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zkeditora.com.br ano I fevereiro/2017 n o 02 Vade Mecum Forense Omissão perante a tortura e inconstitucionalidade omissiva ------------------------------------------------------------------------------------- Eduardo Luiz Santos Cabette Pessoas jurídicas nos empreendimentos de economia solidária Exemplar de assinante. Venda proibida. ESPECIAL Fichário Jurídico Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ------------------------------------------------------------------ Palhares Moreira Reis Know How Calas e os juízes de Toulouse – a história de um erro judiciário ----------------------------------------------------------------------------- Rômulo de Andrade Moreira

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zkeditora.com.br ano I fevereiro/2017 no 02

Vade Mecum ForenseOmissão perante a tortura

e inconstitucionalidade omissiva

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Eduardo Luiz Santos Cabette

Pessoas jurídicas nos empreendimentos de economia solidária

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ESPECIAL

Fichário JurídicoDeclaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

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Palhares Moreira Reis

Know HowCalas e os juízes de Toulouse

– a história de um erro judiciário

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Rômulo de Andrade Moreira

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ano I l abril de 2017 l nº 04

OBSERVATÓRIO JURÍDICO

Reflexões iniciais acerca do PL nº 4.302/98

Marcelo Ferreira Machado

CONJUNTURA

O equívoco da tentativa de aumentar a arrecadação por meio da elevação da tributação

Allan Titonelli Nunes

DOUTRINA

Relativizando a tortura ou o retorno da barbárie

Eduardo Luiz S. Cabette

conceitojuridico.com

Animal e Direito: o afeto como base de família multiespécie pág. 6

Exemplar de assinante. Venda proibida.

Tereza Rodrigues Vieira

ANIMAIS BIOÉTICA E DIREITO

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Diretores para Assuntos Internacionais: Edmundo Oliveira e Johannes Gerrit Cornelis van Aggelen

Colaboradores: Alexandre de Moraes, Alice Monteiro de Barros, Álvaro Lazzarini, Antônio Carlos de Oliveira, Antônio José de Barros Levenhagen, Aramis Nassif, Arion Sayão Romita, Armand F. Pereira, Arnoldo Wald, Benedito Calheiros Bonfim, Benjamim Zymler, Cândi-do Furtado Maia Neto, Carlos Alberto Silveira Lenzi, Carlos Fernando Mathias de Souza, Carlos Pinto C. Motta, Damásio E. de Jesus, Décio de Oliveira Santos Júnior, Edson de Arruda Camara, Eliana Calmon, Fátima Nancy Andrighi, Fernando Tourinho Filho, Fernando da Costa Tourinho Neto, Francisco Fausto Paula de Medeiros, Georgenor de Souza Franco Filho, Geraldo Guedes, Gilmar Ferreira Mendes, Gustavo Filipe B. Garcia, Humberto Gomes de Barros, Humberto Theodoro Jr., Igor Tenório, Inocêncio Mártires Coelho, Ives Gandra da Silva Martins, Ivo Dantas, J. E. Carreira Alvim, João Batista Brito Pereira, João Oreste Dalazen, Joaquim de Campos Martins, Jorge Ulisses Ja-coby Fernandes, José Alberto Couto Maciel, José Carlos Arouca, José Carlos Barbosa Moreira, José Luciano de Castilho Pereira, José Ma-nuel de Arruda Alvim Neto, Lincoln Magalhães da Rocha, Luiz Flávio Gomes, Marco Aurélio Mello, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Mário Antonio Lobato de Paiva, Marli Aparecida da Silva Siqueira, Nélson Nery Jr., Reis Friede, René Ariel Dotti, Ricardo Luiz Alves, Roberto Davis, Tereza Alvim, Tereza Rodrigues Vieira, Toshio Mukai, Vantuil Abdala, Vicente de Paulo Saraiva, William Douglas, Youssef S. Cahali.

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PRIMEIRA PÁGINA

O Brasil está ficando mais velho, e daí?

Por Pierre Moreau

Areforma da Previdência, prioridade do governo Temer, está no Congresso Nacional para discussão (PEC 287/16). A proposta visa alterar oito artigos da Constituição Fede-ral de 1988 que, caso aprovada, implicará a mudança de questões como as regras em relação à idade mínima e ao tempo de contribuição para se aposentar.

A reforma estabelece a idade mínima de 65 anos para aposentadoria, com 25 anos de contribuição, e se baseia na expectativa de vida do brasileiro medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) que, atualmente, é de 75,5 anos, segundo as Tábuas Completas de Mortalidade 2015 (Dis-ponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2015/default.shtm).

Isso significa dizer que, se a expectativa de vida dos brasileiros aumentar em um ano, na mesma proporção, poderá aumentar a idade mínima para aposentadoria. Segundo o texto em aprovação da PEC 287/16, a elevação da idade mínima neste caso poderá ocorrer sem a necessidade de aprovar nova emenda constitucional.

Pelas regras apresentadas, a cada ano que contribuir a mais o trabalhador terá direito a acrescentar um ponto no percentual do benefício. Com o mínimo de 25 anos de contribuição, isso equivale a 76%.

O valor integral da aposentadoria será 76% da média dos salários de contribuição. A aposenta-doria, da mesma forma de hoje em dia, nunca será inferior a um salário mínimo.

Para aqueles já aposentados, homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos, nada muda. O texto apresentado em dezembro de 2016 ainda prevê uma regra de transição e respeita os direitos adquiridos dos cidadãos.

As críticas ao projeto estão quase sempre cobertas de um medo popular dos seus efeitos sociais. As maiores dúvidas se sedimentam nas preocupações populares dos direitos adquiridos e a sensação de uma chamada injustiça social.

Sensacionalismo, meias-verdades e política acabam atrapalhando a transparência das mudanças propostas pelo projeto de reforma – cuja maioria dos especialistas concordam ser absolutamente necessárias.

Não se pode perder de vista que a Previdência Social ocupa hoje uma grande parte na proporção da destinação dos recursos públicos, a qual aumenta ao passar dos tempos e promete aumentar exponencialmente com a vinda das gerações ‘Y’ e ‘Z’ – em conjunto com o aumento constante da sobrevida média do brasileiro.

É exatamente esta proporção na destinação de recursos que corrói as outras áreas da seguridade social que também necessitam de recursos. Quanto mais destinamos para a previdência, menos sobra para saúde e assistência.

A análise pelo ente público sobre a alocação de recursos está baseada na necessidade de cada destinatário exercer as suas atividades com eficiência e sempre refletindo o impacto de sua verba no sistema da seguridade social e no beneficiário final – o povo.

É claro que o anseio da população será de garantir uma previdência justa e a longo prazo, com altos benefícios e privilégios, mas o orçamento sempre será restrito demais para cobrir todas as neces-sidades financeiras de todas as políticas públicas existentes no nosso país.

Devemos nos conscientizar de que os recursos públicos são limitados, e cabe aos nossos repre-sentantes designar a sua destinação final. Destinação esta que esperamos ter muita transparência e ser ponderada na votação da conturbada PEC 287/16.

(O autor agradece a valiosa colaboração da Dra. Marcela Alves de Oliveira e Jean Pierre Moreau).

PIErrE MorEAu é sócio-fundador do Moreau Advogados e membro do Conselho do Insper direito.

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sumário

3 Primeira Página

Especial

Das pessoas jurídicas nos empreendimentos de economia solidária

José Celso Martins e Rosângela Marques Consônio

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22 Fichário Jurídico

Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

Palhares Moreira Reis

31 Expressões Latinas

Actio familiae (h) erciscundae II

Vicente de Paulo Saraiva

33 Enfoque

A Defensoria Pública como órgão de execução penal: um retorno às origens defensoriais?

Maurilio Casas Maia

36 Saiba Mais

Precauções na aquisição de franquia

Ezequiel Frandoloso

21 Destaque

Princípio da imunidade tributária

Renata Angelis Jamardo

O Brasil está ficando mais velho, e daí?

Pierre Moreau

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38 Know how

Calas e os juízes de Toulouse – a história de um erro judiciário

Rômulo de Andrade Moreira

43 Questões de Direito

Caso Adriana Ancelmo: foi correta a substituição da prisão preventiva em domiciliar?

Leonardo Sarmento

46 Painel Universitário

Dano moral: análise dos valores fixados no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Andrei Pagnoncelli e Marina Zanin

60 Casos Práticos

Alguém conhece alguém que...

Eudes Quintino de Oliveira Júnior

62 Direito e Ficção

Pai em dose dupla

Alcilei da Silva Ramos66 Vade Mecum Forense

Omissão perante a tortura e inconstitucionalidade omissiva

Eduardo Luiz Santos Cabette

71 Prática de Processo

Novos deveres do juiz no julgamento de recursos

Jansen Fialho de Almeida

74 Prática de Processo

Decisões interlocutórias e o agravo de instrumento nos juizados especiais cíveis

Luiz Felipe de Oliveira Rodrigues78 Espaço Aberto

Não podemos nos esquecer do PNE

Mozart Neves Ramos

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6 revista PrÁtiCa FOreNse - Nº 02 - FevereirO/2017

ESPECIAL

Das pessoas jurídicas nos empreendimentos de economia solidária

Por José Celso Martins e rosângela Marques Consônio

“A criação e o desenvolvimento dos empreendimentos de economia solidária necessitam de constituição e ges-tão que atendam às características legais de cada modelo. Caso não ocorra a devida adequação, a entidade estará ir-regular e, assim, não conseguirá se desenvolver no cenário econômico-administrativo que regulamenta todas as ati-vidades mercantis desenvolvidas no país.”

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7revista PrÁtiCa FOreNse - www.zkeditOra.COm.br

Os empreendimentos de economia solidária têm como principal obje-tivo a inclusão de pessoas no mercado de trabalho por meio de ini-ciativas desenvolvidas de acordo com a vocação e a possibilidade de uma atividade mercantil à disposição de um indivíduo, um grupo ou

de uma comunidade. A organização do sistema capitalista exige que a exploração de qualquer ativi-

dade mercantil esteja representada por um empresário ou uma pessoa jurídica, o qual será o sujeito de direitos e obrigações na ordem civil. A pessoa que irá res-ponder pelos negócios realizados pelo empreendimento e pelas obrigações legais decorrentes da atividade explorada deve ser identificada administrativamente.

A realização de operações mercantis, industriais, comerciais ou de prestação de serviços implicará obrigações fiscais, trabalhistas e tributárias que surgirão independentemente da vontade daqueles que responderem por estes empreen-dimentos, ou seja, por responsabilidades além daquelas contratualmente assu-midas pelo empreendedor.

A formalização se faz necessária para que o empreendimento de economia soli-dária possa se desenvolver dentro do sistema, já que para crescer e regularmente realizar operações mercantis necessita emitir notas fiscais e comprovantes, ter inscrições em órgãos públicos e tomar outras providências administrativas, a fim de não ficar à margem do sistema.

O desenvolvimento regular de uma atividade mercantil como a venda de um produto, a abertura de uma conta bancária, o uso de cartões de crédito, a obtenção de financiamentos ou outra necessidade simples somente poderá ocorrer se o empreendimento estiver regularizado perante os órgãos públicos competentes.

Desta forma, para que um empreendimento de economia solidária possa fazer parte do sistema econômico, mesmo sendo um pequeno empreendimento, terá que ter sua situação administrativa regularizada.

A adequação de um empreendimento de economia solidária ao sistema econô-mico ainda carece de reconhecimento e de uma forma jurídica específica. Assim, à míngua de uma forma simplificada e adequada para uma proposta que tem um viés social, muito mais que econômico, sua constituição deverá ser preferencial-mente por meio de uma cooperativa, de associação ou ONG em razão de receber tratamento mais brando no que se refere às obrigações fiscais, tributárias e admi-nistrativas perante o Estado.

Trataremos dos modos de formalização dos empreendimentos de economia solidária, suas implicações e responsabilidades perante o Estado e terceiros.

O EMPrEENDIMENTO DE ECONOMIA SOLIDárIA

O espírito de um empreendimento de economia solidária é incluir socialmente pessoas desprovidas ou com parcos recursos pessoais e financeiros, fazendo com que elas possam viver com dignidade, com a garantia dos direitos previstos na Constituição Federal, a qual já em seu primeiro artigo os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Já no artigo terceiro declara como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que possa garantir o desenvolvimento nacional, com a erradicação da pobreza e da marginalização,

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ESPECIAL

com a redução das desigualdades sociais e regionais e, por fim, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

As aspirações da Carta Magna impõem o incentivo aos empreendimentos de economia solidária, sendo que a regularização dos projetos deve ocorrer com base na legislação existente e em normas que deverão ser editadas para melhoria do sistema.

Marcos Arruda apresentou o texto Globalização e sociedade civil: repensando o cooperativismo no contexto da cidadania ativa, para a Conferência sobre Globa-lização e Cidadania organizada pelo Instituto de pesquisa da ONU para o desen-volvimento social. Em seu texto, foi apresentado o cooperativismo autogestionário e solidário como proposta para um desenvolvimento que “reconstrua o global a partir da diversidade do local e do nacional”, conforme se vê no excerto a seguir:

É nesse processo que ganha enorme importância a práxis de um cooperativismo autôno-mo, autogestionário e solidário, que inova no espaço da empresa comunidade humana e também na relação de troca entre os diversos agentes; [...] o associativismo e o coope-rativismo autogestionários, transformados em projeto estratégico, podem ser os meios mais adequados para a reestruturação da socioeconomia na nova era que se anuncia (ArrudA, 1996).

Um empreendimento de economia solidária é, na verdade, uma empresa no seu conceito econômico, mas não o é no seu sentido social. Uma empresa se revela pelo conjunto de bens organizados, que agregado ao capital e ao trabalho explora uma atividade mercantil com o objetivo de lucro (COELHO, 2013, p. 126).

Ao conceito de empresa segue o de empresário, que é o agente que se arrisca na exploração de uma atividade econômica como idealizador e organizador do empreendimento com a utilização – ou não – de mão de obra empregada, com o objetivo de lucro (COELHO, 2013, p. 126).

Estes conceitos estão adequados ao modelo capitalista de exploração de ati-vidade econômica. Porém, não é somente isso que se espera de um empreendi-mento de economia solidária. O professor Paul Singer (2000, p. 14) assim discorre sobre este modelo econômico:

A economia solidária é o projeto que, em inúmeros países há dois séculos, trabalhado-res vêm ensaiando na prática e pensadores socialistas vêm estudando, sistematizando e propagando. os resultados históricos deste projeto em construção podem ser sintetiza-dos do seguinte modo: 1. Homens e mulheres vitimados pelo capital organizam-se como produtores associados tendo em vista não só ganhar a vida mas reintegrar-se à divisão social do trabalho em condições de competir com as empresas capitalistas; 2. Pequenos produtores de mercadorias, do campo e da cidade, se associam para comprar e vender em conjunto, visando economias de escala, e passam eventualmente a criar empresas de produção socializada, de propriedade deles; 3. Assalariados se associam para adquirir em conjunto bens e serviços de consumo, visando ganhos de escala e melhor qualidade de vida.

A evolução do modelo e sua práxis também foram definidas por Paul Singer (online, 2008):

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nós costumamos definir economia solidária como um modo de produção que se caracte-

riza pela igualdade. Pela igualdade de direitos, os meios de produção são de posse coletiva

dos que trabalham com eles – essa é a característica central. E a autogestão, ou seja, os em-

preendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletiva-

mente de forma inteiramente democrática, quer dizer, cada sócio, cada membro do empre-endimento tem direito a um voto. Se são pequenas cooperativas, não há nenhuma distinção

importante de funções, todo mundo faz o que precisa. Agora, quando são maiores, aí há

necessidade que haja um presidente, um tesoureiro, enfim, algumas funções especializa-

das, e isso é importante sobretudo quando elas são bem grandes, porque aí uma grande

parte das decisões tem que ser tomadas pelas pessoas responsáveis pelos diferentes seto-

res. Eles têm que estritamente cumprir aquilo que são as diretrizes do coletivo, e, se não o

fizerem a contento, o coletivo os substitui. É o inverso da relação que prevalece em empre-

endimentos heterogestionários, em que os que desempenham funções responsáveis têm

autoridade sobre os outros (grifos nossos).

Assim, um empreendimento de economia solidária não tem um “empresário” responsável pelo empreendimento, mas todos os envolvidos são gestores de um negócio cujos meios de produção são de posse ou propriedade coletiva. Portanto, não existe a tradicional exploração do homem pelo homem com a consequente divisão de classes, como ocorre em uma relação de emprego.

O art. 5º, XVIII da Constituição Federal trata das associações e das cooperativas como direito e garantia fundamental e esclarece que, constituídas na forma da lei, estas podem operar independentemente de autorização, vedada em seu funcio-namento a interferência do poder estatal.

Portanto, um empreendimento de economia solidária pode explorar uma ati-vidade econômica, mas com a propriedade coletiva dos meios de produção. Os participantes do empreendimento serão gestores do negócio, participando em igualdade nas decisões necessárias para o desenvolvimento e melhoria do empre-endimento, além de serem os responsáveis perante os órgãos públicos competentes.

DAS COOPErATIVAS

As cooperativas são, por excelência, o modelo ideal para a formalização de um empreendimento de economia solidária. O direito à criação de cooperativas está previsto no art. 5º, XVIII da Constituição Federal e o seu incentivo por parte do Estado no § 2º do art. 1741.

Temos ainda legislação específica que disciplina as questões ligadas as coope-rativas. A Lei nº 5.764, de 1971, é mais completa e referência quando existir dúvida sobre o regime cooperativo. Os arts. 1093 a 1096 do Código Civil de 2002 também trazem disposições importantes sobre o cooperativismo no Brasil.

A Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012, modificou a Constituição e o funciona-mento das cooperativas de trabalho ao instituir o Pronacoop – Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho –, além de regulamentar as atividades exercidas pelos cooperados. Esta lei veio ao encontro das necessidades de desen-volvimento dos empreendimentos de economia solidária.

Uma cooperativa é uma forma de união de esforços coordenados entre pessoas, sem hierarquia ou subordinação, que vivem em regime de colaboração para uma

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ESPECIAL

finalidade social e econômica. A palavra “cooperativa” deriva do latim cooperatio, que significa uma prestação recíproca de auxílio comum.

Edivânia Biachin Panzan (2006, p. 48) esclarece que a cooperativa não tem obje-tivo de lucro, mas visa à prestação de serviços em favor dos associados ou coope-rados, à qual os membros aderem voluntariamente, sendo o número de associados ilimitado. O objetivo principal das cooperativas é, portanto, a reunião de pessoas com pontos de vista, objetivos e habilidades comuns, que buscam melhorias na condição de vida nas mais amplas e diversas possibilidades.

O sistema cooperativo tem por objetivo a igualdade do homem na sociedade, independentemente de sua classe social. Predominam a produção e a distribuição igualitárias, equivalentes à produção de cada um, fundamentando-se na reunião de pessoas, e não do capital. Na verdade, visa a atender às necessidades de um determinado grupo, e não necessariamente obter lucro.

BrEVE hISTórICO NO BrASIL E NO MUNDO

Desde a Pré-História, o homem se utiliza do sistema cooperativo para seu desen-volvimento. Desde quando viviam como nômade, os homens se organizavam em grupos para a caça e para a pesca e, depois, compartilhavam o resultado com os grupos que gregários.

A primeira cooperativa organizada formalmente no modelo que conce-bemos hoje foi a dos tecelões de Rochdale, bairro da cidade de Manchester, na Inglaterra, em 21 de dezembro de 1844, então denominada Sociedade dos Probos de Rochdale. A cooperativa foi fundada por 27 homens e uma mulher, com capital de uma libra cada um, tendo como objetivo a compra e o forneci-mento de alimentos2.

A cooperativa de Rochdale não foi o primeiro sistema cooperativo da história, visto que outras civilizações, em outras épocas, também fizeram uso do sistema. Mas os “pioneiros de Rochdale” foram aqueles que melhor empregaram os prin-cípios do cooperativismo, se tornando referência para a evolução e implantação do sistema na Europa e, depois, em todo o mundo.

Na Europa outros modelos de cooperativas foram se desenvolvendo de acordo com a necessidade e as circunstâncias econômicas e sociais de cada país. Na Ingla-terra, forame implementadas as cooperativas de consumo, enquanto na Alemanha as cooperativas de crédito e, na França, as cooperativas de produção (CACOGNA, 1980, p. 9).

Na Itália, em 1919, já existiam 2.351 cooperativas de trabalho, a maioria do ramo da construção (cooperativas de trabalhadores braçais, britadores, pedreiros e carregadores, etc.). As obras eram contratadas diretamente pelos próprios tra-balhadores (MAUAD, 2001, p. 28).

No Brasil, o sistema cooperativo também conta longa história. A primeira cooperativa foi formalmente constituída em 1891, chamada Associação Coo-perativa dos Empregados da Companhia Telefônica, em Limeira (SP). Depois, se seguiram outras, como a Cooperativa Militar de Consumo, no Rio de Janeiro, em 1894, a Cooperativa dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Rio Claro, em 1897, além da Cooperativa de Crédito de Nova Petró-polis (RS), em 19063.

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O Brasil conta hoje com aproximadamente 7.600 cooperativas e mais de 9 milhões de associados, tendo a Organização Cooperativas Brasileiras (OCB) como o órgão máximo de representação das cooperativas no país.

Entre suas atribuições, a OCB é responsável pela promoção, fomento e defesa do sistema cooperativista em todas as instâncias políticas e institucionais. É de sua responsabilidade também a preservação e o aprimoramento desse sistema, o incentivo e a orientação das sociedades cooperativas. Hoje, são 27 organizações estaduais (em São Paulo é chamada de OCESP) com 7.566 cooperativas em 13 ramos de atividades diferentes.

Também existe ainda uma entidade representativa mundial chamada Aliança Cooperativa Internacional (ACI), uma organização de representação do coopera-tivismo e de defesa da identidade cooperativa mundial. Com sede em Genebra, na Suíça, existe há mais de 100 anos e congrega cerca de 800 milhões de pessoas ligadas a 230 organizações cooperativas em mais de 100 países.

As cooperativas representam grande poder econômico e o fomento a este modelo no Brasil, com a promulgação de novas leis e regulamentos, estão de acordo com a ampliação dos empreendimentos de economia solidária.

CArACTEríSTICAS DO rEgIME COOPErATIVO

As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica pró-prias, sendo sua natureza civil. As cooperativas não estão sujeitas à falência, são constituídas para prestar serviços aos seus associados. Elas se diferenciam das demais formas de sociedades por possuírem algumas características peculiares, dentre as quais destacamos aquelas previstas no art. 4º da Lei nº 5.764/1971 e também no art. 1094 do Código Civil:

São características da sociedade cooperativa: I – variabilidade, ou dispensa do capital so-

cial; II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da

sociedade, sem limitação de número máximo; III – limitação do valor da soma de quotas do

capital social que cada sócio poderá tomar; Iv – intransferibilidade das quotas do capital

a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; v - quorum, para a assembleia

geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no

capital social representado; vI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha

ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; vII – distribui-

ção dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com

a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; vIII – indivisibilidade do

fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.

As cooperativas são sociedades com outras características próprias que também devem ser consideradas, de acordo com a Lei nº 5.764/1971:

Adesão voluntária com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de

prestação de serviços pela cooperativa; variabilidade do capital social representado por

quotas-partes; limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, fa-

cultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais

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adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; impossibilidade de cessão das quo-tas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; a determina-ção sobre o quórum para o funcionamento e deliberação da assembleia geral baseado no número de associados e não no capital; determinação de como deverá ser o retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da assembleia geral; indivisibilidade dos fundos de reserva e de assistências técnicas educacional e social; neutralidade política e não discriminações religiosa, racial e social; prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços.

Todas as condições legais caracterizam o sistema cooperativo e o tornam único dentro do regime jurídico das pessoas jurídicas no Direito brasileiro.

Podemos ainda destacar outras condições peculiares ao sistema cooperativo no art. 1095 do Código Civil e os arts. 12 e 13 da Lei nº 5.764/1971, tais como os sócios responderem limitada ou ilimitadamente pelas responsabilidades sociais da coo-perativa, o estatuto prever a forma de responsabilidade dos sócios que poderão responder somente com sua quota-parte na proporção de sua participação nas operações ou ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Já o art. 5 da Lei nº 5.764/1971 dispõe que as sociedades cooperativas poderão adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade mercantil, porém é obrigatório na sua denominação o uso do termo “cooperativa”.

Os segmentos já consagrados como cooperativas são a agropecuária, o con-sumo, o crédito, o educacional, o especial, o habitacional, o da infraestrutura, o mineral, a produção, a saúde, o de transporte, turismo e lazer, sem limites sobre a atividade, que poderá ser aquela que melhor atender aos associados.

A CONSTITUIçãO DAS SOCIEDADES COOPErATIVAS

As sociedades cooperativas são constituídas a partir de uma deliberação na assembleia de seus sócios fundadores, que farão redigir a respectiva ata. No ato constitutivo de uma sociedade cooperativa deverão, necessariamente, constar a denominação da entidade, sua sede, o objeto de seu funcionamento, o nome, nacionalidade, idade, estado civil, profissão e residência dos seus associados funda-dores que assinarão o instrumento. Também deverá constar o valor da quota-parte de cada um.

Aprovado o estatuto, os associados deverão indicar as pessoas eleitas, que devidamente qualificadas irão compor os órgãos de administração, fiscalização e outros que se fizerem necessários para a organização da entidade.

O estatuto da cooperativa deverá obrigatoriamente indicar as condições previstas no art. 21 da Lei nº 5.764/1971, sob pena de ser indeferido o pedido de registro. São condições indispensáveis:

I – A denominação adotada para a cooperativa, a sede com a determinação precisa do local onde será instalada a entidade, prazo de duração ou a indicação que a cooperativa

ESPECIAL

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está sendo constituída por prazo indeterminado, a área de ação, e o objeto da sociedade discriminando qual será a atividade a ser desenvolvida, além da do período de fixação do exercício social, que normalmente é de 01 de janeiro a 31 de dezembro, da data do levan-tamento do balanço geral;II – os direitos e deveres dos associados, com a determinação da natureza de suas respon-sabilidades e as condições de admissão, demissão, eliminação e exclusão dos associados, além das normas para sua representação nas assembleias gerais;III – determinação do valor do capital mínimo, o valor da quota-parte, o mínimo de quota-par-tes a ser subscrito pelo associado, o modo de integralização das quotas-partes, bem como as condições de sua retirada nos casos de demissão, eliminação ou de exclusão do associado;Iv – A forma de devolução das sobras registradas aos associados, ou do rateio das perdas apuradas por insuficiência de contribuição para cobertura das despesas da sociedade;v – o modo de administração e fiscalização, estabelecendo os respectivos órgãos, com definição de suas atribuições, poderes e funcionamento, a representação ativa e passiva da sociedade em juízo ou fora dele, o prazo do mandato, bem como o processo de substi-tuição dos administradores e conselheiros fiscais;vI – As formalidades de convocação das assembleias gerais e a maioria requerida para a sua instalação e validade de suas deliberações, vedado o direito de voto aos que nelas tiverem interesse particular sem privá-los da participação nos debates;vII – os casos de dissolução voluntária da sociedade;vIII – o modo e o processo de alienação ou oneração de bens imóveis da sociedade;IX – o modo de reformar o estatuto;X – o número mínimo de associados.

Toda sociedade cooperativa deverá possuir um livro de matrícula, um livro de atas das assembleias gerais, outro de atas dos órgãos de administração, de verá, ainda ter um livro de atas do conselho fiscal, de presença dos associados nas assem-bleias, além de outros fiscais e contábeis que forem obrigatórios de acordo com a atividade mercantil da cooperativa.

De acordo com o art. 25 da Lei nº 5.764/1971, o capital social será subdividido em quotas-partes, cujo valor unitário não poderá ser superior ao maior salário mínimo vigente no país. Para a formação do capital social pode-se estipular que o pagamento das quotas-partes seja realizado mediante prestações periódicas, independentemente de chamada, por meio de contribuições ou outra forma esta-belecida a critério dos respectivos órgãos executivos federais.

As cooperativas são obrigadas a constituir um fundo reserva destinado a reparar perdas e atender ao desenvolvimento de suas atividades de, no mínimo, 10% das sobras líquidas de cada exercício contábil, apuradas contabilmente com a apu-ração dos resultados líquidos das operações econômicas da cooperativa, tendo como referência todas as receitas menos todas as despesas necessárias para o desenvolvimento da atividade econômica proposta.

Também será necessária a criação de um fundo de assistência técnica, educa-cional e social aos associados e seus familiares, que deverá representar, no mínimo, 5% das sobras líquidas apuradas em cada exercício, sendo que o estatuto poderá prever igual fundo destinado para os empregados da cooperativa.

A admissão de associados é livre e sem número máximo, desde que dentro dos padrões determinados pelos órgãos normativos para as pessoas que exerçam determinada atividade ou profissão de interesse da cooperativa.

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A demissão dos associados ocorrerá a partir de um pedido do próprio associado ou poderá ser afastado por prática de infração legal ou estatutária, sendo que sua exclusão deverá ser anotada no livro de matrícula de forma motivada.

órgãOS SOCIAIS

Todas as cooperativas devem ser organizadas a partir de assembleias e con-selhos administrativos e fiscais. A assembleia geral é o órgão supremo da socie-dade e dentro dos limites legais e estatutários tem poderes para decidir sobre os negócios de interesse da cooperativa, podendo tomar todas as decisões que entender necessárias para a sua defesa e também para o crescimento e o desen-volvimento da cooperativa. As decisões e deliberações realizadas pela assembleia vinculam todos os associados, presentes ou não, que deverão seguir e aceitar o que for determinado.

As assembleias gerais devem ser convocadas com prazo mínimo de dez dias de antecedência diretamente aos sócios e também por meio de editais afixados em locais próprios. O quórum necessário para as deliberações serão determinados conforme o estatuto em primeira, segunda ou até terceira convocação.

As assembleias gerais ordinárias serão realizadas anualmente nos três primeiros meses após o término de cada exercício social, quando deverão ser deliberadas questões sobre a prestação de contas, destinação das sobras, eleição dos compo-nentes dos órgãos de administração, conselho fiscal e outros assuntos do interesse da sociedade, salvo as questões que devem ser deliberadas em assembleia geral extraordinária.

As assembleias gerais extraordinárias serão realizadas sempre que for neces-sário e poderão deliberar sobre qualquer assunto de interesse da sociedade, porém o tema deve ser especificado no edital de convocação.

É de competência exclusiva das assembleias gerais extraordinárias deliberar sobre a reforma do estatuto, fusão, incorporação ou desmembramento da coope-rativa, a mudança do objeto da sociedade, a dissolução voluntária da sociedade com a nomeação dos liquidantes e as contas do liquidante.

Toda cooperativa terá obrigatoriamente um órgão de administração respon-sável, que será necessariamente formado pelos associados por mandato nunca superior a quatro anos, sendo que este conselho ao final de cada mandato deve ser renovado em pelo menos um terço.

O conselho administrativo poderá contratar técnicos que entender necessários para a boa administração e desenvolvimento da sociedade. Os administradores não serão responsáveis pelas obrigações contraídas pela cooperativa, salvo nas cooperativas de crédito, cooperativas agrícolas mistas e de habitação, quando res-ponderão solidariamente pelos prejuízos resultantes de seus atos, especialmente se procederem com dolo ou culpa.

O conselho fiscal tem por finalidade fiscalizar, assídua e minuciosamente, a administração da sociedade, que será constituída por três membros efetivos e três membros suplentes, que deverão ser todos associados e democraticamente eleitos em assembleia geral, sendo permitida somente a reeleição de um terço de seus membros.

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ALTErAçõES E DISSOLUçãO DAS SOCIEDADES COOPErATIVAS

As sociedades cooperativas podem sofrer mudanças na forma de sua compo-sição e representação.

A fusão é admitida entre duas ou mais cooperativas para a criação de uma nova sociedade, bem como a incorporação de uma cooperativa por outra que, neste caso, assume todas as obrigações da sociedade incorporada.

O desmembramento de uma cooperativa em outras, de acordo com a especia-lidade e o interesse de seus associados, também é possível, sendo que neste caso será formada uma comissão que irá deliberar sobre a forma como será feito o rateio do patrimônio da cooperativa objeto do desmembramento.

A dissolução das sociedades cooperativas poderá ocorrer em diversas situa-ções, como estabelece o art. 63 da Lei nº 5.764/1971, dentre os quais destacamos os seguintes:

quando assim deliberar a Assembleia Geral, desde que os associados, totalizando o nú-

mero mínimo exigido por esta Lei, não se disponham a assegurar a sua continuidade; Pelo

decurso do prazo de duração, quando o estatuto dispuser sobre o prazo de duração da

sociedade; quando houver previsão exata sobre a consecução dos objetivos predeter-

minados; devido à alteração de sua forma jurídica; Pela redução do número mínimo de

associados ou do capital social mínimo se, até a Assembleia Geral subsequente, realizada

em prazo não inferior a 6 (seis) meses, eles não forem restabelecidos; Pelo cancelamento

da autorização para funcionar pelos órgãos públicos competentes; ou Pela paralisação de

suas atividades por mais de 120 (cento e vinte) dias.

A dissolução da sociedade importará no cancelamento da autorização para fun-cionar e do registro e, se não for espontaneamente solicitada, esta poderá ocorrer por medida judicial, requerida por qualquer associado, ou por iniciativa de órgão executivo federal.

Quando a dissolução for determinada em assembleia geral, esta determinará um liquidante ou um conselho fiscal responsável pela liquidação.

COOPErATIVAS DE TrABALhO NO rEgIME DA LEI Nº 12.690/2012

O regime adotado pela Lei nº 12.690/2012 gerou melhores condições para a criação de cooperativas no modelo dos empreendimentos de economia solidária. O referido regime é mais flexível com algumas obrigações e admite a constituição com menor número de associados, já que a Lei nº 5.764/1971 determinava o número mínimo de vinte associados, enquanto a nova legislação é de sete associados.

A Lei nº 12.690/2012 promove as cooperativas de trabalho para que estas possam flexibilizar os princípios já mencionados, coibindo possíveis fraudes em relação as suas atividades laborais4.

Neste liame, com o objetivo de afastar certas fraudes, o art. 2º da Lei nº 12.690/2012 estabelece que as cooperativas de trabalho são sociedades constitu-ídas por trabalhadores visando melhor qualificação, renda, situação socioeconô-mica e condições gerais de trabalho. Vale ressaltar que o art. 3º expressa claramente

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os princípios norteadores e os valores de um sistema cooperativista, que devem ser observados e respeitados, sob pena de não ser concedidos os benefícios espe-cificamente previstos neste regime jurídico:

A adesão do associado deve ser voluntária e livre; a gestão deve ser democrática com a

participação econômica dos membros, que devem atuar com autonomia e independên-

cia; deve haver as ações voltadas para uma educação, formação e informação contínua;

deve, também, haver intercooperação entre as cooperativas; a atividade a ser desenvol-

vida deve atender ao interesse da comunidade, com a preservação dos direitos sociais,

do valor social do trabalho e da livre iniciativa, sem que ocorra em qualquer hipótese a

precarização do trabalho.

A gestão deve ser democrática, com respeito às decisões de assembleia, observando-se a participação de todos os associados na gestão para todos os níveis de decisão, de acordo com o previsto em lei e no estatuto social.

A gestão das cooperativas sob este novo regime deve observar direitos seme-lhantes às garantias sociais previstas na Constituição Federal e na CLT.

Assim, os associados não poderão realizar retiradas inferiores ao piso da cate-goria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo, calcu-ladas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas.

Deverá ser respeitada a duração da jornada de trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natu-reza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facul-tada a compensação de horários. Também o repouso semanal remunerado deve ser observado, preferencialmente aos domingos.

Haverá ainda direito a férias, com previsão de repouso anual remunerado, além do direito de retirada superior para o trabalho noturno em comparação com o tra-balho diurno, adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas e ainda seguro de acidente de trabalho.

A previsão destas garantias sociais não necessita ser aplicada de forma imediata aos seus associados, pois muitas vezes será necessária a criação de um fundo e de acordo com as possibilidades de gestão da cooperativa, mas é certo que o cum-primento destas obrigações deve fazer parte das metas a serem atingidas pela sociedade cooperativa.

A redação do art. 7º da Lei nº 12.690/2012 garante e protege os direitos dos coo-perados, que ficam equiparados aos direitos que a princípio são “semelhantes” aos dos empregados celetistas. Porém, o certo é que a referida lei está de acordo com a legislação comparada e com as recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e Cicopa (Organização Internacional de Cooperativas de Produção Industrial, Artesanal e de Serviços)5.

A cooperativa de trabalho, sob a égide da Lei nº 12.690/2012, poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu estatuto social. Assim, fica limitado o modelo de cooperativa, que não poderá ser exclusivamente comercial ou de consumo.

Na denominação social da cooperativa é obrigatório o uso da expressão “coo-perativa de trabalho” para identificar o tipo e a legislação que norteia seus proce-dimentos e responsabilidades.

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Os empreendimentos de economia solidária poderão ser constituídos como pessoas jurídicas na forma de cooperativas ou cooperativas de trabalho, sendo este último modelo mais adequado em razão da maior simplicidade tanto na sua constituição como na gestão.

A Lei nº 12.690/2012 subsidiariamente se vale da lei principal das cooperativas (Lei nº 5.764/1971) para a solução de questões que eventualmente não tenha pre-visão. Assim, conhecer as duas é imperativo para o estudo das possibilidades de formalização dos empreendimentos de economia solidária em pessoas jurídicas sujeitas de direitos e obrigações na ordem civil.

ASSOCIAçõES

As associações, também conhecidas internacionalmente como ONGs (organi-zações não governamentais), surgem como outras possibilidades de regularização de empreendimentos de economia solidária, como pessoas jurídicas capazes de direitos e obrigações.

As associações são pessoas jurídicas regulamentadas nos arts. 44 até o 61 do Código Civil Brasileiro. Elas se constituem pela união de pessoas que se organizam com objetivos comuns, porém sem fins lucrativos e, a partir dos interesses comuns, constituem uma pessoa jurídica.

Quanto a constituição de pessoa jurídica, é válido frisarmos que tanto a coo-perativa quanto a associação é considerada pessoa jurídica de direito privado, na forma da lei.

A inscrição do ato constitutivo da associação deve ser feita no cartório de registro civil de pessoa jurídica, em forma pública ou particular, garantindo o começo da sua existência legal.

José Eduardo Sabo Paes (2006, p. 63) define que:

A associação é uma modalidade de agrupamento dotada de personalidade jurídica, sendo pessoa jurídica de direito privado voltada à realização de interesses dos seus associados ou de uma finalidade de interesse social, cuja existência legal surge com a inscrição de seu estatuto no registro competente, desde que satisfeitos os requisitos legais, que ela tenha objetivo lícito e esteja regularmente organizada.

Por ser dotada de personalidade jurídica, a existência da associação e o reco-nhecimento de direitos e obrigações serão distintos das pessoas de seus associados. Terá seu patrimônio próprio, que deverá ser empregado sempre em ordem e a favor dos associados para que se consiga atingir a finalidade proposta, e não pode, em qualquer hipótese, ser usada para uso próprio de seus sócios.

As associações normalmente são constituídas para finalidades beneficentes, científicas, religiosas, desportivas ou literárias. Pessoas que tenham estes objetivos poderão se unir a constituição de associações.

Assim como as cooperativas, a liberdade de associação e o direito de associar-se constituem direito social consistente na faculdade de nos unirmos e formar grupos e reuniões de pessoas. Uma associação terá uma finalidade específica com objetivos e ideais comuns entre si, sendo que cada associado, com a mesma disposição que adentra para associação, pode se retirar quando quiser (Sebrae).

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As associações organizadas nas áreas de educação ou de assistência social serão consideradas imunes quanto ao recolhimento de tributos quando atenderem os requisitos de imunidade previstos na Constituição Federal da República e legis-lação complementar, tais como prestação de serviços, a sociedade em geral sem fins lucrativos (TOZZINI; BERGER, 2003).

O Código Civil de 2002 define, em seus arts. 53 e seguintes, a forma de consti-tuição das associações e as formalidades que devem ser observadas para aqueles que aderirem ao sistema.

Diferente do que ocorre nas cooperativas, nas associações não há direitos e obrigações recíprocos entre os associados, uma vez que as obrigações e os direitos de cada associado estarão determinados na lei e no estatuto da instituição.

Para ser considerado válido, o estatuto da associação deve observar condições mínimas dispostas no art. 54 do Código Civil, devendo conter, obrigatoriamente, em a denominação, os fins a que se destina e a sede da associação; quais são os requisitos mínimos necessários para a admissão, demissão e exclusão dos asso-ciados; quais são os direitos e deveres dos associados; quais serão as fontes de recursos para sua manutenção; qual o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; quais as condições para a alteração das disposições esta-tutárias e para a sua dissolução; qual será sua forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.

“A ampliação de oportunidades e de postos de serviço por meio da econo-mia solidária cumpre com dispositivos da Constituição Federal que preveem a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos, além de declarar como objetivo a cons-trução de uma sociedade livre, justa e solidária, que possa garantir o desen-volvimento nacional, com a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais e por fim promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

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Aos associados deve haver direitos iguais, mas o estatuto da entidade pode instituir categorias com vantagens especiais, porém tal qualidade de associado é intransmissível, salvo se o estatuto dispuser de outra forma.

Se for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, sua transfe-rência não importará na atribuição desta qualidade de proprietário ao associado, ao adquirente ou ao seu herdeiro, salvo se houver expressa previsão em contrário no estatuto da entidade.

A exclusão do associado só será admitida quando houver justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de resposta e de recorrer ao excluído, de acordo com os termos do respectivo estatuto.

Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos previstos na lei ou no estatuto.

Assim, especialmente no âmbito cultural, beneficente e desportivo, as pessoas poderão se valer das associações para a regulamentação de um empreendimento de economia solidária. O objetivo não pode ser lucro, mas a possibilidade de desen-volvimento de um grupo ou comunidade, como a criação de escolas, centro cul-turais e desportivos, dentre outros neste modelo de formação da pessoa jurídica.

CONCLUSãO

Os empreendimentos de economia solidária precisam ser legalmente consti-tuídos para que possam exercer atividade e, consequentemente, ficarem inseridos nos sistemas burocrático e administrativo do Estado brasileiro.

A ampliação de oportunidades e de postos de serviço por meio da economia solidária cumpre com dispositivos da Constituição Federal que preveem a cida-dania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre ini-ciativa como fundamentos, além de declarar como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que possa garantir o desenvolvimento nacional, com a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigual-dades sociais e regionais e por fim promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Não existe no Direito brasileiro um modelo legal específico de regulamentação de empreendimentos de economia solidária. As formas possíveis de regulamen-tação dos empreendimentos são as cooperativas, as cooperativas de trabalho e as associações.

Todas as formas de constituição das pessoas jurídicas possuem legislações próprias, que devem ser seguidas observando as características de cada modelo, sob pena de não se conseguir o registro no órgão competente ou cometer irregu-laridades de gestão que poderão gerar responsabilidades aos seus representantes.

As cooperativas estão regulamentadas pela Lei nº 5.764, de 1971, e pelos arts. 1093 a 1096 do Código Civil de 2002. As cooperativas de trabalho estão sob a égide da Lei nº 12.690/2012, com a utilização subsidiária das leis das cooperativas e do Código Civil, enquanto as associações estão previstas no Código Civil, em seus arts. 53 a 61.

A criação e o desenvolvimento dos empreendimentos de economia solidária necessitam de constituição e gestão que atendam às características legais de cada

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modelo. Caso não ocorra a devida adequação, a entidade estará irregular e, assim, não conseguirá se desenvolver no cenário econômico-administrativo que regula-menta todas as atividades mercantis desenvolvidas no país.

NoTAS

1 Constituição Federal – Art. 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. [...] § 2º – A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

2 disponível em: http://www.cooperativismopopular.ufrj.br/breve_historico.php. Acesso em: 15 out. 2013.

3 disponível em: http://www.bahiacooperativo.coop.br/historia-do-cooperativismo.php. Aces-so em 15 out. 2013.

4 o parágrafo único do art. 442 da CLt dispõe sobre a “inexistência” de vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados e nem entre os prestadores de serviços.

5 troCoLI, Fernanda. A nova lei das cooperativas de trabalho. jus navigandi, teresina, ano 17, n. 3345, 28 ago. 2012 . disponível em: http://jus.com.br/artigos/22505. Acesso em: 15 out. 2013.

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JoSé CElSo MArTINS é advogado, mestre em direito Político e Econômico, especialista em direito Empresarial pela universidade Presbite-riana mackenzie. Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de ensino à distância

pela universidade Federal Fluminense. Professor da Faculdade de direito da universidade metodista de São Paulo. Pedagogo. Presidente do tASP – Centro de mediação e Arbitragem de São Paulo. Autor do livro “Arbitragem, mediação e Conflitos Coletivos do trabalho”.

roSâNgElA EuzébIo MArquES é bacharel em direito pela universidade metodista de São Paulo; formada em Arbitragem e mediação pelo tASP – Centro de mediação e Arbitragem de São Paulo; conciliadora – resolução 125 Cnj – minis-

trado pelo tribunal de justiça de São Paulo; pós-graduanda em direitos Humanos e Segurança Pública pela ACAdEPoL - Academia de Polícia Civil de São Paulo.

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DESTAQUE

Princípio da imunidade tributária

Por renata angelis JaMardo

A imunidade tributária é a qualidade de determinada circunstância não poder ser afetada pelo tributo por ordem de norma constitucional que, em razão de alguma especificidade material ou pessoal de dada situação a elimina do campo sobre o qual é autorizada a instituição da contribuição

monetária imposta pelo Estado. Esse tipo de situação é entendida por imunidade. Assim, a palavra “imunidade” significa liberação de qualquer encargo, múnus

público. Quem não está sujeito a obrigação imposta tem imunidade.A imunidade tributária é uma limitação constitucional ao poder de tributar e

está prevista no artigo 150, inciso VI, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, da Constituição Federal de 1988.

Por este princípio, a Lei Maior limitou o poder de tributar, vedando a instituição de impostos à União Federal, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (imunidade recíproca); templos de qualquer culto (imunidade religiosa); patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, suas fundações, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de edu-cação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos legais; livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; e fonogramas (gravação de som de interpretação musical) e videogramas musicais (vídeos musi-cais) produzidos no Brasil, que contém obras musicais ou literogramas (músicas com letras) de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, com exceção de etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

Desse modo, a imunidade é exceção à regra da tributação, ou seja, o que é imune não poderá ser tributado, afastando-se a incidência de certos impostos em deter-minadas situações prescritas no ordenamento constitucional.

Ademais, são pacíficos os entendimentos doutrinário e jurisprudencial que consideram a imunidade tributária (todas elas), implicitamente, abarcada pelas cláusulas pétreas (artigo 60, § 4º, incisos I, II, III, e IV, da Lei Maior), não podendo ser atingida pelo poder constituinte derivado, tendo em vista que todas as limi-tações do poder de tributar, explícitas ou não, são desdobramentos das garantias fundamentais descritas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Percebe-se que as imunidades tributárias conferem direitos e obrigações fun-damentais às pessoas e às instituições, representando um poderoso fator de discussão a respeito do arbítrio do Estado, inibindo o exercício da competência impositiva pelo Fisco.

rENATA ANgElIS JAMArDo é advogada do Escritório Giovani duarte oliveira Advogados Associados, inscrita na oAB/SC n. 41.524, professora acadêmica, graduada em direito pela unisul e pós-graduada em direito tributário, direito notarial e registral e direito Civil pela instituição Anhanguera – LFG. A

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FICHÁRIO JURÍDICO

Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto

Por Palhares Moreira reis

“O Supremo Tribunal Federal frequentemente se vale da técnica de declaração de nulidade parcial sem redução de texto quando a norma questionada abrange, entre as pos-síveis hipóteses de sua aplicação, uma que se configure inconstitucional.”

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A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é a aplicação do reconhecimento da inconstitucionalidade de uma das possíveis hipóteses abrangidas pela norma objeto de controle. Dentro de um grande número de aplicações, uma delas se afigura inconstitu-

cional. E, para esta situação, declara-se a inconstitucionalidade sem a necessi-dade de reduzir-se o texto da norma, que para as demais hipóteses é compatível com a Constituição. Normativamente, neste tipo de decisão, emprega-se a con-junção “desde que”, ou seja, a lei será inconstitucional desde que considerada naquela específica hipótese reconhecida como contrária à Lei Fundamental.

Gilmar Mendes cita alguns casos interessantes em que o Tribunal Constitu-cional utilizou-se dessa fórmula, dentre eles o que discutia a constitucionalidade do art. 10, b, da Lei do Imposto de Renda, de 1951, em face da abrangência da expressão “entidades políticas”, restando decidido que “o parágrafo 10, b, da lei que disciplina o Imposto de Renda é nulo, desde que possa ser entendido como autorizador de dedução das despesas diretas ou indiretas que resulte de doação feita aos partidos políticos”.

Pode-se dizer que a declaração de nulidade parcial sem redução de texto é bas-tante utilizada no Brasil, principalmente, se considerada como espécie do gênero interpretação conforme a Constituição – entendimento predominante na juris-prudência do Supremo Tribunal Federal na ADI 939-7, em que a Altíssima Corte analisou a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/1993, a qual autorizava a União a instituir o IPMF sem a observância do princípio da anterioridade (art. 105, III, b, da Constituição Federal) e das imunidades previstas no inciso VI da Emenda nº 3 e a inconstitucionalidade sem redução de texto da lei que instituiu o IPMF (Lei Complementar nº 77/1993), para que o referido tri-buto fosse cobrado apenas no exercício seguinte e com respeito às imunidades previstas no art. 150, VI.

Este não foi, porém, um caso isolado de utilização da declaração de nulidade parcial sem redução de texto no Brasil. Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal frequentemente se vale dessa técnica quando a norma questionada abrange, entre as possíveis hipóteses de sua aplicação, uma que se configure inconstitucional.

DECLArAçãO PArCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM rEDUçãO DE TExTO EM hABEAS COrPUS

Na primeira hipótese, deve ser visto o acórdão do Supremo Tribunal Federal que concedeu habeas corpus numa declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, acórdão que é o seguinte:

Habeas Corpus. Inconstitucionalidade da chamada “execução antecipada da pena”. Art. 5º,

LvII, da Constituição do Brasil. dignidade da pessoa humana. Art. 1º, III, da Constituição do

Brasil. matéria não apreciada pelo Stj. Concessão da ordem de ofício.

O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito sus-pensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais bai-xarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da

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sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Daí que os preceitos veiculados pela Lei nº 7.210/1984, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao dis-posto no art. 637 do CPP.

A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decre-tada a título cautelar.

A ampla defesa, não pode ser visualizada de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso, a exe-cução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.

Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que Evandro Lins sintetizou na seguinte asser-tiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente”.

A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magis-trados – no processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais (leia-se STJ e STF) serão inundados de recursos especiais e extraordiná-rios e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF, não pode ser lograda a esse preço.

No RE 482.006, cujo relator foi o ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional (art. 2º da Lei nº 2.364/1961, que deu nova redação à Lei nº 869/52), o STF afirmou, por unanimi-dade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque – disse o relator que:

[...] a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previ-são d devolução das diferenças, em caso de absolvição.

Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à pro-priedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da proprie-dade não a deve negar quando se tratar da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça das liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas.

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Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualificação, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua digni-dade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente de pode apurar plenamente quando transi-tada em julgado a condenação de cada qual.

o não conhecimento da impetração no Superior tribunal de justiça inviabiliza o conheci-mento deste habeas corpus. Há, contudo, evidente constrangimento ilegal, a ensejar ime-diata atuação desta Corte. Habeas corpus não conhecido; ordem concedida, de ofício.1

DECLArAçãO PArCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM rEDUçãO DE TExTO EM rECUrSO ExTrAOrDINárIO

Neste segundo momento, a declaração parcial de inconstitucionalidade é esta-belecida sem redução de texto em sede de recurso extraordinário. O acórdão tem a seguinte ementa:

tributário. Incompatibilidade entre lei ordinária e lei complementar relativas à certidão negativa de débitos tributários. Controle de constitucionalidade realizado por órgão fra-cionário. reserva de plenário. necessidade de devolução da matéria ao tribunal de origem. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

Nem toda contraposição entre lei ordinária e lei complementar se resolve no plano constitucional. Dentre outras hipóteses, a discussão será da alçada constitu-cional se o ponto a ser resolvido, direta ou incidentalmente, referir-se à existência ou inexistência de reserva de lei complementar para instituir tributo ou estabe-lecer normas gerais em matéria tributária, pois é a Constituição que estabelece os campos materiais para o rito de processo legislativo adequado.

Num segundo ponto, é possível entrever questão constitucional prévia no con-fronto de lei ordinária com lei complementar, se for necessário interpretar a lei complementar à luz da Constituição para precisar-lhe sentido ou tolher signifi-cados incompatíveis com a Carta (técnicas de interpretação conforme a Consti-tuição, declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e permanência da norma ainda constitucional).

No caso em exame, somente é possível justificar a prevalência da lei comple-mentar de normas gerais sobre a lei ordinária se invocadas as regras constitucio-nais que fixam o papel de referidas leis complementares.

Agravo ao qual se nega provimento.2

Noutro processo, igualmente em recurso extraordinário, ao admitir o conflito entre a norma constitucional e a interpretação conforme a Constituição, o Pretório Altíssimo adotou a técnica de interpretação conforme a Constituição, da declaração de incons-titucionalidade sem redução de texto e permanência da norma ainda constitucional.

tributário. Conflito entre legislação local e lei complementar de normas gerais em matéria tributária. Interposição de recurso extraordinário antes da EC nº 45/2004 (art. 10, III, d).

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matéria infraconstitucional. ofensa indireta ou reflexa. Contribuição de melhoria. municí-pio de Laranjeiras do Sul. Contrariedade da legislação local ao Código tributário nacional. Apuração do benefício individual deficitária. Lei 43/1989. Projeto 09/1993. Edital 05/1994. decreto 08/1995.

Nem toda contraposição entre lei ordinária e lei complementar se resolve no plano constitucional. Dentre outras hipóteses, a discussão será da alçada constitu-cional se o ponto a ser resolvido, direta ou incidentalmente, referir-se à existência ou inexistência de reserva de lei complementar para instituir tributo ou estabe-lecer normas gerais em matéria tributária, pois é a Constituição que estabelece os campos materiais para o rito de processo legislativo adequado.

Num segundo ponto, é possível entrever questão constitucional prévia no con-fronto de lei ordinária com lei complementar, se for necessário interpretar a lei complementar à luz da Constituição para precisar-lhe sentido ou tolher signifi-cados incompatíveis com a Carta (técnicas de interpretação conforme a Consti-tuição, declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e permanência da norma ainda constitucional).

Nenhuma das duas hipóteses está configurada neste caso, pois a parte agra-vante invoca o Código Tributário Nacional como parâmetro de controle imediato de norma local que teria falhado em apurar o benefício individual aferido por cada contribuinte, mas, ao invés, limitou-se a fixar o valor global da obra para rateio.

Na época da interposição do recurso ainda não vigia o art. 102, III, d, da Consti-tuição, incluído pela EC nº 45/2004. Agravo regimental ao qual se nega provimento.3

Do mesmo modo, neste outro recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal entendeu ter havido violação da garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, quando o Governo estabeleceu o aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retribuição pecuniária.

rECUrSO ExTrAOrDINárIO. rEPErCUSSãO gErAL rECONhECIDA. SErVIDOr PúBLICO. ODONTOLOgISTAS DA rEDE PúBLICA. AUMENTO DA JOrNADA DE TrABALhO SEM A COrrESPONDENTE rETrIBUIçãO rEMUNErATórIA. DESrESPEITO AO PrINCíPIO CONSTITUCIONAL DA IrrEDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS

O assunto corresponde ao Tema nº 514 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal na internet e está assim descrito: “aumento da carga horária de servidores públicos por meio de norma estadual, sem a devida contraprestação remuneratória”.

Conforme a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não tem o servidor público direito adquirido a regime jurídico remuneratório, exceto se da alteração legal decorre redução de seus rendimentos, que é a hipótese dos autos.

A violação da garantia da irredutibilidade de vencimentos pressupões a redução direta nos estipêndios funcionais pela diminuição pura e simples do valor nominal do total da remuneração ou pelo decréscimo do valor do salário-hora, seja pela redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, seja pelo aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retri-buição remuneratória.

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Não há divergência, nos autos, quanto ao fato de que os odontologistas da rede pública vinham exercendo jornada de trabalho de 20 horas semanais, em respeito às regras que incidiam quando das suas respectivas investiduras, tendo sido compelidos, pelo Decreto nº 4.345/2005, do Paraná, a cumprir jornada de 40 horas semanais sem acréscimo remuneratório e, ainda, sob pena de virem a sofrer as sanções previstas na Lei estadual nº 6.174/1970.

No caso, houve inegável redução de vencimentos, tendo em vista a ausência de previsão de pagamento pelo aumento da carga horária de trabalho, o que se mostra inadmissível, em razão do disposto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal.

Recurso extraordinário provido para se declarar a parcial inconstitucionalidade do § 1º do art. 1º do Decreto nº 4.345, de 14 de fevereiro de 2005, do Estado do Paraná, sem redução do texto, e, diante da necessidade de que sejam apreciados os demais pleitos formulados na exordial, para se determinar que nova sentença seja prolatada após a produção de provas que foi requerida pelas partes.

Reafirmada a jurisprudência da Corte e fixadas as seguintes teses jurídicas:

I – a ampliação de jornada de trabalho sem alteração da remuneração do servidor consiste em violação da regra constitucional da irredutibilidade de vencimentos;II – no caso concreto, o parágrafo 1º do art. 1º do decreto estadual n. 4.345, de 14 de feve-reiro de 2005, do Estado do Paraná não se aplica aos servidores elencados em seu caput que, antes de sua edição, estavam legitimamente submetidos à carga horária semanal in-ferior a quarenta horas.4

Em situação oposta, ainda em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, em agravo regimental na reclamação, o seguinte acórdão, decla-rando a inconstitucionalidade com redução de texto.

Agravo regimental na reclamação. AdI nº 3.378/dF. Inexistência de identidade de temas en-tre o ato reclamado e o paradigma da Corte. Agravo regimental ao qual se nega provimento.Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do StF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (art. 103-A, § 3º, CF/88). deve haver aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo da decisão do StF dotada de efeito vinculante e eficácia erga omnes para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional. A declaração de inconstitucionalidade, com  redução  do  texto  do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000, na AdI nº 3.378/dF, foi no sentido de se retirar a obrigatoriedade de o va-lor mínimo de compensação ambiental ser sempre correspondente a meio por cento do custo do empreendimento, podendo ser fixada outra forma de compensação pelo órgão responsável após estudos pertinentes ao caso. Agravo regimental não provido.5

DECLArAçãO PArCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM rEDUçãO DE TExTO EM AçãO DIrETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Do mesmo modo, na ação direta de inconstitucionalidade poderá ocorrer uma declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Na hipótese, trata-se

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de um feito no qual se discutia a desvinculação do subteto aplicável aos servidores da justiça desvinculado do subsidio mensal dos desembargadores do Estado da Bahia.

Ação direta. Lei ordinária que estabelece subteto aplicável aos servidores da justiça des-vinculado do subsidio mensal dos desembargadores. Inteligência do art. 37, XI e § 12, CF.no que respeita ao subteto dos servidores estaduais, a Constituição estabeleceu a pos-sibilidade de o Estado optar entre: (I) a definição de um subteto por poder, hipótese em que o teto dos servidores da justiça corresponderá ao subsídio dos desembargadores do tribunal de justiça (art. 37, XI, CF, na redação da Emenda Constitucional 41/2003; e (II) a definição de um subteto único, correspondente ao subsidio mensal dos desembargadores do tribunal de justiça, para todo e qualquer servidor de qualquer poder, ficando de fora desse subteto apenas o subsídio dos deputados (art. 37, § 12, CF, conforme redação da Emenda Constitucional 47/2005).Inconstitucionalidade da desvinculação entre o subsídio dos servidores da justiça e o sub-sídio mensal dos desembargadores do tribunal de justiça. violação ao art. 37, XI e § 12, CF.Incompatibilidade entre a opção pela definição de um subteto único, nos termos do art. 37, §12, CF, e definição de “subteto do subteto”, em valor diferenciado e menor, para os ser-vidores do judiciário. tratamento injustificadamente mais gravoso para esses servidores. violação à isonomia.Ação direta a que se julga procedente.6

AINDA A DECLArAçãO PArCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM rEDUçãO DE TExTO EM AçãO DIrETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

O Excelso pretório, igualmente, ao examinar uma ADI sobre o regime de exe-cução da Fazenda Pública mediante precatório, entendeu existir impossibilidade jurídica da utilização do índice de remuneração da caderneta de poupança como critério de correção monetária e como índice definidor dos juros moratórios dos créditos inscritos em precatórios, quando oriundos de relações jurídico-traba-lhistas. A ementa do acórdão é a seguinte:

direito Constitucional. regime de execução da Fazenda Pública mediante precatório. Emenda Constitucional nº 62/2009. Inconstitucionalidade formal não configurada. Inexis-tência de interstício constitucional mínimo entre os dois turnos de votação de emendas à lei maior (CF, art. 60, §2º). Constitucionalidade da sistemática de “superpreferência” a credores de verbas alimentícias quando idosos ou portadores de doença grave. respeito à dignidade da pessoa humana e à proporcionalidade. Invalidade jurídico-constitucional da limitação da preferência a idosos que completem 60 (sessenta) anos até a expedição do precatório. discriminação arbitrária e violação à isonomia (CF, art. 5º). Inconstituciona-lidade da sistemática de compensação de débitos inscritos em precatórios em proveito exclusivo da Fazenda Pública. Embaraço à efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXv), des-respeito à coisa julgada material (CF, art. 5º XXXvI), ofensa à separação dos poderes (CF, art. 2º) e ultraje à isonomia entre o estado e o particular (CF, art. 1º, caput, c/c art. 5º, caput). Im-possibilidade jurídica da utilização do índice de remuneração da caderneta de poupança como critério de correção monetária. violação ao direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Inadequação manifesta entre meios e fins. Inconstitucionalidade da utilização do rendimento da caderneta de poupança como índice definidor dos juros moratórios dos

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créditos inscritos em precatórios, quando oriundos de relações jurídico-tributárias. discri-minação arbitrária e violação à isonomia entre devedor público e devedor privado (CF, art. 5º, caput). Inconstitucionalidade do regime especial de pagamento. ofensa à cláusula constitucional do estado de direito (CF, art. 1º, caput), ao princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), ao postulado da isonomia (CF, art. 5º, caput), à garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXv) e ao direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXvI). Pedido julgado procedente em parte. 1. A aprovação de emendas à Constituição não recebeu da Carta de 1988 tratamento es-pecífico quanto ao intervalo temporal mínimo entre os dois turnos de votação (CF, art. 62, § 2º), de sorte que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do grau de solidez da vontade política de reformar a Lei maior. A interferência judicial no âmago do processo político, verdadeiro locus da atuação típica dos agentes do Poder Legislativo, tem de gozar de lastro forte e categórico no que prevê o texto da Constituição Federal. Inexis-tência de ofensa formal à Constituição brasileira. 2. os precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave devem submeter-se ao pagamento prioritário, até certo limite, posto metodologia que promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIv), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para opera-cionalização da novel preferência subjetiva criada pela Emenda Constitucional nº 62/2009. 3. A expressão “na data de expedição do precatório”, contida no art. 100, § 2º, da CF, com re-dação dada pela EC nº 62/2009, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. 4. A compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, previsto nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/2009, embaraça a efetividade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXv), desrespeita a coisa julgada material (CF, art. 5º, XXXvI), vulnera a separação dos Poderes (CF, art. 2º) e ofende a isonomia entre o poder público e o particular (CF, art. 5º, caput), cânone essencial do Estado democrático de direito (CF, art. 1º, caput). 5. o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se se-gundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insus-cetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período). 6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em preca-tórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo ex-pressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, Ctn). declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, § 12, da CF, incluído pela EC nº 62/2009, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.

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7. o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, ao reproduzir as regras da EC nº 62/2009 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inqui-nam o art. 100, § 12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. 8. o regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Públi-ca e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucio-nal do Estado de direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXv), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXvI). 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.7

NoTAS

1 Supremo tribunal Federal – Habeas Corpus 98212/rj – Segunda turma – relator, o min. Eros Grau. julgamento em 3/11/2009: A turma, por votação unânime, não conheceu do pedido de habeas corpus, mas, de ofício, e também por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do relator – dje-030 divulg. 18-02-2010. Public. 19-02-2010.

2 Supremo tribunal Federal – rE 545503 Agr/Pr – Segunda turma – relator, o min. joaquim Barbosa – julg. em 14/06/2011: negado provimento ao agravo regimental, no termos do voto do relator. decisão unânime. dje-146 – divulg. 29/07/2011 public. 01/08/2011.

3 Supremo tribunal Federal – rE 228339 Agr/Pr – Segunda turma – relator, o min. joaquim Barbosa – julg. em 20/04/2010: negado provimento, votação unânime. dje-096 – divulg 27-05-2010 – Public. 28-05-2010.

4 Supremo tribunal Federal – ArE 660010/Pr – tribunal Pleno – repercussão geral – mérito – relator, o min. dias toffoli – julgamento em 30/10/2014: após adiamento do julgamento, o tribunal, decidindo o tema 514 da repercussão Geral, deu provimento ao recurso nos termos do voto do relator, vencido, em parte, o ministro marco Aurélio, que o provia nos termos do pedido formulado. Acórdão eletrônico. dje-032 divulg. 18-02-2015 public. 19-02-2015.

5 Supremo tribunal Federal - rcl 12887 Agr/dF – tribunal Pleno – relator, o   min. dias toffoli – jul-gamento em  19/09/2013, processo eletrônico - dje-219 divulg. 05-11-2013 public. 06-11-2013.

6 Supremo tribunal Federal – AdI /4900/dF – tribunal Pleno – relator, o min. teori Zavascki – re-lator p/acórdão, o min. roberto Barroso. julgamento em 11/02/2015. o tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar a inconstitucionalidade dos ar-tigos 2º e 3º da Lei n. 11.905/2010, do Estado da Bahia, vencido, em parte, o min. teori Zavas-cki, que apenas conferira interpretação conforme, sem redução de texto, ao art. 2º da referida lei, de forma a excluir de sua incidência os magistrados vinculados ao tribunal de justiça. os ministros teori Zavascki (relator), dias toffoli e marco Aurélio não modularam os efeitos da decisão, não sendo atingido o quórum para este fim. Processo eletrônico. dje-073 – divulg. 17-04-2015 public. 20-04-2015.

7 Supremo tribunal Federal - AdI 4357/dF - tribunal Pleno – relator, o min. Ayres Britto - relator p/ Acórdão:  min. Luiz Fux - julgamento:  14/03/2013 - Acórdão eletrônico dje-188 divulg. 25-09-2014 public. 26-09-2014.

PAlhArES MorEIrA rEIS é professor emérito da universidade Federal de Pernambuco. doutor em direito Constitucional pela universidade Federal de Pernambuco. Professor aposentado de Ciência Política e professor aposentado de direito Constitucional da universidade Federal de Pernambuco. membro Fundador da Academia Brasileira de Ciências morais e Políticas, do rio de janeiro. membro Fundador da Academia Pernambucana de Ciências morais e Políticas. membro da Associação Brasileira de Constitucionalistas – Instituto Pimenta Bueno, de

São Paulo. membro da Academia Brasileira de Letras jurídicas, do rio de janeiro. Professor Catedrático Honorário da univer-sidade moderna de Portugal, hoje extinta. membro Honorário da Academia Pernambucana de Letras jurídicas. do Conselho Editorial da revista jurídica Consulex.

ROSA

NA

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EXPRESSÕES LATINAS

Transpondo-nos do Direito romano para o nosso, brasileiro, a partilha acha-se regulamentada nos arts. 2.013/2.027 do Códi-go Civil atual, seu rito sendo previsto nos arts. 610 a 692, do testamento e codicilos nos arts. 735 a 732 e dos bens de ausen-

tes e das coisas vagas nos arts.744 a 746 do Código de Processo Civil. A partilha é um procedimento posterior ao inventário, pelo qual primei-ramente se identifica o que dividir. Definido o monte-mor, deduzidos os débitos do espólio, as despesas, as custas e encargos processuais ou testamentários, o necessário ao pagamento do imposto de transmissão mortis causa, inclusive – é apurado o líquido, do qual se separará a mea-ção do cônjuge supérstite, para, afinal, se obter o montante a ser repar-tido entre os herdeiros e os legatários, se houver.

É importante ressaltar que constitui erro primário, em latim, não se fazer a distinção entre causa mortis– o atestado de óbito, mediante o qual o médico indica “a causa da morte” – e mortis causa – o imposto de trans-missão, devido por causa da morte–: essas duas locuções têm a ordem acima da palavra “imutável”, por idiomatismo linguístico, sob pena de inversão completa dos respectivos sentidos – erro esse encontradiço, infelizmente, em livros, sentenças e pareceres jurídicos, assim como em dispositivos legais e mesmo na própria Constituição Federal de 1988, como se vê no inciso I de seu art. 155, por exemplo.

Ao dono dos bens, evidentemente, é dado dispor sobre eles mediante testamento (disposição de última vontade) ou por ato inter vivos (entre vivos), disposições essas que prevalecerão, a menos que haja prejuízo para a legítima dos herdeiros necessários ou se o valor dos bens não cor-responder às quotas estabelecidas.

Ao herdeiro, igualmente, é sempre dado o direito de requerer a par-tilha, ainda que o testador o proíba, o que é igualmente facultado a seus cessionários ou credores – visto que o sucessor é titular de parte ideal da herança, podendo, por isso, concretizar a partilha sobre bem certo e individualizado. Em sendo a partilha deliberada tão só pelos sucessores, poderá ser judicial ou amigável. Esta – que não é obstaculizada pela exis-tência de testamento, mas para a qual é indispensável seja a divisão feita por herdeiros e legatários, todos maiores e capazes –, admite perfazer-se

Actio familiae (h)erciscundae II

Por ViCente de Paulo saraiVa

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mediante termo nos autos, ou por instrumento particular que deve ser homologado pelo juiz, ou ainda por escritura pública (que prescinde dessa homologação). De advertir-se que dívida do inventariado não será obstáculo à partilha amigável, desde que haja bens suficientes para seu pagamento (CPC, art. 654, parágrafo único). Já a partilha judicial – que exige a intervenção do Ministério Público (CPC, art. 178) –, se efetivará mediante o esboço feito pelo partidor do juízo, tornando-se obrigatória caso haja divergência entre os herdeiros ou se algum deles for incapaz ou ausente.

Sempre que os bens não propiciarem divisão cômoda, ou se adjudicam àquele herdeiro que, em licitação com os demais, oferecer maior preço (licitação dispen-sável se os herdeiros concordarem com a reposição oferecida por um deles); ou os bens vão a leilão em hasta pública, podendo ser arrematados por estranho: mas a qualquer herdeiro se reserva o direito de preferência sobre esse terceiro, desde que oferte o mesmo preço que ele.

Se os herdeiros concordarem, os bens podem permanecer em condomínio, elegendo-se um deles como encarregado para administrá-los. Duas conclusões se inferem, então: 1ª) que a partilha não implica necessariamente divisão; mas, 2ª) que, efetuada aquela, desaparece o caráter hereditário da comunhão, embora esta possa persistir inter vivos.

Cabe observar que, se ocorrer efetivamente a divisão do monte, deve ser obser-vada perfeita proporcionalidade dos quinhões entre os vários comunheiros, nenhum dos quais pode ser excluído – sob pena de nulidade. Na hipótese de, após a par-tilha, se vir a tomar conhecimento da existência de outros bens, proceder-se-á à sua sobrepartilha; igualmente se tiverem ocorrido sonegados; podem ser relegados também à sobrepartilha bens remotos do lugar do inventário, litigiosos e os de difícil ou morosa liquidação. E se surgirem herdeiros que não hajam participado do inventário, cabe-lhes a ação de petição de herança (petitio hereditatis).

Nossa sentença de partilha é de natureza declaratória (ao contrário do direito romano), visto como, com a morte do de cujus (daquela pessoa [sobre cuja sucessão se trata]), os bens passam a pertencer de imediato aos herdeiros. Mas o formal, que é o título de propriedade dos quinhões hereditários, deve ser levado ao ofício competente do Registro Geral de Imóveis (Lei nº 6.015, de 31.12.1973, art. 167, I, 25) – formal esse que admite ser substituído por certidão do pagamento do quinhão hereditário, quando este não exceder de cinco vezes o salário mínimo, transcrevendo-se nela a sentença de partilha transita em julgado (CPC, art. 655, parágrafo único). Mesmo com esse trânsito, a qualquer tempo os erros materiais poderão ser corrigidos nos autos, de ofício, pelo juiz; e as inexatidões na descrição dos bens, igualmente, convindo todas as partes. Também nos próprios autos se procederá à anulação da partilha amigável, se contiver vícios formais e defeitos, que invalidam, em geral, os negócios jurídicos – quais o dolo, coação, erro essen-cial ou intervenção de incapaz – prescrevendo a ação em um ano (CC, art. 2.027, parágrafo único). Mas é rescindível a partilha julgada por sentença, pelo menos no que tange aos mesmos vícios, no prazo da ação rescisória, isto é: depois de dois anos do trânsito em julgado da sentença (CPC, art. 994).

VICENTE DE PAulo SArAIVA é subprocurador-geral da república (aposentado) e autor da obra Expressões Latinas Jurídicas e Forenses (Saraiva, 1999, pp. 856).A

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ENFOQUE

A Defensoria Pública como órgão de execução penal:

um retorno às origens defensoriais?

Por Maurilio Casas Maia

“No presente cenário dramático do sistema carcerário brasileiro, não é demasiado ressaltar a grande responsa-bilidade da Defensoria Pública e dos seus respectivos Es-tados, sendo necessária a exigência social por uma Defen-soria Pública estruturada com o objetivo de executar seu efetivo papel constitucional, mormente no atual e delica-do momento carcerário vivido no Brasil.”

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Em janeiro de 2017 o Brasil viveu um dos mais generalizados dramas no sistema carcerário no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte.É primordial que todos os atores sociais envolvidos com o drama assumam a respectiva parcela de responsabilidade e abracem a causa constitucional

em favor da (re)construção da República e da efetivação da democracia brasileira. Obviamente, com a Defensoria Pública não poderia ser diferente, não obstante o lamentável quadro de sub financiamento amargado pela instituição nos quadros orçamentários dos estados brasileiros. No cenário exposto, destaca-se a pouco conhecida função interventiva do “Estado Defensor”.

Com efeito, embora os debates sobre a atuação interventiva da Defensoria Pública tenham conquistado maior impulso com a edição do novo Código de Processo Civil (NCPC) – mormente no seio das ações possessórias multitudinárias (§ 1º, art. 554) –, a verdade é que desde 2010 no âmbito da execução penal essa forma de atuação é claramente possível e estimulada. A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) sofreu alteração por meio da Lei nº 12.313/2010, a qual passou a tratar a Defensoria Pública como órgão de execução penal, atribuindo-lhe expres-samente funções coletivas.

Em verdade, é preciso esclarecer que a atuação defensorial interventiva é, de certo modo, um retorno às origens do Estado Defensor. A questão levanta algo importante e esquecido: o modelo constitucional de assistência jurídica pública (Defensoria Pública) encontra sua origem na Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro (PGJ-RJ), em especial na Lei nº 2.188, de 21/7/1954, quando os defensores públicos atuavam como membros da PGJ-RJ, em cargos distintos dos promotores, cuja função penal precípua era a acusação penal.

Noutro passo, registra-se a existência de parecer da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), assinado pelo procurador do estado Milton Flaks (Parecer nº 8/1993, de 29/1/1993), pelo qual se reconhecia expressamente a atribuição defensorial de patrocínio coletivo da causa dos presos – muito antes da alteração legal de 2010.

Portanto, o (re)conhecimento da Defensoria Pública como órgão de execução penal, antes de ser uma inovação da Lei de Execução Penal (2010), é um legítimo retorno às origens defensoriais, vendo no defensor público um agente provedor de justiça via defesa pública e com potencial político de transformação social.

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Com efeito, a origem sobredita remete ao cenário no qual os primeiros defensores públicos nasceram na qualidade de carreira autônoma: a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro (em 1954). Ademais, remete ainda ao reconhecimento da PGE-RJ, a qual se pronunciava – já em 1993 –, favoravelmente à legitimidade defensorial coletiva em prol dos encarcerados.

Assim sendo, a Defensoria Pública deve servir como órgão constitucional de garantia à efetivação dos direitos humanos dos encarcerados. Nessa linha de racio-cínio, lecionam Nestor Eduardo Araruna Santiago e Francisco Firmo Barreto de Araújo (2015, p. 81):

o fortalecimento da defensoria Pública é fundamental para a imple mentação e realização do garantismo jurídico. A proteção dada pela defensoria Pública aos direitos humanos e fun-damentais e, em especial, ao contraditório deve, inclusive, em alguns casos se sobrepor a vulnerabilidade econômica, pois não se pode olvidar a existência da vulnerabilidade jurídica.

Finalmente, reconhece-se que as limitações orçamentárias defensoriais e sua desproporção em relação aos demais órgãos do Sistema de Justiça é fator limi-tador da atividade institucional do Estado Defensor. Todavia, no presente cenário dramático do sistema carcerário brasileiro, não é demasiado ressaltar a grande responsabilidade da Defensoria Pública e dos seus respectivos Estados, sendo necessária a exigência social por uma Defensoria Pública estruturada com o obje-tivo de executar seu efetivo papel constitucional, mormente no atual e delicado momento carcerário vivido no Brasil.

rEfErêNCIAS

esteVes, diogo. silVa, Franklyn roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. rio de ja-neiro: Forense, 2014.

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KetterMann, Patrícia. Defensoria Pública. São Paulo: Estúdio Editores, 2015.PaiVa, Caio. Prática Penal para a Defensoria Pública. rio de janeiro: Forense, 2016.PiMentel, manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: rt, 1993.Pinho, Ana Cláudia Bastos de. Para além do Garantismo: uma proposta hermenêutica de controle da

decisão penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.roCha, Amélia Soares da. Defensoria Pública: fundamentos, organização e funcionamento. São Pau-

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hermenêuticos. rio de janeiro: Lumen juris, 2011.santiago, nestor Eduardo Araruna. araúJo, Francisco Firmo Barreto de. Garantismo jurídico, democra-

cia material e a defensoria pública: contraditório e defesa do acusado não hipossuficiente. Re-vista Magister de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 11, n. 66, p. 67-84, jun.-jul. 2015.

silVa, josé Adaumir Arruda da. silVa neto, Arthur Corrêa da. Execução Penal: novos rumo, novos paradigmas. 2ª tiragem - revisada. manaus: Editora Aufiero, 2012.

MAurIlIo CASAS MAIA é mestre em Ciências jurídicas pela universidade Federal da Paraíba (uFPB) e douto-rando em direito Constitucional e Ciência Política (unIFor). Pós-graduado lato sensu em direito Público; Constitu-cional e Administrativo; direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da universidade Federal do Amazonas (uFAm) e defensor Público (dPE-Am).A

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SAIBA MAIS

Por ezequiel Frandoloso

“O franqueado deve conhecer bem a Lei nº 8.955/1994. Essa norma é enxuta e de fácil leitura. Ela exige, por exemplo, que o franqueador apresente ao interessado na franquia um documento denominado Circular de Oferta de Franquia (COF), que deverá trazer todas as regras e obrigações do franqueador e do franqueado.”

Apesar do crescente número de desempregados (atu-almente 12% da população) e queda do PIB nos três primeiros trimestres de 2016, comparado ao mesmo período do ano anterior, o cenário no setor de fran-

quias anda na contramão da economia brasileira. Houve um crescimento nesse setor no patamar de 8,1%, conforme dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), em comparação com o mesmo período de 2015.

Acreditamos que esse crescimento tenha ocorrido exclusivamente em razão da alta na taxa de desemprego. As pessoas que economi-zaram ao longo de anos de trabalho com carteira assinada estão pro-curando abrir o seu próprio negócio. Assim, a procura pela franquia tem sido a preferida dessas pessoas – também por enfrentarem difi-culdades em retornar ao mercado em tempo de retração na economia.

Como é o primeiro negócio para a maioria dessas pessoas, todo cuidado é pouco.

A franquia, vale destacar, é um contrato pelo qual um comer-ciante detentor de uma marca ou produto (franqueador) concede, mediante remuneração, o seu uso a outra pessoa (franqueado) e lhe presta serviços de organização empresarial (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. III, 6. ed., p. 668).

Esse tipo de negócio, apesar de ter alguns aspectos delineados na Lei nº 8.955/1994, é um negócio atípico em razão de as relações jurídicas entre franqueador e franqueado continuarem dirigidas pelas cláusulas entabuladas em contrato.

Por isso, é muito importante que o interessado numa franquia, além de observar a legislação acima mencionada, não deixe de analisar detalhadamente todas as cláusulas do negócio. Não que

Precauções na aquisição de franquia

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isso não deva ser feito em todo contrato a ser firmado na rotina civil de qualquer pessoa, mas deve ser feito especialmente em contratos atípicos (quando a lei espe-cífica não englobe todos os aspectos).

O franqueado deve conhecer bem a Lei nº 8.955/1994. Essa norma é enxuta e de fácil leitura. Ela exige, por exemplo, que o franqueador apresente ao interessado na franquia um documento denominado Circular de Oferta de Franquia (COF), que deverá trazer todas as regras e obrigações do franqueador e do franqueado. A COF ficará com o interessado pelo período de 10 dias, no mínimo, antes de ser assinado o pré-contrato ou o próprio contrato de franquia.

É o contrato de franquia, portanto, que assegurará todos os direitos e obriga-ções. Por essa razão, o interessado deve avaliar detidamente a COF e o contrato a ser assinado, assim como deve averiguar se a marca possui registro nos órgãos competentes, como o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e, também, estudar a saúde financeira da franqueadora, especialmente em período que a economia do país não anda tão bem das pernas.

Sugere-se que o franqueado procure franqueados ou ex-franqueados, conheça o negócio de perto. Dessa forma, conseguirá informações importantes sobre o franqueador e seu efetivo auxílio para com a franquia. Franqueador e franqueado devem ser bons parceiros, caso contrário o negócio será um fracasso.

O franqueado deve ainda ter em mente que não seguirá regras próprias em seu negócio, uma vez que a autonomia é relativizada. Ele arcará com as despesas de instalação (locação, reformas, etc.) e operação do seu estabelecimento (mão de obra, insumos, etc.), ao passo que o franqueador é quem estabelecerá as regras do modelo de negócio, prestando orientação e assistência durante o contrato.

As orientações que o franqueador passará ao franqueado, comumente, e que devem ser por ele seguidas sem titubear são (i) o contrato de engineering, por meio do qual o franqueador planeja e orienta a montagem do estabelecimento; (ii) o contrato de management, que é relativo ao treinamento dos funcionários e à estruturação da administração do negócio; e (iii) o marketing, que são técnicas de colocação dos produtos/serviços no mercado de consumo.

Outros aspectos não menos importantes da franchising dizem respeito (i) ao prazo de duração; (ii) à possibilidade de prorrogação; (iii) ao território de atuação; (iv) aos valores da contraprestação pelo uso da marca ou produto; (v) à impossibi-lidade de ser franqueado de outra marca; e (vi) ao direito de sucessão da franquia em caso de morte do titular ou transferência para outro empresário.

Normalmente, o contrato é mais rígido ao franqueado do que em relação ao franqueador, pois este necessita de maior proteção, já que é seu know-how e sua marca que estão em jogo. Cabe destacar que as franquias estipulam altas penali-dades, podendo o franqueado, inclusive, perder o direito de uso da marca antes mesmo do termo final do prazo da franquia e, ainda, correr sério risco de pagar alta indenização, acaso não observe as obrigações que lhe forem impostas.

Por fim, considerando que não existe padrão para a redação do contrato – já que cada franquia o redige de acordo com seu respectivo modelo de negócio – é impor-tante que o franqueado não se deixe levar pela empolgação em ter seu primeiro negócio e o leia integralmente, nem que seja necessário levá-lo para casa.

EzEquIEl frANDoloSo é advogado especialista em direitos Civil, Constitucional e Empresarial. Sócio fundador de Frandoloso Advocacia e Consultoria jurídica.A

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KNOW HOW

Calas e os juízes de Toulouse - a história de um erro judiciário

Por rôMulo de andrade Moreira

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No dia 9 de março de 1762, o sexagenário francês Jean Calas, um pe-queno comerciante de tecidos da cidade de Toulouse, na França, foi condenado à morte pelo assassinato do seu filho mais velho, Marc-Antoine Calas, um jovem forte e saudável de 28 anos.

A condenação de Jean Calas constitui um dois maiores erros judiciários que se conhece. Um caso emblemático. Tão significativo que levou o filósofo iluminista francês Voltaire a escrever o livro “Tratado sobre a Tolerância”.

Voltaire começou a escrever a referida obra em outubro de 1762, mas a impressão se deu apenas em abril do ano seguinte. Sua divulgação foi imediatamente proi-bida na França. Com o propósito de contar a saga da família Calas, Voltaire tratou de um tema extremamente delicado até hoje: a questão da intolerância religiosa entre os homens.

É preciso observar, ao ler a obra, que, à época, na França, “o poder se arrogava mui normalmente o direito de atormentar homens por suas crenças”, especial-mente durante os reinados de Luís XIV e Luís XV. Leis previam expressamente a “pena capital contra os pastores surpreendidos no exercício de seu ministério; quanto aos protestantes presos em flagrante delito de praticar o culto, galés perpé-tuas para os homens, prisão perpétua para as mulheres”. Mais particularmente, os protestantes (chamados, então, pelos católicos de huguenotes) “estavam sujeitos a medidas discriminatórias muito penosas. Não tinham estado civil. Seus nasci-mentos, seus casamentos fora da Igreja não eram reconhecidos legalmente. Seus filhos eram considerados bastardos, com todas as consequências daí decorrentes, notadamente no que tange à transmissão das heranças”.

Os fiéis da “religião pretensamente reformada [...] eram excluídos de grande número de profissões”, razão pela qual muitos calvinistas “resignavam-se a atos puramente formais de catolicidade”, tais como o batismo e o casamento católicos. Eram os chamados “católicos novos”.

“Voltaire dedicou-se a provar a inocência do pai, advogando perante “a Europa das luzes” a causa dos Calas, “movido apenas por um espírito de jus-tiça, de verdade e de paz”.”

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KNOW HOW

Logo depois de sua ascensão ao poder, Luís XV, influenciado pelo seu primeiro-ministro, o duque de Bourbon, declarou oficialmente “que o desígnio do rei da França continuava a ser o de extirpar a heresia”, aumentando a intolerância e as punições.1 O livro de Voltaire, então, “evoca as fases de crise desse enfrentamento prolongado”.

Em resumo, deu-se o seguinte infortúnio com os Calas: no dia 13 de outubro de 1761, jantavam na residência da família o pai, Jean Calas, 64 anos, sua esposa, seus filhos Marc-Antoine Calas (o mais velho, com 28 anos) e Pierre Calas, além de um amigo da família, Gaubert Lavaisse, de 19 anos, todos protestantes.2

Na casa também estava uma velha criada que trabalhava com a família há trinta anos, Jeanne Viguière, “dedicada empregada católica que ajudara a criar todos os filhos”.3

Após o jantar, levantaram-se todos e foram para uma sala contígua, com exceção do primogênito, Marc-Antoine, que se dirigiu em direção à loja do pai. Pensaram, então, que iria dar uma volta pela cidade, como de costume.

Por volta das 21h30, o amigo Gaubert Lavaisse despediu-se e foi acompanhado por Pierre Calas. Ao se aproximarem da saída avistaram o corpo de Marc-Antoine estendido ao chão, com sinais de estrangulamento e com o pescoço com marcas de uma corda. Encontrava-se vestido com um camisolão “em perfeito estado; os cabelos continuavam bem penteados; não havia no corpo nenhum ferimento, nenhum machucado”, segundo escreveu Voltaire.

O amigo e o filho saíram de casa à procura de ajuda médica e da Justiça, enquanto os pais e a empregada desesperavam-se diante do corpo. Naquele momento, aler-tados pelos gritos de sofrimento vindos da casa, populares dirigiram-se para a residência dos Calas. É um “povo supersticioso e violento; vê como monstros seus irmãos que não são da mesma religião que ele.” Um deles, então, “gritou que Jean Calas havia enforcado seu próprio filho. Esse grito, repetido, logo tornou-se unâ-nime; outros acrescentaram que o morto pretendia fazer abjuração no dia seguinte; que sua família e o jovem Lavaisse o haviam estrangulado por ódio contra a reli-gião católica. Um momento depois, ninguém duvidava mais”. Sentencia Voltaire: “Uma vez excitados, os espíritos não mais se detém”.4

Pois bem. Poucas horas depois, todos já estavam presos, inclusive a empregada católica, por ordem do magistrado David de Beaudrigue, a quem pareceram con-vincentes os “boatos e mexericos” vindos do povo. Ele, que também era chefe de Polícia, “excitado por esses rumores e querendo valorizar-se por uma ação imediata, fez um processo contrário às normas”, encarcerando a todos até o julgamento final.5

Ignorando todas as evidências (por exemplo, “como é que todos juntos teriam podido estrangular um jovem tão robusto quanto eles todos, sem um combate longo e violento, sem gritos terríveis que teriam alertado a vizinhança, sem golpes reiterados, sem ferimentos, sem roupas rasgadas?”6), sem qualquer prova do par-ricídio, a Justiça de Toulouse cinco meses depois proferiu uma sentença conde-natória, decretando a pena de morte para o pai da vítima, um velho “de pernas inchadas e fracas.”7 Um processo feito a partir de “uma instrução dominada pela prevenção e, por isso, mal conduzida”.8

No dia seguinte o comerciante foi executado em plena praça Saint-Georges de Toulouse, após um suplício de duas horas na roda. Após “ser quebrado vivo, foi estrangulado e atirado em uma fogueira ardente. Assim, Jean Calas foi condenado

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a uma morte atroz com base numa mera verossimilhança”: a suposta escolha da religião feita pela vítima.9 Portanto, “a pressão da opinião pública supriu a falta de provas”.10 Nada tão atual!

Na verdade, esperavam os algozes que o acusado, durante o suplício na roda, confessasse o crime, legitimando a sentença de morte, inclusive em relação aos demais (tal como ocorre hoje, guardadas as devidas proporções, por óbvio, com a delação premiada). Nada obstante a tortura e os pedidos do juiz para que, final-mente, confessasse o assassinato, o pai não o fez, repetindo até o último suspiro que era inocente e pedindo a Deus que perdoasse os seus algozes. Um padre cató-lico que esteve durante as duas horas de sofrimento, atestou “lealmente a firmeza de alma de Jean Calas”.11

Tampouco conseguiram os juízes a confissão ou a delação do jovem Lavaisse, apesar de o terem ameaçado de tortura e morte. Ao contrário, ele “preferiu expor-se ao suplício do que pronunciar essa palavra (que havia se afastado dos Calas por um momento, quando mataram o filho e o irmão), que teria sido uma mentira”.12

Diante da ausência de confissão, os juízes, contraditoriamente, deixaram de condenar os demais acusados à pena de morte, o que seria o óbvio, já que todos haviam sido acusados pelo mesmo crime. O filho Pierre foi condenado ao bani-mento (e, depois, encarcerado em um convento de dominicanos), enquanto os demais foram postos “para fora do tribunal; noutras palavras, absolvem-nos. Era reconhecer implicitamente o erro judiciário”. A mãe, depois de ver as duas filhas obrigatoriamente postas também em um convento católico, ficou “só no mundo, sem pão, sem esperança e sucumbindo ao peso de sua infelicidade”.13

Tomando conhecimento do absurdo erro judiciário, Voltaire (que até então não conhecia a família Calas) dedicou-se a provar a inocência do pai, advogando perante “a Europa das luzes” a causa dos Calas, “movido apenas por um espírito de justiça, de verdade e de paz”. Após três meses de estudo do caso, interroga-tórios, diligências e investigações, o filósofo conseguiu, em 9 de março de 1765 (exatos três anos depois da primeira decisão), por unanimidade, uma sentença de reabilitação da memória do pai. Também toda a família foi declarada inocente, reconhecendo-se que o julgamento foi “iníquo e abusivo”, levado por “indícios equívocos e pelos gritos de uma multidão insensata”, causando “a ruína inteira de uma família inocente”.

As filhas, então, foram devolvidas à mãe. A família foi autorizada a processar os juízes toulousianos, responsabilizando-os por perdas e danos, “por conta pró-pria”. O rei mandou entregar trinta e seis mil libras à mãe e aos filhos, três mil das quais para ser dada à empregada “que defendera constantemente a verdade ao defender seus patrões”.14

Descreveu Voltaire: “Foi uma grande festa em Paris; as pessoas reuniam-se nas praças públicas, nos passeios; todos queriam ver essa família tão infortunada e tão bem justificada; os juízes eram aplaudidos, cumulados de sentimentos de gratidão”.15

O processo de reabilitação durou, como se nota, muito mais tempo do que o de condenação. Como escreveu Voltaire:

tanto é fácil ao fanatismo arrancar a vida à inocência, como é difícil à razão restituir-lhe

a justiça. Foi preciso suportar demoras inevitáveis, necessariamente ligadas às forma-

lidades. quanto menos essas formalidades foram observadas na condenação de Calas,

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KNOW HOW

tanto mais deviam sê-lo rigorosamente pelo Conselho de Estado (no processo de revi-

são da sentença).16

Quanto à vítima, demonstrou-se que se tratava de “um homem de letras: diziam-no um espírito inquieto, sombrio e violento”. Impedido de ser um advogado (como desejava), em razão da religião que professava, inapto para o comércio e tendo perdido uma pequena fortuna no jogo (no mesmo dia do suicídio, inclusive), “decidiu acabar com sua vida e fez pressentir esse propósito a um de seus amigos; firmou-se em sua resolução através da leitura de tudo o que até então se escrevera sobre o suicídio”.

Enfim, trata-se de um livro especialmente dedicado ao estudo da tolerância religiosa e da liberdade de pensar do Homem. Como escreveu, ao final, o autor, “é uma petição que a humanidade apresenta muito humildemente ao poder e à prudência. Semeio um grão que algum dia poderá produzir uma grande colheita”.17

Infelizmente, a semente, ao que parece, não fez produzir uma grande colheita como queria Voltaire. Hoje, em pleno século XXI, mata-se em nome de Deus, persegue-se quem não professa determinada religião, tortura-se a partir de um fundamentalismo religioso inaceitável e fanáticos religiosos desprezam a vida humana.

NoTAS

1 PomEAu, rené. Introdução da obra. In: voLtAIrE, m. A. Tratado sobre a tolerância, 2. ed., trad. Paulo neves, São Paulo: martins Fontes, 2000.

2 o outro filho, Louis Calas, não mais vivia com a família, pois, alguns anos antes convertera-se ao catolicismo, com a aprovação do pai, inclusive. vivia, desde então, à custa de uma pensão paga pelo pai após a abjuração, obrigação imposta pelo bispo da Igreja Católica (que também o obrigou a quitar todas as dívidas do filho). “Levava uma vida preguiçosa, incapaz de ocupar um emprego fixo, subsistindo apenas da mesada paterna” (rené Pomeau). um outro filho, o mais jovem, donat Calas, também ausente do jantar naquele dia, estava como aprendiz em nîmes. o casal também tinha duas filhas, rosine e nanette, respectivamente, com 20 e 19 anos, ambas também ausentes, pois tinham ido ao campo colher uvas, como todos os anos faziam.

3 voLtAIrE, Op. cit., p.4.4 voLtAIrE, Op. cit., p. 5-6.5 voLtAIrE, Op. cit., p. 6.6 voLtAIrE, Op. cit., p. 10.7 voLtAIrE, Op. cit., p. 9.8 PomEAu, rené, apresentação. In: voLtAIrE, Op. cit.9 Idem.10 Idem.11 Idem.12 voLtAIrE, Op. cit., p. 141.13 voLtAIrE, Op. cit., p. 11.14 voLtAIrE, Op. cit., p. 143.15 voLtAIrE, Op. cit., p. 142.16 voLtAIrE, Op. cit., p. 139.17 Página 136.

rôMulo DE ANDrADE MorEIrA é procurador de justiça do ministério Público do Estado da Bahia e professor de direito Processual Penal da Faculdade de direito da universidade Salvador – unIFACS.A

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QUESTÕES DE DIREITO

Caso Adriana Ancelmo: foi correta a substituição

da prisão preventiva em domiciliar?

Por leonardo sarMento

A mulher presa gestante ou com filho de até 12 anos de idade incompletos tem direito a requerer a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, segundo estabele-ce a Lei nº 13.257, editada em 8 de março de 2016, alte-

rando os artigos do Código de Processo Penal (CPP). A redação do art. 318 ficou a seguinte:

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Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:[...]v - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

Esta foi a fundamentação que substituiu a prisão preventiva de Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Teria sido a decisão mais acertada?

As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos do art. 318 do CPP são sempre obrigatórias? Em outras palavras, se alguma delas estiver presente, o juiz terá que, automaticamente, conceder a prisão domiciliar sem analisar qualquer outra circunstância?

A presença de um dos pressupostos indicados no art. 318 do CPP, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Na literalidade desta norma jurídica o juiz “poderá”, e não “deverá”, realizar a substituição.

O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (art. 282, II, CPP), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domici-liar no caso de se mostrar adequada à situação concreta. Não basta que a mulher presa tenha um filho menor de 12 anos de idade para ter o benefício da prisão domiciliar. Será necessário examinar as demais circunstâncias do caso concreto e, principalmente, se a prisão domiciliar será suficiente ou se a presa, ao receber esta medida cautelar, ainda colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP, o qual determina que:

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem eco-nômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Os atos gravíssimos praticados por Adriana Ancelmo fundamentaram o pedido de prisão preventiva por representarem perigo concreto às ordens pública e eco-nômica, cuja consequência foi a aplicação da lei penal.

Não houve qualquer alteração na situação fática que fizesse desaparecer os fundamentos da preventiva. A liberdade de Adriana Ancelmo continua represen-tando perigo às ordens pública e econômica, ensejando a aplicação da lei penal.

“Existe uma enorme população carcerária composta de mulhe-res presas preventivamente, as quais estão à espera de julgamen-to na mesma situação de Adriana Ancelmo, ou melhor, aguardando por anos presas enquanto são acusadas do cometimento de crimes de bagatela, muitos para subsistência própria ou dos seus filhos menores, mas que furtaram as hipotéticas quantias de R$ 50, e não de R$ 50 milhões.”

QUESTÕES DE DIREITO

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Assim, os bens jurídicos que se procurou tutelar com a subsunção do art. 312 do CPP permanecem em risco, desautorizando, a nosso sentir, a transformação da preventiva em domiciliar.

As restrições adotadas com a vedação do uso de internet e telefone no imóvel não impedem que Adriana Ancelmo receba visitas em seu domicílio e livremente delibere seus desígnios criminosos, além de mesmo a vedação constante na decisão ser de duvidosa efetividade prática, uma vez que a fiscalização é de difícil realização.

Inapelavelmente, a decisão liminar do STJ que aplicou a letra da lei sem levar em consideração as circunstâncias concretas do caso, com a inalterabilidade das razões que vieram a decretar a prisão preventiva de Adriana Ancelmo, peca ainda pela gritante ausência de isonomia na aplicação da lei.

Existe uma enorme população carcerária composta de mulheres presas preven-tivamente, as quais estão à espera de julgamento na mesma situação de Adriana Ancelmo, ou melhor, aguardando por anos presas enquanto são acusadas do come-timento de crimes de bagatela, muitos para subsistência própria ou dos seus filhos menores, mas que furtaram as hipotéticas quantias de R$ 50, e não de R$ 50 milhões.

Temos o caso de uma mineira que entrou em um supermercado na cidade de Varginha (MG), colocou na bolsa cinco frascos de chiclete de menta e dois deso-dorantes com aroma para adolescentes. A conta daria R$ 42,00, mas ela saiu sem pagar. Logo que deixou o estabelecimento foi abordada pelos seguranças, que cha-maram a polícia. Os produtos foram devolvidos às prateleiras e Georgina foi presa em flagrante. O fato ocorreu em 18 de fevereiro de 2011. Até agora ela encontrava-se presa. Em apertada votação (3X2), o STF a libertou após ter seu habeas corpus negado pelo mesmo STJ que concedeu a prisão domiciliar à Adriana Ancelmo.

É tarefa mais que árdua, que requer grande dose de argumentos contraditó-rios para nós que nos propomos a debater o Direito Constitucional, em especial a máxima efetividade dos direitos fundamentais, explicar a mais absoluta ausência de um razoável tirocínio lógico-decisório que o poder econômico pode promover em termos de ausência de isonomia nas decisões judiciais. As discrepâncias que o poder econômico ainda promove em nossos julgados demonstra um Brasil ainda separado por castas, onde a isonomia é percebida absurdamente pelo nosso Judi-ciário como mera tábula rasa.

Finalizemos com o que entendemos ser o principal artigo da Constituição, não à toa o mais conhecido deles e, por ironia do destino, o mais desprezado pelas autoridades públicas:

Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...].

Por fim, a questão ainda será enfrentada em seu mérito pelo colegiado, quando esperamos maior discernimento e respeito aos pilares constitucionais da isonomia e da moralidade. Os benefícios processuais existem, mas parecem dirigidos, sele-tivos, efetivos tão somente para as castas de poder.

lEoNArDo SArMENTo é professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista de diversas revistas e portais jurídicos. Pós-graduado em direito Público, direito Processual Civil, direito Empresarial e com mBA em direito e Processo do trabalho pela FGv.A

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

Dano moral: análise dos valores fixados no Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná

por Andrei PAgnoncelli e MArinA ZAnin

“Os julgadores falam rotineiramente no caráter peda-gógico da sentença, alegando que deve ser em montante razoável para trazer uma penalidade que ensine ou in-duza a ré a não cometer os mesmos erros, para que tome cuidado com os clientes ou para desestimular a prática de condutas ilícitas.”

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Com base em conceitos derivados da Jurimetria – ramo da Estatística voltado às analises de estudos do Direito – verificou-se a possibilidade de desenvolver um trabalho sobre a quantificação do dano moral, com a demonstração de quais são os valores habitualmente aplicados no

Tribunal de Justiça do Paraná em julgamentos envolvendo a inscrição indevida nos cadastros de maus pagadores. A pesquisa objeivou ajudar autores e réus a ve-rificarem as chances de obter elevação ou redução das condenações em primeira instância por meio de recurso.

A importância de conhecer os padrões que as câmaras dos tribunais mantêm em seus acórdãos possibilita saber as tendências de julgamentos para os casos de inclusão nos cadastros de maus pagadores de forma indevida. Ademais, tal estatís-tica pode contribuir na redução das demandas, pois se o autor do processo souber que as chances de obter majoração dos danos morais é ínfima, provavelmente não irá recorrer, ajudando a desafogar o Poder Judiciário. De modo inverso, saberá também se o juiz de primeiro grau tiver aplicado valores que não são condizentes com os danos sofridos, possibilitando pedir, com melhores fundamentos, a majo-ração ou minoração dos danos morais aplicados.

O objetivo principal foi verificar se os valores de condenação aplicados em pri-meiro grau estão muito abaixo dos valores de segundo grau, pois, no caso de estarem dentro dos parâmetros, provavelmente não haveria recursos visando a sua majoração.

Da mesma forma, avaliou situações em que os autores deixaram de recorrer quando os valores estavam abaixo dos padrões de segundo grau. Esta última cons-tatação revelouque os autores perderam a chance de obter majoração por não terem recorrido.

Logo, a análise serviu para verificar se os juízes de primeira instância da região sudoeste do Paraná aplicam condenações com valores próximos aos aplicados pelos desembargadores ou se foram valores baixos, pois quanto mais próximo da média de segundo grau, menor a chance de obter majoração, não justificando pagar as custas de um recurso quando as chances de provimento forem ínfimas.

A pesquisa também possibilita analisar se os autores dos processos optam por recorrer apenas em casos que realmente são justificáveis ou se usam dos recursos imoderadamente, mesmo quando os valores da sentença já estavam dentro dos padrões do tribunal.

rEVISãO DA LITErATUrA

O dano moral é um direito garantido constitucionalmente para quem sofrer algum dano que não seja patrimonial. Geralmente, aplica-se condenação por dano moral quando há ofensa aos direitos da personalidade com a finalidade de garantir que o lesionado receba uma compensação por uma dor ou sofrimento, com base em valores pecuniários. Também serve como desestímulo para quem cometeu uma conduta lesiva, para que não volte a repetir ofensas.

A previsão acerca de danos encontra-se no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, o qual determina que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Da mesma forma, o inciso X do mesmo artigo estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

É importante trazer o conceito de danos morais apresentado por Cavalieri Filho, ao lecionar que o dano moral advém de ofensas à bens de ordem extrapatrimo-niais, como a ofensa de atributos da personalidade.

Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, esten-dendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética –, ra-zão pela qual podemos defini-lo, de forma abrangente, como sendo uma agressão a um bem ou atributo da personalidade. Em razão de sua natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização (CAvALIErI FILHo, 2012, p. 90).

É com base na conceituação de Cavalieri Filho que surge a indenização contra a inscrição indevida no cadastro dos maus pagadores, pois a marca negativa colo-cada sobre uma pessoa, para todo o comércio, ocasiona danos como a restrição ao crédito, podendo levá-la a passar por constrangimento em alguma aquisição que pretenda fazer de mercadoria ou de serviços. Nesse sentido, Humberto The-odoro Júnior explica que:

É evidente, no entanto, que haverá dano moral ressarcível sempre que o lançamento re-alizado no cadastro do Serviço de Proteção ao Crédito – SPC, ou no SErASA for indevido. É que os efeitos de tais registros são nocivos ao conceito do devedor, podendo compro-meter-lhe a honra e o bom nome no seio da comunidade em que vive. Se não havia razão legítima para explicar o assento, reveste-se a conduta de quem o promoveu do caráter abusivo e ilícito (tHEodoro junIor, 1999, p. 29).

É justamente com base em tal premissa que o Tribunal de Justiça do Paraná aplica os danos morais, independentemente de comprovação, pois a inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito é tão grave que o dano moral será presumido.

Assim, caso os juízes verifiquem que a inscrição realmente não deveria ter sido feita aplicam automaticamente a condenação por danos morais, restando apenas a discussão quanto ao valor da condenação.

Sobre isso, os acórdãos do tribunal determinam que a indenização deve ser em valor alto suficiente para inibir novas condutas, mas não tão alto a ponto de gerar enriquecimento indevido para quem recebe. A mensuração dos danos morais é balizada conforme estes critérios, observando sempre as circunstâncias pessoais do lesado e do lesionador. Por esse motivo, notou-se que o tribunal aplica valores mais elevados para empresas de grande porte, enquanto para as de pequeno porte aplica valores reduzidos. Nesse sentido, os magistrados confirmam a aplicação do efeito pedagógico da sentença, pois além de compensar o dano moral causado a condenação visa a inibir novas condutas lesivas aos direitos da personalidade, de acordo com as características específicas de ambas as partes.

METODOLOgIA

A metodologia aplicada em nossa pesquisa foi baseada no trabalho de Valeixo et al (2013), em que os autores estudaram o dano moral do ponto de vista do Tribunal de Justiça do Paraná envolvendo a região metropolitana de Curitiba no período

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de 2010 até 2011. Analisamos ainda a jurisprudência formada no primeiro grau da região Sudoeste do Paraná, a partir de 2009 até 20 de maio de 2016 (período da amostra). A região da amostra foi opção do autor em vista de não haver qualquer estudo envolvendo as decisões das comarcas de tal região. A diferença básica veri-ficada está nos valores que os juízes de primeiro grau aplicam, já que normalmente em segundo grau segue-se um padrão previamente estipulado.

A coleta da amostragem se deu por busca no campo próprio para pesquisa de jurisprudência no site do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, utilizando como palavra-chave o termo “inscrição indevida dano moral”.

Além disso, foram aplicados alguns filtros de pesquisa para reduzir a amplitude da amostra, imiando-a às Oitava, à Nona e à Décima Câmaras Cíveis em razão da competência para julgamento de recursos, conforme consta no artigo 90, inciso IV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Para buscar as comarcas do Sudoeste foi adicionado o filtro de busca de acórdãos originários de processos de Ampére, Barracão, Capanema, Chopinzinho, Coronel Vivida, Dois Vizinhos, Francisco Beltrão, Pato Branco, Realeza, Santo Antônio do Sudoeste e São João. As demais cidades do Sudoeste do Paraná não apresentaram processos com os termos e filtros selecionados, por isso não estão na lista.

Destaca-se que os processos são encaminhados para as câmaras cíveis por meio de sorteio, não havendo possibilidade de as partes optarem por uma ou outra. Em razão disso, há uma distribuição equânime dos processos envolvendo cada matéria.

DAS VArIáVEIS

Foram consideradas as seguintes variáveis: câmara julgadora; valores indeniza-tórios arbitrados em primeiro grau; valores indenizatórios arbitrados em segundo grau; valores mantidos e valores majorados em segundo grau. Além disso, foi pos-sível notar a existência de grandes grupos de réus, formando mais uma subdivisão conforme a frequência que apareciam nos processos. Os grupos se subdividiram em: bancos/financeiras; empresas de telefonia; e outros litigantes.

ANáLISE ESTATíSTICA

Para obter as conclusões deste trabalho foi necessário desenvolver o teste ‘t’ para amostras independentes, visando responder ao objetivo almejado. O teste ‘t’ é indicado para comparar médias quantitativas de dois grupos de variáveis, sempre que forem independentes. Neste caso, havia dois conjuntos de variáveis principais, que são os valores obtidos nas condenações de primeira instância e também os valores que os mesmos processos obtiveram após o recurso, no julga-mento da segunda instância.

Conforme se nota, apesar de tratar dos mesmos processos, os valores aplicados antes e depois formam grupos distintos de variáveis. Por essa razão, o teste aplicado foi para duas amostras independentes, visando comparar a média quantitativa dos grupos.

A hipótese nula, chamada H0, significa que a média dos valores de primeira ins-tância não é significante dos valores aplicados na segunda instância. Já a hipótese alternativa, chamada hipótese H1, significa que a média dos valores de primeira instância apresenta diferenças significativas ao serem comparadas com as médias de segunda instância.

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Para todas as análises o nível de significância foi ajustado em 5% (α = 0,05), com a finalidade de obter o p-valor, o resultado estatístico que definirá a aceitação ou rejeição da hipótese nula ou da hipótese alternativa.

É com base nesses valores que se chega à conclusão deste trabalho, verificando se há diferença significativa entre as médias de primeira ou segunda instâncias. Assim, quando o p-valor for menor que o rejeita-se a hipótese nula e aceita-se a hipótese alternativa. Mas quando o p-valor for maior que o α aceita-se a hipótese nula e rejeita-se a hipótese alternativa, conforme os resultados

APrESENTAçãO E ANáLISE DOS rESULTADOS

A amostra foi dividida em três grandes grupos, considerando-se a frequência nos acórdãos. O primeiro grupo, formado pelos bancos e financeiras, apareceu em maior quantidade nos processos, sendo responsável por 47% da amostra. O segundo grupo, das empresas de telefonia, apareceu em 33,8% dos processos. O terceiro grupo, que engloba toda e qualquer empresa que não se enquadre nos dois grupos anteriores totalizou 19,1% dos casos.

Para ficar mais evidente, dividiu-se a amostragem pelos grupos e pela câmara cível julgadora, obtendo-se o seguinte resultado:

Tabela 1: distribuição dos acórdãos por tipo de réu e por câmara.

CÂMArASETOrES

TOTALBancos/Financeiras Outros Telefonia

8º 9 4 9 22

9ª 12 4 10 26

10ª 11 5 4 20

TOTAL 32 13 23 68Fonte: Dados da pesquisa.

Analisando a tabela 1 verifica-se que aproximadamente 80% dos réus analisados são formados por empresas de telefonia e pelos bancos. Essa constatação está de acordo com a pesquisa do CNJ sobre os 100 maiores litigantes da justiça estadual. Nesta pesquisa, o setor público (estadual, municipal e federal), junto com bancos e telefonia representam 94% do total de processos da Justiça Estadual (CNJ, 2011, p. 23).

ANáLISE DOS VALOrES APLICADOS EM PrIMEIrO E SEgUNDO grAUS

Na análise descritiva dos valores aplicados nas três câmaras cíveis obteve-se a média, valor máximo, valor mínimo e o desvio padrão para todos os casos:

Tabela 2: Estatística descritiva dos valores de primeiro e segundo graus.

N Mínimo Máximo Média Desvio padrão

Valor 1º grau 68 R$ 0,00 R$ 40000,00 R$ 8448,4529 R$ 5772,39895

Valor 2º grau 68 R$ 1500,00 R$ 60000,00 R$ 12341,1765 R$ 8416,97353

Fonte: Dados da pesquisa.

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Note-se que todos os valores de segundo grau foram superiores que os de pri-meiro, demonstrando uma forte tendência de elevação dos valores no TJ. A média das condenações teve elevação de aproximadamente R$ 4 mil em segundo grau, passando de R$ 8.448,45 para R$ 12.341,17.

Conforme o gráfico 1, é possível perceber que as condenações em primeiro grau estão concentradas nas faixas mais baixas, enquanto as de segundo grau estão proporcionalmente mais estabelecidas acima de R$ 10 mil.

Fonte: Dados da pesquisa.

Pela simples comparação aritimética nota-se que a média de segundo grau teve um aumento de 46,1% em relação à média de primeiro grau. O gráfico demonstra com clareza esse aumento.

Para saber se essa alteração de valores foi significtiva realizou-se o teste t de Student, o qual demonstrou resultado de 0,660. O p-valor foi de 0,000, demons-trando que há diferença relevante entre as variáveis.

No caso estudado, os recursos dos autores visavam a aumentar o valor da condenação, pois entendiam que a condenação estava insuficiente. Com base nisso, formaram-se dois grupos de condenações, que são os valores majorados em segunda instância ou então os valores mantidos pelo tribunal.

A manutenção dos valores em segundo grau pode ocorrer por dois motivos: a parte autora recorrer alegando valor abaixo do merecido e o Tribunal entender ser a condenação de primeiro grau suficiente; ou apenas a ré recorrer ale-gando excesso na condenação ou pedindo para julgar improcedente o pedido do autor.

Quando o autor não recorrer o Tribunal de Justiça não poderá aumentar o valor de ofício, ainda que o valor seja irrisório, pois entende-se ter sido sufi-ciente, mantendo o valor da condenação mesmo que seja bem inferior ao padrão mínimo. Isso ocorre devido ao chamado princípio da congruência que regula o processo civil. Significa que o juiz deve interpretar e conceder os pedidos de acordo com os limites colocados pela parte. Por isso, somente haverá análise e majoração do valor caso houver pedido expresso do autor (GONÇALVES, 2016).

Nesse sentido, o gráfico 2 indica três informações importantes. A primeira coluna demonstra os valores que foram mantidos mesmo após a análise em segundo grau. A segunda coluna mostra quais percentuais de valores foram alte-rados, ou seja, a quantidade que passou para as colunas subsequentes com valores superiores. A terceira coluna representa os valores aplicados após a majoração.

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PAINEL UNIVERSITÁRIO

Fonte: Dados da pesquisa.

O grafico 2 revela que os valores mantidos pelo Tribunal (coluna da esquerda) prevaleceram nas condenações entre R$ 10 mil e R$ 14.999,99, totalizando 46% dos casos. Quanto aos valores majorados (coluna do meio), 88,9% encontravam-se nas faixas de condenação de até R$ 9.999,99.

Já os valores aplicados após a condenação (coluna da direita) teve a grande maioria (85%) nas faixas a partir de R$ 10 mil, com maior abrangência entre R$ 15 mil até 19.999,99.

Nesse sentido, a tabela 3 demonstra as médias de valores mantidas e majoradas em comparação com a média geral de primeiro e segundo graus:

Tabela 3: médias das três câmaras cíveis

MÉDIAS(%) 1º grau 2º grau Diferença

Media geral 100,0% R$ 8.448,45 R$ 12.341,18 R$ 3.892,73

Majorados 39,70% R$ 6.596,10 R$ 16.400,00 R$ 9.803,90

Mantidos 60,30% R$ 9.668,29 R$ 9.668,29 R$ 0,00

Fonte: Dados da pesquisa

Conforme se verifica, a média dos valores de primeiro grau majorados (R$ 6.596,10) é inferior à média dos valores mantidos (R$ 9.668,29) e menor que a média geral de primeiro grau (R$ 8.448,45), demonstrando que a maior parte dos majorados realmente se tratava de valores bem inferiores às outras médias. Nota-se também que em segundo grau os valores aplicados após a majoração (R$ 16.400,00) superam em muito a média geral aplicada em primeiro grau.

É importante perceber que 60,3% dos valores aplicados em primeiro grau foram mantidos pela falta de recurso da parte autora ou então em função de os valores estarem dentro dos padrões das câmaras cíveis.

ANáLISE DAS CONDENAçõES DA OITAVA CÂMArA CíVEL

É importante analisar em separado os valores atribuídos em cada câmara cível para verificar as diferenças conforme o local em que o recurso precisar ser direcionado.

A Oitava Câmara Cível conta com 22 processos analisados. Os valores apli-cados em primeiro grau variaram de zero até R$ 15 mil, e, em segundo grau, a amplitude foi entre R$ 1.500,00 até R$ 30 mil. Vale destacar que o menor valor de

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condenação em primeiro grau foi majorado para R$ 7 mil em segundo grau, e que o menor valor de segundo grau, de R$ 1.500,00, não foi majorado, tendo em vista que a parte autora não recorreu.

A média da Oitava Câmara Cível ficou abaixo da média geral, tanto em primeiro como em segundo graus, com os resultados avaliados em R$ 7.045,45 em primeiro grau e R$ 10.931,81 em segundo grau. Como as médias das três câmaras foram R$ 8.448,45 em primeiro grau e R$ 12.341,18 em segundo grau, significa dizer que a Oitava Câmara Cível aplica valores abaixo das médias, contribuindo para reduzir os padrões medianos fixados.

É possível notar que houve um aumento considerável nos valores fixados em segundo grau, ultrapassando os R$ 3 mil na média das condenações.

No gráfico 3 percebe-se que os valores de primeiro grau estão mais distribuídos nas condenações até R$ 9.999,99, enquanto as condenações em segundo grau pre-valecem nas condenações acima de 10 mil reais de condenação.

Com isso, torna-se visível que há uma forte tendência de majoração dos valores com condenação entre zero a 9.999,00.

Fonte: Dados da pesquisa.

Em geral, nota-se que a média de segundo grau aumentou 55,16% em relação à média de primeiro grau. O gráfico demonstra com clareza essa tendência.

Para saber se essa alteração de valores foi significativa realizou-se o teste t de Student para duas amostras emparelhadas, com nível de significância de 0,05%, que obteve resultado de 0,273.

Também o p-valor foi de 0,008, demonstrando que há uma diferença relevante entre as variáveis e que o aumento dos valores foi significativo.

Para verificar com maior clareza a manutenção ou a majoração dos valores na Oitava Câmara Cível fez-se a tabela 4 contendo a média dos valores de primeiro e de segundo graus, majorados ou mantidos:

Tabela 4: médias da Oitava Câmara Cível.

(%) 1º grau 2º grau Diferença

Media geral 100,00% R$ 7.045,45 R$ 10.931,82 R$ 3.886,37

Majorados 40,90% R$ 5.722,22 R$ 15.222,22 R$ 9.500,00

Mantidos 59,10% R$ 7.961,54 R$ 7.961,54 R$ 0,00Fonte: Dados da pesquisa.

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É interessante notar que a média dos valores majorados ficou em exatos R$ 9.500. A média anterior estava muito aquém da média geral, bem como dos valores man-tidos. Em razão da importância de entender o motivo da manutenção de alguns valores que estavam muito abaixo dos padrões fixados pelo tribunal fez-se uma análise detalhada destes casos.

O resultado causou certa estranheza, pois todos os casos de manutenção dos valores em segundo grau eram de processos em que apenas a ré havia recorrido. Conforme já explicado, em razão do princípio da congruência, se o autor não recorrer da decisão o tribunal será obrigado a manter a condenação no patamar fixado em primeiro grau, mesmo que absurdamente inferior ao parâmetro médio fixado.

Dos 13 casos mantidos, apenas sete eram de processos com condenações razo-áveis, nos quais entende-se como razoável o processo com valores acima de R$ 10 mil, sendo plausível o contentamento dos autores. O que causou estranheza foram os outros seis processos com valores abaixo desse patamar, pois aparentemente a chance de majorar os valores era altíssima.

Dentre os valores mantidos por falta de recursos houve uma condenação em R$ 1.500,00, três condenações de R$ 5 mil e duas condenações de R$ 6 mil.

Os autores desses processos perderam a oportunidade de majorar a conde-nação, tendo em vista que todos os processos majorados pela Oitava Câmara Cível ficaram com valores mais altos. Foram oito processos majorados entre R$ 10 mil e R$ 30 mil e apenas um abaixo de R$ 10 mil.

É importante destacar a fundamentação de alguns acórdãos, por exemplo, o recurso nº 1424154 4, que mencionou expressamente que o valor de R$ 10 mil se revela suficiente para reparar o dano causado à vítima, bem como para evitar a reiteração de anotações indevidas pela ré, destacando que esse valor vem sendo rotineiramente fixado pela Corte em casos semelhantes. A partir disso, nota-se uma tendência de valores em segundo grau perante a Oitava Câmara Cível.

Ao analisar os valores após a majoração observou-se que realmente o mínimo aplicado girou em torno de R$ 10 mil. Nota-se que dos nove casos majorados houve apenas uma condenação de R$ 7 mil, apenas duas condenações em R$ 10 mil, quatro condenações de R$ 15 mil, uma condenação em R$ 20 mil e outra de R$ 30 mil, conforme o o gráfico a seguir.

Fonte: Dados da pesquisa.

O gráfico demonstra a importância deste trabalho para os juristas e para os advogados, pois apenas um em nove processos a majoração foi abaixo de R$ 10 mil. Também é de importância social que as partes saibam qual o montante que poderão atingir através de seus recursos. Se o valor da condenação em primeiro grau estiver dentro dos patamares razoáveis e a parte estiver satisfeita não há motivos

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para recorrer, mas, se estiver abaixo a chance de obter procedência é considera-velmente alta, justificando a tentativa.

ANáLISE DAS CONDENAçõES DA NONA CÂMArA CíVEL

Seguindo a metodologia do item anterior, foi feita a análise dos valores das con-denações em primeiro e segundo graus, bem como dos valores mantidos, majo-rados e a média geral das condenações na Nona Câmara Cível, com 26 recursos analisados.

Os valores em primeiro grau variaram de R$ 2 mil até R$ 20 mil e, em segundo grau, os entre R$ 3 mil até 20 mil.

Vale destacar que o menor valor de condenação em primeiro grau, que foi R$ 2 mil, foi majorado para R$ 5 mil, enquanto o menor valor de segundo grau, de R$ 3 mil, não foi caso de majoração, pois o autor da ação não recorreu, justificando a sua manutenção.

Nota-se que os valores da Nona Câmara Cível foram mais elevados em ambos os graus se comparados com a Oitava. A média de primeiro grau da Nona Câmara Cível ficou acima da média geral de primeiro grau, que é de R$ 8.448,45. Mas a média de segundo grau ficou abaixo da média, com R$ 11.523,07, enquanto a média geral de segundo grau foi de R$ 12.341,18.

Porém, em primeiro grau a Nona Câmara Cível não apresentou valores muito acima da média, com cerca de R$ 1 mil a mais que a média geral. Da mesma forma, houve redução entre o desvio padrão de primeiro grau e o desvio padrão de segundo grau.

Neste caso, os valores fixados em primeiro grau não sofreram tantas alterações na Nona Câmara Cível, pois a média de primeiro grau se aproximou da de segundo grau, demonstrando maior padronização dos valores mais dissonantes, do padrão em torno da média.

Para auxiliar na visualização da majoração dos valores traz-se o gráfico 5, com os valores fixados nos processos da Nona Câmara Cível, em primeiro e em segundo graus, divididos por faixa de valor, conforme a seguir:

Fonte: Dados da pesquisa.

O gráfico deixa claro que há uma forte tendência de majoração dos valores com condenação entre 0 a 9.999,99. Nota-se que a média dos valores de segundo grau teve aumento de 23,5% em relação à média de primeiro grau. Além disso, a tendência da média de condenação em segundo grau se concentra acima dos R$

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10 mil. Inclusive, mais de 80% das condenações em segundo grau estão entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, mantendo apenas 19,2% abaixo desses valores.

Para saber se essa alteração de valores foi significativa realizou-se o teste t de Student para duas amostras emparelhadas, com nível de significância de 0,05%, no qual o resultado foi de 0,728. Também, o p-valor foi de 0,004, demonstrando que há uma diferença relevante entre as variáveis e que o aumento foi significativo.

Para verificar com maior clareza a manutenção ou a majoração dos valores na Oitava Câmara Cível, fez-se uma tabela contendo a média dos valores de primeiro e de segundo graus, majorados ou mantidos:

Tabela 5: média de valores mantidos e majorados da Nona Câmara Cível

(%) 1º grau 2º grau DiferençaMedia geral 100,00% R$ 9.330,77 R$ 11.523,08 R$ 2.192,31Majorados 30,76% R$ 4.750,00 R$ 11.875,00 R$ 9.500,00Mantidos 69,23% R$ 11.366,67 R$ 11.366,67 R$ 0,00

Fonte: Dados da pesquisa.

A média dos valores majorados se aproximou da média geral de R$ 11.875,00. Ocorre que a média dos valores que foram majorados era muito baixa, com apenas R$ 4.750,00. Isso demonstra que estavam visivelmente abaixo da média geral dos três grupos, passando para valores próximos da média geral.

Também realizou-se um estudo sobre os valores mantidos na Nona Câmara Cível, observando que dos 18 processos que tiveram os valores mantidos em segundo grau apenas em dois a parte autora recorreu pedindo a majoração, e nos outros 16 casos apenas a ré recorreu pedindo para reduzir o montante aplicado em primeiro grau.

Isso justifica a manutenção desses 16 valores fixados em primeiro grau, pois sem pedido do autor o tribunal não pode majorar a condenação.

Desses 18 casos, 14 tratavam de condenações razoáveis, com condenações de R$ 10 mil ou mais, demonstrando o contentamento dos autores.

O que causou estranheza foram os outros processos com valores fixados abaixo desse patamar. Houve uma condenação de R$ 3 mil e três condenações de R$ 5 mil, todos muito aquém do padrão médio do tribunal. De todos os processos majorados pela Nona Câmara Cível apenas um ficou abaixo de R$ 10 mil devido às circuns-tâncias do caso concreto, que justificavam a manutenção da condenação. Todos os outros casos ficaram com valores entre R$ 10 mil e R$ 15 mil.

Assim, nota-se que as partes com condenações entre R$ 3 e 5 mil perderam a oportunidade de majorar a condenação para valores mais adequados aos danos que lhes foram causados.

ANáLISE DAS CONDENAçõES DA DÉCIMA CÂMArA CíVEL

A Décima Câmara Cível envolveu a análise de 20 acórdãos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em que os valores em primeiro grau variaram de R$ 1 mil até R$ 40 mil, e, em segundo grau, variaram entre R$ 3 mil até R$ 60 mil.

A média dos valores de primeiro grau da Décima Câmara Cível ficou pratica-mente igual a média geral de primeiro grau. Mas em segundo grau a média foi mais elevada, com R$ 14.955,00, enquanto a média geral foi de R$ 12.341,18.

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Conforme o gráfico 6 é possível verificar que a Décima Câmara Cível apresentou comportamento diferenciado na amostra de primeiro grau, com 90% dos valores com condenações até 14,999,99, e apenas 10% foi superior a isso.

Entretanto, em segundo grau o comportamento foi semelhante às demais, com majoração dos valores mais baixos, prevalecendo condenações maiores que R$ 10 mil. Conforme a tabela abaixo, 75% das condenações em segundo grau estão distribuídas nas faixas acima de R$ 10 mil.

Fonte: Dados da pesquisa.

Como nos demais casos, a tabela deixa evidente que há forte tendência de majoração dos valores abaixo de R$ 10 mil.

Nota-se também que os valores tiveram aumento de 69,08% em segundo grau em relação à média de primeiro grau, sendo um percentual extremamente alto.

Para saber se essa alteração de valores foi significativa realizou-se o teste t de Student para duas amostras emparelhadas, com nível de significância de 0,05%, no qual o resultado foi de 0,776. Também o p-valor foi de 0,005, demonstrando que há uma diferença relevante entre as variáveis e que o aumento dos valores foi significativo, pois foi menor que 0,05.

Para verificar com maior clareza a manutenção ou a majoração dos valores na Décima Câmara Cível fez-se uma tabela contendo a média dos valores de primeiro e de segundo graus, majorados ou mantidos:

Tabela 6: média de valores da Décima Câmara Cível.

MÉDIA (%) 1º grau 2º grau DiferençaMedia geral 100,00% R$ 8.844,74 R$ 14.955,00 R$ 6.110,26

Majorados 30,76% R$ 8.859,48 R$ 21.080,00 R$ 12.220,52

Mantidos 69,23% R$ 8.830,00 R$ 8.830,00 R$ 0,00Fonte: Dados da pesquisa.

É interessante notar que houve aumento de R$ 12.220,52 entre as médias de primeiro e de segundo graus, dos dez valores majorados.

Verificou-se que a Décima Câmara Cível demonstrou resultados distintos das demais quanto aos valores mantidos. Metade dos processos que mantiveram a con-denação tiveram apenas recurso da ré, buscando diminuir o valor. A outra metade é composta por recursos de ambas as partes. Enquanto a maioria dos casos man-tidos nas demais câmaras era por não haver recurso do autor, neste caso apenas metade dos autores não recorreram, sendo que a outra metade teve recuso negado.

Três dos cinco casos em que ambas as partes recorreram tiveram condenação de R$ 10 mil, sendo justificável a manutenção do valor pelo tribunal, pois, conforme

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se verificou, este é um parâmetro razoável aplicado nas decisões, inclusive na Décima Câmara Cível.

Quanto aos outros dois casos eles tiveram condenação abaixo de R$ 10 mil, merecendo uma análise especial do motivo pelo qual o tribunal manteve os valores.

O primeiro caso é de um processo julgado em primeira instância na Comarca de Pato Branco, com condenação em R$ 3 mil. O tribunal justificou a manutenção da condenação neste patamar alegando ser um caso específico, além de afirmar que as circunstâncias do caso justificavam a manutenção do valor fixado por não ter causado danos graves à parte. Além disso, alegou que a ré era pessoa jurídica de pequeno porte, e os valores mais elevados causariam maiores danos à ré por ser uma pequena empresa.

O segundo caso foi um processo julgado em Pato Branco, no qual o juiz fixou o valor de R$ 5 mil em primeiro grau. O tribunal justificou a manutenção deste valor afirmando que a ré era uma empresa de pequeno porte. A justificativa tra-zida foi com base no capital social da empresa que era reduzido, e que a inscrição indevida não causou muitos danos.

Com base nesses dados pode-se constatar que o Tribunal de Justiça tem um critério menos severo para as empresas de pequeno porte e outro mais gravoso para as grandes ou empresas de porte transnacional, como as empresas de tele-fonia e as agências bancárias.

Os julgadores falam rotineiramente no caráter pedagógico da sentença, ale-gando que deve ser em montante razoável para trazer uma penalidade que ensine ou induza a ré a não cometer os mesmos erros, para que tome cuidado com os clientes ou para desestimular a prática de condutas ilícitas. Outro motivo para majorar ou manter é que a sentença não pode fixar em valores tão altos capazes de gerar enriquecimento ilícito por parte daquele que sofre os danos morais.

CONSIDErAçõES FINAIS

De acordo com as análises realizadas neste trabalho pode-se verificar que as Câmaras Cíveis Do Tribunal do Paraná, responsáveis por julgar os casos envol-vendo danos morais por inscrição indevida nos cadastros dos maus pagadores, têm tendências que devem ser observadas pelos juristas.

Notou-se que a média geral dos julgamentos no segundo grau atingiu o patamar de R$ 12.341,17 para as três câmaras. Porém, analisou-se que houve alguns pro-cessos com condenação de aproximadamente R$ 10 mil que foram mantidas.

Os percentuais de majoração em segundo grau são elevados, demonstrando que os juízes do Sudoeste do Paraná aplicam valores razoáveis, ou na grande maioria das vezes valores baixos. Não houve nenhum caso de redução de valores, demonstrando que não há aplicação de valores excessivos. Isso demonstra que se os juízes de primeira instância aplicassem valores próximos da média geral, pro-vavelmente reduziriam os processos, e, por outro lado, muitos teriam seus valores mantidos. Essa aplicação de valores mais próximos da média do faz com que haja maior harmonia no Poder Judiciário.

Deve-se atentar também para o fato de que muitos autores e seus advogados deixaram de recorrer em casos com condenações baixas. Isso prejudica o próprio autor por não ter explorado o potencial da ação em razão de não saber a média de valores aplicados em cada câmara cível. Conforme mencionado, mesmo que o tribunal perceba que há dissenso nos valores aplicados em primeiro grau, apenas

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poderá majorar os valores se houver pedido expresso do autor, caso contrário o valor será mantido.

Foi possível notar que há casos que justificam a condenação em montantes maiores, por exemplo, os valores muito acima da média existentes na Décima Câmara Cível, sendo justificado no acórdão o motivo de tal majoração fora da média geral.

Outra conclusão a que se chegou é que as câmaras cíveis aplicam valores pro-porcionais ao porte da empresa ré. Quando se tratava de empresas de porte menor o valor era inferior, e para empresas maiores os valores eram elevados. Os valores entre R$ 10 mil ou mais sempre foram utilizados para empresas de porte grande, por exemplo, as empresas de telefonia e os bancos.

Desta forma, para uma atuação perfeita perante os casos envolvendo danos morais por inscrição indevida em cadastros de maus pagadores o autor deve identificar primeiramente a espécie de réu com quem está litigando, os valores aplicados em primeiro grau e ainda se o valor aplicado por cada câmara cível está dentro dos patamares. Se o valor for próximo da média geral recomenda-se que evite o recurso, tendo em vista que correrá o risco de perder, e, por consequência, ter que pagar honorários advocatícios e demais despesas recursais, além de atrasar por longo período de tempo do recebimento da indenização.

rEfErêNCIAS

AGrEStI, Alan; FInLAY, Barbara. métodos estatísticos para as ciências sociais. In: Métodos estatísti-cos para as ciências sociais. Penso, 2012.

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LoEvInGEr, Lee. jurimetrics -the next Step Forward. Minn. L. Rev., v. 33, p. 455, 1948.tHEodoro junIor, Humberto. Dano Moral. 2. ed. São Paulo, 1999.

ANDrEI PAgNoNCEllI é mestrando em Gestão e desenvolvimento regional pela unIoEStE-Pr; pós-graduado pela Escola da magistratura do Paraná – EmAP e pelo Centro universitário Inter-nacional; Graduado em direito na Faculdade

mater dei – Pr.

MArINA zANIN é graduanda em direito pela Faculdade mater dei – Pato Branco – Pr.

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CASOS PRÁTICOS

Por eudes quintino de oliVeira Júnior

Circulou no noticiário que uma advogada aguardava sua vez na fila do caixa eletrônico, no interior de um shopping, quando outra correntista a sua frente acionou a máqui-na para fazer o saque e, em seguida, deu por encerrada a

operação, esquecendo-se, no entanto, de retirar o dinheiro solicita-do. Mais do que depressa a advogada, percebendo o dinheiro dispo-nibilizado a sua frente, saiu à procura da pessoa, porém não obteve êxito. Além de comunicar à administração do shopping, postou o caso na rede social Facebook com a frase “Alguém conhece alguém

Alguém conhece alguém que...

“A ética, na sua análise estrutural, nada mais é do que o costume, a tradição, ambos voltados para a moral. A ética não é acabada, é um pensamento em constante evolução, que, com o passar do tempo, vai se aperfeiçoando. Não é, por outro lado, o resultado de condutas codificadas, não se revoga, nem é derrogada. É resultado do próprio pensa-mento evolutivo do homem.”

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que...”, solicitando auxílio para localizar a proprietária do dinheiro, acentuando que o valor se encontrava em seu poder. O objetivo, no entanto, foi atingido pelas diligências realizadas pela administração do estabelecimento.

De quando em quando se publica notícia com a intenção de enobrecer a con-duta da pessoa que encontra determinada soma em dinheiro e providencia a resti-tuição ao proprietário, justamente por não ser um fato corriqueiro. Exemplos reti-rados da ocorrência popular, relatando uma conduta exemplar, cria uma imagem consistente e digna de imitação, pela simples capacidade de distinguir o certo e o errado. Fornece estabilidade e durabilidade de conceitos positivos, abrindo espaços para os mais jovens modelarem um caráter compatível com os princípios éticos e morais. Pode-se dizer que o homem se resume no próprio contexto de suas rela-ções sociais e, em razão do compromisso de convivência assumido, é o construtor do próprio mundo e de sua história individualizada.

“O indivíduo torna-se justo, corajoso, prudente”, sentencia Oliveira, “à proporção que, agindo, ele se “habitua” (adquire o hábito) ao que, na cidade, é eticamente justo, corajoso, prudente. A ação do indivíduo deita raízes no costume e no uso”.1

A sociedade trilha ou o caminho da excelência ou da própria estupidez humana, dependendo de seus valores e de suas virtudes morais. Não acredito que a lei, somente a lei, seja o caminho mais credenciado para levar o homem a ter uma vida inteligente, regrada pela honestidade e sabedoria. A lei é cogente e os prin-cípios éticos coletivos apresentam-se como a melhor opção. Realizam-se espon-taneamente, sem qualquer reserva ou restrição, com aplicação imediata e eficaz.

A honestidade da diligente advogada, na realidade, está contida na essência da ética, como sendo um dos braços de sua atuação. Assim, a ética, na sua aná-lise estrutural, nada mais é do que o costume, a tradição, ambos voltados para a moral. Seria, num linguajar mais liberal, a regularização moral e correta da conduta humana, passada de geração em geração, sempre procurando atingir os pontos harmônicos da convivência humana, facilitando a realização espontânea dos bons valores que permanecem como ideal de compartilhamento. A ética não é acabada, é um pensamento em constante evolução, que, com o passar do tempo, vai se aperfeiçoando. Não é, por outro lado, o resultado de condutas codificadas, não se revoga, nem é derrogada. É resultado do próprio pensamento evolutivo do homem.

Já do ponto de vista jurídico a conduta da zelosa advogada, apesar de todo esforço para localizar a proprietária do dinheiro, teria outra recomendação. Deveria, dentre as hipóteses nomeadas pelo legislador no artigo 169, parágrafo único, II, do Código Penal, entregar o dinheiro à autoridade competente, no prazo de 15 dias. Ora, percebe-se, até com certa facilidade, que o procedimento adotado por ela, consistente em divulgar pela rede social, que comumente atende com sobras pedido desta natureza, além da comunicação à gerência do estabelecimento, foi mais eficaz e atingiu o resultado pretendido, sem qualquer providência policial.

NoTA

1 oLIvEIrA, manfredo Araújo de. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993, p. 57.

EuDES quINTINo DE olIVEIrA JúNIor é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito Público, Pós-doutor em Ciências da Saúde, advogado, reitor da unorp.A

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DIREITO E FICÇÃO

Por alCilei da silVa raMos

Pai em dose dupla

“Ao tratarmos de temas dessa natureza ficamos cada vez mais longe daquele ideia de família que nossos antepas-sados sustentavam. O que temos hoje é a beleza colorida de um plural conceito de família. No final das contas, está-se deixando para trás qualquer rótulo outrora imposto, em que caminha-se para a frente com a única conceituação que realmente importa: a supervalorização do amor!”

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O filme “Pai em Dose Dupla” alcança seu propósito em nos divertir. Não posso dizer que é uma comédia com classificação acima da média, mas o confronto entre os personagens Brad (Will Farrel) e Dusty (Mark Wahlberg), de personalidades completamente opostas, acarreta mo-

mentos que indubitavelmente nos levam a algumas gargalhadas com as bizarri-ces em que se envolvem.

A aposta do filme é trabalhar com dois modelos: o do “pai preferido” e o do “padrasto dedicado”. O primeiro, pai biológico das crianças, embora guarde um carinho por elas, não tem a mínima responsabilidade na função de pai, e, portanto, interfere de maneira quase zero no processo de criação e desenvolvimento dos filhos. O segundo busca a aprovação das crianças a todo custo, para que o amem e o aceitem como parte da família, sendo extremamente responsável e amável com elas.

Ultrapassados os exageros risonhos do filme, chega-se um momento em que há uma indagação, até bem explícita: por que as crianças devem necessariamente “amar mais” um ou outro, ou ter que “escolher” entre o pai e o padrasto? Em minha opinião, isso é um tanto desumano para com as crianças, tendo em vista que o conceito de família há muito mudou. Estamos, hoje, diante de uma família extre-mamente plural, na qual o que importa é a demonstração do amor, do respeito e do afeto recíprocos entre seus entes.

Por outro lado, é bem interessante ver o núcleo da discussão. O foco do filme, de certa forma, é uma disputa que busca interesses assustadoramente egoísticos, uma vez que os filhos são mostrados mais como objeto de desejo e alcance, gerando a objetificação desses personagens. É evidente que a ideia do filme é nos fazer rir, mas esses detalhes não conseguem passar em branco, ainda mais com as últimas decisões exaradas por nossas cortes superiores.

Eu destacaria três decisões prolatadas no último ano, duas do STF e uma do STJ. O sentenciado no AR 1244 EI/MG, de relatoria da ministra Carmén Lúcia e julgado em 22/09/2016 trata do direito de reconhecimento de filiação biológica prevalecer sobre a presunção de paternidade. Neste julgado, foi discutido se a pre-sunção legal dos filhos nascidos durante o casamento poderia servir como obstá-culo para o indivíduo buscar a sua verdadeira paternidade. Bem, o STF entendeu que o filho tem direito de ter reconhecida a verdadeira filiação. Assim, mesmo que ele tenha nascido durante a constância do casamento de sua mãe e de seu pai registrais, ele poderá ingressar com ação de investigação de paternidade contra o suposto pai biológico. A suprema corte concluiu que raciocinar em sentido diverso seria contrariar os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, tornando o processo mero ato de força, formalizado em palavras, sem forma de direito e objetivo de justiça. Ademais, considerou que o fim de todos os procedi-mentos judiciais aos quais as partes se submetem é a realização da justiça, razão pela qual o procedimento, mais do que legal, deve ser justo.

Outro julgado do STF merecedor de destaque foi o visto no RE 898.060/SC, de relatoria do ministro Luiz Fux e julgado em 21 e 22/09/2016. Neste, foi discutido se a paternidade socioafetiva exime ou não a responsabilidade do pai biológico. O STF entendeu que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Esse assunto teve tanto destaque que provocou o interesse do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) a

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pleitear sua admissão como amicus curiae, a qual foi aceita pelo STF. Neste caso, em suma, o filho queria ser reconhecido como tal pelo pai biológico, sem, contudo, deixar de ser filho do seu pai de criação. Para explicitar, o que o filho de fato queria era a constância do nome dos dois pais em sua certidão de nascimento. Em sede de contestação, o pai biológico sustentou que o Direito brasileiro não admite a dupla filiação e que a paternidade socioafetiva deveria prevalecer em detrimento da biológica de forma que, se o autor não desejar anular a filiação socioafetiva, então a filiação biológica não deve ser reconhecida. Àquela altura, como já era de se esperar, a tese do réu não “colou” no STF, que reconheceu legítimo o pedido do autor por basicamente cinco motivos.

O primeiro motivo pautou-se no princípio da dignidade da pessoa humana e na proteção dos modelos de família diversos do tradicional. No campo do Direito de Família a dignidade confere ao indivíduo a possibilidade de escolha do formato da família que ele bem entender, de acordo com as suas relações afetivas interpes-soais, mesmo que elas não estejam previstas em lei.

O segundo motivo fez valer o direito à busca da felicidade, estritamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. O ministro Luiz Fux narrou a história

PAI EM DOSE DUPLAElenco principal: Will Ferrell, Mark Wahlberg, Linda Cardellini.Título Original: Daddy’s Homegênero: ComédiaDuração: 1h36minAno de lançamento: 2016Autor: Brian Burns

DIREITO E FICÇÃO

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que originou o reconhecimento da força normativa do direito à busca da felicidade, que foi o caso estadunidense Meyer v. Nebraska, de 1923. Segundo a conclusão à qual o ministro Fux chegou, a lição mais importante a ser extraída do caso é que nem mesmo em tempos de guerra, excepcionais por natureza, poderá o indivíduo ser reduzido a mero instrumento de consecução da vontade dos governantes, motivo pelo qual transportou para o Direito de Família que a busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face das tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. Terminou afirmando que é o Direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pes-soas e não o contrário.

O terceiro motivo apresentado foi que não há hierarquia entre a filiação biológica e a efetiva. Novamente, o ministro Fux se posicionou com mestria ao afirmar que:

não cabe à lei agir como o rei Salomão, na conhecida história em que propôs a divisão da criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos.

O quarto motivo alegou o conceito de pluriparentalidade, entendendo-se inca-bível nos dias de hoje dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe, sendo pos-sível que pessoas tenham vários pais.

O quinto e último motivo apresentado nta decisão refere-se à paternidade responsável. Entendeu-se que haveria uma afronta ao princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º da CF/88) se fosse permitido que o pai biológico ficasse desobrigado de ser reconhecido como tal pelo simples fato de o filho já ter um pai socioafetivo. Depreendeu-se que todos os pais devem assumir os encargos decor-rentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos, não só no âmbito do Direito de Família, mas também de sucessão.

Já no STJ o destaque foi a decisão prolatada pela 3ª Turma, no REsp 1.500.999/RJ, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e julgado em 12/04/2016. Neste, restou consignado que é possível o reconhecimento da paternidade socio-afetiva post mortem, ou seja, mesmo após a morte do suposto pai socioafetivo. Sedimentou-se que o filho poderá ajuizar uma ação declaratória pedindo que se reconheça a relação de paternidade socioafetiva entre ele e o pai socioafetivo já falecido. A socioafetividade é amparada em nosso ordenamento jurídico, com previsão no art. 1.593 do Código Civil. Tal entendimento enaltece a ideia de que o parentesco civil não advém necessariamente e exclusivamente da origem con-sanguínea, podendo frutificar-se da socioafetividade.

Ao tratarmos de temas dessa natureza ficamos cada vez mais longe daquele ideia de família que nossos antepassados sustentavam. O que temos hoje é a beleza colorida de um plural conceito de família. No final das contas, está-se deixando para trás qualquer rótulo outrora imposto, em que caminha-se para a frente com a única conceituação que realmente importa: a supervalorização do amor!

AlCIlEI DA SIlVA rAMoS é analista técnica da defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, advogada gra-duada em direito pela universidade Luterana do Brasil de Porto velho e pós-graduada em direito Civil e seus ins-trumentos de tutela pela rede de Ensino LFG.A

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A Constituição Federal brasileira determina, desde 1988, que o crime de tortura seja tratado com os rigores de crime hediondo, nos termos da lei (inteligência do art. 5º, XLIII, CF). Também deixa claro que devem respon-

der da mesma forma “os mandantes, os executores e os que, po-dendo evitá-los, se omitirem” (grifo nosso).

O mandamento constitucional de criminalização foi descumprido por vários anos, pois não havia previsão legal explícita de crime de

Omissão perante a tortura e inconstitucionalidade

omissiva

Por eduardo luiz santos Cabette

“Infelizmente, pretender aplicar de forma diversa o § 2º sob análise, enquanto redigido da forma como está, considerando sua inconstitucionalidade por insuficiência protetiva, não pode ser a solução, uma vez que o ajuste de uma infração à Constituição se daria por ao menos duas violações principiológicas ligadas diretamente à própria ordem constitucional (legalidade e “favor rei”).”

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tortura, propriamente dito, no Direito pátrio. A tortura somente aparecia no Código Penal como qualificadora do homicídio e como agravante genérica. Depois, veio a lume o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, criminalizando a tortura impingida às crianças e adolescentes. Porém, além de não poder ser considerado aquilo que o legislador esperava por ser somente aplicável a uma dada categoria de vítimas (crianças e adolescentes), padecia de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade estrita em razão de não descrever em que consistia a prática de tortura. Conforme aduz Ferrajoli (2002, p. 305):

o “Princípio da Legalidade Estrita” se distingue da “mera legalidade”, como uma regra me-tajurídica de formação da linguagem penal que para tal fim prescreve ao legislador o uso de termos de extensão determinada na definição de figuras delituosas, para que seja pos-sível a sua aplicação na esfera judicial como predicados ‘verdadeiros’ dos fatos processual-mente comprovados.

Inobstante o STF não ter chegado a reconhecer por seu Pleno a inconstitucio-nalidade do dispositivo, conforme o HC 70389, a doutrina aponta essa pecha ao dispositivo (FRANCO, 1994, p. 15). Isso tudo perde a importância quando a Lei nº 9.455/1997 foi editada revogando expressamente o art. 233 do ECA e prevendo os crimes de tortura de que tratava a Constituição Federal.

No que diz respeito às condutas comissivas há previsão incontestável de cinco crimes de tortura, de acordo com o art. 1º, I, “a”, “b” e “c”; II e § 1º, todos da Lei nº 9.455/1997. Contudo, o § 2º do art. 1º prevê o crime de “omissão perante a tortura”, com pena de detenção bem mais branda. Pois bem, este crime, segundo enten-dimento dominante, não constitui um típico “crime de tortura”, mas meramente uma espécie de “prevaricação especial”, de modo que não está sujeito a todos os rigores assemelhados aos conferidos aos demais crimes hediondos e equiparados, afora o tratamento sancionatório bem mais leve em comparação com os demais dispositivos do mesmo diploma.

Conforme salienta Borges (2004, p. 180-182), trata-se do que se convencionou chamar de “tortura imprópria”. Um “crime omissivo” que excepciona indevidamente a configuração de participação na tortura própria ou comissiva, a qual levaria o omitente a responder nas mesmas penas do autor como partícipe, na medida de sua culpabilidade.

Com a criação de um crime omissivo privilegiado na Lei de Combate à Tor-tura o legislador afastou a aplicação da “teoria monista” abraçada pelo art. 29 do Código Penal (CP) e adotou, excepcionalmente, a “teoria pluralista” do concurso de agentes. Ou seja, por não existir a previsão do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, aquele que se omitisse dolosamente ante a prática da tortura responderia, junta-mente com o torturador, na medida de sua culpabilidade (inteligência do art. 29, CP). Ademais, não se trataria de crime omissivo próprio, mas de crime comissivo por omissão, e esta (omissão) seria relevante na medida em que o omitente teria o dever jurídico de agir nos estritos termos do § 2º do art. 13, “a”, do CP. Mas com a criação do tipo penal privilegiado isso já não é possível, pois o omitente é bene-ficiado pela norma mais branda.

Por integração da Lei nº 9.455/1997 com o art. 13 do CP, Gonçalves (2001, p. 94-95) entende que aquele que devia “evitar” a tortura e não o faz responde como partícipe no crime de tortura respectivo e não nas penas mais brandas do § 2º.

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Somente poderia ser aplicado o dito § 2º, quando, após a tortura, aquele que tem o dever de “apurar” o crime não o faz deliberadamente. Contudo, assevera o autor que o § 2º, embora integrante da Lei nº 9.455/1997, não constitui uma modalidade de “crime de tortura”, mas um mero crime omissivo. Tanto é assim que a ele não se aplica o regime inicial fechado previsto no § 7º do art. 1º do mesmo diploma.

Retornando a Borges, este também cita o equívoco legislativo em tratar a omissão no “evitar” e a omissão na “apuração” no mesmo tipo privilegiado, em confronto com a vontade do legislador, o qual manda tratar igualmente aquele que pratica a tortura e aquele que perante ela se omite. Porém, reconhece que o legislador ordi-nário, à revelia do constituinte, criou “uma figura privilegiada para os omitentes” BORGES, 2001, p. 181-182).

Na mesma senda, embora criticando a brandura da lei perante os omitentes, se manifesta Nucci (2006, p. 740-741), inclusive levando em conta a necessidade da relevância da omissão nos termos do § 2º do art. 13 do CP, mas admitindo que a descrição típica privilegia tanto quem deve “evitar” como quem deve “apurar” a tortura.

Também reforça as fileiras críticas ao dispositivo e à opção do legislador em desprezar o § 2º do art. 13, e o art. 29 do CP Ricardo Antonio Andreucci (2007, p. 387), ao defender a necessidade de discussão no “plano teórico” quanto “ao trata-mento mais brando que a lei ordinária confere ao omitente”.

Por seu turno, Bechara (2005, p. 110-111) afirma que o crime previsto no § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997 “não é de tortura propriamente dito”, mas um crime omissivo que ainda depende do dever jurídico de quem se omitir em “evitar” ou “apurar” os crimes de tortura (inteligência do § 2º do art. 13 do CP). O mesmo autor ainda admite uma interpretação conforme a Constituição, afastando o tipo privile-giado se o omitente agir com dolo de não evitar a tortura, e não simplesmente em conduta “negligente”. Nesse caso, responderia como partícipe do crime de tortura e não por mera omissão perante a tortura. Afirma o autor que tal interpretação se coaduna com o “disposto no art. 5º, XLIII da CF”.

A lamentável realidade é que o legislador ordinário atribuiu tratamento privi-legiado indistinto a todo omitente, ao arrepio do dispositivo constitucional (art. 5º, XLIII, CF), especialmente quando este, em sua parte final, determina a punição idêntica àqueles que podendo evitar a tortura se omitem. A situação é lastimável, mas há uma nítida exceção ao disposto nos arts. 29 e 13, § 2º do CP, afastando-se qualquer possibilidade de incriminação do omitente por crime de tortura por via de participação. Essa interpretação, embora com toda boa intenção de cumprir o ditame constitucional, iria ferir outros dispositivos, que seriam o “princípio da legalidade” e a regra do “favor rei”. Não é violando as garantias constitucionais por excesso punitivo que se pode consertar uma violação da Constituição por via de insuficiência protetiva. A omissão do legislador ordinário quanto ao tratamento adequado àquele que ficar inerte perante a prática da tortura quando tinha o dever jurídico de agir enseja uma sugestão “de lege ferenda”, ou seja, uma indicação de necessária e urgente reforma da lei ordinária a fim de harmonizá-la com a Cons-tituição Federal. Bastaria a simples eliminação do § 2º do art. 1º da Lei de Tortura, ou então a sua reescrita, afirmando a responsabilização nas mesmas penas do torturador em relação àquele que se omitir, seja em evitar ou em apurar a tortura. Esta última opção seria certamente a melhor, porque deixaria estreme de dúvidas a opção legislativa de rigor punitivo idêntico ao omitente.

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Note-se que não é somente o art. 5º, XLIII da CF que é golpeado com o disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997. A legislação internacional acatada pelo Brasil também indica que o omitente deve responder por tortura, e não por um crime menos gravoso. Nessa medida, pode-se dizer que há inconstitucionalidade e inconvencionalidade por insuficiência protetiva do legislador ordinário brasileiro. A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1989, estabelece a responsabilização por tortura de todo funcio-nário ou empregado público que, atuando nessa qualidade, podendo impedir a tortura, “não o façam” (art. 2º, “a”). Novamente, é preciso ter em mente, conforme a lição de Cambi (2009, p. 226), que os direitos fundamentais estão sujeitos a uma “proibição de excesso”, quando sofrerem uma excessiva restrição, mas também estão submetidos a uma “proibição de insuficiência”, sempre que se constate que um direito fundamental esteja “insuficientemente protegido”.

Como bem acentua Greco (2016, p. 160), a meta da legislação internacional, que certamente deve influir na conformação interna da legislação brasileira, não é somente limitada à punição da prática já consumada da tortura, mas tem por finalidade precípua “evitar” ou “impedir” a ocorrência dessa atuação deletéria para a dignidade humana, ao lecionar que:

o Alto Comissariado das nações unidas para os direitos Humanos, em cooperação com a International Bar Association, em conclusão ao capítulo 2 do Manual de Direitos Humanos para Juízes, membros do Ministério Público e Advogados, estabeleceu uma série de compor-tamentos que deveriam ser assumidos pelos estados a fim de evitar a tortura, bem como as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (grifos nossos).

E também o mesmo Greco (2016, p. 209)1 tece sua crítica ante a conformação do crime omissivo de forma mais branda, e não considerado como uma espécie de participação na tortura:

no entanto, por mais incrível que isso possa parecer, a autoridade que tinha que tinha o dever de impedir o ato responderá pelo crime com pena significativamente menor, ou seja, ao invés de responder como ocorreria, normalmente, se fosse aplicado o § 2º. do art. 13 do Código Penal, pelas mesmas penas do crime que devia e podia, mas não tentou evi-tar, a ele será cominada uma pena de detenção de um a quatro anos, ou seja, a metade da pena prevista para aquele que comete diretamente a tortura.

Evelyn Gomes de Lima (2016, p. 11) também é veemente ao manifestar-se sobre o tema:

Percebe-se claramente que a imposição de penas mais brandas a quem comete tortura por omissão é uma afronta direta ao desejo do constituinte de evitar qualquer tipo de complacência aos atos referentes à tortura, pois com essa pena, o condenado faz jus, in-clusive, aos benefícios da suspensão condicional do processo, sursis e substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Malgrado toda a clareza solar indicada pela doutrina quanto à inconstitucio-nalidade por insuficiência protetiva do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, é pre-ciso salientar que o STJ, no REsp 1.163.756, decidiu pela constitucionalidade do

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dispositivo. O que dizer diante disso? Talvez somente lembrar a frase impactante do impagável Mário Quintana (2000, p. 53) ao afirmar que “Dizem que a Justiça é cega. Isso explica muita coisa [...]”.

No mínimo, pode-se apontar que tanto em relação ao legislador ordinário quanto ao “decisum” sofrível do STJ aquilo que Figueiredo Dias (2007, p. 636) nominou de “daltonismo da consciência ética”, embora se entenda que a razão maior esteja na cegueira apontada tão magistralmente por Quintana.

Enfim, o único caminho, conforme já apontado, é uma sugestão “de lege ferenda” para remoção simples do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, deixando agirem os arts. 29 e 13, § 2º do CP ou, talvez melhor, consignar na Lei de Combate à Tortura que os omitentes responderão nas mesmas penas dos autores diretos da tortura, na medida de sua culpabilidade e de acordo com o art. 5º, XLIII da CF, não deixando qualquer margem de dúvida. Infelizmente, pretender aplicar de forma diversa o § 2º sob análise, enquanto redigido da forma como está, considerando sua incons-titucionalidade por insuficiência protetiva, não pode ser a solução, uma vez que o ajuste de uma infração à Constituição se daria por ao menos duas violações principiológicas ligadas diretamente à própria ordem constitucional (legalidade e “favor rei”).

NoTA

1 GrECo,2016, Op. cit., p. 209. o autor ainda apresenta os escólios de Cunha, delmanto, del-manto júnior e Almeida delmanto. Cf. CunHA, rogério Sanches “et al.” Legislação Criminal Es-pecial. 2. ed. São Paulo: rt, 2010, p. 1057. dELmAnto, roberto; dELmAnto jÚnIor, roberto; dELmAnto, Fábio m. de Almeida. Leis Penais Especiais Comentadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 426-427.

rEfErêNCIAS

AndrEuCCI, ricardo Antonio. Legislação Penal Especial, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. BECHArA, Fábio ramazzini. Legislação Penal Especial, São Paulo: Saraiva, 2005. BorGES, josé ribeiro. Tortura, Campinas: romana jurídica, 2004. CAmBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. São Paulo: rt, 2009. CunHA, rogério Sanches et al. Legislação Criminal Especial, 2. ed. São Paulo: rt, 2010. dELmAnto, roberto; dELmAnto jÚnIor; roberto, dELmAnto; Fábio m. de Almeida. Leis Penais

Especiais Comentadas, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. dIAS, jorge de Figueiredo. Direito Penal. tomo I. São Paulo: rt, 2007. FErrAjoLI, Luigi. Direito e Razão, trad. Ana Paula Zomer, et. al. São Paulo: rt, 2002. FrAnCo, Alberto Silva. Crimes Hediondos, 3. ed. São Paulo: rt, 1994. GonçALvES, victor Eduardo rios. Crimes Hediondos, Tóxicos, Terrorismo, Tortura, São Paulo: Saraiva,

2001. GrECo, rogério. Leis Penais Especiais Comentadas – Crimes Hediondos e Tortura, niterói: Impetus,

2016. LImA, Evelyn Gomes de. A relevância da omissão de funcionário público perante atos de tortura no

ordenamento jurídico brasileiro. Boletim IBCCrim. n. 289, p. 9 – 11, dez., 2016. nuCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, São Paulo: rt, 2006. quIntAnA, mário. Da preguiça como método de trabalho, 4. ed. São Paulo: Globo, 2000.

EDuArDo luIz SANToS CAbETTE é delegado de Polícia, mestre em direito Social, Pós-graduado em direito Penal e Criminologia, professor de direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós-graduação do unisal e membro do Grupo de Pesquisa de Ética e direitos Fundamentais do Programa de mestrado do unisal. A

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PRÁTICA DE PROCESSO

Novos deveres do juiz no julgamento

de recursos

Por Jansen Fialho de alMeida

“Hoje, o juiz deverá prestar as informações se reconside-rar a sua decisão, ou de alguma forma a reformar ou vis-lumbrar importante fato novo para conhecimento do Tri-bunal, e ainda se proferir sentença antes do julgamento do recurso. Poderá o relator em situações pontuais requisitar informações, caso entenda necessário, especificando-as.”

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O presente texto busca trazer algumas alterações pontuais no conhecimento e julgamento dos recursos em virtude da entrada em vigor do novo Código de Pro-cesso Civil. De início, cabe ao relator, antes de considerar inadmissível o recurso, propiciar que seja sanado o vício ou complementada a documentação (parágrafo único do art. 932). Neste particular, o legislador acolheu os anseios de milhares de advogados em prol dos jurisdicionados, isso porque muitos recursos não eram conhecidos e julgados no mérito por ausência de uma cópia de procuração ou um “carimbo”, certidão etc.

De igual modo, a não comprovação do preparo ou sua insuficiência agora podem ser supridas (art. 1007). Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez ressalva na aplicabilidade destes dispositivos, interpretando em conjunto com o art. 1029, § 3º, decidindo que nos recursos de sua competência somente será concedido prazo para que a parte sane vício estritamente formal (Enunciado Administrativo nº 6).

Outras mudanças extremamente importantes foram o dever de o tribunal, ao examinar a apelação, julgar o processo quando der provimento nos casos do art. 485 (em que o juiz sentencia sem resolver o mérito), ou decretar a nulidade da sentença com fundamento no princípio da congruência (seja quanto aos limites do pedido ou causa de pedir) ou ainda omissão no julgado (citra petita); decretar a nulidade por falta de fundamentação, bem como, ao reformar a decisão que reconheça a prescrição ou a decadência, se possível, analisar o mérito (art. 1013).

Em resumo, e isto precisa ficar cristalino na mente dos operadores do Direito, principalmente nos tribunais de apelação, que ao se cassar uma sentença, seja de resolução do mérito ou não, deverá proferir-se outra, e jamais devolver ao juízo “a quo” para que se faça novo julgamento. As assessorias de segunda instância e escolas dos tribunais devem criar cursos para que se rememore a prolação técnica na elaboração de sentenças monocráticas.

No cerne perdiam-se anos com esse procedimento dos tribunais, não obstante o retorno à instância de primeiro grau para rejulgar o processo que, na verdade, estava punindo a parte, ora jurisdicionado, com a morosidade e burocracia na prestação da Justiça. O princípio da razoável duração do processo, com decisão de mérito justa e efetiva, agora está sendo rigorosamente obedecido (art. 4º do CPC e art. 5º, LXXVIII da CF).

Noutro giro, o agravo de instrumento sofreu modificação substancial. Antes, se podia agravar de quase tudo no processo, retardando a atividade satisfativa da tutela jurisdicional. Na nova concepção, as hipóteses de cabimento de AGI das decisões interlocutórias são “numerus clausus”, previstas no art. 1015. Neste aspecto devem os tribunais se ater a nova regra e dar a interpretação literal, con-forme a vontade do legislador originário, inadmitindo-se a abertura de exceções não elencadas no Código.

Tanto é verossímil que o próprio dispositivo acima citado, além dos casos indi-cados nos incisos I a XII, só prevê no inciso XIII o seu cabimento em “outros casos previstos em lei”, por exemplo, leis especiais do mandado de segurança, ação civil pública, ação popular. Excepciona dessa forma também contra decisões interlo-cutórias proferidas em fase de liquidação de sentença, cumprimento de sentença, processo de execução e de inventário (parágrafo único do art. 1015).

As decisões que deferem ou indeferem provas oral ou pericial, salvo se reque-ridas no bojo daquelas constantes no permissivo legal, não são mais agraváveis sequer na via da impugnação pelo agravo retido (excluído do NCPC). Contudo, não

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se opera a preclusão, devendo ser suscitada em preliminar de apelação, eventual-mente interposta (art. 1009, § 1º).

Um ponto a ser observado diz respeito a saber qual recurso caberia da decisão interlocutória em que o juiz declinar da competência para processar e julgar o processo, por entender absoluta (§ 1º do art. 64), especialmente quando receber a petição inicial. A decisão não é agravável, como anteriormente demonstrado, por falta de prescrição legal. Aguardar para que se decida qual o juízo competente em preliminar de apelação não se coaduna com a celeridade processual adotada pelo legislador.

Em realidade, não cabe realmente recurso algum, e isso se justifica em razão de a jurisdição ser una e a parte não escolher o juízo que melhor lhe agrade, todavia lhe é destinado o denominado “juiz natural”, segundo disposição constitucional e outras normas legais (art. 44).

Cuidando-se de decisão que não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF e art. 3º do CPC), apenas tem o condão dilatório da prestação jurisdicional, pois o Juízo, em tese, incompetente, remete os autos ao Juízo competente para julgar a ação, sendo inadmissível o recurso de agravo de instrumento.

Na linha, se o juízo declinado não concordar com a decisão poderá suscitar conflito negativo de competência (art. 66, II, e parágrafo único), assim como o poderá qualquer das partes e o Ministério Público, competindo ao órgão do res-pectivo tribunal julgar o conflito (art. 951).

Obviamente, se a decisão for manifestamente teratológica que cause dano irre-parável caberá ao prejudicado impetrar mandado de segurança contra o ato ilegal e abusivo, mas sempre excepcionalmente.

É de se destacar, por importante, que o novo CPC deu validade e eficácia às decisões proferidas por Juízo absolutamente incompetente, conservando-as, até que outra seja proferida, se for o caso, pelo Juízo competente (§ 4º do art. 64). Dessa maneira, em casos isolados e peculiares se pode, mesmo o Juízo se declarando absolutamente incompetente, com esteio no poder geral de cautela, deferir a tutela para sufragar dano iminente ou irreparável, para futura ratificação ou modificação pelo competente. O mesmo procedimento poderá fazer o Juízo suscitado, caso entenda similarmente não ser o competente para dirimir a controvérsia.

Mantendo o foco no princípio da celeridade recursal, não existe mais preceito legal para que o relator do recurso de agravo de instrumento requisite informações ao juiz da causa. Esse cenário foi extirpado do código (art. 1019). O prazo era de 10 dias, e protelava o julgamento sem qualquer necessidade. Hoje, o juiz deverá prestar as informações se reconsiderar a sua decisão, ou de alguma forma a reformar ou vislumbrar importante fato novo para conhecimento do Tribunal, e ainda se proferir sentença antes do julgamento do recurso. Poderá o relator em situações pontuais requisitar informações, caso entenda necessário, especificando-as.

Enfim, essas modificações legislativas, com o tempo, demonstrarão a amplitude da revolução do processo civil, dentro de uma dinâmica e coerência de postulados jurídicos adotados.

JANSEN fIAlho DE AlMEIDA é juiz de direito do tjdFt, titular da terceira vara da Fazenda Pública e membro da comissão de juristas que elaborou o novo CPC.A

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74 revista PrÁtiCa FOreNse - Nº 02 - FevereirO/2017

PRÁTICA DE PROCESSO

Decisões interlocutórias e o agravo de instrumento

nos juizados especiais cíveis

Por luiz FeliPe de oliVeira rodrigues

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É cada vez mais frequente a propositura de ação com pedido de tutela de urgência nos Juizados Especiais Cíveis, vinculando os juízes que exer-cem a judicatura nestes órgãos a analisarem os referidos pleitos ime-diatamente à propositura do processo, proferindo, assim, as chamadas

decisões interlocutórias. Analisando a Lei nº 9.099/1995, a qual rege os procedimentos dos Juizados Espe-

ciais Cíveis, verifica-se que o procedimento nela descrito,de uma forma bastante transparente, visa dar efetividade à tutela jurisdicional do interessado, fazendo com que a parte saia satisfeita com a concessão do direito almejado em curto espaço de tempo. Não pode-se ter outra conclusão, já que a própria lei estabelece como princípios a serem seguidos a celeridade, a economia processual, a simplicidade, a informalidade e a oralidade (art. 2º).

Por sua vez, importa destacar quea Lei nº 9.099/1995 determina que a compe-tência deve ser auferida pela complexidade da causa, a fim de evitar maior dispêndio de tempo para o julgamento, especificando o legislador as hipóteses das chamadas “causas de menor complexidade”, consideradas: as cujo valor não exceda a qua-renta vezes o salário mínimo; as do extinto procedimento sumário do CPC/1973; as de despejo para uso próprio; e as possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos (art. 3º e incisos).

Nota-se ainda que em processo instituído pela Lei nº 9.099/1995 não poderá haver qualquer tipo de intervenção de terceiro nem de assistência, admitindo-se somente o litisconsórcio, cabendo a manifestação do Parquet nas hipóteses pre-vistas em lei.

“Uma decisão judicial que pode trazer inúmeros prejuízos para uma parte não deve ficar à mercê de uma análise posterior. Se o caso é de extrema urgência, capaz de fazer o juiz deferir de plano uma medida (repisa-se, em sede interlocutória), não é crível pensar em mitigar da parte a possibilidade de recorrer da decisão.”

As normas descritas na Lei nº 9.099/1995, demonstram que buscam inces-santemente analisar causas com a maior efetividade possível. No Direito brasi-leiro, conforme é notório e sabido, o maior problema que as partes enfrentam é justamente a efetividade da tutela, pois mesmo que haja a outorga da tutela não raras vezes o objeto,diga-se bem da vida, já se deteriorou. Nesse norte, os juizados especiais funcionam como uma “válvula de escape”, fazendo com que ações de menor complexidade sejam julgadas em espaço de tempo mais curto, de forma ágil, célere, efetiva e escorreita, concedendo o direito àquele que tem o interesse jurisdicional.

Infere-se que no procedimento descrito na referida lei o juiz de primeiro grau deveria atuar somente na audiência de instrução, já que na prática forensehá a participação maciça de conciliadores e juízes leigosna audiência de conciliação.

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PRÁTICA DE PROCESSO

É o que se conclui das normas da própria legislação. Isto porque observa-se que, restando a conciliação infrutífera e não sendo instituído o juízo arbitral, serão realizados imediatamente a instrução e o julgamento da causa, sendo analisadas todas as alegações, ouvidas as testemunhas, se houver, as partes e, logo após, pro-ferida a sentença, dando primazia ao princípio da oralidade. Verifica-se ainda que serão decididos de plano todos os incidentes processuais, devendo as partes se manifestarem sobre as provas apresentadas. Esta é a dicção das normas previstas nos artigos 27 a 29, e demais disposições pertinentes.

Diante do exposto, de uma forma bastante transparente, verifica-se que o juiz de primeiro grau só se manifestará na instrução e na sentença, o que impossibi-litará a análise de qualquer pedido anterior ao provimento final da tutela. E não poderia ser diferente, pois havendo a necessidade de análise inaudita altera pars, a parte interessada pode se valer do procedimento comum, afinal a opção pelo procedimento previsto na Lei nº 9.099/1995 é facultativo.

No entanto, conforme destacado anteriormente, é cada vez mais comum haver pedidos que visem à técnica antecipatória, como forma de evitar danos à parte interessada, fazendo com que o juiz que antes somente atuaria na instrução e na sentença realize juízo de valor, proferindo decisão de cunho interlocutório. Ade-mais, além da decisão o juízo deverá determinar medidas que efetivem a medida imposta, estabelecendo uma multa diária, por exemplo.

A discussão se torna relevante se considerarmos que a decisão interlocutória nos juizados especiais é irrecorrível, em um primeiro momento, fazendo com que a medida delineada seja cumprida. Decerto, há uma efetividade muito grande, cumprindo em parte o que preconiza a Lei nº 9.099/1995.

Ocorre que a decisão do Juízo de primeiro grau, respeitado o entendimento do julgador, pode conter vícios e ser contrária à jurisprudência dos tribunais pátrios, trazendo inúmeros prejuízos à parte a quem a decisão for dirigida. Nesse sentido, verifica-se que não há medida jurídica cabível que resolva a questão de forma imediata.

Perceba-se que na legislação analisada as interlocutórias são irrecorríveis, devendo a parte que se sentir prejudicada se valer somente do famigerado recurso inominado, pois, conforme é cediço, não há preclusão das decisões proferidas em caráter antecipatório.

Diante deste cenário, suponhamos o exemplo muito comum nos juizados espe-ciais em que um consumidor propõe uma ação declaratória de inexigibilidade de débito, combinado com dano moral e tutela urgência para retirada do seu nome dos cadastros restritivos de crédito. O juiz de primeiro grau determina a retirada do nome dos cadastros restritivos de crédito, sob pena de multa diária. Há uma certa dissonância entre o valor fixado pelo juízo a quo, e o bem da vida em discussão, o que ocasionaria, em regra, a interposição do recurso de agravo. Sendo certo que a decisão é irrecorrível em um primeiro momento, a parte à quem é dirigida a obrigação, somente poderia se valer do recurso inominado para refutar a decisão imposta. Por algum motivo a parte não cumpre a obrigação, ou demora a cum-prir, alcançando a multa diária um montante teratológico, superando em muito o teto dos juizados. Na sentença de mérito, o juízo confirma a decisão interlocutória imposta, fazendo-se valer da eficácia da medida coercitiva imposta.

Dado o exemplo, infere-se que a parte devedora da obrigação, conforme salien-tado, somente poderia se valer do recurso inominado para mudar a decisão, o que

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já lhe traz inúmeros prejuízos, principalmente de ordem material, haja vista ser devedora de uma obrigação às vezes muito grande.

Sempre é bom lembrar que nas medidas coercitivas de cunho financeiro (multas, por exemplo) não há uma determinação específica para o juiz seguir, trazendo-lhe uma certa discricionariedade no momento da sua fixação.

Ressalta-se que, mesmo em sede de juizados especiais, a execução da multa diária poderá ser feita antes do trânsito em julgado, conforme o Enunciado 120 do Fórum Nacional de Juízes Estaduais(Fonaje).

Diante do cenário estabelecido (frise-se, muito comum nos juizados), pergunta-se: qual seria a medida mais cabível à parte a quem for dirigida a obrigação?

Muito se tem discutido, e as decisões são diversas.Se é certo que o juiz profere uma decisão e, sendo ela irrecorrível em um primeiro momento, a parte poderá se valer demandado de segurança para fazer frente à decisão de primeiro grau. Em que pese algumas decisões em sentido contrário, não se pode utilizar man-dado de segurança como sucedâneo recursal, pois ocorreria teratologia. Afinal, o remédio constitucional, conforme é cediço, tem finalidade de tutelar direito líquido e certo, sendo a prova constituída o que traz certa incongruência na apli-cação para reverter decisões interlocutórias. Inclusive, é importante notar que na prática forense há certa banalização na utilização do referido instrumento. Logo, totalmente inviável é a impetração do mandamus nas decisões interlocu-tórias acima referidas.

Por sua vez, há quem entenda ser correta a utilização da reclamação constitu-cionalpara dar efetividade às decisões proferidas pelos tribunais constitucionais. Aqui, não demanda maiores indagações, já que este meio autônomo de impug-nação somente é cabível se houver aplicação diferente da fixada em súmula, juris-prudência com repercussão geral, etc. A aplicação da reclamação constitucional é muito específica, e havendo a caracterização é plenamente possível. Mas, mesmo assim, não resolve o problema.

A medida mais escorreita para colmatar a lacuna é a interposição do recurso do agravo, imediatamente ao deferimento da medida de tutela de urgência.

Malgrado não haver previsão legal, e a jurisprudência ser maciça no sentido de irrecorribilidade das referidas decisões, conclui-se que havendo análise de pedido liminar é plenamente possível a interposição do recurso de agravo, devendo ser superado qualquer argumento em sentido contrário. Uma decisão judicial que pode trazer inúmeros prejuízos para uma parte não deve ficar à mercê de uma análise posterior. Se o caso é de extrema urgência, capaz de fazer o juiz deferir de plano uma medida (repisa-se, em sede interlocutória), não é crível pensar em mitigar da parte a possibilidade de recorrer da decisão.

Ainda que haja argumentação no sentido de que a interposição de agravo das interlocutórias nos juizados especiais está em total dissonância com as regras básicas do procedimento, certo é que a análise da liminar também está. Logo, se é plenamente aceito que haja análise de decisão, mesmo que em sede liminar, também haveria a possibilidade da interposição do recurso de agravo, a fim de ser reanalisada qualquer injustiça em decisões.

luIz fElIPE DE olIVEIrA roDrIguES é advogado, bacharel em direito pela Faculdade maringá (Pr), pós-gra-duando em direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Paranaense de Ensino (Pr).A

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ESPAÇO ABERTO

Não podemos nos esquecer do PNE

Por Mozart neVes raMos

Não existe mágica para resolver os inúmeros desafios da educação brasileira. Há problemas que se arrastam no tempo, como os baixos salários dos professores, a ausência de um plano de carreira atrativo, a formação inicial que não prepara adequadamente os futuros mestres para o chão de escola, o currículo distante

das novas demandas do século XXI e a sala de aula que se assemelha à do século XIX. Todas essas questões estão, de certa forma, devidamente contempladas nas vinte metas

do Plano Nacional de Educação (PNE). Portanto, colocá-lo em prática é, sem dúvida, o melhor caminho para enfrentá-las. Mas a sensação que temos é de que o PNE começa a perder fôlego, seja em função da grave situação econômica pela qual passa o país, seja por uma agenda política complexa que, de certa forma, tira o foco da sociedade para se mobi-lizar pela sua execução.

Um aspecto importante que não pode ser negligenciado diz respeito às análises do Ins-tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que devem ser produzidas a cada dois anos, mostrando como se encontra o cumprimento das metas do PNE, em consonância com o art. 5º, § 2º do próprio plano.

As metas do PNE previstas para este ano já não serão cumpridas. Refiro-me em parti-cular à universalização do acesso à escola dos alunos de 4 a 17 anos. Por exemplo, a oferta de 4 a 5 anos de idade, relativa à pré-escola, vem crescendo dois pontos percentuais, em média, desde 2012. A última taxa é de 2014, e corresponde a 89,1%. Mantido esse cresci-mento, o país não alcançará a meta. Mais distante ainda de alcançar será a meta de colocar na escola os jovens de 15 a 17 anos, cuja taxa de matrícula é de apenas 82,6%. Atualmente, há um contingente de 1,7 milhão de jovens nessa faixa etária fora da escola.

O novo ensino médio, por sua vez, pode ter uma influência positiva no enfrentamento não só dessa situação relativa ao acesso, mas também no que se refere à aprendizagem escolar adequada e à sua conclusão na idade certa. Mas é preciso formar professores adaptados a implantação de escolas de tempo integral. Isso significa torná-los aptos para desenvolver seus alunos de acordo com as novas habilidades relativas ao século XXI, como o trabalho colabora-tivo, o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de estarem abertos ao novo – contri-buindo para que os jovens possam trilhar o seu plano de vida com autonomia e protagonismo.

A questão da alfabetização das crianças já deveria ter sido superada – mas 35% delas ainda não sabem escrever adequadamente ao concluir o ciclo de alfabetização. Formar alfabetizadores e valorizá-los é fundamental para o enfrentamento dessa questão, que é a pedra angular da educação brasileira.

Uma meta precisa ser a essência de tudo: professores bem formados e valorizados. O país precisa de um plano para atrair os jovens para a carreira do magistério. Sem bons pro-fessores, não teremos futuro. Se o plano tornar isso possível, vamos poder dizer que, de

fato, esse foi um PNE para valer.

MozArT NEVES rAMoS é diretor do Instituto Ayrton Senna. Foi reitor da uFPE, secretário de Educação de Pernambuco e membro do Conselho nacional de Educação.

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Os artigos compilados nesta obra retratam algumas das infindáveis dis-cussões acerca da relação entre os seres humanos e os animais, enfren-tando os principais desafios bioéticos e jurídicos oriundos dessa delicada convivência. Instiga ainda, o leitor a realizar reflexões acerca de temas polêmicos e que necessitam de uma análise mais acurada para que o Poder Judiciário tenha subsídios no julgamento de litígios que versem sobre os temas abordados.

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ANIMAIS BIOÉTICA E DIREITO

Tereza Rodrigues VieiraCamilo Henrique Silva

Coordenadores