Pesquisa Teórica em Psicologia · 2018-08-09 · Introdução » A necessidade da pesquisa...

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Pesquisa Teórica em PsicologiaAspectos Filosóficos e Metodológicos

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Organizadores

Caro Li na LaurentiPsicóloga, doutora em Fiiosofia peLa Universidade Federai de São Carios e professora do Departa­mento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.laurenticarol@gmaÍ!.conn

Carlos Eduardo LopesPsicólogo, doutor em Filosofia pela Universidade Federa! de São Carlos e professor do Departamento de Psicologia da Univers:dade Estadual de Maringá, caed Lopes@gm a i Lcom

Saulo de Freitas AraújoPsicólogo, doutor em. Filosofia pela Universidade de Campinas/Umversitàt Leipzig e professor do De­partamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected]

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Carolina Laurenti Carlos Eduardo Lopes Saulo de Freitas Araujo (Orgs.)

Pesquisa Teórica em PsicologiaAspectos Filosóficos e Metodológicos

NUHFIP hogrefe

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Copyright © 2016 Hogrefe CETEPP

Editora: Cristiana Negrão Capa: Oscar VilaDiagramação: Claudio Braghini Junior Preparação: Patricia Almeida Revisão: Leticia Teóíilo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Pesquisa teórica em psicologia: aspectos filosóficos e metodológicos / Carolina Laurenti, Carlos Eduardo Lopes, Saulo de Freitas Araújo, (orgs.). — São Paulo: Hogrefe CETEPP, 2016.Vários autores.Bibliografia.

ISBN 978-85-85439-25-5

1. Psicologia - Filosofia 2. Psicologia - História 3. Psicologia - Teoria, métodos etc. I. Laurenti, Carolina. II. Lopes, Carlos Eduardo. III. Araujo, Saulo de Freitas.

16-03198 CDD-150.1

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) índices para catálogo sistemático:

1. Psicologia : Aspectos filosóficos e metodológicos 150.1

Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Lingua Portuguesa.Todos os diretos desta edição reservados à

Editora Hogrefe CETEPPR. Comendador Norberto Jorge, 30Brooklin, São Paulo - SP, BrasilCEP: 04602-020Tel.: +55 11 5543-4592www.h ogrefe. com. br

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qual­quer forma ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocó­pias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita.ISBN: 978-85-85439-25-5

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Sumário

Introdução.................................................................................................... 7

Relações entre pesquisa teórica e pesquisa empírica em psicologia.....15

Metodologia da pesquisa conceituai em psicologia.................................41

Fontes de confusão conceituai na psicologia........................................... 71

A integração entre a história da psicologia e a filosofia dapsicologia como programa de pesquisa teórica........................................95

A investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos: breves considerações metodológicas..................................................................125

Biografia científica e pesquisa teórica da historiografia da psicologia....147

Sobre os autores.......................................................................................167

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Introdução»

A necessidade da pesquisa teórica em psicologia

O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas. Uma delas foi resumida na famosa constatação de Wittgenstein, segundo a qual na psico­logia existem métodos experimentais e confusão conceituai. Passado mais de meio século, o “diagnóstico” de Wittgenstein pode ser atualizado: na psicologia há métodos experimentais e não experimentais, e ainda muita confusão conceituai. Em outras palavras, o que parece ter mudado de lá para cá foi tanto a proliferação de estratégias ou procedimentos metodo­lógicos quanto o agravamento, ou pelo menos a manutenção, da confusão conceituai. Por quê?

A pergunta não deixa de ser intrigante. Afinal, uma concepção progressista de história cria a expectativa de que quanto mais uma ciência avança, meno­res seriam seus problemas, inclusive os de natureza conceituai. De acordo com essa perspectiva, o argumento de que os problemas da psicologia de­correm do fato de ela ainda ser uma ciência jovem parece cada vez menos adequado - pelo menos quando se entende que a maturidade de uma ciência é aferida pelo grau de aprimoramento de procedimentos metodológicos em pesquisas empíricas. No caso da psicologia, é inegável que nas últimas dé­cadas houve uma ampliação das formas de produção de conhecimento no campo da pesquisa empírica, como o desenvolvimento de sofisticadas fer­ramentas estatísticas e o aperfeiçoamento das chamadas metodologias qua­litativas. No entanto, ao invés de resolver os problemas da psicologia, esse desenvolvimento metodológico criou novas confusões conceituais, como o fortalecimento da dicotomia entre pesquisas qualitativas e quantitativas.

Mas se avanços metodológicos em pesquisas empíricas não garantem a solução de problemas conceituais, o que fazer? A resposta parece simples:

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é preciso transformar, então, a própria confusão conceituai em objeto de estudo, o que nos leva a um tipo específico de pesquisa, a saber, a pes­quisa teórica, entendida aqui como a investigação de teorias e conceitos psicológicos. Desta forma, a psicologia seria um terreno propício para o desenvolvimento de pesquisas teóricas, cujo incentivo poderia constituir um caminho para a compreensão e o enfrentamento das fontes de confu­são conceituai.

Todavia, o quadro atual sugere uma atitude inversa. Na verdade, se compa­rada a outras modalidades de investigação, a pesquisa teórica não tem um forte apelo acadêmico. A análise conceituai e a investigação histórico-filo­sófica de teorias psicológicas são geralmente preteridas em favor de outros aspectos no ensino de pesquisa em psicologia (como observação, experimen­tação e matematização). Mais do que isso, em alguns casos, essas formas de pesquisa teórica não são sequer reconhecidas como pesquisas legítimas e independentes, sendo muitas vezes consideradas atividades inúteis e, portan­to, dispensáveis para a psicologia como um todo.

Há alguns motivos para essa indisposição. Os pré-requisitos para a formação do pesquisador teórico caminham na contramão do modelo dominante de formação em psicologia, que valoriza acima de tudo a dimensão técnica e as aplicações “práticas”, como se pode observar em cursos de graduação e pós-graduação no país. Consequentemente, parece não haver espaço para o estudo da gramática dos conceitos de uma teoria, o exame diligente de seus compromissos filosóficos e a análise de seu contexto histórico. Além disso, como os resultados de pesquisas teóricas não se traduzem facilmente em in­crementos técnicos, eles mobilizam pouco interesse das agências de fomento que, não raro, privilegiam as pesquisas com viés tecnológico.

A publicação dos resultados de pesquisas teóricas também tem encontrado obstáculos na política editorial de alguns periódicos nacionais e internacio­nais de psicologia, que, muitas vezes, restringem a modalidade “artigos teó­ricos” a trabalhos de revisão de literatura. Ademais, o caráter “artesanai” da pesquisa teórica entra em descompasso com o ritmo acelerado da pro­dução acadêmica exigida atualmente pelas agências de fomento à pesquisa. O que parece estar sendo privilegiado são textos mais curtos e superficiais, que descrevem resultados de pesquisas pontuais, o que vai de encontro à

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natureza e ao tempo requerido para o desenvolvimento de uma pesquisa teórica de qualidade.

Em suma, a despeito da persistência de problemas teórico-conceituais em psicologia, o cenário atual não é favorável para aqueles que se dedicam à pesquisa teórica. Evidentemente, todas essas dificuldades conduzem à se­guinte questão: vale a pena? Afinal, por que os psicólogos deveriam se preo­cupar com pesquisas teóricas?

Em primeiro lugar, uma investigação de teorias e conceitos geralmente põe em evidência ambiguidades, contradições, lacunas, imprecisões, excessos, insuficiências, falácias, contrassensos dos projetos de psicologia. Mesmo que isso provoque algum desconforto, esses resultados podem descortinar possi­bilidades até então não vislumbradas de correção, aprimoramento e avanço das teorias investigadas. Nesse ponto, a pesquisa teórica contribui para o desenvolvimento das teorias psicológicas.

Outra consequência da explicitação e do esclarecimento de problemas teórico- conceituais é a sua contribuição para uma conduta menos dogmática. A defe­sa cega e obstinada de uma dada teoria como verdade incontestável (dogmatis­mo) parece ser uma das maneiras de o neófito em psicologia imprimir algum sentido à colcha de retalhos teórica característica do campo psicológico. Mui­tas vezes, esse dogmatismo é insuflado pelos próprios professores, que, ao in­vés de pesquisadores e profissionais, buscam formar discípulos: por um lado, exaltam a teoria de interesse; por outro, rebaixam as demais como desvios da “verdadeira psicologia”. Nesse processo de doutrinação, há uma proliferação de equívocos conceituais e de interpretações apressadas das teorias, forjando uma caricatura da teoria defendida e, mais ainda, daquelas que são alvo de crí­tica. No primeiro caso, as virtudes são acentuadas e as lacunas eclipsadas; no segundo, as falhas são pintadas com cores mais fortes, e os atributos positivos, apagados. Na contramão do dogmatismo, a investigação teórica, além de evi­tar a reprodução de erros, oferece material para apreciação crítica das teorias e conceitos, algo fundamental ao avanço de qualquer área de conhecimento.

A pesquisa teórica também desafia outra atitude comum em psicologia, o ecletismo. Tentar suprir as deficiências ou lacunas de uma teoria com os pontos fortes de outra, alinhavando noções, princípios e conceitos que

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retiram seus significados de matrizes filosóficas distintas e até mesmo in­compatíveis (ecletismo), consiste em outro esforço de conferir alguma coe­rência ao caos teórico-conceitual da psicologia. Nesse sentido, o ecletismo também é responsável pela propagação de confusões conceituais na psico­logia, na medida em que forja semelhanças teórico-conceituais inexistentes, ao mesmo tempo em que esconde ou minimiza as diferenças significativas. Tal como o dogmatismo, o ecletismo contribui para a circulação de visões equivocadas das teorias psicológicas. Do mesmo modo, obstrui o desenvol­vimento de uma dada área de conhecimento, pois, ao invés de encorajar o preenchimento de lacunas e a dissolução de ambiguidades, aprimorando o corpus teórico-científico da própria teoria, busca solucionar esses proble­mas recorrendo a conceitos de outras perspectivas psicológicas, deixando a teoria de interesse inalterada.

O desafio ao psicólogo já formado ou em formação é, portanto, estabelecer pontos de contato entre teorias psicológicas distintas, passando ao largo do ecletismo. Essas intersecções podem advir do estabelecimento de relações de afinidade entre teorias psicológicas, algo que é elaborado com a elucidação dos pressupostos filosóficos subjacentes às diferentes perspectivas teóricas em psicologia. Pontos de contato entre teorias distintas também podem ser evidenciados por meio de relações de influência, algo que é alcançado pela análise histórica de teorias e conceitos psicológicos. Outro desafio consiste em indicar distanciamentos entre as diferentes propostas - sem subscrever o dogmatismo o que também é obtido com a análise filosófica e histórica de teorias e conceitos. Em última instância, a investigação teórica poderia ajudar a interromper a oscilação entre dogmatismo e ecletismo tão presente na formação em psicologia.

Ao contribuir para uma formação menos dogmática e eclética, a pesquisa teórica também ressoa: (i) na atuação acadêmica, uma vez que este tipo de investigação ajuda o psicólogo acadêmico a despertar de seu “sono dogmáti­co”: (ii) na pesquisa empírica, pois contribui para afastá-la de um empirismo ingênuo, caracterizado pela mera descrição de dados empíricos com pou­ca ou nenhuma reflexão teórica; (iü) na prática profissional, porque pode orientar e justificar a escolha das abordagens e das técnicas de intervenção, dando maior sentido e coerência aos resultados obtidos.

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Desse modo, por mais que a pesquisa teórica traga o sabor amargo provoca­do pela explicitação da fragilidade de teorias e conceitos, ela pode inaugurar outras possibilidades investigativas, promovendo a curiosidade e a criativi­dade. Por mais que destrua a ilusão da Verdade Absoluta, ela demanda do pesquisador a delimitação e explicitação de critérios para avaliação e cor­reção dos resultados de suas próprias investigações. Por mais que seja um trabalho “lento”, propicia também a experiência gratificante de participar da integralidade do processo produtivo. Por mais que seja uma tarefa que re­quer esforço e, portanto, algum grau de desconforto, o desgaste físico e cog­nitivo envolvido pode representar algo novo, criativo e não apenas tedioso. Por mais que seja uma atividade relativamente solitária, sendo difícil encon­trar interlocutores interessados e disponíveis, é capaz de inspirar conversas consistentes com aqueles que exibem diferentes perspectivas teóricas, sem apelar ao ecletismo e ao dogmatismo. Por mais que seus requisitos possam despertar a ideia de que seja algo pedante ou presunçoso, ela pode contri­buir para uma atitude de maior modéstia do psicólogo, na medida em que o torna mais cauteloso para tecer relações e proferir interpretações.

Por fim, a pesquisa teórica pode também ajudar a dar um mínimo de coe­rência à pluralidade da psicologia, expressa tanto na diversidade de perspec­tivas teóricas quanto em suas múltiplas áreas de atuação. Lidar com essa pluralidade por meio do esclarecimento conceituai, filosófico e histórico das teorias psicológicas - e não mais pelas vias do dogmatismo e do ecletismo - poderia gerar menos exclusão, preconceito, arrogância e ressentimentos entre os pares. Com isso, poderia fomentar mais debates, pontos de contato, humildade e respeito.

A despeito da importância dos resultados da pesquisa teórica para a formação e atuação do psicólogo, a área ainda carece de publicações que discutam a au­tonomia epistêmica desse tipo de pesquisa, especialmente no que diz respeito ao Brasil. Partindo dessa constatação, o objetivo deste livro é discutir filosófica e metodologicamente a pesquisa teórica em psicologia, entendida aqui como a investigação de teorias e conceitos psicológicos. Para tanto, reúne seis capí­tulos que compilam reflexões e experiências dos autores na execução e orien­tação de trabalhos de natureza teórica, em nível tanto de graduação quanto de pós-graduação. No primeiro capítulo, intitulado Relações entre pesquisa

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teórica e pesquisa empírica em psicologia, Carlos Eduardo Lopes indica algu­mas raízes históricas da “divisão de trabalho” entre pesquisadores interessa­dos em questões teóricas e aqueles interessados em investigações empíricas, o que acabou por distanciar cada vez mais o “teórico” do “empírico”. De modo pouco convencional, o capítulo mostra que uma relação conflituosa entre pesquisas teóricas e empíricas parece ser uma alternativa promissora para se enfrentar os problemas oriundos dessa cisão.

Na sequência, o capítulo Metodologia da pesquisa conceituai em psicologia, de autoria de Carolina Laurentí e Carlos Eduardo Lopes, discute um tipo específico de pesquisa teórica em psicologia: a pesquisa conceituai. Trata-se de uma pesquisa que parte do esclarecimento da estrutura conceituai de tex­tos para construir interpretações de teorias psicológicas. Além de discutir o objetivo, o objeto, os níveis de análise, o escopo e os pressupostos filosóficos da pesquisa conceituai, o capítulo apresenta uma proposta de método para esse tipo de investigação, com destaque para o Procedimento de interpreta­ção Conceituai de Texto (PICT).

No terceiro capítulo, intitulado Fontes de confusão conceituai na psicologia, José Antônio Damásio Abib discute minuciosamente quatro fontes comuns de confusão conceituai na psicologia. Como essas confusões conceituais têm ampla repercussão no campo do conhecimento psicológico, o capítulo mos­tra as contribuições da análise conceituai para corrigir esses equívocos, em­bora tal contribuição não pareça sustentar a proposta de um projeto unitário de psicologia científica.

Os capítulos quatro e cinco, de autoria de Saulo de Freitas Araújo, ilustram como a investigação histórica pode enriquecer a pesquisa teórica em psico­logia. O capítulo A integração entre a história da psicologia e a filosofia da psi­cologia como programa de pesquisa teórica defende uma perspectiva promis­sora para o futuro da pesquisa histórica em psicologia, a saber, a proposta de uma história filosófica da psicologia. Essa defesa pauta-se na apreciação das dificuldades de integração entre história e filosofia da ciência, discutindo seus impactos sobre a pesquisa histórica em psicologia. No capítulo cinco, intitulado A investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos: breves considerações metodológicas, são apresentadas algumas diretrizes metodo­lógicas para a elaboração e realização de projetos voltados à investigação

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histórica de teorias e conceitos psicológicos. Além disso, o capítulo oferece exemplos de como o pesquisador pode se orientar metodologicamente ao planejar uma investigação histórica em psicologia.

Em Biografia científica e a pesquisa teórica da historiografia da psicologia, Robson Nascimento da Cruz delineia um panorama das principais questões que perpassam a história do gênero biográfico, discutindo suas repercussões na historiografia da história e da história da ciência, com destaque para a historiografia da psicologia. O autor argumenta que a incorporação da bio­grafia ao campo historiográfico da psicologia pode auxiliar no esclarecimen­to de teorias e conceitos psicológicos. Por meio de um exemplo concreto, ele mostra como a compreensão do desenvolvimento teórico e metodológico dos primórdios de um dado sistema explicativo psicológico é ampliada com o recurso a fontes biográficas e autobiográficas.

Certamente, o livro não pretende exaurir as possibilidades de investigação teórica em psicologia. Pelo contrário, as discussões apresentadas aqui po­dem e devem ser complementadas com trabalhos futuros que contemplem outras formas de pesquisa teórica, com suas respectivas metodologias. Em que pese, porém, seu caráter de incompletude, esperamos que este livro pos­sa trazer pelo menos três contribuições para a psicologia no país: dar maior visibilidade às pesquisas teóricas, destacando suas potencialidades e especi­ficidades metodológicas; fornecer material para o ensino de habilidades de pesquisa em psicologia, em nível tanto de graduação quanto de pós-gradua­ção; e auxiliar no reconhecimento da pesquisa teórica como forma legítima de produção de conhecimento psicológico.

Carolina Laurenti

Carlos Eduardo Lopes

Saulo de Freitas Araujo

(Orgs.)

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Relações entre pesquisa teórica e pesquisa empírica em psicologia

Carlos Eduardo Lopes

The reciprocal relationship of epistemology and science is of noteworthy kind. They are dependent upon each other. Episte­mology without contact with science becomes an empty sche­me. Science without epistemology is - insofar as it is thinkable at all - primitive and muddled. (Einstein, 1970, pp. 683-684)

Atualmente, as diferenças entre pesquisa empírica e pesquisa teórica são evidentes. Pesquisas empíricas lidam com dados obtidos a partir de investi­gações do mundo (físico ou social) mediadas por um background teórico, do qual participam compromissos filosóficos mais ou menos explícitos e regras mantidas por uma comunidade científica. Pesquisas teóricas investigam esse background teórico que orienta as pesquisas empíricas1, que vai desde a rela­ção entre conceitos até sua dimensão histórica. Nesse sentido, parece haver, em princípio, uma estreita relação entre investigações empíricas e teóricas: sem teoria não há fatos, ou ainda, diferentes teorias fornecem diferentes fatos e, portanto, o esclarecimento promovido por pesquisas teóricas parece ser conditio sine qua non para as pesquisas empíricas. De outro lado, os próprios dados obtidos por pesquisas empíricas, sobretudo quando parecem não se ajustar ao que é teoricamente previsto, lançam desafios à pesquisa teórica. Apresentada dessa forma, a relação entre pesquisa empírica e

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pesquisa teórica parece harmoniosa e completamente compatível, mas será que isso é necessariamente assim?

Este capítulo tem o objetivo de discutir as relações entre pesquisa teórica e empírica na psicologia contemporânea. Para tanto, essa questão será con- textualizada na relação entre filosofia e ciência, estabelecida desde a mo­dernidade. Desse modo, descrevemos, ainda que brevemente, o processo de separação entre filosofia e ciência na modernidade, destacando que uma relação harmoniosa entre as atividades teórica e empírica foi preservada nas propostas iniciais da ciência moderna. Prosseguiremos mostrando que, graças a algumas mudanças ocorridas na ciência e na filosofia no século XX, essas duas atividades distanciaram-se, dando origem a duas formas de pes­quisa diferentes e relativamente autônomas. Isso criou condições para que a relação entre pesquisas empíricas e teóricas deixasse de ser necessariamente harmoniosa. Argumentaremos que um dos reflexos desse processo na psico­logia contemporânea foi a fragmentação do campo psicológico, que passou a se polarizar entre os extremos científico-objetivo versus filosófico-subjetivo. Essa pluralidade da psicologia conduz, por sua vez, a diferentes relações entre psicologia, ciência e filosofia, e, consequentemente, a modos distintos de considerar as relações entre pesquisas empíricas e teóricas. Partindo des­sas combinações, discutiremos quando as relações entre esses dois tipos de pesquisa são harmoniosas e quando são conflituosas.

Por fim, mostraremos que, de forma quase paradoxal, as pesquisas teóricas contribuem de modo mais efetivo com pesquisas empíricas quando a relação entre essas duas formas de produzir conhecimento é conflituosa. Com isso, defenderemos a necessidade de manter um diálogo conflituoso entre pesqui­sas empíricas e teóricas.

1. Filosofia e ciência no início da modernidade

A relação entre pesquisas teóricas e empíricas pode ser compreendida, de modo mais amplo, a partir da relação entre filosofia e ciência. Essa temáti­ca ganhou destaque com a denominada revolução científica moderna, que

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teria instituído a ciência como um campo de conhecimento distinto da filo­sofia. No entanto, um vislumbre na história da ciência mostra que a relação entre filosofia e ciência, durante a modernidade, está longe de ser simples, e que a conclusão de que a ciência moderna é completamente independente da filosofia é, no mínimo, questionável (Burtt, 1925; Koyré, 1957/1979; Paty, 1993).

Em primeiro lugar, muitos protagonistas da ciência moderna não defende­ram uma cisão radical entre ciência e filosofia. Isso porque no contexto ins­titucional em que a ciência moderna se desenvolveu, na Europa entre os sé­culos XVII e XVIII, simplesmente não existia um campo científico separado da filosofia (Janiak, 2008). O que hoje se entende por física, por exemplo, estava, nessa época, imiscuído em questões metafísicas, epistemológicas e teológicas na disciplina denominada filosofia natural2. Mesmo a obra de Newton, que muitas vezes é invocada como o marco de consolidação da ciência moderna e, consequentemente, de sua cisão com a filosofia, estava inserida nesse contexto. De acordo com Janiak (2008), embora Newton te­nha criado condições favoráveis para a ruptura entre física e filosofia, sobre­tudo com o emprego do tratamento matemático da força e do movimento, sua obra é um todo que envolve questões consideradas atualmente metafísi­cas e até mesmo teológicas, tais como a relação de Deus com o mundo físico, a noção de substância e uma ontologia do espaço e do tempo. A diferença é que, contrariando seus predecessores, Newton não formulou um sistema metafísico de modo explícito e claro (Janiak, 2008). Nesse sentido, Burtt (1925) argumenta que a tentativa newtoniana de evitar a formalização de uma metafísica pode ser a raiz da ideia moderna de que é possível fazer ciência sem qualquer metafísica, ou mesmo sem qualquer filosofia:

[Newton] dava ou presumia respostas definidas a questões fundamen­tais, como a natureza do espaço, do tempo e da matéria; as relações do homem com os objetos de seu conhecimento; e são justamente essas respostas que constituem a metafísica. . . [Tal fato] pode ter contribuído significativamente para insinuar um conjunto de ideias

2 A obra de Descartes é emblemática para percebermos essa mistura. Para esse autor, as discus­sões metafísicas, que incluem, por exemplo, as provas de existência de Deus no enfrentamento do ceticismo, são condição de possibilidade para a própria ciência (cf. Descartes, 1641/1973).

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aceitas acriticamente a respeito do mundo no background intelectual comum do homem moderno, (pp. 20*21)

Desse modo, Burtt (1925) conclui que a ciência moderna não deveria ser compreendida como a vitória da ciência sobre a metafísica, mas como a vitória de uma nova metafísica sobre a metafísica medieval3. Além disso, haveria uma relação direta entre a recusa em discutir essa nova metafísica e sua força: justamente porque a metafísica que embasa a ciência moderna não é explicitamente assumida como tal, ela emerge como inquestionável, como um fato, como algo que não poderia ser de outra maneira:

Por essa razão, há um perigo extremamente sutil e insidioso no po­sitivismo. Se você não pode evitar a metafísica, que tipo de meta­física você provavelmente cultiva quando acredita fortemente estar livre dessa abominação? É claro, não é necessário dizer, que nesse caso sua metafísica será mantida acriticamente porque é inconsciente; além disso, ela será passada adiante a outros bem mais prontamente do que outras noções, uma vez que será propagada por insinuação ao invés de argumento direto. Um testemunho extremamente interessan­te da penetrante influência da filosofia primeira newtoniana, ao longo do curso do pensamento moderno, é a incapacidade de um estudante sério de Newton em ver que seu mestre possuía uma metafísica das mais importantes. (Burtt, 1925, pp. 225-226)

Nesse sentido, seria incorreto pensar que a modernidade criou uma ciência sem filosofia (ou mesmo sem metafísica), como às vezes alguns cientistas sugerem. Diferente disso, a ciência moderna só pode ser compreendida a partir de uma nova filosofia.

Em segundo lugar, a ausência de uma separação institucional entre filosofia e ciência na Europa dos séculos XVII e XVIII permitia uma formação mais

3 Burtt (1925) assinala que as principais características da metafísica da ciência moderna seriam: 1) uma concepção de realidade como partículas atômicas (e eventualmente subatômicas) movendo-se de acordo com leis gerais passíveis de serem descritas matematicamente; 2) uma concepção de explica­ção em termos de elementos mais simples relacionados temporalmente por meio de causas eficientes;3) uma concepção sobre a mente humana assentada no dualismo, na doutrina da distinção entre qualidades primárias e secundárias e no reconhecimento do papel do cérebro. No entanto, esse autor admite que as mudanças na física e na biologia contemporâneas estariam mudando essa metafísica.

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erudita e menos técnica do que a atual formação científica. O próprio Newton ti­nha um sólido conhecimento de filosofia, e uma declarada admiração por fi­lósofos que o precederam4. Desse modo, o contexto institucional, e a forma­ção decorrente desse contexto, inviabilizava uma separação completa entre as dimensões filosófica e científica. Consequentemente, nesse período não fazia sentido pensar em dois tipos de pesquisa diferentes e autônomas, uma teórico-filosófica e outra empírico-científica. Embora Newton tenha se esfor­çado para separar a antiga metafísica da nova física - ou hipóteses de dados experimentais isso era feito por uma mesma pessoa e orientado por com­promissos filosóficos mais ou menos explícitos5; o resultado foi uma nova forma de relação entre filosofia e ciência (Janiak, 2008). Não há, portanto, dois “Newtons” separados e incomunicáveis, um cientista e um filósofo; há um Newton apenas, fazendo aquilo que depois se convencionou denominar como física, o que, naquele contexto, não estava de modo algum separado de questões filosóficas.

2. A separação entre filosofia e ciência

Se, por um lado, a colaboração entre trabalho teórico-filosófico e investiga­ção empírica pode ser observada em muitos dos pioneiros da ciência mo­derna, por outro lado, o desenvolvimento científico parece ter distanciado essas duas atividades. Entre os séculos XIX e XX, a ciência moderna conso- Udou-se como o exemplo primordial de conhecimento verdadeiro, passando a ser amplamente reconhecido como tal. Uma possível explicação desse reconhecimento da ciência deve-se ao avanço tecnológico promovido por

4 Uma das provas disso é que na carta em que Newton escreveu a famosa frase: “Se pude ver mais longe é porque estava sobre o ombro de gigantes”, ele considerou Descartes um desses gigantes ííaniak, 2008).

5 Leibniz foi possivelmente o adversário mais emblemático da metafísica newtoniana. Suas críticas foram respondidas, na época, por S. Clarke, o que pode ter contribuído para a ideia posterior de uma completa separação entre ciência e filosofia: enquanto Newton dedicava-se ao trabalho estrita­mente científico, Clarke voltava-se à filosofia. No entanto, como aponta Koyré (1957/1979}, Clarke não era um mero defensor das posições filosóficas de Newton, ele provavelmente foi incumbido pelo próprio Newton de responder às críticas. Para tanto, Newton deve ter acompanhado toda a correspondência entre Leibniz e Clarke, sugerindo pessoalmente as respostas. Logo, a separação deve-se muito mais ao fato de Newton não estar disposto a enfrentar publicamente o debate com Leibniz do que à existência de uma cisão entre atividade científica e filosófica.

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ela durante esse período. A faceta tecnológica da ciência moderna esteve presente desde seus primórdios (Mariconda, 2006), mas a partir do século XIX a atividade científica converteu-se mais claramente em tecnociência. Isso quer dizer que a produção desse conhecimento passou a ser exclusi­vamente dirigida para (e orientada pela) resolução de problemas concretos e imediatos. Esse tecnicismo consolidou como critério de avaliação do co­nhecimento científico, juntamente com a coerência lógica e a comprovação empírica, sua funcionalidade.

O reconhecimento da efetividade da ciência moderna tornou-se uma prova de que o conhecimento científico é um espelho da natureza; de que a ciência moderna não é uma teoria, mas um fato. Rorty (1982) lembra que isso já estava anunciado nos primórdios da ciência moderna:

Quando Galileu disse que o Livro da Natureza estava escrito em lin­guagem matemática, queria dizer que seu novo vocabulário matemá­tico e reducionista nâo funcionava por acaso, mas que funcionava por- que era o modo como as coisas realmente eram. Ele queria dizer que o vocabulário funcionava porque se ajustava ao universo como uma chave se ajusta a uma fechadura. (Rorty, 1982, pp, 191-192)

Essa concepção de que a ciência tem a virtude de descobrir como as coisas realmente são não apenas reforçará a separação entre filosofia e ciência, mas sustentará a crença de que muitas questões que anteriormente eram parte do escopo da filosofia (ou pelo menos da filosofia natural) poderiam agora ser tratadas de modo puramente científico. Evidentemente, isso representa uma ameaça à filosofia: afinal, se a ciência descobre a realidade tal como ela é, qual a função da filosofia?

Essa ameaça à legitimidade da filosofia, somada ao reconhecimento dos avanços da ciência moderna, fomentará, ainda no século XIX, uma cisão en­tre os filósofos, descrita por Rorty (1982) como uma oposição entre platôni­cos e positivistas6. Os primeiros representavam uma filosofia transcendente, que, resistindo à ameaça da ciência, recusava a ideia de que a ciência natural

6 Rorty (1982) reconhece que “tais termos eram, mesmo nessa altura, desesperadamente vagos", mas mantém seu uso justificando que “cada intelectual sabia aproximadamente onde se situava em relação aos dois movimentos” (p. xv).

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era a última palavra sobre os assuntos filosóficos e defendia “que havia mais Verdade para descobrir” (p. xv). Já os positivistas representavam uma filo­sofia empírica, que, partindo do reconhecimento dos avanços científicos, aceitava e defendia a tese de que "a ciência natural... era toda a Verdade que havia” (p. xv).

Entre os séculos XIX e XX, mudanças culturais e críticas surgidas no in­terior da própria filosofia levaram as filosofias transcendente e empírica à mudanças fundamentais (Rorty, 1982). Geralmente essas mudanças são in­vocadas como marco da constituição da filosofia contemporânea. Embora essa classificação seja carregada de controvérsias, uma vez que há diferentes formas de organizar tudo aquilo que se considera filosofia contemporânea, uma maneira de interpretar a diversidade filosófica do século XX consis­te em compreendê-la como movendo-se entre dois polos (Ferrater Mora, 1994/2005). De um lado, encontrar-se-iam as filosofias humanistas, adotan­do a vida humana (em seus diferentes aspectos) como objeto de reflexão primordial. De outro lado, estariam as filosofias cientificistas, interessadas apenas por questões colocadas pela ciência, em especial pela ciência natural. Entre esses extremos, encontrar-se-ia uma série de filosofias intermediárias que, eventualmente, tentam conciliar o ser humano com a natureza7. Rorty (1982) apresenta uma classificação semelhante, argumentando que o século XX foi palco do embate entre filosofia continental8 e filosofia analítica. A despeito das diferenças terminológicas, filósofos orientados pela filosofia hu­manista (ou continental) continuarão distanciando-se de uma visão de mun­do estritamente científica e defendendo que o trabalho filosófico consiste em buscar algo que a ciência é incapaz de alcançar. Já a filosofia cientificista (ou analítica) continuará a serviço da ciência, defendendo que não há atividade filosófica relevante que possa ir além do conhecimento científico.

7 De modo similar, William James apresenta em suas conferências sobre pragmatismo (James, 1907/1988) a filosofia da época em termos da polaridade entre radonalístas e empiristas. Nesse contexto, James considera o pragmatismo como uma concepção intermediária, que, ao mesmo tempo em que reconhece a importância da ciência, continua defendendo o limite desse tipo de conhecimento e uma assimetria insuperável em relação à filosofia (haveria algo mais a fazer com a filosofia do que mera epistemologia científica).

8 O termo filosofia continental foi cunhado por fiiósofos analíticos anglófonos para designar um conjunto de filosofias originadas na Europa continental, principaimente na Alemanha c na França. As filosofias contemporâneas (do século XX) que se destacam sob essa rubrica são a fenomenolo- gia, o existencialismo, a teoria crítica e o pós-estruturalísmo (Mullarkey, 2009).

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Nesse ponto fica claro que a partir do século XX a relação entre ciência e filosofia sofrerá mudanças. Do lado da filosofia humanista, a crença de que o conhecimento científico não é capaz de alcançar a Verdade fará com que esses filósofos se distanciem cada vez mais da ciência. A primeira atitude dessa corrente filosófica será garantir que a filosofia mantenha-se “pura”, sem ser contaminada por assuntos científicos, reconhecendo, portanto, a au­tonomia da filosofia em relação à ciência9. Mais tarde, a filosofia humanista fomentará uma série de críticas à ciência moderna: de um lado, reafirmando a incapacidade da ciência em lidar com o que realmente importa, defen­derá a intuição, o sentimento, a estética como formas mais adequadas de filosofar; de outro lado, argumentará que a ciência natural, principalmente, nos campos que tangenciam o comportamento humano, seria uma forma de dominação e opressão com uma roupagem objetiva, uma “construção de verdades” orientadas basicamente por relações de poder. Essas concepções de filosofia ganharam força a partir da Segunda Guerra, principalmente de­pois da constatação do papel da ciência no desenvolvimento da tecnologia bélica nuclear.

Do lado das filosofias cientificistas, a atividade filosófica buscará emular a ciência no que concerne ao seu rigor. Além disso, essa corrente filosófica acentuará a separação entre metafísica e epistemologia. Em primeiro lugar, a tese antimetafísica, tradicionalmente associada ao positivismo, será mantida e desenvolvida: inicialmente defendendo-se que enunciados metafísicos são falsos, depois que são desprovidos de sentido e, por fim, que sequer podem ser considerados enunciados. Em segundo lugar, a filosofia passa a restrin­gir-se a assuntos estritamente epistemoíógicos, como a verdade do conhe­cimento produzido cientificamente, o estatuto epistemológico das teorias científicas e o papel da lógica na ciência. Por fim, outros campos filosóficos, como a estética, a ética e a política, serão reconhecidos como “puramente filosóficos”, o que quer dizer, nesse contexto, que não têm qualquer relação com a atividade científica e, consequentemente, nunca alcançarão um grau de verdade comparável ao da ciência.

9 O manifesto de 19í3 dos filósofos contra a ocupação de cadeiras dc filosofia por psicólogos é um exemplo dessa defesa da autonomia da filosofia na Alemanha (reconhecidamente um dos berços da filosofia continental). Trata-se de uma tentativa de resistir à invasão da filosofia pela ciência, naquele contexto representada pela psicologia experimental (Araujo, 2013a).

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3. A harmonia inicial entre filosofia e psicologia

Os primeiros projetos de psicologia moderna surgem entre os séculos XIX e XX, justamente quando ocorre mais claramente a cisão entre filosofia e ciên­cia. Isso pode nos levar a acreditar que esses projetos iniciais de psicologia científica eram claramente antifilosóficos ou que, pelo menos, insistiam na separação entre filosofia e psicologia científica. No entanto, alguns trabalhos têm mostrado que esse não é o caso de Wilhelm Wundt (e.g., Abib, 1998; Araújo, 2010, 2013a; Danziger, 1979). Para Wundt, filosofia e ciência (in­cluindo a psicologia) seriam parte de um mesmo todo coerente e contínuo de produção de conhecimento (Araújo, 2010)10. Isso tem reflexos diretos na compreensão do projeto de psicologia de Wundt, uma vez que é preciso, agora, reconhecer que essa proposta de psicologia científica está intimamen­te relacionada às formulações filosóficas desse autor (Araújo, 2010). Soma­do ao intenso trabalho teórico-filosófico de Wundt, que passa pelos campos da lógica, teoria do conhecimento, ética e até mesmo metafísica, isso coloca em suspeita a visão difundida pela historiografia tradicional, que restringe a psicologia wundtíana à fundação do laboratório de Leipzig e ao emprego do método experimental no estudo dos processos psicológicos (e.g., Hothersall, 2004/2006; Schultz & Schultz, 1992/1996). Por outro lado, esse resgate do trabalho filosófico de Wundt deve ser feito preservando uma concepção harmônica com sua produção empírico-científica.

O contexto institucional das universidades alemãs entre o final do sé­culo XIX e o início do século XX também pode ajudar a compreen­der o caso de W undt (Araújo, 2013b; Gundlach, 2012). O crescente reconhecim ento da psicologia na Alemanha, sobretudo da psicologia

10 Seguindo as recomendações newtonianas, filosoficamente reformuladas por Kant (1781/1997), Wundt defende que a ciência, no caso a psicologia científica, deveria se eximir de questões meta­físicas apriori (Wundt, 1895/1897). No entanto, o projeto filosófico de Wundt, no qual se insere a psicologia, envolveria a constituição de uma nova metafísica (Araújo, 2010). Nesse sentido, é possível dizer que a psicologia de Wundt tenta manter-se isenta e distante da metafísica (tal como a física de Newton tenta não se comprometer com hipóteses não verificadas experimentalmente), mas sua filosofia não. A metafísica wundtíana seria o último passo no projeto de reforma do co­nhecimento humano, que integraria, em um todo coerente, as diferentes descobertas empíricas das ciências (Araújo, 2010).

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experim ental - da qual W undt era um dos principais expoentes criou uma demanda por cadeiras de psicologia experimental nas universidades (Araújo, 2013a). No entanto, novas cadeiras não foram criadas; ao invés disso, antigas cadeiras de filosofia foram gradualmente sendo ocupadas por psicólogos11. Esse processo culminou na publicação do Manifesto de 1913, assinado por docentes e professores que se posicionavam contra a ocupação de cadeiras de filosofia por psicólogos, o que desencadeou um conjunto de comentários e réplicas (Araújo, 2013a; Gundlach, 2012). Nessa querela, W undt foi um dos professores contrários às reivindica­ções dos filósofos, na exata medida em que ele não via com bons olhos a completa separação entre filosofia e psicologia, tal como se defendia no manifesto (Araújo, 2010, 2013a).

Além disso, Wundt era um polímata e, embora sua formação principal fosse em medicina, seu conhecimento em filosofia era inegável, tanto que foi nessa área que ocupou o cargo de professor (Araújo, 2010). Esse tipo de forma­ção permitiu que Wundt tivesse uma compreensão ampla dos problemas filosóficos imanentes ao empreendimento científico em geral, e psicológico em particular, bem como o capacitou a desempenhar atividades filosóficas e científicas de modo harmonioso.

Mesmo durante o século XX, há ainda tentativas de manutenção de uma relação harmoniosa entre filosofia e psicologia. A obra de B. F. Skinner, por exemplo, retrata uma pretensão de complementariedade entre questões teó­rico-filosóficas e dados empíricos. Esse autor defendia explicitamente que a pesquisa empírica, a ciência do comportamento propriamente dita, progre­diria pari passu ao avanço de discussões teóricas do comportamentalismo radical. Esse seria o contexto para se interpretar a afirmação skinneriana de que o comportamentalismo radical não é a ciência do comportamento, mas a filosofia dessa ciência (Skinner, 1974). Tudo se passa como se a ciên­cia do comportamento, lidando com dados empíricos, fosse desafiada e, eventualmente, corrigida pela filosofia que, por sua vez, deveria organizar

11 O termo psicólogo empregado nesse contexto é diferente de seu uso contemporâneo. Vale lem­brar que até meados do século XX não existia, na Alemanha, psicologia como disciplina indepen­dente, e, nesse sentido, também não existia, de modo institucionalizado, o psicólogo profissional (Ash, 1987; Gundlach, 2012). Dessa forma, psicólogo, aqui, refere-se a professores com formação em filosofia, teologia, medicina ou direito, que se dedicavam ao estudo de assuntos psicológicos.

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os resultados empíricos de modo coerente em uma teoria do comporta­mento (Tourinho, 1999). O cenário pintado é de uma colaboração mútua, de um objetivo comum e, portanto, de uma relação harmoniosa. Embora questionável, essa harmonia continua sendo reafirmada por professores, pesquisadores e profissionais interessados na análise do comportamento, incluindo, por vezes, o aspecto aplicado como mais um pilar nessa relação (cf. Tourinho, 1999).

Assim, embora a modernidade tenha criado condições para a separação das dimensões filosófica e científica, na ciência em geral e na psicologia em par­ticular, parece que por algum tempo manteve-se no horizonte a noção de que esses dois modos de produção de conhecimento poderiam e deveriam caminhar juntos, de forma harmoniosa e complementar. Isso era bastante evidente e factível nos casos em que o psicólogo se dedicava tanto à elabora­ção teórica quanto à pesquisa empírica.

4 .0 conflito entre psicologia e filosofia

Uma narrativa histórica bastante difundida em manuais de história da psi­cologia é que a institucionalização da psicologia ocorreu primeiramente na Alemanha, com a implementação do laboratório de Leipzig (e.g., Hother- sall, 2004/2006; Schultz & Schultz, 1992/1996). Subjaz a essa narrativa a ideia de que a psicologia se constituiu como disciplina independente, com alunos, professores e um corpo de conhecimento próprios quando se se­parou da filosofia e adotou métodos científicos (principalmente o método experimental) para investigar os fenômenos psicológicos. Schultz e Schultz (1992/1996), por exemplo, declaram:

Somente quando os pesquisadores passaram a se apoiar na observa­ção e na experimentação cuidadosamente controladas para estudar a mente humana é que a psicologia começou a alcançar uma identidade que a distinguia de suas raízes filosóficas. Somente há cerca de cem anos os psicólogos definiram o objeto de estudo da psicologia e esta­beleceram seus fundamentos, confirmando assim sua independência em relação à filosofia, (p. 18)

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Como mencionado alhures, essa narrativa histórica, que separa psicologia de filosofia, é bastante questionável quando Wundt é tomado como refe­rência para essa separação (Araújo, 2010, 2013a), Por outro lado, parece que foi justamente uma faceta tecnocientífica da psicologia que prosperou e orientou a institucionalização da psicologia como disciplina independente. Na Alemanha, por exemplo, embora a psicologia experimental já existisse desde o século XVIII, a institucionalização da psicologia como disciplina independente, entendida aqui como uma formação universitária específi­ca para psicólogos, só apareceu durante a Segunda Guerra (Abib, 1998; Geuter, 1987; Gundlach, 2012). }á nos Estados Unidos, a psicologia ganha reconhecimento institucional ainda no século XIX e isso se acentua com a participação de psicólogos no contexto educacional no início do século XX (Abib, 1998; Danzinger, 1987).

Esse processo de institucionalização orientado exclusivamente pela aplica­ção do conhecimento psicológico teve ao menos duas consequências visíveis na história da psicologia. Em primeiro lugar, propostas que se afastaram dessa pretensão eminentemente aplicada, mesmo quando eram reconhecida­mente científicas, como as psicologias de Wundt, de Titchener e de Kõhler, simplesmente foram extintas e hoje, na melhor das hipóteses, aparecem ape­nas como curiosidades em cursos de história da psicologia. Em segundo lugar, esse tecnicismo da psicologia moderna desenhou uma triste história da institucionalização acadêmica dessa disciplina, que passa tanto pela fun­damentação ideológica do nazismo na Alemanha (Geuter, 1987), quanto pela ideologia do controle social a partir do final do século XIX nos Estados Unidos (Abib, 1998; Danzinger, 1987)'2.

Mas índependentemente das diferenças culturais que influenciaram a ins­titucionalização acadêmica da psicologia em cada país, havia um pano de fundo razoavelmente comum nas grandes universidades: a polarização en­tre filosofia e ciência, ou mais especificamente entre filosofia humanista

12 Além disso, algumas vezes o tecnicismo na psicologia é levado às suas últimas consequências, fazendo com que a funcionalidade do conhecimento produzido seja considerada mais importante do que sua coerência. Consequentemente, ainda que uma teoria seja filosoficamente questionável contenha contradições e careça de clareza na definição de seus conceitos, se ela for capaz dc resolver os problemas a que se propõe, ela deverá ser aceita. Esse “pragmatismo grosseiro” tem expulsado até mesmo a epistemologia do campo psicológico, ao mesmo tempo em que propaga equívocos e confusões conceituais.

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e ciência natural. Isso criou condições para a constituição de diferentes projetos psicológicos, que, em boa medida, reproduziram essa polarização. De um lado, surgiram concepções de psicologia que se aproximavam da ciência moderna, insistindo no uso de métodos reconhecidamente cientí­ficos, na objetividade e, eventualmente, na quantificação dos fenômenos psicológicos. De outro lado, surgiram projetos psicológicos que, de forma deliberada, afastaram-se da ciência, seguindo os mesmos argumentos da filosofia humanista: aquilo que é legitimamente psicológico não poderia ser captado pela ciência e, nesse sentido, uma verdadeira psicologia deveria voltar-se para a intuição, para o sentimento, para o que é pré-verbal ou, até mesmo, irracional.

Desse modo, parece que a separação e o conflito entre filosofia e ciência tiveram como reflexo uma cisão fundamental da psicologia contemporânea: psicologias que se situaram no polo científico, buscando seguir os cânones das ciências naturais, tenderam a se afastar de questões filosóficas; já psico­logias que recusaram o cientificismo identificaram-se mais facilmente com atividades filosóficas típicas da filosofia humanista ou continental. Essa po­larização da psicologia moderna é bem representada pelo famoso dilema do psicólogo, descrito por Grecó (1967/1981): “é a infelicidade do psicólogo: nunca há certeza de que ele ‘faça ciência’. Se a faz, nunca há certeza de que seja psicologia” (p. 292). Nesse dilema, fica clara a ideia de que a psicologia deveria escolher a ciência ou a filosofia, e que, portanto, as investigações científicas e as discussões filosóficas já não são vistas de modo harmonioso na psicologia.

Essa tensão entre filosofia e ciência terá reflexos diretos na formação do psicólogo, o que ainda se mantém nos cursos de psicologia atuais. Alguns cursos privilegiam a dimensão científica da psicologia, seguindo o modelo de uma ciência autônoma e independente de questões teóricas; outros cursos enfatizam o aspecto teórico-filosófico da psicologia, afastando-se de preo­cupações científicas, como discussões metodológicas e até mesmo a com­provação empírica dos enunciados teóricos. Mesmo nos casos em que se tenta evitar essa polarização, permitindo que o aluno de psicologia tenha acesso tanto à ciência quanto à filosofia, isso geralmente ocorre por meio de disciplinas ministradas por diferentes professores (por exemplo, psicó-

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logos-cientistas de um lado e filósofos profissionais de outro). Desse modo, o mero acesso à filosofia e à ciência em um contexto em que a cisão entre esses campos já está consolidada não garante a integração, pelo contrário, mantém o “dilema do psicólogo” exigindo que o aluno escolha por um dos lados e se especialize.

Em suma, o contexto institucional contemporâneo favorece a cisão entre filosofia e psicologia científica, criando um círculo vicioso no qual psicólogos são formados como especialistas (em ciência ou em filosofia) por professores especialistas. Fica claro, portanto, que esse cenário acadêmico, bem como a formação que decorre dele, é bastante diferente daquele que sustentava uma relação harmoniosa entre o trabalho teórico-filosófico e empírico-científico nos primórdios da ciência e psicologia modernas. O resultado é uma “es­pecialização” na psicologia contemporânea, ou seja, pesquisas empíricas e pesquisas teóricas são desenvolvidas por pessoas diferentes, com formações diferentes e, muitas vezes, com objetivos diferentes.

5. Pesquisas empíricas versus pesquisas teóricas na psicologia

Nesse novo contexto, as relações entre pesquisas empíricas e teóricas na psicologia tornam-se mais complexas. Em primeiro lugar, a pluralidade de psicologias, organizada em torno dos polos objetivista-cientificista versus subjetivista-humanista, cria diferentes formas de relação entre pesquisas em­píricas e teóricas.

Psicologias com um viés cientificista reconhecem as pesquisas empírico-cien­tíficas como prioritárias, sobretudo aquelas que seguem os passos da ciência natural. Há pelo menos dois posicionamentos desse tipo de psicologia em relação às pesquisas teóricas. Quando o cientificismo é radicalizado, as pes­quisas teóricas são vistas pelos psicólogos-dentistas como “pseudopesqui- sas” inócuas e, portanto, dispensáveis para uma psicologia verdadeiramente científica. Incorre-se, aqui, na visão ingênua de que é possível uma ciência desprovida de teoria e isenta de qualquer filosofia, ignorando, portanto, que a própria ciência moderna se constituiu a partir de pressupostos filosóficos,

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mais ou menos explícitos, para recusar concepções centrais da filosofia esco­lástica (Burtt, 1925; Koyré, 1957/1979).

Uma visão cientifícista mais ponderada e menos ingênua admite a impor­tância relativa do trabalho teórico. Nesse contexto, defende-se que um pro­jeto de psicologia científica estaria assentado em um conjunto unívoco e imutável de pressupostos filosóficos, geralmente denominados fundamentos. Caberia, então, ao “pesquisador teórico” descrever esses pressupostos de maneira cuidadosa, respeitando suas características. Essa forma de conce­ber a pesquisa teórica pode ser denominada realismo teórico, uma vez que defende a existência de um conjunto “fechado” de pressupostos (um tipo de realidade), que seriam descobertos ou desvelados pela pesquisa. Aqui fica evidente o quanto essa forma de trabalho teórico tenta se aproximar da pes­quisa empírica: do mesmo modo que as pesquisas empíricas descobrem a realidade (física ou social), as pesquisas teóricas descobrem os fundamentos (teórico-filosóficos).

Esse realismo teórico é aceito por pesquisadores ligados à produção de co­nhecimento empírico, desde que os pressupostos filosóficos “descobertos” na pesquisa teórica sejam os mesmos com os quais esses pesquisadores já trabalham implícita ou explicitamente13. Assim, o realismo teórico pressu­põe uma plena harmonia entre pesquisa empírica e pesquisa teórica, uma harmonia assentada na subordinação da pesquisa teórica aos resultados da pesquisa empírica. Consequentemente, o realismo teórico não garante a au­tonomia das pesquisas teóricas - que, nesse contexto, sequer são chamadas de pesquisas (cf. Machado & Silva, 2007). Além disso, há outro problema. Uma vez que se acredita na existência de um conjunto “fechado” de pres­supostos filosóficos, é uma questão de tempo para que a pesquisa teórica se torne supérflua: depois que esses fundamentos forem descritos, tudo o que sobra é, na melhor das hipóteses, repetição do que já foi dito. Assim, o realismo teórico também não garante a legitimidade da pesquisa teórica, no

13 Algumas recomendações atuais de restituir análises teóricas na psicologia científica podem ser entendidas como tentativas de orientar essas análises por questões exclusivamente epistemológi- cas, como a coerência lógica dos enunciados, a teoria de verdade e outros assuntos relacionados (cf. Machado & Silva, 2007). Muitas vezes esse tipo de recomendação está assentado em uma teoria mais ou menos explícita, que defende que apenas essas questões fazem parte do conheci­mento científico.

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sentido de que essa atividade de pesquisa não é capaz produzir conhecimen­to de forma contínua.

Por outro lado, psicologias com um viés subjetivista, na medida em que se afastam deliberadamente dos ideais científicos modernos, são mais favorá­veis a pesquisas teóricas do que a pesquisas empíricas. Aqui, à semelhança do que acontece com psicologias cientifícistas, o grau de radicalização de seus posicionamentos refletir-se-á em, ao menos, duas formas de conduzir as pesquisas teóricas. Quando o posicionamento anticientífico é exacerbado, ele culmina em um irracionalismo que torna a pesquisa teórica um fim em si mesma, sem qualquer relação com pesquisas empíricas. Trata-se de uma espécie de solipsismo ieórico, no qual a psicologia se converte em pura teoria e, portanto, deliberadamente cega aos dados empíricos. Consequentemente, nesse extremo não há qualquer critério de refutação de elaborações teóri- co-conceituais, o que faz com que as pesquisas teóricas desenvolvidas nesse contexto sejam, na maioria das vezes, vazias do ponto de vista empírico ou inúteis do ponto de vista aplicado. Trata-se de definições e redefinições que não reconhecem a necessidade de uma articulação com dados empíricos, admitindo, quando muito, o critério de coerência entre conceitos como sufi­ciente para a psicologia14.

O solipsismo teórico garante a autonomia da pesquisa teórica em relação a pesquisas empíricas, mas isso tem um preço. Dificilmente pesquisadores empíricos levarão em consideração o conhecimento teórico produzido nesse viés, pois ele é deliberadamente anticientífico e, por vezes, irracionalista. isso quer dizer que não há sequer um ponto de contato a partir do qual possa haver um diálogo entre as dimensões empírica e teórica. Os resultados tendem a ser confusos e as críticas, dirigidas ostensivamente à ciência, são geralmente reproduções superficiais de argumentos apresentados por repre­sentantes da filosofia continental, e, por vezes, erram o alvo justamente por falta de conhecimento científico mínimo.

Psicologias subjetivistas mais ponderadas fomentam pesquisas teóricas in­teressadas não na desqualificação da ciência moderna, mas na constituição

14 Na medida em que essa forma de psicologia tende ao irracionalismo, cm alguns momentos até mesmo a coerência c abandonada como um critério válido. Com isso, essa concepção torna-se responsável pela propagação de confusões conceituais e contradições.

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de formas alternativas de produção de conhecimento. Ao fazer isso, geral­mente, essas pesquisas reiteram uma série de dicotomias, como ciências naturais versus ciências humanas, métodos quantitativos versus métodos qualitativos, explicação versus compreensão. Compartilhando a mesma concepção mecanicista de natureza, típica da modernidade, essas psicolo­gias veem o ser humano como “sobrenatural”, ou seja, como um ser fora da natureza, dotado de características especiais, como liberdade e vontade. Essa assimetria entre natureza e ser humano é uma boa chave de leitura para compreender as características centrais da modernidade como o meca- nicismo, a matematização das ciências da natureza, o antropocentrismo e a exploração da natureza pelo ser humano (tecnicismo) (Santos, 1987/2004). A pesquisa teórica conduzida nesses moldes compartilha a mesma visão de mundo que insiste em criticar e, nesse sentido, certa ingenuidade filosófica continua operando aqui.

A influência da filosofia continental contemporânea sobre esse tipo de psico­logia reflete-se em pesquisas empíricas voltadas para assuntos socialmente relevantes, deslocando os compromissos filosóficos da epistemologia para a ética e a política. Mas, geralmente, o que se ganha em engajamento perde-se em questões metodológicas, gerando dificuldades na validade e reprodutibili- dade dos resultados obtidos. Isso mostra que as pesquisas teóricas desenvol­vidas nesse contexto carecem de discussões epistemológicas fundamentais, que poderiam instruir uma forma mais efetiva de produzir conhecimento. Desse modo, tal como acontece com as psicologias cientificistas, as pesqui­sas teóricas são aceitas pela psicologia subjetivista, desde que o trabalho teó- rico não conduza a questionamentos, no caso epistemológicos, que possam colocar em xeque a legitimidade desse modo de conceber a psicologia.

Esse panorama mostra que a relação entre pesquisas empírica e teórica é complexa e nem sempre harmoniosa. Na verdade, essa harmonia só existe quando as pesquisas teóricas são “acríticas” e, portanto, inócuas em relação à teoria psicológica que toma como alvo de investigação. Mais especifica­mente, pesquisadores teóricos só são ouvidos por pesquisadores empíricos quando os resultados teóricos não contrariam o trabalho no campo empí rico. Mas, nesse caso, cumpre perguntar qual seria a função da pesquisa teórica? Reiterar aquilo que já foi apresentado com evidências empíricas?

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Traduzir filosoficamente a atividade dos psicólogos? Afinal, por que o pes­quisador empírico deveria parar para ouvir aquilo que ele já sabe, o que não acrescenta nada em sua pesquisa?

Por outro lado, quando pesquisadores teóricos não se restringem a emular a ciência ou a fornecer uma espécie de “certificado filosófico” para pesquisas empíricas, a relação entre as duas formas de produção de conhecimento torna-se dramaticamente conflituosa. Esse conflito deve-se ao fato de que, nesse caso, cada uma dessas pesquisas assume objetivos distintos. A pesqui­sa empírica parte de pressupostos teóricos (geralmente considerados como “fundamentos”), com o intuito de produzir dados empíricos, que, eventual­mente, conduzirão direta ou indiretamente à produção de tecnologias. Já a pesquisa teórica atém-se à própria teoria, apontando suas lacunas, eventuais contradições, aberturas interpretativas, aproximações e distanciamentos com outras teorias. Isso inviabiliza a defesa de um “fundamento”, entendido como um conjunto “fechado” de compromissos filosóficos. Dessa forma, enquanto a pesquisa empírica tem uma teoria como ponto de partida, a pesquisa teórica a tem como objeto de análise.

Latour (1998/2000) usa uma metáfora para descrever o funcionamento da ciência, que pode ser empregada aqui para esclarecer o conflito entre pesquisas empíricas e teóricas. De acordo com esse autor, a ciência avança criando “caixas-pretas”, entendidas como conceitos, ideias, procedimen­tos, instrumentos, que passam a ser tacitamente aceitos pela comunidade científica como a-históricos e, portanto, inquestionáveis. Essas caixas-pre­tas são pontos de partida para outras pesquisas e, como tais, não são (e não devem ser) mais assunto de investigação. A noção de “caixa-preta” sin­tetiza justamente estas características: praticamente ninguém sabe o que há ali dentro e, ao mesmo tempo, elas são lacradas para evitar que sejam abertas por alguém. Tudo se passa como se a pesquisa teórica, quando não é inócua, insistisse em abrir as caixas-pretas da pesquisa empírica, ou seja, discutir conceitos, contextualizá-los historicamente, situar a teoria em uma tradição filosófica mais ampla e assim por diante. Ao fazer isso, a pesquisa teórica mostra que, muitas vezes, a caixa-preta é na verdade uma caixa de Pandora (que guarda algo que foi deüberadamente esquecido pelos pesqui­sadores empíricos em favor do avanço da ciência). Desse modo, a pesquisa teórica operaria obstruindo o caminho da pesquisa empírica.

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O resultado desse conflito parece ter favorecido as pesquisas empíricas, cuja produção tem aumentado sem ser acompanhada de análises teóricas satis­fatórias. As expressões e consequências dessa assimetria na produção de conhecimento na psicologia contemporânea foram apresentados de maneira eloquente por Machado, Lourenço e Silva (2000)l5. A primeira expressão desse estado de desequilíbrio entre pesquisas empíricas e teóricas se vê no número excessivo de publicações de “resultados” empíricos inócuos: "a produtividade anual que vem dessa avalanche de periódicos, livros, artigos, encontros, e congressos parece desproporcional ao número de descobertas explicadas de maneira convincente ou de problemas efetivamente resolvi­dos” (p. 5). Além disso, os avanços técnicos em coleta e análise de dados em­píricos, que envolvem delineamentos cada vez mais complexos, equipamen­tos de ponta, emprego de estatística elaborada, se dão à custa da crescente fragilização das análises teóricas. Com isso, há uma inversão de valores: o dado torna-se um fim em si mesmo. Nas palavras dos autores:

Experimentação e análise estatística dos dados são práticas indispen­sáveis na ciência. Mas quando elas são tomadas como fins ao invés de meios, quando se considera que apenas questões passíveis de serem respondidas por experimentos valem a pena, quando experimentos são publicados porque usam técnicas sofisticadas, e quando os núme­ros são privilegiados independentemente da mensuração verdadeira ter sído alcançada, então temos os sinais de um estado epistêmico dominado desproporcionalmente pelas investigações factuais. (Ma­chado, Lourenço, & Silva, 2000, p. 7)

A carência de pesquisas teóricas consistentes também conduz a psicologia contemporânea a uma fragmentação artificial. Isso porque boa parte dos de­sacordos que estão na base dessa fragmentação são de natureza estritamente teórica. Dessa maneira, a falta de compreensão adequada de uma teoria, que

15 Nesse artigo os autores analisam a realidade da psicologia norte-americana, que evidentemente não c a mesma do Brasil. Em nosso país, parece ainda haver uma maior diversidade de produções em psicologia. No entanto, se acompanharmos as políticas editoriais dos principais periódicos brasileiros descobriremos que elas têm se aproximado do cenário descrito por Machado. Louren­ço e Silva (2000). Por exemplo, a maioria dos periódicos mais bem avaliados pelo Gua/is-Capes restringem ou pelo menos limitam a publicação de trabalhos teóricos. Dessa forma, os resultados descritos por Machado, Lourenço e Silva (2000) talvez também possam ser encontrados no Brasil em breve.

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poderia ser alcançada por pesquisas teóricas que tomassem essa teoria como objeto de investigação, cria falsas lacunas que, por sua vez, culminam na apresentação de novas teorias, que também serão mal compreendidas. Uma vez que esse ciclo não é rompido, as teorias se multiplicam e incompreensões instituem-se, passando a ser disseminadas na própria psicologia. Isso acon­tece tanto no âmbito da formação de psicólogos por meio de livros-texto im­precisos (e.g., Todd & Morris, 1983, sobre equívocos encontrados acerca do comportamentalismo radical em livros-texto), quanto na produção de conhe­cimento em pesquisas empíricas, que simplesmente reproduzem distorções teóricas (exemplos dessas distorções propagadas por pesquisas empíricas são examinados por Machado, Lourenço, & Silva, 2000, pp. 10-12).

Por outro lado, a solução não parece ser o abandono da produção empírica em favor da pesquisa teórica: “se é certo que investigações conceituais sozi­nhas não resolverão a multiplicidade de problemas da psicologia, também é certo que sem elas possivelmente nenhuma tentativa de solução será bem- -sucedida” (Machado, Lourenço, Sc Silva, p. 35). A pesquisa teórica isola­da acabaria adiando indefinidamente a possibilidade de produção de dados empíricos, bem como de tecnologias derivadas, em favor de um rigor teóri­co inalcançável, ou mesmo da recusa em produzir conhecimento empírico, como no caso das psicologias subjetivistas mais extremadas. A saída parece ser buscar meios de equilibrar a produção empírica e teórica, obrigando que esses dois tipos de pesquisa convivam, complementem-se e corrijam-se.

Além disso, de modo quase paradoxal, a pesquisa teórica mais proveitosa para a produção de conhecimento empírico parece ser justamente aquela que parte de uma relação conflituosa. Ao mesmo tempo, pesquisas teóricas “dóceis”, ou seja, aquelas que simplesmente assistem pesquisas empíricas, sem nunca se opor a elas, embora estabeleçam uma relação harmoniosa, têm resultados inúteis. Nesse sentido, psicologias com um viés cientificistas precisariam fomentar mais do que pesquisas teóricas puramente epistemo- lógicas, incluindo discussões de outros aspectos filosóficos, como éticos, políticos e até mesmo estéticos. Da mesma forma, psicologias subjetivistas precisariam ouvir e enfrentar os desafios colocados por pesquisas teóricas epistemológicas, reconhecendo a importância da lógica, da coerência e da confirmação empírica na produção de um conhecimento psicológico válido.

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A relação entre pesquisas teóricas e empíricas na psicologia contemporânea é, portanto, bastante complexa. Essa complexidade, somada à tendência de especialização da formação acadêmica atual (que prioriza ou a discussão teórico-filosófica, ou a produção empírico-científica), acaba com as esperan­ças de que uma relação harmoniosa entre as atividades teórica e empírica pudesse ser alcançada quando um mesmo pesquisador desenvolve ambas atividades. Em outras palavras, um pesquisador empírico especialista pro­moverá discussões teóricas ingênuas ou superficiais, da mesma maneira que um pesquisador teórico especialista desenvolverá pesquisas empíricas reple­tas de falhas. Isso mostra que, pelo menos por enquanto, fomentar uma relação conflituosa entre pesquisas empíricas e teóricas parece ser a única solução viável.

6. Considerações finais

Na medida em que uma ciência se consolida, mais ela exige um trabalho especializado, sobretudo no contexto do “produtivismo” acadêmico con­temporâneo. Seguindo a separação entre filosofia e ciência, consolidada no século XX, parece que o cientista é forçado a abandonar a filosofia, dedican­do-se exclusivamente à pesquisa empírica. Além disso, o clima acadêmico não é favorável à pesquisa teórica, uma vez que se trata de uma investigação mais demorada, quase “artesanal”, que dificilmente conseguirá atingir as exigências de produção colocadas nos critérios das agências de fomento e órgãos responsáveis pela política científica nacional. O resultado é que os programas de pós-graduação em psicologia tendem a restringir esse tipo de trabalho, o que retroalimenta todo o sistema, com professores que não apre­sentam as habilidades e competências de um pesquisador teórico, tornando ainda mais difícil romper esse círculo vicioso.

O primeiro passo para tal ruptura é admitir a importância de um equilíbrio entre pesquisas empíricas e teóricas. A responsabilidade pela busca desse equilíbrio recai, em última instância, sobre as comunidades e organizações de psicologia, que precisariam abandonar eventuais preferências e reconhe­cer que o trabalho teórico funciona “contra” a produção empírica, e que isso é, paradoxalmente, desejável. O conflito dá sentido para a pesquisa teórica:

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é preciso olhar para uma teoria psicológica como algo que instrui a atividade de psicólogos, que orienta escolhas metodológicas e técnicas. Com isso, é preciso manter no horizonte a necessidade de a teoria ser empiricamente sustentada por pesquisas e interessada em aspectos “reais”, palpáveis, exe­quíveis, de modo que a pesquisa teórica, voltada para essa teoria, não possa se resumir a elaborações teóricas vazias e inúteis. Nesse sentido, é preciso reconhecer que muito do que vem sendo produzido sob a rubrica de pes­quisa teórica talvez possa ser abandonado sem qualquer prejuízo para a psicologia; como já haviam constatado Machado, Lourenço, Pinheiro e Silva (2004) em um exame de publicações portuguesas: “as análises que eram supostas serem conceituais são, em geral, uma reposição (eclética) de ar­gumentos e pontos de vista de autores diversos, como se da sua colocação em série no artigo em questão emergisse, por geração espontânea, clareza e distinção” (p. 326).

Já do lado da pesquisa empírica, o contato conflituoso com a pesquisa teóri­ca evita o “empirismo bárbaro”, que há algum tempo difunde-se na ciência em geral e na psicologia em especial (Furlan, 2012). Trata-se de abandonar a concepção filosoficamente ingênua de que a produção empírica é com­pletamente isenta de compromissos filosóficos, sejam eles epistemológicos, ético-políticos e até mesmo ontológicos. Caberia à pesquisa teórica explicitar esses compromissos, sobretudo quando eles são apenas implícitos nas prá­ticas de pesquisa e nas atuações profissionais. Uma relação conflituosa im­pede, ainda, que a pesquisa empírica seja completamente sequestrada pelo “produtivismo” acadêmico, ou seja, pela exigência de uma produção maci­ça e acrítica de dados ininteligíveis e inúteis (Machado, Lourenço, & Silva, 2000). Além do mais, como argumentam Machado et al. (2004), a confusão conceituai, com a qual lida a pesquisa teórica, coloca em xeque a própria cientificidade do que está sendo produzido pela pesquisa empírica: “o valor incontornável de uma análise conceituai digna de tal nome fica justificado quando temos presente que uma experiência concebida em atmosfera de confusão conceituai jamais merece ser adjetivada de científica” (Machado et al., 2004, p. 326).

Desse modo, é preciso não apenas reconhecer o conflito entre pesquisas em­pírica e teórica, mas promovê-lo. Isso pode ser feito por políticas científicas

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que estejam esclarecidas em relação a esse ponto, recusando a tradição que defende uma harmonia inócua, em favor de um diálogo conflituoso, porém produtivo. Assim, agências de fomento deveriam buscar algum equilíbrio entre as diferentes formas de pesquisa, o que poderia, em última instância, refletir-se na natureza dos trabalhos desenvolvidos em programas de pós-gra­duação. Sociedades científicas poderiam considerar como meta o equilíbrio nos trabalhos que serão apresentados em suas programações. Revistas pode­riam incluir em suas políticas editoriais seções para discussões teóricas que possam lançar desafios à produção empírica.

Além disso, é preciso reestruturar o modo como está organizada a formação de psicólogos. Os cursos de graduação deveriam garantir um equilíbrio e, principalmente, uma articulação entre teoria, ciência e atuação profissional, evitando a teorização inócua, a ciência ingênua e o tecnicismo acrítico. Uma maneira de fazer isso é usar a pluralidade do campo psicológico a favor da formação, aproveitando a diversidade da psicologia e suas múltiplas relações com a ciência e com a filosofia para construir uma formação teoricamente coerente, historicamente consciente de seus compromissos filosóficos e con- textualizada na realidade e nos problemas contemporâneos.

Referências

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Metodologia da pesquisa conceituai em psicologia

Carolina Laurenti

Carlos Eduardo Lopes

Embora não seja suficiente para caracterizar a complexidade de aspectos que definem a pesquisa científica, o uso de métodos contribui para dar visibi­lidade aos critérios que servirão de pedra de toque para aferir a plausibilida­de das hipóteses levantadas no decurso da investigação científica, bem como a confiabilidade dos resultados obtidos. Isso é bastante evidente quando se trata de pesquisas empíricas, pois, nesse caso, a explicitação do itinerário metodológico é um dos principais responsáveis pela pragmática da pesquisa, permitindo reprodução, avaliação e eventual correção dos resultados, por diferentes pesquisadores (Kõche, 2002).

Quando a pesquisa é de natureza conceituai, a questão do método geral­mente perde destaque, conduzindo à ideia de que esse tipo de pesquisa seria refratário à discussão de aspectos metodológicos. Isso, muitas vezes, acaba relegando a pesquisa conceituai a um tipo de “pesquisa m enor” e, algumas vezes, cria suspeitas quanto ao seu próprio status de pesquisa (Laurenti, 2012).

Considerando esse panorama, este capítulo parte da ideia de que a pesqui­sa conceituai apresenta uma metodologia específica, o que garante não ape­nas seu status de pesquisa, mas também seu papel no desenvolvimento da psicologia em geral (Abib, 1996; Machado, Lourenço, & Silva, 2000; Ma­chado & Silva, 2007; Petocz & Newbery, 2010; Tourinho, Carvalho Neto, & Neno, 2004). Uma vez que a noção de metodologia é mais ampla que a de métodos e técnicas (cf. Minayo, 2010, pp. 43-44), o objetivo deste capítu­

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lo é apresentar um procedimento metodológico para pesquisas conceituais em psicologia, contextualizando-o em características basilares desse tipo de pesquisa, como seu objeto de estudo, objetivo, níveis de análise, escopo e pressupostos filosóficos.

Com isso não se pretende esgotar o assunto, tampouco apresentar uma lei­tura cabal dos compromissos filosóficos da pesquisa conceituai, ou delinear uma definição absoluta com procedimentos metodológicos definitivos. O que se segue é uma tentativa de sistematizar algumas reflexões e propostas de desenvolvimento de pesquisa conceituai em psicologia, de modo a jus­tificar sua importância e, principalmente, auxiliar no ensino desse tipo de pesquisa na graduação e pós-graduação.

Espera-se que as diretrizes metodológicas, bem como as discussões a respei­to da pesquisa conceituai tecidas neste livro, possam também ser úteis ao desenvolvimento das diversas correntes e ramos da ciência psicológica, de modo que a pungente constatação de Wittgenstein (1953/1975), “existem na psicologia métodos experimentais e confusão conceituai” (p. 226), possa ser, ao menos, atenuada.

1. Objeto, objetivo, níveis de análise e escopo da pesquisa conceituai

O que é pesquisa conceituai? Uma forma de tentar responder a essa ques­tão consiste em, primeiramente, delimitar o objeto de estudo desse tipo de pesquisa. De acordo com Machado, Lourenço e Silva (2000): “investigações conceituais sempre são relativas a uma teoria particular” (p. 22), No en­tanto, ao invés de dar uma resposta à pergunta inicial, isso coloca um novo questionamento ainda mais complicado: em que consiste uma teoria e, em especial, uma teoria psicológica? A questão é espinhosa, pois “na maior par­te dos casos usa-se ‘teoria’ sem se definir o que se entende por esse termo e confiando-se numa compreensão intuitiva do uso do vocábulo” (Ferrater Mora, 1994/2001, p. 2852). Além disso, o termo teoria participa de uma diversidade de controvérsias filosóficas, como as distinções entre teoria e

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prática, teoria e práxis, ou teoria e ação; as diferenças e semelhanças entre teoria, princípio, lei e hipótese; a natureza e a estrutura das teorias científi­cas; a relação entre teoria e fatos; o estatuto cognitivo das teorias, e assim por diante (cf. Ferrater Mora, 1994/2001, pp. 2851-2852).

Uma maneira de não se comprometer com a discussão dessas dificuldades, o que ultrapassaria o escopo deste texto, é adotar uma definição mais genérica de teoria como “um corpo coerente de conhecimentos sobre um campo de objetos” (Ferrater Mora, 1994/2001, p. 2852). Assim, a teoria psicológica poderia ser entendida como um conjunto de enunciados verbais a respeito do campo psicológico (Machado, Lourenço, & Silva, 2000). Os enunciados verbais de uma teoria psicológica compõem uma trama conceituai ou uma rede de conceitos, que, espera-se, sejam articulados entre si de modo coeren­te e não contraditório, fornecendo uma definição e explicação dos fenôme­nos psicológicos. Na medida em que a trama conceituai que compõe uma teoria é escrita, a teoria psicológica pode ser considerada um texto (Abib, 1996). Desse modo, a pesquisa conceituai pode ser definida como uma in­terpretação da teoria ou texto psicológico.

Para a construção dessa interpretação, a pesquisa conceituai pode assumir diferentes níveis de análise da teoria ou texto psicológico. Em um nível mais restrito, a investigação conceituai interroga e interpela a teoria psico­lógica sondando “os conceitos nucleares da teoria, seus significados e suas gramáticas” (Machado, Lourenço, & Silva, 2000, p. 23). Trata-se de fazer um escrutínio da teoria psicológica, explicitando as “regras” que regulam o uso de conceitos da teoria em diferentes contextos (Machado, Lourenço, & Silva, 2000; Machado & Silva, 2007)l6. Em que consistiria, por exemplo, o conceito de expectativa em uma dada teoria psicológica? A elucidação do uso do conceito pode mostrar que expectativa descreve regularidades na sucessão entre eventos, sendo frustrada quando a regularidade é interrom­pida sem aviso prévio (cf. Machado, Lourenço, & Silva, 2000, p. 24). Ra­ciocínio semelhante estende-se para o esclarecimento do uso de metáforas

16 É o caso de situar um conceito em um “jogo de linguagem" (Wittgenstein, 1953/1975} ou de pôr às claras o uso de conceitos psicológicos em uma teoria, a exemplo das análises de Ryle (1949} de conceitos mentais.

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ou de termos oriundos de diferentes áreas de conhecimento na linguagem comum de uma dada teoria psicológica (Machado & Silva, 2007).

A pesquisa conceituai pode partir para um nível de análise sistêmico, mos­trando, que em uma teoria, um dado conceito está associado a outras no­ções ou conceitos, e que sua compreensão exige justamente a explicitação dessa rede de relações. Por exemplo, uma análise sistêmica do texto de Skinner (1969) intitulado Comportamento Operante, mostra que a elucida­ção do conceito de comportamento depende de outros conceitos correla- tos como ação, consequência, antecedente, classe, probabilidade, relação funcional, contingência. Ainda nesse nível de análise, o conceito pode ser investigado em diferentes textos de um mesmo autor, dando visibilidade às suas eventuais mudanças e inflexões (isto é, sua evolução). Continuando o exemplo, a tarefa seria sondar o conceito de comportamento em diferentes textos de Skinner.

Outro nível de análise conceituai seria interpelar os conceitos psicológicos com as categorias da filosofia, dando relevo às afinidades filosóficas do núcleo conceituai de uma teoria psicológica. Isso permitiria filiar o texto psicológico a certos compromissos filosóficos, como determinadas meta­físicas (mecanicísmo, pluralismo, substancialismo); epistemologias (empi­rismo, instrumentalismo, realismo); teorias éticas (utilitarismo, egoísmo ético, hedonismo); ideologias políticas (anarquismo, liberalismo, indivi­dualismo, utopismo), e assim por diante. Nessa perspectiva de análise, po­dem ser evidenciadas, por exemplo, afinidades do conceito skinneriano de relações funcionais com uma metafísica mecanicista (Marr, 1993), embora esse mesmo conceito já tenha sido analisado em termos de uma visão de mundo contextualista (Morris, 1988). Do ponto de vista epistemológico, é possível destacar tendências realistas (Simanke, 2009) ou instrumenta­listas (Fulgêncio, 2003) da rede conceituai que compõe a metapsicologia freudiana. Em relação ao campo ético, o conceito de moralidade de Piaget já foi discutido em termos de um “kantismo evolutivo” (Freitas, 2002), embora La Taille (2006) argumente que a motivação das ações morais não pode ser compreendida em Piaget sem referência ao conceito de afetivida­de - nesse sentido, a teoria moral piagetiana não poderia ser identificada integramente com a concepção de Kant. No âmbito político, Patto (1984),

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seguindo uma análise de Deleuze, considerou o behaviorismo como um instrumento de dominação, que opera mascarando a historicidade da so­ciedade, por meio de uma “biologização” do conceito de comportamento; enquanto Holland (1978) descreveu afinidades dessa mesma teoria com valores socialistas e revolucionários.

Mas o esclarecimento conceituai do texto também pode advir de uma análise histórica dos conceitos, já que eles, e o próprio texto, estão situados em uma dada época e cultura. Nessa perspectiva analítica, o conceito é contextuali- zado em um dado período histórico ou em diferentes períodos. O trabalho de Micheletto (1995) é um exemplo de análise histórica da rede conceituai envolvida na noção de ciência do comportamento na obra de Skinner. A autora mostra uma mudança nessa rede conceituai entre as décadas de 1930 e 1980, por influência de diferentes modelos de ciência (físico-químico e biológico), que vigoravam nesse período. Uma análise histórica mais ampla de um conceito é feita por Canguilhem (1955/1975), ao descrever a traje­tória do conceito de reflexo ao longo dos séculos XVII e XVIII, indicando o momento de seu aparecimento (com T, Willis) e de sua formulação mais bem-acabada (com G. Prochaska).

Situar o núcleo conceituai do texto em sua moldura histórica significa tam­bém acionar um exame do Zeitgeist e das visões de mundo que vigoravam em uma dada época, sondando uma gama de aspectos: culturais, econômi­cos, políticos, ideológicos, metafísicos, éticos, estéticos, e assim por dian­te. Para tanto, a dimensão histórica da pesquisa conceituai “faz perguntas contextuais e procura respostas na história intelectual e cultural do texto” (Abib, 2005, p. 54). Tais respostas podem ser encontradas em diversas fon­tes, como em “autobiografia e biografias do autor do texto, em documentos (por exemplo, anais e resumos de congressos, participação em associações profissionais), correspondências e testemunhos de colegas e discípulos e até mesmo na investigação da orientação intelectual de colaboradores” (p. 54).

Assim, a pesquisa conceituai, a depender de suas dimensões de análise, envolve uma análise intertextual, na qual são examinadas as inter-relações entre texto psicológico, pressupostos filosóficos e contexto histórico (Abib, 2005). Esses diferentes níveis de análise mostram que, do ponto de vista

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da história, filosofia e sociologia das ciências, a pesquisa conceituai pode assumir contornos mais “internalistas”, quando se volta estritamente para uma análise do uso de um conceito, de sua rede conceituai, ou de seus pres­supostos filosóficos. Mas quando abrange também a análise histórica dos conceitos, a pesquisa conceituai pode acabar ofuscando os limites entre “in- ternalismo” e “externalismo” (cf. Ferrater Mora, 1994/2005, pp. 985-986).

Tendo em vista as suas diferentes possibilidades de análise, uma pesquisa conceituai exige do pesquisador (ou intérprete do texto, como será discutido adiante) uma série de habilidades. Por exemplo, ela requer um relativo do­mínio da teoria psicológica que se quer investigar. A depender do escopo da investigação proposta, mais será mobilizado do intérprete para a pesquisa conceituai. Pode ser demandado: (i) o estudo de um conceito em um único texto de um autor; (ii) a investigação de um conceito em vários textos de um mesmo autor; (iii) o exame de dois ou mais conceitos em um ou vários tex­tos de um mesmo autor. Em cada uma dessas propostas de estudo exige-se um grau de familiaridade distinto com a teoria psicológica sob investigação. Em uma pesquisa ainda mais ampla, na qual um ou mais conceitos seriam examinados em textos de diferentes autores, o intérprete teria de dominar as teorias envolvidas nessa proposta de pesquisa. Supondo ainda que algu­mas teorias psicológicas podem ser consideradas científicas, é necessário conhecer as discussões basilares em ciência para situar minimamente o nú­cleo conceituai em exame nesse âmbito, como a problemática dos diferentes modelos de ciência (Kõche, 2002; Santos, 1987/2004).

Como a pesquisa conceituai pode envolver também uma intertextualidade, o intérprete precisa não só exibir um razoável domínio com respeito à teoria psicológica de interesse, mas também ter uma formação mínima em filoso­fia e história das ciências. O esclarecimento filosófico do conceito envolve o conhecimento das categorias basilares da filosofia, que, por sua vez, são polissêmicas, exigindo, por vezes, o recurso à história da filosofia para sua elucidação preliminar (Abib, 1996). Já a análise histórica de conceitos pode mobilizar algumas técnicas de investigação típicas do historiador, como o escrutínio de diferentes tipos de documentos (biografias, autobiografias, cor­respondências, anais de congressos etc.). A depender do nível de complexi­dade da investigação pretendida, o pesquisador conceituai precisa, portanto,

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de uma formação plural, como cientista, filósofo e historiador, de modo a propiciar um conhecimento suficiente para esclarecer os diferentes sentidos dos conceitos do texto psicológico.

2. Compromissos filosóficos da pesquisa conceituai: notas sobre interpretação

Como apresentado alhures, o objeto de estudo de pesquisas conceituais em psicologia é a teoria psicológica ou, mais especificamente, o texto psicológico; e o principal objetivo desse tipo de pesquisa é esclarecer os conceitos que com­põem esse texto. O processo de esclarecimento do significado do texto pode ser denominado interpretação. Se isso for assim, então, o objetivo de uma pesquisa conceituai em psicologia seria propor uma interpretação do texto psicológico.

A noção de interpretação, contudo, envolve uma vasta e calorosa discus­são a respeito de sua definição (cf. Eco, 1992/2001; Ricoeur, 1969/2003, 1986/2002; Vitorino, 2006). A despeito dessa complexidade, serão discuti­dos neste texto apenas três sentidos emblemáticos de interpretação, já que eles podem filiar a pesquisa conceituai a diferentes compromissos filosóficos.

A concepção mais tradicional de interpretação (e por vezes ainda defendida em pesquisas conceituais em psicologia) considera que interpretar é desco­brir a intenção do autor do texto; o sentido que ele quis dar ao escrevê-lo. A origem de tal acepção remonta à atividade de exegese dos textos bíblicos, que busca por um sentido Verdadeiro e, portanto, único desses textos (Ri­coeur, 1969/2003). Nesse contexto original, a justificativa para definir inter­pretação como descoberta do verdadeiro sentido do texto é evidente: como o texto sagrado é uma revelação divina, seu verdadeiro autor é Deus, cuja natureza não admite erro. Logo, toda e qualquer ambiguidade e incoerência devem-se às falhas do intérprete, jamais ao texto como tal, e muito menos ao seu autor. Pode-se dizer, então, que o texto é “fechado”, ou seja, há ape­nas um significado ou itinerário possível, cabendo ao intérprete descobri-lo, trilhando o curso interpretativo correto. Uma pesquisa conceituai orientada por essa concepção de interpretação pressupõe que o significado de um con­ceito está latente no texto, esperando que um intérprete qualificado o traga

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à tona. Esse modo de considerar a interpretação traz consigo ainda outra característica clássica: a defesa da autoridade, que, nesse caso, é o intérprete qualificado para desvendar o verdadeiro significado do texto17.

Uma das críticas a essa concepção clássica de interpretação é que a “desco­berta” do significado originário da obra ou da intenção do autor, em relação aos leitores de seu tempo, é praticamente impossível (Eco, 1992/2001). O leitor, ao interpretar um texto, o faz a partir de sua própria história de vida pessoal e cultural, não podendo mais captar todas as condições que estavam presentes quando da gênese do texto. Mesmo que essa dificuldade possa ser contornada, por meio de um mapeamento exaustivo de fontes biográficas e autobiográficas, ainda resta considerar a possibilidade de que o texto não seja completamente fechado a interpretações diversas. Em outras palavras, mesmo que a intenção do autor possa ser considerada, tomando-se por base, por exemplo, um relato autobiográfico (a intenção declarada do autor ao redigir o texto), ainda assim é possível que o texto “escape ao controle do autor”, abrindo caminhos interpretativos inicialmente imprevisíveis (Eco, 1992/2001). Nesse caso, a interpretação seria ilegítima porque “não foi isso que o autor quis dizer”? O autor teria, portanto, prerrogativa na avaliação da interpretação? Será que o autor é isento de falhas? Ou, ainda, será que o autor tem total controle de seu texto? Outra objeção, que de certo modo decorre desses questionamentos, consiste na dificuldade de se tomar uma decisão quanto a quem descobriu o verdadeiro significado do texto: na dis­puta entre duas interpretações conflitantes, a quem outorgar a chancela da interpretação verdadeira? Mais ainda: como saber quando se esgotaram as possibilidades de sentido de um texto? Essas questões geralmente são termi­nadas com argumentos de autoridade, subscrevendo uma postura dogmática na pesquisa conceituai. Dessa perspectiva, o objetivo de uma investigação conceitua] em psicologia seria esclarecer o sentido dos textos buscando-se, por exemplo, o “Verdadeiro Skinner”, o “Verdadeiro Freud”, “o Verdadeiro W undt”, o “Verdadeiro James”, e assim por diante. Uma vez descoberto o sentido verdadeiro dos textos que compõem a obra de um autor, uma “fran­

17 Embora seja uma característica medieval, o princípio de autoridade, presente nesse modo de conceber a interpretação, decorre mais diretamente da modernidade. Isso porque, paradoxalmen­te, ao mesmo tempo em que a modernidade criticou a autoridade nas ciências naturais, continuou aceitando-a c defendendo-a como critério para a validação de interpretações de textos no âmbito das ciências morais (Martconda, 2006).

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quia intelectual” é pleiteada, constituindo uma interpretação canônica - o que, muitas vezes, conta com a “aprovação” do próprio autor, por meio de elementos biográficos e autobiográficos que tornariam a interpretação legítima. Consequentemente, interpretações ulteriores deveriam se reportar a essa interpretação canônica para tratar dos mesmos textos, reiterando-a e jamais colocando-a em xeque.

Em outro extremo, interpretar passa a ser entendido como o processo de invenção ou criação de significados de um texto. Essa acepção opõe-se em vários aspectos à ideia de que interpretar é descobrir ou revelar o significado oculto do texto. Recorrendo às características irremediavelmente ambíguas da linguagem, argumenta-se que tudo que é dito é passível de ser interpreta­do de modos diversos e até mesmo contraditórios (cf. Ricoeur, 1986/2002). Desse modo, assume-se que o autor do texto nunca tem controle de todas as possibilidades de significação por parte do seu intérprete (Eco, 1992/2001). O texto seria, portanto, infinitamente aberto: o sentido de um texto nun­ca poderia ser estabelecido de uma vez por todas. Com efeito, declara-se a “morte do autor”. Isso quer dizer que a “autoridade” do autor é substituída pela liberdade do intérprete, pois é apenas a leitura do intérprete que dará sentido ao texto. No entanto, não se exige aqui um “intérprete qualificado”; qualquer leitura é, em princípio, válida. Em última instância, esse modo de conceber a interpretação também acaba por promover a “morte do texto”, pois ele agora é considerado tão flexível e maleável quanto for o processo interpretativo do leitor. O texto seria vazio, sucumbindo passivamente à ati­vidade criativa do intérprete.

Uma das principais críticas a essa proposta é justamente a ênfase exagerada no leitor ou intérprete (Eco, 1992/2001). Aqui, a interpretação parece re­pousar única e exclusivamente no processo de imaginação do leitor. Desse modo, fica difícil encontrar critérios para decisão quanto à adequabilida- de de uma dada interpretação. Se a primeira concepção de interpretação é excludente, havendo apenas uma única interpretação possível, a segunda é demasiado inclusiva: qualquer interpretação seria adequada. Assumindo que o texto é indefinidamente aberto em suas possibilidades interpretativas perde-se, por conseguinte, a ideia de que existam interpretações incorretas ou equivocadas. Dessa perspectiva, o objetivo da pesquisa conceituai seria

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proliferar diferentes significados possíveis dos textos de Freud, de Skinner, de W undt, de James etc. Há, pois, tantos “Freuds”, “Skinners”, “W undts” e “James” quanto forem seus intérpretes. Além disso, não parece haver lu­gar para disputa ou controvérsia, pois como não há critério para avaliação dessas diversas interpretações, as contradições que eventualmente surgirem entre elas não poderão ser enfrentadas. Em outras palavras, as contradições tornam-se imanentes ao processo interpretativo, deixando de ser um proble­ma. Essa concepção abre o flanco para o completo relativismo na pesquisa conceituai, e para todos os problemas advindos desse posicionamento, como a falta de uma avaliação rigorosa das interpretações propostas. Por outro lado, também pode ser ocasião para o ecletismo na pesquisa conceituai: como não há critério de exclusão entre interpretações, propostas inconsis­tentes ou contraditórias entre si podem ser combinadas livremente, com a justificativa de se conferir uma nova interpretação da obra de um autor.

Uma terceira possibilidade, mais afinada com as proposições deste capítu­lo, entende que interpretar é construir um significado na inter-relação entre autor, leitor e texto (Eco, 1992/2001). A noção de construção opõe-se à ideia de que interpretar é descobrir um significado latente. Dessa perspec­tiva, seria improcedente buscar, por meio de uma investigação conceituai, o “Verdadeiro Skinner”, o “Verdadeiro Freud”, o “Verdadeiro W undt”, o “Verdadeiro James”. A depender do tipo de fonte em que se baseia a inter­pretação, como no caso de correspondências, biografias e autobiografias, é até possível encontrar evidências da intenção do autor para escrever o texto, mas isso não é a última palavra. O texto permanece aberto a interpretações que ultrapassem a intenção do autor, ou seja, o texto pode dizer mais do que o autor quis dizer (Eco, 1992/2001; Ricoeur, 1969/2003, 1986/2002). Nesse ponto, admite-se que há uma contribuição positiva do intérprete: ele pode construir sentidos por meio de diversas relações textuais (biográficas, autobiográficas, filosóficas, econômicas, sociológicas, antropológicas etc.). Assim, o processo de interpretação pode filiar o texto a tradições de pensa­mento, compromissos filosóficos, discussões políticas e outros fatores que foram invisíveis ao autor do texto, mas que nem por isso são menos possí­veis. Como discutido anteriormente, a depender do background filosófico e cultural do intérprete, o texto psicológico pode ser analisado em diferen­tes níveis. Por outro lado, isso não significa que qualquer interpretação é

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permitida, pois o texto estabelece limites intransponíveis, a partir dos quais é possível identificar erros ou equívocos interpretativos (Eco, 1992/2001). Assim, o texto exibe certa autonomia em relação ao seu autor, mas também em relação ao leitor, que não está autorizado a “forçar uma interpretação”, ou seja, a apresentar uma interpretação sem o devido amparo textual, uma “superinterpretação” (Eco, 1992/2001). Em outras palavras, o texto é aber­to a uma pluralidade de interpretações, mas não a qualquer interpretação.

O limite entre “várias” e “qualquer” é dado por critérios de avaliação de uma interpretação em termos de: (Í) consistência lógico-filosófica (se é isenta de contradições, falácias ou equívocos filosóficos); (ii) natureza das fontes (se são fontes primárias, oriundas de edições confiáveis); (iii) apoio textual (se é possível identificar claramente as partes do texto que justificam a in­terpretação proposta); (iv) apreciação crítica da comunidade acadêmica (se, depois de publicada, a interpretação proposta resiste às críticas), entre ou­tros. Com isso, interpretações confiáveis podem ser alcançadas e perdurarão até que interpretações mais fiáveis, de acordo com critérios estabelecidos, sejam apresentadas.

Em suma, por mais que a pesquisa conceituai possa, genericamente, ser definida como o processo de interpretação de textos, a relação com o ob­jeto de estudo (o texto psicológico) ganha matizes distintos a depender da concepção de interpretação que orienta a investigação. Conhecer, mini­mamente, as principais discussões a respeito da noção de interpretação é importante, não só para que se possa compreender melhor o processo de investigação conceituai, mas para avaliar sua adequação e o papel de seus procedimentos metodológicos.

3. Diretrizes metodológicas da pesquisa conceituai

Uma vez descritos objetivo, objeto, níveis de análise, escopo e compromissos filosóficos da pesquisa conceituai, é o momento de apresentar uma proposta de procedimento para a realização deste tipo de pesquisa. Certamente, tra­ta-se de uma proposta, havendo, portanto, outras possíveis. Vale mencionar

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que todo procedimento metodológico só faz sentido quando situado em uma proposta de pesquisa. Como qualquer outro tipo de investigação científico- -acadêmica, uma pesquisa conceituai precisa ser descrita nos moldes de um projeto de pesquisa.

Em linhas gerais, um projeto de pesquisa é um documento sintético (cerca de vinte laudas), que expõe um plano de ação para que se avalie a relevância e a viabilidade de sua execução. Um projeto de pesquisa não é, portanto, a pesquisa propriamente dita, mas uma proposta de investigação acerca de uma problemática específica. Há diferentes modelos de projeto de pesquisa, e que variam conforme a instituição na qual será realizada a investigação. Independentemente de algumas especificidades, um projeto de pesquisa apresenta alguns elementos básicos, que são definidos conforme a lógica de cada tipo de pesquisa,

A elaboração de um projeto de pesquisa conceituai segue estes mesmos pa­râmetros: passa pela escolha do assunto, pela delimitação de um tema e pela formulação de uma pergunta de pesquisa. Com base nesses elementos, os demais aspectos de um projeto, como a introdução, os objetivos, a justificati­va da pesquisa, o método e o cronograma de execução podem ser redigidos. Uma descrição pormenorizada de como elaborar um projeto de pesquisa pode ser encontrada em diferentes livros e manuais de metodologia científi­ca (e.g., Kóche, 2002; Lakatos & Marconi, 2003; Minayo, 2010; Severino, 2000; Volpato, 2013). Como a pesquisa conceituai também segue as diretri­zes lógico-formais de uma pesquisa científico-acadêmica, as considerações sobre como elaborar um projeto de pesquisa podem ser devidamente ajusta­das a um problema de pesquisa de natureza conceituai.

Contudo, usualmente, é na seção de método que surgem as principais dúvi­das quando se tenta elaborar um projeto de pesquisa conceituai. O método demarca, operacionalmente, qual é o caminho investigativo que será trilhado para a obtenção das informações necessárias para se responder ao problema de pesquisa ou para atingir os objetivos. Como isso pode ser feito no caso de uma pesquisa conceituai? Considerando a necessidade de se mostrar, de modo mais sistemático, como lidar com o objeto de estudo de uma pesqui­sa conceituai (o texto psicológico), será apresentada uma descrição de um procedimento de construção de interpretações de textos, Esse procedimento

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pode ser aplicado com cada um dos textos que foram escolhidos como objeto de investigação da pesquisa. Por isso, antes de analisar os textos de acordo com as diretrizes desse procedimento, é preciso discutir como selecioná-los.

3.1. Seleção dos textos

Uma investigação conceituai precisa lidar com o texto do autor em sua lín­gua original. Isso porque “nem sempre as traduções fazem justiça ao pensa­mento do autor” (Eco, 1977/2010, p. 18). Existem importantes implicações teóricas do uso de determinados termos nas traduções, como se verifica na celeuma em torno da tradução do conceito de Trieb para instinto ou pulsão em textos psicanalíticos de Freud (cf. Estêvão, 2012; Honda, 2011). Em ou­tros casos, algumas traduções podem deixar lacunas em relação ao texto primário, como é o caso da tradução para o português de The Technology o f Teaching de Skinner, na qual não constam, na tradução brasileira (cf. Skin- ner, 1968/1972, p. 169), alguns trechos (cf. Skinner, 1968, p. 180). Outro problema consiste na omissão de palavras ou termos, como da partícula ne­gativa na tradução para o português de uma frase do livro Verbal Behavior, mudando completamente o sentido original (cf. Skinner, 1957/1978, p. 48).

Por esses e outros problemas, recomenda-se que a pesquisa conceituai lide com fontes primárias, ou de “primeira mão”, no caso, o texto do autor na sua língua vernácula. Tradução, como diz Eco (1977/2010), não é sequer fonte: “é uma prótese, como a dentadura ou os óculos, um meio de atingir de forma limitada algo que se acha fora do alcance” (p. 39). Resenhas, análises ou discussões elaboradas por comentadores são fontes secundárias (Eco, 1977/2010). A pesquisa conceituai requer, portanto, o domínio de alguma língua estrangeira quando o texto psicológico, alvo de exame, for escrito em um idioma distinto daquele do intérprete. Se a leitura do texto na língua ori­ginal do autor for realmente inviável, uma alternativa seria buscar traduções comentadas e conhecer as recensões sobre as traduções dos conceitos mais importantes do texto, mantendo sempre no horizonte suas limitações para uma investigação conceituai.

O procedimento de seleção dos textos de uma pesquisa conceituai depen­derá também do escopo da investigação. Por exemplo, se se trata de um

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texto de um único autor, do confronto entre dois ou mais textos de um autor, da relação entre textos de diferentes autores, e assim por diante. Depende também do nível de análise pretendido: uso de um conceito, rede conceituai, compromissos filosóficos, contexto histórico.

A despeito disso, a escolha das fontes sempre será orientada pelo problema de pesquisa: que texto ou conjunto de textos poderiam conter as informa­ções necessárias para se alcançar o objetivo da pesquisa? Em primeiro lugar, é preciso fazer um levantamento da(s) obra(s) do(s) autor(es) do(s) texto(s) analisado(s). Essa informação pode ser encontrada consultando artigos es­pecíficos, índices de obras completas, edições críticas e outras fontes que apresentam uma lista dos trabalhos publicados do autor18. Vale ressaltar que eventualmente a lista de publicações de um autor é atualizada com textos que tinham sido ignorados em um primeiro momento, portanto, é importan­te levar isso em consideração ao buscar essa informação.

Como a elaboração de um projeto de pesquisa conceituai já supõe alguma familiaridade com a obra do autor, a lista de trabalhos publicados pode aju­dar a avaliar se os textos inicialmente considerados para elaborar a pesquisa são suficientes e adequados para os objetivos propostos. Além disso, a lista de obras pode ser empregada para justificar a escolha de um texto especí­fico do autor, m ostrando que se trata de um texto emblemático para um período da obra, ou que marca uma transição importante, e assim por dian­te. No caso de pesquisas conceituais históricas, o levantamento das obras de um autor pode ainda ajudar a decidir como operar recortes cronológicos e outras questões específicas desse nível de análise.

No caso de pesquisas conceituais que utilizarão um livro ou conjunto de livros de um autor, há um procedimento suplementar para a seleção dos textos. A maioria dos livros em língua estrangeira (infelizmente no Brasil isso é raro) traz, ao final, uma lista dos principais conceitos tratados no livro, com a respectiva paginação. Trata-se do índice remissivo ou index do

18 Alguns exemplos dessas fontes são: a bibliografia comentada de William James (McDermott, 1977); a Gesammelte Werke de S. Freud (Freud, Bibring, Hoffer, Kris, & Isakower, 1952); os ar­tigos de Carrara (1992) e de Andery, Micheletto c Sério (2004) sobre os trabalhos publicados de B. F. Skinner.

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livro19. Além de ser um recurso bastante ütil para a seleção de textos em um livro - indicando em quais capítulos o conceito é tratado a busca por conceitos em índices remissivos permite a construção de uma rede concei­tuai. Isso quer dizer que com a busca nos indexes é possível ampliar o nível de análise de uma pesquisa de um conceito para um conjunto de conceitos que estariam inter-relacionados na obra do autor.

3.2. Procedimento de interpretação conceituai de texto: conceituação e etapas

Uma vez definidos quais textos serão analisados durante a execução da pes­quisa, é preciso descrever como essa análise será feita. De antemão, vale ressaltar que, diferentemente do que acontece com muitas pesquisas empí­ricas, a descrição de procedimentos metodológicos em pesquisa conceituai não tem a função de garantir a reprodutibilidade dos resultados. Trata-se, isto sim, de mostrar a maneira como uma proposta de interpretação foi cons­truída, o itinerário interpretativo, abrindo a possibilidade de críticas que apontem falhas nesse processo, que, se corrigidas, culminariam em uma in­terpretação alternativa.

O Procedimento de Interpretação Conceituai de Texto (PICT) é uma manei­ra de construir interpretações e, portanto, produzir material pertinente ao desenvolvimento de pesquisas de natureza conceituai. Do modo como será apresentado, o PICT está voltado para a análise do uso de um conceito ou da rede conceituai de um texto psicológico, além de auxiliar na identifica­ção de seus compromissos e afinidades filosóficos. O procedimento não abarca, portanto, a dimensão histórica da análise conceituai, que pode ser vislumbrada acrescentando-se algumas diretrizes descritas no capítulo A investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos: breves considera­ções metodológicas.

O PICT é composto por quatro etapas, sendo cada uma delas subdividida em passos. Uma descrição sumária e esquemática deste procedimento

19 Quando for possível acessar um livro em formato eletrônico, a consulta ao índice remissivo pode ser substituída por uma busca direta pelos conceitos no corpo do texto, empregando recursos como "CTRL + F” ou mecanismos de busca de aplicativos para leitura de e-books.

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será apresentada a seguir. Para ilustrar de modo concreto cada passo, ao final dessa caracterização o leitor encontrará um exemplo de regis­tros produzidos pela aplicação do PICT ao texto The scope o f psychology (O escopo da psicologia), de William James (1890/1955). Isso não quer dizer que a análise completa desse texto será descrita aqui ou que uma interpretação acabada será apresentada ao final (o que evidentemente excederia os limites e os objetivos deste capítulo); trata-se apenas de um recurso didático para m ostrar como aplicar o procedimento em um “texto real”.

Primeira etapa: levantamento dos principais conceitos do texto

Esta etapa consiste em listar os principais conceitos citados no texto e de­fini-los pautando-se no próprio texto. O problema de pesquisa é o que es­tabelece, em um primeiro momento, se um conceito é “principal” ou “se­cundário”. Como a etapa exige que os conceitos listados sejam definidos pelo próprio texto - o que deve ser feito de modo literal diminuem-se as chances de uma “superinterpretação”, ao mesmo tempo em que cumpre o critério de apoio textual da interpretação construída.

A etapa subdivide-se em quatro passos:

Passo 1: grife e enumere, no texto, os conceitos e doutrinas (psicológicas, fi­losóficas) que julgar importante (o parâmetro desse julgamento é o problema de pesquisa: diferentes problemas de pesquisa demarcam conceitos distintos);

Passo 2 : tente encontrar a definição de cada conceito e doutrina no próprio texto. Isso significa registrar tudo aquilo que foi dito sobre cada conceito e doutrina, em todas as partes do texto. As vezes, o autor retoma o conceito em diferentes momentos do texto, acrescentando outros elementos. E preci­so ficar atento a esse movimento;

Passo 5 : anote todos os resultados, ou seja, transcreva as definições entre aspas, citando a(s) página(s) (p.) e o(s) parágrafo(s) (§) nos quais elas podem ser futuramente localizadas. Para tanto, numere todos os parágrafos do texto;

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Passo 4 : faça uma lista dos conceitos e doutrinas cujas definições não foram encontradas no texto. Se um desses conceitos “indefinidos” for prioritário para o seu problema de pesquisa, isso indica que o texto não é apropriado e, portanto, você terá que recorrer a outros textos do mesmo autor. No caso de doutrinas “indefinidas”, você deve buscar definições em obras de referência, como dicionários específicos (de psicologia, filosofia etc.) ou compêndios (de epistemologia, de ética, de metafísica20). Anote a definição e registre que ela foi encontrada em outra fonte, diferente do texto. Isso será importante para avaliar, posteriormente, se o autor do texto está considerando ou não essa “definição-padrão”.

Segunda etapa: caracterização das teses do texto

Esta etapa tem o objetivo de apresentar o texto em termos de sua estrutura conceituai, explicitando a articulação de teses. Uma tese é uma afirmação que o autor faz em relação a um determinado assunto, do qual participam os conceitos levantados na primeira etapa. A articulação das teses do texto se dá em termos de: i) teses tradicionais - afirmações feitas por outros autores, teorias ou doutrinas, e que serão discutidas e criticadas pelo autor do texto; ü) críticas - os problemas que o autor do texto menciona em relação às teses tradicionais; iii) teses alternativas - a(s) proposta(s) do autor para substituir as teses tradicionais criticadas evitando seus problemas.

A primeira contribuição desta etapa é explicitar o posicionamento do au­tor em relação aos conceitos investigados, indicando em que sentidos são defendidos e criticados. Além disso, a identificação da estrutura concei­tuai de um texto evita um dos equívocos interpretativos mais grosseiros: dizer que um autor está defendendo aquilo que ele critica, ou vice-versa (o que é entendido, aqui, como confundir tese tradicional com tese al­ternativa). Esta etapa também permite uma avaliação crítica do autor, identificando, por exemplo, o uso de argumentos retóricos falaciosos para

20 Alguns exemplos dessas obras de referendas podem ser encontrados no capítulo A investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos: breves considerações metodológicas.

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fragilizar adversários, equívocos cometidos em relação a doutrinas e teo­rias criticadas, e assim por diante. Por fim, esta etapa também permite que um “perfil” do autor seja esboçado, identificando adversários (dou­trinas consideradas representantes das teses tradicionais), compromissos e afinidades filosóficos (autores ou doutrinas que são listadas, ao lado do próprio autor, como representantes das teses alternativas), e seu estilo argumentativo (se está preocupado mais em apresentar críticas, se faz justiça aos adversários, se tem propostas explícitas etc.).

A etapa subdivide-se em quatro passos:

Passo 1: escreva as teses tradicionais (TT) citadas no texto, identificando a participação de conceitos e doutrinas listados na etapa anterior. E importan­te, neste passo, definir as teses tradicionais com base no texto, atentando para como o autor as apresenta ou define (considere o que foi descrito na etapa anterior);

Passo 2 : escreva as críticas (C) dirigidas às teses tradicionais (quais proble­mas decorrem da adoção das teses tradicionais?);

Passo 5 : escreva as teses alternativas (TA) propostas pelo autor do texto com base na crítica (verifique se autores, doutrinas ou teorias são citados como precursores dessa proposta; nesse caso, não se esqueça de considerar as definições da primeira etapa);

Passo 4: agrupe em categorias temáticas a articulação entre teses sobre um mesmo assunto. Dê um título que ilustre de forma clara essa categorização.

Observação: se nesta etapa você identificar alguma tese (tradicional ou al­ternativa) que menciona conceitos ou doutrinas que não foram listados na primeira etapa, volte a ela e tente defini-los.

Terceira etapa: elaboração de esquemas

Esta etapa consiste em representar na forma de figuras e/ou diagramas, as relações entre teses tradicionais, crítica e teses alternativas identifi­

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cadas na etapa anterior. Os esquemas ajudam a visualizar a estrutura argumentativa do texto, identificando relações entre conceitos, doutrinas e teorias, bem como eventuais lacunas e equívocos cometidos pelo autor. A ideia é que o esquema seja capaz de substituir o texto original, de modo que sua visualização seja suficiente para se falar ou escrever sobre o texto sem voltar a ele.

Passo único: faça um esquema geral do texto para evidenciar sua estrutura conceituai. Isso pode ser feito na forma de tópicos ou de diagramas/fluxo- gramas com setas, quadrados e outras figuras.

Quarta etapa: síntese interpretativa

O objetivo desta etapa é realizar uma síntese das relações conceituais cons­truídas ao longo das etapas anteriores. Trata-se de produzir um texto inter- pretativo pautando-se principalmente nos esquemas elaborados na Etapa 3. Se for necessário consultar a todo momento o texto original, talvez seja o caso de refazer as etapas do procedimento. A ideia é que o pesquisador te­nha familiaridade com o texto sob investigação, sem, contudo, reproduzi-lo, no sentido de transcrever suas partes. Portanto, o texto deve ser escrito com linguagem e estilo próprios, discutindo o texto original, valendo-se, quando for oportuno, de citações diretas, que podem ser acessadas nos registros da primeira etapa do método. Esse novo texto deve contemplar as lacunas, as afinidades filosóficas, bem como outros elementos que foram identificados ao longo do procedimento.

3.2.1. Exemplo de registros produzidos pela aplicação do Procedimento de Interpretação Conceituai de Texto (PICT)

Texto: lames, W. (1955). The escope of psychology. In R. M. Hutchins (Ed.), Great books o f the western world (Voi 53) - The principies o f psychology (pp. 1-7). Chicago: Encyclopaedia Britannica. (Trabalho original publicado em 1890.)

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Primeira etapa: levantamento dos principais conceitos do texto

• Psicologia: “ciência da vida mental, tanto de seus fenômenos quanto de suas condições” (p. 1, § 1). A psicologia precisa considerar processos corpo­rais, em especial os cerebrais: “certa quantidade de fisiologia cerebral preci­sa ser pressuposta ou incluída na psicologia” (p, 3, § 6).

• Fenômenos da vida mental: “são aquelas coisas que chamamos de senti­mentos, desejos, cognições, raciocínios, decisões” (p. 1, § 1). Quando con­siderados superficialmente, “sua variedade e complexidade é tamanha que conduz o observador a uma impressão caótica” (p. 1, § 1).

• Condições da vida mental: “a faculdade [mental] não existe de maneira ab­soluta, mas funciona sob certas condições; e a busca dessas condições torna-se a tarefa de maior interesse do psicólogo” (p. 2, § 3, itálicos do autor). O funcio­namento cerebral é uma das condições da vida mental (cf, p. 2, § 5; p. 3, § 6): “portanto, experiências corporais, e mais especificamente experiências cere­brais, precisam estar entre aquelas condições da vida mental que a psicologia deve levar em consideração” (p. 3, § 6), A relação com o mundo ou ambiente é outra condição da vida mental; refere-se à psicologia proposta por Herbert Spencer: “na qual a essência da vida mental e da vida corporal são a mesma, ou seja, ‘ajustamentos internos a relações externas’” (p. 4, § 9), e “mentes habitam ambientes que agem sobre elas e aos quais elas reagem por sua vez” (p. 4, § 9). •

• Teoria espiritualista: representantes “teoria ortodoxa da escolástica” e “senso comum” (p. 1, § 1). Modo de unificar os fenômenos mentais: classifi­cação (cf, p. 1, § 1), “e, em seguida, ligar os diversos modos mentais, assim descobertos, a uma entidade simples, à alma pessoal, da qual eles são toma­dos como manifestações de suas várias faculdades” (p. 1, § 1). Ao contrastar com o associacionismo, subentende-se que para essa teoria o self ou o ego de um indivíduo é uma “fonte preexistente de representações” (p. 1, § 1). As faculdades (como cognição e memória) são consideradas propriedades absolutas da alma (cf. p. 1, § 2). Não consegue explicar os fenômenos men­tais (reminiscências, efeitos da febre e drogas sobre a memória etc.), supõe aquilo que precisa ser explicado (a priori), “há algo de grotesco e irracional na suposição de que a alma é equipada com poderes elementares de uma en- genhosidade tão complexa. [...] Tais peculiaridades parecem completamente fantásticas; e, como qualquer coisa considerada a priori, poderiam ser preci-

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samente opostas ao que são” (p. 2, § 3). O espiritualista precisa considerar as condições cerebrais (cf. p. 3, § 6).

• Associacionismo: representantes “Herbart na Alemanha, Hume, Mills [Ja­mes e J. Stuart] e Bain na Inglaterra”; “construíram uma psicologia sem uma alma” (p. 1, § 1, itálicos do autor). Modo de unificar os fenômenos mentais: “buscar elementos comuns nos diversos fatos mentais, ao invés de buscar um agente comum atrás deles, e explicá-los construtivamente pelas várias formas de arranjo de seus elementos” (p. 1, § 1, itálicos do autor). Essas formas de arranjo devem-se a princípios de associação “tomando ‘ideias* discretas, fracas ou vívidas, e mostrando como, por sua coesão, repulsão e formas de sucessão, coisas como reminiscências, percepções, emoções, volições, paixões, teorias e todo o resto de uma mobília de uma mente indi­vidual podem ser engendradas” (p. 1, § 1). O self ou o ego não é fonte, mas produto das representações (cf. p. 1, § 1). Introduz a ordem na experiência a partir do mundo externo, com a ideia de cópia: “a dança das ideias é uma cópia, um pouco mutilada e alterada, da ordem dos fenômenos” (p. 2, § 5). No entanto, isso não é suficiente para explicar o modo de funcionamento da vida mental: “A simples existência de um fato passado não é motivo para nossa lembrança dele” (p. 2, § 5). A explicação da ordem da vida mental deve admitir o papel das condições cerebrais, algo negligenciado pelos asso- ciacionistas: “mas a mínima reflexão mostra que os fenômenos não têm ab­solutamente nenhum poder de influenciar nossas ideias, pelo menos até que tenham impressionado primeiro nossos sentidos e nosso cérebro” (p. 2, § 5).

• Critério de “mentalidade” (ou presença de capacidades ou faculdades mentais): “a busca de fins futuros e a escolha de meios para sua realização são, assim, a marca e o critério da presença de mentalidade em um fenômeno” (p. 5, § 15, itálicos do autor).

Segunda etapa: caracterização das teses do texto

Sobre explicações da vida mental

TTI: Teoria espiritualista: a vida mental é produto de faculdades absolutas da alma.

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C: Não é capaz de explicar como os fenômenos mentais afetam uns aos outros nem como condições corporais interferem nos fenômenos mentais; recai em explicações absolutas (apriorísticas); desconsidera a condicionali- dade da vida mental.

T A l: As faculdades não existem de maneira absoluta (independente), mas dependem de certas condições (o contato com o mundo e o funcionamen­to cerebral).

TT2: Teoria associacionista: a vida mental é produto do contato com o mun­do externo, que é duplicado na forma de ideias e combinado por princípios de associação.

C: Apresenta dificuldades em explicar a ordem da vida mental (apenas postula que a ordem da experiência é copiada da ordem do mundo); não consegue explicar por que condições corporais interferem na experiência (por exemplo, quando febre ou fadiga interferem na capacidade cognitiva ou mnemónica).

TA2: A psicologia deve considerar o cérebro (cerebralismo) como um dos condicionantes da vida mental.

Implicações dessas explicações para a definição do escopo da psicologia

TT1: A psicologia seria o estudo da mente em si mesma (espiritualismo) ou da mente em relação como mundo externo (associacionismo).

C: Ou a psicologia desconsidera completamente a condicionalidade da vida mental (espiritualismo), ou considera apenas uma das condições da vida mental (mundo externo). Ambas as versões de psicologia desconsideram o funcionamento cerebral.

TAl: A psicologia precisa reconhecer e estudar os condicionantes da vida mental (algo que precede e que sucede os fatos mentais). Esses condicionan­tes devem ser buscados no ambiente externo e no funcionamento cerebral. A psicologia é o estudo da vida mental na sua relação com o mundo externo

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e o funcionamento cerebral. Nessa relação, a vida mental opera escolhendo meios para atingir fins futuros (critério de “mentalidade”).

Terceira etapa: elaboraçao de esquemas

Sobre a explicação da vida mental e o escopo da psicologia

Quarta etapa: síntese interpretativa

Como explicitado no próprio título, nesse texto, James discute o escopo da psicologia, ou seja, o alcance e os limites dessa ciência. Para tanto, ele inicia apresentando duas formas tradicionais de explicação da vida mental.

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A primeira delas é o espiritualismo, cujos representantes são a escolástica e o senso comum. Essa doutrina entende a vida mental como um conjunto de faculdades absolutas de uma alma. A segunda forma de explicação tradi­cional é o associacionismo, cujos representantes são Herbart, Hume, James Mill, John Stuart Mill e Bain. Essa doutrina considera a vida mental uma cópia do mundo externo, organizada por princípios associativos. De acordo com James, ambas as propostas falham por não admitir um dos principais condicionantes da vida mental: o funcionamento cerebral. Nesse sentido, a proposta é que a psicologia seja definida como o estudo das relações entre vida mental, funcionamento cerebral e o mundo externo. A vida mental ope­raria escolhendo meios para atingir fins futuros, o que James considera o critério de “mentalidade” (o indicativo da presença de vida mental).

3.3. Sistematização dos resultados4

Considerando que uma pesquisa conceituai geralmente envolve um conjunto de textos (de um mesmo autor ou de diferentes autores), cada texto anali­sado de acordo com o PICT dará origem a uma síntese interpretativa. Des­se modo, será necessário articular todo o material produzido na forma de um texto final, cuja organização (em capítulos ou como um único ensaio) dependerá do nível da pesquisa (iniciação científica, monografia, disserta­ção, tese), da dimensão de investigação conceituai proposta e do volume de material produzido. O objetivo desse texto final é responder à pergunta de pesquisa, dando elementos para tornar a resposta confiável.

4. Considerações finais

Este capítulo procurou mostrar que o trabalho conceituai pode ser consi­derado uma modalidade genuína de pesquisa. Para tanto, foram indicados seu objeto (o texto psicológico), objetivo (construir uma interpretação de textos psicológicos), níveis de análise (análise do uso de um conceito, da rede conceituai, de compromissos filosóficos, e do contexto histórico), esco­po (estudo de um conceito em um único texto de um autor, investigação de um conceito em vários textos de um mesmo autor, exame de dois ou mais

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conceitos em vários textos de um mesmo autor, cotejar um ou mais concei­tos em textos de diferentes autores) e pressupostos filosóficos (vinculados à noção de interpretação). Foram também apresentadas algumas diretrizes metodológicas, mais especificamente, um procedimento de interpretação de textos (PICT), que pode ser útil na elaboração e execução de um projeto de pesquisa conceituai, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação. À semelhança de pesquisas científico-acadêmicas de outra natureza, as dire­trizes metodológicas de uma pesquisa conceituai não devem ser considera­das um conjunto fixo e rígido de passos. Trata-se, tão somente, de explicitar a maneira como os resultados da pesquisa foram alcançados.

Além de uma explicitação metodológica, uma pesquisa conceituai precisa produzir conhecimento novo, respondendo a uma pergunta de pesquisa. Portanto, trabalhos conceituais que se resumem a repetições, afirmando aquilo que já se sabe, com palavras diferentes, não seriam propriamente pesquisas. Nesse sentido, a mediocridade de algumas análises conceituais, somada à falta de transparência em relação aos procedimentos metodológi­cos (ou, em alguns casos, a franca inexistência de tais procedimentos), con­tribuem para que a investigação conceituai continue não sendo reconhecida como um tipo legítimo de pesquisa acadêmica.

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Fontes de confusão conceituai na psicologia

José Antônio Damásio Abib

Faz diferença a distinção entre confusão conceituai e esclarecimento con­ceituai? Trata-se, aparentem ente, de uma indagação extravagante, pois, afinal, não é suficiente m ostrar que há diferença? Mas, apesar disso, ela faz sentido, pois a diferença pode ser insignificante, tola e sem valor. Convém observar, contudo, que está implícito nessa pergunta que esses conceitos são diferentes, o que não é de todo óbvio, pois podemos sus­peitar que predomine a confusão conceituai e que, mais cedo ou mais tarde, o destino de todo esclarecimento conceituai seja o de term inar em tal confusão. Se assim for, a tarefa de sondar diferenças entre esses dois conceitos seria como a de Sísifo: absurda, trágica e, em última análise, sem esperança21.

Esse cenário evoca um comentário de Wittgenstein sobre a psicologia. O filó­sofo escreve na conclusão de suas Investigações Filosóficas que não é por ser uma ciência jovem que a psicologia é confusa e árida, mas sim porque na “psi­cologia existem métodos experimentais e confusão conceituai” {Wittgenstein, 1953/1988, p. 232). Aparentemente, do ponto de vista de Wittgenstein, a

21 Por tantas razões, por seu desprezo aos deuses, por suas paixões, por seu amor à vida e ódio à morte, Sísifo foi condenado pelos deuses ‘‘a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caia de novo em consequência de seu peso” (Catnus, 1942, p. 161). Camus comenta que os deuses “tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança” {p. 161). Camus assinala ainda que a tarefa de Sísifo (além de ser absurda) é trágica, a partir do momento em que ele se torna consciente de seu destino. Sísifo é o “cego que deseja ver e que sabe que a noite não tem fim’’ (p. 166). Mas cabe lembrar que Sísifo “está sempre em marcha” (p. 166), humilhado, mas também revoltado: Sísifo, o mortal que despreza os deuses, pode abandonar sua tarefa absurda e trágica.

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confusão conceituai seria inerente à psicologia, um destino ao qual ela estaria condenada mesmo quando vier a ser uma ciência madura22.

O que justificaria a análise conceituai na psicologia se Wittgenstein (1953/1988) tiver razão? Qual seria o sentido de tal análise se tudo termina em confusão conceituai? Uma análise dessa natureza não se justificaria visto que ela estaria condenada por princípio. A primeira vista, a observação de Wittgenstein presume a unidade da ciência, pois diz que o estado da psico­logia “não é comparável, por exemplo, com o da física em seus primórdios” (p. 232). Desde os seus primórdios, a física seria unitária e, por essa razão, estaria a salvo, não só da multiplicação de métodos experimentais, como também da confusão conceituai; ao passo que, desde os seus primórdios, a psicologia não teria unidade e, por essa razão, teria métodos experimentais e confusão conceituai; e será esse o seu fado, mesmo quando se tornar uma disciplina provecta. A tarefa da análise conceituai na psicologia seria a tarefa de Sísifo: absurda, trágica e sem esperança.

Podemos discordar de Wittgenstein (1953/1988) com o argumento de que a análise conceituai pode contribuir para dirimir confusão conceituai no âm­bito das tradições de pesquisa de uma disciplina, cuja unidade esteja sem­pre ou quase sempre sob suspeita, como parece ser o caso da psicologia, bem como para, gradualmente, pôr às claras as bases de uma confusão mais complexa, e ressaltar, desse modo, a tensão sub specie aeternitatis entre o esclarecimento e a docta ignorantia. Todo esclarecimento conceituai é pro­visório, não podemos nos acomodar; no horizonte aguarda-nos a confusão conceituai, o leitmotiv, enfim, e bem-vindo, da análise conceituai.

Se Wittgenstein (1953/1988) tem ou não razão no que se refere à relação entre a falta de unidade de uma disciplina e a confusão conceituai, uma relação que, aparentemente, está implícita em seu comentário, não é uma questão que nos interessa aqui. Seja porque podemos colocá-la em dúvi­da de antemão, perguntando, por exemplo, se não há ou se nunca houve confusão conceituai na física, bem como em outras disciplinas, por exem­plo, na química, na fisiologia, na biologia (Feyerabend, 1975/2007; Kuhn,

22 Quando os filósofos querem atormentar os psicólogos eles frequentemente citam esse comen­tário de Wittgenstein. Em seu tom bem-humorado, o professor Bento Prado |r. jamais perdia uma oportunidade.

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1962/2011). Seja porque a psicologia não tem realmente unidade e o que nos interessa é precisamente sondar algumas confusões conceituais relacio­nadas com essa pluralidade.

1. Tradições e versões#

A psicologia moderna surgiu dividida conforme duas concepções diferen­tes de ciência psicológica: os projetos de Wundt (1912/1973) e de James (1892/2009). Essa cisão original proliferou-se em várias tradições de pesqui­sa apresentando-se cada qual como revolução psicológica com o intuito de conquistar a tão almejada unidade da disciplina. Entretanto, não só o caráter revolucionário dessas tradições tem sido colocado sob suspeita, como tam­bém, e por decorrência, a crença de que os derrotados por tais revoluções te­nham sido realmente derrotados, pois o que observamos por toda a parte é a “vigência dos derrotados” (Abib, 1996; Friman, Allen, Kerwin, & Larzelere, 1993; Leahey, 1992). E mais recentemente, novas tendências na disciplina, por exemplo, a psicologia evolucionária e o nível crescente de especialização profissional, levaram Goodwin (2005) a concluir que a psicologia não é uma ciência unificada e que talvez seja melhor acatar a sugestão de Koch (1993) e substituir a ideia de ‘a psicologia1 por ‘estudos psicológicos’.

Uma fonte inicial de confusão conceituai na psicologia consiste na leitura de uma tradição psicológica em termos de outra tradição psicológica. Uma opacidade dessa natureza ocorreu no alvorecer da psicologia moderna quan­do Titchener declarou que sua psicologia representava uma continuidade da psicologia de Wundt (Danziger, 1979; Leahey, 1981). Provavelmente, a principal consequência dessa obscuridade conceituai tenha sido a recepção, ensino e divulgação da psicologia de Wundt nos termos da psicologia de Titchener, o que tem sido amplamente criticado pelos especialistas na obra do autor alemão (Danziger, 1979; Leahey, 1979). Compreender a psicologia de Titchener como sendo continuidade da psicologia de Wundt foi tão signi­ficativo que Blumenthal (1979) refere-se a Wundt como o pai fundador da psicologia que nunca conhecemos. O que equivale a dizer que não conhece­mos o projeto da psicologia científica que rompeu com a psicologia metafí­sica e que inaugurou a psicologia moderna. Um cenário que se agrava, a se

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levar em conta que, segundo Leahey (1992), apenas o projeto de psicologia científica de Wundt pode ser chamado de revolucionário. Em suas palavras: “Salvo no que se refere à fundação da psicologia por Wundt, revolução em psicologia é um mito” (p. 316).

Uma segunda fonte de confusão conceituai na psicologia consiste na leitura de uma versão de tradição psicológica em termos de outra versão dessa mes­ma tradição. É o que acontece, por exemplo, com o comportamentalismo. Há, por um lado, o comportamentalismo filosófico e, por outro, o compor­tamentalismo psicológico, bem como há versões de comportamentalismo filosófico e versões de comportamentalismo psicológico (Churchland, 2004; O ’Donohue & Kitchener, 1999; Zuriff, 1985).

O ’Donohue e Kitchener (1999) afirmam que há quatro versões de compor­tamentalismo filosófico e dez psicológicas23 e observam que sua classifica­ção não é exaustiva. Os comportamentalismos filosóficos são: o ‘lógico’ de Hempel, Carnap, Feigl e Bergman; o de Quine, Ryle e Wittgenstein, embora seja controverso chamar as filosofias de Ryle e de Wittgenstein de compor­tamentalismo (Bloor, 1999; Button, Coulter, Lee, & Sharrock, 1997; Ryle, 1949/1980; Wittgenstein, 1953/1988). Os comportamentalismos psicológi­cos são: os de Watson, Kantor, Hull; o ‘radical’ de Skinner; o ‘empírico’ de Bijou; o ‘teórico’ de Staddon; o ‘intencional’ de Tolman; o ‘teleológico’ de Rachlin; o ‘biológico’ de Timberlake; e o ‘contextualismo funcional’ de Gifford e Hayes.

Tomemos como exemplo do segundo tipo de confusão conceituai o caso do comportamentalismo radical, Essa versão de comportamentalismo é fre­quentemente identificada com a versão da psicologia estímulo-resposta. No entanto, Skinner (1969) critica qualquer versão de comportamentalismo que utilize os conceitos de estímulo-resposta, entrada-saída, input-output. Skinner afirma que “nenhuma consideração do intercâmbio entre o orga­nismo e o ambiente será completa até que inclua a ação do ambiente sobre o organismo após uma resposta ter sido feita” (p. 5). Esse comentário de Skinner é determinante, não só para afastar o comportamentalismo radical

23 As versões filosóficas não passam necessariamente por uma reflexão sobre o comporta­mento assentada na ciência do comportamento, enquanto que essa passagem é obrigatória nas versões psicológicas.

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do comportamentalismo estímulo-resposta, mas também para mostrar que Watson (1930) não radicalizou o conceito de comportamento, algo que teria sido feito por Skinner, como será argumentado mais adiante.

MacCorquodale (1969) diz que a crítica de Chomsky ao livro Verbal Behavior de Skinner ficou mais conhecida do que o próprio livro, mas que Chomsky se equivocou, pois “não compreende as diferenças entre o comportamenta­lismo de Skinner e os de Watson e Hull” (p. 841). MacCorquodale (1970) refere-se ainda aos enganos de Chomsky com respeito a conceitos de Skin­ner, como estímulo, resposta, controle de estímulos, reforçamento, probabi lidade total de resposta, probabilidade momentânea de uma resposta. Mac­Corquodale (1970) conclui que não é possível aceitar a crítica de Chomsky porque ele não entende a linguagem de Skinner.

O comportamentalismo radical é identificado também com o comportamen­talismo metodológico, como pode ser verificado, por exemplo, no texto de filósofos tão renomados como Churchland (2004). Trata-se de confusão con­ceituai de longa data, pois já em 1945, e mais tarde em 1974, Skinner criti­cou essa versão de comportamentalismo psicológico. Skinner (1945/1999) critica a definição operacional de termos psicológicos sob o ponto de vista do comportamentalismo metodológico. Argumenta-se, desse ponto de vista, que existem dois mundos: o dos eventos públicos e o dos eventos privados, e caso se pretenda ser uma ciência, a psicologia deve se dedicar à investigação dos eventos públicos e ignorar os eventos privados. Skinner observa que o comportamentalismo metodológico “nunca foi um bom comportamentalis- mo” (p. 428).

2 .0 olho epistêmico

Uma terceira fonte de confusão conceituai consiste na leitura de uma tra­dição psicológica em termos de uma tradição filosófica estranha àquela tradição. Aceitar a tese da continuidade entre a psicologia de Titchener e a de W undt significa atribuir a Wundt uma tradição filosófica na qual ele não comungava, bem como uma concepção de ciência, do fenômeno básico da psicologia, dos métodos de pesquisa, da causalidade e do sujeito,

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radicalmente distinta da que foi professada pelo fundador da psicologia científica (Blumenthal, 1975, 1980; Danziger, 1980; Leahey, 1981). Uma breve análise das tradições filosóficas que foram professadas por W undt e Titchener pode contribuir para esclarecer algumas dessas confusões.

A psicologia de Titchener é solidária com o empirismo inglês. De acordo com Danziger (1980), “Titchener. . . caracterizou seu ‘ponto de vista geral’ conforme ‘o da psicologia inglesa tradicional’” (p. 84). E segundo Leahey (1981), “Titchener,, . deveria ser visto como um associacionista e positivista britânico” (p. 273). A psicologia de Wundt é solidária com o idealismo ale­mão. De acordo com Blumenthal (1980): “Wundt viu sua psicologia como o representante moderno da tradição leibnitziana, incluindo os trabalhos de Spinoza, Wolff, Tetens, Kant, Humboldt, Mendelsohn, Hegel, Schelling, Fichte e Schopenhauer” (p. 125).

As diferenças entre essas duas tradições filosóficas são tão significativas que Blumenthal (1980) refere-se a duas culturas filosóficas e, consequentemente, a um choque de culturas que repercute na esfera psicológica dando origem a duas tradições psicológicas distintas. Danziger (1979) faz uma análise de algumas repercussões sobre as psicologias de Wundt e Titchener advindas dessas duas tradições filosóficas. Uma delas refere-se à concepção de ciência psicológica. De acordo com a filosofia do idealismo alemão, a ciência é dual. Há, de um lado, as ciências da cultura (Geistewissenschaften) e, de outro, as ciências da natureza (Natunvissenschaften). Decorre dessa concepção que os conceitos relacionados com as ciências da cultura são irredutíveis aos concei­tos relacionados com as ciências da natureza. De acordo com a filosofia do empirismo inglês (e do positivismo de Ernst Mach, que também foi abraçado por Titchener), a ciência é unitária. Há, de um lado, a redução de uma ciência menos básica a uma ciência mais básica: a ciência cujas leis seriam mais abs­tratas e gerais. A sociologia seria reduzida à psicologia, essa à biologia, essa à física, que seria a ciência mais básica. Há, de outro lado, a explicação de uma ciência menos básica por uma ciência mais básica. A física explicaria a biolo­gia, essa a psicologia, essa a sociologia. Mas a recíproca não seria verdadeira: a sociologia não explicaria a psicologia, e assim por diante.

As diferenças entre essas concepções de ciência repercutem nos conceitos de objeto e causalidade na psicologia. De acordo com Wundt (1897/1922),

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Danziger (1979) e Blumenthal (1975), o objeto de estudo da psicologia é a experiência imediata de processos psicológicos, tais como a atenção voliti- vo-seletiva24, a percepção, o pensamento, a memória. Esses processos são experienciados por um sujeito; são, portanto, dependentes de um sujeito. E a existência dessa relação que confere à experiência o seu caráter imediato, tanto é assim que, se houver abstração do sujeito, a experiência torna-se me­diada por uma abstração, o que lhe confere o caráter de ser uma inferência, uma construção conceituai (Danziger, 1979; Wundt, 1897/1922).

Procede dessa concepção sobre o objeto que a explicação na psicologia é diferente da explicação nas ciências naturais. Com efeito, “nas ciências natu­rais. . . os atributos da experiência são derivados de objetos e energias exter­nas. . . mas no caso da psicologia, os atributos da experiência são derivados dos processos do sujeito da experiência” (Blumenthal, 1975, p. 1081).

Trata-se da diferença entre a causalidade psíquica, o modo de explicação na psicologia, e a causalidade física, o modo de explicação nas ciências da natu­reza. O conceito de causalidade psíquica não pode ser reduzido ao conceito de causalidade física, pois tal redução eliminaria o sujeito da experiência, e, consequentemente, o próprio objeto de estudo da psicologia.

Porém, foi precisamente isso o que fizeram Titchener e Külpe, o psicólogo da Escola de Würzburg, quando reduziram a causalidade psíquica à causali­dade física: reduziram o indivíduo psíquico ao indivíduo físico, eliminaram o indivíduo psíquico (Danziger, 1979). Külpe e Titchener abraçaram o posi­tivismo de Mach, o que os levou a repudiar o conceito de indivíduo psíquico. Achavam que esse conceito envolvia referência a uma agência central res­ponsável pelos processos da experiência imediata, o que não pode ser aceito pelo positivismo machiano, centrado como é na observação, descrição e ela­boração de relações funcionais. De acordo com Danziger, para Külpe e Tit­chener, não temos nenhuma experiência imediata de uma agência central, de um Eu; a experiência que temos é de sensações. Desse modo, a sensação foi estabelecida como o objeto de estudo da psicologia: o fenômeno fisiológico capaz de explicar os fenômenos psicológicos (Abib, 2005; Danziger, 1979).

24 A atenção volitivo-seletiva é o fenômeno psicológico paradigmático para Wundt e que levou o autor alemão a chamar sua psicologia de psicologia volítiva (Blumenthal, 1975).

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Uma quarta fonte de confusão conceituai consiste na leitura de uma versão psicológica em termos de uma tradição filosófica estranha àquela versão. É o que acontece quando se lê a psicologia de Skinner em termos da psicologia de Watson. Watson (1913, 1930) foi um crítico mordaz do mentalismo, mas reduziu os reflexos comportamentais a reflexos fisiológicos, solidarizando-se com a filosofia do materialismo (Merleau-Ponty, 1942/1977).

Merleau-Ponty (1942/1977) combate a antinomia clássica do psíquico e do fisiológico e afirma que “em Watson a negação da consciência como ‘realidade interior’ se faz segundo a antinomia clássica, em proveito da fisiologia, e o comportamento é reduzido a uma soma de reflexos e de reflexos condicionados” (pp. 2-3).

Segundo Merleau-Ponty (1942/1977), o comportamentaíismo de Watson comprometeu-se com uma “filosofia indigente” (p. 3). E de qual filosofia indigente se trata? Merleau-Ponty com a palavra:

Em reação contra as trevas da intimidade psicológica, o comportamen- talismo não procura recursos, a maior parte do tempo, senão em uma explicação fisiológica ou mesmo física, sem ver que ela está em contradi­ção com as distinções iniciais - ele se declara materialista, sem ver que isto consiste em recolocar o comportamento no sistema nervoso, (p. 3)

Sucede da aliança de Watson (1913, 1930) com o materialismo que o com­portamento não só perde sua neutralidade com relação à antinomia clássica do psíquico e do fisiológico, em favor da fisiologia, como também que o estudo em termos da relação entre o indivíduo e o ambiente, que pode ser feito sem uma palavra de fisiologia, perde sua autonomia (Merleau-Ponty, 1942/1977).

Se a psicologia de Skinner for lida em termos da psicologia de Watson, então ela também estaria comprometida com o materialismo. Mas Skinner (1969) manifestou-se explicitamente contra o materialismo25 e a explicação do com-

25 Nas palavras de Skinner (1969): “É muito simples parafrasear a alternativa componamentalista dizendo que na verdade existe apenas um mundo e que esse é o mundo da matéria, pois a palavra matéria perdeu sua utilidade. Qualquer que seja o estofo do qual o mundo é feito, ele contém organismos” (p. 248).

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portamento em termos fisiológicos. Escreve o seguinte em um texto em que tenta explicar o que significa comportamentalismo radical:

Eu não acredito que cunhei o termo comportamentalismo radical, mas quando me perguntam o que entendo por isso eu sempre digo “a filosofia de uma ciência do comportamento tratada como um assunto por si mesmo à parte de explicações internas, mentais ou fisiológicas”. (Skinner, 1989, p. 122)

É notável que Skinner tenha ressaltado a palavra fisiológicas; e não o tenha feito com relação à palavra mentais. Por que essa diferença de ênfase? Tal­vez porque já não fosse mais necessário criticar as explicações mentalistas do comportamento. Afinal, a crítica ao mentalismo data de duas décadas antes do aparecimento do Manifesto Comportamentalista de Watson (Dan- ziger, 1997; Leahey, 1992). Já as explicações fisiológicas eram aceitas como explicação científica do comportamento, como é possível constatar no mate­rialismo de Watson. Já no final de sua vida, Skinner ainda tentava fechar as portas a explicações fisiológicas do comportamento. Pois, aproximadamen­te, um século depois do advento da crítica ao mentalismo na psicologia, elas teimavam (e teimam) em continuar abertas. Ele estava fechando as portas ao materialismo.

Aparentemente Skinner (1989) está dizendo que a elaboração de uma con­cepção radical do comportamento enfrenta dois inimigos: o mentalismo e o materialismo. Skinner faz o trabalho que Watson (1913, 1930) não fez, o que Merleau-Ponty (1942/1977) chamou de sadio e profundo na intuição do comportamento, “a visão do homem como debate e ‘explicação’ perpétua com um mundo físico e com um mundo social” (p. 3). O comportamentalis­mo radical visa chegar à raiz do comportamento e para isso precisa fechar as portas tanto ao mentalismo quanto ao materialismo, bem como incluir não só a ação do ambiente sobre o organismo, mas também a ação do organismo sobre o ambiente. Pois é quando se faz isso que o comportamento participa de sua própria explicação. Com efeito, na psicologia de Skinner, o compor­tamento é explicado pelas consequências que ele produz: o comportamento é modificado e fortalecido ou enfraquecido pelas consequências que produz. Mas como as consequências são produzidas pelo comportamento, em última

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análise, é o comportamento que está na raiz de sua própria modificação, fortalecimento ou enfraquecimento, o que equivale a dizer que ele participa de sua própria explicação. E a psicologia consequencialista de Skinner, e não a psicologia estímulo-resposta de Watson, que contribui para esclarecer a observação de Merleau-Ponty de que o homem é “debate e ‘explicação’ perpétua com um mundo físico e com um mundo social” {p. 3).

A sc levar em conta que Watson (1913, 1930) não radicalizou a noção de comportamento, não chegou à raiz do comportamento, não chegou ao estu­do do comportamento como um assunto por si mesmo, não se pode dizer que o seu Manifesto Comportamentalisía inaugurou o comporta me ntalis mo, ou que ele seja o fundador do comportamentalismo. A fundação do compor- tamentalismo teria ainda de esperar por uma concepção de comportamento que alcançasse a raiz do comportamento, o que foi feito por Skinner: o fun­dador do comportamentalismo.

Uma quinta fonte de confusão conceituai consiste na leitura de uma versão psicológica em termos de uma tradição filosófica aparentemente análoga àquela versão. Foi isso o que aconteceu, por exemplo, com as analogias que foram feitas entre o comportamentalismo radical e o comportamentalismo lógico. Mas, apesar de as relações entre Skinner e essa filosofia não serem desprezíveis, os críticos têm rejeitado enfaticamente a forte aliança que fre­quentemente é atribuída a esses dois comportamentalismos (Abib, 1982; Day Jr. & Moore, 1995; Ringen, 1999; Smith, 1986). Na verdade, Skinner já havia criticado o comportamentalismo lógico no seu clássico texto de 1945. Com efeito, ele critica a definição dos termos operacionais sob o ponto de vista do comportamentalismo lógico. Argumenta que esse tipo de definição é da alçada da ciência, e não da lógica. Não se trata, portanto, de definir termos psicológicos com base em “‘uma regra para o uso de um termo’ (Feigl)” (p. 426).

Apresentadas algumas fontes de confusão conceituai na psicologia, não seria oportuno perguntar se elas não seriam evitadas caso a análise conceituai se realizasse nos limites de versões específicas? Quer dizer, se, por ser mais limitada do que toda uma tradição, não seria uma versão psicológica mais unitária e menos propensa a opacidades conceituais?

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Infelizmente, a esperança de evitar obscuridade conceituai limitando-se a análise a versões frequentemente é frustrada pela proliferação de filosofias que circulam nessas versões. Por exemplo, o comportamentalismo radical de Skinner já foi relacionado com o materialismo (Bunge, 1979; Creel, 1980; Flanagan lr., 1980; Kvale, 1985; Mahoney, 1974), com o positivismo (Abib, 1982, 1985; Zuriff, 1980), com o pragmatismo filosófico (Abib, 2001; Lo­pes, Laurenti, & Abib, 2012; Moxley, 2002; Smith, 1986; Zuriff, 1980) e com o pensamento moderno e pós-moderno (Abib, 1999; Laurenti, 2012; Moxley, 1999),

3. A base empírica

Será que a psicologia pode se realizar de um modo que afaste opacidades conceituais? Ou será que a confusão conceituai é seu traço ineludível? Exis­te ao menos uma possibilidade de escapar dessa tormenta: o projeto da psi­cologia moderna de se transformar em uma ciência empírica.

Mas o que quer dizer o termo empírico? Segundo Williams (1983), empírico vem de empeiria, que, segundo Chaui (1994) e De Carvalho (1979), significa experiência. Já o termo experiência, de acordo com Aristóteles (s.d./1979), refere-se ao conhecimento dos singulares, um grau de conhecimento supe­rior à sensação e à memória; inferior, porém, não só à arte (a técnica), que se refere ao conhecimento dos universais, ao domínio dos conceitos; mas também à ciência (a teoria), que se refere ao conhecimento pelas causas26.

Williams (1983) afirma ainda que empírico refere-se à crença na observa­ção, a charlatanismo, a curandeirismo e o ceticismo com relação a expli­cações teóricas. E prossegue dizendo que empírico foi usado no sentido cético, principalmente no contexto médico, até adquirir uma conotação pejorativa que se estendeu a “outras atividades para indicar ignorância ou impostura” (p. 115)27. A observação constitui a base empírica da ciência

26 Segundo Aristóteles (s.d./1979), a explicação pelas causas envolve as causas material, eficiente, formal e final.

27 Williams (1983) observa que o termo empirismo foi usado nessa acepção pejorativa desde o século XVII.

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moderna, menos o ceticismo dirigido a explicações teóricas, afastando des­de logo a convivência com curandeiros e charlatães, com a ignorância e a impostura (é o que se espera).

A observação pode ser direta ou indireta, fundamentando, respectivamente, os conceitos empíricos, designados por termos empíricos, termos observacio­nais e termos descritivos; e os conceitos teóricos, designados por observáveis indiretos, inferências, hipóteses (Kaplan, 1964). Os conceitos empíricos refe­rem-se à observação direta da experiência e os conceitos teóricos referem- se à observação indireta da experiência. De acordo com Kaplan (1964), a experiência é do mundo, logo, a observação da experiência é observação da experiência do mundo; e é da observação da experiência do mundo que pro­vém o conhecimento do mundo. A observação da experiência do mundo se torna o fundamento do conhecimento, que pode ser relativamente simples, como no caso da observação direta, ou relativamente complexa, como no caso da observação indireta. Nas palavras de Kaplan (1964):

Termos observacionais são aqueles cuja aplicação apoia-se em obser­vações relativamente simples e diretas. . . Observáveis indiretos são termos cuja aplicação demanda observações relativamente mais sutis, complexas, ou observações indiretas, em que inferências. . . concer­nem a conexões presumidas, usualmente causais, entre o que é direta­mente observado e o que o termo significa, (pp, 54-55)

Essa concepção de ciência empírica é filosófica e é conhecida como empiris­mo epistêmico28 e teve grande influência na epistemologia desde os tempos de Locke até Kant (Kaplan, 1964). E é problemática.

De acordo com Chalmers (1978) e Hanson (1975), a observação direta é mediada pela experiência. Por exemplo, a observação visual de objetos de­pende de os nervos óticos transmitirem os raios de luz desde a retina até o córtex cerebral, formando dessa maneira a imagem do objeto, bem como da

28 Quando se fala em ciência empírica pensa-se quase automaticamente no empirismo epistêmico. Cabe lembrar, todavia, que Wundt distinguiu a psicologia moderna da psicologia tradicional dizen­do que a psicologia moderna é empírica e que a psicologia tradicional é metafísica: a primeira é científica e a segunda é filosófica. Seria interessante examinar qual é o sentido de empírico em uma psicologia orientada pela cultura filosófica do idealismo alemão.

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experiência passada, da aprendizagem, das expectativas, da interpretação e da cultura. As experiências visuais não são determinadas, portanto, pelas imagens sobre a retina. Nas palavras de Chalmers (1978):

Na medida em que se trata da percepção, a única coisa com a qual um observador tem contato direto e imediato são com suas experiên­cias. Essas experiências não são dadas como únicas e imutáveis, mas variam com as expectativas e conhecimento do observador. O que é dado unicamente pela situação física é a imagem sobre a retina de um observador, mas um observador não tem contato perceptivo direto com essa imagem, (pp. 24-25)

Ou nas palavras de Hanson (1975):

Observar é fazer uma experiência, lima reação visual, olfativa ou táctil é apenas um estado físico - excitação fotoquímica ou devida a contacto. Os fisiologistas nem sempre distinguiram experiências e estados físicos. São as pessoas que veem e não seus olhos. (p. 129)

Assim sendo, nada garante que na observação objetiva dois observadores estejam vendo o mesmo objeto.

De acordo com Chalmers (1978), uma maneira de evitar as dificuldades associadas com a concepção inocente da observação, ou com a crença na existência da observação pura, cuja paternidade se deve à filosofia induti- vista da ciência, em sua versão ingênua, consiste em conceber a observação em termos de proposições de observação públicas. Essa guinada na con cepção da observação foi proposta por filósofos indutivistas da ciência que defenderam uma versão mais sofisticada da observação e que criticaram a fragilidade da ciência assentada na noção de experiência subjetiva. As pro­posições de observação públicas consistem em afirmações singulares das quais são derivadas por indução afirmações universais. O fato de que as proposições singulares possam ser verificadas ou testadas publicamente, ele­vando a probabilidade de que dois ou mais observadores vejam o mesmo objeto, legitimando, assim, a noção de observação objetiva, a noção de que se está observando realmente os objetos, e não as experiências subjetivas, fornecendo uma base aparentemente segura para a inferência indutiva de

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proposições universais, não escapou a duas críticas. Uma mais antiga, que se refere ao problema da indução (a indução não pode ser justificada nem empírica nem logicamente), e outra mais recente, que se refere às proposi­ções de observação (as proposições de observação são feitas na linguagem de alguma teoria, envolvem teoria, pressupõem teoria). Trata-se de duas crí­ticas que foram dirigidas à epistemología empirista e à filosofia indutivista da ciência por filósofos pós-empiristas da ciência (Feyerabend, 1975/2007; Kuhn, 1962/2011; Popper, 1934/1971)29.

Em sua reconstrução conceituai do comportamentalismo, Zuriff (1985) afir­ma que observar é um comportamento e que, por essa razão, a observa­ção pode ser mais bem estudada na linguagem dos dados comportamentais (behavioral data language) do que na linguagem observacional (observational language). Zuriff comenta que a percepção de uma estimulação depende de “variáveis perceptuais tais com a situação, expectativa e memória” (p. 35). Um fenômeno que tem sido “demonstrado experimentalmente. . . mesmo no caso aparentemente simples da detecção de sinal” (p. 35). Zuriff conclui que a pureza observacional é uma esperança falsa, pois o comportamento de observar pode ser relativamente simples ou relativamente complexo, mas não pode ser absolutamente puro: nem totalmente físico nem totalmente fisiológico. Zuriff prossegue comentando que essas considerações sobre a observação se aplicam também a relatos observacionais e, no rastro dos filó­sofos pós-empiristas da ciência, redige: “não há fatos independentes de teo­ria pelos quais a teoria possa ser testada” (p. 35). E como toda observação é theory-laden, é carregada de teoria, “uma teoria compreensiva, ou visão de mundo, não pode ser derrubada por observações que não a confirmem” (p. 35). E, portanto, quando se trata de decidir entre duas teorias rivais não há “meio racional” para se tomar tal decisão porque “cada uma determina observações que sejam compatíveis somente consigo mesma, e não há fatos neutros que permitam avaliar as reivindicações rivais” (p. 35).

Zuriff (1985) faz ainda uma observação interessante sobre os psicólogos com- portamentalistas. Passando-lhe a palavra: “A maioria dos comportamentalistas

29 Os filósofos pós-empiristas da ciência estão de acordo quando criticam o empirismo epistêmico e a filosofia indutivista da ciência, mas discordam com respeito à concepção de ciência, como se verifica, por exemplo, no racionalismo crítico de Popper, na concepção de ciência como paradigma dc Kuhn e no anarquismo metodológico dc Feyerabend.

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ignoram a tese [de que não há pureza observacional] e continuam a compilar dados que eles consideram objetivo e empírico” (p. 36). Mas, aparentemente, essa observação de Zuriff não alcança Skinner, pois ao responder a este comen­tário de Russell, “quando o comportamentalista observa as ações dos animais.. . ele não pensa em si mesmo como um animal, mas como um registrador infalível... do que realmente acontece” (como citado em Skinner, 1974, p. 234), Skinner (1974) disse que “seria absurdo para o comportamentalista sustentar que ele está de qualquer modo isento de sua análise” (p. 234). E por quê? Por­que “ele não pode sair do fluxo causal e observar o comportamento de algum ponto de observação, ‘empoleirado no epiciclo de Mercúrio5” (p. 235).

Psicologia como ciência empírica é solidária com a concepção de ciência defendida pelo empirismo epistêmico e pelo indutivismo. Dessa perspectiva, busca sua unidade conceituai na base empírica, na experiência, na observa­ção, nas proposições observacionais, e tenta, desse modo, evitar confusão conceituai. Mas, aparentemente, todo esse programa está fadado ao fracasso porque não há fatos neutros, nem observações independentes de teorias, nem meios racionais para decidir entre teorias rivais.

Já relativamente antiga, a crítica ao empirismo epistêmico encontra-se não só na filosofia convencionalista da ciência, como também no racionalismo críti­co de Popper (Kolakowsky, 1966/1976; Popper, 1934/1971). Da perspectiva do convencionalismo, é impossível refutar ou verificar hipóteses, haja vista que “todo fato contém pressuposições teóricas” (Kolakowsky, 1966/1976, p. 154). E nesse mesmo sentido, Popper (1934/1971) escreve: “Eu defendo que as teorias científicas nunca são compíetamente justificáveis ou verificá­veis” (p. 43). Embora mais atenuada, a tese de Popper atinge o enunciado básico, o enunciado de um fato singular, o enunciado que não pode ser justi­ficado psicologicamente com base na experiência perceptiva, que não pode, portanto, ser justificado com base no empirismo epistêmico. Aqui está o que Popper (1934/1971) diz sobre o enunciado básico:

Sempre que uma teoria seja submetida a exame e seja corroborada ou falsificada, o processo tem que se deter em algum enunciado bási­co que decidamos aceitar: se não chegarmos a alguma decisão a esse respeito, e não aceitarmos, portanto, um enunciado básico, qualquer que seja, o exame não chegará a parte alguma, (p. 99)

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Preciso, Popper (1934/1971) sentencia: “Os enunciados básicos são acei­tos como resultado de uma decisão ou acordo, e desse ponto de vista sãoconvenções” (p. 101).

A objetividade da base empírica é uma ilusão que foi propagada por duas filosofias indigentes da ciência: o empirismo epistêmico e a filosofia induti- vista da ciência. Volta novamente à baila o tema da pluralidade conceituai, a fonte persistente de confusão conceituai a envidar os esforços da análise conceituai no intuito de evitar ou dirimir tal opacidade.

4 .0 cientista e o filósofo

Do ponto de vista deste texto, a análise conceituai pode ser entendida como análise pós-empirista ou metacientifica, haja vista que principia pelo exame da teoria científica e desenvolve-se desvelando seus compromissos filosófi­cos. Há que esperar, portanto, a constituição de uma teoria científica para que possa ser realizada. Em outras palavras, a teoria científica vem antes e a metaciência vem depois (Blanché, 1976). Nas palavras de Blanché:

Recordemos que se dá hoje o nome de metaciência a um estudo que vem depois da ciência . . . tomando-a, por sua vez como objeto e in­terrogando-se a um nível superior sobre os seus princípios, os seus fundamentos, as suas estruturas, as suas condições de validade . , .(pp. 12-13)

A metaciência envolve dois discursos. Há o discurso científico: um discurso de primeira ordem que versa sobre o objeto da ciência. E há o discurso filo­sófico: um discurso de segunda ordem que versa sobre o discurso científico. Isso Blanché (1976) traz à tona quando escreve que “a epistemologia, que é uma reflexão sobre a ciência, é incluída . . . na metaciência” (p. 13).

Blanché (1976) vai então mais longe e faz uma declaração radical sobre a metaciência. Ele afirma que ela não pode ser “praticada senão por cientistas especializados” (p. 13). Dessa perspectiva, podem ser vistas como metaciên­cia obras de cientistas, tais como A ciência e a hipótese, de Henri Poincaré, Os limites da ciência, de Peter Medawar e A estrutura das revoluções cientí­

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ficas, de Thomas Kuhn. Mas não podem ser vistas como metaciência obras de filósofos da ciência, tais como A estrutura da ciência, de Ernest Nagel, A lógica da investigação científica, de Karl Popper, Contra o método, de Paul Feyerabend e A epistemologia, de Gaston Bachelard.

Obras de filosofia da ciência não seriam obras de metaciência. Entretanto, o cerne da filosofia da ciência consiste no exame filosófico da ciência. Essa tensão entre a metaciência e a filosofia da ciência não se refere à natureza de suas tarefas, mas à atribuição de competência para realizá-la. Será o cien­tista ou o filósofo quem estará capacitado a discorrer filosoficamente sobre o discurso da ciência? Aqueles que acreditarem que essa função cabe ao cientista tenderão a ver a análise conceituai vinculada com a metaciência; já aqueles que acreditarem que essa função cabe ao filósofo tenderão a ver a análise conceituai vinculada com a filosofia da ciência.

Mas se aceitarmos o que escreve o filósofo Ferrater Mora (1981), conclui­remos que essa tensão não é legítima e que, na verdade, estamos diante de uma falsa questão. Passando a palavra a Ferrater Mora: “A rigor, aparen­temente não há diferenças fundamentais entre metaciência e filosofia da ciência” (p. 2193). A questão essencial não é se a obra é de metaciência ou de filosofia da ciência, mas, isto sim, se o cientista e o filósofo dominam competentemente os discursos de primeira e de segunda ordem, pois o dis­curso científico baseado em domínio inadequado do discurso filosófico é cego, e o discurso filosófico baseado em domínio inadequado do discurso científico é vazio30.

5. Considerações finais

A base empírica espelha uma filosofia da experiência. No caso do empiris­mo epistêmico, a base empírica espelha uma determinada filosofia da expe­riência. Nas psicologias modernas, psicologias como ciências empíricas, por

30 Em sentido similar, Collingwood (1981) escreve: “Um cientista que nunca tenha filosofado so­bre a sua ciência, nunca poderá passar de um cientista secundário, um imitador, um funcionário da ciência. Um homem que nunca tenha gozado um certo tipo de experiência, não pode, obviamente, meditar sobre ela; e um filósofo que nunca tenha trabalhado em ciência natural não pode, eviden- temente, filosofar sobre ela sem se tornar um louco” (p. 9).

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exemplo, as psicologias de Wundt (1897/1922) e James (1890/1950), as bases empíricas espelham distintas filosofias da experiência.

No século XX, de ciência da experiência, a psicologia passa a ser concebida como ciência do comportamento. A base agora é comportamental e não mais empírica. Aparentemente, essa é a tese de Zuriff (1985) quando pro­põe a substituição da linguagem observacional pela linguagem dos dados comportamentais. Salvo melhor juízo, poderíamos dizer que Zuriff está su­gerindo que a base empírica seja substituída por uma base comportamental. De resto, mutatis mutandh, foi o que Popper (1934/1971) também fez ao substituir a base empírica pelos enunciados básicos.

Da perspectiva deste ensaio, análise conceituai é análise pós-empirista de teorias psicológicas. Isso significa dizer que análise conceituai começa pelo exame da teoria psicológica e desenvolve-se com o exame da filosofia da ex­periência ou da filosofia do comportamento que fundamenta tanto a teoria psicológica quanto a base empírica ou a base comportamental.

Quando Wittgenstein (1953/1988) declarou que na psicologia há métodos experimentais e confusão conceituai, o que ele deu a entender foi que a pro­liferação de tais métodos e confusões resulta da pluralidade do pensamento psicológico. Podemos responder ao seu comentário dizendo que na psico­logia há, sim, métodos experimentais, mas não necessariamente confusão conceituai, se a análise conceituai fizer o seu serviço.

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A integração entre a história da psicologia e a filosofia da psicologia como programa de pesquisa teórica

Saulo de Freitas Araujo

Nos capítulos anteriores, foram exploradas algumas possibilidades de se fa­zer pesquisa teórica em psicologia. A questão que ora se coloca é se a inves­tigação histórica pode contribuir de alguma forma para o enriquecimento da pesquisa teórica. Em caso de uma resposta positiva, é fundamental demons­trar como isso poderia ser alcançado.

Nos dois capítulos a seguir, vou responder positivamente à questão acima for­mulada e mostrar como isso pode vir a ser realizado. Para tanto, vou adotar duas estratégias diferentes. Neste capítulo, vou argumentar que a integração entre a história da psicologia e a filosofia da psicologia é uma das formas pos­síveis de se pensar a relação entre pesquisa teórica e investigação histórica. Nesse sentido, vou explicitar o que eu entendo por essa integração e propô-la como um programa permanente de pesquisa teórica em psicologia. No próxi­mo capítulo, vou apresentar algumas diretrizes metodológicas para a elabora­ção e realização de projetos particulares, utilizando exemplos concretos da li­teratura especializada. Ambas as estratégias, divididas em dois capítulos, têm o objetivo comum de fornecer uma fundamentação metodológica preliminar para esse tipo de investigação - que deverá ser aprofundada em trabalhos posteriores - , servindo como um primeiro guia para os interessados na área.

O ponto de partida para a compreensão da proposta aqui apresentada é o conjunto de problemas e limitações da tendência metodológica dominante

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em história da psicologia. Por isso, vou iniciar minha exposição analisando o desenvolvimento recente do campo, mostrando em seguida suas fragili­dades e a necessidade de abordagens complementares. Como a proposta aqui apresentada é derivada dos debates sobre as possíveis relações entre a história da ciência e a filosofia da ciência, que desde a década de 1960 vêm ocupando parte da agenda de historiadores e filósofos da ciência, vou apresentar em seguida o contexto geral de tais debates, a fim de familiari­zar o leitor com a natureza dos argumentos apresentados. Posteriormente, vou analisar as implicações de tais debates para o caso específico da psico­logia, perguntando sobre as possibilidades de integração entre história da psicologia e filosofia da psicologia. Por fim, vou concluir defendendo uma dessas possibilidades.

1.A emergência da nova historiada psicologia

Acompanhando a tendência geral da historiografia da ciência na época, os primeiros trabalhos historiográficos em psicologia representavam uma tradição baseada em relatos biográficos ou análise de ideias. Um dos exem­plos mais marcantes desta historiografia é a obra monumental de Edwin Boring (1886-1968), A history o f experimental psychology, que formou toda uma geração de psicólogos historiadores na tradição norte-americana (Boring, 1950).

A partir da segunda metade da década de 1960, críticos do modelo tradicio­nal começaram a sugerir a necessidade de uma abordagem mais crítica para a história da psicologia (e.g., Samelson, 1974; Watson, 1975; Woodward, 1980; Young, 1966) e a promover a institucionalização e a profissionaliza­ção da história da psicologia como campo especializado. Como consequên­cia, surgiu uma nova geração de historiadores da psicologia e uma série de novas publicações com os resultados de suas pesquisas (e.g., Brozek & Pon- gratz, 1980; Buss, 1979; Woodward & Ash, 1982). Como tendência geral, todo esse movimento é normalmente chamado de "historiografia crítica da psicologia” (Woodward, 1980, 1987), “virada social” na historiografia da

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psicologia (Ash, 1987) ou simplesmente “nova história da psicologia” (Furo- moto, 1989). Segundo Furomoto (1989),

A nova história tende a ser critica ao invés de cerimonial, contextuai ao invés de uma simples história das ideias, e mais inclusiva, indo além do estudo dos ‘grandes homens’. A nova história utiliza fontes primárias e documentos de arquivos ao invés de se basear em fontes secundárias, o que pode levar à transmissão de mitos e anedotas de uma geração de autores de manuais à outra. Finalmente, a nova his­tória tenta se manter dentro do pensamento de um período para ver as questões tais como elas apareceram na época, ao invés de buscar antecedentes de ideias atuais ou dc escrever a história retrospectiva­mente, a partir do conteúdo presente do campo. (p. 18)

Um outro aspecto central dessa nova historiografia é uma ênfase nos aspec­tos políticos, sociais e institucionais da psicologia em detrimento de seus elementos lógicos, metodológicos e metafísicos, ainda que essa concor­dância geral venha acompanhada de uma grande variedade de orientações teóricas particulares. Kurt Danziger (1990, 1997), Nikolas Rose (1985, 1998), Roger Smith (1992), Mitcheí Ash (1998) e Martin Kusch (1999), entre outros, têm publicado trabalhos pioneiros sobre o impacto de fatores culturais, sociais e políticos sobre a teoria e a prática da psicologia em seu desenvolvimento histórico51. E isso tem acontecido não apenas no nível de trabalhos monográficos individuais, mas tem igualmente transformado o próprio modo de conceber e escrever os manuais da área, que começam a apresentar uma nova estrutura (e.g., Jansz & Drunen, 2004; fones & Elcock, 2001; Pickren & Rutherford, 2010; Smith, 2013; Walsh, Teo, & Baydala, 2014). 31

31 O fato de que a maioria dos novos historiadores da psicologia compartilham o objetivo de privilegiar as dimensões políticas, sociais e institucionais da ciência em suas análises históricas da psicologia não deve nos fazer ignorar as significativas diferenças metodológicas e conceituais que existem entre eles (e.g., Ash & Woodward, 1987; Brock, Louw, & van Hoorn, 2005; Buss, 1979; Danziger, 1979, 1990; Furomoto, 2003; Graumann & Gcrgcn, 1996; Rose, 1998; Smith, 1988, 2013). Por exemplo, mesmo quando eles afirmam que estão fazendo uma análise sociológica da psicologia, eles não necessariamente estão falando da mesma coisa (e.g., Bcnetka, 2002; Kusch, 1999). Para uma investigação detalhada do início de tal diversificação na historiografia da psicolo­gia nos Estados Unidos, ver .Ash (1983).

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2. Limites e problemas da nova história

Essas novas abordagens para a história da psicologia têm trazido à luz as­pectos importantes da teoria e da prática psicológica, tais como a influência do discurso psicológico na sociedade e os usos políticos e ideológicos dos testes mentais. Apesar de todos os seus méritos, contudo, muitos desses estudos deixam muito a desejar em termos metodológicos. Como bem mos­trou Lovett (2006), as dicotomias criadas pelos novos historiadores para separar a nova da velha história (crítica x ingênua, profissional x amadora, uso de fontes primárias x fontes secundárias etc.) são exageradas. Em re­lação ao uso das fontes, por exemplo, não está tão claro assim que todos os chamados velhos historiadores faziam uso preponderante de fontes se­cundárias. Além disso, eu gostaria de acrescentar às observações de Lo­vett o fato de que muitos trabalhos pertencentes à nova história continuam a negligenciar fontes primárias importantes, como eu demonstrei alhures (Araújo, 2014a).

Essas generalizações apressadas em relação à historiografia da psicologia podem levar a uma compreensão equivocada de questões intrínsecas à pes­quisa histórica em psicologia. Entre os problemas apontados por Lovett em relação às conclusões apressadas da nova história, três são especialmente importantes para a presente discussão:

a) novos historiadores têm se comprometido prematuramente com

visões normativas sobre questões historiográficas, onde não há qual­quer consenso: b) a pesquisa da nova história se baseia frequentemen­

te em uma visão particular de ciência que não é largamente aceita

por filósofos contemporâneos da ciência, e nem mesmo entendida por filósofos profissionais da mesma maneira que os novos historiadores frequentemente assumem;. . . d) as diretrizes normativas defendidas

pelos novos historiadores podem ser impossíveis de seguir de forma consistente. (Lovett, 2006, p. 18)

No que diz respeito ao primeiro ponto, o recente debate entre Daniel Robin- son e Kurt Danziger ilustra bem a falta de consenso entre os historiadores

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da psicologia sobre questões fundamentais (e.g., continuidade x desconti- nuidade). Em especial, Robinson (2013a, 2013b) defende a continuidade conceituai entre vários aspectos do pensamento de Aristóteles e a psicologia moderna, enquanto Danziger (2013) recusa a existência de uma psicologia aristotélica no sentido moderno do termo. A complexidade dos problemas envolvidos e a dificuldade de oferecer respostas rápidas e fáceis deveriam servir de precaução para o historiador da psicologia.

No que concerne ao segundo ponto, Lovett identificou em trabalhos da nova história uma aceitação pouco crítica de pressupostos teóricos (e.g., a filo­sofia da ciência de Thomas Kuhn) e a existência de erros similares àqueles normalmente atribuídos à velha história (e.g., novas formas de presentismo cerimonial). Sua conclusão é de que “a nova história não é tão diferente assim da velha, como os seus praticantes argumentam” (Lovett, 2006, p. 26), e que algumas vezes “é difícil distinguir entre um juízo cuidadoso e um preconceito bem elaborado” (Lovett, 2006, p. 33).

Infelizmente, Lovett não explorou um terceiro tipo de problema que ele iden­tificou na nova história, a saber, a consistência de suas diretrizes normativas. Este problema coloca, a meu ver, o mais sério desafio metodológico para os novos historiadores. Ao mesmo tempo, ele constitui a razão principal que justifica minha proposta de uma abordagem alternativa para a história futu­ra da psicologia.

A questão da consistência pode ser mais bem visualizada quando aplicada a um caso concreto. Vou tomar aqui como exemplo o projeto psicológico de Wundt. Nesse tema, o trabalho de Danziger é muito importante. Tendo passado mais de uma década reavaliando a psicologia de Wundt, Danziger fez contribuições significativas para os estudos wundtianos (Araújo, 2016). Contudo, suas análises não deixam de apresentar problemas. Por exemplo, em Constructing the subject (1990), ele argumenta que, na historiografia da psicologia, “o que está faltando é o reconhecimento da natureza socialmente construída do conhecimento psicológico” (Danziger, 1990, p. 2). Na ten­tativa de preencher esta lacuna, Danziger propõe o conceito de prática in- vestigativa como substituto do conceito de metodologia, com o objetivo de capturar a dimensão social da pesquisa psicológica, incluindo o laboratório

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de W undt52. Entretanto, quando se trata do conceito metodológico cen­tral de Wundt - a introspecção e sua relação com o método experimental

Danziger não segue os preceitos de sua abordagem socíoconstrutivista e muda o foco de sua análise para uma seletiva história conceituai da intros­pecção, que é tão problemática quanto algumas das velhas histórias con­ceituais sobre o tema55. E mesmo quando introduz aquilo que chama de “um terceiro elemento na prática investígativa de W undt” (Danziger, 1990, p. 18), a organização social de seus experimentos psicológicos, Danziger não consegue mostrar a determinação social dos objetivos e dos interesses epistêmicos de Wundt, frustrando, desta forma, a meta mais elevada de sua abordagem socioconstrutivista. Em outras palavras, que o laboratório de Wundt tinha uma estrutura social não explica nem a sua psicologia expe­rimental como um todo nem sua teoria psicológica em relação aos dados experimentais, sem falar nas questões filosóficas a ela subjacentes. No máxi­mo, a abordagem social de Danziger pode ilustrar alguns aspectos da prática experimental de Wundt, tais como os papéis intercambiáveis entre experi­mentador e sujeito experimental. Todavia, além de não ser coerente com seus próprios princípios em pontos cruciais, ela carece de uma investigação cuidadosa dos fundamentos filosóficos da psicologia de Wundt.

Um segundo exemplo é o estudo de Martin Kusch (1999): Psychological Knowledge: A Social History and Philosophy. Esse livro oferece uma inter­pretação da controvérsia sobre a psicologia do pensamento na Alemanha, com base na sociologia do conhecimento científico. De acordo com a tese geral do livro, “corpos de conhecimento psicológico são instituições sociais” (Kusch, 1999, p. 1). Como consequência de seu sociologismo54, Kusch deve­ria então mostrar que a teoria psicológica de Wundt também é uma institui- 32 * 34

32 De acordo com Danziger, “uma prática investigativa é em grande medida uma prática social, no sentido de que o indivíduo investigador age dentro dc um quadro de referência determinado pelos potenciais consumidores dos produtos de sua pesquisa e pelas tradições de prática aceitável que prevalecem na área. Além disso, os objetivos e interesses epistêmicos que guiam esta prática dependem do contexto social dentro do qual os investigadores trabalham” (Danziger, 1990, p. 4).

3.3 Para mencionar apenas um problema, Danziger restringe a análise da introspecção antes de Wundt a Locke e Kant, deixando de lado aspectos essenciais dos debates do século XVIII sobre o tema. Para maiores detalhes sobre este tópico, ver Hatfield (2005) e Sturm (2006/2012, 2009).

34 Nas palavras dc Kusch: “Sociologismo é a afirmação de que os assim chamados fatores ‘racio­nais', isto é, teorias, argumentos e razões, são de fato fatores sociais” (Kusch, 1999, p. 177).

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ção social33. Entretanto, as análises de Kusch estão longe de ser convincen­tes. Por exemplo, suas categorias de análise são problemáticas não apenas quando aplicadas à própria Escola de Würzburg, que é o foco central do livro, mas se revelam inadequadas para lidar com o projeto psicológico de W undt35 36. Embora ele esteja correto em afirmar que o argumento de Wundt em favor da separação entre a psicologia experimental e a Völkerpsychologie foi aceito pela maioria de seus estudantes em Leipzig (Kusch, 1999, pp. 176-177), Kusch não consegue mostrar como a teoria psicológica de Wundt, sem falar no seu programa filosófico subjacente, poderia ser uma instituição social. Kusch ignora o fato de que a teoria não foi coletivamente aceita ou, para usar seu próprio critério, de que nenhum coletivo teve uma crença au­tor referencial sobre a teoria. Além disso, mesmo se ele conseguisse demons­trar isso, o caráter social da teoria psicológica de Wundt (ou de partes dela) não é suficiente para explicar aspectos cruciais dela, tais como a rejeição do inconsciente ou os princípios da causalidade psíquica. Em outras palavras, as características centrais da elaboração teórica de Wundt não são afetadas pela análise sociológica de Kusch.

O último exemplo que vou explorar aqui é o livro de Gerhard Benetka - Denkstile der Psychologie - que contém longas seções sobre Wundt e seus críticos (Benetka, 2002, pp. 61-148). Desde o começo, Benetka deixa claro que sua abordagem metodológica para a história da psicologia é baseada na análise sociológica do conhecimento científico, proposta por Ludwig Fleck (1896-1961), especialmente no que diz respeito às noções de Denkstil (estilo de pensamento) e Denkkollektiv (coletivo de pensamento)37. Contudo, em suas análises históricas concretas, Benetka não mostra como exatamente a abordagem de Fleck se aplicaria à história da psicologia alemã em geral ou ao projeto de Wundt em particular, e como isso levaria a uma interpreta-

35 Para Kusch, “para que algo seja uma instituição social, c suficiente que algum coletivo tenha uma crença auto-referencial sobre este algo” (Kusch, 1999, p. 172).

36 Mülbergcr (2001), por exemplo, afirma que a análise de Kusch sobre a Escola de Würzburg enquanto uma instituição social é altamente problemática, no sentido de que Kusch a trata como uma unidade, ignorando a enorme heterogeneidade entre os próprios membros daquela escola.

37 Como explica Benetka, “um coletivo de pensamento científico não c nada além de uma comuni­dade de cientistas que compartilham pontos de vista semelhantes: um grupo de pesquisa em labo­ratório, uma escola científica, uma comunidade de especialistas, dependendo do que seja a unidade de análise em questão. Fleck chama de estilo de pensamento as suposições que são comuns a um grupo e que subjazem ao seu trabalho” (Benetka, 2002, p. 22).

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ção nova e significativa. Ao invés disso, o que se encontram são afirmações gerais ou muito vagas, como: “Nos últimos quinze anos do século XIX, um novo estilo de pensamento começou a se estabelecer contra a psicologia de W undt” (Benetka, 2002, p. 149). Não há sequer uma tentativa de demons­trar como as categorias ‘estilo de pensamento5 e ‘coletivo de pensamento’ podem explicar o projeto psicológico de Wundt ou como elas iluminam no­vos aspectos de seu pensamento em comparação com as velhas histórias da psicologia. Ao invés disso, quando vai apresentar as ideias psicológicas de Wundt, Benetka acaba se baseando em Danziger, repetindo sua crítica tradi­cional à interpretação de Boring, assim como suas vagas indicações sobre as raízes intelectuais de Wundt (Kant, Fichte, Schopenhauer etc.). Ao final, a abordagem de Benetka, como a de Danziger, se revela inadequada para lidar com a profunda estrutura conceituai da psicologia de Wundt, o que aponta novamente para a necessidade de uma abordagem diferente para o projeto de Wundt.

Tudo indica, então, que as histórias sociais da psicologia não dão conta de abordar adequadamente algumas questões teóricas e conceituais subjacen­tes a certos projetos psicológicos, que demandam uma análise filosófica mui­to mais cuidadosa do que tem sido oferecida até aqui. Eu defendo a tese de que questões filosóficas e conceituais não podem ser reduzidas a questões sociais, isto é, seu sentido não pode ser completamente capturado por análi­ses sociológicas ou socioconstrutivista. Ainda que tais análises possam abrir novos horizontes de compreensão do desenvolvimento histórico da psicolo­gia, elas deixam muitas questões sem resposta. Ademais, categorias como ‘práticas sociais5, ‘práticas culturais', ‘práticas discursivas' e afins, além de sua vagueza e de seus usos problemáticos18, não conseguem capturar o sig­nificado teórico de muitos projetos psicológicos, como o de Wundt, que é sobretudo parte de um sistema filosófico e está enraizado profundamente em sua motivação filosófica pessoal. Eu não estou afirmando que a dimen- 38

38 Stephen Turner (1994), inicial mente um entusiasta da teoria social contemporânea, submeteu o conceito de práticas a uma crítica rigorosa. Para ele, o conceito é escorregadio e tem proprieda­des misteriosas. Nesse sentido, ele mostra que práticas sâo frequentemente compreendidas como objetos reais com propriedades misteriosas, tais como poder causal. Por exemplo, ele pergunta: Kse uma cultura é um objeto causal, como ela age e que tipo de objeto ela é?” (Turner, 1994, p. 6). Tais problemas levaram-no “a concluir que o conceito de práticas é profundamente falho” (Turner, 1994, p. 11).

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são política, social ou institucional não é importante para o entendimento do desenvolvimento histórico da psicologia. Meu argumento é, antes, que essas dimensões não são suficientes para explicar aspectos essenciais de teorias e conceitos psicológicos. Isso explica, a meu ver, porque a literatura secun­dária tem ignorado tantos aspectos do projeto de Wundt e tantas fontes primárias relevantes para a compreensão de seu desenvolvimento intelec­tual, especialmente no que diz respeito à relação entre sua filosofia e sua psicologia. Isso também justifica a busca de uma abordagem diferente para a história da psicologia.

3. Relações entre a história da ciência e af

filosofia da ciência

Nas últimas décadas, muitos autores têm defendido a necessidade de uma integração entre a História da Ciência e a Filosofia da Ciência, culminando na proposta de uma nova disciplina ou um novo campo de estudos: History and Philosophy o f Science (HPS). Uma das justificativas básicas para tal inte­gração deriva do famoso veredito do filósofo Norwood Hanson (1924-1967) - posterior mente retomado por Imre Lakatos (1922-1974) - segundo o qual “a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega, . . . a filosofia da ciência sem a história da ciência é vazia” (Hanson, 1962, p. 580). A aposta central é que alguns problemas meta-científicos só poderiam ser resolvidos por meio de uma intensa colaboração entre ambas as áreas. Peter Galison, por exemplo, em um artigo recente, apresenta uma lista de dez problemas que ilustrariam tal necessidade de colaboração (Galison, 2008). Além disso, alguns esforços coletivos têm sido feitos para promover o debate e oferecer possibilidades de aproximação e integração (Arabatzis & Schickore, 2012; Domsky & Dickson, 2010a; Mauskopf & Schmaltz, 2012a).

Nem tudo é tão simples, porém. A pretendida integração tem se mostrado historicamente difícil, e ainda hoje ela é precária, sendo muito mais comum a ignorância mútua e a falta de comunicação entre ambas as áreas do que a aproximação e a colaboração desejadas por alguns (Arabatzis & Schickore, 2012; Burian, 2002; Laudan, 1996; Mauskopf & Schmaltz, 2012b; Pinnick & Gale, 2000; Steinle & Burian, 2002). Por isso, antes de apontarmos as

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possibilidades concretas de integração, é importante compreendermos pri­meiramente as origens do debate contemporâneo e as razões que dificultam ou impedem a aproximação entre ambas as áreas.

É importante lembrar que até a primeira metade do século XX, a história da ciência era escrita sobretudo por cientistas e filósofos. O surgimento dos primeiros departamentos e programas de história da ciência levaram a uma profissionalização crescente da disciplina, que colocava em questão a sua relação com a filosofia da ciência. A partir da década de 1960, sur­giram iniciativas oficiais de integração entre as duas áreas, como a funda­ção, na Universidade de Indiana, do primeiro Departamento de HPS nos Estados Unidos.

Em que pese, porém, a influência do aspecto institucional no surgimento do debate, hã um fator ainda mais significativo, que foi a publicação de A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn. Contrapondo-se à con­cepção neopositivista de ciência, representada pelos membros do Círculo de Viena, Kuhn enfatizou a dimensão histórica e social do conhecimento cientifico, em detrimento de seus aspectos lógicos. Segundo ele, "a história, se considerada como algo mais do que um depósito de anedotas ou crono­logias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem que temos atualmente da ciência” (Kuhn, 1970, p. 1). Assim, ao invés de entender a ciência como uma estrutura formal e abstrata, ele propôs um modelo dinâ­mico, baseado sobretudo na história da física, segundo o qual todo conheci­mento científico se desenvolveria por meio de revoluções.

Embora não tenha sido o primeiro a enfatizar a dimensão histórica da ativi­dade científica39, foi principalmente Kuhn quem colocou a história da ciên­cia na agenda de boa parte da filosofia da ciência da segunda metade do século XX, levando muitos filósofos a considerar seriamente o papel dos ele­mentos históricos na construção do conhecimento científico. Como afirmou o filósofo da ciência Michel Friedman, “A estrutura das revoluções científicas (1962), de Thomas Kuhn, mudou para sempre nossa avaliação da importân­cia filosófica da história da ciência” (Friedman, 1993, p. 37).

39 Por exempío, Ludwik Fleck (1896-1961), Norwood Hanson e Stephen Toulmin (1922-2009) foram alguns teóricos da ciência que enfatizaram, antes de Kuhn, a importância da dimensão histó­rica na construção do conhecimento científico (Fleck, 1935/1980; Hanson, 1958; Toulmin, 1961).

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Curiosamente, porém, o próprio Kuhn se posicionou contra a integração da história e da filosofia da ciência em um único campo ou disciplina. De acordo com ele, ambas as disciplinas diferem sobretudo em seus objetivos: “O produto final da maior parte da pesquisa histórica é uma narrativa, uma estória, sobre particulares do passado. Em parte, é uma descrição do que ocorreu. . . O filósofo, por outro lado, visa principalmente a generalizações explícitas de abrangência universal” (Kuhn, 1977, p. 5).

]a no início da década de 1970, após algumas iniciativas formais para pro­mover a integração entre história e filosofia da ciência - como o Congresso de Minnesota em 1969 e a fundação do periódico Studies in History and Philosophy o f Science em 1970 - muitos autores começaram a expressar seu ceticismo. Nesse contexto, Ronald Giere cunhou a expressão a marriage o f convenience (um casamento de conveniência) para descrever a união entre ambas as disciplinas (Giere, 1973, p. 283). Para ele, apesar de sua utilidade institucional, a união carecia de uma boa justificativa teórico-conceitual, na medida em que a relevância de uma disciplina para a outra ainda não tinha sido demonstrada. Por exemplo, em relação à filosofia da ciência, “o proble­ma geral é mostrar que conclusões filosóficas podem ser apoiadas por fatos históricos e como exatamente isso acontece” (Giere, 1973, p. 292).

O artigo de Giere motivou uma série de réplicas, nas quais os autores pro­curavam, cada um à sua maneira, mostrar a relevância da história da ciência para a filosofia da ciência e, assim, defender a tese de que a relação entre ambas era mais do que um casamento de conveniência (e.g., Burian, 1977; McMullin, 1976; Krüger, 1982). Lorenz Krüger, por exemplo, afirmou que a integração da história e da filosofia da ciência seria “um casamento de conveniência” (Krüger, 1982, p. 108).

Nas décadas seguintes, essa tendência de aceitar a relação se fortaleceu na filosofia da ciência (Laudan, 1989; Radder, 1997; Yaneva, 1995). De acordo com Michael Friedman, por exemplo, “está claro, para além de qualquer dú­vida, penso eu, que uma atenção cuidadosa e sensível para a história da ciên­cia deve estar absolutamente no centro de qualquer consideração filosófica séria sobre a ciência” (Friedman, 1993, p. 37). Mais recentemente, Domsky e Dickson (2010b) publicaram um ‘manifesto' em defesa da HPS, na es­perança de fornecer uma resposta às críticas de Giere. Do mesmo modo,

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Arabatzis e Schickore argumentam que as novas maneiras de fazer HPS significam “mais do que um novo casamento de conveniência” (Arabatzis & Schickore, 2012, p. 404).

O problema, no entanto, está longe de ser resolvido. Em primeiro lugar, essa mesma tendência não se repetiu entre os historiadores da ciência, que pa­recem ter optado por um distanciamento voluntário das questões filosóficas do conhecimento científico. Em segundo lugar, mesmo entre os filósofos da ciência, não há clareza sobre como a integração deveria ser feita, sem falar naqueles que continuam defendendo o distanciamento e o isolamento. Por isso, a possibilidade de interação e colaboração entre ambas as disciplinas ainda é uma questão em aberto, que só pode ser resolvida em casos específi­cos. Ainda não foi elaborado um modelo geral para a integração.

Por isso, após ter apresentado em linhas gerais as raízes históricas do debate atual e das dificuldades de integração, eu penso que seria oportuno apresen­tar agora algumas alternativas a favor de uma maior interação40.

Hasok Chang (1999), por exemplo, defende a HPS como uma disciplina integrada, cuja função seria complementar o conhecimento científico pro­duzido pelos cientistas especialistas. Com base na ideia kuhniana de ciência normal - segundo a qual a ciência só pode funcionar dentro de um quadro geral de pressupostos não questionados, que levam à eliminação de ques­tões que poderiam contradizê-los ou desestabilizá-los Chang vê a HPS como uma forma de contrabalançar essa situação. Segundo ele, “a função complementar da HPS é recuperar e recriar tais questões, além de, assim se espera, respondê-las. . . os resultados destas investigações complementam e enriquecem a ciência especializada atual” (Chang, 1999, p. 415). Mais recentemente, ele propõe que isso deva ser feito por meio de investigações de episódios históricos concretos, sem cair na armadilha da generalização apressada (Chang, 2012).

40 Para ficar só na última década, houve uma verdadeira explosão de propostas de aproximação entre história e filosofia da ciência. Isso inclui congressos, números especiais de periódicos especia­lizados tanto em história da ciência (Isis) quanto em filosofia da ciência (Erkenntnis), assim como artigos, livros e volumes editados. Para uma rápida lista de referências, ver Arabatzis e Schickore (2012) e Mauskopf e Schmaltz (2012a, 2012b).

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Um outro exemplo é o caso de Mary Domsky e Michael Dickson (2010a), que propõe um novo método para revigorar o casamento entre história e filosofia da ciência, o qual eles chamam de abordagem sintética. Toman­do como base a obra de Michael Friedman, os autores afirmam que “seu objetivo é tornar a filosofia relevante para a história e a história relevante para a filosofia, para que possamos ‘ver além’ do que cada uma delas pode oferecer sozinha” (Domsky & Dickson, 2010b, p. 11). Essa amplificação de nossa compreensão produziria, segundo eles, uma unidade entre ambas as disciplinas, que pode ser ilustrada com o caso de Newton:

. . . ainda que possa ser inicialmente útil analisar a visão de Newton sobre o espaço em seus aspectos científicos, filosóficos e teológicos, em última instância esses aspectos devem ser entendidos como uma unidade, pois Newton não se via fazendo filosofia em um momento,‘física’ em outro, e ainda teologia em um terceiro, assim como tam­pouco se via fazendo ‘de uma só vez’ essas três coisas ‘separadas’. (Domsky & Dickson, 2010b, p. 14)

Theodore Arabatzis também tem defendido a interação entre a história e a filosofia da ciência. Em seus trabalhos iniciais, ele procurou mostrar como a filosofia da ciência pode enriquecer a investigação histórica da ciência, ao analisar os fundamentos filosóficos das escolhas e categorias historio- gráficas em questão (Arabatzis, 2006a, 2006b). Por exemplo, ao utilizar a categoria ‘descoberta científica’ (X descobriu Y), o historiador estaria inevitavelmente entrando em questões filosóficas como o realismo cientí­fico. Assim, quanto mais consciente ele estiver das complexidades de tais questões, mais sua narrativa histórica sairá beneficiada. Além disso, em um artigo recente, Arabatzis mostra como o estudo das assim chamadas ‘entidades ocultas’ (hidden entities) * entidades inacessíveis à observação imediata, como o elétron - oferece um bom exemplo de como pode se dar a integração entre história e filosofia da ciência. Nesse caso, por meio do aprofundamento histórico e filosófico da questão, é possível mostrar como alguns cientistas desenvolveram no passado uma forte convicção sobre a realidade de seus objetos de estudo, ainda que posteriormente essa realida­de tenha sido abandonada, como ilustra bem o episódio do éter na ciência física. Assim, conclui Arabatzis:

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. . . a atitude que estou recomendando efetua uma separação entre a imersão em uma visão de mundo (e em um conjunto de práticas) e a crença nas entidades ocultas associadas a esta última. Ela tem alguns paralelos com a epoché de Husserl, uma atitude de abstenção de ques­tões ontológicas. Eu a chamarei de ‘atitude de suspensão ontológica’. (Arabatzís, 2012, p. 134)

Além disso, Arabatzís propõe uma história filosófica da ciência, isto é, uma tendência da HPS que “explora episódios históricos particulares levando em consideração, p. ex,, a dinâmica das teorias científicas ou o processo de mudança conceituai” (Arabatzis, 2016). Seguindo essa ideia, ele fornece uma orientação geral para o historiador da ciência filosoficamente inclinado;

A história filosófica da ciência, como eu a concebo, busca compreen­der a vida científica em termos de conceitos metacientíficos filoso­ficamente articulados, tais como ‘descoberta’, ‘objetos’, ‘modelos’, ‘valores epistêmicos’, ‘a relação entre teoria e experimento’ etc. Ao utilizarem ativamente a literatura filosófica sobre a modelagem cientí­fica, p. ex., historiadores da ciência filosoficamente inclinados podem lançar nova luz sobre episódios científicos familiares e, assim, refi­nar e modificar as ferramentas filosóficas que eles usam. (Arabatzis,2016, p. 197)

Uma breve análise dessas novas propostas de HPS já é suficiente para mos­trar que subjacente à identidade de seus objetivos gerais (integração) há uma diversidade muito grande de abordagens. Isto significa que há diferentes ma­neiras de compreender a integração e que não há, pelo menos até o mo­mento, um único modo de alcançá-la. É ainda muito cedo para dizer se tais abordagens podem ser integradas em uma só ou se qualquer uma delas pode se tornar dominante no futuro.

4. Implicações para a psicologia

A partir da seção anterior, devemos concluir que não há uma maneira única de relacionar a história e a filosofia da ciência. Consequentemente, também não pode haver um único modo de relacionar a história e a filosofia da

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psicologia. Entretanto, assumindo que os debates sobre a HPS podem ser frutíferos para a história e a filosofia da psicologia, duas questões centrais surgem imediatamente. Primeiro, como é que análises filosóficas de projetos psicológicos aumentam a acurácia e a riqueza do conhecimento histórico em psicologia? Segundo, como é que investigações de episódios históricos particulares podem ser relevantes para discussões contemporâneas em psi­cologia? Ambas as questões deveriam ser vistas como um reflexo das duas tendências gerais em HPS: uma história filosófica da ciência e uma filosofia histórica da ciência (Arabatzis, no prelo).

Aqui eu tratarei apenas da primeira questão. Aplicada ao caso da psicologia, ela leva a uma história filosófica da psicologia. Uma história filosófica da psicologia, como eu a entendo, é uma história da psicologia guiada por ques­tões filosóficas específicas, sendo a mais importante de todas a relação geral entre psicologia e filosofia41, Uma vez que esta relação tem se desenvolvido historicamente de muitas maneiras distintas, a questão global pode gerar questões subsidiárias específicas - de acordo com cada contexto de inves­tigação - que ajudarão a organizar e dar coerência tanto aos procedimen­tos de pesquisa quanto à narrativa histórica oferecida pelo historiador. Em outras palavras, o objetivo central em uma história filosófica da psicologia é revelar como o desenvolvimento histórico e a elaboração de projetos psi­cológicos estão intimamente relacionados a suposições filosóficas que nem sempre são explicitadas. Assim, a ideia é tornar tais suposições explícitas e abertas à investigação e avaliação. Ao invés de enfatizar as dimensões políti­ca e social da psicologia, e de ver o seu desenvolvimento por intermédio das lentes de teorias sociais e de categorias como ‘práticas sociais’, uma história

41 Isso não quer dizer que essa relação não tenha sido abordada anteriormente. Pelo eontrário, histórias da psicologia filosoficamente inclinadas não são algo novo (e.g., Dessoir, 1902; Klenim, 1911; Leary, 1980; Robinson, 1982, 1995; Smith, 1986; Woodward & Ash, 1982). Alem disso, nos trabalhos recentes em história e filosofia da psicologia, não faltam estudos que abordam de um modo ou de outro a relação entre fiiosofia e psicologia a partir de uma perspectiva histórica {e.g., Ash & Sturm, 2007; Feest, 2005/2012; Green, 1996; Gundlach, 1993; Hatfield, 1990, 2009; Heideiberger, 1993; Koch & Leary, 1992; Osbeck & Held, 2014; Sturm, 2009; Sturm & Müiber- ger, 2012; Teo, 2013). O que está ausente, contudo, é uma explicitação e uma discussão mais sis­temática dos pressupostos teóricos e metodológicos subjacentes a esses estudos, assim como suas implicações para a historiografia da psicologia. Mais especificamente, debates sobre as implicações da História e Filosofia da Ciência (HPS) para a história da psicologia são praticamente inexistentes. Daí a necessidade dc uma nova abordagem a scr articulada no futuro,

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filosófica da psicologia foca na coerência e racionalidade dos projetos psico­lógicos dentro de seu próprio contexto histórico.

Além disso, uma história filosófica da psicologia preenche três importantes critérios propostos pelos historiadores. Primeiro, ela não é nem ingênua nem dogmática, mas sim crítica, na medida em que desenvolve suas hipóteses e interpretações contrastando-as com as suas concorrentes, não para celebrar ou validar qualquer projeto psicológico em particular, mas sim para mostrar seus problemas e suas potencialidades, usando para isto argumentos válidos e evidências oriundas de fontes primárias. Em segundo lugar, ela não é mo- nocêntrica, mas sim policêntrica, uma vez que está aberta aos mais diversos projetos psicológicos em todo o mundo, incluindo a possibilidade de inte­ração entre eles, desde que haja questões filosóficas a serem consideradas. Terceiro, ela não é paroquial, mas sim internacional, pois pode ser feita por historiadores de diferentes contextos culturais com distintas perspectivas, desde que tenham treinamento filosófico adequado.

Finalmente, uma história filosófica da psicologia não precisa se comprome­ter com doutrinas ou princípios metafísicos. Ela pode ser metafisicamente neutra em relação a questões especificamente psicológicas. Por exemplo, um historiador da psicologia não precisa defender, enquanto historiador, nenhu­ma teoria sobre a natureza última dos fenômenos psicológicos (e.g., natural kinds, social kinds etc.). Tais debates filosóficos são muito complexos para serem resolvidos de antemão. Assim, é suficiente que o historiador da psico­logia seja capaz de mostrar como atores históricos aceitaram e justificaram doutrinas e princípios metafísicos que tinham implicações diretas para seus projetos psicológicos, sem a necessidade de aceitar ou rejeitar essas mesmas posições. Nesse sentido, a demanda de que uma história crítica da psicolo­gia “dependa de uma mudança nos compromissos metafísicos tradicionais compartilhados pelos psicólogos e seus historiadores” (Danziger, 1994, p. 475) parece ser equivocada, a menos que se queira defender a tese de que a pesquisa histórica deva ser guiada por compromissos metafísicos específi­cos, o que não é o meu caso.

Para ilustrar minha tese, vou dar quatro exemplos de como se pode olhar efetivamente o passado da psicologia com olhos filosóficos, e de como tal olhar pode enriquecer nosso entendimento histórico do passado.

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O livro The natural and the normative> de Gary Hatfield, fornece um exem­plo convincente de uma história filosófica da psicologia. Seu objetivo espe­cífico é investigar teorias da percepção espacial de Kant a Helmholtz, mas Hatfield também fixa, desde o princípio, um alvo mais geral, que é “a relação entre filosofia e psicologia como abordagens complementares (ou concor­rentes) para investigar a mente” (Hatfield, 1990, p. vii). Em outras palavras, Hatfield busca nas teorias da percepção espacial duas atitudes contrastantes em relação à investigação e explicação da mente que percebe: naturalismo e normativismo. No primeiro caso, cientistas como Helmholtz defendiam a aplicação de métodos da ciência natural à mente. No segundo caso, Kant afirmava que algumas questões perceptivas não podem ser resolvidas por meio de recursos das ciências da natureza. Por sua vez, essas duas atitudes revelam uma oposição intelectual mais profunda entre dois modos de ver a relação entre filosofia e psicologia. De um lado, a interação é vista como frutífera e válida. De outro, há uma separação radical entre abordagens filo­sóficas e psicológicas da mente, como Kant defendia. Em resumo, o livro de Hatfield mostra de uma maneira muito clara e elegante como a questão geral subjacente a uma história filosófica da psicologia pode ser investigada por in­termédio de questões mais específicas, como a das abordagens concorrentes da percepção espacial no passado.

Um segundo exemplo é a análise de Uljana Feest sobre o operacionismo na psicologia (Feest, 2005/2012). Tendo como pano de fundo a relação entre filosofia e psicologia na primeira metade do século XX nos Estados Unidos, ela levanta uma questão bem específica, a saber, se os primeiros defenso­res do operacionismo na psicologia estavam comprometidos com as teses centrais do positivismo lógico. Usando como estudo de caso as defesas do operacionismo feitas por Stanley Stevens (1906-1973) e Edward Tolman (1886-1959), Feest reconstrói seus argumentos à luz de suas práticas meto­dológicas concretas. Como resultado, ela consegue mostrar que a aceitação do operacionismo tanto por Stevens quanto por Tolman não requeriam uma tese epistemológica ou semântica, como era o caso dos positivistas lógicos, mas apenas uma tese metodológica. Desta forma, Feest rejeita a interpreta­ção tradicional do operacionismo na psicologia, que afirma sua dependência do positivismo lógico, mas não nega que houve contato pessoal entre eles. Nas suas próprias palavras:

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Embora meus esboços históricos devessem mostrar (entre outras coi­sas) que esses operacionismos já estavam sendo contemplados antes que os cientistas em questão encontrassem os representantes do po­sitivismo lógico, isso não significa negar que tanto Stevens quanto Tolman de fato encontraram os representantes do positivismo lógico e que isso teve um impacto sobre como eles formularam seus ope­racionismos. Creio que essas referências foram, em grande medida, retóricas, visando reforçar suas ideias ao apelar para uma filosofia da ciência dominante. (Feest, 2005/2012, p. 281)

Como conclusão, Feest propõe uma nova interpretação do operacionismo na psicologia, que ela chama de "leitura metodológica” (Feest, 2005/2012, p. 288), como um substituto da abordagem positivista tradicional, lançando assim nova luz sobre a nossa compreensão histórica da complexa relação entre filosofia e psicologia nos Estados Unidos.

Retornando à tradição alemã, Thomas Sturm oferece, em seu artigo ls there a problem with mathematical psychology in the eighteenth century?, uma análise original da posição de Kant contra a possibilidade de se aplicar a matemática à psicologia, a assim chamada “tese da impossibilidade” (Sturm, 2006/2012). De fato, Sturm mostra que os debates sobre a mensuração de estados mentais já existiam antes das reflexões de Kant sobre a natureza da psicologia. Ele mostra também que tais debates, que incluíam otimistas e pessimistas, estavam pro­fundamente enraizados em pressupostos filosóficos (e.g., sobre a natureza da mente). Nesse contexto, ele propõe uma nova interpretação da posição de Kant:

Embora possa se pensar que sua alegação de impossibilidade o co­loca do lado dos pessimistas sobre a psicometria, isto não é correto.Ele não afirma que o mental enquanto tal não possui uma estrutura quantitativa, ou que não há um método para mensurar a mente. Ao contrário, sua afirmação é dirigida contra os pressupostos de uma concepção de psicologia então prevalente. Esta concepção de psicolo­gia não poderia explicar a possibilidade de investigações quantitativas sobre a mente. Enquanto Kant critica esta concepção de psicologia, ele próprio aceita certas afirmações quantitativas sobre a mente e che­ga até mesmo a dar passos importantes em direção a uma explicação de sua possibilidade. (Sturm, 2006/2012, p. 94)

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Em sua conclusão, Sturm argumenta que a tese tradicional, de acordo com a qual a psicologia tornou-se uma ciência quantitativa apenas no século XIX, é falsa e que “a simples demarcação entre os séculos dezoito e dezenove já não é mais clara” (Sturm, 2006/2012, p. 125).

Finalmente, eu quero situar meu próprio trabalho sobre W undt no con­texto de uma história filosófica da psicologia. Ao analisar sua obra, os li­mites das abordagens sociais da história da psicologia tornaram-se claros para mim, como eu indiquei na segunda seção deste capítulo. Eu tive a nítida impressão de que alguma coisa estava faltando nos estudos contem­porâneos de Wundt. De fato, uma vez que W undt foi professor de filosofia e viveu em uma época em que a separação entre filosofia e psicologia raramente existia, seja no plano institucional ou intelectual, como uma interpretação histórica de sua obra psicológica poderia deixar de lado ou desprezar a importância de seu projeto filosófico, que se desenvolveu paralelamente àquela?

Para responder a essa questão, eu propus uma reavaliação de sua obra, ba­seada na íntima relação entre a formação de seus pressupostos filosóficos e o desenvolvimento de seu projeto de psicologia científica (e.g., Araújo, 2010, 2012, 2014b, 2016). De acordo com minha hipótese central, a evolução de seu projeto psicológico é guiada e justificada por suas reflexões filosóficas, que o levaram a conceber um amplo programa de reforma de toda a filoso­fia alemã, no qual a psicologia desempenha um papel fundamental. Assim, psicologia e filosofia estão em íntima relação na obra de Wundt, cuja com­preensão demanda uma profunda investigação filosófica que vai além do uso de rótulos filosóficos (e.g., empirismo, racionalismo etc.) e da identificação de similaridades superficiais de ideias. Daí a necessidade de uma abordagem filosófica para a história da psicologia.

Por exemplo, eu mostrei que um dos aspectos mais importantes da psicolo­gia wundtiana, a saber, o abandono do inconsciente como um conceito útil para explicar os processos mentais - que ocorreu de forma gradual entre 1863 e 1874 (Wundt, 1862, 1863, 1874) - , não pode ser explicado sem se levar em consideração os intensos estudos e reflexões filosóficos de Wundt durante aquele período (Araújo, 2010, 2012, 2016). Mais especificamente, eu argumentei que a Critica da razão pura, de Kant, foi a principal fonte

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de inspiração para a mudança de Wundt. Desse modo, ficou claro porque a literatura secundária, ao desconsiderar esta relação entre filosofia e psico­logia em Wundt, ainda não tinha sido capaz de explicar esta ruptura funda­mental em seu projeto psicológico.

5. Considerações finais

Os exemplos apresentados anteriorm ente demonstram que a integração entre a história da psicologia e a filosofia da psicologia é não apenas possível, mas frutífera, promissora e desejável. Em especial, eles revelam como uma história filosófica da psicologia pode enriquecer nossa com­preensão histórica do desenvolvimento de teorias e projetos psicológi­cos, ao aprofundar o nível conceituai de análise e oferecer interpretações originais e convincentes. Além disso, eles preenchem três critérios: são críticos, policêntricos e internacionais. Contudo, para que essa integra­ção possa se dar em larga escala, são necessárias discussões metodológi­cas mais sistemáticas.

É importante ter em mente que uma história filosófica da psicologia não pode resolver todos os problemas levantados pela história da psicologia. Ao contrário, ela é limitada pelos tipos de questão que o historiador é capaz de levantar e pelos recursos metodológicos disponíveis em cada caso. Por isso, eu a proponho aqui como um caminho alternativo, porém complementar, para o futuro. Ademais, a ideia de uma história filosófica da psicologia, da forma como eu a defendo aqui, deveria ser entendida apenas como uma di­retriz geral, que representa o primeiro passo em direção a uma abordagem mais elaborada e potencialmente mais integradora para a história da psicolo­gia. As questões fundamentais envolvidas, no entanto, permanecem abertas a futuros debates e contribuições.

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A investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos: breves consideraçõesmetodológicas

Saulo de Freitas Araujo

No capítulo anterior, eu apresentei, em linhas gerais, os fundamentos teóri­cos de uma nova estratégia metodológica para o estudo do desenvolvimento histórico do conhecimento psicológico, a qual eu chamei de história filosó­fica da psicologia. Neste capítulo, meu objetivo é apresentar algumas dire­trizes metodológicas para a elaboração e realização de projetos de pesquisa nessa área, tendo em vista principalmente o pesquisador iniciante ou com pouca experiência. Desse modo, cada tópico será ilustrado com um ou mais exemplos, para que o leitor possa vislumbrar as possibilidades concretas de se transformar uma ideia em uma investigação real.

É importante deixar claro, contudo, que essas diretrizes metodológicas não pretendem de forma alguma exaurir as possibilidades de investigação históri­ca de teorias e conceitos psicológicos. Muito pelo contrário, dada a varieda­de de perspectivas metodológicas distintas para a história da ciência (social, cultural, biográfica, quantitativa, qualitativa etc.), cada uma delas exigiria um tratamento específico com diretrizes próprias, algo que está muito além não só dos meus objetivos neste capítulo, mas também do meu alcance. Por isso, o leitor deve ter em mente que as considerações metodológicas aqui apresentadas, ainda que contenham elementos comuns a qualquer atividade de pesquisa, são pensadas essencialmente em função daquilo que chamei an­teriormente de uma história filosófica da psicologia, que é um modo, entre outros, de investigar teorias e conceitos psicológicos.

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1. Escolha do tema

O ponto de partida de toda investigação é a definição, ainda que parcial, de seu objeto, ou seja, aquilo que o pesquisador pretende entender ou conhecer de maneira mais aprofundada. Naturalmente, à medida que ele vai se fami­liarizando com o tema escolhido, a sua investigação vai ganhando contornos cada vez mais precisos. No entanto, no início de todo o processo, é preciso haver uma primeira delimitação. No presente contexto, ela implica a escolha de uma teoria ou um conceito psicológico a ser investigado, incluindo aí seus problemas filosóficos. Aqui, a questão que o pesquisador coloca para si mes­mo é a seguinte: “o que exatamente eu estou interessado em pesquisar?”. Não é possível iniciar qualquer investigação sem que se tenha uma resposta ao menos preliminar a essa questão.

Não há regra ou diretriz para a escolha de um objeto de pesquisa, a não ser, é claro, a regra que diz: “siga seus próprios interesses, aquilo que o motiva!”. Esse passo inicial depende inteiramente da motivação e das prefe­rências pessoais do pesquisador, a não ser que ele faça parte de um grupo de pesquisa em que o objeto já esteja dado de antemão - seja pelo coorde­nador do grupo ou por seu supervisor imediato. Igualmente prejudicial ao planejamento de pesquisa é a interferência política direta. Quando se vive em uma sociedade totalitária, na qual os interesses individuais são comple­tamente aniquilados em função de supostos interesses da sociedade defini­dos pela classe governante, as possibilidades de pesquisa já estão limitadas a priori, o que, em geral, produz consequências trágicas para a ciência da sociedade em questão. Por exemplo, por ser considerada uma ciência peque­no-burguesa, Josef Stalin (1878-1953) e seu cientista de maior confiança, o biólogo Trofim Lysenco (1898-1976), tornaram a genética mendeliana ilegal na União Soviética, atrasando o programa de pesquisa genética naquele país por décadas (deJong-Lambert, 2012).

De todos os fatores motivacionais, o mais importante é o desejo sincero e profundo de conhecer alguma coisa: a motivação intelectual genuína. Em outras palavras, se o pesquisador escolhe um tema que lhe traga pouca ou nenhuma satisfação intelectual, um tema que não o fascine, que não o leve a nenhuma reflexão sobre a realidade, ele dificilmente ultrapassará o nível

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da pesquisa mecânica e burocrática, um mal que atualmente assola as uni­versidades e os centros de pesquisa em todo o mundo, além de contribuir para a esterilização da ciência. Uma pesquisa genuína, ainda que no nível da iniciação científica, pressupõe a curiosidade intelectual do pesquisador, o seu envolvimento com um tema. Nesse sentido, a investigação histórica contribui para a formação intelectual do pesquisador.

Em geral, são as próprias pessoas envolvidas de algum modo com a psicolo­gia que se interessam pela história de seus conceitos e teorias. É muito co­mum que um estudante de graduação comece a se interessar por uma teoria psicológica (e.g., teoria da dissonância cognitiva, teoria do condicionamento operante) porque ela aborda tópicos que guardam alguma relação com sua experiência particular, E igualmente comum que um aluno de pós-graduação busque um aprofundamento de um conceito psicológico (e.g., atenção, disso­ciação, esquema) devido à sua insatisfação com aquilo que aprendeu durante sua graduação. Em níveis mais avançados de pesquisa teórica, a escolha do objeto pertence em geral a uma linha de pesquisa que o próprio pesquisador constrói ao longo de sua trajetória intelectual, seja explorando o mesmo tema (e.g., a consciência) em distintas tradições teóricas, seja aprofundando o de­senvolvimento teórico-conceitual de uma mesma tradição (e.g., a psicanálise).

Seja como for, isso já é suficiente para mostrar a dimensão parcialmente sub­jetiva da pesquisa histórica: a presença de elementos arbitrários na decisão preliminar do pesquisador. Por isso, é muito importante que ele esteja cons­ciente de sua escolha e dos motivos que o levaram ao seu objeto, pois isso pode afetar a interpretação geral de seus resultados, como veremos adiante.

2. Busca exploratória

A escolha preliminar de um tema ou objeto geral ainda não é suficiente para constituir um projeto de pesquisa. O tema deve dar lugar a um problema específico de pesquisa, que significa um recorte bem preciso e delimitado a partir do amplo espectro de possibilidades dadas pelo tema. Para que se chegue a este ponto, é necessário, como segundo passo, iniciar uma busca exploratória sobre o material que já foi publicado sobre o tema escolhido.

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A melhor maneira de começar a busca exploratória é visitar uma boa biblioteca e procurar pelas obras gerais de referência, que incluem enci­clopédias, dicionários e manuais gerais da área específica; nesse caso, a psicologia. Com o advento da internet, algumas dessas obras de referên­cia estão disponíveis online gratuitamente, o que facilita muito a vida do pesquisador contemporâneo.

Infelizmente, pelo menos no caso da psicologia, não existem boas obras ge­rais de referência em português. Os melhores dicionários e enciclopédias estão em inglês e em alemão. Por exemplo, a American Psychological As- sociation lançou a Encyclopedia o f psychology em oito volumes (Kazdin, 2000). Mais recentemente, a Editora Springer publicou a Encyclopedia o f the history o f psychological theories (Rieber, 2012), obra única em seu gênero até aqui. ígualmente importante para a compreensão do desenvolvimento histórico das teorias psicológicas é a enciclopédia Die Psychologie des 20. fahrhunderts (Strube, 1976-1981), uma obra monumental em 15 volumes e um total de 17.000 páginas. Além disso, existem os manuais específicos de cada tradição teórica, como o Handbook o f behaviorism ( 0 ’Donohue & Kitchener, 1999) e a The MIT encyclopedia o f the cognitive Sciences (Wilson & Keil, 1999).

Vale ressaltar aqui que muitas fontes secundárias utilizadas no próprio en­sino de história da psicologia, como os manuais introdutórios, apresentam inúmeros problemas historiográficos que podem servir como ponto de par­tida para uma boa pesquisa em história de teorias e conceitos psicológicos.

Como estamos aqui interessados nos aspectos filosóficos de teorias e concei­tos psicológicos, é necessário ter em mente também as obras gerais de refe­rência cm filosofia. Assim como acontece com a psicologia, não existem boas obras de referência em português, exceto a tradução de alguns dicionários clássicos (e.g., Ferrater Mora, 2001; Lalande, 2010). No entanto, existem excelentes enciclopédias de filosofia que devem ser consultadas no início de cada investigação específica. Além da clássica Encyclopedia o f philosophy (Edwards, 1967), já revista e ampliada em segunda edição (Borchert, 2005), e da Routledge encyclopedia o f philosophy (Craig, 1998), não se deve igno­rar a Stanford encyclopedia o f philosophy (Zalta, 1995), que está disponível gratuitamente na internet e recebe constantes atualizações. Igualmente in-

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dispensável é o monumental Historisches Wörterbuch der Philosophie (Ritter, Gründer, & Gabriel, 1971-2007), sobretudo no que diz respeito às origens e ao desenvolvimento histórico de conceitos filosóficos e psicológicos.

O objetivo fundamental dessa consulta às obras gerais de referência é fami­liarizar o pesquisador com os principais autores e trabalhos desenvolvidos dentro do tema escolhido, permitindo que ele faça um mapeamento das ten­dências e questões discutidas dentro de seu tema. Por isso, ao final dessa busca exploratória, que pode durar de poucas semanas a alguns meses, de­pendendo do tempo que o pesquisador dispõe para ela, espera-se que ele seja capaz de identificar uma lacuna, uma questão ainda não respondida ou que necessita de maior aprofundamento, ou simplesmente uma má com­preensão de algum aspecto relacionado ao tema. Só então ele estará em condições de formular um problema específico de pesquisa.

3. Definição do problema

Após a busca exploratória, o próximo passo é a definição do problema es­pecífico de pesquisa. Um problema de pesquisa é a questão que vai guiar as decisões, análises e ações do pesquisador durante todas as fases da investiga­ção. É o primeiro critério que o pesquisador usa para julgar a relevância do material disponível sobre seu tema, ou seja, se ele é pertinente ou não. No caso de uma pesquisa mais avançada e de um pesquisador mais experiente, que já tem familiaridade suficiente com o tema ou está aprofundando uma investigação anterior, os dois primeiros passos não se aplicam. Para ele, a pesquisa começa aqui.

Nos níveis mais altos de pesquisa, espera-se que o problema formulado seja ao mesmo tempo relevante e original, contribuindo para o desenvolvimento da área particular em questão. E o que se chama de “pesquisa de ponta”. No nosso contexto, trata-se de uma questão inovadora, cuja solução eleva o co­nhecimento de uma teoria ou de um conceito psicológico a um novo patamar.

A tentativa de compreender o desenvolvimento de uma teoria ou um concei­to psicológico, seja de forma parcial ou em sua totalidade, constitui um dos problemas de pesquisa mais tradicionais nessa área. Isso acontece porque

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o(s) autor(es) de um conceito ou teoria raramente apresenta(m) uma des­crição ou explicação de seu desenvolvimento. E quando o fazem, na maior parte das vezes o relato não é confiável, seja pela falibilidade da memória humana, seja pela ocultação proposital de informações relevantes. Daí a ne­cessidade de uma investigação histórica daquele conceito ou teoria. Nesse caso, podem-se formular várias questões relevantes: por que o autor X mo­dificou sua teoria entre o período Y e o período Z? Quantos e quais são os estágios percorridos pela teoria? O que levou o autor X a abandonar o conceito Y? Quais foram as consequências para o futuro de sua teoria? O conceito formulado na fase inicial da obra de um autor é o mesmo que apa­rece na sua fase final?

Mas esse não é o único tipo de problema que se coloca para a investigação histórica de teorias e conceitos psicológicos. No capítulo anterior, eu apre­sentei alguns exemplos de trabalhos desenvolvidos recentemente que bus­cam a integração entre história e filosofia da psicologia. Assim, vou utilizar esses mesmos trabalhos para ilustrar o que seria um problema de pesquisa bem formulado nessa área.

Partindo do objetivo geral de compreender a relação entre filosofia e psico­logia em um certo período histórico, Gary Hatfield (1990) elege como tema de pesquisa as teorias da percepção espacial de Kant a Helmholtz. Para con­duzir sua investigação, ele formula a seguinte questão: quais são as atitudes filosóficas subjacentes às principais teorias da percepção espacial de Kant a Helmholtz? Hatfield quer mostrar que essas teorias revelam duas atitudes opostas sobre a relação entre filosofia e psicologia.

Uljana Feest (2005/2012) elege o conceito de operacionismo na psicologia como tema de pesquisa. Tendo igualmente como pano de fundo a relação entre filosofia e psicologia em um período histórico específico, seu problema de pesquisa pode ser reformulado da seguinte maneira: os primeiros defen­sores do operacionismo na psicologia estavam comprometidos com as teses centrais do positivismo lógico? Trata-se de investigar, então, as semelhanças e as diferenças entre as formulações psicológicas e filosóficas do conceito.

No caso de Thomas Sturm (2006/2012), o objeto de pesquisa escolhido é a controvérsia sobre a mensuração de estados mentais no século XVIII,

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especialmente a posição de Kant. Como guia para sua investigação, ele levanta a seguinte questão: Kant seria, por principio, contra toda e qual­quer proposta de mensuração dos estados mentais? Nesse caso, trata-se de apresentar uma crítica às interpretações tradicionais da posição de Kant em relação à psicologia.

É interessante notar que um problema de pesquisa pode ser formulado em dois níveís distintos, porém complementares: o geral e o específico. Como ocorre em muitas pesquisas de longo alcance e larga duração, o problema geral, que ilumina todo o processo de investigação, não pode ser respondido diretamente ou atacado de uma só vez. Por isso, é necessário subdividi-lo em questões menores, cada uma delas merecendo uma resposta particular. Em meu trabalho sobre Wundt (Araújo, 2010,2016), o problema de pesqui­sa era determinar a natureza da relação entre a formulação de sua teoria psicológica e o desenvolvimento de seu projeto filosófico. No entanto, como essa relação não se revelava diretamente como objeto de pesquisa em sua totalidade, fui obrigado a formular questões específicas para cada um dos distintos momentos em que ela se manifestava, o que me levou a dividir a in­vestigação em quatro fases distintas (Araújo, 2016). Após responder àquelas quatro questões, pude ao final construir um quadro geral de interpretação do desenvolvimento da psicologia wundtiana em sua relação com seus pres­supostos filosóficos.

Finalmente, deve-se ressaltar que o alcance e o grau de complexidade do pro­blema formulado dependem essencialmente de três variáveis: tempo disponí­vel, maturidade do pesquisador e familiaridade com o tema da pesquisa. A grande parte dos projetos de pesquisa abandonados, malconduzidos ou com resultados insatisfatórios e irrelevantes pode ser explicada pela presença de pelo menos um desses fatores.

O tempo restringe qualquer pesquisa. Ninguém pode pesquisar indefinida- mente, principalmente no âmbito acadêmico contemporâneo, em que as pressões para publicar os resultados de pesquisa crescem a cada dia. Portan­to, é fundamental que o problema formulado seja compatível com o tempo disponível para a investigação. Aqui a pergunta fundamental é: "quanto tem­po eu tenho disponível para investigar o tema escolhido?”.

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A maturidade do pesquisador também é um fator determinante no alcance e na complexidade do problema formulado. Quanto maior a maturidade, maior a capacidade de formular questões profundas, inovadoras e abran­gentes. Nesse caso, o pesquisador deve estar ciente de sua condição no momento da pesquisa para não propor “um passo maior que a perna”, evi­tando assim as frustrações e outras consequências adversas da incompatibi­lidade entre o problema formulado e a capacidade de resolvê-lo. A questão que surge aqui é a seguinte: “até onde eu sou capaz de ir na investigação desse tem a?”.

Finalmente, a familiaridade com o tema de pesquisa é igualmente importan­te na determinação da formulação do problema. Quanto maior o conheci­mento que o pesquisador tem de seu tema, maior sua capacidade de formu­lar questões relevantes para a área em questão. Nesse sentido, o problema deve ser compatível com a familiaridade que o pesquisador possui com o tema. A questão que se coloca aqui é: “qual é o nível de conhecimento que eu tenho do tem a?”.

Se o pesquisador for capaz de responder para si mesmo essas três questões, ele estará em ótimas condições de formular um problema de pesquisa ade­quado ao tempo, à sua maturidade e familiaridade com o tema. Por exemplo, um projeto de iniciação científica ou mestrado é marcado pelas seguintes ca­racterísticas: pouco tempo para execução, pouca maturidade do pesquisador e pouca familiaridade com o tema. Por isso, o problema formulado deve ser simples, circunscrito a uma única questão abordável diretamente. Mesmo nos casos em que o tempo é curto, mas a maturidade e a familiaridade do pesquisador com o tema são grandes, o problema dificilmente poderá ser muito abrangente e complexo, devendo se adequar ao tempo disponível. Daí se depreende que o tempo é um fator crucial para o desenvolvimento de pesquisas relevantes e inovadoras para a área.

O problema de pesquisa pode vir ou não acompanhado de uma hipótese, ou seja, uma solução preliminar proposta pelo pesquisador. E perfeitamente possível formular um problema de pesquisa sem que se tenha preliminar­mente qualquer resposta para ele. As hipóteses podem ser construídas (e descartadas) ao longo do caminho, à medida que a análise das fontes vai progredindo. A pesquisa histórica, ao contrário de uma pesquisa experimen-

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tal, é aberta, pois é sempre possível encontrar novas fontes que, por sua vez, podem levar à formulação de novas hipóteses. Em geral, a formulação prévia de uma hipótese para acompanhar o problema vai depender do nível de conhecimento que o pesquisador possui sobre o tema. Um pesquisador experiente, que esteja estudando uma mesma teoria psicológica por muitos anos, irá provavelmente iniciar sua nova pesquisa sobre aquela teoria com uma hipótese preliminar. Mas isso não é necessário para uma boa investiga­ção de teorias e conceitos psicológicos.

4. Identificação, seleção e localização das9 * 9 9

fontes

Finda a formulação do problema, o próximo passo é a identificação das fon­tes que serão analisadas para solucionã-lo. Uma fonte é “um objeto do passa­do ou testemunho sobre o passado do qual os historiadores dependem para criar sua própria representação do passado” (Howell & Prevenier, 2001, p. 17). No nosso caso, interessa-nos principalmente as fontes escritas. Durante a busca exploratória, o pesquisador já deve ter tomado contato com autores e discussões fundamentais do tema escolhido. Contudo, isso não é suficien­te. Em termos de investigação histórica, é preciso ir além das publicações encontradas nas obras gerais de referência e construir um catálogo sistemáti­co de todas as fontes relevantes para sua pesquisa. Mas como selecioná-las?

Em primeiro lugar, o pesquisador deve ter em mente a distinção entre fontes primárias e secundárias. Uma fonte primária é um objeto “da época sobre a qual ele revela informações e, como tal, tem uma conexão direta com a realidade histórica”, ao passo que “uma fonte secundária surge em um pe­ríodo posterior àquele para o qual ela serve de fonte, e se baseia em fontes primárias anteriores” (Kragh, 1987, p. 121). Tendo em vista a análise de teorias e conceitos psicológicos, as fontes primárias oferecem informações de primeira mão, geralmente escritas pelo(s) próprio(s) autor (es), sobre o conceito ou teoria em questão, e se dividem em duas classes: publicadas (ar­tigos, livros, capítulos de livro etc.) e não publicadas (cartas, diários, cader­nos de anotação, manuscritos etc.). Em relação às fontes secundárias, elas geralmente são constituídas por publicações posteriores de outros autores

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sobre aquele conceito ou teoria (manuais introdutórios, artigos, ensaios). Por exemplo, os livros, cadernos de anotação e cartas de Darwin são fontes primárias para a investigação de sua teoria da evolução, enquanto os livros e artigos contemporâneos de história da psicologia e da biologia que falam dc Darwin são fontes secundárias.

Nesse contexto, é importante ressaltar o valor das fontes primárias não pu­blicadas, em especial a correspondência do(s) autor(es) do conceito ou teo­ria em questão com seus pares e até mesmo seus familiares. Até meados do século XX, a carta era um meio importante de diálogo intelectual (Dobson, 2009). Por isso, não se deve descartar de antemão a possibilidade da cor­respondência de um autor revelar aspectos essenciais de sua trajetória inte­lectual e da formulação da sua teoria psicológica. Em muitos casos, o autor revela na sua correspondência informações que nunca aparecem em suas publicações. Tanto Wundt quanto William James são ótimos exemplos disso. No entanto, em ambos os casos, sua correspondência tem sido largamente ignorada na literatura.

A seleção das fontes vai depender sempre de um julgamento do pesqui­sador sobre a relevância do material disponível sobre o tema para res­ponder ao seu problema de pesquisa. Em outras palavras, é o problema de pesquisa que guia a busca e seleção das fontes. Por isso, quanto mais claramente formulado estiver o problema, mais fácil será o processo de seleção das fontes.

Uma maneira comum de começar a busca sistemática das fontes é a litera­tura secundária tradicional sobre o tema. No caso de teorias e conceitos psicológicos, as obras de interpretação mais respeitadas pela comunidade científica. Quando se trata de teorias e autores famosos, sempre há pelo me­nos um intérprete (historiador, filósofo, psicólogo) que já tenha feito um tra­balho anterior bem abrangente sobre aquele autor ou teoria e que acabou se tornando um clássico na área, ainda que nos dias atuais esse trabalho possa estar relativamente ultrapassado. Contudo, independentemente da atualida­de e da validade da interpretação, o importante aqui é a economia de tempo e trabalho que a obra representa para o pesquisador. O intérprete já fez a identificação e seleção das principais fontes primárias (publicadas ou não) e, às vezes, até mesmo das secundárias. Um bom exemplo é a bibliografia

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anotada de William James, publicada inicialmente por Ralph Barton Perry (1876-1957) - seu primeiro intérprete sistemático - e atualizada até 1977 por John McDermott, um estudioso contemporâneo do pensamento jame- siano (McDermott, 1977; Perry, 1920). Essa bibliografia contém uma lista cronológica comentada de todas as publicações de James em vida, além de edições póstumas. Ou seja, toda a literatura primária publicada. Com isso em mãos, o pesquisador deve se perguntar: “quais dessas publicações são re­levantes para o meu problema de pesquisa?”. Ao responder a essa pergunta, ele já terá feito a sua primeira seleção e poderá proceder à localização das publicações (e.g., bibliotecas, internet, livrarias).

Em relação à seleção das fontes primárias publicadas, deve-se ter em vista dois critérios, pelo menos no que se refere aos níveis mais altos de pesqui­sa. Primeiro, é fundamental que as fontes estejam na língua original em que foram publicadas. O trabalho com fontes traduzidas é sempre proble­mático, dada a possibilidade de alteração e distorção do texto original. Por melhor que seja uma tradução, ela nunca vai ter o mesmo valor que o origi­nal. No Brasil, esse problema das traduções é particularmente acentuado. As obras de autores como Freud e Skinner, por exemplo, têm recebido em nosso país versões muito problemáticas, que prejudicam a compreensão dos respectivos textos originais. Em segundo lugar, quando disponíveis, é essencial que se trabalhe com as chamadas “edições críticas”. Uma edição crítica é o resultado de um longo processo de investigação cuidadosa e cri­teriosa dos manuscritos originais de um autor, cujo objetivo é estabelecer um texto confiável, sem os tradicionais erros de impressão, tipografia e informação das edições originais, que vai ser utilizado como padrão para os pesquisadores da área. Um dos casos mais recentes de edição crítica em nossa área é a monumental The works o f William James, publicada pela Harvard University Press. Na inexistência de uma edição crítica da obra de um autor, devem ser buscadas as edições originais de cada uma de suas publicações. Daí a importância de se aprender a língua do autor que se pretende estudar.

Voltando ao contato inicial com a literatura secundária, ela difícilmente vai ser suficiente para a seleção de todas as fontes relevantes, seja por estar incompleta ou por apresentar informações ultrapassadas. Cabe, então, ao pesquisador interessado, complementar o trabalho prévio, ampliando a sua

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busca e atualizando as informações. Tomando novamente como exemplo o trabalho de Perry e McDermott, percebe-se que ele está incompleto. Primei­ro, desde 1977 muitas fontes primárias inéditas foram publicadas, como é o caso da correspondência parcial de James (Skrupskelis & Berkeley, 1992), Segundo, não há informação sobre as fontes primárias não publicadas ou sobre a literatura secundária. Nesse caso, o pesquisador deve recorrer a outros meios de busca.

Em relação às fontes primárias não publicadas, não basta identificar sua existência; é preciso localizá-las. Em geral, elas estão preservadas em biblio­tecas ou arquivos, sejam eles públicos ou privados. No caso de arquivos privados, depende-se sempre da boa vontade e do consentimento da família ou do curador responsável. Mas como fazer para localizá-las? Tradicional­mente, cada área possui seus catálogos e guias com a localização de fundos arquivísticos específicos. Por exemplo, existe um guia só para coleções de manuscritos relacionados à história da psicologia (Sokal & Rafail, 1982). Entretanto, o advento da internet facilitou muito a busca e a localização das coleções e dos arquivos.

Finalmente, é preciso selecionar também as fontes secundárias, que são principalmente constituídas por livros e artigos sobre o tema pesquisa­do. Aqui deve-se ter em mente os periódicos mais tradicionais de cada área. No caso da pesquisa histórica de teorias e conceitos psicológicos, os mais importantes são: Journal o fthe History o f the Behavioral Science, History o f Psychology, History o f Human Sciences, Theory & Psychology, Isis, Studies in the History and Philosophy o f Science, History o f Science, Journal o f the History o f Ideas. Para facilitar a busca, é aconselhável re­correr às bases de dados que agrupam vários desses periódicos, como JSTOR, PsicINFO e Project Muse. Já os livros são mais facilmente identi­ficados nos catálogos de bibliotecas, muitos dos quais estão atualmente disponíveis para busca online. Em ambos os casos, a busca deve ser feita a partir das palavras-chave que caracterizam o tema e o problema de pesquisa em questão.

Após a identificação, seleção e localização das fontes, o último passo é a ve­rificação do acesso a elas. É fundamental que o pesquisador se certifique da

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viabilidade de acesso às suas fontes principais. Caso contrário, sua investiga­ção pode ficar seriamente comprometida ou, no pior dos cenários, tornar-se inviável. Em relação às fontes primárias não publicadas, até a primeira déca­da do século XXI, a visita física aos arquivos era pratica mente obrigatória, o que exigia grande dispêndio financeiro. Nos últimos anos, muitos arquivos estão disponibilizando suas coleções em formato digital para acesso online gratuito, como é o caso da Universidade de Harvard (http://library,harvard. edu/university-archives) e da University College o f London (https://www.ucl, ac.uk/library/special-collections). O mesmo tem acontecido com muitas fon­tes primárias publicadas que já caíram em domínio público. Muitos livros e artigos clássicos publicados em séculos passados, até recentemente consi­derados obras raras e de difícil acesso, estão hoje disponíveis gratuitamente para download na internet. Projetos como Internet Archive (https://archive. org), Gallica (http://gallica.bnf.fr), The Virtual Laboratory (http://vlp.mpi- wg-berlin.mpg.de/index_html) e Google Books (https://books.google.com) disponibilizam milhares de obras fundamentais para a pesquisa histórica de teorias e conceitos psicológicos. Em relação às fontes secundárias, sobretu­do os artigos, a CAPES disponibiliza para as universidades públicas brasilei­ras, por meio do Portal de Periódicos CAPES (http://www.periodicos.capes. gov.br), o acesso gratuito aos periódicos e bases de dados internacionais mais relevantes de cada área.

Para julgar a questão do acesso, o pesquisador deve estabelecer uma hierar­quia entre suas fontes selecionadas. Por exemplo, se o seu objetivo é questio­nar uma interpretação tradicional de um conceito ou teoria a partir do uso de fontes primárias não publicadas e nunca antes exploradas, sua prioridade é garantir o acesso a essas fontes. Por outro lado, se uma fonte é pouco re­levante para o problema em questão, a falta de acesso a ela não prejudica a execução do projeto de pesquisa. Por isso, é fundamental que haja uma compatibilidade entre problema de pesquisa, seleção de fontes e acesso.

Mesmo que o pesquisador garanta o acesso a todas as suas fontes selecio­nadas, ele não deve ter a ilusão de que esgotou todas as fontes relevantes para a sua pesquisa. É sempre possível que ele tenha cometido um erro de julgamento em relação à relevância de uma fonte que ele descartou ou então que uma fonte relevante anteriormente desconhecida seja descoberta.

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5. Planejamento e cronograma

O último passo na elaboração de um projeto de pesquisa é o planejamento das etapas a serem percorridas e a fixação de seu respectivo cronograma. Planejar uma pesquisa significa “prever os momentos cognoscitivos e téc­nicos pelos quais o trabalho deverá passar” (Aróstegui, 2006» p. 468). Um mau planejamento das etapas da pesquisa pode comprometer significativa­mente a sua realização, no sentido de obrigar o pesquisador a finalizar o processo sem que tenha analisado todas as fontes selecionadas e respondido ao seu problema de pesquisa.

O planejamento de uma pesquisa histórica envolve essencialmente três ele­mentos: tempo, problema de pesquisa e quantidade de fontes selecionadas. O trabalho intelectual do pesquisador consiste na tentativa de compatibilizar da melhor forma possível esses três fatores.

Em primeiro lugar, é preciso retomar aquela questão colocada na terceira seção: “quanto tempo eu tenho para realizar minha pesquisa, incluindo a elaboração e entrega do relatório, dissertação ou tese?”. Esse tempo varia geralmente de um a quatro anos, dependendo da natureza da investigação em questão. Atualmente é muito raro que um pesquisador receba finan­ciamento para desenvolver um mesmo projeto de pesquisa por mais de quatro anos.

Após tomar consciência do tempo total que ele tem para realizar a pesquisa, ele deve se perguntar: ”cie quantas horas semanais eu disponho para anali­sar as fontes e quanto tempo aproximadamente eu necessito para trabalhar cada tipo de fonte (primárias publicadas, primárias não publicadas e secun­dárias)?”. Ao responder a essas duas questões, ele já consegue formar uma primeira ideia do tempo total para a análise das fontes.

Em seguida, ele deve buscar a divisão do trabalho em etapas concretas. Ten­do sempre em vista seu problema de pesquisa, ele deverá formular a seguinte pergunta: “qual é o itinerário mais adequado para que eu consiga solucionar o meu problema?”. Na investigação de teorias e conceitos psicológicos, uma solução muito comum adotada pelos pesquisadores é a divisão do trabalho

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em cortes temporais. Se uma teoria foi formulada ao longo de trinta anos, é possível estudá-la em três etapas, cada uma delas correspondendo a uma década. Mas isso varia muito de caso a caso, de forma que se torna impossí­vel o estabelecimento de qualquer diretriz mais específica para o estabeleci­mento das etapas. Na verdade, essa divisão do trabalho dependerá tanto do problema de pesquisa quanto da quantidade de fontes a ser analisada.

O último passo é a montagem do cronograma, que traz de volta para a dis­cussão o fator tempo. Uma vez traçado o caminho, o pesquisador deve dis­tribuir as etapas ao longo dos meses de cada ano disponível, para que possa se guiar posteriormente. A pergunta aqui é a seguinte: “quantos meses eu necessito para cumprir cada uma dessas etapas?”. Em função das respostas que forneceu às perguntas anteriores, ele já terá uma ideia aproximada de quantos meses necessitará para cada etapa. Aqui, a experiência do pesqui­sador ajuda muito. Com o passar do tempo, ele vai aprendendo o seu tempo e rendimento individual de trabalho (e.g., o tempo médio que ele gasta para ler um artigo, um livro etc.), o que é fundamental para a elaboração de pes­quisas mais aprofundadas e abrangentes.

O cronograma final é geralmente apresentado por meio de uma tabela, na qual as atividades são descritas e relacionadas aos respectivos meses de tra­balho. Mas é igualmente comum a apresentação do cronograma em termos de uma explicação textual de cada atividade por período de realização. Seja como for, o importante é que o pesquisador deixe claro o que ele fará con­cretamente ao longo do tempo que ele tem para realizar a pesquisa. Quan­do o projeto é submetido a uma agência de fomento, a descrição clara das etapas e a apresentação do cronograma são pontos essenciais da avaliação.

6 .0 trabalho com as fontes

Antes de iniciar a análise e interpretação de suas fontes, o pesquisador deve gastar algum tempo verificando a autenticidade e a confiabilidade das mes­mas. A autenticidade diz respeito à procedência da fonte, se ela foi mesmo escrita na época e pelo autor em questão. A confiabilidade se refere à veraci­dade da informação contida na fonte.

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No caso de suas fontes primárias publicadas, é pouco provável que o pesqui­sador encontre problema em sua investigação de teorias e conceitos psicoló­gicos dos dois ou três últimos séculos, pois em geral há pouca dúvida sobre a autenticidade de livros e artigos desse período. Enquanto até hoje se debate a autenticidade de alguns escritos atribuídos a Aristóteles, isso não acontece com um psicólogo do século XIX ou do início do século XX. Mesmo no caso das inúmeras resenhas publicadas anonimamente em periódicos e jornais da época, hábito comum até o início do século XX, isso não representa nenhu­ma dificuldade. Por exemplo, tanto Wundt quanto James publicaram várias dessas resenhas, mas não há atualmente qualquer dúvida sobre sua autoria.

A situação muda sensivelmente quando se trata de fontes primárias não pu­blicadas. Por exemplo, uma carta pode vir sem data, com data incompleta, sem assinatura, sem local, o que pode dificultar o estabelecimento de sua autenticidade. Há também a possibilidade de fraude, ou seja, alguém que deliberadamente invente informações e/ou forje documentos e atribua sua autoria a um autor do passado. Um dos casos mais claros de fraude em nossa área foi a criação do “mito de Pinei”. Em 1823, Scipion Pinei (1795- 1859), o filho mais velho de Philippe Pinei (1745-1826), publicou um artigo em um periódico francês alegando que seu conteúdo tinha sido extraído dos cadernos de anotação de seu pai. Durante muitos anos, esse conteúdo foi transmitido e repetido em inúmeros manuais e tratados de medicina e psiquiatria sem que ninguém duvidasse de sua autenticidade. Hoje em dia, contudo, a falsificação está comprovada (Weiner, 1994). Felizmente, contu­do, esse problema não é frequente na área e não deve preocupar demasia­damente o pesquisador.

A questão da confiabilidade afeta igualmente as fontes publicadas e não pu­blicadas. Não é por estar publicada em um periódico respeitável que uma declaração pessoal de um autor deva ser tomada ao pé da letra. Várias ra­zões podem tê-lo levado a tal declaração, sem que ela represente de fato o que ele estava pensando naquele momento. Por isso, é sempre fundamental fazer uma comparação com outras fontes disponíveis e compreender o con­texto de sua formulação.

Outro fator importante que afeta a confiabilidade de um relato é a fragilidade da memória humana. O pesquisador deve sempre desconfiar dos relatos

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autobiográficos tardios de um autor, cotejando-os com outras fontes dispo­níveis sobre os eventos em questão. Por exemplo, em relação à autobiogra­fia de Wundt, pude perceber que seu relato sobre o período que trabalhou como assistente de Helmholtz não corresponde às fontes primárias disponí­veis (Araújo, 2014).

Para que o trabalho com as fontes seja frutífero e economize tempo do pes­quisador, é fundamental que ele faça um registro de cada fonte consultada e monte seu próprio arquivo de trabalho. Isso pode ser feito em fichas avulsas, cadernos de notas ou documentos eletrônicos (e.g., Word for Windows). O importante é que em cada um dos registros o pesquisador anote a referência completa da fonte e as informações relevantes que ele retirou dela, incluindo sua localização (número de página ou folha). Assim, o pesquisador não pre­cisa retornar à fonte original cada vez que precisar consultar aquela informa­ção, o que representa uma grande economia de tempo.

A análise das fontes históricas requer muita habilidade, principalmente no que se refere ao trabalho em arquivos (Bacellar, 2006; Castro, 2008). Mas o prin­cipal é que o pesquisador tenha todo o tempo em mente o seu problema de pesquisa, a sua pergunta geral e/ou as suas perguntas específicas como guia para a análise dos documentos. Nesse momento, a pergunta fundamental é: “o que essa fonte me diz sobre o meu problema?”. Caso o pesquisador perca de vista seu(s) problema(s) de pesquisa e comece a seguir todas as informações contidas nas fontes selecionadas, ele certamente vai se perder ou desviar do seu caminho. Assim, ao final, ele terá uma montanha de informações, mas não saberá o que fazer com elas. Ter o problema em mente é muito importante quando se vai acessar um arquivo peia primeira vez. Por exemplo, no primeiro contato com a correspondência de um autor, é muito fácil o pesquisador se per­der nas minúcias contidas nas cartas e esquecer do motivo que o levou até elas.

Infelizmente, não é possível abordar dentro dessas breves considerações me­todológicas a questão da interpretação das fontes, devido à quantidade e à complexidade dos fatores envolvidos (cf. Bloch, 2001; Dobson & Ziemann, 2009; Fischer, 1970; Goertz, 2007; Langlois & Seignobos, 1898/2009). No entanto, a ideia geral pode ser resumida da seguinte forma: trata-se de um confronto constante entre as informações extraídas das fontes, o(s) proble- ma(s) de pesquisa e a(s) hipótese(s).

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7. Apresentação e discussão dos resultados

O último passo da pesquisa é a apresentação e a discussão dos resultados. Embora a apresentação e discussão dos resultados apareçam frequentemen­te juntas na literatura, vou aqui separá-las para fins didáticos. E sempre bòm que o pesquisador iniciante compreenda a diferença lógica que existe entre descrever e explicar/argumentar.

A apresentação dos resultados pode ser feita de forma meramente descriti­va. O pesquisador pode optar por listar, para cada etapa de sua pesquisa, seus principais achados, sem buscar ainda uma articulação entre eles ou uma explicitação de seu sentido. Por exemplo, ele pode fazer afirmações do tipo: “no período X, encontramos os elementos Y e Z da teoria K”; “no estágio P, o conceito Q tinha três formulações diferentes”. Afirmações deste tipo mostram que o pesquisador está apenas constatando aquilo que ele encontrou.

Isso não é suficiente, porém. É preciso integrar os resultados encontrados em um quadro coerente de interpretação. É necessário explicitar o sentido desses resultados à luz tanto do problema de pesquisa quanto da hipóte­se. Em suma, o pesquisador deve mostrar, por meio de argumentos, o que seus resultados significam. Para alcançar um bom resultado, ele deve fazer uso das próprias fontes primárias (citações diretas), mostrando que seus argumentos estão amparados em passagens originais. Nesse caso, a citação direta fortalece a interpretação do pesquisador.

Nesse contexto, é igualmente fundamental o confronto com as interpreta­ções contidas na literatura secundária. O pesquisador deve se perguntar: “os resultados encontrados são compatíveis com a literatura secundária?”; "eles revelam algo novo sobre o conceito ou teoria em questão?”. Aqui, o pesquisador precisa de argumentos para defender sua interpretação. E nesse momento que ele deve utilizar toda a sua habilidade analítica para enxergar os problemas apresentados por interpretações anteriores e mostrar porque a sua interpretação oferece uma compreensão mais profunda ou lança nova luz sobre o problema em questão.

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Mas o pesquisador não deve discutir os limites e problemas apenas das interpretações alheias. É parte fundamental da discussão de uma pesquisa que o pesquisador esteja consciente dos limites do seu próprio trabalho. Por exemplo, é importante ele reconhecer, se for o caso: que a falta de acesso a uma fonte X pode ter prejudicado ou limitado seus resultados; que suas fontes revelaram novos aspectos sobre o tema investigado que não puderam ser abordados; que uma resposta mais adequada ao seu pro­blema de pesquisa exige outra forma de análise das fontes; etc. Seja como for, não há pesquisa perfeita. Há sempre algo a ser aperfeiçoado ou acres­centado. Por isso, é importante também, sempre que possível, que o pes­quisador diga se seus resultados apontam para a necessidade de alguma pesquisa futura.

Ao final, deve-se deixar claro qual é a contribuição do trabalho para a literatura.

8 .0 relatório final

Se a pesquisa está sendo conduzida de maneira oficial, com cadastro em algum órgão (pró-reitoria, agência de fomento etc.), o pesquisador será obrigado a entregar um relatório final para avaliação, incluindo aí a prestação de contas da verba utilizada ao longo da pesquisa. No caso de pesquisas realizadas no âmbito de programas de pós-graduação, o relatório final pode ser substituído pela entrega e defesa da dissertação ou tese. No entanto, como as condições e as exigências variam muito de local para local, não é possível aqui elaborar nenhuma diretriz geral sobre o preenchimento e a entrega de relatórios.

De qualquer modo, a entrega do relatório final, seja na forma de um formu­lário online seja na forma de uma dissertação ou tese, marca oficialmente o fim do projeto de pesquisa em questão.

Referências

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Biografia científica e pesquisa teórica da historiografia da psicologia

Robson Nascimento da Cruz42

O reconhecimento do valor cultural do gênero biográfico tornou-se notável a partir do final da década de 1970, momento no qual a biografia se desta­cou como o mais popular dos gêneros literários. Nesse cenário, o gênero biográfico começa a ser percebido como a “mais satisfatória e estabelecida realização de nossa presente era” (Gittings, 1978, p. 15). Percepção mantida ao longo das últimas três décadas com alegações de que viveríamos na era (Bowker, 1993) ou idade da biografia (Kusek, 2014).

Uma prova do impacto cultural do gênero biográfico está nas transforma­ções do uso do termo biografia nas últimas décadas. Mesmo que cada época e contexto social apresente uma definição de biografia orientada por dife­rentes crenças epistemológicas e morais, por muito tempo foi consenso que a biografia se referia à narrativa escrita da história de uma vida humana. Contudo, na atualidade, o significado do substantivo biografia não mais se restringe a esse uso tradicional. Vide sua presença em títulos de produções audiovisuais, como documentários e filmes ficcionais; e sua inclusão como parte de títulos de livros que narram a história de um país (e.g., Schwarcz & Starling, 2015) ou mesmo de um órgão humano (e.g., Weale, 1982).

Além disso, a partir da década de 1980, pela primeira vez, a biografia ad­quiriu status quase unânime de fenômeno legítimo de pesquisa entre vários campos do conhecimento, ultrapassando o mercado editorial voltado para

42 Bolsista de pós-doutorado Fapesp {processo 15/00514-0).

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o grande público. A principal razão disso foi a crescente consciência de que a biografia desempenharia papel especial no tratamento de um dos maiores problemas teóricos e metodológicos enfrentados pelas ciências humanas e sociais: a compreensão das relações entre história individual e história so­cial, entre sujeito e sociedade (Mills, 2009).

Nesse cenário, a biografia assume o duplo papel de fonte e objeto de pes­quisa, uma vez que dela se poderiam abstrair os diferentes modos de repre­sentar as relações entre sujeitos e contextos sociais, em quadros históricos específicos. Por essas e outras razões, nas últimas quatro décadas o gênero biográfico penetrou as mais diferentes áreas do saber.

O objetivo deste capítulo é apresentar, de maneira introdutória, como o gêne­ro biográfico tem se inserido em uma disciplina específica, a historiografia da psicologia. Ao mesmo tempo, pretende também avaliar como a biografia pode­ria ser incorporada à pesquisa teórica em psicologia, já que essa possibilidade tem sido pouco explorada na literatura da área.

Para tanto, será apresentada uma breve introdução à história do gênero biográfico, passando por suas especificidades na historiografia da história e na historiografia da história da ciência, com destaque para seu lugar atual na historiografia da psicologia. Em seguida, será discutida a inserção do gênero biográfico na pesquisa teórica da história da psicologia por meio de um exemplo no qual a biografia científica foi incorporada a uma análise teórica do projeto científico skinneriano.

1. Uma breve história do gênero biográfico: o apagamento de uma história sempre presente

A história do gênero biográfico é talvez a história mais paradoxal de todos os gêneros literários. Por um lado, a biografia sempre teve grande apelo e alcance popular. Por outro, foi alvo constante de críticas acadêmicas, tendo seu valor intelectual rejeitado até muito recentemente (Dosse, 2009). Entre essas críticas destaca-se a vinculação do gênero biográfico a noções forte-

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mente rechaçadas pelo que se convencionou chamar de pensamento pós-mo- derno, como a ideia de progresso e a história dos grandes homens (Loriga, 2011). Para Nigel (2007), essa herança histórica da biografia tornou sua presença quase nula na universidade, criando um paradoxo surpreendente:

Hoje, em um dos maiores paradoxos da civilização ocidental, a bio­grafia é a área mais amplamente praticada e muitas vezes mais con­troversa da produção audiovisual e da publicação, c um dos pilares da prática democrática ocidental. No entanto, enquanto nas universi­dades abundam departamentos dedicados à investigação e ao ensino de disciplinas tão diversas como o jornalismo, o hip-hop, os estudos sobre as mulheres, os esportes e os estudos afro-americanos, para citar alguns, o assunto da biografia - que liga todos cies - não possui nenhum grande departamento dedicado ao seu estudo em uma única universidade, salvo no Havaí! (p. 4)

Ao comentar a dificuldade em situar a biografia como parte de um único campo do conhecimento e sua perene rejeição acadêmico-intelectual, Dosse (2009) também avalia que o gênero biográfico foi ignorado porque explicita­va o vínculo entre questões de fato e questões de valor, entre fato e ficção, en­tre história e mito - algo que o pensamento moderno considerou indesejável e inconciliável. Para Shorltand e Yeo (1996), essas características também esclarecem por que o gênero biográfico tradicionalmente ocupou mais es­paço nos departamentos de Literatura do que nos de História, uma vez que esta última disciplina, até meados do século XX, manteve como parte de seu projeto ser reconhecida como uma ciência positivista.

De um ponto de vista sociológico, a crítica mais recorrente à biografia refere- -se à ideia de que tal gênero, em suas diversas vertentes, estaria comprome­tido com a consagração da figura dos grandes homens, e com o decorrente papel desse tipo de narrativa na manutenção de estruturas sociais dominan­tes. Essas estruturas estariam amparadas em uma visão histórica linear e excessivamente comemorativa de determinados sujeitos e eventos, produ­zindo aquilo que Bourdieu (1996) denominou “ilusão biográfica”. Embora reconheça o valor dessa crítica para o desvelamento do papel, muitas vezes, alienante do relato biográfico, Loriga (2011) indica suas limitações. Para ela,

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autores como Bourdieu incorreram no erro de estabelecer um passado mo­nolítico do gênero, apagando assim inúmeros esforços biográficos de narrar a vida de figuras à margem da sociedade europeia dos séculos XVIII e XIX, como ladrões, poetas e outras personagens excluídas.

Loriga (2011) sugere que a crítica à biografia heroica ainda permanece vá­lida. Contudo, o cenário biográfico atual é um terreno cada vez mais difícil de ser definido em termos de simples reprodução da imagem histórica da figura dos grandes homens. A diversidade de formas de narrar a vida ganhou dimensões impossíveis de serem totalmente mapeadas e classificadas apenas em uma perspectiva. Porém, ao invés de isso ser visto como uma fraqueza do gênero, para Loriga (2011) é justamente a impressionante heterogenei­dade contemporânea do gênero biográfico que o tornou fenômeno cultural impossível de não ser percebido e debatido.

2. Biografia científica e história da ciência: uma relação paradoxal

Em uma das poucas coletâneas sobre a história da biografia científica, Sõ- derqvist (2007) sugere que não haveria gênero na história da ciência mais odiado do que o gênero biográfico. Para o autor, o desprezo pela biografia na história da ciência aparece no escasso esforço para interpretar os diver­sos papéis desempenhados pela biografia científica, ainda que o gênero me- tacientífico seja, em termos quantitativos, o mais presente na história da ciência moderna. Na mesma perspectiva, para Shortland e Yeo (1996), o que impressiona sobre a história da biografia científica é que ela teria ficado imune às substanciais transformações filosóficas e históricas ocorridas na historiografia da ciência da segunda metade do século XX. Foi nesse sentido que alegaram que a "biografia científica nem sempre registrou esse mar de mudanças. Muitos biógrafos ainda estão, por assim dizer, na praia, intoca­dos pelas evoluções filosóficas e históricas, oferecendo narrativas obsole­tas de heroísmo, abnegação e devoção ao dever” (p. 2). Prova significativa da insensibilidade ao gênero biográfico seria notável no trabalho de nomes como Thomas Kuhn e Bruno Latour, que, mesmo sendo responsáveis por incluírem em seus escopos teóricos e metodológicos aspectos microssociais,

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micro-históricos e psicossociais da ciência, deixaram de situar a biografia como fenômeno legítimo de investigação histórica da ciência.

Embora apenas na década de 1990 tenha se tornado evidente um conjunto de reflexões críticas sobre a biografia científica, alinhado com as mudanças filosóficas e históricas da historiografia da ciência, alguns esforços tímidos e dispersos de avaliação do papel da biografia científica são identificados a partir da década de 1970. O texto de Brush (1974), hoje um clássico dos estudos biográficos da ciência, expõe um germe desse empenho analítico desenvolvido nas duas últimas décadas. Ainda que preocupado, sobretudo, com o valor disciplinar da biografia científica, Brush foi o primeiro a notar o que tem sido considerado um dos maiores paradoxos da função do gênero biográfico na formação científica.

Esse paradoxo mostra que a literatura pedagógica da ciência recorre a bio­grafias dos grandes homens (mulheres somente recentemente começaram a fazer parte da história da ciência como protagonistas) de modo a expor como a vida deles seria composta por uma série de episódios extraordiná­rios, em que suas descobertas científicas são exaltadas justamente por violar as regras canônicas da ciência. Contudo, essa mesma literatura apregoa para os jovens cientistas que a boa e aceitável prática científica resultaria exclusi­vamente do seguimento rígido de regras. Para Greene (2007), o paradoxo anunciado por Brush (1974) permanece até o presente e representa o baixo impacto dos debates críticos na história da ciência sobre os usos tradicionais da biografia científica.

Contudo, os usos da biografia na formação científica não esgotam todo o ce­nário biográfico da ciência. Naquilo que tem sido designado como produção especializada de biografias científicas, escritas principalmente por historia­dores de formação, há transformações consideráveis nos modos de narrar a vida na ciência. Assim, a partir da década de 1980, há nítidos esforços de escrever biografias científicas influenciadas pela história cultural e pelas mudanças na historiografia da ciência. Tais biografias caracterizam-se, prin­cipalmente, por situar a história de vida de grandes nomes da ciência e suas produções intelectuais como parte de contextos históricos, políticos, sociais e econômicos que, no mínimo, influenciaram suas produções intelectuais. Com isso, informações de ordem biográfica passam a ser compreendidas

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como capazes de favorecer o entendimento de como os cientistas vivem am­bições acadêmicas - o que é identificado em processos como a sociabilida­de, a informalidade, o status social e o apoio financeiro e acadêmico que eles experimentam ou não durante suas carreiras. Igualmente, o recurso ao gênero biográfico na história da ciência indica como se dá a construção de lideranças científicas, a aceitação social da ciência e as disputas internas na comunidade científica, o que raramente aparece em outras fontes. Assim, a biografia provê a inserção dos leitores em embates existentes em toda a ciência, mas muitas vezes apagados em prol de uma linguagem formal im­peditiva da exposição do papel desses fatores ou apenas preocupada em manter a imagem de heroísmo de determinadas figuras históricas (Jo Nye, 2006; Popkin, 2005).

3. A biografia na historiografia da psicologia: uma história a ser construída

Em consonância com as transformações nas narrativas biográficas da ciên­cia, ocorridas a partir da década de 1980, a produção biográfica na psico­logia passou por mudanças no mesmo período. A principal delas foi que a narrativa de vida de nomes como Freud, Skinner, Piaget, entre outros, e suas produções intelectuais começaram a ser contextualizadas como parte de quadros sociais diversificados. Todavia, também em acordo com o cená­rio mais amplo da historiografia da ciência, isso não significou que o gênero biográfico tenha se tornado automaticamente matéria de análise crítica na historiografia da psicologia. Na realidade, comentários sobre biografias na área continuaram a ser tratados de modo genérico, no máximo por meio de resenhas. Por exemplo, nos dois principais periódicos da área, History o f Psychology e Journal ofthe History o f the Behavioral Sciences, a biografia não adquiriu lugar de destaque.

Uma hipótese para o desprezo pelo gênero biográfico na historiografia da psicologia é que ela ocupa um lugar semelhante àquele que a história da psi­cologia tem ocupado entre praticantes dessa ciência: uma perfumaria históri­ca (Lopes, 2011). Assim, historiadores da psicologia - especialmente quando são praticantes da área - relegam a biografia ao papel de uma história aces-

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só ria, sem relevância concreta para interpretação da história da psicologia. Isso soa paradoxal, uma vez que a história da psicologia é fortemente afeita ao uso do gênero biográfico na formação científica; além de a psicologia ser possivelmente a área do conhecimento que mais recorre à história dos gran­des homens como parte de suas estratégias disciplinares (Kuhn, 1989).

Na condição de principal representante de uma história da consagração e do progresso, o gênero biográfico tornou-se alvo de ataques de uma his­toriografia crítica da psicologia, que se iniciou entre as décadas de 1960 e 1970. Nesse cenário, a biografia é considerada um instrumento responsável por mascarar estruturas ideológicas dominantes na produção do conheci­mento psicológico que, entre outras coisas, legitima preconceitos e apaga o valor de sujeitos oriundos de grupos minoritários, envolvidos na própria produção do conhecimento psicológico (Vaughn-Blunt, Rutherford, Baker, & Johnson, 2009).

Para Bali (2012), este cenário de crítica ao gênero biográfico e a demanda por uma história da psicologia historicista fizeram com que a biografia fosse compreendida como um gênero a ser evitado, porque representava aquilo que se criticava naquele momento. Não por acaso, quase todas as biografias de grandes nomes da psicologia, a partir da década de 1980, foram escritas por historiadores profissionais e não por psicólogos-historiadores.

Vale dizer que uma hipótese ainda a ser verificada sobre o gênero biográfico na psicologia é se a produção de biografias heroicas estaria relacionada com uma formação de psicólogos e psicólogas historiadores da psicologia majo- ritariamente alinhada teórica e metodologicamente com perspectivas menta- listas e individualistas. Isso dificultaria ou inviabilizaria considerar a história de vida de homens e mulheres, envolvidos no processo de construção do saber psicológico, como um resultado de diversas interações sociais. Assim, permaneceria na escrita biográfica a tentação de reproduzir categorias de análises incompatíveis com perspectivas contextuais, mesmo em produções biográficas de personagens da história da psicologia que contribuíram para a crítica da biografia heroica. Um exemplo marcante seria a biografia de Freud escrita por Ernest Jones (1974). Nesse trabalho, Freud é retratado por uma estrutura literária típica da história dos grandes homens, na qual o es­forço individual e racional sempre supera os percalços da vida. Exemplo ain­

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da mais emblemático é observado no relato de Portillo (2012) sobre a vida do psicólogo social Martín-Baró. Nesse caso, o que chama atenção é que a biografia desse psicólogo, marcadamente reconhecido por suas críticas ao individualismo que predominava nas teorias psicológicas estadunidenses e europeias, foi construída por meio de uma estrutura narrativa na qual preva­lece a consagração excessiva, o finalismo e o heroísmo.

Amostras de um novo cenário de produção biográfica da psicologia são en­contradas em biografias de nomes como Freud (Gay, 1989), Pavlov (Todes, 2014), Lacan (Roudinesco, 1994), Watson (Buckley, 1989), Piaget (Ratcliff, 2010) e Skinner (Bjork, 2006). Para além das suas peculiaridades, essas novas biografias têm em comum o tratamento da vida e da obra de persona­gens consagrados na história da psicologia como parte de quadros sociais di­versificados, entendendo-se que as realizações científicas desses indivíduos não se explicam apenas com referência à construção lógica e interna dos seus sistemas psicológicos. Além desses, há exemplos atuais de pesquisas biográficas sobre personagens tradicionalmente ausentes na historiografia tradicional da psicologia. Alguns exemplos são a análise biográfica da ex­periência de enfrentamento da estrutura política e institucional da universi­dade canadense pela primeira geração de psicólogas do Canadá (Gul et al., 2013); a produção de autobiografias de psicólogas e psicólogos negros, no contexto da universidade estadunidense (White, Williams, & Majzler, 2011); e a biografia - ainda em construção - do psicólogo latino-americano Martín- -Baró (Portillo, 2012), mesmo refletindo uma narrativa tradicional, como an­tes exposto, representa o esforço de fazer emergir na história da psicologia uma figura da história da psicologia latina.

Por último, é preciso dizer que, apesar de todas as transformações recentes, ainda há um aspecto pouco explorado, seja na escrita biográfica da ciência, seja no uso dessa fonte para a investigação histórica em psicologia, a saber, sua função para a pesquisa teórica da história da psicologia. De modo a expor a possibilidade de aproximação entre pesquisa biográfica e pesquisa teórico-conceitual da história da psicologia, a seguir será apresentado um exemplo no qual a compreensão do desenvolvimento teórico e metodológico dos primórdios do sistema explicativo de Skinner foi ampliada com o recur­so a fontes biográficas e autobiográficas.

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4. Os usos da biografia na pesquisa teórica da psicologia

Monk (2001), ao avaliar o papel da biografia filosófica, elucida o valor do gênero biográfico para a pesquisa teórica da história da psicologia. Para ele, a princípio, pesquisa biográfica e pesquisa teórica seriam incompatí­veis, visto que para compreendermos um pensamento não precisaríamos compreender a vida de seu propositor. Ademais, a narrativa biográfica seria oposta à narrativa teórica, uma vez que a primeira seria eminentemente des­critiva, enquanto a segunda explicativa. No entanto, segundo Monk (2001), a literatura tem mostrado possibilidades concretas de compatibilização entre biografia e pesquisa teórica por meio da construção de conexões históricas entre as singularidades da vida de determinados personagens e o desenvolvi­mento de seus conceitos e teorias.

Essa visão da biografia como uma espécie de pano de fundo necessário da pesquisa teórica da ciência não é a única na historiografia da ciência. Contu­do, a perspectiva de Monk (2001) serve de modelo inicial para pensarmos a inclusão da biografia na pesquisa teórica em psicologia. O objetivo aqui é in­dicar como a biografia pode ser mais do que mera história secundária, auxi­liando efetivamente na elucidação de como elementos conceituais e teóricos de um sistema científico seriam compreendidos como resultados também de condições abstraídas de narrativas biográficas da ciência.

A biografia de Skinner sempre foi utilizada nas análises teóricas e conceituais da obra desse psicólogo. Contudo, tem ocupado lugar secundário por meio de alusões genéricas e lacônicas a determinados episódios de sua vida. Exemplos da biografia nas análises teóricas e conceituais da obra de Skinner encontram- -se, especialmente, nos estudos que apregoam que o desconhecimento desse cientista acerca da psicologia e suas relações pessoais, acadêmicas e institu­cionais explicariam parte das especificidades de sua proposta de ciência, mas que essas questões poderiam ser facilmente descartadas como partes de uma história que não precisaria compor aquelas análises (e.g., Coleman, 1987).

Em outro trabalho (Cruz, 2013), argumentamos, contudo, que elementos biográficos não seriam mero pano de fundo, passíveis de serem desprezados,

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da história teórica e conceituai do projeto científico de Skinner. Defendemos que narrativas biográficas e autobiográficas de Skinner não só explicitam o momento e o contexto de emergência dos primórdios da sua ciência, mas mostrariam determinantes da própria possibilidade de elaborações teóricas e conceituas singulares dessa ciência.

A descrição das formulações teóricas e empíricas na tese de doutorado de Skinner - posteriormente identificadas como partes essenciais da origem do principal conceito de sua ciência (o condicionamento operante) e de seu método de pesquisa (o delineamento experimental de sujeito único) - suge­re como o aparente desconhecimento e a negligência de Skinner em relação ao conhecimento psicológico, sua vinculação ao Departamento de Fisiologia Geral e a William Crozier - aspectos identificados apenas em fontes biográ­ficas e autobiográficas - surgiram também em função de condições que não se depreendem apenas da análise teórica e conceituai de sua ciência.

A primeira parte da tese de doutorado de Skinner foi publicada em 1931, no artigo The Concept o f Reflex in the Description o f Behavior. Nela, Skin­ner delineia a história do conceito de reflexo desde o século XVII, com o pressuposto de que tal conceito estava fundamentado na demonstração ob­servacional da repetida correlação entre a apresentação de um estímulo e um movimento discreto do organismo, uma resposta. Para ele, o significado operacional do reflexo, embora apresentasse progressos, mantinha uma de­finição imprecisa do fenômeno devido a pressuposições teológicas e metafí­sicas que o definiam como involuntário, inconsciente e inato. Por essa razão, o conceito de reflexo, em maior ou menor medida, foi tradicionalmente ana­lisado com base em fatos incapazes de fundamentá-lo cientificamente.

Mas, embora houvesse uma limitação inerente ao conceito de reflexo, Skin­ner (1931) não desprezou o avanço desse conceito nas pesquisas de fisio- logistas do final do século XIX e início do século XX, como Sherrington, Magnus e Pavlov. Tal avanço seria, todavia, limitado porque esses pesquisa­dores dedicaram-se especialmente às investigações anatômicas, que davam explicações por meio de mediações físico-químicas de episódios típicos exis­tentes na correlação estímulo-resposta de um reflexo. Logo, havia investiga­ções limitadas para interpretar aquilo que Skinner avaliou como positivo na

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noção de reflexo: a possibilidade de descrição de sua natureza relacional e sua aplicação à descrição do comportamento total de organismos intactos (Sério, 1990; Skinner, 1931).

A insuficiência do conceito fisiológico de reflexo não fez com que Skinner o descartasse. Pelo contrário, ele viu nesse conceito a possibilidade de trans­posição para uma ciência do comportamento, pois a correlação estímulo-res­posta, na sua perspectiva, independia de qualquer investigação fisiológica. A descoberta e a definição dessa correlação no comportamento de organismos intactos tornavam desnecessárias as pesquisas anatômicas, e colocava, pela primeira vez, uma ciência do comportamento no mesmo patamar da fisio­logia. Mais do que isso, Skinner ambiciosamente supôs que os avanços de uma ciência do comportamento dos organismos intactos levariam a fisiolo­gia a ser dependente de uma ciência descritiva do comportamento e não o contrário, como era presumido até aquele momento (Coleman, 1985; Sério, 1990; Skinner, 1931).

Skinner, então, desenvolveu uma variante do conceito de reflexo, trans­pondo esse conceito para o centro de sua proposta de uma ciência que tinha como propósito estudar o comportamento voluntário de organismos intactos. Outra singularidade do uso que Skinner fez do conceito de refle­xo em sua proposta inicial de uma nova ciência do comportamento é no­tada na diferenciação estabelecida, também na primeira parte de sua tese de doutorado, entre leis “prim árias” ou “estáticas” e leis “secundárias” ou “dinâmicas” do reflexo (Skinner, 1931, pp. 451-454). Essa diferenciação o afastou tanto da fisiologia praticada em Harvard quanto da psicologia ex­perimental propagada por aquela instituição e desenvolvida em boa parte dos Estados Unidos.

As leis “primárias” ou “estáticas” representam quantitativamente a sujeição de atributos da resposta reflexa, como latência e duração, a determinadas propriedades do estímulo eliciador, por exemplo, a intensidade e a quan­tidade de estimulação, respectivamente. Tais leis, indeléveis em uma visão fisiológica do reflexo, foram percebidas por Skinner (1931) como prova da natureza reflexa do comportamento. Porém, para ele, as relações estáticas do reflexo seriam também subordinadas a outras variáveis que não o estímu-

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lo eliciador. Essas “terceiras variáveis” seriam definidas pelo estado de um organismo, quando submetido a alguma droga, por exemplo, pelo número de eliciações de respostas, entre outras condições.

As leis “secundárias” ou dinâmicas do reflexo, por sua vez, representam quantitativamente que a relação estática é necessariamente subordinada, em nível operacional, a uma terceira variável específica: o número de reforços responsáveis por determinar mudanças na força do reflexo, medidas pela taxa de respostas de pressão à barra, no comportamento de organismos intactos. Com essa definição, Skinner violava definitivamente o conceito tra­dicional de reflexo, uma vez que destituía o valor dado ao estímulo eliciador como principal variável de controle do comportamento, em favor do proces­so resposta-estímulo reforçador e das mudanças na força do reflexo (Sério, 1990). Assim, embora Skinner tenha especificado a história do conceito de reflexo como a evolução de técnicas capazes de descobrir um número cada vez maior de comportamentos por meio da identificação de estímulos elicia- dores, sua extensão do conceito foi determinada pela busca de leis dinâmi­cas abstraídas das mudanças na força do reflexo, medidas, por sua vez, pela taxa de respostas. Em suma, seu foco de análise, nesse caso, foi a resposta e não o estímulo eliciador.

A violação da noção tradicional de reflexo torna-se ainda mais perceptível quando observado que, em correspondência com o uso do conceito, o mé­todo desenvolvido por Skinner, igualmente, infringiu regras canônicas das pesquisas fisiológicas e psicológicas que investigavam o comportamento re­flexo. Por exemplo, Coleman (1987) mostra que, diferentemente de algumas de suas fontes de inspiração (como Watson, Pavlov, Sherrington e Magnus), Skinner desenvolveu uma pesquisa com ênfase quantitativa, naquele mo­mento voltada para a medição da taxa de respostas individuais. Essa ênfase quantitativa das primeiras pesquisas skinnerianas poderia ser explicada pela influência de Crozier e não dos autores que ajudaram Skinner com a defi­nição inicial de reflexo. Porém, seu conhecimento acerca de métodos quan­titativos era incipiente e, por mais que Crozier o tenha levado a procurar a ordem quantitativa no comportamento dito “livre”, não é clara a semelhan­ça entre a abordagem de Crozier e a abordagem inicial de Skinner. Como sugere Coleman (1987), a afinidade entre os dois pesquisadores se deu, no

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melhor dos casos, no apreço que tinham por uma espécie de quantificação de menor significância matemática.

Em suas primeiras pesquisas no Departamento de Fisiologia, Skinner che­gou a efetuar análises quantitativas com o uso de logaritmos. O motivo dis­so foi seu contato com procedimentos quantitativos modelares da literatura fisiológica, da qual se aproximou ao frequentar disciplinas desse Departa­mento e conhecer as investigações de Crozier e seus alunos (Coleman, 1987; Skinner, 1979). Entretanto, a adoção desse tipo de método quantitativo nas pesquisas de Skinner foi parcial e temporária, pois ele não estava preocupa­do com valores específicos, mas com a possibilidade de confirmação da re­gularidade quantitativa do comportamento (Coleman, 1987; Skinner, 1956, 1979, 1984).

Como exposto anterior mente, no âmbito operacional, a descrição da regu­laridade comportamental procurada por Skinner deu-se por meio da análise do que ele designou, na parte experimental de sua tese, como as mudanças na força do reflexo, medidas em uma pesquisa sobre a taxa de resposta de ingestão de alimentos. Ele lembrou, no entanto, que o problema de usar essa medida era que ela não compunha a lista de medidas de pesquisadores como Sherrington e Magnus. Ademais, o método de pesquisa de Skinner - o deli­neamento experimental de sujeito único - apresenta-se como incompatível com aquilo que começa a se consagrar como indispensável na pesquisa em psicologia experimental estadunidense a partir do início da década de 1930: o uso de grupos de controle com grande número de sujeitos experimentais, de teste de hipóteses e a análise dos dados por meio de estatística inferencial (Rucei & Tweney, 1980).

O relativo desconhecimento e desprezo de Skinner pela psicologia da época e sua vinculação ao Departamento de Fisiologia e, em especial, a Crozier exerceram papel fundamental em sua proposta científica. Nesse caso, in­formações biográficas e autobiográficas indicam que mesmo inserido em um Departamento de Fisiologia e incentivado a se orientar por interesses individuais, Skinner manteve-se distante tanto da psicologia quanto da fi­siologia, sem se considerar obrigado a seguir as regras da psicologia e da fisiologia experimentais.

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Os efeitos do desconhecimento de Skinner acerca da psicologia experimen­tal de sua época e seu isolamento em Harvard foram assumidos por ele (Skinner, 1970, p, 10) quando afirmou, três décadas mais tarde, que sua tese de doutorado apresentava vaga conexão com a psicologia praticada naquela instituição e com a psicologia experimental estadunidense como um todo, Além disso, apontou que suas inovações científicas eram fruto, em parte, de sua negligência acerca da produção científica da psicologia experimental.

Igualmente, vale salientar que Skinner promulgou a defesa do conceito de reflexo como base de uma ciência do comportamento inserida em um De­partamento de Fisiologia. Com isso, era presumível o surgimento de ques­tionamentos e obstáculos, visto que, além de transgredir a noção de reflexo - autêntico representante da tradição fisiológica Skinner (1931) conferiu primazia à ciência do comportamento em relação à ciência fisiológica. Isso pode ser esclarecido pela inexistência de um controle rígido de regras cien­tíficas e pela liberdade oferecida por Crozier, o qual, além de não saber ao certo o que Skinner pesquisava, incentivava a busca de interesses indi­viduais, ainda que fossem incompatíveis com as pesquisas realizadas por ele. Desse modo, o jovem Skinner, que não havia sido submetido a nenhum processo de disciplinarização na psicologia, também não foi obrigado a se­guir de forma estrita regras científicas da fisiologia. Não por acaso, Skínner afastou-se gradativamente do tipo de pesquisa realizada no Departamento de Fisiologia e, concomitantemente a esse afastamento, seus relatos autobio­gráficos de sentimento de liberdade, autonomia, segurança e satisfação com os resultados de suas pesquisas tornaram-se mais frequentes,

5. Considerações finais

A história da biografia científica reproduz a lógica mais ampla da história do gênero biográfico, pois apresenta também, a partir da década de 1980, uma crescente diversidade de formas de narrar a vida. Isso não significou, contu­do, a extinção das versões biográficas tradicionais dos grandes homens utili­zadas principalmente na pedagogia científica e, doravante, o predomínio de biografias influenciadas pela história cultural das ciências. Na verdade, essas duas tendências passam, a partir de então, a existir de modo concomitante e

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denotam um problema perene na historiografia da ciência: a distância entre a história da ciência ensinada e a história da ciência pesquisada.

No caso específico da biografia científica, uma hipótese plausível é a de que historiadores da ciência, ao voltarem sua atenção para o cotidiano da ciência e os fatores que envolvem a relação entre história de vida e contextos diversos de produção de conhecimento, têm construído uma visão sobre a vida na ciência mais próxima de como essa funciona em seu cotidiano. Algo diferente da produção biográfica escrita pelos próprios cientistas, no qual são mantidos pressupostos morais e epistemológicos enraizados nos primórdios da ciência moderna, como a consagração indi­vidual, a ideia de desinteresse e a noção de que a prática científica inde­pende de controle social.

No âmbito de nosso interesse, a historiografia da psicologia, as transfor­mações do gênero biográfico pouco têm impactado a história utilizada na formação em psicologia, e mesmo a pesquisa histórica da psicologia ainda utiliza pouco os recursos da pesquisa biográfica. Uma suposição ainda a ser desenvolvida sobre esse fenômeno é a de que as recorrentes tentativas da psicologia, em suas mais diversas vertentes, em se firmar como ciência pura diminuiu o investimento em análises críticas do papel da biografia em sua historiografia. Razão para tanto seria que características inerentes ao gênero biográfico, como sua linguagem informal e seu apontamento de que vida e conhecimento são elementos entrelaçados, tornariam impraticável o eterno projeto da psicologia de ser reconhecida como ciência.

Por último, vale pensar que o medo do gênero biográfico seria no míni­mo contraprodutivo, já que a incorporação da biografia ao campo historio- gráfico da psicologia proveria a expansão da consciência histórica de seus praticantes, como indicamos no caso dos usos da pesquisa biográfica na pesquisa teórico-conceitual dos primórdios da ciência skinneriana. Obvia­mente, isso não significa a aceitação acrítica da narrativa biográfica como uma realidade inquestionável, que forneceria sempre o pano de fundo da história de teorias e conceitos psicológicos. Na verdade, o desafio atual é horizontalizar a relação entre biografia e campos de investigação como a pesquisa teórica da psicologia.

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Referências

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Page 168: Pesquisa Teórica em Psicologia · 2018-08-09 · Introdução » A necessidade da pesquisa teórica em psicologia. O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas.

Sobre os autores

Carlos Eduardo Lopes

Psicólogo, doutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e pro­fessor do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

E-mail: [email protected]

Carolina Laurenti

Psicóloga, doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá.

E-mail: [email protected]

José Antônio Damásio Abib

Psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo e professor apo­sentado do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de São Carlos.

E-mail: [email protected]

Robson Nascimento da Cruz

Psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

E-mail: [email protected]

Saulo de Freitas Araújo

Psicólogo, doutor em Filosofia pela Universidade de Campinas/Universitát Leipzig e professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de fuiz de Fora.

E-mail: [email protected]

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Page 169: Pesquisa Teórica em Psicologia · 2018-08-09 · Introdução » A necessidade da pesquisa teórica em psicologia. O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas.

Este livro foi composto Lyon e impresso em offset 90 g, em junho de 2016, pela gráfica Graphium,

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Page 170: Pesquisa Teórica em Psicologia · 2018-08-09 · Introdução » A necessidade da pesquisa teórica em psicologia. O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas.

O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas, segundo as quais na psicologia existem métodos experimentais e confusão conceituai. É preciso transformar, então, a própria confusão conceituai em objeto de estudo, o que nos leva a um tipo específico de pesquisa, a saber, a pesquisa teórica, entendida como a investigação de teorias e conceitos psicológicos.

Esta obra traz uma discussão filosófica e metodológica da pesquisa teórica em psicologia. Além de destacar as potencialidades e especificidades metodológicas desse tipo de investigação, o livro fornece material para o ensino de habilidades de pesquisa em psicologia, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação, auxiliando, com isso, no reconhecimento da pesquisa teórica como uma forma legítima de produção de conhecimento psicológico.

Hogrefe Publishing GroupGöttingen • Berne - Vienna ■ Oxford Boston ■ Paris • Amsterdam • Prague Florence • Copenhagen • StocKholm Helsinki • São Paulo

ISBN 978-85-85439-25-5

www.hogrefe.com

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