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PODERIA SER A LITERATURA UMA PINTURA?
FRONTEIRAS ENTRE AS ARTES NO MOVIMENTO CONCRETISTA SEGUNDO
CONCEITOS DA FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Carlos Eduardo Silva Barbosa1 RESUMO: Este artigo procura analisar as delimitações da literatura e das artes plásticas, retomando, para isso, elementos da Filosofia da Linguagem e da arte concreta. Para esse propósito foram utilizadas bibliografias de diversos autores, e são considerados argumentos principalmente de Nelson Goodman, Emmanuel Kant e Benedetto Croce, em abordagens que consideram as possíveis delimitações da literatura, pintura e escultura, e a argumentação desses aspectos a partir de discussões sobre gosto, emoção, satisfação, beleza e prazer pessoal na observação dos objetos, conceituados como artístico ou não. Ao se tomar o concretismo como modelo para essa discussão, são considerados aspectos históricos, sociais, e as relações com outros movimentos artísticos em que a arte concreta está envolvida. O desenvolvimento desse trabalho permitiu concluir que não se podem estabelecer os limites entre artes plásticas e literatura no Concretismo - e eventualmente em qualquer outra área do entendimento humano, por não se poder conceituar arte plástica ou literatura e, em especial, linguagem. Palavras-chave: Filosofia da linguagem. Concretismo. Estética. ABSTRACT:
This paper analyzes the relationship of literature and the visual arts, returning to it, elements of the Philosophy of Language and “Concreta” art. For this purpose various authors bibliographies were used, and are considered arguments mainly of Nelson Goodman, Emmanuel Kant and Benedetto Croce, in approaches that consider the possible relation of literature, painting and sculpture, and the arguments of these aspects from like discussions , excitement, satisfaction, beauty and personal pleasure in observing the objects, conceptualized as artistic or not. When we think thought the “concretismo” as a model for this discussion, they are considered historical, social, and a relation with other artistic movements in the “concreta” art is involved. The development of this work led to the conclusion that one cannot draw the line between visual art and literature in “concrestismo” - and eventually in any other area of human understanding, for not being able to conceptualize art or literature, in particular, language. Keywords: Philosophy of language. Concretismo. Aesthetics.
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Professor de filosofia graduado em Filosofia, especialista em literatura brasileira e mestre em filosofia. Endereço
eletrônico: [email protected].
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1 INTRODUÇÃO O surgimento da Arte Concreta é convencionalmente datado de 1957, quando da
I Exposição da Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, portanto
pouco anterior à sua dissidência carioca, o Neoconcretismo, de 1959. Essa exposição
reuniu artistas plásticos e poetas do rio de Janeiro e São Paulo (CARVALHO, 2002)
estabelecendo importantes relações entre a poesia e as artes plásticas:
Os poetas concretistas aproximam-se das artes plásticas, aproximando-se da música para alcançar a nudez da percepção, a virgindade e a pureza do golpe inicial, global, perceptivo das gestalts. Eis por que sofregamente abandonam o verso, com suas andanças, seu corte, sua natureza invencivelmente cultivada, erudita, conceitual, para conectar, apegar-se a um objeto bruto, a uma experiência que ainda está para cá dos conceitos, para cá do inevitável encadeamento lógico-associativo, especulativo-psicológico. (PEDROSA In: Helba Carvalho, p.17, 2002).
Este trabalho tem como objetivos específicos propor uma análise das
aproximações entre literatura e as artes plásticas, retomando, para isso, elementos da
Filosofia da Linguagem e da arte concreta. Para esse propósito são considerados
principalmente argumentos de Nelson Goodman, Emmanuel Kant e Benedetto Croce,
em abordagens que ponderam sobre as possíveis delimitações especificamente da
literatura, pintura e escultura a partir de discussões sobre gosto, emoção, satisfação,
beleza e prazer pessoal na observação dos objetos, conceituados como artístico ou
não. Ao se tomar o concretismo como modelo para essa discussão, são considerados
aspectos históricos, sociais, e as relações com outros movimentos artísticos em que a
arte concreta está envolvida.
Pretende-se que este trabalho tenha alguma relevância ao apontar para
perspectivas de leitura da arte, em si e de suas Inter-relações, diferente da perspectiva
atual, que procura seguir determinados padrões; apesar de eventualmente terem
origens seculares, os argumentos aqui apresentados procuram se direcionar para toda
análise das artes – seja pré-histórica ou contemporânea. Discute-se ainda, como
interação entre teoria e prática, se é possível qualquer forma geral de análise das artes
e de suas relações sob a égide de alguns autores, uma vez que se pode contextualizar
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a interpretação e análise de obras também segundo condições históricas e sociais,
como a influencia da massificação produzida pelos meios de comunicação
contemporânea em vista de culturas isoladas, ou se essa análise só faz sentido para o
indivíduo, independentemente da coletividade.
2 FILOSOFIA E LINGUAGEM Nietzsche (in LAMANA, 1990) afirma que a origem do conhecimento e da
linguagem não está na lógica, e sim na imaginação, na capacidade de formular
metáforas, enigmas e modelos. Considerando que a filosofia da linguagem permite a
análise da língua e das artes, propomos neste trabalho uma avaliação do concretismo
sob a perspectiva dos limites possíveis entre literatura e artes plásticas, tendo em vista
as duas formas de expressão criadas a partir da mente através de metáforas, enigmas
e modelos, sendo classificadas aqui como formas de linguagem.
Para Alston (1972, p. 13-24), a Filosofia da Linguagem não está, até a
atualidade, claramente definida. Alguns autores, entretanto, definiram critérios de
abordagem, como Chaves (1990), que classifica a Filosofia Analítica em duas vertentes:
o Positivismo Lógico, que tem como antecedentes as filosofias de Bertrand Russell e
Ludwig Wittgenstein, representada pelo Tractatus Logico-Philosophicus, de 1918, e
encontrou sua formulação clássica nas obras dos filósofos do Círculo de Viena, com
Moritz Schlick, Rudolf Carnap e outros. A outra vertente é a Filosofia Linguística, que
tem como antecedente mais importante (sic.), G. E. Moore, com sua ênfase na análise
do senso comum e da linguagem do dia-a-dia, e encontrou sua formulação clássica na
obra de Ludwig Wittgenstein, com suas Investigações Filosóficas, como também na
obra de John Austin.
A exemplo de William P. Alston (1972, p. 13-24), não serão feitas distinções
entre Filosofia Linguística e Filosofia da Linguagem. Apenas se considerará a
linguagem como objeto de análise lógica da literatura, ou seja, os enunciados e suas
relações com outros enunciados. Desta forma será analisada a relação do concretismo
com a realidade em que se insere (análise de segunda ordem, como propõe Chaves,
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1990) e não a partir do próprio concretismo, como em uma metalinguagem (análise de
primeira ordem).
Observando filósofos como Bergson que consideram a linguagem inadequada à
formulação da verdade fundamental, de forma que só se pode apreender efetivamente
a verdade mediante uma união não verbal com a realidade, e as proposições só
apresentariam perspectivas mais ou menos desvirtuadas, posição compartilhada em
certos aspectos por Wittgenstein (WITTGENSTEIN, 1979), o uso da linguagem nas
artes é posto aqui como instrumento e comunicação, de maneira que, de forma efetiva
ou não, uma “comunicação” ocorre. Quanto aos filósofos que acreditam na linguagem
como instrumento de transmissão de ideias, Alston (1972, p. 13-24), os divide em dois
grupos: os que acreditam e os que não acreditam que a linguagem coloquial (da
conversação cotidiana) seja adequada aos fins filosóficos. Para os primeiros o
problema, não estando na linguagem, está em se desviar o significado original dos
termos sem um mecanismo que dê sentido ao desvio. E encontram-se exemplos dessa
posição nos protestos de Locke contra os jargões escolásticos e, mais recentemente,
com Wittgenstein, que sustenta que os problemas da Filosofia decorrem do uso
incorreto, nos trabalhos filosóficos, de termos como "saber", "ver", "livre", "verdadeiro" e
"razão", fazendo com que se caísse em “enigmas insolúveis” sobre se podemos saber o
pensamento ou sentimento de outras pessoas; se realmente vemos, de modo direto,
qualquer objeto físico; se agimos sempre livremente; se temos sempre alguma razão
para supor que as coisas acontecerão de uma maneira ou de outra no futuro (ALSTON,
1972, p. 13-24).
O outro grupo de filósofos, que acredita na linguagem como instrumento de
transmissão de ideias, sustenta que o problema decorre do fato de ser a própria
linguagem vulgar inadequada para fins filosóficos, em vista de sua indefinição,
ambiguidade, caráter vago e inexplícito, dependência do contexto e de sua natureza
propícia a interpretações ilusórias ou equívocas. Leibniz, Russell e Carnap são
representantes dessa linha de pensamento e acham necessária a criação de uma
delineação de uma linguagem, ou mesmo a construção de uma linguagem artificial,
para esse fim, de forma a corrigir o problema. Frege também, por aspirar à construção
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de uma linguagem perfeita, que não apresentasse os mesmos problemas da linguagem
natural, segundo Barbosa (2003) não inclui em sua teoria o que não pode ter uma
referência no mundo, por acreditar que a linguagem natural apresenta ambiguidades
que poderiam ser eliminadas numa linguagem artificial.
Para analisar o significado das proposições na arte concreta (como enunciado de
primeira ordem), bem como sua estilística (enunciado de segunda ordem), se considera
também a proposta fregeana, que afirma que o estudo do significado tem como base o
conceito de verdade, ou seja, a relação entre o significado da proposição e seu
referente (FREGE,1978).
Na relação entre o texto e as artes plásticas no concretismo encontra-se
principalmente em Nelson Goodman, mas também em Croce e Kant, analises
importantes para a discussão estilística em questão.
3 CONCRETISMO O concretismo é tido como um movimento caracteristicamente brasileiro.
Entretanto observa-se esse tipo de poema-pintura, com alguma intenção social ou
política, em poemas estrangeiros, como os de Edward Eastlin Cumrnings (ee.
cummings) (fig. 1). E, mais recentemente, movimentos e obras que diretamente
influenciaram a arte concreta, como em Mondrian e Max Bill. Em uma tradução de
Augusto de Campos:
eu estou te pedindo querida é pra que mais poderia um não mas não é o que claro mas você não parece entender que eu não posso ser mais claro a guerra não é o que imaginamos mas por favor pelo amor de Oh que diabo sim é verdade que fui eu mas esse eu não sou eu você não vê que agora não nem sequer cristo mas você precisa compreender
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como porque eu estou morto
FIGURA 1 - Cummings. O poema e cummings. Fonte: http://www.opoema.libnet.com.br/eecummings/eecummings.htm Portanto, o aspecto “não literário” do poema concretista se mostra característico,
porem não exclusivo deste movimento, sendo entretanto passível de análise como
movimento estético e político brasileiro.
Esse estilo se originou no Brasil nos anos 50 do anseio de propor soluções para
a expressão de uma arte inserida em contexto geopolítico da industrialização, e de
acompanhar a modernidade. Nesse contexto de transformação social, os poetas do
movimento ancoravam-se na busca de novas experiências e na tentativa de superar os
próprios limites (PELEGRINI, 2001, p. 39-60). Alfredo Bosi (1994, p. 476), entretanto,
ressalta que se dá como ponto de partida da poética concretista a texto “Un coup de
dés jamais n’abolira le hasard”, de Mallarmé, escrito em 1897 – o primeiro poema em
que a comunicação não se faz pelo tema, mas pela estrutura verbo-visual (como se
pode observar pelo fragmento registrado na fig. 2).
FIGURA 2 – Stéphane Mallarmé, Un coup de dés jamais n‟abolira le hasard Premières épreuves
corrigées, Paris, imprimerie Firmin-Didot, 2 juillet 1897. (FONTE: Cent trésors de la Réserve des livres
rares).
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As obras, portanto, buscavam explorar diversas possibilidades no espaço e no
tempo históricos.
Segundo Pelegrini (2001, p. 39-60), a produção artístico-cultural brasileira entre
1956-1970 teve, em geral, a intenção de desvendar os problemas do seu tempo e
propor estratégias para promover o desenvolvimento da sociedade. No campo literário,
algumas dessas manifestações, como o Concretismo, enveredaram pelos signos
plásticos. Outras buscavam seus objetivos sócio-políticos pela arte engajada. Percebe-
se que duas tendências se destacaram quanto ao papel histórico das atividades
artístico-culturais no processo de modernização: a formalista e a nacional-popular.
Enquanto aqueles defendiam o „moderno‟ sem restrições, considerando o
desenvolvimento tecnológico bom (independentemente do caráter de classes sociais),
estes se voltavam para a busca das raízes da cultura brasileira e da libertação nacional
- entendida como a superação do arcaísmo explorador, das oligarquias, dos resquícios
feudais nas relações de trabalho no campo e do imperialismo norte-americano. Mesmo
se autopostulando revolucionários, os adeptos do “nacionalpopular” não propunham a
ruptura com o capitalismo, mas sim a independência do imperialismo cultural.
Embora não se possam visualizar marcos rígidos de proximidade e
distanciamento entre os movimentos literários do período em questão, poder-
se-ia afirmar que até meados dos anos 60 a vanguarda concretista e suas
dissidências mais próximas tornaram-se os principais agentes da primeira
corrente Neo-Concretismo e Instauração Práxis . Nos anos finais da segunda
metade da década, os artistas ligados ao Poema Processo e ao Tropicalismo
voltaram-se a semelhante postura. A segunda corrente alinhou-se o movimento
do Violão de Rua, vinculado ao Centro Popular de Cultura da UNE (CPC).
(PELEGRINI, 2001, p. 39-60)
O concretismo propõe, assim, que não se utilizem metáforas e que a obra se
projete como objeto em e por si mesmo, e não como um intérprete de objetos exteriores
e/ou sensações mais ou menos subjetivas. O fazer-se poético dos concretos tende a
exacerbar o imaginário e a inventividade humana e aproximar-se de processos
estruturais que marcaram o futurismo (italiano e russo), o dadaísmo e, em parte, o
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surrealismo. O poema concreto, ao usar a linha, a letra e o próprio espaço inerente à
superfície da página como partes do poema, definia-se não a partir do tema, mas de
sua própria estrutura verbivocovisual – que é o aspecto responsável pela sua
mobilidade em diferenciados campos artísticos (PELEGRINI, 2001, p. 39-60; BOSI,
1994).
Ao interpretar um poema concreto, para Alfredo Bosi,
O leitor (...) não deve partir de qualquer apriorismo. O seu primeiro passo é sentir a experiência concreta e depois examinar os seus princípios teóricos sem prévio assentimento nem apressada rejeição. Do ponto de vista estritamente estético (= formativo), a poesia concreta é uma reiteração coerente e radical das experiências futuristas e cubistas, lato sensu, modernistas, que pretenderam superar, uma vez por todas, a poética metafórico-musical do Simbolismo. Situando-se na linha evolutiva de Mallarmé de Um Coup de Dês, (...) de um Cummings (...), o atual [anos 1968-69] objetualismo poético retoma, em face da lírica pura, dos anos 30 e 40, aquela negação dos ritmos tradicionais própria das vanguardas constituídas entorno da I Guerra Mundial. (BOSI, 1994, p. 481)
Características do concretismo, como substituição da estrutura frásica do verso
por estruturas nominais que estabelecessem relações estratégicas e não lineares com
os espaços em branco (horizontal/vertical/diagonal). A ausência de pontuação, a
atomização das partes do discurso, sua justaposição e redistribuição de elementos; os
neologismos, podem ser visualizados, por exemplo, no poema Perturbações Intestinais,
de Décio Pignatari (fig. 3).
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FIGURA 3 – PIGNATARI – Perturbações Intestinais
Na interpretação de Pelegrini, a visualização da construção desse poema mostra
uma exploração das semelhanças sonoras e da sintaxe visual, observada
especialmente pela relação entre a forma, a cor e o fundo. A intenção do autor ao fazer
a obra era mostrar a corrosão da imagem da indústria farmacêutica e o infortúnio da
doença, mas que acaba configurando como parte integrante da linguagem do sistema
de consumo e do próprio objeto criticado.
O concretismo, assim, não se limitou à literatura e segundo Bosi (1994, p. 477)
atingiu correntes experimentalistas de outras artes também voltadas à construção de
objetos (sonoros, plásticos, etc.). Na pintura cita: Picasso, Mondrian (fig. 4), Volpi; na
escultura: Giacometti (fig. 5), Calder; na música: as composições eletrônicas de
Stockhausen, Cage, no desenho industrial: princípios dos grupos de Bauhaus (fig. 6, 7);
no cinema, “a lição da montagem de Einstein e a nouvelle vague de Resnais, Godard e
Antonioni”:
A Bauhaus [escola alemã de arquitetura] combatia a arte pela arte e estimulava a livre criação com a finalidade de ressaltar a personalidade do homem. Mais importante que formar um profissional, segundo Gropius, era formar homens ligados aos fenômenos culturais e sociais mais expressivos do mundo moderno. (...) A unidade arquitetônica só podia ser obtida pela tarefa coletiva, que incluía os mais diferentes tipos de criação, como a pintura, a música, a dança, a fotografia e o teatro. De tal maneira a filosofia da Bauhaus impregnou
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seus membros que sem demora se definiu um estilo em seus produtos despidos de ornamentos, funcionais e econômicos, cujos protótipos saíam de suas oficinas para a execução em série na indústria. (Bauhaus, 1999)
Ressalta-se ainda que foi uma escola de ensino superior criada em 1919 por
Walter Gropius e encerrada como tal em 1933, na Alemanha, que unificou arquitetura,
escultura, pintura, desenho industrial, etc. Esse aspecto é complementar à posição de
Carvalho (2002, pág. 14), segundo a qual a arquitetura brasileira concretista (com Lúcio
Costa) e neoconcretista antecederam a pintura e a literatura concretista.
FIGURA 4 - MONDRIAN "Kompozicija" 1921. FIGURA 5 – GIACOMETTI."Čovjek koji pokazuje",1947 . FIGURA 6 - Hubert Hoffmann, dismountable table, 1946-48 – Autor da Bauhaus FIGURA 7 - Wassily Kandinsky, Black Relationship, 1924. The Museum of Modern Art, New York. – Autor da Bauhaus
3.1 - Neoconcretismo ou Concretismo Carioca
Criado por Ferreira Gullar, o Neoconcretismo, apesar de ter sido um movimento
de curta duração, assim como o concretismo, manifestou-se na poesia e nas artes
plásticas. O Neoconcretismo, na verdade, é uma dissidência do Concretismo, mas sem
rupturas drásticas: os concretistas cariocas fundaram o neoconcretismo fugindo da
“perigosa exacerbação racionalista dos paulistas” (GULLAR, BASTOS & JARDIN In:
CARVALHO, 2002).
Os concretistas cariocas, ou neoconcretistas, abriram mão de uma comunicação
“mais rápida” que buscavam os paulistas; opuseram-se ao uso de “processos
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publicitários em geral”, procurando assim tornar a poesia mais “durável”; eliminar a
submissão da obra às leis científicas e voltar-se para a vida cotidiana, como pode ser
observado no Manifesto Neoconcreto, de 1959. Utilizam-se objetos que não a palavra;
“as cores, as dobras, os movimentos tendem a potencializar o signo verbal” (Jornal do
Brasil, 23 jun. 1957. Suplemento Dominical, p. 1. In: Carvalho, 2002 Carvalho, 2002, p.
75)
Desta forma, aponta-se uma intenção de ambiguidade entre as artes plásticas e
a poesia no neoconcretismo, como se pode ver representado na figura 8:
FIGURA 8 - Omar Dillon, Poema Lua. In: Carvalho, 2002, p. 75.
Do Poema Pássaros, de Ferreira Gullar (fig. 9), o crítico de arte Roberto Pontual diz:
o operador (já Mallarmé chamava o leitor de operador), depara de início com um cubo branco de madeira em que se delimitou um das faces (...) permitindo ver que no seu interior foram inseridas, por meio de estrias abertas em dois lados paralelos, duas finas placas móveis, igualmente brancas. O cubo: ainda um objeto, sensível e possuidor de nome, mas opaco a uma apreensão integral. O operador dá inicio, então à manipulação, retirando ao mesmo tempo do cubo as duas placas e separando depois uma da outra. Feito isso descobre (em ambos os sentidos) a palavra PÁSSARO. E nesse exato momento – deflagrada a palavra, elemento verbal propriamente dito – o cubo, as duas placas, todos os elementos plásticos, enfim, adquirem uma significação que lhes faz passar da condição de objeto à condição nova de não objeto, não mais refratário e opacos à posse total. (“O não objeto verbal como síntese”. Jornal do Brasil, 17 dez. 1960. Suplemento Dominical, p. 4-5. In: Carvalho, 2002)
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FIGURA 9 - Ferreira Gullar, Poema Pássaro, de. In: Carvalho, 2002, p. 75.
4 O SÍMBOLO: GOODMAN, CROCE, KANT E A DELIMITAÇÃO DAS ARTES 4.1 - Símbolo
Para Suzana Yolanda Lenhard Machado (1983. p.34), um dos traços essenciais
do símbolo é a simultaneidade dos distintos sentidos que ele revela, ou, mais do que
„diversos sentidos‟, dos diferentes valores e aspectos concretos que assume o sentido
em si.
Para Juan-Eduardo Cirlot (1984. p. 30), a função do simbolismo é acrescentar
um novo valor ao objeto sem se voltar contra seus valores próprios ou históricos. O
valor simbólico, portanto, é o arquétipo de um objeto, no qual há uma analogia entre o
nível da realidade e do espiritual.
O estudo do simbólico é bastante indefinido para sugerir eventualmente
várias possibilidades de avaliação distintas, porém não incorretas, como será
exemplificado posteriormente no contexto da arte concreta.
Para Peirce, o símbolo é um signo que depende de um ato qualquer, nato
ou adquirido. Qualquer objeto – “estrela”, “pássaro”, “casamento” – é exemplo de signo,
que por si não é capaz de identificar ou especificar as coisas às quais se refere (não
nos faz ver uma estrela no céu, não nos mostra um pássaro voando, nem celebra um
casamento), mas supõe a capacidade do observador de imaginar os eventos que
propõe, como pede ser visto pela análise de Roberto Pontual da obra Os Pássaros, de
Ferreira Gullar. Assim sendo, é por força de um juízo na mente do usuário que o
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símbolo se relaciona com o seu objeto. E essa relação se dá através de uma
associação de ideias que age de modo a fazer com que o símbolo seja interpretado
como se fosse aquele objeto. Essa associação de ideias é um hábito ou lei adquirida,
que faz com que o símbolo represente algo diferente dele. Enfim, o símbolo é uma lei
(SANTAELLA, 1999. p. 59-71). Essa concepção será contestada por diversos autores
que relativizam a linguagem, e portanto também o símbolo, permitindo que o símbolo
não tenha interpretação obrigatória, mas ambígua.
Ananda K. Coomaraswamy, filósofo hindu, diz que o simbolismo é o pensamento
em imagens que foi perdido pelo homem civilizado, especialmente nos últimos séculos
possivelmente em consequência do que chama de “as catástrofes teóricas de
Descartes” (CIRLOT, 1984, p.29). Para a concepção psicanalítica, esses pensamentos
que para Coomaraswamy foi perdido, na verdade estão na esfera subconsciente, que é
permeada de símbolos.
Defende Freud que “símbolo” é uma palavra de sentido restrito, referindo-se a
imagens internas ligadas direta ou figurativamente ao que elas significam: “símbolo é
uma pulsão representativa que pode estar ligada às fantasias sexuais” (LIMA, 2000),
Nelson Goodman contraria essa acepção, como será discutido posteriormente.
Na concepção de Lacan, mais próximo de Nelson Goodman, para que a criança
alcance o nível da realidade, deve deixar o modo imaginário da visão de si (como um
reflexo no espelho) e dos outros e utilizar o modo simbólico. Para Lacan, então, o
simbólico é coletivo e cultural (diferindo do imaginário, que seria individual e ilusório).
Por outro lado, Gilbert Durand diz que a imagem seria portadora de um sentido preso à
significação imaginária, um sentido figurado, de forma a constituir um signo motivado no
próprio sujeito, ou seja: um símbolo (DELEUZE, 1992 e ALLEAU, 1973).
4.2 - Nelson Goodman – o fim prático, o gosto pessoal, a emoção e a satisfação como
possíveis critérios para determinar limites entre as obras intelectuais.
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Com sua obra Language of the art, an approach to a theory of symbols (1968),
Nelson Goodman introduziu sua discussão sobre a estética no ambiente filosófico
anglo-saxão, dominado pela Filosofia Analítica (CANÃN, 2005).
Nesta obra Goodman diz que há uma persistente tradição que caracteriza a
„atitude estética‟ como uma contemplação passiva, com uma apreensão direta do que é
apresentado, sem considerar o que ele se refere como „os ecos do passado e todas as
ameaças e promessas do futuro‟:
Eu quase não preciso recontar as falhas da filosofia e dos absurdos estéticos
para se notar tal visão até alguém seriamente vir de longe para sustentar que a
estética apropriada em um poema é sua contemplação em uma página, sem a
necessidade de lê-lo. (Language of the art, p. 241)
Para Goodman a pintura deve ser „lida‟ bem como o poema, e que a experiência
estética é dinâmica, muito mais que estática. Ela envolve fazer delicada descrição e
discernimento de sutis relações, identificando sistemas de símbolos e caracteres neste
sistema e o que esses caracteres denotam e exemplificam, interpretando palavras e
reorganizando o mundo em termos de palavras e as palavras em termos de mundo. A
„atitude‟ estética é inquieta, minuciosa, experimentadora.
A atividade estética tem, portanto, grande semelhança com outras áreas de
competência intelectual, como a percepção, a conduta normal e o pensamento
cientifico. A diferença mais imediata, segundo o autor (p. 240), é que a estética não
serve a um fim prático, entretanto é inquisitiva, à semelhança da ciência, que
diferentemente da tecnologia, também não objetiva um fim prático.
Frequentemente são feitas tentativas para distinguir a estética em termos de
gosto imediato, como fez Kant, em sua Crítica do Juízo, definindo que os juízos sobre o
gosto são juízos que se referem aos sentimentos do observador pelos objetos
percebido, neste caso, a obra de arte (portanto, para Kant, um gosto ou prazer
desinteressado, ao contrario, por exemplo, do prazer sensual), e não por quaisquer
características percebidas do objeto (OSBORNE, 1978, p. 158). Mas, para Goodman,
surgem dificuldades que afastam o gosto como critério possível. O exemplo do autor é
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que não se pode afirmar que a pintura ou o poema proporcione mais prazer que uma
comprovação cientifica.
Poderia ser a emoção, e não o gosto uma forma de distinção. Essa elucidação
do sofisticado caminho teórico não conta como prazer de fato, mas como prazer
„objetivado‟, prazer de ler, nos objetos, suas propriedades. Considerando o prazer
gerado em decorrência do objeto, ou seja, que o efeito do objeto é prazeroso, poder-se-
ia dizer que o valor do objeto é a expressão do prazer que proporciona. Entretanto o
autor derruba esse possível argumento contra-argumentando que, desde que alguns
objetos estéticos são tristes – expressam tristeza no lugar de prazer -, isso não pode
distinguir entre experiências estéticas e não estéticas.
A “satisfação” então talvez pudesse ser substituída pela emoção: “'satisfação' é
incolor o bastante para passar em contextos onde 'prazer' é absurdo, nebuloso bastante
para contra obscurecer exemplos, e flexível bastante para tolerar vacilação conveniente
em interpretação” (OSBORNE, p. 242). Entretanto, mais uma vez, para Goodman, esse
argumento falha, uma vez que, a beleza da satisfação claramente não pode distinguir
objetos e experiências estéticos e não estéticos: não apenas fazer alguma indagação
científica rende muita satisfação, mas alguns objetos e experiências estéticas não
rendem nenhuma, e ser estético não exclui o ser insatisfatório ou o ser ruim. Entretanto,
poder-se-ia dizer que a característica distintiva não é satisfação afiançada, mas a
satisfação buscada: na ciência, satisfação é subproduto da investigação; em arte,
investigação é meio de obter satisfação. A diferença nem está num processo cumprido,
nem na satisfação desfrutada, mas na atitude mantida. Nesta visão, o objetivo da
ciência é o conhecimento, e o objetivo da estética é a satisfação. Entretanto esses
objetos (satisfação e saber) não podem ser claramente separados: o estudante busca
conhecimento ou satisfação no saber? Alguém que tente buscar a satisfação sem
buscar a sabedoria, seguramente não conseguirá nenhum deles. “E eu não posso ver
neste tênue efêmero, e idiossincrático estado da mente qualquer diferença significante
entre o estético e científico”.
O problema da interpretação para Nelson Goodman se volta para os símbolos:
uma pintura, uma escultura, uma poesia ou um texto (ou seu fragmento) são símbolos.
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Desta forma, a interpretação, por exemplo, de uma poesia, é semelhante à
interpretação de uma pintura e podendo-se predicar a todos os símbolos “tristeza”,
“serenidade”, etc., ou seja, sua expressão.
Desta forma defende o autor que a estética é definida, não pelo prazer, mas pela
emoção proporcionada, uma vez que um objeto estético pode transmitir emoções como
tristeza, e não de prazer. Entretanto, a emoção que um objeto pode causar não pode
também servir para classificá-lo como estético ou não estético, uma vez que várias
coisas ou objetos têm essa propriedade de transmitir emoções.
Em qualquer âmbito, uma análise e interpretação envolvem a interpretação do
símbolo, e a interpretação de um símbolo envolve quatro aspectos, que são as quatro
funções goodmanianas do símbolo: denotação, exemplificação, representação e
expressão. Nelson Goodman concebe a representação como um caso de denotação, a
exemplificação como o inverso da denotação e a expressão como um caso de
exemplificação (fig. 10).
FIGURA 10: Os aspectos do símbolo em Nelson Goodman A representação é então o aspecto figurativo da representação, enquanto a
expressão é a “metáfora” utilizada para figurar a exemplificação. O cerne da
interpretação do símbolo goodmaniano é a denotação. A denotação é o objeto a que se
refere o símbolo, sua extensão, um aspecto que extrapola o próprio símbolo. Em termos
do próprio autor, a relação entre uma pintura e o que ela representa é a mesma relação
entre um predicado e ao que ele se aplica. Desta forma, a representação é um tipo
especial de denotação sic (CANÁN, 2005). Por exemplo, na frase “Pedro não existe”,
para Goodman, “não existir” é propriedade de Pedro, ou seja, é denotação – a frase
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refere-se a não existência de Pedro. Desta forma, Pedro é exemplificação do que não
existe, e denotação se opõe à exemplificação.
Nelson Goodman divide as denotações em: verbais, em que se encaixam, por
exemplo, os textos em prosa e poesia, e não verbais. Estas ainda são subdivididas em
notacionais, como a música, e representacionais (pictóricas, como a pintura e o
desenho e não pictóricas, como a escultura e a fotografia). Estes aspectos permitem
perceber o que seria, para a filosofia goodmaniana, o concretismo, com seus “poemas
pictóricos” e suas esculturas (neoconcretismo). Até por achar que “a semelhança não é
necessária para a referência” (5, c.a.) e assim quase qualquer coisa pode estar para
qualquer outra coisa, como a palavra „livro‟ - não semelhante a nenhum livro como
objeto (no sentido ordinário da palavra). Entretanto, para representar um objeto, uma
pintura tem que se referir a ele, tem que ser um símbolo dele. Por esta concepção
poderíamos cunhar até mesmo um “critério goodmaniano” de julgamento das artes
plásticas, esse critério goodmaniano seria o “critério de sucesso” afirmado pelos
mentalistas como impossíveis de serem julgados. A pintura é uma denotação que
predica (representa) algo.
Goodman (pág. 33), exemplifica que Pablo Picasso pintou o retrato da
dramaturga Gertrud Stein, e que o retrato não se parecia com ela (não denotava a
dramaturga). Entretanto, depois de ter dito do significado da pintura, esta passou a
representar Gertrud Stein. Desta forma, percebe-se que em Goodman o significado é
uma convenção.
Assim a arte concreta ou neoconcreta, pode ser analisada como símbolo em si,
em que cada “poema” ou “escultura” em conjunto denotam coisa ou coisas, como que
numa forma de arte derivada mas independente da escultura, da pintura ou da literatura
em sua concepção mais comuns. Para forma de arte independente, como para
qualquer outra, não existiria uma interpretação definitiva, tendo o observador papel
importante e quase incontestável em sua interpretação: em sua Reconceptions in
Philosophy & other arts & sciences (pág. 58-60) exemplifica que os indecifráveis
rabiscos feitos por uma criança aos três anos de idade não são despidos de intenção
de produzir palavras escritas; uma inscrição como “chat” lembra à Marie das obrigações
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com seu próprio gato (na língua francesa), a despeito de ter sido escrito por Maggie
para sua obrigação como anfitriã (na língua inglesa). E uma inscrição bilíngue como
“permission” poderia ser produzida sem qualquer intenção específica concernente à
linguagem na qual é entendida. A interpretação do símbolo também depende da
situação em que se encontra inserida: no caso de “chat” a interpretação (do mesmo
símbolo) é divergente para falantes de língua inglesa e francesa, se bem que não
incorreta para qualquer deles.
Na obra de Jorge Luis Borges (“Pierre Menard, Author of the Quixote”) ele disse
que, supostamente, alguns séculos depois de Cervantes, um tal Pierre Menard teria
escrito uma novela exatamente com o mesmo texto de Dom Quixote. A novela de
Menard, porém, contava uma história diferente e até mesmo com um estilo diferente do
de Cervantes. Segundo Goodman isso acontece por causa do tempo, que em Menard é
arcaico o que para Cervantes era contemporâneo à época em que escreveu. Como faz
Menard, nós os reescrevemos. E não devemos supor que essa reescritura ou essa
tradução seja inferior à obra original, pois todo texto seria rascunho, já que não pode
haver nada mais do que rascunhos. Desta forma se inaugura, a visão da literatura como
simulacro da própria literatura, como projeto de fazer literatura. Assim, uma peça de
arte (fig. 3, 9,11) pode ter diversas interpretações corretas:
FIGURA 11: Lygia Clark. obra da série “Bichos” (1961).
Esta escultura neoconcreta de Lygia Clark, por exemplo, mesmo que seja a
intenção da autora metaforizar bichos, para um observador, em princípio, a escultura
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poderia denotar pedras pontiagudas, carbonizadas, talvez um símbolo de um martírio
infernal; etc.
A mesma ambiguidade pode ocorrer com o quadro de Willys de Castro -
Branco/Preto (fig. 12):
FIGURA 12: Willys de Castro - Branco/Preto 4.3 - Benedetto Croce Essa ambiguidade estética é também considerada de forma pertinente a esta
discussão por Benedetto Croce. Para Croce (1997), arte é uma forma de conhecimento;
e enquanto a razão nos dá o conhecimento do universal, a intuição nos dá o
conhecimento particular. Trabalhos de arte são “líricos” ou “pura” intuição, porque eles
são imateriais. Ao contrário, é a intuição que nos dá conhecimento do mundo
fenomenal, os trabalhos de arte são completamente construídos pela mente, e não
adaptados por ela. Eles são puros também porque são ideais, imaculados por
contingência (JHUPress, 1997).
O autor afirma que “nem os sinais da pintura, da escultura e da arquitetura são
obras de arte, pois estas não existem em nenhum outro lugar senão nas almas que as
criam ou recriam” (p. 172). Para o autor o que parece um paradoxo – afirmar que NÃO
EXISTEM objetos e coisas belas –, pode ser esclarecido pela economia, para a qual
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não existem coisas naturais ou fisicamente úteis, mas apenas necessidades e trabalho,
de forma que a arte.
conforme os objetos artísticos consistem em sons, em tons, em objetos coloridos, em objetos entalhados ou esculpidos, em objetos construídos e que não parecem ter análogos em corpos naturais (poesia música, pintura, escultura, arquitetura, etc.). (p. 172)
Croce destaca a falha de autores como Lessing, que acreditava caber à poesia
as “ações”, e à escultura os “corpos”, ou o músico Richard Wagner, que “deu de
fantasiar como uma arte sintetizadora a Ópera, que reunia em si, por agregação, os
poderes de todas as artes particulares” (pp. 173)
Quem tem senso artístico, num verso, num pequeno verso de poeta, encontra reunidas musicalidade e pictoricidade, força escultórica e estrutura arquitetônica, e analogamente também numa pintura (CROCE, pp.173)
Desta forma, Croce admite o “belo por natureza” como reafirmação da
ambiguidade estética: pessoas e coisas que se aproximam da poesia, da pintura e das
outras artes por um processo natural, como o peregrino que fantasia uma paisagem
encantadora e sublime, personificando essa paisagem na cena de um lago ou se uma
montanha.
A Croce não cabe uma classificação ou uma delimitação das artes. Uma
delimitação não existe, não procede a uma tentativa de classificação.
4.4 - Emmanuel Kant Ainda a fim de encontrar uma eventual delimitação para as artes em geral e no
concretismo em especial, importa ressaltar que para Kant, na Crítica da faculdade do
Juízo (1790), a obra de arte adquire um estatuto que é a capacidade de gerar em seu
receptor um “prazer puro”: a arte é “uma representação da imaginação, que dá muito a
pensar, sem que nenhum pensamento determinado, isto é, nenhum conceito, possa
ser-lhe adequado, e que portanto nenhuma língua pode completamente exprimir e
tornar legível” (KANT, 2008). Assim, em elementos pontuais (apesar da discordância de
outros), os conceitos de Croce e Nelson Goodman já estavam presentes em Kant, para
quem o caráter estético de um objeto é determinado pela capacidade que este objeto
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tem de proporcionar prazer para quem o percebe. Kant mostrou que não há como
provar que algo é belo alegando que este „algo‟ pertence a certa classe de objetos ou
possui características tais que o tornem belo, isso porque, quando se julga um objeto,
está-se incluindo esse objeto em certo princípio geral ou apresentando determinada
regra sobre ele, o que implica em fazer um juízo intelectual sobre o objeto, e através de
um juízo intelectual não se pode inferir que algo é belo, ou seja, não se pode ser levado
a um sentimento persuadido por provas baseadas na intelectualidade . Assim como
Nelson Goodman, Kant dispensa classificações objetivas sobre a arte e o belo:
As obras de arte e a beleza natural sempre haviam sido apreciadas pelo prazer que proporcionam, pela sua influência moral ou por seus efeitos educativos ou melhorativos, por sua utilidade prática ou, intelectualmente, porque incorporavam princípios aprovados ou se conformavam a certas regras. (OSBORNE, 1978, p. 158)
Para Kant, portanto, a relação com as coisas belas é o “incognoscível absoluto”,
que transcende o mundo das aparências e não pode ser apreendida pela razão teórica,
a relação com as coisas belas torna-se assim concreta e apreendida “sensualmente”,
posicionando-se de tal forma que não caberia julgamento sequer sobre a beleza ou não
do que seria uma arte (concreta ou não), e o símbolo é a existência da própria ideia, é
realmente o que significa (OSBORNE, 1978, p. 157), mesmo que esse significado seja
variável entre as pessoas, desconsiderando o ambiente histórico e social para esse tipo
de percepção, ou seja, seja para as pessoas da sociedade capitalista, da população
massificada pelos meios de comunicação, seja para um “alienígena”, cada indivíduo
teria sua própria sensibilização ante um objeto.
4.5 - Literatura e Artes Plástica
Para Ermelinda Ferreira (2005), a relação que se estabeleceu ao longo do tempo
entre literatura e pintura ou outras artes plásticas na história da arte criou uma relação
tal que torna frequente a existência de poemas inspirados em quadros e pinturas
criadas a partir de textos, histórias, ditos populares, etc. Isso é o que se observa no
soneto de Baudelaire, os cegos, evocando o quadro de Pieter Bruegel, intitulado A
Parábola dos Cegos, de 1568 (FERREIRA, 2005):
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FIGURA 13 - Pieter Bruegel, A Parábola dos Cegos.
Os Cegos Contempla-os, ó minha alma; eles são pavorosos! Iguais aos manequins, grotescos, singulares, Sonâmbulos, talvez, terríveis se os olhares, Lançando não sei de onde os globos tenebrosos. Suas pupilas, onde ardeu a luz divina, Como se olhassem à distância, estão fincadas No céu; e não se vê jamais sobre as calçadas Se um deles a sonhar sua cabeça inclina. Cruzam assim o eterno escuro que os invade, Esse irmão do silêncio infinito. Ó cidade! Enquanto em torno cantas, ris e uivas ao léu! Nos braços de um prazer que tangencia o espasmo, Olha! também me arrasto! e, mais do que eles pasmo, Digo: que buscam estes cegos ver no Céu? FIGURA 14 – Baudelaire – Os cegos. Trad. Ivan Junqueira
Bruegel caracterizou-se como um pintor de provérbios. E, segundo uma
perspectiva moderna, seria possível dizer que Bruegel parece apelar em sua obra para
a "cegueira" do observador (FERREIRA, 2005), levando-o a ver seus quadros com um
"olhar inocente".
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O conceito do "olhar inocente" é definido por E. H. Gombrich (In. FERREIRA,
2005) como o mito, persistente e multiforme, da visão pura, neutra, de um olhar capaz
de apreender o real-em-si (sic.). O que, para Nelson Goodman, seria um "olhar cego".
Ao lado do entusiasmo modernista pelo "olhar inocente", porém, há uma
sensação de irremediável perda. Quando Bruegel pinta provérbios, ainda que de um
ponto de vista crítico, ele não está propriamente submetendo a pintura ao discurso
verbal, mas expressando as condições de um mundo onde a arte de contar era possível
porque a experiência vivida era partilhada pelos indivíduos de uma mesma
comunidade.
Desta forma a pintura, a literatura e mesmo a escultura do concretismo e suas
derivações podem ser observadas no contexto histórico-social em que se inserem, sob
diversas perspectivas e interpretações. Em Nelson Goodman (1972), todas as artes,
alográficas e autográficas, têm uma função cognitiva. Assim, a arte não se limita à
evocação ou expressão de sentimentos, mas inclui cognição, como já apresentado no
tópico referente ao autor.
Para Ernest Gombrich (apud TAYLOR, 2004), o reconhecimento daquilo que
está no campo de visão do observador é estruturado por aquilo que o observador
espera ver. Mas a maneira como se compreende visualmente o mundo requer
modificações decorrentes dos "esquemas" prévios em que se apoia o observador.
Gombrich sugere que podemos ver a história da pintura como um processo
experimental através do qual as nossas aptidões visuais são gradualmente
aperfeiçoadas pelas modificações corretivas que os pintores introduzem nos esquemas
de que se dispõe para representar o mundo visível.
Assim é que se depreende que no concretismo, críticos como Ferreira Gullar,
Wlademar Cordeiro e Mario Pedrosa imprimem certos moldes à arte. Grandemente
influenciada por esses personagens (CARVALHO, 2002), a arte abstrata se opõe à arte
figurativa promovendo uma ruptura entre arte e representação, como pode ser visto nas
figuras anteriormente apresentadas. Para Ronaldo Brito a “linhagem geométrica das
artes plásticas”, que se desenvolvia no Brasil modelou a arte concreta mais
significativamente que “simplesmente o entusiasmo por recentes exposições de (...)
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Mondrian ou Max Bill” (fig. 4), que lançaram os manifestos „De Stijl‟ e arte Concreta
(1936), respectivamente, nas primeiras décadas do século XX. Max Bill tinha a intenção
de incorporar processos matemáticos à produção artística.
5 CONCLUSÃO
Ante todos os aspectos enunciados neste trabalho, a conclusão a que se chega
é que não se pode estabelecer os limites entre arte plásticas e literatura no
Concretismo (e eventualmente poderíamos estender isso a qualquer outro movimento
ou área do entendimento humano) por não se poder conceituar artes plásticas ou
literatura e, em especial, linguagem.
Pode-se postular que para Nelson Goodman a arte concreta (ou neoconcreta),
como símbolo em si, cada “poema” ou “escultura” em conjunto denotariam coisa ou
coisas, como que numa forma de arte derivada, mas independente, da escultura, da
pintura ou da literatura em sua concepção mais comuns. Para a forma de arte “mista”,
como para qualquer outra, não existiria uma interpretação definitiva, tendo o observador
papel importante e quase incontestável em sua interpretação.
A ambiguidade estética também aparece em autores como Kant e Benedetto
Croce, que acreditam que não existem limites a serem procurados entre as artes –
esses limites simplesmente não existem. Em oposição a estes autores, outros, como
Lessing, que construindo obras ou versando sobre elas, argumentam sobre algum limite
das artes.
Apesar de existirem extremos, que talvez seja a forma mais comum de arte, e
desta não há grandes divergências, por exemplo, sobre que Os cegos, de Baudelaire,
seja um poema ou que A Parábola dos Cegos, de Pieter Bruegel, seja uma obra
plástica de pintura, obras como o Poema Pássaros, de Ferreira Gullar, impõe
dificuldades sobre serem literatura, escultura ou pintura, e são passíveis de maiores
discussões.
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Assim, de uma obra de arte concreta, que pode ser interpretada de diversas
formas sem que uma pressuponha o erro de outra, entende-se que não há limites entre
a poesia e as artes plásticas, não só apoiado no conceito de alguns autores
apresentados, de que essa delimitação é impossível, mas também porque, com
referência à arte concreta, os autores das obras tiveram a intenção de, efetivamente,
romper com os limites eventualmente existentes entre literatura, pintura e escultura.
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