Pervígil

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Pervígil é repleta de personagens comuns, cheios de sentimentos e sensações que todos os seres humanos têm: solidão, alegria, tristeza, confusão, sofrimento, angústia e amor. O autor fala da complexidade de todos eles, observando a estranheza do homem ao sentir tais coisas. Além de tudo, irá falar de um problema que prejudica a muitos, o qual é justamente o motivo de o livro ter sido escrito: a insônia. Afinal, quem consegue dormir quando está tomado por tantos pensamentos e reflexões sobre a vida?

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PERVÍGIL

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Leopoldo Sousa

PERVÍGILContos da noite

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Leopoldo Sousa

São Paulo, 2013

ColeçãoNOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

PERVÍGILContos da noite

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2013ImPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAzIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIçãO àNOVO SéCULO EDITORA

CEA – CENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – Conjunto 1111CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

[email protected]

Copyright © 2013 by Leopoldo Sousa

Coordenação editorial Letícia Teófilo

Diagramação Claudio Tito Braghini Junior

Capa monalisa morato

Revisão Patrícia murari

Fabrícia Romaniv

Novo Século

Sousa, Leopoldo Pervígil : contos da noite / Leopoldo Sousa. -- 1. ed. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira) 1. Contos brasileiros I. Título. II. Série. 13-11569 CDD-869.93

1. Contos : Literatura brasileira 869.93

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no 54, de 1995)

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Dedicado à minha família, pelo apoio que sempre me foi dado, e aos meus amigos, em especial à Ana Gabriela, Lucas

Pereira e André Machado, pelo infinito incentivo que me deram até que esse livro chegasse aqui.

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CEA – CENTRO EmPRESARIAL ARAgUAIA IIAlameda Araguaia, 2190 - 11o andar

Bloco A – Conjunto 1111CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SPTel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323

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Sumário

Quem? .................................................................. 9

Velejadores ......................................................... 11

Herói? ................................................................. 19

O mito da felicidade ............................................ 25

Alterações ............................................................ 29

Drogas? ............................................................... 31

Diário de bordo ................................................... 33

Insônia ................................................................ 35

Mundo ................................................................ 37

Jardins da Babilônia ............................................ 41

Ah, os humanos .................................................. 43

Sinfonias ............................................................. 45

Tão cedo? ........................................................... 47

Minguante ........................................................... 49

Simetria .............................................................. 51

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Arqueologia ......................................................... 53

Estranhices .......................................................... 59

Inverno ................................................................ 61

Madrugada .......................................................... 63

Dia ...................................................................... 67

Infinito ................................................................. 69

Solitário ............................................................... 71

Segredos ............................................................. 73

Olhos fechados .................................................... 75

Pior... .................................................................. 77

Ninar ................................................................... 79

Menina ................................................................ 81

Vaga-lumes ......................................................... 85

16 de fevereiro .................................................... 93

O estranho .......................................................... 97

O soldado solitário ............................................ 133

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Quem?

Há em mim algo que não tenho certeza. Existem coi-sas claras e outras que se perderam em mim. Lágrimas estão aqui aos montes, se soltam e se prendem sem controle. Há em mim uma grande estupidez aliada a uma forte sincerida-de, falo besteiras excessivas e sequer percebo. Besteiras que pessoas não querem ouvir e julgam-me como se fosse crime expor alguma verdade desagradável. Idiota? Muito provavel-mente. Dificulto o convívio das pessoas impacientes comigo. Prefiro assim, não pacientes costumam ser estressados demais para aguentar algumas poucas brincadeiras que costumo fa-zer. Há em mim mentiras que falo de vez em quando, não se pode ser verdadeiro sempre neste mundo. Costumo me julgar como uma boa pessoa e não há quem me conheça bem que me fale o contrário, espero sempre que, com sinceridade, me digam isso. Existe em mim um romantismo ultrapassado e sem valor. Flores e portas abertas... besteiras, apenas. Há em mim sonhos que nunca serão realizados, outros muito bem possíveis. Afinal, quem sou? Não sou nada que possa falar,

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nada que eu costumo entender. Sou o que não tenho certeza e o que se perdeu. Há em mim muito para se conhecer ainda. Existe em mim solidão das que costumam não se perder logo. Acostumei-me assim, esse sou eu.

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Velejadores

Ei, olhem as horas, percebam que, de uns meses para cá, exatamente a essa hora, acontece sempre a mesma coisa. Ouçam essas vozes, notem que são milhares de vozes cantan-do uma única e deprimente canção. Parecem vir de todas as partes, mas todos sabemos que vem do mar. Janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto já são oito meses aguen-tando essa melodia. Como conseguem ser tão coordenadas e gerar um som tão uniforme? E, o pior de tudo, desde que esse coro começou, os peixes não aparecem, os pássaros não cantam como de costume, essa pequena cidade litorânea afogou-se na tristeza daquela letra melancólica. 

Setembro está chegando e ninguém tem vontade de saber que tipo de homens gera aquele lamento em forma de música. Bom, na verdade, vontade não falta, mas de que adianta toda essa vontade sem a coragem necessária para ir ao mar e saber o que se passa ali? Enquanto ninguém se ha-bilita a saber a origem de todos aqueles sons, as crianças não dormiam direito e não conseguiam se concentrar em algo real-mente produtivo. Os adultos, por também não terem boas

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noites de sono, viviam de mau humor e atritos eram muito comuns entre eles.

Cansado de todas essas coisas, um adolescente criou a coragem necessária para saber o que se passava no mar todos os dias exatamente àquela hora da noite. Certo dia arrumou uma mochila com algumas coisas básicas e rumou para o oce-ano. Inicialmente sentiu medo, mas nada que o impedisse de seguir em frente. Foi ficando mais calmo com a brisa que sen-tia. Chegando perto da praia, olhou para o horizonte e não via absolutamente nada. A neblina era muito densa e não permitia que o jovem enxergasse muito longe de onde estava. Desistiu ali mesmo e resolveu voltar outro dia.

Maldita neblina! Aquele garoto ficou ainda mais curioso para saber o que tinha lá. Voltou no local exato no dia seguinte. Tudo aconteceu da mesma forma. Mais uma vez, sentiu calafrios no começo da jornada. Percebendo a brisa, foi se acalmando. Chegou perto da praia e aquela ne-blina não estava lá. Viu alguns barcos se movendo no ocea-no. Seriam barcos motorizados? Aproximou-se para ver de que se tratava. Viu uma legião de velejadores indo de um lado para o outro, com uma liberdade invejável. Porém, se todos eles têm toda aquela liberdade, para que ficar parado próximo àquela pequena cidade e cantando aquela tenebro-sa canção?

O jovem ficou ali achando muito interessante o que es-tava vendo. Depois de vários minutos olhando, percebeu que muitos deles, ou melhor, todos eles, tentavam se mover para algum lugar, mas algo os impedia. Decidiu ir embora e voltar na noite seguinte. Aquilo ficou martelando na cabeça. Por que não podiam ir aonde quer que fossem? Pensou, pensou e pensou e

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nada de achar uma resposta convincente para a questão. Che-gando à sua casa, cumprimentou seus parentes e rumou para seu quarto. Lá, mais uma maratona de pensamentos invadiu sua cabeça antes que dormisse.

Acordou no dia seguinte já no meio da tarde com a mesma dúvida da noite anterior. Chamou mais algumas pes-soas para ir com ele na praia na noite daquele dia. Entretanto, elas estavam ocupadas demais pecando e provocando brigas entre si. A cidade já estava totalmente tomada pela impaci-ência causada pela música daqueles velejadores. As agressões estavam se tornando cada vez mais frequentes e os pecados cada vez mais escancarados.

Enfim, anoitece e ele se prepara para voltar à praia. Colocou sua mochila nas costas e partiu. No caminho, ficou olhando para o céu, observando as constelações e procurando a Lua. Esta na fase minguante, quase nova, e, por esse motivo, ele não podia vê-la com muita facilidade. Chegando à praia, viu todos aqueles velejadores de novo, seguindo pela escuri-dão daquela noite quase sem luar de um lado para o outro e tentando ir para algum lugar. Desta vez, não ficou apenas ob-servando o movimento dos velejadores ou ouvindo a melodia que todos cantavam, permaneceu em pé na areia procurando algum motivo para o fato de todos estarem presos exatamente ali. Procurou, procurou e procurou e nada. Estava muito escu-ro para poder ver alguma coisa por ali que não fossem as velas içadas. Continuou procurando por mais alguns minutos até desistir por conta da escuridão. Decidiu então voltar quando a Lua estivesse cheia.

Três semanas, apenas três semanas, era esse o tempo que demoraria para que a Lua voltasse a ser cheia, e, enfim,

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descobrir o que prendia toda aquela legião de velejadores na-quela praia. Eram apenas três semanas para uma pessoa qual-quer, mas para o jovem era uma eternidade. Não conseguia pensar em qualquer outra coisa que fosse. Estudos, amigos, família, tudo ficava em segundo plano no cérebro daquele ga-roto. Três semanas, apenas três.

Passou-se uma semana e faltavam apenas duas. Duas se-manas de tortura e de pensamentos sobre o motivo. Tinha de descobrir o que era aquilo rapidamente para que a cidade vol-tasse ao normal e todas as pessoas deixassem de ser ignorantes umas com as outras. A música parecia ficar mais alta a cada noite que passava e toda a cidade ficava impaciente com tudo o que acontecia por ali. Favores não mais existiam, a gentileza já tinha sido deixada de lado há muito tempo. Tudo que se via na cidade era raiva.

Mais uma semana se foi, só faltava mais uma. O garoto estava sentado à frente de um relógio, contando os dias, as horas, os minutos e os segundos para a Lua cheia. Não ia à praia fazia duas semanas para não alimentar ainda mais sua curiosidade. O volume maior da música o deixava muito an-gustiado com a situação. A insônia, que sempre foi sua com-panheira, parecia estar mais forte, ou melhor, ela realmente estava. O sono não vinha e os minutos não passavam. Era apenas uma semana, apenas uma. A Lua já estava crescente lá em cima e só faltava mais essa fase passar. Mas que demo-ra, o cuco não bate e o ponteiro não se mexe. Onde está a distração quando se precisa dela?

Estava quase morrendo com a demora quando o dia fi-nalmente chegou. Passou a tarde como nas semanas anteriores, apenas pensando no que deveria ser aquilo tudo e o motivo da

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música ter ficado tão alta nessas últimas semanas. Quando a noite enfim chegou e a Lua estava alta no céu, a mochila já es-tava preparada e metade do caminho já havia sido percorrido. A noite clara como nunca e nada de neblina para atrapalhar a visão do adolescente. Começou a sentir sono, pois havia dormi-do muito mal ultimamente.

Chegou à praia e viu um número assombroso de veleja-dores navegando pelo mar e cantando aquela misteriosa me-lodia. Tentou ver o que estava prendendo todos aqueles ho-mens naquela região, mas muitos cobriam sua visão. Ficou lá esperando que se movimentassem como sempre faziam, aquele vaivém de sempre. Aquele barulho feito por tantos velejadores era irritante e não permitia muita concentração no que real-mente queria fazer. Ignorar, por mais difícil que parecesse, era sua melhor opção.

Permaneceu lá atento àquela dança horripilante e às bre-chas que talvez fossem abertas no meio de todos aquelas ve-las. Esperou por algumas horas até que a brecha finalmente foi aberta. Espaço aberto, a noite clara e sem uma neblina sequer, era tudo o que precisava. A brisa ficou mais forte como se o vento quisesse que ele fechasse os olhos para que não visse o que estava ali. Olhou com bastante atenção e viu uma grande corrente no meio do mar. Uma grande corrente que se dividia em sete ramos principais e esses sete dividiam-se em ramos me-nores, prendendo cada homem que estava ali e privando-os de sua liberdade. Prestou mais atenção e viu que ela caía do céu, parecia que vinha para punir os que estavam aqui embaixo. Por quê? Pra quê tudo isso? Qual era o motivo de castigar todos aqueles homens?

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Deitou-se na areia olhando o céu para tentar encon-trar uma resposta para tudo aquilo. “Era uma grande corren-te que se dividia em sete principais. O que será que aquilo queria dizer? A corrente parecia vir diretamente do céu para punir os que estavam aqui. Como achar algo que tenha relação com isso?” Pensou bastante no assunto e nada de achar uma solução para esse mistério. Então, entrou no mar, junto com todos aqueles velejadores e começou a ouvir algumas coisas que faziam algum sentido. Concentrou-se nas vozes e notou que eram as vozes de todos os que estavam ali. Todos os ve-lejadores queriam dizer algo para o jovem. Ouviu então algo parecido com:

– Vá embora antes que suas tentações te consumam por inteiro.

Escutou aquilo com muita atenção, mas não conseguiu seguir aquele comando. Ficou lá, no meio, tentando conversar com todos eles, mas eles não davam ouvidos. Insistiu com a conversa até perceber que sua cidadezinha não tinha mais sal-vação e que ela acabaria em pouco tempo em razão do alto nú-mero de pecados cometidos por ali.

Parou com toda aquela insistência e rumou para casa. Dormiu com a dificuldade que sempre o atormentou e quan-do acordou foi falar com todos os habitantes da pequena ci-dade litorânea. Foi para a praça gritar para todos o que tinha descoberto na noite anterior. Poucos lhe davam ouvidos e os que ouviam achavam que aquilo era uma história apocalíp-tica, completamente sem sentido. Até mesmo seus parentes achavam que estava ficando louco.

Ficou indignado com aquela situação. Ninguém o levou a sério e ficou muito nervoso por conta disso. Ir embora da

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cidade, assim como os velejadores disseram, pareceu ser a úni-ca alternativa para o jovem. Iria embora à noite quando todos estivessem tentando dormir, para não ser notado. Passou a tar-de caminhando pela cidade, sua última tarde ali. Lembrou de todos os momentos bons e os ruins que passou por lá. Uma pessoa que ouviu seu discurso percebeu o desconforto do garo-to com aquela situação. Chegou perto do jovem, deu-lhe dois tapinhas no ombro e disse:

– Fique calmo, Deus irá nos proteger.Ouviu aquilo e foi direto para casa, deixando a pessoa lá,

sozinha.A noite chegou, ele começou a preparar suas coisas para

ir embora. Arrumou sua mochila como sempre fazia, escreveu um bilhete enquanto alguns de seus parentes estavam acor-dados e esperou a madrugada para que nenhum deles o visse partindo. Inevitavelmente, muitas lágrimas rolaram enquanto as lembranças vinham à sua memória. Chorou bastante, como nunca havia feito.

A hora tinha chegado. Abriu a porta de sua casa, olhou para trás a fim de ter certeza de que não se arrependeria da decisão que estava tomando. Levou o bilhete consigo para a saída da cidade e o colou em um poste. Partiu, foi embora e nunca mais voltaria. Não demorou muito para que as pessoas da cidade desmoronassem e todos começassem a se matar por ali, tudo por causa da triste música dos velejadores.

Uma guerra começou naquela cidade, todos se matavam, pareciam animais brigando por um pedaço de comida. Todos, sem exceção, estavam impacientes a ponto de menosprezar o que mais devia ser valorizado. O tempo passou, passou e pas-sou, apenas uma pessoa na cidade sobreviveu. Um sobrevivente

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sem nome. Ele caminhou sobre os corpos, sobre todo aquele sangue até que chegou a um poste na saída da cidade. E lá es-tava escrito: “De que vale ter tanta fé em Deus, se tudo o que fazem agrada ao Diabo?”.

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