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PERCURSOS DE FORMAÇÃO E DIDÁTICA: (CON)FLUÊNCIAS DA PEDAGOGIA, DA ADMINISTRAÇÃO E DA FILOSOFIA O presente painel apresenta três trabalhos de pesquisadores/as do Grupo de Estudos de Filosofia e Formação EFF, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus de Cuiabá. Cada um/a deles/as teve a sua formação inicial em uma área diferente do conhecimento, entretanto sua produção apresenta um eixo condutor comum, que pode ser traduzido em algumas questões fundamentais: Como podem ser articulados os percursos de formação dos sujeitos e a didática, de modo a se contribuir para a realização de práticas educativas que rompam com a mecanicidade de pedagogias meramente reprodutoras e que, portanto, não contestam o posto? Como desenvolver uma formação na escola, em seus diferentes níveis, que se articule à vida dos sujeitos que a compõem? Que estratégias e metodologias podem potencializar uma formação que articule aos currículos, criados a partir de Diretrizes Curriculares Nacionais, Projetos Pedagógicos institucionais e Planos de Ensino, as vivências dos/as educandos/as e educadores/as, de modo a considerá-los/as efetivamente como sujeitos da e não meramente sujeitos à prática educativa? Como desenvolver, enfim, uma formação que se dê em meio à vida, a nossa vida, que surge, rebenta, propaga, abunda, pulsa e ressoa em nós e em toda a parte, como nos ensinou Friedrich Nietzsche em Humano, demasiado humano e Silas Borges Monteiro na investigação otobiográfica? Para ensaiar possíveis respostas, os/as pesquisadores/as tomam diferentes rumos e constroem diversas possibilidades em seus estudos, incorporando e assumindo em seu pesquisar as suas próprias vivências como estudantes alunos nos diferentes níveis da educação formal e acadêmicos dos cursos de Filosofia, Administração e Pedagogia. É em meio à pesquisa, pesquisa que se dá em meio à vida, que os três trabalhos se encontram e confluem neste painel. Palavras-Chave: Didática, Formação, Modos de Ensinar e Aprender XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3268 ISSN 2177-336X

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PERCURSOS DE FORMAÇÃO E DIDÁTICA: (CON)FLUÊNCIAS DA

PEDAGOGIA, DA ADMINISTRAÇÃO E DA FILOSOFIA

O presente painel apresenta três trabalhos de pesquisadores/as do Grupo de Estudos de

Filosofia e Formação – EFF, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus

de Cuiabá. Cada um/a deles/as teve a sua formação inicial em uma área diferente do

conhecimento, entretanto sua produção apresenta um eixo condutor comum, que pode

ser traduzido em algumas questões fundamentais: Como podem ser articulados os

percursos de formação dos sujeitos e a didática, de modo a se contribuir para a

realização de práticas educativas que rompam com a mecanicidade de pedagogias

meramente reprodutoras e que, portanto, não contestam o posto? Como desenvolver

uma formação na escola, em seus diferentes níveis, que se articule à vida dos sujeitos

que a compõem? Que estratégias e metodologias podem potencializar uma formação

que articule aos currículos, criados a partir de Diretrizes Curriculares Nacionais,

Projetos Pedagógicos institucionais e Planos de Ensino, as vivências dos/as

educandos/as e educadores/as, de modo a considerá-los/as efetivamente como sujeitos

da e não meramente sujeitos à prática educativa? Como desenvolver, enfim, uma

formação que se dê em meio à vida, a nossa vida, que surge, rebenta, propaga, abunda,

pulsa e ressoa em nós e em toda a parte, como nos ensinou Friedrich Nietzsche em

Humano, demasiado humano e Silas Borges Monteiro na investigação otobiográfica?

Para ensaiar possíveis respostas, os/as pesquisadores/as tomam diferentes rumos e

constroem diversas possibilidades em seus estudos, incorporando e assumindo em seu

pesquisar as suas próprias vivências como estudantes – alunos nos diferentes níveis da

educação formal e acadêmicos dos cursos de Filosofia, Administração e Pedagogia. É

em meio à pesquisa, pesquisa que se dá em meio à vida, que os três trabalhos se

encontram e confluem neste painel.

Palavras-Chave: Didática, Formação, Modos de Ensinar e Aprender

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE FILOSOFIA:

POSSÍVEIS CAMINHOS

Domingos Sávio Duarte Melo (PPGE/UFMT)

Resumo

Nosso trabalho investiga os elementos pedagógicos propícios para o ensino e a

aprendizagem em Filosofia. Eles incluem a relação entre professor e aluno, atitudes,

estratégias, posturas para uma melhor assimilação do conteúdo. Esse estudo, que sofreu

algumas mudanças, é parte de uma pesquisa de especialização em filosofia concluída

em 2011, intitulada Elementos pedagógicos filosóficos no ensino da filosofia. Embora

esse trabalho seja resultado de uma pesquisa bibliográfica, ele foi pensado e gestado em

meio às interações em sala de aula com seus desafios, frustações e realizações.

Desafios esses que nos colocam em questão: como ensinar filosofia para que as aulas

sejam um convite para uma investigação filosófica? Como ter domínio e gestão no que

acontece no processo de ensino-aprendizagem? O domínio da História da Filosofia é

essencial ao filósofo. Mas o filósofo também é professor. Daí a necessidade de saber

articular os conhecimentos filosóficos com os saberes didáticos. A experiência mostra

que isso se dá de fato na sala de aula, na relação entre professor e aluno. Embora Celso

Antunes e Rubem Alves evidenciem um educar ligado ao afeto, Doug Lemov enfatiza

um ensinar voltado para a técnica, como ferramenta de ensinar. Entendendo estratégias

como os meios utilizados pelo professor para direcionar o aluno no processo de

aprendizagem e técnica como uma ação, um saber fazer, defendemos que esses recursos

podem contribuir para que o professor possa criar condições para o aprendizado de seus

alunos. Esse trabalho toma a teoria articulada à prática. Por isso, ele aponta de modo

bem específico para a ação, para o saber fazer, para prática que leva à excelência.

Palavras-chave: Estratégias de ensino. Técnicas de ensino. Ensino de filosofia.

1 Para início de conversa

O que é importante para que uma aula de filosofia seja significativa, para que

alcance o objetivo de construir sentidos a partir do que é ensinado? Como conduzir a

aula para ser um espaço de criação de pensamento? Mostraremos que algumas

condições são necessárias no ensino da filosofia, mas elas podem ser estendidas a outras

disciplinas escolares.

Há uma grande tendência em eleger o domínio do conteúdo/conhecimento por

parte do professor como resposta a essas indagações. Outros defendem que o

conhecimento de nada vale se não houver vocação para a docência. Há, ainda, os

adeptos da ideia de que nada adianta ter vocação e capaciadade se não houver um meio

atraente e eficaz de ensinar, pontuando aí a didática a ser empregada. Outros afirmam

que sem um relacionamento favorável e disciplina, nenhum dos elementos citados terão

êxitos.

Não sugerimos aqui a eleger uma única proposta para que o ensino e a

aprendizagem de filosofia tenham eficácia. Ou ainda, dar uma receita mágica impositiva

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para uma aula. Quanto a isso, não defendemos que exista um modelo. Aliás, isso jamais

existirá, uma vez que cada escola, sala de aula, aluno e professor tem as suas

particularidades. Pela experiência na docência e pelas bibliografias estudadas, cremos

que algumas condições auxiliam outras e que sem a colaboração de algumas o processo

pode ficar comprometido. Entendemos que para um professor de filosofia é

imprescindível o domínio da História da Filosofia, pois o filosofar, a criação e até

mesmo a crítica se faz a partir da tradição, mas por uma opção de recorte, este trabalho

não se preocupa em responder: o que ensinar, mas sim como ensinar. Por isso, a

pesquisa objetiva apontar algumas sucintas, pontuais estrátegias e técnicas que

possibilitem o ensino e a apredizagem, a fim de responder as indagações: como ensinar

nas aulas de filosofia? Como cativar os alunos para a investigação filosófica?

Com a metodologia bibliográfica, o presente trabalho procura reunir algumas

táticas sugeridas por estudiosos da temática, com o intuito de equacionar as dificuldades

na conducão do processo ensino-apredizagem.

2 Entre estratégia e técnica, o que dizer?

Segundo Anastasiou e Alves (2004, p.68) ―estratégia do grego “strategía” e do

latim “strategia” é a arte de aplicar ou explorar os meios e condições favoráveis

disponíveis, com vista à execução dos objetivos específicos. Técnica: do grego

“techinikós”, relativo à arte. Refere-se à arte material ou ao conjunto de processos de

uma arte, maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo‖. Embora a

primeira seja a mais usada nos meios educacionais, indicando os meios empregados

pelo professor para facilitar a gestão e o processo de aprendizagem dos alunos, não

podemos desconsiderar a segunda. Doug Lemov, especialista em efetividade do

aprendizado, em seu livro Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de

audiência, apresenta técnicas para que os professores sejam mais bem sucedidos em

fazer os alunos aprenderem. São dicas práticas do que acontece dentro da sala de aula,

fruto das observações que Lemov obteve de seus melhores professores. Para ele o livro,

―[...] é sobre as ferramentas necessárias para o ensino mais importante: o trabalho em

escolas públicas, especialmente as dos bairros periféricos, que atendem alunos nascidos

na pobreza [...]‖ (LEMOV, 2011, p.18). Enfatiza que para haver aprendizagem, a

didática do professor é muito importante. Uma didática relacionada com o saber fazer:

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Para mim, uma estratégia é uma abordagem generalista de problemas, um

jeito de informar decisões. Uma técnica é uma coisa que você pode dizer ou

fazer de forma específica. Se você é um velocista, sua estratégia pode ser

simplesmente correr o mais rápido que puder do começo até o final da pista;

sua técnica pode ser inclinar o corpo para frente em cerca de cinco graus à

medida que move suas pernas para cima e para a frente. Se você quer ser um

grande velocista, praticar e melhorar essa técnica vai lhe ajudar mais do que

melhorar sua estratégia. Afinal, é a técnica, não a estratégia, que faz você

correr mais rápido. E, como uma técnica é uma ação, quanto mais você

praticar, melhor você fica. (ibid., p.20).

3 Estratégias pedagógicas - A relação entre professor e aluno

“Cabe ao professor conhecer de perto seus alunos para estar familiarizado com os modos através dos

quais eles raciocinam. Conhecendo bem o pensamento dos alunos, ele está em posição de organizar a

situação de aprendizagem e, sobretudo, interagir com eles, ajudando-os a elaborar hipóteses pertinentes

a respeito do conteúdo em pauta, por meio de constante questionamento das mesmas.”

(DAVIS e OLIVEIRA, 1994, p.90).

Na graduação em geral os alunos procuram o Curso de Filosofia porque gostam.

Não há uma resistência nesse ensino, pois há uma identificação com os conteúdos por

opção pessoal. No Ensino Médio, a disciplina é de cunho obrigatório. Talvez esteja aí

um grande erro. Em grande parte, a formação de muitos professores desenvolve-se a

partir de suas experiências como aluno, seja na educação básica ou no ensino superior.

Segundo Alejandro Cerletti ―vai se aprendendo a ser professor desde o momento em

que se começa a ser aluno. Em grande medida, se é como docente o aluno que se foi.‖

(CERLETTI, 2009, p.55). A grande questão é saber se essas influências proporcionam

aos professores práticas criadoras ou perpetuam pedagogias tradicionais que

reproduzem o status quo. Nem sempre as metodologias empregadas no Ensino Superior,

são adequadas para a Educação Básica. Por isso, propomos algumas estratégias que

podem nos auxiliar no processo de ensino e aprendizagem da filosofia no Ensino

Médio.

Partimos da ideia de que a educação não pode ser conduzida pela coação, pelo

autoritarismo, pelo imperativo do conhecimento do professor. Lamentavelmente nossa

educação ainda guarda um pouco dos resquícios de uma educação tradicional, uma

educação em que o professor fala e o aluno cala, o mestre ensina e o aluno aprende.

Porém, através da humanização do ensino, isso pode mudar: ―Talvez tenhamos que

aprender a nos apresentar em sala de aula como uma cara humana, isto é, palpitante e

expressiva, que não se endureça na autoridade.‖ (LARROSA, 1999, p. 165). O

professor tem condições de ser autoridade sem ser autoritário. Nesse sentido, um bom

relacionamento com a turma é indispensável para a construção do conhecimento. Por

isso, cativar os alunos é condição necessária para que o ambiente de aprendizado seja

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frutífero. Envolver os alunos em suas aprendizagens é um grande desafio em meio a

uma juventude norteada por uma cultura televisiva, visual, utilitarista e virtual. Novas

maneiras de ensinar e novas formas de aprender são urgentes. Nesse sentido:

A escola precisa mostrar-se ―atraente‖ para o aluno, seus desafios precisam

ser vistos como excitantes, seus professores precisam ser descobertos não

apenas como amigos, mas também como companheiro da jornada do crescer

e do transformar-se. (ANTUNES, 2002a, p.100).

O bom relacionamento com os alunos: um ambiente pautado no afeto, na

amizade, na cumplicidade são terrenos propícios para que o saber filosófico venha

primeiramente ser lançando e aos poucos, na parceria entre professor e alunos ir sendo

cultivado aula após aula, a fim de que possa germinar vigorosamente e dar bons frutos.

A integração entre professor e aluno é fundamental para o êxito de qualquer

experiência educacional. Às vezes, a rigidez do ensino em que o professor tem um

roteiro preestabelecido de conteúdos para ministrar, um tempo reduzido em sala

(principalmente em filosofia, onde há uma aula por semana) também afasta a

possibilidade de envolvimento. O que se percebe no âmbito escolar é que o professor,

querendo impor a disciplina em sala, demonstra muito mais autoritarismo do que

autoridade. Essa postura pode evidenciar uma atitude de superioridade, de arrogância,

minguando qualquer possibilidade de parceria e cumplicidade no ensino. Percebe-se aí

uma visão de professor detentor da circunstância e do saber. Ao entrar na sala de aula,

sua postura já demonstra autoritarismo e sua fala reforça mais ainda sua relação de

poder e o aluno se mostra coagido perante o mestre, resultando assim no fracasso

escolar, podendo até gerar danos sérios a este aluno. Grossi (1992, p. 40) afirma que:

―falar sobre as relações de poder na escola, medo e prazer, desejo e liberdade também é

importante considerar vida e morte, e violência que é praticada por um sistema muitas

vezes perverso‖.

Um professor com um bom relacionamento com os alunos tem mais chances de

afetá-los, tornando mais instigante e atrativa a participação de cada um no ensino. O

espaço educativo no qual prevalecem essas condições, aprender e ensinar tornam-se

mais prazerosos tanto para o aluno, como para o professor, pois quanto maior o clima de

afeto, senso de humor, entusiasmo, mais agradável e interessante se tornarão as aulas.

Essas condições interpessoais baseadas no afeto, na cooperação, na amizade não querem

e nem podem sugerir que o espaço de construção do saber seja permissivo e sem regras

estabelecidas. Aliás, entre criar as condições de um clima descontraído e agradável e a

existência de um espaço que seja desregrado há uma linha muito tênue, podendo ser

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confundida com desordem, principalmente entre adolescentes que podem interpretar o

voto de confiança com ―posso fazer o que quiser.‖ Por isso, a disciplina é outra

estratégia que pode colaborar muito no ensino e na aprendizagem da filosofia.

A disciplina que queremos ressaltar não é somente aquela relacionada com a

autoridade do professor, com certas proibições, mas também como regras de

relacionamento, de produção de atividades, de administração do tempo, de organização

do espaço físico. Nessa perspectiva precisamos entender que:

Disciplina não é um conjunto de regras, regulamento e proibições rotineiras

pelas quais se controla o comportamento, embora muitas vezes seja

necessária uma série de procedimentos para assegurar a ordem e garantir um

ambiente de estudo eficaz, mas é aquela que permite a atuação dos alunos

numa escolha pessoal, desenvolvendo trabalhos ajustados às suas

necessidades fundamentais. (AMOS e OREM, 1968, p. 81).

Não podemos reduzir a disciplina a regras que levam uma turma a ficar quieta

ou a participar da aula quando interpelada pelo docente. No entanto, a ordem, a

organização quando não tratadas com devido cuidado podem atrapalhar na condução da

aprendizagem. Nesse sentido, Celso Vasconcellos reforça:

Sem autoridade não se faz educação; o aluno precisa dela, seja para se

orientar, seja para poder opor-se (o conflito com a autoridade é normal,

especialmente no adolescente), no processo de constituição de sua

personalidade. O que se critica é o autoritarismo, que é a negação da

verdadeira autoridade, pois se baseia na coisificação, na domesticação do

outro. (VASCONCELLOS, 2011, p. 22).

É recomendado encontrar artifícios que forneçam aos educadores instrumentos

para superar o problema da indisciplina na sala de aula, pois ela gera consequências

variadas no âmbito das relações entre professores e alunos e na aprendizagem.

Disciplina é indispensável. Por isso, o professor não é aquele que permite aos os alunos

fazerem o que bem entendem, mas aquele que tem flexibilidade para colocar normas de

forma aceitável, com mentalidade aberta, agindo de forma democrática, compreensiva e

acima de tudo, com firmeza e coerência. O professor que no primeiro dia de aula, expõe

seus critérios de condução das aulas e é coerente e firme naquilo a que se propõe, ganha

respeito e colaboração dos alunos. E ainda mais: pode conseguir dos líderes e dos que

têm voz ativa na turma uma parceria poderosa.

Numa aula de filosofia estruturada a partir do confronto conceitual, o aluno

precisa entender e respeitar a hora de opinar e refutar ideias. Se isso não ficar claro, a

sala de aula se transforma em um burburinho de vozes desorientadas e sedentas em

prevalecer uma sobre a outra. Saber a hora certa de falar e respeitar o ponto de vista

alheio contribui para a organização da sala de aula e para a disciplina do próprio aluno.

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O professor precisa superar o medo de exercer a autoridade. Isso ocorre porque

muitas vezes ele tem medo de entrar em conflito com os alunos, e não receber apoio da

escola diante de algum eventual conflito com os pais ou ainda de tornar-se um problema

para a escola. Se o professor não entender a docência com postura firme será

responsável pelas instabilidades oriundas da omissão de seus atos. É como sugere o

título do livro de Antunes (2002b), ―Professor bonzinho demais gera aluno difícil‖.

Celso Vasconcellos argumenta que a autoridade pedagógica possibilita a construção da

autonomia do outro. Autoridade entendida no seu sentido mais radical e transformador,

que é ―a capacidade de fazer o outro autor‖. Por isso, o professor com autoridade firme,

contribui para formação do aluno:

Em função disto, o professor deve viver esta eterna tensão entre a

necessidade de dirigir, orientar, decidir, limitar e a necessidade de abrir,

possibilitar, deixar correr, ouvir, acatar. Tal contradição é constante e não

pode ser anulada, apenas resolvida em diferentes momentos, tendo em vista

os objetivos do trabalho, sendo restabelecida logo em seguida em outro

patamar e contexto. ―O drama" é sempre este: ser o "porto seguro" e o "mar

aberto". É preciso que fique entendido, no entanto, que não se trata

absolutamente de caminhar conforme "os ventos sopram", de acordo com as

pressões do ambiente. Ser dialético não é isto; é agir de acordo com a

necessidade do grupo naquele momento e tendo em vista, com muita clareza,

os objetivos que se buscam, para ter critérios de orientação para a tomada de

decisão. (VASCONCELLOS, 2011, p. 22).

Outra tática que pode auxiliar o professor na condução das aulas de filosofia é a

atitude pedagógica que ele assume diante da disciplina que leciona. É indispensável

também que os professores não só tenham um domínio da sala de aula, mas que

demonstrem entusiasmo e paixão pela sua profissão. "Conte-me e eu vou esquecer.

Mostra-me e eu vou te lembrar. Envolva-me e eu vou entender". Usando as palavras de

Rubem Alves, essa afirmação de Confúcio encarna-se na prática docente como ―um

Anjo engravidante, que para engravidar, tem antes de ser Anjo Sedutor‖ (ALVES, 1999,

p.18) que torna o aprendizado fecundo. O professor tem que amar sua disciplina, assim

seu entusiasmo contagiará a sala onde estiver e os corredores por onde passar. O

fundador do Programa Filosofia para Crianças-Educação para o Pensar, afirma que os

professores não podem ser indiferentes à disciplina que ensinam:

Tem de amá-la, pois somente assim amarão descobri-las a cada vez que

ensinarem. E agora com esse prazer em redescobrir é que surgirá aquele

entusiasmo contagiante que faz vibrar as crianças, e que as motiva como

poucas outras coisas; podem fazer, pois elas reconhecem aí o convite para

participar de uma experiência de entendimento ou de encontro com

significado. As crianças só acham a educação uma aventura irresistível, se os

professores também a acharem; se as escolas de educação não são aptas a

formar professores com esse amor pelas disciplinas que lecionam, temos que

achar outros modos de preparar professores. ( LIPMAN, 1999, p. 45).

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Sabemos que ensinar nos tempos atuais é um desafio: professores mal

remunerados, violência e indisciplina nas escolas, infraestrutura em condições precárias,

desinteresse dos alunos em aprender, motivados em grande parte por uma sociedade

midiática e repleta de informações que seduzem e anestesiam a possibilidade dos jovens

pensarem de forma autônoma e crítica. É justamente em contrapartida a essas provações

que o professor deve encher-se de energia e não perder o ânimo e a paixão de ensinar.

Muitas vezes ouvimos professores que se queixam de sua profissão na frente dos

próprios alunos. Entram em sala como se lecionar fosse um suplício (e algumas vezes o

é). Quando não dizem nada, o próprio corpo revela um semblante cansado, insatisfeito,

frustrado. Não há como essa imagem não afetar negativamente o aluno e

consequentemente aprendizado. Se o professor não se encantar por seu ofício, não

cativará nenhum aluno. O aluno deseja sentir no professor uma alegria, uma paixão pelo

que faz:

Pois o que vocês ensinam não é um deleite para a alma? Se não fosse, vocês

não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os

seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer,

vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer

prazer, mas a comida saiu salgada e queimada... O mestre nasce da

exuberância da felicidade. E, por isso mesmo, quando perguntados sobre a

sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar uma absurda

resposta: ―Sou um pastor da alegria‖... Mas, é claro, somente os alunos

poderão atestar a verdade da sua declaração. (ALVES, 1994, p.10).

Nessa perspectiva, deve-se evitar o discurso: ―Sou o novo(a) professor(a) de

filosofia. E já vou avisando que a matéria é chata mesmo, mas nós vamos ter que

aprender!‖. Felizmente essa declaração representa muito pouco do corpo docente de

filosofia. Ela macula todo um esforço de recuperar a importância da filosofia no Ensino

Médio e da educação em geral. A palavra tem muito poder. E é ainda mais eficaz se

quem a pronuncia tem a plena convicção do que diz. Quanto a isso, o pensamento

judaico cristão é sábio: ―A boca fala daquilo que o coração está cheio‖. Se os mestres

demonstrarem paixão pelo que ensinam, deixarão impresso na memória de seus alunos

o testemunho e, principalmente, o valor de sua profissão, a importância de sua

profissão. É uma grande responsabilidade como afirma Rubem Alves: ―ensinar é um

exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos

aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre

jamais.‖ (ibid. ,1994, p.4).

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4 Possíveis caminhos - Gestão em sala de aula: uma questão de técnica

Tendo pontuado algumas posturas quanto às relações entre professor-aluno e

professor-matéria, focaremos agora em algumas breves técnicas que se estiverem

presente no cotidiano da sala que podem proporcionar ao professor conduzir melhor sua

aula. Pois são práticas, as ações que podem levar os professores ao aperfeiçoamento

constante de como ensinar melhor.

A primeira delas que destacamos é o planejamento. O planejamento de uma aula

de filosofia deve objetivar propostas que criam condições para envolver professor e

aluno nos debates e a consequente formação de raciocínio, espírito participativo e

crítico, hábito de reflexão e da produção própria conceitual.

As estratégias que apontamos anteriormente e as técnicas que iremos abordar

devem estar contempladas no planejamento, que precisa estar adequando à faixa etária,

às condições de aprendizagem da turma, aos casos particulares de dificuldades de

aprendizagem, às relações de disciplina e relacionamento com a turma, bem como aos

casos de necessidades especiais, a fim de favorecer a inclusão social.

O aluno espera que o mestre esteja disposto a estabelecer uma relação de

acolhimento, de ir ao encontro dele, de querer construir conhecimento. Por isso,

destacamos a pontualidade como segunda prática. Ser pontual é sinal de compromisso,

tanto do professor quanto do aluno. O atraso do professor pode predispor o aluno a

atitudes de desinteresse e descompromisso.

Quando os alunos se habituam ao atraso do professor, com as faltas do

mestre, a espera de sua aula é sempre a espera da conversa, bagunça, festa,

alegria. [...] Melhor mesmo é ninguém esperar por atraso e nem imaginar a

falta; nesse caso o cérebro já se organiza para a aula e as atitudes corporais

para a placidez. Um grande passo foi dado! (ANTUNES, 2002b, p.24).

Já em contato com os alunos, é de extrema importância que o professor divulgue

o cronograma da aula, nossa terceira prática. Deve evidenciar o que vai ser trabalhado,

em que momento, em quantas partes, e, claro, o objetivo da aula. Com essa perspectiva

de planejamento, o professor predispõe o aluno ao aprendizado e ao compromisso do

que se propôs a fazer.

Seja claro quanto aos objetivos da aula. Os alunos têm um melhor

desempenho quando compreendem tanto o propósito da aula com suas

expectativas de como devem agir e se comportar dentro de sua sala de aula.

Normalmente ocorrem problemas quando os alunos não têm clareza quanto

àquilo que devem fazer, como devem fazer e o que acontecerá se não

fizerem! As aulas devem ser contextualizadas – o que foi feito na aula

passada? O que se fará nesta aula? Onde isso levará o grupo e por que é

importante nesta disciplina especifica? (BUTT, 2006, p.77).

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No processo de aprendizagem, estabelecer um diálogo com o aluno sem saber

sua identidade, seu nome, seus anseios, pode transformar a conversa em algo maçante e

formal. A quarta prática é, então, conhecer o discente. Alguns alunos acham que seus

professores não os percebem em sala. Quanto interpelados pelo nome, sentem-se

valorizados, pois sabem que o professor não os ignora e que não é indiferente quanto a

sua existência. Isso cria um clima de atenção e interesse por parte dos alunos.

Em vez de fazer uma pergunta para toda a classe ou chamar somente quem

levanta a mão, o professor, chamando pelo nome, escolhe quem vai dar a resposta. Isso

ajuda a checar se os alunos aprenderam e, acima de tudo, se estão atentos:

Tente aprender e se dirigir aos alunos pelo nome (um mapa da sala de aula

ajudará). Alguns nomes você aprenderá rapidamente (talvez por razões

óbvias!). A gestão de sala de aula se torna muito mais fácil uma vez que você

possa se dirigir diretamente aos alunos pelo nome em vez de apresentar

comentários vagos ao grupo de alunos [ou chamá-los por menino, menina, ei

você!] (ibid, 2006, p.77).

A quinta prática é a relação do olhar. Além de afetuosa, é sinal de que o

professor encara seus alunos sem nenhuma insegurança. Todos os olhos devem estar

voltados para o professor. Isso é mais eficiente para controlar quem está prestando

atenção do que repetir um milhão de vezes ―prestem atenção agora, isso é importante‖

pelo simples fato de que o professor enxerga os olhos dos alunos. Um dos maiores

problemas enfrentados no cotidiano dos professores é que nem todos os alunos seguem

suas orientações. Sejam orientações de como realizar um exercício ou mesmo de um

aviso. Olhar nos olhos permite estabelecer vínculo com o aluno (LEMOV, 2011, p.181):

O quadro-negro é importante e não existe aula bem planejada que não o

utilize com sabedoria, mas constitui erro primário "grudar-se ao mesmo"

como quem fala apenas para um público distante. Dê aula com um olhar no

quadro e dois nos alunos. Olhos nos olhos não é apenas síndrome de paixão,

é procedimento didático de imenso valor. (ANTUNES, 2002b, p.27).

O movimento que o professor realiza durante a explicação do conteúdo pode

favorecer para uma aula mais atrativa. Sexta técnica. Enquanto explica a matéria ou

quando resolve um exercício, ele circula pela sala. Ao quebrar a barreira imaginária que

existe entre ele e os alunos, demonstra proximidade. Durante a caminhada, aproveita

para fazer perguntas individuais, corrigir ou elogiar um caderno, sugerir informações,

tirar dúvidas. Circular pela sala é ainda uma boa oportunidade para descobrir o que

acontece quando o professor está virado de costas para a turma, ao flagrar um álbum de

figurinhas aberto, um caderno sem registro ou um celular ligado (ibid, 2011, p.103).

Essa atitude mostra que o professor está atento a todos. Não se trata de ficar sempre

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vigiando os alunos, mas sim de perceber o que acontece com todos, não focando

somente naqueles que se sentam nos primeiros lugares da sala de aula.

Sétima prática: ―Não vale não tentar‖. Quando o professor dirige-se a um aluno

e lhe faz uma pergunta, é muito comum ouvirmos a resposta ―não sei‖. Essa resposta é

sinal de que muitas vezes o aluno não está atento à aula ou até mesmo de que não tenha

assimilado determinado conceito. O professor pode criar condições para não aceitar

―não sei‖ como resposta. Deve conduzir o aluno à resposta certa ou à melhor possível.

A cultura do ―não sei, do não consigo‖ é prejudicial, pois passa a impressão de que

alguns alunos não são capazes e pode indicar para aquele que não respondeu que ele não

precisa se esforçar, afinal, o professor vai deixar por isso mesmo. Com flexibilidade o

mestre, com a ajuda de outros colegas e contextualizando novamente a pergunta, volta

ao aluno inicial a fim de que ele responda, mantendo a expectativa de que todos na sala,

a qualquer momento, podem ser interpelados e deste modo contribuir para o bom

andamento da aula.

Existe ainda a organização da sala de aula. Destacamos aqui a penúltima prática.

Para que o professor circule livremente pela sala e contemple a todos com sua presença

é preciso que o espaço seja favorável. Por isso, as carteiras podem estar em círculo ou

organizadas de modo que se possa transitar entre os alunos. Um ambiente organizado

predispõe para uma organização mental. Permitir que os alunos sentem de qualquer jeito

em qualquer lugar, não indica nenhum compromisso com o saber. Ao ser indiferente a

isso, o professor pode deseducar. Com a orientação do professor, alunos passam a

entender que certas posturas como debruçar-se na mesa, colocar os pés onde quiser,

além de ser falta de educação, tende facilmente a levá-los à desmotivação. É bom que

eles assimilem essas orientações não como proibições, mas como condições para um

bom aprendizado. O corpo também precisa se dispor a aprender. Tudo isso precisa ser

compreendido como postura para a aprendizagem:

Desordem no espaço que se ocupa ocasiona desordem na cabeça! E essa

ordenação, esse "mapa de sala" - não necessariamente desenhado no papel,

mas por todos conhecidos - constitui fator central da boa disciplina. E sinta

que para a ele se chegar não é necessário autoritarismo e prepotência. Não

pode nascer de "fora para dentro". Uma boa conversa onde o professor coloca

o que pretende, mas acolhe sugestões dos alunos, pode fazer com que estes

descubram que regras se constroem e que democracia e civismo também se

treina. (ANTUNES, 2002b, p.26).

Nossa oitava e ultima técnica é estimular o registro no caderno. Existe a

tendência por parte dos alunos de não registrarem no caderno as informações passadas

no quadro ou as que forem surgindo ao longo das aulas, a partir do confronto de várias

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ideias. Acham que sua memória é capaz de guardar tudo, quando isso não é uma

desculpa para não registrarem ou elaborarem novas ideias. Isso fica ainda mais

recorrente quando os alunos têm acesso a livros didáticos. O registro possui uma

importância fundamental porque desenvolve a habilidade de selecionar e organizar

informações, bem como a de se preparar para discussões a partir do que foi anotado ou

criado por meio de perguntas instigantes. A ideia do ―todo mundo escreve‖ funciona

como planejamento mental: ―ponha seus alunos na trilha do argumento rigoroso, dando

a eles a oportunidade de pensar primeiro por escrito antes, de discutir. Como diz a

autora Joan Didion, escrevo para saber o que penso‖ (LEMOV, 2011, p.157). Dentre as

vantagens do registro destaca-se que: ―escrever refina os pensamentos, um processo que

desafia intelectualmente os alunos, engaja-os a melhorar a qualidade de suas ideias e de

sua redação‖ (ibid., 2011, p.158). É muito interessante e produtivo que o professor

estimule nos alunos a prática da anotação. Ele pode combinar com os alunos que todas

as aulas deverão ser registradas e que todo início de aula, seja feita a socialização dos

registros anteriores. No primeiro momento pode parecer imperativo, mas aos poucos a

naturalidade pode se estabelecer e a prática tornar-se uma grande ferramenta de

aprendizado para aluno e professor.

5 Conclusão

O ensino de filosofia não pode se desvincular dos elementos pedagógicos e

estratégicos do ensino em geral. Nessa perspectiva, ensinar levando apenas em conta as

teorias dos pensadores ao longo da História da Filosofia é no mínimo imprudente. Isso

acontece porque muitos professores de filosofia egressos da universidade dominam os

conteúdos filosóficos, mas são incapazes de articulá-los com a realidade dos alunos e de

gerir suas aulas. É preciso conhecimento filosófico, habilidades e estratégias ao

trabalhar os conteúdos requeridos pela disciplina, mas também é importante empregar

uma forma atraente para que o aluno seja cativado ao longo das aulas, a fim de criar seu

próprio pensamento. É importante considerar os procedimentos metodológicos

adequados, os instrumentos condizentes com a aprendizagem dos adolescentes e jovens.

As estratégias e técnicas aqui abordadas aproximam muitos mais da prática do que da

teoria. Como isso não foi ensinado na faculdade, o professor pode recorrer a elas sempre

que preciso. A educação, o aprendizado parece que acontece de fato em sala de aula, nas

interações entre professor e aluno, nos erros e acertos, na ação propriamente dita. Por

isso, requer do professor uma postura comprometida, um saber bem fundamentado, um

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saber fazer. É pela prática que se chega à excelência. Acreditamos que isso pode nos

ajudar a abrir caminhos para o ensino de filosofia com mais qualidade e maior

engajamento dos alunos.

6 Referências

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1999.p.18.

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Acesso em: 28 julho de 2011.

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TRANSFORMAR-SE EM POESIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIDÁTICA,

VIVÊNCIAS, PEDAGOGIA

Rubia Helena Naspolini Coelho Yatsugafu (PPGE/UFMT)

Resumo

São diversas as tomadas possíveis quando se pretende estudar os processos de formação

que se desenvolvem em uma sala de aula na Educação Superior. Na presente pesquisa

escolheu-se experimentar um novo gesto que se cria em uma articulação entre as

vivências de uma professora-pesquisadora e sua classe e os estudos realizados no Grupo

Estudos de Filosofia e Formação - EFF/UFMT, especialmente a investigação

otobiográfica. Este método de pesquisa, inaugurado por Silas Monteiro, a partir da

leitura cruzada de Nietzsche e Derrida, propõe-se a ouvir a vida a partir das produções

realizadas em múltiplos contextos, tomando como ponto a formação, entendida como

constituição de si: as vivências que ressoam ao longo deste processo e se fazem nele

presentes em forma de palavras, gestos, compreensões, significados. Para realizar a

pesquisa, foram trazidos aos encontros presenciais textos de literatura que provocassem,

a partir de dinâmicas, estudantes a pensarem sobre seus pensamentos, a saírem dos

gestos mecânicos que são reproduzidos na academia, a assumirem vozes localizadas na

primeira pessoa do singular e do plural. Não há planos predeterminados, apenas

conceitos que, conjuntamente, formam mapas e trilhas, a serem percorridas e

experimentadas em diferentes traçados e possibilidades. A analítica destas produções,

feitas em textos orais e escritos produzidos pelos sujeitos (estudantes e professora)

sugere/cria/indica rastros, ecos, ressonâncias de vivências de educandos/as-

educadores/as em formação; vivências que, embora muitas vezes ignoradas na proposta

pedagógica de curso, comparecem, decisivamente, no percurso de formação de cada

uma das pessoas e dos currículos vivenciados/criados/compreendidos.

Palavras-chave: Investigação otobiográfica. Pedagogia. Educação Superior.

1 Prelúdio

Pesquisar em ciências humanas com o compromisso de ultrapassar concepções

positivistas de educação é um desafio aos/às professores/as-pesquisadores/as. Como

lidar com aquilo que não está registrado evidentemente nas linhas? Como trabalhar com

aquilo que extravasa o papel e diz respeito às vivências das pessoas implicadas na

pesquisa? Como assumir-se enquanto criador/a de sentidos? Estas e outras questões se

colocam cotidianamente no pesquisar em educação.

Acredito que a investigação otobiográfica representa um dos caminhos

metodológicos que podem proporcionar àqueles envolvidos na pesquisa

perceber/escutar/interpretar as vivências que estão latentes nos textos e nas demais

expressões humanas a serem incorporadas na pesquisa. Daí decorre meu interesse em

estudá-la e, neste processo, estudar com ela. Por se tratar de um método relativamente

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novo na pesquisa em educação e devido a sua complexidade teórico-prática conceitual

(afinal a investigação otobiográfica se dá no encontro da Filosofia, da Literatura, do

Currículo, da Arte, da Pedagogia, da Psicologia…, enfim, da vida), este se constitui

como um campo fértil de estudo e como uma alternativa potente de pesquisa nas

ciências humanas.

As pesquisas que tenho desenvolvido têm ressonâncias diretas da minha

atividade no Grupo de Estudos de Filosofia e Formação (EFF/UFMT); do Doutorado

em Educação que realizo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); do

Doutorado em Literatura que frequentei na Universidade da Geórgia (UGA) nos

Estados Unidos; do Mestrado em Educação, da Especialização em Organização do

Trabalho Pedagógico Escolar e da Licenciatura em Pedagogia que cursei na

Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, finalmente, da minha experiência de

educadora, especialmente na UFPR, UGA e UFMT, na qual cotidianamente, com meus

alunos e minhas alunas, deparo-me com limites e possibilidades, gestos mecânicos e

potência, medo e sedução pelo novo.

Assim, a minha atividade de professora-pesquisadora, sujeito histórico que se

forma em um fluxo de vivências, dá-se a partir do encontro da Pedagogia, da Literatura,

da Psicologia e da Filosofia e das (minhas) traduções de conceitos destes campos a

partir dos embates travados cotidianamente com a teoria e dos diálogos estabelecidos

com meus pares. Assumo que pesquisar, como compreendido por Ghedin e Franco

(2015), ―é sempre navegar com direção‖, mas com cuidado, pois ―[c]ontentar-se com a

chegada é perder os significados que se vão engendrando nas paisagens multiformes do

trajeto‖ (p. 8-9). Ter direção, deste modo, não significa seguir traçados ou esquemas

engessados, mas sim dispor de um método e de uma metodologia de pesquisa que

possibilitem ao pesquisador e ao pesquisar perceber, operar, interpretar e criar com e a

partir do real. Retorno a palavra aos cientistas: ―Produzir conhecimento por meio de

uma pesquisa sistemática é criar as possibilidades de interpretar o mundo no seu

instante de criação. Ao produzir conhecimento, criamos o mundo, os mundos, as

interpretações, os significados, os sentidos e a própria existência de um modo de ser‖

(p.13). Retomo a palavra: ao fazê-los, nos fazemos; ao criá-los, nos criamos.

Ainda que sentidos sejam propostos/sugeridos/inventados, o que busco/amos

com maior apetite são as perguntas — quais questões podem orientar percurso/s

repleto/s de meandros e também de subjetividade/s, a partir do/s qual/is e no/s qual/is

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nós — esta professora-pesquisadora e os/as alunos/as — constroem coletivamente uma

prática pedagógica e, nela/com ela, se constroem.

2 Investigação otobiográfica: otobiografar, otobiogrifar, otobiocriar

Em suas pesquisas, Monteiro (2004, 2007, 2013, 2015) parte do conceito

derridiano de otobiografias, compreendendo que as vivências das pessoas podem ser

encontradas em seus escritos; para ouvi-las, realiza investigações otobiográficas, nas

quais procura pelas vivências de formação presentes nestes textos. A questão que

inicialmente movimentou o pesquisador foi uma interrogação deleuziana ―o que quer?‖

e, a partir dela, ―o que querem as forças das vivências ao produzir um texto, um escrito,

um conceito, uma idéia, uma teoria, uma interpretação etc.?‖ Ao pesquisador caberia

perguntar, então: ―Qual é a vida, a vontade, as vivências que são postas em movimento?

Quem fala? O que se quer, quando algo é dito?‖ (MONTEIRO, 2007, p. 478).

Nós, pesquisadores do EFF, em nossos movimentos, temos trabalhado no

sentido de superar a pergunta presente no pensamento de Deleuze e compor indagações

com o conceito derridiano de otobiografias: como é/seria ouvir? e como a vida é

grafada? Para ensaiar respostas a estas interrogações é preciso que o pesquisador aceite

o convite para entrar no labirinto da escritura, (algo que me parece) uma espécie de

(des)caminho, já que um espaço/tempo de se perder, sem um mapa pré-determinado,

para tentar encontrar alguma coisa tendo, para tanto, apenas chaves (conceitos) e

ouvidos.

O primeiro gesto otobiográfico de Monteiro em seu doutoramento — a escuta de

vivências de nove formandas do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade

Federal de Mato Grosso em seus trabalhos de conclusão de curso (―dossiês‖), tomou a

formação como constituição de si. A partir de sua leitura de Ecce homo de Nietzsche, o

pesquisador realizou a escuta das vivências das pedagogas em formação,

otobiografando-as em movimento — em vibração — com aquilo que chamou de

ressonâncias da Pedagogia, do Curso de Pedagogia da UFMT, da Filosofia e do

pesquisador.

A metáfora recriada por Monteiro é aquela que aparece em Nietzsche e é

reinventada por Derrida: o ouvido que escuta as vivências. Dois labirintos que se

interpenetram: o do ouvido humano e o do mito do Minotauro. Audição: ouvido, escuta,

percepção, sentido; interpretação. Escutar, na investigação otobiográfica, ―é percorrer o

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labirinto das significações das forças presentes na produção humana, nos escritos, na

autobiografia‖ (Idem, p. 481). Assim, aos meus ouvidos, investigar é, a partir das

vivências que se tem ou teve, dar sentidos, realizar gestos, criar interpretações;

traduções.

Aproprio-me da investigação otobiográfica inaugurada e transformo-a em gesto

de meu cotidiano em sala de aula. Professora-pesquisadora, crio uma ponte entre

didática e investigação otobiográfica, assumindo e imprimindo minhas/nossas

ressonâncias em meu/nosso fazer pedagógico ao otobiografar (verbo que invenciono)

em sala de aula, aceitando o convite de entrar nos textos orais e escritos de alunos e

alunas e, neles, ouvir ecos de vivências em labirintos duplos,

encontrando/criando/traçando caminhos, com o auxílio de conceitos reinventados a

partir da produção teórica de Nietzsche, Derrida, Monteiro (e Monteiro e EFF). No

percurso, cabe assumir que os ouvidos que escutam são de uma pesquisadora e que,

devido às ressonâncias, ao se otobiografar, autobiografa-se, auto/otobiogrifa-se,

auto/otobiocria-se; autografa-se.

3 Transforma-se em poesia na Educação Superior

No EFF, temos procurado indagar não o que é o currículo, mas ―o que ele

pode?‖, ―quem?‖, ―como?‖ e, a partir destas questões, nos aventurado nos labirintos da

escritura dos/as educadores/as em formação. Nesta prática, a literatura, como arte, tem

comparecido em sua potência: desestabilizadora de pensamentos e gestos mecânicos e

provocadora de assunção/criação de novos modos de ser e pensar. Ela, como escritura,

também é expressão de modos de ser e de se tornar o que se é. Por isso, em minhas

práticas educativas tomo com grande frequência textos literários como disparadores,

ainda que outros tipos de textos também sejam utilizados.

Na turma em que a presente pesquisa se desenvolveu tivemos um primeiro

encontro que foi chamado de ―Tornar-se poesia‖. Dele participaram alunos e alunas dos

terceiros e quartos anos do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato

Grosso. Em um primeiro momento, nos apresentamos brevemente. Em seguida, livros

de poetas e poetisas (como Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros, Vinícius

de Moraes, Fernando Pessoa e Florbela Espanca, dentre outros) foram distribuídos pela

nossa grande mesa de trabalho, de modo que cada aluno/aluna escolhesse ler o/s livro/s

que desejasse/m, percorrendo cada uma das obras livremente e podendo, caso achasse/m

conveniente, optar por outros títulos. Algumas das alunas revelaram ao fim do encontro,

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no meio de risos, mas quase em tom de confissão, que inicialmente, quando viram a

grande quantidade de livros disponibilizados, pensaram: ―lá vem a leitura!‖, ―lá vem a

tarefa!‖.

Por algum tempo, manipulamos as obras e lemos mentalmente alguns poemas.

Em seguida, solicitei que escolhessem um texto ou um trecho e lessem o mesmo para

todos nós. Cada um/a, inclusive eu, leu um ou dois trechos/poemas. As emoções de

quem lia e ouvia vinham à tona: risos, comentários, ouvidos que se espichavam, vozes

embargadas, mãos trêmulas e olhos cheios d‘água ou que, medrosos, desviavam-se.

Poesias escolhidas quase que por acaso e que, como toda boa literatura, como todo bom

texto, falam de/com todos nós.

Fiz, então, um convite: que se transformassem em poesia e, a partir dela, se

apresentassem ao grupo. Choveram perguntas do tipo ―como é pra fazer?‖, ―tem que

rimar?‖, ―tá certo assim?‖ e ―tá bom assim?‖, todas respondidas mais ou menos da

mesma forma: ―a poesia é sua/é você e você a faz como quiser‖. Todos aceitaram o

convite de produzir o texto, ainda que algumas alunas tenham expressado verbalmente

que não sabiam como fazer ou que não sabiam escrever; outras mencionaram a

dificuldade de escrever (em) ―eu‖. Entretanto, após poucos minutos, todos tinham

virado poesia. Propus, logo após, que cada um/a lesse em voz alta seu texto, conforme o

desejasse. Aceitaram novamente o convite. Eu também fui convidada pela turma a virar

poesia — e virei, ainda que de improviso.

Os rastros/traços da formação e da história de vida de cada um dos sujeitos

estava presente nos textos lidos e as vivências dos demais ressoavam junto com os ecos

que ouviam. Não tenho espaço para trazer aqui todos os textos, mas gostaria de

mencionar algumas das criações do encontro, a serem comentadas conjuntamente

devido à brevidade desta comunicação. Cabe destacar que o anonimato da autora do

primeiro poema é resguardado com a marca x:

Texto 1:

Essa sou eu

Chuto a porta e entro na sala

Bem se vê que nada me cala

A intensidade permeia a minha fala

Chocante, inquietante, por vezes

intransigente

Mas parto da premissa de que

A paixão é minha sina

O tesão é o que me inspira

Prazer eu sou a x.

Texto 2:

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CARREIRA

(os pontos da blusa)

Tempo, ela estica o tempo

T E M P O

Tempo tranquilo

Tempo leve

Tempo feito

Costura o tempo.

Texto 3:

Meu nome é Norma Alina

Não vem de menina marina

Ou de Normalinda

Ou de cara de lamparina […]

Esse nome é apenas

Uma herança

Vinda da minha avó.

Até já quis trocá-lo

Mas depois o aceitei

Pois herança é coisa

Chick e com ela me sinto rei. […]

Texto 4:

Sou ponta

ponto

laço

lança

traço

trança

Estes são apenas quatro dos quinze textos produzidos no encontro.

Compreendemos que os textos não estão prontos ao serem escritos, pois se constituem

no movimento da leitura, ou seja, na empatia, no embate, na luta entre as palavras e os

sentidos que lhe são dados, entre os sons e a escuta, a partir das possibilidades dos jogos

de palavras e de seus leitores; dos textos e dos contextos que somos/temos. Por isso,

quando lidos em voz alta pelos/as treze autores/as e por duas colegas quando faltaram a

voz para duas das autoras, os textos criados pela escrita foram recriados no momento

que foram declamados pelo/a leitor/a(-autor/a). Em cada leitura, ecos das vivências dos

autores ressoaram com repercussões de vivências dos/as educandos/as-educadores/as

em formação.

Ora, nas perspectivas de Derrida e Monteiro, são as vivências, a partir do

pensamento de Friedrich Nietzsche, que tornam os objetos do mundo acessíveis,

interpretáveis, traduzíveis. Além disso, se concordarmos com Barthes (2013) que ―a

nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só resta, por assim dizer,

trapacear com a língua, trapacear a língua‖ e que ―[e]ssa trapaça salutar, essa esquiva,

esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor permanente

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da linguagem‖ é justamente o que se chama ―literatura‖ (p. 17), podemos vislumbrar

que nos textos (literários, assinados por discentes e docentes e etc.), em função dos

disparos que podem ser/ter sido promovidos a partir dos textos provocativos com os

quais tiveram contato ou se relacionaram, em função mesmo da especificidade do

trabalho de escrever e da autoria, pode-se encontrar vontades de potência que falam de

suas superações (NIETZSCHE, 2008, p. 7) e, mesmo, escrituras que, para Barthes

(2013), são textos produtivos. Todos os textos produzidos em nosso encontro, não

apenas os até então citados, são potentes e trazem marcas de superações de seus autores,

como os fragmentos a seguir: 1) ―porque o conflito que há entre o que sou e o que

preciso ser, quem preciso me tornar, requer tamanha transformação‖; 2) ―fugindo de si;

/ sem ao menos saber onde ir‖; 3) ―Em meio a tantas escolhas, me escolhi. / Me conheci,

me cuidei e me apaixonei. Me apaixonei por / Mim‖; 4) ―Desde pequena era a vara / de

cutucar estrelas‖.

Ao ouvirmos os textos, colocamos nossas vivências em movimento, em

ressonância com os sons que reverberam no ar, o que indica alguma identidade entre o

que somos/estamos sendo, afinal, a partir ainda do pensamento de Nietzsche,―ninguém

pode ouvir nas coisas, inclusive nos livros, mais do que já sabe‖, pois ―[p]ara aquilo a

que não se tem acesso por vivência, não se tem ouvido‖ (1995, p. 53). Assim, a

literatura e nossos exercícios literários foram disparadores que trouxeram as nossas

vivências e as colocaram a ressoar com os conteúdos da prática educativa, resgatando-as

e recriando-as e, a partir disso, ampliando nossos repertórios e nossas capacidades de

escuta.

Nossa escolha pela literatura tem uma intencionalidade. Jacques Derrida disse,

em uma entrevista concedida a Evando Nascimento, que ―[o] espaço da literatura não é

somente o de uma ficção instituída, mas também o de uma instituição fictícia, a qual,

em princípio, permite dizer tudo‖ (2014, p. 49). Assim, um texto literário permite a

seu/sua autor/a ser e não ser e, como já apontamos em outro momento, se se pode, com

ele ou a partir dele, tudo dizer, pode-se, também, nada ou muito pouco dizer, afinal o

que um texto diz, ou melhor, o que se pode dele ou a partir dele dizer depende dos

ouvidos do/de um leitor ou, segundo Corazza (2013), do/de um escrileitor

(YATSUGAFU, 2015). Noutras palavras, as possíveis leituras de um texto dependem

das regras de seu jogo; dependem do phármakon (DERRIDA, 2005). Ler, no jogo

derridiano contém em si um gesto de escritura, pois escrita e leitura são cosidas e

descosidas, tendo sempre algo de quem escreve e algo de quem lê (YATSUGAFU,

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2015). O jogo da escritura se dá no jogo da vida — na vida inaugurada em Nietzsche:

pulsante e pululante (2008). A escritura é vida e phármakon.

Pensando ainda na escritura, vem-me à mente um trabalho escrito por Monteiro

e por mim (2014) no qual mencionamos a possibilidade dos sujeitos, na prática

pedagógica, descobrirem, desenvolverem, potencializarem os autores dentro de si,

incorporando os ecos de suas vozes ao conjunto de vozes/ecos que as precedem e as

sucedem. Destarte, é urgente renovar/revitalizar/(trans)criar os elementos do currículo e,

ao fazê-lo, revigorar nossas práticas e (trans)criar a nós mesmos; deformar-nos,

desconformar-nos, transformar-nos; formar-nos em meio à vida.

Nesse processo de formação, currículo e didática representam limites e

possibilidades; reprodução, desafio e (re)criação de conteúdos, arte, formação, vida…

4 Interlúdio

Finalizo esta comunicação com um interlúdio: um entre — entreato, interregno.

Lidar com textos e escuta otobiográfica implica em assumir que as possibilidades de

criação de sentidos são múltiplas e provisórias, pois se constroem no jogo próprio da

escritura. Neste sentido, a investigação otobiográfica foi a escolha metodológica para a

presente pesquisa justamente porque defendo que ela permite que nós, professores/as-

pesquisadores/as, estudemos os processos de formação que se desenvolvem em nossas

salas de aula, tomando os processos de constituição de si dos sujeitos da prática

pedagógica e ressoando, nos/a partir dos textos produzidos, os ecos de suas vivências,

de modo a colocar em xeque gestos mecanicamente reproduzidos ao longo da formação.

A partir da analítica dos quinze textos produzidos encontrei, assim como nas

demais atividades de pesquisa que desenvolvemos no/com o Grupo EFF, rastros/traços

de vivências dos sujeitos, no caso educandos/as, educadores/as em formação inicial e/ou

continuada. Isso indica que, ainda que usualmente as vivências sejam ignoradas nos

currículos e nas propostas de cursos realizadas nas instituições, tanto do ensino superior

como dos outros níveis de educação, suas ressonâncias precisam estar presentes de

forma consciente e intencional nas práticas pedagógicas, pois o percurso formativo de

cada um dos sujeitos faz parte do jogo de construção do currículo que por ele/a é

vivenciado/criado/compreendido.

Destarte, este texto é uma tentativa de compartilhar o ensaio de gestos

otobiográficos de uma professora-pesquisadora que procura convidar seus/suas

alunos/as a saírem da ―mesmice‖, a se arriscarem, a se aventurem, assumindo o risco da

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criação e da frustração como potências próprias da formação — formação em meio à

vida.

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DIDÁTICA PARA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: CONTEXTUALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR

Sandra Stockli Arantes (PPGE/UFMT)

RESUMO

O tema surgiu da vivência e observações em sala de aula, e da troca e compartilhamento

de informações e experiências com professores sobre a dificuldade de aprendizado dos

discentes na área de conhecimento da administração. Ensino estruturado e ofertado no

âmbito do capitalismo – regime baseado no lucro e propriedade privada – visualizado

pelas instituições muitas vezes como um negócio lucrativo em detrimento da melhora

da qualidade do ensino e aprendizagem. No contexto do tema, emergiu o problema da

pesquisa: A didática praticada no curso de Administração tem proporcionado formação

satisfatória para as necessidades do mundo do trabalho? Pesquisa realizada em uma

instituição de ensino superior inserida na cidade de Várzea Grande - MT restrita ao

curso de administração. Adotou-se em tal contexto a metodologia do estudo de caso. A

coleta de dados foi feita por meio de entrevista com questões abertas feitas junto ao

coordenador do curso, com a finalidade de conhecer a qualidade do processo de ensino

e aprendizagem. Pesquisa documental também foi realizada nos: PPC- Projeto

Pedagógico do Curso; Planos de Ensino e, Diretrizes Curriculares Nacionais-DCN’s.

Também foi realizada pesquisa bibliográfica para a construção do arcabouço teórico

com o intuito de dar entendimento à questão da formação para o mundo do trabalho. O

seguinte objetivo de pesquisa foi definido: Entender como o curso de Administração, da

área de conhecimento das ciências sociais aplicadas trabalha a didática para a formação

para o mundo do trabalho. Constatou-se que a despeito da didática operacionalizada,

ainda não é possível constatar o efetivo alcance do perfil do egresso construído por meio

de competências, portanto, existem dúvidas da eficácia da didática na formação para o

mundo do trabalho

Palavras - chave: Didática. Curso de Administração. Formação para o mundo do trabalho.

1 INTRODUÇÃO

Os cursos de Administração integrantes da área de conhecimento das ciências

sociais aplicadas que estão sendo ofertados em especial pelas instituições de ensino

superior privadas, estão em um contexto de massificação de ensino no âmbito do

sistema capitalista. Temos assim em um âmbito contemporâneo a adequação das

universidades a uma ótica economicista influenciada pelo novo paradigma produtivo.

(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI 2009).

O tema para elaboração da pesquisa surgiu da vivência na docência e

observações em sala de aula no âmbito do ensino, e da troca e compartilhamento de

informações e experiências com outros professores sobre a dificuldade de aprendizado

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dos alunos com atenção a didática aplicada destacando-se a atuação professor em tal

situação face à necessidade de preparar adequadamente para o mundo do trabalho.

Ensino estruturado e ofertado no âmbito do capitalismo – regime baseado no

lucro e propriedade privada – visualizado pelas instituições muitas vezes como um

negócio lucrativo em detrimento da melhora da didática.

É preciso entender no âmbito da didática de ensino a necessidade de

entendimento e atendimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,

CNE/CES, 2005) o alcance das 8 (oito) competências previstas nas referidas diretrizes

que contemplam obrigatoriamente, o perfil do egresso. Assim a didática é efetiva com o

alcance desse perfil o que significa certificar no processo as competências estabelecidas.

Além de que, competências significam avaliar e estabelecer métricas para:

conhecimento, saber fazer e saber agir, tal situação, implica em aulas teóricas e

práticas, portanto o uso de metodologias ativas. Mas, o mais importante professores

preparados para o uso dessas metodologias.

A partir do tema definiu-se o seguinte problema de pesquisa: A didática

praticada no curso de Administração tem proporcionado formação satisfatória para as

necessidades do mundo do trabalho?

Emerge, portanto, a seguinte hipótese: A didática de ensino por meio da

aplicação de metodologias ativas com professores preparados aplicando avaliações, para

a certificação das competências previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais garante

o alcance do perfil do egresso e, consequentemente o atendimento das necessidades

profissionais do mundo do trabalho.

O seguinte objetivo foi definido: Entender como o curso de Administração da

área de conhecimento das ciências sociais aplicadas trabalha a didática para a formação

para o mundo do trabalho.

Justifica-se pesquisar sobre a didática, uma vez que nos remete ao

aprofundamento e detalhamento do processo envolvendo desde a definição do perfil do

egresso por meio das orientações emanadas das DCN‘s a definição e aplicação de

metodologias e avaliações para a garantia da formação do futuro administrador e o

papel do professor no processo como mediador e facilitador dele. Como também, o

cuidado no preparo do professor pela instituição de ensino para eficácia dos resultados

efetivamente esperados no processo.

É relevante pesquisar a didática no ensino, pois contempla a análise se ocorre

efetivamente o alcance do perfil do egresso definido no PPC – Projeto Pedagógico do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Curso e, portanto, que a formação de um administrador é efetiva para o mundo do

trabalho.

Para efeito da pesquisa adotou-se o método do estudo de caso em uma

instituição de ensino superior inserida na cidade de Várzea Grande - MT, restrita a um

curso integrante da área de conhecimento das ciências sociais aplicadas.

O resultado da pesquisa não pode ser transportado para uma definição de

ocorrência em âmbito maior do que foi contemplado. Procurou-se entender melhor a

didática aplicada no curso de Administração de forma a verificar se ocorre formação

efetiva para o mundo do trabalho para atender o perfil dos egressos previstos no PPC –

Projeto Pedagógico de Curso.

O artigo está estruturado em cinco grandes tópicos, sendo o primeiro, que

contempla a introdução. O segundo, o referencial teórico. O terceiro, referente à

metodologia. O quarto contempla os resultados das pesquisas. O quinto contempla as

considerações finais do estudo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO E O PROBLEMA DO PROFESSOR

A partir da forte expansão da educação superior nacional tendo como referência

a instituição da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) ocorre a mercantilização do ensino

brasileiro com a efetividade da privatização isto é, a ênfase em instituições de ensino

particulares que atendem à demanda de massa por educação a preço acessível. Demanda

que implica em um recrutamento acentuado de professores. Mas uma consequência da

ação é a degradação do trabalho na educação a precarização das relações de trabalho

entre professores e a instituições de ensino superior.

A educação torna-se mais um produto de mercado tornando-se um processo de

subordinação da educação aos interesses de mercado. A opção brasileira para o

crescimento de seu ensino superior foi feita por meio de instituições de ensino

particulares. Mas as práticas das relações de trabalho entre as instituições e os

professores são reflexos das políticas neoliberais e mercantilistas.

O compromisso de uma instituição superior de ensino desloca-se para obstinação

do lucro e detrimento a qualidade de ensino. No caso das grandes fusões de instituições

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de ensino particulares os professores tornam-se reféns dos processos de vendas e fusão

(NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015).

O certo é que as condições de expansão do ensino superior sem atenção e

qualidade da ação do professor não produz um professor reflexivo que se aperfeiçoa o

qual Perrenoud (2002, p. 43-44) define como: ―Um ‗professor reflexivo‘ não para de

refletir a partir do momento em que consegue sobreviver na sala de aula, no momento

em que consegue entender melhor sua tarefa e em que sua angústia diminui‖.

Os cursos de Administração no Brasil que estão entre os maiores da área de

conhecimento das ciências sociais aplicadas, na análise de De Paula e Rodrigues (2006),

são os que tem conteúdos e métodos pedagógicos no que se refere à ―mercantilização‖

do ensino.

Nas últimas décadas no território brasileiro ocorreu massificação no ensino,

relacionada em grande parte pela expansão do setor privado ocasionando o que

podemos chamar de universidade mercantil. Tal contexto impõe-se severa crítica em

especial aos professores que passam a entreter os alunos com metodologias não

confiáveis. A ênfase que deveria ser em gestão é pouco respaldada por pesquisas

científicas oriundas das publicações na área, portanto, sofre críticas devido

superficialidade. Predomina as produções estrangeira o que ocasiona referenciais sem

sintonia com a realidade brasileira.

Má qualidade é a acusação recorrente do ensino em administração, mas faltam

dados concretos para que se possam entender as efetivas causas dessa imagem

(FLEURY, 1983). Para sair da acusação de má qualidade o ensino de administração no

Brasil precisa ser reinventado passando a questão pelo professor em sala de aula. Khan

(2013, p.39) contempla que, ―A falha em relacionar tópicos do currículo escolar com

sua eventual aplicação no mundo real é uma das deficiências centrais do nosso

fragmentado modelo de sala de aula [...]‖.

Diferenças de qualidade entre cursos de graduação em administração remetem o

questionamento se todos são capazes de formar pessoas qualificadas para os cargos

gerenciais das organizações. Assim se fez necessária dentre as inúmeras estratégias a

serem adotadas unidades curriculares críticas na formação do administrador como

também, materiais didáticos e metodologias de ensino que sejam eficientes ao ministrar

tais unidades curriculares com os resultados esperados (CASTRO, 1981).

2.2 A DIDÁTICA: METODOLOGIAS ATIVAS E COMPETÊNCIAS

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Na didática aplicada para o alcance do perfil do egresso constituído de

competências a serem alcançado em um curso em consonância com o que estabelece o

PPC e operacionalizado pelos planos de ensino das unidades curriculares, verificamos

que as metodologias adotadas pelo professor são um instrumento facilitador nesse

processo de construção entre elas as metodologias ativas que são formas de

desenvolvimento da aprendizagem com experiências reais com o intuito de solucionar

com sucesso os desafios apresentados em diferentes contextos que leva em consideração

a aprendizagem para a autonomia discente (BERBEL, 2011).

Como exemplos de metodologias ativas, podemos pontuar duas: a aprendizagem

baseada em projetos e o ensino por meio de solução de problemas onde nossa prática

enquanto professores é favorecer para os alunos nas atividades de ouvir, perguntar,

discutir, fazer e ensinar, pois a aprendizagem ativa ocorre por meio da interação do

aluno com o assunto em estudo ocorrendo, portanto, a construção do conhecimento e

não somente a transferência de informação do professor ao aluno (BARBOSA;

MOURA, 2013).

No âmbito da didática aplicada no que tange à construção de competências as

metodologias ativas centradas no aluno são formas eficazes de construção (KULLER;

RODRIGO, 2013). Os autores complementam que ―Para o desenho da metodologia de

desenvolvimento de competências, foi considerado o conjunto de métodos ativos‖.

(p.75)

Temos em Perrenoud (1999, p.35) um entendimento e reflexão para o alcance de

competência no contexto das metodologias ativas, ―Uma competência pressupõe a

existência de recursos mobilizáveis, mas não se confunde com eles, pois se acrescentam

aos mesmos ao assumir sua postura em sinergia com vistas a uma ação eficaz em

determinada situação complexa‖.

Entender a dinâmica da didática, o processo de ensino e aprendizagem com o

uso de metodologias ativas para a construção do perfil do egresso baseado em

competências é termos a certeza do preparo para o mundo do trabalho.

3 METODOLOGIA

O método do estudo de caso foi usado e, de acordo com Lima (2008, p. 34), ―[...]

corresponde a uma das formas de realizar pesquisas empíricas de caráter qualitativo

sobre um fenômeno em curso e em seu contexto real‖. A autora complementa que ―[...]

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a adoção desse método [...] viabiliza imersão integral, profunda e minuciosa do

pesquisador na realidade social investigada‖ (p.34).

Técnica de coleta de dados: adotou-se entrevista com o coordenador do curso de

graduação em Administração, caracterizada como totalmente estruturada. O

questionário para a entrevista constou de questões abertas. A entrevista proporcionou

explorar a experiência profissional e acadêmica do coordenador de curso no ensino de

administração que também é membro do NDE – Núcleo Docente Estruturante do curso,

avaliador bem como INEP/MEC para autorização, reconhecimento e revalidação de

reconhecimento de cursos a nível Brasil.

A pesquisa foi realizada no curso de graduação em Administração pertencente a

um centro universitário de ensino particular baseada na Grande Cuiabá – MT, com

oferta de vagas tanto para o período matutino e noturno. A pesquisa foi realizada

durante o mês de fevereiro de 2016.

Para análise histórica foi feita uma pesquisa documental que para Lima (2008, p.

57) ―[...] figura recurso metodológico indispensável quando o pesquisador necessita

explorar temas ou aspectos do tema que recuperam dimensões históricas da realidade‖.

Três foram os documentos analisados: as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso

de Graduação em Administração bacharelado (2005), o PPC – Projeto Pedagógico de

Curso (2016) e, a estrutura do Plano de Ensino (2016) aplicado nas unidades

curriculares do curso.

Também foi feita a pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (1996, p. 48) ―[...] é

desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de principalmente de livros e

artigos científicos‖.

E ainda observações das práticas educacionais no âmbito do plano de ensino:

junto aos professores e membros do NDE – Núcleo Docente Estruturante e sobre a

didática na prática com foco nas metodologias ativas.

4 R

ESULTADOS DAS PESQUISAS

4.1 ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO CURSO

- Como se concretiza a didática no curso de graduação Administração?

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―No âmbito de um curso de Administração é preciso entender alguns aspectos, pois tudo

emana do PPC – Projeto Pedagógico do Curso construído tomando-se com ponto

fundamental as DCN’s - Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em

Administração bacharelado definida pelo CNE conforme Resolução N° 4, de 13 de

julho de 2005. E o alinhamento do documento é feito com dois documentos estratégicos

da nossa instituição de ensino o PDI – Projeto de Desenvolvimento Institucional o seu

‗planejamento estratégico‘ e, o PPI – Projeto Pedagógico Institucional que define a

filosofia educacional da instituição isto é, a forma como ela entende e pratica a

educação.‖

- Qual a efetiva importância do perfil do egresso definido no PPC – Projeto Pedagógico

do curso de graduação em Administração?

―Ele contempla as condições mínimas para que o administrador possa ingressar

preparado para o mundo do trabalho e o viver em sociedade no âmbito de uma profissão

regulamentada por Lei, uma vez que sua carreira profissional irá adquirir novas

competências ao longo da vida profissional que são aquelas exigidas em determinados

contextos organizacionais em um mundo do trabalho em constantes mudanças e

incertezas, como por exemplo, a crise econômica que estamos vivenciando.‖

- Você tem certeza que a didática no curso de graduação em Administração é bem

sucedida no alcance do perfil do egresso?

―Não é uma resposta simples nem posso fazer uma afirmativa concreta a despeito de

termos projetado em nosso curso uma estrutura curricular inovadora que alia teoria com

a prática, ênfase em empreendedorismo, com especial destaque para os projetos

integradores 6 (seis) durante o curso, além do uso de metodologias ativas, temos

projetada uma boa formação para o mundo do trabalho e o viver em sociedade que é a

formação integral. Mas é importante frisar que a determinação do processo de ensino é

feita pelo professor da unidade curricular com sua ‗experiência‘ em metodologias ativas

e no ensino de Administração.

4.2 ANÁLISE DOCUMENTAL

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4.2.1 Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração,

bacharelado

Descritas bases suficientes para a construção de um PPC – Projeto Pedagógico

de Curso, proporcionando as condições de se estabelecer a didática para um curso de

graduação em Administração.

4.2.2 PPC – Projeto Pedagógico de Curso, grades: 2012/2° e 2016/1º.

As (quinze) competências planejadas e descritas no projeto estão identificadas

ao longo dos (quatro) anos do curso, em cada intenção formativa anual. As 8 (oito)

definidas nas diretrizes curriculares estão identificadas nos projetos.

No que se refere ao perfil do egresso, o projeto explicita o mesmo por

competências, tanto das diretrizes como as emanadas no referido projeto.

As condições permitem, com segurança, a identificação e implementação dos

processos de ensino e aprendizagem, nas duas grades.

4.2.3 Plano de Ensino

As metodologias adotadas aula a aula, são definidas pelo professor da unidade

curricular.

Campos para adição das competências previstas nas diretrizes curriculares

nacionais e as previstas no PPC, são definidos. Observou-se no desenvolvimento dos

conteúdos aula a aula, obrigatoriedade de desmembramento do saber conceitualmente

(qualificação) – conhecimento; saber fazer (experiência funcional) – habilidade; saber

agir (capacidade de obter resultados) – atitude, conforme o conceito de competência

apregoado por Fleury e Fleury (2001) e, adotado pelo curso de Administração. Como

também, o conteúdo dividido em teoria (%) e prática (%).

4.3 OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS EDUCACIONIAS

4.3.1 Plano de ensino

- Observaram-se dificuldades dos professores em sua elaboração e preenchimento.

- Os membros do NDE – Núcleo Docente Estruturantes possuem duas dificuldades: 1)

para validação de muitos planos de ensino; 2) não conseguem validar no tempo previsto

para o semestre letivo.

4.3.2 Metodologias ativas

- Uma parcela significativa dos professores não consegue colocar em prática, com

efetividade, metodologias ativas.

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- Somente nos projetos integradores, a metodologia ativa, aprendizagem baseada em

projeto, ocorre com efetividade, entretanto, ainda não existe métrica confiável, para a

certificação das competências previstas.

- Nem todos os professores conhecem a prática de metodologias ativas e/ou, foram

capacitados nelas, a despeito de programa de capacitação implementado pela instituição

de ensino e as reuniões de trabalho organizado e conduzido pela coordenação de curso.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de entrarmos no mérito dos resultados da pesquisa é fundamental

entendermos o contexto do ensino de Administração no Brasil, que a despeito de sua

grandiosidade em termos de cursos ofertados e números de alunos – uma dimensão

numérica representativa - são considerados excetuando-se casos isolados, ensino de

qualidade educacional duvidosa em especial os ofertados pela iniciativa privada que

representa a sua maioria. Inserem-se na chamada massificação de ensino e a

mercantilização com um agravante da fraca tentativa de recorrer-se a pedagogia crítica

no ensino de administração. Trata-se, portanto, de uma inserção na educação como

simples negócios. A questão possui agravante em especial quando se trata dos

professores que ministram aulas no ensino de administração, nem sempre com boa

formação e capacitação para as práticas e metodologias que deveriam ser usadas – uma

relação profissional nem sempre pautada para o objetivo da qualidade de ensino -

Talvez seja à hora do ensino de administração desestrutura-se como ensina (DEMO,

2012, p.1), ―Aprendi com teorias da aprendizagem e, sobretudo, com práticas

pedagógicas [...] que, para aprender, é preciso desestruturar-se, desconstruir-se, refazer-

se‖.

O problema da pesquisa, assim definido: A didática praticada no curso de

Administração tem proporcionado formação satisfatória para as necessidades do mundo

do trabalho? Na resultante da pesquisa pelos resultados obtidos, conduzem que não

existe total garantia que a didática aplicada a despeito dos esforços feitos, tem

proporcionado formação satisfatória para o mundo do trabalho.

Em tal contexto a hipótese desenvolvida: A didática no curso de Administração

por meio da aplicação metodologias ativas com professores preparados aplicando

avaliações para a certificação das competências previstas nas Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Administração bacharelado garante o alcance do

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perfil do egresso e consequentemente, o atendimento das necessidades profissionais do

mundo do trabalho não se concretiza.

Deve ser ressaltado que a pesquisa feita no curso de Administração revelou a

atenção e cuidados que são considerados tanto com relação às DCN’s do Curso de

Administração bacharelado incorporadas ao PPC. Como o perfil do egresso sendo

importante para o exercício profissional do administrador ao ingressar no mundo do

trabalho

O curso contempla sólidas informações no seu PPC documento gestor do curso

que serve para orientar os planos de ensino das unidades curriculares no dia a dia em

sala de aula.

O curso também contempla avaliação aos moldes do ENADE definidas em

consonância com resolução institucional específica não somente para preparar seus

alunos para o ENADE, mas também porque tais questões são idealizadas tomando-se a

atenção as competências das diretrizes curriculares nacionais servindo também, como

instrumento de avaliação e certificação das competências previstas no perfil do egresso.

Assim pela pesquisa constatou-se que o objetivo do estudo foi alcançado:

Entender como o curso de Administração da área de conhecimento das ciências sociais

aplicadas trabalha a didática para a formação para o mundo do trabalho. Foi alcançado

uma vez que foi possível entendimento total das práticas educacionais que são feitas.

A didática aplicada com processo de ensino e aprendizagem com o uso de

metodologias ativas e perfil do egresso construído por competências revela ser uma

tarefa difícil, pois envolve entendimento conceitual, usos de metodologias de ensino que

propiciem o equacionamento de teoria com a prática para o mundo do trabalho,

docentes com experiência e capacitados e instrumentos de avaliação com eficácia para a

certificação de competência, isto é, a garantia do seu alcance pelo aluno.

A pesquisa não teve a pretensão de esgotar a questão sobre a didática aplicada,

projetada e implementada por meio do PPC. Portanto, a pesquisa possui limitações

recomendando-se, portanto, novos estudos com outras amplitudes que envolvam os

professores e alunos do curso.

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