deposições sociais definidas pelos sistemas de interação. Essa noçãode "posição" ou status é um conceito alheio a Weber na acepçãoparsoniana. E certo que a noção de status supõe "relações", "ava­liação", "expectativa de comportamento", todos conceitos frontei­riços com o pensamento weberiano. Mas, o modo de funcio­namento do sistema parsoniano implica relações definidas en­tre status-personalidade-valores em forma tal que a socializa­ção assegura a "internalização" dos valores (das normas) numsistema de personalidade e este tem o status como referênciaintegradora externa e o sistema de motivos como fundamentointerno decisivo. 5 Por trás da teoria parsoniana da relação

5 Note-se que Parsons distingue, a rigor, três unidadesdiferentes: a) o ato social; b) a relação entre status e papel;c) o próprio ator como uma unidade social, possuindo um con­junto de status e papéis, referiveis a ele como um "objeto so­cial" e como o "ator" de um sistema de papéis e atividades.Seria possivel acrescentar ainda a própria "coletividade" tantocomo "ator" quanto como "objeto social", que orienta outrosatores, individuais ou coletivos. (Cf. Thc Bocial BystemJ pâg.26.)

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IDEOLOGIAS E ESTRUTUBAS DE PODER 23

entre personalidade-status-cultura está toda uma concepção danatureza humana (as potencialidades da base orgânica indivi­dual) e da Psicologia (a orientação valorativa supõe uma mo­tivação adequada para internalizar-se) que serve de suporteà teoria dos sistemas sociais. O equilíbrio possível dos siste­mas, os processos de socialização e controle social, a integra­ção funcional d<?s componentes dos sistemas não podem serpensados sem uma teoria da personalidade, uma teoria da mo­tivação, uma compatibilidade das expectivas de comportamentoque satisfaçam a concepção parsoniana da relação indivíduo­-personalidade-cultura. Tudo isso é alheio ao pensamento we­beriano.

Por outro lado, Parsons articula seu sistema construindoconceitos que não são historicamente orientados. Ao contrá­rio, como aparece manifestamente em suas análises e nas deseus seguidores, as oposições que vão servir de base às tipolo­gias são antinomias lógicas: universalismo x particularismo;especificidade x dispersão; desempenho x prescrição. A par·tir de oposições desse tipo se propõem "combinatórias", duasa duas, três a três etc., cujos resUltados podem implicar "célu­las historicamente vazias". Assim, para escapar à construçãode enteléquias teóricas e à reificação Parsons termina por cons"truir uma teoria q1,1e supõe, por um lado, uma psicologia, umsistema de relações entre sujeitos individuais e objetos exter­nos (inclusive outros sujeitos e valores) como resíduo inex­pugnável do "realismo crítico", e que, por outro lado, implicaum "nominalismo racionalista" como resposta ao e1I].pirismovulgar.

Foi sob essa inspiração que nasceu a moderna "CiênciaPolítica". Entretanto, ao mesmo tempo a influência da tra­dição sociológica e antropológica de "investigação empírica"se fez sentir fortemente na "politologia" como pedantementemuitos a chamam. A acumulação de dados e a "prova empíri­ca" passaram a ser requisitos da nova Ciência Política, ao ladoda inspiração "sistêmica". Se a essas observações gerais decaráter metodológico juntarmos as indicações já feitas sobre osnovos temas da Ciência Política, o quadro - um tanto carica­tural - se completa: análise do processo de influência nasdecisões, a partir do foco teórico da relação entre o sujeito e aordem política, vista essa última como representação dos pro-

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cessos de distribuição de autoridade e utilização dos recursos quea garantem. Como os estudos nessa direção se fizeram prin­cipalmente nos E. U. A., o processo de influência e decisãopolítica foi estudado em grande parte -na sua manifestação elei­toral - suposta uma ordem política já definida - e a repre­sentação da ordem política foi analisada mais como uma par­ticipação num conjunto de valores que constituem a democra­cia. Nos estudos menos inovadores parte-se da ordem políticainstitucionalizada - "government~ and politics"; nos mais"modernos" procura-se analisar o conjunto dos valores quealimentam a "cultura política" em relação com as ações, rela­ções e .processos que os mantêm atuantes. Paralelamente­e em conformidade com o paradigma teórico de inspiração ­se elaboram hipóteses, para serem empiricamente testadas, sô­bre os tipos de personalidade-status correspondentes aos dis­tintos "modos de participação" e às alternativas "típico-racio­nais" dos valores básicos das distintas culturas políticas, quevariam do radicalismo ao conservantismo, passando pelas cul­turas democráticas.

1. A Política como "Ciência Empírica"e como Análise tiSistêmica"

Dentro desse quadro de preocupações, o peso relativo datradição propriamente de investigação empírica ou de análisede sistemas de orientação política varia de autor para autor,assim como a coerência metodológica dos estudos, pois é fácilperceber que a combinação entre ambas perspectivas acarretaproblemas que poucos autores solucionam de forma convincen­te. A título de ilustração, se poderia tomar como extremosdentro desse universo comum de preocupações os trabalhos deDahl e de Easton. No caso de Dahl, no célebre Who Governs?,6vê-se a incorporação dos temas antes referidos a uma situaçãoempírica definida: quais são os padrões de distribuição de in-

6 Robert A. Dahl, Who Governs 1 (Democracy and Powerin an Amerioan Oity) , Yale University Presa, New. Haven, 9.3

edição, 1966. A primeira edição é de 1961.

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IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DE PODER 25

fluência e de utilização dos recursos políticos na comunidadede New Haven? Dá-se por suposto que existe uma ordeminstitucional que regula em geral o acesso às fontes de podere que limita seu uso, e se questiona em termos do efetiva­mente transcorrido, quais são os processos reais pelos quaisos indivíduos e grupos particulares exercem influência. A li­derança, nesse caso, passa a ser o processo discutido: como sedefinem na prática as relações de influência e que papel têminstituições que pertencem a outro tipo de ordem social, nota·damente à ordem econômica, na formação' e manutenção de p0­

sições de liderança? E, fator decisivo, como se relaciona a"ideologia democrática" (democratic creed) com a prática dademocracia, através dos políticos profissionais e dos líderes?A resposta, numa visão inversa da concepção positivista clás­sica, é que o consenso define os limites dos apelos políticosda liderança e, na medida em que a ideologia democrática écompartida, a democracia subsiste; na medida em que a opi­nião muda, as formas estabelecidas de ordenamento políticotenderiam também a mudar, pois os líderes fariam apelo aidéias e soluções novas.

Apesar da evidente transformação da ideologia em causasubstantiva da ordem democrática - e, paralelamente, do pa·pel inexpressivo da violência no esquema de Dah1 como ele­mento integrante do jogo político - metodologicamente o li­vro segue uma antiga tradição de investigação nas Ciências So­ciais: estudo monográfico de um caso. Entretanto, as inda­gações que caracterizaram os clássicos já não estão presentes:os valores - e as ideologias - são assumidos agora como pró­prios do investigador, porque são normas universalmente vá­lidas. Nem sequer se supõe necessária a diferenciação da nor­ma em estruturas particulares. Trata-se de analisar um casoonde, suposta uma ordem democrática, será possível percebercomo se dá o processo de decisão, quem influencia e como serelaciona a crença nos valores vigentes com sua realização (par­ticipação e consenso) .

Dentro de uma linha semelhante de preocupação e com autilização de recursos teóricos mais sofisticados, existe umaenorme bibliografia de estudos empíricos, em muitos dos quaisse leva mais longe a relação entre influência, liderança, perso-

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nalidade, identificação, participação e consenso. 7 No opostodo gradient metodológico que sugerimos (porém dentro deuma problemática comum), vamos encontrar os trabalhos teó­ricos de David Easton, especialmente em A Framework forPolitical Analysis. Neste, Easton elaborou um modelo teóricode análise que tem como objetivo ultrapassar as limitações( já assinaladas em seus trabalhos anteriores, principalmenteA System Analysis of Political Life) como características daanálise política orientada por considerações históricas e éticas.Ao mesmo tempo, Easton pretende construir um esquemateórico que possa servir de quadro de referência para uma "ci­ência política empírica". A diferença metodológica entre aobra de Easton e os modelos de Ciência Política supostos noparadigma de Dahl é que este autor faz uma análise estrutural·.funcional ao nível dos "sistemas naturais", isto é, consideran-

7 Não estaria conforme com os propósitos e o estilo destecapítulo introdutório agregar autores e trabalhos, pois aqui nosinteressa apenas caracterizar uma orientação geral da análisepolítica. O leitor interessado encontrará uma bibliografia maisou menos recente e comentada em Karl W. Deutsch e LeroyN. Rieselbach, "Recent Trends in Polítical Theory and PolíticalPhilosophy", em The Annals 01 the American Academy 01 Po­litical and Social Science, Filadelfia, vol. 360 (julho, 1965),págs. 139-162. Bastaria indicar dois ou três autores dos mais co­nhecidos como exemplos desse tipo de abordagem: Harold D.LasswelI, Power and Personality, W. W. Norton, Nova York,1948; Psychopathology and Politics, Viking and Press, NovaYork, 1960; Power, Corruption and Rectitude, Prentice-Hall,Nova Jersey, 1963. Robert E. Lane, Political Ideology: Whythe American Common Man Believes What he Does, Free Pressof Glencoe, Nova York, 1962; Political Lile: Why People GetInvolt'ed in Politics, Free Press, Genebra, 1959. Lucian W. Pye,Politics, Persollality and Nation-Building: Burma's Search lorldentity, Yale University Press, New Haven, 1962.

Sobre o "comportamento eleitoral" e a tomada de decisãonas eleições, a bibliografia é avassaladora. Basta mencionar olivro de Angus CampbeIl, Phillip E. Connvers, Waven E. MiIlere Donald E. Stokes, The American Voter, John Wiley & Sons,Nova York, 1960; e P. Lazarsfeld, B. Berelson e H. Gandet, ThePeople's Choice. Convém lembrar que é indispensável para en­tender as questões a que se propôs a Ciêncía Política nos E.U.A.na análise das relações entre influência, participação, identidadee personalidade, o livro pioneiro de T. W. Adorno, Else FrankelBruswich, Daniel J. Lennson e R. N. Sanford, The AuthoritarianPersonality, Harper and Brothers, Nova York, 1950.

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IDEOLOGIAS B EsTRUTURAS DB PoDU 27

L

do um conjunto concreto de indivíduos e atividades, enquantoa análise de Easton se orienta pela idéia de uma Ciência Polí­tica que combina sistemas naturais e ((constructive systems".A discussão feita por Easton sobre essas duas perspectivas 8 dei·xa claro sua preocupação metodológica: a limitação da perspec·tiva "sistêmica" de análise à distinção entre "conjuntos reais"e conjuntos teoricamente elaborados não tem sentido. logi­camente, o cientista está livre para incluir num sistema polí­tico quaisquer modalidades de ações; substantivamente, en­tretanto, o cientista se vê limitado pelas concepções, que de­fende sobre o que é significativo e relevante para o conheci­mento de por que as pessoas atuam de uma determinada ma­neira nos processos políticos. Em conseqüência, não pode ha­ver Ciência Política sem uma clara interconexão entre essasduas perspectivas, resultado que, em última análise, conduzapenas a uma versão renovada e sem progresso teórico da anti­ga discussão entre teoria e fato.

O importante para Easton, em conseqüência, não é rea·firmar que a noção de sistema é básica e geral, nem insistir so­bre as relações entre os sistemas teoricamente construídos, oumodelos, e os sistemas naturais - e, seja dito de passagem,a análise parsoniana do tema, pela distinção entre sistemas con­cretos de ação e sistema social como categoria, é muito maisrica que a de Easton - mas em conceber um modelo de aná·lise dos sistemas políticos que seja adequado aos interêssessubstantivos do cientista político.

Para a elaboração desse modelo, Easton recorre à tradi.ção, de cuja herança se proclama herdeiro: a ((behavioral re­search" (pesquisa do comportamento). Entretanto, vai ca­lher dessa tradição um fruto tardio, isto é, recente: "Mais re­centemente, os sistemas surgiram como um possível foco deanálise (em contraposição à idéia de "ação", de "decisão", ede "função"), começando a partir da menor célula do orga­nismo humano concebido como um sistema, e alcançando sisotemas cada vez mais abrangentes, como o ser humano comoum organismo, a personalidade humana, os pequenos grupos,instituições mais gerais, sociedades, e coligações de sociedades,

8 Ver Easton. Framework lor PoliticaZ Anal1/Ms, Prentice­-Hall, Englewood CUffs, 1965. capo II e esp. pâgs. 30-33.

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como o sistema internacional. O que se estabelece é que I)

comportamento nesses sistemas pode ser governado por pro­cessos análogos se não homólogos" (pág. 16). Aceita essaperspectiva ampla de interpretação, o problema de constitui­ção de uma Ciência Política passa a ser o da identificação doscomponentes de um sistema político e portanto de suas fron­teiras com outros sistemas, e o da concepção do funcionamentodo sistema político dentro dos quadros da teoria geral dossistemas.

O primeiro desses problemas na reflexão teórica de Eastonse resolve pela tradição de análise da Ciência Social simultanea­mente "behavioral" e sistemática: as interações constituem li

unidade básica de análise (pág. 49); em conseqüência, as es­truturas são claramente secundárias como foco de análise teó­rica, pois o que interessa principalmente é considerar os padrõesde invariância do comportamento político através das distintasestruturas (pág. 49). O traço específico das interações polí­ticas diante dos outros tipos de interação social é que elas es­tão predominantemente orientadas pela distribuição autoritá­ria dos valores em uma sociedade. "Assim, a pesquisa políticaprocuraria compreender o sistema de interações através do qualsão feitas e executadas essas distribuições autoritárias e co­ercitivas, em qualquer sociedade" (pág. 50 na 00. inglesa, pág.79 na tradução). Como unidade estrutural básica de análise,Easton propõe a adOÇa0 do conceito de "membro de um sis­tema político", pois esse "conceito" parece-lhe suficientementeaenérico "para identificar o papel de uma pessoa que é parteâe um sistema político em qualquer espécie de sociedade eem qualquer tipo de sistema" (pág. 57). 9

"Um sistema político, então, será identificado como umconjunto de interações abstraídas da totalidade do comporta­mento social, através dos quais os valores são autoritariamentedistribuídos em uma sociedade" (pág. 57 na ed. em inglês,pág. 89 em português).

9 Jr: evidente que um critério tão amplo e subjetivo leva oautor a ter de definir imediatamente os sistemas POlitiC06 diantedos sistemas "parapoliticos", pois processos da natureza do in­dicado podem apresentar-Se em não importa que grupos. Dei­xamos de registrar aqui essas distinções para evitar que oleitor se perca, como Easton, na classificação do sexo dos anjos.

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IDEOLOGIAS E EsTllUTURAS DE PODEll 29

Até essa altura parece-nos que a análise teórica de Eastonnão faz mais do que acompanhar a metodologia de Parsons, tal­vez empobrecendo-a, e está sujeita às mesmas objeções feitasa esse autor. Quando enfrenta o segundo problema assinaladopor nós, o da concepção do modo de funcionamento dos sis­temas políticos dentro da teoria geral dos sistemas, contudo,trata de inovar. 10 Em suas grandes linhas, a concepção deEaston se resumiria à tentativa de conceber um modelo ciber­nético para explicar o fluxo das relações do sistema polí­tico, considerado como um "sistema aberto", com os demaissistemas e com o meio ambiente. Para isso, não só supõe,como Parsons faz com cada subsistema social, a especificidadete6rica do "sistema de interações políticas" e o distinguedo "ambiente" mas agrega duas dimensões fundamentais àanálise:

1.0) as variações nas estruturas e processos no interior deum sistema podem ser interpretados com proveito como esfor­ços alternativos construtivos ou positivos feitos pelos membrosde um sistema político para regular ou desembaraçar-se dastensões que derivam tanto do meio circundante como de fon­tes internas ao sistema (qualidade chamada por Easton de"resposta") ;

2.0) a capacidade de um sistema para persistir diante das

tensões depende tanto de sua capacidade de dispor de infor­mações sobre a natureza dessas tensões quanto da capacidadeque tenham ali pessoas que tomam as decisões de reconverter,com base nas novas informações, as diretivas anteriores (qua·lidade de fcedback).

Em conseqüência, os sistemas políticos passam a ser re·presentados como dotados de finalidades, autotransformadores

10 Convém assinalar que essa inovação se faz antes porsubstituiçll.o de linguagem do que por elaboraçll.o teórica ou me­todológica substantiva. O artigo de Easton, "An Approach tothe AnaJysis of Political Systems", em Worlà Politic8, vol. 9,n.O 3, abril de 1957, págs. 383-400, continha já o essencial dopensamento do autor. A titulo de ilustraçll.o, reproduz-se aquio gráfico apresentado nele. Poder-se-á ver como as Unhas mes­tras da concepção do sistema pol1tico como um fluxo de comuni­cações com propriedades análogas às que caracterizam qual­quer "rede de informações" já estll.o contidas nesse trabalho:

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e com capacidade de adaptação criadora" (pág. 132 no origi­nal, pág. 179 na tradução). Recebem pressões e demandasque variam de intensidade e de grau tanto no meio externo(environment), isto é, dos outros sistemas - econômico, tec- _nol6gico, cultural etc. - quanto do interior do pr6prio sis­tema político. Essas demandas - inputs - são reguladas pelosistema político através de suportes estruturais e também porsuportes difusos. E, principalmente, elas podem ser atendidasnão s6 pela auto-regulação dos suportes estruturais, ou pelaefetividade dos suportes difusos, do tipo "lealdade e afeição",mas também por outputs efetivos. Isto é, por novas "distri-

Convém deixar claro também que a tentativa de Easton de ca­tegorizar os sistemas pol1ticos através de uma representaçãodésse tipo não é a única nem a mais antiga. Será talvez a mais

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completa. Porém, o leitor interessado poderá ver uma exposi­ção mais detalhada da significação desse tipo de modelo emKarl W. Deutsch, The Nerve8 01 Gooernment, Modela 01 Poli­ticaJ Communfcation anà ControZ, The Free Press, Glencoe, NovaYork, 1963. O próprio Talcott Parsons tentou - a nosso vercom menos êxito - redizer o fundamental de sua concepçãosobre o sistema social buscando ultrapassar o modelo clássicoestrutural-funcional que éle próprio e Merton haviam estabele­cido, por meio de uma linguagem cibernética, em "An Outlineof the Social System", em Theorie8 01 Bociety: Foundationa 01Modem Bociological Theory, ed. T. Parsons, E. Shills, K. Nae­gele, J. K. Pitts, Nova York, Free Press of Glencoe, 1961.

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buições autoritárias e coercitivas de valores" que têm conse­qüências sobre o meio externo ao sistema político. ~ precisa­mente essa capacidade auto-regulativa e corretiva dos siste­mas políticos que permite ao cientista concebê-los em termos'de um modelo cibernético:

"Em termos gerais, a capacidade de um sistema pararesponder à pressão derivará de dois de seus processos inter­nos: a informação sobre o estado do sistema e de seu meiocircundante pode ser comunicada às autoridades; estas, porsuas ações, tornarão o sistema apto quer para atuar no sen­tido de mudar, quer para manter qualquer condição dada pelaqual o sistema se reêquilibre. Quer dizer, o sistema políticoé dotado tanto de um mecanismo de feedback (realimentação)como da capacidade para responder a ele. ~ através da com­binação dessas propriedades - f.eedback e resposta - combina­ção que até recentemente esteve virtualmente desconhecida,que um sistema torna-se apto para desenvolver esforços pararegular as tensões pela modificação ou reorientação de seupróprio comportamento" (pág. 128 no original, pág. 173 natradução).

~ ~vidente que a análise funcionalista clássica não dis­punha nem desses conceitos nem das técnicas para operacio­nalizá-los. A discussão se fazia em termos de processos "adap­tativos" e "integrativos" dos sistemas sociais, em que o mo­delo dinâmico pudesse ser pensado senão como resultante doacúmulo de disfunções.

Nos modelos cibernéticos a troca de "fluxos de energia"entre sistemas de comunicação possibilita colocar de outramaneira dois dos temas clássicos das Ciências Sociais: a inova·ção - a criatividade - a mudança, encarada como reorien·tação dos objetivos do sistema.

Foi Deutsch, em The Nerves of Government,l1 quemcolocou de forma mais clara esses problemas. Efetivamente,quando não se determina o tipo de inovação que um modelocibernético supõe e o que se entende nessa metodologia porreorientação de objetivos, corre-se o risco de transformar ascomputadoras deus ex-machina. Ou, no reverso do proble-

11 Karl W. Deutsch, op. cit., esp. caps. 6, 7 e 11.

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ma, se suporá que os sistemas políticos são perpétuos, poisestarão dotados dos mecanismos corretivos necessários paratransformar qualquer tensão em política construtiva ou, sendoo caso, terão a capacidade çie automodificar-se, de forma amanter sua capacidade de "responder" às tensões. Deutschmostra que o suposto mais geral dessa perspectiva de análise- necessário e' válido dentro desses limites - pressupõe cla­ramente uma conotação valorativa: se presume que, diante dosiminentes problemas e perigos de guerra atômica e diante dosistema atual de forças em luta, a opção primeira deverá sera de sobreviver e não perecer. Segundo, que, para sobrevi­ver nas presentes condições, as "Nações dependem mais doque nunca da capacidade de seus subsistemas políticos para atolerância, o aprendizado e uma autotransformação viável". 12

Efetivamente, quando não se esclarece que a "inovação"e a "autocorreção" dos sistemas políticos concebidos como mo­delos cibernéticos supõem os estreitos limites de um sistemadado, particular, de "tipo democrático" com capacidade detolerância e modificação progressiva, passa-se rapidamente dautilização de um possível e valioso instrumento de análise(como concepção e como operação pelas computadoras) a umaposição meramente ideológica, carregada de conservadorismo.

Tal termina sendo o caso de Easton, ao enfrentar o pro­blema da mudança política. Para esse autor, é necessário dis­tinguir dois conceitos, o de persistência e o de manutenção.A idéia de persistência se refere aos "padrões de interação ca­pazes de atender às funções políticas fundamentais, que exigedos membros (de um sistema político) engajados nessa ati­vidade a capacidade de adaptar, corrigir, reajustar, controlar oumodificar o sistema ou seus parâmetros, para enfrentar osproblemas criados pela tensão interna ou externa" (pág. 87 nooriginal, pág. 124 na tradução). Neste sentido, a auto-regula­mentação pelos membros de um sistema político, inclusive noque se refere à autotransformação da estrutura e dos objetivos,se transforma na capacidade crítica de todos os sistemas so­ciais, como indica Deutsch. E o essencial para manter a idéiade persistência numa situação de mudança é que, mesmo di-

12 Deutsch, op. cit., pág. xn. ESSe texto corresponde àedição de 1966, com nova introdução.

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ante da pressão externa ou interna, um mínimo de algum tipode processo "autoritário" de distribuição de valores possa sermantido (pág. 86 no original, pág. 123 na tradução). Noutrostermos: trata-se de mudança sob controle, reforma e não re­volução. A idéia de manutenção exclui essa capacidade deadaptação criadora que se mantém na persistência e está con­taminada pelos velhos conceitos de estabilidade e equili'brio.A persistência de um sistema envolve sua transformação pro­gressiva, enquanto a manutenção, pura e simples, do sistemasupõe estagnação ou apego estático às f6rmulas e soluções es­tabelecidas.

Assim, a partir da perspectiva de Easton, o foco críticodo processo reside na compreensão da idéia de persistência,nos termos assinalados. Obviamente, existem "variáveis es­senciais" que operam em cada tipo dado de sistema polftico(no "democrático", algum grau de liberdade de palavra e as­sociação e de participação popular no processo polftico; no"totalitário", exclusão da participação popular, poder nas mãosde uma elite, coerção individual, controle polftico e forte li·mitação de palavra e associação). Gonseqüentemente, a "ca­pacidade crítica" de cada um desses tipos particulares de sis­tema variará topicamente. Entretanto, essas diferenças, queEaston mesmo chama de essenciais} não caem no ângulo deanálise da teoria geral dos sistemas, devendo ser objeto de aná­lises posteriores. Quanto à mudança e persistência nos sis­temas em geral, Easton não faz mais que voltar à idéia ~os

"requisitos funcionais", perdendo a riqueza que a "análise ci­bernética" abre à compreensão da "mudança com persistência".

"Por definição, portanto, qualquer que seja o tipo de sis­tema que se esteja considerando, seu modo característico decomportamento como um sistema político, em contraste porexemplo com um sistema econômico ou religioso, dependerá desua capacidade de distribuir valores à sociedade e assegurar suaa~eitação. (Parsons diria que a integração funcional dependeda socialização adequada e do controle social - F.H.C.) Sãoessas duas variáveis principais ou conjunto de variáveis (o com·portamento relacionado com a capacidade de tomar decisõespara a sociedade e a probabilidade de sua aceitação freqüentecomo "decisões de autoridade" pela maioria dos membros)que são as variáveis essenciais e que portanto distinguem os

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sistemas políticos de todos os demais tipos de sistema social"(pág. 96 no original, págs. 135·136 na tradução).

Para contestar a crítica imediata quanto à idéia de umapersistência sempre possível, Easton mostra que os distintostipos particulares de sistemas políticos podem ser sucessiva·mente adotados como "meios de adaptação". Supõe-se, assim,que fé) próprio tipo concreto de sistema é uma "variável fun­cional". E, mais ainda, Easton pensa que quando eles se es­gotam (o que sugeriria um conjunto ;á dado de alternativasconcretas e, portanto, ausência de história e transformação daidéia de "coação" na de "adaptação" através de meios já dis­poníveis no arsenal de todos os tipos possíveis de sistema po­lítico), extingue·se o processo político:

"Contudo, se sucessivamente forem tentados sem êxitodiversos tipos de sistema político, pode-se conceber que osmembros da sociedade possam estar incapazes de sustentar qual·quer sistema político, independentemente de seu tipo. Issoresultaria na extinção de toda a vida política para essa socie­dade e, sem dúvida, na dissolução da sociedade como tal. Ospróprios processos vitais de qualquer sistema político estariamextintos" (págs. 95-96 no original, pág. 135 na tradução).

Assim, Easton começa sua reflexão propondo o sistemade interação política como base do raciocínio, e assume umaconcepção "sistêmica" dessas interações; critica impllcitamentea análise da mudança política em termos de equilíbrio e pon­tos de ruptura, introduzindo o modelo cibernético de análise,com seus fluxos de informação, feedback e "resposta" capazesde evitar o mecanismo da análise; termina, entretanto, porestabelecer, para explicar a mudança de um tipo de sistemaparticular para outro, um modeio teórico que já não é sequerorgânico (biológico), mas de uma mecânica finita, na qualtodos os tipos de equih'brio possíveis estão dados a priori.

No mínimo, portanto, mesmo ao nível geral da análisede qualquer sistema político, o que se pode dizer é que oparadigma cibernético não é generalizável. Sua utilização vá­lida depende do reconhecimento, como faz Deutsch, de seusparâmetros e dos valores implícitos. É óbvio que a riquezadesse tipo. de abordagem depende de determinados fundamen.tos de fato: a existência de um sistema político onde a "deci·

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são" se dê, através de canais estabelecidos em função de umfluxo de informações; e, mais ainda, que disponha efetivamen­te dos meios - morais, materiais e impositivos - para modifi·car tanto os canais de informação como os objetivos do siste­ma; mudança essa que será progressiva e sustentada pela par­ticipação comprometida da maioria. Em resumo: supõe umtipo particular de sistema político, historicamente dado. Quan­do, de algum modo, esse sistema é pensado como "padrãogeral" e a Ciência Política passa a ser a reflexão geral dessepadrão, os processos de mudança que não supõem persistên.cia - as revoluções globais - têm que ser explicados comoanômicos, pois destroem as bases de "qualquer" tipo de dis·tribuição de autoridade. Vicissitudes teóricas sem solução parauma ciência política que descarta a análise do poder e da vio­lência para substituí·la pela análise da "autoridade", da "in­fluência" e da "decisão".

2. As Teorias Políticas de "Alcance Médio"

Entre esses extremos, a Ciência Política atual não deixoude ter também suas teorias de "middle range". Como exemplode preocupações desse tipo, em que se escolhe um conjuhtolimitado de hipóteses para testar e se combina o formalismoabstrato inspirado em modelos metodológicos de tipo parso­niano ou de Easton com a investigação de campo, é possívelindicar o trabalho de Almond e Verba, The Civic Culture. 13

O problema exposto no livro é claro: o mundo moderno passapor uma revolução política, uma "explosão de participação";entretanto, a forma dessa revolução tanto pode vir a ser auto­ritária como democrática. "O Estado democrático oferece aohomem comum a oportunidade de participar como um cida­dão que influi no processo de tomada de decisões políticas;o Estado totalitário lhe oferece o papel de 'súdito participante' ",(pág. 4). As vantagens do primeiro tipo de sistema políticosão óbvias (valores compartidos que são da cultura moderna).

13 Gabriel A. Almond e Sidney Verba, The Oivic Oulture,Princeton University Presa, Princeton. Nova York, 1963, 2 vo­lumes.

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Entretanto, a difusão da democracia entre as novas nações so­fre percalços: não é fácil aprender as atitudes e os sentimen·tos democráticos. As lideranças das nações que surgem pre·ferem muitas vezes esquemas tecnocráticos de política que lhespermitem acesso mais rápido aos benefícios da civilização in·dustrial. Adotam, portanto, formas autoritárias de política,em méritos de sua eficácia. A análise dicotômica e teorica­mente excludente dessas formas de sistema político parece aosautores, entretanto, superficial. Propõem que se considerecom mais atenção a idéia de uma "cultura cívica", isto é, deuma forma "mista", moderno-tradicional, de política, que se­ria de fato a forma vigente nos países democráticos e que per·mite entender de modo matizado as diferenças entre as cultuoras "científicas" e as "humanístico-tradicionais". Para Almonde Verba, a "cultura cívica" característica do mundo ocidental,na sua versão anglo-saxônica, foi historicamente um exemplodesse produto híbrido, de compromisso entre os valores de umatradição humanística e os requisitos de uma civilização técnico·-industrial.

Trata-se, em conseqüência, de um estudo com valores de­finidos: busca·se compreender os elementos formadoresde um tipo específico de comportamento político, com opropósito de proporcionar sua maior difusão. Como no livrode Dahl, a ideologia e a ciência se confundem no seu aspectosubstantivo; divergem apenas como "forma", enquanto a ideo­logia apela à participação pela crença na legitimidade dos va­lores, a ciência explica por que esses valores são legitimamentesuperiores.

Não é esse ponto particular, contudo, que nos interessacriticar aqui. Metodologicamente, Almond e Verba se pro­põem a entender a especificidade da cultura política sob sua.forma "cívica" a partir de supostos claramente definidos deuma análise geral; é esta que queremos analisar. Inicialmente,para construir seu modelo de interpretação, os autores pro­curam caracterizar conceptualmente a noção de cultura política:"O termo cultura política (então) se refere às orientações es­pecificamente políticas - atitudes com relação ao sistema po­lítico em suas várias partes e atitudes com relação ao papeldo próprio sujeito no sistema" (pág. 13). E esclarecem quea utilização do conceito de cultura significa "orientação psico-

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lógica com relação a objetos sociais" (pág. 14). Porém, paraescapar ao "psícologismo" utilizam o conceito de "socializaçãopolítica" que permite - como no modelo parsoniano - ligaro sistema cultural às experiências individuais. "Nós devemosrelacionar (por intermédio do conceito de socialização política)específicas atitudes e propensões do comportamento políticoadulto com experiências de socialização política manifesta oulatente da infância" (pág. 14). No outro extremo da relaçãoindivíduo-sociedade, Almond e Verba definem a noção de cul­tura política de uma nação como a "distribuição particular en­tre os membros da nação dos padrões de orientação com rela­ção aos objetos políticos" (pág. 15). Na construção dessespadrões de orientação o andamento metodológico também éclaro: parte-se das "orientações individuais com respeito aosobjetos políticos". As orientações individuais são as tradicio­nais de Parsons e Shills: orientação cognitiva (conhecimentoe crença do e no sistema político, seus papéis, quem os de­sempenha, seus inputs e outputs), orientação afetiva ( senti­mentos sobre o sistema político, seus papéis e sua performance),orientação valorativa (julgamentos e opiniões sobre os assun­tos políticos que envolvem tipicamente a combinação de nor­mas e critérios valorativos com informação e sentimentos);quanto aos objetos da orientação política, os autores distin­guem o "sistema político geral" com o objeto da orientação(sentimentos como patriotismo ou alienação; conhecimentos eavaliações da nação como grande, pequena, forte ou fraca;ou ainda, da política como democrática, constitucional ou so­cialista etc.); o indivíduo como um participante ativo (o con­teúdo e as características das normas de obrigação política eo conteúdo' e qualidade da competência pessoal com relação aosistema político); finalmente, as partes que compõem o sis­tema político (as estruturas ou papéis específicos, como os cor­pos legislativos, executivos ou burocrátícos), os que se incum­bem pessoalmente desses papéis, e as políticas ("policies"),decisões ou reforço de decisões que operam no sistema. Essescomponentes são categorizados segundo participem do proces­so político (input) ou administrativo (output). A partir des­sas dimensões do sistema e do comportamento político, quepodem ser operacionalizadas e medidas por indicadores, estabe­lece-se uma matriz simples de 3 x 4 que vai caracterizar três

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38 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

tipos de cultura politica, segundo o grau de conhecimento queem cada uma delas o su;eito individual tenha da interseçãoda dimensão "orientação política" com a dimensão "objetosda orientação política".

Tjpo de o sistema O jnditliduo

ctütura como um "Input "output como um

polUwa objeto geral Objectll" objects" parlkjpatll-te ativo

Paroquial O O O ODe súditos 1 O 1 1Participante 1 1 1 1

Almond e Verba têm o cuidado de salientar que a forma­lização que fazem não implica categorias exclusivas, ao contrá­rio, podem dar-se e de fato se dão casos de combinação e aái­ção dos vários "tipos" de cultura política (págs. 19-20).

Mais ainda, a classificação não implica homogeneidade nemuniformidade nas diferentes culturas políticas; assim se en­contrarão indivíduos orientados paroquialmente ou como "sú­ditos" nas culturas predominantemente participantes.

Torna-se possível, pois, analisar teoricamente as combi­nações entre as várias culturas políticas ("parochial-sub;ectculture", "sub;ect participant culture", "parochial-participantculture") e no interior de cada tipo de cultura podem dar-secortes horizontais e verticais que caracterizarão culturas mis­tas: uma parte da população pode orientar-se por padrões deautoridade difusos e tradicionais, por exemplo, e outra partepelas estruturas especializadas do sistema autoritário e cenatralizado de decisões.

A dinâmica dos sistemas políticos assim caracterizados es­tará assegurada pela relação de congruência ou incongruênciaentre as estruturas políticas e as culturas políticas. Uma es­trutura política congruente deveria ser apropriada para cadatipo de cultura, isto é, a "cognição" na população deveria seralta e seu afeto e avaliação deveriam tender a definir-se posi­tivamente. Assim, uma cultura paroquial é, em geral, maiscongruente com uma estrutura política tradicional, uma cul·tura política baseada na existência de "súditos", com uma es-

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trutura centralizada e autoritária, e uma cultura participantecom uma estrutura política democrática. Essas relações serepresentam também numa matriz e podem ser objeto de umescalograma, mas em qualquer hipótese a variação na culturapolítica, isto é, na orientação valorativa e em suas relaçõescom os componentes do sistema' político, constitui o ele­mento propriamente dinâmico do sistema, uma vez que a in­congruência abre possibilidades de "desequihôrios funcionais"e por aí se explica a mudança nos sistemas políticos.

Finalmente, a cultura cívíca é uma forma de cultura po­lítica participante, na qual a cultura política e a estrutura po­lítica são congruentes em forma particular. Isto é, combinan­do, e não substituindo as orientações políticas paroquiais eas baseadas numa cultura de "súditos". E ainda, não apenasessas orientações são mantidas na cultura cívica, mas elastornam-se congruentes com as orientações típicas de uma cul­tura de participação política. A manutenção das atitudes po­líticas mais tradicionais e sua fusão com as orientações da cul­tura de participação política formam uma cultura política equi­librada, na qual a atividade política, o "envolvement" e a ra­cionalidade existem, mas são contrabalançados pela passivida­de, pelo tradicionalismo e a dedicação aos valores paroquiais.Assim, tanto a cultura cívica como o cidadão expressam, con­ceptualmente, combinações (mix) nas quais a p>roporção ea congruência entre as partes que se combinam para garantiruma realização efetiva do padrão cultural constituem um pro­blema maior.

Com este quadro de referência teórica para testar suashipóteses e precisar empiricamente as formas de combinaçãocompatíveis com a cultura cívica, Almond e Verba fizeram umainvestigação em cinco países (México, Itália, Alemanha, Grã­-Bretanha, Estados Unidos) onde supõem que as formas decultura cívica se desenvolvem em graus variáveis. A definiçãocientífica da cultura cívica passou a depender, aparentemente,das generalizações empíricas, embora os autores chamem a

. atenção para o fato de que os casos individuais são únicos,não se prestam facilmente à generalização e são tomados maiscomo ilustração dos padrões de atitudes (pág. 402).

Parece desnecessário dizer-se que é nos E.U.A. que sepercebe mais fortemente a existência de uma "cultura cívica

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participante"; a Inglaterra constitui um caso diferencial domesmo padrão, e no outro extremo estão o México, onde coe­xistem a alienação e a aspiração com respeito a dito padrão,e a Itália, que representa uma forma alienada de cultura polí­tica. Entre esses dois grupos está a Alemanha, com uma for­ma de "political detachment and sub;ect competence".

Não insistamos sobre dois problemas já assinalados: defato, os autores assumem como próprios os valores de umaforma de cultura política particular e medem o distanciamentoentre esse padrão e situações empiricamente discrepantes.Além disso, se no centro do sistema teórico proposto está umaconcepção da política como relação entre uma estrutura dadae tipos de orientação subjetiva da ação, são estes, em últimaanálise, tal como existem empíricamente ao nível das verbali­zações, os responsáveis pela persistência ou mudança do sis­tema político. Assim não só a ideologia deixa de guardardistância do conhecimento na proposição do tema, como naanálise se considera que o elemento decisivo para a compre­ensão do funcionamento e das modificações do sistema políti­co repousa no estudo das correntes de opinião: no grau deconhecimento, no apego emocional e na opinião sobre os com­ponentes do sistema político que transparecem nas manifesta­ções de indivíduos particulares.

Analisemos os passos propriamente metodológicos dos au­tores para ver como resolvem os problemas centrais que expu­semos no começo do capítulo. Aparentemente elaboram umametodologia mista: não aceitam a intenção histórica webe­riana, e constroem tipos que são, em conseqüência, formais (istoé, resultado da interseção lógica de duas ou mais dimensões);a ação política, por outro lado, se define no campo da relaçãoformal entre personalidade e objeto político, sem qualquerreferência às outras ordens institucionais, como a economia,nem ao todo do qual participa. Entretanto, não supõem, se­quer teoricamente, a consistência lógica dos tipos criados. Derepente, o que era rigor matricial se transforma em "conceito"de,uma prática "impura": a cultura será ao mesmo tempo pa­roquial e participante, participante e "de súditos". Reapareceassim a história, sob a forma de "situação de fato", não comoinspiração, como tema, como objeto para cuja análise se cons­troem "tipos racionais", mas como critério intrínseco na cons·

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trução do tipo. Mais ainda, como se os autores aceitassem aprimeira das soluções metodológicas clássicas que expusemos,fazem a análise dos tipos supondo que pertencem todos a uma"situação estrutural" comum e que estâ é a expressão de uma"situação empírica": dado um mundo, seu conhecimento é abusca dos invariantes que de facto, empiricamente, o caracte­rizam. Porém, ainda aqui, a metodologia é um "intellectualmix": ao contrário da tradição positivista durkheimiana, nãoé pelo ((coté le plus estable", isto é, pela morfologia e pelas re­representações coletivas cristalizadas em regras - coisificadas- que se busca a lei interna das estruturas políticas, mas simpelas OJ;ientações subjetivas tal como aparecem em verbali­zações. Mais ainda, com a reserva assinalada se passa das for­mas de manifestação de opinião para caracterização das culturaspolíticas. Tudo isso como se, metodologicamente, fosse ri­goroso passar de um nível a outro, de um tipo de pensamentoa outro, sem que se explicitem os passos dados.

Como resultado, nem a proposição teórica dos tipos con­tém as regras de sua validação - sequer ao nível puramenteda razão, como no "pensamento sistêmico" - nem a "provaempírica" chega a validar os tipos propostos, pelas razões in­dicadas da inexistência de passos metodológicos entre a ma­neira de construir os tipos e sua relação com a "situação em­pírica" ou com a história. Os conceitos que propõem nãochegam a ser tipos ideais, mas também não são resultantes degeneralizações empíricas, nem são "tipos médios", ao nível deestrutura, nem "tipos extremos", como alguns autores atri­buem aos conceitos marxistas.

Assim, teoricamente, o ponto de partida é ideológico,depois se toma a ideologia como critério da história e a aná­lise termina imersa na ideologia. A "cultura dvica" é umvalor, que existe porque muitos a realizam na prática políticacotidiana tal qual foi definida valorativamente. Continuará aexistir na medida em que os que a sustentam foram capazesde torná-la crença comum, através dos meios conhecidos desocialização política, contando-se a educação entre os principais.

Ao contrário de Weber, que partia de valores, passavapela construção de tipos racionais e terminava por analisar ob­jetivamente situações concretas, aqui se parte de tipos lógicos,posteriormente os tipos lógicos são dissolvidos nos meandros

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das situações vividas e se compara situações históricas comestes módulos esdrúxulos, não para determiná-las em sua es­pecificidade, mas para dissolvê-las num sistema categorial ge­ral e impreciso. Se é certo que os autores marcam de formaprecisa os limites entre o sistema político e os demais siste­mas, na medida em que especificam o tipo e o objeto das ori­entações culturais que lhes interessam (definindo-o em termosda relação orientação subjetiva - socialização - objetos po­líticos), não resolvem intrinsecamente a passagem metodoló­gica do sistema teórico que constroem para a análise de situa­ções concretas e tampouco determinam as relações entre his­tória e valores, se não ao nível da ideologia e não ao níveldo conhecimento científico. A diferenciação estrutural lhesaparece como resultado das orientações valorativas; o mundoda política não é mais do que prática indeterminada, vontadecujos parâmetros de validez são o consenso e a adequação en­tre a prática atual - adequadamente socializada - e as prá­ticas passadas, regidall por opções entre valores que coexistemindiferenciados no campo livre do universo das possibilidadesgerais.

TEORIA POLÍTICA E INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

Em face dos caminhos percorridos pela Ciência Políticaatual, 14 é forçoso reconhecer que se impõe restabelecer a as-

14 Neste capitulo indicamos as linhas gerais do perisamentode Dahl, Easton, Almond e Verba porque consideramos que elessão representativos de três variantes metodológicas distintas den­tro de uma concepção comum do processo político. Deixamos delado obviamente muitas outras tendências importantes, porqueelas não se ligam diretamente à nossa problemática teórica ouporque, dadas as limitações compreensíveis deste capitulo nocontexto do trabalho, não seria possível analisar nem sequertodas as principais tendências. Convém indicar que além doscientistas políticos preocupados com áreas especiais de análise- teoria das organizações, burocracia, relações internacionais,desenvolvimento político 'etc. - existem outros que se dedicamà formalização da análise das decisões e à teoria dos jogos, cujotrabalho é" relevante dentro da atual Ciência Política. O livrode Deutsch já mencionado e o livro editado por David Easton,Varieties of Political Theory, Prentice-Hall, 1966 (edição bra­sileira: Ensaios de Teoria Política, Zahar, 1970), apresentam al­gumas dessas tendências de forma sintética.

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IDEOLOGIAS E EsTRUTUBAS DE PODER 43

piração de rigor global: não basta determinar empiricamentede forma correta a relação entre dimensões tiradas de um qua·dro conceptual impreciso; a ciência requer uma reflexão rigo­rosa no próprio campo da teoria. Ainda quando não se tra­te de resolver os impasses existentes entre as distintas possi­bilidades de conceber o objeto da Ciência Política, de suas re­presentações te6ricas e suas práticas metodológicas, minima­mente se requer coerência interna a partir do ponto de vistaadotado.

Os autores clássicos aos quais nos referimos elaboraramdessa forma seus paradigmas. Entretanto, uma "volta ao pas­sado" não só é inviável - a problemática contemporânea im­põe questões que não encontram apoio nos clássicos - comolevaria a uma perda da contribuição positiva da Ciência Políti­ca contemporânea. Esta, a nosso ver, repousa muito mais noimenso acervo de técnicas de investigação, de possibilidadesnovas de estabelecer a comunicação entre o nível te6rico e ainvestigação, do que nas imprecisas teorias políticas do equi­líbrio, da interação "sistêmica" do consenso, da relação entreos membros de um sistema político e a cultura política, do gê­nero das que apresentamos aqui, eivadas de confusões entrea ideologia e a ciência, principalmente, como é natural, nopróprio estudo das ideologias.

Dentro de que limites, então, seria legítimo utilizar oinstrumental de análise da Ciência Política (quase todo elevoltado para o problema das representações, subjetivas natu­ralmente, dos sistemas políticos tal como se manifestam aonível do comportamento individual) num quadro de referên­cia teórica que não dissolva na interação e na representaçãovalorativa das estruturas de dominação a situação estrutural,o todo hierarquizado e "externo" no qual se dão as práticaspolíticas? De que modo seria possível manter, de algum modo,a legitimidade do problema das relações entre os valores e ahistória, entre a pura subjetividade e a estrutura objetivadasem dissolver um dos termos no outro? Como, enfim, reco­locar o problema das diferentes ordens institucionais - a eco­nomia, a política, a ordem social, a ideologia - e, ao mesmotempo, apreendê-los ao nível dos comportamentos manifestos,como faz a Ciência Política contemporânea?

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44 PoLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Inicialmente o problema é teórico e geral: trata-se pre­cisamente da idéia e da concepção científica que o investiga­dor tem da relação entre representação-estrutura-ciência. Semdiscutir as implicações epistemológicas da questão (tema queultrapassa a competência específica do autor) ao nível pura­mente teórico-científico, é evidente que para quem supõe queentre as estruturas e as ideologias existe um relacionamento detipo causa-efeito e toma a causa pela "essência" e o efeitopelo "fenômeno", a representação (a ideologia) perde qual­quer sentido como forma de conhecimento. Será tema daciência apenas na medida em que, como qualquer outro ele­mento funcional de uma estrutura, é um objeto, parte de umtodo cujas leis derivam de padrões gerais e são capazes deexplicar a relação funcional dos "objetos" entre si. A ciênciabuscaria precisamente as leis da estrutura e estas conteriamnelas toda a determinação, toda a particularização possível dasrepresentações. No extremo oposto estão os autores cujas des­venturas teóricas já assinalamos, como Almond e Verba emesmo como Dahl, que, ao contrário, vêem na representaçãoa causa ou, em todo caso, o suporte empírico - único realporque dado efetivamente à observação - das estruturas po­líticas. O trabalho da ci,ência, nesse caso, seria uma espéciede explicitação das potencialidades de transformação e de equi­líbrio social contidas nas representações, tal como se dão naprática cotidiana: razão pela qual metodologicamente, comovimos, os cientistas que se orientam por essa perspectiva pas­sam amiúde de um tipo de trabalho que requer a "investigaçãoempírica" a uma categorização subjetivo-formaI.

Entretanto, existem alternativas teóricas que permitem en­caminhar de forma distinta este problema. Com efeito, se écerto que as ideologias são "sistemas de representação" (mitos,crenças, imagens, idéias e mesmo conceitos) , esses sistemasde representação não se apresentam na história isentos deuma "estrutura" 15 e, em conseqüência, de algum tipo de exis-

15 Os' cientistas polfticos ainda nAo descobriram as possibi­lidades de trabalho que o método de anAlise estruturalista, ela­borado pela moderna Antropologia, abre para o estudo das ideo­logias. Apesar de que nós utilizamos neste trabalho o conceitode estrutura noutro contexto e nos inspiramos metodologicamen-

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IDEOLOGIAS E EsTRUTURAS DB PODBR

tência própria (isto é, independente dos indivíduos particula­res que as exprimem) e provavelmente com algum tipo depapel social. Além disso, as ideologias como "sistemas estru­turados" não são pura subjetividade, opinião particular, nemestão no mundo como uma folha que flutua: estabelecem re­lações determinadas com outros tipos de estruturas.

A interseção das ideologias com os demais componentesde uma situação social e a natureza da ideologia como fenôme­no social constituem precisamente os problemas a serem resol­vidos teoricamente. É evidente que para os que consideramo mundo das representações como, de algum modo e ao mesmotempo., o elemento dinâmico e transparência interna do sistemapolítico, a noção mesma de ideologia deixa de ter sentido:é o real como objeto da ciência que se evidencia pela opinião.Esta não é nem a expressão de outra estrutura, nem um tipoespecífico de estrutura que se relaciona com outras estrutu­ras, é o elemento dinâmico, fundamento real da ação, supor­te do sistema político. E tampouco para os que concebem aideologia, a opinião, como reflexo da estrutura, sombra numespelho de água, existe problema maior: o nível da opiniãoé desprovido de eficácia sobre o real, isto é, sobre as estru­turas de dominação e seus fundamentos econômicos; confunde­-se com a falsidade, o engano. Precisamente sua possível efi·cácia prática, que deriva das artimanhas dos que as manejamcomo instrumento, a desqualifica teoricamente como meio deconhecimento.

Entretanto, é possível conceber as "estruturas ideológicas"como sendo sistemas de representação por meio dos quais oshomens expressam um modo particular pelo qual eles sentemque participam de determinadas condições de existência s0­

cial e em função dos quais atuam efetivamente diante dessasmesmas condições. Quer dizer: a ideologia não é a transcri­ção imediata das condições de existência social, nem é o reino

te em outras fontes, é de todo evidente que o estruturalismo per­mitiria a colocação do problema das ideologias de um ponto devista supra-histórico com muito maior rigor e riqueza do quea análise "sistêmica". A transformação das ideologias em "mi­tos das sociedades alfabetizadas" e a análise da estrutura de8888mitos seriam pel9 menos uma proeza intelectual estimulante.

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46 POLfTICA B DUENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

da pura ilusão; não pode ser descartada como "falsa consci­ência", como idola, nem pode ser aceita como a expressãosubstantiva de um modo de relação social. Supõe, como es­creveu Althusser alhures, uma relação real, uma relação vividae uma relação imaginária.

Admitindo-se essa perspectiva, abre-se para o estudo daideologia uma possibilidade te6rica determinada: é possívelescapar do particu1arismo subjetivo da opinião como critério,mas ao mesmo tempo a opinião como informação e como in­dicação volta a ter um papel heurístico na ciência. Trata-se,a partir daí, de buscar os "prindpios de estruturação" que re­organizarão as informações obtidas individualmente e permi­tirão reconstruir teoricamente os modos determinados de apre·ensão do mundo pelos homens em sua experiência vivida.Porém, nesse caso, haverá que precisar a correspondência entreas "estruturas ideol6gicas" e as outras estruturas que consti­tuem a sociedade, inclusive o sistema político e o sistema eco­nômico. Note-se que essa correspondência, mesmo quandose aceita, como é nosso caso, que a sociedade se constitui porum conjunto de relações contradit6rias e hierarquizadas, nãopode ser concebida como uma "função": dadas uma estruturapolítica e. uma estrutura econômica, ter·se-ia tal tipo de ideo­logia. Ao contrário, porque a ideologia implica uma relaçãoentre o real c o imaginário, entre o condicionado historicamen­te e os valores como p6los de orientação do comportamento- p6los que, dentro de limites, se descolam das condições ime­diatas de existência e aspiram a ser senhores da hist6ria ­sua determinação nunca ultrapassa os limites de uma "possibi­lidade estrutural". nadas tais e tais condições econômicas,sociais e políticas, abre-se um feixe de possibilidades-limite,no interior do qual os sistemas de representação se articu1amcom certa autonomia, do conservadorismo ao revolucionarismo,passando por vários matizes específicos. E sobra repetir queas formas particulares dessas estruturas ideol6gicas incidemefetivamente sobre a hist6ria, na medida em que esta é con·cebida como um conjunto de relações de contradições que,se é verdade que possuem uma dinâmica que deriva de certasrelações básicas - a estrutura econômica - estas por suavez CXÍ5tem como relações particu1ares, ao' nível da políticae ao nível das representações. Em conseqüência, a represcn·

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IDEOLOGIAS E ESTRUTURAS DE PODER 47

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tação ideológica ao expressar um modo de conceber uma re­lação política é ao mesmo tempo uma condição de existência- e não um simples reflexo - do conjunto do sistemasocial.

Essa perspectiva teórica, que não presume qualquer ori·ginalidade - basta pensar nos trabalhos de Mannheim, paranão citar autores clássicos - foi, entretanto, descuidada naaplicação às investigações. É certo que existem esforços nestadireção, mesmo na literatura política contemporânea. O es­tudo de Robert E. Lane, Political Ideology, 16 por exemplo,procurou devolver uma possibilidade heurística ao conceito deideologia e à perspectiva de análise que ele abre: "Para qual­quer sodedade: uma base existencial, criando certas experiên­cias comuns interpretadas através de certas premissas culturaispor homens com certas qualidades pessoais em vista de certosconflitos sociais, produz certas ideologias políticas." n Lanepercebe claramente algumas das principais implicações da idéiade ideologia e realiza um trabalho sólido de investigação, do­cumentando abundantemente suas análises, e chega a ter umavisão das relações entre "ideologia-estrutura-mudança social"mais sofisticada que a maioria dos textos atuais sobre a maté·ria. Paga, contudo, o preço à sua crença de que o homemestá sujeito à tirania ideológica e ao seu pouco apreço pelanoção de níveis distintos e hierarquizados nos conjuntos so­ciais. E o paga consdentemente: na parte final do estudo,procura compreender as relações entre as ideologias e os ele­mentos que lhes são subjacentes num sistema democrático,que é assumido como valorativamente positivo. "Este não é,naturalmente, um estudo livre de valores; os valores presen­tes são os de uma sociedade racional e aberta, governada porinstituições democráticas." 18

16 Indicado na nota 7.17 Op. cit., pAgs. 415-416. Essa conceituação, segundo o

próprio autor, segue o pàradigma de Bernard Berelson, "Commu­nication and Public Opinion", em Schram, W., Comunication '"Modem Society, University of Illinois Press, 1946.

18 Seja dito de passagem que o estudo de Daniel Bell, TheEnd of Ideology (on the e:r:haustion 01 political ideu in thefifties) , Free Press Paperback, ed. revista, Nova York, 1965(primeira edição de 1960), sob muitos pontos de vista, da mesma

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De qualquer forma, menos do que "inovar" o que im­porta é começar a restabelecer a preocupação com um tipo deanálise que aproveita os desenvolvimentos recentes da CiênciaPolítica, tanto no nível das técnicas de ,análise quanto no níveldos temas que a interessam, mas que ao mesmo tempo não sedesligue da preocupação que foi dominante no pensamento po­lítico clássico: os temas e os conceitos iniciais se apresentamao trabalho científico saturados de valores, de ideologias; aciência se faz, como movimento teórico, na medida em queproduz o "desencantamento do mundo" pela reposição dessestemas e conceitos no discurso científico. Só este, por sua vez,permite uma prática analítica, pois essa prática, ao operar di­retamente sobre as ideologias e os conceitos nelas imersosque se apresentam como "dados" para a análise científica,não produz a necessária passagem do discurso intuitivo-valo­rativo ao discurso científico.

Foi com essa preocupação que procuramos orientar o pre­sente estudo. O tema, limitado, refere-se às representaçõesque um setor social específico - os empresários industriais- assume como válido. Buscamos na análise dessas repre·sentações - coligidas ao nível da opinião individual - des­cobrir as "estruturas ideológicas" pelas quais os empresáriosexpressam inconscientemente um modo de relação social e,ao nível de suas experiências, imaginam qual seja o mundoem que vivem.

Uma análisf desse tipo implica - entre outros - doisandamentos metodológicos complexos: a determinação da rela­ção entre estrutura sócio-econômica e "estrutura ideológica",por um lado, e entre "estrutura ideológica" e verbalização in·dividual, por outro. Além disso, a coerência com os pontosde vista sustentados anteriormente torna necessária uma di.gressão sobre as implicações ideológicas do próprio tema esua determinação científica.

Comecemos por este último ponto. Nos países que con­seguirem ,começar um processo de industrialização de certa

maneira, constitui uma contribuição importante. Ainda quandonIo se aceite suas conclusões - como é nosso caso - pelo me­Dos em seu ensaio nlo se perde o rigor e a clareza dos pontos deVIsta assumidos sob o pretexto de uma "linguagem operacional".

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IDEOLOGIAS E EsTIlUTURAS DE PODEIl 49

importância, como é o caso dos que serviram de unidade can­textual à nossa análise, a participação real ou esperada dosgrupos industriais na vida política nacional ganhou evidente­mente importância. Participação real na medida em que ossetores industriais das burguesias locais passaram a ser objetode reflexões políticas e de preocupações por parte dos que to­mam as decisões nacionais que interferem na vida econômicado setor industrial. E também porque os industriais passarama propor medidas favoráveis à industrialização e se viram nacontingência de interagir com os demais grupos e classes so­ciais na luta pela imposição de seus interesses e objetivos. Par­ticipação esperada na medida em que nesse processo certos se­tores da sociedade industrial, outros grupos e classes sociais,por suas associações representativas - partidos, sindicatos ­e por seus movimentos de opinião, passaram a contar com osindustriais, a esperar deles determinadas atitUdes políticas,propor-lhes objetivos e atribuir-lhes ideologias que supunhamcompatíveis com seus reais interesses.

Formou-se assim uma imagem definida da "burguesia in­dustrial nacional". Mesmo sem que se analise neste capítuloas expectativas políticas correspondentes a essa ideologia ­que sustenta a existência de uma "burguesia nacional" e defi·ne sua "missão hist6rica" - é evidente que a proposição dotema nesses termos está carregada de valores: é em si mesmouma "questão ideoI6gica". Questão ideol6gica que se nãopode servir de roteiro para a "problematização" científica, nãodeixa de apontar, segundo nossa perspectiva de análise dasideologias, para uma situação real. Seria ingênuo, contudo,elaborar o conceito de "ideologia da burguesia nacional" e ope­rar com ele como se fosse um elemento integrante do discursocientífico. Nesse nível, não se operaria a passagem necessáriade uma proposição ideol6gica - que contém, como toda ideo­logia, um "modo de relação" e uma "mistificação" - a umaproposição científica. Ao contrário, estar-se-ia replicando ométodo anteriormente criticado de categorizar as representa­ções que se dão ao nível da percepção sem ultrapassar a crostado imaginário e sem torná·lo, em conseqüência, indicador de­terminado de um modo de relação que o inclui e explica.

Nosso andamento met6dico não implica, portanto, des­cobrir na ideologia dos industriais os germes de uma burgue-

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sia nacional para demonstrar que esta "existe realmente", nemtrata de provar pelo mesmo caminho, mas em sentido oposto,que essa categoria social é imaginária. Em outros trabalhos,autores diversos e nós mesmos, procuramos determinar a am­plitude, as condições de existência e as funções sociais e eco­nômicas de uma burguesia nacional, a partir de outros méto­dos de análise, que dispensam o estudo das ideologias. 19 Mes­mo que no presente estudo tivéssemos encontrado a maioriados industriais mantendo pontos de vista correspondentes àvisão política de uma "burguesia típicamente nacional", nãopoderíamos inferir dllí predições quanto aos processos econô­micos e quantd à forma de crescimento do sistema industrial:a "infra-estrutura", para utilizar um conceito consagrado, man­tém sua autonomia e, no limite, seria possível encontrar ummodo de percepção social que não registra com a intensidadedevida as modificações porventura ocorridas na "base econô­mica". Entretanto, em duas hipóteses opostas, a ideologiaindica a situação na qual nasce: a possibilidade de determinarum conjunto de valores, crenças, atitudes etc. particular (como,por exemplo, uma ideologia "nacional-burguesa" ou uma ideo­logia "industrial-internacionalizada") constitui uma espécie detestemunho da existência de uma situação estrutural que com·porta tais dimensões; por exclusão, a inexistência de um tipoparticular de ideologia desqualifica a análise estrutural quea supõe. Assim, o estudo das ideologias ganha uma dimen­são precisa e importante na análise de uma situação: deixaentrever o corpo a cujo cordão umbilical está presa.

19 Para uma bibliografia especifica e para um balanço doque se fez na matéria, ver F. H. Cardoso, "Hégémonie bourgeoiseet indépendence économique", em Les Temps Modernes, Paris,n.a 257, outubro de 1967, pâgs. 650-680; e também "The Entre­preneurial Elites of Latin America", em Studie8 in Comparati1JeInternational De1Jelopment, vol. lI, n.a lO, St. Louis, 1966, págs.147-159. Sobre os industriais brasileiros, ver ainda EmpresárioIndustrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Difusão Eu­ropéia do Livro, São Paulo, 1964; Luciano Martins, "Formaçãodo Empresariado Industrial no Brasil", em Revi8ta do Institutode Ciências Sociais, vol. liI, n.a 1, 1966, pAgs. 91-138. Sobre aArgentina, ver José Luis de Imaz, Los que Mandan, Eudeba,Buenos Aires, 1964, caps. VII e VIII.

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E, por outro lado, em si mesmo, o estudo das ideologias,no caso as orientações político·econômicas dos industriais, per­mite a predição de certas dimensões da ação política desse con­junto particular de indivíduos. Se a ideologia não comandaa transformação e o sentido do desenvolvimento das estrutu­ras econômicas, ela incide sobre o processo político de formamais imediata e este, por sua vez, constitui a mediação entrea estrutura econômica e a ação dos industriais vistos como umgrupo social que possui interesses sociais comuns.

Conseqüentemente, o esquema de relações sobre o qualtrabalhamos, entre ordem econômica-ordem política e ideolo­gias, supõe que esses níveis da realidade social ao distinguir-sese relacionam e de forma precisa; a determinação do modoparticular que essas relações assumem constitui o problema aser resolvido. A análise científica caminha na medida em quetorna mais clara a rede de relações que existe entre essas dis­tintas ordens sociais, mostrando como se diferenciam dentro deuma estrutura que subsiste graças à ação de indivíduos social­mente orientados e aos movimentos sociais que exprimem astensões e contradições existentes entre as classes e gruposque formam a mesma estrutura. Inversamente a proposiçãode qualquer "determinação em geral" de uma dessas ordenspela outra ou a "dedução" do conteúdo particular de umaideologia a partir de uma ordem econômica dada, que nãopasse pela análise das vinculações concretas entre política­-economia-ideologia, não constituem mais do que "mera ideo­logia". Assim, as noções de "burguesia nacional" ou de "bur·guesia internacionalizada", para transformar-se em conceitos ex­plicativos, devem ser construídas a partir de análises que te·çam a trama das vinculações entre os distintos níveis do todo.ocial e que ao postular a existência de um grupo social comtais dimensões estruturais e ideológicas explicitem tambc!m ascondições de existência desses grupos: "condições estruturais"e condições de manifestação das orientações ideológicas e dasformas de comportamento político. .

Nos dois próximos capítulos discutiremos as condiçõesestruturais das relações entre a ordem econômica e a ordempolítica, caracterizando o que chamamos de uma "situaçãodada de dependência". E nos capítulos finais discutiremos asformas de manifestação das ideologias empresariais.

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Não cabe aqui refazer a análise pela qual chegamos ànoção de "situação de dependência". 20 Basta-nos indicar queno caso da situação estrutural dos países.. periféricos aos pó­los dinâmicos do sistema econômico mundial - regiões que,como todos sabem, se integraram a um mesmo sistema pro­dutivo internacional pela expansão do mercado mundial con­trolado pelas nações altamente industrializadas - a relaçãoentre situação econômica e comportamento efetivo dos grupossociais - incluídas as suas orientações valorativas - não éimediata nem se nutre apenas do movimento social da regiãoparticular em que se insere um grupo social ou uma classeespecífica. Com efeito, dado que nesses países a "ordemsocial interna" se organiza e se hierarquiza pela diferenciaçãoentre as classes sociais, mas ao mesmo tempo os mecanismosde sua vigência e integração ultrapassam os limites da naçãoporque são abrangidos pela "ordem internacional", a deter­minação estrutural existente é sempre duplamente condicio­nada, pelo interior e pelo exterior. Assim, uma "burguesianacional" ou um setor empresarial internacionalizado expres­sarão - em ambos os casos, mas de forma diferente graçasa condicionantes específicos que se esclarecem nos próximoscapítulos - essa "duplicidade estrutural". Porém, e este éo ponto crucial da questão, na perspectiva em que utilizamos oconceito de dependência, essa "dupla inserção" e a corres­pondente orientação bidimensional do comportamento das clas­ses e grupos sociais se efetiva no âmago mesmo da estruturadependente e constitui seu modo específico de existir. Noutraspalavras, ao' aceitar como ponto de partida te6rico a perspec­tiva da dependência para caracterizar uma classe ou grupo so­cial particular ou uma economia nacional subdesenvolvida, nãoassumimos que a relação exterior-interior se produza nestestermos e nessa seqüência, mas ao contrário sustentamos que éno seio da própria situação dependente que se encontram os

10 As implicações teóricas e metodológicas do conceito dedependência e das situações de dependência encontram-se emF. H. Cardoso e Enzo Faletto, Dependencia 'Y DesaTTollo enAmérica Latina, ILPES. Santiago, 1967; e também em F. H.Cardoso e Francisco Weffort, "Sociologia de la dependencia", in­troduçlo a "DeBarrollo Social y Politico en América Latina",Editorial Universitario, Santiago, Chile.

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IDEOLOGIAS E EsnUTUIlAS DE PODER .53

elementos que a vinculam com os pólos hegemônicos e queexpressam a dependência.

:E de todo evidente que tal perspectiva não explica a "si·tuação colonial" - onde o processo de imposição da metr6­pole sobre a colônia pode dar-se como pura violência e semque internamente se produzam lealdades dos nativos paracom os colonos. Ela se limita à compreensão do que em ou­tros trabalhos chamamos de "dependência nacional", situaçãoque corresponde especificamente aos países que ora analisa­mos. Mais ainda, não basta para os fins analíticos visadosa análise das perspectivas estruturais e das ideologias do se­tor industrial do empresariado - caracterizar em geral a si­tuação de dependência, como se esta fosse o elemento causalgeral que se define ao nível da estrutura do mercado interna­cional. Ao contrário, a análise requerida implica compreen­der os modos específicos pelos quais se articulam as economiasdos países subdesenvolvidos (internamente e externamente, nomercado interno e com o mercado internacional) com os sis­temas de dominação que as fazem viáveis, pois a noção de de­pendência ressalta que as situações por ela descritas não podemser explicadas simplesmente ao nível econômico. No caso dassituações de dependência, no âmago da prática econômica, va­mos encontrar não apenas a dominação de uma classe socialpor outra, transcrita de.forma econômica nas relações de merocado, mas também a dominação de uma nação por outra, ins­crita politicamente na prática e nas orientações dos grupos cclasses sociais que por sua ação tornam viável um tipo par·ticular de situação de dependência.

Convém esclarecer também que a noção de dependênciatal como a empregamos não exclui a possibilidade de desen­volvimento: essa hipótese tornaria inviável a existência de umsetor industrial inserido como parte do mundo dependente esustentando uma situação de dependência. Ao contrário, exis·te a possibilidade de formas de "desenvolvimento dependente".A delimitação desses tipos de desenvolvimento e dos modos pe­los quais os setores industriais se relacionam com eles, manotendo-os e modificando-os, constitui o travejamento necessá­rio para o estudo das ideologias da burguesia industrial nusituações de dependência.

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Por fim, temos o problema do uso de dados obtidos aonível individual e subjetivo para caracterizar ideologias. Teriasido possível naturalmente caracterizar as ideologias empresariaisa partir de documentos que expõem o ponto de vista do setorindustrial: manifestação de sindicatos, conferências nacionaise internacionais de empresários, relatórios anuais das empresasetc. Esses dados foram efetivamente tomados em considera­ção por nós e por outros autores para determinar o "ponto devista das indústrias". 21 Entretanto, eles difIcilmente permi­tem descobrir o que para nós era fundamental: como no seiodo setor empresarial se polarizam as orientações ideológicas.O tom convencional dos textos acima referidos permite poucomais que ver a posição do conjunto do setor industrial sobretal ou qual problema, e muito raramente - quando se temmais que uma central sindical ou quando algum setor indus­trial se manifesta em particular exprimindo sua divergênciacom respeito à opinião oficiosa da classe - se pode determinar,por seu intermédio, os matizes existentes, para não mencionaras dificuldades na determinação das "variáveis dependentes"que atuam sobre esses matizes.

Por isso, nesse primeiro esforço de compreensão das ideo­logias dos industriais e de validação de análises estruturais,limitamos a investigação ao aproveitamento de questionários dis­poníveis que recolhem opiniões individuais. Na análise, con­tudo, as variáveis selecionadas têm como preocupação e comoreferência dois contextos: a situação estrutural dos dois paísesonde operam os industriais analisados e o contexto propria­mente ideológico que se configura nas respostas. Não elabo-

21 Não só nos trabalhos referidos na nota anterior, mastambém em revisões feitas por nós tanto de editoriais de jornais,que exprimem "interesses econômicos", como de relatórios deempresas (especialmente no caso da Argentina, onde obtivemosgrande número de folhetos e relatórios das empresas controladaspelos entrevistados) e de documentos sindicais. ESse materialpresta-se naturalmente para uma análise fecunda mas distintada que quisemos fazer no presente trabalho. Para a Argentinaexiste um estudo recente, que utiliza esse tipo de informações,além de muitos outros, e que oferece um quadro bastante ricopara a compreensão do comportamento dos empresários. VerDardo Cúneo, Comportamiento y crisi..t de la clase empresaria,Editorial Pleamar, Buenos Aires, 1967.

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ramos hipóteses sobre os contextos individuais (escalas psicos­sociais etc.) nem sobre o contexto das "relações imediatas"dos empresários (tipos de família, relações de amizade, dinâ­mica dos pequenos grupos etc.). Em conseqüência, as impu­tações de ligação entre as ideologias e as estruturas são quasecomo as que faria um antropólogo que tomasse um indígenacomo informante de mitos. Só que, no caso do mito, se pro­cura uma estrutura básica que subsiste em versões que va·riam topicamente. Na caso das ideologias empresariais, a va­riação nas respostas significará mais do que um "acidente dememória": representará um modo distinto de valoração. Ejustamente o que se pretende determinar são os padrões po­lares de variação. Amiúde, entretanto, estes serão descober­tos menos através do conteúdo atribuído pelo informante àsua escolha do que por regularidades estruturais latentes. Vol­tamos depois a utilizar de forma menos heterodoxa as técnicasde investigação empírica, para ve~ as relações e os limites devariaÇão entre as estruturas ideológicas descobertas, por umlado, e as estruturas contextuais - sociais, políticas e econô­micas - por outro.

Isso significa que se utilizamos analiticamente técnicasquantitativas e verbalizações individuais, interpretativamentenem sempre fazemos inferências estatísticas embora as utilize­mos como "pistas de interpretação". Mais freqüentementefazemos análises da significação da presença ou ausência de cor­respondentes estruturais.. Não descartamos a inferência quan­titativa que no limite, e com as reservas que indicamos, servede teste de validez das interpretações, mas estas últimas, quan·do se trata de determinar as relações mais amplas entre ideo­logias e estruturas, se fazem segundo um paradigma histórico­-estrutural de análise.

Sabemos os riscos dessa posição metodológica, mas cre·mos que para incentivar um processo de utilização e aprovei­tamento frutífero das possibilidades de análise abertas pelasmodernas técnicas de investigação e manter ao mesmo tempoas preocupações teóricas e metodológicas da Ciência Social clás­sica é preciso assumir riscos conscientemente.

Só os empiristas extremos pensam o conhecimento deforma distinta de uma aventura do espírito. Aventura com

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riscos calculados e com margens de erro tanto menores quan.to mais definidas. É preciso muita ingenuidade para pensarque a aplicação adequada das "regras de investigação" garantea validade teórica do conhecimento obtido. Preferimos ar.car com o risco de uma utilização heterodoxa das "regras deinvestigação" para ver se por seu intermédio se dá um passo,por pequeno que seja, no encaminhamento de um problemaconcreto posto pela prática científica atual.

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CAPiTULO II

OS TIPOS DE DEPENDt.NCIAE AS IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO

o CONCEITO de dependência e a situação a que ele aludeno nível de generalidade em que os apresentamos no capítuloanterior não bastam para delimitar cientificamente um campode estudos. Com efeito, a "generalidade reflexa" do conceitoe da situação de dependência - pois que implicitamente re­feridos a outro conceito e a outra situação que os subordinam- não permite a passagem que a ciência requer do discursosintético à indagação analítica. Haverá sempre o risco, tenta·dor e fácil, de substituir o conhecimento derivado da pesqui­sa dos liames particulares que um modo de relação mais geral- estrutural - estabelece, por uma intuição reificadora quetransforma um conceito geral em causa particular de uma se·qüência de fatos. Dessa forma, a dependência - como noutrasabordagens paralelas ou opostas mas teoricamente simétricascomo em algumas análises do "imperialismo" - se transfor­maria em pseudo-explicação genérica de processos sociais par­ticulares. O encanto da palavra passa a encobrir a indolênciado espírito.

Impõe·se, por conseguinte, delimitar, precisar e descrevera forma, as condições e as conseqüências que assume o pro­cesso de integração das economias que se estabelecem na peri.feria do sistema internacional de produção e de troca paraevitar o risco aludido. As perspectivas de análise discutidasno capítulo anterior mostram que esse ponto de partida, apa­rentemente economicista, Jtanha sentido na análise poüticaquando se aceita, como neste trabalho, que o mercado, istoé, a rede de relações de troca que se estabelece em função

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de um modo determinado de produção, pode ser concebidotambém como expressão de um modo de dominação. Modo dedominação esse que em seus diferentes níveis expressa desdea relação simples entre o possuidor de meios de produção e opossuidor da força de trabalho, na linguagem de Marx, atéa dominação de um Estado-nação por outro, nas fases demaior complexidade do sistema de relações internacionais, pas­sando naturalmente pelas formas particulares de constituiçãodos mercados internos, quer dizer, pela definição dos Estadosnacionais, e pelos diferentes tipos de aliança e de oposiçãoentre grupos de interesse internos e externos. Em resumo,essa per'.ipectiv~ se j'ustifica na análise política quando se re­define a noção de mercado, por intermédio de uma críticaque devolve a prioridade devida às considerações que mostramo sistema produtivo e o mercado - em seus diferentes níveis- como o resultado não só de uma prática econômica masde uma imposição social e política. Toda troca supõe umadefinição de regras e toda definição de regras sociais implicaa distribuição de possibilidades efetivas de exercício de liber­dades e de constrangimentos, processo que por sua vez supõetanto formas definidas de violência quanto modos simbólicos,rítualizados ou pactuados de justificação das ordenações s0­

ciais e políticas.

A questão outrora apaixonante dos limites entre o fatoeconômico, ou a ordem econômica, e a ordem política, ou seja,o problema da autonomia relativa do sistema político diantedo sistema econômico, não se coloca na teoria social contem­porânea em termos de uma petição de princípio: a força dequalquer teoria política baseada na perspectiva da dependên­cia se revelará precisamente na sensibilidade que demonstrarpara responder em forma precisa, delimitada e analítica o entre­laçamento entre os dois sistemas em causa.

:e por isso que se o ponto de partida de qualquer aná­lise de dependência é necessariamente o mercado como campode batalha de imposições econômicas, a culminação da análisese efetiva somente quando o que foi ponto de partida gerllle abstrato se transforma no conhecimento da trama de relaçõesentre grupos com interesses distintos e que têm chances deatuação estruturalmente definidas também distintas. Entre osinteresses divergentes e as posições estruturais particulares que

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TIPOS DE 1>EPENDiNCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENvOLVIMENTO 59

limitam cada grupo no mercado se encontram tanto recursosmateriais acumulados, expropriados e csiados pelos distintosgrupos, quanto orientações valorativas, ideologias, visões dofuturo. As "regras do jogo" que o mercado constitui nãoserão mais que o resultado do processo de oposições, alianças,conciliações e conflitos entre os diversos grupos, nos diversosníveis há pouco referidos. O modo particular de seu relacio­namento constitui em conseqüência o campo de estudos dequalquer análi$e de dependência que não se queira meramenteformal, isto é, que não se contente com reivindicar a existên­cia de uma determinação geral das estruturas dependentes pe­las autônomas, das estruturas políticas pelas econômicas.

Não se quer com isso resolver às avessas o problema darelação entre o fato político e o fato econômico. Podem dar­-se situações definidas nas quais o primado do econômico comopura expressão de superioridade técnica de uns grupos sobreoutros, ou das vantagens de um modo de produção sobre ou­tros, ou das diferenças de capitalização ou produtividade im­ponha uma ordem social e um tipo de dominação de forma uni­lateral. Entretanto, haverá conhecimento científico somentequando se delimite a validade dessa situação em termos estru­turais e quando se estabeleçam os modos de relação graçasaos quais uma ordem econômica dada condiciona por sua pr6­pria força e pelos valores que ela engendra a ordem social eo sistema de decisões.

Em trabalhos anteriores tentamos especificar e sistemati~

zar os modos básicos de relacionamento entre as sociedades de­pendentes da América Latina e os centros hegemônicos que asconstituíram e com os quais permanecem ligadas. 1 Aqui nosinteressa ressaltar apenas as implicações hist6rico-estruturaisque essas modalidades distintas de dependência e de vincula­ção econômica com o exterior tiveram na fase de expansão econsolidação do mercado interno sobre os "agentes sociais" dodesenvolvimento, tanto no que se refere ao tipo de grupo s0­

cial e de classe que vai exercer este papel, como no que

1 cardoso e Faletto, op. cito E também Cardoso, F. H., Elproceao tMJ tMJ3arroUo en América LatiM (Hip6ted3 para VtIGltlterpretación Bociológfca) , ILPES, Santiago, 1965, 6. pAga.

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60 PoLÍTICA E OBsENvOLVIMENTO EM SocIBDADB5 DzPENDENT1!S

diz respeito às alianças, oposições, conflitos e ideologias queeles desenvolverão.

Inicialmente convém deixar claro que tanto a presençaativa que as "burguesias nacionais" tiveram e mantêm naAmérica Latina quanto as ideologias por elas sustentadas ga·nharam expressão distinta nos diversos países segundo o tipoparticular de dependência que neles é possível identificar. Comefeito, os estudos anteriores fazem crer que, na fase de cons­tituição dos Estados nacionais e no momento posterior, nasegunda metade do século XIX, na fase chamada pelos eco­nomistas de "desenvolvimento para fora", a vinculação como exterior se deu segundo dois modos básicos: num caso, opróprio processo de independência foi o resultado da açãodos grupos agro-exportadores que ao romper os vínculos po­líticos com Portugal ou com Espanha mantivetam o controledo sistema produtivo interno e reorganizaram suas vincula­ções no mercado internacional orientando-as na direção docentro hegemônico então imperante no mundo capitalista: aInglaterra. Noutro caso, seja porque a formação dos Estadosnacionais se fez mais em função dos interesses políticos das po­tências hegemônicas, seja porque os grupos nacionais que con­trolavam o setor exportador não tiveram condições técnicase econômicas para manter a atividade produtiva, o período deexpansão econômica orientado pelo mercado externo se rea­litou através do investimento direto de capitais estrangeirosque controlavam o sistema produtivo. Nessa última situaçãodá-se a formação de enclaves externos dentro do próprio sis­tema' produtivo do país periférico, em geral em torno da ex­ploração de jazidas minerais (petróleo, cobre, salitre), que de­mandam um coeficiente de capital elevado e um desenvolvi­mento tecnológico avançado, condições essas que não se veri­ficam no caso dos países que se desenvolveram segundo a mo­dalidade anteriormente assinalada, na qual a produção agro­pastoril, pelo menos inicialmente, se faz pelo aproveitamentoextensivo da terra e pelo engajamento de mão-de-obra de es­cassa qualificação.

Convém indicar, contudo, que essas diferenças devidas àspróprias condições internas doS" países periféricos não são sufi­cientes para explicar as possibilidades distintas de formaçãode economias controladas nacionalm~te. Simultaneamente, as

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TII'OS DB D8PllNDiNcu E IDEOLOGIAS DE DlsENvOLV1MI!NTO 61

transformações havidas no sistema capitalista internacional c0n­

dicionaram diferentemente os tipos de desenvolvimento dospaíses latino-americanos: o capitalismo sob hegemonia ingle­sa do século XIX se organizou de tal maneira que por assimdizer se complementava com a produção agrária de sua peri.feria. Controlava-a financeiramente e se assegurava as van­tagens da comercialização e do sistema de transporte, mas nãocompetia no terreno da produção agropastoril. Desde fins doséculo XIX, entretanto, não só as características de monopo­lização e cartelização das grandes unidades produtivas do mun­do capitalista como que impulsionam as grandes empresas arealizar uma expansão orientada para o exterior, como a pro­gressiva preeminência da economia norte-americana como cen·tro hegemônico do sistema agrega características novas às rela­ções entre as economias periféricas e as centrais.

De fato, o sistema produtivo norte-americano, diferente­mente do inglês, se organiza dispondo de uma situação privi­legiada: pode desenvolver não apenas uma produção industrial,mas uma produção mineira e agropastoril sem precedentes nahistória. A economia norte-americana encerra, dentro das fron­teiras nacionais, portanto, um sistetDt8 completo de produção,tornando-se auto-suficiente. As conseqüências desse fato fazem­-se sentir profundamente nas economias periféricas. Reorgani­zaram-se as relações centroperiféricas em vários sentidos. Pri·meiramente, porque houve uma espécie de marginalização daperiferia com relação ao centro: o papel que a economia ar·gentina ou uruguaia (ao lado da australiana, da neozelandesa)desempenharam como economias agropastoris complementlriasda economia industrial inglesa perdeu relevo. Por certo, ospaíses que já estavam integrados ao mercado segundo o mo­delo do "capitalismo inglês" ou os países que desde a metadedo seculo XIX haviam conseguido manter uma economia ex­portadora ativa, ligada a produtos propriamente tropicais, pu­deram manter, não sem esforço, sua participação no mercado.Entretanto, as economias periféricas marginais ao grande fluxoexportador do século XIX não tiveram posteriormente as mes­mas possibilidades de organizar suas economias. Encontraramdiante de si um centro hegemônico que não dependia delaspara abastecer-se. Em segundo lugar, a dinâmica própria docapitalismo internacional na fase de predomínio norte-ameri-

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62 PoLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

cano, como é sabido, organizou as relações com a periferiaem forma distinta do padrão clássico do século XIX. Se an­tes o controle econômico se assegurava principalmente atravésdo sistema financeiro, agora os investimentos produtivos docentro na periferia desempenham um papel importante e com­plementar aos tipos clássicos de relação econômica. Assim,a própria produção agrária dos países periféricos que passa­ram a participar mais ativamente no mercado internacional nosfins do século XIX e primórdios do atual se organizou sobo modêlo de enclave, como foi o caso notoriamente nos paísesdo Caribe, da América Central, e alguns na parte setentrionalda América do Sul. Em terceiro lugar, a elevação do nível tec­nológico da produção capitalista, principalmente no terrenoda produção extrativa, limitou os efeitos favoráveis da rela­ção direta terra/homem, que fora a base da acumulação iniciale autônoma de capitais nos países de economia periférica. Emconseqüência, mesmo quando em alguns países (Chile, Perue Mexico, por exemplo) havia sido possível organizar sob con­trole local uma economia extrativa, exportadora, esta nãopôde competir com a produção mineira capitalista moderna,seja a obtida diretamente nas ecoJ.1omias centrais, seja a queresultou da formação de novos "enclaves coloniais", principal­mente na Africa. Evidentemente, as chances de êxito na orga­nização de uma economia extrativa de novo tipo (petróleo, porexemplo) sob controle nacional foram ainda mais escassas noséculo XX e são justamente os países cuja base econômica pas·sou a repousar numa indústria extrativa deste gênero que exem·plificam tipicamente a formação de economia de endave noséculo XX, como marcadamente na situação venezuelana.

Convém notar que, inicialmente, quando houve a rupturadas colonias ibéricas com Portugal e Espanha, o modelo deorganização econômica e de controle político seguido não foio da permanência de enc1aves. Ao contrário, como é sábido,a independência nacional, isto é, a constituição do Estado e adelimitação do mercado sujeito a esse Estado, se fez sob ahegemonia de algum setor importante das classes produtorascoloniais que rompeu com a metrópole e reorientou suas re­lações na direção da Inglaterra, mantendo obviamente o con·trole do sistema produtivo nacional. A "enc1avização" é umprocesso posterior na história de nações independentes e vai

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TIPOS DE DEPENDftNCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENVOLVIMENTQ 63

resultar na perda de controle de parte do setor produtiv() lo·cal (como no caso do Chile e do Peru) diante de grupos ex·ternos não-metropolitanos, ou então que resultará na subordi·nação econômica de setores marginais ao setor exportador di·ante da constituição deste diretamente sob iniciativa e con·trole externo (como no caso do petróleo venezuelano ou daprodução frutífera centro-americana). As conseqüências des·ses dois tipos de enclave serão também distintas no plano p0­lítico e no plano social, pois se num caso a existência prévia deum setor exportador nacional permitiu a formação de umacamada dirigente que cumpria suas funções duplamente, comoclasse política e como classe econômica, na outra situação, quan·do o setor exportador da economia se organiza sob controleexterno, os grupos locais terão como base de sustentação eco­nômica uma estrutura agrária pouco diferenciada e obterãoforça mais pela capácidade que demonstrem de exercer a vio­lência e de impor uma ordem interna que lhes assegure ascondições para negociar as concessões com os enclaves, doque de sua capacidade de atuação econômica.

As poucas indicações que viemos de apresentar sobre ascaracterísticas dessas duas modalidades estruturais básicas dei·xam entrever a significação que as diferenciações estruturais dasituação de dependência assumem no plano econômico, no pIa.no social e no plano político.

Para facilitar o entendimento das peculiaridades dessasduas modalidades de estruturas dependentes, é possível con·cebê·las no nível econômico como dois "modelos" distintos deordenação das relações entre o centro e a periferia. Assim, nocaso das estruturas dependentes cujo setor exportador se or­ganizou sob controle de grupos locais, é possível ressaltar que:

1.0) O controle do processo produtivo se verifica no âmbito da

nação periférica num duplo sentido:

a) como os estímulos do mercado nacional dependem das"políticas nacionais" relativas aos produtos de expor­tação, é possível dizer que as decisões de investimentopassam por um momento de deliberações internas, dasquais dependem em parte a expansão ou a retraçãoda produção exportadora;

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64 PoLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

b) isso é possível porque o processo de circulação docapital tem seu ponto inicial e seu ponto final no in­terior do sistema econômico periférico, graças às pos­sibilidades de formação de capitais pela exploração damão-de-obra disponível e a utilização da terra, recur­so abundante.

2.°) São as condições da comercialização que asseguram o pre­domínio das decisões do centro sobre a periferia, atravésda imposição de preços, de quotas de exportação etc.

.3.0) Neste caso, a viabilidade da integração econômica daseconomias periféricas ao mercado internacional como eêo­nomias nacionais dependentes, mas em desenvolvimento,está estreitamente relacionada c0O! a capacidade que pos­sua o grupo produtor local para reorientar seus vínculospolíticos e econômicos no plano externo e no plano in­terno. No plano externo, as condições de negociação sedeterminam pelo setor financeiro e comercial das econo­mias centrais e por seus agentes locais, de tal maneiraque se liquidem os "interesses coloniais" em benefício dosnovos núcleos dinâmicos do capitalismo mundial. Noplano interno, a viabilidade desse tipo de economia na­cional dependente requer que se estabeleça uma "ordemnacional" com a organização de um aparato administra­tivo, de um sistema local de monopolização ao menos par­cial da violência e por conseguinte da consolidação deum Estado. Esse processo supõe um conjunto de lutase aliança entre, por um lado, os grupos exportadores querompem os vínculos coloniais e, por outro, as oligarquiasexcluídas do setor exportador ou que desempenham neleum papel secundário, assim como supõe um relaciona­mento distinto dos novos grupos hegemônicos com osque lhes são subordinados internamente e com os setoresexternos.

São distintas as formas de relação entre as "economiasdependentes de enclave" com os núcleos hegemônicos do mer­cado internacional. Deixando de lado por um momento as di­ferenças acarretadas pela preservação do controle de parte dosistema exportador através de grupos locais, mesmo quando

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TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DB DESENVOLVIMENTO 6'se formam enclaves externos, é possível dizer que as economiasdeste tipo se inserem no mercado internacional da seguintemaneira:

1.0) A produção se constitui como um prolongamento diretoda economia central em um duplo sentido: o controle dasdecisões de investimento depende diretamente do exte­rior porque não existem fontes locais de formação de ca­pital; os lucros somente passam em seu fluxo de cir­culação pela nação dependente (incorporando-se a ela ape·nas na medida em que sobre eles incidam impostos e de­les dependam o pagamento de salários), indo incremen·tar a massa de capital potencialmente disponível nas eco­nomias centrais para novos investimentos onde quer queestes se façam mais atraentes.

2.°) Não existem necessariamente conexões entre o setor en­clave e a economia local (isto é, o setor de subsistênciaou o setor agrícola vinculado ao mercado interno), massim com a sociedade dependente, por intermédio do sistemade poder, porque dela dependem as condições das con·cessões dos enclaves.

3.°) Visto o sistema de trocas pelo prisma do mercado munodial, as relações propriamente econômicas se estabelecemno âmbito dos mercados centrais: são eles que ofereceme que consomem as mercadorias produzidas sob seu con·trole nos enclaves periféricos.

Quando se analisa histórico-socialmente as situações dedependência, as relações centro-periferia indicadas em cada umadas duas modalidades acima mencionadas ganham maior con­ereção. Vê-se historicamente a trama das relações reais quevinculam e subordinam classes e grupos sociais situados dis­tintamente tanto em termos estruturais quanto em conseqüên.cia de condições históricas e das bases materiais de que partem.Com efeito, a passagem de uma situação colonial típica parauma situação de dependência nacional, se é certo que supõe,como se indicou, a formação de um Estado e a delimitaçãode fronteiras (de alfândegas), resulta de movimentos sociaisque alteram essencialmente as relações de poder, internas eexternas. E justamente por isso que se justifica manter no

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66 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

vocabulário da Ciência Política o conceito de "dependência".Pela mesma razão, a caracterização das relações centro-periferiaem termos puramente econômicos, ou as análises do processode "desenvolvimento econômico-social", não substituem o con­ceito de dependência como perspectiva de análise, embora tam­pouco devam diluir-se neie.

Conseqüentemente, a questão que se propõe do ânguloda teoria política para compreender o significado da existên­cia das duas modalidades assinaladas de relacionamento entrea periferia e o centro se recoloca nos seguintes termos: se écerto que a constituição de um modo de relação ao nível domercado expressa possibilidades (históricas, estruturais e natu­rais) particulares que são assumidas, vividas e até certo pontoorientadas pela ação de classes e grupos sociais determinadosque se enfrentam também em forma definida (isto é, que tra­tam de estabelecer liames de dominação, subordinação, formasde cooperação, de aliança, de competição,. de impor e de par­ticipar de certas ideologias, crenças, valores etc.), quais sãoos modos típicos de relacionamento político entre esses gru­pos e classes, no interior de um país dependente e ao níveldas relações entre este e os centros hegemônicos? Até queponto, efetivamente, o condicionamento estrutural sugerido aonível das relações econômicas é o resultado de uma "situaçãode força", em conseqüência, política, antes de ser o fundamen­to econômico de uma estrutura de dominação? Por outra parte,pois que seria bastante superficial reduzir a dimensão políticade um processo a uma de suas bases - a violência - até queponto conjuntos particulares de relações entre os grupos eclasses sociais incitam formas específicas de legitimação, pro­piciam objetivos determinados a serem alcançados pelos distin·tos grupos sociais e estimulam ideologias particulares, em cadauma das modalidades básicas de dependência propostas?

Em suma, no que consiste especificamente o caráter po­lítico da dependência no quadro das relações entre o centro ea periferia, entre a nação hegemônica e o país dominado?

Seria evidentemente fácil e enganoso pensar que a res­posta a essa indagação pode ser encontrada apelando-se sim­plesmente para a "situação do mercado", na qual a imposiçãodo centro sobre a periferia aparece como necessariamente dada.Nossa marcha metódica leva, ao contrário, a pôr ênfase na di·

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TIPOS DE DEPEND!NCIA E IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO 67

ferenciação s6cio-política que se estabelece a partir das duas'situações de dependência apresentadas. E, mais ainda, a con­siderar que somente como força de expressão é possível pen­lar num condicionamento do "interno" (isto é, da .esfera deação-decisão que se delineia no âmbito das sociedades depen­dentes) pelo "externo", pois que em realidade a dominaçãoexterna s6 se apresenta como tal no caso de relações extremasentre metr6pole e colônia. Na "dependência nacional" haverásempre uma base interna da dominação externa, não s6 comoresultado de uma superioridade, por assim dizer técnico-econ6­mica das economias centrais, mas como resultado de um pro·cesso político-social de formação de alianças e de legitimaçõesque passam a criar solidariedades - em torno evidentementede núcleos de interesses econômicos comuns - entre grupose classes sociais situados no âmbito das sociedades dependen­tes e os que se situam nas nações hegemônicas.

Concebida nestes termos a dependência, toma-se possívelprosseguir com uma problemática da dependência que impli­que, até certo ponto, uma dinâmica pr6pria e por conseguintena possibilidade de um conhecimento que mesmo ao perfilar.-se como particular e como derivado de uma estrutura, que é,por assim dizer, de segundo grau, porque referida em formasubordinada a outra que a condiciona, contém, de toda manei­ra, certa margem de autonomia histórica. Em outros termos,os modos particulares e típicos (cuja tipicidade deriva de suaespecificidade estrutural e não de sua invariância ou do irre.dutivelmente particular do acontecimento hist6rico) de rela·cionamento entre os grupos e as classes sociais das sociedadesdependentes, entre si e com os grupos e classes sociais dassociedades hegemônicas, definem os limites estruturais das pososibilidades hist6ricas de mudança e de desenvolvimento eco­nômico, político e social.

:e certo, e seria quase desnecessário repetir, que o con·dicionamento econômico do mercado internacional pesa sobreas possibilidades gerais que têm as distintas classes sociais dasnações dependentes para canalizar e mobilizar os recursos cul·turais, sociais e econômicos em função de uma "política pr6­pria". Entretanto, tal ~ nossa tese, esse condicionamento nãoé mais que geral: nem explica o curso concreto dos aconteci.mentos, nem nega - dadas as peculiaridades da dependência

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68 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

nacional - a possibilidade de uma dinâmica particular às so­ciedades dependentes, dinâmica essa que deriva justamente dosmodos de relacionamento entre as classes e das formas deapropriação e de distribuição do poder que se estabelecem emcada uma das modalidades estruturais da dependência,

Como conseqüência dessa perspectiva de análise, é for­çoso salientar que a partir da caracterização aludida dos modosbásicos de relação entre os grupos e classes sociais internos eexternos e do tipo de controle dos sistemas de decisão emseu sentido mais amplo (quer dizer, tanto ao nível da socie­dade como de seus subsistemas e notadamente do econômico),os problemas relativos à passagem de uma situação de depen­dência colonial para outra, de dependência nacional, e as trans­formações que esta última sofre em cada momento significa­tivo do desenvolvimento econômico (na linguagem dos eco­nomistas, do período de crescimento baseado nas exportaçõespara o período de desenvolvimento orientado também para omercado interno) somente ganham concreção e precisão quan­do se definem as relações de poder entre os grupos e as clas­ses sociais que atuam em cada momento histórico-estrutural.As mudanças sociais, assim como a constituição de novas pos­sibilidades de atuação econômica, passam sempre pelo crivoda luta entre grupos e classes que desejam preservar ou trans­formar um sistema de forças dado. A compreensão teóricadesses processos requer, portanto, a determinação dos obje­tivos e recursos, materiais ou culturais, que os distintos atoressociais mobilizam para tratar de impor suas regras do jogo,isto é, de manter ou de alcançar uma posição de hegemoniarelativa.

Cumpre, portanto, tornar explícitas as "possibilidades es­truturais" que se perfilam em cada uma das duas formas bá·sicas de relacionamento entre os países da América Latina eos centros hegemônicos, em função do tipo de atores sociais(burguesia agro-exportadora, burguesia industrial, latifundiáriosde baixa produtividade, classes médias "burocráticas", classesmédias de base técnico-econômica, massa urbana, operariado,massa rural etc.) que os vínculos respectivos de dependênciapropiciam e das alianças e conflitos típicos que se instauramentre eles e que refletem por outra parte, como se disse, li

trama de interesses e oposições entre o "externo" e o "interno",

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TIPOS DE DBpBND!NCIA E IDEOLOGIAS DE !>EsENvOLVIMENTO 69

ALIANÇAS POLíTICAS NO PERÍODO DE DESENVOLVIMENTOORIENTADO PARA O ExTERIOR

O fundamento objetivo da formação de uma situação dedependência nacional em que se resguarda o controle local dosetor produtivo exportador radica, como se indicou, na dispo­nibilidade de dois fatores básicos: terra e mio-de-obra. Por­tanto, a apropriação desses fatores constituirá o problema fun­damental, no plano interno, para a consolidação de uma clas­se hegemônica. Como esta última não surge simultaneamentecom o processo de independência, mas ao contrário a indepen.dência é que resultará da reorientação de algum setor da antigaclasse hegemônica sob o estatuto colonial, supõe-se que seresolveu esse problema anteriormente, durante a fase colonial.Entretanto, o que vai caracterizar a dinâmica política internado período da independência é justamente o intento feito pe·las forças sociais dominantes para que o p610 de referência p0­lítica de sua ação se sobreponha à situação constituída e ex·pressada pelo mercado colonial e ganhe certa autonomia. Oobjetivo definido de instaurar uma nação - e nela, obvia­mente, assegurar-se uma dominação de classe - se antepõe,assim, aos interesses constituídos que se organizam nos orde­namentos jurídicos e no mercado colonial. Porém, como asvinculações econômicas continuam definidas objetivamente emfunção do mercado externo, elas limitam as possibilidades deação e decisão autônomas: trata-se, na prática, de ganhar umnovo ponto de apoio externo (que por demais cronologica­mente e em termos de seqüência causal se apresenta comodado no panorama internacional antes mesmo dos movimentosindependentistas) para impedir que o corte dos vínculos colo­niais tenha como conseqüência imediata a desarticulação dasbases econômicas das classes dominantes internas. Essa duplareferência, ao p610 político e ao p6lo econômico, à vocaçãode autonomia e à necessidade de sujeição, impregna a situa­ção de "dependência nacional" e o comportamento das classese grupos sociais que a vivem de uma contradição característicae constitui precisamente um ponto de diferenciação com res­peito à situação dos países que se constituíram como naçãono centro do sistema mundial do mercado, sem nunca have-

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70 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

rem participado de qualquer situação periférica, como nota­damente a Inglaterra. A partir daí se compreende por que,estruturalmente, não têm validez as hipóteses e interpretaçõessobre as situações de subdesenvolvimento e dependência queas tomam como "desvios" do padrão clássico de formação dosistema capitalista ou como "etapas" na sua direção.

Também deste ângulo, existe, portanto, uma especificidadena situação de "dependência nacional" que obriga a análisea reconhecê-la como ponto de partida e que legitima a buscadas formas próprias de expressão das relações internas entreas classes e grupos sociais nos países periféricos. Estas, nocaso dos países onde o setor exportador se manteve sob con­trole interno, se caracterizam por uma série de pugnas e alian­ças entre três setores das classes dominantes: o setor mercantil"tradicional", isto é, representante dos interesses do comérciocom a Inglaterra; o setor agropastoril exportador, e os seto­res latifundiários, vinculados à economia interna.

Muito comumente, no caso da América Latina, se apre­senta um "modelo" bastante falacioso das relações entre estesgrupos, no qual se unem, por um lado, os setores agrolatifun­diários e por outro os setores mercantis. Não obstante, o queinteressa realçar neste trabalho é que, na modalidade de es­trutura dependente em causa, o eixo de dominação ao redordo qual se vai constituir o sistema nacional dependente estaráformado pelo setor agropastoril exportador e pelo setor "mo­derno" da economia mercantil e que tanto os grupos mercan­tis vinculados ao sistema colonial quanto os setores latifun­diários não-ligados à exportação se subordinarão, não sem lu­tas, aos novos grupos hegemônicos. O corte entre esses doisblocos das classes dominantes será dado justamente pela exis­tência num deles de "capacidade empresarial moderna", istoé, pela capacidade de pôr em movimento um modo racional·-capitalista de produção - desde o século XIX - que carac­terizará o setor hegemônico da classe dominante. Ao mesmotempo, o desempenho de funções propriamente empresariaispelo setor mais importante das classes dominantes e o predo­mínio da situação de mercado como fundamento interno dasituação de domínio encobrirão nessa modalidade de depen­dência o seu caráter político; o que era evidente na situaçãocolonial se dissimulará na situação nacional por trás das re-

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TIpS)S DE DEPEND!NCIA E IDEOLOGIAS DE DEsENvOLVIMENTO 71

gras do mercado. Nação independente suporia, como no casodos pa1ses de "desenvolvimento originário", mercado livre enacional. Por isso, no plano ideológico o pólo político de ori·entação dos grupos e classes que propiciam a independênciaencontrará meios para mitigar e mistificar a ambigüidade desua situação, vendo no liberalismo a justificação de sua sujeiçãoeconômica.

Como se assinalou, a ruptura do pacto colonial na faseem que o capitalismo estava sob o predomínio da Inglaterrapermitiu o fortalecimento dos setores nacionais da produção.Esse fortalecimento dependia da capacidade dos produtores lo­cais para organizar um sistema de alianças com as oligarquiasde expressão regional, baseadas no latifúndio de baixa produ­tividllde, que tomasse viável o Estado nacional. Nesse senotido, as probabilidades de êxito para impor uma ordem na­cional estiveram condicionadas tanto pela "situação de mer­cado" monopolizada pelo grupo nacional que controlava asexportações (monopólio dos portos, domínio do setor produ­tivo fundamental, do sistema financeiro etc.) quanto pela ca­pacidade das classes dominantes para consolidar um sistema dedomínio. A organização de uma burocracia e de um exércitoque ultrapassassem o padrão dos grupos caudilhescos foi de­cisiva para estruturar o Estado e para assegurar bases reaisà dominação de jure.

Existindo, como existia nesse tipo de países (além demão-de-obra e terras abundantes), a disponibilidade de umproduto primário capaz de assegurar, transformar e desenvol­ver o setor exportador' herdado da colônia, é fácil compreen·der que internamente o problema da expansão da economiaexportadora ao nível interno era menos econômico do quepolítico.

Efetivamente, assegurar a apropriação da terra e o con­trôle da mão-de-obra - por meio da escravidão, da imigra­ção ou opondo obstáculos para o acesso ~ propriedade porparte dos colonos nas regiões mais densamente povoadas ­constituía a questão fundamental para os grupos dominanteslocais. Essa necessidade permite compreender por que o eixohegemônico constituído pelos setores produtivos e mercantis

. ligados à exportação se aliou amiúde com os latifundiários mar-

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ginais ao sistema exportador, a tal ponto que a expressão"dominação oligárquica" ganhou na América Latina muito maisa conotação de dominação latifundiária do que de dominaçãocapitalista exportadora. Somente quando se assegurava a "or­dem interna" no conjunto da nação, isto é, a propriedade, segarantia a disponibilidade da mão-de-obra. Havendo abun­dância de terras, o latifúndio e a coorte de violência, os exér­citos de caudilhos e capangas que ele engendra, constituíampeças importantes no sistema de domínio agro-exportador, ain­da que sua significação propriamente econômica pàra esse eixodominante fosse restrita. Vê-se, portanto, que o sistema dealianças que vai garantir o predomínio das classes dirigentesna fase de constituição da dependência nacional dessa moda­lidade de estrutura se baseia num tipo particular de relaçãoentre "grupos modernos" (constituídos pelos setores da eco­nomia exportadora que fazem a independência) e "grupos tra­dicionais", não se desenhando nada de semelhante, portanto,às oposições entre uma burguesia revolucionária e um senho­rio rural. Se é certo que as diferenças entre esses grupos nãodesaparecem com a aliança, pois as oligarquias locais lutaram,algumas vezes, contra a hegemonia dos grupos "modernos"para assegurar-se melhores condições de participação na dis­tribuição da renda, elas atestam apenas que no sistema dealianças o grupo vinculado à exportação - agricultores, cria­dores, mineradores, comerciantes e banqueiros - desfrutavade uma situação hegemônica.

Os resultados institucionais dessa aliança se manifestamno modo como se organizaram as funções do Estado, onde opacto entre as duas tendências dos grupos dominantes - amodernizadora e a de matiz tradicional - impregna de am­bigüidade e de compromissos as instituições políticas nacio­nais. Nem sequer no círculo restrito composto pelas eliteshavia possibilidade de consenso baseado na participação em ummesmo sistema de valores e de interesses; o acordo consistiaem delimitar esferas de influência, sempre que complemen­tares, objetivo que não era difícil na medida em que os in­teresses modernizadores da elite exportadora se satisfaziam"bacia afuera", enquanto os grupos de dominação latifundistase contentavam com o reconhecimento de sua intangibilidadenos limites locais do sistema de propriedade e parenteia.

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TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DE OEsBNvOLVIMENTO 73

As oposições e diferenças entre esses dois grupos seacentuarão à medida que, já no século XX, o êxito domodelo exportador de integração à economia mundial fez comque em alguns países a economia nacional se diferenciasse emdois setores novos, o urbano-industrial e o setor de serviços.A partir desse momento, entra-se numa etapa de transição eas classes médias pressionam por reformas na ordem política,processo que facilitou a eclosão das antigas divergências entreos grupos dominantes.

De qualquer modo, nesse tipo de estrutura dependentese dá a possibilidade de existir uma camada social que desem­penha nitidamente funções políticas e funções econômicas,uma burguesia agro-exportadora, dilerenciada internamente emsetores propriamente agropastoris, setores mercantis e setoresfinanceiros. É essa camada que assegura o "equilíbrio da domi­nação", cumprindo o papel de ponte entre os setores externoscom os quais ela negocia e dos quais depende, e os setoresinternos que são seus aliados (os grupos agrolatifundiários, aburocracia que ela propicia, os militares) ou que dela depen­dem econômica, social e politicamente, como as classes mé­dias tradicionais, as massas rurais e os setores operários e ar.tesanais urbanos.

Quanto aos empresários urbanos, que têm para nossotema especial significação, inserem-se neste contexto de po­der como grupo subordinado aos interesses exportadores, po­rim não em contradição com eles. De fato, na medida emque o desenvolvimento baseado nas exportações criava rique­zas e expandia residualmente o mercado interno, o sistemaexportador contava com o apoio dos interesses industriais emformação. Principalmente porque, como se sabe, uma das fon­tes de investimento industrial predileta nesta fase eram as in·dústrias agropastoris, nas quais os investimentos diretos dosetor exportador, muitas vezes em associação com capitais es­trangeiros, eram consideráveis. E também porque o papelsubordinado e secundário da atividade industrial não permi­tia sequer vislumbrar a possibilidade de uma política nacionaldesvinculada do interesse exportador. 2

2 As manifestações em sentido contrário - que as houvetem mais importância para a análise da formação de uma

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Bem distintas são as possibilidades e limitações criadaspela situação de dependência nacional quando esta tem porbase a formação de enclaves produtivos controlados externa­mente. Essa modalidade de dependência, como se indicou,é uma forma por assim dizer tardia de dominação. Em con­seqüência, ela implica a reorganização do "eixo de dependên­cia" anteriormente constituído. TIpicamente é possível carac­terizar duas formas estruturais de vinculação das classes so­ciais entre si e com o exterior. No primeiro caso, o proces­so de formação de encIaves, como se disse, se dá em naçõescuja economia se manteve durante o século XIX à margemdos grandes fluxos do comércio exterior. Em conseqüência,o sistema interno de dominação se baseia, neste caso sim, emalianças oligárquicas entre parentelas que se apropriam da terra(a estrutura tradicional da "fazenda") e que organizam exér­citos, em geral também altamente influenciados pelas estrutu­ras locais de poder, quando não a elas diretamente subordina­dos. Esse "anel de força" assegura, pela exploração quase··diretamente ou diretamente sócio-política das classes domi­nadas, os recursos, as rendas, os meios de vida dos grupos do­minantes. Por certo, mesmo nesse caso, como na Venezuelae na América Central, alguns setores das classes dominantestratam de organizar, na medida do possível, uma economiade exportação. Mas, o que caracteriza no caso o sistema depoder é que o setor exportador, dada sua própria debilidadeeconômica (ausência de uma produção colonial de importân­cia internacional, dificuldades com a mão-de-obra ou sua es­cassez etc.), não tem condições para tornar-se hegemônico.Pactua em condições desfavoráveis com a oligarquia latifundiá·ria, à qual se liga, por outro lado, tanto por laços de famíliaquanto por não diferenciar-se economicamente de forma com­pleta do sistema de fazenda tradicional ou por interesses namanutenção da ordem estabelecida. Amiúde essa estrutura dedomínio interno é instável do ponto de vista de sua repre·sentação institucional. As lutas entre facções e o suporte mi­litar imediato do sistema de poder dessas estruturas econômi-

ideoZoUíll industrialista que para a análise de política econômica.Ver a esse respeito Nlcia Vilela Luz, A liuta pel" Illdll,~tri,,1i,:'a­

çllo, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1961.

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TIPos DE I>BPBNDINCU,B IDBOLOGIAS DB DUaNvOLVIMBNTO 75

camente d&eis fazem que o militarismo, sob sua forma cau­dilhesca, ganhe relevo na forma que a estrutura de domínioassume. E, por outro lado, são escassas as possibilidades derepresentação política das classes à margem do eixo hegema­nico, pois a sujeição diretamente político-social, mais que ec0­

nômica, dessas classes subordinadas impede que, mesmo aonível representativo formal, se constituam válvulas de acessoao poder. Situação essa que chega ao paroxismo da exclusãosocial e política quando, por motivos históricos, as classes d0­minadas estão constitufdas pelas populações indígenas locaisou por populações oriundas de uma situação de escravidão.

Diante desse sistema local de forças, a formação de en­claves econômicos significa um compromisso não ao nível daprodução, mas ao nível do consumo e ao nível propriamentepolítico entre o sistema lotal de poder e as grandes compa­nhias estrangeiras. A concessão de direitos de exploração as­segura aos grupos hegemônicos locais a percepção de rendas,sob a forma de impostos pagos ao Estado e freqüentementede "negócios laterais" à produção dos enclaves, de pouca sig­nificação em termos econômicos para esta, mas de enormeimportância financeira para os grupos locais. E assegura, oque muitas vezes é decisivo, apoio político externo para alogumas facções locais. Em contrapartida, politicamente, as em·presas estrangeiras, diretamente ou através da representaçiopolítica dos países centrais, se reservam um papel de árbitro nasdiferenças entre os grupos internos de poder, acrescentandoassim um elemento novo à instabilidade institucional.

Evidentemente, nesse tipo de dependência baseada em en­claves, a significação empresarial das classes dominantes locaisse desvanece. As funções políticas de manutenção da ordeminterna e de fiadores das vinculações externas substituem nasclasses dominantes locais sua significação econômica. Outravez, portanto, a face política da dependência prima sob suaface econômica e a dinâmica desse tipo de estrutura, como severá, estará toda ela pontilhada de objetivos e formas deluta que se desenrolam no âmbito propriamente político einstitucional.

Entretanto, essa possibilidade extrema de dependência na­cional, se bem caracterizou certos momentos da história dealguns países latino-americanos, nem sempre se apresentou

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de forma plena. Em certos países ou em alguns períodos dahistória nacional de quase todos, a formação de enc1aves ex­ternos se deu paralelamente com a preservação do controleparcial da atividade exportadora por grupos nacionais. Nessesentido, a situação mais característica se verificou quando aeconomia de enc1ave veio a substituir, como no Chile, a pro­dução mineira local. Em outros países, ainda quando a eco­nomia de enc1ave tenha substituído uma atividade exportado­ra nacional já em desorganização, como no Peru ou, menostipicamente, no México, a relação entre o enclave e a socieda­de local se baseia em um jogo mais complexo entre as classesdo que no primeiro tipo de formação de enclaves (quando pra­ticamente os grupos latifundistas constituem o interlocutor porexcelência com os enc1aves). Efetivamente, nesses casos ­em medida desigual - as classes dominantes internas pre­servam ao menos parte de suas funções econômicas. Podemelaborar políticas de compromisso com os enclaves externos,reservando-se algumas faixas marginais da atividade exporta­dora e podem retrair-se e concentrar suas atividades no comér­cio, em algumas atividades agrárias etc.

Haverá sempre, nesse caso, um embrião de "burguesianacional" que, se não assume o papel predominante que essaclasse assume na articulação das relações entre a economia in­terna e o mercado mundial nos países organizados a partir daprimeira modalidade de dependência aqui proposta (como naArgentina, no Brasil, no Uruguai ou mesmo na Colômbia),não se confunde tampouco com os grupos de poder baseadosno latifúndio na aliança política com o estrangeiro, como naprimeira das formas de enc1ave aqui apresentadas. Por outrolado, a atividade econômica interna propiciará nessa situação,como se deu no Chile, por exemplo, um desenvolvimento maiordas classes médias e requererá do Estado uma política maisintegradora, isto é, menos votada à pura manutenção da ordeminterna e mais favorável a algum tipo de redistribuição lDter­na da renda gerada pelos impostos pagos pelos enclaves.

Convém acrescentar que toda dependência sob a formade enc1ave cria uma contradição peculiar nova. Como o setoreconômico estrangeiro é "moderno" e dinâmico, ele constituinúcleos importantes de trabalhadores rurais assalariados e, no­tadamente no caso da.s explorações minerais, concentrações im-

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TIPOS DB J)EPBNDtNCIA B IDEOLOGW DB DssBNvOLVIMBN'lO 77

portantes de operários. Assim, forma-se uma situação extre­mamente complexa e paradoxal quando encarada com as pers­pectivas das teorias que explicam o comportamento das clas­ses sociais nos países centrais: classe dominante local "tra­dicional", impregnada de características estamentais, de voca­ção e função mais políticas do que econômicas, e classes do­minadas "modernas", isto é, cuja razão de ser se define porsua situação no mercado, em função do modo de produçãoprevalecente. As conseqüências dessa situação se fazem sen­tir de forma acentuada quando, por motivos que adiante severá, a pressão das classes médias contra a "dominação en­clavista" se intensifica. A denúncia do pacto antinacional feioto pelas classes dominantes passa rapidamente do plano jurídico­.moral, no qual é posta pelas classes médias e por setoresprodutivos internos, para o plano de reivindicações econômicase sociais, muitas vezes violentas, dos trabalhadores urbanos,e, em situações mais limitadas, dos assalariados agrícolas, semque as classes dominantes locais possam dar solução a essaspressões.

CRISE ECONÔMICA E CRISE POLíTICA:A ETAPA DE TRANSIÇÃO

Os traços característicos dessas distintas situações de de­pendência externa e de dominação interna se mantiveram, demodo geral, durante todo o período de expansão do merca­do externo, no século XIX e nos primeiros trinta anos doséculo XX.

Seria pouco correto, entretanto, sustentar que não se de­ram mudanças sociais nesta época ou que a dependência ex­terna impediu o crescimento econômico. Mesmo ao nível deabstração em que estamos caracterizando aqui as estruturas, dedependência e as formas de dominação, que é necessariatrientegeral e que impõe certo esquematismo, convém sublinhar queo caráter de estruturas dependentes não elimina possibilidadesde transformação - ainda quando se mantenham as linhas deforça da dependência. ~ conveniente elucidar, portanto, arelação entre crescimento econômico e dependência.

Com efeito, muito comumente, se apresentam como pro­cessos mutuamente exclusivos os de desenvolvimento e mu-

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dança social, por um lado, e os de dependência e tradiciona­lismo, por 'outro, como se uma situação de dependência im­plicasse forçosamente um estado de estagnação. Ora, a his­tória latino-americana do século XIX e das primeiras décadasdo século XX mostra que, se a relação de dependência semanteve praticamente constante entre os países periféricos eas nações centrais, sua forma variou, principalmente no quediz respeito ao modo pelo qual os distintos setores das classessociais vincularam-se na estrutura de poder. E, por outro lado,se é certo que a economia exportadora não permitiu à maioriJldos países da América Latina a reorganização interna do sis­tema produtivo e a intensificação do processo de diferenciaçãosocial, em alguns deles teve impulso suficiente para provocaruma diferenciação econômica interna e para tomar mais com­plexa a estrutura social, com conseqüências políticas significa­tivas. As modificações da forma que a dependência assumeinternamente não são irrelevantes para a compreensão das pró­prias transformações de fundo na estrutura da dependência.Menos ainda para a compreensão das possibilidades de "desen­volvimento econômico", que se abrem em cada situação típicade dependência.

A tese que sustentamos - e que foi analisada em outrostrabalhos - afirma, entretanto, que as diferenciações que seproduzem no interior de uma estrutura dependente estão con­dicionadas pelos modos básicos de dependência resenhados naspáginas anteriores e que as possibilidades de desenvolvimentoestão limitadas pelo tipo de situação e crise política peculiara cada uma das modalidades de dependência.

Com efeito, economicamente a situação de dependência nãoimpediu que durante o século XIX a expansão contínua dademanda externa repercutisse internamente, possibilitando acriação de novos setores produtivos, seja diretamente relacio­nados com as atividades exportadoras, seja os que se organiza­ram para atender ao consumo interno das classes subordinadas.Na verdade, estruturalmente o processo mais significativo, des­se ângulo, foi a capitalização crescente da economia exporta­dora, processo esse que se expressa socialmente pela intensifi·cação da divisão social do trabalho. As variações quanto aograu de diferenciação econômico-social das atividades expor­tadoras e quanto. às formas de relação entre o setor exportador

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e a produção local caracterizam precisamente as duas modali­dades de dependência assinaladas - tanto a baseada em en­claves quanto a que se dá sob a égide das classes produto.ilSlocais - e explicam por que se as economias dependentes su­portaram de forma homogênea os efeitos do mercado externo(crescimento da exportação e crises intermitentes até a gran­de crise de 29) sua reação variou segundo padrões reco­nhecíveis.

Em cada um dos dois modos distintos de funcionamentodas estruturas de dependência os efeitos econômicos da expan­são do comércio exterior e a capitalização crescente da produ­ção exportadora se redefiniram em função de suas peculiari­dades econômicas e do marco político-social criado neles. Quan­do o controle do sistema produtivo é nacional, a instauração domodo capitalista de produçãO, por assim dizer, ultrapassa oslimites do setor exportador e dinamiza outros setores de ativida­de, criando uma economia interna subordinada ao êxito daeconomia exportadora mas relativamente ágil. Com isso seexpandem os setores das classes médias que surgem tipicamen­te quando existe uma economia ativa - os pequenos comer­ciantes, os pequenos produtores, os técnicos, em certos casosos agricultores médios etc. - e se ampliam as classes assalaria­das, urbanas e rurais. Essa diferenciação econômico-social seexpressa, ecologicamente, pela formação de mercados urbanosnumerosos e nitidamente distintos das fazendas e "plantations",como se viu na área d~ São Paulo, na província de BuenosAires e nas provincias "litorineas" da Argentina. Esses pólosde crescimento se formam no interior das estruturas de de­pendência e lhes são subordinados, porém criam as bases peramodificações futuras e sua presença se manifesta socialmentepela formação dos referidos grupos sociais. Estes, por sua vez,buscam algum tipo de reconhecimento político e para alcançá··10 começam a pressionar as estruturas de dominação vigentes.Em conseqüência, a partir desse momento, as próprias políti­cas econômicas, que se elaboram sob a égide do predomínioexportador, terão que satisfazer parcialmente as pressões inter­nas. E, de qualquer modo, quando a economia exportadoraainda ~tá sob o signo favorável da expansão crescente da de­manda internacional, as crises políticas às vezes põem em xequeo predomínio da aliança o~gárquico-exportadora.

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A natureza das crises políticas e a função relativa dos gru­pOS sociais em ascensão determinarão as novas formas de alian­ças internas sob as quais se dará a transição do período depredomínio indiscutível do pólo externo no plano econômicopara uma situação de acomodação entre ele e os pólos internosde crescimento. Assim, a forma que assume o processo his­tórico-social da transição (isto é, a aparição de novos grupossociais que tratarão de impor suas políticas ou de compartiras políticas prevalecentes) não será o resultado imediato da"crise externa", mas estará condicionado em parte pela situa­ção interna e na realidade expressará o modo como as classese grupos sociais internos reagirão às conjunturas do mercadointernacional e proporão objetivos específicos para cuja conse­cução estabelecem determinadas alianças políticas.

No interior de um mesmo padrão estrutural de dependên­cia, portanto, se bem as linhas gerais de atuação das classes egrupos sociais estarão condicionadas pela situação estrutural,abrem-se perspectivas para a definição de políticas alternati­vas. Evidentemente essas alternativas uma vez assumidas comoprática social, isto é, uma vez postas em execução pela forma­ção de alianças políticas entre grupos e classes, se transformamem "dados da situação", que limitarão as novas opções. Nesseprocesso, contudo, as classes sociais ou seus setores represen­tativos desenvolvem instrumentos de ação para alcançar osobjetivos a que se propõem e necessariamente de forma ex­plícita ou implícita esboçam "projetos de dominação" que seexpressam em ideologias específicas. Politicamente essas "op­ções" se traduzem em "sistemas de alianças" que, sob a he­gemonia de algum grupo, constituem nos modos pelos quaisas classes atuam como "forças sociais".

Ora, no caso dos países em que desde o século XIX seformou uma burguesia exportadora, o período de transição serámarcado pelos intentos vários de organização de um sistemade "poder compartido", capaz de compatibilizar a "hegemo­nia burguesa" - dependente, por certo, dos pólos externosde dominação - com os interesses dos grupos emergentes:as "classes médias", a burguesia orientada para o mercado in­terno e, em certos casos, as massas populares urbanas. Semserem ilimitadas, as alianças possíveis são numerosas e histo­ricamente, como se verá no próximo capítulo, foram efetiva-

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mente diversas nos países que se organizaram segundo estamodalidade de dependência.

Apesar dessas diferenças, é possível dizer, como carac·terística geral desta situação, que o dinamismo do sistemaeconômico e a forma pela qual este se vinculava com a so­ciedade nesse tipo de países permitiu um jogo político noqual, se é certo que houve um enfrentamento entre as classesem presença, havia recursos internos para integrar pelo menosparte dos novos grupos no sistema social e no mercado. Estes,posto que nasciam sob o signo de sociedades capitalistas, ten­diam a formular reivindicações que direta ou indiretamenteassumiam forma econômica: a dinamização da produção nãoera alheia à problemática da mobilização social das novas clas­ses. Por certo, a transformação dessas classes ou frações declasse (grupos concretos) em atores do processo social reque·ria sua participação em algum sistema de "forças sociais". istoé, em alguma aliança política, mas a reivindicação de "con­trole político" não se desligava da procura de alguma formade "participação econômica". Participação econômica que, emcertos casos, como veremos, podia dar-se dentro dos quadrose das politicas estabelecidas pela burguesia exportadora, seesta fosse 'suficientemente dinâmica para propiciar os exceden­tes necessários à redistribuição requerida pelas novas classes.E que, em caso contrário, se postularia como uma reivindica­ção de substituição da politica exportadora por uma politicaque favorecesse a expansão do mercado interno.

Conforme haja prevalecido um tipo ou outro de aliançainterna de forças, os efeitos da crise externa assumiram signi­ficados distintos, permitindo ora o reforçamento da domina­ção dos grupos exportadores, como na Argentina, ora seudeslocamento, como no Brasil, .ou mesmo a consolidação dosistema de "poder compartido", que já se estabelecera antes,como no Uruguai. E assim também a reação aos efeitos dacrise externa assumiu características distintas, embora nessamodalidade de dependência a "transição" expresse sempre umprocesso de redefinição das politicas econômicas e de instau­ração de um sistema de domínio que terá de resolver o pro­blema dos limites da compatibilidade - possível - entre apressão dos novos grupos e os interesses das antigas camadasrural-financeiro-exportadoras.

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É distinto O quadro das possibilidades estruturais apre­sentado pela situação de dependência baseada na existência deenclaves estrangeiros. Em sua forma extrema, essa modalida­de de dependência exclui, como se disse, a formação de cama­das sociais internas capazes de desempenhar funções economi­camente importantes. Não obstante, com a expansão da ec0­nomia exportadora, salvo em situações ou momentos excep­cionais, não s6 aumenta a máquina administrativa do Estado,que nos casos extremos se confunde também com o círculodos servidores fiéis das parentelas dominantes, como há a pos­sibilidade da formação de "núcleos de classe média", com­postos por funcionários, por pequenos comerciantes, por gru­pos de empregados nos sistemas de transporte, de educação,do pr6prio exército etc. e, notadamente, de círculos de letrados.As pressões desses grupos dirigem-se diretamente contra a or­dem estabelecida pelos enclaves e asslJmem, em conseqüência,uma conotação nítidamente patri6ticá e antiestrangeira, quoganha importância toda vez que as diferenças entre os setoresdas classes dominantes levam as "companhias" ou as embai­xadas a exercer a arbitragem, favorecendo certos grupos emdetrimento de outros. A essa dinâmica política se agregaoutra oriunda do jogo das relações econômicas entre o encla­ve e os setores assalariados. As pressões destes últimos nor­malmente podem ser contidas dentro dos limites da ordem es­tabelecida, seja pela concessão de melhores condições de tra­balho, seja pelo exercicio da violência. Entretanto, assumemoutras características nos períodos de crise do mercado inter­nafional, quando as companhias não têm interesses na expan­são das atividades locais. Nesse caso, se soma ao patriotismodas classes médias uma virulenta pressão "de classe" dos gru­pos assalariados. A resposta das classes dominante sói serainda mais violenta, posto que estas não detêm os elementosde decisão econômica - os quais estão controlados pelas em­presas estrangeiras -- para responder positivamente pela for­mação de "alianças :desenvolvimentistas" às reivindicações quelhes são apresentadas pelos novos grupos sociais.

É por isso que a "transição" nesta modalidade de estru­tura significa, em geral, algum tipo de revolução, seja as demaior amplitude que se propõem a destruir as pr6prias basessociais da dependência, como no caso do México ou da Bolí-

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TIPOS DE DEPEND~NCIA E IDEOLOGIAS DE DESENVOLVIMENTO 83

via - para não mencionar Cuba, dadas suas peculiaridades- seja as que não alcançam tais proporções, como no caso daVenezuela com a Ação Democrática, as tentativas interrompi­das na Guatemala e a forma mais complexa, porque condicio­nada por um ponto de partida menos diretamente de enc1ave,que assumiu no Chile o acesso das classes médias à participa­ção política depois da Frente Popular.

Diante da rigidez do sistema de dominação e da faltade vitalidade econômica das classes dirigentes internas, as "pres­sões de baixo" não podem ser atendidas pela expimsão e len­ta transformação do status quo. Elas requerem profundastransformações que permitam a criação e a dinamização denovas bases de sustentação econômica interna e que sejam ca·pazes de satisfazer, ainda que parcialmente, aos grupos hege­mônicos. Por isso - e considerando a inexistência de uma bur­guesia local dominante - são as próprias classes médias re­volucionárias que, depois da denúncia da "situação de encla­ve", renegociam seus termos ou a liquidam, e tratam de utili­zar o aparelho do Estado, por elas controlado revolucionaria­mente, para fazer as reformas econômicas necessárias e ç:oradele se servirem (com exceção de Cuba) como ponto de par·tida de formação de uma nova camada de empresários priva­dos que compartilhará o sistema de poder com os empresáriospúblicos e com a nova classe política.

Assim, as classes médias, nesse caso, se vêem na con·tingência de quebrar o antigo sistema enc\avistlt para ter aces­so às decisões. Nesse processo seu papel· pode ser transitoria­mente predominante ou secundário, conforme os termos emque se proponham as alianças entre as forças sociais: se nelasse incluirá algum setor oligárquico descontente; se delas farãoparte, quando existem, setores empresários privados; se aspróprias classes médias se fazem representar por segmentosmilitares; se as classes populares participam da revolta dasclasses médias etc.

Em qualquer hipótese, a "estrutura da situação" nãoabre possibilidades de incorporação de tipo populista, isto é,no qual a aliança entre algum setor hegemônico com as massasse dá pela expansão das possibilidades de consumo (pois osistema nacional de produção não dispõe dol' recursos para

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isso), nem é possível uma transição sob controle da antiga bur­guesia exportadora, que se moderniza em parte, porque o sis­tema de encIave limita a magnitude e o peso político dessa ca­mada social. Esses fenômenos podem apresentar-se historica­mente, mas serão tentativas frustradas de populismo, como nocaso da APRA pós-revolucionária, ou serão um populismo deforma "contaminada", como na frente popular chilena, na qualo tipo de organização dos partidos e o peso dos sindicatos seaproxima mais do modelo europeu de reação das classes do­minadas que do populismo "latino-americano". Somente de­pois que a crise política do sistema de enclaves se resolve poralgum tipo de destruição de regime, já na fase de reconstru­ção nacional, quando aparece uma burguesia industrial novae quando o Estado cria setores produtivos próprios, podemdar-se fenôm~nos políticos de massa do tipo populista, comose viu com Cárdenas, com a Ação Popular peruana ou coma Democracia Cristã chilena.

Contudo, por motivos que se explicarão adiante, essesprocessos são tardios, com respeito às chances existentes decompatibilização entre a "pressão das massas" e uma orien­tação das elites de tipo nacionalista. Em conseqüência, comexceção talvez do caso mexicano, quando o cardenismo se deu"com tempo" para aproveitar as possibilidades da situaçãointernacional, não assumem o mesmo significado que seus con­gêneres dos países que se desenvolveram sob predomínio deuma burguesia nacional.

Em qualquer das duas modalidades básicas de dependên­cia - diversamente em cada uma delas segundo variantes pos­síveis - a transformação da situação dependerá sempre da alian­ça entre forças sociais. A natureza dessa aliança não é irrele­vante para a orientação do prOCesso econômico: a maior ou me­nor participação do Estado na economia, as variações nas ta­xas e formas do investimento (em setores de "consumo" ou pro­dutivos), o tipo de sistema de controle das decisões sob umpadrão mais liberal ou mais corporativo etc. dependem dotipo de alianças que prevaleça e tudo isso pesa sobre o sis­tema econômico e o condiciona. Esse condicionamento setorna mais nítido nos momentos em que a economia interna­cional propõe desafios e limitações novas às possibilidades deum desenvolvimento do tipo "nacional-burguês". As chances

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TIPOS DB DaPBNDiNCIA B IDsoLOGW DB DEsBNvOLVIMBNTO 8'

de êxito da reintegração econÔmica orientada pelas novas con·dições do capitalismo intemacional (que passa a definir, porSUl vez, em última instância, as formas possíveis de desenvol·vimento) dependerão em grande parte da capacidade que ti­veram os grupos nacionais interessados em refazer as aliançasexternas para impor-se internamente de forma politicamenteadequada.

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CAPÍTULO IH

SITUAÇÃO ESTRUTURALE ALIANÇAS POLíTICAS

AS ANÁLISES do capítulo anterior mostram que o papel dasburguesias nacionais na América Latina variou significativa.mente segundo o modo de relação das economias nacionais como exterior e que, no contexto de uma mesma modalidade dedependência, as possibilidades políticas de atuação das bur­guesias locais variaram em função dos sistemas de aliançaspor elas estabelecidos. Estas se construíram tanto como res­posta a uma situação dada - isto é, como resposta à pre­sença e à posição dos outros atores sociais que a própria açãoda burguesia criara - quanto em função dos "projetos de do­minação" entrevistos. Projetos esses que respondem, por suavez, a uma situação extremamente complexa, pois se a domi­nação interna dependia inicialmente de forma quase exclusivade um sistema de alianças com setores que controlam os lati­fúndios de baixa produtividade, posteriormente esse sistemaenglobou setores "de classe média". Além disso, o eixo dedominação que tinha sua expressão interna na burguesia ex­portadora ultrapassava as fronteiras nacionais e se vinculavaexternamente com os setores mercantis e financeiros dos paíseshegemônicos.

Neste capítulo trataremos de analisar algumas modifica­ções havidas nos "projetos de dominação" das burguesias latino­-americanas quando elas se diferenciaram economicamente, dan­do origem a um setor industrial significativo. Examinaremoscomo s~ apresenta à burguesia industrial toda uma gama depossibilidades de atuação política para garantir seu ptedomí­nio ou sua sobrevivência em sociedades nas quais o capitalis-

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SITUAÇÃO EsUUTUltAL E ALIANÇAS POLfnCAS 87

mo industrial adquire uma gravitação suficientemente grandepara que os empresários industriais apareçam como uma "fra­ção de classe" representativa, com chances, ao menos a seuver, de disputar uma posição hegemônica. E procuraremosmostrar que os "projetos de dominação", com as ideol<>giasque eles implicam, se situam estruturalmente. Isto, é, nosmomentos significativos da constituição de um projeto de do­minação, configuram-se "possibilidades determinadas" de atua­ção que variam em função tanto das posições internas ­quer dizer, dos outros grupos sociais com os quais ou contraos quais se constroem as alianças políticas - quanto do pa­drão de relacionamento do conjunto da economia nacional comoum todo com o mercado internacional.

Neste sentido, convém precisar o quadro de atuação dasburguesias tanto do ponto de vista das relações internas declasse, quanto do ponto de vista da situação de dependência,no momento em que sua diferenciação permite o surgimentoda camada industrial. Por motivos teóricos e práticos, não se·ria possível proceder a essa análise I no conjunto da AméricaLatina. Teoricamente porque, como se viu no capítulo ante­rior, a formação e o papel da burguesia obedeceram na Amé­rica Latina a cursos histórico-estruturais distintos e haveria orisco de comparar-se em nível meramente formal variáveis quepertencem a universos concretos distintos. Praticamente por­que, mesmo considerando-se as burguesias industriais oriun­das da mesma situação de base, o número de países ultrapassaas possibilidades práticas de investigação e análise para utntrabalho desta natureza. Assim, decidimos concentrar o es­tudo' em dois países, Argentina e Brasil, que pertencem a ummesmo tipo estrutural, mas que permitiram às burguesias lo­cais opções políticas relativamente diferenciadas em funçãojustamente dos parceiros sociais com os quais era possívelestabelecer sistemas de alianças políticas.

Neste capítulo, antes de trazer ao primeiro plano da dis­cussão as opções presentes, que constituíram o objeto de nossainvestigação, apresentaremos o quadro geral de possibilidadese de opções q~ se abriram às burguesias industriais dos doispaíses no momento em que se intensificou a pressão das clas­ses médias e que as "massas populares" começaram a pesar p0­liticamente na vida nacional. Mostraremos depois as transfor-

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88 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

mações havidas nas relações entre a periferia e o centro nafase posterior, quando se amplia o sistema de poder pela par·ticipação de setores médios e populares. Analisaremos, en­tão, as novas "possibilidades estruturais" que se formaramno interior da situação de dependência.

Embora tanto a Argentina como o Brasil pertençam es­truturalmente a uma modalidade comum de dependência, aforma de organização das relações dos grupos internos entre sie destes com o mercado variou em cada país. Com efeito, en­quanto na Argentina historicamente a unificação da sociedadenacional se deu por um processo vigoroso de imposição dopredomínio de um setor, a burguesia mercantil buenairense,sobre os demais grupos dominantes locais, no Brasil a con­solidação nacional, sob o Império, significou, sob a forma po­lítica centralizadora, a formação de uma verdadeira "federa­ção" de interesses regionais. Assim, depois que os gruposbuenairenses expandem suas atividades no campo e especial­mente depois da Campanha do Deserto, 1 quando se apro­priam das planícies úmidas e férteis, impõem às burguesias re­gionais um sistema de dominação nacional de tipo funil: fra­cassadas as tentativas de criação de portos regionais, o comér­cio exterior passará necessariamente por Buenos Aires. O eixoexportação-importação estará por conseguinte sob a égide daburguesia de Buenos Aires e esta expandirá sua atividade al­cançando as províncias de Entre Rios, Córdoba e Santa Fée garantindo nelas uma organização capitalista de produção.Esse processo ganhará vigor com o crescimento das ondas mi­gratórias. Os imigrantes se bem terão dificuldades de acessoà propriedade na área de criação de gado, trabalharão sob regi­me de parceria ou de salário na área de produção cerealista ede produção para o mercado interno, e em certas áreas setransformarão em proprietários de terra. Em conjunto ter-se-áuma economia vigorosa, em expansão, e de base capitalistade forma plena, isto é, tanto pelo tipo de forças produtivasutilizadas quanto em mérito das relações de produção, organi.zadas em regime econômico de salários. Por certo, haverátoda a área marginal a esse eixo onde a situação será distinta,

1 Existem estudos sobre a expansão da economia agrope­cuária e sua significação para a sociedade argentina feitOll porTulio Halperin Donghi e por Horácio Gibertl.

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SITUAÇÃO EsnUTUUL B AuANÇAS PoLfnCAS 89

como nas províncias nortistas, mas o predomínio econômicoda área litorânea e de Buenos Aires é indiscutível. Ademais,tanto a produção da carne quanto, mais tarde, a produção decereais darão origem à formação e expansão da agro-indústria,vinculada ao esquema exportador e diretamente fomentada porinvl:Stimentos estrangeiros. E a formação do sistema de trans­portes e do sistema de financiamento interno será feita pre­dominantemente sob o controle da burguesia de Buenos Aires.

Resumidamente, a situação argentina, do ponto de vistaeconômico e do ponto de vista das formas de controle de pro­dução, apresentou no século XIX e mais ainda no século XXuma tendência favorável à formação de um sistema produtivode tipo agrocapitalista-exportador. Este foi suficientemente di­nâmico para permitir a diferenciação interna da produção, eesteve sob controle de um setor social que foi capaz de orga­nizar, sob sua hegemonia, o conjunto das forças sociais dopaís. Isso não significa, como se verá. a inexistência de for­ças de oposição, mas significa que, do ângulo das classes do­minantes, havia uma "unidade de classe" assegurada pelo pre­domínio indiscutido de um setor das classes produtoras queestabelecera uma situação de domínio solidamente baseada tan­to em uma economia exportadora em expansão quanto em um"projeto de desenvolvimento" aceito por todos e mesmo ra­cionalizado pela ideologia da "geração de 1880".2

Dentro deste quadro é fácil compreender que houve mar·~em para um desenvolvimento industrial de certa relevância.Entretanto, a bur~esia industrial nascida nesse período nãose organizou poIíticamente de forma autônoma e, se é certoque se podem indicar, por exemplo, momentos de maior pres­são em prol de uma "poHtica protecionista" tanto no séculopassado quanto neste,3 o peso dessas pressões não foi sufici·

2 Sobre a importância da "gera.çlo de 80", ver Gallo, E.,Comblit, O., e O'Connell, A.. "La ~eraci6n deI 80 y su proyecto.Antecedentes y consecuencias", Buenos Aires, 1961, 47 p4gs.mimeografadas.

3 Sobre a industrialização na Ar~entina e sobre as pressõesprotecionistas. ver ~rfman, A., Evolucfón Industrial en lG Ar­gentina, ed. Colegio Libre de Estudios Superiores, Buenos Aires,1938, e também Cortes Conde, R., "Problemas deI cresclmlento

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90 POLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

ente para arrastar apoios que contrabalançassem os termos emque as elites argentinas haviam proposto seu projeto dedesenvolvimento: segundo marcos de uma ordem econômicaliberal, que assumia os riscos e as vantagens, evidentes parao caso argentino, da divisão internacional da produção basea­da na liberdade alfandegária. Como é sabido, antes de 1930nem o Partido Radical, nem sequer o Partido Socialista, apro­vavam na Argentina qualquer medida de política econômicaque implicasse limitar o "livre jogo do mercado". E essaposição era justificada em nome da maioria - isto é, dosconsumidores - contra os interesses de uma minoria de prp­dutores.

Assim, a maré montante das classes médias criadas pelosefeitos favoráveis da própria economia exportadora vai expres­sar-se exclusivamente no plano das reivindicações políticas,atestadas pelos levantes radicais do fim do século e vitorio­sos com a promulgação da lei Saenz Pena, que asseguraria qua­tro anos depois, em 1916, a ascensão de Yrigoyen. Dentrodeste quadro, a oposição "antioligárquica" do Partido Radicalnão assumirá nenhuma conotação ecônomico-industrialista epraticamente os termos nos quais se propõe a luta políticaimplicam um corte entre radicais e conservadores que, sendoum corte "de classe", na medida em que o radicalismo englo­ba as classes médias, não é "econômico". Em conseqüência,a crise da "dominação oligárquica" se abre na Argentina, maisno plano político do que no econômico. Embora a oligarquia,isto é, o setor agro-exportador e o setor latifundista e criador,se organize em diversos momentos contra Yrigoyen e logremesmo golpear o sistema dominante de forças no interior doPartido Radical, com os radicais antipersonalistas, sua preo­cupação será menos com a política econônúca de Yrigoyen doque com o tipo de apoio político das massas urbanas por eleobtido e quiçá mais ainda com sua incapacidade para abrangerdentro do Partido Radical a massa operária e os sindicatos de­safiantes.

industrial en Argentina", Desarrollo Econômico, vol. 3, ns. 1-2,abril-setembro de 1963, págs. 143-171. Para uma visão globalda história econômica, Ricardo M. Ortiz, Historia Econômica dela Argentiwf, ed. RaigaJ, Buenos Aires, 1955.

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SITUAÇÃO EsntJTURAL B ALIANÇAS PoLÍTICAS 91

Ainda que a política de investimentos de Yrigoyen· nãocontrariasse as linhas de força da situação de dependência emesmo, em casos específicos, as conciliasse com os interessesindustriais, sua política distributivista tinha um limite estru·tural evidente: dependia da expansão crescente da economiaexportadora. A crise da economia mundial tocou esse limite.Porém, nesse caso, teve como conseqüência não a derrocadada oligarquia, como no Brasil, mas sua volta ao poder. ComUriburu coube à velha cepa oligárquica enfrentar a nova con·juntura econômica. Viu-se, então, uma "política de retraimen­to" quanto à extensão da participação das classes médias e umapolítica de desmantelamento das organizações operárias. Simulotaneamente o Governo favoreceu a "modernização do Esta­do", pela criação das juntas de controle das exportações, pelacentralização das decisões monetárias etc. Entretanto, nessecaso, o Estado abriu o caminho para uma retomada econômica- que não foi imediata e que implicou a valorização domercado interno - da qual de não participou diretamentecomo investidor importante, em comparação com outros patoses da América Latina. Ao contrário, o desenvolvimento poste­rior à estagnação dos anos trinta vai repousar no dinamismodas classes empresariais privadas.

Estas estarão organizadas em sua maioria sob o coman­do dos setores exportadores, em torno da União IndustrialArgentina ou, então, estarão limitadas a uma participação maiseconômica do que política, como alguns investigadores mos­traram. Essa marginalidade política foi explicada por estesautores em termos da origem imigrante do empresariado e dainadequação das máquinas partidárias para dinamizar politica­mente os interesses dos setores empresariais e dos setoresimigrantes.

Assim, na fase de retomada do desenvolvimento, depoisda crise da economia exportadora, quando o mercado internoganha força, se dá politicamente uma situação bem distintada que caracterizou d Brasil: a dinamização da sociedade,

• Embora se tenham apresentado situações nas quais oyrigoyenismo tratou de criar através do Estado uma base eco­nÔmica própria, favorecendo algumas indústrias de base.

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92 PoLfnCA E Dr!sENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

como, entre outros, mostrou Germani,1I se deu pela mobiliza­ção de populações que se deslocaram para as cidades, porémos canais econ~micos de absorção dessas populações apenas in·diretamente respondiam à ação das massas e dos grupos e m0­

vimentos que as representavam e que com elas mantinham umaposição de poder. Ao contrário, esses canais, dado que o se­tor público não desempenhava - sempre em termos compa·rativos - papel decisivo na construção direta do sistema eco­n~mico, eram o resultado dos projetos e da ação de umaburguesi~ empresarial. li Não obstante, o equilíbrio do novosistema político-econômíco requeria alguma compatibilidadeentre os dois atores aqui mencionados, as massas e o empre·sariado, posto que mesmo atuando em níveis distintos e mes·mo representando-se politicamente como inimigos em certassituações, essas forças eram responsáveis pelo duplo movimen·to - de mobilização política, por um lado, e de diferenciaçãodas atividades econômicas em busca do mercado intemo, poroutro - que caracterizou o período posterior ao predomínioindiscutível do setor agro-exportador. :e certo, contudo, quenão se fez sentir nenhuma contradição insuperável entre esteúltimo e o empresariado vinculado ao mercado intemo: a in­dústria nasceu, como se disse e como se confirma pelo quadroda página seguinte, no bojo do sistema exportador:

11 Ver, especialmente, de Gino Germani, PoUtica 11 8Of-.,daden una época. de transición; de la sociedad tradiciottal a la socie­da4 de ma.BaB, Editorial Paidos, Buenos Aires, 1965. A obrade Germani é extensa e importante. Seus artigos mais recen­tes, de sintese de seu pensamento, que podem ser acessfveis aoleitor brasileiro, são "Démocratie représentative et classes po­pulaires en Amérique Latine", em 80ci0Zogie dou TratxJU, voI.3, n.O 4, 1961, e "Les effets de la mobilité sociale sur la société",em 80ci0Zogie du Tra.uaiZ, n.O 4, vol. 7, 1965.

li Com exceção, já em pleno periodo peronista, de algumasindústrias ligadas à "defesa nacional", dentre as quais a doaço. Mesmo nesse caso, contudo, quando se colocou a opçãoentre um tipo de industrialização orientada para atender à pres­são da demanda imediata ou segundo um padrão de acumula­ção obrigatória para a construção da indústria de base, foi ado­tada a primeira alternativa.

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SITuAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfnCAS 93

QUADRO N.o 1

ORIGEM DO CAPITAL INICIAI:- DA EMPRESA

EstrangeiroComercialIndustrialArtesanalAgropecuárioCombinaç6esNS-NR

TOTAL

18,5%18,0%10,7%

9,0%3,0%

35,1%5,7%

100 % (l68)

FoNTE: RI B6ctqr indUBtriaZ d6 la Argentma (afldli.ri8preliminar), Instituto Latlnoamericano de Planificaci6n

Econ6mica y Social (ILPES) , Santiago, 1967.

Com isso não queremos descartar, sem análises adicio­nais, as hipóteses sustentadas por outros autores sobre o papelque . desempenharam os setores industriais de origem não­-oligárquica no processo de industrialização da Argentina. 'I ~

evidente que o peso dos imigrantes no setor empresárial, alémda já referida precariedade do sistema partidário para captaros grupos não "eriollos", facilitavam a marginalização de partedos empresários industriais. Basta referir que na investiga­ção realizada pelo ILPES a distribuição dos empresários argen·tinos, segundo a origem nacional dos pais e avós, revela apredominância de estrangeiros e que mesmo quando se consi­dera somente a nacionalidade dos empresários, como fez Imaz,entre os industriais "prestigiosos" em 1959 havia 38,5% deestrangeiros. 8

'I Ver especialmente os estudos de Torcuato Di TeUa. Alémde artigos publicados em DesarroUo Económico, o leitor podemencontrar este ponto de vista em dois dos livros de Di TeUa,EI 8i8tema polUico argentino y la clase obreTa, Eudeba, BuenosAires, 1964, e Una teoria sobre el primer impacto de la indus­triaZieaci6n, publicações do Instituto Torcuato Di TeUa, doc.trab. ,n.o 4, 1964.

8 Sobre este problema, ver Oscar Cornblit, lnmigrantes eempre.tarioa en la polUica argentina, Instituto Torcuato di Tella,doc. de trab. n.O 20, Buenos Aires, 1966. E também o livro de

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94 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Porém, quando se encara o problema da perspectiva dosetor de classe que exerce hegemonia e é capaz de propor umaideologia de desenvolvimento segundo seus objetivos, seria ar­riscado não reconhecer o papel predominante dos empresáriosagrupados em torno da UIA (Unión Industrial Argentina, as­sociação de classe controlada por empresários vinculados àsatividades exportadoras e ao campo) e a visão de uma políticade "interesses compartidos", no seio das classes produtoras.Estudos recentes mostram, como se verá nos capítulos seguin­tes, que seria arriscado elaborar hipóteses que atribuam ape­nas aos grupos de industriais de origem imigrante, marginaisao sistema político tradicional, uma visão industrialista, popu­lista e independentista. Mas seria equivocado, por outra par­te, sustentar que os "projetos de dominação" porventura as­sumidos pelos industriais supõem um esquema de conflito ne­cessário e irredutível com os demais setores das classes domi­nantes. Pelo contrário, com base em entrevistas realizadaspor nós como etapa prévia da investigação que se analisarános capítulos seguintes, é possível afirmar que é pequena aênfase posta pelos industriais nos conflitos com o setor agrárioe com o setor externo da economia. Dessa forma, o papelque o "setor dissidente" da burguesia empresarial vai desem­penhar na formuláção de uma política. alternativa daquela for·mulada pela "oligarquia", antes de explicar o comportamentodo empresariado, tem de ser explicado como conseqüência dasituação peculiar de conflito social e político da sociedade ar­gentina quando surgiu o peronismo. Com efeito, as "formula­ções da Confederação Geral Econômica (associação de classede cunho nitidamente industrialista, formada por empresáriosque apoiaram a política peronista), como antes as das cen­trais patronais dissidentes que a precederam e os pontos devista expostos por seus dirigentes, fazem parte da "políticade massas". A consistência ideológica dessas formulações des­faz-se diante da similitude das verbalizações dos dirigentes des-

Dario Canton, El Parlamento Argentino en Spoca/J de Cambio:1890, 1916, 1946, Editorial dei Instituto Di TeIla, Buenos Aires,1966. Canton mostra como o partido radical era muito menos"aberto" socialmente do que alguns autores supunham. Para osdados referidos sobre os "industriais prestigiosos", J. L. Imaz,Los que ma-Ildan, Eudeba, Buenos Aires, 1964.

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SITUAÇÃO ESTRUTUIlAL E ALIANÇAS POLfTICAS 95

ta central patronal com os da União Industrial Argentina,quando se propõem os temas que tocam diretamente à empre­sa e os problemas menos diretamente impregnados da visão"nacional-populista". Nesse caso, a tendência às respostas ho­mogêneas suplanta .eventuais discrepâncias ideológicas.

Em conseqüência, e esta é a tese que nesse particularsustentamos e cremos poder demonstrar, o "nacional-populis­mo" - isto é, em termos da política argentina: o encontroentre uma prática distributivista para dar acesso às massas nasociedade de consumo e de um tipo de desenvolvimento quegaranta o controle "liberal" do sistema de investimentos, em­bora não totalmente do sistema de decisões econômicas - ul­trapassou como prática, se não como ideologia, o quadro rela­tivamente restrito dos "grupos subordinados com alto nívelde aspirações".· Analiticamente, a. homogeneidade ideológicado setor industrial suplanta a possível diferenciação entre osdois grupos polares que o constituem: os que se inserem numcontexto mais amplo de organização econômica, formandopette de um "grupo econômico" - isto é, os de maior pro­babilidade "oligárquica" - e os que controlam apenas umaempresa - onde a probabilidade de encontrar-se os industriais~ margem da sociedade seria manifestamente maior.

Sendo assim, é possível pensar que efetivamente o nacional·-populismo - o peronismo - constituiu uma política - senão uma ideologia - que expressava uma "situação estrutural".Que situação estrutural era esta? Caracterizemo-Ia e distin­gamo-la do getulismo e de sua correspondente situação estrutu­ral, antes de discutir no próximo capítulo a situação poste·rior que limita as opções políticas das classes sociais na atua­lidade.

Em primeiro lugar, na Argentina, como se viu, foi oestablishmettt exportador quem, por seus representantes polí­ticos, se beneficiou dos efeitos da crise mundial. Epl conse­qüência, quando o peronismo surge como movimento social,encontra uma economia reorganizada sob controle "liberal-

• Referimos-noa obviamente aqui às teorias de Di Tella, 011.cit., iDapiradas no livro de Hagen. E., On tlle T1teory 01 BocialOha.nge, The Dorsey Preu, IllinoLI, 1962.

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96 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADESDEPENDENTES

-burguês". Em segundo lugar, ao desmantelamento das basessindicais da classe operária formada lentamente no bojo daexpansão do sistema rural-exportador, que se verificou nosanos trinta, segue-se a mobilização e a organização, sob inspi-ração do Estado, 10 de uma "massa assalariada". Massa assa-lariada essa - os "cabecitas negras" - que se integra no planoeconômico, se organiza no plano social e participa pouticamen-te da cúpula do poder estatal. Não se trata, portanto, de uma"massa oprimida", mas sim de assalariados que constroemcanais de participação social e que jogam o peso de sua lutana obtenção de vantagens econômicas: distributivismo, maisque nacionalismo, participação política, mais que revolução.Ante o "economicismo" da massa popular e o liberalismo dasclasses produtoras, o Estado surge como árbitro, como ponte,como regulador, mas não diretamente como grande investidor.Ao contrário, suas intervenções, mesmo quando audaciosas comono caso da nacionalização dos depósitos bancários, têm comoobjetivo ampliar o controle nas decisões para encaminhar po-líticas econômicas que expressem a aliança contraditória en-tre a massa assalariada e o setor empresarial, mas não pre-tendem substituir a ação deste último. Essa arbitragem refle-tirá a construção de um novo esquema de alianças, implicaráescolhas, determinará a criação de novos grupos empresáriossob a proteção direta dos grupos de poder e favorecerá oca-sionalmente, pelo controle do crédito, a dinamização dos fluxosde capital dos setores tradicionais para os modernos. Mas aluta política não implicará o deslocamento do antigo núcleohegemônico, o setor mais capitalista do esquema rural-exporta-dor, em benefício de um novo núcleo hegemônico; significaráapenas sua ampliação.

Outro será o panorama no plano propriamente político,no plano do controle do Estado e no controle das decisões eco-nômicas. Aí, sim, a arbitragem do Estado (e com ela a trans-formação das massas assalariadas em fator de decisão na me-

10 Sobre esse processo, ver os trabalhos já referidos deGino Germani e Di TeUa. A melhor smtese sobre as distintashipóteses de explicação do comportamento operário encontra-seem Enzo Faletto, Incorporadón de los setores obrer08 aZ pro-ceso de desaTTollo, ILPES, Santiago, 1964.

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SITUAÇÃO EsTRUTURAL E ALIANÇAS POLÍTICAS 97

dida em' que é dela que o Estado populista arranca a forçapara dialogar com as "classes produtoras") significou umatransformação na correlação de forças. Se no antigo esquemade poder o núcleo hegemônico, depois da derrocada do radica-lismo, se aliava claramente aos demais grupos sociais que ex-pressavam a propriedade, formando a santa aliança olig~quica,depois da mobilização peronista sua permanência no sistema depoder implicará a aceitação da presença - e das reivindicll-çóes - dos setores assalariados. E, mais ainda, não se tratapropriamente da constituição de um sistema expresso. de alian-ças, mas de uma "conjuntura de poder" que tem o Estadocomo 'condestável.

Vê-se assim uma instituição - o Estado - ganhar auto-nomia relativa no jogo político, transformando-se num quase--gnipo, constituído pela burocracia, por segmentos. militarese pelo aparelho sindical. Esse conjunto é que estabelecerá 8ponte entre os setores economicamente hegemônicos das clas-sesprodutoras (que não aparecerão publicamente como parteda conjuntura de poder, mas que, por seus órgãos de classe- até certa época - dialogarão com o "núcleo político")e "as massas". Contra esse sistema se alinharão o grosso dasclasses proprietárias rurais e as classes médias ligadas ao anti-go sistema de poder, que poderiam ser chamadas "tradicio-nais", em oposição às classes médias que ascendem em con-seqüência da expansão industrial. No conjunto, essa oposiçãoarcará com o .ônus da crítica populista: será, para todos osefeitos, a "oligarqti.ia". Mas os segmentos dominantes da an-tiga oligarquia agro-exportadora continuarão a beneficiar-se daconjuntura pOpulista do poder: "Entre 1950 }' 1955 los pre-cios reales â~l ~ector agropecuario estuvieron en promedio paratodo el qllinljuenio, en 12% por encima deI nível de 1950mie"ntr4S que los precios realesde lasindustriaS manulllCture-ras estuvieron en 4% por debaio." 11

Assim, mesmo durante a vigência do regime peronista, .atransferência de rcndasintemas se fez em benefício do setoragro,exportador. EDtre 19.50 e 1960 essa transferência atingiu

11 Aldo Ferrer. La ECQ1IomiaArgentifl4, las etapas de 8Udeáaf!roUo'1J 'problemas actuales~ Fondo de CUltura Econ6mica.2.a ecL, México, 1965, pág.. 214.

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a soma de 2.500 milhões de dólares de 1963. Apenas, se até1955 o controle interno dos preços, imposto pelo Estado po­pulista, impedia que os artigos de primeira necessidade rea­gissem ao livre estímulo dos preços de exportação e da desva·lorização da moeda, a partir de 1955 se anulam os controlesde preço e em conseqüência o setor assalariado sofre uma per­da real de capacidade aquisitiva. Essa orientação da políticaeconômica evidencia o que expusemos anteriormente: o Esta­do populista herda do passado o controle de instrumentos efi­cazes de política econômica; não os utiliza no sentido de pre·judicar o setor agro-exportador, mas limita os efeitos da polí.tica favorável à transferência de rendas garantindo o salárioreal. Os demais setores sociais, evidentemente, pagarão o custodessa política, custo que aumenta à medida que baixam ospreços internacionais de exportação e que se dilapidam as pou­panças de guerra.

Significativamente, neste quadro peculiar da política ar­gentina, o nacionalismo peronista é muito mais um movimentopolítico antiestrangeiro ("Braden ou Perón?") do que a ex­pressão de uma política de contenção de investimento externo.Este diminuiu, como de resto diminuiu em toda a AméricaLatina em comparação com o que fora no período de auge daexpansão exportadora, mas não como conseqüência de umapolítica de restrições estatais. Ao contrário, nos setores denova eleição dos capitais estrangeiros - a produção de bensde consumo mais ou menos duráveis - os investimentos sefazem, sob condição de que vantagens adicionais lhes sejamgarantidas, como no ;resto da América Latina.

De qualquer modo, no período tipicamente nacional-popu­lista, a ~gressividade política da massa assalariada e sua cres­cente organização sindical não impedem que "o desenvolvimen­to" continue sendo uma função dos grupos empresariais priva·dos e, em conseqüência, não é estranho que a avaliação re­trospectiva da política econômica peronista encontre uma dis­posição antes favorável do que negativa por parte dos gran·des empresários argentinos, como verificamos nas entrevistasde sondagem que realizamos com 30 empresários argentinosem 1963.

Da mesma maneira, na medida em que a referida situa·ção de desenvolvimento baseado nos supostos de uma política

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SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 99

nacional-populista perdura como ideologia, se justifica proporquestões sobre a massa assalariada e, mais especificamente, aclasse operária, como "aliados possíveis" num eventual proje­to de dominação, como fizemos em nossas investigações.

No caso do Brasil, as relações entre as classes sociais naépoca do início da industrialização apresentam algumas dis­tinções significativas, embora se desenvolvam dentro do mesmopadrão estrutural de relação com o exterior, que caracteriza aArgentina. Também no Brasil, a "crise política" do sistemaexportador precede a crise econômica mundial. Entretanto, aoligarquia (repetimos, a aliança entre os grupos agro'-exporta­dores capitalistas e os proprietários de latifúndios de baixaprodutividade) suportou com maior êxito as pressões "debaixo", apesar de que no Brasil não se viu, nem sob o Impé­rio nem durante a "República dos coronéis", a formação deuma "unidade de classe", do ângulo das camadas dominantes,do mesmo estilo que a aliança hegemônica da Argentina. Aocontrário, posto que o sistema exportador se organizou econo­micamente em setores produtores paralelos - do café, do açú­car, do cacau, da borracha, da carne etc. - o predomínio dasclasses dominantes como um todo dependeu sempre de pactosna cúpula do sistema de poder, que deixavam livre o jogo in­terno de forças dentro de cada um dos subsistemas controladospelas oligarquias regionais. Em conseqüência, comparando-secom a situação argentina, a estrutura do poder de cada umdos grupos agrário-exportadores era mais débil no Brasil: ne·nhum deles isoladamente pode impor de forma indiscutida umpredomínio nacional. As lutas políticas entre setores da oli·garquia caracterizaram a história deste período. Como, en­tretanto, essas lutas se davam por assim dizer horizontalmente,isto é, sem pressão das classes subordinadas, visto estrutural­mente o sistema se apresenta como relativamente estável.

Ora, a debilidade relativa das "pressões de baixo", mesmonum sistema com elos heterogêneos como a dominação oligár­quica brasileira, mostra justamente o ponto crucial de diferen·ça entre a situação de poder no Brasil e na Argentina: no pri­meiro desses dois países, as "classes médias" e as massas ur­banas não logram transformar·se em forças sociais eficazes at~

praticamente a década de 1930 e sua debilidade indica que adiferenciação econômica e a diferenciação social do "sistema

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100 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

exportador" brasileiro foram relativamente menores do que naArgentina.

É desnecessário trazer à discussão dados comparativos sO­bre a evolução do sistema de produção interna nos dois paísesde resto difíceis de serem estatisticamente comparados 12 - paraconfirmar o já sabido: a economia argentina diversificou-se per­sistentemente, alcançando um ponto de máxima relativa em1948, enquanto a economia brasileira praticamente começa aevidenciar esse processo de transformação interna apenas apartir dessa data. Entretanto, as diferenças não se resumema este ponto nem são o resultado apenas do grau de diferen·ciação econômica dos sistemas produtivos. A escravidão comoregime de trabalho pesa sobre a cena política brasileira e sobreo início do processo de mobilização das classes médias e dasmassas, mesmo no século XX. Com efeito, enquanto na Ar­gentina o problema político da integração das massas imigran­tes pôde ter sido colocado, embora debilmente, no jogo dospartidos e, de qualquer forma, ainda hoje os analistas cen­tram a atenção na falta de capacidade de absorção dos partidospolíticos e do relativo isolamento da massa imigrada no sis­tema econômico, no Brasil a modernização econômica nos finsdo século XIX criou simplesmente um -vasto contingente demassas marginais tanto política como economicamente, na me­dida em que os imigrantes deslocavam as populações negrase não havia novos núcleos dinâmicos na economia para absorvê­-las. E, por outra parte, as instituições aristocratizantes doImpério e os hábitos senhoriais dos proprietários de escravosnão permitiram sequer colocar-se o problema da participaçãopolítica dos imigrantes. 13 Por certo, estes pesavam na vidaeconômica dos estados onde a imigração preponderava, de SãoPaulo para o Sul, mas politicamente seu papel, mesmo nestesestados, era secundário e mais ainda no conjunto do país, postoque num sistema de dominação "federativa" a eventual pres-

12 Ver, por exemplo, a ~istribuiçio percentual do P. B. I.por setor de atividade econômica, a custo c;ie fatores, da Argen­tina e do Brasil, em Antecedentes Cuantitativos Referentes aZDesarrollo de América Latina, ILPES, Santiago, novembro de1966, pâgs. 300 e 302.

13 Nomes de famUia de origem imigrante serio encontra­dos no panorama da poUtica nacional somente depois de 1950.

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SITUAÇÃO EsnUTULU. B ALIANçAs PoÚTICAS 101

são local dos imigrant~ se perdia na. massa d~ interesses es­tllvelmente constituídos ao redor da dominação famil1stica dascamadas dominantes. 11

Ora, como a modernização econômica, isto é, a intensifi­cação do modo capitalista de produção com maior divisão socialdo trabalho e a conseqüente difusão do regime de saUrio, sedeu nas mas que se beneficiaram com a imigração, foi nelas,também, que a formação de novas classes médias se apresentoude forma mais vigorosa. As novas funções econômicas aia­das com a complexidade e especialização maiores da produçãoagrário-capitalista, e suas repercussões no fortalecimento deeconomias urbanas, permitiram, nesse caso, o surgimento doque com propriedade se poderia chamar de uma "pequenaburguesia" e de germes de um operariado. Mas essas novascamadas sociais eram predominantemente compostas por imi·grantes e seus descendentes, estando, portanto, fora do jogopolítico. 1$

Assim, enquanto na Argentina os setores mais numerososda nação se transformaram com os avanços da economia ex­portadora, no Brasil eram setores relativamente limitados emuito mais marginais os que se transformavam. Isso nãoobstatlte, as repercussões da modernização da economia expor­tadora alcançavam outros setores do país. Nos principáis cen­tros urbanos os serviços mercantis e financeiros absorviamparte da população economicamente ativa e, de toda forma, 18

a capitalização do campo, por escassa que fosse, reforçava a eco-

14 Ver, por exemplo, no que se refere a Minas GeraIs, asérie de artigos sobre a estrutura politica desse estado apareci­dos na Rev~ta Brasileira de Estudos Politicos.

1$ Sobre o operariado, ver os estudos de Leôncio MartinsRodrigues, Conflito Industrial e Sindical~mo no Brasil, DifusãoEuropéia do Livro, São Paulo, 1966, e de Aziz Simão, Sindicatoe Estado: Suas Relações na Formação do Proletariado de SãoPaulo, Dominus Editora, São Paulo, 1966.

18 Ver dados em Cardoso e Reyna, Industrializatfon,Occupational 8tructure and Social 8tratification, ILPES, San­tiago, 1966. Publicado também pela revista Dados, n.O 2, outu­bro de 1967, e Cardoso, op. cit., em The 8tructure and Evolutionon Industry in 8ão Paulo, Btudies in Comparative InternationalDevelopme,~t, Saint Louis, 1965.

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102 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

nomia urbana porque rompia a fazenda tradicionalmente auto­-abastecida e colocava a possibilidade da fabricação de tecidose alimentos para as "classes populares". Com isso, formavam­-se grupos limitados de trabalhadores urbanos, de profissionaise técnicos e, inclusive, se consolidava uma burguesia empresa­rial relativamente desligada do setor exportador, ao lado dosgrupos industriais que se formavam como resultado da puradiferenciação dos setores comerciais e agrários.

Essa "nova burguesia" começou a organizar-se desde ocomeço do século, constituindo, inclusive, associações autôno­mas de classe, como o Centro Industrial do Brasil (de 1904),e tratou de pressionar por seus interesses. 17 Politicamente, en­tretanto, essas mudanças estruturais foram expressas por gru­pos sociais que difIcilmente poderiam ser qualificados como"pequeno-burgueses" e que, se formalmente pertenciam às ca­madas intermediárias do sistema de estratificação social, cons­tituíam, pelo menos, uma "classe média tradicional". Comefeito, os marcos limitados da dominação familística e oligár­quica no Brasil eram permeáveis apenas a certo tipo de seg­mentos sociais que, se por suas origens eram "de boa família",por suas funções não pertenciam mais às classes dominantes.A importância desse tipo de ator social parece-nos maior doque amiúde se pensa: desde o período monárquico, o recruta­mento da burocracia civil e militar do Império se fez pelaseleção de pessoas pertencentes a famílias, como se diz emcastelhano de forma expressiva, "venidas a menos". A pr6pria"classe política" do Império e da República Velha constitui-seem larga medida por este tipo de agente social, 18 como exem­plifica o predomínio, entre os políticos profissionais e a bu­rocracia civil e militar, de pessoas oriundas de "famílias tra­dicionais", porém empobrecidas, das áreas economicaqlenteem decadência. A "ordem estabelecida" reabsorvia os elemen-

17 Para a anãlise dos problemas que se colocavam aos in­dustriais brasileiros na fase de formação do parque industrial,ver Nicia Vilela Luz, A Luta pela Indu8trialização do Bra.sil(1808-1930), Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1961. Vereflpecialmente o capitulo IV.

18 O caso paradigmático é o próprio Nabuco, mas dele nãC'se afastam os fundadores da República.

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SnuAÇ10 EsnUT1JL\L E ALIANÇAS POLÍTICAS 103

tos que dela eram expulsos pelos implacáveis processos ec0­

nômicos, integrando-os nos quadros administrativos da nação.

As pressões antioligárquicas· no século XX vão tomar for­ma política justamente no seio desse tipo de grupo social: otenentismo dos anos vinte e a anterior "reação republicana",se é certo que expressaram uma nova possibilidade estruturalde ação, ensejada pelas já referidas modificações econÔmicas epela presença de novas classes médias e de setores popularesurbanos. são movimentos que ainda se dão no interior do sis­tema oligárquico. Serão grupos de descontentes, marginaliza­dos no interior do sistema de decisões, mas não serão D18fginaisa ele como eram a nova pequena burguesia, o empresariado in­dustrial desvinculado do sistema agro-exportador ou os seto­res populares. Além disso, no caso da Argentina, o radicalis­mo e mais específicamente o irigoyenismo expressam o vigorde uma classe média ascendente e de uma burguesia industrialnascente, mas não expressàm, como vimos, uma política ec0­

nômica nova. No Brasil, o êxito do sistema exportador, me­dido em termos de sua capacidade para integrar os diferentesgrupos sociais, é mais limitado. Em conseqüência, as reivin·dicações das forças sociais que a ele se opõem são de outroestilo: por certo, reivindicaria voto secreto e sufrágio univer­sal, como antes os radicais argentinos já o haviam feito, mas,uma vez no poder, terão diante de si um problema distinto- a criação de uma base econômica, que permita efetivamenteampliar a participação social e política. Não bastará redistri­buir, será necessário gerar riquezas novas.

Por outra parte, contrariamente ao radicalismo argentino,a poHtka tenentista, vitoriosa eQl 1930, valorizará o Estadocomo árbitro e como ator ecop.ômico. O estilo de pensamentoda elite poHtica tenentista, orientada muito menos por valo­res da "pequena burguesia", ou "de classe média" como aloguns pensam, do que por uma concepção quase estamental doEstado, da política e da Nação, é profundamente autoritárioe, neste sentido, antiburguesia liberal. Isso permite compre­ender a passagem de uma política elitista restrita a uma polí­tica de massas, sem que se desse uma política "de classe", noclássico sentido do favorecimento de uma organização insti·tucional capaz de abrigar um sistema de partidQ6 e de permi-

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104 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

tir a acomodação dos interesses políticos das classes e gruposorganizados. 19

Assim, o populismo getulista é precedido por um tipo decrise política em que se passa quase sem etapas do jogo conhe­cido da dominação oligárquico-familística a uma participaçãoampliada com decidida vocação autoritária, que sustentou, sese permite o anacronismo e o neologismo, uma política "desen­volvimentista". O sistema de alianças oligárquicas se quebrano elo mais débil - as oligarquias regionais sufocadas no in·terior do eixo dominante: as sulistas e as nordestinas - eessa fissura permitiu que os grupos antioligárquicos tradicio·nais, isto é, a burocracia militar a que já nos referimos e aparte da camada de políticos profissionais que expressava osinteresses populares urbanos, se aliassem às oligarquias regio­nais em rebeldia.

A situação de poder assim constituída será desde os anosde 1930 sensível à necessidade de criar novas bases econômicas- industrias notadamente - e novos apoios políticos paraconsolidar o poder. O movimento que, nos anos quárenta,será chamado getulista, expressa o afã de ampliação das basesde poder. Porém, a ampliação se fará de cima para baIxo.Não no sentido banal de que as organizações sindicais novassão organizadas pelo Estado como também o foram na Argen.tina - mas no sentido menos evidente de que os limites e osobjetivos da ampliação de participação foram definidos pelaaliança de cúpula anteriormente assinalada do tenentismo vin·culado a algumas situações de poder local, dentro dos marcosde uma ideologia nacional-estatista. O populismo aparecemais como uma resultante do que como uma base; mais comoum recurso político utilizado por setores em luta das classesdominantes do que como a expressão de uma pressão distri­butivista das classes populares.

19 No caso da Argentina, entre esses dois momentos, o dapoUtica das elites oligárquicas e o da política de massas, orga­niza-se um sistema de partidos que, de algum modo, expressarádiferenças sociais dentro de uma comunidade política. Ver Q járeferido estudo de Dario Canton e o livro de Alberto Ciria,Partidos y Poder en la Argentina Moderna, Jorge Alvarez Edi­tor, Buenos Aires, 1964.

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SITUAÇÃO EsntmIKAL B ALIANÇAS PoLtnCAI 10'

Toma-se evidente, para quem compara o peronismo como getulismo, o baixo nível de expectativas a que este atende:os trabalhadores rurais não são mobilizados - em conseqüên­cia, os "coronéis" poderão facilmente compor-se no novo sis·tema de poder; as "garantias sociais" partem de uma baseextremamente limitada; o aumento de participação dos sal4riosno produto nacional é intermitente e não atinge proporçõesinaceitáveis pelas demais classes; 20 por fim, se é verdade quese amplia a camada de assalariados e que a massa empregadacresce, politicamente o apelo do getulismo se dirige, agorasim, à massa oprimida. Massa oprimida que é, entretanto, "hu­milde" e pouco reivindicativa.

Em outros termos, o populismo getulista refletirá umasituação estrutural em que a dinamização do sistema políticoainda será feita por setores das antigas classes dominantes,que empalmarão uma ideologia de "construção nacional", maisdo que de reivindicações classistas. Nessa ideologia, caberásempre ao Estado - visto como expressão simbólica do "con·junto da nação", conjunto que não existe organizadamente,

-como é óbvio, ao nível das relações sociais - o papel de ár·bitro e de agente dé transformação econômica. . Entretanto, nafase de consolidação do mercado interno, essa versãb do Estadopopulista . não provocará,. por parte dos setotes empresariais,uma reação negativa: i1 pequena pressão relativa dos setoresoperários e da massa pópular asseguram às classes proprietá­rias. margens razoávçis de acomodação dentro do sistema po­pulista. O setor agro-exportador terá de acomodar-se dentrodo novo esquema de poder porque, no caso brasileiro, a crisedo comércio mundial não só o debilitará economicamente, comoatuará como catalisador da crise poHtica, deslocando os gruposagro-expórtadores do controle hegemônico interno e não lhesdando outra alternativa se nãó a aceitação de novas parceriassob a aliança populista; os setores que controlavam os latifún·

20 Sobre este ponto, ver o artigo, já referido, sobre "Bé­gémonie burgeoise et independence économique". O livro deWerner Ba:er, Industrialization and Economic De'Velopmem inBrazil, Bomewoocl. IIlinois, 1965, e o trabalho de FranciscoWeffort, "Participaci6n econ6mica y participaci6n social dataspara un análisis", ILPES, Santiago, 1967, trazem informações queampliam essa análise.

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dios de baixa produtividade, de igual modo, não teriam as ba­ses de seu poder ameaçadas, desde que aceitassem o novoarranjo político nacional, porque o populismo getulista nãomobilizou as populações rurais. Finalmente, os setores em­presariais novos, no período da consolidação do mercado in­terno, isto é, até o fim da Segunda Guerra Mundial, aceitaram,sob o clima e a expectativa de proteção e lucros crescentes, aregulamentação estatal e mesmo a ação econômica do Estado.

Assim, enquanto sob o peronismo a participllção dos gru­pos agro-exportadores na "conjuntura de poder" se fez taci­tamente, mas a "pressão de baixo" foi forte e continuou dandoa impressão de alimentar um violento conflito de classes, sobo getulismo se organizou uma aliança política muito mais amopIa entre as classes sociais, com pressões populares tênues emuitas possibilidades de acordo - simbolizadas na caída deVargas pela criação simultânea pelo ex-presidente do partidoque deveria expressar o ponto de vista dos trabalhadores e opartido dos proprietários. Por outro lado, a ideologia tenen·tista, autoritária e "ativista", estabelecera uma ponte entre opoder e a ação econômica. Não é difícil explicar, nesse con­texto, como foi possível manter taxas relativamente altas deformação interna de capitais, redistribuir relativamente poucoa renda, 21 orientar uma parte importante dessa renda para osetor público e obter, simultaneamente, legitimidade politicae apoios amplos. O ponto de partida do processo de desen­volvimento se deu em condições caracterizadas por uma estru­tura social pouco diferenciada e um sistema de poder extre­mamente restritivo. Nesse quadro, as aberturas modestas pro­postas primeiro pelo tenentismo e depois pelo getulismo nãoalarmaram as classes dominantes e satisfizeram· as expectati­vas, limitadas, das massas urbanas. Evidentemente, esse "acor­do entre as classes" se fez a expensas das populações ruraisque se mantiveram, como antes, marginalizadas politicamentee exploradas economicamente. E resultou, por outra parte, nadestruição da base polftica do sistema exportador: a classemédia tradicional ligada a este sistema refletirá, na sua deciodida oposição ao getulismo, o deslocamento do centro de decio

21 Os últimos estudos da CEPAL sobre este problema, ain­da não publicados, confirmam essas asseverv.ções.

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SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS PoLfnCAI 107

sóes políticas. Entretanto. a aliança nacional·populista, no Bra­sil, dada a margem ampla de manobra que a caracterizava es­truturalmente, reabsorveu politicamente, nos fins da década de30. os setores exportadores agrícolas mais importantes. Tantoa política de defesa dos preços do, café como a política credití·cia (e a moratória) tornaram patente as intenções e possibili­dades de "conciliação geral" do populismo brasileiro.

Em conseqüência do que vimos de expor, a situação par·ticular de cada um dos dois países considerados dava maior oumenor margem de acordo para a constituição de alianças polí­ticas capazes de permitir a passagem de um tipo de sociedadee de economia organizadas em função "do exterior" para ou­tro que comportava já pólos intemos de crescimento econô­mico. Essa margem de acordos dependia da maior debilidadeou maior força dos grupos ~ clas~ sociais novos, dentro docontexto nacional, e também da ma1~r ou menor "unidade declasse" que as camadas dominantes apresentavam. Entretanto,em qualquer das duas situações, do ponto de vista do empre­sariado industrial emergente, os limites estruturais de atuaçãopolítica eram claros: os cortes teriam de fazer·se em funçãodo "inimigo momentâneo". Posto que a condução política doprocesso de consolidação do Estado em vista da expansão ec0­nômica interna escapava ao controle hegem6níco da "burgue­sia industrial"; posto que esta nascera, como vimos, no inte­rior do sistema exportador, sob a dependência, portanto, das"classes dominantes tradicionais"; posto que as classes sociaisemergentes, tanto o operariado como a pequena burguesia, en·contravam em conseqüência um adversário que se definia noplano nacional e a nível político (a "oligarquia") e não anível econômico (isto é, não o "empresariado"); posto que,em resumo, o empresariado jogava um papel secundário nosistema nacional de poder. sua política era eminentemente opor­tunista. Polftica de um setor de classes que, objetivamente,não podia aspirar, nesta fase. à hegemonia: as alianças, emconseqüência, podiam fazer-se ao sabor do interesse imediato,tanto de cada grupo de empresários quanto do empresariadoem seu cpnjunto. 22

22 O livro já citado de Dardo Cuneo comprova emplrica­mente essas afirmações para o caso da Argentina. Sobre o em-

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Parece, pois, uma espécie de no/l-sense a proposição dequestões sobre a "ideologia da burgUesia nacional" na etapanacional-populista, a partir de um enfoque que valorize o"projeto de dominação" do setor industrial da burguesia. Aocontrário, nessa fase o "projeto" possível se coloca antes noâmbito econômico do que no político: o Estado é um meioimportante, sem dúvida, mas para a consecução de objetivosda empresa; a sociedade conta, mas como mercado, para a ex­pansão da indústria; a associção de classe será, talvez, umlobby para provocar a política financeira, mas não um germede partido, e assim por diante.

Entretanto, à medida que, por um lado, a economia na­cional se foi consolidando e, por outro, as contradições do na­cional-populismo do ponto de vista político começaram a trans­formar a antiga "política de alianças polic1assistas" em um sis­tema mais rígido de enfrentamentos entre as classes, poucoa pouco o empresariado industrial individuaIizou-se no con­junto do sistema nacional-populista de forças e, simultanea­mente, fragmentou-se em tendências diversas: os problemasde poder realçam diferenças no interior de uma situação maisou menos hwnogênea de interesses econômicos. Ê quando as·pectos de uma ideologia nacional-desenvolvimentista se dese­nham no horizonte das possibilidades estruturais d~ ação polí­tica. Têm, contudo, vôo mais curto que o mocho de Minerva.

Com efeito, quando as ideologias deste tipo começam ater um papel significativo - durante os Governos Kubitscheke Frondizi - praticamente se encerravam também não s6 aspossibilidades práticas do nacional·populismo, expresso por ~is­

temas de alianças do gênero das anteriormente indicadas, comoas relações de dependência das economias naciooo subdesen·volvidas passavam a reger·se por outra modalidade de vin·culação com as economias centrais.

Não cabe apresentar aqui mais que .as linhas gerais dosdois processos referidos, para delimitar a situação estruturale o momento hist6rico em cujo contexto atuam os empresários

presarlado brasileiro, além do nosso livro anterior EmpresárioIflduat1iaZ e Desenvolvimento Econ6mico no Brasil, e dos artigosde Luciano Martins, ver também Octavio Ianni, Estado e Oapi­taliamo. EBtmtura Social e Iflduatrializaçl!o do Brasil, Editora.ClvUizaçl.o Brasileira, Rio, 1965.

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SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 109

que foram objeto de nossas investigações. Com essa limitação.contentamo-nos com indicar que as bases materiais para a p0­lítica de compromissos de estilo populista começaram a mo­dificar-se à medida que o processo chamado pelos economis­tas "de substituição rápida de importações" se foi cumprindo. 2S

Sob a vigência deste modelo de desenvolvimento não s6 oscapitais requeridos para a industrialização não apresentavamum vulto particularmente grande, como, praticamente, a am­pliação do mercado de consumo - ou seja, a incorporação denovas camadas da população à economia urbana e, em certosmomentos, um processo "corretivo" de distribuição de renda- constituía uma política a ser sustentada pelo con;unto doempresariado. A transferência de renda que se colocava comonecessária orientava-se no sentido de favorecer a capitalizaçãodo setor empresarial urbano e a capitalização do setor público,na medida em que este, como indicamos, participou da criaçãoda base industrial nacional. Em conseqüência, impunha-seuma taxação direta ou indireta - ao setor exportador e se sus­tentava uma política de favorecimento da capitalização atra­vés de expedientes, como a inflação, que transferia ren4as dossetores proprietários e dos setores assalariados para o setorempresarial. 24 Ideologicamente, essa situação se justificavaem nome do "desenvolvimento nacional", expressão que con­tém dois elementos significativos básicos: ampliação da parti­cipação social (formação de mercado) e fortalecimento dosnúcleos nacionais de decisão econômica, em oposição ao antigoestilo de dependência baseado na economia exportadora. As­sim, certas idéias-fôrça, como a "reforma agrária" e o fortale­cimento do setor público do sistema produtivo, .pareciam comoelementos. fundamentais da ideologia naclonal de desenvolvi­mento, pois eles refletiam ao mesmo tempo a condição estru­tural do setor industrial e sua aspiração à ampliação do mer-

23 Sobre este processo, o melhor estudo é o de Maria Con­ceição Tavares, "Auge y Decllnación dei Proceso de Substitu­ción de Importaciones en el BrasU", em BoZetfn Eco'llómwo deAmérica. Latina, vol. IX, n.O 1, Santiago, 1964. Para uma anãll­se mais geral, Celso Furtado, DeveZopment and 8ta.gnation inLatin America: a 8tructural Approach., Yale Unlverslty, NewHaven, 1965. E para uma caracterização sóclo-econÔmIca, vero artigo de Hirschmann citado no capo IV.

24 Cf. anãllse de Baer, op. cito

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110 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

cado. Como o empresariado não poderia aspirar à hegemonia,deveria fortalecer-se indiretamente - contra o setor agro­-exportador e contra a situação de dependência externa - am­pliando o mercado interno, aceitando, portanto, medidas comoa reforma agrária e apoiando as políticas tendentes a fortale.cer o Estado Nacional. Entretanto, essa ideologia aparece for­mulada de modo coerente, como dissemos, um tanto tardia­mente, com respeito às condições práticas de ação econômi­ca.: 2S nem Frondizi poderá executá-la, nem os governos poste­riores a Kubitschek terão condições para prosseguir uma p0­lítica de expansão salarial sem afetar negativamente a taxa deformação de capitais. Ao contrário, diante da tendência àqueda da taxa de crescimento e das desvantagens crescentesnas relações internacionais de comércio, impuseram.se políti­cas de contenção e busca de meios externos de financiamentoda industrialização.

O último ponto merece destaque: depois do declínio domodelo de desenvolvimento orientado pelo mercado externo,nunca houve taxas tão altas de investimentos diretos de ca­pitais externos na Argentina e no Brasil como durante os G0­vernos de Kubitschek e Frondizi. Isto é, justamente quando aideologia nacional-desenvolvimentista atingia o ponto de sa­turação, um de seus termos básicos, o nacionalismo (consubs­tanciado por uma política de fortalecimento do setor públicoda economia e pelo apoio aos grupos industriais nacionais), erana prática substituído por uma· política de investimentos ex­ternos. 28 Enquanto perduraram os efeitos dinamízadores dosinvestimentos externos - orientados, quase sem exceção, paraatividades como a indústria automobilística, de grande efeitomultiplicador e dependentes da rápida expansão do consumo- a outra base da política nacional-desenvolvimentista, a "in­corporação de massas", pôde manter-se.

21 Para o caso do Brasil, encontrar-se-á bibliografia abun­dante nas publicações do ISEB. Para o caso argentino, os tra­balhos publicados por Rogerio Frigerio durante o Governo deFrondizi testemunham posição ideológica semelhante.

28 :Ir: desnecessário fâzer referência aos livros que expres­sam o pensamento de Frondizi nesta matéria, por todos conhe­cidos. Por outro lado, no Plano de Metàs e na politica de im­plantaçi.o das "indllstrias dinAmicas" do Governo Kubitschek, omodelo de "desenvolvimento associado" configura-se claramente.

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SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 111

Essa possibilidade facilitou, inclusive, a permanência deimportantes apoios políticos de base populista aos governosdesenvolvimentistas. Entretanto, cessados esses efeitos, o di­lema da industrialização se fez sentir mais duramente. Comefeito, ou se propiciavam políticas de contenção salarial, in­tensificação da capitalização, maior racionalidade e produtivi­dade, ou se optaria por uma política de profunda altera­ção na distribuição da renda, para continuar a expansão domercado atingindo duramente os setores mais atrasados daeconomia, de menor produtividade relativa. Esta última al­ternativa implicaria golpear amplos setores agrários, a buro­cracia civil e militar e certos setores industriais. Politica­mente, portanto, o dilema será: estabelecer o sistema de for­ças com base em uma aliança entre o operariado e as "classesprodutoras", ou das classes produtoras entre si, com exclusãodas massas. As classes médias, em qualquer hip6tese, seriamencaradas como aliadas potenciais pelos que propugnavam porum ou outro tipo de aliança política. Ora, a primeira alterna­tiva era manifestamente inviável nos quadros gerais que defi­niam o sistema de poder depois das aludidas transformaçõesdo nacional-desenvolvimentismo. As bases sociais da nova p0­lítica assentavam sob fundamentos cdnhecidos: a "grande em­presa", estrangeira, nacional e pública, criara um empresaria­do que começava a entrever possibilidades de um "projeto dedomínio". Entretanto, a consecução desse "projeto de domí­nio" não passava mais pelo campo magnético do nacional­-populismo: as dificuldades crescentes para a sustentação deuma política de redistribuição salarial e de formação internade capitais levara o empresariado - isto é, o setor do empre­sariado que fará a transição entre a indústria de substituiçãoligeira e a indústria dinâmica - a sustentar um modelo dedesenvolvimento que implica associação crescente com capitaisestrangeiros e leva à aceitação de um padrão de "industriali­lização restritiva".

Convém precisar mais este modelo de industrializaçãOrestritiva, que serve de fundamento, segundo cremos, à moda·lidade de dependência que orienta na atualidade as .relaçõesentre o centro e a periferia, entre as economias altamente in·dustrializadas e os países subdesenvolvidos que se industriali­zaram.

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112 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Do ângulo que nos interessa neste trabalho, a diferençafundamental entre o modelo de desenvolvimento substitutivode importações posto em execução no período nacional-populis­ta e o novo modelo de industrialização restritiva se evidenciapela natureza do mercado por eles requerido. No primeirocaso, como se trata de implantar indústrias de consumo ime­diato e indústrias de bens duráveis porém de "consumo am­pliadô", a expansão industrial se dá simultaneamente, com aexpansão do merCado, quer dizer, supõe a integração contínuade consumidores ao sistema urbano-industrial. O novo mo·delo i~lica um mercado de outra natureza: as grandes uni·dades produtoras formam entre si o circuito produçio-consumo.Quando se trata de indústrias de tipo de mecânica pesada,eletricidade pesada, máquinas industriais etc., e mesmo certotipo de produção de bens acabados, como navios, o númerode consumidores e sua natureza são obviamente distintos.Trata-se, nesse caso, de poucos consumidores com grande ca­pacidade financeira. Estes no limite terminam por resumir-seàs grandes empresas e ao Estado.

Naturalmente, uma industrialização desse tipo se ap6iana existência prévia de uma industrialização convencional, dotipo anterior. Se apóia, mas, QO mesmo tempo, não s6 delase distingue como, em certo sentido, a subordina: as decisõesde política econômica gravitarão mais em torno das necessi­dades de nova industrialização do que da industrialização parao consumo ampliado de massa. Por trás desse processo en­contra.se uma transformação na forma como se realiza .aacumulação decapitais, à medida que o avanço do de­senvolvimento capitalista cria bases mais sólidas e amplia aescala de acumulação, bem como de realização da mais-valia.

Nos países de desenvolvimento originário este processotambém se deu. Mas suas conseqüêncisa sociais e econômicasforam notadamente distintas. 27 Foram diferentes por .duasrazões principais: a primeira, de ordem gerll1, diz l'CSpeito àocorrência prévia de uma "revolução agrária" e à existência

:ri Ver, sobre essas diferenças, o já referido trab!llho .deCaroosoe Reyna e também Glaucio Soares, "]4 nouvelle ln4us­trializat10n et le systwe politique brésilien", em BociolOgle d"Tra'OOU, ano IX, D.a S, Paris, ·julho-setembro de 1~1, págs. 81.··-328.

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SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfTICAS 113

de maior dinamismo na capitalização naqueles países, pro­cessos que asseguraram, de qualquer modo, expansão acentua­da e contínua do mercado. A segunda, específica, se refere àscondições de criação e aplicação da tecnologia. Enquanto nospaíses de desenvolvimento originário se mantinha uma certarelação entre mão-de-obra disponível e tecnologia, pois suacriação era autóctone e sua utilização era regulada por meca­nismos internos ao sistema econômico, nos países periféricosque se industrializam a tecnologia é importada. Assim, astécnicas que economizam mão-de-obra se instauram em socie·dades com abundância de mão-de·obra e os padrões técnicosde seleção das inovações não se definem em função. do interes­se intrinsecamente econômico da produção, mas sim obedecen.do aos padrões de consumo, regulados por um mercado abertoe em concorrência. Como condição mais geral e inclusiva queexplica estes processos, está o fato de que a intensificação daindustrialização dependente ocorre como resultado da própriaforma que a acumulação e exportação de capitais se dá naeconomia capitalista mundial depois da Segunda Guerra Mun·dial, quando se completa a monopolização e se formam os "con·glomerados" econômicos.

A persistência de mercados abertos, depois que são ab­sorvidos capitais estrangeiros e que as empresas estatais ouprivadas nacionais obtêm financiamentos para a compra demáquinas modernas, permite uma "internacionalização do mer­cado interno". Este conceito, que expressa a situação de de.pendência dos países industrializados da periferia do sistemacapitalista, indica que uma parte do sistema econômico nointerior. da Nação - e não só o setor estrangeiro, mas o con·junto do "setor moderno" - se diferencia do resto do sistemaeconômico, adquire dinâmica pr6pria e subordina os demaissetores à s~a dinamica e que esta se rege por normas da capi­talização, produtividade e mercado que se assemelham às vi­gentes nas economias· centrais.

];: evidente que em termos econômicos essa cc situação dedependência" se distingue das modalidades descritas no capí­tulo anterior. Antes, sob a vigência do modelo de crescimen.to exportador, o circuito do capital começava no interior dosistema econômico, passava, sob a forma de mercadoria, pelomercado internacional, e voltava - depois de pagar sua "quota

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114 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES D1!PENDENTES

de dependência" - ao sistema econômico nacional; no novomodelo, o ponto de origem do capital pode ser tanto externocomo interno - em cujo caso a "quota de dependência"será paga indiretamente pelos serviços de juros dos financia­mentos pela compra da tecnologia ou pelos fretes etc. - maso que é significativo é que a realização do lucro se faz nointerior do sistema econômico dependente. Sob este a6pClCtoos interesses da "grande indústria", nacional, estatal ou es­trangeira, se solidarizam: trata-se de garantir o fuBcionamentodo mercado oligopólico forte, capaz de permitir o funciona·mento do sistema. É verdade que potencialmente a fCIlda ge­rada pela empresa estrangeira -está à disposição dos eenttosexternos de decisão, enquanto no caso das outras empresasnão. Entretanto, não s6 o Estado pode influir sobre o movi­mento dos capitais, como também o interesse de longopruodas empresas se define, teoricamente, no sentido do reinves­timento. Assim, esse argumento de enorme importânciaptá­tica é teoricamente menos significativo para caracterizar o fun­cionamento do mercado de "industrialia8çãorestritiv:a". Dequalquer modo, o corte entre indústria nacional eesU4DgeHaterá menos significação em termos das repercussões sociais epolíticas que acarreta, do que o corte entre a indústria parao consumo ampliado e a indústria de consumo restrito. Suaimportincia se mantém, mas por acréscimo: serão estrangeirasas empresas mais dinâmicas que dão vigência ao modelo deindustrialização restritiva. 18

Com efeito, a partir da instauração no interior do sis­tema econômico no Bra~ e na Argentina de um setor impor­tante deste tipo, praticamente se dá uma cisão na estrutut'asocial, de tipo vertical, que se acrescehta à de tipo horizontal.Assim, não s6 o empresariado se segmentará comormese tratede um grupo que se orienta pelo modelo nacional-desenvol·vimentista, ou pelo modelo de industrialização restritiva e in­ternacionalizada, como os demais grupos sociais se articula­rão em função deste corte: haverá por um lado um proleta­riado moderno,· vinculado às emp~s de alta produtivi-

lia Ver Cardoso, F. H., e FaJetto, 'Enzo, Dependencia 1/DesarroUo eft,A~ LatiM, -ILPEB, BaIlttago, 198'1, -esp. capo 6.

211 Ver um estudo deste lletorfeitopor LeOncio lIf1ll'tlMRodrigues, Atitudes OJHmiriaa na lImyreaa ....t6totMbUfBttca, SI.o

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SITUAÇÃO ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLíTICAS 115

dade que oferecem, para poUCOS empregados em termos rela­tivos, níveis razoáveis de remuneração, e por outro lado, umproletariado tradicional; uma pequena burguesia técnico-profis­sional e uma classe média tradicional; e mesmo instituiçõescomo o Estado, as Forças Armadas ou a Universidade terãofocos de orientação do comportamento polarizados em formadivergente segundo os dois modelos referidos.

Resulta, portanto, uma situação extremamente complexa,porque se na etapa anterior de desenvolvimento se processavauma "marginalização" social e econômica - modo eufêmicode fazer-se referência a altas taxas de exploração - a novamodalidade de industrialização não apenas mantém esta situa­ção com relação à massa, como provoca uma revolução nointerior dos antigos setores dominantes, cortando-os, como vi·mos, em dois segmentos e criando novos tipos de "marginali­dade" com relação ao núcleo do sistema social e econômico.Dessa forma, as alianças políticas que se tomam possíveis paradar curso aos projetos de dominação são extremamente varia·das e deixam de ser a expressão das oposições simples quese definiam no plano horizontal da estrutura social.

Foram distintas as conseqüências desse novo modelo dedesenvolvimento industrial dependente quanto à reorganizaçãodas forças sociais no Brasil e na Argentina. Mas, em qual­quer dos dois países, a crise do projeto nacional-burguês dedesenvolvimento é concomitante com a crise do populismo.Apenas, enquanto na Argentina o populismo deixara como sal­do uma classe operária organizada, no Brasil, como se sabe,essa organização é mais débil. Em conseqüência, do ponto devista do projeto de dominação industrialista, a rearticulação dosistema de alianças na Argentina terá de enfrentar o problemada "quebra" da estrutura sindical e do movimento peronista,seja pela divisão interna da organização de classe, seja pelainlposição violenta de uma nova ordem, em que talvez seadmita corporativamente a presença operária, mas não se acei­ta pollticamente o controle de parte do sistema de decisõespelo operariado. Por outro lado, a pressão da massa tenderáa ser mais organizada e mais "operária" na Argentina, en-

Paulo, F.F.C.L. da .USP., ed. mlmeografada, 1967. Sobre o com­portamento dos salários. ver nota 20.

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116 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM ·SocIEDADES DEPENDENTES

quanto, no Brasil, a massa nã<H>perária, rural e urbana, seráestruturalmente um fator pelo menos tão importante da di­nâmica política como o setor organizado da classe operária.Mas essa "massa" estará coibida para conduzir uma políticaprópria devido à sua situação inorganizada e talvez inorgani­zável enquanto massa.

Em qualquer hipótese, entretanto, quando surge a possi­bilidade estrutural de um projeto burguês de àominação po­lítica já não existem possibilidades objetivas de uma economianacional. Portanto, mesmo quando o setor industrial da bur­guesia trata, a partir dessa época, de propor uma "política demassas", sua significação será distinta do que foi o populismodesenvolvimentista: a dominação burguesa, no quadro de umasituação de dependência estrutural do tipo descrito, supõe an­tes de tudo unidade intemacional de classe e internamentebuscará legitimidade pelo apoio de grupos organizados dasdemais classes, capazes de expressar-se corporativamente, mastenderá a restringir as políticas de mobilização maciça. Osmarcos limitados de um modelo restritivo de industrializaçãofavorecem a transformação rápida dos "núcleos dinâmicos" daseconomias periféricas, formando verdadeiras "ilhas de desen­volvimento e modernização~', mas não têm o dinamismo ­nem o interesse ~ para provocar transformações globais. Emconseqüência, estruturalmente não se colocam como possíveispara as classes dominantes políticas que impliquem mobilizaçãode massa ou jogos eleitoral-reivindicatórios.

Obviamente, entre as possibilidades estruturais descritas ea realidade do comportamento histórico existem diferenças sig­nificativas. A primeira e principal reside no fato de que asforças sociais organizadas em função do modelo nacional-desen­volvimentista não se desfazem ao sabor da aparição de no­vas modalidades de estruturação social e de polarização docomportamento. A elas se opõem, com elas se compõem ouse .aliam as demais forças sociais que fazem oposição ao mo­delo reStritivo de desenvolvimento. A atuação concreta dasdiferentes forças sociais dependerá ainda das ideologias queos diferentes grupos sociais elaborem para orientar e justifi­car sua ação. Essas ideologias, isto é, os valores, crenças epolíticas ptopostos pelos grupos dominantes ou em ascensãoe~primirão, em parte, a situação estrutural que os condiciona,

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SITUAÇÃO EsnUTURAL E ALIANÇAS POLfTlCAS 117

mas em parte imprimem nela as marcas de uma vontade cole­tiva, que se não é arbitrária, pelos menos não é puramentereflexa.

Nos capítulos seguintes veremos como, dentro dos limi­tes antes resenhados, um setor importante da burguesia in­dustrial argentina e brasileira constitui sua ideologia.

Veremos que aliados os empresários, crêem ser úteis parapôr em marcha seus próprios interesses e procuraremos ana·lisar de que mo<1o aparece, no nível ideol6gico, a possibilidadeda cristalização de um projeto de dominação no momento emque as bases sociais e econômicas do desenvolvimento já nãose dão mais nos limites de uma "economia nacional".

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CAPÍTULO IV

IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

o S CAPÍTULOS anteriores ressaltam dois momentos do pro­cesso de integração dos grupos empresariais na estrutura eco­nômica e social dos países considerados. O primeiro momentose caracteriza pelo fortalecimento do mercado interno, pelatransferência de capitais dos setores econômicos preexistentes(mercantis e agrários) para o setor industrial e, concomitante­mente, pela ampliação do consumo e pela mobilização sociale política de setores que viviam à margem da sociedade "oli­gárquico-exportadora". O segundo momento, que chamamosde fase da "industrialização restritiva", em oposição ao tipoanterior de industrialização chamada pelos economistas de "in­dustrialização substitutiva", 1 caracteriza-se pela importânciacrescente dos setores de produção de bens intermediários ebens de capital, pela adoção de tecnologia moderna que eco­nomiza mão-de-obra, pela formação de camadas sociais comcapacidade de consumo relativamente alta, pela adoção de umpadrão de crescimento econômico baseado nas grandes unida­des de produção e, por fim, se assenta num processo de ex­clusão e marginalização social e política de novo tipo.

Em qualquer dos dois modelos de organização social eeconômica o empresariado industrial nacional terá diante de si

1 Sôbre as caracteristicas desse tipo de industrializaçãosubstitutiva de importações, existe um excelente trabalho deMaria Conceição Tavares, "Auge e declinio do processo de s)1bsti­tuiçlo -ae importações no Brasil", em Boletim Ecotu5mico daAmérica Latina, voI. IX, n.O 1, março de 1964; e também, paraa análise de aspectos soeio-culturais além dos econômicos, veja­-se a sintese extremamente sugestiva de Albert Hirschmann,"The political. economy of import-substituting industrializationin Latin America", em The quarterly Journal 01 Economics, voI.LXXXII, fevereiro de 1968.

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IDEOLOGIA B ALIANÇAS POLíTICAS 119

alternativas e limitações para participar do jogo político. Estaslhe darão, simultaneamente, um amplo campo de manobra ­que permitirá por vezes o oportunismo político - e um papelrelativamente secundário nas alianças de poder que sé estabele­cem. Assim, por um lado, as relações entre os "representan­tes da indústria" e os governos populistas na fase de auge donacional-populismo foram - como é sabido - de perplexida­de diante do novo esquema de Poder. A burguesia industrialnasceu no seio da sociedade elitista do período exportador.A maioria de seus membros ligava-se diretamente e sem di­vergências de monta ao conjunto das "classes produtoras", namedida em que as indústrias de exportação eram solidárias ec0­

nomicamente com o sistema agro-exportador. Com freqüên­cia eram os mesmos personagens quem, no interior de sindi­catos comuns, falavam pela indústria e pela economia rural. 2

:e certo que alguns industriais, precisamente os empresáriosseI! made man, de origem imigrante ou não-elitária, distan­ciavam-se deste quadro. Mas estes encontravam-se de talforma marginalizados no conjunto das forças dominantes quenão pesavam nas decisões políticas e econômicas da nação.:e evidente que nesse contexto as políticas populistas - deVargas, mas principalmente de Per6n - teriam de ser recebi­das com perplexidade e desagrado pelo conjunto das classesprodutoras, reações essas que os discursos de representantesda indústria não deixaram de registrar. 3 Porém, diante dofato consumado da nova relação de forças, os industriais sou­beram sempre reagir com "sagaz realismo". Alinhavam-se noesquema populista, opondo eventualmente obstáculos concre·tos aos "excessos distributivistas" e propondo políticas e ideo­logias alternativas à idéia de "conquista social dos direitos dos

2 O caso dos dirigentes da UIA antes do peronismo exem-'pllfica bem essa situação. E mesmo nas entrevistas que fize­mos em 1963 encontramos dirigentes dessa câmara empresarialligados a interesses agropecuários. Ver, ademais, o livro já.citado de Dardo Cúneo, e em especial os discursos de Luiz Co­lombo nele reproduzidos.

3 Ver, ainda uma vez, Dardo Cúneo, op. cito A atitude dedesconfiança e mesmo de hostilidade das classes produtoras di­ante da "ditadura getulista" é de todos conhecida. Os jornaisque mais tIpicamente representam esses interesses ainda hojemantê'm reservas sérias na reavaliação do getulismo.

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120 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

trabalhadores", que preferiam ver substituída pela idéia de"colaboração de todos no esforço de reconstrução nacional".Nos dois casos, no brasileiro e no argentino, quando as con­junturas populistas de Poder entraram em crise, viu-se, poroutra parte, o realinhamento fácil da indústria e sua adesãoàs respectivas "revoluções democráticas". Como é natural,alguns líderes industriais que se haviam comprometido dema­siado com o populismo não puderam operar a reconversão, mas"a indústria" teve liberdade de movimento suficiente para acei­tar as novas realidades políticas. Muito dos antigos valoresliberal-exportadores - agora em contradição flagrante cotn odesenvolvimento do sistema produtivo - se inscreveram denovo no cerne das reivindicações de classe, defendidas pelossindicatos e federações das indústrias.

A ambigüidade do comportamento político do empresa­riado brasileiro e argentino nesta etapa foi objeto de estudosanteriores 4 e as hipóteses de explicação desse fenômeno sãoconhecidas: o setor industrial, por suas origens, por seus in­teresses e por sua inserção estrutural, ficou limitado entre,por um lado, a política de manutenção de ordem, que evita orisco de perda do controle da situação social global e acarretao ônus de uma industrialização compatível com os interessesestabelecidos, interhos e internacionais, e, por outro lado, uma'política de modificações rápidas e audaciosas, que implica aseleção de aliados inseguros - as massas urbanas - e possi­velmente débeis pzra garantir a continuidade do crescimentoeconômico. Os fiéis da balança, nessa conjuntura, sãb outros

4 Cf. estudos já. indicados de Martins de Almeida, Imaz,Cúneo, Ianni e nossos. Ver, ainda, as aná.lises de Nelson Wer­neck Sodré, História da Burguesia Brasileira, Rio, CivilizaçãoBrasileira, 1964, e Jorge Abelardo Ramos, Reoolución 11 Con­traTT6volución en la Argentina, Editorial Plus Ultra, BuenosAires, 1965. Além desses dois trabalhos, de natureza mais his­tórico-pol1tica, existem estudos de opinião que avalizam as aná.­lises aqui expostas : ~ichers, Machiline, Bouzan, Carvalho eBariani, Impacto de Açl20 do Governo 80bre a8 Empresaa Bra­sileiras, l!'undaçãoGetíilio Vargas, 1963; Eduardo Zalduendo,"EI empresario industrial en América Latina: Argentina", eF. H. Cardoso, "EI empresario industrial en América Latina:Brasil", ambos trabalhos apresentados ao Décimo Perlodo deBesiones de la Comisión Económica p/América Latina: /(Cepal),Mar deI Prata, 1963.

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLfnCAS 121

grupos e classes sociais: quando parte do exército eda intelectualidade - e com eles a massa amorfa das "classesmédias" - compartilha momentaneamente políticas de trans­formação rápida, "a indústria" a elas se agrega; quando essasforças se definem pela preservação da ordem e dos "valoresnacionais" - aí incluídos aspectos da ideologia oligárquico­-conservadora - "a indústria" os precede.

O comportamento político do setor industrial diante donovo esquema de poder estabelecido para dar curso à "indus­trialização restritiva" é menos conhecido. Por certo, tambémnesse caso a maioria do setor industrial nacional estará à mar­gem do novo eixo hegemônico. Às razões anteriores de limita­ção da capacidade de ação política do setor industrial se junta­rão novas, relacionadas com o já indicado corte vertical quea "nova industrialização" implica a estrutura econômica, aestrutura social e a estrutura política. Entretanto, alguns seg­mentos da indústria - os mais dinâmicos economicamente etecnologicamente mais modernos - parecem participar de for­ma plena, talvez pela primeira vez na história desses países,do eixo de decisões. Anteriormente essa participação, comoindicamos, ou se dava secundariamente, ou se dava em funçãoda política de "interesses compartidos" das classes produtoras.Agora o processo assume outras características: vislumbram-sefissuras no interior do setor industrial. Algumas federaçõescontinuarão exprimindo os interesses da etapa substitutiva, ra­ciocinando em termos de consumo ampliado, como é o caso no­tadamente das indústrias têxteis e de alimentação, enquantonovas associações, à margem muitas vezes do sistema sindicalnacional, passarão a expressar o ponto de vista da "nova in·dustrialização", 5 como, por exemplo, as associações das indús-

5 Os estudos sobre esse novo tipo de induBtrializaçlo doainda raros. Em trabalhos anteriores haviamos sugerido a al­ternativa da formação de uma espécie de "subcapitaItsmo" noBrasil (cf. Empresário Industrial e Desenvolvimento Ec0n6mko,op. cit.>. Na verdade, o processo de desenvolvimento seguidoé muito mais complexo do que seria posslvel explicar pelo con­ceito de subcapitalismo. Em estudos mais recentes (cf. Cardosoe Faletto, DependetllCia y DesaTTolZo en América Latina, op. cit),sustentamos a Idéia de um padrão de desenvolvimento industrialdependente. Alguns autores já haviam chamado a atençlo paraa especificidade do processo de Industrializaçlo na América. La-

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122 POLÍTICA E DESBNVOLVIMENTO EM SocIBDADES DEPENDENTES

trias mecânicas pesadas, da indústria de base, ou das indústriasdo aço, algumas delas organizando-se internacionalmente.

Entretanto, as políticas que teoricamente as grandes· uni­dades produtivas podem adotar passam também. pelo fio danavalha, como no caso do desenvolvimento nacional-populista.S6 que enquanto neste a indústria se via compelida a atuarentre a maré montante das classes populares e os riscos de es­tagnação, agora terá de escolher entre a pressão crescente depólos autoritários de decisão e a transferência também cres­cente dos centros de decisão para o exterior, na medida em queo padrão industrial vigente requer investimentos e recursostecnológicos que não estão à disposição do empresário nacional.A pressão popular estará sob controle, o problema de mercado,sendo um mercado restrito e de altas rendas o que se requerpara este tipo de industrialização, pode estar relativamenteassegurado, mas o problema do controle do próprio sistemaindustrial é posto em causa.

Obviamente as alternativas que se oferecem ao empre­sariado são múltiplas e seria aventuroso propor esses proble­mas como dilemas. O padrão de associação crescente com osinvestimentos estrangeiros parece ser a tendência objetivamen­te predominante, e o sistema interno de decisões políticas podeser reconstruído, com exclusão popular está claro, mas sem queos setores industriais estejam à sua margem, isto é, sem queos "setores dinâmicos' e de alta tecnologia" se marginalizem

tina e falavam de um capitalismo industrial periférico, comoCAndido Mendes de Almeida, NacionaliBmo e Desenvolvimento,Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos,1963. Porém, com acepção próxima à. que atribuímos à. noçAode "desenvolvimento industrial dependente", as referências bi­bliográficas mais adequadas são Florestan Fernandes, Bocieda­de de Classes e Bubdesenvolvimento, ed. mimeografada, 78 pãgs.,e o artigo de Nelson Melo e Sousa, "Subdesenvolvimento e neo­feudalismo industrial", em Cadernos Brasileiros, n.O «, nov.-dez.de 1967, págs. 21, 34. Para uma análise impregnada da ideolo­gia da "industrialização dependente", ver Frank Brandenburg,Desenvolvimento da Livre Empresa Latino-Americana, Bogotá,1966. Em termos gerais, a obra que criticou com mais vigoro "desenvolvimento" e suas implicações na análise da formaçãodo capitalismo na América Latina foi a de A. G. Frank, cujoslivros principais ainda nAo se encontram, tnfellzmente. publlca­dos em português.

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IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLfnCAS 123

dele. Por outro lado, há possibilidades de acordo entre o setorestatal da economia - em geral concentrado em ramos queganham dinamismo com a nova industrialização - e os gruposprivados típicos da nova fase econômica.

Neste e no pr6ximo capítulo veremos como esses pro·blemas aparecem na reação dos empresários industriais brasilei·ros e argentinos diante de algumas questões básicas, que lhesforam propostas. O modelo de industrialização restritiva érecente, tanto no Brasil como na Argentina. Para dar umadata, poder-se-ia falar dos Governos de Kubitschek e Frondizicomo períodos iniciais da nova industrialização. Em conse­qüência, a polarização ideol6gica dos empresários não se faznecessariamente em função das alternativas concretas que a si·tuação atual propõe como viáveis. Persistem como orientaçõesvalorativas algumas dimensões do modêlo nacional-populista.Este, entretanto, nunca assumiu, no comportamento aberto dosempresários, a forma que lhe era atribuída. Ao contrário,como vários estudos anteriores mostraram, 8 nas ideologias em·presariais predominaram as orientações elitárias, inspiradas noesquema das economias exportadoras.

ORIGEM SoCIAL E ATITUDE POLÍTICA

Os trabalhos disponíveis sobre a persistência de ideolo­gias que implicam uma visão "tradicional" do mundo insistemna importância da origem dos industriais como uma explicaçãopara suas atitudes políticas. Classe recente, em termos hist6­ricos; produto, por um lado, da diferenciação econômica dasantigas classes produtoras do período agro-exportador e, poroutro lado, resultado da ascensão social de imigrantes, o em·presariado industrial nasceria dividido e limitado estrutural·mente para que pudesse tomar consciência de seus particula­res interesses. Não iremos repetir aqui análises já feitas queextraem dessas afirmações sua validade e suas limitações. T

8 Ver trabalhos indicados na nota 4.T Ver sobre isso, especialmente, os já citados estudos de

Luciano Martins, op. cit., e de Cardoso, "Hégémonie bourgeoiseet indépendence économique", op. cito Note-se que nos capltulosanteriores apresentamos outros quadros que mostram o tipo deorigem dos capitais com os quais se formaram as empresas In­dustriais controlados pelos empresários que entrevistamos.

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124 PoLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Apresentaremos, apenas, algumas informações que ajudam acaracterizar os empresários estudados e que, nesse nível gerale inicial de análise - pois mais adiante retomaremos o tema ­servem, à guisa de "hip6tese externa", para caracterizar o con­texto social no qual atuam os empresários industriais.

Comecemos ãnalisando a ocupação dos pais e avós dosempresários. estuâados, para verificar a procedência das hi·p6teses sobre suas origens sociais:

QUADRO N.o 1

OCUPAÇAO PRINCIPAL DOS PAIS E AVOS PATERNOSQUANDO O EMPRESARIO TINHA 15 ANOS

(BRASIL)

PAIS AVOSOcupaçdo Principal Emp. Emp. Emp. Emp.

Grandes M61Ua8 Grandes M61Ua8

Grandes empresá.riose capitalistas 60% 34% 34% 26%

Empresários médiose profissionais li-berais 26% 34% 40% 36%

Empregados e traba-dores 14% 26% 10% 8%

NS-NR 6% 16% 30%

TOTAL 100%(50} 100%(50) 100% (50) 100% (50)

QUADRO N.o 2

OCUPAÇAO PRINCIPAL DO PAI QUANDOO ENTREVISTADO TINHA 15 ANOS

(ARGEN'l'INA)

Ocupaçc1o PrincIpalComerciantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22%Industriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21%Profissionais Liberais 14%Agrários .... ',' . • . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . 11%Combinações Anteriores 18%Outros 14%

TOTAL 100% (168)

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 12'

A comparação entre estes dados e os resultados obtidosem investigações em países de "desenvolvimento originário"mostrará que os empresários no Brasil e na Argentina se re­crutam em camadas relativamente: mais altas de população. 8

Mesmo controlando-se as variáveis relativas à ocupação dosav6s e ao nível econômico da família quando o empresáriotinha 15 anos, confirma-se a tendência a resultados que indi·cam uma origem social não-popular:

QUADRO N.o 3

RELAÇAO DAS ATIVIDADES DO PAICOM AS ATIVIDADES ATUAIS DO ENTREVISTADO

Relação das Ativi­dades do Pai

Mesmas atividadesAtividades distintas ..

TOTAL

Argentina

31%69%

100% (168)

Brasil {Grandes}

48%52%

100%(50)

QUADRO N.o 4

SNTUAÇAO ECONOMICA GERAL DA FAMtLIAQUANDO O ENTREVISTADO TINHA 15 ANOS

(BRASIL)

SituaçiI.o Económicada FamUia

Muito boa .Boa .Regular .Má .

TOTAL .

EmpresasGrandes

32%42%20%6%

100% (50)

EmpresasMédias

20%46%24%10%

100%(50)

8 De resto, a tendência a um recrutamento social dos em­presários a nlvel mais alto nos palses que, quanto à industriali­zação, como diz Hlrschmann, são "late late", se confirma parao Chile pelos dados de Dale Johnson, pág. 96, na pesquisa já

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126 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Da mesma forma, lembrando sempre que se trata de umacaracterização geral e inicial, o padrão familístico de controledos empreendimentos industriais parece prevalecer, principal­mente nas empresas brasileiras:

QUADRO N.<\ 5

MEIOS PELOS QUAIS OS ENTREVISTADOS COMEÇARAMA MANTER RELAçoES COM AS EMPRESAS

Brasil Brasil IArgentift1J. (GraMes) (Médios)

Porque é proprietárioda empresa ........ 27% 68% 40%

Por indicaçAo de dire-tores ou sócios .... 11% 6% 12%

Porque tinha algumparente ........... 9% 8% 18%

Por mandato ou re-presentaçAo da fa-núlia o •••••••••••• 4% 12% 8%

Por contrataçA.o direta 29% 12%Representando grupos 4% 8%

de acionistas 12% 1%Combinações •••• 0 ••• 8% 2% 1%NS-NR ••••••• 1 •••••

TOTAL 100% (168) 100%(50) 100% (50)

Seria difícil manter, diante dos quadros apresentados, aidéia de que atualmente os fatôres referidos de origem social"comprometida" - seja com a oligarquia, seja com a massapopular - impedem a cristalização de um ponto de vista com­patível com os interesses de classe do empresariado. Ao con­trário, os dados mostram que começa a existir um empresaria­do recrutado no interior dos grupos empresários e que, se al-

indicada. A análise do nivel de educaçAo dos empresários (quenAo faremos neste trabalho) tndicarã, da mesma maneira, umatendência a maior escolaridade no caso dos empresários latino­-americanos do que em paises da Europa ou nos E.U.A. Paraessas comparações, ver o trabalho de Bendix e Lipset, BocíaZJlobUUy in Industrial Bociety, Universtty of California Presa,Berkeley. 1963.

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAS 127

gum "elitismo" vai manifestar-se em suas aspirações e atitudes,haverá que propor hipóteses de explicação mais complexas quea simples "origem social". Por certo, esta ainda pesa no com­portamento empresário, mas requer sua qualificação. De for­ma análoga, parece claro que existem fatores de diferenciaçãoquando se compara o empresariado argentino com o brasileiroe, no interior deste último, os industriais que controlam gran·des empresas e aqueles que controlam as médias. Convém,entretanto, tomar com prudência a primeira dessas distinções.No caso dos empresários brasileiros apresentados nos quadrosanteriores, consideram-se somente os que têm maioria de açõesem empresas predominantemente nacionais. Em duas palavras:a "burguesia nacional". No caso argentino, como se assinalana nota 11, consideram-se empresários de outro tipo. É pro­vável que mesmo controlando-se esses fatores, ainda se encon­tre no Brasil um padrão mais familístico de controle empresa­rial do que na Argentina, embora por motivos técnicos nãonos seja possível avaliar com os dados disponíveis até queponto isso é verdadeiro.

No conjunto, entretanto, os quadros mostram que os em­presários entrevistados tendem a ser "de segunda geração".Se eventualmente seus avós foram operários, na geração deseus pais deu-se um processo de ascensão social. E,pelo con­trário, se foram proprietários rurais, seus pais já tinham inte­resses eéonômicos urbanos. As ligações porventura existentesentre sua visão do mundo e os interesses das classes rurais ouda massa popular deverão ser explicados, portanto, mais emtermos da situação de interesses e dos paradigmas valorativospor eles sustentados do que por intermédio de "hipóteses ex­ternas" do tipo das aludidas que insistem na origem social ena falta de "sedimentação histórica" da burguesia industrial. I

I Convém esclarecer que isso não significa que a "origemsocial" seja um fator desprezivel na análise. Apenas, para ga­nhar maior sentido, deverá ser determinado num contexto es­trutural e valorativo mais complexo. Como esse não é o temadeste estudo, não discutiremos a questão aqui.

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128 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Os EMPRESÁRIOS E A IDEOLOGIA NACIONAl.-POPULISTA

Os dados disponíveis sugerem, entretanto, que se o em­presariado nacional, 10 em termos de tendência geral, não vivea relação entre empresário industrial e proprietário rural eentre empresário industrial e operariado do modo suposto pe­las ideologias nacional-populistas de desenvolvimento, isso nãosignifica que o empresariado se considere totalmente identifica­do com o conjunto das classes proprietárias, nem que deixede preocupar·se coIJ1. o operariado como força social e política.Com efeito, nas pesquisas realizadas a partir de 19.5.5 na Ar·gentina, Brasil e Chile, ainda uma vez se confirma que algunsdos atributos com que se caracterizava o comportamento dosindustriais não encontram apoio nos dados. Assim, quandose avalia as reações dos empresários industriais com respeitoa duas das questões politicamente decisivas na caracterizaçãodas expectativas nacional-populistas - a atitude diante dos in·teresses agrários e diante áa participação política dos setoresoperários - as respostas tendem a concentrar-se em altema­tivas que indicam a persistência da visão elitária e tradicional.Nas perguntas relativas ao reconhecimento da existência deum conflito entre os interesse~ agrários e os interesses indus­triais e nas perguntas sobre a inclusão de setores operários nasalianças políticas que favoreceriam os propósitos dos empresá­rios, as tendências manifestas foram predominantemente "não­·Populistas". À pergunta "Às vezes se diz que os setores rurais(agrícolas, cafeeiros ou, no caso argentino, pecuários) e o se­tor industrial têm interesses divergentes e mesmos opostos.Isso é verdade?" provocou as seguintes respostas:

10 De agora em diante, salvo referência expressa, conside­raremos para o caso da Argentina as informações disponiveissomente para os entrevistados que puderam ser assimilados aosbrasileiros quanto às caracter1sticas de controle pessoal de açõese de controle nacional do investimentoj cf. anexo explicativo cor­respondente.

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Argentina_----------I~-

IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLÍTICAS

QUADRO N.o 6

CONFLITO ENTRE OS INTERESSESAGRÁRIOS E INDUSTRIAIS 11

Bra8U(Gramde8)

Reconhecem a existên-cia de conflito .

Negam a existência deconflito o •••••••••••

NS-NR .TOTAL .

129

Brasil(Médios)

44%

54%2%

100%(50)

QUADRO N.o 7

GRUPOS COM OS QUAIS O SETOR INDUSTRIALDEVE CONTAR POLITICAMENTE (EM 1.° LUGAR)

(BRASIL)

Grandes IndustriaisIndustriais Médios

Grandes industriais ·. 32% 14%Banqueiros e financistas ·. 24% 32%Militares ............... .·. 12% 8%Altos funcionários ....... ... 8% -Empregados •••••••••• 0 •• ·. 6% 8%Profissionais liberais ..... .·. 4% 4%PoUticos ............... .. ·. 2% 10%Comerciantes ........... . .. 2% -Operários •••••••••• •• 0 ••• ·. 2% 12%Outros grupos e combinações 8% 4%

TOTAL o ••••••••••••• ·. 100%(50) 100%(50)

11 Sobre os industriais considerados neste e nos quadros se­guintetl, ver o apêndice em que se discute os critérios de sele­çl.o. No caso partiCUlar deste quadro, consideramos apenas osindustriais argentinos que se relacionavam com as empresas comoproprietários. Nos quadros em que os totais de entrevistados al­cançam 168 casos para a Argentina, isso significa que incluimostodos os informantes (proprietários, "managers" de empresasestrangeiras e presidentes de câmaras empresariais). Mais adi­ante, trabalharemos somente com, no máximo, 71 industriaisargentinos, total que corresponde àqueles que sl.o empresáriosem empresas ou grupos econOmicos nacionals, isto é, quando nominimo 80% das ações pertencem a grupos locais.

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130 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

No nível geral e não-qualifkado em que esses quadrosresumem as dimensões da ideologia dos industriais com relaçãoà aceitação de dois dos temas caracteristicamente nacional-popu­listas, poderia parecer que existe uma forte tendência a recha­çar os operários como eventual aliado político mas, simultanea·mente, um grau de recusa menor quanto ao reconhecimento dosegundo tema da referida ideologia,· isto é, da existênciJ deum conflito agro-industrial. Convém esclarecer, entretanto, queo graáient das alternativas mostra que a consideração dicotô­mica do reconhecimento ou não do conflito agro-industrial es­çonde a intensidade das reações:

QUADRO N,o 8

EXISTEM INTERESSES DIVERGENTES ENTREOS SETORES RURAIS E O SETOR INDUSTRIAL!

BraaU BraorilArgentiM •(Granàe8) (MMioa)

Sim ......... i1.0% 16% 20%As vezes ..... 28% 32% 20%Nlo o ••••••• 60% 50% 51%NS-NR o ••••• 2% 2% 9%

-- -- --TOTAL ... 100%(50) 100%(50) 100%(188)

• Os totais neste caao incluem empresários 88sociadOll comgrupos estrange1ro.s, funcionArios de empre... eatran-gélras e dirigentes de sindicatos e federações patronala.

Nas respostas Bim incluem-se 88 alternaUv88 "totalmentecerto" • "a maior parte das vezes 6 verdade".

Nas respostas computadaa como n40 incluem·se "raramente6 verdade" e "nA.o há divergênci88",

Por outro lado, determina-se mais precisamente a tenden­da predominante quando se procura saber como reagem osempresários diante do problema no qual se entrecruzam asduas dimensões que estamos considerando: a reforma agrária.Efetivamente, o tema da reforma agrária, tal como era propos·to pela ideologia nacional-populista, sugeria, ao mesmo tempo"a reação contra o predomínio dos "interesses rurais tradicio­nais" e a ampliação do mercado e conseqücntemente a incor·

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 131

poração de parte da massa rural à classe operária, isto é, aum setor social menos amorfo politicamente e com maior capa­cidade de consumo:

QUADRO N.o 9

OPINIAO SoBRE A REFORMA AGRARIA COMO SOLUÇA0ADEQUADA PARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO

(BRASIL)

Grandes Médios Total

!nadequada ...... 86% 56% 71%Pouco adequada o o o • 4% 8% 6%Adequada o ••••••• 4% 14% 9%Muito adequada o o o 6% 22% 14%

-- -- --TOTAL ...... 100% (50) 100% (50) 100% (100)

Ainda quando seja possível encontrar elementos de jus­tificação para crer na existência, ao nível ideológico, de umaoposição agro-industrial, não se pode inferir que, na pugnaentre as classes proprietárias, o operariado ou a "massa" apa­reçam como aliados estratégicos. É bem verdade que as di­ferenças de reação entre os grandes industriais e os industriaismédios apontam um problema de orientação diferencial quese evidencia no quadro abaixo:

QUADRO N.o 10

REFORMA AGRARIA COMO SOLUÇA0PARA AMPLIAR O MERCADO

(BRASIL)

Tamanho da Empresa

Média Grande

Inadequada 00000 o "0 000 000 o

Adequada . o, 00 00 •••••• 00 00 o

TOTAL

64%36%

100% (50)

90%10%

100%(50)

As diferenças percentuais e a distribuição de casos em cadacélula mostram uma relação significativa entre tamanho da em·

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1.32 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

presa e juízo sobre a utilidade da reforma agrária como s0­

lução para os problemas de mercado. Retenhamos por agora,. entretanto, apenas a indicação mais geral dos dados apresenta­

dos: a escolha da reforma agrária como meio para solucionaros problemas do mercado é pouco freqüente entre os indus­triais considerados. O reconhecimento por uma parte mino­ritária, porém expressiva, de industriais, de que existe umconflito agro-industrial implicaria apenas uma oposição se­cundária de interesses, quando se considera o contexto políticono qual devem fazer opções. Essa oposição parett antes li­mitar-se ao plano econômico, como a análise de sua nature1JZrevela. Com efeito, ao considerar-se as respostas às perguntasabertas sobre as justificativas das escolhas indicadas nos Qua­dros 9 e 10, deparamos com o seguinte resultado:

QUADRO N.O 11

TEMAS NOS QUAIS SE MANIFESTAMDIVERG2NCIAS ENTRE OS INTERESSES AGRARIOS

E OS INTERESSES INDUSTRIAIS

(BRASIL)

1. Disputa de créditos .2. Taxa de cAmbio .3. Fixaçlo de preços de matérias­

-primas e peças de produtosindustriais consumidos pelaindústria .

4. Luta na determinaçlo de ta-rifas alfandegárias .

5. A modernizaçAo da agricultu.ra interessa mais à. indústriado que aos setores rurais ..

6. Outras e NS-NR .

TOTAL

Indt18trla8GrandQ

18%10%

8%

4%

60%

100% (50)

Indústria8Médiaa

16%6%

10%

2%

6%60%

100%(50)

Entretanto, na percepção da "situação de poder" atual­mente vigente na sociedade e na percepção do prestígio socialde distintas categorias sociais, começam a marcar-se certas di­ferenças:

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QUADRO N.o 12

PODER REAL QUE~ OS GRUPOS ATUALMENTE

I Brasil I BraaU I(Grandes) (M6diu)

Em 1.° lugar Em 1.° lugar Em 3.° ZUgar De menor Em 1.° lugarpoder

O. NS-NR ................... - - 4:% 4:% -1. Empregados .............. 32% -2. Grandes industriais ..... 10% 16% 18% 4:% 14:%3. Militares ..... 0 ............. 64:% 12% 4:% 2% 68%4:. Operários ................ 22% 2%5. Prof. liberais .............. 6% 2% 6% 10% -6. Ind. médios .............. 2% 2% 4:% -7. Pol1ticos ................... 24:% 14:% 4:% 2%8. Banqueiros ............. 12% 18% 36% 10%9. Cafeicultores .............. 4:% 14:%

10. Comerciantes .............. 2% 4:% 2% -11. Altos funcionários públicos 8% 24:% 8% 2% 4%

--- --- --- --- --TOTAIS .................. 100%(50) 100% (50) 100%(50) 100%(50) 100%(50)

Pergunta: A lista abaixo reúne os nomes de alguns grupos sociais. Solicitamos que os ordene deacordo com o poder real que t~ esses grupos na sociedade brasileira, indicando os três de

maior poder e aquele que tem menor poder.

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134 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

Os militares aparecem de longe como o grupo conside­rado de maior poder, resposta compreensível considerando-sea data das entrevistas. Por outro lado, o empresariado tendea desqualificar os operários como "grupo de poder". Entre­tanto, essa desqualificação, no nível geral de determinação queuma resposta desse tipo implica, perde muito de sua força, poisas opiniões convergem diretamente para o grupo que ostensi­vamente domina no momento e exclui outros grupos, como oscafeicultores ou os comerciantes, que aparentemente deveriamestar contidos na visão dos empresários sobre o sistema de do­minação. Com isso não se quer negar a veracidade das afir­mações das páginas anteriores sobre a falta de apoio empíricopara as ideologias que atribuem ao empresariado uma tendênciafavorável à aliança com os setores populares urbanos, pois sevê claramente que na representação dos grupos de menor po­der a incidência sobre os operários· é forte. Apenas a análiserequer maiores qualificações para que se possa extrair a signi.ficação real dessa percepção polar na qual se atribui muitopoder às "classes econômicas" e - excluindo-se o papel evi­dente dos militares - se representa, no pólo oposto, os assa­lariados como grupos sem expressão significativa de poder.

Chama a atenção,ademais, a pouca importância relativaatribuída aos cafeicultores e a posição ambígua com relação aosbanqueiros. Estes em nenhuma resposta aparecem como "demenor poder", mas também em nenhum caso surgem como osque atualmente têm poder de forma prioritária.

Quando os entrevistados são chamados a avaliar o poderreal desses mesmos grupos na fase tipicamente desenvolvimen­tista e até certo ponto populista, mudam, na forma esperada,as avaliações quanto ao Poder dos militares, dos políticos edeles próprios; e sustentam que o operariado tinha, então,mais poder:

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QUADRO N.o 13

PODER REAL QUE TINHAM OS GRUPOS HÁ 10 ANOS

(Periodo Kubitschek)

Bra.ril BmaU(GrafI46B) (Jl4tUt1A)

Bm 1." lugar Em I.D lugar/Bm ~.o lugarDtlmenor EM 1.0 lugarpoder

O. N-S: N-R 6 .............. 2% 10% 16%1. Empregados ............ 2% 32% -2. Grandes industriais ..... 26% 22% 18% 2% 22%3. Militares ................ 10% 8% 20% 6% 2%4. Operários o ............. 0 2% 8% 6% 10% 2%5. Prof. liberais o ........... 2% 2% 12% -6. Ind. médios ................. 4% 6% 2%7. PoUticos ................ 50% 14% 16% 52%8. Banqueiros ............. 8% 26% 22% 2% -9. Cafeicultores ........... 6% 4% 12% 2%

10. Comerciantes ........... 2% 2% 4% 6% -11. Altos funcionários públicos 2% 6% 6% 2% 16%

-- -- -- -- --TOTAIS ................ 100% (501 100% (riO) 100% (50) 100%(50) 100%(50)

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136 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

As hipóteses de explicação são mais ou menos fáceis deserem avançadas - pois a prosperidade do período de expansãoindustrial permitia uma relação menos cortante e oposta entreoperários e patrões - mas o significativo a reter, em qualquercaso, é a estrutura de relações entre as escolhas feitas. Nessesentido, considerando-se a ordem das respostas e tomando-segrandes indústrias como ponto de referência, tem-se o seguinteresultado:

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QUADRO N.o U

PODER REAL QUE TmM OS GRUPOS NA SOCIEDADE COM RESPEITO AOS GRANDES INDUSTRIAIS

(Brasil - Gratide8)

MUi- Opero- Poli- Banquei- CafeicuZ- Comer- Altos IEmpre-tare8 rios ticos T08 rores ciantes Func. ga408

II 28% I1. Estão sempre abaixo .......... 16% I 42% 22% 24,% 4,0% 32% 58%

2. Estão sempre acima. ........... 26% I 2% 24% 36% I 2% I 4% 8% I 2%

3. Estão abaixo atualmente e esti-I I II I

2% I .veram acima há 10 anos ...... 6% 22% 4% 2% 2% 2% I -

46%1

14. Estão acima. atualmente e esti-

26% Iveram aba.ixo há 10 anos ..... 2% 8% 16% 2% 2% 2%I

5. Não corresponde ou não consi-

~ 36% Idera as categorias em questão .. 10% 4,8% I 24,% 20% 54,% 38%

100% 1100%I

TOTAL .................... 100% 1.00% 100% 1100% 100% 1100%

(50) (50) (50) (50) (50) I' (50) (50) (50)I

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QUADRO N.o 15

PODER REAL QUE T~ OS GRUPOS NA SOCIEDADE COM RESPErrO AOS GRANDES INDUSTRIAIS

(Bra8il - Médios)

MUi- Operá- Poli- Banquei- cafeicul-I Comer- Altos IEmpre-taru rios ttcoS ros tore8 ciame8 FUM. ga408

1. Estão sempre abaixo ........... 18% 56% 28% 32% 44% I ~~% 38% -I 56%

2. Estão sempre acima ...........I I I 4% \20% I 10% 28% I 20% - 2% 2%

I I I I3. Estão abaixo atualmente e esti- I Iveram ac~ma há 10 anos ....... 2% I - 20% I 6% 8% I - 4% I 2%

I I I4. Estão acima atualmente e esti- I I I I

veram abaixo há 10 anos ...... 3~170 4% 6% I 14% 4% I - 10% I 2%

I I I5. Não corresponde ou não escolheu I I 4~% Ias categorias em questão ...... 26% 30% 18% I 28% 44% I 54% 38%

I I ITOTAL .................. 100% I 100% 100% I 100% 100% 1 100% 100% 100%

(50) I (50) (50) I (50) (50) I (50) (50) (50)

I I I

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLfTICAS 139

A análise desses quadros revela dimensões menos clarasnos resultados dos quadros anteriores: indiscutivelmente sãoos militares, políticos e banqueiros que constituem o pólo dereferência de poder dos entrevistados. Se no momento os miolitares estão acima dos grandes industriais na escala do podere os políticos abaixo (intercambiando estes últimos sua posi.ção com os altos funcionários) , os banqueiros estão semprebem colocados. Parecem constituir na representação dos in·dustriais a classe dominante. Em contrapartida, os cafeiculto­res são por eles representados de forma consistente como gru­po de menor poder relativo que os industriais. O operariado,da mesma forma, aparece como grupo subordinado, superadoem sua posição de pouca força relativa apenas pelos empregados.

Essa imagem dos banqueiros como o setor social privi.legiado na sociedade reaparecerá sempre nos dados obtidos.Serão os banqueiros os que em primeiro lugar (24% das res·postas) terão sido favorecidos pelo desenvolvimento, seguidospelos operários (18%) e pelos próprios industriais (16%)(as outras categorias, isoladamente, não ultrapassam 8%).Mantém-se também a imagem do cafeicultor como relativamen·te pouco favorecido pelo desenvolvimento (2 em cada uma das3 escolhas possíveis), imagem que persiste nas respostas auma pergunta que implica a avaliação dos grupos dentro dasclasses produtoras que desfrutam de maior prestígio; os cafei·cultores foram assinalados apenas por um entrevistado e osbanqueiros reuniram 58% das respostas.

Os dados apresentados levam, pois, à reconsideração davisão que se tem quanto à representação que os industriaismantêm sobre a sociedade em que vivem. Reconsideração essaque requer uma análise minuciosa dos matizes que as repre·sentações assumem, pois, como vimos, se os dados globais indi·cam algumas diferenciações, no geral manifestam uniformidadee tendência à homogeneidade, pois os estereótipos primam nasrespostas às questões mais corriqueiras. Fez-se necessário, por·tanto, buscar algo mais do que o sinal de sim e não com queos entrevistados marcavam suas escolhas. E torna-se necessá·rio analisar também as tendências que se manifestam nas re·lações entre distintas respostas, assim como convém estudara ordem em que as preferências se manifestam e ainda os pa­drões de inclusão ou exclusão de certos conteúdos valorativos.

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140 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Talvez por este caminho se possa determinar as "estruturasideológicas", latentes nas verbalizações. dos entrevistados.

As POLARIZAÇÕES SIGNIFICATIVASNAS IDEOLOGIAS DOS EMPRESÁRIOS

Os dados apresentados sugerem que dois tipos distintosde agentes sociais parecem provocar uma polarização nas ava­liações dos empresários: o operariado e os banqueiros. Por ou­tro lado, como a análise comparativa entre os empresários bra­sileiros e argentinos requeria a homogeneização da variável"empresário nacional", porque os dados disponíveis para osbrasileiros se limitam a este grupo, procuramos fazer a análiseda significação desses dois focos de polarização das verbaliza·ções dos empresários controlando nos empresários industriaisnacionais a variável "grau de associação com o exterior". Note­-se que a escolha do ponto de partida da análise - a estruturadas respostas obtidas com referência ao operariado e ao setorfinanceiro - não derivou arbitrariamente das hipóteses exter·.038. Embora estas pudessem ser deduzidas das análises estru·turais dos capítulos anteriores, preferimos buscar a cristalizaçãodas oposições significativas existentes nas representações dosindustriais no nível de sua própria ideologia. A correspondên­cia entre esta estrutura e a estrutura objetiva das relações so­ciais, posto que não derivou de elucubrações lógic~edutivas,

foi utilizada como um momento de análise das sociedades in·dustriais dependentes, como parte de um "todo" estruturadoe hierarquizado. Pelo mesmo caminho, como veremos em se­guida, se vai determinar a significação emprestada pelos em­presários às diferenças entre uma visão nacional do processode desenvolvimento e uma visão internacionalizada. A desco­berta dessas dimensões como experiência ideológica real, comoconteúdo vivido de forma concreta, e não apenas como umadimensão ideológica que poderia ter sido teoricamente imputa­da às categorias estruturai$ básicas, servirá como elemento devalidação da análise te6rica dos capítulos anteriores.

Tomemos em primeiro lugar o problema das orientaçõesideológicas com respeito ao operariado. Quando, no caso bra­sileiro, se perguntou pela importância de uma série de itens,entre os quais a "aliança com o operariado" para o fortaleci·mento, a longo prazo, da indústria brasileira, as respostas obti­das foram as seguintes:

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----.

QUADRO N.o 16

DO PONTO DE VISTA DOS INTERESSES E DO FORTALECIMENTO DA INDÚSTRIA A LONGOPRAZO, O QUE TEM MAIOR IMPORTANCIA

Em 1." Lugar Em 1.° Lugar Mencw Import4ncia

Empresas Empresas Empresas Empresas Empresas EmpresasGrand.efl Medias Grand.efl Medias GratU1.es Medias

1. Fortalecimento do bloco oci-dental ....................... 24% 20% 18% 16% 18% 24%

2. Coesão das .classes produto-ras, inclusive o setor agrário 68% 68% 20% 22% 2% -

3. Coesão das classes produto-ras, excluindo-se o setor agrâ-rio ............................ - - - 2% 18% 18%

4. Aliança com a classe média 2% 4% 28% 20% 24% 20%

5. Aliança com o operariado o' 4% 6% 22% 32% 24% 26%

6. Outras e nAo corresponde o •• - 6% 6% 8% 6%

7. NS-NR o ••••••••••••••••••• 2% 2% 6% 2% 6% 6%-- --- --- --- --- --

TOTAL ................. 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100%(50) 100% (SO)- ,

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142 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

A primeira vista, e sem margem para dúvidas, se revelaneste quadto uma espécie de "isolacionismo político" das clas­ses produtoras, consideradas como mola para o desenvolvimento.Note-se que se trata "das" classes produtoras, incluindo-se ne­las o setor agrário. Outra vez se confirma que a oposição en­tre interesses agrários e interesses industriais é secundária navisão política dos industriais. E, por outro lado, a consciên­cia da industrialização como parte de um processo que dependedo mercado externo revela-se também clara: o fortalecimentoda indústria dependeria de uma política de união das classesprodutoras e do fortalecimento do "bloco ocidental", dimen­são nitidamente ideol6gica, pois no conjunto dos itens propos­tos essa opção se singulariza por sua inespecificidade. final­mente, reaparece a ambivalência com respeito ao operariado:24% no total das escolhas favoráveis; 24% (proporção maiselevada entre todas as demais) dentre as escolhas considerameste item como de menor importância.

Considerando-se que praticamente todos optaram em pri.meiro ou em segu.ndo lugar pela coesão das classes produto­ras, inclusive o setor agrário, e que a aliança com a classe mé­dia distribuiu-se aleatoriamente, buscamos determinar os pon­tos de relação entre os dois itens que pareciam polarizar maisas respostas, o operariado e o bloco ocidental. Para isso, cons­truímos uma escala, considerando dois itens de uma perguntae atribuindo scores O e 1, conforme a resposta tivesse sido ne­gativa ou positiva. Não se considerou, na escala, a ordem daescolha. As perguntas foram:

"Do ponto de vista do interesse da indústria, a longo pra·zo, o que tem maior importância?

"1.0 item} o fortalecimento do bloco ocidental (não - O;sim - 1)

"2.0 item) uma aliança com o operariado {não - 1;sim - O)."

Como resultado, tivemos:

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

DI9TRIBUIÇAO DOS "SCORES" NA ESCALADE ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA·

143

Oriento Oriento OrientoNacional-Apolittca InternaPopulista

(score O) (score 1) (score B)

Grandes empresários . 16 13 20

Médios empresários 20 13 16

TOTAL ... ·.... 1 36 26 36

• Para a escala dos empresários grandes, teve-se umR.M.M. =.63, C.R. =.99 e C.R. - R.M.M. =.36; para osmédios um R.M.M. =.62, C.R. =.99 e C.R. - R.M.M. =.37.

Esses índices hierárquicos, formados como quase-escalasde tipo Gutmann, isto é, "de estrutura latente", se metodolo­gicamente pecam pelo número limitado de itens considerados,teoricamente são de grande significação: entre os empresáriosnacionais, apesar de que a maioria absoluta prefere uma alian·ça ao nfvel da própria classe, as possibilidades de aliança como operariado e de aliança com o "bloco ocidental" apresentam·-se latentemente como possíveis e mutuamente exclusivas, poisos operários que mencionavam ser favoráveis ao Ocidente ex·cluíam a menção aos operários como aliados e vice-versa. Ogrupo "apolítico" somou um score 1 porque nio mencionava,simultaneamente, Ocidente ou operário. Apesar de todas aslimitações que as considerações feitas com base nos resultadosglobais impõem, pareceria ser legítimo sustentar que subsisteuma orientaÇão de cunho "nacional·populista" e outra de tipo"internacionalizante". Entre essas duas tendências, surge re·sidualmente um empresariado "técnico", que não assume comovalor a politização do comportamento e que prefere rechaÇMambas alternativas. A serem verdadeiras essas polarizações, elasdeverão incidir sobre outras dimensões da ideologia empresa·rial, o que de fato ocorre como adiante se verá.

Com respeito aos empresários argentinos, posto que me·todologicamente consideramos mais correto fazer os "construc·tos" anaHticos em função das próprias escolhas feitas e não

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144 POLfTICA B DssBNVOLVIMBNTO EM SocmDADB5 DEPBNDENTIlS

a partir de "hip6teses externas", não seria possível manter amesma dicotomia entre uma dimensão populista e uma dimen­são internacionalista, porque os dados disponíveis não contêmesse tipo de informação.

, Pode.se, entretanto, analisar as pautas de escolhas feitas. para a seleção dos aliados que permitiriam levar adiante uma

política compatível com seus interesses.

QUADRO N.o 17

COM QUE GRUPOS DEVE CONTAR O SETORINDUSTRIAL PARA LEVAR ADIANTE SUA POLrrICA?(CONSIDERAM-SE OS 3 GRUPOS MAIS IMPORTANTES)

(ARGENTINA)

N.o de Vezes Que N.o de VezeB QueMendonam Nilo Mend<mam

1. Grandes industriais .•.....2. Militares .3. Operários .4. Pollticos .5. Banqueiros ou financistas6. Grandes produtores agro-

pecuários .

315

341628

17

3561325038

49

Outra vez, por trás da pauta predominante de uma pre­ferência de alianças no interior das classes produtoras, aparecelatentemente o operariado como foco de polarização das esco­lhas .com uma intensidade igual à dos próprios grandes em­presários. Apenas, no caso da Argentina, não só o operariadoaparece mais claramente como "fator de poder", como a p0­sição do setor agropecuário é mais débil que a do setor dos"cafeicultores" na ideologia dos industriais brasileiros. As in·dicações do quadro acima revelam que se está longe de umavisão na qual (como no caso dos brasileiros) 68% das pre­ferências concentravam-se numa aliança entre as classes produ­toras, incluindo-se os agricultores.

Quando se busca est;lbelecer as pautas de inclusão-exclusãoentre os diversos grupos de empresários argentinos, verifica-seque é possível estabelecer três tipos básicos de relação entreas escolhas feitas: 1.0) os que escolheram aliados exclusiva­mente entre as classes proprietárias; 2.°) os que incluíram po-

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IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLÍTICAS

líticos OU militares numa possível aliança que favoreceria aosinteresses industriais, e 3.°) os que mencionaram operários.Essa ordenação não se obteve por técnicas nas quais se proce­de como se fora um escalograma. Ela responde a um campode opções possíveis em que se passa de uma política puramen­te de elite do gênero "economicista" até uma política "popu­lista", para cuja caracterização em nossa análise bastou umasimples menção - independentemente da ordem de escolha- dos operários como aliados possíveis. Entre esses doisp6los estão os industriais que percebem ser necessário englobarem seus esquemas de aliança alguns setores sociais estratégicos,como os militares e os políticos, mas que excluem a participa.ção dos operários. Nas pautas de escolha efetivamente ocorri·das tem-se uma distribuição de escolhas do seguinte tipo:

QUADRO N.o 18

GRUPOS COM OS QUAIS DEVEM CONTAROS INDUSTRIAIS PARA LEVAR AVANTE SUA POLlTICA

(ABGBN'1'INA)

Alianças com outros setores das classes produtoras 25%

Aliança com setores poUticos e militares além dascla8ses produtoras 20%

Alianças que incluem operários .................• 48%

NS-NR .

TOTAL

7%

100%(71)

Em comparação com escolhas feitas em questões seme­lhantes pelos industriais brasileiros, a distribuição é a seguinte:

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146 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCI'EDAaIlS DEPENDENTES

QUAD» N.o 1&

GRUPOS COM OS QUAIS DEVEM CONTAROS INDUSTRIA!S PARA LIBV.&R ADlANTI!: SUA POLrrICA

(BRASIL)

Emp. Média8 •Em)). Grandes Bmp.Brasileiras Brasileiras Argfmtfxas

1. Alianças comoutros l18tonsdas claaaesprodutoras .. 32% 36% 25%

2.. Aliancas comoa setorespollticos alémdos anterio-res ........ 22% 18% 20%

3. Alianp.a q,ueincluem o ope-rariado o ••••• 42% 46% 48%

NS-NR ........ 4% - 7%-- -- --TOTAL .... 100% (50) 100%(50) 100%(71)

-Os. quadros apresentados indicam, p0is, que a idéia ini­

cial de uma concentração de respostas que demonstrava a coe­são do grupo industrial e uma visão política compartida portodos' necessita ser qualificada. Não que os elementos ele ho­mogeneização do comportamento empresarial deixem de atuarpersistentemente e, em conseqüência, de proporcionar umaideologia. C;Qmum. Mas essa ideologia comum se fragmentadiante de algumas alternativas cuja existência se perfila poucoa pouco ~la determinação dos fatores que 1'elllmente bmama trama dos interesses polítiros dos empr.esátio.., tal comoestes os expressam em suas ideologias.

As VARIANTES FUNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIAS EMPRESARIAIS:A ESCOLHA DOS ALIADOS DE CLASSE

A partir das dimensões consideradas até aqui, é possíveldistinguir pelo menos três variantes na ideologia empresarial.

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 147

Estas, para dar-lhes um nome que é traiçoeiro, porque as pri­meiras e principais reações dos empresários são, como se viu,elitistas e isolacionistas, poderiam ser chamadas, respectiva­mente, de "populistas", "economicistas" e "internacionalistas".Essas dimensões diferenciadas da ideologia política dos empre·sários se estabelecem com os dados disponíveis sobre os in­dustriais brasileiros. Noutros "constructos" que estabelece·mos foi possível distinguir outras variantes de ideologia em·presarial a partir da tendência à aceitação ou à rejeição de alia·dos para a consecução das políticas julgadas favoráveis aos in·dustriais. Nesse caso também se pode pensar em três alter­nativas:

a) uma tendência "economicista" ou "isolacionista" quan·do se limita a escolha de aliados a grupos situados exclusiva·mente no âmbito das "classes produtoras";

b) uma tendência a aceitar a ampliação dos grupos deonde se recrutariam os aliados para além dos limites das clas·ses produtoras, inc1uindo-se entre eles, momeadamente, mili­tares e políticos;

c) a tendência a aceitar a inclusão das próprias classestrabalhadoras nas alianças políticas a serem constituídas.

O conteúdo significativo dessas orientações ideológicasdeve ser precisado na própria análise. Nesse sentido, as rela·ções e opções feitas pelos que participam de cada um dessestipos de escolhas políticas poderá iluminar o significado queessas ideologias encerram.

Comee,:mos analisando as relações entre algumas variá·veis pertinentes e as escolhas feitás por cada um dos três tiposreferidos de polarização ideológica construídos a partir dasalianças de classe assumidas como necessárias (no âmbito dasclasses produtoras; com participação de políticos e militares,e com participação de operários), pois, nesse caso, há a possi­bilidade de comparar, a partir do mesmo critério, os empresá­rios brasileiros com os argentinos.

Vejamos como os empresários que seriam classificados emcada uma dessas três pautas de preferência na orientação dasalianças políticas percebem a existência de um conflito de in·teresses entre a indústria e o setor agropecuário:

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QUADRO N.o 20

PERCEPÇAO DE CONFLITOS lIlNTRIC IN'rERdSES INDUSTRIAIS E AGROPECUARIOS,SEGUNDO TIPOS DE ALIANÇA POLtTICA DEFINIDOS

ABGBNTINA I BRASIL

~. Alfclllça.a •. AliGtIÇa.! 8. Incluem 1. AliGtIÇa.! I. AIÍ4nÇ4o! 8. IftCluemIaomftte cl de 1 maCs tTabaU&a- somente cl de 1 ma'" tTGbcIllwJ-CI8 "clo.8BeB polUic08 dores tias CI8 "cla8BeB polfticOB cIorl!IIlt tIG8prodvtoreut" fi mUltares alianças produtoreut" fi mUUGrN Glb&çaa

Percebe coibtllto ........... 24% (4) 43% (6) 38%(~3) "%(15) 47% (9) 46%(20)

NIo percebe cODfUto ••..•• 76%(13) 57% (8) 62%(21) 56%(19) ~%(10) 54%(23)

TOTAL ............... 100%(17) 100%(14) 100%(34) 100%(34) 100% (19) 100%(43)

Incluem-se, no caso doe exnpresArlos braa1lell'Oll, médios e grandM.

I,

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IDEOLOGIA B ALIANÇAS PoLíTICAS 149

Começam a perfilar-se algumas diferenças entre esses gru·pos de.orientação ideológica. Se bem ~ verdade que, no con·junto, a maioria não percebe oposições de interesse, pareceque na Argentina essa tend~ncia, como se comentou anterior·mente, ~ mais nitidamente visível do que no Brasil. E em con·junto são os industriais do primeiro grupo, isto ~, os que re­cusam a id8a de alianças polfticas a1~m dos limites das "clas·ses produtoras", os que menos percebem - como era de espe­rar - as oposições. Entretanto, apesar de que as diferençaspercentuais não chegam a ser significativas, não se verifica atend~ia à oposição entre a dimensão "populismo" (tal comoa qualificamos e com as reservas feitas) e a percepção positivade oposições entre os setores industriais e os agropecuários.

Quando se busca estabelecer as variações de opção de cadaum desses tr~s grupos na avaliação do "eixo atual do poder".tem-se a distribuição seguinte:

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150 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 21

INCLUSÁO OU EXCLUSÁO DO "EIXO ATU~L DO PODER"DOS SEGUINTES GRUPOS

(ARGENTINA)

t. Alianças so- B. Alianças de 3. Incluem tra--G7'1lPOS mente clas 1 mais polUicos balhadores nasclasse8 pro- e militare8 aliançasdutoras

,AgropecudrlO8sim 65% 79% 69%não 35% 21% 31%

Banqueirossim 71% 33% 35%nlo 29% 67% 65%

POlltiC08sim 29% 79% 50%não 71% 21% 50%

Trabalhadore8sim 29% 50% 70%nlo 71% 50% 30%

Pergunta: "Alista abaixo reúne os nomes de alguns grupossociais. Solicitamos que os ordene de acordo com o poder realque tém esses grupos na sociedade brasileira (ou argentina),indicando os de maior poder e aquele que tem menor poder."Além dos grupos indicados acima, mencionavam-se empregados,grandes industriais, militares, profissionais liberais, industriaismédios, cafeicultores, comerciantes e altos funcionârios. Noquadro acima consideraram-se as escolhas feitas em 1.°, 2.°e 3.° lugar, por um lado, e, por outro lado, a menção em 4.°lugar e a Jião-referência.

Outra vez, confirma-se a tendência a um comportamentoverbal nitidamente diferencial do primeiro grupo com relaçãoaos outros dois: percebem na ordem atual predomínio dos seto­res agropecuários como todos os demais, porém a esse predo­mínio acrescentam os banqueiros em detrimento dos políticose dos trabalhadores. Da mesma forma, os "populistas" come·

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 151

çam a distinguir-se daqueles que aceitam a necessidade de umaampliação de base do poder, porém não a estendem aos gru­pos trabalhadores, preferindo aliar-se aos políticos ou milita­res. Entretanto, pareceria ser que a tendência à escolha noaliado político se associa à representação sobre o poder realque o eventual parceiro teria na sociedade. Assim, menos doque caracterizar uma "concepção de desenvolvimento", essaescolha caracteriza uma "política realista" que, no limite, éoportunista.

IVejamos se essa hipótese se confirma, quando se tomamem consideração dimensões da ideologia empresarial que sãonitidamente relacionadas com uma "visão política do desen­volvimento". Dentre estas a que parece provocar maior pola­rização diz respeito ao papel que o Estado deve desempenharno processo de industrialização. Com base em respostas auma pergunta que permita múltiplas escolhas 12 foi possívelestabelecer dois tipos de escolhas que, para batizar de algummodo, diríamos que caracterizam respectivamente as preferên­cias por um tipo de "industriatização liberal" e por uma in­dustrialização onde o Estado é mola importante no desenvol·vimento e, em conseqüência, .seria possível falar de uma ideo­logia proptiamente "desenvolvimentista". As opções entreesses dois tipos de preferência foram, globalmente, as seguintes:

12 A pergunta se formulava da seguinte maneira: "Va­mos ler a seguir uma lista. Gostariamos de saber sob qual dasseguintes formas o Estado deveria, na sua opinião, atuar parafavorecer a atividade industrial. Propomos que nos diga apenasse o Estado deveria, para cada uma dessas formas, dispensarmuita atenção, alguma, pouca ou nenhuma." Dava-se a seguiruma série de itens de todo tipo, desde a regulamentação eco­nômica até a intervenção direta de vários tipos, inclusive na"ordem social". Ao todo somava 14 itens. Uma aná,lise de cor­relação entre os itens revelou que o item que se constituia emindicador do papel "desenvolvimentista" ou não do Estado, emrelação aos demais itens, era o relativo à ação do Estado na"formação de novas indústrias".

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152 PoLfncA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 22

Tipo de Estado Preferido BNZ8U ArgentifUI

Empresá- Grandesrios Médios

Estado liberal •••••••• 0 •••• 28% 48% 52%Estado "desenvoIvfmentlsta" 72% 52% 37%NS-NR •• 0.0 •••• • •• ••••• • - - 11%-- -- --

TOTAL •• 0.0 •••••••• 100%(50) 100%(50) 100%(71)

Vê-se, por aí, que a disposição dos industriais argentinospara aceitar um papel ativo do Estado na condução do desen­volvimento é nitidamente menor que a dos brasileiros, atitudeque seria esperada a partir da caracterização estrutural do tipodo desenvolvimento de cada um dos dois países feita no capí­tulo anterior. E, por outra parte, existe uma correlação entretamanho da empresa e visão desenvolvimentista do Estado, parao caso dos brasileiros, resultado também esperado.

Entretanto, quando se analisam as variações múltiplas en­tre essa dimensão da ideologia dos empreendedores e a dimen­são política no nível selecionado de "alianças de classe", osresultados são os seguintes:

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QUADRO N.O 23

RELAÇAO ENTRE TIPOS DE ALIANÇAS POLrl'ICAS E FORMA DE P ARTICIPAÇAO DO ESTADONO DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO O PAIS E O TAMANHO DA EMPRESA

ARGENTINA BRASIL BRASILTipo (GRANDES EMPBBSAS) (EMPBBSAS MtJDIAS)de

Estado AIGtIçIJ AHtJftÇlJ AlitJftÇlJ AlitJftÇlJ AUtJ"çlJ AUtJftÇIJ AHtJtIÇIJ AHtJtIÇIJ AH/JtIçG1. • 8 1. • 8 1. • li

Estado liberal ... 50% 58% 58% 44% 56% I 48% 25% 27% 33%

IEstado desenvol-56% I 44% I 52%vimentista •.•• 50% 42% I 42% 75% 73% 67%-- -- -- -- -- -- -- -- --

TOTAL ...•.100% I 100% I 100%100% 100% 100% 100% 100% 100%

I

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154 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Essa tabela mostra, por um lado, que a dimensão "tama­nho das empresas" incide consideravelmente sobre a variávelestudada e, em segundo lugar, porém mais importante em nossaargumentação, mostra que a escolha de aliados no interior dasclasses produtoras não significa recusa de um papel ativo doEstado e, mostra simultaneamente, que a aceitação de "traba­lhadores" como aliados eventuais não implica aceitação de umpapel mais ativo do Estado no desenvolvimento. Isso confirmaa hipótese anterior de que a eleição do "aliado de classe" sefaz ao nível tático, com mira a uma política definida e queessa política se define em função de elementos de decisão dis­tintos de uma "ideologia desenvolvimentista". Pareceria líci·to imaginar que a utilização do Estado, sob controle, não éestranha à visão política de industriais que se propõem a umadominação "de classe" até mesmo sem a mediação de um sis­tema policlassista de alianças polfticas.

Quando se deixa de considerar questões tão carregadasde conteúdo ideológico como a anterior e se orienta a indaga­ção para questões mais de instrumentação das políticas pro­postas, as distinções relativas às preferências das alianças declasse voltam a ter a "significação esperada". Assim, ao con·siderar-se a efetividade atribuída aos sindicatos e organizaçõespatronais de classe 13 com relação a certos itens importantes paraa "política de classe" no nível das relações "de classe" - enão ao nível político da Nação - têm-se resultados do se·guinte tipo:

13 Pergunta: "Que eficiência têm esses órgãos de classepara lidar com problemas do interesse da indústria do tipo: .....Davam-se 4 alternativas: muita, alguma, pouca, nenhuma. NoQuadro n.a 24 as alternativas aparecem dicotomizadas.

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QUADRO N.o 2'

RELAÇÁO ENTRE A AVALIAÇÃO DA EFIC~CIA DOS SINDICATOS, SEGUNDO ÁREAS DEATUAÇÁO E OS TIPOS DE ALIANÇA ESCOLHIDOS

(ARGENTINA)

E~Concorr6ncia. Nacional Concorr6ncia. Estrangeira Politica 8alarial

tloa Aliança Aliança Aliança Aliança Aliançll I Aliança Aliançll Aliança Aliançll I8indiclltos 1 S 3 1 S 8 1 S 8

Efetiva .. ' . 44% 31% 1 53% 69% 69% 62,5% 62,5% 69% 76%

56% 169% 'I 47%1 I

Pouco efetiva 31% \ 31% 37,5% 37.5% 31% 24%- - 1- -- -- --

TOTAL .. 100% (16) 1100% (13) 1100% (32) 100% (16) (100% (13) 1100% (32) 100%(16) 100%(13) 100%(32)i I

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156 PoLfTICA B I>BsBNvOLVIMENTO EM SocmDADBS DEPENDENTES

Por esses dados verifica-se que o grupo disposto a umaaliança com os trabalhadores é precisamente o grupo que, dD

comparação com os outros, avalia a ação sindical patronal comomais efetiva para assegurar a conco"lncia nacional e a pollticasalarial. Noutros termos, revela-se como o grupo cujo enfren·tamento com as outras classes parece encontrar-se melhor re·gulamentado, ao menos a julgar por sua avaliação dos sindi­catos patronais. Não se pode afirmar que, no que respeita àconcorrência estrangeira, as diferenças sejam significativas. Po­rém, quando se avalia os resultados dos outros dois grupos,vê-se que as opiniões sobre a eficácia dos sindicatos para a re­gulamentação da concorrência, interna e externa, são opostas,especialmente no caso do grupo favorável à aliança com p0­líticos e militares que considera muito pouco efetiva a regu­mentação interna. Noutros termos: nem os operários nem osconcorrentes são aliados válidos porque há que enfrenu-los,parcialmente, graças ao apoio de terceiros, para impor uma re­gulamentação interna adequada.

No caso do Brasil, as mesmas questõel permitem estabe­lecer o quadro seguinte:

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QUADRO N.o 25

RELAÇAO ENTRE A AVALIAÇAO DA EFIcmNCIA DOS SINDICATOS, SEGUNDO AREASDE ATUAÇAO E OS TIPOS DE ALIANÇA ESCOLHIDOS

(BRASIL)

Conc~ Nacional Concorrmcia EBtr4ngeira PolUica Salarial

AvaHaçcJoAlim&ça IAUança I AZimlça Aliança IAliança I Alia.nça Aliança I AUança I Aliança

1 • 8 1 • 8 1 • 8

Efetiva •••• 25% 56% 158% 56% 30% , 42% 56% 35% 151%

44% 142%I

65% 149%Pouco efetiva 75% 44% 70% ~% 44%I

TOTAL •• 100%(20) 100% (30) 1100% (40) 1 100%(32) 100%(20) 1%(41) Iloo'7o (34) 100%(20) 11oo%(~)I' I' I'

As diferenças nos totais devem-se à. variaçl.o no nttmero de respostas obtidas em cada item.Incluem-se empresirlos de grandes e médias empresas.

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158 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Em comparação com o quadro anterior se nota uma ten­dência geral a considerar menos satisfat6ria a ação sindicalpor parte dos empresários brasileiros. E percebe-se, ademais,que o "calcanhar de Aquiles" do sindicato varia de grupo paragrupo. No caso dos industriais que supõem ser suficiente umaaliança entre as classes produtoras para impor sua política, aação sindical parece ser extremamente pouco efetiva ao níveldo mercado interno e relativamente efetiva com respeitO" aosoutros problemas considerados. A orientação dos que apela­riam, em seu sistema de alianças, para outros grupos, mas nãopara os trabalhadores, indica, entr~anto, o contrário: é nocampo da concorrêacia externa que o sindicato se mostra ine­fetivo, enquanto os empresários que aceitam a participaçãooperária, como os argentinos, mantêm um nível' de avaliaçãomais homogeneamente favorável aos sindicatos no âmbito in·terno, e revelam sua opinião negativa quanto ao âmbito externo.

As VARIANTES FUNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIASEMPRESARrAIs: A ORIENTAÇÃO INTERNACIONALISTA

E Â ORIENTAÇÃO POPULISTA

Se, em vez de considerarmos os grupos que se constituemem função de escolhas dos aliados de classe, reorganizamosnossa informação em vista da polarização Ocidente-operário(que só foi possível construir com os dados disponíveis parao caso do Brasil), confirma-se a possibilidade de reconstituiranaliticamente eixos estruturais de orientação ideológica, ape­sar da homogeneidade que os resultados globais manifestam.Assim, relacionando dois ou três problemas, têm·se os seguin­tes resultados:

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

QUADRO N.o 26

RELAÇÃO ENTRE ORIENTAÇÃO IDEOIAGICAE PERCEPÇÃO DE CONFLITOS ENTRE INTERESSES

INDUSTRIAIS E AGROPECUARIOS

(BRASIL)

1. Inclm I.Incoo S. Ezcl",Ocidente Operários Ambos

Percebt!' ......... 37% tt% 56%

Não percebe 63% 56% 44%

TOTAL 100%(35) 100%(36) 100% (2l1)

QUADRO N.o 27

RELAÇÃO ENTRE ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA E OPINIÃOSOBRE REFORMA AGRARIA COMO MEIOPARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO

(BRASIL)

~nclui t. Inclui S. E:ecluiOcidente Operários Ambos

Inadequado e poucoadequado 89% 5&% 88%

Adequado e muitoadequado 11% .2% 12%

TOTAL .... 100% (35) 100%(36) 100%(26)

Pelos dados acima vê-se que a escolha dos operários comoaliados importantes para possibilitar o desenvolvimento da in·dústria a longo termo e a conseqüente exlusio de preocupa­ções com o fortalecimento do bloco ocidental constitui umpoderoso aglutinador ideológico. Com efeito, essa escolhapor alguns empresários implica aceitar a reforma agrária emmuito maior p!!Gpo.rção (embona com uma mamria contrátiaa ela) do que os industriais que Dio a fizeram; por outro lade,

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160 POLfTICA E DEsENVOLVIMENTO EM 'SOCIEDADES DEPI!NDENTES

a inclusão do Ocidente no esquema de referência ideológico estáassociada mais fortemente com uma percepção menor de 0po­sições entre interesses agrários e industriais.

Correspondentemente, quando se passa do nível da opi­nião para o nível da ação, vê-se que cada um desses três es­tratos orientou seu comportamento com relação à ALALC den­tro de expectativas compatíveis com os resultados anteriores.Os de orientação chamada por n6s em páginas anteriores de"economicista", isto é, menos politicamente polarizados, foramtambém os mais eficazes na consolidação de uma política deintercâmbios econômicos com o exterior (a medir-se pelo in­teresse de participação na ALALC); os "populistas" tenderama interessar-se menos por esse tipo de ação, e os que conside­ram o fortalecimento do Ocidente como um valor básico, semmostrar a mesma eficácia dos "economidstas", não deixaramde marcar sua diferença em confronto com os populistas, in·teressando-se mais pela expansão do mercado:

QUADRO N.o 28.

.RELAÇAO ENTRE ORIENTAÇAO IDEOLOGlCA E O TIPODE MEDIDAS TOMADAS COM RELAÇAO .A. ALALC,

(BRAS/L)

Inclui Inclui ExcluiOperdrios Ocidente Amb08

Nenhuma medida . 46% 37% 13%

Medidas passivas . 33% 26% 23%

Medidas ativas .. 21% 37% 64%-- -- --100%(24) 100%(30) 100%(22)

As VAIlANTES FuNDAMENTAIS DAS IDEOLOGIASEMpIlESAlUAIS: O PARCEIRO HEGBMÔNlCO

Da mesma maneira, é possível detectar variações de aIgu.ma significaçio a putir de outro pólo de referência que a aná·lise mostrou ser importante na orientação dos cmpres4rios: sua

---------------------- -

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAs 161

relação com o sistema financeiro. Com esse propósito procura­mos construir algumas "pautas" de avaliação do sistema fi­nanceiro e incluímos nelas alguns indicadores de situações defato, para saber a que tipo de bancos, oficiais ou particulares,estavam vinculados os informantes. Retivemos quatro indica­dores para elaborar essas pautas: 1) apreciação da importânciado crédito para o êxito das empresas; 2) percepção positivaou negativa sobre a existência de discriminação por parte dosbancos privados; 3) idem sobre os bancos estatais; 4) tipo debanco - privado ou particular - ao qual está mais vinculadoo informante. 14 Elaboramos com base em combinações entrerespostas a esses distintos itens um certo número de pautas eas reduzimos, finalmente, a três: 1) os que consideram ocrédito decisivo e percebem discriminação nos dois tipos debanco - oficial e prjvado; os que percebem discriminaçãopelo tipo de banco do qual declarou depender mais; 2) os quese sentem discriminados pelo banco do qual não dependem; osque não consideram o crédito como decisivo, embora possamperceber discriminações; 3) os que não se sentem discrimina­dos, embora eventualmente considerem o crédito como fatordecisivo para suas indústrias. Assim, é possível separar numextremo um grupo que depende do crédito (isto é, que con·sidera que o crédito é decisivo) e que se sente discriminado,e no outro extremo os que não percebem discriminações. Osresultados dessa separação, para o caso do Brasil, foram osseguintes:

14' As perguntas que serviram de base para a elaboraçãodesses indices foram as seguintes: "Para o desenvolvimentode seus negócios industriais, que setor reputa de importância de­cisiva: fornecimento de matérias-primas, crédito, distribuição,know-how, outros"; "Diria que existe discriminação por partedos bancos no que diz respeito a facilidades de crédito? (paraos bancos oficiais e particulares)" (dava-se, a seguir, um gra­dietlit de alternativas); "Do total de créditos de que dispõem, quepercentagens provêm de fontes bancárias oficiais, privadas na­cionais, privadas estrangeiras, organismos internacionais de cré­dito?"

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162 POLfTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 29

APRECIAÇOES SOBRE O SISTEMA BANCARIOEM FUNÇÃO DA INDÚSTRIA

(BRABIL)

Percebem discriminações .Intermediários .Não percebem discriminações .NS-NR .

TOTAL

EmpresáriosGrandes

28%30%40%2%

100% (50)

Empresário8Médios

iO%16%44%

100%(50)

Para o caso da Argentina, pudemos estabelecer uma escalabaseada em perguntas ligeiramente distintas sobre as mesmasdimensões (Existe ou não discriminação por parte dos bancos?Qual a percentagem de créditos que provêm de bancos oficiais,privados (nacionais ou estrangeiros)? Considera que os ban­cos cumprem com as expectativas das empresas industriais?).Com base nesta escala dividimos também os informantes emcategorias que se' distribuem segundo um gradient de percep­ção cumulativa e simultânea de discriminação e avaliação dautilidade do sistema bancário, com o seguinte resultado:

DISTRffiUIÇÁO DOS "SCORES" NA ESCALA

(ARGENTINA)

BcaresO (não percebem discriminação)1 .2 .3 (percebem fortemente a discri-

minação) .NS-NR .

TOTAL .

R.M.M~ = .663C.R. .913

C.R. - R.M.M. = .280

17%21%21%

31%10%

100% (71)

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLfTICAS 163

Para fins de análise, agrupamos estes resultados do se­guinte modo:

QUADRO N.o 30

APRECIAÇÃO SOBRE O SISTEMA BANCÁRIO,EM FUNÇÃO DA INDÚSTRIA

(ARGENTINA)

Percebem discriminações .Intermediários .Não percebem discriminações .NS-NR .. ' '" .

TOTAL , '" .

31%42%17%10%

100% (71)

I

L_

Neste caso, a primeira verificação comparativa aponta paraum comportamento diferencial entre argentinos e brasileiros.Enquanto apenas 17% dos empresários argentinos não perce­bem discriminações por parte dos bancos, 40% dos brasileirosque são "grandes empresários" reagem da mesma forma. Outravez, a visão de "interesses comuns" entre as classes produto­ras parece justificar-se no caso dos brasileiros, pois pelo me­nos a percepção que eles têm das condições de conflito inter­setoriais é menos marcada que no caso dos argentinos. Estesnão só distif,lguem mais seus interesses dos setores agrários,como sentem-se mais discriminados pelos bancos. Por outra par­te, percebem mais intensamente a existência de um operariadoque atua politicamente como força social. Em conseqüência,porque vivem numa sociedade onde as relações de classe sãomais definidas, como vimos no capítulo anterior, não apenassuas ideologias registram esta situação, como operam nela es­colhas que os distinguem dos brasileiros: o operariado comoum aliado possível - porque forte e porque num contextopolítico de oposições múltiplas entre as classes - reaparececontinuamente.

Evidentemente não pretendemos inferir daí que de ftUtoo comportamento político dos empresários argentinos tende aorientar-se para uma ação comum com os operários. 16 Já dis­semos e convém insistir: o curso real do processo político não

15 A pesquisa fol felta na Argentina na maior parte doscasos durante o Governo Dla. Alguns entrevistados responde­ram imediatamente após o golpe de Estado.

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164 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

pode ser inferido de informações de opinião. Estas revelamapenas dimensões da ideologia que incidem sobre a orientaçãodo comportamento. Porém, as dimensões ideológicas que sãoconstruídas analiticamente, repetimos, não se confundem comos conteúdos valorativos manifestos pelos informantes. Comovimos, por trás das "opções conscientes" é possível encontrarpadrões menos deliberados de reação; a análise desses padrõesnos está mostrando, até agora, que a escolha do aliado dependeda percepção do grau de força real dos atores sociais, emboraessa percepção não apareça como pura ilusão; ao contrário, en·contra apoio nas análises estruturais e históricas que fizemos.Conseqüentemente, qualquer processo político que induza àreavaliação da força relativa dos atores sociais levará o em­presariado a redefinir seus esquemas de aliança. Essas alian·ças, como vimos insistindo, revelam sempre uma relação entreos "interesses da indústria" que se definem em uma situaçãodada e as avaliações sobre o papel e a utilidade de outros ato­res políticos (classes, grupos e instituições) para a consecuçãodos referidos interesses. Assim, não é a similitude de interes­ses entre classes distintas que leva o empresariado à escolhade seus parceiros politicos: é a força política que os empresá­rios atribuem a certos gl1lpos que os leva a escolhê·los comoaliados eventuais. Como existe uma relação entre os objeti­vos visados pelos empresários e a utilidade de certas classes,grupos ou setores para sua consecução, a escolha aparece comose fosse determinada por similitude de interesses de classe.Isso dá a impressão de um processo menos aleatório nas es­colhas e esconde o fato básico: numa situação de dependência,o empresariado, na verdade, tem menos uma política do que"reações adaptativas". Sua escolha está marcada por um senotido do que poderia ser julgado como Realpolitik, mas que, defato, como a dimensão propriamente politica do empresariado- isto é, sua "vocação hegemônica" - está estruturalmentecondicionada, transforma-se em reação adaptativa ou, em ter­mos vulgares, em oportunismo.

A análise das relações entre a ordenação dos informantessegundo sua apreciação do sistema financeiro e algumas outrasvariáveis pertinentes confirma as indicações precedentes: 18

18 Faremos a análise à parte dos empresãrios argentinose brasileiros porque os resultados anteriores mostraram que a

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS 165

QUADRO N.o 31

RELAÇAO ENTRE A PERCEPÇAO DA DISCRDMINAÇAOPELOS BANCOS E NECESSIDADE DO APOIO

DOS BANQUEIROS E FINANCISTAS PARA A REALIZAÇAODE UMA POLtTICA FAVORAVEL AOS INDTTSTRIAIS

(ARGENTINA)

Percebem Não Percebemn;-~m."fJ""e8 Intermediário8 nl_....J· ..,uRrv.. • ........u ,uRr<i,.mlnaçue8

SimNlI.o

TOTAL ...

59%41%

100% (22)

33%67%

100% (30)

36%64%

100%(11)

Diante deste quadro, não cabe dúvida, quando se conside­ram as diferenças percentuais, que existe uma relação entreperceber discriminação e considerar que se requer a aliança como setor financeiro, e, ao contrário, quanto menos se percebediscriminação, menos se busca o apoio do setor financeiro.Neste último caso, quando provavelmente se trata de indústriasmais fortes financeiramente e quiçá mais enraizadas numa es­trutura de poder próprio, busca-se, aí sim, uma "posição he­gemônica" É esse grupo o único que majoritariamente per­cebe a existência de um conflito de interesses com o setoragrário:

QUADRO N.o 32

RELAÇAO ENTRE A PERCEpÇAO DE DISCRlMINAÇOESPELOS BANCOS E A EXIST~CIA DE CONFLITODE INTERESSES ENTRE O SETOR INDUSTRIAL

E O SETOR AGRARIO

(ARGENTINA)

Percebem Intermediário8 Não PercebemDiscriminaç6e8 Discriminaç6e8

Há conflito ..Não há con-

flito .TOTAL .

27%

73%100%(22)

33%

67%100% (30)

60%

40%100%(11)

relação de forças nas quais se movem é efetivamente distinta.Não seria legitimo manter uma comparação pUl"8Jllente formalentre dimensões cujo contexto significativo é distinto.

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166 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 33

RELAÇÃO ENTRE PERCEpÇÃO DE DISCRIMINAÇÃOPOR PARTE DOS BANCOS E ESCOLHA

DE PARCEffiOS POLtTICOS

(ARGENTINA)

AliadosPercebem Intermediários

Não PercebemDiscriminaçõe.~ Discriminações

Mt.litaressim 10% 3% 10%não 90% 97% 90%

Trabalhadoressim 52% 57% 48%não 48% 43% 52%

Polfficossim 23% 20% 27%não 77% 80% 73%

Banqueirossim 59% 33% 36%não 41% 67% 64%

Agropecuáriossim 32% 27% -não 68% 73% 100%

Em conjunto, ademais, é este o grupo que menos percebea ação dos sindicatos patronais como efetiva, não importa aque nível, tanto na regulamentação da concorrência internacomo da externa ou na definição da polític'll salarial:

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLíTICAS

QUADRO N.o 34

167

RELAÇAO ENTRE PERCEpÇÃO DE DISCRIMINAÇÃOPELOS BANCOS E AVALIAÇÃO SOBRE A EFETIVIDADE

DOS SINDICATOS EM DETERMINADAS ÁREAS DE ATUAÇAO

(ARGENTINA)

Avaliação PercebemIntermediários Não Percebem

Discriminações Discriminaç<'les

Concorr~

nacional

efetiva .... 53% 41% 42%pouco efetiva 47% 59% 58%

Concorr~cia

estrangeira

efetiva .... 75% 50% 50%pouco efetiva 25% 50% 50%

pomicasalarial

efetiva .... 80% 61% 55%pouco efetiva 20% 39% 45%

o resultado do Quadro n.O 34 poderia indicar que essesempresários são suficientemente fortes para organizar sua po­lítica independentemente das "associações de classe", as quais,como vimos, caracterizam-se na Argentina por serem porta­-vozes do "conjunto das classes proprietárias". Entretanto, osresultados de outros cruzamentos nos permitem descartar ahip6tese de que se trataria de "verdadeira burguesia indus­trial", com vocação hegemônica e descomprometida de interes­ses não-industriais. Trata-se, antes, de um setor que se senteseguro diante dos outros grupos sociais, que tende a uma ori­entação política do tipo chamado por n6s de isolacionista e"economicista", mas que não compartilha uma "visão moderna"do desenvolvimento, nem do ângulo interno da empresa, nemdo ângulo das relações entre o Estado e o desenvolvimento,como pode verificar-se pelos quadros que seguem:

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168 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 35

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇAO DE DISCRIMINAÇAOPELOS BANCOS E EXPECTATIVAS QUANTO AO TIPODE ATUAÇAO DO ESTADO NO DESENVOLVTIKENTO

(ARGENTINA)

Tipo de E8tado Percebem ltttermeàiárlo8 N 40 PercebemDiBcriminaçÕ68 DiBcriminaçõe8

Estado liberal 39% 62% 70%

Estado desen-volvimentista 61% 38% 30%-- -- --TOTAL ... 100% 100% 100%

QUADRO N.O 36

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇÃO DE DISCRIMINAÇAOPELOS BANCOS E ATITUDE

DO EMPRESARIO NA EMPR1!lSA 17

(ARGENTINA)

Atitude Percebem Itltermeàiário8 N40 Percebemtia Empré8a DiBcriminaç6e8 DiBcriminaç6e8

Tradicional .. 33% 48% 58%

Moderna .... 67% 52% 42%-- -- --TOTAL ... 100% 100% 100%

Da mesma maneira, no caso do Brasil é possível averi­guar até que ponto a atitude diante do setor financeiro - nasuposição sempre de que tal tipo de polarização ideol6gica en-

17 O critério tradicional-racional, neste caso, foi tomadoexclusivamente a partir da formalização ou não de regras deingresso e ascenso do pessoal das empresas. Não discutiremosaqui os limites de validade deSse instrumento de análise porqueo problema escapa à especificidade do tema.

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS PoLfnCAS 169

cerra um núcleo efetivo de problemas concretos - marca dife·renças no conjunto da ideologia dos industriais, toda ela, antesde mais nada, com tendências homogêneas comprovadas pelosdados recolhidos. Vê-se que também entre os empresários bra·sileiros aqueles que não se sentem discriminados pelo setor fi·nanceiro são, ao mesmo tempo, os mais desvinculados (repe­timos, num contexto de extrema vinculação) ideologicamentedos outros setores das classes produtivas, a medir·se por re­sultados indiretos:

QUADRO N.o 37

RELAÇÃO ENTRE PERCEPÇAO DE DISCRIMINAÇAOPELOS BANCOS E AVALIAÇAO DA REFORMA AGRARIA

COMO MEIO PARA AMPLIAR O MERCADO INTERNO

(BRASIL)

ConsideramPercebem NiLo Percebema Reforma, Intermediários

Agrária Discriminaç6es DiscrimiMç6es

Adequado ... 15% 26% 29%

Inadequado .. 85% 74% 71%---I-

TOTAL ... 100% 100% 100%

No conjunto, as respostas a questões similares a esta, ondese davam alternativas várias para a ampliação do mercado in·terno (aumento de salários, redistribuição de renda, maior au­xilio à agricultura e aumento de produtividade), deram te·suItados do mesmo tipo (isto é, de rechaço por cerca de70-80% dos informantes), com exceção de dois itens: aumentode produtividade e auxilio à agricultura. Estes, que espelhama política de fortalecimento do conjunto das classes proprietá­rias e de isolacionismo, invertiam a tendência, principalmentepara o item "aumento de produtividade". Evidentemente, asrespostas, neste caso, estão carregadas de estere6tipos ideo­lógicos, como manifestamente se verifica através da respostafavorável ao aumento de produtividade, posto que sem redis·tribuição de renda e sem aumento de salários esse tipo de res·posta seria justificável tecnicamente apenas para o caso das em·

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170 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCII!DADES DEPENDENTES

presas que operam em mercados restritivos e sociedades exclu­dentes, e não para a maioria dos informantes. Não obstante,74 inclustriais responderam afirmativamente às vantagens doal,lmento de produtividade para ampliar o mercado interno,contra 25, enquanto, por exemplo, no caso da redistribuiçãode renda, houve apenas 15 respostas afirmativas contra 84 ne­gativas, e para o caso do aumento de salários verifica-se ten­dência similar a esta última: 19 favoráveis e 80 contra.

A medida que se analisam questões assumidas menos es­tereotipadamente pelos empresários, os cortes propostos combase na apreciação do setor financeiro voltam a discriminar:

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IDEOLOGIA E ALIANÇAS POLÍTICAS

QUADRO N ,0 38

RELAÇÃO ENTRE PERCEpÇÃO DA EXIST~CIA

DE DISCRIMINAÇOES POR PARTE DOS BANCOSE EFETIVIDADE DOS SINDICATOS PATRONAIS

EM ÁREAS DETEIlMINADAS DE INTERESSEPARA A INDÚSTRIA

171

EfetividadePercebem Não Percebemdos Imermediários

Sindicatos Discriminações Discriminações

Face à intro-missão doEstGdo

sim 41% 59% 57%não 59% 41% 43%

-- -- --TOTAL ... 100% 100% 100%

Diante da con·corr~ na-cional

sim 56% 47% 50%não 44% 53% 50%

-- -- --TOTAL .. , 100% 100% 100%

Diante da con-corr~a es-trangeira

sim 58% 35% 41%não 42% 65% 59%

-- -- --TOTAL ... 100% 100% 100%

N li poUtica sa-larial

sim 48% 50% 53%não 52% 50% 47%

-- -- --TOTAL ... 100% 100% 100%

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172 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Diante da "intromissão do Estado" e da "concorrênciaestrangeira", a percepção ou não de discriminações no setorfinanceiro está associada com as escolhas feitas. Não sabemos,entretanto, qual o grau de especificação dessa associação, pro­blema que por ora não interessa, na medida em que não bus­camos estabelecer, neste nível de análise, relações de causa eefeito e nem tampouco determinar se a relação é ou não "espú­ria" ou se está "contaminada". Basta-nos verificar que efeti­vamente é possivel encontrar no contexto geral de uma ideo­logia empresarial homogênea alguns elementos de diferenciaçãoe reconhecer neles a expressão de uma "situação estrutural"que havia sido teoricamente suposta como existente.

Os quadros e as análises apresentados neste capítulo mos­tram, à saciedade, que efetivamente é possível recuperar ana­liticamente uma série de dimensões que indicam as linhas mes­tras de estruturação da ideologia política dos empresários e pa­recem indicar que existe uma correspondência de fato entre aestrutura ideol6gica e a estrutura econômica, política e socialdos paises considerados. Examinemos essa relação, entretanto,com mais atenção.

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CAPÍTULO V

DEPENDtNCIA, DESENVOLVIMENTOE IDEOLOGIA

N O NÍVEL empírico, a confirmação parcial das análises e in­terpretações que propusemos nos capítulos iniciais não se fazpela simples verificação de que a estruturação das ideologiaspolíticas dos empresários encerra efetivamente, como vimosna capítulo anterior, os mesmos pólos de significação que teo­ricamente apareciam como cruciais na caracterização das distin­tas situações de desenvolvimento. É necessário, além disso,determinar, por um lado, a existência de padrões definidos derelação entre as empresas industriais e o mercado internacio­nal do tipo dos que foram supostos teoricamente como exis­tentes, e por outro lado é necessário mostrar que os tipos deideologia caracterizados no capítulo anterior se relacionam deforma teoricamente esperada com o modo de vinculação dasempresas ao sistema econômico.

Este será o propósito do presente capítulo.

DEPEND~NCIA ESTRUTURAL

Não é necessário, para os fins deste trabalho, fazer umacaracterização minuciosa do modo de vinculação das empresascontroladas por nossos informantes com o sistema industrialcapitalista. Basta mostrar que, mesmo quando se consideraapenas empresários nacionais,l a análise revela que é possível

1 Isto é, que pelos critérios de amostragem e seleção e porcritérios ex post revelaram controlar pelo menos 80% das ações,e freqUentemente 100%.

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174 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

estabelecer uma graduação cumulativa pela qual liames crescen­tes de interdependência entre o sistema produtivo internacionale a produção industrial na Nação se vão constituindo. Os ín.dices hierárquicos que seguem, organizados à moda de umaescala tipo Gutmann, mostram a distribuição dos informantesquando se toma em consideração o tipo de vinculação das em­presas principais que eles controlam e algumas variáveis queindicam formas de ligação com o sistema internacional de pro­dução. Para estabelecê-los, utilizamos as seguintes questões,no caso da Argentina:

1. "O controle das ações é totalmente nacional?"O = sim; 1 = não.

2. "Que tipo de relação tem a empresa com firmas es­trangeiras? "

a) paga patentes; b) remete lucros ao exterior; c)remete juros ao exterior; d) paga royalfies; e) pagaknow-how.O -= não; 1 sim.

J. "Dentro do total de créditos, que porcentagem pro­vém de fontes estrangeiras?"

O = até 5%; 1 = +de 5%.

o resultado foi o seguinte:

(ARGENTINA)Scares

o (sem vinculação) 47% II R.M.M. = .7501 ...................... 20%11 C.R. .9292 23% =-......................

3 (fortemente vinculadas ) 10% II C.R. -R.M.M. = .179

No caso do Brasil, com perguntas semelhantes, e igual cri­tério de conta~em de pontos, obteve-se:

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DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO 'E IDEOLOGIA 175

DISTRIBUIÇAO DOS SOORES NA ESCALADE DE~CIA ESTRUTURAL

(BRASIL)

Scores Grandes EmpresfJ8Empresas Médias

O (seln vinculação) ........ 42% 76%

1 o •••••••••••••••••••••••• 22%

2 ....................... 0 •• 22% 24%

3 (fortemente vinculadas) .. 14%

100% (50) 100% (50)

Grandes: R.M.M. =.68; C.R. =.95; C.R. - R.M.M. =.27Médias: R.M.M. =.90; C.R. =.99; C.R. - R.M.M. =.09

Note-se, inicialmente, que não se trata de mostrar pelosescalogramas acima um processo de "desnacionalizaçiio", em­bora tal processo exista, assim como existe a tendência a queos setores mais modernos e dinâmicos da economia sejam con­trolados por grupos internacionais ou pelo Estado. 2 Não se­lecionamos os industriais por critérios de maior ou menor con­trole nacional das ações: os empresários analisados neste livrosão todos nacionais. Entretanto, mesmo assim, uma parte dasindústrias controladas pelo setor nacional do empresariado (ea fortiori ocorre processo semelhante com as que são controla­das por grupos externos ou a eles se associam em proporçõesmais consideráveis do que os empresários aqui estudados) es­tabelece relações com o sistema internacional de produção ecomeça a participar dele. É este fenômeno, que chamamosnos capítulos iniciais de "internacionalização do mercado inter·

2 Sobre este problema ver os trabalhos de Maur1cio Vinbude Queiroz, Luciano Martins e José Antônio Pessoa de Queiroz,sobre os grandes grupos econômicos brasileiros, publicados naRevista do Instituto de 0iéncia8 ,sociais, vol. II, n.O I, Rio, 1965,-e também Cardoso, "Hégémonie bourgeoise et indépendence éc~

nomique", op. cito

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176 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

no", que aparece nos índices apresentados - embora, repeti­mos, a intensidade deste. processo seja maior no caso das em­presas que não são nacionais. Os escalogramas mostram, noUJ1Íverso considerado, a proporção de empresas nacionais quese vinculam com o exterior pelo. pagamento de "gastos tecno­16gicos" (royalties, patentes, know-how, etc. ), a proporçãodas que recebem financiamentos através de fontes bancáriasestrangeiras e internacionais e a proporção das que têm parti­cipação acionária de empresas ou pessoas radicadas no exterior;e simultaneamente, como os itens que fornecem essas infor­mações são "escaláveis", se pode verificar que, lendo-se os re­sultados de baixo para cima, existe uma tendência cumulativano sentido de que as empresas que são em parte controladasacionariamente por grupos estrangeiros recebem financiamentoexterno, e as que recebem financiamento externo paguem "gas­tos tecnológicos" ao exterior, embora a recíproca não seja ver­dadeira, isto é, nem todas as empresas que pagam gastos tec­nológicos são financiadas pelo estrangeiro ou a ele associadas.

Como era de esperar, as empresas grandes apresentammaior tendência a vincular-se com o sistema internacional deprodução, e portanto a modernizar-se, do qu<; as médias:

QUADRO N.o 1

BRASIL

Dependtncla EstrnturalTamanho da Empresa

Médio Grande

Sem vinculações .Vinculada ao exterior .

TOTAL .

78%22%

100%(49)

54%46%

100% (50)

Por outro lado, como também era de esperar, ao veri­ficar-se a distribuição dos tipQs de vinculação com o exterior emfunção do ramo de atividade industrial - o que faremos ape­nas para o caso do ,Brasil, mas não ocorre diferentemente nasituação da Argentina - vê-se que existe uma' clara tendên­cia de associação entre "setor moderno de produção" (isto é,

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OEPEND!NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 177

que requer alta concentração de' capital sob a forma de inves·timento tecnol6gico) e "dependência estrutural do exterior"(ver o Quadro n,O 13 deste capítulo).

Antes de prosseguir com a análise, convém registrar queos escalogramas revelam uma diferença significativa entre omodo de vinculação ao exterior das empresas argentinas e bra­sileiras: enquanto aquelas tendem a estabelecer vínculos fi·nanceiros sem estar ligadas por liames tecnol6gicos, nas brasi­leiras a vinculação tecnol6gica se verifica com maior freqüên­cia e independentemente da vinculação financeira. Estes r~

sultados podem ser interpretados distintamente: tanto podemsignificar maior desenvolvimento tecnol6gico aut6ctone por par­te do sistema industrial argentino, quando podem indicar quea participação financeira externa se dá mesmo em empresasnão-dinâmicas, o que revelaria menor capacidade de autonomiado empresariado nacional. Por outro lado, comparando-se asinformações sobre as "empresas grandes" brasileiras e as ar·gentinas, verifica-se que entre estas últimas apenas 28,5% pa·gam "gastos tecnoI6gicos", enquanto entre as brasileiras 50%o fazem, o que da mesma forma indicaria ou .um grande desen­volvimento tecnol6gico por parte do sistema industrial argen­tino ou significaria que o setor nacional do empresariado con­trola os ramos menos modernos e dinâmicos. Como no mo·mento não dispomos de informações adicionais capazes de con­firmar qualquer das hipóteses, teremos de limitar·nos na análi­se a considerar globalmente dois grupos: as empresas que nãoapresentam qualquer vínculo com o exterior e as que estãovinculadas de algum modo. Assim procedendo, além de poder­mos supor (em vista das informações contidas no Quadro n.O13) que o setor não-internacionalizado da economia dos doispaíses apresenta maior tendência a um baixo nível tecnol6gicoe a concentrar-se em ramos industriais menos dinâmicos, orodenamos de fato as empresas a partir da dimensão claramenteestabelecida de possuir ou não vinculações com o exterior,

Os dados apresentados até agora neste capítulo descrevemem parte a situação que conceptualmente chamamos de "de­pendência estrutural". A descrição. é parcial porque na ver·dade esse tipo de dependência aparece mais plenamente quan·do se concentra a atenção sobre o setor propriamente estran·geiro da economia industrial e sobre o setor nacional a ele li·

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178 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

gado. Entretanto, justamente porque o setor analisado é omenos permeável à internacionalização, a comprovação de queaté nele este processo se verifica e incide, como veremos, nasorientações políticas dos empresários, constitui, por assim di­zer, uma prova crucial das hipóteses que sustentamos.

Convém repetir que a "dependência estrutural", tal comoa concebemos, se distingue do conceito de "dependência exter­na" utilizado pelos economistas e da idéia de que existe um"setor nacional" e um "setor estrangeiro" nas economias sub­desenvolvidas. Evidentemente, tanto existe uma "dependên­cia externa", com graus variáveis, quanto um setor econômicoestrangeiro. Porém, a dependência externa se manifesta pordimensões econômicas como a relação entre o coeficiente deimportação e o PNB, ou o endividamento crescente dos paísessubdesenvolvidos etc., que não estão sendo considerados nestaanálise. E por outro lado, a distinção entre setor estrangeiroe setor nacional da economia supõe que existe uma diferencia­ção no modo de comportamento das unidades produtivas ede quem as controla em cada um dos dois setores. Entreta:.1to,essa diferenciação parece modificar-se quando a economia in­terna 'se internacionaliza, isto é, quando passa a operar estru­turalmente vinculada ao modo internacional de produção in­dustrial-capitalista, adotando Sllas técnicas produtivas e man­tendo relações financeiras com ele independentemente do con­trole acionário nacional ou externo.

A idéia de dependência estrutural vai salientar, precisa­mente, que esses fenômenos se dão num contexto social e po­lítico em que as solidariedades, as alianças entre os grupos eos sistemas normativos por eles compartidos começam a re­definir-se em função do novo corte estrutural significativo:pertencer ou não ao setor internacionalizado da economia na­cional.

ORIENTAÇÕES POLÍTICAS E DEPENDÊNCIA ESTRUTURAL

Verifiquemos esta proposição começando com a análise daincidência da "dependência estrutural" sobre as orientações ideo­lógicas caracterizadas no capítulo anterior:

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DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 179

QUADRO N.o 2

RELAÇAO ENTRE DEPEND:t!:NCIA ESTRUTURALE "ORIENTAÇAO POLtTICA"

(BRASIL)

Sem Vinculações Vinculadoscom o Exterior ao Exterior

1. Alianças exclusivamenteao nlvel das classes pro-dutoras ............... 29% 42%

2. Alianças de 1 mais poli-ticos e militares ....... 15% 28%

3. Incluem trabalhadores naaliança ............... 56% 30%

--- ---100% (55) 100%(43)

Tomamos em conjunto empresários que controlam empre­sas grandes e médias porque a análise das diferenças percen­tuais da matriz que considerava tamanho das empresas eorientação ideológica não revelou diferenças significativas.

As diferenças percentuais e a distribuição das freqüênciasindicam sem margem para dúvidas que existe uma associaçãoentre os dois fenômenos considerados. Convém notar que,quando se distinguem as gradações no modo de vinculação como exterior, as diferenças tornam-se mais significativas ainda, pois,considerando-se apenas as categorias extremas, isto é, quandonão existe qualquer vinculação com' o exterior, por um lado,e quando ocorre o maximo de vinculações possível, por outrolado, tem-se o seguinte resultado:

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180 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 3

RELAÇÃO ENTRE DEPEND~CIA ESTRUTURAL(CASOS EXTREMOS) E ORIENTAÇÃO POLtTICA

(BRASIL)

Nenhuma. Vtnculaç40Md<rima.Vinctdaç40 Considerada

1. Alianças exclusivamenteao nivel das classes pro-dutoras .............. 29% 63%

2. Alianças de 1 ma.ls polf-ticos e militares ....... 15% 37%

3. Inclúem trabalhadores naaliança ............... 56% --- --

100% (55) 100% (8)

Além disso, a relação entre "dependênda estrutural" e"orientação ideoI6gica", medidas pelos indicadores considerados,aparece delimitada em sua extensão quàndo se inverte a per­gunta, para saber como se distribuem as freqüências entre os·que são favoráveis a cada tipo de aliança política:

QUADRO N.o 4

RELAÇÃO ENTRE "ORIENTAÇÃO IDEOLOGICA"E "DEPEND~CIA ESTRUTURAL"

(BRASIL)

.Favor4Veia a

Favorávei8 FavorãveiB AliatllÇa.s entrea Alianças a.s Cla.sS6s Pro-48 Aliança.s entre a.s ClGases dutora.s MU'-com Operários Produtora.s tatreS ou Po-

liticos

Sem vincula-ções com oexterior " . 70% 47% 40%

Vinculados aoexterior .. 30% 53% 60%-- -- ---

100%(44) 100%(34) 100%(20)

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DEPENDftNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA ·181

Não há dúvida quanto aos resultados: quanto mais vin­culados ao exterior menos favoráveis às alianças com o opera­riado e vice-versa. Entretanto, reaparece nesse nível da aná·lise a tendência anteriormente entrevista no sentido de queexiste um comportamento diferencial entre os que não são fa­voráveis a uma política "populista": parte deles opta por umavisão política que exclui "outros grupos sociais", enquantooutro setor se manifesta favorável às alianças com os setoresque manipulam o Estado e as forças armadas.

De igual modo, as orientações ideol6gicas medidas peloíndice hierárquico que considera os itens "aliança com os ope­rários", "fortalecimento do bloco ocidental" e "outros", quan­do analisados em função da situação estrutural, vão apresen­tar resultados que não fazem mais do que confirmar ,S inter­pretações anteriores. Para não abundar em verificações defato que sustentam as mesmas interpretações, sem contudo acres­centar m.ãis força aos argumentos, Umitar-nos-emos a apresen­tar uma tabela sobre este tipo de relação:

QUADRO N.o 5

RELAÇAO ENTRE "DEPENDlIlNCIA ESTRUTURAL"E "ORIENTAÇAO POLtTICA"

(BRASIL)

18em Vinc1daç6e8 Vinculadoscom o Exterior ao Exterior

OrientaçA.o26%"nacional-populista 45%

Orientaçl.o"apoUUca" ............. 27'10 26%

Orientaçl.o"intemacionallzante" .... 28% 48%

100% (56) 100%(42)

Com menor nitidez, porém na mesma direção, a tendênciaà associação entre "orientação populista" e vinculação exclusiva

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182 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

ao sistema nacional de produção também se manifesta no casoda Argentina:

QUADRO N.o 6

DEPEND1tNCIA ESTRUTURAL E ALIANÇAS POLtTICAS

(ARGENTINA)

Sem Vinculações Vinculadoscom o Exterior ao Exterior

Incluem trabalhadores nasalianças .............. 58% 46%

Não incluem trabalhadoresnas alianças ........... 42% 54%

--- ---100%(33) 100% (35)

As análises comparativas anteriores sobre o modo de vin­culação do sistema industrial argentino e brasileiro com o ex­terior haviam salientado que no caso da Argentina a vincula­ção financeira é mais intensa do que a tecnológica. Como estaúltima tem uma importância toda especial na etapa de indus­trialização restritiva característica das "sociedades industriais ex­cludentes", é legítimo indagar como se relacionam as orienta­ções ideológicas ao fazer-se a dicotomização da variável "de­pendência estrutural" em função de um corte no índice hie­rárquico apresentado na pág. 162 grupando os entrevistadosque obtiveram scores O e 1 contra os que obtiveram 2 e J:

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DEPEND~NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 183

QUADRO N.o 7

DEPEND1JNCIA TECNOLóGICA DO EXTERIOREM RELAÇAO COM ALIANÇAS POLtTICAS

(ARGENTINA)

Incluem trabalhadores nasalianças .

Não incluem trabalhadoresnas alianças .

Sem Vinculaçõescom o Exterior

60%

40%

100% (47)

Vinculados IaO Exterior

30%

70%

100% (20)

Este quadro revela com maior nitidez a tendência esbo­çada no qu~dro anterior: quanto mais dependente tecnologi­camente, menos favorável às alianças políticas com os traba­lhadores e vice-versa.

Mais uma vez, entretanto, queremos chamar a atençãopara o significado real dessas análises. Não é possível esque­cer que os índices de orientação ideológica foram construídosa pãrtir do suposto de que a tendência predominante concen­trava-se em escolhas que chamamos de "elitistas" e isolacio­nistas'0 P?r trás dessa tendência buscamos recuperar certasdimen~ões da ideologia política da burguesia que revelasse pos­sibilidades latentes de diferenciação. São essas possibilidadeslatentes que se expressam nas categorias "populismo", "inter­nacionalismo", "economicismo", "apoliticismo" etc. Por outrolado, o que demonstramos neste capítulo até agora foi a rela­ção entre essas tendências e o modo de vinculação - segundoindicadores disponíveis - de empresas controladas por in­dustriais 1zacionais com o sistema internacional de produção.Portanto, os dados não significam que continua a existir uma"burguesia nacional" disposta a aliar-se com os "setores popu­lares" depois que a situação global de dependência assumiuas conotações descritas no capítulo 111; o que os resultadosda análise permitem afirmar é que no conjunto do empresa­riado nacional existe um setor que não reorganizou seu modo

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184 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

de relação com o sistema de produção depois das modificaçõessofridas por este, e que é preferentemente neste setor que seencontram industriais que orientam virtual ou latentemente suasescolhas políticas aceitando uma aliança de estilo populista.

A IDEOLOGIA "NACIONAL-POPULISTA"

Contudo, o significado real da opção por uma aliança po­lítica com os operários deve ser delimitado pela análise dasvariações entre esta escolha e opções que reyelem outras di­mensões do "universo ideol6gico" dos empresários. Com efeito,para que a interpretação da tendência encontrada ganhe sen­tido, convém verificar se os empresários favoráveis às aliançascom os operários respOndem às expectativas políticas de umaideologia "nacional-populista".

Comecemos, como no capítulo anterior, com a questão dosçonflitos de interesse entre o setor industrial e o setor agrário.Havíamos visto que era estatisticamente pouco significativa, en­tre industriais que assumiam uma ideologia populista, a ten­dência para perceber mais do que os outros empresários a exis­tência de conflitos agro-industriais. Vejamos agora, ao intro­duzir-se a dimensão "dependência estrutural", como se com­portam os dados.

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QUADRO N.O 8

RELAÇA.O ENTRE DEPEND:&NCIA ESTRUTURAL E PERCEpÇAO DE OPOSIÇA.O ENTRE INTERESSESDA INDúSTRIA E DO SETOR AGROPECUARIO

IBem Vinculoç6e" EBtmturCJiB IntermediarioB Muito VincuZCJdoB

com o Eirterior E,tmturCJlmente

ArgentitIU BrCJ8U TotCJl ArgentitlU BrCJ8U TotCJl ArgentitlO BrCJ8U TotCJlPercebeoposição 31% (5% (0% 37% 38% 38% (3% 75% 53%Não percebeoposição 69% 55% 60% 63% 62% 62% 57% 25% (7%

-- -- -- -- -- -- -- -- --TOTAL. 100%(32) 100%(56) 100%(88) 100%(16) 100% (3() 100%(50) 100%(21) 100%(8) 100%(29)

No caso da Argentina, consideramos "intennediArios" o 3.° grupo de indice hierárquico correspondentee somamos o 2.° grupo com o (.0 para compor a categoria "muito vinculados estruturaIrnente".

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186 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Este quadro permite entender um pouco melhor a rela­ção entre ideologia e dependência na questão dos conflitos en­tre os grupos agrários e os industriais. É indiscutível que amaioria dos industriais não reconhece a existência de tais con­flitos, como havíamos visto, mas aparece claramente tambémque são os mais vinculados ao exterior os que mais percebemestas oposições e, no caso do Brasil, há uma diferença percen·tual de 30% a comprovar que existe uma clara associação po­sitiva entre depender estruturalmente e perceber oposições deinteresse entre o setor agrário e o setor industrial.

A análise conjunta das três dimensões (orientação política,dependência estrutural e percepção dos conflitos agro-indus­triais) vai mostrar, entretanto, que a ideologia política se nãodetermina a tendência à maior ou menor percepção dos con­flitos intersetoriais na burguesia - pois a dependência estru­tural pesa mais do que ela - não deixa de incidir sobre essapercepção. Assim, mesmo entre os que dependem estrutural­mente do exterior, são os "populistas" os que menos percebema oposição entre agricultura e indústria, embora entre os não­-vinculados ao exterior a qualificação populista ou não-populistapraticamente nada discrimine:

QUADRO N.o 9

RELAÇOES ENTRE DEPEND:6:NCIA ESTRUTURAL,ORIENTAÇÃO IDEOLóGICA E PERCEPÇÃO

DOS CONFLITOS AGRO-INDUSTRIAIS(ARGENTINA)

Sem Vinculações Vinculadoscom o Exterior ao Exterior

<CN40- <CNda_

Percebem<CPopulistus" Populistas" <CPopulistas" Populistas"

con-flito agro-in-dustrial • 0.0 32% 29% 47% 35%

Não percebem 68% 71% 53% 65%--- --- --- ---

TOTAL .... 100% (19) 100%(14) 100% (15) 100% (23)

De qualquer modo, os resultados dessas análises não con­duzem à idéia de que existe uma relação entre desvinculação

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I

L

DEPEND~NCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 187

com o exterior ~ populismo ~ opoSlçao aos setores agrá.rios. Por outra parte, quando se indagou no capítulo ante­rior se à escolha dos operários como aliados políticos corres·ponde um! "visão desenvolvimentista" na avaliação do papeldo Estado, os resultados tampouco permitiram avaliar a idéiade que os empresários de orientação "populista" eram mais"desenvolvimentistas" e agora é possível mostrar que a "in·dependência estrutural" não está relacionada significativamentecom maior "desenvolvimentismo":

QUADRO N.o 10

RELAÇAO ENTRE "DEPEND1:NCIA ESTRUTURA,L"E AVALIAÇAO DO PAPEL DO ESTADO

NO DESENVOLVIMENTO

Bem Vinculações Vinculadoscom o Exterior ao Exterior

Argentina Brasil Argentina BrasilEstado "desen-

volvimentista" 39% 52% 47% 50%

Estado do"laissez·faire" 61% 48% 53% 50%

TOTAL ... 100%(31) 100% (21) 100% (32) 100% (28)

Consideram-se apenas os empresários brasileiros grandes.

Tampouco é possível sustentar - quase por definição,posto que a modernização industrial exige maior know-how eeste é: como vimos, estrangeiro - que o grupo sem vipcula­ções com o exterior se caracterize por uma orientação racio­nal ao nível interno da empresa, a julgar pelos indicadores deque dispúnhamos. Ao contrário, no caso da Argentina, 61 %dos empresários sem vinculações com o exterior seriam "tradi­cionais", contra 39% "modernos", enquanto que dos vincula­dos estruturalmente ao exterior há 53% "tradicionais" contra47% "modernos".

Em suma, por estes dados o setor do empresariado nacio­nal que ainda parece aceitar, mesmo que apenas de forma la·

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tente, uma aliança política com o operariado aparece, ao mesmotempo, como "pouco progressista". Tratar-se-ia de um setorsem uma visão do processo de desenvolvimento de tipo "mo­derna", isto é, que não veria no Estado mola importante datransformação industrial nem teria um comportamento "racio­nal" no imbito da empresa e que m.antém uma visão conser­vadora sobre os conflitos de interesse com o setor agrário.Tudo isso em aberta contradição com a ideologia que atribui• esse setor a missão hist6rica de assumir o cometimento de"realizar os destinos da Nação".

SISTEMA PRODUTIVO, MERCADO E IDEOLOGIA

Na realidade, é difícil aceitar a hipótese de que um gru·po com estas características se proponha realmente a umapolítica de transformações baseada em alianças polic1assistas.Nesse sentido, seria conveniente inverter agora os termos daquestão e indagar sobre q papel dos interesses puramente eco­nômicos como eixos ordenadores da visão do mundo dos em­presmos "nacional.populistas". O predomínio desses interes·ses corresponderia na prática à negação da validade dos adje­tivos nacionalistas e populistas como qualificativos para estetipo de empresários.

Assumamos como ponto de partida analítico o mesmocritério que teoricamente havíamos proposto como definidordas conseqü~ncias da etapa de desenvolvimento excludente, ba·seado na industrialização restritiva: as diferenças de tipo dedemanda a e portanto de tipos de mercado. A primeira obser­vação a fazer refere-se à relação entre <> modo pelo qual os in·dustriais considerados se ligam ao sistema de produção indus­trial e a importância atribuída à ampliação do mercado fora dasfronfeiras. nacionais. .Com efeito, toda a. teoria de um possíveldesehvolvunento naCional baseado na aliança de uma burgue-

a Evidentemente, o perfUdistinto da demanda está condi­cionado pela estrutura do sistema produtivo, que, como vimos,surgiu na análise como "variável independente". Entretanto, naideologia da burguesia industrial - como representação - essaestrutura reaparece como necessidade de um tipo especlttco demercado.

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DEp~ND!NCIA, DEsENvOLVIMENTO E IDEOLOGIA 189

sia empresarial dinâmica com as massas assenta na suposiçãode que a industrialização desejada por esta "burguesia revolu­cionária" requer uma absorção crescente de consumidores nomercado. Já vimos, no plano ideol6gico, as limitações que talpolítica sofre em conseqüência da persistência de idéias quesustentam a indiferenciação dos interesses de todos os setoresda burguesia e na oposição que os industriais manifestam amedidas como a reforma agrária e a políticas favoráveis à re­distribuição da renda. Veremos agora, com base em informa­ções e não em opiniões, a relação que existe entre, por um lado,vinculação ou autonomia em face do modo intemacional deprodução industrial e, por outro lado, quais as medidas toma­das diante da ALALC, que, como se sabe, é a instituição naqual os empresários latino-americanos e seus governos discuteme resolvem quais devem ser os acordos preparat6rios para umaintegração econÔmica supranacional. Eis os resultados:

QUADRO N.O 11

TIPO DAS MEDIDAS ADOTADAS PARA INTEGRARAS EMPRESAS NA ALALC EM RELAÇAO

COM "DEPEND~CIA ESTRUTURAL"

(A.RGENTINA.)

Nenhuma medidaMedidas passivasMedidas ativas

TOTAL

Bem VincuZaç6escom o Exterior

31%47%22%

100% (31)

VinculadIJBao Exterior

13,5%30,0%56,5%

100,0% (37)

A pergunta que serviu de base a este quadro 9fereciacinco alternativas desde "nunca pensou nisso" até "mantémcontatos mercantis com outras emprêsas através da ALALC".

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190 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 12

TIPOS DAS MEDIDAS ADOTADAS PARA INTEGRARAS EMPRESAS NA ALALC EM RELAÇAO

COM "DEPEND:mNCIA ESTRUTURAL"

(BRASIL)

Nenhuma medidaMedidas passivasMedidas ativas

TOTAL

Se~ Vi1bCulaçõesCo~ o Exterior

38%24%38%

100%(50

Vinculadasao Exterior

12%30%58%

100% (43)

As tendências, nos dois países, são óbvias: quanto maisa empresa está vinculada ao "modo internacional de produção",mais atua dinamicamente para ampliar externamente o mercado.No caso dos empresád?s brasileiros, quando se isola o grupomais vinculado ao exterior entre os que mantêm algum tipo devinculação, e se verifica como atuou diante da ALALC, vê-seque todos tomaram algum tipo de medida: 25% medidas pas­sivas (do gênero "gestões de informação") e 75% medidasativas de integração das empresas ao mercado latino-americanoatravés da ALALC. Ora, as análises anteriores mostraram, poroutro lado, que os grupos estruturalmente mais vinculados aomodo internacional de produção são os mais "modernos", "de­senvolvimentistas" etc.; e mostraram que são, ao mesmo tempo,reticentes quanto à ampliação do mercado interno. Parece,portanto, que na prática .os setores mais dinâmicos da burgue­sia industrial preferem limitar o "alcance revolucionário" de suaatuação à consolidação de liames econômicos entre os núcleosindüstrializados e de consumo relativamente alto já existentes.

Quando se indaga como se distribuem os empresários porsetor de produção, vê-se, por outro lado, como era de esperar,que são justamente os industriais ligados aos "setores tradi­cionais" - alimentação, bebidas, tecelagem - os que dependem menos de vinculações com o exterior. Ora, como estefator incide sobre as escolhas de aliados políticos e sobre ocomportamento efetivo no sentido de buscar ou não saídas para

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DEPENDÊNCIA, DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 191

a expansão da produção através do mercado externo, percebe.·se conseqüentemente que são os industriais vinculados ao"consumo tradicional de massas" os que simultaneamente maissustentam medidas de alianças políticas com os operários emantêm representações sobre o "Estado", o "Desenvolvimento"e a "Empresa" de tipo "tradicional" - isto é, não adaptadasàs novas condições sociais da produção industrial.

Os resultados disponíveis que permitem confirmar essainterpretação referem-se somente ao Brasil e são os seguintes:

QUADRO N,o 13

RELAÇAO ENTRE RAMO DE ATIVIDADE DA EMPRESAPRINCIPAL· E DEPEND1l:NCIA ESTRUTURAL

(BRASIL)

Alimentação Transportes Produç(J,o deBebídas e acessórios insumos in-

TéxtiZ eletrodo- dustriaisVestuário méstic08 Material elé-

Metalurgia tricode con:sumo Mec4nica pe-

Artigos sadade escritório Papel e pa-e brinquedos pelão, plás-

ticos, quimi-C08 e pe-

tróleo

Sem vinculaçõesestruturais como exterior .... 71% 56% 44%

Vinculadas ao ex-terior ........ 29% 44% 56%

--- --- ---TOTAL .. 100% (41) 100% (16) 100% (41)

• Duas empresas não puderam ser classificadas devido 1diversidade de sua produção, Constituem "conglomerados in­dustriais",

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192 PoLÍTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

QUADRO N.o 14

RELAÇAO ENTRE RAMO DE ATIVIDADE DA EMPR1IlSAPRINCIPAL E ORIENTAÇÃO DAS ALIANÇAS POLrrICAS

(BRASIL)

Empresas Empresas de Consumode ConsumoTradicional * Moderno de Massas oude Massas de Consumo Industrial

Favorãveis às alianças com 51% 38%trab&1hadores ......... 49% 62%

-- --Excluem trab&1hadores .. 100%(41) 100%(55)

* Considerou-se nesta categoria as empresas cujo pro-duto principal incide s6bre alimentaçAo, bebidas, têxteis evestuário. Todas as demais foram gropadas na. outra cate-goria. Q = + .30.

o quadro mostra que os empresários das indústrias quesupõem um consumo moderno tendem a rejeitar alianças p0­líticas com os trabalhadores, porém que o fato de controlarempresas vinculadas ao "consumo tradicional" não é suficien­te para explicar a escolha de trabalhadores como aliados, poisa relação é apenas de '1% para 49%. Essa verificação exigecomentários adicionais. Antes de mais nada, na categoria "con­sumo tradicional" estão incluídas empresas que provavelmenteatendem a um mercado de baixas rendas, pois é evidente queas demais empresas, pelos menos vinculadas aos transportes,aos aparelhos eletrodomésticos e à metalurgia de consumo, tam·~m dependem da ampliação do mercado, mas de um merocado de rendas médias-altas e altas. Aparentemente, portanto,existem outros fatores que interferem na relação entre tipo.s demercado e ideologia política.

Os dados disponíveis permitem verificar em parte se efeti­vamente a associação entre "consumo ampliado de massas" eideologia política pode ser precisada, quando se controla aoutra variável em questão, qual seja o modo de vinculação como exterior. Vimos que às empresas mais modernas são asque mais se vinculam ao exterior. Portanto, a maior vincula­ção ao exterior deve indicar, mesmo no conjunto das indústrias

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1>aPEND!NCIA, OBsENvOLVIMENTO B IDEOLOGIA 193

que têm produção voltada para o mercado tradicional ou "demassa", aquelas que usam t&nicas produtivas mais modemas,isto é, que se "intemacioD,Jir.am". E de esperar que sejam osindustriais de empresas "internacionalizadas" os menos favorá­veis às alianças com os trabalhadores, pois seu esquema de de­senvolvimento suporá um tipo de relação política baseada maisno fortalecimento das alianças interclasses e na expansão donúcleo econômico "dinimico-intemacionalizado" da economiado que no populismo e na ampliação baseada no aumento nu­mérico dos consumidores. Esta interessaria antes aos industriaisnão ligados estruturalmente ao exterior, que buscariam consu­midores capazes de absorver mereadorias produzidas a um ní­vel tecnol6gico relativamente modesto. E, por outro lado, éde esperar que a baixa relação entre "setores industriais di·nâmico-modemos" e "alianças políticas com os trabalhadores"apareça ainda mais claramente determinada quando se analisaem conjunto a relação entre "dependência estrutural, tipo deindústria e orientação política".

QUADRO N.o 115

RELAÇAO ENTRE DEPEND~CIA ESTRUTURAL,TIPO DE MERCADO DA IND"OSTRIA PRINCIPAL

E ESCOLHA DE ALIADOS POLtTICOS

(BBABIL)

Bem Vinculaçc5ea Oom VinculaçiSeacom o E:rlerlor com o E:rlerlor

Conaumo OonaumoOonaumo

OonaumoModerno: Moàenlo:

Traàicional Mercado Traàicional Mercado"de tnaBaa" Beatritillo I«de m,aaaa" Reatritillo

Favorâveisa aliançascom traba-lhadores .. ·157% 152% 38% 27%

Excluem tra-balhadores

das aliançaspoliticas .. '3% '8% 62% 73%

-- -- -- --TOTAL 100%(30) 100%(27) 100% (13) 100% (30)-

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194 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SOCIEDADES DEPENDENTES

o quadro confirma as hipóteses anteriores: quando se in­troduz a diferenciação devida ao tipo de relação mantida com osistema internacional de produção, vê-Se que ela especifica econdiciona as escolhas políticas, precisando, dentro da distin­ção entre "consumo tradicional de massas" e "consumo moder­no", quem são os que se manifestam mais favoravelmente àsalianças com os trabalhadores. A relação entre "consumo mo­derno" e "exclusão dos trabalhadores das alianças políticas"só tem seu significado precisado quando se distingue se setrata ou não de empresas "estruturalmente dependentes". Nestecaso, a associação entre "consumo moderno" e "exclusão dostrabalhadores" é forte; em caso contrário, quando se trata deempresas não-vinculadas ao modo internacional de produção,existe uma predominância de opiniões favoráveis às alianças comos trabalhadores, embora ainda aqui esta preferência aumentequando se trata das empresas "estruturalmente independentes",voltadas para o consumo que chamamos tradicional ou "demassas".

Em conseqüência da análise do Quadro n.O 15, vê-se queobjetivamente a categoria "tipo de mercado" depende da cate­goria "relação estrutural" (com as reservas assinaladas quantoaos indicadores disponíveis para caracterizar ambas). Entre­tanto, para que seja melhor interpretado o efeito que o "tipode mercado" preferido exerce sobre a ideologia política, convémconsiderar que subjetivamente, isto é, ao nível das representa­ções mantidas pelos empresários, a expectativa que eles formamquanto às medidas que implicitamente supõem necessárias paraa ampliação do mercado se constitui num dos pólos mais sig­nificativos de estruturação das ideologias empresariais. Assim,uma série de relações que foram analisadas no capítulo ante­rior e que revelaram organizar-se em função das representa­ções que os entrevistados mantêm sobre os outros agentes so­ciais pode ser organizada também em função dessa nova dimen­são de sua representação do mundo e se verá que as preferên­rias por cada forma particular de ação econômica se relacionamcom as representações anteriormente apresentadas. Em outraspalavras, as escolhas de aliados políticos - que vimos no capí­tulo anterior - não são aleatórias quando se considera as re­presentações dos empresários quanto a seus interesses puramen­te econômicos de classe.

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DEPENDtNCIA. DESENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 195

Para verificar essas afirmações selecionamos dois tiposde respostas na questão sobre as medidas necessárias para a am­pliação do mercado. Num grupo, juntamos os que se mani­festaram em favor da "reforma agrária" e contra o "auxílio àagricultura", embora favoráveis também e indiscriminadamentea algumas das demais medidas propostas como possíveis para aampliação do mercado interno (redistribuição da renda, aumen­to de salários ou aumento da produtividade). No outro grupojuntamos os' que escolheram as demais categorias, com exclu­são da reforma agrária.

Supõe-se que desta forma se distinguem analiticamentedois tipos de orientação, uma favorável à ampliação numéricaou quantitativa do mercado, pela incorporação de novos con­sumidores, outra favorável a uma "ampliação qualitativa" domercado, -pelo aumento do poder aquisitivo dos atuais consu­midores. Os resultados dos cruzamentos desses dois gruposem função de algumas variáveis estratégicas para nossa análiseforam os seguintes:

QUADRO N.o 16

RELAçoES ENTRE OPINIAO FAVORAVELÀ ..AMPLlAÇAO NUMilRICA" DO MERCADO

E DEPEND1DNCIA ESTRUTURAL

(BRASIL)

Sem Vinculados

Fatlordt7fri8 Ovtras Vinculaçóes Estrutural·R68POstas com o mente ao

Exterior Exterior

Sem vincula-ç6es com o Favo-exterior ... 72% 54% ráveis- 23% 12%

VInculados es-truturaImen·ao exterior 28% ~6% Outras 77% 88%-- -- -- --

TOTAL .. 100%(17) 100%(82) 100%(57) 100%(42)

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196 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

Este quadro, que permite ver como se distribuem as res·postas em suas direções distintas, mostra que, embora no con­junto, como já havíamos visto no capítulo anterior, os empre­sários tendam a manifestar-se fortemente contra a reforma agrá.ria, dentre os que lhe são favoráveis a maioria pertence aos se­tores não-vinculados ao modo internacional de produção e, porisso mesmo, aos setores industrialmente menos complexos. E,por outra parte, em comparação com os setores vinculados es­truturalmente ao exterior, os setores independentes dessa vin­culação são também os mais favoráveis à "ampliação numérica"do mercado.

De igual modo, a análise do cruzamento entre a variável"orientação política" e as preferências sobre o tipo de amplia.ção do mercado vai confirmar as interpretações que avançamosnas páginas anteriores:

QUADRO N.o 17

OPINIAO FAVORÁVEL À "AMPLIAÇA.O ~CA"DO MERCADO E ORIENTAÇA.O POLn'ICA·

(BRASIL)

~avor4VeÍ8

PopulistasI 55%

Outros .. 45%

Outros

31%

69%

Favo-riveis 30%

Outros 70%

10%

90%

100%(17) 100%(81) 100% (36) 100% (62)

• Dimensão medida segundo o lndice hierárquico apre­sentado no capitulo anterior.

Como se vê, entre os favoráveis à ampliação numérica domercado existe associação positiva com uma "orientação popu­lista" em comparação com os demais, e .entre os "populistas"em comparação com os "nãe»populistas" também existe maiortendência para uma opinião favorável à aInpliação numéricado mercado, embora no conjunto, todos,populistas ou não­-populistas, prefiram outras alternativas.

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DuENDtNCIA, DEsENvOLVIMENTO E IDEOLOGIA 197

Tendências na mesma direção foram encontradas na aná·lise das outras dimensões da ideologia empresarial que vimosconsiderando. Assim, com relação à "visão do Estado", a pre·ferência pela ampliação do consumo através da incorporaçãode massas vai estar associada a uma orientação "desenvolvimen­tista" e nã~liberal (72% X 28% ), em comparação com as ~ue

optaram por alternativas de ampliação "qualitativa" do merca­do (41% X .59%). Com relação à avaliação da conduta dosinformantes no plano interno da empresa, verificou-se. tam­bém, que os favoráveis à ampliação do consumo de massas são"modernos", embora a maioria entre estes não seja favorávelàquela poUtica.

Não resta dúvida, diante desses resultados, que a per­cepção do tipo de mercado con.siderado importante para o de­senvolvimento - isto é, um mercado ampliado pela "incor­poração de massas" ou um mercado ampliado pelo incrementodas rendas de grupos restritos - se constitui num eixo im­portante de ordenação da estrutura ideológica dos empresários.

INTERESSES ECONÔMICOS E PODER

Os pólos propriamente polfticos de organização e estru­turação das ideologias que apresentamos e discutimos no capí.tulo anterior nos levaram à verificação de que a burguesia in·dustrial no nível das relações de poder desenvolve, mais doque uma política, uma reação adaptativa. Os dados apresen­tados .neste capítulo estão mostrando, entretanto, que quandose toma em consideração questões que apontam para o níveldas relações econômicas parece que, ao contrário, as escolhasfeitas pelos industriais permitem advinhar - se não ler nelas- caminhos mais seguramente trilhados. A correspondência,neste caso, entre situação estrutural de dependência e tipo demercado desejado e entre tipo de mercado e orientação políticarevela que a conclusão parcial a que chegamos de que a bur­guesia industrial de países dependentes não tem vocação poU.ticahegemônica deve ser completada. Com efeito, essa veri·ficação não significa que a burguesia industrial deixe de ter umaideologia apropriada a seus interesses econômicos. Ao contrá­rio, estamos vendo neste capítulo que a imagem que os indus-

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198 POl,fTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

trlals formam quanto ao tipo de mercado necessário para pros­seguir o desenvolvimento, quanto ao tipo de participação doEstado no desenvolvimento e quanto aos seus interesses e alia­dos políticos não é aleat6ria com respeito às variáveis estrutu·rais e econômicas que conformam a "situação objetiva de seusinteresses".

Evidentemente, isso não quer dizer que as relações de po­der deixem de incidir na conformação da visão do mundo daburguesia industrial dependente; quer dizer apenas que esta in·fluência é menor do que o peso da "situação de mercado".Mas ela continua a existir e incide sobre as representações dosindustriais.

Por outro lado, a inexistência de uma "vocação hegem6­nica" não significa a inexistência de uma política. Apenas, apolftica que se abre para as classes empresariais na situação dedependência é uma "política de interesses compartidos" comas demais classes dominantes. Os conflitos e oposições entreeles se orientam antes para o nível econômico do que para aesfera do poder. As ideologias analisadas nos mostraram queas visões sobre o desenvolvimento econômico e sobre o pro­cesso polftico mantidas pelos industriais, longe de deixar decorresponder aos "verdadeiros interesses" da burguesia indus­trial, correspondem aos interesses reais não de qualquer bur­guesia industrial, mas de uma burguesia industrial particular­mente situada, na qual um setor se orienta por valores de umdeterminado tipo (ampliação numérica do mercado, alianças po­lfticas tom os trabalhadores e, ao mesmo tempo, visão tradicio­nal do Estado, etc.) e outro setor, "internacionalizado", temseu p610 de referência voltado noutra direção. Por motivosdistintos, esses dois setores, ao menos a julgar por suas ideolo­gias, não se propõem ordenar a nação ou o "espaço econômico"no qual operam a seu talante: têm uma visão de grupo secun­dário na escala de poder. Mas, em qualquer hipótese, encon­tram justificações para uma orientação que é simultaneamentede subordinação política e de dinamismo econômico: parece·ria ser que desenvolvimento econômico e dependência polfticaaparecem como conceitos compatíveis e mutuamente implicados.

Esta verificação já foi feita ao nível das sociedades glo­bais: a internacionalização do mercado interno nos países pe·riféricos abre a possibilidade estrutural' para a compatibilidade

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DEPEND~NCIA, DEsENVOLVIMENTO E IDEOLOGIA 199

entre dependência política e desenvolvimento econômico. Adescoberta de uma ideologia política deste tipo entre os em­presários industriais pacionais que participam do setor inter­nacionalizado da produção industrial não faz mais do que for·necer uma degrau de mediação entre a análise estrutural quesupôs possível a relação inferida e o comportamento políticoefetivo desse setor da burguesia industrial nos países depen­dentes. E ao proceder assim, esta análise validou, ao mesmotempo, as interpretações teóricas apresentadas que implicavamtransformações nas orientações da ação política na direção que,efetivamente, transpareceu nas ideologias dos industriais. Evi­dentemente, como em toda ideologia, o núcleo nacional queela encerra é relativo: amiúde, sobre esta base se constroemjustificativas e se fazem suposições ao nível do puro engano.

Ainda uma vez, convém insistir que o tipo de investiga­ção e análise apresentadas não permite prever o "curso con­creto da história". Este mantém sua autonomia criadora comopraxis de classes que se enfrentam. Permite, entretanto, bali­zar os parâmetros dentro dos quais se dá a prática histórica.E permite estabelecer os "nexos de significação" da ação so­cial: as ideologias elaboradas analiticamente na investigaçãomostram o conteúdo valorativo e os cortes de sentido que po­larizam as orientações políticas dos empresários. O métodode análise seguido não permite, intencionalmente, determinarou estimar as "características do universo considerado" emtermos de uma inferência indutiva. Por isso, não nos preo­cupamos com a proporção ou o grau em que uma parte da bur­guesia industrial se orienta por valores nacional-populistas eestá presa a uma situação nacional de produção, enquanto ou­tra parte se "internacionalizou". Entretanto, pudemos fazeruma clara distinção qualitativa entre esses dois pólos de re­ferência como focos de estruturação das ideologias da burgue­sia industrial e pudemos ainda averiguar que tipos de indús­trias estruturalmente são mais afins com a sustentação de umou de outro tipo de orientação.

Como contraprova das interpretações propostas nos capí­tulos H e IH, a análise dos capítulos IV e V permite ver tam­bém que, independentemente das "diferenças nacionais", quan·do se constitui um setor internacionalizado da produção "na­cional", as orien.tações políticas e a visão do desenvolvimento

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200 POLÍTICA B !>BsBNvOLVIMENTO EM SocmDADESDEPENDBNTBS

dos grupos vinculados a este setor se homogeneizam: o sentidoe as proporções comparativas das respostas dos empresários ar­gentinos e brasileiros que pertencem à "burguesia intemacio­nalizada" são os mesmos. Não repetiremos aqui, para nãofastidiar o leitor, os quadros anteriores onde se comprova estaafirmação. Basta uma releitura para a verificação do que afir­mamos. Isso quer dizer que, a partir da cristalização de umasituação estrutural de dependência numa sociedade industrialperiférica, as ideologias políticas das burguesias na Nação, p0­rém não nacionais, tenderão a uniformizar-se e que a situaçãodescrita de "ideologia política de interesses compartidos" e devalorização do mercado como arena da luta entre interesses declasse tenderá a deslocar para o plano propriamente econ&­mico a "política" das burguesias industriais nas dependentes.Este problema requer esclarecimentos adicionais, que serão feiotos no pr6ximo capítulo de conclusões.

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CAPiTULO VI

CONCLUSOES

H AviAMOS começado este trabalho com duas ou três idéiasbásicas. A primeira afirmava uma concepção geral tio tipode relação entre ideologias e estruturas. A segunda caracteri­zava, no plano estrutural, formas determinadas de relação en­tre as classes e de alianças políticas possíveis em distintas "si­tuações de dependência". A terceira valorizava o conceito de"sociedades industriais de~ndentes" como um elemeqto paraa interpretação de aspectos parciais - processos de diferencia·ção estrutural, processos políticos, ideologias etc. - nas .re­lações entre as classes e no modo de orientação das classes nospaíses periféricos ·que haviam conseguido· iniciar a industrializa­ção. A análise das ideologias· dos empresários argentinos ebrasileiros permitiu que se verificasse o valor explicativo e aslimitações dessas idéias.

Com efeito, sem que tivéssemos .sido obrigados em qual.quer momento a recorrer a expedientes metodol6gicos como oimplícito "na transformação das ideologias em "componentesfuncionais" de um sistema mais amplo, ou em "reflexo" deuma situação estrutural, foi possível recuperar analiticamente,ao nível das pr6prias ideologias} .a indicação da existência dosmodos de relação que havíamos, suposto como característic05do tipo de desenvolvimentó industrial·dependente que ora severifica na Argentina e no Brasil. Substantivamente, seria pos­sível dizer que em termos de tendência predominante as ideo­logias políticas do empresariado denotam a existência de umaorientação homogênea que chamamos de "elitista" e "i~Qla~cionista", isto é, a tendência a uma política de fortaIecim~ntodo padrão convencional de distribuição do poder e de orienta-

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202 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

ção política das sociedades subdesenvolvidas. Entretanto, portrás desta aparente conformidade, distinguimos alguns tipos deorientação, que têm muito pouco que ver com a visão de umaclasse industrial puramente conformista: caracterizamos, alémde um grupo de orientação predominantemente econômica e"apolítica", dois setores tortemente orientados por valores po­líticos. O sentido desses valores é distinto em cada um des­ses dois grupos. Enquanto um deles ainda encara, latentemen­te, uma possibilidade d!' orientação política baseada no "nacional·-populismo", o outro setor se volta para valores "internacional--~esenvolvimentistas" .

Além disso, o conteúdo das orientações econômicas do se­tor \nacional-populista não é necessariamente "progressista" e"desenvolvimentista", assim como a uma posição de "burgue­sia internacionalizante" não corresponde, necessariamente, umaatitude econômica contrária à expansão do mercado interno, massim uma concepção particular do tipo de expansão requeridapelo mercado: a esse setor industrial interessa, mais do que aincorporação de novos grupos ao mercado, a intensificação ex­ponencial da capacidade ae compra de camadas sociais já in·tegradas.

Assim, se bem é certo que reaparece na análise a "bur.guesia nacional", ela não surge munida ideologicamente dosobjetivos e predisposições que a ideologia política vulgar lheatribui. E, por outro lado, quando se relacionam as ideologiaspolíticas com alguns indicadores' objetivos de "dependência es·trutural", verifica-se que os industriais que poderiam ser qua­lificados - com a liberdade de expressão e as limitações assi·naladas no texto - de representantes de uma ideologia "na­cional-popular" são precisamente os que tendem a controlar ossetores industriais tradicionais, de baixa tecnologia e que de­pendem de um mercado de massas. Ao contrário, os empresá.rios que operam na Nação, mas não são "nacionais", se ori·entam por uma visão "internacionalizante" e tendem a controlaros setores mais modernos e de maior desenvolvimento tecno­16gico.

Por outro lado, a correspondência entre o significado dasideologias e a situação estrutural não indica nada de seme­lhante a uma falsa consciência da situação verdadeira dos inte­resses de classe. Antes, aponta para interesses de classe que

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CONCLUSÕES 203

não implicam politicamente uma "visão hegemônica". A aco­modação da burguesia industrial à forma' particular de depen­dência que ela vive não implica "incapacidade histórica" paravislumbrar seus verdadeiros objetivos, mas sim o reconheci­mento prático da impossibilidade histórica de uma política he.gemônica. A falta de um projeto de dominação só se revelacomo carência em comparação com uma suposta necessidade deexistência de tal projeto. Ora, a análise da situação de depen­dência mostrou que, ao contrário, na estrutura da situação nãoestá inscrito qualquer projeto político necessário de hegemo­nia nacional a ser cumprido pela burguesia industrial.

Nessas condições, nem o setor ideologicamente "nacional­-populista" nem o setor "internacionalizante" expressam emsuas ideologias a "vocação de domínio" que caracterizaria umaclasse ascendente que constrói uma Nação. Ao contrário, comovimos, desenvolvem ideologias favoráveis a "reações adaptati­vas" no plano político, que os levam a aceitar, em cada etapa,compromissos com quaisquer forças politicamente vigorosas. Oslimites para as acomodações possíveis são antes econômicos- como vimos no capítulo V - do que políticos.

Isso nos levou a formular conclusões parciais que sãoaparentemente contraditórias: não só o grupo que se alimentapor uma ideologia "nacional-populista" é o menos apto estru­turalmente para uma ação transformadora (dada sua vincula­ção aos setores menos dinâmicos da economia) e o setor "in­ternacionalizante" é o economicamente mais "progressista",como, em conjunto, ambos são politicamente acomodatícios.Têm, porém, uma política econômica definida que se revelapela escolha de aliados políticos em função do tipo de merca­do que lhes pa~ece - ~ é - mais adequado a seus interesses.Assim - a medir por suas ideologias - não é no plano pro­priamente político de controle do poder ao nível da sociedadeglobal que os setores industriais definem sua vocação à im­posição, mas no plano econômico. Ora, toda a literatura es­pecializada ressalta o fato de que o empresariado moderno, nospaíses altamente industrializados, torna-se, ao contrário, cadavez mais atuante politkamente e mostra que o controle doEstado se transforma no instrumento decisivo da política em­presarial.

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204 PoLfTICA E DEsENvOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

Entretanto, essa contradição não resulta de uma simples"inconsistência ideológica". Na verdade, ela não exprime me­nos do que um aspecto essencial da situação de dependênciaa que aludimos.

Com efeito, desde o momento em que o sistema capita­lista internacional de produção industrial se "internaliza" nasnações dependentes, deixa de existir uma te1ação necessáriaentre "desenvolvimento, ind~pendência nacional e burguesia in­dustrial". Nessas condições, encarada do ângulo nacional, a po­lítica empresarial parece ser meramente econômica, porque nãoimplica um projeto de controle ,hegemônico da Nação. E, vistade seu verdadeiro ângulo de significação - a reorganização in­ternacional das alianças políticas e a conseqüente redefiniçãodo "espaço econômico e político" - aparece como subordi­nada aos interesses econômicos que freiam veleidades de umapolítica autônoma, isto é, de uma luta pela imposição de obje­tivos próprios. Portanto, na medida em que o sistema econô­mico se internacionalizar, dar-se-á uma separação entre, porum lado, as aspirações políticas definidas nacionalmente e aação econômica definida internacionalmente e, por outro lado,entre uma crescente visão econômica do mundo por parte dabUrguesia 'internacionalizada e uma 'crescente mioimitaçâo dosignificado da política interda em termos de alianças policIas­sistas para' realizar reformas políticas na Nação.

Nas sociedades constituídas ao redor dos pólos mundiaisde dominação tam~m se verifica uma separação relativa entreEconomia e Política, porém o processo tem sentido inverso:o sistema econÔmico nacional, dentro de certos limites - poisa expansão dos capitais internacionalmente ~ essencial - re­quer apenas secundariamente a expansão do mercado interna­cional e' seu controle, enquanto o sistema político alimenta,cada vez mais projetos e instrumentos de dominação interna­cional, mesmo quando desligados, em forma imediata, de in­teresSes econÔmicos.

Isso indica, uma vez mais, a especificidade estrutural dasituação das sociedades industriais e dependentes.

Entretanto, como se reiterou nos capítulos anteriores, nãodeixa de. existir uma dimensão política no comportamento em­p~sarial. Apenas a política da "nova burguesia" industrial

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CONCLUSÕES 205

não pode desconhecer as condições econômicas que lhe são fa­voráveis. Como estas não requerem ampliação imediata doconsumo de massas e requerem o fortalecimento dos laços eco­nômicos entre as "ilhas de desenvolvimento" dos países de­pendentes e o sistema econômico internacional, a política daburguesia industrial dependente subordina as transformações in­ternas e as alianças de classe ao objetivo prioritário do desen­volvimento dependente e internacionalizado.

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ANEXOS

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ANEXO SOBRE OS PROCEDIMENTOS USADOSNA COLETA E ANALISE DOS DADOS

o TRATAMENTO empírico e estatístico dos dados que te­mos à nossa disposição está longe de ser isento de problemas.Um grande número de questões poderia ser inventariado. En­tretanto, talvez seja conveniente assinalar somente os mais im­portantes, entendendo por importantes' aqueles que, de umlado, estio afetados pelos supostos Msicos dos diversos mode­los "estatísticos" empregados e, de outro, os que dizem res­peito à coleta de dados e à construção dos diversos índices eescalas. A seguir indicaremos, para informação do leitor, al­guns desses problemas.

ELABORA~O DE DADOS, CoNSTRUÇÃO DE lNDlCES E EsCALAS

A elaboração dos instrumentos de coleta de dados foi pre­sidida muito mais pelo. desejo de· obter informações sobre otema que pelo objetivo de "testar" hip6teses substantivas. Mes­mo quand"o tal objetivo existiu, via de regra, um desenvolvi­mento posterior da análise te6rica do problema levou a umareformulação daquelas hip6teses, reformulação essa que exigi­ria uma reformulação do plano de pesquisa. Como essa re·formulação do plano de pesquisa era totalmente inviável, de­cidimos aproveitar ao maximo os dados existentes, conscientesdas limitações que essa utilização impunha, tais como:

1. São muito indiretos os indicadores de algumas das di­mensões que tratamos de detectar e cujas relações estudamos.

2. Os índices construídos CObl base nesses indicadores nãocumpriam, rigorosamente, com muitos dos requisitos te6ricosexigidos para essa construção, sobretudo no que diz respeito aonúmero de itens que devem ser considerados.

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210 POLíTICA E DESENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

3. Impossibilidade de fazer testes de validez e confiabili·dade desses índices.

Do ponto de vista estatístico, portanto, muitos são ospontos discutíveis. Entretanto - e isso está de acordo comnossa orientação metodológica mais geral - tratamos de bus­car outros critérios que permitissem a validação dos "cons·tructos" feitos a partir dos dados. O principal deles foi o dasignificação teórica substantiva que esses "constructos" apre­sentavam.

Um caso especial deste problema' que merece ser discuti·do como exemplo é o caso das escalas e índices hierárquicos.Tomemos a "dependência estrutural" como exemplo, por seruma das "variáveis" mais relevantes do estudo. Nossa idéiainicial foi a de tomar um conjunto de indicadores de depen­dência e estudar a escalabilidade desses diversos itens-indicado­res. Essa idéia encontra um apoio teórico: cada um dos itensreflete um grau mais avançado do process.o de "internacionali­zação" e portanto é teoricamente consistente a idéia de queexistem itens mais fortes e itens mais débeis e, nesse sentido,quando existe uma resposta 'positiva ao item mais "forte",isso deve implicar uma resposta positiva aos itens mais "fra­cos". Semelhante raciodcio justificava a idéia de construir umaescala de tipo Guttman.

Entretanto, o número de itens disponfveis para • aplica­ção dessas técnkas não era suficiente. Entre um rigorismo quelevaria a paralisação e uma flexibilidade que poderia mtreprresultados positivos, decidimos pela última altematin. Tome­mos então a resposta a tres perguntas como ineticadol'es:

1.°) Como se distribui, em termos de Mcionelidade docapital, o controle de sua empresa industrial prindpIl? (Per­gunta n.o 10.)

A resposta foi dicotomizada recebendo um score de zeroaqueles cujo capital era todo nacional, e um score de 1 os queassinalavam categorias que indicavam alguma percentagem decapital estrangeiro.

2.°) Que tipos de relações mantém sua empresa industrialprincipal com firmas estrangeiras? (Pergunta n.O ll-b.)

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ANEXOS 211

Recebiam um seore de um 1 os que afirmavam pagar pa­tentes, royalties ou know-how; um seore zero os que não assi·nalavam nenhuma dessas categorias.

3.°) Do total de créditos de que dispõe, que percentagensprovêm de fontes bancárias? (Pergunta n.O 5.)

Receberam um seore de 1 os que afirmavam que 5% . oumais dos créditos de que dispõem provêm de bancos privadosestrangeiros. Em caso contrário, receberam um seore de zero.

No capítulo V apresentamos o "escalograma" resultantedesta análise.

Os resultados, se interpretados teoricamente, justificama utilização dos seores finais obtidos pelos diversos sujeitosnesse índice hierárquico. O item mais fraco resultou ser aque­le que indica que as empresas se vinculam ao exterior em vir­tude dos requisitos técnicos impostos por seu desenvolvimento,pagamento de roya/ties, patentes e know-how. O item inter­mediário expressa a necessidade ou não de recorrer ao capitalestrangeiro - através da rede bancária - para a manutençãoou ampliação da empresa e, finalmente, o item mais forte in·dica a existência de controle acionário da empresa pelo capitalestrangeiro. ~ útil insistir, além disso, que esses itens são "es­caláveis" no sentido de que a existência de controle acionáriopor parte do capital estrangeiro implica dependência com res­peito ao suprimento de capitais por parte da rede bancáriaestrangeira e implica dependência com respeito à tecnologia.Essa implicação sem dúvida foi assinalada teoricamente, antesda análise dos dados. E a relação empiricamente detectadaentre os itens analisados pode considerar-se - de modo indi·reto é certo - inclusive como a validação "empírica" da aná·lise teórica.

Do mesmo modo, tratamos de captar algumas das carac­terísticas ideológicas dos empresários brasileiros seguindo umatécnica semelhante. No capítulo IV apresentamos o escalo­grama dos itens utilizados nesta análise.

Para a construção de outras "variáveis", por sua próprianatureza, tivemos que adotar uma técnica distinta da utilizadana construção de índices e escalas. Tratamos de detectar cepa·drões': que caracterizassem nossas unidades de análise (empre.sários). Mais claramente neste caso está a variável ·"reconheci-

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212 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocIEDADES DEPENDENTES

mento de discriminações pelo setor financeiro". Tomamos asrespostas a vários itens e tratamos de agrupá-las qualitativa­mente de modo a poder caracterizar através "dos padrões" deresposta o grau de reconhecimento de discriminação. Aqui, maisdo que nos casos de índices e escalas, o critério de agrupaçãodos itens - ou das respostas aos itens - não foi empírico,ou seja, não se tratou de fazer análises de confiabilidade e va­lidez e sim se estabeleceu a partir da relevância te6rica quecada item podia ter na caracterização dessas dimensões.

Finalmente, deveríamos chamar a atenção do leitor paraoutra característica das "variáveis" que usamos no tratamentoempírico dos dados. Ainda que possa estar explícito nos qua­dros que apresentamos, as variáveis relacionadas se referemàs vezes a distintas unidades de análise: algumas se referemà empresa tomada como unidade de análise e outras se refe­rem ao empresário como ator individual. Os quadros por simesmos não podem revelar a naturez.a substantiva das relaçõesexistentes entre esses dois planos ou níveis. Aqui - comoem toda parte - somente o discurso te6rico pode dar sentidoa essas relações.

MODELOS ESTATíSTICOS E SUPOSTOS 1

1. A simples apresentação das freqüências absolutas emcada uma das subdivisões dos nossos quadros poderia dificul­tar a visão das tendências que estes quadros podem revelar. Poresse motivo, decidimos apresentar, e às vezes analisar, as .dife­renças percentuais. A utilização desse instrumento deve serencarada dentro desses propósitos.

2. A utilização de percentagens e á análise das diferençaspercentuais, além dos problemas já assinalados, no nosso casoapresenta um problema adicional: o tamanho da base sobre aqual as percentagens são calculadas. . Como sabemos, para que

1 Pars uma discussAo interessante e com a qual concor­damos sobre as limitações dos modelos estatiaUC08 tradicloDaiana análise sociol~gica nâo-descritiva, ver S.· M. Lipset, MartiDTrow e James Coleman, Untem Democracy, Doubleday, NovaYork, 1962, "Methodological Note", eap. pága. ~8048~.

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ANBXOS 213

as percentagens tenham alguma estabilidade se exige um ta·manho mInimo do marginal que serve de base (em geral nun·ca deve ser inferior a 20 ou 30 casos).

Em muitos dos quadros esse requisito não se cumpre.Entretanto, o que cabe perguntar é até que ponto seria possí.vel que fosse de outra forma, dado que trabalhamos pratica·mente com um universo limitado e não haveria possibilidade detomar uma "amostra" maior. Esse problema, de nenhum modosolucionado, revela uma das muitas limitações das técnicas dis·poníveis para análise de certo tipo de investigação.

3. Finalmente, pelos motivos já antes apontados, parece·-nos injustificado tratar de fazer "testes" para saber a quenível de confiança as diferenças percentuais são significativas.Com o ~parente pouco rigor que esse procedimento pode ter,preferimos descobrir na análise concomitante das tendências àdiferença percentual a significação das relações estabelecidas.Note-se que se trata de um univergo limitado e com muitoselementos favoráveis à homogeneização. Buscamos, assim, nãoperder quaisquer diferenças que, embora estatísticamente nãotivessem sentido, teoricamente revelaram alguma significação.:g preferível, em nosso modo de ver, adotar essa estratégia ­explidtando seus limites - que adotar uma que no seu apa­rente rigor esconde limitações básicas.

CoLETA DOS DADOS

Convém deixar claro que não se estabeleceu propriamenteuma amostra dos industriais. O desconhecimento do "uni­verso" e os problemas que sempre existem parã passar da ca­racterização da empresa ao "empresário" dificultariam um pro­cedimento rigoroso. Ademais, como se viu nas análises e comose explicou neste anexo, o prop6sito da investigação não era ode "testar hip6teses" e verificar a validade empírica dos resul·tados e sua possível extrapolação. Não fizemos, a rigor, ex­trapolações. Assim, as informações que impOrta c6nsiderarquanto aos entrevistados dizem respeito mais l qualidade dosmesmos do que à quantidade e ao modo quantitativo de seleção.

Com esta ressalva, damos a seguir algumas informaçõespertinentes.

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214 POLíTICA E DEsENVOLVIMENTO EM SoCIEDADES DEPENDENTES

No caso dos empresários argentinos, I partiu-se de umgrupo de 168 empresários selecionados do seguinte modo:

1) Preparou-se uma lista das empresas industriais de maiorvolume de produção segundo o ramo da indústria, com baseem informações fornecidas pelos setores de Indústria e Orça­mento Econômico, do Consejo Nacional de Desarrollo (Conade).Esta lista alcançou 400 empresas.

2) Fez-se uma reorganização da lista de modo a incluiras três principais empresas de cada ramo industrial. Em muitoscasos foi necessário substituir o critério "volume da produção"por "valor da produção" ou "volume das rendas". Em algunscasos a distância entre as três principais empresas indicava aconveniência de' excluir ou incluir alguma outra empresa, oque foi feito.

Essa reorganização forneceu uma nova lista de 200 em­presas que foram classificadas em "nacionais" e "estrangeiras".

3) Nas empresas consideradas pelo critério de seleção como"nacionais", buscou-se o presidente da diretoria da sociedadeanônima para ser entrevistado. Nas estrangeiras, que tantopodiam ser filiais de matrizes estrangeiras como empresas ju­ridicamente argentinas, mas controladas financeiramente por ca­pitais estrangeiros, ora buScou-se o presidente da sociedade anÔ­nima, ora o mais alto executivo. Com isso organizou-se umnovo rol no qual havia 120 pessoas que deveriam ser entre­vistadas prioritariamente e 80 para substituição. O critério paraas prioridades foi a maior participação ~ várias diretorias deempresas distintas.

4) A este conjunto de empresários juntou-se uma lista depresidentes de sindicatos empresariais dos ramos de atividadeeconômica considerados na elaboração da lista de empresas an­teriormente referida. Considerou-se a filiação dos sindicatosa dois tipos de centrais sindicais existentes na Argentina, Vni6nIndustrial Argentina (VIA) e a Confederaci6n General Eco­n6mica (CGE).

') A partir desses critérios foi possível entrevistar porcada categoria selecionada o seguinte número de empresários:

2 Para maior detalhes, ver Juan Carlos Marin, EI sectorempresarial de la Argentina (anâlisis preliminar), ILPES, 1967.

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ANEXOS

Preaidentes de sociedades anOnimas "nacionais"Presidentes de sociedades anônimas "estrangeiras"Presidentes de sindicatos da. UIA .Presidentes de sindicatos da CGE .

TOTAL '" .

68503020

168

21.5

6) Para as análises deste trabalho, ora consideramos oconjunto dos 168 empresários, ora somente os "empresáriosnacionais". Neste caso, entretanto, os empresários considera·dos não são os 68 obtidos segundo critérios de amostragem,mas 71 empresários que, segundo os resultados dos questioná­rios, controlavam empresas de capital nacional.

No caso dos empresários brasileiros, a seleção dos entre­vistados e a aplicação das entrevistas foram feitas numa pesquisado Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil, di­rigida por Luciano Martins, com a colaboração do ILPES deSantiago. A escolha dos empresários foi feita do seguinte modo:

I - Para os empresários considerados grandes: 1. Partiu­-se de uma pesquisa realizada por Maurício Vinhas de Quei.rós, que determinara o que se chamou de universo dos grupos"multibilionários" nacionais, isto é, que possuíam em 1962capital superior a 4 bilhões de cruzeiros antigos. Deste con·junto foram selecionados 16 grupos cuja atividade principal eraindustrial, tendo sido feita uma atualização da listagem para196.5.

2. Tomou-se, depois, o universo estimado de 221 unida­des de grupos bilionários (capital e reserva entre 900 milhõese 4 bilhões de cruzeiros antigos de 1962) determinado pelapesquisa referida de Maurício V. de Queirós e escolheu-se 44grupos industriais.

3. Com base nessa listagem de 60 grupos foram reali·zadas .50 entrevistas, das quais 34 em São Pau~o e 16 na Gua.nabara. Das dez recusas havidas, quatro fora~ de grupos mui·tibilionários.

n - Os empresários brasileiros considerados médios fo­ram obtidos de uma amostra 3 calculada em 1.50 empresas re·

3 Ver o número já mencionado da Revista do Instituto deCiências Sociais.

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216 POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO EM SocnmADES 1>EPENDENTES

presentativas das 8.000 empresas do Rio, de tamanho médio, ede 240 empresas das 16.000 de São Paulo também considera­das médias. A partir dessa primeira listagem foram retiradas22 empresas das 150 do Rio e 28 das 240 de São Paulo. Asempresas consideradas médias possuíam capital e reservas cal­culados entre 80'e 900 milhões de cruzeiros antigos. A listabásica:--foi organizada em 1962, porém houve uma atualizaçãopara 1965.

Para os dados e relações analisados neste livro, verifica­mos a significação das diferenças percentuais das respostas dosempresários grandes e médios. 56 os apresentamos em con·iunto sem comentários quando não apareceram diferenças si~i.

ficativas atribuíveis ao tamanho da empresa. Caso contrário,apresentamos sempre dados que permitem controlar a incidên­cia desta variável sobre os resultados.

QUESTIONÁRIO

Antes de elaborar os questionários nos quais recolhemos osdados analisados neste trabalho, realizamos, em- 1963, 30 en­trevistas em profundidade com empresários argentinos e, en­tre 1962-1963, cerca de 70 entrevistas com empresários bra­sileiros. que foram objeto de outra análise em Empresário In­dustrial e Desenvolvimento Econ6mico no Brasil.

As per~tas analisadas no presente trabalho encontlam-c;eno texto. Como o questionário utilizado não diz respeito es­pecificamente ao tema tratado aqui, não nos parece necessárioreoroduzi-Io na íntegra. Este questionário foi elaborado naDivisão Social do ILPES em 1965 e para sua formulação foiimportante a colaboração de Carlos Figueira, então funcionáriodo ILPES. A versão brasileira do questionário foi revista eparcialmente reelaborada por Luciano Martins, que dirigiu apesquisa sobre os empresários brasileiros, e a versão para aArgentina foi completada por Juan Carlos Marin, que dirigiua investigação na Argentina.

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UMA INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA

WALFRED A. ANDERSON

e

FREDERICK B. PARKER

o presente livro é um manual didático de nível introdutório, para oestudo da Sociologia. Não apresenta nenhum nôvo sistema sociológico,oferecendo apenas um esquema de abordagem sistemática da Sociologia,para uso dos estudantes dessa disciplina.

A organização do texto é a mais simples possível, a começar pelasua divisão quatripartida: introdução, fundamentos do comportamentosocial organizado, a organização das sociedades e a dinâmica das sociedades.A primeira parte contém uma visão geral do campo; a segunda trata dasbases essenciais da ordem social: ajustamento ao ambiente natural ecultural, comunicação, indivíduos socializados e o processo estruturador; aterceira parte empreende uma análise das principais estruturas de relaçõeshumanas, e, finalmente, a quarta parte compõe-se dos capítulos que tratamdos processos societais em suas diversas formas.

O livro representa tôda a experiência acumulada em muitos anos deensino universitário da sociologia, consistindo preocupação fundamental dosautores evitar que o aluno confunda o que é essencial com o que éacessório. Por isso, não apresentam tabelas, gráficos, ou outros materiais,sendo também bastante modesta a soma de dados estatísticos e ainda assimintegrada no texto e apenas o suficiente para esclarecer alguns conceitos.

WALFRED A. ANDERSON foi, durante trinta anos, professor de socio­logia na Universidade de CorneTI, nos Estados Unidos, e FREDERICK B.PARKER é, desde 1946, professor e depois chefe do Departamento deSociologia e Antropologia da Universidade de Delaware, também nosEstados Unidos.

A cultura a serviço do progresso social