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1 PLANEJAMENTO AMBIENTAL EM ÁREAS DE RISCO NO MUNICÍPIO DE ÁLVARES MACHADO SP 1 . Denise Marini Pereira [email protected] Graduanda em Bacharelado em Geografia UNESP Campus Presidente Prudente Bolsista FAPESP em Iniciação Científica Caio Roberto Pretel Ferreira [email protected] Graduando em Licenciatura em Geografia UNESP Campus Presidente Prudente RESUMO Enquanto ciência social cabe a Geografia investigar as diferentes formas de organização espacial da sociedade, sendo estas resultantes das relações e integrações sociais e naturais. Inserido na organização sócio-espacial a partir da compreensão do funcionamento passado e atual do território e pelas proposições de ordenamento futuro, o planejamento se constitui em um mecanismo de ação política. Para ser um efetivo instrumento de intervenção no espaço, o planejamento deve considerar as dimensões históricas, físico-naturais, sócio-culturais, técnicas e econômicas em suas particularidades e em suas relações com o todo a que pertence. Dentro desta perspectiva de planejamento, o presente trabalho consiste em apresentar possibilidades de intervenções inseridas no contexto de planejamento ambiental nas áreas de risco eminente existentes nos bairros Nossa Senhora da Paz e Jardim São João do município de Álvares Machado. PALAVRAS-CHAVE: Geografia; Planejamento Ambiental; Áreas de Risco; Recursos Hídricos. INTRODUÇÃO Enquanto ciência social cabe à Geografia investigar as diferentes formas de organização espacial da sociedade, sendo estas resultantes das relações e integrações sociais e naturais (CORRÊA, 1986). As análises desse amplo campo de investigação foram e são até hoje exaustivamente debatidas não apenas na ciência geográfica como em diversas áreas do conhecimento, seja por interesses específicos e/ou pelas numerosas possibilidades metodológicas existentes. Na tentativa de realizar essa difícil tarefa, a Geografia se mune de algumas categorias de análise como Espaço, Região, Paisagem, Lugar e Território, que se desenvolvidas de modo articulado, abrangendo dimensões físico- naturais, econômicas, sociais, políticas e culturais, auxiliam na compreensão de dinâmicas sociais e ambientais que, na atualidade apresentam elevado grau de complexidade pelas múltiplas possibilidades de inter-relações escalares (local, regional, nacional e global). 1 Eixo temático: Geografia Ambiental e da Saúde

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PLANEJAMENTO AMBIENTAL EM ÁREAS DE RISCO NO MUNICÍPIO DE ÁLVARES MACHADO – SP1.

Denise Marini Pereira [email protected]

Graduanda em Bacharelado em Geografia UNESP Campus Presidente Prudente

Bolsista FAPESP em Iniciação Científica

Caio Roberto Pretel Ferreira [email protected]

Graduando em Licenciatura em Geografia UNESP Campus Presidente Prudente

RESUMO

Enquanto ciência social cabe a Geografia investigar as diferentes formas de organização espacial da sociedade, sendo estas resultantes das relações e integrações sociais e naturais. Inserido na organização sócio-espacial a partir da compreensão do funcionamento passado e atual do território e pelas proposições de ordenamento futuro, o planejamento se constitui em um mecanismo de ação política. Para ser um efetivo instrumento de intervenção no espaço, o planejamento deve considerar as dimensões históricas, físico-naturais, sócio-culturais, técnicas e econômicas em suas particularidades e em suas relações com o todo a que pertence. Dentro desta perspectiva de planejamento, o presente trabalho consiste em apresentar possibilidades de intervenções inseridas no contexto de planejamento ambiental nas áreas de risco eminente existentes nos bairros Nossa Senhora da Paz e Jardim São João do município de Álvares Machado. PALAVRAS-CHAVE: Geografia; Planejamento Ambiental; Áreas de Risco; Recursos Hídricos.

INTRODUÇÃO

Enquanto ciência social cabe à Geografia investigar as diferentes formas de

organização espacial da sociedade, sendo estas resultantes das relações e integrações

sociais e naturais (CORRÊA, 1986). As análises desse amplo campo de investigação foram

e são até hoje exaustivamente debatidas não apenas na ciência geográfica como em

diversas áreas do conhecimento, seja por interesses específicos e/ou pelas numerosas

possibilidades metodológicas existentes. Na tentativa de realizar essa difícil tarefa, a

Geografia se mune de algumas categorias de análise como Espaço, Região, Paisagem,

Lugar e Território, que se desenvolvidas de modo articulado, abrangendo dimensões físico-

naturais, econômicas, sociais, políticas e culturais, auxiliam na compreensão de dinâmicas

sociais e ambientais que, na atualidade apresentam elevado grau de complexidade pelas

múltiplas possibilidades de inter-relações escalares (local, regional, nacional e global).

1 Eixo temático: Geografia Ambiental e da Saúde

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Neste sentido, a atividade de planejamento apresenta-se como uma possibilidade de

aplicação dos conhecimentos geográficos. Vale destacar que, conforme Souza (2003, p.83)

a elaboração de todo conhecimento é expressão de práticas sociais. Tal afirmação se

concretiza ao verificarmos na história do pensamento geográfico que as criações e

transformações de métodos e de objeto de estudo da Geografia, decorreram de paradigmas

historicamente desenvolvidos para interpretar a realidade. Logo, sendo o planejamento uma

ferramenta teórico-metodológica, este não é neutro, pois é elaborado conforme a adoção de

posturas políticas e convenção de regras que estabelecerão suas metas. Por tanto, a

aplicação e o desenvolvimento de conhecimentos são passíveis de determinada

objetividade que, sendo esta planejada, obterá êxito ou fracasso de acordo com as variáveis

a serem consideradas para a aplicação de determinado método.

No intuito de medir a distância entre o modelo teórico e sua aplicação, Betty Lafer

(1975, p. 26) apresenta pertinente contribuição para os argumentos mencionados acima ao

afirmar que:

Todo modelo pressupõe a racionalidade da ação, isto é, que seja possível prever a realidade e, portanto mudá-la. A previsão é feita através da escolha de variáveis relevantes para explicar a situação. Não há necessariamente, uma relação determinista entre variáveis e o fenômeno explicado, mas uma correlação estatística – o conceito de causalidade é probabilístico. Supõe-se que haja regularidade nos fenômenos e que as relações estruturais se repitam, ou seja, supõe-se que os acontecimentos não sejam únicos e a história não se dê ao acaso. As variáveis usadas no modelo explicam sempre uma certa porcentagem do fenômeno – o resto é atribuído a fatores não identificados, ao acaso, ao que não pode ser analisado racionalmente. O fracasso ou não do planejamento está obviamente ligado à exclusão de variáveis importantes.

Sendo assim, o planejamento se insere na organização sócio-espacial a partir da

compreensão do funcionamento passado e atual do território e pelas proposições de

ordenamentos futuros, que através da análise geográfica constitui-se em um mecanismo de

ação político na intervenção do espaço. Por tanto, conforme Santos (2004):

[...] planejamento é um processo continuo que envolve a coleta, organização e analises sistematizadas das informações, por meio de procedimentos e métodos, para chegar a decisões ou escolhas acerca das melhores alternativas para o aproveitamento dos recursos disponíveis. Sua finalidade é atingir metas especificas no futuro, levando a melhoria de uma determinada situação [...].

Neste contexto, ao observarmos o modo de produção capitalista como organização

espacial atual, notável se faz seu desenvolvimento através da estrutura de classes sociais

com produção e consumo desiguais. Este desenvolvimento é padronizado por valores

homogêneos mantidos por ações coordenadas de agentes de capital privado que, aliados

ao Estado realizam o planejamento de diversas sociedades, o que pode ser verificado em

Escobar (2000, p. 221): “O planejamento, portanto, depende de várias práticas consideradas

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como racionais e objetivas, mas que, na realidade, são altamente ideológicas e políticas e é

através delas que ele se desenvolve.”.

No entanto, sem negar as considerações de Escobar, Souza (2004) apresenta a

interessante proposta de construir o planejamento urbano com e para a sociedade,

evidenciando que apesar do Estado capitalista atender majoritariamente os interesses

daqueles que financiam sua campanha e sua permanência no poder, sua estrutura não é

homogênea. É possível exigir que ele também atue para o benefício da sociedade que o

elegeu através da organização e mobilização social. “Tudo dependerá da correlação de

forças que se estabelecer na sociedade, a qual acabará determinando o perfil da ação do

aparelho de Estado.” (p. 28). Porém, é essencial a consciência dos direitos e deveres da

sociedade enquanto agentes construtores e interventores na configuração do espaço.

Além disso, Souza (2004, p. 34-35) destaca que, do ponto de vista técnico e

científico, o planejamento é um campo de atuação interdisciplinar, por isso, as equipes de

planejadores devem ser compostas por profissionais de diversas áreas do conhecimento

como arquitetos, geógrafos, juristas, engenheiros e outros. E sendo o planejamento um

instrumento de ação político, é crucial a participação da sociedade em todas as suas etapas

para que ela mesma possa decidir sobre o destino de seus espaços, o que, portanto remete

aos planejadores atuar tão somente como consultores, e não como subordinados à uma

estrutura de poder autoritária e subordinadora.

Dentro desta perspectiva de planejamento, a contribuição da Geografia é de

considerável grandeza pela capacidade de analisar o espaço em seus múltiplos aspectos

levando em conta suas dimensões históricas, físico-naturais, sócio-culturais, técnicas e

econômicas em suas particularidades, sem desconsiderar o todo a que pertence.

RECORTE DE ANÁLISE

Assim como ocorre na maioria das cidades do oeste paulista, o sítio urbano de

Álvares Machado iniciou-se em espigões divisores de água de rios afluentes do Rio Paraná,

no caso, do rio Santo Anastácio e do rio do Peixe. A partir dos topos a expansão estendeu-

se pelas cabeceiras de drenagem (nascentes), vertentes e canais fluviais de primeira ordem,

até atingir fundos de vale. Sendo os compartimentos do relevo apropriados e

impermeabilizados com edificações e pavimentação das ruas e lotes, aumentou-se

substancialmente o volume e velocidade das enxurradas, concentrando, portanto, o

escoamento das águas pluviais e acelerando os processos erosivos. Este fato aliado a falta

de planejamento adequado, desmatamento de matas ciliares e lançamento indiscriminado

de resíduos sólidos e líquidos viabilizaram a formação de voçorocas de grandes proporções

em áreas da periferia urbana a ponto dos desmoronamentos de taludes colocarem em

situação de risco moradias e habitantes das proximidades, como ocorre nos bairros Nossa

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Senhora da Paz e Jardim São João, localizados no alto curso da bacia hidrográfica do

Córrego dos Macacos, foco deste trabalho.

O risco, de acordo com Dagnino e Carpi Jr. (2007), apresenta-se em situações ou

áreas em que existe a probabilidade, susceptibilidade, vulnerabilidade, acaso ou azar de

ocorrer algum tipo de ameaça, perigo, problema, impacto ou desastre. Carpi Jr. (2009),

destaca que, em situações semelhantes à verificada nas nascentes do Córrego do Macaco,

a abordagem apropriada deve ser de risco ambiental, pois considera-se que as situações de

risco não estão desligadas do que ocorre em seu entorno – o ambiente, em seu sentido

amplo – seja o ambiente natural, seja o construído pelo homem (social e tecnológico).

Neste contexto, a realização do presente trabalho consiste em apresentar

possibilidades de intervenções nas áreas de risco dos bairros Nossa Senhora da Paz e

Jardim São João ao longo do Córrego dos Macacos, considerando suas principais

características, usos e os problemas ambientais e urbanos existentes. Esta perspectiva de

análise é condizente com a afirmativa de Carpi Jr. (2001), que considera que os impactos ou

alterações do ambiente podem se transformar em ponto de partida para as ações que visem

a melhoria da qualidade de vida, juntando esforços dos diversos setores da sociedade.

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA

Álvares Machado está situado da porção Oeste do Estado de São Paulo entre as

coordenadas 22°04’44’’ S e 51°28’19’’ WGR, e pertence à Região Administrativa e de

Governo de Presidente Prudente. Limita-se ao norte com o município de Alfredo Marcondes,

ao leste com Presidente Prudente, ao sudeste com Pirapozinho, ao sul com Tarabai e ao oeste

com o município de Presidente Bernardes.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o município

possui extensão territorial de 346 Km² e população estimada em 2009 de 23.779 habitantes.

Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Álvares Machado estava

em 0,772, o que segundo a classificação do PNUD (Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento) significa um médio desenvolvimento humano. O Índice Paulista de

Responsabilidade Social (IPRS) da cidade a enquadrada no Grupo 3, sendo, portanto, um

município com nível de riqueza baixa (32), mas com bons indicadores nas demais

dimensões como longevidade (81) e escolaridade (68).

Conforme o SEADE (2009), a agroindústria e agropecuária são as bases da estrutura

econômica da região, onde se despontam as usinas de álcool e açúcar, frigoríficos e

abatedouros. Porém, em Álvares Machado a principal atividade econômica é o comércio e a

criação de rebanhos bovinos de corte e de leite, em razão de seu pequeno porte e pela

proximidade com Presidente Prudente, pólo regional, concentrador da maior parte dos

empreendimentos produtivos industriais.

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Segundo o Plano de Macrodrenagem da cidade de Álvares Machado (ÁLVARES

MACHADO, 2009), são predominantes os solos do tipo Latossolos e Argissolos, com

presença também de Neossolos e Planossolos Hidromórficos nas planícies aluviais. No

documento ainda consta a informação de que os solos da região possuem como

característica principal o alto teor de areia, fato este que resulta em déficit hídrico dos

lençóis freáticos pela dificuldade do solo em reter água, e, consequentemente, em

acentuados problemas de erosão.

De acordo com o Relatório de Situação dos Recursos Hídricos do Comitê de Bacias

Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe, de dezembro de 2009, “as características físicas da

bacia conferem uma susceptibilidade elevada aos processos erosivos”, o que requer

projetos e obras de controle e recuperação de grandes voçorocas, drenagem urbana,

estradas rurais e recomposição ciliar.

Nas áreas próximas ao centro urbano de Álvares Machado estão as nascentes do

Córrego dos Macacos, do Córrego Guaiçarinha ou Brejão, do Córrego Floresta e do Córrego

Limoeiro ou da Bomba. O presente trabalho propõe-se a analisar um dos afluentes de

nascente do Córrego dos Macacos, localizado na porção norte da cidade (mapa 1), ao longo

dos bairros Nossa Senhora da Paz e Jardim São João. O Córrego dos Macacos é tributário

do Rio do Peixe, que por sua vez é afluente pela margem esquerda do Rio Paraná.

Mapa 1 – Localização da área de intervenção.

FONTE: Ferreira et. al. 2010.

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A escolha da área se deve pelo intenso e acelerado processo erosivo que se

encontra ao longo de todo o percurso do córrego (fotos 1 e 2) e, principalmente, por

apresentar uma voçoroca de grandes proporções na cabeceira de drenagem (fotos 3 e 4),

no bairro Nossa Senhora da Paz, com aproximadamente vinte e cinco metros de

profundidade e cerca de trinta metros de largura2, representando grave risco às moradias e

habitantes próximos.

Fotos 1 e 2 – Processos erosivos no alto curso da micro-bacia hidrográfica do Córrego dos

Macacos, Álvares Machado, SP. FONTE: PEREIRA, D.M. Trabalho de campo para a elaboração do projeto de pesquisa. DEZ. 2009.

Fotos 3 e 4 - Voçoroca do bairro Nossa Senhora da Paz, Álvares Machado, SP.

FONTE: Trabalhos de campo.

Em visita ao Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE - SP) em Presidente

Prudente, ao consultar o expediente administrativo interno, IC nº 962/09, referente ao bairro

Nossa Senhora da Paz, verificou-se que o prefeito de Álvares Machado solicitou autorização

ao Promotor de Justiça do Meio Ambiente em 10 de agosto de 2009 para intervir na

voçoroca do bairro mencionando a situação de risco das famílias ali residentes. Em 11 de

setembro de 2009 foi realizado pelo MPE - SP um laudo técnico na área e conclui-se que:

[...] as obras executadas pela Prefeitura Municipal de Álvares Machado, concentram as águas em pontos isolados de lançamento na bacia de drenagem do córrego dos Macacos, sem medidas de atenuação da força das águas pluviais, o que provoca imenso processo erosivo. Não foi executada nenhuma obra tecnicamente adequada, que visasse à minimização dos processos erosivos no córrego dos Macacos. Diante dos fatos apontados anteriormente, sugere-se que:

2 Dados estimados em campo em 14/06/2010.

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- as residências existentes no entorno do canal do córrego em processo de alargamento por solapamento das margens devem ser protegidas do processo de erosão das margens do canal. - a Prefeitura Municipal de Álvares Machado, deve executar obra de contenção de erosão [...] - as eventuais obras de intervenção no canal do córrego dos Macacos, devem ser autorizadas pelos órgãos competentes, ou seja, CETESB/DEPRN e o DAEE. - a Prefeitura Municipal de Álvares Machado, deve tomar medidas para encaminhar as águas canalizadas até o fundo de vale de forma segura para não acentuar os processos erosivos; e - a Prefeitura Municipal de Álvares Machado tome medidas para dissipar a energia das águas pluviais antes de serem lançadas no corpo d’água a jusante do ponto de lançamento atual.

Em trabalho de reconhecimento de campo, foi averiguada a ausência de ações do

poder público em auxílio à população residente nas proximidades dessa voçoroca por não

haver nenhuma medida efetiva de controle ou de prevenção. Observou-se também que essa

situação não está evidenciada no Plano de Macrodrenagem Municipal elaborado em 2009.

Ao buscarmos informações sobre a área na prefeitura, a Coordenadoria Municipal da

Defesa Civil (COMDEC), criada em novembro de 2009, informou-nos já estar tomando

algumas providências para a realocação de famílias que estabeleceram suas moradias em

áreas de encostas no município. Para tal realizou-se um cadastramento das mesmas e

obteve-se até o mês de Maio o total de 56 famílias morando em áreas de encosta, sendo 14

pertencentes ao bairro Nossa Senhora da Paz e Jardim São João. Estes possuem em

média renda per capta de R$160 a R$750 por mês e residem há cerca de 30 anos no local.

O cadastramento também buscou averiguar as condições de uso das moradias (própria,

cedida, alugada e ocupação) e constatou-se que 11 das 14 habitações se estabeleceram

por ocupação irregular, 2 são moradias próprias e 1 é alugada. Além disso, no que se refere

às condições de salubridade da habitação (se tem mofo, umidade e ventilação), todas foram

classificadas como habitações inadequadas por comprometerem a saúde.

Além disso, no parecer técnico do MPE - SP consta como anexo uma foto aérea da

área vistoriada (Figura 01) demonstrando os limites das Áreas de Preservação Permanente

(APP), o que evidencia a irregularidade com a legislação ambiental que proíbe a ocupação

dentro do raio de 50 metros do leito maior sazonal.

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Figura 01: Área vistoriada pelo Ministério Público Estadual.

FONTE: Parecer técnico do Ministério Público Estadual, 2009.

Tal situação exige que sejam implementadas propostas e ações de planejamento

capazes de conciliar a recuperação e manutenção da qualidade ambiental da área, de modo

a garantir proteção para o meio ambiente e disciplinar o uso e ocupação do solo. Para isso,

serão aqui apresentadas algumas propostas de intervenções na área.

PROPOSTAS DE INTERVENÇÕES

A) Remoção das famílias em áreas de risco.

A remoção das famílias em áreas de encosta é imprescindível pelo risco eminente de

desabamento das habitações já constatado pela COMDEC e MPE - SP, e devido ao alto

nível de degradação que se encontra o córrego e suas áreas ao entorno.

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Porém, estas famílias só seriam removidas após serem providenciadas pela

Prefeitura Municipal novas moradias em outras localidades do município por meio de

programas federais de construções de habitações populares ou pela concessão de prédios

públicos vazios, se houver, aptos para habitação.

B) Realocação das famílias removidas

Como 11 das 14 famílias a serem removidas estão em situação fundiária irregular

(possuem apenas o direito de uso provisório da terra) segundo o coordenador da Defesa

Civil Municipal, a realocação também possibilitaria regularizar a situação fundiária da área.

A Figura 2 abaixo apresenta duas possíveis áreas para realocar as 14 famílias. A

proposta A é a mais provável de ser realizada por ser em um bairro propício para a

expansão urbana com propensões para futuras especulações imobiliárias (bairro Parque

dos Pinheiros). Porém, está é uma área muito distante do bairro que as famílias a serem

realocadas residem atualmente. Isso pode suscitar dificuldades de adaptação ao novo local

de residência, pois são moradores que residiam à cerca de 30 anos nos bairros Nossa

Senhora da Paz e Jardim São João e por tanto, desenvolveram estreitas relações com o

lugar que não deveriam ser desconsideradas.

A segunda proposta, representada pela letra B, é apresentada como uma das mais

adequadas, pois os moradores ficariam instalados dentro da microbacia do Córrego dos

Macacos, não sendo tão distante do bairro de moradia atual, o que facilitaria as pessoas

realocadas a manterem algumas práticas e costumes que estavam habituadas.

Figura 02: Proposta de realocação das famílias em áreas de encostas nos Bairros Nossa

Senhora da Paz e Jardim São João, Álvares Machado – SP. FONTE: Google Earth, 2010.

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C) Regularização fundiária da área

O artigo 17 do Plano Diretor machadense prevê em seu parágrafo único:

as áreas de risco para ocupação são os locais passíveis de degradação ambiental (erosões, terrenos alagadiços, etc.), ou que ofereçam dano potencial ou real à saúde da população (aterros, lixões, etc.), e que não deverão ser ocupados por novos parcelamentos de solo.

Ou seja, sendo a área em estudo declarada área de risco pela COMDEC e o

Ministério Público Estadual, tal artigo a protege de novos usos. Porém o Plano Diretor não

faz nenhuma menção às ocupações já estabelecidas em áreas de risco. Sendo assim, urge

a necessidade de elaboração de leis ou ajustes no Plano Diretor ou mesmo na lei orgânica

municipal para que as populações estabelecidas em áreas de risco não continuem a ser

negligenciadas.

Ainda no que se refere ao Plano Diretor o parágrafo 5º do artigo 27 proíbe o

parcelamento do solo em áreas de preservação permanente (APP), de preservação de

mananciais hídricos e fundos de vale. Desse modo, comprova-se que os moradores em

áreas de encosta dos bairros Nossa Senhora da Paz e Jardim São João, bem com os

demais moradores em áreas de encosta no município, estão em desacordo com as normas

jurídicas municipais.

Diante do cenário já descrito torna-se necessária a averbação da área enquanto

espaço público de interesse social, para que através de regulamentações jurídicas a área

em questão seja protegida e sejam realizadas ações de recuperação dos problemas

encontrados no local. Para tal sugere-se a criação de um decreto que trate a área como

“área verde”. Propõe-se também, o isolamento da área considerada de preservação

permanente conforme previsto pelo art. 2º da Lei Federal 4.771/65, determinando um limite

para a contenção dos processos erosivos que permeiam o trecho estudado.

D) Obras de Macrodrenagem

A área de análise abordada pelo presente estudo decorre entre outros, de problemas

relacionados à drenagem urbana e do processo de ocupação das vertentes com a

conseqüente impermeabilização do solo. Com a intensificação dos fluxos escoados ao longo

de uma área em declive acentuado, concentra-se a maior parte da drenagem sob o leito de

rios e córregos localizados nas partes mais baixas do relevo, direcionando e aumentando a

enxurrada que escoa pelas vertentes, e, dependendo das características físicas do solo, o

trecho de concentração e acumulação das águas pluviais torna-se também, o ponto de

maior erodibilidade.

Esta situação remete a necessidade de planejamento com ações diretas de

contenção dos processos erosivos, principalmente a curto e médio prazo, como a alteração

do sistema de escoamento pluvial (galerias) e inserção de dissipadores de energia das

águas pluviais. Tais medidas seriam para reduzir a quantidade e intensidade do fluxo das

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águas pluviais que atualmente chegam de forma direta ao leito erodido sem nenhum tipo de

dispositivo de dissipação de energia, o que acaba por contribuir para o aumento e

aceleração dos processos erosivos da área.

E) Obras de recuperação de áreas degradas

No local, as características físicas da área remetem a um ambiente instável que

possui uma topografia irregular com depressões ao longo do trecho estudado. O solo é

característico de planossolo hidromórfico com predominância de areia em sua composição

e, não garante a sustentação do terreno diante do intenso fluxo hídrico que escoa em

direção ao seu leito, além de reter muita umidade e ser de baixa fertilidade.

A área atingida pela voçoroca necessita de alternativas técnicas que alterem a sua

dinâmica e possibilite a recomposição da estabilidade hídrica e geomorfológica da área,

direcionando o fluxo de água que escoa pelas vias de acesso rumo ao lençol freático

buscando a mínima intensidade de escoamento superficial.

Após a desocupação das edificações e o isolamento da APP, inicia-se então, as

técnicas de recuperação da área degradada, com a suavização do terreno (Figura 3),

estabelecendo uma compartimentação das vertentes em curvas de nível, facilitada por

canais de escoamento e sistemas de bacias de contenção ao longo do córrego.

Figura 3: Técnicas de suavização do relevo.

FONTE: EMBRAPA, 2009.

Este procedimento tem por objetivo eliminar os fatores que estejam influenciando e

contribuindo para a concentração da água na área de contribuição (bacia de captação), bem

como no interior da voçoroca, e conter a sua expansão.

Ao finalizar a etapa de recuperação da área, será necessário implementar um

processo de revegetação do limite atingido pela erosão através da recomposição vegetal

realizada inicialmente com a introdução de espécies herbáceas, e posteriormente, com a

adequação da extensão recomposta, pela inserção de espécies arbóreas diversificadas

entre elas o pau-d’alho (Gallesia integrifolia) e o cedro (Cedrela fissilis) características do

tipo de solo presente no local (Planossolo-hidromórfico).

F) Canalização do Córrego em aproximadamente 400 metros.

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Pelo estágio avançado que se encontram os processos erosivos da área, a

canalização de pelo menos 400 metros do córrego é necessária. A canalização seria do tipo

aberta desde o despejo de águas pluviais, até o final das áreas lançadoras de água, como

mostrado na figura 4 a espessa linha em branco.

Figura 04: Esboço das obras de canalização nos bairros Nossa Senhora da Paz e Jardim São João, Álvares Machado – SP.

FONTE: Ferreira et. al. 2010.

O destaque em verde na figura 4 mostra uma canalização com gabiões, pois este

outro leito é proveniente de uma nascente e o uso de uma canalização de concreto nesta

região seria prejudicial ao curso natural da nascente. Com os gabiões, as águas seriam

direcionadas para a canalização de concreto.

Outro recurso implementado, é a construção de duas caixas dissipadoras de energia.

Uma seria localizada logo ao final da canalização de concreto para que a água vinda da

canalização reduza sua velocidade de escoamento e diminua a possibilidade de surgimento

de outros problemas erosivos após a canalização. E a outra, com caráter provisório

(também ilustrado na figura 04), seria localizada no final da rua onde o escoamento

superficial urbano é mais intenso. Esta também seria uma forma de diminuir a velocidade da

água e prevenir processos erosivos futuros neste local.

G) Obras de Bioengenharia

Nas demais áreas do córrego, antes e depois da canalização, recomenda-se a

aplicação de técnicas de bioengenharia para conter os processos erosivos e auxiliar na

recuperação potencial da área.

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Sempre que a erosão atinge o lençol freático, necessita-se escoar a drenagem a um

leito superior, o que acarreta em aterramento de alguns trechos da voçoroca como forma de

conter a exposição e rebaixamento do lençol.

Para a adequação superficial das vertentes, é necessária a estabilização das áreas

que apresentam declive mais acentuado, como forma de sustentar e conter os processos

erosivos decorrentes do Planossolo (Figura 5). Trata-se, portanto, de uma estratégia da

ação que possibilite a estruturação do relevo e forneça estabilidade aos processos físicos

que ocorrem ao longo da extensão do córrego.

Figura 5: Estabilização das vertentes a partir de extratos vegetais.

Fonte: EMBRAPA, 2009.

Ao longo do trecho de escoamento, recomenda-se também a suspensão do lençol

freático através de estruturas vegetais como bambu que contribuem para revegetar o leito e

elevar o canal de escoamento da água (Figura 6).

Figura 6: Elevação do leito e suspensão do lençol freático através do uso do bambu Fonte: EMBRAPA, 2009.

A combinação de técnicas da engenharia civil, como a canalização e a

direcionamento adequado da drenagem urbana, com técnicas de bioengenharia para a

recuperação das áreas degradadas possibilitará a conservação dos recursos naturais

presentes ao longo das áreas de risco.

H) Medidas Complementares

Após a realização das intervenções descritas acima, a área de nascente e de

controle de erosão deveriam ser cercadas para evitar o acesso de pessoas e animais,

impedindo que o ambiente sofra maiores interferências.

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Durante e após o processo de recuperação, a fiscalização e monitoramento da

área são de grande importância para que as intervenções obtenham êxito.

Sugere-se também que seja implantada uma área de lazer próxima a “nova área

verde” para que o espaço recuperado seja socializado entre as pessoas do bairro e da

cidade. Neste espaço poderiam ser desenvolvidas atividade culturais como apresentações

musicais e teatrais relacionadas tanto a educação ambiental, quanto a temas sugeridos

pelos habitantes do município.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das normas públicas instituídas pela sociedade, é dever do poder público

municipal intervir nas áreas de risco de modo a evitar eventuais custos sociais e ambientais.

Por tanto, tal responsabilidade deve ser assumida em todas as secretarias municipais (meio

ambiente, planejamento, obras, jurídica, administrativa, etc.) de Álvares Machado. Ao

mesmo tempo, essa responsabilidade só virá a tona quando a responsabilidade da

sociedade em se manifestar exigir que o poder público municipal cumpra seu papel.

Vale destacar que ao realizar a atividade de planejamento, os empenhos e esforços

na elaboração de prognósticos para se alcançar metas ou para se precaver de imprevistos,

nem sempre garantirá o êxito daquilo que se almeja. Pois o planejamento é um processo

que está inserido dentro de uma dinâmica social e natural que pode alterar seu curso a

qualquer momento. Sendo assim, ao racionalizar ações em planos não podemos reduzir a

história em possibilidades matemáticas. Estas devem ser conduzidas de modo flexível e

com a consciência de que pertencem a um processo aberto com determinações e

indeterminações que podem estar correlacionadas a limitações operacionais como

problemas na obtenção de dados, informações e bases cartográficas, dificuldade de

acessos a informações públicas e principalmente, vontade política.

REFERENCIAL BIBLIOGRAFICO

CARPI JINIOR, Salvador. Mapeamento de riscos ambientais e planejamento participativo em bacias hidrográficas: o caso do manancial rio Santo Anastácio – SP. 20f. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2009. (Projeto de pós-doutorado).

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