Perigosa renúncia

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C M Y K C M Y K E Ed di it to or ra a: : Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 21 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, domingo, 9 de fevereiro de 2014 Consequência estética É uma anormal distribuição de gordura corporal. Pode ocorrer aumento de gordura na região do abdômen/ventre, entre os ombros, em volta do pescoço ou no tórax (especialmente em mulheres) ou perda de gordura da pele, mais aparente nos braços, nas pernas, nas nádegas e no rosto, resultando em enfraquecimento da face, atrofiamento das nádegas e em veias aparentes nas pernas e nos braços. » BRUNA SENSÊVE O início precoce do tratamento contra o HIV promoveu, há pouco mais de um ano, a pri- meira cura funcional da infecção em um bebê norte-americano exposto ao vírus du- rante o parto da mãe soropositiva. O método tam- bém se mostra bastante eficiente em experimentos em andamento na Europa com adultos e jovens que contraíram o vírus. Por esses e mais uma série de tra- balhos científicos de comprovação que países, in- cluindo o Brasil, mudaram as diretrizes e promovem o acesso universal ao tratamento com antirretrovi- rais a qualquer cidadão diagnosticado como soropo- sitivo, independentemente da carga viral dele. Mas, na contramão de todas as evidências, adolescentes e jovens adultos são o segmento da população que menos aderem ao tratamento e destacam-se por postergarem ao máximo o início da medicação, mesmo cientes de que estão contaminados. Pesquisa publicada no início deste mês na revista científica Jama Pedia- trics afirma que quase metade dos adolescen- tes e jovens adultos norte-americanos in- fectados pelo HIV atra- sam o início do trata- mento até que a doen- ça tenha avançado. “Essas descobertas são decididamente decep- cionantes e reforçam a necessidade de desen- volver melhores for- mas de diagnosticar adolescentes mais ce- do e, tão importante quanto, de tê-los sob terapia mais cedo”, preocupa-se o investi- gador principal, Alli- son Agwu, especialista em doenças infeccio- sas e HIV no Centro Infantil do Hospital Johns Ho- pkins (EUA). Agwu e a equipe liderada por ele anali- saram os registros de cerca de 1.500 jovens, com ida- de entre 12 e 24 anos, infectados com o HIV e atendi- dos entre 2002 e 2010 em 13 clínicas do país. Os pesquisadores consideram as descobertas particularmente preocupantes frente às evidên- cias de que o início do tratamento o mais cedo possível pode ser um caminho, mesmo que longo, de manter o vírus sob controle. “É im- portante para evitar danos cardiovascula- res, renais e neurológicos característicos da infecção pelo HIV mal controlada ao longo do tempo”, reforça Agwu. Entre 30% e 45% dos jovens pesqui- sados procuraram tratamento quando a doença havia atingido estágio avançado, defi- nido como a contagem de células CD4 — de defe- sa do corpo — abaixo de 350 por milímetro cúbico de sangue. As células CD4 são alvo favorito de HIV e sentinelas mais bem treinadas do sistema imu- nológico contra a infecção. O esgotamento ou a destruição delas torna os indivíduos mais vulne- ráveis a uma ampla gama de organismos bacteria- nos, virais e fúngicas. Esses fatores não causam doenças em pessoas saudáveis, mas podem levar a infecções graves com risco de vida em pessoas que têm o sistema imunológico comprometido, como as soropositivas. Uma descoberta que preocupa ainda mais os mé- dicos é que pacientes com contagens de células CD4 mais baixas tendem a ter o vírus mais ativo circulan- te no sangue e nos fluidos corporais, o que os torna mais propensos a espalhar a infecção para outras pessoas. “Os médicos precisam ficar longe das no- ções preconcebidas sobre quem é infectado, es- quecer os perfis de pacientes de risco e testar to- dos”, defende Agwu. Ele acredita que os pediatras devem ajudar os adolescentes a ver o teste para HIV como parte da rotina médica, como medir o peso e o açúcar no sangue. “Queria ser normal” A explicação para o fenômeno que surpreende pesquisadores e se repete em outros países não é certeira. A combinação de substâncias fortes que de- vem ser ministradas diariamente e, em muitos casos, mais de uma vez causa, no mínimo, incômodo aos indivíduos em qualquer idade. Os efeitos colaterais imediatos à ingestão variam entre enjoo, vômito, dor de cabeça, inflamação estomacal, forte gosto amar- go na boca e desânimo. O impacto não é somente fí- sico. A exposição que sofre o paciente que engole cápsulas grandes duas vezes ao dia gera perguntas e, como consequência, o preconceito e o isolamento. A angustiante rotina é agravada pelos questionamen- tos e desejos comuns da adolescência. “No começo, eu não quis aceitar. Queria ser normal, igual a todo mundo e decidi que não to- maria (os medicamentos). Eu não aceitava a doen- ça que eu tinha. Muita gente conversou comigo e eu voltei para o meu bem”, relata Giovana*, 17 anos. O HIV foi transmitido a ela de maneira verti- cal, pela mãe soropositiva durante a gestação ou o parto. “De vez em quando, paro de tomar porque eu ainda não aceito. Eu olho para as minhas ami- gas, as vejo fazendo tudo e eu aqui. Não dou conta de aceitar.” As falhas no tratamento começaram por volta dos 13 anos, quando Giovana compreen- deu a dimensão e o significado de carregar consigo o traiçoeiro inimigo. Mesmo tendo tomado o co- quetel corretamente até então, o contra-ataque ar- quitetado pelo vírus foi avassalador. Hoje, Giovana tem dificuldade na fala e precisa do auxílio de um andador para se locomover. O cor- po magro está repleto de manchas que surgiram como consequência do ataque viral. “Quando eu paro (de tomar os antirretrovirais), me sinto muito mal e não dou conta de fazer nada. Fico desarru- mada e decido que está na hora de tomar de novo. Tomo, fico quietinha uns dois dias e melhoro”, rela- ta. A jovem, neste ano, não frequentará o ensino médio por temer a reação dos outros jovens. “Es- tava estudando, mas acho que as pessoas ti- nham muito preconceito comigo porque me deixavam de lado. Ninguém queria brincar comigo, me sentia muito só. Acho que, por isso, fiquei muito depressiva.” Ela também atribui a baixa emocional à morte do pai, que faleceu há pouco mais de um ano em decorrência dos agravamentos da Aids. A mãe, Sílvia*, 38 anos, foi infectada aos 18, mas só fez o exame que confirmou a sorologia no dia em que Giovana nasceu. O primeiro filho do casal não tem o vírus. “Eu era muito jovem e, mesmo sabendo que ele era soropositivo, não procurei fazer o exa- me.” Ela acredita que a tendência da maioria dos so- ropositivos é esconder a condição. “A pessoa acaba entrando em depressão porque se vê sozinha. Quan- do esconde, exclui os amigos, a família. Ela se vê dife- rente de todos, como se fosse um extraterrestre.” * Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Perigosa renúncia O segredo faz parte da vida da grande maioria dos soropositivos. A exposição indesejada e o preconcei- to são duas grandes barreiras para que a pessoa in- fectada possa discutir a condição dela abertamente com familiares, amigos, no ambiente de trabalho ou mesmo com o(a) companheiro(a). A consequência desse temor também pode ser motivo de interrup- ção da terapia. Segundo a pesquisadora do Grupo de Estudos em Educação e Relação de Gênero, da Fa- culdade de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jeane Félix, uma das grandes preocupações do jovem soropositivo é adquirir a aparência física clássica do portador, com rosto e corpo muito magro, ou mesmo feições que o vincule à doença, como a lipodistrofia. “É um medo geral porque não querem ser identificados.” Félix dedicou um dos capítulos da tese de pós- doutorado ao significado para o adolescente de to- mar antirretrovirais, os efeitos do medicamento na vida deles e as estratégias utilizadas para tomar a me- dicação quando a família não sabe do diagnóstico. Alguns trocavam o frasco do remédio e o substituíam por potes de vitaminas para a prática de exercícios físicos, por exemplo. “Em relação às mudanças no Medo de serem identificados Estudos divulgados no segundo semestre do ano passado pelo Instituto Emílio Ribas (SP) e o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (RJ) mostram que um a cada cinco jovens abandona a terapia anti-HIV. A ati- tude dificulta o controle da doença, compro- mete o tratamento e aumenta o risco de re- sistência à medicação. A toxicidade dos me- dicamentos e os efeitos colaterais são os principais motivos apresentados pelos 581 entrevistados, seguidos de problemas psico- lógicos — especialmente a depressão — e es- quecimento. Os dados foram levantados com adolescentes que estão em tratamento e têm entre 12 e 17 anos e também mostram que 20% dos jovens não fazem o tratamento regularmente, faltando a consultas e inge- rindo os remédios incorretamente. Também no Brasil Para saber mais corpo, ouvi bastante o medo de sofrer preconceito, discriminação em virtude da soropositividade ou de ser abandonado pela família ou pelo companheiro.” Outra característica reparada pela pesquisadora foi a forma efêmera com que os jovens lidam com o tempo. Era mais presente neles a vontade de viver o agora e de não pensar em sintomas que poderiam surgir em 10, cinco anos ou mesmo nunca. “Ouvi de muitos jovens: ‘enquanto não aparecer nenhum sin- toma, nenhuma dor, infecção oportunista, nada que me obrigue a tomar o medicamento, eu não vou to- mar mesmo’”, relata. Os pacientes de transmissão vertical tendem a apresentar outro tipo de característica. Jeane Félix conta a história de um soropositivo com cerca de 20 anos que decidiu parar o tratamento usando a justifi- cativa de que tinha passado a vida inteira tomando o coquetel e que queria saber como viveria sem essa obrigação diária. “O caso interessante de um menino totalmente informado que burla aquela história de que as pessoas têm falta de informação e, por isso, não tomam a medicação”, classifica. Poucos meses depois, ele precisou voltar à terapia devido ao agrava- mento dos sintomas. (BS) É alto o número de jovens com HIV que não aderem ao tratamento. A decisão deixa o vírus mais ativo no corpo, aumentando o risco do surgimento de doenças oportunistas, e os torna mais propensos a infectar outras pessoas “A dificuldade é a de todos os adolescentes, indivíduos que acham que nada vai acontecer com eles. Quando você observa um jovem de transmissão vertical que nunca teve nada, que tem uma convivência social, às vezes, tomar remédio, para ele, é algo que atrapalha. Ele Falso vigor Palavra de especialista Sob controle Não se trata exatamente da erradicação da doença porque o vírus permanece no sangue do paciente, mesmo que em quantidades mínimas e quase indetectáveis. Porém, o próprio sistema imunológico é capaz de controlar sozinho a multiplicação do vírus, impedindo que qualquer sintoma se manifeste. tem medo dos efeitos colaterais, que também podem revelar a existência do problema. A adolescência é uma época mágica, de saúde e vigor. Pensam: tudo bem, tenho HIV, mas eu não vou ficar doente. A grande questão é que ele está doente,mas continua adolescente.” Marinella Della Negra, infectologista do Instituto Emílio Ribas, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

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Matéria premiada com o primeiro lugar no Prêmio DST-UFF de Jornalismo 2014, concedido pela Universidade Federal Fluminense (categoria Impresso)

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EEddiittoorraa:: Ana Paula [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

21 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 9 de fevereiro de 2014

Consequênciaestética

É uma anormaldistribuição de gorduracorporal. Pode ocorreraumento de gordura naregião doabdômen/ventre, entreos ombros, em volta dopescoço ou no tórax(especialmente emmulheres) ou perda degordura da pele, maisaparente nos braços,nas pernas, nas nádegase no rosto, resultandoem enfraquecimento daface, atrofiamento dasnádegas e em veiasaparentes nas pernas enos braços.

» BRUNASENSÊVE

O início precoce do tratamento contra o HIVpromoveu, há pouco mais de um ano, a pri-meira cura funcional da infecção em umbebê norte-americano exposto ao vírus du-

rante o parto da mãe soropositiva. O método tam-bém se mostra bastante eficiente em experimentosem andamento na Europa com adultos e jovens quecontraíram o vírus. Por esses e mais uma série de tra-balhos científicos de comprovação que países, in-cluindo o Brasil, mudaram as diretrizes e promovemo acesso universal ao tratamento com antirretrovi-rais a qualquer cidadão diagnosticado como soropo-sitivo, independentemente da carga viral dele. Mas,na contramão de todas as evidências, adolescentes ejovens adultos são o segmento da população quemenos aderem ao tratamento e destacam-se porpostergarem ao máximo o início da medicação,mesmo cientes de que estão contaminados.

Pesquisa publicada no início deste mês na revistacientífica Jama Pedia-trics afirma que quasemetadedosadolescen-tes e jovens adultosnorte-americanos in-fectados pelo HIV atra-sam o início do trata-mento até que a doen-ça tenha avançado.“Essas descobertas sãodecididamente decep-cionantes e reforçam anecessidade de desen-volver melhores for-mas de diagnosticaradolescentes mais ce-do e, tão importantequanto, de tê-los sobterapia mais cedo”,preocupa-se o investi-gador principal, Alli-son Agwu, especialistaem doenças infeccio-sas e HIV no Centro Infantil do Hospital Johns Ho-pkins (EUA). Agwu e a equipe liderada por ele anali-saram os registros de cerca de 1.500 jovens, com ida-de entre 12 e 24 anos, infectados com o HIV e atendi-dos entre 2002 e 2010 em 13 clínicas do país.

Os pesquisadores consideram as descobertasparticularmente preocupantes frente às evidên-cias de que o início do tratamento o mais cedopossível pode ser um caminho, mesmo quelongo, de manter o vírus sob controle. “É im-portante para evitar danos cardiovascula-res, renais e neurológicos característicosda infecção pelo HIV mal controlada aolongo do tempo”, reforça Agwu.

Entre 30% e 45% dos jovens pesqui-sados procuraram tratamento quando adoença havia atingido estágio avançado, defi-nido como a contagem de células CD4 — de defe-sa do corpo — abaixo de 350 por milímetro cúbicode sangue. As células CD4 são alvo favorito de HIVe sentinelas mais bem treinadas do sistema imu-nológico contra a infecção. O esgotamento ou adestruição delas torna os indivíduos mais vulne-ráveis a uma ampla gama de organismos bacteria-nos, virais e fúngicas. Esses fatores não causamdoenças em pessoas saudáveis, mas podem levara infecções graves com risco de vida em pessoasque têm o sistema imunológico comprometido,como as soropositivas.

Uma descoberta que preocupa ainda mais os mé-dicos é que pacientes com contagens de células CD4

mais baixas tendem a ter o vírus mais ativo circulan-te no sangue e nos fluidos corporais, o que os tornamais propensos a espalhar a infecção para outraspessoas. “Os médicos precisam ficar longe das no-ções preconcebidas sobre quem é infectado, es-quecer os perfis de pacientes de risco e testar to-dos”, defende Agwu. Ele acredita que os pediatrasdevem ajudar os adolescentes a ver o teste paraHIV como parte da rotina médica, como medir opeso e o açúcar no sangue.

“Queriasernormal”A explicação para o fenômeno que surpreende

pesquisadores e se repete em outros países não écerteira. A combinação de substâncias fortes que de-vem ser ministradas diariamente e, em muitos casos,mais de uma vez causa, no mínimo, incômodo aosindivíduos em qualquer idade. Os efeitos colateraisimediatos à ingestão variam entre enjoo, vômito, dorde cabeça, inflamação estomacal, forte gosto amar-go na boca e desânimo. O impacto não é somente fí-sico. A exposição que sofre o paciente que engolecápsulas grandes duas vezes ao dia gera perguntas e,como consequência, o preconceito e o isolamento. Aangustiante rotina é agravada pelos questionamen-tos e desejos comuns da adolescência.

“No começo, eu não quis aceitar. Queria sernormal, igual a todo mundo e decidi que não to-maria (os medicamentos). Eu não aceitava a doen-ça que eu tinha. Muita gente conversou comigo eeu voltei para o meu bem”, relata Giovana*, 17anos. O HIV foi transmitido a ela de maneira verti-cal, pela mãe soropositiva durante a gestação ou oparto. “De vez em quando, paro de tomar porqueeu ainda não aceito. Eu olho para as minhas ami-gas, as vejo fazendo tudo e eu aqui. Não dou contade aceitar.” As falhas no tratamento começarampor volta dos 13 anos, quando Giovana compreen-deu a dimensão e o significado de carregar consigoo traiçoeiro inimigo. Mesmo tendo tomado o co-quetel corretamente até então, o contra-ataque ar-quitetado pelo vírus foi avassalador.

Hoje, Giovana tem dificuldade na fala e precisado auxílio de um andador para se locomover. O cor-po magro está repleto de manchas que surgiramcomo consequência do ataque viral. “Quando euparo (de tomar os antirretrovirais), me sinto muitomal e não dou conta de fazer nada. Fico desarru-mada e decido que está na hora de tomar de novo.Tomo, fico quietinha uns dois dias e melhoro”, rela-

ta. A jovem, neste ano, não frequentará o ensinomédio por temer a reação dos outros jovens. “Es-

tava estudando, mas acho que as pessoas ti-nham muito preconceito comigo porque me

deixavam de lado. Ninguém queria brincarcomigo, me sentia muito só. Acho que, por

isso, fiquei muito depressiva.”Ela também atribui a baixa emocional à

morte do pai, que faleceu há pouco mais de umano em decorrência dos agravamentos da Aids.

A mãe, Sílvia*, 38 anos, foi infectada aos 18, mas sófez o exame que confirmou a sorologia no dia emque Giovana nasceu. O primeiro filho do casal nãotem o vírus. “Eu era muito jovem e, mesmo sabendoque ele era soropositivo, não procurei fazer o exa-me.” Ela acredita que a tendência da maioria dos so-ropositivos é esconder a condição. “A pessoa acabaentrando em depressão porque se vê sozinha. Quan-do esconde, exclui os amigos, a família. Ela se vê dife-rente de todos, como se fosse um extraterrestre.”

*Nomes fictícios em respeito aoEstatuto daCriança e doAdolescente.

Perigosa renúncia

O segredo faz parte da vida da grande maioria dossoropositivos. A exposição indesejada e o preconcei-to são duas grandes barreiras para que a pessoa in-fectada possa discutir a condição dela abertamentecom familiares, amigos, no ambiente de trabalho oumesmo com o(a) companheiro(a). A consequênciadesse temor também pode ser motivo de interrup-ção da terapia. Segundo a pesquisadora do Grupo deEstudos em Educação e Relação de Gênero, da Fa-culdade de Educação, da Universidade Federal doRio Grande do Sul, Jeane Félix, uma das grandespreocupações do jovem soropositivo é adquirir aaparência física clássica do portador, com rosto ecorpo muito magro, ou mesmo feições que o vinculeà doença, como a lipodistrofia. “É um medo geralporque não querem ser identificados.”

Félix dedicou um dos capítulos da tese de pós-doutorado ao significado para o adolescente de to-mar antirretrovirais, os efeitos do medicamento navida deles e as estratégias utilizadas para tomar a me-dicação quando a família não sabe do diagnóstico.Alguns trocavam o frasco do remédio e o substituíampor potes de vitaminas para a prática de exercíciosfísicos, por exemplo. “Em relação às mudanças no

Medo de serem identificados

Estudos divulgados no segundo semestredo ano passado pelo Instituto Emílio Ribas(SP) e o Hospital Universitário Gaffrée eGuinle (RJ) mostram que um a cada cincojovens abandona a terapia anti-HIV. A ati-tude dificulta o controle da doença,compro-mete o tratamento e aumenta o risco de re-sistência à medicação. A toxicidade dos me-dicamentos e os efeitos colaterais são osprincipais motivos apresentados pelos 581entrevistados, seguidos de problemas psico-lógicos — especialmente a depressão — e es-quecimento. Os dados foram levantadoscom adolescentes que estão em tratamento etêm entre 12 e 17 anos e também mostramque 20% dos jovens não fazem o tratamentoregularmente, faltando a consultas e inge-rindo os remédios incorretamente.

Tambémno Brasil

Para saber mais

corpo, ouvi bastante o medo de sofrer preconceito,discriminação em virtude da soropositividade ou deser abandonado pela família ou pelo companheiro.”

Outra característica reparada pela pesquisadorafoi a forma efêmera com que os jovens lidam com otempo. Era mais presente neles a vontade de viver oagora e de não pensar em sintomas que poderiamsurgir em 10, cinco anos ou mesmo nunca. “Ouvi demuitos jovens: ‘enquanto não aparecer nenhum sin-toma, nenhuma dor, infecção oportunista, nada queme obrigue a tomar o medicamento, eu não vou to-mar mesmo’”, relata.

Os pacientes de transmissão vertical tendem aapresentar outro tipo de característica. Jeane Félixconta a história de um soropositivo com cerca de 20anos que decidiu parar o tratamento usando a justifi-cativa de que tinha passado a vida inteira tomando ocoquetel e que queria saber como viveria sem essaobrigação diária. “O caso interessante de um meninototalmente informado que burla aquela história deque as pessoas têm falta de informação e, por isso,não tomam a medicação”, classifica. Poucos mesesdepois, ele precisou voltar à terapia devido ao agrava-mento dos sintomas. (BS)

É alto o número de jovens com HIV que não aderem ao tratamento. A decisão deixa o vírus mais ativo no corpo,aumentando o risco do surgimento de doenças oportunistas, e os torna mais propensos a infectar outras pessoas

“A dificuldade é a de todos os adolescentes,indivíduos que acham que nada vai acontecercom eles. Quando você observa um jovem detransmissão vertical que nunca teve nada, quetem uma convivência social, às vezes, tomarremédio, para ele, é algo que atrapalha. Ele

Falso vigorPalavra de especialista

Sob controle

Não se trata exatamenteda erradicação da doençaporque o vírus permanece

no sangue do paciente,mesmo que em

quantidadesmínimas equase indetectáveis.

Porém, o próprio sistemaimunológico é capaz de

controlar sozinho amultiplicação do vírus,

impedindo que qualquersintoma semanifeste.

tem medo dos efeitos colaterais, que tambémpodem revelar a existência do problema. Aadolescência é uma época mágica, de saúde evigor. Pensam: tudo bem, tenho HIV, mas eunão vou ficar doente. A grande questão é queele está doente, mas continua adolescente.”

MarinellaDellaNegra, infectologistado Instituto Emílio Ribas, vinculado àSecretaria de Estado da Saúde de SãoPaulo