Pimai (Laos) e San Martin de los Andes (ARG)

2
Portunhol – San Martin de los Andes (ou “onde está Wally, versão neve”) Feche os olhos. Com uma boa promoção e mais duas horas e meia, você pode abrilos em ares argentinos e já praticar suas primeiras palavras de portunhol enquanto olha o menu de uma tradicional Parrilla. Para ir além de um feriado em Buenos Aires, com mais umas três horas de vôo, você alcança a Patagônia Argentina, que oferece pacotes de diversão mais em conta do que uma semana no nordeste. É uma alternativa ao caldeirão brasileiro de pleno dezembro. San Martin de los Andes é um destino conhecido entre os argentinos. Há 260 km de Bariloche, essa cidade de menos de 40 mil habitantes aconchegase entre montanhas e o Lago Lácar, com direito a vista para o vulcão Lanin. No verão, é uma estação de esporte aquático e montanhismo destaque para a competição nacional de escalada. E outras aventuras no Parque Nacional Lanin. No inverno, o complexo de montanhas de Cerro Chapelco se transforma numa estação de esqui. Tem poucas pistas, se comparada à estação vizinha. Mas a fama de manter um bom nível de neve até outubro, faz a montanha lotar, o que não se percebe no centro da cidade, só nas filas amontoadas dos teleféricos da montanha. Todo mundo tentando se equilibrar em material deslizante, um pisando na tábua do outro, apoiando no desconhecido, e sempre tem os que não conseguem sentar de primeira, levam uma cadeirada, parando o movimento até a recomposição do ser. Quando finalmente subimos no teleférico, a vista é incrível. Tirando a beleza natural do lugar, o resto lembra um cartão postal de “Onde está Wally”. São os tipos da neve. O pessoal cool de snowboard, capacete, jaquetas coloridas, mochila e goggle, sentados em grupo no meio da pista, com a prancha para cima. Aí um se levanta e o resto vai atrás, entre tombos e piruetas, os braços limpando o ar. O pessoal elegante do esqui, roupas sem estampas, cabelos ao vento, óculos escuros ao invés de goggles. Movimentam pouco o corpo, vão dobrando e estendendo o joelho de leve, tentando deixar os esquis mais próximos possível, para parecer que mandam bem. E as crianças kamikaze. Elas vem à milhão, esqui em cunha, pernas tremendo, sem medo de nada. As que estão em aula são bem comportadas, vão em fila indiana atrás da professora, a mãe pata e seus patinhos. É uma gracinha até encontrar uma desengatada no meio do caminho. San Martin de los Andes é um destino pouco conhecido, se comparado ao vizinho Bariloche. É uma região meio misteriosa, talvez pelo famoso “Roteiro dos Sete lagos”, que liga San Martin à Villa la Angostura. A cidade é charmosa, tem excelente gastronomia e casas de chá. Pode ser considerado mais inóspito, mas não pense que você será o primeiro brasileiro a ter essa idéia. Afinal, o câmbio diz que chegou a hora de praticarmos nosso portunhol. Hablas espanhol? Um pueco, pero no mucho.

description

Duas reportagens para a Revista Bons Fluídos (não publicadas): Uma sobre o Pimai - como é chamada a festa de ano novo do Laos. Está pouco descritiva porque eu tinha muita restrição de espaço e acabei optando por uma sensação; e outra sobre San Martin de Los Andes (ARG)

Transcript of Pimai (Laos) e San Martin de los Andes (ARG)

Page 1: Pimai (Laos) e San Martin de los Andes (ARG)

Portunhol  –  San  Martin  de  los  Andes  (ou  “onde  está  Wally,  versão  neve”)    Feche   os   olhos.   Com  uma   boa   promoção   e  mais   duas   horas   e  meia,   você   pode  abri-­‐los   em  ares   argentinos   e   já   praticar   suas  primeiras  palavras  de  portunhol  enquanto  olha  o  menu  de  uma  tradicional  Parrilla.  Para  ir  além  de  um  feriado  em  Buenos   Aires,   com   mais   umas   três   horas   de   vôo,   você   alcança   a   Patagônia  Argentina,  que  oferece  pacotes  de  diversão  mais  em  conta  do  que  uma  semana  no  nordeste.  É  uma  alternativa  ao   caldeirão  brasileiro  de  pleno  dezembro.   San  Martin  de  los  Andes  é  um  destino  conhecido  entre  os  argentinos.  Há  260  km  de  Bariloche,   essa   cidade   de   menos   de   40   mil   habitantes     aconchega-­‐se   entre  montanhas  e  o  Lago  Lácar,  com  direito  a  vista  para  o  vulcão  Lanin.  No  verão,  é  uma   estação  de   esporte   aquático   e  montanhismo   -­‐destaque  para   a   competição  nacional  de  escalada.  E  outras  aventuras  no  Parque  Nacional  Lanin.  No  inverno,  o  complexo   de   montanhas   de   Cerro   Chapelco   se   transforma   numa   estação   de  esqui.  Tem  poucas  pistas,  se  comparada  à  estação  vizinha.  Mas  a  fama  de  manter  um  bom  nível  de  neve  até  outubro,  faz  a  montanha  lotar,  o  que  não  se  percebe  no  centro   da   cidade,   só   nas   filas   amontoadas   dos   teleféricos   da   montanha.   Todo  mundo   tentando  se  equilibrar  em  material  deslizante,  um  pisando  na   tábua  do  outro,  apoiando  no  desconhecido,  e  sempre  tem  os  que  não  conseguem  sentar  de  primeira,   levam   uma   cadeirada,   parando   o  movimento   até   a   recomposição   do  ser.  Quando  finalmente  subimos  no  teleférico,  a  vista  é  incrível.  Tirando  a  beleza  natural  do  lugar,  o  resto  lembra  um  cartão  postal  de  “Onde  está  Wally”.    São  os  tipos   da   neve.   O   pessoal   cool   de   snowboard,   capacete,   jaquetas   coloridas,  mochila  e  goggle,  sentados  em  grupo  no  meio  da  pista,  com  a  prancha  para  cima.  Aí  um  se  levanta  e  o  resto  vai  atrás,  entre  tombos  e  piruetas,  os  braços  limpando  o  ar.  O  pessoal  elegante  do  esqui,  roupas  sem  estampas,  cabelos  ao  vento,  óculos  escuros   ao   invés   de   goggles.   Movimentam   pouco   o   corpo,   vão   dobrando   e  estendendo  o  joelho  de  leve,  tentando  deixar  os  esquis    mais  próximos  possível,  para  parecer  que  mandam  bem.  E  as  crianças  kamikaze.  Elas  vem  à  milhão,  esqui  em  cunha,  pernas  tremendo,  sem  medo  de  nada.  As  que  estão  em  aula  são  bem  comportadas,  vão  em  fila  indiana  atrás  da  professora,  a  mãe  pata  e  seus  patinhos.  É  uma  gracinha  até  encontrar  uma  desengatada  no  meio  do  caminho.  San  Martin  de  los  Andes  é  um  destino  pouco  conhecido,  se  comparado  ao  vizinho  Bariloche.  É  uma  região  meio  misteriosa,   talvez  pelo   famoso  “Roteiro  dos  Sete   lagos”,  que  liga   San   Martin   à   Villa   la   Angostura.   A     cidade   é   charmosa,   tem   excelente  gastronomia  e  casas  de  chá.  Pode  ser  considerado  mais  inóspito,  mas  não  pense  que   você   será   o   primeiro   brasileiro   a   ter   essa   idéia.   Afinal,   o   câmbio   diz   que  chegou   a   hora   de   praticarmos   nosso   portunhol.   Hablas   espanhol?   Um   pueco,  pero  no  mucho.      

Page 2: Pimai (Laos) e San Martin de los Andes (ARG)

Pimai  –  ano  novo  budista  no  Laos    Em  pleno  abril,   tive   a   chance  de   recomeçar  o   ano  mais  uma  vez.  Um  avião  me  levou   de   Bangkok   até   Luang   Prabang   a   tempo   de   participar   do   último   dia   da  comemoração   do   ano   novo   laosiano.   Não   é   à   toa   que   a   cidade   é   considerada  patrimônio  histórico  pela  UNESCO.  Deslumbrante,  com  rochas  e  desfiladeiros  ao  longo  do   rio  Mekong,   casas   e   templos   seguindo  arquitetura   francesa  e  budista.  Caminhei  com  olhar  voyer,  anotando  e  fotografando.    Pimai,  como  chamam  o  ano  novo  no  Laos,  é  comemorado  na  segunda  semana  de  abril,   dependendo   da   lua   cheia.   Também   é   a   data   que   marca   o   início   da  temporada  das  monções.  A  celebração  dura  3  dias.  O  primeiro  marca  o  último  dia  do   ano   velho.   Casas   e   vilas   são   limpas   nesse   dia.   O   segundo   é   um   limbo,   não  pertence  a  ano  nenhum.  E  o  último  marca  o  início  do  novo  ano.  O  evento  conta  com  uma  coroação  da  Miss-­‐Ano-­‐Novo,  cerimônias  de   lavar  o  Budha,  procissões  de  monges,  dança  e,  principalmente,  água.  Se  você  pensa  em  visitar  o  Laos  nessa  época,  prepare-­‐se  para  se  molhar.       A   festa   acontece   de   dia,   ao   ar   livre,   num   banco   de   areia   em   pleno   rio  Mekong.   Andei   até   a   margem   onde   um   senhor   dispunha   a   sua   canoinha   para  levar   pessoas   até   o   banco   de   areia.   No   banco,   algo   que   pode   ser   chamado   de  grande   festa.   Tendas   coloridas,   crianças   correndo,  música   e   comida.   Entrei   na  canoa,   atravessei   o   rio   com  mais   cinco   num   lugar   que   cabem   três.   Assim   que  pisei  na  areia,  senti  esguicho  de  água  na  cara.  Crianças  com  armas  de  brinquedo  me   consideraram   o   próximo   alvo.   Um  menino   gritando   algo   que   imagino   ser,  Gringa  seca!  Vários  pivetes  chegaram  apontando  suas  armas.  No  aceno  do  líder,  armas   foram   disparadas.   Outros   chegaram   com   massas   coloridas,   tipo   gesso.  Bolada  no  olho,  no  cabelo.  Escutei  risadas  em  disparada.  Andei  até  uma  mulher  que   fritava   batatas   e   pedi   um   pano   para   me   limpar.   Ela   riu.   Nem   pano,   nem  guardanapo.   Fui   até   o   rio   para   lavar   o   rosto,   quando   outras   crianças   se  aproximaram,  fizeram  bolas  de  massas  com  as  mãos,  preparando  ataque.  Berrei  para  cima  deles,  e  fui  imitada  pelo  líder  mirim,  que  ofereceu  sua  versão  de  uma  galinha.  Contaram  até  algum  número  e  começou  tudo  de  novo.  Fui  andando  para  trás  xingando  aquelas  crianças  em  português.  Tropecei,  caí  de  bunda  no  barro  da  beira   do   rio.   Fiz   o   dia   delas.   Levantei   a   cabeça   rindo   de  mim  mesma.   Arrumei  uma  espingarda  dessas  para  mim,  enchi  bexigas  de  água  e  sai  com  meu  próprio  grito   de   guerra,  munida   de  muita   cara   de   pau.   Se   o   ano   novo   é   uma   época   de  limpeza  e  renovação,  água  é  o  que  não  falta  para  os  laosianos  completarem  seu  ritual.       A  resolução  do  segundo  ano  novo  foi  dedicada  às  crianças  e  a  afirmação  de  que  fazer  papel  de  ridículo  pode  ser  um  bom  jeito  de  recomeçar  o  ano.