Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a...

24
443 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005 Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* David Tripp Universidade de Murdoch Universidade de Murdoch Universidade de Murdoch Universidade de Murdoch Universidade de Murdoch Resumo Como resultado do grande aumento de sua popularidade e da amplitude de sua aplicação, a pesquisa-ação tornou-se atual- mente um termo aplicado de maneira vaga a qualquer tipo de tentativa de melhora ou de investigação da prática. Tendo em vista a confusão que daí advém freqüentemente, o principal objetivo deste autor é esclarecer o termo. Após breve história do método, ele defende que se encare a pesquisa-ação como uma das muitas diferentes formas de investigação-ação, a qual é por ele sucintamente definida como toda tentativa continuada, sis- temática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática. A seguir, o autor discute o papel da teoria na pesquisa-ação antes de descrever o que considera características distintivas do processo. Segue-se um exame mais detalhado do ciclo da pes- quisa-ação precedido por um relato do modo pelo qual esse tipo de pesquisa se situa entre a prática rotineira e a pesquisa acadêmica. O autor passa então a discutir algumas questões comuns relativas ao método, tais como a participação, o papel da reflexão, a necessidade de administração do conhecimento e a ética do processo. O artigo, em sua parte final, trata de cinco diferentes “modalidades” de pesquisa-ação e conclui com um esboço da estrutura de uma dissertação a partir de pesquisa- ação. Palavras-chave Pesquisa-ação – Participação – Investigação-ação – Metodologia de pesquisa. Correspondência: David Tripp e-mail: [email protected] * Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira.

Transcript of Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a...

Page 1: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

443Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

Pesquisa-ação: uma introdução metodológica*

David TrippUniversidade de MurdochUniversidade de MurdochUniversidade de MurdochUniversidade de MurdochUniversidade de Murdoch

Resumo

Como resultado do grande aumento de sua popularidade e daamplitude de sua aplicação, a pesquisa-ação tornou-se atual-mente um termo aplicado de maneira vaga a qualquer tipo detentativa de melhora ou de investigação da prática. Tendo emvista a confusão que daí advém freqüentemente, o principalobjetivo deste autor é esclarecer o termo. Após breve história dométodo, ele defende que se encare a pesquisa-ação como umadas muitas diferentes formas de investigação-ação, a qual é porele sucintamente definida como toda tentativa continuada, sis-temática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática.A seguir, o autor discute o papel da teoria na pesquisa-açãoantes de descrever o que considera características distintivas doprocesso. Segue-se um exame mais detalhado do ciclo da pes-quisa-ação precedido por um relato do modo pelo qual essetipo de pesquisa se situa entre a prática rotineira e a pesquisaacadêmica. O autor passa então a discutir algumas questõescomuns relativas ao método, tais como a participação, o papelda reflexão, a necessidade de administração do conhecimento ea ética do processo. O artigo, em sua parte final, trata de cincodiferentes “modalidades” de pesquisa-ação e conclui com umesboço da estrutura de uma dissertação a partir de pesquisa-ação.

Palavras-chave

Pesquisa-ação – Participação – Investigação-ação – Metodologiade pesquisa.

Correspondência:David Trippe-mail: [email protected]

* Tradução de Lólio Lourenço deOliveira.

Page 2: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

444 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

Action research: a methodological introduction*

David TrippMurdoch University

Abstract

As a result of its greatly increased in popularity and range ofapplication, action research has now become a loosely appliedterm for any kind of attempt to improve or investigate practice.In view of the confusion that frequently arises from this, themain aim of this author is to clarify the term. After a briefhistory of the method, the makes a case for regarding actionresearch as one of a number of different forms of actioninquiry which he briefly defines as any ongoing, systematic,empirically based attempt to improve practice. The author themdiscusses the role of theory in action research before describingwhat he sees as the distinguishing characteristics of the process.Next, a more detailed examination of the action research cycleis prefaced by an account of the way in which action researchstands between routine practice and academic research. Theauthor then moves on to discuss some common issues with themethod, such participation, the role of reflection, the need forknowledge management, and the ethics of the process. The lastpart of the paper covers five different ‘modes’ of actionresearch, and it concludes with an outline of the structure ofan action research dissertation.

Keywords

Research-action - Participation - Inquiry-action - Methodology ofresearch.

Contact:David Trippe-mail: [email protected]

* Translated of the Lólio Lourençode Oliveira.

Page 3: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

445Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

Breve história

Não há certeza sobre quem inventou apesquisa-ação. Muitas vezes, atribui-se a cri-ação do processo a Lewin (1946). Embora pa-reça ter sido ele o primeiro a publicar um tra-balho empregando o termo, pode tê-lo encon-trado anteriormente na Alemanha, num traba-lho realizado em Viena, em 1913 (Altrichter,Gestettner, 1992). Versão alternativa é a deDeshler e Ewart (1995) que sugerem que apesquisa-ação foi utilizada pela primeira vezpor John Collier para melhorar as relaçõesinter-raciais, em nível comunitário, quandoera comissário para Assuntos Indianos, antese durante a Segunda Guerra Mundial e Cooke(s.d.) parece oferecer vigoroso apoio a isso. Aseguir, Selener (1997) assinala que o livro deBuckingham (1926), Research for teachers[Pesquisa para professores], defende um pro-cesso reconhecível como de pesquisa-ação.Assim sendo, é pouco provável que algum diavenhamos a saber quando ou onde teve ori-gem esse método, simplesmente porque aspessoas sempre investigaram a própria práti-ca com a finalidade de melhorá-la. O relato deRogers (2002), sobre o conceito de reflexãoutilizado por John Dewey (1933), por exem-plo, mostra muita semelhança com o concei-to de pesquisa-ação e também se poderia re-alçar que os antigos empiristas gregos usavamum ciclo de pesquisa-ação.

É difícil de definir a pesquisa-ação porduas razões interligadas: primeiro, é um pro-cesso tão natural que se apresenta, sob mui-tos aspectos, diferentes; e segundo, ela se de-senvolveu de maneira diferente para diferentesaplicações. Quase imediatamente depois deLewin haver cunhado o termo na literatura, apesquisa-ação foi considerada um termo geralpara quatro processos diferentes: pesquisa-di-agnóstico, pesquisa participante, pesquisaempírica e pesquisa experimental (Chein; Cook;Harding, 1948). Pelo final do século XX,Deshler e Ewart (1995) conseguiram identificarseis principais tipos de pesquisa-ação desenvol-

vidos em diferentes campos de aplicação. Nofinal da década de 1940 e início da década de1950, utilizava-se em administração (Collier),desenvolvimento comunitário (Lewin, 1946),mudança organizacional (Lippitt, Watson;Westley, 1958) e ensino (Corey, 1949, 1953).Na década de 1970, incorpora-se (com finali-dades de) mudança política, conscientização eoutorga de poder [empowerment] (Freire, 1972,1982), pouco depois, em desenvolvimento na-cional na agricultura (Fals-Borda, 1985, 1991)e, mais recentemente, em negócios bancários,saúde e geração de tecnologia, via Banco Mun-dial e outros (Hart; Bond, 1997).

A pesquisa-ação educacional é principal-mente uma estratégia para o desenvolvimentode professores e pesquisadores de modo queeles possam utilizar suas pesquisas para apri-morar seu ensino e, em decorrência, o apren-dizado de seus alunos, mas mesmo no interi-or da pesquisa-ação educacional surgiram va-riedades distintas. Stephen Corey defendia, nosEUA, uma forma vigorosamente técnica e duasoutras tendências principais são uma formabritânica, mais orientada para o desenvolvi-mento do julgamento profissional do professor(Elliott; Adleman, 1976; Elliott, 1991) e umavariedade na Austrália (Carr; Kemmis, 1986) deorientação emancipatória e de crítica social.Outras variedades correlatas acrescentaram-sedesde então e, talvez mais recentemente, anoção de Sachs (2003) de “profissional ativista”.Foi esse tipo de diversidade que levou a pes-quisa-ação educacional a ser descrita como“uma família de atividades” (Grundy; Kemmis,1982), pois, como concluíram Heikkinen,Kakkori e Huttunen (2001, p. 22), “parece exis-tir uma situação multi-paradigmática entre osque fazem pesquisa-ação”.

O ciclo da investigação-ação

É importante que se reconheça a pes-quisa-ação como um dos inúmeros tipos deinvestigação-ação, que é um termo genéricopara qualquer processo que siga um ciclo no

Page 4: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

446 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

1. PLA: Participatory Learning and Action; PAR: Participatory ActionResearch; PAD: Participatory Action Development; PALM: ParticipatoryLearning Methods; PRA: Participatory Rural Appraisal

qual se aprimora a prática pela oscilação siste-mática entre agir no campo da prática e inves-tigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança paraa melhora de sua prática, aprendendo mais, nocorrer do processo, tanto a respeito da práticaquanto da própria investigação.

DiaDiaDiaDiaDiagggggrama 1rama 1rama 1rama 1rama 1: Representação em quatro fases do ciclo básicoda investigação-ação.

A maioria dos processos de melhora segueo mesmo ciclo. A solução de problemas, porexemplo, começa com a identificação do proble-ma, o planejamento de uma solução, sua imple-mentação, seu monitoramento e a avaliação desua eficácia. Analogamente, o tratamento médi-co também segue o ciclo: monitoramento de sin-tomas, diagnóstico da doença, prescrição do re-médio, tratamento, monitoramento e avaliaçãodos resultados. A maioria dos processos de desen-volvimento também segue o mesmo ciclo, seja elepessoal ou profissional ou de um produto talcomo uma ratoeira melhor, um currículo ou umapolítica. É evidente, porém, que aplicações e de-senvolvimentos diferentes do ciclo básico da in-vestigação-ação exigirão ações diferentes em cadafase e começarão em diferentes lugares.

Entre alguns dos diversos desenvolvimen-tos do processo básico de investigação-ação,estão a pesquisa-ação (Lewin, 1946), a aprendi-zagem-ação (Revons, 1971), a prática reflexiva(Schön, 1983), o projeto-ação (Argyris, 1985), a

aprendizagem experimental (Kolb, 1984), o ci-clo PDCA (Deming, 1986), PLA, PAR, PAD,PALM, PRA1 etc. (Chambers, 1983), a práticadeliberativa (McCutcheon, 1988), a pesquisapráxis (Whyte, 1964; 1991), a investigação apre-ciativa (Cooperrider; Shrevasteva, 1987), a prá-tica diagnóstica (genérica em medicina, ensinocorretivo etc.), a avaliação-ação (Rothman,1999)2 , a metodologia de sistemas flexíveis(Checkland; Holwell, 1998) e a aprendizagemtransformacional (Marquardt, 1999).

Há várias razões para a produção dessesmuitos tipos diferentes de investigação-ação,porque algumas pessoas reconheceram e con-ceptualizaram o ciclo sem conhecimento dasdemais versões já existentes e denominaram omesmo ciclo e suas etapas de muitos modosdiferentes. Houve também quem desenvolvesseversões sob medida para utilizações e situaçõesparticulares, porque há muitos modos diferen-tes de utilizar o ciclo e executar cada uma dassuas quatro atividades. Assim, tipos diversos deinvestigação-ação tendem a utilizar processosdiferentes em cada etapa e obter resultados di-ferentes que provavelmente serão relatados demodos diferentes para públicos diferentes.

Qual tipo de processo se utiliza e comoele é utilizado depende dos objetivos e circuns-tâncias. Até com “os mesmos” objetivos e cir-cunstâncias, pessoas diferentes podem ter di-ferentes habilidades, intenções, cronogramas,níveis de apoio, modos de colaboração e assimpor diante. Tudo isso afetará os processos e osresultados. O ponto importante é que o tipo deinvestigação-ação utilizado seja adequado aosobjetivos, práticas, participantes, situação (eseus facilitadores e restrições).

As características da pesquisa-ação

Faz algum sentido diferenciar a pesqui-sa-ação de outros tipos de investigação-ação,

Page 5: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

447Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

definindo-a pelo uso que faz de técnicas depesquisa consagradas para produzir a descriçãodos efeitos das mudanças da prática no cicloda investigação-ação. A principal razão para seempregar o termo “investigação-ação” como umprocesso superordenado que inclui a pesquisa-ação é que esse termo vem sendo aplicado demaneira tão ampla e vaga que está se tornan-do sem sentido. Uma definição tal como: “pes-quisa-ação é um termo que se aplica a projetosem que os práticos buscam efetuar transformaçõesem suas próprias práticas...” (Brown; Dowling,2001, p. 152), por exemplo, sob certos aspectos,é precisa, mas utiliza o termo “pesquisa” no sen-tido muito amplo de todo tipo de estudo meticu-loso e, utilizando-o desse modo, priva os acadê-micos de utilizá-lo para distinguir a forma de in-vestigação-ação que emprega o sentido mais es-pecífico ligado à pesquisa na academia.

Isso é importante porque se qualquer tipode reflexão sobre a ação é chamada de pesqui-sa-ação, arriscamo-nos a sofrer a rejeição exata-mente por parte das pessoas com as quais amaioria de nós conta para aprovação ou finan-ciamento do trabalho universitário. Assim comoaconteceu com a pesquisa qualitativa há duasdécadas, sou procurado agora regularmente porestudantes graduados aos quais não se permiteusarem pesquisa-ação para suas teses. Seusorientadores de pesquisa, ainda que consideran-do que ela é pesquisa (e não, por exemplo, de-senvolvimento profissional), não consideram oque vêem ser chamado de pesquisa-ação meto-dologicamente, rigorosa o bastante para produ-

zir uma tese de pesquisa de grau superior.Em vez de aceitar uma definição mais

aberta de pesquisa-ação, tal como “identifica-ção de estratégias de ação planejada que sãoimplementadas e, a seguir, sistematicamentesubmetidas a observação, reflexão e mudança”(Grundy; Kemmis, 1982), passei a preferir umadefinição mais estrita: “pesquisa-ação é umaforma de investigação-ação que utiliza técnicasde pesquisa consagradas para informar a açãoque se decide tomar para melhorar a prática”, eeu acrescentaria que as técnicas de pesquisadevem atender aos critérios comuns a outrostipos de pesquisa acadêmica (isto é, enfrentar arevisão pelos pares quanto a procedimentos,significância, originalidade, validade etc.).

Isso posto, embora a pesquisa-ação ten-da a ser pragmática, ela se distingue claramen-te da prática e, embora seja pesquisa, tambémse distingue claramente da pesquisa científicatradicional, principalmente porque a pesquisa-ação ao mesmo tempo altera o que está sen-do pesquisado e é limitada pelo contexto e pelaética da prática.

A questão é que a pesquisa-ação requeração tanto nas áreas da prática quanto da pes-quisa, de modo que, em maior ou menor medi-da, terá características tanto da prática rotineiraquanto da pesquisa científica. A tabela a seguirmostra como fica a pesquisa-ação em relação aalgumas das diferenças entre as duas. Deve-seobservar que embora a prática rotineira e a inves-tigação científica sejam apresentadas como ospólos do continuum, elas têm tendências contra-

Page 6: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

448 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

ditórias, de modo que não são categorias “puras”,mas oposições mistas. Por exemplo, na Linha 1,a prática rotineira é apresentada como habitual,embora o que se tornou hábito foi anteriormentetanto inovador quanto original sob certos aspec-tos. Analogamente, há muita coisa na pesquisacientífica que é rotineira, particularmente numperíodo daquilo a que Kuhn (1970) se referecomo ciência “normal”.

Alguns outros pontos ilustrados na ta-bela são:

Linha 2 – A pesquisa-ação deve ser contínua enão repetida ou ocasional, porque não se poderepetidamente realizar pesquisas-ação sobre aprática de alguém, mas deve-se regularmentetrabalhar para melhorar um aspecto dela, demodo que deva ser mais freqüente do que oca-sional.Linha 3 – A prática tende a ser uma questãode reagir eficaz e imediatamente a eventosna medida que ocorram e a pesquisa cientí-fica tende a operar de acordo com protoco-los metodológicos determinados. A pesquisa-ação fica entre os dois, porque é pró-ativacom respeito à mudança, e sua mudança éestratégica no sentido de que é ação basea-da na compreensão alcançada por meio daanálise de informações de pesquisa.A ação estratégica (Grundy; Kemmis, 1982),ou “ação tática” (Jacques, 1992), contrapõe-se à ação que é imediata, resultado de rotinaou hábito, embora ela seja informada pelosaber da experiência aplicada a boas informa-ções que só podem ser produzidas por pro-cessos de pesquisa bem fundamentados.Contrapõe-se também à ação, que é limitadapor protocolos de pesquisa: metodologia ésempre preeminente na pesquisa científica,mas na pesquisa-ação, a metodologia de pes-quisa deve sempre ser subserviente à prática,de modo que não se decida deixar de tentaravaliar a mudança por não se dispor de umaboa medida ou dados básicos adequados. An-tes, procura-se fazer julgamentos baseados namelhor evidência que se possa produzir.

Linha 4 – Enquanto a prática rotineira tendea ser a única responsabilidade do prático, eatualmente a maioria das pesquisas é realiza-da em equipe, a pesquisa-ação é participativana medida em que inclui todos os que, deum modo ou outro, estão envolvidos nela e écolaborativa em seu modo de trabalhar.Linha 5 – A prática rotineira é naturalista namedida em que não é pesquisada, de modoque não há manipulação da situação. Tantoa pesquisa-ação quanto a pesquisa científicasão experimentais no sentido de que fazemas coisas acontecerem para ver o que real-mente acontece. Porém, como a pesquisa-ação ocorre em cenários sociais não manipu-lados, ela não segue os cânones de variáveiscontroladas comuns à pesquisa científica, demodo que pode ser chamada mais geralmen-te de intervencionista do que mais estrita-mente experimental.Linha 6 – A prática rotineira normalmente nãoconsidera muito o exame de seus procedimen-tos, valores e eficácia, mas como processo deaprimoramento, a pesquisa-ação sempre começaa partir de algum tipo de problema e muitasvezes se aplica o termo “problema-tizar”, por-que esse tipo de pesquisa, em comum com aidéia de Argyris e Schön (1974) de “aprendiza-gem de dupla mão” na prática reflexiva, trata “oproblema” como um problema em si mesmo. Naverdade, a pesquisa-ação socialmente críticacomeça muitas vezes com um exame sobre aquem cabe o problema, o que é uma forma deproblematização. A pesquisa científica, segundoKuhn (1970), é geralmente uma questão deproceder com uma dada agenda e isso, junta-mente com a necessidade de financiamento,significa que, em geral, ela é comprometida como governo ou com interesses comerciais ou coma revisão pelos pares. A pesquisa-ação, é claro,muitas vezes também é comprometida, masmesmo nesse caso isso a limita muito menos doque a pesquisa científica.Linha 7 – A prática rotineira corrente geral-mente só é vivenciada pelos participantes,embora quando se torna necessário algum

Page 7: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

449Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

julgamento profissional importante, a delibe-ração ocorra e o processo se desloque maisna direção da investigação-ação, uma vezque o prático comumente seguirá os resulta-dos do julgamento a fim de aprender comele. A pesquisa-ação é sempre deliberativaporque, quando se intervém na prática roti-neira, está se aventurando no desconhecido,de modo que é preciso fazer julgamentoscompetentes a respeito como, por exemplo,daquilo que mais provavelmente aperfeiçoaráa situação de maneira mais eficaz. A pesqui-sa científica, o mais das vezes, é discutida nosentido formal de teorização indutiva e de-dutiva. Esses processos são por certo utiliza-dos na pesquisa-ação, não porém para pro-duzir conclusões e previsões positivistas, quesão muito diferentes de bons julgamentosprofissionais.Linha 8 – Mais uma vez, a pesquisa-ação ficaem algum ponto entre o não-registro da maiorparte do que acontece na prática rotineira e arigorosa revisão, pelos pares, do método, dosdados e das conclusões da pesquisa científica.A pesquisa-ação tende a documentar seu pro-gresso, muitas vezes por meio da compilaçãode um portfolio, do tipo de informações regu-larmente produzidas pela prática rotineira, taiscomo resultados de testes em educação ou ín-dices de satisfação dos clientes com as organi-zações de serviço ou as atas de reuniões deequipes de produção nas empresas.Linha 9 – O critério principal para a práticarotineira é que ela funcione bem. Preocupa-ções sobre como e por que ela funciona sósurgem quando há problemas ou quando sepode fazer melhoras, condições essas sob asquais o prático tenderá a uma investigação-ação, mas não para uma modalidade de pes-quisa-ação, em que compreender o problemae saber por que ele ocorre são essenciais paraprojetar mudanças que melhorem a situação.As teorias são sistemas conceptuais cons-truídos para explicar conhecimentos novos econstituem preocupação primordial da pesqui-sa científica. Na pesquisa-ação, o necessário é

explicar os fenômenos, não é seu objetivoconstruir o tipo de rede de explicações impli-cadas na teoria científica.Linha 10 – Não há necessidade de explica-ção: contexto, processos e resultados da prá-tica rotineira limitam-se aos do prático en-volvido, enquanto a pesquisa científica visa auma generalização mais ampla possível.Linha 11 – Isso tem a ver com administraçãodo conhecimento: o conhecimento obtido naprática rotineira tende a permanecer com oprático individual e o obtido na pesquisa-ação destina-se, o mais das vezes, a sercompartilhado com outros na mesma organi-zação ou profissão; e tende a ser dissemina-do por meio de rede e ensino e não de pu-blicações como acontece com a pesquisa ci-entífica. O fato de a pesquisa-ação tenderpara a finalidade do prático é algo que me-rece atenção se é para dar uma contribuiçãoponderável ao conhecimento do prático naesfera mais ampla, por exemplo, das estraté-gias de práticos qualificados por toda umaocupação.

Retornando ao tema de que essas carac-terísticas são uma tensão entre ação nos cam-pos da prática e da pesquisa, é essencial nãoperder de vista a pesquisa-ação como um pro-cesso no qual os práticos “coletam evidênciasa respeito de suas práticas e pressupostos crí-ticos, crenças e valores subjacentes a elas”(Elliott, 2000, p. 209). Analogamente, McNiff(2002) diz que a pesquisa-ação implica emtomar consciência dos princípios que nos con-duzem em nosso trabalho: temos de ter clare-za a respeito, tanto do que estamos fazendo,quanto do porquê o estamos fazendo.

Embora a maior parte das pessoas con-corde que essa orientação é essencial para apesquisa-ação, ela é também fundamental paraoutros tipos de investigação-ação, especialmentea prática reflexiva, e não fosse a distinção quan-to ao papel dos métodos de pesquisa no correrdo processo, pareceria que as duas são idênti-cas. Separar uma da outra, porém, é mais uma

Page 8: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

450 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

questão de ênfase do que de espécie. Por exem-plo, uma educadora infantil, minha aluna, de-monstrou essa abordagem ao refletir sobre o quequeria alcançar com seu projeto de pesquisa-ação: “para mim, isto significa que não apenasestarei fundamentada em minha abordagem daeducação, mas também irei compreender porque estarei”. Como orientador de sua pesquisa-ação, em contraposição à prática reflexiva, porexemplo, eu me sentiria obrigado a garantir queela reorientasse sua prática e aprofundasse acompreensão que tem de si mesma de um modotão metodologicamente sólido quanto possível(em vez de meramente pragmaticamente eficaz).

Outra característica do relacionamentorecíproco entre pesquisa e prática aprimoradaé que não apenas se compreende a prática demodo a melhorá-la na pesquisa-ação, mas tam-bém se ganhe uma melhor compreensão daprática rotineira por meio de sua melhora, demodo que a melhora é o contexto, o meio e afinalidade principal da compreensão:

Contexto: como a pesquisa-ação é um pro-cesso de aprimoramento, não se pode fazeruma sobre a prática rotineira: a pesquisa-açãocria um alvo de pesquisa móvel ao rompercom a prática rotineira e deixa muitas pontassoltas em sua esteira (veja, por exemplo, ocaso da “teorização-ação” mais adiante).Meios: como as mudanças são reativas, mo-nitorar o que muda e como leva não só àcompreensão da própria prática, mas tam-bém à compreensão mais profunda de aspec-tos da situação, das pessoas e das própriaspráticas que não se havia pensado em mu-dar. Por exemplo, muitos professores apren-dem muita coisa a respeito de como seusalunos percebem o bom ensino, quandomudam da transmissão pelo professor para aconstrução colaborativa do conhecimento(Ker, 1999).Finalidade: a disseminação e publicação dacompreensão da prática obtida com sua me-lhora pode tornar-se também importantedesencadeador da pesquisa-ação. Por exem-

plo, uma aluna, que pensara ter começadoseu projeto de pesquisa-ação a partir de“onde estão os alunos”, escreveu ao final doprimeiro ciclo:

Dei-me conta agora de que devia ter conse-guido mais informações sobre os alunos antesde fazer meus planos de projeto iniciais. Des-cobri que praticamente todas as estratégias deensino que planejei utilizar para levar a mim eaos alunos a uma abordagem mais centradano aluno mostraram-se confrontantes demaiscom os alunos para permitir que se enga-jassem com êxito nessas estratégias.

Trata-se de uma coisa que ela não teriaaprendido a respeito de seus alunos se não ti-vesse tentado melhorar seu ensino e o apren-dizado deles. Esse tipo de experiência é bastan-te comum: só descobrimos a natureza de algu-mas coisas quando tentamos mudá-las. A fimde mudar sua abordagem de ensino, essa pro-fessora teve de deslocar a intervenção de suasestratégias de ensino para lidar com as atitu-des e experiências de seus alunos. Desse modo,novos estudos, não apenas novos ciclos, nas-ceram a partir de estudos preexistentes(Tillotson, 2000).

Teoria em pesquisa-ação

Como processo de melhora da prática,considera-se às vezes que a pesquisa-ação éateórica, mas embora seja verdade que a teoriadisciplinar tradicional não é prioridade principal,é contudo importante recorrer a ela para compre-ender as situações, planejar melhoras eficazes eexplicar resultados. Elliott (1994) afirma isso (queos teóricos acadêmicos fornecem recursos para areflexão e desenvolvimento da prática na pesqui-sa-ação), mas também sugere que os práticos nãoadotam simplesmente uma teoria “já pronta”,mas que a problematizam pela aplicação. Em suaexcelente síntese sobre a teoria na pesquisa-ação,Somekh (2003, p. 260) interpreta isso como sig-nificando que o prático se “apropria pessoalmen-

Page 9: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

451Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

te” de teorias de outros. Porém, nem Elliott nemSomekh constatam em que medida os professo-res primários se utilizam de teoria já pronta dessemodo ou como contribuem com sua experiênciapara ulteriores desenvolvimentos da teoria. Naverdade, minha experiência é de que apenasquando os professores primários trabalham emparceria com acadêmicos da universidade é quese envolvem com teorias já prontas e, escrevi emoutro lugar (Tripp, 1993), como podemos traba-lhar com isso na prática.

Recorrendo mais uma vez à minha expe-riência, descobri que o que se faz em pesqui-sa-ação é muitas vezes levado a efeito pelotipo de teorização indutiva que podia ser cha-mada de “teorização-ação”, processo que émais bem descrito por meio de um exemplo.

Registro de dados

Solicitei a um grupo de professores, emprocesso de formação em serviço, que trocas-sem os trabalhos e cada um lesse silenciosa-mente o trabalho do outro.

Observei que os dois primeiros não ofizeram, mas que cada um lia o próprio traba-lho em voz alta para o parceiro.

Dentro de alguns minutos, todos eles,exceto uma das duplas, estavam lendo seuspróprios trabalhos em voz alta para o outro.

Problema de pesquisa:

Por que não estavam fazendo o que lhesfora solicitado?Hipótese 1:a - não haviam ouvido minhas instruções; oub - não haviam compreendido qual era a ati-vidade.Verificação da Hipótese 1:Repito as instruções e observo os resultados,mas eles ignoram de novo minhas instruçõese continuam a ler em voz alta um para ooutro, de modo que descarto a Hipótese 1.Hipótese 2:Eles estão muito tímidos em mostrar seutexto para o outro porque:

a - são anotações incompletas/rascunho, queseriam ininteligíveis para o parceiro; oub - haviam escrito coisas particulares (muitopessoais?, subversivas?) para serem partilhadas.Verificação da Hipótese 2:Chamo a atenção deles sobre seus comporta-mentos e indago se é um ou outro dessesproblemas. Eles concordam que é o primeirodeles, de modo que aceito a Hipótese 2.Implicação para o planejamento da ação:Fiz uma anotação para apresentar a ativida-de de modo diferente da próxima vez.Dados adicionais:Recolhi os trabalhos e observei que absoluta-mente nenhum deles estava ininteligível, demodo que descartei com atraso a Hipótese 2.Hipótese 3:Os alunos não querem mostrar uns aos ou-tros seus trabalhos escritos porque estão re-correndo à sua experiência escolar (asiática)na qual o trabalho escrito é competitivo e sóé trocado entre eles para fins de nota.Verificação da Hipótese 3:Impossível de realizar uma vez que não vejoesse grupo outra vez.Um novo problemaPor que esses estudantes me enganaram quan-to às suas motivações?Embora esteja claro que estou envolvido emalguns processos de teorização indutiva, es-tes não passam de meios para o fim de me-lhorar a prática, mas não um fim em si mes-mo, o que explica por que os práticos nãodesenvolvem sua teorização sob a forma deuma teoria disiciplinar: estão muito ocupa-dos com suas práticas para perseguiremquestões “puras” de pesquisa.

Pesquisa-ação e práticapesquisada

Como assinalei anteriormente, é muitodifícil traçar limites definitivos entre pesquisa-ação e outros tipos de investigação-ação, masuma outra incompreensão importante quanto adefinições que ocorre nesse campo é a distinção

Page 10: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

452 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

entre pesquisa-ação e ação pesquisada. Já em1945, Lippitt escreveu sobre pesquisa-ação paraCollier: “Não se trata de pesquisa-a-ser-seguida-por-ação, ou pesquisa-em-ação, mas pesquisa-como-ação” (Cooke, s.d., p. 7). Como revisor deartigos de pesquisa-ação submetidos à publica-ção em diversas revistas, não é raro que eu en-contre pessoas que fizeram um estudo de caso deum processo de desenvolvimento ou de mudan-ça, tal como a produção de um programa inova-dor de ensino e aprendizagem, chamando seutrabalho de “pesquisa-ação”, embora não tenhamrealizado ação nenhuma e o desenvolvimentotenha caminhado sem qualquer pesquisa.

Utilizo dois critérios para distinguir en-tre eles: o processo de mudança está sendoconduzido por meio da análise e interpretaçãode dados adequados, válidos e confiáveis? Oalvo principal da atividade é a criação de co-nhecimento teórico ou o aprimoramento daprática? Isso quer dizer que um estudo de casode um processo de pesquisa-ação não é umapesquisa-ação, embora possa ser aceito parapublicação numa revista de pesquisa-açãocomo uma pesquisa sobre a pesquisa-ação.

Para ilustrar essa diferença, voltemos aoexemplo do tipo de teorização que ocorre napesquisa-ação para ilustrar a diferença: se euestivesse empenhado em pesquisar sobre aquelasituação, deveria ter continuado na verificação deminha terceira hipótese e mapear a extensão e anatureza do fenômeno, realizando a mesma ta-refa como intervenção experimental com umaamostra intencional de outros grupos. Fazer issoseria envolver-me num processo de “ação pesqui-sada” e não de pesquisa-ação, porque eu teriapriorizado o conhecimento obtido mais do que oaprimoramento da prática. No entanto, emboraao procurar explicar o comportamento dos alu-nos empregasse elementos do processo de cons-trução de teoria, eu fazia isso apenas a fim deaprimorar o que funciona em minha atividadedocente. E foi como prático que não prosseguina verificação da Hipótese 3, mas fiz um julga-mento profissional prático de que os participan-tes do seminário sentiam-se mais à vontade cada

um lendo em voz alta para o outro. Na próximavez, eu lhes concederia o tempo necessário parafazê-lo.

Na pesquisa-ação, tendemos a nos engajarem teorização indutiva apenas quando não háuma explicação preexistente ou uma teoria queexplique satisfatoriamente o que quer que tenha-mos observado ou estejamos tentando observar,de modo que os pesquisadores de pesquisa-açãofreqüentemente operam dedutivamente, especi-almente nos estágios iniciais.

Porém, como acontece freqüentemente denão haver teorias prontas que se ajustem a nos-sos dados ou intenções, nesse caso trabalhamosindutivamente, teorizando nossos dados median-te a criação de novas categorias. No entanto,quando o fazemos, nosso propósito é inteiramentepragmático: não fazemos isso porque apenas que-remos conhecer (isso é “pesquisa pura”), indaga-mos por que alguma coisa é como é apenas parapodermos saber melhor como aprimorar a prática.

É possível, contudo, combinar teorizaçãoindutiva empreendida seriamente como basepara melhoria por meio de pesquisa-ação, em-bora isso seja raro. Bom exemplo disso é Steadet al. (2001) que desenvolveu uma teoria deexclusão num serviço municipal de saúde men-tal, no qual identificou quatro identidades ex-cluídas (ausente, difícil, mediada e evasiva) que,a seguir, serviram de base para aperfeiçoar oatendimento àqueles pacientes.

Observe que, no exemplo acima, eu diriaestar empenhado em prática reflexiva e não empesquisa-ação, uma vez que ela atende a muitopoucos critérios de pesquisa. Contudo, na ocasião,eu pensei que se fosse verdade que aqueles profes-sores continuavam presos a seu modo de compor-tamento de aprendizagem na escola, melhoraria suaaprendizagem se eles pudessem avançar para umacultura educacional mais adulta. Tivesse eu traba-lhado com o grupo por um período mais longo,poderia ter escolhido a pesquisa-ação como umaforma melhor de fazer aquilo, provavelmente come-çando por uma análise situacional bem planejadapara identificar outras manifestações de sua adesãoaos comportamentos de ensino da escola.

Page 11: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

453Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

O processo de pesquisa-ação

O ciclo da pesquisa-ação

O ciclo da pesquisa-ação inclui todas asatividades do ciclo básico de investigação-açãoe freqüentemente é representado do mesmomodo (Kemmis; McTaggart, 1990), mas emborapareça de início suficientemente claro, não éinteiramente preciso em sua distinção e em seuseqüenciamento da ação e do monitoramentodas fases. Na maioria dos tipos de investiga-ção-ação, freqüentemente se monitoram osefeitos de sua própria ação durante a fase deação e, na pesquisa-ação, freqüentemente seproduzirão dados sobre os efeitos de uma mu-dança da prática durante a implementação(mediante observação, por exemplo) e ambosantes e depois da implementação (como quan-do se utiliza um método pré/pós para moni-torar os efeitos de uma mudança).

A nomenclatura também constitui pro-blema porque planejamento, monitoramento eavaliação são, todos eles, formas diferentes deação, de modo que a implementação é maisadequada para o que é chamado muitas vezesde fase de ação.

Fica mais claro representar o ciclo dapesquisa-ação como uma seqüência de trêsfases de ação nos dois diferentes campos daprática e da investigação sobre a prática.

Essa tabela torna claros dois outros aspec-tos. Primeiro, mostra que, embora a seqüênciabásica permaneça a mesma em ambos os campos,ocorrerão neles ações diferentes. Segundo, tam-bém torna explícito que se deve planejar tanto

para a mudança na prática quanto para a avali-ação dos efeitos da mudança na prática. Isso éimportante na pesquisa-ação, porque o planeja-mento de como avaliar os efeitos da mudança naprática é em geral muito mais rigoroso do que emmuitos outros tipos de investigação-ação.

A pesquisa-ação começa com um

reconhecimento

O reconhecimento é uma análise situa-cional que produz ampla visão do contexto dapesquisa-ação, práticas atuais, dos participan-tes e envolvidos. Paralelamente a projetar eimplementar a mudança para melhora da prá-tica, o reconhecimento segue exatamente omesmo ciclo da pesquisa-ação, planejandocomo monitorar e avaliar a situação atual, fa-zendo isso e, a seguir, interpretando e avalian-do os resultados a fim de planejar uma mudan-ça adequada da prática no primeiro ciclo depesquisa-ação de melhora.

Pesquisa-ação num ciclo iterativo

A natureza iterativa do processo de inves-tigação-ação talvez seja sua característica isola-da mais distintiva. Muito embora todos os pro-cessos de melhora e desenvolvimento tendam aincluir todas as fases do ciclo básico de inves-tigação-ação, nem todos o fazem na mesmaseqüência nem repetem o ciclo de uma manei-ra corrente para realizar melhoras de modoincremental. A maioria das soluções de proble-mas, por exemplo o desenvolvimento orga-nizacional ou a pesquisa experimental, não é in-

Page 12: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

454 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

vestigação-ação segundo esse critério. A pesqui-sa-ação, como uma forma de investigação-ação,é um processo corrente, repetitivo, no qual oque se alcança em cada ciclo fornece o pontode partida para mais melhora no seguinte.

Investigação-ação é utilizada em cada

fase

Chamo esses ciclos de investigação-ação deepiciclos de pesquisa-ação porque se procedemediante, talvez, muitos ciclos de investigação-ação quando se atua em cada uma das fases dociclo de pesquisa-ação. Por exemplo, ao planejar,planeja-se o que planejar, começa-se a planejar,monitora-se o progresso do plano e avalia-se oplano antes de ir adiante para implementá-lo.

A reflexão é essencial para o processo

de pesquisa-ação

Uma das razões para não se colocar a re-flexão como uma fase distinta no ciclo da in-vestigação-ação é que ela deve ocorrer durantetodo o ciclo. O processo começa com reflexãosobre a prática comum a fim de identificar oque melhorar. A reflexão também é essencialpara o planejamento eficaz, implementação emonito-ramento, e o ciclo termina com uma re-flexão sobre o que sucedeu. Isso se perde quan-do o processo é reduzido a “planeje, faça, refli-ta”, como acontece muitas vezes em educação(ver Earthlink, s.d., por exemplo).

A pesquisa-ação tende a ser

participativa

É claro que a pesquisa-ação tem sidoum método participativo desde sua origem,mas há muitas visões e utilizações do termoparticipação. Por um lado, existe extensa lite-ratura dedicada à pesquisa-ação participativa,como se fosse possível ela não ser participativa,quando todo o mundo atingido pela mudan-ça assim realizada participa dela, enquanto, poroutro lado, outros a vêem como um processo

coletivo de conseqüências políticas (Carr eKemmis, 1986).

De uma perspectiva puramente prática, apesquisa-ação funciona melhor com cooperaçãoe colaboração porque os efeitos da prática de umindivíduo isolado sobre uma organização jamaisse limitam àquele indivíduo. A pesquisa-açãopraticada individualmente pode criar um proble-ma que Senge (1990, p. 23) identifica com o“dilema nuclear da aprendizagem”: aprendemosmelhor com a experiência, mas não podemosfazê-lo se não vivenciamos as conseqüências demuitas de nossas decisões mais importantes nempodemos nos introduzir nas experiências dos queo fazem. Isso quer dizer que não se trata deenvolver ou não outras pessoas, mas sim domodo como elas são envolvidas e como elaspodem participar melhor do processo.

Infelizmente, não é possível, de saída,dizer como as pessoas participam de um proje-to, porque isso dependerá de seus interesses ecapacidades, relativamente a diferentes aspectosde um projeto, em diferentes épocas e lugares.Em vista disso, considero útil mencionar quatrodiferentes modos pelos quais as pessoas podemparticipar num projeto de pesquisa-ação:

Obrigação: quando um participante não temopção quanto ao assunto, em geral por ha-ver algum tipo de coação ou diretriz de par-te de um superior.Cooptação: quando um pesquisador persua-de alguém a (a optar por) ajudá-lo em suapesquisa e a pessoa cooptada de fato con-corda em prestar um serviço ao pesquisador.Cooperação: quando um pesquisador conse-gue que alguém concorde em participar deseu projeto, a pessoa que coopera trabalhacomo parceiro sob muitos aspectos (uma vezque é regularmente consultado), mas numprojeto que sempre “pertence” ao pesquisa-dor (o “dono” do projeto). A maioria daspesquisas para dissertação é desse tipo.Colaboração: quando as pessoas trabalhamjuntas como co-pesquisadores em um proje-to no qual têm igual participação.

Page 13: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

455Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

Freqüentemente trabalho com professo-res em pesquisa-ação para desenvolvimentoprofissional, por exemplo, e é surpreendentequão poucos deles cogitam em permitir queseus alunos participem de seu trabalho, demodo que a participação é encarada inicial-mente como uma questão de obrigação: o pro-fessor decide o que vai acontecer e seus alu-nos não são sequer consultados. Contudo, osalunos podem ser envolvidos pelo menos nonível de cooptação. Por exemplo, podem auxi-liar como informantes, podem ajudar a colherdados por observação e entrevista de outrosparticipantes e auxiliar no planejamento eimple-mentação das mudanças na prática.

A participação apresenta sérias ramifica-ções éticas, porque dependendo do modo comose a define pode resultar que alguns participan-tes sejam afetados prejudicialmente pela parti-cipação. O Banco Mundial, por exemplo, levaisso muito seriamente (Tikare et al., 2001), masinclui um fluxo de informação de um sentidosó: do projeto para aqueles por ele afetadoscomo forma de participação, enquanto os querecebem a informação podem, na verdade, sim-plesmente ser comunicados de que perderãosuas casas e seus meios de vida mediante realo-cação para abrir espaço para um desenvolvimen-to industrial. Analogamente, a “consulta”, comofluxo de informação nos dois sentidos, tambémé vista como uma forma de participação, mui-to embora seja freqüentemente utilizada comoum meio de espionagem, visando discutir umprojeto com os afetados por ele, a fim de des-cobrir como superar suas objeções a um planode ação predeterminado de um projeto.

Por essas razões éticas, é necessário exa-minar a participação não só na etapa de pro-posta, mas também durante toda sua duração.Como medida preventiva, deve-se verificarfreqüentemente quais medidas o pesquisadortomou para assegurar que os atingidos nãoestejam sendo enganados, manipulados ouexplorados. Como promoção positiva no projetocomo um todo, deve-se ter como meta que umprojeto de pesquisa-ação:

1 - trate de tópicos de interesse mútuo;2 - baseie-se num compromisso comparti-lhado de realização da pesquisa;3 - permita que todos os envolvidos partici-pem ativamente do modo que desejarem;4 - partilhe o controle sobre os processosde pesquisa o quanto possível de maneiraigualitária;5 - produza uma relação de custo-benefícioigualmente benéfica para todos os participan-tes;6 - estabeleça procedimentos de inclusãopara a decisão sobre questões de justiça en-tre os participantes.

A pesquisa-ação beneficia-seda administração doconhecimento

Primeiro, em termos de desenvolvimen-to profissional e organizacional, a pesquisa-ação é mais eficiente quando ela se expandecomo uma rede (vertical e horizontalmente) portoda a organização, embora minha experiênciaindique que isso poucas vezes se consegue.

Segundo, a pesquisa-ação produz muitoconhecimento baseado na prática, que devia serincorporado ao conteúdo acadêmico de discipli-nas “vocacionais” tais como ensino, negócios ejornalismo, porém muito pouco do conhecimen-to gerado pela pesquisa-ação é realmente teori-zado e publicado em periódicos acadêmicos deprestígio. A pesquisa-ação deveria ser capaz defazer a ligação tanto da teoria para a transiçãoda prática quanto da prática para a transforma-ção da teoria, embora haja poucos sinais de queo faça, talvez por orientar-se em grande medi-da para a melhora da prática.

A ética na pesquisa-ação

A ética já foi mencionada com relação àparticipação, porque sempre surgem questõesquando se fazem mudanças que afetam outraspessoas. Problema fundamental para os quefazem pesquisa-ação na universidade é que

Page 14: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

456 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

poucas vezes eles obedecem aos padrões depesquisa médica comumente aplicados. Minhauniversidade, por exemplo, considerou os alu-nos de um professor como “sujeitos de pesqui-sa” e, a seguir, insistiu em que lhes fosse dadoo direito de desistir, coisa simplesmente impos-sível num cenário escolar. Encontrou-se ummeio de contornar essas dificuldades (Tripp,2002) porque os princípios éticos devem sus-tentar (e assim legitimar) os procedimentos eregras fundamentais de toda pesquisa.

Minha posição é que a diretriz éticageral deve ser incorporada a qualquer projetode pesquisa-ação desde o início e que nenhumpesquisador ou outro participante jamais em-preenda uma atividade que prejudique outroparticipante sem que este tenha conhecimen-to e dê seu consentimento.

Isso em geral conduz os experimentoscom grupo de controle, por exemplo, porque édesvantajoso para esse grupo não se beneficiardas mudanças que o pesquisador em ação con-sidera que sejam melhorias para sua prática. Issotambém conduz a continuação pelo pesquisadorde uma mudança que o grupo não percebe queesteja produzindo melhoras sobre a prática. Issopode ser um problema para mestrandos quenão podem completar um pré e um pós-mo-delo de pesquisa, embora tenham trabalhosa-mente produzido dados diagnósticos.

A razão para permitir prejuízos ao co-nhecimento é que os participantes muitas ve-zes estão inclinados a fazer sacrifícios pesso-ais, em termos de seu tempo e esforço, paracom isso melhorar sua prática. Ligado a essaressalva, contudo, está o princípio de que ovalor dos resultados para todos os participan-tes deve estar vinculado à contribuição quederam. Isso não significa que os resultadosdevam ser de tipo semelhante para todos osparticipantes: quando acadêmicos da universi-dade trabalham com professores primários, porexemplo, os resultados valiosos para o profes-sor tendem a ser em termos de melhora daprática e, para o acadêmico, em termos de re-muneração de consultoria e publicações. Um

dos maiores problemas com as formas maistradicionais de pesquisa em educação é que,com muita freqüência, a experiência profissio-nal dos professores e o conhecimento quepossuem da própria prática têm sido apropri-ados pelo pesquisador sem nenhum benefíciocorrespondente para os professores envolvidos(Tripp,1993). Como é difícil estimar esses va-lores, os pesquisadores muitas vezes fazempublicações em colaboração com participantesque tenham contribuído de maneira importantepara o projeto (ver, por exemplo, Berge; Ve,2002, ou Tripp; Wilson, 2001).

Cinco modalidades de pesquisa-ação

A participação não é o único determi-nante do tipo de projeto de pesquisa-ação quese está executando: existe uma dialética entreescolha do tópico e participação, variações quedão origem a diferentes modalidades de pesqui-sa-ação, termo cunhado por Grundy (1983). Porexemplo, um professor que está simplesmenteimplementando um novo modo de ensinar adi-ção ou ortografia, a cujo respeito leu num livroou aprendeu num curso, está fazendo algo com-pletamente diferente de um professor que estátentando inventar maneiras de lidar com umaquestão de justiça social em sua escola. O pri-meiro é “técnico”, no sentido de que o profes-sor está tentando fazer que uma idéia “tirada daestante” funcione na sua situação. O segundoé “socialmente crítico”, no sentido de que oprofessor está tentando encontrar maneiras demudar a cultura política de sua instituição. Es-ses exemplos ilustram três importantes diferen-ças na natureza do tópico, as quais podem serexpostas sob a forma de perguntas:

a - o projeto trata da melhora da eficiência eda eficácia de práticas comuns ou da intro-dução de novas?b - o projeto está introduzindo uma práticanova para a situação, ou seja, o pesquisadorestá implementando, adaptando ou adotan-

Page 15: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

457Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

do uma idéia ou prática extraída de algumoutro lugar ou está utilizando o projeto paradesenvolver idéias ou práticas próprias intei-ramente novas e originais?c - o projeto está preocupado em trabalhardentro da cultura institucional existente edas limitações sobre a prática, criadas poressa cultura, ou o projeto trata da mudançadessa cultura e de suas limitações?

As respostas a essas perguntas permitem-nos identificar algumas modalidades diferentesde pesquisa-ação. Por exemplo, Grundy (1983)sugere que as perguntas (a) e (b) fazem a dis-tinção entre a pesquisa-ação técnica e a pesqui-sa-ação prática. Considero útil empregar as se-guintes cinco modalidades ao se pensar sobre anatureza de um projeto de pesquisa-ação:

1 - Pesquisa-ação técnicaA pesquisa-ação técnica constitui uma abor-dagem pontual na qual o pesquisador tomauma prática existente de algum outro lugare a implementa em sua própria esfera deprática para realizar uma melhora. Ela é“técnica” porque o pesquisador está agindode modo inteiramente mecânico: de fato,está “seguindo o manual”. Um bom exemplode pesquisa-ação técnica é a difusão de umprojeto ou abordagem desenvolvida centrali-zadamente, tal como o programa ReadingRecovery [Recuperação da leitura]. Nessecaso, a base racional, os objetivos, os mate-riais e os procedimentos são todos dados aosprofessores que encontram modos de usar oprojeto em seu trabalho docente, embora semantendo fiel aos objetivos e resultados ori-ginais tanto quanto possível.2 - Pesquisa-ação práticaRecorrendo mais uma vez a Grundy (1983), apesquisa-ação prática é diferente da técnicapelo fato de que o pesquisador escolhe ouprojeta as mudanças feitas. Nesse caso, asduas características distintivas são: primeiro, émais como a prática de um ofício – o artíficepode receber uma ordem, mas o modo como

alcança o resultado desejado fica mais por suaconta de sua experiência e de suas idéias –; esegundo, porque o tipo de decisões que eletoma sobre o quê, como e quando fazer sãoinformadas pelas concepções profissionais quetem sobre o que será melhor para seu grupo.Os artífices estabelecem seus próprios critériospara qualidade, beleza, eficácia, durabilidade eassim por diante. Assim, em educação, o pes-quisador tem em mira contribuir para o de-senvolvimento das crianças, o que significaque serão feitas mudanças para melhorar aaprendizagem e a auto-estima de seus alunos,para aumentar interesse, autonomia ou coo-peração e assim por diante.3 - Pesquisa-ação políticaA terceira pergunta (c) refere-se à mudançada cultura institucional e/ou de suas limita-ções. Quando se começa tentar mudar ouanalisar as limitações dessa cultura sobre aação, é preciso engajar-se na política, porqueisso significa trabalhar com ou contra outrospara mudar “o sistema”. Só se pode fazerisso pelo exercício do poder e, assim, talação torna-se política. Naturalmente, hámuitos tipos de poder e muitos modos deexercê-lo. Por exemplo, há o poder de conse-guir fazer as pessoas trabalharem juntas, opoder de fazer coisas quando os outros nãoestão olhando, o poder de superar as obje-ções dos outros e assim por diante.

Algumas das limitações para cuja mu-dança tenho visto professores trabalharem sãoo tamanho das classes, as diferenças de gêne-ro, a ausência dos pais, a organização da equi-pe e do tempo docente por assunto.

Embora haja sempre grande número delimitações reais (como a limitação/extensão dotempo em cada dia, o programa de exames ouos antecedentes familiares das crianças), o quese percebe é que, como muitas limitações re-ais, acabam às vezes por tornar-se mitos. Naverdade, nenhuma das idéias acima acabousendo uma limitação real – sempre era possí-vel contorná-las de um modo ou outro.

Page 16: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

458 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

Tripp (1992) descreve o seguinte: umaaluna minha queria desenvolver uma prática dealfabetização na perspectiva teórica da “lingua-gem real/linguagem total” e, para fazê-lo, per-cebeu que precisaria ter mais e melhor ajuda demais pais do que os poucos que estavam vin-do ouvir as crianças lerem. Quando essa alunalevou a idéia a seu diretor, este disse que elanão poderia fazê-lo porque “os pais sequer vãoentender do que se trata, não quererão parti-cipar nem vão querer isso para seus filhos”. Elapensava diferente e sua estratégia foi trabalharde início com uns poucos pais. Com algumasurpresa, viu que eles a apoiaram com entusi-asmo desde o começo e quando, mais tarde,utilizou uma reunião de pais para expor aabordagem que desenvolvia, descobriu que amaioria deles também apoiava a idéia. Nessecaso, a percepção inicial de que os pais seriamnecessariamente uma limitação para sua açãoestava de fato completamente errada e, com ovigoroso apoio dos pais, o diretor passou aencorajá-la a tentar sua abordagem. As limita-ções vistas pelo diretor eram na verdade ima-ginárias, mas ela teve de se utilizar de outraspessoas para ajudá-la a convencer seu chefe deque as coisas eram assim. Portanto, o que elafez foi político.

Pesquisa-ação socialmentecrítica

Essa é, realmente, uma modalidade par-ticular de pesquisa-ação política e ambas sesobrepõem porque, quando se trabalha paramudar ou para contornar as limitações àquiloque você pode fazer, isso comumente é resul-tado de uma mudança em seu modo de pen-sar a respeito do valor último e da política daslimitações. Você não está buscando como fa-zer melhor alguma coisa que você já faz, mascomo tornar o seu pedaço do mundo um lu-gar melhor em termos de mais justiça social.Geralmente, isso é definido na literatura pormudanças tais como: aumento de igualdade eoportunidade, melhor atendimento às necessi-

dades das pessoas, tolerância e compreensãopara com os outros, cooperação maior e maiseficiente, maior valorização das pessoas (de simesmo e dos outros) e assim por diante. Essassão as “grandes idéias” de uma sociedade de-mocrática. A pesquisa-ação socialmente críticapassa a existir quando se acredita que o modode ver e agir “dominante” do sistema, dadocomo certo relativamente a tais coisas, é real-mente injusto de várias maneiras e precisa sermudado.

Pode-se tomar um exemplo da lista delimitações acima. A idéia de que ensinar me-ninos e meninas juntos em todas as matériasé a melhor prática é normal dentro do sistemae pode limitar a ação. Assim também a idéia deque o sistema deve dar a meninos e meninasoportunidades iguais de êxito em todas asmatérias e esferas da vida. Porém, pode-secontestar que tais pressupostos e práticas, combase nas interações de gênero, de fato não dãoa meninos e meninas oportunidades iguais deêxito e, ao contestar essa prática, está-se cri-ticando a maneira pela qual o sistema operainjustamente.

Pesquisa-ação emancipatória

Essa é uma outra variação da pesquisa-ação política, que tem como meta explícitamudar o status quo não só para si mesmo e paraseus companheiros mais próximos, mas demudá-lo numa escala mais ampla, do gruposocial como um todo. As sufragistas, por exem-plo, não queriam simplesmente obter para elasmesmas o direito de votar, mas sim garantir quetodas as mulheres tivessem esse direito. Assimtambém a pesquisa-ação emancipatória é umamodalidade política que opera numa escala maisampla e constitui assim, necessariamente, umesforço participativo e colaborativo, o que ésocialmente crítico pela própria natureza. Não épreciso dizer que a pesquisa-ação emancipatóriaocorre muito raramente.

As diferenças acima expostas são carac-terísticas de diferentes modalidades de fazer

Page 17: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

459Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

pesquisa-ação, mais do que de diferentes tiposde projeto de pesquisa-ação, porque os proje-tos desse tipo de pesquisa poucas vezes utili-zam apenas uma modalidade, mas passam con-tinuamente de um para outro tipo de ação.

Por exemplo, um professor pode começarnuma modalidade técnica, implementando umprojeto publicado que seu diretor considera serum modo melhor de ensinar ortografia. Ao fa-zer isso, o professor se vê diante da limitação detempo e decide conseguir mais ajuda em clas-se. Para isso, tem que agir politicamente e, ten-do alcançado o que queria, retornar à ativida-de técnica de fazer o projeto funcionar em suaclasse. Ao planejar sua aula seguinte, tem subi-tamente uma idéia própria. Ao projetar, experi-mentar e avaliar sua aplicação, verifica que estáengajado numa modalidade prática de pesqui-sa-ação. Nesse ciclo, considera que seria bom in-cluir os alunos no projeto e na imple-mentaçãodas mudanças. Assim, ela se torna participativa,mais democrática e, portanto, socialmente crí-tica. Dessa forma, um projeto não é em geraluma modalidade particular, mas ciclos diferen-tes tendem a ter modalidades diferentes.

A identificação dessas diferentes modali-dades pode parecer uma atividade peculiar daacademia, mas há duas razões pelas quais ela éútil para que se tome consciência das diversasmaneiras e dos níveis de participação e moda-lidades de pesquisa-ação: primeiro, ela apresentauma escolha de diversas maneiras de operar, quepoderiam não ser consideradas se não tivessemsido identificadas e explicadas; e segundo, sa-bendo como se está (ou se precisa estar) ope-rando com respeito a isso, possibilita que segaranta um bom processo, particularmente emtermos de comparar resultados pretendidos comtécnicas apropriadas de monitoramento.

A dissertação de pesquisa-ação

Uma proposta de pesquisa, que se con-centra no próprio processo de pesquisa-ação,tem notória dificuldade de ser aprovada por umcomitê de pesquisa da universidade simplesmen-

te porque não é possível especificar com ante-cedência qual conhecimento será obtido nemquais resultados práticos serão alcançados. Issoporque os resultados de cada ciclo determina-rão o que acontecerá a seguir e não há comodizer de saída aonde o processo levará. Pode-seesboçar a situação do trabalho de campo, mascomo a análise (ou reconhecimento) inicial fazparte deste, raramente ela pode ser realizadaanteriormente à aceitação da proposta. Alémdisso, ao se facilitar um projeto de pesquisa-ação, não se pode especificar os tópicos sobreos quais se trabalhará, pois esses surgirão daanálise da situação e serão selecionados pelosparticipantes. Por essas razões, justifica-se uti-lizar o termo “declaração de intenções” deHeron (1987) em vez de “proposta de pesquisa”e muito embora a produção disso seja útil noinício de um projeto, não atende à exigência damaioria das universidades para uma proposta depesquisa mais tradicional.

Pode-se não conseguir uma dissertaçãomediante a realização de uma pesquisa-ação,mas sim completar um estudo de caso da pes-quisa-ação realizada. Isso significa que há naverdade duas metodologias a serem descritas ejustificadas numa proposta de pesquisa-ação: osprocessos de pesquisa-ação a serem utilizadosem campo e o método de estudo de caso (nar-rativo) que será empregado para contar a histó-ria do projeto e de seus resultados. Uma propos-ta de pesquisa-ação é, pois, diferente de outrostipos de proposta na medida em que uma pro-porção muito maior dela é mais metodológicado que substantiva, o que é o contrário de umaproposta de pesquisa tradicional.

Uma proposta de pesquisa geralmente seconcentra numa questão muitas vezes deriva-da dedutivamente de uma teoria, mas quandoé possível pré-especificar o objetivo da pesqui-sa-ação, ele sempre será do tipo “como posso/podemos melhorar essa prática?” É surpreen-dente quão freqüentemente estudantes que ti-veram uma formação tradicional tentam come-çar seu trabalho com uma questão descritivaou avaliativa. Por exemplo, trabalhei recente-

Page 18: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

460 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

mente com um grupo de consultores de currí-culo num sistema escolar asiático e sua ques-tão de pesquisa-ação foi de início esboçadacomo “nosso projeto de trabalho de campooferece oportunidades para os alunos conse-guirem uma compreensão mais profunda domundo à sua volta?”

Para planejar o que fazer no primeirociclo da pesquisa-ação, necessitavam então des-cobrir mais sobre a situação atual, de modo quepropusemos uma questão de planejamento dereconhecimento ou análise (pesquisa) situa-cional: qual é a situação atual em termos deobjetivos, recursos e características do aluno? Asrespostas a essa questão definiriam a primeiraquestão de planejamento de ação de seu primei-ro ciclo de pesquisa-ação que estava informadae específica: “fazer _ (isso)...._____ em nossoprojeto de trabalho de campo possibilitará queos alunos consigam uma compreensão mais pro-funda do mundo à sua volta?” A outra ques-tão de planejamento da pesquisa-ação que pre-cisaria ser proposta é: como monitorar melhoros resultados. Nesse caso: “como saberemos que,ao se fazer isso em nosso projeto de trabalho decampo, isso possibilitará que os alunos consigamuma compreensão mais profunda do mundo àsua volta?” A resposta deles a isso será o pro-jeto de pesquisa para esse ciclo. Entrevistas degrupo e análise das tarefas dos alunos são duasóbvias estratégias para esse ciclo.

A produção de conhecimento profissionaldeve também ser um desencadeador de pesqui-sa-ação e, ao projetar e implementar atividadesde trabalho de campo para aprofundar a com-preensão de seus alunos do mundo à volta de-les, a equipe aprenderá muito a respeito da si-tuação de trabalho de campo, de sua atividadedocente e da aprendizagem de seus alunos. Esseconhecimento permaneceria privado, empírico einarticulado, a menos que eles também plane-jassem colaborar na codificação desse conheci-mento respondendo a uma pergunta do tipo“como (ou por que) os estudantes conseguiram(ou não conseguiram) uma compreensão maisprofunda do mundo à sua volta por fazer _essa

intervenção___ em nosso projeto de trabalho decampo?” E pensando no processo de adminis-tração do conhecimento, podíamos tambémacrescentar “o que outros poderiam aprendercom nossa experiência?”

Deve-se observar que, embora pareçauma questão de pesquisa mais tradicional, asrespostas deles seriam muito úteis para o pla-nejamento do ciclo seguinte, quer para aprimo-rar o que fizeram no primeiro ciclo, quer paraencontrar outras maneiras de possibilitar queseus alunos consigam uma compreensão maisprofunda do mundo à sua volta. Os pesquisa-dores devem recorrer à literatura publicadasobre pesquisa para ajudar na resposta a essaquestão e também disseminar suas conclusões.É assim que os práticos podem usar a pesqui-sa-ação para cobrir a distância teoria-práticaem ambos os sentidos: pelo uso e contribuiçãopara a literatura, ambos aspectos importantesdo trabalho de dissertação universitária.

Ao facilitar a pesquisa-ação, é importanteque o facilitador também faça uma pesquisa-ação sobre sua facilitação, não só para melhorá-la, mas também para demonstrar excelente prá-tica em pesquisa-ação para os facilitados (Tripp,1996). Isso significa que os dois projetos depesquisa-ação, mencionados por Elliott (1991, p.30) como “pesquisa ação de primeira e de se-gunda ordem”, podem operar sinergeticamente.Cada uma delas levando a uma melhor compre-ensão e a uma melhora da prática da outra.Quando esse é o processo de uma dissertação depesquisa-ação, as histórias de ambos os proje-tos podem ser contadas simultaneamente, pro-duzindo aquilo que Wildman e Cundy (2002)chamaram de “a tese esotérica”.

O relatório da pesquisa-ação

O que se segue é um esquema de umtípico relatório de estudo de caso de pesquisa-ação, o qual pode ser utilizado para qualquerprojeto e também é adequado para dissertações.

1 – Introdução: intenções do pesquisador ebenefícios previstos

Page 19: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

461Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

2 – Reconhecimento (investigação de traba-lho de campo e revisão da literatura)2.1 – da situação2.2 – dos participantes (o próprio e outros)2.3 – das práticas profissionais atuais2.4 – da intencionalidade e do foco temáticoinicial3 – Cada ciclo3.1 – Planejamento: da preocupação temá-tica(ou ciclo anterior) ao primeiro passo de ação3.2 – Implementação: relato discursivo sobrequem fez o quê, quando, onde, como e porquê.3.3 – Relatório de pesquisa sobre os resulta-dos da melhora planejada:3.3a – resumo e base racional do(s) mé-todo(s) de produção de dados3.3b – apresentação e análise dos dados3.3c – discussão dos resultados: explicaçõese implicações3.4 – Avaliação3.4a – da mudança na prática: o que funci-onou ou não funcionou e por quê3.4b – da pesquisa: em que medida foi útil eadequada4 – Conclusão:4.1 – Sumário de quais foram as melhoriaspráticas alcançadas, suas implicações e reco-mendações para a prática profissional dopróprio pesquisador e de outros4.2 – Sumário do que foi aprendido a respei-to do processo de pesquisa-ação, suas impli-cações e recomendações para fazer o mesmotipo de trabalho no futuro.

Quão eficaz é a pesquisa-ação?

Em várias ocasiões, perguntaram-me seeu podia indicar alguma avaliação completa,objetiva e bem reputada da eficácia da pesqui-sa-ação como método de melhoria das práticas.Não pude. E sentindo que precisava de umaresposta mais adequada para a próxima vez, fizessa pergunta para a lista de discussão do e-mail de pesquisa-ação presidido por Bob Dickda Southern Cross University.

Houve uma notória falta de resposta, anão ser por Jack Whitehead (2002) da Universityof Bath que, como eu próprio, só podia indicarcomo prova todos os relatórios de projetos depesquisa-ação bem sucedidos disponíveis em seusite3 e alhures como, por exemplo, OISE4

(2005), McNiff (2002). Porém, não era isso queeu esperava encontrar. Com todas as pesquisas-ação que têm sido feitas nos últimos 50 anos,eu pensei que certamente alguém teria feito al-gum tipo de meta-análise da eficácia da pesqui-sa-ação, avaliando sua capacidade de atingirseus objetivos (tais como a melhoria da práticae a produção de conhecimento). Afinal de con-tas, até mesmo os defensores da ioga ou da me-ditação transcendental haviam se dado ao tra-balho de demonstrar que elas realmente redu-zem a pressão arterial e que as pessoas ficammais felizes com elas.

Devido à minha preocupação para dar àpesquisa-ação uma posição academicamentebem vista como estratégia de pesquisa, consu-mi um dia inteiro na internet e examinei pu-blicações recentes na biblioteca. Embora hou-vesse literalmente milhares de relatórios posi-tivos de pesquisas-ação bem sucedidas, nãopude encontrar nada que avaliasse o processoem termos mais amplos do que sua utilizaçãonum programa ou projeto particular.

Minha hipótese inicial era a de o queacaba sendo descrito são as experiências daspessoas que realizaram pesquisas-ação bemsucedidas e, uma vez que a literatura está cheiade histórias de êxito, isso não torna a pesqui-sa sobre sua eficácia parecer algo de valor, umavez que parece que já temos a resposta (ante-riormente determinada).

Pode ser que seja assim, mas também háprojetos de pesquisa-ação que fracassaram,meus inclusive, embora sempre que examineitais casos, verifiquei que isso nunca aconteceudevido à falta de fundamento do processobásico (isto é, o ciclo de pesquisa-ação), mas

3. http://actionresearch.net4. http://leo.oise.utoronto.cal/~lbencze/Action_Research_Help.thml

Page 20: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

462 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

sempre se deveu ao uso insuficiente do ciclo(por exemplo, não se realizou o reconhecimen-to prévio da situação ou o planejamento foiinadequado) ou devido a fatores contextuais(por exemplo, as pessoas não tiveram tempopara completar o projeto ou a situação mudoue o grupo extinguiu-se).

Isso me parece semelhante aos automó-veis: ninguém contesta o fato de que eles sãouma modalidade razoavelmente confiável detransporte pessoal, mas isso não quer dizer quesão sempre adequados, que não colidem, que nãoquebram, que não são mal dirigidos e assim pordiante. Quando ocorrem essas falhas, isso nãosignifica fracasso do automóvel como tal, massim de um determinado automóvel, usado paraum determinado propósito, dirigido por uma de-terminada pessoa e assim por diante. Penso queo mesmo acontece com a pesquisa-ação.

Ademais, tanta gente a utiliza com êxi-to que, se alguém quisesse contestá-la, teria deenfrentar o poder da prova da experiência pes-soal. Lippitt descobriu algo muito parecido em1945: “.... projetos [participativos] podem con-tar-se pelos dedos da mão e mais da metadedeles fracassou. Os outros foram extraordina-riamente bem sucedidos. Muitos outros irãofracassar até que se reconheça que isso não éum simples processo” (Cooke, s.d., p. 7). Ospesquisadores que trabalham com pesquisa-ação podem estar interessados na amplitude evariedade de seu uso, mas não estão muito in-teressados em qualquer tipo de avaliação exter-na de seu êxito global. Eu sou assim: gosto desaber quem a está utilizando, onde, com quem,para que e assim por diante, mas minha res-posta para as pessoas que me dizem que a pes-quisa-ação não funciona (com às vezes fazem)é: bem, para mim ela funciona eficazmente; senão funciona para você isso talvez queira di-zer que você não está fazendo direito.

Além disso, penso que a falta de pesqui-sas sobre a eficácia da pesquisa-ação tem a vercom o fato de que ela é tão familiar que não fazsentido contestar sua eficácia. Como poderiaalguém discutir seriamente contra o seguinte:

É importante não encarar a pesquisa-açãocomo uma estratégia totalmente nova para fa-zer algo inteiramente diferente, mas como maisum recurso para turbinar, acelerar nosso modohabitual de aprender com a experiência. Gostodessa metáfora porque todos nós aprendemoscom a experiência, de modo que se trata defazer algo que vem naturalmente [...] mas apesquisa-ação é um modo de fazê-lo melhor:

• todos nós planejamos nossas ações, maspodemos fazê-lo mais deliberadamente, ima-ginativamente, e com uma compreensão me-lhor da situação;• todos nós agimos, mas podemos experi-mentar mais, confiar menos em hábitos esta-belecidos, e agir mais responsavelmente;• todos nós observamos o que acontece, maspodemos obter mais dados e de melhor qua-lidade, podemos obter mais feedback de ou-tras pessoas diferentes, e podemos fazer issode maneira mais sistemática;• todos nós pensamos sobre o que aconte-ceu, mas também podemos melhorar nossareflexão, questionar nossas idéias sobre oque é importante e ir mais fundo e mais cri-ticamente nas coisas;• todos nós aprendemos com a experiência, maspodemos também registrar o que aprendemos afim de esclarecê-lo, disseminá-lo entre os cole-gas e acrescentá-lo ao estoque de conhecimentoprofissional sobre a docência. (Tripp, 1996)

Quando fizermos melhor todas essascinco coisas, realizaremos verdadeiras melhorasem nossa prática profissional e aprenderemosmuito mais a respeito dela.

Em suma, acabei por perceber que nãocabe muito fazer a pergunta geral: quão eficaz éa pesquisa ação? Uma vez que a resposta seria: elaé tão eficaz quanto as pessoas que a realizam

Para os praticantes da pesquisa-ação, aquestão pertinente seria: o que tornará maisefetiva a minha pesquisa-ação? Essa é umaquestão para a qual não há resposta definitiva,de modo que devemos trabalhar para respondê-

Page 21: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

463Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

la sempre que nos comprometermos com umprojeto de pesquisa-ação.

Conclusão

Neste artigo, expus o que considero ascaracterísticas-chave do processo de pesquisa-ação e defendi a idéia de utilizar o termo “pes-quisa-ação” na academia para referir-se a umaversão da investigação-ação que atende clara-mente aos critérios da pesquisa acadêmica. Issoparece estar de acordo com antigos trabalhossobre pesquisa-ação e, de fato, com definiçõesrecentes tais como a de Elliott (1991, p. 69):“o estudo de uma situação social com vistas amelhorar a qualidade da ação dentro dela”.

As definições são um instrumento de po-der e, ao argumentar em favor de um determi-nado significado a ser associado ao método, re-conheço o risco de parecer estar fazendo umatentativa de passar por cima do atual “multi-paradigmatismo” com uma nova ideologia domi-nante que criaria outra hierarquia de qualidade napesquisa-ação (Heikkinen, Kakkori e Huttunen,2001). Ao contrário, este artigo visa promoveruma discussão aberta e esclarecida a respeito do

que constitui a pesquisa-ação, com vistas a me-lhorar o método e ampliar sua utilização medi-ante sua legitimação, como forma de pesquisafeita pelo prático, adaptada às exigências (for-mais) de trabalhos acadêmicos na academia.

Assim, embora a proposta não deixe deter suas críticas, eu não deixo de ver a pesqui-sa-ação como uma variedade de investigação-ação, na qual se empregam técnicas de pesquisa,de qualidade suficiente para enfrentar a críticados pares na universidade, para informar o pla-nejamento e a avaliação das melhoras obtidas.

Por isso, talvez o que temos diante denós seja encontrar outro termo para o tipo depesquisa-ação aqui exposta, do mesmo modoque se usa o termo “pesquisa-ação participativa”.Boomer (1985) distinguiu claramente entre otipo de pesquisa empreendida pelos acadêmicosda universidade e o uso habitual do termo como“pesquisa com P maiúsculo” e “pesquisa com pminúsculo”. Talvez pudéssemos referir-nos àpesquisa-ação “com P maiúsculo”, ou pesquisa-ação “de dissertação”, para distingui-la do tipode reflexão habitual sobre a prática que, nosdias de hoje, muita gente freqüentemente serefere como pesquisa-ação.

Referências bibliográficas

ALTRICHTER, H.; POSCH, P.; SOMEKH, B. TTTTTeachers investigaeachers investigaeachers investigaeachers investigaeachers investigate their workte their workte their workte their workte their work. Londres: Routledge, 1993.

ARGYRIS, C.; PUTNAM, R.; SMITH, D. M. Action scienceAction scienceAction scienceAction scienceAction science: concepts, methods and skills for research and intervention. Nova York:Jossey Bass (http://www.actiondesign.com/action_science), 1985.

ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. TheorTheorTheorTheorTheory in practicey in practicey in practicey in practicey in practice. São Francisco: Jossey Bass, 1974.

BERGE, B.-M.; VE, H. Action research fAction research fAction research fAction research fAction research for gender equityor gender equityor gender equityor gender equityor gender equity. Buckingham: Open University Press, 2000.

BOOMER, G. Addressing the problem of elsewhereness: a case for action research in schools. In: _____. Fair dinkum teachingFair dinkum teachingFair dinkum teachingFair dinkum teachingFair dinkum teachingand learningand learningand learningand learningand learning: reflections on literature and power. Nova Jersey: Boynton/Cook, 1985. p. 121-129.

BROWN, A.; DOWLING, P. Doing research/reading researchDoing research/reading researchDoing research/reading researchDoing research/reading researchDoing research/reading research: a mode of interrogation for teaching. Londres: Routledge Falmer,2001.

BUCKINGHAM, B. R. Research fResearch fResearch fResearch fResearch for teachersor teachersor teachersor teachersor teachers. Nova York: Silver, Burdett and Co., 1926.

CARR, W.; KEMMIS, S. Becoming criticalBecoming criticalBecoming criticalBecoming criticalBecoming critical: knowing through action research. Londres: Falmer Press, 1986.

CHAMBERS, R. Rural developmentRural developmentRural developmentRural developmentRural development: putting the last first. Londres: Longman Press, 1983.

Page 22: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

464 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

CHECKLAND, P.; HOLWELL, S. InfInfInfInfInformaormaormaormaormation,tion,tion,tion,tion, systems, systems, systems, systems, systems, and inf and inf and inf and inf and informaormaormaormaormation systemstion systemstion systemstion systemstion systems: making sense of the field. Chichester: Wiley,1988.

CHEIN, A.; COOK, S. W.; HARDING, J. The field of action research. American PsychologAmerican PsychologAmerican PsychologAmerican PsychologAmerican Psychologististististist, Washington, n. 3, p. 43-50, 1948.

COOKE, W. A fA fA fA fA foundaoundaoundaoundaoundation correspondence on action researchtion correspondence on action researchtion correspondence on action researchtion correspondence on action researchtion correspondence on action research: Ronald Lippit and John Collier. The University of Manchester,Manchester. Disponível em: <http://www.sed.manchester.ac.uk/idpm/publications/wp/mid/mid_wp06.htm>. Acesso em: jun. 2005.

COOPERRIDER, D. L.; SRIVASTVA, S. Appreciative inquiry in organisational life. In: WOODMAN, R.; PASMORE, W. Research inResearch inResearch inResearch inResearch inorganisaorganisaorganisaorganisaorganisational change and developmenttional change and developmenttional change and developmenttional change and developmenttional change and development. Greenwich: JAI Press, 1987.

COREY, S. M. Action research to improve school practicesAction research to improve school practicesAction research to improve school practicesAction research to improve school practicesAction research to improve school practices. Nova York: Teachers’ College Press, 1953.

_____. Action research, fundamental research and educational practice. TTTTTeachers College Recordeachers College Recordeachers College Recordeachers College Recordeachers College Record, Nova York, n. 50, p. 509-514,1949.

DEMING, W. E. Out of the crisisOut of the crisisOut of the crisisOut of the crisisOut of the crisis. Massachusetts: MIT Press, 1986.

DESHLER, D.; EWERT, M. ParticipaParticipaParticipaParticipaParticipatortortortortory action researchy action researchy action researchy action researchy action research: tradition and major assumptions. <http://www.PARnet.org/parchive/doc/deshler_95/>. Acesso em: 28 maio 1995.

DEWEY, J. How we thinkHow we thinkHow we thinkHow we thinkHow we think. Buffalo: Prometheous Books, 1933.

ELLIOT, J. Action research fAction research fAction research fAction research fAction research for educaor educaor educaor educaor educational changetional changetional changetional changetional change. Filadélfia: Open University Press, 1991.

_____. Research on teacher’s knowledge and action research. EducaEducaEducaEducaEducationaltionaltionaltionaltional Action ResearchAction ResearchAction ResearchAction ResearchAction Research, Oxford, v. 2, n. 1, p. 133-137,1994.

_____. Towards a synoptic vision of educational change in advanced industrial societies. In: ALTRICHER, H.; ELLIOT, J. Ima Ima Ima Ima Imagesgesgesgesgesof educaof educaof educaof educaof educational changetional changetional changetional changetional change. Buckingham: Open University Press, 2000.

ELLIOT, J.; ADELMAN, C. The Ford teaching projectThe Ford teaching projectThe Ford teaching projectThe Ford teaching projectThe Ford teaching project. Cambridge: Cambridge Institute of Education, 1976.

FALS-BORDA, O. Knowledge and people’Knowledge and people’Knowledge and people’Knowledge and people’Knowledge and people’s powers powers powers powers power. Nova Delhi: Indian Social Institute, 1985.

FALS-BORDA, O.; RAHMAN, M. A. (Orgs.). Action and knowledgeAction and knowledgeAction and knowledgeAction and knowledgeAction and knowledge: breaking the monopoly with participatory action research.Londres: Intermediate Technology, 1991.

FREIRE, P. CreaCreaCreaCreaCreating knowledgeting knowledgeting knowledgeting knowledgeting knowledge: a monopoly. Nova York: Harper, 1982.

_____._____._____._____._____. Peda Peda Peda Peda Pedagoggoggoggoggogy of the oppressedy of the oppressedy of the oppressedy of the oppressedy of the oppressed..... Harmondsworth: Penguin, 1972.

GRUNDY, S. J. Three modes of action research. Curriculum PerspectivesCurriculum PerspectivesCurriculum PerspectivesCurriculum PerspectivesCurriculum Perspectives, Geelong, v. 2, n. 3, p. 23-34, 1982.

GRUNDY, S. J.; Kemmis, S. EducaEducaEducaEducaEducational action research in tional action research in tional action research in tional action research in tional action research in AustraliaAustraliaAustraliaAustraliaAustralia: the state of the art. Geelong: Deakin University Press, 1982.

HART, E.; BOND, M. Action research fAction research fAction research fAction research fAction research for health and social careor health and social careor health and social careor health and social careor health and social care: a guide to practice. Buckingham: Open University Press, 1997.

HEIKKINEN, H.; KAKKORI, L. T. L.; HUTTUNEN, R. This is my truth, tell me yours: some aspects of action research quality in the lightof truth theories. EducaEducaEducaEducaEducationaltionaltionaltionaltional Action ResearchAction ResearchAction ResearchAction ResearchAction Research, Oxford, v. 9, n. 1, p. 9-24, 2001.

HERON, J. Co-operaCo-operaCo-operaCo-operaCo-operative inquirtive inquirtive inquirtive inquirtive inquiryyyyy. Londres: Sage, 1987.

JACQUES, D. Learning in gLearning in gLearning in gLearning in gLearning in groupsroupsroupsroupsroups. Londres: Kogan Page, 1992.

KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. The action researcher plannerThe action researcher plannerThe action researcher plannerThe action researcher plannerThe action researcher planner..... Geelong: Deakin University Press, 1990.

Page 23: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

465Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005

KER, P. Appraisal and teacher developmentAppraisal and teacher developmentAppraisal and teacher developmentAppraisal and teacher developmentAppraisal and teacher development: it ain’t broke – it just won’t work. Melbourne. Acessível em: <http://www.herdsa.org.au/branches/vic/Cornerstones/pdf/Ker.PDF>. Acesso em: out. 2001.

KOLB, D. Experiential learningExperiential learningExperiential learningExperiential learningExperiential learning: experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1984.

KUHN, T. S. The structure of scientific revolutionsThe structure of scientific revolutionsThe structure of scientific revolutionsThe structure of scientific revolutionsThe structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1970.

LEWIN, K. Action research and minority problems. Journal of Social Issues Journal of Social Issues Journal of Social Issues Journal of Social Issues Journal of Social Issues, n. 2, p. 34-36, 1946.

LIPPITT, R.; WATSON, J.; WESTLEY, B. The dynamics of planned changeThe dynamics of planned changeThe dynamics of planned changeThe dynamics of planned changeThe dynamics of planned change. Nova York: Harcourt Brace, 1958.

MARQUARDT, M. J. Action learning in actionAction learning in actionAction learning in actionAction learning in actionAction learning in action: transforming problems and people for word-class organizational learning. PaloAlto: Davies-Black, 1999.

MCCUTCHEON, G. Curriculum and the work of teachers. In: APPLE, M. W.; BEYER, L. The curriculumThe curriculumThe curriculumThe curriculumThe curriculum: problems, politics, andpossibilities. Nova York: Suny Press, 1988.

MCNIFF, J. (2002) Action research fAction research fAction research fAction research fAction research for professional developmentor professional developmentor professional developmentor professional developmentor professional development: concise advice for new action researchers. Acessível em:<http://www.jeanmcniff.com/booklet1.html>. Acesso em: jan. 2004.

REVONS, R. W. Action learningAction learningAction learningAction learningAction learning: new techniques for managers. Londres: Blond & Briggs, 1971.

ROGERS, C. Definig reflection: Another look at John Dewey and reflective thinking. TTTTTeachers College Recordeachers College Recordeachers College Recordeachers College Recordeachers College Record, Nova York, v.104, n.4, p. 842-866, 2002.

SACHS, J. The activist teaching professionThe activist teaching professionThe activist teaching professionThe activist teaching professionThe activist teaching profession. Buckingham: Open University Press, 2003.

SCHÖN, D. The refThe refThe refThe refThe reflective practitionerlective practitionerlective practitionerlective practitionerlective practitioner: how professionals think in action. Nova York: Basic Books, 1983.

SELENER, D. ParticipaParticipaParticipaParticipaParticipatortortortortory action research and social changey action research and social changey action research and social changey action research and social changey action research and social change: approaches and critique. Nova York: Cornell University, 1992.

SENGE, P. The fifth disciplineThe fifth disciplineThe fifth disciplineThe fifth disciplineThe fifth discipline: the art and practice of the learning organization. Nova York: Doubleday-Currency, 1990.

SOMEKH, D. Theory and passion in action research. EducaEducaEducaEducaEducationaltionaltionaltionaltional Action ResearchAction ResearchAction ResearchAction ResearchAction Research, Oxford, v. 11, n. 2, p. 247-264, 2003.

STEAD, V.; MORT, M.; DAVIES, J. Theory generation and practice improvement: a mental health perspective. EducaEducaEducaEducaEducationaltionaltionaltionaltional ActionActionActionActionActionResearchResearchResearchResearchResearch, Oxford, v. 9, n. 1, p. 61-77, 2001.

TIKARE, S., YOUSSEF, D.; DONNELLY-ROARK, P.; SHAH, P. Organizing participaOrganizing participaOrganizing participaOrganizing participaOrganizing participatortortortortory processesy processesy processesy processesy processes: in The World Bank ParticipationSourcebook. Banco Mundial, 2001. Acessível em: <http://www.worldbank.org/participation/keyconcepts.html>. Acesso em:10 jul. 2003.

TILLOTSON, J. W. Studying the game: action research in science education. The Clearing HouseThe Clearing HouseThe Clearing HouseThe Clearing HouseThe Clearing House, v. 74, n. 7, p. 131-135, set./out.2000.

TRIPP, D. Critical incidents in teachingCritical incidents in teachingCritical incidents in teachingCritical incidents in teachingCritical incidents in teaching: the development of professional judgement. Londres e Nova York: Routledge, 1993.

_____. Socially critical educational research. Issues in Educa Issues in Educa Issues in Educa Issues in Educa Issues in Educational Researchtional Researchtional Researchtional Researchtional Research, v. 2, n. 1, p. 13-23, 1992.

_____. The SCOPE ProgThe SCOPE ProgThe SCOPE ProgThe SCOPE ProgThe SCOPE Programramramramram (An action inquiry program for supporting professional-practical workplace learning). Perth: EducationDepartment of WA, 1996.

TRIPP, D.; WILSON, J. Critical incidents in action research in education. In: SANKARAN, S. et al. EfEfEfEfEffective change manafective change manafective change manafective change manafective change managementgementgementgementgementusing action research and action learningusing action research and action learningusing action research and action learningusing action research and action learningusing action research and action learning: concepts, frameworks, processes and applications. Lismore: Southern CrossUniversity Press, 2001. p. 121-132.

Page 24: Pesquisa-ação: uma introdução metodológica* · David Tripp Murdoch University Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research

466 David TRIPP. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica.

WHYTE, W. F. Action research fAction research fAction research fAction research fAction research for manaor manaor manaor manaor managementgementgementgementgement. Homewood: Irwin-Dorsey, 1964.

_____. Social theorSocial theorSocial theorSocial theorSocial theory fy fy fy fy for actionor actionor actionor actionor action. Beverly Hills: Sage, 1991.

WILDMAN, P.; CUNDY, L. The esoteric thesis: making inner sense of the ineffability of knowledge obtained during the exotericresearch process. ALAR JournalALAR JournalALAR JournalALAR JournalALAR Journal, n. 7, n. 2, p. 3-21, 2002.

Recebido em 22.06.05

Aprovado em 13.10.05

David Tripp é professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de Murdoch, na Austrália. Tem realizado, emdiversos países, trabalhos com a prática reflexiva e com a pesquisa-ação em programas de educação continuada dedocentes. É editor associado do Educational Action Research Journal e membro do comitê gestor da Action Learning, ActionResearch, and Process Management Association.