Politica e gestão da Educação básica correção 23 de...

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Maria Alice de Miranda Aranda Elisângela Alves da Silva Scaff Paulo Gomes Lima (Organizadores) POLÍTICA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: discussões e perspectivas acerca da alfabetização da criança 2017

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Maria Alice de Miranda ArandaElisângela Alves da Silva Scaff

Paulo Gomes Lima(Organizadores)

POLÍTICA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA:discussões e perspectivas acerca

da alfabetização da criança

2017

A revisão textual e a normalização bibliográfica deste livrosão de responsabilidade dos organizadores e autores.

Revisão: Idália da Cruz SchaustzProjeto gráfico: Marise Massen Frainer

Capa: Guilherme André de CamposDiagramação, impressão e acabamento: Triunfal Gráfica e Editora – Assis – SP

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P766Política e gestão da educação básica : discussões e

perspectivas acerca da alfabetização da criança. /Organizadores: Maria Alice de Miranda Aranda, ElisângelaAlves da Silva Scaff, Paulo Gomes Lima. -- Dourados, MS:Ed. UFGD, 2017.

202p.

ISBN: 978-85-8147-136-5Possui referências.

1. Política educacional. 2. Gestão escolar. 3. Alfabetização. I. Maria Alice de Miranda Aranda.

CDD – 379.81

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A presente obra foi aprovada de acordo coma Chamada Fundect/SECTEI n° 26/2015 - PUBLICA-MS.

Conselho editorial:Rodrigo Garófallo GarciaMarcio Eduardo de BarrosClandio Favarini RuviaroAngela Dulce Cavenaghi AltemioGicelma da Fonseca Chacarosqui TorchiRogério Silva PereiraEliane Souza de Carvalho

SUMÁRIO

PREFÁCIO 05

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO IO PROCESSO ALFABETIZADOR DA CRIANÇA: GESTÃO ESCOLAR E POLÍTICA EDUCACIONAL 13Maria Alice de Miranda ArandaFranciele Ribeiro LimaOlga Cristina da Silva Teixeira

CAPÍTULO IIA ATUAÇÃO DOS GESTORES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REGIÃO SUL DE SANTA CATARINA EM RELAÇÃO AO BLOCO ALFABETIZADOR 33Leonete Luzia SchmidtRosinete Costa Fernandes Cardoso

CAPÍTULO IIIPOR UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR ALFABETIZADOR 57Elis Regina dos Santos Viegas Elisângela Alves da Silva Scaff

CAPÍTULO IVO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS E A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR PARA OS ANOS INICIAIS EM MATO GROSSO DO SUL 73Meira Chaves PereiraPaulo Gomes Lima

CAPÍTULO VO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA E AS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DO PROFESSOR ALFABETIZADOR 83Vilma Miranda de BritoSilvia Cristiane Alfonso Viédes

CAPÍTULO VILIVROS DIDÁTICOS: O QUE ELES CONTAM SOBRE A ALFABETIZAÇÃO 97Thaise da Silva

CAPÍTULO VIIA LEITURA E A ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS 117Rosemeire Messa de Souza Nogueira

CAPÍTULO VIIIA ALFABETIZAÇÃO NA CORTE: O MÉTODO DE ENSINO E DE LEITURA CONCRETIZADO NAS LIÇÕES DE COISAS 135Ana Paula Gomes Mancini

CAPÍTULO IXMUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E INOVAÇÕES METODOLÓGICAS NA ESCOLA: QUAL A RELAÇÃO ENTRE ELAS? 163Ana Lucia Espíndola

CAPÍTULO XOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE MATO GROSSO DO SUL: MERENDEIRAS E AGENTES DE LIMPEZA... EDUCADORES OU PESSOAS INVISÍVEIS? 177Bartolina Ramalho CatananteEide Maria Souza Araújo

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES 197

PREFÁCIO

Os pesquisadores envolvidos no Projeto Política, Gestão e Monitoramento de Alfabetização em Contextos Escolares Adversos, financiado pelo Observatório da Educação (OBEDUC) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), são os responsáveis pela obra ora apresentada. O estu-do envolve o esforço coletivo de pesquisadores experientes, de profissionais da Educação Básica e de pós-graduandos em produzir conhecimentos capazes de contribuir para práticas colaborativas entre escolas, órgãos públicos e Universi-dade, visando à superação do fracasso escolar. É desse trabalho coletivo que, em grande medida, decorre este livro dando continuidade à primeira obra: Política e Gestão da Educação Básica: desafios da alfabetização, nascida da pesquisa vinculada ao projeto e lançada em 2013.

Esta segunda obra que o leitor tem em mãos recebe o título de Política e Gestão da Educação Básica: discussões e perspectivas acerca da alfabetização da crian-ça. Ambos os trabalhos foram organizados por pesquisadoras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Os capítulos deste livro abrangem discussões em duas vertentes no âmbito da política educacional e da gestão escolar: alfabetização da criança e temas corre-latos, em um total de 10 capítulos, que abordam diferentes aspectos das relações entre gestão escolar, políticas públicas, formação docente, currículo e desafio da alfabetização em contextos adversos. Seus autores, 17 no total, são pesquisadores universitários, profissionais da Educação Básica e pós-graduandos que juntos se res-ponsabilizam por analisar as questões relativas ao tema da alfabetização, sem nunca perder de vista a dimensão política do mesmo, portanto, compartilham com o lei-tor resultados de pesquisa, indagações e convicções no campo educacional.

Destaca-se que o livro foi elaborado em um contexto político educacional importante, pois, no momento de escrita deste Prefácio, o Senado Nacional dis-cutia o Plano Nacional de Educação. Questões da maior relevância se colocam aos profissionais e militantes da educação pública: universalização do ensino; finan-ciamento da escola pública; relações entre público e privado no campo educacio-nal; gestão democrática da educação e da escola, dentre outras. A sociedade civil, em suas diferentes formas de articulação, debate os rumos da educação nacional, não sem divergências por vezes profundas. Tem-se a considerar, neste contexto, o quão oportuna é a publicação desta obra que, ao discutir os desafios da alfabeti-zação, ocupa-se das interfaces entre a situação de ensino, da política educacional

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e da gestão da escola, propiciando ao leitor maiores condições de discutir alguns dos desafios impostos à educação brasileira.

Temas como a ampliação do tempo de ensino fundamental para nove anos e a formação docente continuada são objetos de reflexão a partir de estudos bi-bliográficos e no âmbito das escolas. Ainda, o trabalho desenvolvido por profes-sores alfabetizadores e gestores escolares e suas percepções e avaliações são consi-derados, nesta obra, como de maior relevância para análise das políticas recentes, tal como é feito em relação ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) ou no que se refere à expansão do ensino fundamental para nove anos.

O conjunto produzido é material importante para as discussões relativas aos rumos da educação brasileira, assim como para os da escola, lócus de materia-lização das políticas públicas de educação, presente em todo livro, que se destaca no exame das políticas e da situação de ensino. Interpretações de programas e de políticas, recriação e reiteração que compõem a complexidade do universo escolar são objetos de exame cuidadoso.

Os sujeitos e as práticas apresentados pelos autores evidenciam demandas para se alcançar a qualidade social da educação, segundo as orientações presentes nos textos legais. Ainda, o olhar cuidadoso sobre o cotidiano escolar possibilita ao leitor aproximar-se de questões fundamentais, tal como a necessidade aparentemen-te óbvia, mas não considerada devidamente pelas práticas e políticas educacionais, de se levar em conta o desenvolvimento dos sujeitos com os quais se trabalha o que possibilita considerar que o processo de alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental é tarefa a ser desenvolvida com a infância e suas especificidades.

Tema também importante, que transparece na obra em apreço, é a necessi-dade social de se construir uma educação escolar que ultrapasse em muito os po-bres limites de uma formação restrita à apropriação de conhecimentos orientados pelas demandas do mercado de trabalho.

A coletânea que o leitor tem em mãos certamente o provocará ao diálogo fértil com os autores e com as propostas políticas para a alfabetização e a gestão escolar no Ensino Fundamental. Que dessa leitura novas inquietações nos mo-bilizem ao estudo e à busca do direito à educação de qualidade para todos os brasileiros.

Teise de Oliveira Guaranha GarciaUSP/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto

Departamento de Educação, Informação e Comunicação (DEDIC)

INTRODUÇÃO

A presente obra Política e Gestão da Educação Básica: discussões e perspectivas acerca da alfabetização da criança registra a continuidade de uma primeira obra que recebeu o título Política e Gestão da Educação Básica: desafios da alfabetização editada, no ano de 2013, pela Expressão e Arte Editora. Como a primeira, esta obra também decorre, em grande parte, do Projeto de Pesquisa ao Observatório da Educação (OBEDUC), oriundo do Edital nº 038/2010, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), nominado de Política, Gestão e Monitoramento de Alfabetização em Contextos Escolares Adversos. Pesqui-sa essa realizada pela Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), articulando a graduação e a pós-graduação, por meio do Programa de Pós-Graduação (PPGEDU), ancorado no espaço aberto do Grupo de Estudos e Pesquisas em Estado, Política e Gestão da Educação (GEP-GE), correlacionando pesquisa, ensino e extensão.

Foi desenvolvida sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Elisângela Alves da Silva Scaff (UFGD), com a colaboração dos seguintes pesquisadores: Prof. Dr. Pau-lo Gomes Lima (UFSCAR/UFGD), Profª. Drª. Dirce Nei Teixeira de Freitas (UFGD) e Prof.ª Dr.ª Maria Alice de Miranda Aranda (UFGD).

Nesses termos, a obra em foco, além de dar espaço para as pesquisas decor-rentes do OBEDUC na UFGD e nas escolas públicas envolvidas, abriu espaço também para outras pesquisas realizadas em universidades brasileiras que também fazem parte do Observatório, bem como ao registro de resultados de outras pesqui-sas cuja origem está na própria UFGD, a exemplo da pesquisa denominada A gestão do processo alfabetizador com enfoque na política educacional: do nacional ao local, ca-dastrada na Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPP)/UFGD.

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É um livro organizado em dez artigos. Desses, sete apresentam discussões es-pecíficas sobre a alfabetização da criança e os outros três discorrem sobre temas cor-relatos ao assunto, registrando estudos sobre a gestão administrativa e pedagógica, que, nesse momento histórico, delineia-se no espaço escolar com ênfase para temas como a organização do trabalho na escola, a problemática do currículo e a polêmica da cidadania. Materializando, um resumo dos capítulos é a seguir apresentado.

O Capítulo I, de Maria Alice de Miranda Aranda, Franciele Ribeiro Lima e Olga Cristina da Silva Teixeira, com o título O Processo Alfabetizador da Criança: gestão escolar e política educacional, sistematiza o resultado de pesquisa desenvol-vida com o objetivo de analisar a gestão do processo alfabetizador da criança no espaço escolar, decorrente das orientações postas pela política educacional nortea-dora da ampliação dos anos de escolarização no Ensino Fundamental. Está funda-mentada em aportes teóricos e documentais e complementada pelo estudo in loco, por meio da observação participativa possibilitada pela presença do OBEDUC e do PIBID na escola e, também, pelo uso de entrevistas. A pesquisa permitiu con-cluir que a escola pública de educação básica ainda não chegou a uma organização administrativa e pedagógica que atenda, a contento, às crianças de seis anos na escolarização, conforme concepções e princípios pedagógicos presentes nas leis, nos planos, nos programas e nos projetos que dão corpo à política educacional vi-gente, decorrente da ampliação dos anos de escolarização do Ensino Fundamental de nove anos.

O capítulo II A Atuação dos Gestores das Escolas Públicas da Região Sul de Santa Catarina em Relação ao Bloco Alfabetizador, de Leonete Luzia Schmidt e Rosinete Costa Fernandes Cardoso, tem como objetivo apresentar o resultado da análise sobre a atuação dos diretores das escolas públicas da região sul de Santa Catarina com relação às mudanças no ensino fundamental a partir da Lei nº 11.274/2006, que antecipou em um ano a idade das crianças para o ingresso na escola e o aumento do tempo destinado à alfabetização.

O Capítulo III, de Elis Regina dos Santos Viegas e Elisângela Alves da Silva Scaff, intitulado Por uma Política de Formação Continuada do Professor Alfabetiza-dor, propõe discutir o tema da alfabetização no âmbito escolar como um processo construído ao longo do tempo como direito da criança, a partir de avanços regis-trados na legislação brasileira. Processo que influencia diretamente a ação e a for-mação docente. Traz para a prática da alfabetização novos questionamentos que demandam uma formação contínua específica, possibilitando a problematização da questão na realidade escolar.

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O Capítulo IV, de Meira Chaves Pereira e Paulo Gomes Lima, versando sobre O Ensino Fundamental de Nove Anos e a Organização Curricular para os Anos Iniciais no Mato Grosso do Sul, discute o Ensino Fundamental de nove anos e a organização escolar para os anos iniciais desse nível de ensino no Brasil. Trata-se de um estudo reflexivo por meio de literatura especializada e de análise de conteú-do, organizado em três seções. A primeira considera a idade que integra o Ensino Fundamental a partir da legislação brasileira. Na segunda, analisa-se a criança de seis anos no Ensino Fundamental, a necessária sensibilidade no desenvolvimento de seus saberes e fazeres e, em seguida, constrói algumas considerações sobre a organização do currículo para essa etapa de nove anos da Educação Básica. O estudo elucida que quanto mais cedo se faz a incursão da criança nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais importante se torna ter em vista a especificidade da infância em seus tempos, espaços e possibilidades.

O Capítulo V, intitulado O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as implicações na prática do professor alfabetizador, de Vilma Miranda de Brito e Sílvia Cristiane Alfonso Viédes, tem o propósito de analisar as políticas educacionais voltadas para a Educação Básica e, particularmente, a prática dos professores alfabetizadores em decorrência do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Instituído pelo Governo Federal com adesão dos es-tados e municípios brasileiros, o PNAIC reafirma e amplia o compromisso de se alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. Focaliza o cenário político nacional sobre a efetivação do direito ao Ensino Fundamental e a garantia de qualidade deste. Mais especi-ficamente, objetiva investigar a percepção e os olhares dos docentes do ciclo de alfabetização sobre a própria alfabetização e a dos seus alunos. Para isso, as meto-dologias utilizadas foram a análise documental e a das entrevistas realizadas com os professores. Concluiu-se que os direitos e a melhoria da qualidade do ensino continuam sem as garantias de efetivação e que se torna imperativo aos profes-sores alfabetizadores seguirem um planejamento previamente determinado sem, contudo, terem autonomia, o que mostra que há um descompasso entre a política educacional e a prática docente.

O Capítulo VI, de Thaise da Silva, trata dos Livros Didáticos: o que eles contam sobre a alfabetização, cujo objetivo é apresentar algumas cartilhas ou livros didáticos para os anos iniciais da escolarização e contar um pouco da história dos métodos, das metodologias e das teorias que marcaram a história da alfabetização no nosso país.

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O Capítulo VII, de Rosemeire Messa de Souza Nogueira, apresenta uma discussão sobre A Leitura e a Escrita na Educação Infantil: a prática pedagógica com crianças e tem como proposição apresentar novas reflexões, resultado da atu-ação da autora na formação de professoras de Educação Infantil e de professoras alfabetizadoras na Faculdade de Educação/UFGD sobre o ensino da leitura e da escrita realizados por professoras que atuam com crianças de zero a seis anos, na Educação Infantil e no primeiro ano do Ensino Fundamental.

Finalizando a primeira parte, o Capítulo VIII, de Ana Paula Gomes Man-cini, convida o leitor a conhecer um pouco do processo alfabetizador na História com A Alfabetização na Corte: o método de ensino e de leitura concretizado nas lições de coisas, abordando a alfabetização numa perspectiva histórica enfatizando pes-quisas desenvolvidas ao final da década de 1980 e no decorrer da década de 1990 sobre a produção de conhecimento no campo da alfabetização, apontando a inci-piente produção de estudos nacionais que visavam a abordar a alfabetização numa perspectiva histórica. É um estudo que parte de um trabalho cuja finalidade foi investigar os métodos de ensino utilizados nas escolas públicas do Município da Corte, no século XIX.

O Capítulo IX, de Ana Lucia Espíndola, trata de Mudanças no Mundo do Trabalho e Inovações Metodológicas na Escola: qual a relação entre elas? Discute as transformações ocorridas no mundo do trabalho e uma possível relação com as mudanças que vêm se processando nas escolas públicas do Ensino Fundamental, especialmente na adoção pelas redes públicas do construtivismo piagetiano como referencial teórico predominante. Para dar conta desse objetivo, foram realizadas análises do Documento Introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Documento Introdutório dos Parâmetros Curriculares nacionais para o 3º e 4º ciclos. Essas análises levam à conclusão de que há uma similaridade entre as transformações ocorridas no mundo do trabalho e a introdução do referencial teórico proposto pelos Parâmetros Curriculares para a Educação.

Por fim, o Capítulo X, de Bartolina Ramalho Catanante e Eide Maria Souza Araújo, trabalha o tema Os Profissionais da Educação nas Escolas Públicas de Mato Grosso do Sul: Merendeiras e Agentes de Limpeza... Educadores ou pessoas invisíveis?, resultante de uma pesquisa que teve como objetivo analisar a configu-ração do trabalho dos profissionais da educação, no caso, merendeiras e agentes de limpeza, em seu ambiente de trabalho, ou seja, dentro da escola pública de Mato Grosso do Sul. A motivação para o aprofundamento dessa temática foi a percepção de que esses profissionais sofrem um processo de exclusão no interior

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da escola. A questão respondida era se os profissionais da educação se constituem como educadores de acordo com os princípios do projeto do Curso Técnico de Formação para os Funcionários da Educação, vinculado ao Programa Nacional de Valorização dos Trabalhadores em Educação (Profuncionário), ou se são pre-senças não percebidas no interior da escola. Os dados empíricos foram coletados a partir de documentos, de consulta ao diário de campo e de depoimentos de pessoas que cursaram o Profuncionário. O aprofundamento nos estudos sobre a organização da escola e de como as pessoas se relacionam entre si foi essencial na compreensão das causas implícitas ao trabalho desses agentes.

Em suma, registra-se que o livro em pauta relaciona temas da política edu-cacional e da gestão escolar, tendo como categoria básica a alfabetização da criança. Registra-se, ainda, que os temas discutidos abrem para muitos outros questiona-mentos e outras pesquisas, considerando que o momento social, político, cultural e, principalmente, o educacional, está permeado por grandes conferências que vislumbram em suas aberturas a participação de muitos sujeitos históricos que gritam por um Plano Nacional de Educação para a Nação que de fato represente os anseios de todos; portanto, um momento que urge por definições várias nos espaços escolar, educacional, social, em especial, para a alfabetização da criança.

Finalizando, pretende-se que esta obra amplie e disponibilize conhecimen-tos necessários à formação do profissional para a Educação Básica e, também, contribua com os gestores educacionais dos municípios e estados do Brasil, tra-zendo à tona mais um estudo de temas necessários e propícios para a configuração qualitativa de uma política educacional de fato de “Estado”.

Maria Alice de Miranda ArandaElisângela Alves da Silva Scaff

Paulo Gomes LimaOrganizadores

CAPÍTULO I

O PROCESSO ALFABETIZADOR DA CRIANÇA: GESTÃO ESCOLAR E POLÍTICA EDUCACIONAL

Maria Alice de Miranda ArandaFranciele Ribeiro Lima

Olga Cristina da Silva TeixeiraUniversidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Introdução

A Alfabetização quer no enfoque pedagógico, quer na concepção de gestão da educação que dá suporte ao pedagógico, quer sob o prisma da política edu-cacional1 sempre foi e é um tema difícil, polêmico e complexo, segundo consta-tações decorrentes de experiências, de pesquisas e de estudos feitos na literatura da área. Portanto, é um tema que exige dos pesquisadores atenção especial e por parte das instituições formadoras de docentes e gestoras da Educação Básica a atenção nos Projetos Políticos Pedagógicos, nas Proposições Curriculares, nos Projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão, sistematizados tanto para os cursos de formação inicial como para os cursos de pós-graduação, e, em especial, nas ações que primam pela formação continuada do professor em exercício.

É com essa compreensão que o presente estudo apresenta o resultado de uma pesquisa desenvolvida em uma escola pública de Educação Básica2, no mu-nicípio de Dourados, MS, especificamente nos anos iniciais do Ensino Funda-mental, com o objetivo de analisar a gestão do processo alfabetizador da criança no espaço escolar decorrente das orientações postas pela política educacional que norteou a ampliação dos anos de escolarização no Ensino Fundamental na pri-meira década do século XXI.

1 Cf. Aranda (2011a).2 Integrante do grupo de escolas douradenses componentes da amostra da Pesquisa do OBEDUC/CAPES (2011-2013).

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É um estudo vinculado à linha de pesquisa Política e Gestão da Educa-ção, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Estado, Política e Gestão da Educação (GEPGE)/FAED/UFGD e tem sua origem nos seguintes Projetos de Pesquisa: Política, Gestão e Monitoramento de Alfabetização em Contextos Escolares Adversos3 (Edital 038/2010/CAPES/INEP do Observatório da Educação (OBEDUC)) e A gestão escolar do processo alfabetizador com enfoque na política educacional: do na-cional ao local (Pró-Reitoria de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa da UFGD). Ambos como suporte teórico também ao Subprojeto Iniciação à Docência em turmas de alfabetização por meio da Monitoria4, da Área de Pedagogia no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID5), financiado pela CAPES, e em andamento.

O estudo parte do pressuposto de que a inclusão da criança mais cedo, ou seja, aos seis anos de idade ou menos, no processo de escolarização requer e exige mudanças na gestão da escola, desde a estrutura física desta como um todo, em especial, a estrutura física da sala de aula, até a proposta pedagógica, o planeja-mento, a formação inicial e continuada de professores e gestores, a metodologia de ensino e a avaliação, tanto a institucional quanto a escolar. Exige, portanto, que os gestores do processo, com ênfase no alfabetizador, tenham fundamentação teórica consistente no sentido de compreender as concepções presentes em cada ação implantada em decorrência da política educacional, quer em nível local, quer em nível nacional.

Assim, fundamentada nas pesquisas bibliográfica, documental e de campo, esta última realizada por meio da observação participativa possibilitada pela pre-sença do OBEDUC e do PIBID6 na escola, e também pelo uso do instrumento da entrevista, a pesquisa teve como norte a busca de uma resposta para a seguin-te questão central: Como está organizada a gestão da escola em decorrência da ampliação do Ensino Fundamental no que tange ao processo de alfabetização da criança?

Com a preocupação de delinear algumas respostas, na sequência, dois itens foram elaborados. O primeiro faz destaque à política educacional, chamando a atenção para os imperativos legais que tratam da ampliação dos anos de escolari-

3 Coordenado pela Profª. Drª. Elisângela Alves da Silva Scaff – PPGEDU/UFGD.4 Cf. Aranda (2012).5 Cf. Aranda (2011b).6 As entrevistas foram feitas pela Acadêmica Bolsista do PIBID, Bruna Decian Carvalho, que atuava na escola pesquisada como monitora em turma de alfabetização, uma das ações do Subprojeto do PIBID no Curso de Pedagogia da FAED/UFGD.

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dade no Ensino Fundamental e a inclusão da criança de seis anos mais cedo neste processo. O segundo trata da gestão do processo alfabetizador na escola, segundo dados possibilitados pela observação e pelas entrevistas realizadas.

Política educacional: a ampliação dos anos de escolaridade no Ensino Fundamental e a inclusão da criança de seis anos

A política educacional é um alvo em movimento e se manifesta nas estraté-gias utilizadas pelos governantes, e cujo conteúdo referencia princípios e diretrizes constitucionais, prioridades, objetivos e metas, meios, organização administrativa e operacional, população-alvo e seu papel (PALUMBO, 1994). E tem como su-porte: declarações, leis, regulamentos, planos, projetos, programas, cuja imple-mentação é feita pelos sujeitos históricos da esfera local, a escola.

Em se tratando do processo de ampliação dos anos de escolaridade no Ensino Fundamental, bem como a inclusão da criança mais cedo nesse nível de ensino, faz-se destaque para uma análise dos seguintes documentos: Constituição Federal/1988; LDB nº 9.394/1996; Plano Nacional de Educação/2001-2011; Lei nº 11.114/2005; Lei nº 11. 274/2006; Plano Nacional de Educação 2011-2020 – Projeto de Lei nº 8.035/2010; Parecer CNE/CEB nº 7/2010; Resolução nº 4/2010; Resolução CNE-CEB nº 7/2010.

A Constituição Federal/1988 ficou conhecida como a “constituição ci-dadã” por suas diversas conquistas nos direitos políticos e sociais do cidadão. Um desses direitos foi a declaração da educação como proteção integral da criança e do adolescente, pondo como prioridades fundamentais a qualificação e a universalização do ensino no país, assegurando a obrigatoriedade no Ensino Fundamental, para garantir o direito de todos à escola. Direitos esses também reforçados na LDB nº 9.394/1996.

O Plano Nacional de Educação, em vigor até o ano de 2011, também apresentava os indicativos para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, com vistas a incluir a criança de 6 (seis) anos no processo de escolarização e, no ano de 2005, a Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, altera os artigos 6º, 32 e 87 da LDB nº 9.394/1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Logo em seguida, a Resolução da CNE/CEB nº 03, de 03 de agosto de 2005, define normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental com nove anos de duração, determinando a seguinte organização para este nível e para a Educação Infantil:

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Quadro 1 – Organização da Educação Infantil e do Novo Ensino FundamentalEtapa de Ensino Faixa Etária Prevista Duração

Educação Infantil Creche até 3 anos de idade 5 anos

Pré-Escola 4 e 5 anos de idade

Ensino Fundamental Anos Iniciais de 6 a 10 anos de idade 9 anos

Anos Finais de 11 a 14 anos de idade

Fonte: Resolução da CNE/CEB nº 03/2005. Quadro elaborado para este estudo.

Essa nova organização altera o artigo 30 da LDB, cuja regulamentação é feita primeiro pela Lei nº 11.114/2005 e, posteriormente, pela Lei nº 11. 274/2006. Também o artigo 32 da LDB passa por reformulação com base na Lei n° 11.274/2006 recebendo nova redação conforme segue: “O ensino funda-mental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade [...]”.

A Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010, define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica e na Seção II – Ensino Fundamental – considerando o objetivo desse item, faz-se destaque para os artigos 23 e 24:

Art. 23. O Ensino Fundamental com 9 (nove) anos de duração, de matrícula obrigatória para as crianças a partir dos 6 (seis) anos de idade, tem duas fases sequentes com características próprias, chamadas de anos iniciais, com 5 (cinco) anos de duração, em regra para estudantes de 6 (seis) a 10 (dez) anos de idade; e anos finais, com 4 (quatro) anos de dura-ção, para os de 11 (onze) a 14 (quatorze) anos. Parágrafo único. No Ensino Fundamental, acolher significa também cui-dar e educar, como forma de garantir a aprendizagem dos conteúdos cur-riculares, para que o estudante desenvolva interesses e sensibilidades que lhe permitam usufruir dos bens culturais disponíveis na comunidade, na sua cidade ou na sociedade em geral, e que lhe possibilitem ainda sentir-se como produtor valorizado desses bens.Art. 24. Os objetivos da formação básica das crianças, definidos para a Educação Infantil, prolongam-se durante os anos iniciais do Ensino Fun-damental, especialmente no primeiro, e completam-se nos anos finais, am-pliando e intensificando, gradativamente, o processo educativo, mediante:I – desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – foco central na alfabetização, ao longo dos 3 (três) primeiros anos;III – compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da economia, da tecnologia, das artes, da cultura e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

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IV – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;V – fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade hu-mana e de respeito recíproco em que se assenta a vida social (BRASIL, 2010, p. 8-9, grifo meu).

No Parecer do CNE/CEB nº 7, de 7 de abril de 2010, que trata das Di-retrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, a questão da alfa-betização é colocada como um desafio para esse nível escolar, posto que a Lei nº 11.274/2006, ao buscar assegurar a entrada da criança de seis anos nesse processo de escolarização remete à importância do alargamento do tempo como perspecti-va para a efetivação da qualidade do ensino:

O processo de implantação e implementação do disposto na alteração da LDB pela Lei nº. 11.274/2006, que estabeleceu o ingresso da criança a partir dos seis anos de idade no Ensino Fundamental, tem como perspec-tivas melhorar as condições de equidade e qualidade da Educação Básica, estruturar um novo Ensino Fundamental e assegurar um alargamento do tempo para as aprendizagens da alfabetização e do letramento (BRASIL, 2006, p. 8).

Com a mesma perspectiva, a Resolução CNE-CEB nº 7, de 14 de dezem-bro de 2010, fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos e o artigo 2º assim registra:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº. 4/2010) e reúnem princípios, fundamentos e procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Educação, para orientar as políti-cas públicas educacionais e a elaboração, implementação e avaliação das orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos Estados, o Distrito Federal, dos Municípios, e dos projetos político-pedagógicos das escolas (BRASIL, 2010, p. 1).

Nessa direção, considera-se importante enumerar temas básicos sistemati-zados ao longo da Resolução, que resumidamente, são os que seguem:

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• projeto educativo coerente, articulado e integrado;• formas de organização compreendidas como tempos e espaços interdepen-

dentes e articulados entre si;• gestão democrática e participativa como garantia do direito à educação;• elaboração do projeto político pedagógico (PPP) e do Regimento Escolar

de acordo com a proposta do ensino fundamental de 9 (nove) anos;• aluno como centro do planejamento curricular;• a base nacional comum e a parte diversificada do currículo do Ensino

Fundamental compreendidas como um todo integrado e não consideradas como dois blocos distintos;

• currículo do Ensino Fundamental enriquecido pelas experiências escolares e permeadas pelas relações sociais;

• qualidade social, igualmente entendida como direito humano;• a formação continuada dos professores e demais profissionais da escola em

estreita articulação com as instituições responsáveis pela formação inicial;• provimento pelos sistemas e redes de ensino dos recursos necessários à am-

pliação dos tempos e espaços dedicados ao trabalho educativo nas escolas e a distribuição de materiais didáticos e escolares adequados;

• atendimento educacional especializado aos alunos da Educação Especial;• a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação;• uma política de formação permanente de seus professores; • resultados de aprendizagem dos alunos aliados à avaliação das escolas e de

seus professores; • escola de tempo integral; e• avaliação como parte integrante do currículo (BRASIL, 2010, p. 2-17).

No caso da avaliação da aprendizagem, os registros destacam que esta deve ser a redimensionadora da ação pedagógica; portanto, deve ter caracteres processual, formativo e participativo e ser contínua, cumulativa e diagnóstica (Ibidem).

Todos os temas destacados são básicos para uma análise da gestão escolar do processo alfabetizador da criança, em decorrência dos temas da política educa-cional em desenvolvimento no Brasil.

A política educacional em desenvolvimento demonstra em suas ações orientações e imperativos legais, em pauta neste exato momento histórico, como um grande desafio para o processo alfabetizador, a exemplo da definição dos 3 (três) primeiros anos do Ensino Fundamental focando para esse processo e fa-

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zendo observações sobre a complexidade do mesmo, bem como do indicativo para superar prejuízos oriundos da repetência como um todo e, particularmente, como fazer uma gestão que permita com qualidade a trajetória da criança, espe-cialmente na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro. Segundo Silva e Scaff (2010, p. 103), essa perspectiva encerra o pressuposto de que pensar a escola fundamental e a organização pedagógica no contexto da implantação do ensino fundamental implica também a percepção do espaço escolar como um lugar acolhedor, com instalações adequadas, corpo profissional qualificado e projeto pedagógico voltado para as demandas dessa fase da vida da criança. Para nós, além da reorganização do trabalho pedagógico e dos ajustes legais e administrativos, é necessário também não se descuidar dos papéis e das responsabilidades dos gestores públicos na efetivação das políticas.

Cabe a todos os gestores do processo, do nacional ao local, darem a devida atenção para a efetivação de meios que gerem mudanças sinalizadas pela política educacional e que, na implantação e na implementação no espaço escolar, exige a tomada de decisões. Assim, os indicativos decorrentes da política educacional abarcam a necessidade de que os gestores do processo venham a entender a fundo as concepções subjacentes aos preceitos legais, e, a partir daí, terem fundamentos teóricos e legais para repensarem, no contexto escolar, nas salas de aula destinadas às turmas de alfabetização, questões em termos estruturais, pedagógicos, culturais e políticos, para atender às crianças que entram mais cedo no ensino obrigatório.

No Plano Nacional de Educação (2011-2020) – Projeto de Lei Ordinária (PLO nº 8.035/2010) –, um dos principais instrumentos da política educacional – estão reafirmadas todas as perspectivas delineadas nas leis apresentadas e em perfeita consonância com os encaminhamentos até então destacados para a gestão escolar do processo de alfabetização nessa atual configuração.

O Plano Nacional de Educação em processo define de forma clara que a grande proposição é “universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de seis a quatorze anos até 2016”. No livro “Por um Plano Nacional de Educação (2011-2020) como Política de Estado”, cuja organização teve como coordenador o pesquisador Luís Dourado e chegou às mãos dos pes-quisadores em 2011, as proposições de emenda, no caso da Meta 5, estratégia 5.1, assim está registrado: “Estruturar o ensino fundamental de nove anos com foco na organização pedagógica da alfabetização com duração de três anos, a fim de garantir a alfabetização plena de todas as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano” (p. 38).

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Como se vê, são inúmeras as orientações legais para se fazer a gestão escolar na alfabetização conforme as normas destacadas e são inúmeras as preocupações daí decorrentes. E nessa direção, a análise de Frade (2007) é de fundamental importância, uma vez que a autora define como de cunho estrutural a política educacional em pauta:

Além desses efeitos na continuidade da escolarização, na melhoria de con-dições de favorecimento do contato e uso da escrita pelas crianças e na focalização da política traz impactos sérios na cultura dos docentes e dos gestores e na política educacional exatamente porque traz uma mudança estrutural. Deveríamos indagar se haveria o mesmo impacto nos sistemas se tivessem sido discutidas, mais uma vez, mudanças de paradigmas sobre como se aprende ou como se alfabetiza ou sobre os efeitos do letramento. Essa política de cunho estrutural repercute, de maneira geral, nas questões de financiamento, na abertura de vagas, na demanda por material didático e numa mudança da cultura e na estrutura curricular, desde que se crie uma zona de instabilidade produtiva para mudar as coisas de lugar [...]. (p. 78).

De fato, dentre os pontos levantados, percebe-se que os efeitos decorrentes da política educacional de ampliação dos anos de escolarização no ensino funda-mental e, de modo contundente, da inclusão da criança de seis anos no processo alfabetizador indicam grandes mudanças impactantes em vários aspectos, mas ainda não mensuráveis e que o estudo em foco não alcança, portanto, a delimi-tação momentânea visa apenas a entender, ainda de forma elementar, como os gestores do processo alfabetizador na escola estão respondendo às demandas mais urgentes que o momento suscita.

A gestão do processo alfabetizador

A gestão escolar do processo alfabetizador é entendida neste estudo como um princípio orientador para a ação, no caso, ações da gestão escolar que possibi-litam a alfabetização da criança, em decorrência da política educacional vigente, buscando analisar ações que abarcam um processo, desde os indicativos para sis-tematizar uma proposição no tocante à elaboração, à implantação, à implemen-tação, à avaliação, em termos administrativos, pedagógicos, políticos, culturais e de financiamento.

A gestão escolar é uma ação, em primeiro lugar, de caráter pedagógico, por isso deve ser planejada, executada e avaliada constantemente por um coletivo de-nominado gestores do processo (o diretor, o coordenador pedagógico, o professor,

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os pais ou outro responsável pelo aluno, dentre outros), é o ser e o fazer da escola cujo maior objetivo é que todos os alunos aprendam. Portanto, nessa perspectiva, o centro do processo é o aluno e todos os envolvidos e os aspectos daí decorrentes precisam estar voltados para o alcance de um fazer crítico e de qualidade pedagó-gica, social e política.

Nesse sentido, o professor que também é um gestor, ao se comprometer com o projeto político pedagógico da escola no que cabe à alfabetização da crian-ça, exercerá com qualidade pedagógica e social a gestão do ensino, a gestão da classe, a gestão das relações e a gestão do processo de aquisição do conhecimento. Nesse caso, num processo coletivo e fundamentado teoricamente poder-se-ia falar em gestão democrática, em compromisso mútuo com o ensino e com a aprendi-zagem, cujo objetivo maior se volte para que:

[...] a aprendizagem se realize, para que as convicções se construam no diálogo e no respeito e as práticas se efetivem, coletivamente, no compa-nheirismo e na solidariedade. Falo de um ensino que é uma prática social, não só porque se concretiza na interação professor/a/aluno/a, mas também porque estes sujeitos refletem, constituem e constroem a cultura e contex-tos sociais a que pertence. Falo de uma aprendizagem dos conteúdos da vida que abrangem os conceitos científicos da cultura erudita e os conteú-dos éticos de convivência social (DOURADO, 2006 p. 113).

Com essa compreensão, o intuito é analisar a gestão do processo alfabeti-zador da criança no espaço escolar decorrente das orientações postas pela política educacional que norteou a ampliação dos anos de escolarização no Ensino Fun-damental na primeira década do século XXI. Pesquisa que teve como lócus uma escola pública de educação básica. Foram critérios para a escolha da instituição de ensino pesquisada os seguintes aspectos: grande número de turmas de alfa-betização; variação negativa no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); fazer parte da amostra do Projeto de Pesquisa do OBEDUC; e uma das escolas parceiras do PIBID/UFGD.

A Escola, criada no ano de 1990, está localizada na cidade de Dourados, MS, pertence à Rede Municipal de Ensino de Dourados (REME). Situa-se em um bairro cuja construção foi planejada para receber o alunado da classe média; no entanto, no decorrer do tempo, por ser distante do centro da cidade e por ter vários bairros periféricos circunvizinhos, vem atendendo, na sua maioria, alunos oriundos de classe economicamente menos favorecida. Oferece a Educação Básica em dois níveis: a Educação Infantil/Pré-Escola e o Ensino Fundamental – de 1º

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ao 9º ano, nos períodos vespertino e matutino, e no noturno, a modalidade Edu-cação de Jovens e Adultos (EJA). Atende aproximadamente a 1.300 alunos, destes 490 estão nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Quanto ao quadro de pessoal, conta com 1 diretora e 1 vice-diretora, eleitas pela comunidade, 4 coordenadoras pedagógicas concursadas, 70 pro-fessores formados em suas respectivas áreas. No âmbito administrativo, conta também com 1 secretária e 2 auxiliares de secretariado, 3 funcionários para as rotinas administrativas, 15 funcionários de apoio administrativo e 3 vigias (DOURADOS, 2010).

Faz-se destaque à caminhada que essa Escola vem fazendo no que tange ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, índices delineados no quadro a seguir, demonstrando que a distância quanto ao patamar almejado pelo “Plano de Metas e Compromisso de Todos pela Educação” (2009), ainda se faz constante:

Quadro 2 – IDEB da EscolaAnos do EF 2005 2007 2009 2011

Iniciais 4.0 4.3 3.9 4.9

Finais 3.2 3.6 4.3 3.7Fonte: INEP/ 2011b

Como o foco da pesquisa é a Política Educacional e decorrente desta a discussão da gestão do processo alfabetizador, a questão da avaliação se apresenta como um grande desafio para a Escola em tela, perante a presença de uma ação dessa política educacional em vários estados brasileiros e que a Rede Municipal de Ensino de Dourados vem também colocando em prática com o nome de Bloco Inicial de Alfabetização (BIA). O BIA é uma tentativa de assegurar a progres-são continuada para os três primeiros anos do Ensino Fundamental7. Entretanto, ainda não ocorre dentro dessa orientação na sua totalidade, realizando-se, por enquanto, apenas no 1º ano, conforme decisões locais tomadas coletivamente em caráter legal. É uma tentativa que busca responder as orientações legais mais amplas e em processo.

Para conferir percentuais de aprovação do 1º ano, turmas A, B, C e D, seguem os dados destacando-se os percentuais em termos de aprovação, de repro-vação, de evasão e de transferências.

7 Legalmente colocados no Plano Nacional de Educação (PNE) como o período destinado à alfabetização.

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Quadro 3 – Produtividade escolar – 1º, 2º e 3º anos do Ensino Fundamental (2010)Turma Aprovados Reprovados Desistentes Transferidos Matrícula

GeralMatrícula Real

Total % Total % Total % Total % MG Total %1º A 26 100,00 0 0,00 0 0,00 1 3,70 27 26 96,301º B 24 100,00 0 0,00 0 0,00 4 14,29 28 24 85,711º C 23 100,00 0 0,00 0 0,00 2 8,00 25 23 92,001º D 22 100,00 0 0,00 0 0,00 6 21,43 28 22 78,572º A 19 86,36 3 13,64 0 0,00 1 4,35 23 22 95,652º B 20 76,92 6 23,08 0 0,00 3 10,34 29 26 89,662º C 19 79,17 5 20,83 0 0,00 4 14,29 28 24 85,712º D 19 76,00 6 24,00 0 0,00 2 7,41 27 25 92,593º A 24 88,89 3 11,11 0 0,00 3 10,00 30 27 90,003º B 23 82,14 5 17,86 0 0,00 4 12,50 32 28 87,503º C 21 77,78 6 22,22 0 0,00 4 12,90 31 27 87,10

Fonte: Censo escolar (2010) – Arquivos da Escola.

Jeffrey (2009), em seus estudos com o tema da progressão continuada, faz um alerta sobre as dificuldades da escola em avançar quanto ao processo ava-liativo, com vistas a superar práticas não cabíveis ao se tratar principalmente da avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento da criança:

Com relação à ampliação do ensino fundamental para nove anos, a supe-ração de práticas avaliativas de caráter classificatório representa um grande desafio, pois se elas ainda se legitimam no espaço escolar, independente-mente das determinações prescritas na LDB nº. 9.394/96, é preciso re-pensar os objetivos da avaliação da aprendizagem e suas implicações tanto nesse processo quanto na trajetória escolar do aluno (p. 238).

Feitas as considerações sobre a Escola focalizada, possibilitadas pela partici-pação via OBEDUC e PIBID, passa-se à análise das entrevistas. Foram entrevista-dos sujeitos envolvidos com o processo alfabetizador, a saber: uma coordenadora pedagógica e duas professoras alfabetizadoras – denominadas, neste estudo, como Professora A e Professora B. Procurou-se, com base em Ludke e André (1986), captar as informações por meio de entrevista, por ser um instrumento de pesquisa mais flexível. No geral, as questões se voltam para a ampliação do Ensino Funda-mental (EF) e sobre a criança que tem acesso mais cedo nessa etapa da Educação Básica, além de perguntas relacionadas ao espaço físico, à metodologia na sala de

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aula, à formação continuada sobre o tema, ao material didático e aos procedimen-tos avaliativos.

Sobre a ampliação dos anos de escolarização no EF e neste a criança de seis anos, foi perceptível a preocupação das entrevistadas com “esta questão nova” e ao mesmo tempo ficou claro que todas perceberam que, por ser um imperativo legal, a mudança ocorreria e o caminho a ser feito era dar conta no processo. Assim, ficou observável nas falas, no geral, o desejo de atender as demandas pedagógicas decorrentes, cientes da necessidade de se pensar outra forma de organização e de gestão da educação escolar.

Sobre esse ponto, Frade (2007) reafirma que na implementação da política de nove anos, a repercussão maior está na questão da alfabetização com a entrada da criança de 6 (seis) anos no Ensino Fundamental e questiona: “Que problemas da educação e da alfabetização brasileiras são enfrentados quando se adota uma ampliação do tempo na escolaridade obrigatória?

Um dos problemas colocados pelas entrevistadas é a faixa etária das crian-ças que adentram as salas de aula no Ensino Fundamental, na etapa inicial de alfabetização, e sobre essa questão, a análise de Kramer (2006) é fundamental:

[...] Defendemos aqui o ponto de vista de que os direitos sociais precisam ser assegurados e que o trabalho pedagógico precisa levar em conta a sin-gularidade das ações infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental. É preciso ga-rantir que as crianças sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos na educação infantil e no ensino fundamental [...]. A inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental requer diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, diálogo institucional e pedagógico, dentro da escola e entre as escolas, com alternativas curriculares claras (p. 20).

Questionadas sobre estudos que antecederam ao processo de implantação da ampliação do Ensino Fundamental e da inclusão da criança, a coordenadora pedagógica assim se pronunciou:

O profissional (docente) deve estar consciente de que sua formação tem que (sic) ser constante. Os desafios são grandes, o professor precisa manter--se atualizado. Na Escola, as capacitações são efetuadas na hora-atividade do professor. Também são efetivadas as reservas técnicas, a SEMED oferece cursos para os profissionais e a Escola organiza para que todos consigam fazer os cursos oferecidos (ENTREVISTA, 2012).

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Entretanto, a afirmação da Professora B demonstra a complexidade da questão: “Nós, professores, não tivemos preparação para receber esses alunos. Ainda estamos participando de algumas formações, inclusive uma delas com a Universidade (UFGD) que esclareceu minhas dúvidas” (ENTREVISTA, 2012).

Essa formação diz respeito a um Projeto de Extensão feito por pesquisado-res da UFGD via Observatório da Educação (OBEDUC), intitulado Ampliação dos anos de escolaridade e redefinição do Ensino Fundamental: desafios à alfabetiza-ção, com uma carga horária de 80 horas, realizada entre agosto de 2011 a abril de 2012, com a participação de 50 professores dos anos iniciais do Ensino Funda-mental (1º ao 3º ano) das escolas participantes do projeto de pesquisa menciona-do na introdução deste estudo.

Kramer (2006), fazendo referência ao tema da formação continuada de professores no contexto político nacional, analisa que a Educação Infantil e o En-sino Fundamental são instâncias indissociáveis do processo de democratização da educação brasileira, destacando a importância dessa articulação no que se refere às crianças e ao trabalho pedagógico. Com relação à inclusão das crianças de seis anos no ensino fundamental, a autora considera esse imperativo legal como uma conquista importante para as populações infantis e para suas famílias.

Questionada sobre as mudanças feitas na questão do espaço físico, a coor-denadora pedagógica respondeu que:

O espaço físico da escola foi ampliado com mais 2 salas de aula, totalizan-do 18 salas de aulas para atender a clientela. A Escola possui um laborató-rio de informática com mais 30 computadores e uma monitora em cada período, onde (sic) são desenvolvidos vários projetos, nas mais diversas áreas do conhecimento, possui biblioteca, sala de recursos (materiais didá-tico e pedagógico), sala multifuncional com professora específica só para atendimentos de (sic) alunos, POLEM, quadra de esporte, PAE (Programa de Acompanhamento Escolar), sala de professores e sala de coordenação (COORDENADORA; ENTREVISTA, 2012).

A coordenadora não deixou clara a questão da organização do mobiliário dentro da sala de aula, ponto de suma importância destacado pela Professora A: “[...] nada mudou no espaço físico da escola, mesas, cadeiras, enfim, o mobiliário não mudou, [...] as carteiras continuam as mesmas e as crianças tendo dificulda-des para se adaptar com (sic) os móveis de adultos” (ENTREVISTA, 2012).

Afirmação de suma importância, pois demonstra que sendo essa uma das necessidades básicas ainda não foi contemplada, que se soma a outras necessi-

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dades de cunhos pedagógico e administrativo, conforme analisa Frade (2007) a política educacional em pauta:

Essa política de cunho estrutural repercute, de maneira geral, nas questões de financiamento, na abertura de vagas, na construção de novas salas de aula, na compra de mobiliário, na demanda por material didático e numa mudança de cultura pedagógica e na estrutura curricular (p. 78).

Ainda em relação aos pontos destacados por Frade, cabe destacar as pala-vras da coordenadora quanto à necessidade de se buscar uma prática pedagógica na sala de aula que contemple:

[...] constante da construção de um conhecimento transformador que seja condizente com a sua realidade. Deve-se priorizar o desenvolvimento contí-nuo do processo ensino-aprendizagem, criando condições e respeitando a plu-ralidade cultural, mediante uma metodologia que procura criar uma situação motivadora, colocando o assunto de forma clara, através de pesquisa, estudo individual e coletivo, seminários, momentos de conclusões e consolidações de conceitos (COORDENADORA PEDAGÓGICA; ENTREVISTA, 2012).

A Professora A apresentou uma resposta significativa sobre a sua postura e levantou um ponto que ainda impera em muitas instituições quanto à resistência às mudanças:

Existem ainda muitos professores que não aceitam mudanças e continuam mantendo métodos totalmente tradicionais. Eu tenho procurado partici-par de formações na área de alfabetização, para melhorar minha metodo-logia na sala de aula, procuro conhecer esse ‘novo’ alunado pra também aprender a trabalhar com eles (PROFESSORA A, ENTREVISTA, 2012).

É de suma importância a reflexão sobre a metodologia de ensino do profes-sor alfabetizador, pois é ele quem trabalha diretamente com o processo pedagógi-co, ou seja, o processo de ensino e aprendizagem. Segundo Frade (2007, p. 88), abordar e refletir sobre os desafios das metodologias utilizadas na alfabetização é importante, uma vez que os métodos se referem aos modos de fazer que se vêm constituindo historicamente. No entanto, tomá-los como relevantes não implica prestar tributo a eles como salvadores da pedagogia da alfabetização. Método é relevante, mas é um dos aspectos do ensino inicial da escrita. Nunca é demais reafirmar que, de forma general, o problema e o sucesso na alfabetização também podem ser explicados por questões muito mais amplas que passam, antes de tudo,

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pela discussão de uma problemática social e de outras políticas relacionadas à educação e à cultura.

A Professora B registra que ainda está em busca de uma metodologia dife-renciada, ao afirmar que:

Cada professor está tentando mudar sua metodologia. Eu por exemplo não estou alfabetizando como antes. Agora procuro deixar minhas aulas mais dinâmicas com mais movimento trazendo mais o lúdico, pois a criança de seis anos não consegue ficar, por muito tempo, sentada e quieta (ENTRE-VISTA, 2012).

Percebe-se com a fala da professora B que a forma de trabalho do docente em sala de aula é individual, é necessário refletir sobre a metodologia utilizada na alfabetização, principalmente com a ampliação do EF.

Discutir métodos, portanto, supõe recolocá-los no seu devido lugar. Se antes esse termo designava o modo de ensinar alguns conteúdos específi-cos e próprios de uma fase inicial da aprendizagem, seja por um livro, por princípios ou por uma prática particular de um professor, hoje o termo é abarcado pelo que podemos chamar de uma didática da alfabetização, e a própria noção de metodologia ampliou-se. Não se trata de o professor al-fabetizador entender apenas dos métodos clássicos de alfabetização, mas de tomar decisões relativas a diversas ordens de fatores relacionados ao como fazer. Implica decisões relativas a métodos, à organização de sala de aula e de um ambiente de letramento, à pesquisa sobre práticas culturais de escrita na família e na comunidade, à definição de capacidades a serem atingidas, à escolha de materiais, de procedimentos de ensino, de formas de avaliar, sempre num contexto da política mais ampla de organização do ensino (FRADE, 2007, p. 89).

No que diz respeito aos materiais didáticos, a Professora A respondeu que:

as gestoras da escola sempre procuraram usar os recursos que vêm para a escola (PDE, por exemplo), na compra de materiais que dão suporte ao professor, em todas as áreas e disciplinas oferecidas na escola, portanto, a escola possui vários materiais e livros didáticos (ENTREVISTA, 2012).

E sobre o mesmo assunto, a Professora B ressalta que:

quanto ao material didático, agora estamos fazendo a escolha do livro didático. E percebo que eles estão vindo ao encontro para atender essas crianças tão imaturas, mas com tanta vontade de aprender. E o Ministério

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da Educação está sempre mandando materiais, como jogos lúdicos, livros de histórias (para crianças de seis anos de idade), músicas, quadrilhas, etc. É um material muito bom que vai atender as dificuldades desses alunos (ENTREVISTA, 2012).

Constata-se pelas entrevistadas que quanto aos materiais didáticos para o trabalho pedagógico não há problemas, entretanto, quanto aos Livros Didáticos a observação de Frade (2007) é de suma importância:

Outro ‘desdobramento dado por essa zona de instabilidade’ provocada pela implementação de uma política, sem que se criem paralelamente outras políticas que lhe deem suporte, é dado pela precariedade dos materiais didáticos destinados a esse novo segmento. Não nos podemos esquecer de que, do ponto de vista estrutural e pedagógico, temos uma situação concreta: Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) implementado nos país em 1996, que tem repercutido na destinação de recursos, na compra, avaliação e produção de livros didáticos, não há ainda previsão de mate-rial didático para alunos de 6 anos (p. 87, grifo nosso).

Quanto ao procedimento avaliativo, nessa nova organização da alfabetiza-ção, a coordenadora pedagógica salientou que:

A avaliação é um importante instrumento para que o professor possa obter dados sobre o processo de aprendizagem de cada criança, serve também para reorientar sua prática e elaborar seu planejamento, propondo situações e formas de gerar novos avanços na aprendizagem dos alunos. A avaliação deve ser de forma sistemática e contínua ao longo de todo o processo, faz-se um levantamento inicial para obter informações sobre a leitura, a escrita e a linguagem oral e implica uma observação e registro de dados por parte do professor e coordenação sobre o processo de aprendizagem, por sua vez fazem-se necessários os desafios encaminhados, que são: atendimentos individuais com recursos diferenciados, atendimentos contraturno, trabalho corpo a corpo com o responsável pela criança e se necessário solicitação de encaminhamentos para a saúde com psicologia, fono (sic) e neurologista (ENTREVISTA, 2012).

Condiz a Professora A: “Trabalhamos com a avaliação contínua, ou seja, avaliamos diariamente os alunos de acordo com sua participação na sala de aula. Utilizamos também o preenchimento do BIA, feito por bimestre, onde (sic) anotamos os avanços e dificuldades dos alunos” (ENTREVISTA, 2012). E complementa: “Nos primeiros anos, não fazemos avaliação escrita, mas temos

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o BIA (Bloco Inicial da Alfabetização) que traz todos os conteúdos trabalhados, onde (sic) o professor analisa o que o aluno dominou ou não dominou naquele bimestre” (ENTREVISTA, 2012).

Em consonância às respostas das entrevistadas e com base na análise da autora acima referendada, observa-se que a Lei nº. 11.274/2006 pontua que:

[...] Quanto à avaliação da aprendizagem no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos, faz-se necessário assumir como princípio que a escola deve assegurar aprendizagem de qualidade para todos; as-sumir a avaliação como princípio processual, diagnóstico, participati-vo, formativo, com os objetivos de redimensionar a ação pedagógica, elaborar instrumentos e procedimentos de observação, registro e de reflexão constante do processo de ensino-aprendizagem, romper com a prática tradicional de avaliação limitada a resultados finais traduzidos em notas e romper também, com o caráter meramente classificatório [...] (BRASIL, 2006, p. 12).

Nesse sentido, volta-se a Jeffrey (2009, p. 242) na seguinte contribuição: “é fundamental que os profissionais da educação compreendam que a prática avaliativa resulta em um processo cujo objetivo é possibilitar o acompanhamento do aluno e o diagnóstico de seu trabalho pedagógico”.

Uma avaliação coerente assegura o direito da criança a uma educação de qualidade que, segundo Cury (2002):

A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradi-cionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas este bem social. Por isso, declarar e assegurar são mais que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esquecem que eles continuam a serem portadores de um direito impor-tante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando ele não é respeitado (p. 259).

A ampliação dos anos de escolarização no Ensino Fundamental, e com isso a inclusão obrigatória das crianças com seis anos de idade, incita avanços em vários aspectos na questão educacional e, em especial, na gestão do processo alfabetizador da criança. O que se precisa assegurar é que as mudanças advindas da política educacional colaborem na continuidade não só da proclamação dos direitos da criança, mas na sua efetivação.

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Considerações finais

A pesquisa objetivou analisar a gestão do processo alfabetizador da crian-ça no espaço escolar decorrente das orientações postas pela política educacional, que norteou a ampliação dos anos de escolarização no Ensino Fundamental na primeira década do século XXI, e foi possível concluir que a escola pública de Educação Básica ainda não chegou a uma organização administrativa e pedagó-gica que atenda, a contento, às crianças de seis anos no processo de escolarização, conforme concepções e princípios pedagógicos presentes nas leis, nos planos, nos programas e nos projetos que dão corpo à política educacional vigente.

Registra-se que é na escola que se conhece os impactos, os limites, os acertos, as dificuldades e os ganhos de novas propostas. Assim, segundo Falsa-rella (2002), no âmbito da escola, as diretrizes oficiais são interpretadas para se ajustarem ao cotidiano escolar; como também os acertos, os erros ou as dificul-dades na implementação de uma reforma educacional dependem da coerência que ela estabelece com a concepção dos educadores, indicando o nível de qua-lidade alcançado.

No caso de uma definição, o que está posta é a ampliação do Ensino Fun-damental como uma questão basilar no equacionamento de um projeto educacio-nal mais solidário e democrático, mas, conforme analisa Mortatti (2010): como pensar todas as outras urgências daí decorrentes, de modo a priorizar e garantir o direito da criança de estar numa escola estruturada de acordo com uma das mui-tas possibilidades de organização curricular no que tange à alfabetização inicial?

A pesquisa aqui delineada registrou algumas compreensões de gestores do processo alfabetizador que ainda caminham em busca de definições mais seguras. Dos pontos destacados no geral, remete-se a Kramer (2006) quando esta afirma que é preciso “entender que crianças [...] são sujeitos da história e da cultura, além de serem por elas produzidos, [...] implica ver o pedagógico na sua dimensão cultural, como conhecimento, arte e vida, e não só como algo instrucional, [...]” (p. 810).

Enfim, é preciso que o sistema escolar: enfrente o desafio de assumir a responsabilidade pelo aprendizado de todas as crianças; compreenda a alfabeti-zação como um componente da educação básica; e garanta o compromisso com a continuidade dos estudos e a responsabilização administrativa e financeira do poder público com essa oferta. São questões prementes que ainda precisam ser devidamente enfrentadas.

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Referências

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CAPÍTULO II

A ATUAÇÃO DOS GESTORES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REGIÃO SUL DE SANTA CATARINA

EM RELAÇÃO AO BLOCO ALFABETIZADOR

Leonete Luzia SchmidtRosinete Costa Fernandes Cardoso

Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)

Introdução

Este artigo aborda a atuação dos diretores das escolas públicas da região sul de Santa Catarina diante das mudanças no Ensino Fundamental a partir da Lei nº 11.274/06, que antecipou em um ano a idade das crianças para o ingresso na escola e aumentou o tempo destinado à alfabetização. Trata-se de um recorte da pesquisa realizada no âmbito do Projeto Alfabetização com Letramento: a formação inicial e continuada e trabalho docente nas escolas da rede pública da região sul de Santa Catarina, financiado pela Capes/Observatório da Educação8.

A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (LDB), ao ser sancionada, admitia, ainda que não obrigatória, a matrícula no Ensino Fundamental a partir dos seis anos. A Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educa-ção (2001-2011), em consonância com a sinalização na LDB, institui, dentre outras medidas, nos objetivos e metas do Ensino Fundamental: “Ampliar para nove anos a duração do ensino fundamental obrigatório com início aos seis

8 Aprovado pelo Edital nº 38/2010/CAPES/INEP, o projeto conta com pesquisas na gradu-ação e pós-graduação vinculadas a três eixos: Formação de Professores Alfabetizadores, Prática de Alfabetização e Proposta Pedagógica da Escola em Relação à Alfabetização. Participam do mesmo seis graduandas, três mestrandas, uma doutoranda e seis professoras da educação básica, todas com bolsa do referido programa. Ainda fazem parte do grupo duas professoras do mestrado em Educação e duas do curso de Pedagogia. A coordenação do projeto está sob a responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Leonete Luzia Schmidt. O grupo participa de reuniões, perio-dicamente, em que são realizados estudos e reflexões pertinentes ao projeto.

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anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na faixa de 7 a 14 anos” (BRASIL, 2001). Legalmente, portanto, a possibilidade do Ensino Fundamental de nove anos já estava instituída como meta a ser imple-mentada na vigência do referido Plano, intensificando-se a partir de 2004. No ano seguinte, com a aprovação da Lei nº 11.114, são alterados os artigos 6º, 32 e 87 da LDB, referentes à obrigatoriedade da entrada das crianças aos seis anos de idade no Ensino Fundamental. Na sequência, a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) nº 3, de 03 de agosto de 2005, define normas nacionais para a ampliação do Ensino Funda-mental para nove anos de duração, ressaltando com isso a necessidade de vincu-lar a obrigatoriedade da entrada das crianças aos seis anos de idade. Finalmente, com a Lei nº 11.274, aprovada em 06 de fevereiro de2006, os artigos 32 e 87 da LDB são alterados, instituindo a sobredita ampliação do percurso nesse nível da escolarização básica nos referidos termos.

Com a promulgação dessa lei, o Ensino Fundamental de nove anos ma-terializa-se pela inclusão das crianças de seis anos de idade nesse nível de ensino, com a intenção de “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória [...]” (BRASIL, 2004, p. 14). A partir disso, outros dispositivos de normatização foram criados para orientar a organização do currí-culo para esse novo tempo de Ensino Fundamental, de modo específico para os três primeiros anos denominados, dentre outros termos, de Ciclo da Infância ou Bloco Alfabetizador (BA)9. O Ciclo da Infância, proposto no Parecer CNE/CEB nº 4/2008, dá ênfase a uma aprendizagem continuada, considerando o tempo/espaço mais longo para a apropriação dos conhecimentos pela criança. Essa ideia de ciclo ou bloco ganhou destaque, em 2012, com a Portaria nº. 867, que institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), por meio do qual

9 A expressão Bloco Alfabetizador (BA) circula com certa frequência entre profissionais e estudiosos da área, quando se faz referência aos três primeiros anos do ensino fundamental. Outros termos como ciclo da infância, bloco pedagógico ou ciclo sequencial de ensino (Pare-cer nº 4/CNE/CEB, aprovado em 20 de fevereiro de 2008) (BRASIL, 2008) e ciclo sequencial (Resolução nº 7/CNE/CEB, aprovada em 14 de dezembro de 2010) (BRASIL, 2010), refe-rem-se também aos três primeiros dos cinco anos iniciais do ensino fundamental (Resolução nº 3/CNE/CEB, aprovada em 3 de agosto de 2005) (BRASIL, 2005b). Entretanto, o termo bloco alfabetizador aparece mais frequentemente nos discursos da área. A ênfase aos três pri-meiros anos se deve à expectativa de que se promova a alfabetização com letramento, o desen-volvimento de outras formas de expressão e a continuidade da aprendizagem em virtude da complexidade do processo de alfabetização (Resolução nº 7/CNE/CBE, aprovada em 14 de dezembro de 2010) (BRASIL, 2010).

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o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias distrital, estaduais e municipais de educação “reafirmam e ampliam o compromisso [...] de alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, ao final do terceiro ano do Ensino Funda-mental” (BRASIL, 2012).

Nos documentos constituídos pelo Estado – sejam as legislações ou os materiais do MEC que orientam ao longo desse processo a implementação do currículo de nove anos –, há evidências de uma preocupação em atenuar o bai-xo índice de alfabetização e de letramento dos alunos no país. Tais documentos propõem uma nova organização administrativa e pedagógica para essa etapa do ensino, com notável prioridade para a fase da alfabetização dos alunos.

Considerando esse contexto, surgem vários questionamentos, dentre os quais: como atuam os diretores das escolas diante dessa nova organização admi-nistrativa e pedagógica proposta oficialmente para o bloco alfabetizador? Enten-dendo que o bloco alfabetizador representa uma política pública de educação que interfere nas práticas do interior das escolas, de que modo os diretores incorpora-ram tais políticas? Que entendimento sobre o bloco alfabetizador tem subsidiado as práticas dos diretores das escolas?

O objetivo deste texto é apresentar o resultado da análise sobre a atuação dos diretores das escolas públicas da região sul de Santa Catarina no contexto em que a alfabetização ganha destaque nas políticas educacionais.

A pesquisa foi realizada em seis escolas públicas da região sul de Santa Catarina, definidas segundo critérios que assegurassem a representatividade da região. Das seis escolas, quatro pertencem a redes municipais e duas à rede es-tadual de Santa Catarina. Em ambas as redes, os diretores são nomeados pelos chefes dos poderes executivos municipal e estadual, respectivamente. Desse total de diretores, cinco são mulheres e um homem, confirmando os dados em relação ao gênero, apontados por Souza (2009), em sua pesquisa sobre o perfil dos dire-tores das escolas no Brasil, que indica que a maioria dos que ocupam essa função é mulher10. Desses seis diretores, cinco são professores da rede de ensino e um é

10 No artigo “Perfil da Gestão da Escola Pública no Brasil: um estudo sobre os diretores escolares e sobre aspectos da gestão democrática”, Souza (2009) se propõe a elaborar um perfil da gestão da escola pública brasileira a partir da análise dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003, concluindo, dentre outras questões, que 78% dos dirigentes das escolas públicas brasileiras são mulheres. (SOUZA, 2009, p. 2).

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técnico em educação11. Todos são formados em cursos de licenciatura, sendo três graduados em História e três em Pedagogia.

A coleta de dados foi realizada nos anos de 2011 e 2012, período da vigência da pesquisa do OBEDUC, tendo como principal instrumento a en-trevista, complementada com análise documental. As entrevistas foram rea-lizadas nas escolas em horários pré-agendados, gravadas e, posteriormente, transcritas. O projeto político pedagógico das escolas foi o principal docu-mento analisado.

A atuação dos diretores, assim como a dos demais profissionais da escola, é mediada pelo contexto sociocultural em que a instituição está inserida e pelos processos de organização e de gestão da Educação Básica que representam as po-líticas públicas voltadas a esse nível de educação. Assim, analisar a atuação dos diretores das escolas públicas da região sul de Santa Catarina no contexto em que a alfabetização ganha destaque nas políticas educacionais, como já se afirmou, implica apreendê-la no âmbito das relações sociais em que se forjam as condições para sua proposição e materialidade.

Esse entendimento balizou a organização do presente texto cuja discussão está centrada em torno de dois pontos: gestão escolar nas políticas educacionais das últimas décadas e atuação dos diretores no contexto dessas políticas em rela-ção ao bloco alfabetizador.

A gestão da escola a partir da década de 1990

A sociedade contemporânea presenciou, nas últimas décadas, fortes trans-formações de natureza política, econômica e social. O processo de globalização e o modelo societário neoliberal ensejam políticas públicas e práticas voltadas para a construção de uma nova ordem social e política, advindas de uma nova ordem econômica em implantação desde a extensa e profunda “crise” sofrida pelas eco-nomias capitalistas nos anos 1970.

A década de 1990 marca a emergência de uma nova conjuntura mundial, dada a necessidade visceral do sistema capitalista de realinhar suas estruturas,

11 No município de Capivari de Baixo (onde está localizada uma das escolas-campo da pes-quisa), a Lei Complementar nº 1.138, de 20 de dezembro de 2007, altera a Lei Complementar nº. 480/1999 (que regulamenta o plano de carreira e remuneração do pessoal do magistério) e cria o cargo de Técnico em Educação, que passa a compor o quadro de pessoal do magistério público municipal como cargo permanente de especialista em assuntos educacionais. (CAPI-VARI DE BAIXO, 2007).

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tendo em vista que a crise em seu modelo de produção anuncia, com todas as consequências daí advindas: a crise de um determinado “modo de vida”; a quebra de um pacto social caracterizado pela busca do “pleno emprego”; certa estabili-dade no trabalho e amplas garantias sociais. No plano político, essa crise levou à derrocada dos governos e dos partidos social-democratas, bem como da ideologia na qual se apoiavam. No plano microeconômico, ela se evidencia pelo lento cres-cimento, ou mesmo queda, da produtividade do trabalho. E, no plano macroe-conômico, ocorre uma disputa na distribuição de lucros/salários que, tendendo a se agravar, implicou a elevação da inflação, uma vez que o capital, já não mais aceitando a elevação do salário real, começou a repassar aos preços dos produtos todo aumento de custo daí derivado.

A crise do fordismo originou-se e desenvolveu-se tanto por razões internas quanto externas em cada país, tanto no nível microeconômico quanto no macro, tanto na esfera produtiva quanto nas órbitas comercial e financeira das econo-mias. A queda dos níveis de investimento, da atividade produtiva e do emprego, a crise fiscal do Estado (isto é, a crise de financiamento) e a aceleração da inflação se entrelaçaram, expressando as várias dimensões do problema.

A descentralização, revigorada nas reformas dos anos 1990 do século XX, enquanto estratégia administrativa, carrega em sua base a “flexibilização e a des-regulamentação da gestão pública, com a justificativa de busca de melhoria no atendimento ao cidadão/contribuinte, reduzindo mediações” e passa a orientar o recuo do Estado no financiamento de políticas sociais (OLIVEIRA; ROSAR, 2008, p. 128-129).

Nesse cenário, as relações capitalistas em âmbitos internacional e nacional produziram a transição da noção de prioridade da Educação Básica na década de 1980 à “centralidade da Educação Básica” na década de 1990, ambas articuladas à necessidade de readequação ideológica para mediar as mudanças econômico-so-ciais necessárias ao processo de acumulação do capital e, ao mesmo tempo, admi-nistrar a miséria social que elas produzem. Nesse sentido, a bandeira da Educação Básica, já no início da década de 1980 e na década de 1990, está vinculada às transformações que são efetivadas no âmbito da economia e da política em níveis nacional e internacional.

Sobretudo, na virada dos anos 1990, o debate mundial e nacional em tor-no da questão da “educação como fator de desenvolvimento” intensifica-se em face das exigências de um padrão de qualificação emergente no contexto de rees-truturação produtiva e de globalização na economia. As discussões apresentam a

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necessidade de serem repensadas propostas e alternativas para problemas estrutu-rais da educação, passando, necessariamente, por reformas nos sistemas públicos de ensino.

Dessa forma,

essas transformações colocam em evidência a dinâmica própria do processo de reestruturação capitalista. São novos procedimentos adotados pela eco-nomia mundial, obrigando os estados nacionais a assumirem outra condu-ta política, que muitas vezes implica em aceitar a interferência de institui-ções externas, nem sempre formalizadas. (OLIVEIRA, 2000, p. 26).

Frigotto e Ciavatta (2003) assinalam que os protagonistas dessas re-formas, dentre os quais o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD),   o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) são os res-ponsáveis por encaminhar as reformas nos Estados, sobretudo, nos países da periferia do capitalismo.

Indicando uma reedição da teoria do capital humano12, tão em voga nos anos 1970, a educação passa a ocupar, nos anos 1990, lugar central na reestru-turação capitalista, sendo considerada crucial para enfrentar a competitividade acirrada, melhorar a produção e adquirir a tão propalada empregabilidade. Para Shiroma (2000), o ideário adjacente à política educacional da década de 1990 foi disseminado em nível global por publicações e eventos importantes patro-cinados por agências como o Banco Mundial, UNESCO, PNUD e UNICEF.

Os diagnósticos, análises e propostas de soluções constantes nas publica-ções, tanto para a educação quanto para a economia, serviam para todos os países da América Latina e Caribe, e influenciaram as políticas públicas para a educação. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002).

A Conferência Mundial sobre a Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia, em 1990, considerada o grande marco das reformas que a seguiram, foi organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-

12 Theodoro W. Schultz (1902-1998) foi o principal expoente da Teoria do Capital Humano (TCH), nos anos 1950, nos Estados Unidos. Para este, a produção e consequentemente os lucros poderiam ser aumentados mediante o trabalho humano qualificado pela educação, pois compre-ende que o Capital Humano é “a soma dos investimentos do indivíduo em aquisição de conheci-mentos e que a qualquer momento reverte em benefícios econômicos para o próprio indivíduo” (AGUIAR, 2012, p. 12). A chegada da TCH no Brasil dá-se nos anos 1950, acolhida pela ideologia nacional desenvolvimentista, em que o Estado se destaca como propulsor do desenvolvimento e cujo planejamento é crucial para o desenvolvimento econômico. (AGUIAR, 2012).

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cia e a Cultura (UNESCO), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pelo PNUD e pelo Banco Mundial. Subscrita por 155 governos que assumiram o compromisso de assegurar uma educação básica de qualidade a crianças, jovens e adultos, resultou em consensos que deveriam penetrar a formulação dos planos decenais de educação, em especial nos países mais po-pulosos e com os maiores índices de analfabetismo do mundo13 (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002; OLIVEIRA, 2000).

Para Oliveira (2000), as reformas educacionais deflagradas nesse período pretenderam preparar a população para que se integrasse à sociedade atual e, mais recentemente, para a empregabilidade, um novo conceito que associa a Educação Básica à possibilidade de ingresso no mercado de trabalho.

Segundo Shiroma, Moraes e Evangelista (2002), tais reformas foram de-flagradas no Brasil no governo de Itamar Franco por meio do Plano Decenal14, muito embora tenham tomado força no governo de Fernando Henrique Cardoso e, de acordo com Oliveira e Rosar (2008, p. 128), “visavam à modernização do Estado brasileiro e sua adequação às exigências da economia mundial”.

Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2002), o projeto previa a satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de crianças, jovens e adultos. Porém, o argumento que permeava tais mudanças era de que, dadas as diferenças entre os grupos humanos com diferentes necessidades básicas, seriam também desiguais as necessidades básicas de aprendizagem. Assim, distinguir-se-iam os meios para satisfazê-las, diversificando segundo o país, a cultura, os setores e os grupos sociais de acordo com o panorama para sua resolução. (SHIROMA; MORAES; EVAN-GELISTA, 2002). Ou seja, o objetivo não era assegurar o direito de todos a uma educação de qualidade, mas atender às necessidades básicas em cada contexto.

13 A parir da Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, em Jomtien, na Tai-lândia, os nove países que possuíam as maiores taxas de analfabetismo do mundo (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão), denominados de E9, comprometeram-se pelo desenvolvimento de ações para a consolidação dos princípios estabe-lecidos nesse evento. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002). 14 O Plano Decenal de Educação para Todos, 1993–2003, elaborado na gestão do presidente Itamar Augusto Cautiero Franco, que presidiu o país de 1992 a 1995, correspondia a um “con-junto de diretrizes de política em processo contínuo de atualização e negociação, cujo hori-zonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema nacional de educação básica.” (BRASIL, 1993, p. 15). Na introdução do documento, informa-se que, tendo o Brasil participado, em março de 1990, da Conferência de Educação para Todos, caberia elaborar seu plano decenal de educação, incluindo os consensos que constituíram a Declaração Mundial de Educação para Todos, documento resultante da referida conferência mundial. (BRASIL, 1993).

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Com a centralidade que a educação passa a ocupar nos discursos e nas práticas governamentais, sob a orientação dos organismos internacionais, e, por decorrência, com a prioridade atribuída à Educação Básica oferecida pela escola regular, observa-se uma maior atenção às exigências de níveis de escolaridade dos trabalhadores para ingressarem e permanecerem no emprego formal.

Nesse contexto, novas características são atribuídas à gestão e à organização do trabalho, assim como ao perfil da força de trabalho. Essas alterações exigem trabalhadores mais polivalentes ou plurifuncionais, justificadas como uma con-sequência da flexibilização que aparece com o fim da produção estandartizada [fordista]. É nesse sentido que as novas exigências de qualificação vêm recaindo sobre a formação geral, capazes de proporcionar uma sólida base de conhecimen-tos aos trabalhadores, que devem se adaptar às mudanças na velocidade que a concorrência capitalista impõe.

A atenção recai agora para o desenvolvimento de habilidades nos alunos, futuros trabalhadores que devem estar aptos a formas mais flexíveis de organização do trabalho, onde as especializações e, portanto, as formas de ensinar fundadas na apreensão de conteúdos, já não atendem mais. (OLIVEIRA, 2000, p. 19).

Nesse sentido, toda política educacional, ao constituir-se em uma ação deliberada do Estado, evidencia a expressão das relações sociais cujas raízes se lo-calizam no mundo da produção. O Estado, ao expressar a relação social, capital e trabalho, expressa também as diferentes relações de força existentes na sociedade.

No Brasil, a centralidade da educação escolar está presente nas políticas educacionais voltadas à “universalização do Ensino Fundamental”, nos anos 1990, e da Educação Básica, nos anos 2000; nas alterações no modelo de gestão escolar à semelhança do modelo de administração empresarial; na instituição de programas de qualidade e de produtividade na gestão, dentre outras políticas edu-cacionais e ações governamentais voltadas à educação.

Com relação à gestão da educação, foi proposta nas reformas a moderniza-ção da gestão pública nos moldes da gestão privada, criando a chamada adminis-tração pública gerencial, centrada na eficiência, na qualidade, na descentralização, nos resultados alcançados pelos serviços públicos e em uma cultura gerencial das organizações.

Justificada pela necessidade de as escolas se adequarem às demandas do mercado globalizado, ocorreu nas escolas e nos sistemas de ensino uma importa-

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ção de concepções oriundas da administração empresarial que marcaram presença no discurso oficial do MEC e se reproduziram nos espaços de atuação dos educa-dores (OLIVEIRA; ROSAR, 2008, p. 160).

No dizer de Hipólito (2008):

O modelo gerencialista parece ser hegemônico nas políticas educacionais, com seus índices de eficiência e produtividade, provas de avaliação em to-dos os níveis, rankings de escolas, e tantos outros indicadores para orientar o financiamento das políticas de educação ou, melhor, das políticas geren-ciais de educação. (HIPÓLITO, 2008, p. 77).

O autor ainda argumenta que, a despeito da sedução que a descentraliza-ção e a autonomia escolar, propaladas pelo modelo gerencialista, emanam, o que tem de fato acontecido é a transferência de obrigações e de responsabilidades por esse modelo como a única saída para o desenvolvimento (HIPÓLITO, 2008).

Segundo Shiroma (2006, p. 2):

O ideário da gestão, especialmente aquele difundido pelos organismos internacionais e assimilado pelos governos locais, parece sustentar-se em duas idéias básicas: a) a gestão eficaz está na base da qualidade dos sistemas e das unidades escolares e, b) para que se obtenha essa eficácia, é necessário profissionalizar as atividades, em especial, os docentes e gestores.

Essa autora enfatiza que “as repercussões desse movimento podem ser ob-servadas na renomeação dos cargos de direção, no setor público, pelo termo de ‘gerente’” (2006, p. 5). De acordo com Shiroma, o gerencialismo é apresentado como estratégia racional para que se faça melhor uso dos recursos públicos: “Bus-ca aumentar a produtividade e a eficiência e toma como indicador de desempe-nho os resultados” (SHIROMA, 2006, p. 5). Para ela, a gestão por resultados é compatível com a autonomia da equipe sobre o processo, pois se trata de uma autonomia regulada, controlada pela avaliação que incide sobre o produto.

Oliveira e Rosar (2008), em seus estudos sobre a educação no contexto das transformações do modelo capitalista nas décadas de 1990 e 2000, chamam atenção para a sobrecarga de trabalho administrativo que as escolas sofreram em função da descentralização, assumindo muitas rotinas administrativas, antes sob a responsabilidade dos órgãos centrais, sem, contudo, desfrutar de condições de infraestrutura para isso. Segundo elas, anterior a essas transformações, na década de 1980, o foco dos debates era sobre a natureza da organização e da gestão do

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trabalho na escola, numa tentativa de superar a estagnação que imperou nos anos mais fechados do período militar e para transpor a concepção de gestão educacio-nal como algo meramente técnico, desprovido de conteúdo político. Acrescenta, ainda, que as reformas ao longo da década de 1990 se propuseram a resgatar o perfil técnico do diretor. Os programas de gerenciamento para a educação, dos quais a Qualidade Total na década de 1990 foi a maior expressão, atribuem ao diretor o papel de gerente de um negócio que precisa se viabilizar: a escola. (OLI-VEIRA; ROSAR, 2008, p. 140).

Para as autoras, a perspectiva da Qualidade Total concebe o diretor como “o gestor da escola: controlador e avaliador da unidade escolar” (OLIVEIRA; ROSAR, 2008, p. 141). Essa concepção administrativa permeou os cursos desti-nados à formação de diretores e difundiu textos que divulgavam o uso de ferra-mentas operacionais para a gestão escolar, fortalecendo a ideia de que o diretor é o único responsável pela gestão escolar, colocando-o no centro da estrutura de poder na escola.

Oliveira e Rosar comentam, ainda, que a necessidade de competência téc-nica gerencial, para fazer frente às demandas advindas da sobrecarga de trabalho causada pela descentralização administrativa, acaba por desestimular o fazer na dimensão pedagógica de sua função. (OLIVEIRA; ROSAR, 2008, p. 141).

Nesse contexto, paira sobre o diretor a expectativa de que, fundamentado nos princípios da gestão democrática, deve manter a escola funcionando, estabe-lecer o diálogo com a comunidade e favorecer o trabalho coletivo. Entretanto, as condições de trabalho a que estão submetidos os profissionais da educação – de carência material, aumento da carga horária e obrigações – dificultam a partici-pação efetiva e politizada destes na escola. Segundo Oliveira e Rosar (2008, p. 143): “pesa sobre os ombros do diretor uma intensificação do trabalho, já que se encontra impedido de delegar poder e dar ordens, em razão de que a noção de subalternidade foi substituída por uma retórica que valoriza o trabalho coletivo e as relações horizontais”.

Ainda de acordo com Oliveira e Rosar (2008, p. 143):

É curioso observar que à medida que as dimensões políticas do perfil do diretor passaram a ser valorizadas, em detrimento de um comportamento mais técnico e burocrático, ampliaram-se suas obrigações administrati-vas, o que na prática resultou em um cerceamento de muitas das suas atividades políticas.

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Analisando os resultados dos indicadores de qualidade da educação bra-sileira, parece que o modelo gerencial proposto não deu conta da realidade, principalmente, no que diz respeito à aprendizagem inicial da leitura e da es-crita. Passadas duas décadas desde a Conferência de Jomtien, e tendo o Estado brasileiro realizado uma série de reformas na educação com as ações governa-mentais voltadas à preocupação pela aprendizagem da leitura e da escrita, os dados do Censo 2010 revelam que 15,2% das crianças não estão alfabetizadas aos oito anos de idade.15 Parece claro que a iminente universalização do Ensino Fundamental não tem resolvido um problema antigo da educação brasileira: a aprendizagem.

A ampliação do Ensino Fundamental em um ano, passando de oito para nove anos, na etapa da alfabetização, é parte das ações do Estado para assegurar a aprendizagem da leitura e da escrita logo no início da escolarização. Para dar conta disso, as orientações do MEC sinalizavam que a escola precisaria ser reor-ganizada no sentido de atender às demandas dessa nova organização curricular e desse público que chegaria mais cedo ao Ensino Fundamental. Os diretores, sua equipe gestora e os professores precisariam implementar essa política, pois são responsáveis pela melhoria dos indicadores de qualidade na alfabetização, sendo responsabilizados pelo sucesso ou não dos resultados da educação.

A atuação dos diretores no contexto do bloco alfabetizador

Em Santa Catarina, na rede estadual de ensino e na maioria das redes municipais, o processo de implantação do currículo do Ensino Fundamental de nove anos iniciou após a aprovação da Lei nº 11.274/2006. Em algumas redes municipais, esse processo teve início em 2005. Mas, independentemente do momento da implementação dessa nova estrutura, muitos eram os desafios a serem vencidos, desde a compreensão da proposta pelos profissionais da escola até a reorganização da estrutura física e de mobiliário. A promulgação da Lei nº 11.274/2006 parece que causou nos profissionais da educação que atuam na escola certo estranhamento diante da entrada da criança aos seis anos no Ensino Fundamental, isso evidenciado em manifestações de contrariedade e/ou insegurança.

Nas respostas dadas pelos diretores das escolas às perguntas feitas durante a entrevista, tem-se a impressão que esses possuem uma compreensão vaga das

15 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 21 fev. 2013, 09:35:00.

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políticas educacionais a partir das quais as mudanças no Ensino Fundamental vinham sendo geridas e certo afastamento dos desdobramentos que se dão na escola a partir destas. Quando questionados sobre as mudanças ocorridas na proposta pedagógica em virtude do Ensino Fundamental de nove anos, os dire-tores, em sua maioria, preocuparam-se mais em apontar o que consideravam as consequências dessa mudança – a entrada da criança aos seis anos; a necessidade de adequação do currículo; o despreparo, especialmente do professor, mas tam-bém das crianças e da escola como um todo; do que propriamente esclarecendo as possíveis alterações no fazer da escola, como pode ser visto no quadro 1.

Quadro 1 – As mudanças no Ensino Fundamental com a entrada da criança aos seis anos e a ampliação do tempo para alfabetização

Escolas As mudanças no Ensino Fundamental (entrada da criança aos seis anos) provocaram alterações na escola e na proposta pedagógica?

EEF Rodolfo Rocha

Eu, na minha opinião, coloco assim, ó, (sic) para mim, como eu já estou há muitos anos que tá (sic) sendo muito cedo para a criança entrar na escola. Onde tira, por exemplo, o espaço dela, a liberda-de dela brincar. Que ela está no 1º ano então assim ela não tinha aquele compromisso de querer ficar sentada de, né (sic), querer escrever. Ela quer mais é o brincar, tudo ela quer mais. A gente tá (sic) observando assim, tá (sic) estranhando muito esse ano. Na verdade, os outros anos nós não estranhamos tanto. Agora esta turma é que nós estamos estranhando mais. Que esta turma é o mais, assim, eu acho, são (sic) os mais novos que entraram, né (sic), não sei. Nós estranhamos muito essa turma. As outras tur-mas anteriores eram assim mais calmas, eram assim né (sic) [...] Eu [...] Eu discordo desse ensino de 9 anos.

EBM Profª. Dalcy Ávila de Souza

Olha, eu vou te responder assim agora, tá (sic), porque pelo pouco tempo de experiência como diretora é difícil pra (sic) te responder, tá? (sic) Mas, do tempo todo que eu tenho, te digo que é difícil, ficou mais difícil de trabalhar, até porque a criança entra na escola bem mais nova, enquanto ela deveria tá (sic) lá na Pré-escola, ela tá (sic) aqui. Hoje, assim, ó, (sic) eu vou olhar a criança lá de 1ª série, na 1ª série ela tá (sic) [...], tipo assim (sic), parece que ela tá (sic) perdida naquele mundo, que ali não é o mundo, não é a hora, não é o mundo dela aquilo ali, que ela devia tá (sic) lá na Pré-escola. Tá (sic), assim, ó, (sic) eu, na minha opinião, eu acho que ficou mais difícil. Tem um lado positivo, mas também tem um lado negativo. Pra (sic) mim o negativo é mais acentuado. Que a criança ela (sic) vem mais nova. Ela tá (sic) com [...] Tipo (sic) aqui, ó, (sic) tem exemplos de criança que quer brincar, ela tá (sic) ali na escola, aqui agora é que ela tá (sic) percebendo que ali ela não veio só para brincar, ela vem muito infantil.

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Escolas As mudanças no Ensino Fundamental (entrada da criança aos seis anos) provocaram alterações na escola e na proposta pedagógica?

EMEB São Judas Tadeu

Pode até que sim. Posso dizer que sim em termos [...] só que, assim, o professor ainda não. Então é o que eu vejo, entendeu? O professor ainda, ele, (sic) eu vejo assim que, ó, (sic) o professor ainda está muito preocupado no [...] em dar conta, entendeu? Aí assim às vezes eu [...] Gente tem [...] né (sic) [...] é como eu te digo, se eles usassem mais o lúdico. Porque assim, ó, (sic) já foi ampliado para dar mais tempo para a criança [...] não foi? O que eu entendi esses 9 anos, foi [...], né?! (sic) Alfabetizar mesmo lá pro (sic) 2º ano, né? (sic). E eu ainda vejo assim, ó, (sic) [...] porque quando eu trabalhava com alfabetização então era série, né (sic), e agora é ano, então assim, ó, (sic) quando eles saíam, né (sic), meu Deus, já saíam tudo prontinhos, né (sic), e eu ainda vejo assim, é [...] a gente mesmo assim é [...] e eu tinha essa preocupação de não trabalhar só conteúdo, né (sic), então assim, ó, (sic) sempre brincando [...] sempre [...] eu trabalhava muito com música, aí eu sempre digo para elas, música é [...] hum [...] fiz música da den-gue, música da Páscoa [...].Então, assim, ó (sic), eu criava e a gente cantava e, através da música, eles, né (sic) [...] então eu vejo assim, ó, (sic) que por mais que a prefeitura, por mais que o MEC, não sei [...], eles tentem passar o [...] né (sic), um currículo diferente, o professor ainda não tá (sic).

EEF Martinho Ghizzo

Ela [...] Eu acredito que fez. Porque assim, ó (sic). Até porque a GERED, a parte de ensino deu [...] se preocupou em parte com isso aí [...] em partes, tá (sic). Porque assim, ó, (sic) eles tiveram um curso preparatório no ano [...] eu acho que foi 2009, 2010, os professores das séries iniciais, justamente com essa preocupação, o que [...] o que se trabalhar, como dividir este bloco, o alfabeti-zador do seguinte, né (sic). Então, ã, o que se vai trabalhar, qual o objetivo dessas 3 primeiras séries, então a [...] a funcionária da [...] da [...] específica da GERED, ela fez um [...], eles fizeram um curso quase um ano. Acho que tu lembra (sic) disso, né (sic)?

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Escolas As mudanças no Ensino Fundamental (entrada da criança aos seis anos) provocaram alterações na escola e na proposta pedagógica?

EBM Dom Anselmo Pie-trulla

É, na verdade, e [...] eu [...] a minha opinião. Provocaram [...], entendeu? Mas os professores não foram preparados pra (sic) estas mudanças. Muitos professores não foram preparados pra (sic) esta mudança. Mudou para o aluno, mudou para os pais [...] mudou, né (sic), toda parte, né (sic), burocrática, mas eu penso assim, ó, (sic) [...] que o aluno de repente não estava preparado para o 1º, pro (sic) 1º ano, né (sic), a idade dele para o 1º [...]. O professor [...] o aluno até tá (sic), né (sic), porque ele continuou, né (sic), ele era o Pré e ficou no 1º ano, de repente o professor entendeu aquilo ali como [...] como antes, né (sic), a 1ª série que sai ti (sic) [...], de repente tirou o aluno do [...] da parte lúdica, tirou a fantasia do aluno, muito eu vi isto nas escolas, né (sic). Muito eu vi essa parte assim acontecendo [...] que ti-rou aquela [...] a parte lúdica, a fantasia do aluno e trouxe ele (sic) para uma carteira e disse aqui tu vai (sic) estudar e vai ter que ser assim, tu vai (sic) aprender e pronto. Então, eu entendo que [...] né (sic) [...] eu achei muito bom a PA [...], né (sic), o primeiro [...] o primeiro ciclo, muito interessante que a criança seja alfabetizada, né (sic), em 3 anos, mas infelizmente, né (sic), não é desta forma que acontece, né (sic), não vou generalizar, mas a gente sabe que sempre tem, né (sic), então acontece o que: este professor não entendeu que [...] que ele pode começar a se alfabetizar desde o 1º. Mas, de forma diferente, lúdica, não esquecer que ele é [...] a idade que ele tem, né (sic), porque às vezes confunde a idade do aluno. Toda lei, né (sic), foi bem aceita, mas eu acho que faltou uma preparação aí para todos: alunos, professores, escola, né (sic), tivemos, né (sic), claro, a gente [...] tivemos (sic), mas sabe que escola quando ela é muito grande, ela passa por diversos professores, né (sic), é uma escola que tem professores efetivos, tem professores contratados, então a demanda é muito grande, todo ano, então, acaba, né (sic), professor [...] se perdendo essa [...] essa questão de professor, porque [...] eu [...] eu não sei, né (sic), eu já [...] eu traba-lhei como contratada bastante tempo também, efetiva e contratada, mas o meu compromisso era um só, e às vezes a gente percebe que o professor ele, não [...] não tem a turma, né (sic), faz assim [...] não vou ficar, então ano que vem não vou tá (sic) aqui, não [...] A minha pre-ocupação com o ciclo é esta, então a gente, a gente até pede pros (sic) professores efetivo ficar (sic). A gente pede: pega e [...] e acompanha, porque vai tá (sic) ali todo ano. Então a gente tem essa preocupação sempre no final do ano: quem é que vai pegar agora, né? (sic) Aí esse não alfabetizou, e agora? Como é que a gente vai fazer, quem será que vem? Então, tu fica (sic) naquela expectativa, né (sic), infelizmente, né (sic), então todos têm que ter a chance, né (sic). É claro, já fui contra-tada, a gente precisa, né (sic), a gente sabe que a gente tem que ter a chance de trabalhar, mas, infelizmente, nem todos, né (sic), pensam desta forma de [...] de ter aquele compromisso: não, é, é, vai ter uma continuidade para chegar lá no 3º ano o aluno não ser prejudicado, é [...] acontece, né (sic).

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Escolas As mudanças no Ensino Fundamental (entrada da criança aos seis anos) provocaram alterações na escola e na proposta pedagógica?

EEB Dr. Renato Ramos da Silva

Ah, é bem complicado. [...] Nós temos (sic) aí hoje enfrentando problemas judiciais, por causa da questão da idade, né (sic), então nós temos criança que vem pra (sic) cá com 6 anos de idade e que quer a presença da mãe, né (sic), que não consegue se desvincular e [...] e que não teve um Pré, não teve uma creche, não teve [...] então seria, tá (sic), essas dificuldades, né (sic). Eu acredito que até em termos de [...] depois de a criança estar adaptada, eu acho que ele vai [...], né (sic), surtir alguma coisa lá na frente, algum resul-tado. Mas nós temos, no nosso primeiro bimestre aqui a gente tá (sic) percebendo que realmente o aluno [...] ainda temos alunos que não aceitam estar aqui.

Fonte: Arquivo GEPALE.

Constata-se nessas falas que os diretores percebem a alteração da rotina da escola com a entrada das crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Apontam que a escola precisa lidar com situações que não se registravam de forma tão eviden-te, como a necessidade do brincar, do não ficar sentado. Demonstra isso as falas das diretoras das Escolas Rodolfo Rocha, Profª. Dalcy Ávila de Souza e Dom Anselmo Pietrula. A primeira diz que “tá (sic) sendo muito cedo para a criança entrar na escola. Onde (sic) tira, por exemplo, o espaço dela, a liberdade dela brincar. Que ela está no 1º ano, então, assim, ela não tinha aquele compromisso de querer ficar sentada de [...], né (sic), querer escrever”. A segunda diz: “Ficou mais difícil de tra-balhar, [...] enquanto ela deveria tá (sic) lá na Pré-Escola, ela tá (sic) aqui [...] ela tá (sic) perdida naquele mundo, que ali não é o mundo, não é a hora, não é o mundo dela aquilo ali, que ela devia tá (sic) lá na Pré-Escola. [...] tem exemplos de criança que quer brincar, ela tá (sic) ali na escola [...]”. A terceira diz que: “[...] de repente tirou o aluno do [...] da parte lúdica, tirou a fantasia do aluno, muito eu vi isto nas escolas, né (sic). Muito eu vi essa parte assim acontecendo [...] que tirou aquela [...] a parte lúdica, a fantasia do aluno e trouxe ele (sic) para uma carteira e disse aqui tu vai (sic) estudar e vai ter que ser assim, tu vai (sic) aprender e pronto”. Da mesma forma, a diretora da EEB Dr. Renato Ramos da Silva ressalta a questão relacionada à adaptação da criança de seis anos no Ensino Fundamental, dizendo que: “[...] no nosso primeiro bimestre aqui a gente tá (sic) percebendo que realmente o aluno [...] ainda temos alunos que não aceitam estar aqui”.

A prática do professor alfabetizador também é apontada como um dos problemas enfrentados nesse processo de mudança. Para a diretora da escola São Judas Tadeu, as professoras não estavam preparadas para o ingresso da criança de

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seis anos no Ensino Fundamental, pois persiste nestas a preocupação em dar con-ta do conteúdo. Para ela, as professoras não conseguem se desvencilhar do modelo anterior de currículo, no qual a alfabetização deveria acontecer no primeiro ano: “[...] então eu vejo assim, ó, (sic) que por mais que a prefeitura, por mais que o MEC, não sei [...], eles tentem passar o [...] né (sic), um currículo diferente, o professor ainda não tá (sic)” (Fala da diretora do EMEB São Judas Tadeu). Já a diretora do Dom Anselmo diz: “toda lei, né (sic), foi bem aceita, mas eu acho que faltou uma preparação aí para todos: alunos, professores, escola”. Destaca a preocupação com rotatividade de professores e a falta de continuidade dos traba-lhos no Bloco Alfabetizador. O diretor da escola Martinho Ghizzo acredita que ocorreram mudanças, diz que a Gerência Regional de Educação promoveu cursos sobre o tema para ajudar os professores a organizarem esse Bloco Alfabetizador, sem esclarecer sobre as possíveis mudanças na escola.

De uma forma geral, os diretores percebem que houve alteração na or-ganização e no funcionamento da escola, principalmente, quanto à maturidade das crianças para estarem no Ensino Fundamental; necessidade de brincar ma-nifestada pelas crianças e despreparo do professor para alfabetizar na perspectiva do Bloco Alfabetizador. No entanto, não ficou claro se houve reflexões sobre os aspectos apontados que levassem a perceber até que ponto estes têm relação com a gestão no interior da escola e com a atuação do diretor.

Oliveira (2000) observa que a sobrecarga de tarefas administrativas sem o suporte necessário pode incidir, na ausência de uma intervenção mais sistemática do diretor, nas questões que dizem respeito às funções da escola. Segundo ela, “[...] as tarefas administrativas vêm absorvendo quase todo o tempo do diretor, esvaziando de conteúdo crítico e analítico suas atitudes, reduzindo-o à função de gerente, de controlador da força de trabalho e de administrador de recursos escassos” (OLIVEIRA, 2000, p. 253).

Discutindo sobre a defesa que os neoliberais fazem dos pressupostos geren-cialistas para a gestão da escola, a autora ressalta que tal defesa tem sido atribuída até às condições de possibilitar a gestão democrática, haja vista que suas técnicas poderiam resolver os problemas enfrentados no cotidiano escolar, desde que as-similada e introjetada a “competência” da economia privada na gestão da escola pública (OLIVEIRA, 2000, p. 256).

Acontece que para o diretor dispender de competência técnica empresarial como forma de enfrentamento das demandas advindas com a descentralização administrativa, sem contar com as condições materiais e com a autoridade que a

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função já possuiu, é experimentar a precarização de seu trabalho e aceitar o con-vite para que se afaste a dimensão pedagógica de sua função.

O afastamento das questões pedagógicas das atribuições dos diretores, principalmente das relacionadas ao Bloco Alfabetizador, parece ser a realidade nas escolas da região sul de Santa Catarina, conforme pode ser percebido nas falas dos diretores nos quadros 2 e 3.

Quadro 2 - Planejamento do Bloco Alfabetizador na escola

Escolas Como acontece na sua escola o planejamento do bloco alfabeti-zador?

EEF Rodolfo Rocha

Isto no caso a direção [...] faz. Eu acho que alfabetizar não é só do 1º, no 2º e no 3º, né?! (sic), ele continua indo sempre. Mas como é que a gente lida se [...] (neste momento a professora do 4º ano que acompanhava a en-trevista disse: - Na verdade, assim, ó, (sic) a gente faz o planeja-mento no começo do ano, né (sic), todos juntos, mais ou menos se define como vai, né (sic), trabalhar alguma coisa, às vezes por temas, às vezes algum projeto e depois a maior parte do plane-jamento assim é mais cada professor). E a diretora completa: É mais individual.

EBM Profª. Dalcy Ávila de Souza

Como é que eu respondo isso [...] Tu quer (sic) saber como é feito este planejamento?Olha, esse o planejamento são os próprios professores, eles se reúnem toda semana, se reúnem para estar planejando (sic) a aula, tudo o que acontece durante a semana, aí eles, elas é que se reúnem para fazer este planejamento [...] se é isso que queres [...] Tem a supervisora, tem a orientação, é, as orientadoras estão sempre junto, estão sempre acompanhando este trabalho delas, a gente aqui também, mas sempre cabe mais a elas, né (sic), a orientação.

EMEB São Judas Tadeu

Tá (sic), vem já o [...] a secretaria municipal, né (sic), ela (sic) reúne os professores, ela passa o plano de curso, né (sic), já [...] no início do ano, o que deve ser trabalhado nestas séries com alfabetização, né?! (sic) E elas fazem também cursinhos, né (sic) [...]

EEF Martinho Ghizzo

O planejamento elas fazem, normalmente é feito por série, né (sic), 1ª, 2ª e 3ª série [...] elas [...] as professores. [...] É semestral. É semestral. A cada semestre, conforme a determinação da GERED [...] até por espaço de tempo, né (sic) [...] que e a gente não tem aquele espaço especial [...] a cada vez [...] uma vez por mês [...] ou coisa parecida, então é feito a cada semestre e [...] a [...] no início do ano elas sentam e discutem esta parte. A gente, no geral, é que dá suporte, né (sic). Nós e a equipe num todo, se um professor vem pedir auxílio, a gente até busca, vai atrás, mas normalmente elas trabalham entre elas, né (sic).

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Escolas Como acontece na sua escola o planejamento do bloco alfabeti-zador?

EBM Dom Anselmo Pietrulla

Nós temos aqui [...] nós trabalhamos com trimestres, né (sic). Pla-nejamentos trimestrais e revisão de estudos bimestrais. Então, nós trabalhamos com projetos para trimestre, né (sic), então para, para-se um dia todo, os profissionais, param, né (sic), inclusive, toda [...] da [...] da educação infantil, nós temos da educação infantil ao nono ano, EI, EF, né (sic), do primeiro ao [...] do primeiro ao quinto e do 6º ao nono. Então, a gente para, é trimestral, faz um planejamento pro (sic) trimestre e no bimestre a gente faz reuniões de estudo, faz uma reunião, uma parada, para ver como está indo o planejamento, como está indo, né (sic), como está [...] acontecendo.

EEB Dr. Renato Ramos da Silva

Eu acredito que a partir de momento que eles tenham, né (sic) [...] é [...] o [...] o Plano de Curso [...] seria isso? Tá (sic) [...] eles tão (sic) [...] volta e meia eles tão (sic) se unindo pra (sic) quê? Pra (sic) tentar fazer o melhor pra (sic) pôr em prática. É. Elas [...] geralmente é [...] tira-se duas (sic) aulas, tá (sic), pra (sic) que isso ocorra, que hoje, no caso, está ocorrendo com a 4ª série, hoje nós temos um trabalho, né (sic), juntamente com a orientação e a as-sessora que trabalha diretamente do1º ao 4º ano, eles fazem uma [...] no planejamento eles discutem em relação com [...] é [...] é [...] conteúdo, vamos supor, de primário com professores que estão nas séries finais, pra (sic) poder tá (sic) trabalhando quase que juntos na [...] no conhecimento de cada aluno. Não sei se tu me entende (sic) [...] é [...] como é que eu poderia?

Fonte: Arquivo GEPALE.

Quando indagados sobre o planejamento na escola para o Bloco Alfabe-tizador, percebe-se que os diretores não têm muita clareza de como e quando é realizado. Demonstram que essa é uma atividade desenvolvida pelos professores que é, ocasionalmente, acompanhada pelo diretor e/ou outro profissional que atua na gestão pedagógica da escola.

Quando questionados sobre o planejamento no Bloco Alfabetizador, al-guns diretores logo se reportaram ao planejamento conhecido como planejamen-to anual, planejamento de curso. Os momentos empregados na escola para esse tipo de planejamento concentram-se, em sua maioria, no início do ano letivo, salvo para duas delas que afirmaram rever essa atividade trimestral ou semestral-mente. Quer dizer, há uma temporalidade organizada na gestão da escola. O dire-tor da EEF Martinho Ghizzo reforça a constatação de isolamento do professor no que tange ao momento do seu planejamento: “A gente, no geral, é que dá suporte, né? (sic). Nós e a equipe num todo. Se um professor vem pedir auxílio, a gente até busca, vai atrás, mas normalmente elas trabalham entre elas, né (sic)?”.

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O que parece, à primeira vista, é certo desinteresse pelo processo de plane-jamento e de assessoria relativos ao professor do Bloco Alfabetizador, a exemplo de falas como:

Como é que eu respondo isso? [...] Tu quer (sic) saber como é feito este planejamento? Olha, esse, o planejamento, são os próprios professores, eles se reúnem toda semana, se reúnem para estar planejando (sic) a aula, tudo o que acontece durante a semana, aí eles, elas é que se reúnem para fazer este planejamento [...] se é isso que queres [...] (EBM Profª. Dalcy Ávila de Souza).É semestral. É semestral. A cada semestre, conforme a determinação da GERED [...] até por espaço de tempo, né (sic) [...] que a gente não tem aquele espaço especial [...] a cada vez [...] uma vez por mês [...] ou coisa parecida [...] (EEF Martinho Ghizzo).Dependendo da necessidade do professor, sabe, assim, orienta, né (sic), eu mesma assim às vezes. (EMEB São Judas Tadeu).Na verdade, é a nossa assessora, juntamente com a orientação e supervisão. (EEB Dr. Renato Ramos da Silva).

No entanto, esse distanciamento das ações pedagógicas pode, na verdade, indicar um sentimento de impotência que assola os diretores ante as dificuldades de toda ordem que têm de enfrentar: carência de recursos materiais; rotatividade de professores; dificuldades para estabelecer o diálogo com a comunidade local e articular o trabalho coletivo; necessidade de buscar parcerias para complementar o financiamento dos gastos na escola; formação que lhes deem condições para compreender os papéis da escola e do diretor, seja numa perspectiva produtivista ou numa perspectiva democrática. Paro (2006), ao discutir os condicionantes institucionais do autoritarismo que imperam na gestão democrática da escola pública, advoga que ao colocar o diretor como responsável último pela institui-ção, que não recebe as mínimas condições de funcionamento, o Estado faz dele o primeiro a quem se culpará pela ineficiência da escola e pela tomada de decisão que no processo se dá. Segundo o autor,

por isso, uma real consciência crítica da situação por parte dos diretores deveria fazê-los rebelar-se contra essa migalha de poder, lutando por um efetivo poder para a escola, que seja aí distribuído entre todos os seus agentes e usuários (PARO, 2006, p. 24, grifos do autor).

Mas as falas dos diretores entrevistados não apontam nessa direção que Paro aborda: em que o diretor rebela-se e luta por um efetivo poder para a

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escola. A prática que revelam existir na escola tem uma marca forte na desar-ticulação entre os sujeitos que ali atuam. Quando perguntado pela assessoria pedagógica ao Bloco Alfabetizador, durante o processo de implantação dessa nova organização curricular na escola, a distribuição de atribuições na equipe da direção (gestores das escolas) fica bastante evidente. Não se percebe um pro-jeto da e para a escola, foco para onde convergem as ações de todos a partir das suas especificidades. O quadro 3 demonstra as respostas dos diretores quando questionados sobre quem dá assessoria para o Bloco Alfabetizador, reforçando ainda mais essa ideia.

Quadro 3 – Assessoria para o Bloco Alfabetizador na escola

Escolas Respostas dos Diretores

EEF Rodolfo Rocha No início do ano e na metade do ano é (sic) discutido (sic) os temas, os planejamentos.

EBM Profª. Dalcy Ávila de Souza

É [...] Sempre [...] As meninas aqui, as supervisoras, as orientadoras, elas sempre dão o foco maior, tá (sic), porque é onde a gente tem um problema maior, que é de 1º ao 3º ano.Principalmente no 3º ano. Existe este trabalho de uma forma di-ferenciada com estes professores [...] um [...] um auxílio maior existe.

EMEB São Judas Tadeu Dependendo da necessidade do professor, sabe, assim, orienta, né (sic), eu mesma assim às vezes, assim, ó (sic): pessoal, ó (sic), lá, não esqueçam, lá na biblioteca têm aqueles jogos que vocês podem estar usando (sic), sabe, então, assim, sempre alertan-do que eles têm outros instrumentos para usar, que não só o caderno, então sempre assim, né (sic), o lúdico, que é muito importante.

EEF Martinho Ghizzo É, essa assessoria é assim, ó (sic), por nós não termos a [...] o quadro específico de supervisora, mas como o pedagógico, agora neste momento, tu que é (sic) administradora sabe que estão direcionando as funções, redirecionando as funções e quem sabe as orientadoras vão pegar parte desse trabalho, né (sic), então, assim, ó (sic), a gente contava com o auxílio de uma professora a [...] readaptada, de séries iniciais, que dava essa [...] esse suporte, né (sic), não 100%, porque ela [...] ela [...] também cuidava da biblioteca, e nós tínhamos aí em cima disso, a gente organizou pras (sic) crianças dessas séries iniciais, do BA, é (sic) aulas de reforço, então essas professoras readap-tadas ficavam na biblioteca e atendiam no contraturno ou até mesmo durante o turno, separava ele (sic) um pouco da turma e fazia um trabalho até [...] de reforço.

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Escolas Respostas dos Diretores

EBM Dom Anselmo Pie-trulla

Nós, e, assim, ó (sic), quando eles precisam trabalhar, né (sic), algo diferente algum xxx, né (sic), que direcione pra (sic) escola, pra (sic) trabalhar [...] nós ali juntos, né (sic), como a [...] tá (sic) mais [...] tá (sic) mais direcionada a eles, então a professora [...] o traba-lho dela, aí hoje preciso trabalhar com esse tipo de material, então esse material é todo preparado para ela [...] pra (sic) ela trabalhar. Hoje preciso trabalhar no auditório, porque eu vou trabalhar com vídeo, então é tudo preparado pra (sic) ela. Ela só, né (sic), ela só nos [...] nos informa o que ela precisa e a gente prepara todo o trabalho para a professora. Se ela precisa, né (sic), em sala de aula, preciso deste material, então é a forma que a gente tem de tá assessorando (sic). Quem trabalha mais em sala de aula, que ajuda mais, assessora mais, realmente é mais a [...] e a [...], educação infantil, mais a [...] que tá (sic) sempre com elas assim [...].

EEB Dr. Renato Ramos da Silva

Na verdade, é a nossa Assessora, [...], juntamente com a orienta-ção e supervisão.

Fonte: Arquivo GEPALE.

Para os diretores, a assessoria ao professor do Bloco Alfabetizador acontece em momentos pontuais, como: “No primeiro encontro no início do ano e na me-tade do ano, é discutido (sic) os temas, os planejamentos” (EEF Rodolfo Rocha); um trabalho onde o diretor aponta os responsáveis e reconhece sua importância para o Bloco Alfabetizador. “As meninas aqui, as supervisoras, as orientadoras, elas sempre dão o foco maior, tá (sic), porque é onde (sic) a gente tem um proble-ma maior [...]” (EBM Profª. Dalcy Ávila de Souza); conforme as necessidades do professor, “dependendo da necessidade do professor” (EMEB São Judas Tadeu) e como algo que “até” pode ser com o diretor: “[...] sabe, assim, orienta, né (sic), eu mesma assim às vezes [...]” (EMEB São Judas Tadeu); carregado de desconti-nuidade: “[...] quem sabe as orientadoras vão pegar parte desse trabalho, né (sic), então, assim, ó (sic), a gente contava com o auxílio de uma professora a, [...] readaptada, de séries iniciais, que dava essa [...] esse suporte, né (sic), não 100%, porque ela [...] ela [...] também cuidava da biblioteca” (EEF Martinho Ghizzo); como uma tarefa: “[...] Ela só, né (sic), ela só nos [...] nos informa o que (sic) ela precisa e a gente prepara todo o trabalho para a professora. Se ela precisa, né (sic), em sala de aula, precisa deste material, então é a forma que a gente tem de tá assessorando (sic)” (EMEB Dom Anselmo Pietrulla); e como um trabalho que se delega: “[...] Na verdade, é a nossa Assessora, a [...], juntamente com a orientação e supervisão” (EEB Dr. Renato Ramos da Silva).

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Essa forma de atuação no assessoramento pedagógico, evidenciada nas fa-las acima, vai na contramão da perspectiva democrática. Não pode ser classificada como assessoria pedagógica o que os diretores dizem ser realizado na escola. São momentos pontuais e desarticulados.

Veiga e Fonseca (2001, p. 49) observam que um dos pressupostos cons-titutivos do planejamento estratégico-empresarial refere-se à separação dos pensadores dos concretizadores, pois: “Isso significa que os dirigentes da es-cola e os especialistas afastam-se das práticas e os professores desligam-se das decisões. Nesse caso, fortalecem-se o individualismo e o isolamento”. A con-siderar as falas dos diretores, essa parece ser a realidade das escolas da região sul de Santa Catarina.

Considerações finais

Considerando que a realidade não é algo cristalizado, isento de rupturas, as inferências acerca da atuação dos diretores das escolas públicas da região sul de Santa Catarina, no contexto de políticas educacionais que focalizam a alfabetiza-ção, devem ser tomadas como provisórias.

Pode-se perceber que a ampliação do tempo destinado à alfabetização e ao ingresso da criança aos seis anos de idade no Ensino Fundamental é eviden-ciada pelos diretores quando falam do despreparo do professor para atuar nas classes de alfabetização com crianças de seis anos, destacando o fato de essas crianças só quererem brincar, terem necessidade de mais atividades lúdicas. Ou seja, os seis diretores perceberam mudanças na rotina do Ensino Fundamen-tal por conta da instituição do Bloco Alfabetizador e seus desdobramentos de ordens administrativa e pedagógica. Contudo, tais mudanças não parecem ter interferido expressivamente na atuação destes, pois, salvo algumas exceções, manifestam indícios da perspectiva gerencialista quando delegam para o pro-fessor e à criança, quer dizer, para quem realiza o trabalho, a responsabilidade pelos resultados. Não evocam a complexidade da questão, reduzindo-a aos fa-tores internos à escola.

Todavia, o acompanhamento pontual e superficial que se verifica na dinâ-mica do planejamento e da assessoria ao professor do Bloco Alfabetizador pode ser um indício da precarização do trabalho do diretor. É possível deduzir que, incorporando a dinâmica da descentralização, os diretores remetem para o âmbito da escola a responsabilidade pelos resultados com a justificativa de que “o profes-

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sor não está preparado” e “a criança é muito nova”, excluindo fatores externos que interferem na prática pedagógica.

Por outro lado, há de se ressaltar que, embora sutis, as tentativas de enfren-tar as dificuldades, ainda que por “meios tortos”, como a assessoria na medida dos problemas e em correspondência às solicitações, ou mesmo no reconhecimento da necessidade do lúdico para a criança, parecem esboçar certa rebeldia da escola quanto ao gerencialismo na gestão escolar e quanto aos objetivos ocultos da cen-tralidade na Educação Básica. Melhor explicando, elas podem apontar nuances de resistência à função reprodutora que o sistema capitalista espera da escola e a mecanização das relações em seu interior.

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CAPÍTULO III

POR UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

Elis Regina dos Santos Viegas Elisângela Alves da Silva Scaff

Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Introdução

Nos debates entre Política e Educação, torna-se relevante destacar as polí-ticas educacionais destinadas à alfabetização, sendo esta considerada como movi-mento dinâmico que influencia diretamente a ação e a formação docente. Nesse sentido, o presente estudo resultante de um levantamento bibliográfico, e tem por objetivo discutir o tema da alfabetização em âmbito escolar como um processo que foi sendo construído ao longo tempo como direito da criança, a partir de avanços registrados na legislação brasileira.

Nesse processo, verifica-se que atualmente a discussão não está mais so-mente no acesso ao ensino elementar, mas também numa perspectiva de educa-ção pública de qualidade, seja no ensino oferecido, seja no modelo de profissional docente, ou nas competências e nas habilidades definidas aos alunos. Processo que incide diretamente no trabalho docente, o que traz para a prática da alfabetização e, consequentemente, para a formação de professores novos questionamentos, de-mandando uma formação contínua específica, que possibilite a problematização da sua atual realidade escolar.

Assim, no âmbito escolar, a alfabetização é apreendida como um processo de ensino, que tem como finalidade a aprendizagem da leitura e da escrita na fase inicial de escolarização, envolvendo atividades sistematizadas em instituições de ensino for-mal, tanto públicas como privadas. No âmbito da escolaridade obrigatória, entretan-to, esse entendimento nem sempre se constituiu assim, o direito de ser alfabetizado é uma condição que, gradativamente, foi sendo construída ao longo do século passado.

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Até o final da Primeira República, enquanto a União tomava para si a responsabilidade sobre os níveis de ensinos secundário e superior, relegava aos estados o ensino primário, o qual não teve a atenção e o investimento necessários para sua expansão. Assim, a população em geral não tinha acesso nem mesmo à escola elementar (PAIVA, 1990).

A descentralização do ensino primário, defendida tanto por intelectuais conservadores quanto inovadores, demonstra a herança da sociedade senhorial e o descaso das elites com a alfabetização da população, como também demonstra a luta e a crença dos intelectuais renovadores na possibilidade de garantir a autono-mia dos estados perante as decisões do governo central (BRUEL, 2010).

Do mesmo modo, Paiva (1990) considera que mesmo com a defesa de es-cola para todos e a bandeira da alfabetização para a população, empunhada pelos intelectuais da Escola Nova, as primeiras décadas do século XX não viram a de-mocratização da escola pública, e tampouco se consolidou a necessidade concreta de escolarização da totalidade da população brasileira.

Posteriormente, entre as décadas de 1950 e 1970, houve um acelerado crescimento das matrículas no ensino primário, até com financiamento específico para esse nível, processo no qual tem importante papel a atuação dos intelectuais renovadores “[...] que difundiam no país a ideia de que democracia e oportu-nidades de educação estavam intimamente ligadas” (Ibid., p. 12). Segundo os números que indicam as matrículas nos anos 1950, 1960 e 1970, o ensino pri-mário contava com 4.352.043 alunos em 1950; uma década depois, a quantidade de alunos praticamente dobrou, chegando a oito milhões de matrículas, façanha que se repetiu, fazendo com que, em 1970, esse nível de ensino tivesse dezesseis milhões de alunos em todo país.

Paiva (1990) analisa que a ampliação significativa da oferta do ensino pri-mário se deve a um conjunto de fatores ligados a motivos externos à escola, como o processo de industrialização e de urbanização, o qual passou a exigir uma es-colarização (ainda que mínima) da população, bem como a defesa da educação como motor da história, considerando que o investimento na escolarização da população levaria ao desenvolvimento econômico e social do país; e internos à escola, como a pressão social pela ampliação de vagas para garantir o acesso e a continuidade dos estudos, além da defesa de democratização do ensino.

Cabe ressaltar que os avanços registrados na legislação nacional em rela-ção à ampliação do direito à educação e, sobretudo, em relação à definição dos deveres do poder público na oferta da escolaridade, mostraram-se historicamente

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como indutores de políticas. Isso significa que a ampliação do acesso e da oferta educacional se realizou em grande parte depois que a legislação incorporou as reivindicações sociais, para então ampliar direitos, como consequência.

Não se pretende afirmar que o texto legal seja a garantia de realização do direito à educação, mas a conquista social de inclusão do direito na legislação induz à efetivação deste. O quadro 1 apresenta as principais mudanças nas cons-tituições republicanas, suas emendas e demais legislações pertinentes com relação ao que se constitui historicamente como Ensino Fundamental, ensino obrigató-rio, tempo de duração e faixa etária dos estudantes.

Quadro 1 – O ensino fundamental na legislação brasileira no período republicano (1891-2009)

Anos Disposição legal Conteúdo da legislação em relação à obrigatoriedade e à gratuidade

1891 CF Laicidade do ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

1934 CF Ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória. Ten-dência à gratuidade do ensino ulterior ao primário.

1937 CFEnsino primário obrigatório. Garantia de gratuidade apenas aos que alegassem “escassez de recursos”. Contribuição mensal dos es-tudantes para a “caixa escolar”.

1946 CFEnsino primário obrigatório, ministrado na língua nacional e gra-tuito para todos. Ensino ulterior ao primário gratuito aos que com-provassem insuficiência de recursos.

1961 LDB nº 4.024

Ensino primário com no mínimo quatro séries anuais de duração, podendo ser estendido para seis séries pelos sistemas de ensino, obrigatório a partir dos sete anos de idade. Desobrigação aos que comprovassem estado de pobreza, quando houvesse insuficiência de escolas ou a criança apresentasse doença grave.

1967 CF

Ensino primário obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos de idade, e gratuidade nas escolas oficiais. Ensino ulterior ao pri-mário gratuito aos que comprovassem insuficiência de recursos. Substituição da gratuidade por distribuição de bolsas de estudo.

1971 Lei nº 5.692

Ensino de primeiro grau com oito anos de duração obrigatório e gratuito dos sete aos quatorze anos de idade. Gratuidade nos níveis ulteriores para os que provassem insuficiência de recursos e não tivessem repetido mais de um ano letivo.

1988 CFEnsino fundamental obrigatório e gratuito até para os que não tive-ram acesso na idade na própria. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.

1996 EC nº14 Ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada a gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.

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Anos Disposição legal Conteúdo da legislação em relação à obrigatoriedade e à gratuidade

1996 LDB nº 9.394Ensino fundamental obrigatório e gratuito até para os que não tive-ram acesso na idade própria, com no mínimo oito anos de duração. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.

2006 Lei nº 11.274Altera a LDB nº 9.394/1996, estabelecendo o ensino fundamental com nove anos de duração, obrigatório e gratuito na escola pública, a partir de seis anos de idade.

2009 EC nº 59Educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, assegurada a gratuidade para os que não tiveram acesso na idade própria.

Fonte: Elaborado com base em Costa (2002); Brasil (1961, 1971, 1996, 2006 e 2009).

Como se pode observar, na leitura do quadro 1, o tempo de duração da educação obrigatória foi ampliado ao longo do período republicano numa pers-pectiva gradativa e ascendente. Iniciando com quatro anos, o ensino obrigatório foi elevado para oito anos de duração na década de 1960, e passou a abranger os níveis anteriormente chamados de primário e ginásio, organizando-os em um único nível, por definição da Lei nº 5.692/1971.

Trinta e cinco anos mais tarde, houve nova ampliação do tempo de dura-ção do ensino obrigatório, com o aumento do Ensino Fundamental para nove anos, com aprovação da Lei nº 11.274/2006. Três anos depois, a EC nº 59/2009 amplia a obrigatoriedade da educação básica na faixa etária de quatro a dezessete anos (meta a ser alcançada até 2016), o que eleva a obrigatoriedade para quatorze anos de escolarização.

Com relação ao critério da gratuidade, observa-se que há períodos históricos em que essa questão fica restrita somente aos anos iniciais de escolaridade. A gra-tuidade pública nas instituições oficiais só foi determinada a partir da Constituição Federal de (CF/1988), que estabeleceu como princípio a educação nacional.

Bruel (2010) assinala como fundamental a compreensão de que a quali-dade e a quantidade são aspectos importantes da mesma realidade. Desse modo, a reflexão não pode se restringir ao conhecimento do conteúdo da legislação que estabeleceu o direito à educação, mas precisa abranger também os dados da reali-dade que possibilitam analisar em que medida essa legislação se transformou em força material.

Contudo, é importante ressaltar que “[...] os números não falam por si. No caso de estatísticas educacionais sua elaboração depende de metodologias e de no-menclaturas classificatórias que podem conduzir a resultados bastante diferentes, ou

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para mais, ou para menos” (DAVIES, 1999, p. 445). Então, é preciso interpretar os dados estatísticos procurando compreendê-los no contexto em que foram produzidos.

No estudo de Araújo (2010) intitulado Evolução das matrículas na etapa elementar de escolarização no Brasil de 1932 a 2003, a autora analisa a evolução das matrículas na etapa obrigatória de escolarização, por dependência administrativa, evidenciando a dimensão do recente processo de municipalização do ensino com a conjuntura dos sistemas que a federação brasileira adotou a partir da promul-gação da CF/1988.

Embora o processo de municipalização do ensino já estivesse presente no debate educacional desde a década de 1940, somente a partir da definição do município como ente federado na CF/1988 é que a participação municipal na oferta da etapa elementar de escolarização foi de fato consolidada, especialmente com a Emenda Constitucional nº 14/1996 e a legislação complementar, que re-gulamentaram a redefinição de competências na oferta de educação fundamental para a população.

Essa redefinição resultou numa inversão da tendência definida ao sistema estadual de evolução das matrículas, de maneira que, atualmente, o município é o responsável pela maior parte das matrículas no ensino fundamental, conforme constatado no gráfico 1, que representa esse movimento (Ibid.).

Gráfico 1 – Matrículas no ensino obrigatório por dependência administrativa (1932-2003)

Fonte: Araújo (2010)

Araújo verifica um significativo aumento das matrículas municipais, que passou de 8.620.351 no ano de 1991, para 17.863.888 ao final do período, ou seja, 9.243.537 novas matrículas em âmbito municipal, representando uma am-pliação de 107%, um quantitativo inédito para essa dependência administrativa no histórico das matrículas na etapa elementar de escolarização.

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Constatou-se também que essa reversão da convergência estadualista das matrículas sucedeu após 1998, período de implantação do Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que induziu à municipalização ao estabelecer competências e re-distribuir recursos para os entes federados por número de matrículas no ensino fundamental. Porém, o estudo demonstra que o processo de municipalização das matrículas somente se consolidou a partir de 2001, quando os municípios superaram os estados ao chegar a 51,87% na oferta de matrículas no ano 2003.

A tendência observada nos últimos anos na oferta do Ensino Fundamental se mantém conforme constatado no Censo da Educação Básica 2011. Verifica-se que a participação das redes municipais corresponde a 68,1% das matrículas dos anos iniciais, cabendo às redes estaduais 17,6%, enquanto as escolas privadas atendem 14,3%. Já nos anos finais, a distribuição entre as redes se inverte: a rede estadual detém a maior participação com 48,8% das matrículas, a rede munici-pal, 38,5% e a rede privada, 12,6%.

Assim, constata-se que a CF de 1988 teve grande impacto na organização do Ensino Fundamental, ao definir os municípios como entes federados autô-nomos, bem como a sua responsabilização pela oferta e pela manutenção dessa etapa da Educação Básica, em regime de colaboração com a União, os estados e os municípios. Tal princípio, uma vez instituído, e reforçado pela implemen-tação do FUNDEF na década de 1990, posteriormente substituído pelo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), produziu e incentivou um processo intenso de municipalização do Ensino Fundamental.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/1996 – reforça esse processo quando propõe a descentralização da gestão mediante a cria-ção dos sistemas municipais de ensino e, consequentemente, a gestão dos processos, dentre eles, aqueles relacionados à implantação e à implementação de políticas edu-cacionais voltadas a ações de qualificação do Ensino Fundamental. Com amparo nesses preceitos legais, cada sistema passou a ter autonomia para gerir as ações de formação e a definição das propostas de trabalho pedagógico que seriam utilizadas, devendo, no entanto, seguir as orientações do Ministério da Educação.

Em decorrência desse processo, os municípios assumiram novas atribuições e desafios relacionados à: organização de suas redes; garantia dos direitos da po-pulação quanto ao acesso, permanência e à qualidade do ensino; valorização dos trabalhadores em educação; definição e garantia de padrão e condições de qualidade da educação; e necessária ampliação do atendimento para acolher toda a demanda.

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Do ponto de vista da organização curricular do Ensino Fundamental, uma referência importante, decorrente dos dispositivos do texto constitucional de 1988 e da LDB nº 9.394/1996, é o Parecer CEB/CNE nº 4/1998 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCN), e como forma de adequação da nova realidade legal a Resolução nº 7/2010, que reorgani-za e fixa novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos a serem observadas na organização curricular dos sistemas de ensino e de suas unidades escolares, ressalta-se o disposto no art. 30, no qual os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar:

I – a alfabetização e o letramento;II – o desenvolvimento das diversas formas de expressão, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Literatura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim como o aprendizado da Matemática, da Ciência, da História e da Geografia;III – a continuidade da aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o terceiro.§ 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos (BRASIL, 2010, p. 08-09).

Entre as novidades, consta a diretriz da alfabetização e do letramento, que devem ser asseguradas a todas as crianças até os oito anos de idade. Indica que os sistemas educacionais devem oferecer os meios necessários e suficientes para que nenhuma criança seja retida por insuficiência de aprendizagem, especialmente nos três primeiros anos, que devem ser concebidos como um bloco pedagógico não passível de interrupção.

Nessa mesma direção, o governo federal lançou, em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), programa cujo objetivo é a alfabetização em Língua Portuguesa e em Matemática, até o terceiro ano do Ensino Fundamental, de todas as crianças das escolas municipais e estaduais brasileiras, urbanas e rurais.

A determinação de uma “idade certa” para alfabetizar todas as crianças tem causado questionamentos pela comunidade acadêmica, uma vez que deixa de

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considerar as diversidades social, cultural e econômica que permeiam o país. No entanto, seguindo a tendência atual de prescrições econômicas para a educação, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Câmara Federal propõe a redução da idade para alfabetização até os seis anos de idade.

Tal proposição se encontra em uma das emendas inseridas no Projeto de Lei da Câmara Federal (PLC) nº 103/2012, que trata do Plano Nacional de Edu-cação (PNE), aprovada em maio de 2013, após inserção de 83 emendas. Dentre essas emendas, destaca-se a alteração da Meta 5 do PNE, que mantém a alfa-betização até os oito anos de idade e até o terceiro do Ensino Fundamental na primeira metade da vigência do plano; aos sete anos, no período compreendido entre o sexto e o nono anos de execução do plano; e ao fim dos seis anos de idade, no décimo ano de vigência do PNE.

Em resposta a tal medida, pesquisadoras da Fundação Carlos Chagas (CAMPOS, ESPOSITO e ABUCHAIM, 2013) divulgaram um documento que repudia a alteração proposta pela CAE e propõe o imediato retorno à redação original, que prevê a alfabetização das crianças até os oito anos de idade, embora o texto também questione o estabelecimento de “idade certa” para se alfabetizar, ponderando que:

Nos países educacionalmente desenvolvidos, como é o caso da Finlândia, em foco por seus resultados excepcionais no PISA (prova internacional-mente aplicada a jovens de 15 anos de idade), ninguém se preocupa com a idade exata em que cada criança vai se alfabetizar. Praticamente, todas as crianças vão se alfabetizar em algum momento, e se as atividades de letra-mento forem bem feitas na pré-escola, muitas crianças já vão entrar lendo e escrevendo um pouco no primeiro ano, aos seis anos de idade, mas não serão todas, nem da mesma maneira (Ibid., p. 9).

As autoras retomam estudos acadêmicos sobre a temática, que referendam o caráter processual do processo de alfabetização, o qual não deve se constituir em meta da educação infantil, momento no qual devem ser contempladas, mediante o planejamento da prática pedagógica, a introdução e a ampliação de um “con-texto de letramento”, a ser desenvolvido de forma gradual durante os primeiros anos do Ensino Fundamental, de forma que a alfabetização seja construída com significado social e cultural (Ibid., p. 9).

Nesse processo, as autoras (Ibid., p. 12) destacam como uma das condições fundamentais, a melhoria da formação inicial e uma boa formação continuada dos professores, em seu ambiente de trabalho, bem como o acesso a livros e a

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materiais pedagógicos adequados a todos os alunos e a melhoria da capacidade e da infraestrutura das escolas.

A formação continuada de professores para a alfabetização: discussões necessárias

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a valorização e a qualificação dos docentes são avaliadas como essenciais para o avanço da qualidade da educação, essa ideia foi acolhida por 164 países, inclusive pelo Brasil16, resultando em um acordo em que os países se responsabilizaram em promover iniciativas de ensino de qualidade para as séries iniciais, como também assumiram o compromisso de aperfeiçoar todas as iniciativas que apontem sucesso na aprendizagem.

Gradativamente, as expectativas em relação à alfabetização e à forma-ção de professores vêm se ampliando, uma vez que surgem novas necessidades pautadas pela sociedade contemporânea. Para atender às exigências do mundo atual, segundo Soares (2010), é preciso ir além da aquisição das habilidades de codificar e de decodificar, é preciso fazer uso da leitura e da escrita no cotidia-no. Desse modo, o professor é percebido como um dos elementos essenciais de motivação desse processo.

Nesse sentido, verificam-se sucessivas ações políticas e normativas que re-fletem novas demandas para o professor alfabetizador, as quais estão expressas na Lei nº 10.172/2001, que estabelece o Ensino Fundamental de nove anos como meta da educação nacional; também na Lei nº 11.114/2005, que altera a LDB Lei nº 9.394/1996 e torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de idade no ensino fundamental; bem como na Lei nº 11.274/2006, que retifica a LDB e amplia o ensino fundamental para nove anos.

Os documentos elaborados pelo MEC17destacaram explicitamente a pre-ocupação em incorporar a ampliação dos anos de escolaridade a uma nova lógica

16 Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-quality/tea-cher-education-and-training/. Acesso em: mar. 2012, 15:10:00.17 Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais (2004); Ensino Fundamental de nove anos – 1º relatório (2004); Ensino Fundamental de nove anos – 2º relatório (2005); Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação (2006); Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança com seis anos de idade (2007); A criança de seis anos, a linguagem escrita e o Ensino Fundamental de nove anos (2009); Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (2010).

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de organização da escola. Essas orientações procuraram afirmar as especificidades da criança desde os seis anos de idade e durante todo o processo dos cinco anos iniciais do ensino fundamental, exigindo assim um redimensionamento da ação pedagógica no interior das escolas. Nessas formulações, também surgem reco-mendações para que as instituições organizem as turmas observando a idade e o desenvolvimento das crianças, prevejam e provejam os recursos didáticos e asse-gurem a formação continuada à equipe pedagógica.

Diante dessa necessidade, o documento intitulado de Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade (BRASIL, 2006) questiona: “Será que no cotidiano escolar estamos atentos à importância de as crianças mexerem, experimentarem, descobrirem, investigarem, deduzirem?” (Ibid., p. 63). Essas expectativas são reforçadas por Kramer (2006), pois trata de assegurar à criança o direito à brincadeira e ao pleno desenvolvimento cultural, as quais representam ações singulares da educação formal. As crianças devem ser atendidas em suas necessidades de aprender e de brincar, estando a criança na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, o que exige do professor romper com antigas práticas e redimensionar um novo fazer docente.

Com a inserção da criança cada vez mais cedo na escola, crescem as deman-das relacionadas à alfabetização e, por conseguinte, ampliam-se as competências profissionais esperadas dos professores alfabetizadores. Assim, encontra-se em Brasil (2004 e 2009), Kramer (2006), Silva e Cafiero (2010), Guarnieri e Vieira (2010) que a entrada das crianças de seis anos na escola decorrente da ampliação para nove anos do tempo do Ensino Fundamental traz novos questionamentos para prática da alfabetização e, consequentemente, para formação de professores, o que demanda uma formação específica aos alfabetizadores, que possibilita a problematização da sua atual realidade escolar.

Na perspectiva dos estudos sobre as políticas educacionais de formação de professores, para Freitas (2003 e 2007), Rheinheimer (2007), Campos (2007), Gatti (2008), Scheibe (2010), a formação continuada é tida como necessária não somente para tentar minimizar as lacunas da formação inicial, mas também como uma estratégia das políticas públicas para a melhoria da qualidade da educação. De acordo com os Referenciais para a formação de professores (BRASIL, 2002, p. 70):

a formação continuada deve propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas educacionais e apoiar-se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de autoavaliação que oriente a cons-trução contínua de competências profissionais.

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Assim, Weiz (2006, p. 117) constata: “[...] temos visto um aumento signifi-cativo das discussões sobre formação continuada de professores e uma oferta cada vez maior de ações de formação em serviço, tanto nas redes públicas quanto nas particulares de ensino”. Tais formações visam a atender as novas demandas coloca-das pelas políticas atuais, como as definidas pela Resolução nº 7/2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos e define modos de atuação docente nos três primeiros anos do Ensino Fundamental no seu artigo 30, parágrafo 2º,

Considerando as características de desenvolvimento dos alunos, cabe aos professores adotar formas de trabalho que proporcionem maior mobilida-de das crianças nas salas de aula e as levem a explorar mais intensamente as diversas linguagens artísticas, a começar pela literatura, a utilizar materiais que ofereçam oportunidades de raciocinar, manuseando-os e explorando as suas características e propriedades (BRASIL, 2010, p. 9).

Desse modo, são vários os desafios enfrentados pelo professor para exercer a profissão docente, de maneira que consiga atender as solicitações da sociedade atual que exige desse profissional uma formação contínua de estudos para adequação e transformação da prática pedagógica. Nessa conjuntura, espera-se que o docente organize sua prática com base nesses diversos aspectos e posicione-se criticamente em relação à sua prática pedagógica. Dentre as várias exigências da prática docente, tem-se o processo de alfabetização, sobre o qual Soares (2004) já apontava:

[...] a formação do alfabetizador – que ainda não tem sido feito sistema-ticamente no Brasil – tem uma grande especificidade, e exige uma prepa-ração do professor que o leve a compreender todas as facetas (psicológica, psicolinguística, sociolinguística e linguística) e todos os condicionantes (sociais, culturais, políticos) do processo de alfabetização, que o leve, a sa-ber, operacionalizar essas diversas facetas (sem desprezar seus condicionan-tes) em métodos e procedimentos de preparação para a alfabetização e em métodos e procedimentos de alfabetização, em elaboração e uso adequados de materiais didáticos, e, sobretudo, que o leve a assumir uma postura po-lítica diante das implicações ideológicas do significado e do papel atribuído à alfabetização (Ibid., p. 24).

Nesse sentido, compreende-se que a formação continuada é uma questão essencial dentro das políticas educacionais, pois por meio das ações propostas pelas secretarias de educação de cada município, juntamente com as formações existentes dentro de cada escola, o docente poderá rever a sua prática, habituando as condições

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pedagógicas necessárias ao cotidiano escolar, construindo novos saberes, explorando novas maneiras de agir e desenvolvendo novas reflexões sobre a ação docente.

Considerações finais

Na gestão de políticas públicas, é grande a distância entre os objetivos e o desenho de programas, como concebidos por seus formuladores originais, e a tra-dução dessas concepções em intervenções públicas, tal como elas atingem a gama diversa de seus beneficiários e provedores (ARRETCHE, 2001). Essa distância é uma contingência da implementação, que pode ser, em grande parte, explicada pelas decisões tomadas por uma cadeia de implementadores nos contextos eco-nômico, político e institucional em que operam. No caso da alfabetização, os implementadores são em sua maioria os municípios, dentro deles as escolas e, em última instância, o professor alfabetizador.

Figueiredo e Figueiredo (1986) já apontavam o distanciamento dos progra-mas em relação a seus objetivos iniciais, em decorrência, geralmente, das distorções na sua implementação e, em alguns casos, pela forma como os benefícios são apro-priados pelo público-alvo. Mesmo programas de reduzida complexidade e escala supõem um agente que toma decisões e executores encarregados de implementá-las.

Além disso, acrescenta-se que um programa é o resultado de uma combi-nação complexa de decisões de diversos agentes, o que possibilita destacar o papel fundamental do professor alfabetizador enquanto um dos agentes de implemen-tação da política de alfabetização no Brasil e, por consequência, a necessidade premente de atenção à formação continuada desse profissional.

Portanto, assegurar a formação continuada aos professores alfabetizadores deve ser considerado um desafio constante para os gestores dos sistemas muni-cipais de educação, devendo ser uma formação sensível aos aspectos da vida do professor, especialmente no tocante às capacidades, às atitudes, aos valores, aos princípios e às concepções que norteiam a prática pedagógica.

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CAPÍTULO IV

O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS E A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR PARA OS ANOS

INICIAIS EM MATO GROSSO DO SUL

Meira Chaves PereiraPaulo Gomes Lima

Universidade de São Carlos (UFSCAR) – Campus Sorocaba

Introdução

No cenário da educação brasileira, principalmente nos últimos anos, ob-servam-se recorrentes mudanças nos níveis de ensino, principalmente no Ensino Fundamental, um cenário marcado por mudanças nas políticas educacionais. A fim de reafirmar o compromisso com a construção de uma escola inclusiva, cida-dã e solidária, o governo sancionou leis com o intuito de melhoria na Educação Básica que serão abordadas neste capítulo.

Sendo assim, propõem-se a discutir no decorrer deste trabalho a implantação do Ensino Fundamental para nove anos e a inserção da criança de 6 (seis) anos nesse nível de ensino, bem como algumas considerações sobre a organização curricular.

Quanto à inserção das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, a LDB, Lei nº 9.394/1996 dispunha sobre o “atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a 6 anos de idade” (BRASIL, 1996). Pela LDB, a criança com nessa idade frequentava a Educação Infantil, considerada a primeira etapa da Educação Bá-sica. No entanto, com a publicação da Lei nº. 11.114, em 16 de maio de 2005 (BRA-SIL, 2005), a matrícula das crianças de seis anos no Ensino Fundamental tornou--se obrigatória, porém sem a ampliação do tempo de duração desse nível de ensino.

Somente no ano seguinte, a Lei nº. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 (BRA-SIL. 2006), dispôs sobre a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos, devendo os estados, os municípios e o distrito federal implementarem essa am-pliação até o ano de 2010. Tornando-se meta da educação nacional com a Lei nº 10.172/2001, com a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE).

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A matrícula da criança de seis anos no Ensino Fundamental busca garantir o atendimento e a inserção destas nessa etapa da Educação Básica, principalmente as crianças das camadas populares que antes não obtinham atendimento por ins-tituições escolares e com vistas a melhorar a qualidade do ensino.

A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos significa, tam-bém, uma possibilidade de qualificação do ensino e da aprendizagem da alfabetização e do letramento, pois a criança terá mais tempo para se apropriar desses conteúdos. No entanto, o ensino nesse primeiro ano ou nesses dois primeiros anos não deverá se reduzir a essas aprendizagens (BRASIL, 2007, p. 8).

Assim, a ampliação desse nível de ensino significa a ampliação do tempo para que a criança tenha oportunidade de aprendizagem. Conforme anuncia o Parecer CNE/CEB nº 6, de 8 de junho de 2005: “Oferecer maiores oportuni-dades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos alcançando maior nível de escolaridade” (BRASIL, 2005, p.05)

Outro ponto que contribuiu para a ampliação desse nível de escolaridade foi a pesquisa realizada, que demonstrou que as crianças que ingressam antes dos sete anos apresentam maiores resultados em relação àquelas que ingressam aos sete. O Sistema Nacional de Avaliação (SAEB, 2003) demonstrou que as crianças que ingressaram na pré-escola, destacaram-se em testes de leitura, obtendo uma média de 20 pontos a mais. Segundo as orientações do (IDEM, p. 5), dados do Censo Demográfico e o IBGE revelam:

A importância dessa decisão política relaciona-se, também, ao fato de recentes pesquisas mostrarem que 81,7% das crianças de seis anos estão na escola, sendo que 38,9% frequentam a educação infantil, 13,6% per-tencem às classes de alfabetização e 29,6% estão no Ensino Fundamental (IBGE, CENSO DEMOGRÁFICO, 2000).

Desse modo, a ampliação dos anos de ensino, segundo as orientações são pautadas em pesquisas e visam ao atendimento e à qualidade do ensino.

Cabe ressaltar que a ampliação desse nível de ensino não significa necessaria-mente a melhoria na qualidade. Silva e Scaff (2010) assinalam que em Mato Grosso do Sul a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos se deu forma abrupta. Em 2005, o estado acumulava um percentual de matrícula no Ensino Fundamental de nove anos de 0,1% e, em 2007, esse percentual elevou-se a 96,5%.

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As escolas estariam preparadas para atender toda essa demanda? E a forma-ção dos professores? E o currículo? Ou seja, o objetivo proclamado pelo governo de criar uma cultura escolar e oferecer às crianças das camadas populares a opor-tunidade de estarem em contato com diversas experiências de aprendizagem, pode não significar uma educação de qualidade. Essa ampliação resultou num grande número de matrículas na rede de ensino, sem que fossem observadas mudanças para a melhoria da qualidade no ensino.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB nº 5, de 17/12/2009) fornecem elementos de suma importância para a revisão das Propostas Pedagógicas para o Ensino Fundamental de nove anos. Assim, as novas propostas:

[...] devem promover em suas práticas de educação e cuidados a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos, linguísticos, sociais, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível. Dessa forma, sen-tir, brincar, expressar-se, relacionar-se, mover-se, organizar-se, cuidar-se, agir e responsabiliza-se são partes do todo de cada indivíduo [...] (BRASIL, 2004).

Nesse sentido, o direito da criança de ter um tempo maior de escolaridade deve ser entendido como uma ampliação das possibilidades em interagir, aprender e compreender com crianças da mesma idade e com outros que a cercam. Desse modo, deve-se considerar a individualidade das mesmas e reconhecê-las como cida-dãs possuidoras de direitos, de educação e de cuidado por parte do poder público.

A idade delimitada para o ensino fundamental

A obrigatoriedade de matrícula da criança de seis anos no Ensino Funda-mental se dá com a publicação da Lei n° 11.274/2006, que responsabiliza os pais pela matrícula de seus filhos nesse nível de ensino.

Desde 2006, a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, já admitia a matrícula de crianças com seis anos de idade no Ensino Fundamental, assim que completassem sete anos no decorrer do ano letivo. No caso da ampliação do tempo de escolaridade, a criança que completa seis anos no início do ano letivo deve ser matriculada na pré-escola. Já o Parecer CNE/CEB n° 7/2007 retrata que:

Assim é perfeitamente possível que os sistemas de ensino estabeleçam nor-mas para que essas crianças que só vão completar seis anos depois de iniciar o ano letivo possam continuar frequentar a pré-escola para que não ocorra

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uma indesejável descontinuidade de atendimento e desenvolvimento. A pré-escola é o espaço apropriado para crianças com quatro e cinco anos de idade e também para aquelas que completarão seus anos posteriormente a idade cronológica fixada para matrícula no Ensino Fundamental.

Considerando a idade de corte, conforme a Resolução n° 06/2010, do Conse-lho Nacional de Educação, publicada em 20 de outubro de 2010, serão matriculadas no Ensino Fundamental crianças que completarem seis anos até o dia 31 de março.

O PNE ressalta ainda que a ampliação do tempo de escolaridade deve assegurar os desenvolvimentos físico, intelectual, psicológico e social da criança com garantia de metas para a expansão do atendimento e a qualidade do ensino.

Em Mato Grosso do Sul, a Resolução/SED nº 2.318, de 29 de dezembro de 2009, publicada em 4 de janeiro de 2010, no Diário Oficial, dispõe sobre a organização curricular e o regime escolar dos ensino fundamental e médio, nas unidades escolares da rede estadual de ensino. No tópico referente à matricula no Ensino Fundamental resolve que:

Art. 34. A criança que tiver seis anos de idade completos, até o início do ano letivo, deve ser matriculada no primeiro ano do Ensino Fundamental.§ 1° Considera-se início do ano letivo o primeiro dia de efetiva atividade escolar com os alunos, implicando a presença efetiva do professor.§ 2° À criança que vier a completar seis anos de idade, no decorrer do mês de início do ano letivo, facultar-se-á a matrícula no primeiro ano do Ensino Fundamental.Art. 35 A criança que completar seis anos de idade, após o mês de início do ano letivo, não terá direito de ingressar no Ensino Fundamental (DIÁRIO OFICIAL DE MATO GROSSO DO SUL, 2010, p. 8).

Assim, dispõe sobre a matrícula no Ensino Fundamental e sobre os casos das crianças que completam seis anos após o início do ano letivo. Em contra-partida, uma Ação Civil e Pública, expedida pelo Ministério Público Estadual, requereu liminar determinando o Estado a autorizar a matrícula de crianças de 5 anos a completar seis anos no decorrer do ano letivo.

O juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Nova Andradina, Robson Celeste Candelorio, em substituição legal na 1ª Vara Cível da mesma Comarca, nos Autos nº 017.10.000086-6, deferiu, no dia 21 de janeiro de 2010,que todas as crianças que nasceram a partir do mês de março estavam em séria desvantagem em relação àquelas que nasceram nos meses de janeiro e de fevereiro, o que resulta em tratamen-to desigual e discriminatório, incompatível, portanto, com a Constituição Federal.

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O Ministério Público entende que o que deve determinar o acesso ao En-sino Fundamental é a capacidade, a aptidão da criança e o fato de ela completar seis anos até o início do ano letivo. Portanto, considera ilegal a medida que tem como critério apenas a idade no início do ano letivo.

No entanto, o Fórum Permanente de Educação Infantil do Estado de Mato Grosso do Sul (FORUMEIMS), por meio de um manifesto, posicionou-se em contrário a essa ampliação. Argumenta que essa decisão não contempla nenhum ranking de melhoria na qualidade da educação, ao destacar a trajetória de mais de 20 anos em que a criança com seis anos de idade frequenta o ensino fundamental, marcado por uma trajetória de liminares que obriga o poder público a cumprir tal determinação sujeitando-se a multas em caso de desobediência.

O Manifesto destaca ainda a importância da Educação Infantil para as crian-ças, pois comprovado cientificamente que essa faixa etária possui especificidades próprias, não será com o aprendizado da leitura e da escrita que o Ensino Fun-damental será diferente dos demais níveis de ensino. Essa antecipação do Ensino Fundamental para cinco anos é visto como um fracasso pedagógico e, consequen-temente, o aumento da reprovação e da exclusão escolar, sendo a infância violada.

No entanto, o que está em discussão não é somente um número e sim a infância. Desse modo, inserir a criança de cinco anos no Ensino Fundamental implica que ela se adeque às exigências de aprendizagem desse nível de ensino. É necessário olhar a criança em suas especificidades e, logo, oferecer um ensino de acordo com as características próprias dessa faixa etária. Ainda, segundo o Ma-nifesto, ao iniciar essa modalidade de ensino com cinco anos a criança não está impedida de manifestar suas práticas infantis, mas sim pelo que será submetida nesse nível de ensino.

Assim, compreende-se que na legislação nacional prevalece a idade de 6 anos para a matrícula no Ensino Fundamental com data de corte em 31 de mar-ço. Em Mato Grosso do Sul, a matrícula é efetuada conforme disposto na liminar. Contudo, seguem-se as orientações gerais do MEC para o Ensino Fundamental de nove anos, destinado a crianças de seis anos.

A criança de seis anos no ensino fundamental

Com a inserção da criança de seis anos no Ensino Fundamental, faz-se ne-cessário observar essa nova idade que constitui esse nível de ensino. Compreende-se que o ser humano se constitui no tempo e no espaço, tanto adultos como crianças.

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Nos diversos momentos históricos, a concepção de criança tem sido modi-ficada, existindo assim múltiplos olhares quanto o significado do ser criança, em uma única região é possível existir diferentes olhares de se considerar a infância, de acordo com os grupos sociais, os grupos étnicos.

Segundo as Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de Nove Anos:

Nessa faixa etária, a criança já apresenta grandes possibilidades de simboli-zar e compreender o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo uso de múltiplas linguagens. Esse desenvolvimento possibilita a elas participar de jogos que envolvem regras e se apropriar de conhecimento, valores e práticas sociais construídos na cultura. Nessa fase, vivem um momento cultural de suas vidas no que se refere à construção de sua autonomia e sua identidade (BRASIL, 2004, p. 18).

E assim, a criança, por meio da interação com aqueles que a cercam, cria laços sociais e afetivos, fazendo uso de suas possibilidades para compreender o mundo. Desse modo, as possibilidades de aprender da criança surgem a partir das experiências e interações vividas por elas, assim como a qualidade dessas relações. Nesse aspecto, a família e a escola exercem um papel fundamental na formação da criança, agindo como mediadores no processo educativo.

Logo, faz-se necessário que a escola esteja preparada para receber a criança, de forma a compreendê-la em suas especificidades, oferecendo-lhe um ambiente acolhedor para que assim possa se sentir segura.

Nessa faixa etária, o contato com diferentes meios e representações, sendo estimulada, a criança poderá fazer uso das múltiplas linguagens como a gestual, a corporal, a oral, a escrita ou daquela que mais se identifica. Vale ressaltar que essas formas de expressão não acontecem somente no espaço escolar, o ambiente doméstico também se torna palco dessas vivências e representações infantis.

Nesse sentido, o professor, por meio do “olhar sensível para as produções infantis permitirá conhecer os interesses das crianças, os conhecimentos que estão sendo apropriados por elas, assim como os elementos culturais do grupo social em que estão inseridas” (CORSINO, 2007, p. 57). No entanto, a escola deve es-tar atenta a essas vivências, tendo em conta também as experiências no ambiente externo da instituição escolar.

Quanto ao desenvolvimento da linguagem escrita, a relação entre escola e família é de suma importância. A aquisição da escrita deve ser trabalhada de forma apropriada, uma vez que a criança inicia esse processo antes dos seis anos de idade, considerando suas vivências num mundo letrado. Antes de frequentar a

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instituição escolar, a criança está inserida numa cultura, numa sociedade letrada, em que constroem suas hipóteses sobre a leitura e a escrita.

Nessa perspectiva, a escola deve ter cautela para não romper com essas hipóteses, tomando como ponto de partida a organização de suas ações de modo a contemplar as diferentes vivências. As crianças podem ser oriundas da pré-es-cola ou de casa, sem nunca terem frequentado uma instituição escolar. Em vista disso, o currículo deve ser planejado com vistas a atender tanto aquela criança que nunca frequentou a escola como as oriundas da Educação Infantil. Portanto, o cuidado deve ser ainda maior, pois o professor deve atender os dois casos, de modo a não minimizar aquele em que não há experiência escolar.

A partir dessas explanações, urge pensar: Como as escolas devem organizar o currículo? Como trabalhar com essa nova faixa etária no ensino fundamental? Quais áreas privilegiar?

Algumas considerações sobre a organização do currículo para o ensino fundamental de nove anos

Documento publicado em 2007 pelo Ministério da Educação (MEC), Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade, tem como foco o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças de seis anos de idade que ingres-sarão no ensino fundamental.

No que diz respeito ao currículo, as instituições de ensino devem adminis-trar uma proposta curricular de modo a assegurar a aprendizagem dos que estão ingressando.

Nesse sentido, Corsino (2007) assinala que: “[...] é importante que o(a) professor(a) pense nas crianças como sujeitos coletivos que participam e intervêm no que acontece ao seu redor porque suas ações são também forma de reelabora-ção e recriação do mundo” (2007, p. 62).

Na interação, a criança não age somente como receptora, mas sim cria e transforma o meio em que vive. Desse modo, cabe a escola organizar os espaços, o tempo, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamen-to e a avaliação para que a criança se sinta segura e acolhida num ambiente que desperte o prazer em aprender (BRASIL, 2004). A escola deve buscar meios para oferecer atividades que beneficiem a criança nos aspectos social e físico, seja na leitura de livros e poemas, na manipulação de objetos, na audição de músicas e na audiência de filmes, oferecendo assim meios para que ela crie hipóteses sobre

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o mundo e sobre as coisas. E a partir daí, o professor organiza seu plano de ação, podendo propor atividades de representação sobre o que foi estudado anterior-mente com as crianças.

Enfim, o professor, antes de planejar suas atividades, precisa conhecer as crianças: Quem são elas? De onde vêm? Quais suas hipóteses sobre o meio que as cercam? Suas individualidades, suas formas de pensar, para assim desafiá-las, instigá-las a ir além daquilo que já sabem.

Por fim, a inserção da criança de seis anos no Ensino Fundamental requer uma proposta pedagógica que garanta um ensino de qualidade envolvendo todas as áreas do conhecimento, de forma integral, com tempos e espaços em que crian-ças e adultos interajam por meio de atividades planejadas.

O desenvolvimento de um trabalho de qualidade exige que os ambientes, os recursos e o tempo sejam organizados para que as interações aconteçam. É preciso que a criança se sinta estimulada e valorizada.

Cabe ao professor organizar os recursos, como também o tempo, de for-ma a privilegiar a criança na busca do conhecimento: “cabe à educação das séries/anos iniciais valorizar as diferentes manifestações, partir dos interesses e conhecimentos das crianças, ampliação e expandi-los em projetos de trabalho interdisciplinar” (idem, p. 67).

Assim, para um trabalho coletivo pautado na qualidade social, a ampliação do tempo de escolaridade requer um olhar atento e criterioso para as necessidades e anseios da escola cuja estrutura precisa ser reelaborada.

Considerações finais

Para Flach (2009), essa ampliação no ensino surge como um avanço para a educação brasileira, previsto pela Constituição de 1988 como direito de todos e dever do Estado. Como resultado, tem-se um maior número de crianças na escola.

Gorni (apud BUENO, 2010) analisou a implantação do Ensino Funda-mental de nove anos no estado do Paraná, segundo a autora percebe-se ao longo da história brasileira que as medidas adotadas visaram a resolver problemas rela-cionados a aspectos econômicos e financeiros, sendo que as questões pedagógicas deveriam vir em primeiro plano.

Nessa perspectiva, acredita-se que essa ampliação representa uma oportu-nidade para se revisar os procedimentos adotados ao longo da história no que diz respeito à Educação Básica.

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Saveli (2008) observa que o Ensino Fundamental ampliado não se consti-tui somente medida administrativa e burocrática, faz-se necessário ter cautela na sequência do processo de desenvolvimento e da aprendizagem da criança de seis anos, assim como atenção e conhecimento sobre as características da faixa etária, sociais e psicológicas.

Contudo, vale ressaltar que com essa ampliação o número de crianças na escola aumentou, porém como assegura Arelaro (2005), mesmo que essa am-pliação acolha grande parte desses alunos atendidos, os recursos disponíveis são insuficientes para que as metas se efetivem de fato, assim como a qualificação do ensino.

Com essa ampliação, Saveli & Machado apontam a necessidade de articu-lação entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental:

A medida de incluir as crianças de seis anos no Ensino Fundamental re-quer essa articulação, pois essas crianças não deixaram de ser crianças para tornarem-se apenas alunos. Elas continuam sendo crianças de seis anos, apenas foram incluídas na escolaridade obrigatória, ou seja, agora elas têm o direito garantido de estarem na escola (2008, p. 296).

Cabe à instituição escolar se adaptar para receber essa criança e não a crian-ça adaptar-se ao modelo pré-estabelecido pela escola. Faz-se necessário que a es-cola dê continuidade às experiências adquiridas na educação infantil, evitando a ruptura e a desconsiderar a etapa anterior.

Gorni (2007) ainda ressalta que essa mudança pode ter significado tanto positivo quanto negativo, podendo existir um movimento que busque aprimorar o processo de desenvolvimento, ou significar apenas uma mudança de cunho político, introduzindo uma mudança estrutural que pouco vai interferir na qua-lidade da educação.

Por outro lado, essa mudança poderá ser significativa dependendo do olhar da instituição escolar, o modo como ela irá organizar e implementar tal política, assim como o compromisso e a conscientização dos educadores em questão. Ain-da ressalta que sendo essa mudança somente estrutural o simples fato de antecipa-ção da faixa etária pode significar a extinção de uma importante etapa de trabalho que seria realizada na educação infantil que tem como objetivo o desenvolvimen-to da criança enquanto indivíduo e ser social.

Por fim, a inclusão da criança de seis ou cinco anos no Ensino Funda-mental requer planejamento e organização, e exige do professor uma postura

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dinâmica de forma que o ensino seja adequado a essas idades, observando que a faixa etária que agora integra o Ensino Fundamental não é mais a mesma, ou seja, o primeiro ano não pode ser entendido como a primeira série do Ensino Fundamental de oito anos.

Referências

ARELARO, L. R.G. Formulação e implementação das políticas públicas em educação e as parcerias público-privadas: impasse democrático ou mistificação política? Educação & Sociedade, vol.28, n.100, out./2007.

ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

______. Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília: Ministério da Educação, 2004.

______. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, 2007.

______. Lei nº. 11.114 de 16 de maio de 2005. Altera os arts. 60, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade. Brasília, DF, 2005.

______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação. Diário Ofi-cial da República Federativa do Brasil, Brasília, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 10 set. 2011, 08:50:00.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/gov.br/ccivil/ LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 10 set. 2011, 09:30:00.

BUENO, M. L. M. C. Ensino Fundamental de nove anos: implementação e organização escolar em Dourados/MS. Dourados: UFGD, 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educa-ção, Universidade Federal da Grande Dourados, 2010.

CORSARO, W. A. A reprodução interpretativa no brincar ao faz-de-conta das crianças. Educação, So-ciedade e Cultura, nº 17, 2002, p.113-134.

FLACH, S. de F. O direito à educação e sua relação com a ampliação de escolaridade obrigatória no Brasil. Ensaio: avaliação políticas públicas educacionais. Rio de Janeiro, n.64, 2009.

FÓRUM PERMANENTE DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL – FORUMEIMS. Manifesto sobre PLS 414. Disponível em: <www.ded.ufla.br/.../manifesto_feims.2010-07-07_14-26-43.pdf>. Acesso em: 27 out. 2011, 10:10:00

GORNI, D. A. P. Ensino Fundamental de nove anos: estamos preparados para implantá-lo? Ensaio: Avaliação das Políticas Públicas Educacionais, v.15, n. 54. Março/2007.

SAVELI, E. L. Ensino Fundamental de nove anos: bases legais para sua implantação. Práxis Educativa, Ponta Grossa, n.1, p. 67-72, 2008.

SAVELI, E. de L.; MACHADO, F. B. Ensino Fundamental de nove anos: polêmicas de sua implantação. Revista Teoria e Prática da Educação, v.11, n.3, p. 291-297, set./dez. 2008.

CAPÍTULO V

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA E AS IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA

DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

Vilma Miranda de BritoSilvia Cristiane Alfonso Viédes

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)

Introdução

Este estudo tem o propósito de caracterizar alguns eixos e alguns con-dicionantes das atuais políticas educacionais para a Educação Básica, por meio da compreensão das mudanças pelas quais passou o Ensino Fundamental nos últimos anos e, particularmente, refletir sobre os fundamentos que norteiam a alfabetização e o uso da literatura infantil pelos professores alfabetizadores, anali-sando sua compatibilidade com os objetivos mais amplos de uma educação ver-dadeiramente democrática.

Portanto, tem-se como intuito reunir aqui reflexões sobre a garantia do direito à educação nas normas jurídico-legais, principalmente no pós-1988, in-tencionando identificar formas e mecanismos de proteção, de promoção e de reposição desse direito e, ainda, reflexões e análises sobre os fundamentos da alfa-betização e da prática dos professores alfabetizadores.

O direito à educação no Brasil

O direito à educação se consolidou no Brasil com maior ênfase na Cons-tituição Federal de 1988 e, hoje, é, teoricamente, um direito humano universal que deverá ser satisfeito com igualdade e gratuidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, proclama que toda pessoa tem direito à educação e que esta deve ser gratuita, pelo menos no que diz respeito à educação elementar

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e à fundamental. No entanto, esse é um fenômeno relativamente recente e que ainda não se configura como uma realidade universal.

É fato que nas constituições brasileiras o direito à educação veio gradativa-mente evoluindo, mas somente a Constituição de 1988 possibilitou avanços signi-ficativos da matéria, estabelecendo princípios que norteiam as atividades dos entes federados quanto ao desenvolvimento dos respectivos sistemas de ensino e, princi-palmente, representa um marco quanto a universalização do acesso.

Um mecanismo principal para reforçar a garantia e a importância do direi-to à educação na Carta Magna é o §1 do artigo 208 (BRASIL, 1988): “O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo”. Portanto, adota-se a foca-lização da política educacional no Ensino Fundamental gratuito e obrigatório, tratando-o como direito público subjetivo.

Para Cury (2008), “A educação básica, como direito, aprofundou-se no Brasil com a aprovação da Lei nº 11.274/06, pela qual o ensino fundamental obrigatório passou a durar nove anos, iniciando-se aos 6 anos de idade. [...]” (p. 301). Posteriormente, o aprofundamento chegou com a ampliação da obrigato-riedade para a faixa de quatro (4) a dezessete (17) anos, consistindo em estratégia de reposição do direito à educação (no caso da distorção idade-série) e de criação de condições mais propícias à efetivação do direito para novas gerações.

Embora esses dispositivos legais representem uma conquista para as crianças das classes menos favorecidas cujas famílias enfrentavam grandes dificuldades para obtenção de vagas na Educação Infantil pública, esse direito não se efetivará como tal se essa garantia legal não for acompanhada de ações efetivas que garantam sua realização respeitando os tempos de infância e o direito de cidadania que antes era de poucos. É preciso que de fato a inclusão das crianças de seis anos na escolaridade obrigatória resgate um direito de cidadania, pois como afirma Jamil Cury,

A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas este bem social. Por isso, decla-rar e assegurar é mais que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram, que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a ne-cessária cobrança deste direito quando ele não é respeitado (2002, p. 259).

Mas, para além da conquista desse direito, é necessário que o acesso à edu-cação obrigatória se constitua em um instrumento para a igualdade de oportuni-dades e a consequente busca por melhoria da qualidade da educação.

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Portanto, a garantia de padrão de qualidade, proposta no art. 206 da Cons-tituição Federal de 1988 – um dos princípios do ensino brasileiro – e o estabeleci-mento de que a União deve garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade (art. 211, §1º), são aspectos de ordem qualitativa na garantia e na efetividade do direito à educação, presentes na legislação. Assim, a obrigatoriedade, a universalização do acesso ao Ensino Fundamental e a qualida-de são conseqüências dessa concepção de evidente característica democratizadora.

Garantia de qualidade: algumas considerações

A educação, sendo definida como o primeiro e o mais importante de todos os direitos sociais, passa a ser concebida como valor de cidadania e de dignidade, devendo ser tratada no quadro dos direitos fundamentais da pessoa humana e, portanto, acessível a todos, sem distinção.

Estudos de Oliveira (2007) sobre o ensino obrigatório no Brasil resgatam a questão da qualidade e pressupõem que a busca por melhoria da qualidade da educação exige medidas não só no campo do ingresso e da permanência, mas requer ações que possam reverter a situação de baixa qualidade da aprendizagem na Educação Básica.

O desafio, então, é transformar em realidade os pressupostos de organi-zação e de gestão da escola pública para que seja garantido o acesso de todos ao conhecimento.

O Fórum de Dakar representa um marco importante nesse aspecto, uma vez que traz os objetivos firmados como compromisso coletivo para a ação, reafir-mando a visão da Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien,1990), de que toda criança, jovem e adulto têm direito à educação.

Registra-se que uma das metas do marco de ação de Dakar é a garantia de que até 2015 todas as crianças tenham acesso a uma educação primária de boa qualidade, gratuita e obrigatória e possibilidade de completá-la. Portanto, resgata o principal desafio que consiste em assegurar que a visão ampla de educação para todos encontre ressonância nas políticas dos governos nacionais e das agências fi-nanciadoras. Dessa forma, com o intuito de atingir a referida meta, ressalta-se que,

33. Embora seja essencial o compromisso de atingir a matrícula universal, igualmente importante é aprimorar e manter a qualidade da educação fun-damental para assegurar os resultados efetivos de aprendizagem. A fim de atrair e reter crianças provindas de grupos marginalizados e excluídos, os

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sistemas educacionais devem responder de maneira flexível – oferecendo conteúdo relevante e formatos acessíveis e atraentes. Os sistemas educacio-nais devem ser inclusivos, buscando ativamente as crianças que não este-jam matriculadas e respondendo de maneira flexível às circunstâncias e às necessidades de todos os educandos [...] (UNESCO, 2001, p. 19).

O que fica evidente é que a universalização do ensino, a garantia de um ensino de qualidade, a inclusão dos diversos grupos excluídos, a diminuição da evasão e da repetência, bem como a garantia da aprendizagem, configuram-se como compromissos essenciais assumidos em Dakar.

E a alfabetização? E o letramento?

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), instituído pela Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, é um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios de asse-gurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental.

Os eixos básicos desse Pacto são: alfabetização; educação infantil; literatura infantil e formação do leitor; gestão municipal e avaliação externa. Além disso, o Pacto prevê projetos de formação continuada de professores em alfabetização, materiais didáticos específicos e literatura (BRASIL, 2012a).

A proposta do Pacto enfatiza a “universalização do aprendizado” e a refor-mulação dos “direitos de aprendizagem”; promete “escolas com ensino inovador”, por meio de apoio pedagógico e gerencial da União aos entes federados; e propõe a adoção de currículos “mais atraentes” para os alunos (BRASIL, 2012a). É, por-tanto, uma proposta de alfabetizar as crianças até os oito anos de idade, com a inserção da criança na cultura escolar, possibilitando a aprendizagem da leitura e da escrita, a ampliação das capacidades de produção e de compreensão de textos orais em situações familiares e não familiares e à ampliação do universo de refe-rências culturais dos alunos nas diferentes áreas do conhecimento.

Para avaliar a qualidade do aprendizado, serão três medidas de avaliação nesse âmbito (Ciclo de Alfabetização, do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental) em escolas públicas que aderiram ao PNAIC. A avaliação processual será discu-tida nos cursos de formação. A Provinha Brasil (que é amostral) será aplicada no 2º ano e os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental participarão da primeira edição da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), que é censitária. Para o

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MEC, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa objetivará melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), diminuir a evasão escolar no ensino fundamental e reduzir as distorções desse nível de ensino (BRASIL, 2012a).

Dentro da visão prevista pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, a alfabetização é, sem dúvida, uma das prioridades nacionais no contexto atual. Logo, o professor alfabetizador precisa ter clareza do que ensina e de como ensina.

Sobre a clareza que o professor precisa ter sobre o processo de ensino--aprendizagem, Soligo (2003, p. 02) pontua que,

Pode-se ensinar muita coisa para os alunos ou negar a eles o direito de aprender. Tudo depende de acreditar na sua capacidade e nas suas possibilidades, porque para ensinar muito – e bem – é preciso acreditar verdadeiramente que todo aluno é capaz e tem direito ao conhecimen-to. Essa crença é a maior virtude de um professor, pois é ela que orienta suas ações.

Para isso, o professor alfabetizador, atento às possibilidades de aprendiza-gem do seu aluno, deve superar o mero papel de reprodutor de métodos que obje-tivem apenas o domínio de um código linguístico. É preciso ter a clara percepção sobre qual concepção de alfabetização está subjacente à sua prática e considerar que a criança traz marcas da escrita a partir de sua história de interações cotidia-nas, as quais se constituem em conhecimentos sobre a linguagem escrita, tendo a oralidade como referencial.

Em conformidade com Leite (2001), na proposta de capacitar o aluno a utilizar a linguagem oral e a escrita, autoras como Kleiman (2005) e Soares (2003) propõem um conceito novo e mais abrangente que o de alfabetização, mas não o substituindo, que é o conceito de letramento.

Assim, é possível identificar que a tendência atual das autoras é situar a alfabetização como parte desse processo geral de letramento, mas caracterizada pelo domínio da tecnologia da escrita, ou seja, o período em que o aluno aprende os mecanismos da leitura e da escrita e os elementos textuais necessários para construir significados a partir dos textos.

De acordo com Soares (2003), a alfabetização é um processo que se faz por duas vias, aprender a técnica, o código (decodificar, usar o papel, usar o lápis, etc.) e aprender também a usar isso nas práticas sociais, as mais variadas, que exigem

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processos simultâneos e interdependentes, indissociáveis, mas diferentes, em ter-mos de processos cognitivos.

Mas, a alfabetização não é pré-requisito para o letramento, pois não é pre-ciso primeiro aprender a técnica para depois aprender a usá-la, ação que se fez durante muito tempo na escola. Na verdade, as duas aprendizagens se fazem mo-mentaneamente e uma não é pré-requisito da outra.

Não basta que a criança esteja convivendo com muito material escrito, é preciso orientá-la sistemática e progressivamente para que possa se apro-priar do sistema de escrita. Isso é feito junto com o letramento. Mas, em primeiro lugar, isso não é feito com os textos ‘acartilhados’ – “a vaca voa, ivo viu a uva” –, mas com textos reais, com livros etc. Assim é que se vai, a partir desse material e sobre ele, desenvolver um processo sistemático de aprendizagem da leitura e da escrita (SOARES, 2003, p. 01).

Portanto, se a alfabetização é uma parte constituinte da prática da leitura e da escrita, ela tem uma especificidade que não pode ser desprezada nem esquecida e muito menos abandonada. A alfabetização não deve ficar diluída no processo de letramento. A análise de Soares (2003), na verdade, remete à falta de especifici-dade da alfabetização.

Sobre o letramento, Kleiman (2005) preconiza que,

Temos usado a palavra ‘letrado’ para descrever um sujeito que participa das práticas sociais de uso da linguagem escrita de sua comunidade, mesmo que ainda não tenha domínio individual da escrita, como seria o caso ex-tremo da criança ainda não alfabetizada ou do adulto analfabeto que mora numa metrópole. Essa concepção de sujeito letrado traz uma implicação para a dinâmica de organização do trabalho escolar: ele deve ser realizado por meio da imitação dinâmica das práticas sociais de outras instituições (KLEIMAN, 2005, p. 54).

A autora define o letramento como conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos espe-cíficos para objetivos específicos.

Portanto, o desafio que se coloca para os professores alfabetizadores cen-tra-se em como desenvolver o processo de alfabetização numa perspectiva de le-tramento, ou seja, como alfabetizar letrando (LEITE, 2001). Nessa direção, é preciso promover a reflexão sobre a escrita para que esta seja compreendida nos usos e nas funções sociais presentes no cotidiano. Cabe aos educadores oferecer

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oportunidades para essa reflexão por meio do grande desafio que é alfabetizar letrando, conforme anuncia Nucci (2001).

Dessa maneira, pensar a alfabetização numa perspectiva de letramento sig-nifica, portanto, desenvolver atividades e experienciar situações que envolvam a leitura e a escrita numa perspectiva crítica e não do ponto de vista adaptativo de simples codificação e decodificação do código escrito.

Professores alfabetizadores do Ciclo: vozes, experiências e olhares

O quadro dos profissionais envolvidos na educação escolar requer a for-mação continuada como necessidade intrínseca e não como momento apenas de atualização que pode ou não se realizar e, ainda, exige que a formação inicial seja repensada em função das competências que esta se propõe a desenvolver à luz das novas demandas da atuação do professor.

As políticas educacionais têm considerado cada vez mais a formação do-cente como peça fundamental para a melhoria da qualidade, que será ou poderá ser concretizada, em última instância, pelo professor. Não se trata de um professor atemporal ou projetivo apenas. Trata-se do professor que temos hoje.

A história de cada sujeito é composta de fases que se estendem da infância à vida adulta, etapas constituídas de acontecimentos e experiências que os tornam históricos, favorecendo a interpretação e a narração das experiências de acordo com as crenças e valores, capturando e traduzindo o que é vivido. Os professores alfabetizadores ao narrarem suas experiências buscam a compreensão de si e dos outros, caracterizando-se como uma estratégia emancipadora de tomada de cons-ciência e possibilita investigar sua própria prática e produzir seus saberes.

Nóvoa (2009, p. 38) preconiza que,

Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido) que o professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que importa, por isso, que os professores se preparem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de auto-reflexão e de autoanálise.

Assim, a utilização do questionário sobre o contexto educacional consti-tui-se de grande relevância e privilegia a participação ativa dos professores alfabe-

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tizadores no processo de investigação, pois a pesquisa com as histórias de vida se configura como uma construção de conhecimento.

Considerações acerca do lócus

Para análise da prática do professor, optou-se inicialmente pelo município de Anastácio, localizado no Centro-Oeste do Brasil. É um dos 78 municípios do estado de Mato Grosso do Sul, possui área de 2.949 km2, sendo que a maior parte desta é ocupada por propriedades rurais. O município possui uma população aproximada de 23.835 habitantes, de acordo com o censo IBGE 2010.

Dentre as escolas que atendem o Ciclo de Alfabetização do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental, no referido município, definiram-se como campo empírico as escolas urbanas com adesão ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, em um total de oito escolas, assim distribuídas: quatro são escolas municipais (Escola Municipal Teodoro Rondon, Escola Municipal Jardim Independência, Escola Mu-nicipal Maria Josefa da Conceição e CEINF Irmã Dulce, que neste ano está com o 1º ano do ensino fundamental); quatro pertencem ao quadro das escolas estaduais (EE Carlos Drummond de Andrade, EE Dep. Carlos Souza Medeiros, EE Indí-gena Guilhermina da Silva, EE Maria Corrêa Dias, EE Romalino Alves de Albres).

Em um primeiro momento, elegeu-se como campo de pesquisa apenas uma escola estadual do município. Isso se justifica pelo fato de que a pesquisa estava somente no início, mas também porque a adesão do município ao Pacto é recente e os professores ainda estavam em um processo inicial da formação pro-posta. Assim, instrumentalizou-se, para três professores alfabetizadores dos 1º, 2º e 3º anos, um questionário com cinco perguntas referentes ao processo de alfabe-tização e à forma como a literatura infantil se apresentou na própria alfabetização, que serão descritas e analisadas na próxima seção.

Instrumentalização da pesquisa e relatos dos professores alfabetizadores: algumas aproximações

Para o trabalho com o questionário respondido pelas professoras alfabeti-zadoras do Ciclo de Alfabetização, optou-se por nominá-las como P1, P2 e P3.

A primeira solicitação foi para que descrevessem o próprio processo de al-fabetização (idade, época, local, material utilizado, metodologia, ambiente escolar ou familiar, etc.), e cujas respostas foram:

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P1 – Eu comecei estudar com 6 anos de idade, numa escola rural, era mul-tisseriada, estudava 3 turmas juntas, e fui alfabetizada com cartilha, quan-do eu comecei estuda, já escrevia o nome de todos de casa e mais algumas palavras com as sílabas simples, minha mãe e as minhas irmãs mais velhas estavam sempre ajudando as mais novas, nós somos em 8 filhos, eu sou a 5ª filha, nós sentávamos embaixo de uma árvore bem grande que tinha na frente da minha casa e nós ficávamos escrevendo no chão com o dedo ou um pauzinho. Foi assim que aprendi escrever e ler várias coisas (sic).P2 – Eu aprendi o alfabeto na base do ‘croque’, com seis anos minha mãe escrevia o alfabeto num papel, fazia um quadrado de papel e colocava em cima da letra para que eu lesse, quando não conseguia ela mandava o cro-que (cascudo) até que eu tinha que aprender ou ficava sem o couro na cabeça. Quando fui para o primeiro ano todos na aula tinham medo da professora, falavam que ela era muito brava, mas eu gostava dela (sic).P3 – Eu fui alfabetizada aos sete anos de idade, na escola Estadual Teodoro Rondon em 1980. Eram utilizados cartilhas, era trabalhado o alfabeto, depois as sílabas e na sequência a junção delas. Fazíamos muitas leitu-ras e apesar de não ter estudado em pré-escola, eu saí da 1ª série lendo e escrevendo. Minha família sempre nos incentivou nos estudos e, apesar deles não saberem ler ou escrever, cobravam muito de nós, eu e meus dois irmãos. Acredito que essa cobrança foi muito importante para minha alfa-betização, pois a família em muito importante para o processo de aprendi-zagem de uma criança (sic).

As falas das professoras alfabetizadoras, transcritas ipsis litteris, evidenciam o processo de alfabetização pelas vias do método tradicional. Mesmo em cenários e em situações diferentes, o que as aproxima é a participação da família. Para as professoras P1 e P3, a cartilha foi o instrumento utilizado para serem alfabetiza-das, além do estímulo familiar favorável a esse desenvolvimento.

Entretanto, na resposta da P2 ficou evidente a aplicação de castigos físicos pela mãe, fato esse que marcou o processo de alfabetização da referida professora. Outro dado relevante foi o medo que tinha da sua professora, relegando, em se-gundo plano, outras memórias que poderiam ser fundamentadas.

Na segunda questão, foi solicitado que as professoras comparassem o pró-prio processo de alfabetização com o processo de alfabetização dos alunos que atendiam. Foram dadas as seguintes respostas:

P1 –É muito diferente, eu fui alfabetizada com cartilha e os meus alunos são através de consciência fonológica, consciência fonêmica e princípio alfabético e decodificação (sic).P2 – Não, fui alfabetizada pelo bê-a-bá e hoje com o método fônico a criança se apropria do som da letra e o reconhece na palavra, as professoras

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e os pais não são tão carrascos o que não traumatiza a criança, mas com isso as crianças também passaram a ser menos compromissadas (sic).P3 – Em comparação ao processo de aprendizagem é totalmente diferen-te, apesar de não ter trabalhado com o 1º ano, mas o método é fônico, método que não foi usado na minha alfabetização e a meu ver dificulta mais na alfabetização dos alunos e o que acontece é que os alunos chegam ao 3º ano com dificuldades de leitura e alunos que não sabem ler nada. Eu acredito com o método silábico, aprendia as partes para depois partir para o todo (sic).

Os discursos presentes nas respostas reafirmam o discurso de Weisz (2001), pois os professores alfabetizadores trabalham com as mesmas cartilhas que usavam antes ou com versões “modernizadas” delas. O método pressupõe ensinar quais letras correspondem a quais segmentos sonoros, para que os alunos compreen-dam o modo de funcionamento do sistema alfabético, sendo apenas importante a memorização das relações fonema/grafema. Dessa forma, ler é apenas transformar grafemas em fonemas e escrever é tão somente o seu inverso: transformar fonemas em grafemas.

Os autores/editores de cartilhas têm o propósito de difundir que a cons-ciência fonêmica é pré-requisito para aprender a ler e A escrever, o que não é consensual nem entre os pesquisadores da consciência fonológica Weisz (2001).

Cabe ressaltar que o estado de Mato Grosso do Sul está imerso no Progra-ma Além das Palavras18, razão pela qual as professoras desenvolvem uma proposta de alfabetização tendo a adoção do método fônico como principal instrumento de alfabetização com seus alunos.

A professora P3 sugere a silabação como metodologia para alfabetizar, con-trapondo Soligo (2003),

[...] não é nada fácil - aliás, é seguramente muito mais difícil – se alfabe-tizar memorizando sílabas: [...] trata-se de uma aprendizagem complexa e não é razoável criar dificuldades adicionais do ponto de vista pedagógico, utilizando metodologias que criam obstáculos desnecessários (SOLIGO, 2003, p. 06).

Desse modo, constata-se que a P3 não concebe a alfabetização inicial como processo de aprendizagem apoiado na reflexão sobre a escrita, mas sim na memorização.

18 Programa implantado no estado de Mato Grosso do Sul por meio da Resolução/SED nº 2.147, de 15 de janeiro de 2008. Para mais informações, acessar http://www.institutoalfaebeto.org.br.

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Na terceira questão, as professoras foram solicitadas a responder sobre as experiências inesquecíveis com o processo de alfabetização que vivenciaram. As respostas foram as seguintes:

P1 – A minha experiência inesquecível é bem recente, em 2012 aqui mes-mo na Escola ‘Medeiros’, eu alfabetizei uma turma do 1º ano, iniciei o ano com 26 alunos, só teve 1 transferido, terminei o ano com 25 alunos, durante o ano não tive nenhum aluno matriculado, e isso fez a diferença, os alunos eram frequentes, entre eles tinha um aluninho com baixa visão, não frequentou a creche, na época eu fiquei bem preocupada. Pois este garotinho foi o melhor aluno da turma, terminei o aluno com este aluno lendo e escrevendo qualquer palavra, sem dúvida esta é a minha experiên-cia inesquecível e gratificante (sic).P2 – Vou dar o relato da alfabetização do meu neto que com um progra-minha fônico no computador, recursos como livrinhos de histórias, bingo de palavras ele aprendeu a ler com cinco anos, sozinho, apenas com inter-venções minhas para sanar-lhe dúvidas (sic).P3 – Uma experiência que não esqueço foi no ano de 2008 com alunos do pré II na Creche Andrea Pace. Foi inesquecível chegar ao fim do ano e ver meus alunos lendo palavras curtas, mas lendo. Foi maravilhoso ver a alegria deles ao ler uma palavra e queriam ler mais e mais. Foi muito bom, me senti realizada (sic).

Nesses excertos, fica evidente que o sucesso da alfabetização envolve não somente o conhecimento profissional necessário aos professores, mas se apoia em conteúdos de diferentes campos relacionados à cultura geral, à cultura profissio-nal, às dimensões filosófica, social e política da educação, ao desenvolvimento psicológico de crianças, jovens e adultos, e aos conteúdos a serem ensinados.

A quarta pergunta versava sobre a literatura infantil e sobre como ela fazia parte do processo de alfabetização das professoras. As professoras responderam:

P1 – Sim! Todos os dias tem leitura na minha aula, eu uso o livro “Chão de Estrelas”, livro do programa Alfa e Beto (sic).P2 – Eu saí do 1º ano lendo, mas não fluentemente; o que me deu fluência foi ler gibis que ganhei com oito anos e passei a me interessar por leitura (sic).P3 – Eu sempre gostei de ler, e mesmo quando ainda não sabia ler eu gos-tava de folhear revistas e fazia de conta que estava lendo, na escola tinha vários livros de histórias, lembro-me do livro Piabinha Preta, Gato de Bo-tas e a Cartilha Caminho Suave com os textos, e em casa tinha gibis (sic).

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Assim, percebeu-se que a P1 interpretou a questão como se fizesse parte da práxis atual, não observando o tempo do verbo solicitado. As demais, P2 e P3, tiveram como objeto em comum os gibis, embora a P3 tenha relatado os livros presentes na infância.

Por fim, questionaram-se como as professoras utilizam a literatura infantil no ciclo de alfabetização. Ao que se obtiveram as seguintes respostas:

P1 – Utilizando os livros do Programa Alfa e Beto (sic).P2 – Eu considero importante a literatura infantil, pois além de trabalhar a oralidade e a escrita, trabalha também com o imaginário da criança, fazen-do-as viverem um mundo que é só delas. Trabalho muito com a dramatiza-ção da história e como seria o final da história pelo olhar do aluno. Sai cada história legal. Então eu olho a literatura como importante na alfabetização da criança (sic).P3– No 3º ano fazemos a leitura de histórias e gosto de ler para eles, por-que creio que eu lendo incentiva a leitura deles e desperta o interesse deles para esse mundo mágico que é a literatura infantil e que eu adoro (sic).

Constatou-se na fala da professora P1 que o espaço da literatura como texto na sala de aula limita-se ao “Programa Além das Palavras”. Já as professoras P2 e P3 trabalham com a literatura infantil tanto no contato direto com o texto literário quanto na mediação para a formação do leitor, com o exercício do imagi-nário infantil. Elas pressupõem que “Há crianças que ingressam na língua escrita por meio da magia (uma magia cognitivamente desafiante) e crianças que entram na língua escrita pelo treino de ‘habilidades básicas’. Em geral, as primeiras se tornam leitoras; as outras têm um destino incerto” (FERREIRO, 2012, p. 47).

E, de fato, a literatura infantil permite à criança manifestar seus sonhos e ao adulto a certeza de que todos os mundos são possíveis. Dessa forma, instrumentali-zar as crianças no Ciclo de Alfabetização favorece a formação de leitores conscientes.

Pelas análises realizadas, ainda, neste momento, somente o trabalho que desenvolvem com a literatura infantil é que se aproxima da proposta do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

Considerações finais

A discussão sobre o papel do professor e, principalmente, do professor alfa-betizador precisa estar em evidência, principalmente pelas avalanches de diretrizes e pelos programas implantados nas escolas públicas, pressupondo a melhoria da

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qualidade da educação, mas que em última instância dependem do professor. Assim, é preciso que haja políticas públicas educacionais que perpassem pela valo-rização e pela gestão da educação e dos profissionais da área e que o planejamento político educacional possibilite a participação dos professores de formas autôno-ma, criativa e crítica.

Nas análises empreendidas nas respostas dos professores alfabetizadores, fica evidente ainda um descompasso entre a política educacional e a prática docen-te. A expectativa é de que a integração e a estruturação a serem realizada a partir da formação continuada de professores alfabetizadores pelo PNAIC, bem como as diversas ações, materiais e referências curriculares e pedagógicas do MEC, possibili-tem aos alfabetizadores a garantia dos direitos de aprendizagem e a garantia de que as habilidades e os conhecimentos estabelecidos sejam alcançados ao fim da etapa.

É preciso que de fato se forme um arranjo institucional para gerir o pacto, porque as questões da alfabetização não devem ser tratadas à margem das condições mais gerais da profissionalização docente e das condições materiais e simbólicas do trabalho docente. Isso porque o compromisso com a reposição do direito à educação, já legalmente garantido, e com a melhoria da qualidade do ensino, continua sem as garantias de efetivação.

Enfim, é fato que no Brasil há um esforço contínuo, em especial a partir da década de 1990, na tentativa de buscar um ajustamento das políticas sociais, especificamente a educacional. Mas é preciso que se avance no sentido de esta-belecer um projeto educacional para o país que contemple a diversidade e que inclua a todos.

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CAPÍTULO VI

LIVROS DIDÁTICOS: O QUE ELES CONTAM SOBRE A ALFABETIZAÇÃO

Thaise da Silva Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Introdução

Falar sobre cartilhas ou livros didáticos para os anos iniciais da escolariza-ção é contar um pouco da história dos métodos, das metodologias e das teorias que marcaram a história da alfabetização no nosso país.

Maciel (2002) pondera que construir a história da alfabetização por inter-médio das cartilhas é uma das formas pelas quais se podem analisar historicamente as tendências metodológicas, o ideário pedagógico subjacente às cartilhas e, de certa forma, as políticas públicas que ofereciam chancelas aos autores por meio de indi-cações, autorizações, convênios, etc. Essas chancelas governamentais poderiam ser uma estratégia de controle da tarefa de ensinar mediante a atuação do professor.

Passa-se, então, à apresentação de uma história dos livros ou dos materiais de alfabetização para analisar os discursos sobre alfabetização que predominaram ao lon-go de determinados períodos e contextos. Para contar essa história, selecionou-se acer-vo do Projeto Memória da Cartilha19, e alguns livros de acervo pessoal que marcam a história da alfabetização no Brasil desde seus primórdios até o momento atual.

Além dessa introdução, este texto se organiza em outras três sessões: a pri-meira conta a história dos antigos métodos de alfabetização; a segunda analisa os discursos mais atuais com os quais se trabalha; e a terceira tece algumas conclu-sões sobre o tema.

19 Esse site parte do Projeto de Extensão Memória da Cartilha da UFRGS, organizado pela professora doutora Iole Maria Faviero Trindade, e formado por um acervo de cartilhas da Biblio-teca Setorial de Educação da UFRGS. Disponível em: www.ufrgs.br/faced/extensao/memoria.

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Primeiras formas de ensinar

Consultando o site Memória da Cartilha, é possível visualizar os recursos antecessores às cartilhas. Consta no site que o primeiro material elaborado para ensinar a ler, que se tem conhecimento, era composto por uma única página fixa-da a um pedaço de madeira em formato de “pá” que se segurava pelo cabo. Esse objeto foi empregado na Inglaterra e nas colônias americanas, entre os séculos XV e XVIII, sendo denominado então de Hornbook. Posteriormente, a Battledore, uma raquete de madeira ou papelão, veio substituir o Hornbook.

Conforme observam Stamatto (1998) e Barbosa (1992), as cartilhas eram utilizadas no Brasil desde a época colonial. Maciel (2002) destaca o final do sécu-lo XVI, como sendo o período em que chegam ao Brasil as Primeiras Cartas, ou Cartinhas, destinadas à alfabetização.

Mesmo que sejam espacial e temporalmente esparsas as informações sobre o material didático destinado à alfabetização no país, sabe-se que, nesse período, as Cartinhas eram constituídas da apresentação do alfabeto em grupos de letras para a formação de sílabas e de textos religiosos escritos em português e em latim.

O uso de cartilhas para o ensino da leitura e da escrita é discutido por Trin-dade (2004a), ao examinar a trajetória de algumas dessas obras didáticas no estado do Rio Grande do Sul, durante a Primeira República. A autora menciona o uso de cartas de leitura confeccionadas pelos professores como estratégia para o ensino das primeiras letras, uma vez que a falta de cartilhas e de outros materiais didáticos, na primeira metade do século XIX, obrigava muitas vezes tais professores a utilizarem outros materiais impressos sendo que uma parte desses era de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho), legal (ofícios, circular, leis...), ou materiais que circulavam no ambiente familiar (cartas, certidões, relatos de viagens, entre outros manuscritos).

Para Trindade (2004a), em Portugal, três obras marcam a invenção das car-tilhas enquanto materiais destinados ao ensino da leitura. Uma delas, a Cartilha de Aprender a Ler, de João de Barros (1539), enquanto pré-livro veio a substituir os papéis manuscritos que visavam ao ensino da leitura; nela, o método utilizado era o da soletração20 e se destinava apenas ao ensino da leitura. Conforme Barbosa

20 Nesse método, primeiro o aprendiz decorava os nomes de todas as letras, depois reunia as sílabas, para então formar as palavras. Trindade (2004a) identifica três formas de soletração: método da antiga soletração, no qual se ensinavam as vogais e o nome das consoantes seguindo a ordem alfabética, nomeando as letras e pronunciando-as, em seguida, uni-las; o método da nova soletração, que é semelhante ao anterior, só que neste se suprimia a nomeação das conso-antes; e método sem soletração, no qual se partia direto para o estudo das sílabas.

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(1992), trata-se de uma das mais antigas cartilhas destinadas ao ensino do idioma português e associava o ensino das primeiras letras com as questões religiosas.

Séculos após, Antônio Feliciano Castilho vem romper com a organização de cartilhas baseadas nos processos da soletração. Ele “cria” o Método Português (1850) e, com base nos princípios da Escola Nova, elabora uma nova cartilha baseada no modo de ensino simultâneo, no método de ensino intuitivo e na leitura auricular, contando, para tanto, com aspectos mnemônicos (imagens) em suas páginas e com o ensino do alfabeto por partes, rejeitando, assim, a ordem alfabética. Barbosa (1992) lembra que essa obra incluía o abecedário, o silabário e os textos de leitura, sendo marcada por preocupações fonéticas.

O Método João de Deus, representado pela Cartilha Maternal (1876), ain-da hoje é amplamente utilizado em Portugal, em Jardins-Escola mantidos pela Associação de Jardins Escola João de Deus. Tal cartilha, destinada ao ensino da leitura, era pautada no método fônico21. Produzida em Portugal e importada pelo Brasil, dominou por décadas o ensino das primeiras letras neste país.

Durante o Brasil Colônia e Imperial, foram poucas as propostas para a efetivação do sistema de alfabetização e seus métodos, ficando essa área restrita à produção de manuscritos pelos próprios professores, à importação de métodos e cartilhas de Portugal – livros como os produzidos por Castilhos e João de Deus se mantiveram no cenário nacional até o terceiro quarto do século XIX –, e às contrafações brasileiras, como veremos a seguir.

Foi a partir da segunda metade do século XIX que começaram, com mais frequência, a surgir, no país, livros nacionais de leitura destinados especificamen-te às séries iniciais da escolarização. Acompanhando tal movimento, as cartilhas escolares passam a ser utilizadas com mais frequência nas escolas primárias. Com o início da República (1889), estruturaram-se com mais acuidade as discussões sobre livros didáticos e métodos de alfabetização no Brasil, uma vez que agora se pretendia constituir uma nova identidade nacional (FREIRE, 1989).

A Cartilha Maternal, de autoria do poeta português João de Deus, foi a escolhida pelo governo de vários estados, no início da República, a partir da ado-ção oficial do método intuitivo, do modo simultâneo de ensino e do método de ensino da leitura de João de Deus. Reconhecida por uns como uma cartilha que fazia uso do método sintético, ao priorizar a relação entre fonemas e grafemas, e, por outros, como analítica, ao ter como ponto de partida a palavra (TRINDA-

21 Associação dos fonemas e dos grafemas em cada sílaba.

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DE, 2004a), tal obra representa, entre outras, a tentativa de combinar essas duas grandes marcas do ensino da leitura à época, tanto que

João de Deus opunha-se aos métodos de soletração e silabação como pon-tos de partida para a aprendizagem da leitura. Esta obra marca a trans-posição do abecedário do bê-a-bá para os métodos analíticos22, que serão difundidos [no nosso país] durante a República (BARBOSA, 1992, p. 57).

A Cartilha Maternal era importada de Portugal, o que gerava alguns pro-blemas na distribuição, na circulação e em seu custo. Por volta de 1883, começam a surgir as primeiras contrafações editadas por autores e aprovadas pelos governos dos estados, mesmo que representassem ora contrafações convenientes23 ora incon-venientes24, cabendo aos Conselhos ou Comissões de Instrução Pública, criados para tal fim, fiscalizarem, aprovarem ou cercearem sua circulação.

Trindade (2004a) apresenta, ao longo do seu texto, obras que foram ana-lisadas pelo Conselho de Instrução Pública entre o final do período imperial e o início da República, destacando dentre elas as que foram adotadas maciçamente pelas escolas gaúchas e de outros estados do país, sendo: o Primeiro Livro de Leitu-ra, de Abílio César Borges (1877); a Cartilha Nacional, de Hilário Ribeiro (1883); e a Cartilha Mestra, de Samorim Gustavo de Andrade (1919).

O Primeiro Livro de Leitura (BORGES, 1877), embora tenha sido excluído pelo Conselho de Instrução Pública, em 1890, e permanecido fora dos livros lista-dos para adoção entre 1891 e 1930, sempre foi muito solicitado pelos professores e teve grande circulação durante o período imperial, pois sua metodologia era tida como inovadora para a época, uma vez que esse livro veio a substituir os abecedários manuscritos, papéis de cartórios e cartilhas extremamente simplórias. Seu método consistia na adoção da silabação e se opunha à soletração de sílabas sem sentido.

A Cartilha Nacional (RIBEIRO, 1883) foi apresentada ao Conselho de Instrução Pública em 1883 e, aprovada, passou a ser distribuída, a partir de 1886. Essa cartilha circulou pelo Brasil até 1943 e é tida como uma das contrafações da Cartilha de João de Deus. Um dos aspectos que a diferenciava da cartilha portu-guesa era o ensino simultâneo da leitura e da escrita.

22 Partem do todo (contos, frases, palavras) para a análise das partes (sílabas e letras).23 Contrafação conveniente era o termo empregado pelo governo gaúcho para liberar a pu-blicação de cartilha que se tratava de cópia fiel à Cartilha Maternal, de João de Deus. 24 Essas também tinham a Cartilha Maternal por base, mas não eram cópias fiéis desta, por incluir o uso de imagens ou do ensino simultâneo da leitura e da escrita.

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A Cartilha Mestra (ANDRADE, 1919) foi outra contrafação da Cartilha Maternal, sendo aprovada pelo conselho em 1895 e tendo publicadas edições em vários estados. Distinguia-se da cartilha portuguesa pelo uso de imagens no ensino da leitura. Tanto a Cartilha Nacional quanto a Cartilha Mestra se diferen-ciavam da Cartilha Maternal por apresentarem frases desde as primeiras lições e uma sequência diferenciada de apresentação das letras e de seus valores.

Mortatti (2000) completa as ideias apresentadas anteriormente ao afir-mar que, apesar de se encontrarem alguns manuais produzidos por brasileiros na segunda metade do século XIX, o impulso nacionalizante das cartilhas ocorreu somente em alguns estados brasileiros a partir de 1890 e foi se solidificando nas primeiras décadas do século XX. As primeiras cartilhas nacionais foram acompa-nhando, assim, o movimento realizado pelas cartilhas importadas e seus métodos.

O processo de nacionalização do livro didático produzido por brasileiros foi uma necessidade apontada desde o final do século XIX, uma vez que havia o interesse da organização republicana de instrução pública que tais livros esti-vessem adequados à realidade brasileira. Tal anseio fez com que ocorresse uma expansão do mercado editorial brasileiro, o qual encontrou na escola um espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus produtos.

Ao final da Primeira República, o discurso predominante era o que defen-dia o método intuitivo, da valorização da infância como um mundo diferente do adulto, do civismo e da nacionalização. Com isso, novas metodologias passam a ser aceitas e ampliam-se as obras aprovadas. Para Maciel (2000), esse período é marcado pelos princípios escolanovistas, que propunham um rompimento com o modelo pedagógico tradicional.

Trindade (2004a) e Peres (1999) salientam, como uma das marcas desse período, a publicação do primeiro livro de leitura Queres Ler, de autoria de Olga Acauan e Branca Diva Pereira (1919), adaptado de uma cartilha uruguaia – Quie-res leer?, de José Henrique Figueira –, baseado no método analítico-sintético25, com ênfase na palavra e na sentença. Essa cartilha pregava o ensino simultâneo da leitura e da escrita, sendo que a escrita das palavras era considerada, pelas autoras, como uma forma de facilitar o ensino da leitura, pois associava memória visual e memória muscular. Peres (1999, p. 93) complementa:

25 O método sintético caracteriza-se pela associação das partes para se chegar ao todo, ou seja, associação das letras e sílabas para a formação das palavras. Trabalha-se com a lógica da somatória. O método referido trata-se de uma associação entre o método analítico, explicado em nota anterior, com método sintético.

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Condenando sempre a falta de sentido da leitura então praticada na es-cola, o anacronismo dos métodos ABC, a ausência de significado no ato de aprender a ler, o aborrecimento, a fadiga e a monotonia dos métodos que faziam uso apenas de letras e dos sons para o ensino da leitura, há, no Queres Ler?, a defesa da possibilidade de a leitura na escola ser algo vivo, animado, interessante.

Esse livro chama a atenção para as relações que devem se estabelecer entre leitura, produção de significado e compreensão. Ler deveria ser uma atividade que aproveitasse a curiosidade da criança e favorecesse sua iniciativa e sua autonomia. A compreensão de que a aprendizagem da leitura deve se dar em duas etapas se mantém: a primeira alia a leitura à decifração e a segunda, a leitura à produção de sentido.

Segundo Mortatti (2000), a partir dos anos de 1930, as cartilhas passam também a se basear em métodos analítico-sintéticos – também denominados de mistos ou ecléticos – em decorrência da difusão e da repercussão dos Testes de ABC, de Lourenço Filho (1933), cuja finalidade era medir o nível de maturidade necessário ao aprendizado da leitura e da escrita, visando a atingir maior rapidez e eficiência na alfabetização. Desse modo, o método assume uma posição secun-dária, pois o como ensinar fica atrelado à maturidade da criança e às questões de ordens didática e psicológica. Disso surgem as atividades que têm como objeti-vo desenvolver as habilidades visuais, auditivas e motoras que estão contidas no manual do professor, disseminando, assim, a ideia da necessidade de um período preparatório.

Na década de 40, ganha destaque no cenário nacional o uso do método global de contos, da mineira Anita Fonseca, intitulado O Livro de Lili (1940). Esse apresentava 11 contos compostos por frases curtas narrando à vida de Lili. Cada conto era, a cada lição, decomposto em sentenças, palavras e sílabas, sendo cada nova lição ilustrada por uma gravura (MACIEL, 2002).

Maciel e Frade (2006) dão mais informações sobre essa cartilha, que foi uma das marcas do método global no Brasil. Elas comentam que a fundamen-tação teórica do método global foi inspirada nos estudos sobre percepção visu-al, no campo da psicologia infantil, baseado nos estudos de Claparède, Revault D’Allones, Decroly e Piaget; e no campo da psicologia da leitura, nas pesquisas de Valentius, Castell, Goldscheider, Muller, Dearborn, Bowden e Bogg, e, ainda, nas pesquisas sobre hábitos fundamentais de leitura dos pesquisadores Huey, Judd, Bruswell, Gray, Schmidt, Docheray, dentre outros.

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Conforme as orientações desse método, cada lição deveria encerrar uma unidade de pensamento, porém, sempre deixando a criança interessada na lição seguinte. Quanto mais significativa a palavra a ser trabalhada, melhor seria sua fixação. A repetição deveria ser bem feita, tendo o cuidado de fazer com que a criança mantivesse o interesse. A memorização do texto/palavra apoiava-se na imagem ideovisual, conforme estudos desenvolvidos por Decroly.

As ilustrações ganhavam destaque na produção desse material, de maneira que permitisse às crianças recontarem as lições com a ajuda das imagens. As ima-gens podiam não ser coloridas, pois caberia aos alunos a tarefa de pintá-las a partir dos cartazes de apresentação das lições.

Nos anos 60, Almira Sampaio Brasil da Silva, Lúcia Marques Pinheiro, Maria do Carmo Marques Pinheiro e Risoleta Ferreira Cardoso publicam Minha Abelhinha. A obra baseava-se em um método italiano que explora o som dos fone-mas fazendo uso do método do conto e de associações mnemônicas entre a forma da letra inicial da palavra e o objeto representado pela mesma, sendo reconhecido, portanto, como um método misto.

Para Frade (2003), esse método buscou sanar algumas dificuldades do mé-todo fônico, uma vez que pretendia atenuar a falta de sentido da apresentação dos fonemas ao relacioná-los a uma palavra significativa, representada por um perso-nagem ou um objeto de uma história. Assim, as lições do livro eram apresentadas por meio de palavras ou de pequenos textos, cabendo ao professor (mediante as orientações dadas no Manual do Professor) explicitar em que momento se faria a apresentação das letras, assim como qual recurso serviria para desencadear a emissão dos fonemas.

Até a década de 60, foram intensas as disputas entre os métodos analíticos e sintéticos, sendo que toda a produção teórica acadêmica buscava analisar qual deles era o mais eficiente. Durante esse período, métodos e técnicas se alternaram quanto ao seu reconhecimento e à sua eficácia, predominando ora um ora outro nas turmas de alfabetização.

Marzola (2003) observa que foi preciso que a pedagogia adquirisse a base científica que lhe proporcionou o surgimento da psicologia experimental, no final do século XIX, fazendo com que métodos de alfabetização se sustentassem nas diferentes teorias de aprendizagem de cunho psicológico, para que “novos” efeitos de verdade e de poder fossem produzidos na atividade pedagógica ao longo do século XX. Exemplos disso são: no início do século XX, a psicologia associacio-

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nista26, que fundamentou o método montessoriano de ensino e serviu de base científica para os métodos sintéticos de alfabetização, utilizados desde a antigui-dade até meados do século XVIII, mas agora com nova roupagem; a psicologia da forma (Gestalt) que, na metade do século XX, fundamentou cientificamente os métodos analíticos de alfabetização, e inicialmente teve suas origens em Decroly; a linguística estruturalista de Saussure (1857-1913), que forneceu o suporte cien-tífico para os métodos fonéticos.

Com tudo isso, deu-se legitimidade a antigas metodologias de alfabetiza-ção, possibilitando-lhes participar dos jogos de verdade, ou seja, da disputa pelo poder de dizer a verdade sobre o ensino da leitura e da escrita.

Novas formas de pensar a alfabetização

A partir de 1980, os métodos de alfabetização e as cartilhas deixaram de ocupar um papel central no ensino da leitura e da escrita no Brasil. A alfabetização escolar passou por vários questionamentos em função das pesquisas realizadas em várias áreas do conhecimento como a Psicologia, a Linguística, a Psicolinguística, a Sociolinguística, dentre outras. De acordo com Soares (2003), enquanto as práticas inspiradas nos métodos sintéticos e analíticos enfatizavam apenas uma das facetas da alfabetização – a decodificação –, aquelas que se baseavam na psicogênese da língua escrita davam grande ênfase ao processo de construção do conhecimento do sistema de escrita, ou seja, à faceta psicológica. Nessa última proposta, os métodos, as cartilhas e a prontidão são substituídos por mediação do objeto do conhecimento e pelas fases de evolução conceitual por que passaria o aluno até compreender o nos-so sistema de escrita. Passa, dessa forma, a ser priorizado o trabalho com diferentes suportes de textos, especialmente o do texto literário.

A corrente psicogenética representada especialmente por Piaget, já nas déca-das de 1920 e 1930, que tanto sustentou os métodos “tradicionais” de alfabetização, que vigoraram em no país nesse período, especialmente os da vertente analítica, serviram de referência para a produção de um “método construtivista” de alfabeti-zação, a partir da década de 1980. Tem como marco de seu surgimento a publicação de um estudo desenvolvido por Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a psicogênese da língua escrita, fazendo com que os “antigos” métodos e as cartilhas de alfabetização perdessem o status que possuíam na didática da alfabetização. Suas pesquisas ti-nham por base três princípios: (1) não identificar a leitura como decifrado; (2) não

26 Atribui a percepção de um objeto à associação das sensações.

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identificar a escrita como cópia de um modelo; e (3) não identificar progressos na conceitualização como avanços no decifrado ou na exatidão da cópia.

Ao se contraporem aos métodos existentes na época, Ferreiro e Teberosky (1985) pontuam que, a partir de suas pesquisas, muda-se o foco da alfabetização passando do como se ensina para o como se aprende. Completam dizendo que a ênfase nas habilidades perceptivas – dos métodos – faz com que sejam deixados de lado dois princípios tidos por elas como fundamentais: o da competência lin-guística das crianças e o das suas capacidades cognoscitivas.

Nossa atual visão do processo é radicalmente diferente [ao referirem-se aos princípios do modelo tradicional associacionista da aquisição da lin-guagem]: no lugar de uma criança que espera passivamente o reforço ex-terno de uma resposta produzida pouco menos que ao acaso, aparece uma criança que procura ativamente compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações e cria sua própria gramática (que não é simples cópia deformada do modelo adulto, mas sim criação original) (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 24).

É dentro dessa lógica que as autoras fazem uso do conceito de erro cons-trutivo, isto é, reconhecendo respostas que em um primeiro momento parecem distantes da forma padrão de escrita enquanto aplicações de hipóteses formuladas pelas crianças sobre a forma como se estrutura o código escrito, servindo essas de pistas para que, a partir de intervenções, em um futuro próximo ocorra o domí-nio alfabético do código.

Segundo as autoras, a lógica da alfabetização não deveria ser a de re-ensinar as crianças os fonemas da sua língua, mas sim de levá-las a se conscientizarem de uma diferença que já sabiam fazer na modalidade oral. Recorre, assim, a uma di-ferenciação entre processos de aprendizagem, que toma a criança como um sujeito cognoscente, que pensa a respeito da sua língua; e a métodos de ensino, que focam suas ações no que está pautado pela metodologia adotada.

Segundo ainda as mesmas autoras, com relação às suas hipóteses de escri-ta27, as crianças passam por cinco níveis: no nível 1, escrever é reproduzir traços típicos da escrita (a intenção subjetiva do escritor conta mais do que as diferenças objetivas no resultado e podem aparecer tentativas de correspondência figurati-

27 Ferreiro e Teberosky (1985) fazem muitas outras testagens ao longo de suas pesquisas. Op-tou-se pela apresentação desta, por ser a mais utilizada pelos professores em sala de aula e na organização das propostas didáticas do GEEMPA.

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va entre a escrita e o objeto referido, representadas algumas vezes por meio de desenhos); no nível 2, a criança parte do princípio de que para escrever coisas diferentes deve haver diferenças objetivas nas escritas (a forma do grafismo é mais definida, mais próxima à das letras, surge a hipótese de que existe uma quantidade mínima de grafismos para que seja possível escrever algo e a hipótese de variedade nos grafismos, que reaparecem nos demais níveis); no nível 3, há uma tentativa de atribuir valor sonoro a cada letra que compõe a escrita, cada letra passando a valer uma sílaba; no nível 4, estabelece-se um conflito entre a hipótese silábica e a exigência de uma quantidade mínima de grafias, o que faz com que a criança busque acrescentar letras à sua escrita silábica, havendo a mistura da hipótese anterior com a seguinte; no último nível, o 5, a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e, a partir desse momento, defronta-se com as dificuldades próprias da ortografia (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).

Os “livros didáticos” produzidos pelo Grupo de Estudos sobre Educação Metodologia da Pesquisa e Ação (GEEMPA) são exemplos dessa forma de pensar a alfabetização. Nesses materiais, os cadernos de atividades produzidos para os alunos têm em suas primeiras páginas uma história. Em seguida, é apresentado um glossário em letras bastão e cursiva e, a partir daí, surgem materiais para a confecção de jogos e atividades de sistematização do código, dando destaque à le-tra inicial, quantidade de sílabas e letras de uma palavra, dentre outras atividades pensadas a partir dos níveis psicogenéticos.

Outra marca da década de 1980 foi o surgimento dos estudos sobre litera-cy/letramento/alfabetismo28, que deram início a um novo enfoque nas pesquisas sobre alfabetização. Tais estudos deixam de se ocupar do como se ensina e do como se aprende, e passam a discutir, por um lado, os mitos que se constroem em torno da alfabetização e do letramento/alfabetismo, além de se voltar, por outro lado, para o papel social da leitura, da escrita e da oralidade, não bastando mais saber ler, escrever e falar, ao se tornar “necessário” saber fazer uso dessas habilidades (TRINDADE, 2011). Street (2008) lembra que o termo literacy, então, passa a ser vinculado aos contextos social, cultural e histórico do seu uso.

28 Estudos desenvolvidos por Graff (1990), Kleiman (1995) e Soares (1996; 1998), dentre outros, esclarecem a respeito dos significados atribuídos a esses termos. Usar-se-á as denomi-nações utilizadas por autores ou editores brasileiros para o termo inglês literacy, quais sejam – alfabetização, alfabetismo ou letramento –,assim como o próprio termo inglês, quando fizer uso de texto de autor de língua inglesa ou quando os autores ou editores nacionais referirem tal termo, mesmo o traduzindo para o termo que utilizam em suas produções.

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O “mito da literacy” é definido por Graff (1995) como sendo a crença de que um nível intermediário de progressos econômico, social e individual pudesse se relacionar a outro nível mais sofisticado de aquisição e de uso da leitura e da escrita. Cook Gumperz (1991) mostra como se dá a invenção desse mito por meio de estudos que demonstram que mudanças nas expectativas e no conceito de literacy29 ocorreram ao longo da história da escolarização.

Assim, derruba o mito que atrela literacy à industrialização, mostrando que invenções cotidianas ligadas às áreas sociais e recreativas precederam as ativida-des econômicas para o desenvolvimento da alfabetização. Cook Gumperz (1991) enfatiza que não passamos de illiteracy para literacy, e sim de múltiplos literacies para literacy escolar. Por sua vez, Marzola (2001) toma o analfabetismo como um efeito discursivo, para mostrar que os “mitos de alfabetização, de alfabetismo e/ou de letramento” são criados pelos mesmos discursos que produzem o analfabetis-mo, sendo esses, por sua vez, produtos da linguagem, que produz teorias e verda-des por meio de discursos e representações. Amparada em tais estudos, Trindade (2004a, p. 127) observa que:

[...] a mudança, portanto, não foi do total analfabetismo para a alfabeti-zação, mas sim de uma multiplicidade dificilmente estimada de alfabeti-zações, de uma ideia pluralista acerca da alfabetização até a noção de uma alfabetização única, estandardizada no século XX. Cabe dizer que, se as equações entre alfabetização e escolarização, alfabetização e mudanças cog-nitiva, alfabetização e desenvolvimento econômico incluíam a escolariza-ção da alfabetização, é a análise cultural que nos permite colocar em dúvida esse conjunto de equações e seus resultados, como também compreender por que motivos tais discursos ganham destaque no decorrer do século XX.

Mediante ao que foi diagnosticado pelos estudos aqui referidos, Kleiman (1995) sugere que atualmente se pode definir o letramento como sendo um con-junto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquan-to tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos. A autora explica

29 A nota número 36 do texto de Graff (1990, p. 64), feita por Tomaz Tadeu da Silva, traz as seguintes informações sobre a palavra literacy: “a palavra literacy tem sido usualmente tradu-zida por alfabetização. Neste e nos outros artigos traduzidos do inglês constantes deste número de Teoria & Educação optou-se por traduzi-lo por alfabetismo, uma vez que alfabetização designa a ação de alfabetizar e não a qualidade ou estado de ser alfabetizado, expresso na língua inglesa. Em geral, pensa-se não existir uma palavra em português que traduza adequadamente literacy, havendo até quem proponha a invenção de um neologismo como letramento ou letração. Entretanto, uma consulta aos dicionários mostrará que as definições de literacy e alfabetismo são praticamente coincidentes”.

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que, a partir do momento em que os estudos deixam de tomar como universais os efeitos das práticas de uso da escrita e passam a analisar esses efeitos por meio de práticas sociais e culturais de diferentes grupos, ocorre um alargamento do con-ceito de letramento. A autora ainda utiliza, como exemplo desse movimento, o conceito de letramento discutido por Street (1984), salientando peculiaridades de tipos e de usos diversos da escrita. Street (2003) caracteriza literacy considerando dois modelos de análise: o modelo autônomo e o modelo ideológico.

O modelo autônomo, se analisado independentemente do modelo ideológico, consistiria em apenas uma forma de se desenvolver literacy. Se interpretado de tal forma, em tal modelo a escrita seria vista como independente do contexto em que está inserida e diferente do processo de comunicação oral, e teria efeitos em outras práticas sociocognitivas, sem considerá-las como práticas ideológico-cultu-rais, como se fossem neutras e universais.

O modelo ideológico reconhece que não há uma única prática de literacy, mas várias determinadas social e culturalmente. O modo como o sujeito enten-deria a escrita dependeria, então, do contexto e da instituição social na qual ele a adquiriu. Ainda nesse modelo, as práticas de letramento estariam vinculadas à cultura e às estruturas de poder e, por isso, mudariam conforme o contexto em que são praticadas. Ou seja, Street (1995), quando criou tais modelos, propunha que o modelo ideológico não nega habilidades ou aspectos cognitivos de ler e de escrever, uma vez que ele os entende como fazendo parte das culturas e das rela-ções de poder, ao incorporar os estudos desenvolvidos pelos defensores do modelo autônomo de letramento. O modelo ideológico de letramento, reconhecido pelo autor como sendo alternativo, tornar-se-ia mais sensível às perspectivas cultural e local na qual se desenvolvem as práticas de leitura, de escrita e de oralidade. Esse modelo reconhece as relações de poder que identificam algo como sendo legítimo em determinada cultura, bem como as práticas de leitura presentes nela e as teo-rias que as tornam verdade e as justificam.

A partir do momento em que se reconhecesse literacy como uma prática social e não somente como um conhecimento técnico e neutro, como prevê o modelo autônomo, seriam reconhecidas também todas as lutas sociais que se tra-vam para autenticar aspectos de uma cultura em busca do poder e da legitimidade de alguns saberes que se instituem (STREET, 2003).

Soares (1996) argumenta que, a partir dessas novas conceituações, está havendo uma mudança nas esferas acadêmicas na maneira de considerar o acesso à leitura e à escrita no país – da mera aquisição da tecnologia do ler e do escrever

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à inserção nas práticas sociais de leitura e de escrita – resultando no aparecimento do termo letramento acompanhando o termo alfabetização.

Em se tratando de livro didático, embora as atividades que fazem referên-cia às práticas sociais de leitura e de escrita estejam presentes em suas páginas nas “antigas cartilhas”, Trindade (2004a) as identifica nos textos ao final de obras di-dáticas publicadas entre os séculos XIX e XX, indicando que o aluno, ao adquirir a leitura e a escrita, já seria capaz especialmente de ler e de escrever cartas, além de ler outros gêneros textuais, nos seus respectivos suportes, ainda que pese mais o domínio da leitura em relação ao da escrita e que isso possa ocorrer somente ao término da cartilha. Essas propostas voltadas para o letramento podem se tornar mais visíveis a partir do livro didático escrito por Gládis Rocha (1999) – Portu-guês: uma proposta para o letramento: alfabetização –, supervisionado por Magda Soares, que utiliza em seu título os dois termos – letramento e alfabetização. A presença das duas definições é incorporada às capas dos livros a partir do Progra-ma Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2007, instituindo e dando força a essa nova forma de pensar a alfabetização no Brasil.

Pode-se dizer que esse novo olhar lançado para a alfabetização surge a partir do momento em que os pesquisadores começam a se conscientizar de que a forma como a alfabetização vinha sendo tratada dava conta, em parte, da aquisição do código, mas não dos usos sociais dele (RIBEIRO, 2004). Mais recentemente, o governo federal passa a promover uma série de medidas buscando fazer com que se amplie o conceito de alfabetização.

A partir do estudo de Morais, Albuquerque e Ferreira (2008), referente ao PNLD 2007, como destaca o Programa Pró-letramento no fascículo dedicado aos livros didáticos (MEC, 2008), por meio de um quadro comparativo entre livros didáticos de alfabetização, são apresentadas as seguintes constatações: (a) os livros que apresentavam muitas tarefas de leitura e de produção de textos, ao terem como objetivo ensinar o sistema de escrita alfabética, privilegiavam atividades que tinham a palavra e a letra como unidades principais; (b) em sua maioria, os livros didáticos não promoviam a reflexão metalinguística, bem como utilizavam pouco os textos curtos (trava-línguas, parlendas e quadrinhas), na promoção da consciência fonológica e como facilitadores do estabelecimento de relações entre as partes escritas e as faladas das palavras; (c) embora os autores didáticos, em sua maioria, declarem-se adeptos da teoria construtivista e mencionem a teoria da psicogênese da língua escrita, as atividades apresentadas nos seus livros estão mais voltadas para a forma convencional de escrita (escrita alfabética); (d) os li-

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vros didáticos têm padronizadas as primeiras lições com o trabalho com o nome, porém sua exploração se limita à localização de letras e às primeiras páginas dos livros; (e) as atividades propostas desconsideram a heterogeneidade das turmas; (f ) as atividades de leitura e de produção de textos se mostram pouco articuladas com as atividades voltadas à reflexão sobre as palavras e suas unidades menores; e (g) os livros didáticos apresentam um maior número de atividades voltadas ao letramento, deixando a desejar no que se refere a atividades que dizem respeito à apropriação do sistema de escrita alfabético.

Conforme esses mesmos autores (MORAIS; ALBUQUERQUE; FERREI-RA, 2008), se o PNLD 2007, dessa forma, já privilegiou a presença de uma maior diversidade textual, o PNLD 2010, na continuidade, alerta para a importância a ser dada para o eixo do letramento sem perder de vista o da apropriação do sistema de escrita alfabética, tanto em relação ao número de atividades quanto a sua natureza.

Ao pontuar que a criança nasce imersa em um ambiente letrado e que ao longo de seu desenvolvimento irá circular por várias esferas sociais – escola, família, lazer, trabalho, religião –, que lhe proporcionarão conviver com uma diversidade de letramentos, Rojo (2009) pondera, no entanto, que a escola valorizaria apenas as vivências escolares que ocorriam em torno do desenvolvimento da leitura, da escrita e da oralidade, o que, por vezes, acaba prejudicando o desenvolvimento de alguns grupos sociais e beneficiando outros. Assim, os estudos sobre letramento tentam levar para dentro da escola a diversidade de textos a que a criança tem acesso no cotidiano e aproveitá-la durante o processo de alfabetização.

Na busca de solução para o problema que a escola brasileira enfrenta na atualidade – o de ter universalizado o acesso à instituição de ensino, mas não o acesso à aprendizagem e à alfabetização –, surge um novo discurso no cenário nacional, dividindo espaço com as tendências psicogenéticas e do letramento, por meio do alerta para a necessidade de se privilegiar os estudos sobre a consciência fonológica (CAPOVILLA, 2005). Em diversos países do mundo, como Alemanha, Estados Unidos, França e Inglaterra, diante das evidências científicas da importância das instruções metafono-lógicas para a aquisição de leitura e de escrita competentes, os governos passaram a recomendar tais atividades como parte do currículo oficial das suas escolas em programas de alfabetização e de remediação de dificuldades com a linguagem escrita (ALMEIDA; DUARTE, 2003, p. 35).

É interessante perceber que as “evidências científicas” continuam a justifi-car a eficiência de um método, associando seu sucesso a países tidos como os mais promissores no que se refere às questões econômicas e educacionais, desconside-

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rando todas as variáveis que marcam, no caso, as diferenças entre o Brasil e esses países citados.

Freitas (2003) define consciência fonológica como sendo a habilidade do ser humano de refletir conscientemente sobre os sons da fala. A consciência fonológica, também referida como metafonologia, faz parte dos conheci-mentos metalinguísticos, os quais pertencem ao domínio da metacogni-ção, ou seja, do conhecimento de um sujeito sobre seus próprios processos e produtos cognitivos. Ela permite fazer da língua um objeto do pensa-mento, possibilitando a reflexão sobre os sons da fala, o julgamento e a manipulação da estrutura sonora das palavras (p. 179).

A autora completa dizendo que a consciência fonológica se refere à represen-tação consciente das propriedades fonológicas e das unidades constituintes da fala. Essa é a consciência dos sons que compõem as palavras que se ouve e se fala e permi-te a identificação de rimas, de palavras que começam e terminam com os mesmos sons e de fonemas que podem ser manipulados para a criação de novas palavras.

Harris e Hodgers (1999) comentam que essa habilidade não é necessária na aprendizagem da fala, mas é indispensável na aquisição da leitura e da escrita. Segundo esses autores quanto maior o nível de consciência fonológica e quanto mais esse trabalho for desenvolvido desde a Educação Infantil, por meio de brin-cadeiras, maior será o sucesso dessa criança em sua alfabetização.

Adams et al (2006) completam dizendo que a aquisição da consciência fo-nológica, isto é, a compreensão de que a fala pode ser representada na leitura e na escrita por meio da relação fonemas/grafemas não é simples e muito menos fácil. Essa dificuldade se deve à falta de atenção que as pessoas têm ao escutarem a fala de alguém ou ao que elas próprias falam, uma vez que processam automaticamen-te os fonemas, dirigindo sua atenção para o significado do enunciado. Logo, fazer com que a criança se dê conta desse processo é um dos desafios do alfabetizador.

Morais (2012) lembra que o trabalho com a consciência fonológica não deve ocorrer apenas no nível da oralidade. Para que a criança avance ainda mais em suas concepções acerca da aquisição do sistema de escrita alfabético, faz-se fundamental que a notação escrita acompanhe as atividades orais de exploração e de trabalho com as palavras.

A consciência fonológica se apresenta em vários níveis: das sílabas, das uni-dades intrassilábicas e dos fonemas; e se divide em várias competências: síntese, segmentação, identificação, produção, exclusão, inclusão e transposição (FREITAS, 2003). Os estudos sobre a relação entre Consciência Fonológica e Alfabetização

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também têm contribuído para a discussão sobre o ensino da leitura e da escrita. Conforme Morais e Leite (2005), o desenvolvimento de distintas habilidades de análise fonológica não se dá de modo uniforme no desenvolvimento infantil nem todas as habilidades fonológicas são necessárias ao processo de alfabetização. No entanto, para o aluno se apropriar do sistema de escrita alfabética, é imprescindível que ele compreenda que a escrita representa a pauta sonora das palavras, e que essa notação ocorre por meio da relação fonema-grafema. Assim, diversas atividades fo-nológicas podem contribuir para essa compreensão, como a contagem de sílabas nas palavras, a comparação de palavras quanto à presença de sílabas iguais, a identifica-ção de palavras que contenham o mesmo som, a exploração de rimas, etc.

Oliveira (2008), um dos organizadores do Manual de Consciência Fonêmi-ca, do Instituto Alfa e Beto, diz que é função do professor fazer com que a criança se dê conta do princípio alfabético em que a escrita é estruturada. Para isso, o pro-fessor deve fazer com que o aluno descubra a relação entre os sons que compõem uma palavra e as letras que representam esses sons; a isso o autor denomina de consciência fonêmica, uma das habilidades pertencentes ao nível referente à seg-mentação da língua oral em unidades e que compõe a consciência fonológica30.

Morais (2006) faz uma retrospectiva de como as tendências sobre alfabe-tização foram sendo construídas e reconstruídas, passando dos métodos para as tendências construtivistas sob a justificativa de que se deveria dar ênfase ao sujeito cognoscente e que, hoje, volta-se a pensar em métodos fônicos, sob a alegação de que algumas tendências pensadas a partir da década de 1980 deixaram de “ensinar” como se dá o processo de alfabetização. O autor busca desconstruir essa lógica, alegando que o retorno aos métodos fônicos não solucionaria o problema da alfabetização no Brasil, ao mesmo tempo em que aponta para um trabalho

30 Cagliari (1995) explica que a consciência fonológica é um dos campos do conhecimento estudados pela Linguística, definido como o estudo científico da linguagem, voltado para a explicação de como a linguagem humana funciona. A Linguística se subdivide em várias áreas de estudo, fazendo parte delas: a fonética (estuda os sons da fala, preocupando-se com os mecanismos de produção e audição); a fonologia (estuda os sons da fala do ponto de vista da sua função e ocupa-se dos aspectos interpretativos dos sons, de sua estrutura funcional nas línguas); a morfologia (estuda o signo linguístico reduzido a sua expressão mais simples [mor-femas], e a combinação entre esses morfemas formando unidades maiores, como a palavras e o sintagma); a sintaxe (estuda tudo o que se relaciona com a combinação linear de morfemas); a semântica (preocupa-se com o significado das palavras); a pragmática (estuda o que se faz com a linguagem, em que circunstâncias e com que finalidades); a análise do discurso (estuda o significado e estrutura de um texto); a psicolinguística (estuda como ocorre o processo de aquisição da linguagem pelas crianças) e a sociolinguística (estuda as variações sofridas por uma língua de acordo com os grupos sociais que compõem seus falantes e usuários).

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que envolva consciência fonológica sem abandonar as contribuições trazidas pelos métodos anteriores.

A influência dessas novas tendências pode ser localizada nas capas dos li-vros aprovados pelo MEC – PNLD 2010 – que trazem em destaque a inscrição Letramento e Alfabetização Linguística, marcando, com isso, uma “nova” forma de pensar o ensino da leitura e da escrita.

Trindade (2004b) lembra que há diferença na forma como os estudos aca-dêmicos interpretavam o analfabetismo e a alfabetização há alguns séculos e como os interpretam hoje, distinguindo-os em novos tipos e níveis. Ao mapear a pro-dução de conhecimento sobre os métodos e processos de alfabetização, a autora pontua que tal produção pode ser reconhecida como prática social, criada a partir de determinados discursos e representações, argumentando que:

A possibilidade de interpretar as teorias como discursos não nos dá um olhar privilegiado sobre elas; contudo, nos permite compreendê-las não mais (ou somente) como produtos de autorias, mas como produção cultu-ral e coletiva, contextual e histórica, a qual nos seus deslocamentos sofrem os efeitos de mudanças nas práticas que a produzem. Outrossim, interpre-tar as teorias como discursos permite identificá-las como artefatos constru-tivos de práticas, comunidades e identidades sociais ou sujeitos (TRIN-DADE, 2004b, p. 127).

Tomam-se as palavras da autora para enfatizar que as grandes fases por que passaram a alfabetização no Brasil – a dos métodos, a da psicogênese, a do letramento e a influenciada pela linguística – são construções discursivas que mar-caram uma determinada época, podendo ser reconhecidas nos materiais que são analisados durante a apresentação deste texto.

Últimas reflexões

O conjunto de estudos aqui apresentados dá conta, ainda que de forma fragmentada, da trajetória do livro didático de alfabetização, enquanto artefato escolar que marcou as formas de aprender/ensinar a ler e a escrever no país, dando prioridades ora aos discursos dos métodos – sintético, analítico e misto – ora aos discursos da psicogênese, do letramento e da consciência fonológica.

Ao que parece, os livros produzidos pelo PNLD 2010 trazem a marca da bricolagem dos três últimos discursos trabalhados neste texto, dando mais desta-que a um ou a outro, dependendo do material produzido.

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Diante disso, acredita-se que os discursos da psicogênese, do letramento e da consciência fonológica serão a base de uma bricolagem que descreve o panorama atual que marcam as formas de pensar a alfabetização no Brasil na atualidade.

Em sendo a educação uma área em constantes mudanças de paradigmas e de concepções, novos livros didáticos para as turmas de alfabetização serão distri-buídos nas escolas ao longo do ano de 2013, trazendo em seu bojo novos princí-pios que poderão ser analisados futuramente, sobre as novas formas de pensar a alfabetização.

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CAPÍTULO VII

A LEITURA E A ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS

Rosemeire Messa de Souza NogueiraUniversidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Introdução

O artigo apresenta uma reflexão sobre o ensino-aprendizado da leitura e da escrita na Educação Infantil, a partir da teoria histórico-cultural, das entrevistas com as professoras caracterizadas na pesquisa (NOGUEIRA, 2009) e na prática docente na formação de professoras de Educação Infantil e professoras31 alfabeti-zadoras na Faculdade de Educação/UFGD.

Inicialmente, é importante destacar que, no Brasil, a partir da Lei nº 11.114/2005, as crianças de seis anos devem frequentar o primeiro ano do Ensino Fundamental. Sendo que na Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, a professora trabalha com as crianças de até cinco anos, conforme a LDBEN nº 9.394/1996. Mas, o Fórum de Educação Infantil do MS32, do qual esta pesquisadora é membro, orienta que se deve continuar incluindo as crianças de seis anos nos trabalhos práticos e de pesquisas, uma vez que as mesmas preci-sam ser atendidas considerando sua forma lúdica de aprendizagem e têm direito aos cuidados e à educação previstos para crianças pequenas e estabelecidos na Diretriz Curricular Nacional de Educação Infantil (Brasil, 2009).

31 Utilizam-se professoras, quando se refere às professoras entrevistadas ou porque na atuação docente da pesquisadora, esta trabalha com grande maioria de mulheres que são professoras na Educação Infantil ou alfabetizadoras. Mas é usado também professor, quando se trata do professor em geral.32 O Fórum de Educação Infantil do MS, parte do Movimento Interfóruns de Educação In-fantil do Brasil, é um movimento em defesa da Educação Infantil. A história desse movimento está disponível no site http://www.mieib.org.br/pagina.php.

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Hoje, o número de crianças que possui muito tempo de escolaridade e não consegue aprender a ler e a escrever, ou não compreendem o que leem, é elevado. Isso se se verifica nas pesquisas sobre alfabetização. Porém, os motivos que levam a essa situação não se reduzem à atuação do professor, mas às questões econômicas, políticas, sociais e culturais que provocam o não acesso à leitura e à escrita da po-pulação menos favorecida no Brasil (Freire, 1993 e Gatti, Silva e Espósito, 1990).

Para a reflexão sobre prática pedagógica utilizamos a expressão ensino da leitura e da escrita que está vinculada às seguintes expressões: processo de ensi-no-aprendizado da linguagem escrita, avanço na aprendizagem da leitura e da escrita, alfabetização em sentido amplo e letramento. Com isto, compreendemos que essas expressões e termos caminham no mesmo sentido, estão em contrapo-sição às práticas de alfabetização, que buscam o ensino restrito apenas ao código alfabético.

A perspectiva do letramento ganhou espaço significativo e colocou a alfa-betização como um processo indissociável do letramento, sendo processos consi-derados interdependentes. Segundo Soares (2004), na perspectiva do letramento, a criança e o adulto, que aprendem a ler e a escrever, aprendem ao mesmo tempo os costumes sociais do uso da escrita e o sistema de escrita.

Então, nessa perspectiva, letramento e processo de alfabetização são inse-paráveis, mesmo que ocorram momentos em que, didaticamente, é preciso foca-lizar o ensino do código alfabético. Nas palavras da referida autora:

A entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema con-vencional de escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e de escrita – o letramento. (SOARES, 2004, p. 14, grifos da autora).

O conceito de letramento está próximo ao de alfabetização em sentido amplo, defendido por Simões (2000), é quando a alfabetização é compreendida como envolvimento da criança em experiências de leitura e de escrita, com acesso a diferentes tipos de gêneros de textos – poesias, histórias fantásticas, contos de fadas, parlendas, etc., e, ao mesmo tempo, o trabalho pedagógico faz com que a criança questione o uso de letras, faça tentativas de escrita e de leitura de palavras e de pequenos textos.

Para nós, a criança, desde as suas primeiras experiências com a leitura e a escrita, já começa a ter um aprendizado, aos quatro e cinco anos ela continuará a avançar nessa aprendizagem. Ao final desse período, a aprendizagem completa, in-

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cluindo o entendimento do código alfabético com compreensão pode ocorrer, mas, mesmo que não aconteça, o trabalho pedagógico pode possibilitar a futura aprendi-zagem, possibilitando que aos seis ou sete anos ocorra essa compreensão completa.

Dizemos que, em determinado momento da aprendizagem, a criança ain-da não aprendeu de “forma completa” a ler e a escrever um texto, mas que com o passar do tempo e com uma intervenção pedagógica adequada irá aprender. Esse aprender de forma completa significa a compreensão da escrita como linguagem, utilizada para comunicação, memória, busca de informações e o conhecimento do código. Este último permite a codificação e decodificação de textos, o que pode acontecer em diferentes idades, cinco, seis, sete anos. Sabemos, entretanto, que a aprendizagem da leitura e da escrita continua por toda a vida, pois é um saber que precisa sempre ser aperfeiçoado.

Na Educação Infantil, a leitura e a escrita devem estar presentes no plane-jamento e nos trabalhos cotidianos. Devem ser utilizadas como meio de comu-nicação e como recurso de memória pelas professoras junto com as crianças, evi-denciando a função social da escrita. Sendo a leitura apresentada como a grande estimuladora da aprendizagem da escrita, acompanhada das tentativas de escrita da criança auxiliadas pela professora.

Com os bebês, o trabalho com as diferentes linguagens precisa estar pre-sente com falas, gestos, músicas, movimentos, brincadeiras, sendo que a escrita e a leitura sejam um costume manifesto em todo o ambiente. Porém, especialmente, a professora de crianças de quatro a cinco anos tem mais possibilidades de utiliza-ção da leitura e da escrita, seja quando lê histórias, poesias, jornais, panfletos, re-ceitas, ou quando planeja uma brincadeira de teatro, a montagem de uma banda de música, uma visita ao museu, ao parque, a construção de um brinquedo etc. E, também, quando escreve diante da criança, propiciando situações de ensino--aprendizagem ou levando-a a exercitar sua maneira própria de escrever, a levantar hipóteses, a inventar formas de escrita e a imitar a escrita convencional.

Aos seis anos o letramento está em curso e continuará, mas a interven-ção pedagógica pode fortalecer a sistematização do código, ampliando a análise de unidades menores que a palavra, favorecendo a aprendizagem do sistema al-fabético. Nesse momento também é fundamental que a professora coloque no planejamento de ensino o uso das diferentes linguagens, tornado o processo de alfabetização mais rico e desafiador.

Nesse sentido, a prática pedagógica para o desenvolvimento de diferentes linguagens, letramento e alfabetização precisa ser planejada por um corpo do-

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cente que atue na educação da criança de zero a seis – sete anos. Esta prática é fruto dos estudos, das vivências e das elaborações do professor. Então, a prática pedagógica, é uma ação intencional que necessita de planejamento e é fruto das concepções e entendimentos do professor. Neste texto, a prática pedagógica está vinculada ao termo ensino.

Passamos a refletir sobre a prática pedagógica na Educação Infantil, a partir da teoria histórico-cultural.

O ensino-aprendizagem da leitura e da escrita

Para pensar sobre a prática das professoras de Educação Infantil nos as-pectos que envolvem a leitura e a escrita, recorre-se aos conceitos e aos aspectos teóricos gerais apresentados por Vygotsky (1984; 1991), sendo:

• primeiro: o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que significa que as crianças auxiliadas pelos adultos podem realizar ações que sozinhas não conseguiriam. Esse auxílio da pessoa mais experiente provoca a cons-tituição da zona de desenvolvimento proximal, que possibilita entender a importância da aprendizagem realizada junto com outra pessoa. Com isso, temos condições de entender “[...] os futuros passos da criança e a dinâmi-ca de seu desenvolvimento” (Vygotsky, 1984, p. 113-115), evidenciando que a aprendizagem é fonte de desenvolvimento;

• segundo: a linguagem oral, os gestos, o desenho, as brincadeiras e os jo-gos também propiciam o desenvolvimento da leitura e da escrita. São linguagens aprendidas na vida social, sendo que uma sustenta e possibilita a outra.

Ao assumir essas diretrizes, pode-se afirmar que a professora pode contri-buir com o desenvolvimento da criança e organizar a instituição de Educação Infantil e as atividades para que ocorra um avanço significativo de formas cada vez mais simbólicas de representação. Assim, atuar com vistas ao desenvolvimento próximo é oferecer oportunidades para que a criança desenvolva sua linguagem e seu entendimento da leitura e da escrita.

A teoria de Vygotsky mostra a utilização da linguagem oral como instru-mento de pensamento, esse fenômeno é constituído em um processo dinâmi-co, o qual promove uma transformação intelectual, que possibilita desenvolver a

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memória, o conhecimento e a capacidade de planejamento. A criança primeiro aprende a linguagem como comunicação junto aos seus pares e depois esse “[...] aprendizado se transforma em função mental interna que fornece os meios fun-damentais ao pensamento” (Ibid., p. 114).

Contudo, Vygotsky (1988) mostra que não é somente a oralidade que pos-sibilita a aquisição de formas mais complexas de relação com o mundo. A escrita também promove o desenvolvimento humano, sendo que a linguagem gestual e os desenhos são integrantes desse processo. Desse modo, em Vygotsky (1988, p. 116), aprender a escrita é aprender outra linguagem, que representa a fala. Por isso, é mais abstrata e fornece grandes transformações na criança.

Assim, o aprendizado da escrita promove desenvolvimento e, no modo de pensar aqui proposto, o ensinar precisa ter estratégias adequadas. O ato de ensinar crianças, especialmente, de quatro a seis, sete anos, deve possibilitar a utilização de diferentes linguagens, dando oportunidade à expressão através da fala, do de-senho, do gesto, da representação de cenas do cotidiano, e da leitura e da escrita ainda incompletas. O autor analisa criticamente o ensino e afirma:

Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensinam-se as crianças a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal (VYGOTYSKY, 1984, p. 119).

O autor trata da necessidade de o professor desenvolver um método de ensino que considere o desenvolvimento da criança, semelhante ao que acontece com a fala de forma que a criança vivencie a linguagem escrita no ambiente histó-rico-cultural. Entende-se que o contato com a escrita de textos, com as histórias, com os livros precisa estar disseminado na instituição de Educação Infantil, fazen-do parte das produções do professor e das crianças, de maneira que o momento do ensino das letras ocorra cheio de significado, pois a criança já sabe que a escrita é “um desenho da fala”.

Ao contrário dessa atitude, o autor alerta que o ensino da escrita feito ape-nas como técnica ou treinamento acaba por exigir um grande esforço do professor e das crianças. Se dessa forma, o ensino aborda a escrita pela escrita, pois a torna voltada para si mesma, distanciando-a de seu uso sociocultural (VYGOTSKY, 1984, p. 119).

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Para que isso não ocorra, é importante compreender que a aquisição da es-crita acontece em um longo processo. Resumindo os processos apresentados por Vygotsky (1988), tem-se que: inicialmente, a escrita pode ser um gesto, um dese-nho; depois, quando a criança aprende a escrita convencional, a princípio, o ler e o escrever são representações de segunda ordem; e, por fim, com o passar do tempo, com a utilização adequada da linguagem escrita, esta se torna de primeira ordem, passando a representar o mundo de forma direta nas estruturas de pensamento. Sendo que os principais aspectos teóricos desse processo de aquisição da linguagem escrita envolvem outras linguagens como gestos e desenhos.

Gestos, desenhos e escrita

Vygotsky (1984, p. 120) destaca que o aprendizado da escrita é o ponto culminante de “[...] um longo processo de desenvolvimento de funções com-portamentais complexas [...]”. Esse processo de aprendizagem não se constitui em uma linha progressiva, mas é repleto de descontinuidades. De maneira que o aprendiz apresenta elaborações sobre a escrita e que muitas vezes são abandonadas em favor de novas elaborações.

A História da escrita na criança começa com o surgimento do “gesto como um signo visual” (VYGOTSKY, 1984, p. 121). Esse entendimento nasce funda-mentado, primeiro, na História da escrita na humanidade e, segundo, na vida da criança.

No que se refere ao desenvolvimento da escrita na História social, Vy-gotsky (1984, p. 121) concorda com Wurth e defende que o gesto é a primeira forma de representação, pois as designações simbólicas das antigas pictografias se originaram da linguagem gestual.

Quanto ao desenvolvimento da escrita na criança, o autor afirma que, pri-meiro, os desenhos iniciais, os rabiscos, são precedidos por gestos. Vygotsky fez testes com crianças, aproveitou de experiências e estudos feitos por outros psicólo-gos e compreendeu que os rabiscos são uma forma de suplemento do gesto. Assim, a criança representa, por exemplo, o ato de correr, primeiro, nas mãos e depois rabisca, com isso surgem traços e pontos. Ao desenhar objetos, ela representa a característica geral dos mesmos, se redondo, por exemplo, faz uma linha circular fechada. Para representar conceitos complexos, a criança não desenha, apenas marca com o lápis o gesto indicativo. Por exemplo, para representar uma expressão do tipo “bom tempo”, a criança faz um risco horizontal dizendo que é a terra e

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outros em vários sentidos dizendo que é o tempo bom (VYGOTSKY, 1984, p. 121-122). Essas três formas de rabiscos trazem uma forte relação com o gesto.

As brincadeiras e os jogos também são atividades que estão relacionadas aos gestos e à futura escrita, pois constituem o desenvolvimento do simbolismo na criança. Nas palavras de Vygotsky (1984, p. 122), entre o uso dos jogos o “[...] mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilida-de de executar, com eles, um gesto representativo”. Assim, a amamentação de um bebê pode ser representada ao segurar uma trouxinha de panos acompanhada do gesto, ou seja, o movimento social de amamentar. O objeto trouxinha torna-se um signo, que significa bebê, como o rabisco que significou “bom tempo”.

De acordo com o referido autor, a partir de representações desse tipo, crianças de três anos podem “ler” situações representadas pelo pesquisador. Já as crianças de quatro e cinco anos podem ler representações mais complexas, por exemplo, em cenas com trocas de objetos reais por outros. O que mais importa para as crianças é a maneira como o objeto se comporta na cena. Desse modo, se um lápis representa uma determinada pessoa, logo ele deve adquirir alguns movimentos da pessoa representada. Dessa forma, o objeto está aliado ao gesto.

As crianças com mais idade, cinco/seis anos, além de um objeto represen-tar outro, elas passam a vê-los como substitutos, porque passam a ver neste uma característica do objeto real, por exemplo: o livro é a floresta, uma vez que é preto e escuro como a floresta. Segundo Vygotsky (1984, p.125),

Assim, como no brinquedo, também no desenho o significado surge, inicialmente, como um simbolismo de primeira ordem. Como já dissemos, os primeiros desenhos surgem como resultado de gestos manuais (gestos de mão adequadamente equipados com lápis) e o gesto como vimos, constitui a primeira representação do significado. É somente mais tarde que, independentemente, a representação gráfica começa a designar algum objeto.

Diante do exposto, entende-se que, no segundo momento, a atividade simbólica nos desenhos e nos jogos passa a representar diretamente os objetos. Transforma-se de uma representação de segunda ordem para uma de primeira ordem, assim como ocorre com a escrita.

Vygotsky (1984, p. 128) discute alguns momentos do desenvolvimento do desenho na criança e o quanto este se torna cada vez mais próximo de uma escrita, nos termos de Luria (1988), de uma “escrita por imagem”. A passagem dos rabis-cos para desenhos com significados e intencionalidade para a criança é marcada pelo desenvolvimento da fala. Assim, a fala passa a acompanhar os desenhos.

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Nas explicações de Vygotsky (1984, p. 127-128), os primeiros desenhos guardam as seguintes características:

• são feitos pelo conhecimento que a criança possui sobre os objetos, ou seja, pela memória que guarda destes, por isso não olha para o modelo;

• há formas desenhadas em raios-x, porque é possível ver o conteúdo interior dos objetos, isso significa que a criança sabe que existe coisas nos interiores e sente necessidade em registrá-las;

• a criança produz figuras esquemáticas, pois não se preocupa em desenhar os objetos como realmente são, por isso desenha partes significativas e dei-xa outras (por exemplo: o corpo humano contendo apenas cabeça, braços e pernas). Ela sabe das partes do corpo humano, mas está satisfeita com seu esquema;

• no desenho mais próximo da escrita, a criança produz figuras representati-vas de frases ou histórias.

Os aspectos apresentados pelo autor dão uma ideia mais clara do papel das representações pela criança por meio dos gestos, dos brinquedos e do desenho. Vygotsky (1984), por meio de testes e de reflexões, conclui que essas são repre-sentações que possuem proximidade com a escrita e que encaminham as crianças para a compreensão do significado social da escrita, auxiliando-as, futuramente, a ler e a escrever.

Rabiscos, imagens e escrita

Luria (1988), colaborador de Vygotsky, ressalta que as primeiras ideias sobre a escrita na criança se constituem na “pré-história” da escrita individual, expressando-se nas seguintes palavras:

Mesmo antes de atingir a idade escolar, durante, por assim dizer, esta ‘Pré--História’ da escrita individual, a criança já tinha desenvolvido, por si mes-ma, certo número de técnicas primitivas, semelhantes àquilo que chama-mos de escrita e capazes, até mesmo, de desempenhar funções semelhantes (LURIA, 1988, p. 144, grifo do autor).

Essas técnicas desenvolvidas pela criança são um suporte importante no processo de aprendizado da escrita. Luria (1988), para descrever os caminhos

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percorridos pela criança, antes do aprendizado efetivo da escrita, organizou a se-guinte experiência: trabalhou com crianças de quatro a sete anos que não sabiam escrever e pediu a elas que ouvissem com atenção de quatro a oito sentenças, pois, no dia seguinte, pediria que se lembrassem. Para auxiliá-las na tarefa, ofereceu--lhes papel e lápis para registrarem as sentenças. No dia seguinte, pediu que elas se recordassem do que fora solicitado. Os dias se passaram e os testes continuaram. Aos poucos, as crianças procuraram registrar no papel, esforçando-se para fazerem um registro que pudesse ajudá-las a recordarem as sentenças.

Os traços das crianças, a cada dia, tornavam-se mais detalhados e buscavam cumprir da melhor maneira a tarefa pedida. Luria, em seu estudo, conforme as di-ferenças de desenvolvimento da escrita eram percebidas nas crianças, descreveu uma evolução utilizando os termos: rabiscos diferenciados, escrita topográfica, rabiscos diferenciados e a escrita por imagem ou pictografia.

Os rabiscos indistintos foram produzidos por crianças que não veem a escrita como um instrumento no registro das falas. Esses rabiscos apenas cum-prem a tarefa de registrar e são imitações da escrita convencional, no caso dos experimentos de Luria (1988, p. 149-155), são linhas em forma de ziguezague ou linhas circulares.

A escrita topográfica é, em sua aparência, semelhante ao rabisco indistin-to, mas a criança a utiliza como um auxilio à memória. A partir dessa escrita, a criança consegue recordar as sentenças que registrou. Ela obtém esse êxito, porque escreve as sentenças, colocando cada rabisco em uma parte do papel. Por isso, depois, quando questionada, consegue relembrar o que escreveu.

Os rabiscos diferenciados são, para Luria, uma descoberta das crianças que as auxiliam a lembrarem-se das sentenças por ele ditadas. É quando as crianças criam sinais e marcas específicas para cada sentença. Em outras palavras, o rabisco ganha significado, transformando-se em signo.

O autor afirma que seus experimentos mostram o caminho do desenvol-vimento da escrita.

Nossos experimentos garantem a afirmação de que o desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um caminho que podemos descre-ver como a transformação de um rabisco não diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Nesta seqüência de acontecimentos, está todo o caminho do desenvolvimento da escrita, tanto na História da civilização, como no desenvolvimento das crianças (LURIA, 1988, p. 161).

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Essa transformação indica que o experimento funciona também como um estímulo à escrita das crianças. De forma que algumas fazem os rabiscos indife-renciados e podem evoluir para os pictogramas, uma verdadeira escrita por ima-gem, fato semelhante ao que aconteceu na História da humanidade.

Luria (1988), em seus testes, percebe que, conforme o conteúdo das frases ditadas, algumas provocam diferenciações nas escritas das crianças de quatro anos e meio. As frases que contém quantidades são registradas com rabiscos diferentes, sendo depois facilmente identificadas pelas crianças. As que definem tamanhos, formas e cores e contêm objetos conhecidos encaminham para a pictografia. Assim, surgem sequências de desenhos e rabiscos diferenciados que garantem a memória da sentença pedida. Os desenhos dessa forma utilizados ganham uma nova função intelectual, a de serem usados como um recurso de memória, com a intenção de expressar uma mensagem para mais tarde ser lida e compreendida.

Para Luria (1988, p. 173), aos cinco e seis anos, a escrita por imagem está plenamente desenvolvida e só não está quando, antes disso, a pictografia dá lugar à escrita alfabética simbólica. Por isso, as técnicas desenvolvidas pelas crianças são uma condição necessária para a aprendizagem da escrita.

Entende-se que é importante a professora perceber a diferença entre o de-senho e a pictografia. Essa diferença consiste no fato de a criança relacionar o desenho como um meio auxiliar de memória, com isso aparecem histórias ou mensagens desenhadas. Essa percepção auxilia a professora nas tomadas de deci-são quanto ao início do ensino de letras (grafemas e fonemas).

Luria (1988, p. 176) dá sequência aos seus experimentos, querendo saber qual é o limite entre a pictografia e a escrita simbólica na criança. Por isso, apresentou sentenças que não podiam ser representadas por desenhos, por exem-plo: há mil estrelas no céu. As crianças apresentaram duas soluções, a primeira foi a de desenhar uma cena que possibilitasse a lembrança da sentença, sendo esta uma representação indireta, pois no lugar de desenhar o objeto desenha o contexto, ou desenhar uma parte da sentença que a ajude a lembrar da sentença inteira; a segunda solução foi registrar a partir de uma marca arbitrária inventada pela criança. Essas situações foram detectadas por Luria (1988, p. 179-181) e, segundo o autor, ao proceder assim a criança já está no limite para a descoberta da escrita simbólica, tal reação apareceu em crianças de seis e sete anos.

É interessante perceber que, nesse processo de evolução da escrita, o dese-nho torna-se cada vez mais simbólico, de forma que (primeiro) ocorre o desenho

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da cena, (segundo) o desenho de parte da sentença e (terceiro) o traçado de um rabisco representativo.

Luria (1988, p.180) afirma que o desenvolvimento da escrita não é linear, pois não ocorre um constante aperfeiçoamento até chegar a um final. A criança descobre técnicas de escrita, como estratégias de leituras. Essas técnicas são subs-tituídas uma pela outra. Em cada técnica ocorrem aperfeiçoamentos até o aban-dono, assim uma descoberta dá lugar a outra.

Entende-se que, por exemplo, uma criança aperfeiçoa a técnica de escrita por imagem, até perceber que com ela não pode registrar tudo o que deseja e, por isso, abandona-a em favor de outra. Se, nesse momento, a criança tem acesso à es-crita alfabética, e acredita que esta pode ser melhor, então passa a tentar entender. Defende-se que se uma criança não estiver convencida de que essa é uma escrita melhor, ela pode não se esforçar para realizar essa compreensão. Esse convenci-mento ocorre quando a criança percebe que a escrita alfabética é mais completa e é utilizada em larga escala na sociedade.

Nesse sentido, o difícil trabalho da professora de Educação Infantil é des-cobrir as interpretações da criança e buscar estratégias para fazê-la avançar em seu aprendizado. E, principalmente, fazer a intervenção pedagógica correta, para que a criança não abandone a ideia que a levará ao entendimento do código. Nesse momento inicial, é importante não apresentar a sistematização em sílabas, sole-trações e, sim, ajudar o educando a conhecer o alfabeto, as palavras começadas ou terminadas com sons semelhantes, brincar de rimas e escrever palavras signi-ficativas.

É importante entender que no trabalho de promoção do aprendizado da escrita, a criança abandona técnicas por ela inventadas, como uma espécie de recurso na busca de formas mais simbólicas. Mas o desenho como forma de expressão deve acompanhar todo o percurso, até mesmo com as crianças do Ensino Fundamental. Assim, os gestos e os desenhos são formas de expressão que podem se tornar bastante elaboradas e satisfazer a sensibilidade artística e comunicativa até na vida adulta.

Vygotsky (1984, p.130), ao comentar as experiências de Luria, destaca que a passagem dos rabiscos indiferenciados para os diferenciados representam tam-bém a passagem dos gestos indicativos para o início da representação, quando o rabisco ganha significado. O autor afirma que:

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É fácil perceber que, nesse ponto, os sinais escritos constituem símbolos de primeira ordem, denotando diretamente objetos ou ações e que a criança terá ainda que evoluir no sentido do simbolismo de segunda ordem, que corresponde a criação de sinais escritos representativos dos símbolos fala-dos das palavras. Para isso a criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que se pode desenhar letras, além de coisas também a fala (VYGOT-SKY, 1984, p. 130-131).

Esse autor dá muita ênfase ao caminho que as representações fazem do exterior para o interior, da passagem de representações de segunda para primeira ordem. Esse movimento destaca-se da seguinte forma:

• Na linguagem oral: no início, a criança fala somente com os outros, depois fala consigo mesma (fala egocêntrica), a seguir interioriza a fala e a utiliza como instrumento de pensamento.

• Na linguagem gestual: a criança inicia com os gestos, depois desenha e faz gestos, a seguir utiliza o desenho como linguagem direta.

• A escrita, iniciada com apoio da fala, é uma representação de segunda or-dem e torna-se de primeira ordem quando o entendimento da escrita não necessita do acompanhamento da fala, é interiorizada, torna-se instrumen-to de pensamento.

Dessa forma, compreende-se que para algumas crianças, escrever é imitar, como um ato exterior, é escrever no ar, é desenhar, é brincar de faz-de-conta. Para outras, é um desenho com sequência, uma escrita por imagem que as ajuda a se lembrar da história. Para muitas, é inventar um rabisco, um símbolo que as auxilia a relembrarem uma sentença. E há crianças que entendem que escrever é escrever com letras, é aprender o alfabeto, tudo acompanhado de desenhos, brin-cadeiras, jogos de dominós, caça-palavras, etc.

De acordo com Vygotsky (1984), a fala é o apoio mais importante, porém o desenho e os gestos também acompanham esse desenvolvimento e, por isso, o professor utiliza métodos de ensino que colocam os gestos e os desenhos como recursos.

[...] vários dos métodos existentes de ensino da escrita realizam isso. Muitos deles empregam gestos auxiliares como um meio de unir o símbolo falado ao símbolo escrito; outros empregam desenhos que representam os objetos apropriados. Na verdade, o segredo do ensino da linguagem escrita é pre-

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parar e organizar adequadamente essa transição natural. Uma vez que ela é atingida, a criança passa a dominar o princípio da linguagem escrita, e resta então, simplesmente, aperfeiçoar esse método. (VYGOTSKY, 1984, p. 131).

Assim, a prática pedagógica, que tem como base o desenvolvimento das linguagens, contribui de forma decisiva para o crescimento intelectual da crian-ça. A professora que proporciona a produção dos desenhos, das brincadeiras livres de faz-de-conta, apoiadas por uma adequada organização do espaço, que conta com brinquedos de apoio, está oportunizando esse crescimento. É impor-tante também o estímulo à linguagem gestual, à escrita espontânea da criança e um trabalho em que a alegria de brincar seja o elemento constante do plane-jamento educativo.

Em vários momentos, a pesquisa de Luria mostra o quanto as crianças es-tavam interessadas em participar dos testes e o como elas se esforçavam para cum-prir a tarefa estimuladora. Entende-se que esse fato seja um exemplo de trabalho com a criança, vista pelo pesquisador como sujeito capaz de criar e de entender.

Do mesmo modo, Vygotsky dá exemplos concretos que auxiliam a pensar a prática na Educação Infantil e fornece uma fundamentação importante para o trabalho de pesquisa que coloca em foco a prática docente. Também, apresenta subsídios para o trabalho de formação de professores para essa etapa da Educação Básica. Assim, a prática docente na Educação Infantil pode aproveitar desses pres-supostos teóricos que nasceram da reflexão sobre fatos da vida.

No que se refere à idade para ensinar a escrita, Vygostsky (1984, p. 132-133) considera adequado que esta seja ensinada para as crianças de seis anos, como uma atribuição da pré-escola, mas tece crítica severa ao ensino mecânico, que está longe de ajudar a criar na criança a necessidade da escrita. Para ele, a escrita deve ser ensinada como uma linguagem no interior de seu uso cultural.

A leitura e a escrita na educação de crianças entre os quatro e seis anos

Vygotsky (1984) defende que o trabalho de alfabetização deveria estar na pré-escola, aos seis anos de idade, porém que não seja ensinada como técnica, mas como criação de uma necessidade. Mas, como se tem hoje uma Educação Infantil com crianças de até cinco anos, precisa-se ter mais atenção, planejar detalhada-mente o trabalho pedagógico com as crianças de cinco e seis anos, considerando que é um período de transição entre Educação Infantil e Ensino Fundamental.

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Entre os autores que utilizam a teoria de Vygotsky para fundamentar seus trabalhos, todos concordam com o trabalho com as múltiplas linguagens, com a busca de criação da necessidade da leitura e da escrita, como se pode ver em Gar-cia et at (1993 e 2000), Simões (2000) e Mello (2005).

Porém, para Mello (2005), o ensino da leitura e da escrita não deve ocorrer, uma vez que a Educação Infantil deve ter como centro as brincadeiras e, princi-palmente, o faz-de-conta.

Mello (2005, p. 24) preocupada com a concepção de “boa educação in-fantil” como aquela que sistematiza a escrita e, rapidamente, consegue alfabetizar, discute o ensino da escrita e essa concepção. A autora convida pais e professores a verem nas brincadeiras formas ricas de aprendizagens. Com base nas ideias de Vygotsky, defende que a aprendizagem da escrita é um longo processo em que o gesto e o desenho aparecem primeiro. Por isso, é preciso que os professores consi-derem esse pressuposto e ajudem as crianças a desenvolverem o desenho, a fala, o faz-de-conta, a dança, a pintura, o que auxilia na aprendizagem da escrita.

Assim, a autora defende e concorda-se com ela de que a necessidade da leitura deve nascer junto com a necessidade de conhecer e de expressar-se em di-ferentes linguagens, nos passeios, nas leituras de histórias, de poesias e de música (Mello, 2005, p. 30).

Simões (2000) aborda a questão do ensino da escrita com as crianças de seis anos, na antiga pré-escola, analisando o papel da literatura infantil durante o processo de aquisição da escrita. A autora, com base nas pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1985) e Smolka (2000), analisa a aprendizagem da escrita considerando que desde os dois anos as crianças começam a elaborar hipóteses sobre a escrita.

Simões (2000) mostra que desde tenra idade, a literatura infantil, rica em desenhos e narrativas, contribui com a aprendizagem das linguagens oral e escrita e aos quatro anos já auxilia no entendimento das emoções, pois, durante a leitura, a criança percebe conflitos, alegrias e tristezas, além de discutir as temáticas com a professora e com os colegas.

A referida autora explica que a riqueza das imagens descritas e ilustradas na literatura infantil alimentam os sonhos e a criatividade, uma vez que o mundo imaginário estimula as expressões oral, escrita e imagética. Toda essa possibilidade significa avanços no desenvolvimento da função simbólica, dando passos signifi-cativos em direção à aprendizagem da escrita.

A autora sugere ainda à antiga pré-escola de seis anos, o incentivo à escrita com o estudo da similaridade dos sons nas palavras, para que a criança ouça com atenção

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as semelhanças de sons. Para essa atividade, a professora pode utilizar-se da leitura de parlendas e de poesias com rimas e também representar “[...] graficamente essas pala-vras, ao fazer a relação entre fonemas e grafemas [...]” (Simões, 2000, p. 27).

Infere-se que esse trabalho de início de conhecimento fonológico também pode ser feito hoje com as crianças de cinco anos na Educação Infantil, com todos os cuidados para que não se perca a função social da escrita.

A partir das autoras estudadas, sugere-se que as professoras de crianças de quatro a seis anos, além da leitura da literatura, estimulem a reprodução das histó-rias por meio da oralidade, dos desenhos e da escrita, mesmo que as crianças não saibam a escrita formal. Essa reprodução, muitas vezes, é favorecida pelos pedidos da criança para que a professora conte novamente a mesma história, de forma que elas aprendam (memorizem) o texto e depois possam ler e escrever de faz-de-conta.

Contudo, é importante destacar que, na idade de cinco anos e também nas idades subsequentes, o professor precisa continuar trabalhando com a escrita como linguagem, aliada às outras linguagens. Dessa forma, o professor que atua com a infância do zero aos dez anos pode cumprir a importante função de formar crianças que sabem e têm prazer em ler e em escrever.

Considerações finais

Diante do exposto, considera-se prejudicial à criança de quatro a seis anos o alfabetizar como objetivo único, quando se coloca em segundo lugar a forma lúdica de ensino-aprendizado e com avaliações que incluem provas e exa-mes. As avaliações do ensino e da aprendizagem devem servir para verificar se os objetivos de cuidado-educação estão sendo atingidos na instituição, buscando os elementos para aperfeiçoar o trabalho pedagógico.

Desse modo, a partir dos seis anos, dependendo das condições sociais em que a prática docente é desenvolvida, a criança pode vir a ler e a escrever da forma convencional, escrevendo, lendo e compreendendo o que lê e o que escreve.

O letramento e a alfabetização em sentido amplo devem estar presentes na Educação Infantil e no primeiro ano do Ensino Fundamental. Com isso, a atuação da professora, a sua concepção sobre o ensinar a ler e a escrever na Educação Infantil e a sua opção metodológica, definem o tipo de trabalho a ser realizado.

Compreender o que é ensinar na Educação Infantil é um sério debate. Os diferentes estudiosos da Educação Infantil estão corretos nas análises desse momento delicado. Na prática cotidiana da Educação Infantil com crianças de

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quatro a cinco anos, as professoras entrevistadas mostram que possuem muitas dúvidas sobre esse ensinar.

Pode-se dizer às professoras que, seguramente, é importante proporcionar a leitura, a escrita, o teatro, o faz-de-conta, as brincadeiras de roda, o desenho. Podem escrever cartazes, os nomes das crianças, planejar seu trabalho, estimular as crianças para a escrita e a leitura. Pois, o mais importante é desenvolver trabalhos que neces-sitem da leitura e da escrita como instrumento de registro e memória. Desse modo, com os registros a criança compreende a função social da escrita e, com o tempo, será capaz de ler e de representar a escrita por imagem aliada à escrita convencional.

Buscando uma resposta ás dúvidas das professoras entrevistadas, pode-se dizer que na Educação Infantil podem ser evitadas as seguintes ações: a silaba-ção; o ensino de letras de forma descontextualizada, fora do texto; o ensino de exercícios repetitivos de coordenação motora (como curvas, retas e bolinhas);o ensino de vogais com repetições de a, e, i, o, u. Além disso, não é necessário ensinar, por exemplo, exercícios que não colocam nenhum desafio à criança, tais como os desenhos mimeografados para pintura e os trabalhos padronizados e sem identidade, sem criatividade, exercícios que apenas obedecem à estética definida pelo adulto. E outra resposta é dizer que o ensino é a melhor forma de promover o desenvolvimento integral na infância, a exemplo do título do texto de Luria (1988), como prática de promover “O desenvolvimento da escrita na criança”, sem dúvida esse é o início do processo de alfabetização.

Para Arce e Martins (2007), a criança aprende na relação com o outro, me-diada pela linguagem e a professora é mediadora dessa aprendizagem por meio do ensino. No mesmo livro, Stemmer (2007) descreve e analisa sua prática como professora alfabetizadora. Uma prática rica em ludicidade, desenvolvimento de lin-guagens, arte, etc. Para isso, o papel do professor é relevante, pois as crianças não se interessam pelo que não conhecem, ou por exercícios sem sentido, repetitivos.

Entretanto, é preciso tomar cuidado para que a obrigatoriedade em ensinar a codificar e a decodificar não seja enviada para a Educação Infantil. É preci-so primar pelo trabalho livre do professor, aquele que proporciona o avanço do aprendizado da leitura e da escrita, criando um ambiente estimulante para os atos de ler e de escrever. Assim, livre de pressões, o professor pode ensinar brincando.

É importante lembrar que para o desenvolvimento de um trabalho como o de Stemmer (2007), é preciso ter boas condições de trabalho. Para crianças que vivem em instituições cerca de dez horas por dia, sem ter contato com a natureza, sem direito de brincar livremente, esse tipo de ensino não é possível.

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Portanto, entende-se que a Educação Infantil de quatro a cinco anos é o espaço para a prática pedagógica planejada e, compreende-se sua função a partir da definição dos direitos da criança descritos em Rosemberg e Campos (1995): promover as brincadeiras infantis; oferecer um ambiente seguro e estimulante; oferecer alimentação saudável; cuidar da higiene e da saúde; promover atividades que desenvolvam a curiosidade e a imaginação da criança; dar afeto, proteção e amizade. E, acrescentamos, ainda: estimular a criança a participar do mundo da escrita de forma lúdica e em meio às outras linguagens.

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CAPÍTULO VIII

A ALFABETIZAÇÃO NA CORTE: O MÉTODO DE ENSINO E DE LEITURA CONCRETIZADO NAS LIÇÕES DE COISAS

Ana Paula Gomes ManciniUniversidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Introdução

O estudo aqui proposto parte do princípio em abordar a alfabetização numa perspectiva histórica. Cumpre destacar que pesquisas desenvolvidas, no final da década de 1980 e na década de 1990, sobre a produção de conhecimento no campo da alfabetização (Soares, 1989; Soares & Maciel, 2001) apontavam a incipiente produção de estudos nacionais que visavam a abordar a alfabetização numa perspectiva histórica. Essa constatação provocou, na década de 1990 e no início de 2000, o surgimento de estudos com essa finalidade (Mortatti, 2000; Trindade, 2004; Scocuglia, 1997; Silva, 1998; Bertoletti, 1997; Maciel, 2001; Mello, 2002; Santos, 2001). Desse modo, é possível identificar uma produção acadêmica incipiente, dispersa e ainda não analisada, que fornece elementos para pensar como essa abordagem vem sendo construída (GONTIJO, 2011, p. 103).

Esta pesquisa é parte de um trabalho cuja finalidade foi investigar os mé-todos de ensino utilizados nas escolas públicas do Município da Corte, no século XIX, com o intuito de abordar a alfabetização numa perspectiva histórica. Este texto tem como objetivo discutir e analisar o método de ensino da leitura e da es-crita concretizado na Decisão nº 77 do Império, de 6 de novembro de 1883, que aprova o Regimento interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do municí-pio. O método do qual trata esse Regimento é o Método Intuitivo, proposto na obra Primeiras Lições de Coisas, escrito por Norman Alisson Calkins, publicado pela primeira vez em 1861e traduzido por Rui Barbosa em 1886.

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O Regimento expressava, segundo Castanha (2011), tradição e moder-nidade na organização da escola primária imperial. A tradição prestava grande ênfase aos valores morais e cívicos que deveriam ser difundidos pela escola e ao controle do trabalho dos professores. O autor enfatiza também a difusão do mé-todo intuitivo, a articulação entre a leitura e a escrita e dos conteúdos escolares.

A organização do ensino no município do Rio de Janeiro, nomeado de Mu-nicípio Neutro, nos idos da instalação da Corte Portuguesa na cidade do Rio de Janeiro enfrentou desde o início sérios problemas. O ensino primário limitava-se a poucas aulas em cada freguesia. Como faltavam aulas oficiais, as aulas particu-lares começaram a se desenvolver de forma vultosa. Essas aulas precisavam de li-cença especial do governo imperial para que pudessem funcionar. A Lei nº 630, de 18 de setembro de 1851, concedia aos indivíduos livres, que comprovassem idoneidade, um prazo fixado para abrir escolas primárias e secundárias e para le-cionar em aulas avulsas particulares. Essa concessão era restringida aos estrangeiros, que somente poderiam ter a licença se metade dos professores fossem brasileiros.

Por volta de 1850, havia no Município Neutro 17 escolas públicas de pri-meiras letras situadas nas Freguesias de Santa Rita, Candelária, São José, Sacra-mento, Glória, Santana, São Cristóvão, Engenho Velho, Lagoa e Irajá.

Para prover as escolas públicas do número necessário de professores, havia os professores adjuntos, cargo criado com o Regulamento de 17 de fevereiro de 1854. Em seu capítulo III, o Regulamento normatizava o funcionamento das escolas públicas, suas condições e seu regime. Assim, nas escolas, era obrigatório o ensino de instrução moral e religiosa, da leitura e da escrita, das noções essen-ciais de gramática, dos princípios elementares de aritmética, do sistema de pesos e medidas do município. No seu art. 73, o Regimento deixa claro que o método adotado é o simultâneo, ou intuitivo a partir das lições de coisas.

A construção de uma rede escolar no Município Neutro, no final do sé-culo passado, mais precisamente a partir de sua segunda metade, com subven-ções ou subsídios da municipalidade, resultou dos esforços do governo geral do Município Neutro, que reformou o ensino primário com a edição do Decreto nº 1331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Essa reforma, dentre outras medidas, criou o Conselho Diretor da Instrução Pública na perspectiva de especializar e de cen-tralizar a fiscalização da rede escolar.

O Regulamento de Instrução Primária e Secundária do Município da Cor-te, assinado pelo Conselheiro e então Ministro do Império Luiz Pedreira Couto Ferraz, incorporou algumas de suas ideias: a obrigatoriedade do ensino primário

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elementar para crianças dos 7 aos 14 anos e a expansão da instrução para adultos e analfabetos. Às escolas primárias elementares cabia ensinar a ler, a escrever, a contar bem como a doutrina cristã e o sistema usual para pesos e medidas33. Determinava também que as crianças encontradas nas ruas fossem recolhidas e matriculadas nas escolas públicas ou subvencionadas pelo Estado. A intenção do governo era retirar essas crianças da rua, ensinar-lhes as competências já citadas e depois garantir que aprendessem um ofício que lhes desse sustento. As escolas primárias de segundo grau idealizadas na Lei de 15 de outubro de 1827 nunca foram criadas (MOACYR, 1993, p. 191).

No período de 1855 a 1865, foram criadas pelo Ministério do Império 16 escolas primárias na Corte. Nesse número as escolas particulares subvencionadas pelo governo é que tinham o objetivo de instruir as crianças pobres.

O Imperador Pedro II mandou construir prédios para o funcionamento de várias escolas a partir de 1870, já que as escolas primárias funcionaram durante muitos anos em prédios alugados pelo Governo Imperial. Entre elas estavam as Escolas de São Sebastião e Rivadávia Correa, ambas na Freguesia de Sant’Anna; a Escola José de Alencar, na Freguesia de Nossa Senhora da Glória; a Escola José Bo-nifácio, na Freguesia de Santa Rita; a Escola de São José, na Freguesia de São José; a Escola da Freguesia de São Francisco Xavier; a Escola da Freguesia de São Cristóvão e a Escola da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Gávea34.

Nas décadas de 1870 e 1880, houve uma grande proliferação de sistemas doutrinários que começaram a modificar o ambiente intelectual e influenciaram também as referências teóricas para os ensinos primário e secundário no Município Neutro. Entre esses sistemas, podem ser citados o Positivismo de Auguste Comte, as ideias científicas que depositavam na razão o progresso da Nação e as ideias repu-

33 No ano de 1872, adotava-se no Rio de Janeiro e no Brasil o sistema métrico decimal, fato que ocasionou uma pequena revolta na cidade, denominada “Motim do Quebra Quilos”. O carioca estava habituado ao velho sistema de pesos e medidas seguido pelo comércio: o arcaico sistema português que não obedecia a nenhuma regra, nem conhecia qualquer método. Balanças defeituosas e primitivas, com pedras funcionando como pesos, controla-vam as quantidades. Quando existiam balanças, pois na maior parte das vezes o peso ou a medida ficava a critério do negociante, ou melhor, à mão do negociante, pois este sopesava a mercadoria e exclamava: pode levar que está bem “pesadinho”. Com a implantação do novo sistema dos quilos e dos metros, moralizava-se o comércio. Mas o povo estranhou, não com-preendeu de pronto e muitas desordens foram promovidas, dando muito trabalho à policia. (MACEDO, 1992).34 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Códices sobre a instrução pública na Corte – 1870-1889. Códice - 11.4.23, 11.3.17, 11.3.27.

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blicanas que modificavam paulatinamente os cenários social, político, econômico e culturais, principal e inicialmente na Corte (SCHUELLER, 1997, p. 34).

Nesse ambiente, em que ideias fervilhavam, não havia dúvida de que a instrução pública, principalmente a primária, era vista como o baluarte do pro-gresso. Essa importância era justificada pela impossibilidade de os menos abas-tados conseguirem alcançar o ensino secundário, muito menos o superior, que era destinado às castas intelectuais. Nessa época, os Ministros do Império e os Diretores de Instrução Pública estavam sempre discutindo sobre as possibilidades de reformas, regulamentos e planejamentos, para modificar a organização da ins-trução pública na Corte.

Educar e formar para o magistério era uma atribuição importantíssima do Estado e um dever constitucional segundo as considerações do Ministro do Império João Alfredo Correa de Oliveira, que esteve à frente da pasta do Império entre 1871 e 1879.35

No ano de 1881, o professor da Corte, José Bernardes Moreira, em nome da Delegacia da Freguesia de Santa Rita, acrescentou que a boa organização de uma escola dependia do método de ensino e dos respectivos processos, e consi-derava de suma importância que o poder competente mandasse melhor localizar as escolas, de forma que todas guardassem igual distância para que a frequência ficasse regularizada e todas com um número igual de alunos.

O professor pedia também a aquisição de prédios para as escolas, depois de bem localizadas, questiona o Governo Imperial:

Não conviria que o poder competente se interessasse para que as comodi-dades indispensáveis para o bom desenvolvimento e progresso do ensino fossem satisfeitos com a modificação do repartimento, desaparecendo para sempre o costume de se alugar casas próprias somente para residência de familiar e nelas se estabelecer escolas sem a menor modificação mesmo as essencialmente reclamadas? A mobília nova ultimamente distribuída pelas escolas de alunos de ambos os sexos preenche os fins há muitos anos recla-mados? Se a resposta for negativa, qual deve ser o modelo a que deve subs-

35 Relatório do Ministério do Império. Ministro João Alfredo Correa de Oliveira – Assem-bleia Legislativa, maio de 1871. Arquivo Nacional – Fontes: Administração da Instrução Pú-blica, da Justiça e da Legislação Imperial. Caixa contendo Livros que compreendem os anos de 1871 a 1889. Documento manuscrito.

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tituir? De todos os livros adotados para as escolas quais devem continuar e quais os que devem ser eliminados e quais poderão ser substituídos?36

Esses questionamentos, dentre outros, foram discutidos nas Conferências Pedagógicas, instituídas pelo art. 76 do Decreto nº 1331-A, de 17 de fevereiro de 1854, que se realizavam duas vezes por ano e tinham como objetivo “[...] manter a emulação e a vida na corporação dos professores públicos de instrução primária, promovendo entre eles a troca de observações pedagógicas, colhidas na prática diária de suas funções [...]”.37

Em 1871, foram criadas no Município Neutro duas escolas primárias notur-nas, uma pública fundada pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que funcionou numa sala do edifício da Inspeção Geral da Instrução Pública, inaugu-rada em março do mesmo ano, e uma particular fundada na paróquia de São João Batista da Lagoa, inaugurada em fevereiro de 1872, frequentada por mais de 40 alunos. Nesse ano, o Ministério do Império era representado pelo Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira, que exerceu o cargo até 1875 e, segundo os discursos dos professores, muito contribuiu para a causa da instrução pública.38

O processo de construção dos regimentos internos das escolas públicas na Corte está claro no relatório do Inspetor da Instrução pública Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho, que determinava a implantação de uma série de ações no sentido de organizar as escolas públicas da Corte.

Para o Inspetor, as escolas estavam muito desorganizadas e precisavam de ações que fossem consideradas comuns no sentido de organizá-las e, sobretudo, inseri-las no projeto de tradição e de modernidade que era divulgado pelo Gover-no Imperial na década de 1880.

36 Corte. Delegacia da Freguesia de Santa Rita em 17 de janeiro de 1881. Professor José Ber-nardes Moreira. Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro. Códice 11-4-7. Minutas de ofícios e professores – 1872-1889. Documento manuscrito.37 Instruções para a realização das Conferências Pedagógicas. Palácio do Rio de Janeiro em 11 de março de 1884 – Francisco Antunes Maciel. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional. Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro. Códice 15-3-13, 1880-1889.38 Durante o ministério do Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira e sob a benéfica in-fluência deste homem de Estado, formou-se entre seus auxiliares um grupo de homens, quase todos jovens, que consagraram seu tempo livre ao estudo das questões que se referem à instru-ção pública. Convém citar Balduíno Coelho, futuro Conselheiro e diretor no Ministério do Império; o Dr. Cupertino do Amaral, o Dr. Antônio Augusto da Silva; o comendador Nicolau Midosi, o doutor e depois Conselheiro Campos de Medeiros e Albuquerque; o Dr. Henrique de Campos. Cf. Almeida (2000).

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O Regimento Interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do município da Corte trazia em seu texto os deveres gerais dos professores, o que permite perceber as necessidades de organizar a rotina das escolas, dentre as obri-gações especiais impostas ao professor, tais como:

§ 1º Oferecer aos alunos, pelo seu comportamento, contínuos exemplos de moralidade, de aplicação e limpeza; e ser solícito em dar-lhes bons conselhos e auxiliá-los a cumprir os deveres de boa educação.§ 2º Comparecer aos trabalhos diários 15 minutos, pelo menos, antes da hora marcada, e não retirar-se da escola senão depois de terminados os exercícios.§ 3º Manter a ordem e a regularidade na escola, fazer-se amado dos seus discípulos, e esforçar-se pelo adiantamento deles.§ 4º Prestar as informações verbais e escritas que lhe forem exigidas pelas autoridades encarregadas da inspeção do ensino; e franquear a escola às pessoas decentes que desejarem visitá-la, uma vez que os exercícios não sejam perturbados.§ 5º Remeter, findo cada trimestre, um mapa nominal dos alunos matriculados, com declaração de freqüência. Este mapa será organizado de acordo com o modelo impresso, ministrado pela Inspetoria Geral.

Além dos deveres impostos no Regimento Interno das escolas públicas pri-márias do 1º grau, havia um dispositivo nesse documento que instituía os deveres dos professores:

Art. 4º É expressamente proibido ao Professor:§ 1º Ocupar-se em objetos estranhos ao ensino durante as horas das lições.§ 2º Empregar os alunos em seu serviço particular.§ 3º Ausentar-se, nos dias letivos, das freguesias onde estiver colocada a escola para qualquer ponto distante, sem licença do Delegado respectivo, que só a poderá conceder, e por motivo urgente, até três dias consecutivos.§ 4º Exercer profissão comercial ou industrial.§ 5º Ocupar, sem autorização prévia do Inspetor Geral, emprego de administração.Art. 5º São obrigações do adjunto:§ 1º Substituir imediatamente o Professor em seus impedimentos momentâneos, cabendo a substituição ao que for pelo mesmo designado, quando houver mais de um adjunto.§ 2º Observar as ordens do professor.

É possível observar que o regimento procurava regular e, sobretudo, ob-servar todos os aspectos da disciplina dos professores para que houvesse nas esco-

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las uma organização adequada de acordo com os ideais de tradição e de valores propagados no século XIX no Brasil. As décadas de 1870 e 1880 presenciaram mudanças significativas no Brasil e, consequentemente, no Município Neutro, centro administrativo do Império brasileiro. Desde a segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira vinha sofrendo modificações: iniciou-se a substituição do trabalho escravo pelo assalariado, as fazendas de café e outras lavouras se mo-dernizaram, as cidades cresceram e as primeiras indústrias se instalaram.

De acordo com o Regimento Interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do município da Corte, as matérias ensinadas deveriam ser: instrução moral e religiosa; leitura; escrita; noções essenciais de gramática; princípios ele-mentares de aritmética; sistema métrico decimal; noções de história e geografia do Brasil; elementos de desenho linear; rudimentos de música; exercícios de ginásti-ca. E para as escolas do sexo feminino, acrescer-se-á a costura.

No Regimento Interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do município da Corte, o capítulo que trata da Ordem dos Trabalhos esclarecia e ordenava que:

Art. 22. O ano escolar principiará a 15 de janeiro e terminará a 30 de novembro.Art. 23. Serão feriados, além dos domingos e dias santos de guarda, os de festa ou luto nacional marcados por lei, de Carnaval, quarta-feira de Cin-zas, e desde quarta-feira de Trevas até sábado da semana da Páscoa.Art. 24. Os trabalhos escolares se verificarão, durante o verão (do 1º de Outubro a 31 de Março), das 8 ½ horas da manhã às 2 ½ da tarde, e du-rante o inverno (do 1º de Abril a 30 de Setembro), das 9 horas da manhã às 3 da tarde. Nos sábados terminarão ao meio dia.Art. 25. Haverá nos exercícios duas interrupções ou pausas de meia hora cada uma.Durante elas os alunos poderão repousar e servir-se da refeição que hou-verem trazido de casa, fazer exercícios ginásticos, deixar os seus lugares e conversar em voz alta, contanto que não causem grande arruído.Art. 26. Para os alunos da 1ª classe os trabalhos escolares terminarão depois de findos os exercícios do segundo tempo.Art. 27. Um quarto de hora, pelo menos, antes do começo dos trabalhos, deverá estar aberta a sala da aula para receber os alunos.Art. 28. O sábado será reservado para exercícios sobre as matérias estuda-das durante a semana.Art. 29. O Horário das classes será anualmente fixado pela Inspetoria Ge-ral. Em cada escola o horário deve ser escrito em um quadro e exposto em lugar saliente da sala.

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O Regimento também ordenava quais materiais a escola deveria oferecer:

Art. 30. Haverá na porta de cada escola uma tabuleta com as armas impe-riais, indicando o sexo para que é destinada a escola.Art. 31. A mobília se comporá dos seguintes objetos, fornecidos pela Ins-petoria Geral: um mapa do Brasil e outro do sistema métrico decimal; um relógio de parede; um armário para guarda dos livros e objetos de trabalho; uma mesa com estrado e uma cadeira de braços para o professor; duas cadeiras de sobressalente; o número de bancos e carteiras suficientes para os alunos matriculados; os quadros pretos indispensáveis; os cabides necessários para os chapéus.Art. 32. Além desses objetos, serão fornecidos outros, para auxilio do mé-todo intuitivo, sempre que deles for possível fazer aquisição.Art. 33. O Professor é responsável pela boa conservação dos objetos que lhe forem entregues e será sujeito a indenizar o valor dos que se deteriora-rem por culpa sua.Art. 34. A despesa com o expediente da escola se fará por conta da con-signação mensal. No expediente está compreendido o asseio da sala e de-pendências, a despesa com água, papel, ardósias, penas, tinta lápis, giz, esponja, réguas, e o mais que for preciso para a aula funcionar.Art. 35. A Inspetoria Geral fornecerá livros para uso dos alunos. Estes livros serão utilizados apenas durante os exercícios, e depois entregues ao Professor, para serem guardados. Uma vez feito o fornecimento, não será renovado senão um ano depois, salvo ocaso de aumento do número de alunos. Findo o prazo, para que seja renovado o fornecimento, é preciso que se restituam os volumes imprestáveis.Art. 36. A escola deve estar sempre limpa. O Professor a fará varrer diaria-mente, pela manhã e lavar, pelo menos, uma vez cada mês; e conservará abertas as janelas o maior espaço de tempo que for possível.

Segundo ainda o Regimento, as matérias constitutivas do ensino primário do 1º grau seriam dadas integralmente em cada uma das classes, proporcional-mente ao aproveitamento das mesmas e de acordo com as prescrições. Assim está registrado no seu art. 46:

Na 1ª classe, ou elementar, será observado o seguinte programa:§ 1º O ensino religioso limitar-se-á ao sinal da Cruz, ao Pai Nosso e à Ave-Maria, que serão recitados diariamente em voz alta pela aula inteira ao principiarem os trabalhos, devendo o Professor advertir que os alunos da 1ª classe acompanhem os outros nos gestos e nas palavras.§ 2º O Professor esforçar-se-á por suprimir, no ensino da leitura, o método alfabético, a fim de substituí-lo pelo fonético ou pelo de articulação. Sendo o fonético de mais fácil emprego e, sobretudo, recomendado, po-

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dendo aliás o Professor, quando se julgar com força para isso, combinar os três métodos, a fim de aproveitar as vantagens e obviar os defeitos. Em todo caso, deve ser o principal intuito do professor tornar o exercício da leitura ameno e aprazível. Para esse fim fará os exercícios continuamente em comum, com auxilio do quadro preto, acostumando o aluno a usar do giz e da ardósia, e a associar sempre em seu espírito a leitura a escrita e a ortografia. Na lição de leitura cumpre que o Professor tenha em vista fazer conhecer ao aluno: o som; o seu sinal representativo, manuscrito e impresso; o modo de traçar o sinal manuscrito; a combinação do sinal e do som com outros já conhecidos, para formar sílabas, palavras e até frases, só com os elementos estudados; finalmente, exercícios sobre a sig-nificação das palavras.

§ 3º Os exercícios da escrita acompanharão progressivamente os de leitura. É possível observar que o método fonético fazia parte da alfabetização dos alunos das escolas primárias da Corte. Era recomendado que se utilizasse esse método por considerá-lo mais prático e, sobretudo, mais fácil de alfabetizar.

Os exercícios da escrita acompanhavam progressivamente os de leitura. O professor escrevia ou fazia os alunos escreverem no quadro preto as palavras e as sílabas que eles quisessem conhecer. No Regimento interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do município, há uma descrição de como deveria ser aplicado o método de ensino:

Todos os dias os alunos serão obrigados a escrever no quadro preto, se-gundo as turmas a que pertencerem, a fim de adestrarem-se em escrever com elegância e limpeza. Esses exercícios gráficos começarão pelo mais fácil. O Professor indicará pontos e os fará ligar por linhas retas, ensinan-do sucessivamente os seus nomes conforme as posições: perpendiculares e oblíquas, horizontais e verticais. Depois os alunos escreverão linhas quebradas, curvas e, conforme o grau de adiantamento a que chegarem serão exercitados no desenho de triângulos, quadrados e outros polígo-nos e figuras geométricas mais simples, cumprindo que o Professor in-dique o nome das figuras e faça toda a turma repetir a definição em voz alta. Ao mesmo tempo o professor indicará quais as letras do alfabeto que se formam com retas, com curvas e com a combinação de ambas, e os exercitará em escrevê-las.

A descrição no Regimento Interno para as escolas públicas primárias do 1º grau do município da Corte é clara no que diz respeito à exigência de repetição dos exercícios pelos alunos. Essa repetição os levaria à memorização e ao exercício constante dos traçados das primeiras letras.

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Cumpre destacar que a Decisão 77 do Império, de 6 de novembro de 1883, que aprovava o Regimento Interno para as escolas públicas primárias doo 1º grau do município da Corte, trazia elementos que permitem afirmar que hou-ve a intenção de adotar o Método Simultâneo introduzido oficialmente pelo Re-gulamento de 1854, no Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, que, por sua vez, estabelecia o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte e que ficou conhecido como decreto Couto Ferraz. Porém, é possível observar no Regimento que era usado o método individual.

É possível observar também no regimento analisado uma indicação da uti-lização do método intuitivo e das lições de coisas, no sentido de superar o método fonético até então utilizado nas escolas de primeiro grau da Corte. O art. 47, em seu parágrafo 2º, fica claro que o exercício de leitura servirá de base às lições de coisas,

Quando o aluno tiver lido um período ou oração que forme sentido inde-pendente, o Professor chamará a atenção da classe para as diferentes ideias que se ligam às palavras pronunciadas, e com simplicidade indicará o que elas representam, e o emprego a que se destinam, se tratar-se de objetos materiais. Sempre que for possível, apresentar-lhes-á o objeto em sua for-ma concreta.

Segundo Castanha (2012, p. 287), como previa o art. 47, na segunda clas-se, ou intermediária, haveria um aprofundamento de todos os conteúdos, refor-çando a relação entre leitura e escrita e expressão oral. Essas atividades seriam auxiliadas pelo uso do método das lições de coisas, pela repetição das atividades, pela realização de ditados e da memorização de determinadas palavras, versos, poesias, etc.

O Método Intuitivo – as Lições de Coisas: uma proposta de concretização do ensino nas escolas de primeiro grau da Corte

No que diz respeito ao Método Intuitivo e às Lições de coisas, o Ministro do império Leôncio de Carvalho afirmava que Rui Barbosa confundia “lição de coisas com método intuitivo, sem atentar para a diferença existente entre eles, uma vez que” a lição de coisas é uma parte do método intuitivo; é preciso que este se aplique aos exercícios da inteligência e aos atos do raciocínio. A intuição sen-sível só serve quando prepara para a intuição intelectual (ATAS E PARECERES

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DO CONGRESSO DA INSTRUÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 1884, p.221, apud VALDEMARIN, 2004, p. 3).

Para o Leôncio de Carvalho, segundo Primitivo Moacyr (1939, p. 238):

Na Escola primária o intuito fundamental do ensino consiste em prosse-guir a cultura dos sentidos e o desenvolvimento das faculdades de obser-vação, apreciação, enunciação e execução. Para estes, serão rigorosamente excluídos todos os sistemas mecânicos de ensino, todos os processos que apelem para a memória de palavras, empregando-se constantemente o mé-todo intuitivo, o ensino pelas coisas, de que será simples auxiliar o ensino dos livros. Com este propósito cada escola, segundo a sua categoria, pos-suirá completo material de ensino prático e experimental pela realidade, e, em cada uma, se formará pelo professor com a cooperação dos alunos, uma coleção de objetos naturais.

No que se refere às lições de coisas, Leôncio de Carvalho chama a atenção para o fato de que elas deviam fazer parte do ensino de alguns conteúdos que seriam trabalhados nas escolas primárias:

O curso da escola primária elementar, que durará regularmente dois anos compreende: a) o ensino concreto das formas, cores, números, dimen-sões, tempo, sons, qualidades dos objetos, medidas, seu uso e aplicação; b) desenho; c) escrita e leitura; d) ensino prático da língua materna; e) primeiros rudimentos das ciências físicas e naturais, aspecto das coisas e experimentação elementar dos fenômenos e propriedades. Descrição do corpo humano e de animais. Noções de botânica estudadas diretamente nas plantas; f ) aritmética prática até a divisão por um algarismo. Pri-meiras ideias de frações. Problemas fáceis, concretamente formulados; g) elementos rudimentares de geografia, por lições de coisas, começando pelo estudo topográfico da escola e do sítio escolar, do qual se seguirá o do município. Orientação. Levantamento da planta da escola e suas dependências; h) grandes fatos da história, especialmente pátria, anedo-ticamente ensinados, por lições do professor, livros de leitura, estampas, quadros apropriados, sem tarefas de cor. Execução de trabalhos e dis-trações tendentes a desenvolver a agilidade das mãos, o gosto artístico e o espírito de invenção; i) música (coros); j) ginástica. Para meninas, especialmente calistenia (MOACYR, p. 239-240).

Nesse sentido, para Leôncio de Carvalho as lições de coisas faziam parte do método intuitivo, observando que há limites para aplicação do método intuitivo, uma vez que algumas coisas não podem ser ensinadas “como se brincando”, pois,

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assim, suprime-se o esforço e o trabalho da escola e da sociedade, abrindo-se es-paço para a anarquia e o despotismo (VALDEMARIN, 2004, p. 3).

No prefácio da obra Lições de Coisas, traduzida por Rui Barbosa, Leôncio de Carvalho chamava a atenção para a empolgação que havia nos idos dos anos de 1880 para as doutrinas de Pestalozzi, que, “na prática tomavam a forma do que se convencionou chamar de lições de coisas, com a aplicação de todas as disciplinas da escola primária”. Além dessa observação, vale a pena ressaltar o que Leôncio de Carvalho observava sobre as condições do ensino primário à época da tradução do livro de Calkins:

Dadas às condições gerais do trabalho escolar da época, isso vinha a repre-sentar, porém, verdadeira revolução. Para que se compreenda o alcance do movimento, deverá ser notado que o ensino intuitivo vinha contrariar não, e apenas a metodologia de ensino então assentada, mas a própria organização escolar existente. Essa organização era a do ‘sistema monitorial’, de “ensino mútuo”, ou de Lancaster, adotado especialmente como expediente de econo-mia: por ela, um mestre ensinava a dez ‘decuriões’, que por sua vez, deviam ensinar a outras tantas dezenas de condiscípulos. (1950, p. 12).

A respeito do sistema monitorial mútuo, Bastos (p.97-98) considerou que:

O monitorial system mutuelle, nome adotado na França, baseia-se no ensino dos alunos por eles mesmos. Todos os alunos da escola, algumas centenas sob a direção de um só mestre, estão reunidos num vasto local que é do-minado pela mesa do professor, esta sob um estrado. Na sala, estão enfi-leiradas as classes, tendo em cada extremidade o púlpito(sic) do monitor e o quadro-negro. Os alunos estão divididos em várias classes, seis em geral, todos com nível de conhecimento semelhante, ou seja, nenhum aluno sabe nem mais nem menos que o outro. Depois de averiguado o conhecimento do aluno, ele é integrado a uma classe. A classe tem um ritmo determinado de estudo e um programa a desenvolver de leitura, escrita e aritmética. Por exemplo, a leitura, para os menores da primeira classe, consiste em aprender o alfabeto e traçar as letras sobre areia; na segunda classe, os alu-nos são iniciados nas sílabas de duas letras, que escrevem sobre a ardósia; na terceira, fazem a combinação com três letras; na quarta, trabalham as palavras com várias sílabas; na quinta começam a ler; somente na sexta classe lêem corretamente. Cada aluno pode pertencer ao mesmo tempo a várias classes diferentes: ele pode estar mais avançado em leitura do que na escrita ou no cálculo.

O trabalho em cada classe é dirigido por um instrutor, o monitor, principal agente do método. Ele é um dos alunos da classe que dentro de uma especialidade

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determinada, distingue-se pelos seus bons resultados e, por isso, é colocado à testa da classe. O professor, antes do início da aula, dá uma explicação e as indicações particulares. Quando os demais alunos chegam à escola tomam seus lugares, o monitor de cada classe transmite aos seus colegas os conhecimentos que lhe foram dados pelo professor.

A substituição do ensino individual pelo ensino mútuo significava a divisão da responsabilidade entre o professor e os alunos, visando a uma democratização das funções de ensinar. Baseava-se no ensino dos alunos por eles mesmos. Com essa organização, o papel do professor é restrito. O professor não tem contato direto com os alunos, a não ser antes da aula com os monitores.

O método mútuo é uma etapa da história da instrução pública e das es-colas de primeiras letras no Brasil. A necessidade de estender o ensino às classes trabalhadoras foi o resultado do processo de industrialização pelo qual o Brasil estava passando. Não se pode negar a influência dos países centrais e da incorpo-ração das modernidades. Esse fato pode ser comprovado pela adoção do ensino mútuo que exigia a racionalização do ato pedagógico, pela rapidez em ensinar, pelo baixo custo, pela disciplina e pela ordem, pelo uso de poucos professores e vários alunos – mestres.

Por exemplo, para um exercício de leitura, o monitor indica o texto a pre-parar e toma a leitura de seus colegas; quando um aluno comete um erro ou hesita na leitura, ele o repreende e solicita que continue a leitura, até que a dificuldade seja superada. O monitor é quem tem o controle da clas-se e classifica os alunos na classe. Quando um aluno se distingue, quando se mantém regularmente como primeiro da classe, pode ascender à classe superior, ocupando o último lugar. Se, depois de algum tempo, não for observado progresso, ele retorna á classe que estava. Ele também pode aju-dar o monitor e, no caso de sua ausência ou na sua promoção, substituí-lo. Assim, durante o ano, ocorre um movimento contínuo de classificação dos alunos (Ibid.).

Nessa organização, o papel do professor se restringia a permanecer na sua mesa, no fundo da sala, sobre um alto estrado. Os monitores mais velhos e ins-truídos, em número de dois, assistiam o professor transmitindo suas ordens e o substituíam quando ele precisava faltar. Era o professor que regulava a ordem na escola, avaliava e conduzia um grande número de alunos. Assim, o professor, segundo Bastos (1999, p. 98).

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[...] emite ordens precisas e de fácil compreensão. Além disso, controla o movimento dos alunos: a entrada, a saída, a instalação nos bancos, as mudanças de exercício; controla e regulariza o trabalho dos monitores e, se um deles demonstra pouco zelo na função, coloca-o na classe superior e de-signa um sucesso; inversamente, se percebe que um monitor abusa de seu poder, repreende-o. O telégrafo assegura a comunicação entre o professor, o monitor geral e os demais monitores. Por exemplo, quando um exercício termina, o monitor, por meio de m cartão, indica a nova tarefa, que todos deverão fazer ao mesmo tempo.

É compreensível a preferência de nossos governantes pela adoção do ensino mútuo em consideração, pois por esse sistema, um número maior de crianças poderia receber instrução primária sem a necessidade de se formar e contratar muitos professores.

O método de ensino mútuo difundiu-se nos meios escolares europeus de século XIX e foi a primeira forma de preparação de professores no Brasil. Sobre o ensino mútuo, é imprescindível que se destaquem algumas colocações de Gilber-to Luiz Alves (2001, p. 115):

O ensino mútuo, mesmo acossado por polêmicas acirradas desde as suas origens, difundiu-se por todo o universo ao longo da primeira metade do século XIX. Inclusive aqueles que o combatiam não podiam negar que, em face da necessidade de estender a escolarização e da escassez de professores, o único recurso disponível era essa técnica. Mas, diante desse quadro, é possível compreender porque o processo de formação de professores e a expansão das redes escolares, em especial das públicas, de-sencadeariam efeitos morais sobre o Método Lancaster e Bell no futuro. A força dessa técnica coincidia como o primeiro esforço, concentrado para o oferecimento de escolas para todos e, exatamente por isso, sua existên-cia repousava sobre condições precárias e transitórias. Daí, também, a sua fragilidade (grifos do autor).

Gradativamente, o método de ensino mútuo foi abandonado, e até proibi-do, à medida que o número de escolas e de professores aumentava. Fernando de Azevedo (1963, p. 564), por sua vez, descreveu e analisou a experiência brasileira relativa ao “método de Lancaster ou do ensino mútuo” do seguinte modo:

A introdução do método de Lancaster ou do ensino mútuo e as esperanças que suscitou constituem um dos episódios mais curiosos e significativos dessa facilidade, que nos é característica, em admitir soluções simplistas e primárias para os problemas extremamente complexos. Segundo esse mé-todo que esteve em voga durante mais de vinte anos, cada grupo de alunos

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(decúria) era dirigido por um deles (decurião), mestre de turma, por me-nos ignorante ou, se o quiserem, por mais habilitado. Por essa forma em que o professor explicava aos meninos e estes, divididos em turmas, mutu-amente se ensinavam, bastaria um só mestre para uma escola de grande nú-mero de alunos. Numa escola de 500 alunos, por exemplo, em vez de doze professores necessários para doze classes, cada uma de 40 alunos, mais ou menos, não seria preciso mais que um professor, que descarregaria em 50 alunos de melhor aproveitamento o ensino dos restantes distribuídos em decúrias [...]. Muito e depressa e sem custo: o ideal para o Brasil. Comenta com ironia Afrânio Peixoto. Pois, na divulgação de tal sistema, o governo imperial se empenhou, durante anos a fio, até a mais completa desilusão, com era de esperar e espanta que houvesse tardado tanto. A lei de 15 de outubro de 1827, refere-se em três artigos às escolas de ensino mútuo: no artigo 4º, em que determina sejam de ensino mútuo as escolas nas capitais das províncias e nas cidades, vilas e lugares populosos destas; no 5º, em que estabelece providencias para a sua instalação e obriga os professores ‘que não tiverem a necessária instrução desse ensino a irem instruir-se em curto prazo e à custa de seus ordenados nas escolas das capitais; e no 15, em que estatui que “os castigos serão praticados pelo método de Lancaster” . O sistema fora erigido em “método oficial”, imposto em todas as escolas primárias do Império. Em 1833 começaram a manifestar-se as primeiras dúvidas sérias, e em 1838, um homem do valor de Bernardo Pereira de Vasconcelos ainda procurava, no tempo do ensino e nas imperfeições do exercício, uma escusa para o malogro do método Lancasteriano que foi afinal quase completamente abandonado.

A partir de 1870, a instrução pública passou a ser aclamada como prin-cípio fundamental para o desenvolvimento do país. E foi nesse contexto que a formação de professores na Corte Imperial começou a ser discutida mais siste-maticamente, “[...] quando se consolidam as idéias liberais de democratização e obrigatoriedade da instrução primária, bem como a liberdade de ensino [...]” (TANURI, 1973, p. 9).

Para Roque Spencer Maciel de Barros (1959, p. 14), essa década assinala o início da “ilustração brasileira” quando ocorreram transformações de ordem ideológica, política e cultural que repercutiriam na instrução pública. Em 1872, o conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira manifestou novamente em seus relatórios a necessidade de criação de duas escolas normais na Corte: “[...] uma para alunos-mestres, uma para alunas-mestras. O programa dos estudos e a lista dos livros a adotar nestas escolas serão preparados pelos respectivos diretores, ajudados pelos professores e submetidos à aprovação do governo [...]”. (AL-MEIDA, p. 128). Nessa época, o Município Neutro contava com 67 escolas

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primárias públicas, distribuídas do seguinte modo: 35 escolas para meninos e 32 para meninas (Idem, p. 129).

O Ministro do Império, conselheiro João Alfredo, inseriu nas discussões a questão do ensino obrigatório no Município Neutro, o único que estava sob a sua jurisdição. Assim, a Câmara dos Deputados aprovou a criação de 20 escolas primárias e votou fundos destinados a fornecer às crianças pobres “ajuda para freqüentar a escola”. Em 1874, o conselheiro João Alfredo propôs novamente a criação de duas escolas normais “[...] uma para cada sexo, nas quais se formariam os instituidores primários. O programa dessas escolas seria o mesmo que o das escolas primárias [...]” (Idem, p. 144).

Em 1874, a criação de estabelecimentos particulares foi incentivada por iniciativas da Associação Promotora da Instrução, com direção do conselheiro da Coroa, Manuel Francisco Correa. Nessa escola, as aulas eram gratuitas para pessoas que tivessem boa moral. Alunos pobres recebiam, como doação, livros e material escolar. Essa escola foi frequentada por professores adjuntos provenientes das escolas públicas que frequentaram o curso noturno da escola.39

Nessa época, passa a haver, portanto, no Município Neutro, 78 escolas primárias públicas, sendo 42 para meninos, frequentadas por 3200 alunos, e 36 escolas para meninas, frequentadas por 2.808 alunas. A frequência total de alunos nesse ano foi de 6008 alunos. Nessa época também se instituiu a gratificação des-tinada aos estabelecimentos particulares de ensino que recebiam gratuitamente crianças pobres (Idem, p. 148).

Cabe destacar que o Ministro do Império, Rodolfo Epifânio de Souza Dantas, amigo de Rui Barbosa, enfatizou no seu relatório que somente a peda-gogia moderna poderia despertar nos meninos os “mais vivos estímulos da sua natureza”, pois eles tinham a necessidade “de ver, de sentir, de esquadrinhar, de exprimir, de executar, de inventar, achando, comparando, associando, imitando, filiando coisas a coisas, fenômenos a fenômenos, realidades a realidades”. Além de defender um ensino com base na pedagogia moderna, das lições de coisas, argu-mentou, perante os deputados, que o governo deveria “executar rigorosamente, na Capital do Império”, tal programa de ensino e impor o ensino obrigatório a todas as “famílias de todas as crenças”, ou seja, secularizar a escola, deixando o ensino religioso sob a responsabilidade da autoridade paterna.

39 Instruções para a Escola Normal do Município da Corte, Rio de Janeiro, Tipografia Na-cional, 1874. Fundação Biblioteca Nacional. Fonte relativa às Associações e Sociedades de Instrução criadas no Rio de Janeiro.

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Segundo Ministro do Império Souza Dantas, o método intuitivo seria o melhor método para alfabetizar as crianças que estudavam nas escolas públicas do Município da Corte. Esse método surgiu na Alemanha no final do século XVIII e foi divulgado pelos discípulos de Pestalozzi, no decorrer do século XIX, na Eu-ropa e nos Estados Unidos. No Brasil, fez parte das propostas de reformulação da instrução pública no final do Império, tendo Rui Barbosa como um dos prin-cipais defensores. Este foi responsável por sistematizar os princípios do método intuitivo em seus famosos Pareceres e por traduzir as Lições de Coisas, de Calkins.

Segundo Valdemarin (2004), as lições de coisas abrangiam três acepções: levar o aluno a adquirir uma ideia abstrata, colocando um objeto concreto diante dele; educar através dos cinco sentidos, fazendo o aluno ver, observar, tocar e dis-cernir as qualidades de alguns objetos; mostrar o conhecimento e fatos utilizando a natureza e a indústria, apreendendo uma coisa e o seu nome, um fato e a sua expressão, um fenômeno e o seu termo designante.

O método intuitivo utilizava os objetos como suporte didático e os sen-tidos possibilitavam a produção de ideias, iniciando do concreto e ascendendo à abstração. Os sentidos deveriam ser educados para obter o conhecimento, passan-do da intuição dos sentidos para a intuição intelectual.

Foram propostos novos materiais didáticos (gravuras, objetos de madeira, caixas para o ensino das cores e das formas, etc.), museus pedagógicos e novas ati-vidades para serem desenvolvidas em sala de aula. Os livros ganharam uma nova função, não servindo mais como instrumento para a memorização dos alunos, mas sim como manuais didáticos, destinados à formação dos professores, orientando sobre a estrutura das aulas e a ordenação das atividades.

Segundo o Regimento, havia na porta de cada escola uma tabuleta com as armas imperiais, indicando o sexo para que é destinada a escola. Destaca-se, aqui, a não existência da coeducação. A mobília era composta pelos seguintes objetos fornecidos pela Inspetoria Geral: um mapa do Brasil e outro do sistema métrico decimal; um relógio de parede; um armário para guarda dos livros e dos objetos de trabalho; uma mesa com estrado e uma cadeira de braços para o professor; duas cadeiras de sobressalente; o número de bancos e carteiras suficientes para os alunos matriculados; os quadros pretos indispensáveis; os cabides necessários para os cha-péus. Além desses objetos, eram fornecidos outros para auxilio do método intuitivo.

Segundo Valdemarin (2004, p. 176), havia muitas inovações propostas no método intuitivo:

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Entre as inovações vinculadas ao método de ensino intuitivo, estão a pro-posição que a escola deva ensinar coisas vinculadas à vida, aos objetos e fatos presentes no cotidiano dos estudantes, introduzindo assim os objetos didáticos como elementos imprescindíveis à formação das idéias. [...] A introdução dos objetos didáticos na educação tem um caráter lúdico, mas também disciplinador: um elemento novo em sala de aula torna-se o cen-tro da atenção das crianças, instaurando assim algo que é comum a toda a classe de alunos e ao professor, é aquilo que os une no caminho do co-nhecimento. Mas, acima disso, traz consigo a possibilidade de uniformizar raciocínios, modos de pensar, cristalizando uma forma de apropriação das coisas exteriores num processo que é dirigido pelo professor, o representan-te naquela situação do legado das gerações precedentes, inclusive com seus valores e seus preconceitos.

A questão dos métodos de ensino ocupou espaço considerável nas discus-sões sobre a instrução pública no século XIX. De certa forma, pode-se dizer que a “teoria pestalloziana” e o método intuitivo, para o ensino das crianças nas escolas primárias da Corte, eram considerados uma forma ideal e moderna de ensino.40

Alves (2001, p.114), ao se referir às tecnologias educacionais que supe-raram as antigas lousas individuais – essas eram geralmente de ardósia e foram muito utilizadas no ensino mútuo pelos mestres ou monitores, para acompanhar e corrigir, individualmente, os exercícios, e que foram substituídas pelo quadro--negro, esclarece:

[...] O movimento pedagógico fundado nas experiências de Pestalozzi, por outro lado, fez as ações tenderem para a busca de outra alternativa, qual seja, a do ensino simultâneo, de base intuitiva e dirigido a um coletivo de estudantes. Deu-se, nessa época, o surgimento do quadro-negro, uma nova tecnologia que contribuiu para a criação das condições que permitiram ao professor, desde então, se dirigir ao conjunto dos alunos de uma classe, dentro da sala de aula.

O método de ensino intuitivo difundiu-se no Brasil no final do século XIX e início do XX, fazendo parte das diversas propostas de reformas de ensino fede-rais e estaduais. Suas diretrizes vigoraram no Brasil até meados da década de 1920.

A versão de Rui Barbosa, sob o título Primeiras Lições de Coisas, foi publi-cada no Rio de Janeiro, em 1886, pela imprensa Nacional. Ele adaptou à lingua-

40 Relatório das Memórias Históricas da Escola Normal. Fonte: Livro de Memórias Históricas da Escola Normal da Corte. Localização: Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Documen-to manuscrito.

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gem nacional as ideias de Calkins com intuito de propagar o método intuitivo, que concebia como eficaz na formação geral dos indivíduos, sobretudo, na pre-paração para a vida em sociedade (MACHADO, www.histedbr.fae.unicamp.br).

A obra do professor norte-americano Norman Alisson Calkins foi publi-cada pela primeira vez no ano de 1861 e extremamente elogiada por Ferdinand Buisson, em seu famoso relatório sobre a seção de educação da Exposição Inter-nacional de Filadélfia, realizada no ano de 1876. Talvez tenha sido esse o interesse de Rui Barbosa pela obra de Calkins, uma vez que ficou bastante impressionado com os elogios feitos por Buisson à obra do autor.

Rui Barbosa criticou os métodos de ensino existentes, entendendo-os como empecilhos na formação dos alunos, por se caracterizarem como métodos mecânicos que apenas tornava os alunos hábeis decoradores no desenvolvimento de um uma memória “servilizada” a conceitos impostos que, também, em sua concepção não condiziam com os preceitos científicos que os indivíduos verda-deiramente deveriam aprender. No preâmbulo da tradução da obra de Norman Alisson Calkins, Rui Barbosa esclarece que:

De feito o que até hoje se distribui em nossas escolas de primeiras letras, mal merece o nome de ensino. Tudo nelas é mecânico e estéril; a criança, em vez de ser o mais ativo colaborador de sua própria instrução, como exigem os cânones racionais e científicos do ensino elementar, representa o papel de um recipiente passivo de fórmulas, definições e sentenças, em-butidas na infância a poder de meios mais ou menos compreensivos. O mestre e o compendio afirmam, o aluno repete com a fidelidade do autô-mato; e o que hoje aprendeu, sem lhe deixar mossa, mais que na memória, amanha dessaberá, sem vestígios, na inteligência, ou no caráter, da mínima impressão educativa (CALKINS, 1950, p. 8).

O manual de Lições de Coisas traz em todo seu conteúdo exemplos de atividades que o mestre poderia desenvolver com seus alunos com o objetivo de desenvolver o “espírito”, aqui entendido como lado intelectual e sensitivo das crianças. O manual foi organizado na forma de perguntas e respostas e com a apresentação de material didático e de objetos concretos, com o objetivo de pro-porcionar ao aluno a aprendizagem por meio da experimentação e do conheci-mento das coisas e do mundo material. No fim de cada lição, havia os conselhos aos mestres e as orientações para a aplicação de cada uma.

Segundo Lourenço Filho, no prefácio da obra, o trabalho de tradução ela-borado por Rui Barbosa não foi fácil, pois muitas adequações foram necessárias,

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dentre as quais “[...] toda a parte que trata dos sons da linguagem é de lavra de Rui Barbosa, pois conforme este, não podia aproveitar as orientações elaboradas da língua inglesa”.

É possível confirmar as afirmações de Lourenço Filho, uma vez que o pró-prio Rui Barbosa, no capítulo sobre “Modo de ensinar os sons da linguagem”, chama a atenção em uma nota de rodapé que:

A Secção subordinada a este titulo, até o paragrapho que se inscreve ‘Da utilidade do ensino Phonetico – como já no preambulo declarei, é quase toda, não versão, mas obra do traductor sobre a inspiração constante dos methodos e conselhos de Calkins’. De lealdade é confessar a divida que, nesta parte, me obriga para a Arte da leitura de JOÃO DE DEUS (3º ed. Lisboa, 1878) e o Syllabariofrancez de P. REGIMBEAU (Paris, 1874), com o qual sensível analogia aparentam as idéas do insigne edu-cador e filólogo portuguez, cujo plano mormente na esphera do nosso idioma, encerra verdadeiras inovações, dignas dos encomios que recebeu de autoridades taes quaes a de Alex Herculano e Adolpho Coelho. Devo acrescentar a esses o Syllabario Nacional do Dr. A. A. F. Jacobina (Rio de Janeiro, 1883), livro tão precioso, quão modesto, e a obra scientifica de MEYERL es organes de le parole, Paris, 1885. Pelo que respeita as notações orthoepicas, conformei-me, em geral, ao Dicionário prosódico de Portugal e Brazil, por JOSÉ DE CARVALHO E JOÃO DE DEUS (Lisboa, MDCCCLXXVIII), notável serviço, que veio supprir, até certo ponto uma lacuna deplorável na literatura vernácula das duas nações irmãs a que se destina (grifos do autor, p. 396).

A obra é composta de várias partes. A primeira, que trata das Primei-ras Lições de Coisas, esclarece os princípios fundamentais do método, cita a educação doméstica que tem como objetivo “educar os sentidos”. Na segunda, denominada “Ensino Escolar: lições preambulares para cultivar as faculdades da observação e uso das palavras”, o autor ensina como trabalhar formas, cores, números, quatro operações, desenho, escrever, tempo, som, leitura elementar, qualidade das coisas, método fonético, método verbal, leitura por construção de palavras, fatos a observar no ensino da leitura, método objetivo, leitura de livros, etc. Também, destaca-se que todas as partes da obra trazem ao seu final um conselho ao mestre.

Há uma preocupação em estabelecer que o conhecimento tivesse início na operação dos sentidos sobre o mundo exterior, para que fossem produzidas sensações geradoras de percepções sobre coisas que, por sua vez, produzem con-cepções que são retidas pela memória, as quais são acrescidas da imaginação e do

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raciocínio, a fim de possibilitar o desenvolvimento do juízo e do discernimento (AURAS, 2003, p. 2).

É possível perceber essa preocupação sobre as percepções das coisas quando no seu Manual de Lições de Coisas, Calkins chama atenção para o método uti-lizado para alfabetizar as crianças. No que diz respeito à escrita, o autor enfatiza que seria “supérfluo discorrer acêrca da importância a que tem direito o ensino da escrita, estando, como está reconhecida em toda parte, como prenda essencial na educação” (CALKINS, 1950, p.384). Para o autor, deve-se começar a ensinar as crianças a traçar letras e palavras, cada um na sua pedra ou no quadro preto e em letras de impressão, depois as crianças aprenderiam as letras cursivas, maiús-culas e minúsculas, percorrendo todo o silabário, e só depois dessa fase a criança poderia escrever com pena e papel. Quando estiverem no terceiro livro de leitura, escreverão “limpamente o seu nome, a data e as palavras singelas, coordenadas em orações” (Ibid.).

No que diz respeito ao estudo dos sons, o texto chama a atenção que pri-meiramente é preciso educar o ouvido das crianças. Segundo o autor, “os órgãos dos sentidos são como portas, por onde o saber nos penetra no entendimento [...]” (CALKINS, 1950, p. 389). Assim, o ouvido é muito importante para se reconhecer os sons vindos do exterior, “é por meio dele que reconhecemos o falar dos amigos, fruímos as suaves modulações da música, distinguimos as vozes dos animais e colhemos grande número dos fenômenos da natureza” (Ibid.).

O Manual de Lições de Coisas de Calkins (1950, p. 390) propõe exercícios para distinguir os sons semelhantes e diferentes. O autor traz em sua obra exercí-cios para reconhecimento e diferenciação de sons de objetos, como campainhas, copos, canecos de estanho, chave, lápis, etc. Depois de bater nos objetos, o mestre solicitava aos alunos que fechassem os olhos para ouvirem os sons e distinguirem. No segundo exercício, o mestre emite os sons das vogais, preparando os discípulos para ouvirem os “semelhantes dos dessemelhantes. Por exemplo: â, á, é, ê, ó, ô, etc.” (Ibid.). Assim, primeiro a criança é estimulada a distinguir e a comparar sons que estão presentes no ambiente. A criança aprende a classificar os sons em longos e breves, fortes e brandos, agudos e baixos.

Feito esse trabalho o autor se dedica a explicar como ensinar as crianças os elementos fônicos da linguagem humana, propondo como primeira atividade a distinção dos sons da fala, por meio de exercícios de repetição o professor emi-tia várias vezes o som e mandava a criança repeti-los. No terceiro passo, os sons eram associados às letras. Assim, o mestre ensinava as letras que correspondiam às

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consoantes e às palavras que poderiam ser formadas com as letras aprendidas. A pronúncia de cada letra era ensinada pela ordem crescente das dificuldades:

Em sabendo as creanças discriminar alguns dos sons vogaes entrara o mes-tre a articular as invogaes, principiando pelas de valor, na ordem, quanto ser possa, da sua perfeição e simplicidade: v, f, j, t, d, b, p, q, g, r, z, s , x , m ,n e exigindo sempre que os alunos o emitem”. as mais simples para as mais complexas (CALKINS, 1950, p. 398).

Após o ensino das letras mais simples, passava-se para o ensino das letras compostas, (ch, çe). No segundo passo proposto no manual, os alunos deveriam aprender a distinguir os sons por palavras e somente no terceiro passo haveria o processo de associar as letras aos elementos fônicos. Conforme escrito no manual:

Educada a audição das creanças, até discernirem promptamente as espécies de sons com que nos accupámos nas lições antecedentes, será fácil ensinar--lhes os elementos phonicos da linguagem humana, prosseguindo assim com eficácia a adestração do ouvido, e cultivando pari passu os órgãos da fala (CALKINS, 1950, p. 396).

Quanto à leitura elementar, no manual são feitas críticas ao método ABC, considerado:

[...] velho e tedioso método de ensinar primeiro o nome de cada uma das vinte e seis letras, depois as combinações delas em silabas sem sentido, de dois e três caracteres, mais tarde a junção das palavras de duas, três e mais silabas. Da significação das palavras não se faz nenhum caso (CALKINS, 1950, p. 426).

O autor também faz uma crítica ao método fônico, que tem várias formas, mas também não possibilita partir do concreto ao abstrato e sim em “encetar o ensino, não pelo nome das letras, mas pelos seus sons, e, conhecidos estes, solici-tar as crianças a aplicá-los à leitura das palavras”.

Para o autor do manual, o ensino das palavras é mais apropriado, uma vez que o aluno aprende por meio de objetos e de imagens. Assim, o método mais apropriado seria o “objetivo ou intuitivo” de ensinar a ler, pois “principia” diri-gindo a atenção de alunos para algum objeto cujo aspecto, nome e uso lhes sejam familiares (idem, p. 439).

Para Rui Barbosa, nesse momento a utilização do método criado pelo por-tuguês João de Deus era fundamental. Para que a criança aprendesse os elementos

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fônicos da linguagem, consistia em acostumar o ouvido a discriminá-los e o órgão da fala a produzi-los.

O método intuitivo é dividido, de acordo com o manual, em duas fases. A primeira fase é dividida em cinco passos, que são cuidadosamente explicados no compêndio. O primeiro passo propunha que a criança pudesse distinguir pelo aspecto palavras que as crianças já conhecidas, ou como preferia dizer já conhecida pelo ouvido; o segundo passo, ensinar o aluno a decompor as palavras; no terceiro era ensinada ao aluno a análise da palavra nos seus sons elementares, sem atender as letras que o representam; no quarto passo pediam ao aluno que pronunciasse a palavra, destacando os sons e soletrando-os; e no quinto passo, os alunos eram ensinados a lerem em grupo. Segundo Calkins, observados esses passos no ensino, a criança ficaria intimamente associada à palavra, no seu todo, nos seus sons, e na sua “deletreação” com o objeto. Por meio da aplicação exata desses passos, seria possível que as crianças associassem a palavra a seu todo (som, letra, objeto e ideia).

Observados esses passos no ensino, resultará ficar intimamente associada a palavra, no seu todo, nos seus sons, e na sua deletreação, com o objeto, ou a idéia, que exprimir ... Abraçado êste processo de ensinar a ler- pri-mo, a idéia, secundó, os seus símbolos, tertió, a arte de representar cada idéia pelos seus sinais peculiares – andará em correspondência exata a or-dem natural de aprender a linguagem com a ordem natural de empregá-la (CALKINS, 1950, p. 442).

Na segunda etapa da aplicação do método intuitivo, denominada de Lei-tura de Livros, o manual de Calkins deixa clara a necessidade de se começar a ensinar as crianças a lerem livros. Essa outra etapa do método também é dividida, só que agora em fases e estas subdivididas em passos. Na primeira fase de ensino da leitura “[...] os métodos empregados se destinam a ensinar símbolos de pala-vras, de frases e de sentenças faladas” (Idem, p. 449). Na segunda fase do ensino da leitura, “o aluno conhece os significados por esses vocábulos, cifra-se a lição em aprender por palavras inteiras ou sinais gráficos, com que tais pensamentos se representam” (Ibid.). Nessa etapa são definidos os passos e os métodos que permitiriam a transição entre o ensino por exercícios sobre coisas, com o auxilio do quadro preto, e o ensino por compulsão por livros. Para que ocorresse essa transição, Calkins indica seis passos. Nestes, o mestre:

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1. Deveria ensinar a criança a segurar o livro, na atitude da leitura, a achar as páginas, a destacar no texto as palavras conhecidas e a separar grupos de dois os três vocábulos e acertar o lugar deles na lição.

2. Deveria escolher do livro uma lição adequada aos termos que os alunos já conhecem. Deveriam dispor as palavras da lição no quadro preto e execu-tar atividades de soletrar, cada sentença, de modo que se leia de cima para baixo. Depois todos os alunos leriam juntas as palavras da coluna e desco-bririam os significados destas.

Após esses dois primeiros passos, as sentenças deveriam ser escritas na pe-dra, “em linhas tão extensas quanto permitirem a largura da pedra” e os alunos deveriam ler duas ou três vezes cada sentença. Segundo o autor, essas atividades preparariam os alunos a lerem a mesma lição do livro. Assim, a leitura era inicia-da pela busca da lição estudada na pedra, e depois pela procura das sentenças da lição. No decorrer das atividades os alunos aprenderiam a ler uma lição inteira, pois “no decurso destes exercícios cumpre habituar os meninos a lerem os pensa-mentos do modo como exprimiriam falando” (Idem, p. 451).

1. Deveria escolher os vocábulos difíceis de uma lição e escrevê-los no quadro negro. Feito isso, os alunos deveriam localizá-los na lição que estava sendo estudada.

Induzi agora os alunos a descobrirem o que se exprime na primeira linha, ou sentença; depois o que se diz na segunda linha, e assim por diante com a lição toda. Nesse exercício cada proposição há de ser lida por três ou mais alunos. Útil será também, abrir colóquio com êles sobre o sentido das palavras, grupo de palavras, etc. (Ibid.)

Aqui, o autor aconselhava ao mestre que não lesse para o aluno, pois essa atitude formaria hábitos ruins, impedindo que os alunos adquirissem sua inde-pendência.

1. Deveria solicitar que os alunos abrissem seus livros para lerem cada pa-lavra de um parágrafo, começando pela ultima. Esse exercício previa o desenvolvimento nos alunos de hábitos de ler as palavras da lição antes de conhecerem o conteúdo tratado.

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2. Deveria dar os livros para os alunos, escolher lições menos familiares, so-licitar aos alunos que as pronunciassem “advertindo nas letras mudas e, dizendo o que significam as frases onde se acham essas palavras”, passando para exercícios sobre o entendimento do que foi lido. A leitura deveria ser realizada de forma a educar os alunos a criarem o “hábito de ler em tom de voz natural e desembaraçado” (Idem, p. 453).

3. Neste sexto passo, o autor enfatizava que desse ponto em diante, os exer-cícios deveriam privilegiar o sentido das palavras e das frases, tendo os alunos que exporem o que entenderam. Depois, os alunos deveriam copiar as palavras, escrever as sentenças e demonstrar que entenderam o texto. Deveriam também substituir uma palavra na frase por outra e encontrar grupos de palavras que pudessem ser lidos como sentenças. O mestre ainda deveria estimular os alunos a responderem questões como: “De que trata esta lição? Que vos diz a primeira linha? Quem disse isso? Procurai a primeira pergunta desta lição, e fazei-a. Agora procurai a respos-ta a essa pergunta. Dizei-a” (Idem, p. 454).

Segundo Calkins, é, “sobretudo, para escrever que serve o saber soletrar” [...]. “Como meio de ensinar a ler ela é pouco importante”. O autor enfatiza que os alunos que aprendem a ler soletrando, raramente adquirem naturalidade na leitura. “A soletração se deve aprender por meio da leitura, não a leitura por meio da soletração” (Idem, p. 458).

Os alunos aprenderão a soletrar, lançando nas suas ardósias palavras em caracteres de imprensa, transladadas, ao começo, do quadro preto, e depois, de livros. Assim que souberem escrever, aprenderão a soletrar, escrevendo palavras nas ardósias. Dessa forma, os professores aplicavam os exercícios enfatizando o método de ensino intuitivo.

Considerações finais

Apesar da tradução da obra de Norman Alison Calkins por Rui Barbosa, e dos documentos da década de 1880 indicarem que as escolas de ensinos de primeiro e segundo graus da Corte deveriam adotar o ensino intuitivo, pouco se sabe de sua efetiva implementação no Município da Corte.

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Mesmo não tendo elementos para analisar a utilização efetiva do Método de ensino intuitivo nas escolas das freguesias da Corte, pode-se afirmar que este foi essencial para ajudar a sustentar a crítica aos métodos de soletração e o fônico.

O Método Intuitivo, ao sugerir o ensino da leitura a partir da palavra, inova e, principalmente, provoca uma reflexão sobre a utilização dos métodos ABC e fônico. Além disso, a adoção daquele método contribuiu para a adoção de livros de leitura na busca da análise do método analítico, o que partia das sentenças para as palavras.

O método de Calkins atendia plenamente os ideais de modernidade pro-posto para o período no Brasil. Para Valdemarin (2004, p. 149):

Outro aspecto que merece consideração é a dificuldade a ser vencida pelos professores da época para o uso do manual elaborado por Calkins. Dada sua forma de organização e exposição dos conteúdos a serem ensinados, o texto impõe aos professores um enorme trabalho de estudo e reorganiza-ção, para ser utilizado em sala de aula na sequencia determinada pelo an-damento da classe e pela diversidade de atividades ao longo do dia escolar.

Impende destacar que, o fato do método estar disponível e, sobretudo, regulamentado, havia nas escolas uma grande dificuldade de organização e de adoção de novos valores na educação, uma vez que o que ainda prevalecia era uma cultura racionalista e calcada nos ideais positivistas existentes no cenário nacional do último quartel do século XIX.

Salienta-se que o método de leitura proposto no Manual de Calkins expõe diretrizes que fazem com que este possa ser considerado como um “[...] exem-plar do movimento de renovação pedagógica ocorrido no século XIX, uma vez que seus objetivos visam à aquisição de uma leitura inteligente, voltada para a compreensão das idéias contidas no texto [...]” (Idem, p.147). Porém, é possível observar na obra que a soletração permanece vinculada à escrita, tendo-se avanços em relação à leitura, mas o mesmo não ocorrendo em relação à primeira.

O que se pode concluir é que o método, apesar de propor atividades dife-renciadas para o processo de alfabetização, não resolvia os problemas de ensino e de aprendizagem, pois havia também as dificuldades do século XIX no que diz respeito aos investimentos na educação. As escolas eram precárias, funcionavam em casas alugadas e em condições difíceis, não havia material necessário para o desenvolvimento dos trabalhos dos mestres, e pouca valorização do trabalho do professor, que recebia salários muito ruins.

Dessa forma, apesar de os documentos oficiais, das matérias nos jornais, dos discursos públicos proclamarem a educação como a redentora de todos os problemas

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sociais, atribuindo a ela um papel de responsável pelo futuro e pela renovação da sociedade, no contexto da época, o discurso oficial afirmava que as renovações na edu-cação se fariam pelas mudanças nos métodos de ensino e pela valorização da educação.

Porém, os discursos oficiais, as bandeiras levantadas pela imprensa, as discus-sões sobre a necessidade de se melhorar a educação não se efetivam na prática e ao governo imperial era muito conveniente afirmar que não havia recursos suficientes para se investir na construção de prédios escolares, na compra de material escolar e, sobretudo, na valorização do papel do professor no contexto educacional.

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CAPÍTULO IX

MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E INOVAÇÕES METODOLÓGICAS NA ESCOLA: QUAL A RELAÇÃO ENTRE ELAS?

Ana Lucia EspíndolaUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Introdução

Este texto tem como objetivo discutir as transformações ocorridas no mun-do do trabalho e uma possível relação com as mudanças que vêm se processando nas escolas públicas do ensino fundamental, especialmente na adoção pelas redes públicas do Construtivismo Piagetiano como referencial teórico predominante. Para o alcance desse objetivo, realizou-se uma análise do Documento Introdu-tório dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Documento Introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais para os 3º e 4º ciclos. A análise realizada levou à conclusão de que há uma similaridade entre as transformações ocorridas no mundo do trabalho e a introdução do referencial teórico proposto pelos Parâme-tros Curriculares para a Educação.

O modelo de trabalhador necessário em diferentes estágios do capitalismo

Durante muitas décadas, ao longo do século XX, a organização do trabalho fabril pautou-se por um modelo cujas características básicas foram definidas por: produção em massa; controle do tempo e do movimento do trabalhador; frag-mentação das funções desenvolvidas pelo operário; separação entre elaboradores e

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executores do trabalho; e organização vertical nas unidades fabris41 (ANTUNES, 1995). A essa forma de organização do trabalho correspondia um modelo de tra-balhador com qualificações mínimas para exercer determinada função no modo de produção.

Entretanto, a partir de um momento de depressão econômica, quando severas restrições de créditos passaram a ser impostas, outra forma de organização do trabalho começa a ser engendrada, calcada em um novo modelo de gestão, fundamentado, especialmente, nos princípios de evitar todos os desperdícios e de valorizar os recursos praticamente gratuitos da inteligência humana (METZEN& BOSENBERB, 1993, p.9). Nesse novo modelo, dentre outras coisas, a produção em massa é substituída pela produção para suprir o consumo, o trabalho passa a ser realizado em equipe havendo um sistema de rotação nos postos de trabalho, passando a haver uma diminuição dos níveis hierárquicos nas empresas, e fazendo com que, aparentemente, houvesse uma maior autonomia dos trabalhadores.

O que se pode afirmar, no entanto, é que todas essas aparentes vantagens oriundas desse novo modelo de organização tinham como principal objetivo a intensificação da exploração da mais-valia relativa42 e, que, embora em sua apa-rência apresentasse características benéficas ao trabalhador, em sua essência trazia uma nova e mais intensiva forma de exploração da classe trabalhadora, em que não apenas sua força física deveria ser usufruída pelo capital, como também sua capacidade intelectual43.

Pode-se observar a intensificação da exploração em todas as características apresentadas como benéficas ao trabalhador. Veja, por exemplo, o caso do tra-

41 É importante salientar que essa forma de organização do trabalho corresponde às necessida-des históricas de um determinado momento, conforme aponta Rösner (1996, p. 21) “A orga-nização taylorista do trabalho, [...] foi a resposta a uma época em que era preciso satisfazer da maneira mais rápida possível o também rápido crescimento da demanda de mercados aparen-temente insaturáveis. A melhor forma de alcançar isso era através de processos de manufatura com alto grau de divisão do trabalho, que visavam o máximo rendimento possível na fabrica-ção de produtos de massa amplamente homogêneos. Hoje esta situação está profundamente alterada”.42 Diferentemente da obtenção da mais-valia absoluta que é conseguida através, ou do aumento da jornada de trabalho, ou mediante a diminuição do montante de bens e serviços incorporados na força de trabalho, ou mesmo aliando-se os dois processos, a mais-valia relativa se obtém pelas inovações tecnológicas e por novas formas organizacionais do trabalho e, especialmente, pela passagem do trabalho simples para o trabalho complexo (BRUNO, 1996, p. 105-6).43 Evidente que em momento algum foi possível apenas a exploração da força física do trabalha-dor, tendo em vista que a mais simplificada tarefa manual traz em si um componente intelectual, o que se percebeu apenas foi a vantagem de se intensificar a exploração desse recurso.

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balho em equipe, apontado como um grande avanço no sentido de uma maior autonomia ao trabalhador:

O grupo consegue reflectir de forma mais global que o indivíduo. As equipas exercem uma pressão e aumentam a preocupação em relação à performance. A equipe registra uma maior quantidade de informação e detecta mais problemas. A capacidade do grupo para resolver problemas é superior à soma das de todos, mas que foram efetuadas individualmente. [...] O grupo economiza serviços auxiliares ao administrar-se a si mesmo. O grupo compensa em curto prazo os excedentes e a insuficiência de pro-dução. O indivíduo encontra proteção no grupo caso fracasse (METZEN & BOSENBER, 1993, p. 65).

Todas as vantagens apontadas para a utilização do trabalho em equipe re-velam uma intensificação da exploração, tendo em vista que, sob a falsa aparência de autonomia e de trabalho menos automatizado, há na verdade a busca de maior produtividade para a empresa. Aliás, em suas diferentes fases o capitalismo neces-sitou de diversos modelos de qualificação de trabalhadores e sempre se esmerou no sentido de formá-las:

[...] inicialmente, a qualificação dizia respeito à capacidade de realizar operações que exigiam grande esforço físico e habilidades manuais sem-pre mais aprimoradas. Depois, progressivamente, enquanto era obtido esse crescente adestramento muscular e manual, foram sendo desenvolvidos os componentes intelectuais da qualificação dos trabalhadores. Atualmente, a etapa que estamos começando a atravessar caracteriza-se exatamente pela predominância dos componentes intelectuais da força de trabalho, espe-cialmente daquela em processo de formação. Trata-se hoje, pelo menos nos setores mais dinâmicos da economia mundial, de explorar não mais as mãos do trabalhador, mas seu cérebro (BRUNO, 1996, p. 92).

Ao mesmo tempo em que se intensifica a exploração, essa nova configura-ção do trabalho passa a necessitar de outro modelo de trabalhador. Ao contrário do homem-boi, recomendado pelo modelo taylorista, que deveria executar tare-fas repetitivas e parciais, começa-se agora a busca por um operário polivalente, com responsabilidades pessoais sobre a produção, criando-se, dessa forma, novas necessidades de qualificação da força de trabalho, para a qual novas habilidades passam a ser exigidas. É necessário agora que se tenha um trabalhador que leia, escreva e calcule, mas que, além disso, desenvolva raciocínios mais elaborados;

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trabalhe em equipe44, tenha iniciativa, capacidade de comunicar-se com clareza e de resolver problemas de forma rápida; seja dinâmico e capaz de adaptar-se a situações novas; tenha capacidade de atenção e de concentração para minimizar erros na produção; seja responsável e capaz de inovar, mas, principalmente, esteja disposto a colocar todas essas potencialidades a serviço da empresa.

A partir do momento que o potencial cognitivo do trabalhador começa a se transformar em objeto privilegiado de exploração, também novas técnicas de controle precisam ser gestadas, tendo em vista que aquelas tradicionais visando primordialmente à disciplina física, já não sendo mais suficientes, devendo agora ser desenvolvidas técnicas que disciplinem esse potencial psíquico que está sendo explorado (BRUNO, 1996, p. 96). Faz-se necessário que haja por parte do tra-balhador total dedicação à empresa, mas, ao mesmo tempo, que possa se sentir com responsabilidade direta sobre aquilo que produz e acreditar em uma pretensa autonomia no trabalho desenvolvido.

As novas gerações de trabalhadores, especialmente, precisam ser forma-das dentro dessa concepção. Quem forma esses trabalhadores? Acredita-se, como Bruno (1996, p. 98), que a classe trabalhadora é formada na dinâmica da socie-dade capitalista45, em várias esferas sociais e diversas instituições.

Nos limites desse trabalho, discutir-se-á a instituição escolar e nesta apenas o ensino fundamental como contribuinte nesse processo de formação.

44 Que razões levam o capital a necessitar de um trabalhador com capacidade de abstração e condições de trabalhar em equipe? Frigotto (1996, p. 153) elucida essa questão: “Dois aspectos nos ajudam a entender por que o capital depende de trabalhadores com capacidade de abstra-ção e de trabalho em equipe. Como nos mostra Salerno, o novo padrão tecnológico calcado em sistemas informáticos projeta o processo de produção com modelos de representação do real e não com o real. Estes modelos, quando operam, entre outros intervenientes, em face de uma matéria-prima que não é homogênea, podem apresentar problemas que comprometem todo o processo. A intervenção direta de um trabalhador com capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da variabilidade e dos imprevistos produtivos. [...] Por serem sistemas altamente integrados, os imprevistos e os problemas não atingem apenas um setor do processo produtivo, mas todo o conjunto; e o trabalhador parcelado do taylorismo constitui-se em en-trave. Não basta, pois, que o trabalhador do ‘novo tipo’ seja capaz de identificar e de resolver os problemas e os imprevistos, mas de resolvê-los em equipe” (destaque e aspas no original).45 Conforme salienta Bruno (1996, p. 103): “Isto não significa, no entanto, que a classe trabalhadora seja um agente passivo, que apenas sofre as determinações de instâncias que a dominam. Se concebermos o capital como uma relação social e não como coisa [...] temos que admitir que falar em dinâmica capitalista é falar simultaneamente de relações sociais, estabele-cidas entre capitalistas e trabalhadores cujo elemento estruturante é o conflito”.

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O papel da escola na formação do trabalhador

Historicamente, a instituição escolar tem cumprido o papel de contribuir na formação da classe trabalhadora para o desempenho do trabalho no modo capitalista de produção46. Entretanto, no Brasil, ainda se encontra um grande índice de trabalhadores sem acesso aos saberes elementares que pretensamente deveriam ser difundidos pela instituição escolar. A população economicamente ativa brasileira contava, ao final da década de 1990, com 20% de analfabetos e 38% de trabalhadores com menos de 4 anos de estudos (FRANCO, 1998). Ao mesmo tempo, a nova configuração do trabalho passa a exigir um operário com capacidade de desenvolver operações cognitivas mais complexas.

É importante salientar que a necessidade de trabalhadores com capacidades cognitivas para além das elementares não é somente para o desenvolvimento do trabalho. Com a produção de bens culturais que encerram em si uma maior tecno-logia, passa a haver também a necessidade de um consumidor para esses bens.

Assim, em tempos de economia globalizada, a própria burguesia nacional indica para a necessidade de maior escolarização e de qualificação dos trabalha-dores brasileiros, o que evidentemente não significa mera filantropia, mas sim o entendimento de que isso é requisito para tornar-se competitiva na concorrência intercapitalista (FRIGOTTO, 1996).

Além disso, conforme assevera Gentili (1998), não se pode esquecer a fun-ção que a escola passa a ter, com a crise do keynesianismo, de educar também para o desemprego, ou melhor, dizendo, de educar para individualizar as competências exigidas pelo modo de produção, transformando a questão da empregabilidade em algo que depende unicamente do indivíduo:

Passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e deman-das de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empre-sas, a riqueza social, etc.), a uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve ad-quirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho. Morta definitivamente a promessa do pleno emprego, restará ao indivíduo (e não ao Estado, às instâncias de planejamento ou às empre-sas) definir suas próprias opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não) conquistar uma posição mais competitiva no mercado de trabalho. A

46 Isso não significa dizer que ela cumpre apenas essa função. Não estou negando o potencial da instituição escolar em desenvolver a contra-hegemonia, pois acredito que nela também está presente o conflito e a possibilidade da luta de classes.

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desintegração da promessa integradora deixará lugar à difusão de uma nova promessa, agora sim, de caráter estritamente privado: a promessa da empre-gabilidade (GENTILI, 1998, p. 81, parênteses no original).

Nesse contexto, o ensino fundamental tem também o papel de contri-buir para formar as novas gerações de trabalhadores. Acredita-se que é com essa preocupação que começa a ser introduzido oficialmente nas escolas, através dos Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN), um novo referencial teórico, o construtivismo pedagógico piagetiano47, tendo em vista que o perfil de homem proposto por essa teoria vai diretamente ao encontro do modelo de trabalhador desejado pela nova organização do trabalho. Conceitos esses, como criatividade, autonomia, responsabilidade, capacidade de trabalhar em grupo, tão caros à nova organização do trabalho, e que começam a ser discutidos nas escolas via movimento construtivista.

O construtivismo tem obtido nessas duas últimas décadas especial desta-que no debate sobre a educação no Brasil, chegando até mesmo em alguns mo-mentos a extrapolar seus limites de teoria psicológica e transformar-se em princí-pio explicativo dominante das questões educacionais (MIRANDA, 1994 p. 395), quando não, apresentado como solução para todos os problemas educacionais do país. Assim, a cada dia essa teoria vem alcançando maior número de adeptos, apresentando-se como referencial teórico predominante nas produções sobre edu-cação, nos cursos de formação de professores e no discurso oficial sobre educação, atingindo desse modo a rede pública de ensino.

Silva (1993), ao traçar considerações sobre essa escalada do construtivis-mo, argumenta que uma das causas de seu sucesso é que este tem se apresentado aos educadores com uma dupla promessa: de um lado aparecendo como uma teoria educacional progressista satisfazendo, portanto, aqueles critérios políticos exigidos por pessoas que, em geral, classificam-se como de esquerda e, de outro, tendo premissas bastante claras com relação à prática pedagógica a ser desenvolvi-da em sala de aula, inspirada em uma teoria de aprendizagem e desenvolvimento que goza de forte prestígio científico. Outra questão apontada por Silva (1993) e que seria responsável por essa predominância do construtivismo, diz respeito à falta de formulação por parte dos educadores progressistas de um projeto pe-dagógico, deixando assim, um espaço que acaba sendo ocupado por propostas

47 A inserção do construtivismo no ensino é anterior aos Parâmetros Nacionais Curriculares, entretanto é a partir deles que ele, de certa forma, torna-se oficial. É nesta ‘oficialidade’ que se está tentando apontar relações com as transformações ocorridas no mundo do trabalho.

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pretensamente progressistas, mas que, na verdade, trazem em si um ranço de conservadorismo. No caso do construtivismo, especialmente por representar a volta do predomínio da psicologia na educação e na pedagogia, levando a uma despolitização das questões educacionais.

Em outro momento, o mesmo autor denuncia o construtivismo pedagógi-co como parte da estratégia do pensamento neoliberal em educação que se carac-terizaria especialmente por tentar travestir de uma roupagem técnica problemas que na verdade são políticos e sociais:

Nessa operação, os problemas sociais – e educacionais – não são tratados como questões políticas, como resultado – e objeto – de lutas em torno da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos e de poder, mas como questões técnicas, de eficácia/ineficácia na gerência e administração de recursos humanos e materiais (SILVA, 1995, p. 18).

Assim, os problemas educacionais, mesmo aqueles que não são produzidos no interior da escola, são tratados como questões técnicas que poderão ser resolvi-dos apenas através de mudanças metodológicas na relação ensino-aprendizagem.

Miranda (1994) também elabora algumas reflexões sobre a predominância do referencial construtivista na produção educacional no Brasil. Começa apon-tando o interesse de Jean Piaget, epistemólogo suíço, em desvendar a gênese da inteligência, explicando como os conhecimentos vão sendo adquiridos. Entretan-to, a autora afirma que começa a haver, com a difusão da teoria piagetiana48, uma inversão desse processo, pois ao invés de se perguntar como se dá o desenvolvi-mento da inteligência começa-se a questionar o que fazer para formar o indivíduo inteligente a partir dos conceitos elaborados por Piaget. Ou seja, se dá início a busca de formar uma inteligência piagetiana49 (MIRANDA, 1994, p. 398).

A autora destaca que com o surgimento do industrialismo houve uma reivindicação pela universalização do ensino, bem como tornou-se concreta a necessidade de preparação das massas para as novas exigências colocadas pela exploração do trabalho na fábrica. Nas questões pedagógicas, as exigências de

48 A influência de Piaget na educação brasileira não é recente. Há estudos indicando que ela marca de meados da década de vinte (VASCONCELOS, 1996). Entretanto, é notadamente nas décadas de oitenta e noventa que essa influência atinge seu apogeu.49 Como Piaget elabora toda sua teoria tendo como base a biologia, sua concepção de inteli-gência é basicamente adaptativa considerando o desenvolvimento intelectual como extensão do biológico (MIRANDA, 1994).

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democratização foram traduzidas na defesa de formas não autoritárias na relação pedagógica e na possibilidade da livre expressão do aluno.

Houve desse modo, na discussão educacional, a introdução da noção de ati-vidade, procurando aproximá-la do conceito de trabalho, na perspectiva de que a escola deveria preparar as massas para o processo produtivo. A psicologia piagetiana surge com o mesmo princípio da participação ativa50 e universaliza-se como prin-cípio explicativo da educação brasileira nas últimas décadas. Miranda (1994) vê no atual estágio de recomposição do capitalismo e na economia globalizada a causa da universalização do construtivismo pedagógico, tendo em vista que essa nova confi-guração econômica passa a necessitar de outra formação moral e intelectual para o trabalhador, à qual o construtivismo pedagógico parece responder com perfeição.

Assim, o construtivismo passa a ser apresentado como solução para os pro-blemas presentes na escola pública, mesmo para aqueles que não são engendrados em seu interior e sim no seio das contradições sociais, passando a ser, inclusive, o referencial teórico predominante na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental.

Os preceitos colocados por esse referencial têm, cada dia mais, seduzido os profissionais envolvidos em educação. Com promessas de resolver questões crônicas na educação nacional, como por exemplo, o fracasso escolar, o constru-tivismo passou a orientar discursos de inúmeros educadores, e a ser rapidamente apontado por alguns seguidores como a solução para os problemas educacionais brasileiros, conforme comentário da Revista Nova Escola: “A educadora gaúcha Esther Pillar Grossi não tem a menor dúvida: o construtivismo pode em pouco tempo mudar o Brasil, tirando crianças e jovens de classes populares de sua mar-ginalização cultural e do subdesenvolvimento” (OLIVEIRA, 1992, p. 20).

De tal maneira, pode-se afirmar que há na educação nacional uma “fe-bre” construtivista. Além de conseguir seduzir profissionais do ensino com suas promessas de equalização social via educação, que tem sido há muito o discurso do liberalismo, acredita-se que o fator decisivo para a transformação do constru-tivismo em referencial predominante na educação nacional, passando a orientar o discurso oficial sobre educação via Parâmetros Nacionais Curriculares, é o fato de pregar a formação de um indivíduo que corresponda às novas necessidades do modo de produção.

50 Pode-se observar, por exemplo, que, no Brasil, a inserção das ideias piagetianas é favo-recida pelo movimento escolanovista (VASCONCELOS, 1996).

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Na realidade, os PCN, em alguns trechos, são bastante claros ao apontar a função da escola como importante na formação de um novo tipo de trabalhador, conforme pode ser observado nesta longa, porém elucidativa, citação:

Desde a construção dos primeiros computadores, na metade deste século, novas relações entre conhecimento e trabalho começaram a ser delineadas. Um de seus efeitos é a exigência de um reequacionamento do papel da educação no mundo contemporâneo, que coloca para a escola um hori-zonte mais amplo e diversificado do que aquele que, até poucas décadas atrás, orientava a concepção e construção dos projetos educacionais. Não basta visar à capacitação dos estudantes para futuras habilitações em ter-mos das especializações tradicionais, mas antes trata-se de ter em vista a formação dos estudantes em termos de sua capacitação para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a no-vos ritmos e processos. Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca, ‘aprender a aprender’ (BRASIL, 1997, p. 34-35, destaque meu).

Em outros momentos, também se pode encontrar vinculação entre a pro-posta educacional apresentada nos PCN e as necessidades colocadas pela nova organização do mundo do trabalho, porém de forma não tão explícita. Afirma-ções como “necessidade da formação de ‘cidadãos autônomos” (p. 94), com “ca-pacidade de conviver em grupo de maneira produtiva e cooperativa” (p. 97), com “disponibilidade para envolver-se na aprendizagem” (p. 99), com “controle sobre seu próprio tempo de realização de atividades” (p. 102), parecem ter sido retiradas de algum manual de uma grande empresa sobre o perfil desejado de trabalhador. Aliás, Manfredi (1998, p. 27), ao falar de uma pesquisa realizada em empresas metalúrgicas de São Paulo, afirma que parece haver um consenso entre os empresários quanto à noção de qualificação necessária aos trabalhadores, que se manifestaria nas seguintes competências:

[...] o “saber fazer” que recobre dimensões práticas, técnicas e científicas, adquirido formalmente [...] e/ou por meio da experiência profissional; o “saber ser” [...] como capacidade de iniciativa, comunicação, disponibi-lidade para a inovação e mudança, assimilação de novos valores de quali-dade, produtividade e competitividade; o “saber agir” [...] saber trabalhar em equipe, ser capaz de resolver problemas e realizar trabalhos novos e diversificados.

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Por outro lado, nos Parâmetros Nacionais Curriculares, encontra-se:

[...] Essa educação ao longo da vida estará fundamenta em quatro pilares: “aprender a conhecer” [...] ser capaz de aprender a aprender ao longo de toda a vida; “aprender a fazer” que pressupõe desenvolver a competência do saber se relacionar em grupo, saber resolver problemas e adquirir uma qualificação profissional; “aprender a viver com os outros” [...] “aprender a ser” para melhor desenvolver sua personalidade e poder agir com autono-mia [...] (BRASIL, 1998, p. 17).

Quer parecer, salvo engano, que há uma impressionante similaridade entre as expectativas dos empresários e os pilares que estão fundamentando a educação nacional.

Também é possível constatar claramente a responsabilização do indivíduo por seu sucesso ou seu fracasso no mercado de trabalho de acordo com potencia-lidades que venha ou não a desenvolver em sua escolaridade:

O perfil do trabalhador vem sofrendo alterações, e em pouco tempo a sobrevivência no mercado de trabalho dependerá da aquisição de novas qualificações profissionais. Cada vez mais se torna necessário que o traba-lhador tenha conhecimentos atualizados, iniciativa, flexibilidade mental, atitude crítica, competência técnica, capacidade para criar novas soluções e para lidar com a quantidade crescente de novas informações, em novos formatos e com novas formas de acesso (BRASIL, 1998, p. 138).

Assim, a escola de ensino fundamental passa a ter a responsabilidade de minimizar os problemas com o desemprego, pois, fica a parecer, que a crise do emprego poderá ser contornada unicamente pelo desenvolvimento de novas ha-bilidades, ficando, dessa forma, os indivíduos de forma isolada responsáveis por desenvolverem ou não as competências exigidas. O que não é apontado em ne-nhum momento é que nem todos sobreviverão no mercado de trabalho, indepen-dentemente de habilidades pessoais.

Evidentemente, a escola, organizada nos moldes tradicionais, não conse-guiria dar conta de formar pessoas com essas características51. Assim, nos próprios PCN é indicado o construtivismo pedagógico como referencial capaz de cumprir essa tarefa.

51 É importante deixar claro que o fato das mudanças estarem prescritas nos PCN não sig-nifica de forma alguma que elas já estejam operando no cotidiano da escola. Isso acontece porque há um grande descompasso entre as propostas delineadas nos documentos oficiais e a apropriação disso pela escola.

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Considerações finais

Foi objetivo deste texto indicar algumas transformações ocorridas no atual estágio de recomposição do capitalismo em relação às necessidades de um novo perfil de trabalhador destacando, ao mesmo tempo, uma possível relação dessas modificações com as mudanças de orientação metodológica52 para a escola de ensi-no fundamental, presentes, especialmente, nos Parâmetros Nacionais Curriculares.

As questões aqui destacadas têm apenas a pretensão de formular um convi-te a uma reflexão mais profunda e elaborada sobre o tema, tendo em vista o grau de complexidade para sua total apreensão. Porém, algumas considerações podem ser apontadas sobre o problema proposto até mesmo como contribuição para um posterior aprofundamento.

Durante a década de 1980, as discussões sobre educação estiveram bastante presentes no cenário nacional. O imobilismo deixado pelas teorias reprodutivistas começou a ser substituído pela necessidade de se colocar a educação como fator im-portante (porém não único) para o processo de redemocratização do país. A garan-tia de acesso à escola para as camadas populares passou a ser uma bandeira de luta de diferentes instituições e grupos organizados. Entretanto, a constatação de que o acesso somente não seria suficiente para a democratização da instituição escolar, tendo em vista que a permanência dessas crianças nos bancos escolares acontecia de forma insatisfatória, levou a um questionamento da própria organização escolar e diferentes propostas foram feitas no sentido de reformulá-las.

É nesse contexto que originalmente nasce o construtivismo pedagógico. Porém, durante a década de 1990, esse referencial teórico passa de uma teoria quase marginal que seduzia até mesmo educadores vinculados às tendências pro-gressistas a referendar o discurso oficial sobre educação de um governo neoliberal. O que levou a essa transformação?

Primeiramente, é necessário deixar claro que os princípios básicos do cons-trutivismo conquistam a comunidade escolar especialmente por trazerem algu-ma esperança aos profissionais envolvidos em educação de uma nova forma de organização da escola, em que possa haver um maior prazer no ato de ensinar/aprender. Alunos críticos, criativos, com capacidade de trabalhar em grupo, au-tônomos, interessados em aprender passam a ser o produto prometido pelo cons-trutivismo e que se transforma em sonho de consumo de todo educador. Afinal,

52 Percebidas principalmente na utilização do construtivismo pedagógico como referencial teórico oficial para o ensino fundamental.

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quem não quer uma escola diferente com pessoas que sintam prazer em aprender, que gostem da escola, que tenha criatividade e criticidade?

Entretanto, o que está oculto nessa promessa é o objetivo central dessas mu-danças que é na realidade submeter o trabalho pedagógico às regras do mercado. Quantos professores defensores do construtivismo pedagógico têm essa clareza?

Outra questão que precisa ser discutida é o reducionismo psicológico pre-sente nesta abordagem. Questões que extrapolam os limites do pedagógico, como o fracasso escolar, são tratadas como questões técnicas reduzidas a um problema meramente pedagógico, quando, na verdade, são expressões de uma sociedade injusta, desigual e discriminatória.

Por fim, acredita-se que a principal razão de o construtivismo pedagógico estar alcançando tal repercussão é o fato da total congruência entre seus princípios e as necessidades colocadas pela nova organização do trabalho, tendo em vista que o modelo de trabalhador preconizado pelo taylorismo não é mais necessário. É preciso formar um homem crítico, com capacidade de abstrações, criativo. A teoria pedagógica que possibilitaria realizar esta tarefa é o construtivismo. En-tretanto, o que está camuflado nessa questão é: a serviço de quem estará sendo formado esse homem?

Por outro lado, é importante não esquecer que a escola é marcada pelas contradições. Dessa forma, seu espaço não serve apenas ao capital, mas também é palco da luta de classes e, portanto, não está apenas reproduzindo valores, mas também podendo criar o novo.

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CAPÍTULO X

OS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE MATO GROSSO DO SUL: MERENDEIRAS E AGENTES DE LIMPEZA... EDUCADORES OU PESSOAS INVISÍVEIS?

Bartolina Ramalho CatananteEide Maria Souza Araújo

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)

Introdução

Na sociedade capitalista, a subsistência do ser humano provém de seu tra-balho. Mas no capitalismo nem todos aqueles que trabalham têm os reconheci-mentos financeiro e moral igualmente considerados. No setor educacional, por exemplo, enquanto professores e alunos, segmentos ligados aos fins da educação, são visíveis e, até certo ponto, evidenciáveis na condição de participantes do am-biente escolar, as pessoas que exercem a função-meio, altamente necessária para assegurar a realização da atividade-fim da escola, são muitas vezes consideradas “invisíveis”. Os trabalhos de limpeza, de conservação e de ordem não são percebi-dos por aqueles que usufruem desse suporte.

O trabalho da agente53 de limpeza consiste em abrir as salas de aula, varrer, organizar, limpar carteiras e cadeiras, abrir o portão, olhar cada canto da escola para ver se está tudo em ordem para receber alunos e professores. Além da limpeza, ela também faz a manutenção do prédio, serviços como trocar lâmpadas, torneiras, car-teiras quebradas e cuidar da preservação geral do estabelecimento de ensino. A meren-deira, por sua vez, trabalha na cozinha, preparando, a partir de instruções recebidas de nutricionista, a alimentação que os alunos receberão no horário destinado ao lan-che. Incluída em seu trabalho está a tarefa de manter a cozinha limpa e organizada.

As funções exercidas por essas trabalhadoras são fundamentais para a orga-nização e o bom funcionamento da escola. Porém, justamente o fato de tudo estar

53 As pessoas pesquisadas trabalham numa escola pública estadual em Campo Grande, MS, onde há somente mulheres como agentes de limpeza.

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organizado quando professores e alunos chegam, torna-se invisível a presença dessas profissionais. Então, qual a necessidade de investigar se as trabalhadoras da limpeza e da merenda escolar são notadas ou se permanecem com certa invisibilidade em seu ambiente de trabalho, uma vez que a intenção de seu serviço é justamente essa? Ou ainda, será que o trabalho e o papel desempenhados pelas profissionais da edu-cação – merendeiras e agentes de limpeza – as transformam em educadoras?

A justificativa para esses questionamentos parte da observação, numa es-cola pública estadual em Campo Grande, MS, de que as relações e as práticas exercidas por docentes e discentes resultam num processo de exclusão social das trabalhadoras administrativas na escola, fazendo com que essas profissionais se tornem “invisíveis”.

Um dos acontecimentos que revelam a exclusão dessas profissionais foi o fato de ser instaurado o processo de intervenção administrativa na escola, e a notícia só foi divulgada aos funcionários mais “elitizados” como secretários e professores. Não houve a menor preocupação em comunicar o fato às agentes de limpeza e às merendeiras. Elas só souberam do fato quando o novo diretor assu-miu a escola. Na nova gestão, foi oportunizada aos trabalhadores administrativos a participação nas discussões relativas ao estabelecimento de ensino. Mas essa atuação foi motivo de protesto por parte dos docentes da escola. Nas reuniões em que os trabalhadores administrativos participavam e podiam manifestar sua opinião, uma professora fez gestos de repulsa, afirmando que os docentes estavam sendo diminuídos e desvalorizados pelo novo diretor ao misturar as profissionais da limpeza e da cozinha com os professores. Os demais professores silenciaram-se. A conclusão foi: se os demais docentes não se opuseram à opinião da professora, eles concordavam com a colega docente.

Esse fato confirmou uma prática observada ao longo de dois anos na re-ferida escola: os professores passam por essas trabalhadoras, agentes de limpeza e merendeiras, e nem mesmo as cumprimentam. Os docentes agem como se não tivesse alguém no ambiente. Para ilustrar ainda mais a indiferença do corpo docente com as profissionais de limpeza e as merendeiras, ao se fazer uma festa de aniversário para o diretor, os professores responderam que não iriam porque já havia festa para os aniversariantes do mês. Todavia, registra-se que, histori-camente, os funcionários administrativos nunca estiveram incluídos nessa lista de comemorações.

Situações como essas fizeram com que os ânimos ficassem estremecidos por vários dias na escola. O diretor escolar passou a fazer reuniões com os docen-

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tes, porém, sem a presença dos demais trabalhadores. Isso leva a pressupor que o diretor tenha cedido à provável exigência dos professores. Essa atitude concreti-zou o processo de exclusão que acontece, mas que muitas vezes é velado.

Por parte dos alunos, essa exclusão também ocorria. Frequentemente, cha-mavam outras colegas de forma ofensiva, usando a palavra “faxineira”. Ao observar essa situação, uma das profissionais procurou exercer o seu papel de educadora e conduziu as estudantes à presença do diretor. Estabeleceu-se uma conversa entre eles em que ficou esclarecido que a profissão de faxineira é um trabalho digno, tal como os demais, mesmo sendo pouco valorizado. A maioria das pessoas que fazem esse tipo de serviço é por “não ter tido oportunidade de estudar e de se qualificar”. Esses acontecimentos demonstram o processo de exclusão desses profissionais e permitem o seguinte questionamento: quais as causas da invisibilidade desses trabalhadores em educação? As ações desempenhadas por eles os tornam educadores ou não?

Outro motivo propulsor para a investigação dessa temática foi a participa-ção dos trabalhadores em educação no Curso Técnico Profuncionário. Esse curso, realizado por meio da metodologia de educação a distância (EaD), foi oferecido aos trabalhadores das escolas estaduais e municipais de Mato Grosso do Sul a partir de 2007. O início do Profuncionário ocorreu no município de Campo Grande. No estabelecimento de ensino pesquisado, o Profuncionário foi oferecido em 2009. A iniciativa teve como princípio a valorização profissional e salarial dos funcionários administrativos. A concepção presente no projeto do curso é de que os profissionais da educação se constituem como educadores.

Ao discutirmos a concepção laboral, verifica-se que é por meio do trabalho, aliado a outros aspectos do contexto social em que vive e atua, que o trabalhador se constitui em sujeito histórico. É por meio do trabalho que se estabelecem vínculos sociais com outros sujeitos e com outras culturas, construindo dessa forma a sua história (PINTO, 2006). Se o trabalho possibilita ao ser humano se constituir enquanto ente histórico, é importante que as relações estabelecidas no ambiente profissional favoreçam o crescimento intelectual, social e profissional.

Dessa maneira, os dados empíricos da pesquisa foram os princípios do Curso Técnico Profuncionário, além da análise dos memoriais com as reflexões das cursistas e das declarações obtidas durante a realização das aulas. Posterior-mente, em alguns casos, voltou-se a conversar com as pessoas para aclarar aspectos em dúvida quando da análise dos dados.

Houve aprofundamento teórico sobre a concepção do trabalho a partir dos estudos de obras de autores como Karl Marx e Friedrich Engels (1999),

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Antônio Gramsci (1978, 1989, 1995), Carlos Nelson Coutinho (2003) e Gau-dêncio Frigotto (1998). Analisaram-se o papel, a função, a organização e as práticas vividas na escola.

A formação dos trabalhadores em educação: concepção e prática do Profuncionário

As conquistas para aqueles que trabalham na escola pública passaram a ser mais efetivas a partir da Lei nº 12.014/2009 (BRASIL), que, em seu artigo 1º, alterou o artigo 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, LDB nº 9.394/1996), definindo quem está apto a atuar na educação básica.

Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estan-do em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são [...] trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim (BRASIL, 2009).

Ainda sobre essa questão, a Resolução nº 5/2005 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica – CNE/CEB (BRASIL) estabelece:

Art. 1º Fica incluída, nos quadros anexos à Resolução CNE/CEB nº 4/99, de 22/12/99, como 21ª Área Profissional, a área de Serviços de Apoio Es-colar, para oferta de cursos de Técnico de nível médio.Art. 2º A carga horária mínima de cada habilitação profissional da área de Serviços de Apoio Escolar será de 1.200 (mil e duzentas) horas.

A luta desses trabalhadores para que fossem considerados profissionais da educação no plano de cargos e carreira perpassa por um longo período históri-co que vislumbra a possibilidade de capacitação. O Profuncionário foi criado como política pública a partir de 2005, embora não fosse a primeira iniciativa de qualificação54 do trabalhador em educação. Isso só foi possível após longo período de discussão, articulação das entidades representativas dos segmentos dos profissionais – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), por exemplo – e setores representativos dos gestores da educação pú-blica, dentre eles a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), os

54 Projetos que inspiraram o Profuncionário: Arara Azul em Mato Grosso e Pé de Cedro em Mato Grosso do Sul. Também houve embasamento nos cursos profissionais do Acre e do Dis-trito Federal.

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conselhos estaduais de Educação (CEE) e o Ministério da Educação (MEC). O Profuncionário foi implantado nos estados de Pernambuco, Paraná, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Piauí, de forma experimental, e ganhou representativi-dade em todas as unidades da Federação. É executado pelo MEC em parceria com estados e municípios.

O curso Profuncionário objetiva formar em serviço. É destinado aos tra-balhadores que já exercem a função-meio na escola, ou seja, aos trabalhadores que preparam as condições favoráveis para que professores e alunos exerçam o fim da educação, que é a apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade.

Nas aulas do curso, utiliza-se a metodologia de educação a distância (EaD). O Profuncionário tem duração de um ano e meio, podendo prolongar-se de acor-do com o calendário estabelecido. A estrutura do programa prevê três eixos: for-mação pedagógica, prática profissional supervisionada e formação específica. O eixo de formação específica prevê a possibilidade de formação de profissionais em quatro habilitações: (1) técnicos em Gestão Escolar; (2) técnicos em Multimeios Didáticos; (3) técnicos em Alimentação Escolar; e (4) técnicos em Ambiente e Manutenção da Infraestrutura Escolar. 

O Profuncionário está dividido em módulos. Dez desses módulos são comuns a todas as habilitações. Seis módulos são de formação específica. Em Alimentação Escolar (merendeira), estudam-se alimentação e nutrição no Brasil, enquanto que na habilitação em Meio Ambiente e Manutenção da Infraestrutura Escolar (agente de limpeza) têm-se como finalidade as teorias do espaço educati-vo, higiene e segurança na escola.

As aulas são ministradas por tutores de várias áreas, tais como pedagogos, nutricionistas, administradores, engenheiros que têm por função, além de mi-nistrar o conteúdo, supervisionar as práticas, propiciar discussões e encaminha-mentos, a fim de desenvolver no ambiente de trabalho do cursista um ambiente desejado para o exercício profissional, ou seja, um ambiente semelhante aos pre-ceitos teóricos repassados a partir dos princípios estabelecidos no projeto do curso Profuncionário. O objetivo dessa prática é transformar “[...] atividades rotineiras em práticas educativas intencionais. São momentos de problematização da rotina e de criação de outras possibilidades práticas com base nos estudos dos módulos e das necessidades educativas da escola” (BRASIL, 2008, p. 55).

A avaliação se faz por meio de um memorial, de autoria individual da es-tudante, comentado e problematizado pela própria educanda. Nesse documento,

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são relatados os conteúdos ministrados e as reflexões das experiências das cursis-tas, bem como suas dúvidas, observações, experimentações realizadas, relaciona-das com os saberes e os problemas trazidos.

O Profuncionário passa a ser reconhecido pelo plano de cargos e carreira, incluindo, após a conclusão do curso, aumento salarial e incentivo aos profissio-nais para continuidade dos estudos, com uma bolsa de estudo, integral ou parcial, oferecida por uma instituição de ensino superior.

Dessa forma, pergunta-se: Será que os princípios estabelecidos no proje-to do Profuncionário conseguirão criar um ambiente escolar favorável para que agentes de limpeza e merendeiras sejam respeitadas enquanto trabalhadoras/edu-cadoras? Qual a concepção que se tem do trabalho na sociedade capitalista para que se alcance esse objetivo?

A concepção de trabalho na sociedade capitalista

A história da humanidade é construída pelo trabalho das pessoas. O ser humano primitivo conseguia o seu sustento a partir da exploração da natureza, alimentando-se de frutas e raízes. Posteriormente, esse homem passou a criar fer-ramentas de trabalho que lhe permitiram modificar a natureza, transformar sua forma de subsistência e o ambiente em que vivia. Conclui-se, então, que o traba-lho humano modifica a realidade em que a sociedade vive.

A sociedade capitalista está dividida em classes sociais: as que detêm os meios de produção e as que possuem somente a sua força de trabalho. Essa or-ganização permite que haja uma classe dominante e uma classe dominada. O trabalho nas dimensões capitalistas classifica o homem de acordo com a classe social a que pertence.

[...] O sistema capitalista, fundado no princípio da propriedade priva-da dos meios de produção, alimenta-se desta dicotomia entre capital e trabalho assalariado. [...]. O tipo de trabalho característico da sociedade capitalista é o trabalho assalariado. Nesta sociedade existe a classe bur-guesa que detém a propriedade privada dos meios de produção e a classe trabalhadora que possui apenas como propriedade a sua força de trabalho (MARX; ENGELS, 1999, p. 81).

O sistema capitalista permite a exploração do trabalhador assalariado que possui apenas sua força de trabalho, oferecendo-a como mão de obra. Por outro

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lado, existem aqueles que vivem dessa exploração, que são os detentores do capi-tal, a classe burguesa.

Na teoria marxista, uns trabalham para produzir os bens de subsistência para todos e uma parcela da sociedade desfruta do ócio. Isso caracteriza que justa-mente aqueles que trabalham na produção dos bens de consumo não têm acesso a eles. No entanto, os que detêm o capital adquirem tudo que o dinheiro possibi-lita. O que se justifica a partir da teoria da mais-valia, na qual o patrão fica cada dia mais rico e o trabalhador nada ganha por isso, a não ser um salário mínimo (MARX; ENGELS, 1999, p. 35).

O mundo do trabalho, na atualidade, absorve as novas demandas e as ten-dências neoliberais. As marcas de luta de centenas de anos “entre capitalista e operário” para o reconhecimento e a fixação de um dia de trabalho, cedem espaço para normas mais flexíveis, frutos do princípio de autonomia privada. Permite-se que o avanço tecnológico seja ordenado e apropriado pelos detentores do capital em detrimento do trabalho humano.

Vinculada ao monopólio crescente da base científica e tecnológica, a globalização permite uma verdadeira ‘vingança’ de capital contra o trabalho. De um lado, a nova base tecnológica, marcadamente flexível, permite um rápido deslocamento de investimentos produtivos de uma parte a outra do mundo (desterritorialização do capital) para buscar vantagens nas taxas de lucro e, de outro lado, aumenta exponencialmente a intensidade do capital morto e a conseqüente diminuição de capital vivo, força de trabalho (FRIGOTTO, 1998, p. 42).

Isso é resultado do fenômeno da mundialização gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo, de competição na venda das mercadorias que con-densam o trabalho social explorado, e pela hegemonia do capital financeiro. A consequência inevitável é o aumento acirrado da concorrência.

Em decorrência desses aspectos da globalização, “[...] o capital vem des-mobilizando e minguando a organização e o poder sindical que se vê forçado a negociar direitos conquistados por uma garantia mínima do emprego. Amplia-se, neste contexto, a possibilidade de superexploração da força de trabalho” (FRI-GOTTO, 1998, p. 42).

Com a desmobilização dos sindicatos, os trabalhadores estão perdendo o emprego. A classe subalterna se entrega à fragilidade e precariedade das contrata-ções, pois, inegavelmente, o desemprego é o maior problema da sociedade capita-lista. E, nesta era globalizada, o indivíduo, para sobreviver no mundo do trabalho,

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deve adquirir competências e/ou habilidades cognitivas e técnicas compatíveis às exigidas pelo mercado, além de acompanhar os avanços das novas tecnologias.

A exploração, visível a olho nu, reveste-se de novas máscaras. A invisibili-dade social permite que o trabalhador seja explorado a partir de um novo discurso em que é preciso se qualificar para aproveitar as oportunidades que o mercado oferece.

Segundo Frigotto (1998), no final do século XX e início do XXI, a educa-ção formal e a qualificação profissional situam-se como elementos de competitivi-dade, sendo colocada à prova a capacidade de a pessoa cumprir sua missão laboral com mais êxito que outras. Nesse aspecto, as pessoas se esforçam para manter seus trabalhos, mesmo com a perda de seus direitos conquistados ao longo da história.

A crise do século XX, que implicou, entre outros itens, o plano socioe-conômico, o ajustamento da sociedade à globalização injusta, o plano cultural, ideológico e ético-político, concretiza a natureza da exclusão ou da exclusão sem culpa. Frigotto considera que, para haver mudanças nesse paradigma do capital, precisa-se de ações efetivas por parte do Estado Nacional. É necessário que os sindicatos exerçam um novo papel e que haja atuação constante dos novos mo-vimentos sociais, principalmente aqueles que exigem novo modelo de educação. É estratégico que a escola se aproprie de conhecimentos e partilhe do processo educativo, não só entre a classe dominante, mas com todas as classes populares existentes na sociedade capitalista.

Destaca-se que a vida em sociedade é uma construção humana feita por homens e mulheres em constante movimento. Portanto, as desigualdades regio-nais, sociais, econômicas e educacionais são, evidentemente, resultados da ação humana.

Na concepção gramsciana, o trabalho vai além da relação do homem com a sua sobrevivência. O trabalho tem estritas relações com a organização social, a política, a ideologia, a educação e a formação do trabalhador. O princípio educa-tivo não é só qualificar mão de obra, mas estender a formação do trabalhador às organizações sociais, políticas e ideológicas.

O trabalho como princípio educativo é a própria oficina-escola que forja o homem na prática produtiva, projetando, se estendendo e concretizando vários outros tipos de escolas de cultura, de política para melhor adaptar esse homem ao novo tipo de prática produtiva necessária naquele momen-to histórico. As várias formas produtivas não são concretizações metafísi-cas, são expressões práticas pelas quais o homem procura sua sobrevivência,

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sua distinção, sua identidade, sua liberdade. Para Gramsci, as diversas for-mas produtivas e suas correlatas formas escolares são expressão da busca de liberdade por parte do homem (NOSELLA, 2004, p. 182).

O trabalho, em Gramsci, deve ser realizado de forma que o trabalhador consiga executar uma tarefa com competência, participar ativamente dos conse-lhos dos trabalhadores, da política e dos diversos movimentos sociais que façam com que ele se apodere das decisões que a sociedade possa tomar.

Gramsci afirma que a possibilidade de a classe operária se tornar dirigente é justamente elaborando um modo que proporcione a ela meios para uma organi-zação e meios para governar. A escola deve proporcionar aos jovens uma autono-mia na orientação e na iniciativa, trazendo esclarecimentos que contribuam para a elevação cultural, como noções sobre direitos e deveres, sobre as leis civis e estatais que organizam a sociedade humana.

O fato de adquirir esses conhecimentos e a capacidade de exigi-los permite aos cidadãos das classes subalternas situarem-se na sociedade. São noções que constituem a cidadania, podendo educar para a transformação e não apenas para o conformismo com a realidade a que estão aparentemente destinados. Por isso, Gramsci critica a escola profissionalizante, que impede a possibilidade de o jovem formar-se intelectual e culturalmente, tirando a possibilidade de ser um dirigente, de ter autonomia e capacidade de governar.

Na visão gramsciana, a escola unitária significa o início de novas relações entre o trabalho intelectual e o trabalho industrial. Não apenas na escola, mas em toda a vida social. Gramsci defende uma escola transformadora, presente no princípio da escola unitária. Para o filósofo marxista italiano, caberia à escola unitária elaborar, construir, desenvolver essa vontade coletiva transformadora. Todos teriam a mesma formação geral, a mesma oportunidade, e o Estado seria o encarregado de dar isso. As classes subalternas teriam condições de adquirir recursos decisivos para romper com a subalternidade e tornarem-se protagonis-tas sociais.

Para Gramsci, a possibilidade de tornar-se classe hegemônica encarna-se precisamente na capacidade de elaborar de modo homogêneo e sistemático uma vontade coletiva nacional; e só quando se forma essa vontade coletiva é que se pode construir e cimentar um novo “bloco histórico” revolucio-nário, em cujo seio a classe operaria (liberta de corporativismos) assuma o papel de classe dirigente (COUTINHO, 2003, p. 170).

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Como deve ser organizado esse ensino capaz de propiciar o início de novas relações entre o trabalho intelectual e o trabalho industrial/manual não apenas na escola, mas em toda a vida social?

A organização da escola no contexto das práticas vivenciadas

O funcionamento de uma organização escolar é fruto de compromisso entre a estrutura formal e as interações que se produzem nessa escola, nomea-damente entre grupos com interesses distintos. A organização da escola tem três aspectos: estrutura física, estrutura administrativa e estrutura social. A estrutura física são as dimensões que dizem respeito aos recursos materiais, ao número de turmas, ao edifício, à organização do espaço, etc. A estrutura administrativa en-volve todos os trabalhadores que exercem alguma função na instituição escolar: gestão, direção, controle, inspeção, pessoal docente e auxiliar, tomada de decisão, participação das comunidades, relação com as autoridades centrais e locais, isto é, aglutina toda a comunidade na qual está inserida e aqueles que por algum motivo mantêm relação com a escola (NÓVOA, 1995, p. 25).

As funções exercidas pelos profissionais da educação que apoiam o ensino--aprendizagem, como o porteiro que recebe os alunos, a agente de limpeza que organiza o espaço, a merendeira que prepara o alimento e o serve, a secretária da escola que atende a comunidade escolar, o bibliotecário que incentiva a leitura e distribui os livros, são denominadas como atividades-meio. Em outras palavras, são serviços que dão condições para que o educando tenha um ambiente que favoreça seu aprendizado e convivência.

Monlevade distingue as funções exercidas pelos profissionais (administra-tivos) da educação e pelos professores. Os administrativos auxiliam em funções que dão suporte ao desenvolvimento pedagógico. “A palavra ‘coadjutor’ significa o que ajuda outrem a desempenhar uma ação. É sinônima de auxiliar. É próxima de suporte, apoio” (MONLEVADE, 2005, p. 55).

No ambiente escolar, os profissionais têm de cooperar uns com os outros para que tudo corra bem. Exemplo disso são as agentes da função-meio – limpeza e merenda –, essenciais no intuito de que os fins da educação aconteçam, para que as atividades dos professores e dos alunos se realizem na sala de aula. O profissio-nal administrativo deve desenvolver competências que vão além da simples tarefa a ser executada. O Profuncionário prevê que

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também o funcionário precisa reunir, no mínimo, três conjuntos de com-petências: a de especialista num determinado campo de conhecimento téc-nico (Nutrição, por exemplo); a de habilitado na metodologia de sua fun-ção educativa específica; a de educador escolar, ou seja, alguém preparado e comprometido com a educação e com a proposta pedagógica da escola onde atua (MONLEVADE, 2005, p. 62).

Professores e administrativos se constituem enquanto educadores e preci-sam estar envolvidos com a política pedagógica.

Os funcionários de escola não são professores, nem seus substitutos, mas são educadores. Têm outras funções, para as quais os professores não estão prepa-rados. Podem, eventualmente, ocupar o lugar de uma professora, cuidando de uma sala de aula por alguns minutos, desde que ela lhes passe ‘o que fazer’. Como uma professora pode, também eventualmente, executar uma tarefa específica de um funcionário (MONLEVADE, 2005, p. 55-56).

Essa é uma grande diferença entre a educação elitista, dos jesuítas, das Aulas Régias, e a democrática de hoje. Os profissionais não são subalternos aos professores, mas iguais, por serem educadores, e diferentes em razão das funções especializadas que exercem. “Historicamente, até hoje há uma tendência de mui-tos funcionários ‘pegarem gosto’ pelo magistério, pela docência, e se tornarem professores, até mesmo cursando uma graduação de Pedagogia ou uma licencia-tura” (MONLEVADE, 2005, p.56).

O processo de construção ou de capacitação do profissional ainda está se fazendo. É possível o profissional se tornar educador com a reflexão dos textos e a vivência do cotidiano no interior da escola.

A função docente, essencial ao aspecto pedagógico, também agrega outras competências.

Cada professor concreto reúne pelo menos três conjuntos de competências: a de especialista num determinado campo de conhecimento (Geografia, por exemplo); a de habilitado na metodologia do ensino-aprendizagem; a de educador escolar, ou seja, de alguém preparado e comprometido com a educação e com a proposta pedagógica da escola onde trabalha (MONLE-VADE, 2005, p. 62).

O trabalho dos professores corresponde à atividade-fim da educação: os docentes interferem diretamente na formação do aluno, por meio da metodolo-gia de ensino que visa à aprendizagem. Conclui-se que merendeiras e agentes de

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limpeza estão incluídas nas atividades-meio, que contribuem para as condições favoráveis ao processo ensino-aprendizagem.

Fica evidente que os profissionais da educação – administrativos e profes-sores – são importantes para que se consiga alcançar objetivos, como propiciar o conhecimento ao estudante. O professor não teria como ministrar suas aulas sem o trabalho das pessoas que compõem as atividades-meio da escola, ou seja, da equipe da secretaria e daqueles que limpam e organizam o ambiente escolar.

Na estrutura social definida por Nóvoa (1995), destaca-se a relação alu-nos- trabalhadores e, consequentemente, a forma como esses sujeitos influenciam no modo de organização da escola. Nessa estrutura, analisam-se as relações entre estudantes e trabalhadores, bem como o nível de responsabilização, participação dos pais, a democracia interna estabelecida, a cultura organizacional da escola e o clima social.

Segundo Dourado (2006), os profissionais do estabelecimento de ensino vivenciam práticas educativas significativas na vida dos educandos. A sirene que toca, a fila na entrada, salas limpas e merenda escolar bem-cuidada, tudo tem origem em diferentes concepções teóricas e metodológicas que permeiam a administração ou a gestão escolar. Para o bom funcionamento do ambiente es-colar, é necessário que todos os trabalhadores envolvidos se sintam importantes e comprometidos com o projeto político-pedagógico, porque a escola deve ser espaço de aprendizagem constante, de informações e de troca de experiências, não só para os alunos, mas também para os profissionais da educação: docentes e administrativos.

Nessa perspectiva, a visão de que todos os profissionais da escola são edu-cadores se sustenta a partir do princípio da gestão democrática, na qual a partici-pação tem papel fundamental.

Democratização da escola implica repensar em sua organização e gestão, por meio do redimensionamento das formas de escolha do diretor e da articulação e consolidação de outros mecanismos de participação. Nesse sentido, é fundamental garantir, no processo de democratização, a constru-ção coletiva do projeto pedagógico, a consolidação dos conselhos escolares e dos grêmios estudantis, entre outros mecanismos. Isso quer dizer que a cultura e a lógica organizacional da escola só se democratizarão se todos que vivenciam seu cotidiano contribuírem para esse processo de mudança (DOURADO, 2006, p. 13).

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Na gestão democrática, o diretor passa a ser eleito pelo voto direto e a fazer parte do colegiado escolar, deixando de desempenhar somente a função admi-nistrativa. Ele passa a ser o condutor e o executor da prática pedagógica. Exerce, também, papel fundamental na condução e nas decisões tomadas pelo colegiado escolar. A ação colegiada passa a ser o eixo central do processo democrático e en-volve a função social, política e pedagógica (CATANANTE, 1999).

Sendo assim, no processo de gestão democrática, todos teriam oportunida-de de participar verdadeiramente do processo educacional na escola, possibilitan-do a formação de um cidadão crítico capaz de tomar decisões. Na escola,

o colegiado deveria ser o instrumento de debate da comunidade escolar, onde haveria a possibilidade de gerar idéias e administrar os conflitos, pro-curando alternativas para os mesmos. Todos teriam direito à voz, pois a meta era a formação do educando e a busca constante de cidadania. [...]. A composição desse colegiado ficaria entre comunidade interna (professores, funcionários administrativos) e comunidade externa (pais e alunos) (CA-TANANTE, 1999, p. 32).

Então, se todos os trabalhadores participassem das decisões referentes à sua escola, a hipótese levantada é que nesse contexto não haveria divisões entre professores e demais profissionais da educação. Dessa forma, os profissionais não professores da escola são responsáveis pelas funções-meio e os docentes, responsá-veis pelos fins da educação. Um sem o outro torna difícil a educação acontecer.

O perfil profissional dos sujeitos: agentes de limpeza e merendeiras

O Profuncionário já formou 960 trabalhadores em Campo Grande e 2.641 em todo o Mato Grosso do Sul. Atualmente, está na sua sexta turma e possui 641 cursistas.

Na escola pesquisada, oito trabalhadoras concluíram o Profuncionário: duas merendeiras, duas faxineiras, uma inspetora de aluno, uma recepcionista e duas funcionárias que trabalham na secretaria da escola. Uma funcionária recep-cionista ainda o está cursando. Duas profissionais que atuam na escola não pude-ram cursar o Profuncionário por não possuírem nem mesmo o ensino fundamen-tal completo, enquanto a exigência para fazer curso é o ensino médio completo.

A análise sobre a percepção que os sujeitos da pesquisa têm sobre esse processo de capacitação e a possibilidade da mudança de perfil profissional foi

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realizada a partir de dados contidos em memoriais escritos por merendeiras e agentes de limpeza que participaram da formação na escola pública investigada.

O curso Profuncionário visa a construir identidades de profissionais que tenham escolaridade de nível médio e mudar a concepção que o trabalhador tem ao desempenhar uma função técnica.

Encontram-se duzentas mil escolas no Brasil, nas quais trabalham mais de um milhão de funcionários ‘ditos não-docentes’, que são convidados, por uma política de valorização profissional, a transitar de suas tarefas subalternas e desvalorizadas para funções educativas de crescente com-plexidade (BRASIL, 2008, p. 22).

As características almejadas são de que esse profissional seja considerado como parte atuante no ambiente escolar. Deve ser um educador. Educador, na abordagem de Monlevade, envolve também tarefas mais complexas.

[...] Ser educador escolar, tanto como professor, como funcionário, im-plica competências mais complexas – exatamente as que estamos tentan-do desenvolver [...] e que, certamente, [o profissional] precisará aper-feiçoar [na] escola, em sua vida e, se a educação brasileira evoluir como desejamos, [...] discutir e aprofundar num futuro curso superior de gra-duação ou pós-graduação (2005, p. 62).

A possibilidade de cursar uma educação superior e a mudança na identi-dade desses profissionais fazem com que estes se transformem enquanto sujeitos e afirmem seu novo papel na escola e no sistema educacional.

Uma merendeira, embora possa ser considerada na escola uma educadora, é simplesmente uma executora, uma fazedora de merendas. Já a técnica em alimentação escolar é uma educadora profissional, que domina os conhecimentos da nutrição, que planeja, executa e avalia seu trabalho, tanto como produtora dos mais saborosos cardápios, como educadora alimentar, integrada à proposta pedagógica da escola (MONLEVADE, 2005, p. 45).

Esse novo perfil profissional do técnico em alimentação escolar é consti-tuído de conhecimentos, saberes e habilidades que o credenciam não só como educador, mas como gestor do espaço educativo.

Espera-se então que essa formação propicie, entre muitas outras coisas, competências como:

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a. preparar cardápios escolares de alto valor nutritivo, baixo custo, preparo rápido e sabor regionalizado e sazonal;

b. dominar os principais conhecimentos da profissão, integrando os conhe-cimentos científicos e tecnológicos transmitidos e produzidos, além de ressignificar a sua experiência profissional [à luz da política e da legislação sobre alimentação escolar];

c. conhecer na teoria e na prática os valores nutricionais dos alimentos, à luz dos aportes da química e da biologia, bem como a oferta regional de nu-trientes de origem animal, vegetal e mineral em suas variações culinárias;

d. conhecer os fundamentos e as práticas da educação alimentar nas dife-rentes fases da vida humana, bem como nas situações familiar, pessoal e escolar (BRASIL, 2008, p. 67).

Segundo as trabalhadoras em educação que participaram do Profuncioná-rio, houve bom aproveitamento: “[...] Estão sendo realizados cursos para capaci-tar professores e funcionários da educação, que deixam de ser apenas funcionários para serem educadores atuantes na comunidade escolar” (AGENTE DE LIMPE-ZA CURSISTA, 2010).

O curso possibilitou às profissionais descobrirem e compreenderem que são parte do corpo de trabalhadores da unidade escolar. Isso fez com que se cons-cientizassem da importância das funções exercidas por elas e de seu papel na educação. Descobertas que trouxeram mais dignidade às trabalhadoras da escola.

Após a leitura de vários módulos, com certeza compreendi o meu papel na escola como educadora. Que essa é uma função que demanda responsabi-lidade e conhecimento da forma adequada e que envolve vários aspectos: social, cultural, dentre outros. Todos eles estão interligados e devem ser observados (MERENDEIRA CURSISTA, 2010).

Os profissionais da educação fazem parte da vivência dos alunos e partici-pam de forma decisiva da formação dos educandos. No caso da agente de limpe-za, por estar sempre pelo pátio, essa funcionária se envolve de várias maneiras com os alunos, sejam os problemas pessoais ou do cotidiano escolar. O curso concebe que essa profissional deve ter conhecimento do “[...] histórico da evolução dos es-paços escolares e as teorias arquitetônicas e pedagógicas de construção do espaço educativo” (BRASIL, 2008, p. 70).

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Valorizam-se as questões de meio ambiente e manutenção da infraestru-tura escolar.

Compreender as questões ambientais no contexto da educação para a cidadania e para o trabalho, [...]; gerenciar, do planejamento à execução, os serviços de higiene e limpeza da escola, solidariamente com os outros trabalhadores e estudantes; compreender as questões de segurança das escolas, no contexto de seu espaço geográfico e de seu projeto político--pedagógico, valorizando as relações de vizinhança e de serviço à comu-nidade (BRASIL, 2008, p. 70).

De acordo com Monlevade (2005, p. 45), “além da competência, haverá um reconhecimento público: limpar uma sala de aula é uma ocupação, fazer a manutenção da infra-estrutura, transformar os espaços das escolas em espaços educativos, será uma nova profissão”. Esse é um perfil constituído de conheci-mentos, saberes, valores e habilidades que credencia a agente de limpeza como gestora do meio ambiente escolar.

O conteúdo ministrado, a conquista da dignidade e a tomada de consciên-cia de serem também educadoras modificaram a expectativa das profissionais em relação a seu trabalho. Para muitos funcionários, o curso chegou num momento em que estavam desmotivados e exerciam seu trabalho mecanicamente, devido a esses profissionais administrativos da escola não serem valorizados – até pouco tempo não eram nem mesmo reconhecidos.

Os trabalhadores em educação afirmam que o Profuncionário está no ca-minho certo, pois demonstra que o funcionário é peça importante na educação dos alunos e pode contribuir muito para sua formação. O profissional passa a ser o educador, que exerce uma função, não de um professor que cursou para isso, mas de educador que também transfere conhecimentos de sua área de trabalho para o aluno.

Sem dúvida, o desenvolvimento de um processo de educação continu-ada, por meio de cursos, grupos de estudo e troca de experiência, apresenta-se como incentivo para continuidade da escolarização formal pelos profissionais não docentes.

[...] Quem tem educação, tem mais condições de desempenhar funções intelectuais, de interagir com outras pessoas, de encontrar soluções para alguns problemas, que porventura possam acontecer no desenvolver do seu trabalho. [...]. Pois a educação nos propicia a agilidade de pensa-mento e atitude para enfrentar qualquer problema. Ela influencia, no

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sentido de que ela nos informa sobre o exercício de cada profissão. E, a partir deste conhecimento, cada um tem a capacidade de escolher com mais precisão o que for de seu interesse ou aptidão (MERENDEIRA CURSISTA, 2009).

A partir dessa concepção, por mais que desempenhe uma função técnica, o profissional faz parte da estrutura escolar e sua capacitação é muito impor-tante, porque, com o conhecimento, poderá colaborar efetivamente, ajudando a cumprir suas finalidades sociais e a execução do projeto político-pedagógico, em busca de uma sociedade mais humana, sem qualquer tipo de preconceito e/ou exclusão.

Considerações finais

Constatamos que o papel das merendeiras e das agentes de limpeza, como pro-fissionais da educação, é fundamental para a organização da escola, mas esta não percebe a importância dessas pessoas. A chamada “invisibilidade” se dá por dois motivos. Em primeiro lugar, fazem parte da gênese dessas profissões as funções de auxiliar incluídas nas atividades-meio, atividades indiretas com o educando, que contribuem e ajudam para o alcance das atividades-fim.

No segundo motivo, fica patente que na sociedade capitalista a valorização dos trabalhos artesanais é muito menor que a dos chamados trabalhos intelectuais, de acor-do com a categoria defendida por Gramsci. É preciso que os trabalhadores não docentes, da escola, conscientizem-se de seu papel enquanto educadores e valorizem a própria profissão. Para que todos os profissionais que trabalham na escola se sintam parte dela, é preciso incluí-los na construção coletiva do projeto político-pedagógico, pois somente conhecendo os objetivos educacionais é que agirão como educadores. Uma das formas de se efetivar o perfil desejado é por meio do processo de formação continuada.

Pode-se concluir que para se efetivar o perfil de educadores defendido pelo Pro-funcionário para esses trabalhadores há um longo caminho. Nesse aspecto, tem-se de valorizar e de assegurar a gestão democrática, permitindo que haja espaço de construção da identidade desse profissional, não só como aquele que executa uma atividade meca-nicamente, mas que também pode sugerir, acrescentar, modificar, tornando-se sujeito do processo educacional.

Quando esse profissional assumir essa postura de liberdade, de responsabilidade, estar-se-á rumo ao perfil defendido por Gramsci. Segundo esse filósofo, a função da escola é trazer liberdade. A educação deve favorecer a libertação para que a pessoa seja consciente de seu papel na sociedade.

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Referências

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INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES

Ana Lucia Espíndola

Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo(USP) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Pós-doutoranda em Educação na Universidade Federal Fluminense (UFF). Bolsista de Pós-Doc Sênior do CNPq. Professora As-sociada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFGD).

Ana Paula Gomes Mancini

Graduada em Pedagogia (1995) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) onde também cursou o mestrado em educação (1999). Douto-ra em educação (2005) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professora adjunta da Universidade Federal da Grande Doura-dos (UFGD). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, história da educação no Brasil, educação, pesquisa e currículo. Atualmente é pro-fessora do Programa de Pós-Graduação em Educação/Mestrado da Faculdade de Educação da UFGD.

Bartolina Ramalho Catanante

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Fe-deral de São Carlos (UFSCar). Professora adjunta da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), desde o ano de 1998, atuando nos cursos de Letras/Habilitação Espanhol e Pedagogia, lotada na Unidade Universitária de Campo Grande. Professora do Curso Mestrado Profissional em Educação, e do curso de Pós-Graduação Lato Sensu Especialização em Educação Básica com ênfase na Educação Infantil. Coordenadora Institucional do Programa Insti-tucional de Bolsa de Incentivo à Docência (PIBID). Desenvolve pesquisas nas áreas de políticas e gestão educacional e formação de professores em prol da igualdade racial.

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Eide Maria Souza Araújo

Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). É servidora pública da rede estadual de Mato Grosso do Sul.

Elis Regina dos Santos Viegas

Graduada em Pedagogia e mestranda em Educação (Turma 2012-2014), ambos pela Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Participa do Grupo de Estudo e Pesquisa Estado, Políticas e Gestão da Educação (GEPGE). Técnica em Multimeios Didáticos e Serviços Públicos. Servidora efetiva do quadro administrativo da Prefeitura Municipal de Dourados-MS. Estuda e pesquisa os seguintes temas: formação continuada de professores, políticas educacionais e alfabetização de crianças.

Elisângela Alves da Silva Scaff

Graduada em Pedagogia (1994), com Especialização (1996) e Mestrado em Educação (1999), pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutora em Educação (2007) pela Universidade de São Paulo (USP). Foi pro-fessora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), no período de 2000 a 2010, e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) entre 2010 e 2017. Realizou estudos de Pós-Doutoramento na USP sob a supervisão do Prof. Dr. Romualdo Portela de Oliveira. Atualmente, é professora do De-partamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná (DEPLAE/UFPR) e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado), linha de pesquisa Políticas e Gestão da Educa-ção, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política e Gestão da Educação Básica, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, gestão educacional e planejamento educacional. Coordenou o projeto de pesquisa “Política, Gestão e Monitoramento do processo de alfabetização em contextos escolares adversos” do Programa Observatório da Educação da CAPES.

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Franciele Ribeiro Lima

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação dessa mesma Universidade. Participou como bolsista de Iniciação Científica em Projeto de Pes-quisa ao Observatório da Educação OBEDUC/CAPES. Atuou nos Subprojetos da Pedagogia no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PI-BID)/CAPES/UFGD. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisa Estado, Política e Gestão da Educação (GEPGE), na linha Política e Gestão da Educação.

Leonete Luzia Schmidt

Graduada em Pedagogia (1990) pela Universidade Federal de Santa Cata-rina (UFSC) e Mestre em Educação (1996) também por essa Universidade. Dou-tora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação: História Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atualmente é pro-fessora do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina, atuando principalmente nos seguintes temas: História da Educação e História da Educação de Santa Catarina; Educação Básica; Políticas Públicas para Educação; Alfabetização. Coordenadora de um projeto de pesquisa do Programa Observatório da Educação (OBEDUC)/CAPES.

Maria Alice de Miranda Aranda

Graduada em Pedagogia (1991), Especialista em Gestão/Administração Educacional (2001) e Mestre em Educação (2004), pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Doutora em Educação (2009) também por essa Universidade. É professora adjunta da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Realizou estudos de Pós-Doutoramento na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) sob a su-pervisão do Prof. Dr. Antônio Bosco de Lima, pelo Programa Nacional de Pós--Doutorado (PNPD/CAPES). Foi pesquisadora no OBEDUC/CAPES. Atuou na docência e na gestão em escolas públicas de educação básica e em órgãos do sistema municipal de ensino: Secretaria Municipal de Educação de Dourados/MS (SEMED) e Conselho Municipal de Educação (COMED). Tem experi-ência na área de Educação no que tange à gestão/administração educacional

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e à formação de professores/gestores. Coordenou o Curso de Licenciatura em Pedagogia (gestão 2011-2012) e o Subprojeto da Área da Pedagogia no PIBID/CAPES/UFGD (2009 a 2013). Participa do Grupo de Estudo e Pesquisa Es-tado, Política e Gestão da Educação (GEPGE)/FAED/UFGD. Estuda, ensina, pesquisa e publica nos seguintes temas: gestão escolar, gestão democrática da educação, projeto político pedagógico, gestão dos sistemas de ensino, consti-tuinte escolar, políticas públicas de educação, alfabetização da criança no con-texto das políticas públicas de educação, democracia, participação e cidadania.

Meira Chaves Pereira

Graduada em Pedagogia pela Universidade Paulista (Campinas/SP). Es-pecialista em Educação Básica – área de concentração em Educação Infantil pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). Participou do Núcleo de Estudos e Formação Continuada de Profissionais da Educação (NEOFPE) na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e desenvolveu monitoria nos Seminários de Estudos e Pesquisas da UFGD. Atualmente, é professora de Artes Visuais em Porto Feliz-SP.

Olga Cristina da Silva Teixeira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universi-dade Federal da Grande Dourados. Coordenadora Pedagógica na Escola Mu-nicipal Sócrates Câmara, em Dourados, MS. Participou da Pesquisa ao Ob-servatório da Educação OBEDUC/CAPES. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisa Estado, Política e Gestão da Educação (GEPGE), na linha Política e Gestão da Educação.

Paulo Gomes Lima

Graduado em Pedagogia (1994) pela Universidade de Santo Amaro. Mestre em Educação (2001) pela Universidade Estadual de Campinas (UNI-CAMP). Doutor em Educação Escolar (2005) pela Universidade Estadual Pau-lista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Realizou estudos de Pós-Doutorado na FE/UNICAMP.A ênfase de seus estudos situa-se no âmbito da Educação Supe-rior e na articulação com a Educação Básica, Políticas Públicas para a Educação

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Brasileira, Fundamentos da educação e Gestão Educacional com imersão em Filosofia e História da Educação. É professor adjunto do PPGEDU [Mestrado em Educação] da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Mato Grosso do Sul.

Rosemeire Messa de Souza Nogueira

Graduada em Pedagogia Licenciatura Plena (1990) pela Universidade Fe-deral de Mato Grosso do Sul (UFMS). Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (1998). Doutora em Educação (2009) também pela UFMS (2009). Atualmente é professora concursada da Universidade Federal da Grande Dourados e líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Infantil e Infân-cia (GEINFAN). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas: educação infantil, ensino, aprendizado, escrita, leitura, prática docente e currículo da Educação Infantil.

Rosinete Costa Fernandes Cardoso

Graduada em Administração Escolar (1990) pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-Graduada em Gestão Escolar (2002) pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestranda, a partir de 2011, no curso de Mestrado em Educação pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).É professora do curso de Pedagogia na Universidade do Sul de Santa Catarina e administra-dora escolar na EEB Gov. Aderbal Ramos da Silva, município de Tubarão/SC (rede estadual). Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: legislação, projeto pedagógico, projetos, gestão educacio-nal, estágio em gestão educacional, política educacional.

Silvia Cristiane Alfonso Viédes

Graduada em Pedagogia (2008) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (2012) pela Uninter e Especialista em Educação Infantil (2012) pela UFMS. Cursando o Mestrado Profissional em Educação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (PROFEDUC/UEMS) – Campo Grande/MS. Estuda e pesquisa alfabeti-zação e literatura infantil. E-mail: [email protected]

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Thaise da Silva

Graduada em Pedagogia (2000) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Alfabetização (2004) pela Faculdade Porto--Alegrense (FAPA). Mestre em Educação (2008) pela UFRGS e doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (2012),nessa mesma instituição. Pro-fessora adjunta da área de Currículo e Alfabetização da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Atuou como professora em distintos níveis de ensino – Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Funda-mental, Ensino Médio/Curso Normal e Ensino Superior –, com crianças, jovens e adultos, tanto em instituições públicas quanto em privadas. Tem experiência na área de educação, atuando principalmente nos seguintes temas: alfabetizações, letramentos, práticas de leitura e de escrita e oralidade nos ambientes doméstico e escolar e livros didáticos de alfabetização.

Vilma Miranda de Brito

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)/Câmpus de Dourados. Mestre e doutora em Educação pela UFMS/Câmpus Campo Grande. Professora do quadro permanente da Universidade Es-tadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) nos cursos de Pedagogia, Geografia e no Programa de Mestrado Profissional em Educação, na Unidade de Campo Gran-de, MS. Atuou como docente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental em escolas públicas e privadas e na Secretaria Municipal de Educação de Dourados. Foi professora na UFMS/Câmpus de Dourados, no período 2002 a 2004. Mem-bro do Conselho Universitário e vice-coordenadora do Programa de Pós-Gradu-ação em Educação – Mestrado Profissional em Educação – da UEMS. Estuda e pesquisa política educacional, gestão educacional e educação básica. E-mail: [email protected]

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