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PIBID LETRAS-PORTUGUÊS/UEM: UMA PROPOSTA DE LEITURA A
PARTIR DO LIVRO “ABRINDO CAMINHO”, DE ANA MARIA MACHADO
Renata Kelen da ROCHA
Vilma da Silva ARAÚJO
Dra. Margarida da Silveira CORSI
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
RESUMO
Vinculado ao Subprojeto PIBID Letras-Português, da Universidade Estadual de Maringá,
nosso trabalho apresenta resultados de pesquisa-ação realizada no Colégio de Aplicação
(CAP/UEM). Para esse estudo, tivemos por base a proposta de teoria do gênero discursivo de
Bakhtin (2003), que nos mostra a necessidade de contemplarmos o contexto sócio-histórico-
ideológico e aponta o ato de ler como uma maneira de permitir a comunicação, o estar com o
outro, a interlocução e a dialogia da leitura; a leitura e letramento literário de Micheletti
(2000), que salienta o quanto o processo de leitura não deve se restringir apenas à
decodificação, mas buscar a compreensão do que está escrito, pela atribuição de sentidos ao
texto escrito, elaborando significados; a proposta de Cosson (2014) que afirma a necessidade
da língua como instrumento para efetivar o processo de leitura, pois a apropriação da
linguagem, em práticas efetivas e autênticas de leitura e escrita, têm um papel humanizador; e,
por fim, para entendermos os conceitos de intertextualidade e os apresentarmos aos alunos,
utilizamos os estudos de Kristeva (1974), que, segundo autora, todo texto é construído como
“um mosaico de citações”, o que leva a produção textual a ser uma absorção e transformação
de um outro texto. Assim, as etapas de desenvolvimento da pesquisa se realizam com o
diagnóstico do contexto educacional, apoiados na leitura do Projeto Político Pedagógico, a
investigação da biblioteca e seu acervo, da sala de aula e de outros locais utilizados como
espaços de leitura; a investigação das preferências e dificuldades dos educandos em relação ao
letramento literário, com uso de questionários elaborados pelo grupo; a produção e aplicação
de uma oficina de leitura, que resultou na elaboração e aplicação de uma sequência básica,
objetivando a motivação pela leitura literária e a concretização do letramento literário a partir
do livro Abrindo caminho, de Ana Maria Machado (2005), embasados no pressuposto de que o
ato de ler é solitário e envolve a decifração do código, por parte do leitor, na compreensão dos
sentidos expressos e no preenchimento dos não ditos (AGUIAR, 2006).
Palavras-chave: Literatura; Ensino; Leitura.
1. INTRODUÇÃO
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A leitura dos textos literários é compreendida pelos PCNs (2008) como um ato
interlocutivo de interação dialógica que utiliza demandas sociais, históricas, políticas,
econômicas, pedagógicas e ideológicas de um determinado momento. Isso é apontado,
porque no momento de ler, o aluno infere suas experiências, os seus conhecimentos
prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural e as diversas vozes que o
constituem. Entretanto, segundo Cardoso-Silva (1997), quando se investiga o
tratamento dado ao ensino da Língua Portuguesa nas escolas do ensino fundamental,
percebe-se uma série de problemas, lacunas e inadequações na forma como os
conteúdos são abordados e propostos.
Com vista na importância da prática de leitura literária em sala de aula,
propomos estratégias didáticas utilizados no Ensino Fundamental Fase II, para inserir a
literatura no cotidiano dos estudantes, com o intuito de atraí-los para o mundo literário.
Para tanto, recorremos às raízes do ensino da literatura e, com isso, percebemos que o
ensino corrobora para o hábito da leitura de textos literários. Ao seguirmos essa linha,
retomamos Compagnon, que, citando Ítalo Calvino, defende: “há coisas que só a
literatura com seus meios específicos pode nos dar” (COMPAGNON, 2012, p. 20). O
autor também reforça a importância da literatura para a vida e para a construção do
cidadão, e afirma também que ela deve ser preservada e estudada, para que haja
compreensão e aprofundamento dos valores sociais. Corroborando as ideias de
Compagnon, retomamos Cândido (2004), que vê a literatura, na sua função
humanizadora, como capaz de ajudar o homem a encontrar sua própria identidade.
Nesse sentido, para Antunes (2003), a leitura é uma atividade de interação
entre indivíduos, posto que temos presente o autor do texto e o leitor. A autora afirma
ainda que o texto deve permanecer como o ponto de partida literária, mas, para que o
aluno amplie seu conhecimento, é preciso que ele interaja com a obra, pois só com isso,
a prática de leitura deixará de ser um simples ato de decodificação e será considerada
como uma oportunidade de avaliação, integrando o leitor com a vida e seu meio social.
Dessa forma, o aluno conseguirá atingir uma maturidade literária com um mediador
para guiá-lo em direção à compreensão do texto, até que ele mesmo possa se conduzir
em leituras individuais. Para que isso ocorra, Micheletti (2000) salienta que, se a leitura
ocorre na escola, o professor precisa abdicar sua função de ‘guardião do saber’ e deve
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atuar como um verdadeiro mediador. Cosson (2012) explica que para se ensinar a ler
um texto literário na escola não basta propor a leitura, é necessária a presença de um
intermediador, para guiar o aluno nas etapas de leitura até que ele se aproprie de
métodos próprios para a fruição de suas leituras.
Com vista nisso, nosso trabalho objetiva a elaboração de estratégias de leitura
propostas a partir da obra literária Abrindo caminho, de Ana Maria Machado (2005).
Para a concretização da proposta, realizamos: a) aplicação de uma pesquisa de campo,
com o objetivo de entender o contexto escolar, a qual se deu por meio de questionários
aplicados aos alunos do sexto ano do EFII; b) observações de aulas de literatura para o
sexto ano do EFII, da biblioteca e demais espaços de leituras; c) momentos de
discussões teóricas, pautados principalmente na proposta de abordagem de Cosson
(2012); d) seleção do texto literário; e) leitura e análise literária do texto selecionado:
Abrindo Caminho, de Ana Maria Machado (2005), assim como análise das
intertextualidades presentes no livro, pautados em Kristeva (1974) e (CARDOSO-
SILVA, 1997); f) composição do material didático e; g) abordagem do texto,
objetivando o incentivo à leitura.
Para tanto, retomamos Brandão e Micheletti (2001), para quem, ao trabalhar
com textos verbais, o corpus se amplia e possibilita um exercício de leitura e
interpretação de cada texto, de acordo com seu gênero e sua funcionalidade social.
Micheletti (2000) propõe uma leitura que abranja as etapas: antecipação, leitura e
interpretação, enquanto Cosson (2012) sugere as etapas: antecipação, decodificação e
interpretação. Na esteira de ambos, Corsi (2015, p. 34) argumenta no sentido de que
consideremos uma junção das propostas de Cosson e Micheletti, pois são
“indispensáveis para a leitura do texto literário a ‘antecipação’, a ‘decodificação’, a
‘análise’ e a ‘interpretação’”. É nesta perspectiva que descrevemos a seguir as etapas do
texto literário.
A antecipação acontece antes de abrir o livro Abrindo Caminho, de Ana Maria
Machado, quando o leitor tem como fator motivador, para despertar sua imaginação e
sua curiosidade, o tamanho da impressão da obra, a cor vermelha de sua capa, a
ilustração e o título. Esse último possibilita o levantamento de várias hipóteses sobre o
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conteúdo temático da obra, por parte do leitor: Qual é o caminho a ser percorrido?
Quem percorreu esse caminho?
Pode-se ainda observar a contracapa, como um outro elemento que nos chama
a atenção. Nela, encontramos uma ilustração com setas que indicam vários caminhos ou
direções e, junto a isso, temos uma imagem de Mandala, um símbolo que pode nos
remeter à uma representação dinâmica entre o homem e o universo. Na página de
apresentação da autora e da ilustradora, temos a visão de um labirinto, marcada pela
qualidade estética, originalidade e criatividade. Já na página da dedicatória, é
apresentada uma imagem de uma criança, puxando um piano no topo do mundo. Essa
ilustração pode referir-se a Antônio Carlos Jobim, já que a obra é dedicada a ele. Ao
continuarmos folheando o livro, percebe-se que a obra se compõe com ilustrações e
versos livres.
Na etapa da decodificação, percebemos que a obra Abrindo Caminho, de Ana
Maria Machado e Elisabeth Teixeira, unifica a prosa, a poesia e a ilustração. A autora
compõe um poema-narrativo com diversas intertextualidades a partir de seis
personalidades histórico-literárias. A narrativa da obra se constrói por meio de um
emaranhado de histórias, como a de Dante Alighieri escritor da Divina Comédia, uma
obra canônica e muito importante da literatura clássica; Carlos Drummond de Andrade,
poeta brasileiro e autor do poema Pedra no Caminho; e Antônio Carlos Jobim, cantor e
compositor da música popular brasileiro que, junto com Vinícius de Moraes, escreveu a
música Águas de Março; Cristóvão Colombo, um homem que tinha como objetivo
navegar até às Índias, que, ao desviar do seu percurso, descobriu a América; Marco
Polo, que sonhou em ser um explorador e por isso conquistou o Oriente; Albert Santos
Dumont, uma figura brasileira que inventou o avião na França.
A partir das histórias citadas, é possível dividirmos a obra em dois momentos,
sendo o primeiro representado pelas personagens literárias, como Dante que deve
enfrentar uma floresta escura, na Divina Comédia; Carlos (Drummond) que tem uma
pedra no meio do seu caminho e Tom (Jobim) com um Rio como empecilho para sua
jornada. O segundo momento se constitui pelos nomes históricos Alberto, Marco e Cris,
personagens responsáveis por encurtarem distancias, vencerem barreiras e descobrirem
novas terras.
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Para realizar a análise da obra, lembramos que Abrindo Caminho, de Ana
Maria Machado, tem seu enredo estruturado em diversas intertextualidades, ou seja,
“uma permutação de textos, absorção e transformação de uma multiplicidade de outros
textos, rede conexões internas e externas” (CARDOSO-SILVA, 1997), p. 19). Essa
intertextualidade demanda que o leitor tenha conhecimento dos textos previamente
existentes, pois só com isso ele compreenderá a produção de determinado texto.
Esse “conjunto de ideias, pensamentos e palavras que se conduzem através de
várias vozes separadas, somando-se em cada uma delas de maneira diferente”
(BAKHTIN, 1981, p. 192) está presente em todo o desenrolar da narrativa de Machado
(2004). A autora inicia sua obra com expressões como “selva escura” e as imagens
como a onça, a loba, o leão, o anjo, o diabo, Virgílio e Beatriz, figuras presentes na
epopeia de Alighieri; na sequência, há a repetição dos termos “era pau. Era pedra. Era o
fim do caminho” uma referência explicita à música de Tom Jobim e uma indireta com o
poema de Drummond: No meio do caminho.
O enredo da obra analisada não se estrutura de maneira linear, já que ele se
constitui de seis narrativas imbricadas em forma de poesia. Para tanto, a autora se mune
de uma linguagem poética, como as rimas, que encontramos no trecho: “no meio do
caminho de Marco teve um mapa bem melhor. No meio do caminho de Cris teve um
mundo bem maior. E com o voo de Alberto, esse mundo ficou menor” (MACHADO,
2014, p. 31) e figuras de linguagem, como as anáforas: “Era pau. Era pedra. Era o fim
do caminho?” (MACHADO, 2014, p. 10), recurso linguístico que garante um
movimento repetitivo das palavras e rompe com a concepção e noção de tempo na
narrativa (já que as palavras repetidas nesse trecho são verbos no pretérito perfeito). Já o
espaço, é desconstruído por meio das metonímias apresentadas por Machado (2014),
pois ela dialoga com obras dos artistas Dante, Drummond, Jobim, que trazem novos
espaços como a selva escura, a pedra e o rio, enquanto que Marco, Cris e Alberto
rompem barreiras físicas, atravessando o oceano, o céu e o deserto. Esses recursos
linguísticos empregados na obra de Machado (2014) corroboraram para uma literatura
que mistura música, com elementos da poesia, da prosa, da literatura clássica e
ilustrações, formado um enunciado literário híbrido: uma narrativa poética verbo-visual.
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A autora faz uso de prenomes para apresentar personalidades importantes para
a humanidade: Dante, Carlos, Tom, Cris, Marco e Alberto. Machado (2014) também
emprega os tempos verbais para desenvolver as ações das personagens, inseridas em um
determinado tempo e espaço (elementos que caracterizam um texto narrativo) que não
são determinados na narrativa. Assim, o tempo verbal no pretérito imperfeito é usado
quando se tem a intenção de expressar que a ação está em curso, indicando a incerteza
das personagens diante dos obstáculos a serem enfrentados: “No meio do caminho de
Dante tinha uma selva escura” (MACHADO, 2014, p. 04), enquanto que ao empregar o
pretérito perfeito em “no meio do caminho de Dante teve uma estrada” (MACHADO,
2014, p. 15), a escritora apresenta os fatos que já foram conclusos, mas que ainda
podem ser questionados, de acordo com o processo de comunicação.
Essa mudança verbal indica os efeitos das ações das personagens, os fatos
foram narrados no passado. A partir da ilustração que apresenta um menino, na página
32, observamos uma mudança verbal do passado para o presente “no meio do caminho
tem coisa que não gosto”. Na ilustração, o menino se depara com um muro e grades a
sua frente e, associada à esta imagem há a continuação “Pedra? Ovo? Fim do caminho?
Ou caminho novo?” (MACHADO, 2014, p. 32). A presença do menino mostra os
obstáculos vencidos, que abrem caminho para o progresso, que existe devido as
conquistas anteriores “porta, ponte, túnel, estrada, mapa, voo, navegação. Quem disse
que o fim da picada não se abre para a imensidão?” (MACHADO, 2014, p. 34). Na
ilustração, o menino adentra em uma cidade, demonstrando estar feliz. Neste trecho,
inferimos que as pessoas vivem em uma sociedade globalizada a partir do texto verbal
associado à imagem: “beco que vira avenida. Muro que cai para o irmão. Esperança
renascida escancarando a prisão” (MACHADO, 2014, p. 36). O caminho não tem fim, e
com uma referência da música Águas de março “é promessa de vida no meu coração”
(MACHADO, 2014, p. 39), a narrativa termina com a ilustração de uma fina chuva que
cai sobre a cidade, simbolizando a renovação. O emprego dos verbos é encarregado por
essa transposição do tempo na narrativa e, corroborando a isso, há também o uso de
personagens que representam diferentes contextos e épocas, com espaços vazios para
serem preenchidos pelo conhecimento de mundo e inferências do leitor.
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Esses usos sintáticos, para dar significados às frases, podem ser vistos como
um meio que a autora empregou para compor o estilo da sua obra, um elemento que
ocorre na seleção de “recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua”
(BAKHTIN, 2003, p. 261), que é conceituado por Bakhtin (2003, p. 186) como “a
unidade de procedimentos de informação e acabamento da personagem e do seu mundo
e dos procedimentos, por estes determinados, de elaboração e adaptação [...] do
material”.
A interpretação do livro Abrindo Caminho, de Ana Maria Machado, conduz o
leitor à ideia de que ele também pode superar as dificuldades de cada etapa da vida e
chegar à plena realização de seus sonhos, devido ao potencial que traz consigo.
No decorrer da narrativa, temos desfechos que são caracterizados pelas
soluções dos conflitos das personagens, isto é, quando uma estrada dá lugar a selva
escura, no caminho de Dante; um túnel que permite que Carlos passe pela pedra que
estava em seu caminho; uma ponte possibilita a passagem de Tom pelo o rio; um novo
mundo para Cris, que tinha o oceano em seu caminho; novas rotas para Marco que era
impossibilitado de viajar pelo inimigo e o deserto e, por fim, o avião que encurta as
lonjuras do caminho de Alberto. Além desses desfechos individuais, podemos inferir
dois outros desfechos para a obra, sendo o primeiro relacionado à chuva que Teixeira
desenha ao final da narrativa, que denota renovação, enquanto que o outro concerne à
construção frasal “é promessa de vida no meu coração” e à imagem da chuva, que
caracterizam o recomeço e as conquistas que o leitor pode ter, assim como os
personagens tiveram. Assim, a obra, ao empregar rimas, jogos de palavras e recursos
imagéticos, conduz o leitor a buscar novos conhecimentos na história, na geografia e na
arte, para que consiga compreender suas intertextualidades, já que “os sentidos que
podem ser lidos em um texto, não estão necessariamente nele, mas na relação dele com
outros textos, ou até mesmo na relação entre as diversas leituras de um mesmo texto”
(CARDOSO-SILVA, 1997, p. 17).
A intertextualidade, a ilustração e os recursos linguísticos permitem que leitor
percorra os caminhos, interagindo com o texto e buscando uma coprodução de sentidos
a partir da linguagem visual e verbal. Torna-se, com isso, um coautor do texto, pois ele
preenche os espaços vazios da narrativa. Temos, assim, a construção de uma narrativa
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dentro da narrativa, que transporta o sujeito empírico para obra, o que permite que cada
leitor possa programar ou reprogramar sua rota para novos caminhos, novos obstáculos
e novos significados.
Com base nos conceitos de Aguiar (2011), diríamos que a convergência de
textos diversos cria uma miscelânea de gêneros que desafia a teoria da literatura
canônica. Essa maneira fragmentada que a autora desenvolve o enredo ajuda a
compreender o mundo atual, porque ele possui, como o texto literário, diversos
discursos que se encontram de maneira fragmentada, em que a criatividade possibilita
combinar e compor novos arranjos a partir do que já existe. Ademais, as personagens
escolhidas pela autora para construir o enredo permitem inferir que no meio do caminho
delas há pedras, mas tiveram a capacidade de superá-las e, com isso, ultrapassam os
caminhos difíceis. Percebemos também que na composição do texto literário, tanto a
narrativa quanto as ilustrações fazem parte de um único texto, pois a ilustração é um
elemento fundamental na configuração do caráter estético da literatura infantojuvenil, o
que possibilita um diálogo entre o verbal e o não verbal e amplia os horizontes de
expectativas dos leitores, propondo uma leitura autônoma e criadora do texto. Isso faz
com que o texto e a imagem atuem sinérgica e dialogicamente (AZEVEDO, 2008).
PREPARAÇÃO E APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA BÁSICA
Embasadas na proposta de leitura já apresentada de Micheletti (2000), Cosson
(2012) e Corsi (2014) e na sequência básica de Cosson (2012) que se divide em
motivação, introdução, leitura e interpretação, apresentamos a seguir a oficina de
leitura da obra Abrindo caminho, de Ana Maria Machado.
Considerando as diversas intertextualidades presentes no texto de Machado
(2004), nossa oficina está pautada ainda no conceito de intertextualidade de Kristeva
(1974), que afirma que todo texto é “construído como um mosaico de citações”, o que
leva a produção textual a ser uma absorção e transformação de um outro texto. A autora
ainda aponta que a palavra é o “cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de
diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou da personagem), do contexto cultural
atual ou anterior [...]” (KRISTEVA, 1974, p. 70). Assim, a leitura intertextual da obra
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possibilitou trabalhar interpretações históricas, literárias, assim como fazer relações
sociais com a vida cotidiana dos educandos, o que instigou o desejo pela leitura.
Com o objetivo de realizarmos o letramento literário com os alunos do 6º ano,
do Ensino Fundamental II, do Colégio de Aplicação, da Universidade Estadual de
Maringá, foi aplicada a primeira etapa da sequência básica de Cosson (2012), que é a
motivação. O trabalho inicial tem por objetivo instigar o leitor a prosseguir com a
leitura do texto literário, por meio de recursos lúdicos, que desenvolvam as
competências de leitura, de escrita e de oralidade e leve o leitor a se interessar pela obra
discutida. Para tanto, ao considerarmos a teoria proposta por Cosson (2012),
confeccionamos um jogo de tabuleiro que contempla o proposto pelo autor, retoma e
ampliava o conhecimento de mundo dos alunos, para o entendimento das
intertextualidades da obra literária.
Utilizamos cinco tabuleiros, de 90 cm, confeccionados com uma base de
papelão e cartolina. A trilha – um longo caminho dividido por diversas casas – foi
desenhada sobre a superfície de uma cartolina, colada sobre uma folha de isopor e
revestida com contact transparente. Essa trilha foi planejada com “portais”, com
informações sobre os personagens do jogo. De modo semelhante, ocorria com “casas de
desafios”, que instruíam os alunos a executarem atividades relacionadas ao tema da
obra, como recitar um poema de Drummond ou cantar uma música de Tom Jobim.
Produzimos os peões utilizados no jogo, que serviram de peças e diferenciavam
os jogadores. Foram feitos com impressões coloridas, palitos de sorvete e bases de
tampinhas de refrigerantes e representavam os personagens do livro: Carlos Drummond,
Dante, Tom Jobim, Santos Dumont, Marco Polo e Cristóvão Colombo. Fizemos
também 6 cartas com informações sobre cada personagem descrito no livro, 12 cartas
com curiosidades desses personagens e 6 cartas com desafios. Todas as cartas foram
feitas com folhas de sulfite, mas, as cartas de informações possuíam imagens impressas,
de seu respectivo personagem. As cartas de curiosidades contavam com informações
básicas e interessantes sobre os personagens, já as cartas de desafios trazem atividades
como de recitar um poema, lê-lo na ordem inversa, vestir fantasias, avançar ou retornar
algumas casas no tabuleiro.
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Para o desenrolar do jogo, o aluno deveria jogar os dados e andar as respectivas
casas. Se o primeiro jogador parasse ou apenas passasse por um portal, ele abriria suas
portas e leria o nome do personagem que estava escrito na determinada casa, o que dava
permissão para que ele retirasse e lesse informações correspondentes ao personagem.
Ao longo do caminho, o jogo contava com outras casas surpresas e, cada vez que
alguém parava em uma dessas casas, era preciso retirar uma carta surpresa e lê-la para
todos, para em seguida, os alunos cumpriam o que era proposto pela carta. O jogador
que conseguisse ultrapassar primeiro a linha de chegada, ganhava um prêmio.
No decorrer do jogo, com a sala dividida em cinco grupos, quando os alunos
passavam pelos portais, deveriam responder a algumas questões orais sobre os
personagens, por exemplo: se eles já ouviram falar sobre Dante Alighieri, ou se
conheciam alguém com o nome de Dante. Estas ações tinham a intenção de despertar o
conhecimento prévio de cada um, no momento do jogo e, posteriormente, da leitura.
Para encerrar o encontro, foi entregue aos estudantes um resumo impresso com todas as
informações sobre cada um dos personagens do livro trabalhados no jogo.
Depois da motivação, foi realizada a introdução, que, segundo Cosson (2012),
é uma etapa fundamental para os alunos conhecerem um pouco sobre a vida do autor e
sobre a obra: “cabe ao professor falar da obra e de sua importância naquele momento,
justificando assim sua escolha” (COSSON, 2012. p. 60). Com vista nisso, a turma foi
dividida em grupos e conduzida à sala de vídeo. Neste local, foi projetada a capa do
livro em datashow e, a partir de questionamentos orais, os alunos foram levados a
criarem hipóteses sobre o conteúdo do livro, a partir do título e das ilustrações. Após
estimular a imaginação dos alunos, algumas informações e fotos da autora, da
ilustradora e do livro, foram projetadas nos slides.
A leitura, terceiro passo da sequência básica, ocorre com a mediação de
atividades, para verificar se os alunos estão compreendendo a obra ou se há problemas
de decifração, buscando solucionar quaisquer dúvidas dos alunos. Nessa etapa,
retomou-se, brevemente, o que foi trabalhado anteriormente, relembrando as hipóteses
que os alunos levantaram durante as etapas anteriores. Em seguida, como o livro não é
muito extenso, sua leitura foi realizada em sala, com a entrega dos exemplares do livro
aos alunos para que todos tivessem contato e manuseassem a obra.
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Em seguida, os alunos receberam uma cópia impressa para que cada um fizesse
sua leitura individual, para, em seguida, o livro ser apresentado em slides, com a leitura
em voz alta. Durante essa etapa, o texto escrito e as imagens foram associados às
informações adquiridas durante o jogo, pois a leitura não ocorre apenas com a
decodificação de textos escritos, mas também com linguagens não verbais, já que há
uma forte ligação entre a linguagem das imagens e a escrita. Após a leitura, as hipóteses
sugeridas pelos alunos foram comparadas às informações que eles apreenderam com a
leitura do livro. Oralmente, realizou-se uma discussão com os alunos, a fim de verificar
o grau de afetividade com a obra, se houve uma associação entre os conteúdos
trabalhados na motivação e na introdução com a leitura, e/ou se os alunos acionaram
seus conhecimentos prévios para atribuir sentido à obra. As questões que nortearam esse
debate oral são as que seguem: “Vocês gostaram da história? O que mais chamou a sua
atenção?”; “Vocês já conheciam os personagens? Quais?”; “O livro conta alguma
história? Sobre o que/quem o livro trata?”; “Como são as ilustrações: são semelhantes
às de desenho animado, de filme, de fotografia? Elas são importantes para fazer a
leitura? Por quê?”.
Propomos também algumas questões impressas, para que eles comprovassem,
a partir da escrita, a compreensão do texto. Algumas perguntas elaboradas são as que
seguem: “Quantos caminhos há na história?”; “Onde cada personagem pretende
chegar?”; “Depois de todas as reflexões feitas, responda: você contaria a história do
livro da mesma maneira que a autora? Por quê?” e etc. Quando os alunos terminaram de
responder às questões, a atividade foi corrigida oralmente pelo grupo, que comparou as
respostas entre eles, concluindo que a atividade teve um resultado positivo, pois os
alunos apontaram um olhar de curiosidade acerca do texto literário e demonstraram
aprimorar seus conhecimentos prévios. Os estudantes tiveram a percepção de que os
nomes citados na obra Abrindo Caminho faziam parte da história e de sua evolução,
reconheceram em Alberto Santos Dumont o inventor do avião, do relógio de pulso e de
vários modelos de balões. Além disso, eles perceberam que existem obstáculos a serem
superados por todos os personagens, que todos lutam, persistem, que todo caminho pode
ter um obstáculo, e que todos são capazes de vencer os obstáculos e atingir seus
objetivos.
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No encontro seguinte, a aula foi iniciada com algumas leituras de alguns textos
já apresentados durante o jogo, como o poema No meio do caminho, de Drummond e a
música Águas de março, de Tom Jobim. Com a cópia impressa em mãos, o poema foi
lido individualmente em uma leitura silenciosa, depois, os alunos que se sentiram a
vontade puderam declamar a poesia para a turma. A disposição dos alunos para a leitura
em voz alta foi surpreendente, já que grande parte deles se prontificou a declamar o
poema. Em seguida, procedimento semelhante foi feito com a letra da música de Tom
Jobim. Ao final da abordagem, os alunos assistiram ao vídeo da música e, em seguida,
todos a cantaram.
A intertextualidade foi retomada por meio de uma nova leitura do livro, desta
vez compassada, mediando oralmente a leitura do texto escrito e a do imagético, para,
ao final, serem propostas algumas questões acerca das reflexões feitas, como, por
exemplo, a) “O livro que você acabou de ler faz referência a textos escritos por Carlos
Drummond e Tom Jobim. Copie do livro Abrindo Caminho os trechos que fazem
referência aos textos abaixo: “No meio do caminho tinha uma pedra/Tinha uma pedra
no meio do caminho/Tinha uma pedra”; “É pau, é pedra, é o fim do caminho/É um resto
de toco, é um pouco sozinho/É um caco de vidro, é a vida, é o sol/É a noite, é a morte, é
o laço, é o anzol” b) “Segundo o dicionário “Aurélio Junior (2012)”, a palavra “pedra”
significa “matéria mineral dura e sólida, da natureza das rochas”. No poema de
Drummond e na música de Tom Jobim, essa palavra pode ganhar um sentido novo?
Qual?” c) “Observe que, no livro “Abrindo Caminho”, a palavra pedra também aparece.
Que sentido ela pode ter?” etc.
A interpretação, última etapa da sequência básica, concerne à “parte do
entretecimento dos enunciados, que constituem as inferências, para chegar à construção
do sentido do texto, dentro de um diálogo que envolve autor, leitor e comunidade”
(COSSON, 2012. p. 64). Esse processo se dá em duas etapas, sendo a primeira a
interpretação interior, em que há “o encontro do leitor com a obra” (COSSON, 2012. p.
65), e a segunda a interpretação exterior, momento em que o leitor materializa sua
impressão da leitura.
Ao considerar as conceituações de Cosson (2012), no final da leitura, foram
entregues alguns exercícios que levaram os alunos aos primeiros passos da
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interpretação. As perguntas usadas para a interpretação interna, a fim de levar o aluno
a uma reflexão sobre a história do livro, foram as seguintes: “O que representa para
você “abrir caminho”?”; “Qual personagem feminino poderia participar da história?”;
“O que é ‘promessa de vida no seu coração’?”; “Onde você acha que os personagens
querem chegar?”; “Com qual personagem do livro você se identificou? Por quê?” e;
“Agora que você ampliou seus conhecimentos, como você contaria a história?”.
As questões foram realizadas em sala de aula e com a ajuda dos professores,
porquanto, em algumas perguntas, os alunos tiveram dificuldade. A partir dessa
percepção, foi necessário estimular os estudantes a escrever uma resposta pessoal a
essas perguntas, o que os levou a utilizar a imaginação para realizar esta etapa das
ações. Responderam, por exemplo, que a promessa de vida é ser feliz, ser “alguém na
vida”, que suas mães poderiam ser personagens do livro, e, por fim, ao recontar a
história do livro, os alunos escreveram bons textos, o que possibilitou a sugestão de que
lessem suas produções para a turma, finalizando, assim, a proposta de interpretação
interna.
Com a finalidade de promover a interpretação exterior, na proposta seguinte,
os alunos deveriam escrever uma carta pessoal: “Proposta 1 – Imagine que você tenha
se identificado com algum dos personagens do livro e que possa interagir com ele.
Escolha um dos personagens e escreva para ele uma carta contando sobre alguém que
tenha aberto os caminhos para você. Não se esqueça das principais características
presentes na carta: local e data, vocativo, despedida e assinatura. Sua cartinha será
exposta na Semana de Integração do CAP, portanto, capriche”. Para a realização desse
comando, foi escrita no quadro uma carta coletiva destinada à professora, assim, eles
conheceram a estrutura e as características de uma quarta pessoal.
A partir das descrições acima, consideramos que, segundo Chiappini (2001), ao
realizar as práticas de leitura, é necessário criar, sem resistir à vontade de escrever,
representar, compor, desenhar, ou reler, recompor e reinventar. Por essa razão, cada
aluno fez um desenho a partir do comando a seguir: “Proposta 2 – Faça um desenho que
retrate um sonho/desejo que você gostaria de realizar hoje. Abaixo do desenho, explique
o significado da imagem e o que ela representa em sua vida. A seguir, escreva quais os
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caminhos que você deverá seguir para que esse sonho se realize. Os desenhos prontos
serão expostos em um varal na sala de aula”.
Com a leitura das cartas e a apreciação dos desenhos realizados pelos alunos,
foi possível notar que o grande sonho dos alunos é ter uma profissão, passar em uma
universidade e estudar para que isso seja alcançado. Percebemos, assim, que estão
atentas ao que a sociedade cobra dos indivíduos, como cidadãos. No entanto,
percebemos que eles viram essa etapa como uma tarefa complexa, uma vez que
implicou a utilização dos conhecimentos prévios de cada um, a postulação de seus
objetivos e suas expectativas, a análise das partes do texto, a análise e materialização
linguística de intenções e objetivos da autora do livro Abrindo Caminho.
A realização deste percurso didático com os alunos do 6° ano, do Colégio de
Aplicação, da Universidade Estadual de Maringá, nos levou a constatar que, apesar do
esforço e trabalho que é preciso empenhar, os resultados obtidos são satisfatórios, pois
uma aula preparada e calcada em um projeto teórico-didático é capaz de atender às
expectativas de um ensino literário que dá bons frutos, levando o estudante juvenil a
ampliar seus conhecimentos e ser despertado para a leitura literária.
CONCLUSÃO
Durante o percurso traçado para o desenvolvimento do material e para a prática
abordagem do texto literário em sala de aula, passando pelas observações e estudos,
percebemos que o grande desafio posto à escola é o de romper com as práticas de
leitura, que estão enraizadas num processo submetido apenas a mecanismos de
decifração, o que torna o ato de ler monótono e distante da realidade dos jovens. Com
isso, podemos dizer que a aplicação, o tempo disponível e a dedicação para que esse
trabalho se realizasse foram de suma importância e devidamente recompensados. Os
alunos que participaram da abordagem demonstraram compreender a importância da
leitura literária e passaram a ver o enunciado literário como um conjunto de elementos
que se compõe de linguagem metafórica que pode levar ao prazer e ao conhecimento. A
comprovação de tais resultados foi possível por meio das respostas das atividades, das
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participações em salas de aula e, acima de tudo, na demonstração de capacidade de reter
informações contidas no jogo, pois isso possibilitou que conseguissem reter os
conhecimentos adquiridos nos encontros seguintes, o que oportunizou uma leitura rica e
construtiva da obra Abrindo caminho, de Ana Maria Machado.
Durante a elaboração e a abordagem do material didático, por se tratar de
alunos do 6° ano, algumas inquietações marcaram a proposta. Havia dúvidas sobre o
resultado da leitura acerca das intertextualidades propostas nas questões elaboradas, no
entanto, para a surpresa de todos, os educandos demonstraram facilidade e responderam
com rapidez as questões propostas. O que nos levou a crer que a proposta elaborada foi
pertinente para explorar a intertextualidade presente no livro, assim como para a
expansão de seus sentidos para o contexto sócio-histórico-ideológico dos leitores
discentes. Acreditamos que essas experiências, oportunizadas pelo subprojeto PIBID
Letras/Português, serão de extrema valia, pois, depois dessas atividades, os pibidianos
se sentem mais preparados para a escolha do material teórico, didático e literário, a ser
trabalhado em sala de aula, além de passar a ter uma visão mais esclarecedora do que é
ser um professor.
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