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PERCURSOS DE FORMAÇÃO E DIDÁTICA: (CON)FLUÊNCIAS DA
PEDAGOGIA, DA ADMINISTRAÇÃO E DA FILOSOFIA
O presente painel apresenta três trabalhos de pesquisadores/as do Grupo de Estudos de
Filosofia e Formação – EFF, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus
de Cuiabá. Cada um/a deles/as teve a sua formação inicial em uma área diferente do
conhecimento, entretanto sua produção apresenta um eixo condutor comum, que pode
ser traduzido em algumas questões fundamentais: Como podem ser articulados os
percursos de formação dos sujeitos e a didática, de modo a se contribuir para a
realização de práticas educativas que rompam com a mecanicidade de pedagogias
meramente reprodutoras e que, portanto, não contestam o posto? Como desenvolver
uma formação na escola, em seus diferentes níveis, que se articule à vida dos sujeitos
que a compõem? Que estratégias e metodologias podem potencializar uma formação
que articule aos currículos, criados a partir de Diretrizes Curriculares Nacionais,
Projetos Pedagógicos institucionais e Planos de Ensino, as vivências dos/as
educandos/as e educadores/as, de modo a considerá-los/as efetivamente como sujeitos
da e não meramente sujeitos à prática educativa? Como desenvolver, enfim, uma
formação que se dê em meio à vida, a nossa vida, que surge, rebenta, propaga, abunda,
pulsa e ressoa em nós e em toda a parte, como nos ensinou Friedrich Nietzsche em
Humano, demasiado humano e Silas Borges Monteiro na investigação otobiográfica?
Para ensaiar possíveis respostas, os/as pesquisadores/as tomam diferentes rumos e
constroem diversas possibilidades em seus estudos, incorporando e assumindo em seu
pesquisar as suas próprias vivências como estudantes – alunos nos diferentes níveis da
educação formal e acadêmicos dos cursos de Filosofia, Administração e Pedagogia. É
em meio à pesquisa, pesquisa que se dá em meio à vida, que os três trabalhos se
encontram e confluem neste painel.
Palavras-Chave: Didática, Formação, Modos de Ensinar e Aprender
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE FILOSOFIA:
POSSÍVEIS CAMINHOS
Domingos Sávio Duarte Melo (PPGE/UFMT)
Resumo
Nosso trabalho investiga os elementos pedagógicos propícios para o ensino e a
aprendizagem em Filosofia. Eles incluem a relação entre professor e aluno, atitudes,
estratégias, posturas para uma melhor assimilação do conteúdo. Esse estudo, que sofreu
algumas mudanças, é parte de uma pesquisa de especialização em filosofia concluída
em 2011, intitulada Elementos pedagógicos filosóficos no ensino da filosofia. Embora
esse trabalho seja resultado de uma pesquisa bibliográfica, ele foi pensado e gestado em
meio às interações em sala de aula com seus desafios, frustações e realizações.
Desafios esses que nos colocam em questão: como ensinar filosofia para que as aulas
sejam um convite para uma investigação filosófica? Como ter domínio e gestão no que
acontece no processo de ensino-aprendizagem? O domínio da História da Filosofia é
essencial ao filósofo. Mas o filósofo também é professor. Daí a necessidade de saber
articular os conhecimentos filosóficos com os saberes didáticos. A experiência mostra
que isso se dá de fato na sala de aula, na relação entre professor e aluno. Embora Celso
Antunes e Rubem Alves evidenciem um educar ligado ao afeto, Doug Lemov enfatiza
um ensinar voltado para a técnica, como ferramenta de ensinar. Entendendo estratégias
como os meios utilizados pelo professor para direcionar o aluno no processo de
aprendizagem e técnica como uma ação, um saber fazer, defendemos que esses recursos
podem contribuir para que o professor possa criar condições para o aprendizado de seus
alunos. Esse trabalho toma a teoria articulada à prática. Por isso, ele aponta de modo
bem específico para a ação, para o saber fazer, para prática que leva à excelência.
Palavras-chave: Estratégias de ensino. Técnicas de ensino. Ensino de filosofia.
1 Para início de conversa
O que é importante para que uma aula de filosofia seja significativa, para que
alcance o objetivo de construir sentidos a partir do que é ensinado? Como conduzir a
aula para ser um espaço de criação de pensamento? Mostraremos que algumas
condições são necessárias no ensino da filosofia, mas elas podem ser estendidas a outras
disciplinas escolares.
Há uma grande tendência em eleger o domínio do conteúdo/conhecimento por
parte do professor como resposta a essas indagações. Outros defendem que o
conhecimento de nada vale se não houver vocação para a docência. Há, ainda, os
adeptos da ideia de que nada adianta ter vocação e capaciadade se não houver um meio
atraente e eficaz de ensinar, pontuando aí a didática a ser empregada. Outros afirmam
que sem um relacionamento favorável e disciplina, nenhum dos elementos citados terão
êxitos.
Não sugerimos aqui a eleger uma única proposta para que o ensino e a
aprendizagem de filosofia tenham eficácia. Ou ainda, dar uma receita mágica impositiva
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para uma aula. Quanto a isso, não defendemos que exista um modelo. Aliás, isso jamais
existirá, uma vez que cada escola, sala de aula, aluno e professor tem as suas
particularidades. Pela experiência na docência e pelas bibliografias estudadas, cremos
que algumas condições auxiliam outras e que sem a colaboração de algumas o processo
pode ficar comprometido. Entendemos que para um professor de filosofia é
imprescindível o domínio da História da Filosofia, pois o filosofar, a criação e até
mesmo a crítica se faz a partir da tradição, mas por uma opção de recorte, este trabalho
não se preocupa em responder: o que ensinar, mas sim como ensinar. Por isso, a
pesquisa objetiva apontar algumas sucintas, pontuais estrátegias e técnicas que
possibilitem o ensino e a apredizagem, a fim de responder as indagações: como ensinar
nas aulas de filosofia? Como cativar os alunos para a investigação filosófica?
Com a metodologia bibliográfica, o presente trabalho procura reunir algumas
táticas sugeridas por estudiosos da temática, com o intuito de equacionar as dificuldades
na conducão do processo ensino-apredizagem.
2 Entre estratégia e técnica, o que dizer?
Segundo Anastasiou e Alves (2004, p.68) ―estratégia do grego “strategía” e do
latim “strategia” é a arte de aplicar ou explorar os meios e condições favoráveis
disponíveis, com vista à execução dos objetivos específicos. Técnica: do grego
“techinikós”, relativo à arte. Refere-se à arte material ou ao conjunto de processos de
uma arte, maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo‖. Embora a
primeira seja a mais usada nos meios educacionais, indicando os meios empregados
pelo professor para facilitar a gestão e o processo de aprendizagem dos alunos, não
podemos desconsiderar a segunda. Doug Lemov, especialista em efetividade do
aprendizado, em seu livro Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de
audiência, apresenta técnicas para que os professores sejam mais bem sucedidos em
fazer os alunos aprenderem. São dicas práticas do que acontece dentro da sala de aula,
fruto das observações que Lemov obteve de seus melhores professores. Para ele o livro,
―[...] é sobre as ferramentas necessárias para o ensino mais importante: o trabalho em
escolas públicas, especialmente as dos bairros periféricos, que atendem alunos nascidos
na pobreza [...]‖ (LEMOV, 2011, p.18). Enfatiza que para haver aprendizagem, a
didática do professor é muito importante. Uma didática relacionada com o saber fazer:
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Para mim, uma estratégia é uma abordagem generalista de problemas, um
jeito de informar decisões. Uma técnica é uma coisa que você pode dizer ou
fazer de forma específica. Se você é um velocista, sua estratégia pode ser
simplesmente correr o mais rápido que puder do começo até o final da pista;
sua técnica pode ser inclinar o corpo para frente em cerca de cinco graus à
medida que move suas pernas para cima e para a frente. Se você quer ser um
grande velocista, praticar e melhorar essa técnica vai lhe ajudar mais do que
melhorar sua estratégia. Afinal, é a técnica, não a estratégia, que faz você
correr mais rápido. E, como uma técnica é uma ação, quanto mais você
praticar, melhor você fica. (ibid., p.20).
3 Estratégias pedagógicas - A relação entre professor e aluno
“Cabe ao professor conhecer de perto seus alunos para estar familiarizado com os modos através dos
quais eles raciocinam. Conhecendo bem o pensamento dos alunos, ele está em posição de organizar a
situação de aprendizagem e, sobretudo, interagir com eles, ajudando-os a elaborar hipóteses pertinentes
a respeito do conteúdo em pauta, por meio de constante questionamento das mesmas.”
(DAVIS e OLIVEIRA, 1994, p.90).
Na graduação em geral os alunos procuram o Curso de Filosofia porque gostam.
Não há uma resistência nesse ensino, pois há uma identificação com os conteúdos por
opção pessoal. No Ensino Médio, a disciplina é de cunho obrigatório. Talvez esteja aí
um grande erro. Em grande parte, a formação de muitos professores desenvolve-se a
partir de suas experiências como aluno, seja na educação básica ou no ensino superior.
Segundo Alejandro Cerletti ―vai se aprendendo a ser professor desde o momento em
que se começa a ser aluno. Em grande medida, se é como docente o aluno que se foi.‖
(CERLETTI, 2009, p.55). A grande questão é saber se essas influências proporcionam
aos professores práticas criadoras ou perpetuam pedagogias tradicionais que
reproduzem o status quo. Nem sempre as metodologias empregadas no Ensino Superior,
são adequadas para a Educação Básica. Por isso, propomos algumas estratégias que
podem nos auxiliar no processo de ensino e aprendizagem da filosofia no Ensino
Médio.
Partimos da ideia de que a educação não pode ser conduzida pela coação, pelo
autoritarismo, pelo imperativo do conhecimento do professor. Lamentavelmente nossa
educação ainda guarda um pouco dos resquícios de uma educação tradicional, uma
educação em que o professor fala e o aluno cala, o mestre ensina e o aluno aprende.
Porém, através da humanização do ensino, isso pode mudar: ―Talvez tenhamos que
aprender a nos apresentar em sala de aula como uma cara humana, isto é, palpitante e
expressiva, que não se endureça na autoridade.‖ (LARROSA, 1999, p. 165). O
professor tem condições de ser autoridade sem ser autoritário. Nesse sentido, um bom
relacionamento com a turma é indispensável para a construção do conhecimento. Por
isso, cativar os alunos é condição necessária para que o ambiente de aprendizado seja
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frutífero. Envolver os alunos em suas aprendizagens é um grande desafio em meio a
uma juventude norteada por uma cultura televisiva, visual, utilitarista e virtual. Novas
maneiras de ensinar e novas formas de aprender são urgentes. Nesse sentido:
A escola precisa mostrar-se ―atraente‖ para o aluno, seus desafios precisam
ser vistos como excitantes, seus professores precisam ser descobertos não
apenas como amigos, mas também como companheiro da jornada do crescer
e do transformar-se. (ANTUNES, 2002a, p.100).
O bom relacionamento com os alunos: um ambiente pautado no afeto, na
amizade, na cumplicidade são terrenos propícios para que o saber filosófico venha
primeiramente ser lançando e aos poucos, na parceria entre professor e alunos ir sendo
cultivado aula após aula, a fim de que possa germinar vigorosamente e dar bons frutos.
A integração entre professor e aluno é fundamental para o êxito de qualquer
experiência educacional. Às vezes, a rigidez do ensino em que o professor tem um
roteiro preestabelecido de conteúdos para ministrar, um tempo reduzido em sala
(principalmente em filosofia, onde há uma aula por semana) também afasta a
possibilidade de envolvimento. O que se percebe no âmbito escolar é que o professor,
querendo impor a disciplina em sala, demonstra muito mais autoritarismo do que
autoridade. Essa postura pode evidenciar uma atitude de superioridade, de arrogância,
minguando qualquer possibilidade de parceria e cumplicidade no ensino. Percebe-se aí
uma visão de professor detentor da circunstância e do saber. Ao entrar na sala de aula,
sua postura já demonstra autoritarismo e sua fala reforça mais ainda sua relação de
poder e o aluno se mostra coagido perante o mestre, resultando assim no fracasso
escolar, podendo até gerar danos sérios a este aluno. Grossi (1992, p. 40) afirma que:
―falar sobre as relações de poder na escola, medo e prazer, desejo e liberdade também é
importante considerar vida e morte, e violência que é praticada por um sistema muitas
vezes perverso‖.
Um professor com um bom relacionamento com os alunos tem mais chances de
afetá-los, tornando mais instigante e atrativa a participação de cada um no ensino. O
espaço educativo no qual prevalecem essas condições, aprender e ensinar tornam-se
mais prazerosos tanto para o aluno, como para o professor, pois quanto maior o clima de
afeto, senso de humor, entusiasmo, mais agradável e interessante se tornarão as aulas.
Essas condições interpessoais baseadas no afeto, na cooperação, na amizade não querem
e nem podem sugerir que o espaço de construção do saber seja permissivo e sem regras
estabelecidas. Aliás, entre criar as condições de um clima descontraído e agradável e a
existência de um espaço que seja desregrado há uma linha muito tênue, podendo ser
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confundida com desordem, principalmente entre adolescentes que podem interpretar o
voto de confiança com ―posso fazer o que quiser.‖ Por isso, a disciplina é outra
estratégia que pode colaborar muito no ensino e na aprendizagem da filosofia.
A disciplina que queremos ressaltar não é somente aquela relacionada com a
autoridade do professor, com certas proibições, mas também como regras de
relacionamento, de produção de atividades, de administração do tempo, de organização
do espaço físico. Nessa perspectiva precisamos entender que:
Disciplina não é um conjunto de regras, regulamento e proibições rotineiras
pelas quais se controla o comportamento, embora muitas vezes seja
necessária uma série de procedimentos para assegurar a ordem e garantir um
ambiente de estudo eficaz, mas é aquela que permite a atuação dos alunos
numa escolha pessoal, desenvolvendo trabalhos ajustados às suas
necessidades fundamentais. (AMOS e OREM, 1968, p. 81).
Não podemos reduzir a disciplina a regras que levam uma turma a ficar quieta
ou a participar da aula quando interpelada pelo docente. No entanto, a ordem, a
organização quando não tratadas com devido cuidado podem atrapalhar na condução da
aprendizagem. Nesse sentido, Celso Vasconcellos reforça:
Sem autoridade não se faz educação; o aluno precisa dela, seja para se
orientar, seja para poder opor-se (o conflito com a autoridade é normal,
especialmente no adolescente), no processo de constituição de sua
personalidade. O que se critica é o autoritarismo, que é a negação da
verdadeira autoridade, pois se baseia na coisificação, na domesticação do
outro. (VASCONCELLOS, 2011, p. 22).
É recomendado encontrar artifícios que forneçam aos educadores instrumentos
para superar o problema da indisciplina na sala de aula, pois ela gera consequências
variadas no âmbito das relações entre professores e alunos e na aprendizagem.
Disciplina é indispensável. Por isso, o professor não é aquele que permite aos os alunos
fazerem o que bem entendem, mas aquele que tem flexibilidade para colocar normas de
forma aceitável, com mentalidade aberta, agindo de forma democrática, compreensiva e
acima de tudo, com firmeza e coerência. O professor que no primeiro dia de aula, expõe
seus critérios de condução das aulas e é coerente e firme naquilo a que se propõe, ganha
respeito e colaboração dos alunos. E ainda mais: pode conseguir dos líderes e dos que
têm voz ativa na turma uma parceria poderosa.
Numa aula de filosofia estruturada a partir do confronto conceitual, o aluno
precisa entender e respeitar a hora de opinar e refutar ideias. Se isso não ficar claro, a
sala de aula se transforma em um burburinho de vozes desorientadas e sedentas em
prevalecer uma sobre a outra. Saber a hora certa de falar e respeitar o ponto de vista
alheio contribui para a organização da sala de aula e para a disciplina do próprio aluno.
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O professor precisa superar o medo de exercer a autoridade. Isso ocorre porque
muitas vezes ele tem medo de entrar em conflito com os alunos, e não receber apoio da
escola diante de algum eventual conflito com os pais ou ainda de tornar-se um problema
para a escola. Se o professor não entender a docência com postura firme será
responsável pelas instabilidades oriundas da omissão de seus atos. É como sugere o
título do livro de Antunes (2002b), ―Professor bonzinho demais gera aluno difícil‖.
Celso Vasconcellos argumenta que a autoridade pedagógica possibilita a construção da
autonomia do outro. Autoridade entendida no seu sentido mais radical e transformador,
que é ―a capacidade de fazer o outro autor‖. Por isso, o professor com autoridade firme,
contribui para formação do aluno:
Em função disto, o professor deve viver esta eterna tensão entre a
necessidade de dirigir, orientar, decidir, limitar e a necessidade de abrir,
possibilitar, deixar correr, ouvir, acatar. Tal contradição é constante e não
pode ser anulada, apenas resolvida em diferentes momentos, tendo em vista
os objetivos do trabalho, sendo restabelecida logo em seguida em outro
patamar e contexto. ―O drama" é sempre este: ser o "porto seguro" e o "mar
aberto". É preciso que fique entendido, no entanto, que não se trata
absolutamente de caminhar conforme "os ventos sopram", de acordo com as
pressões do ambiente. Ser dialético não é isto; é agir de acordo com a
necessidade do grupo naquele momento e tendo em vista, com muita clareza,
os objetivos que se buscam, para ter critérios de orientação para a tomada de
decisão. (VASCONCELLOS, 2011, p. 22).
Outra tática que pode auxiliar o professor na condução das aulas de filosofia é a
atitude pedagógica que ele assume diante da disciplina que leciona. É indispensável
também que os professores não só tenham um domínio da sala de aula, mas que
demonstrem entusiasmo e paixão pela sua profissão. "Conte-me e eu vou esquecer.
Mostra-me e eu vou te lembrar. Envolva-me e eu vou entender". Usando as palavras de
Rubem Alves, essa afirmação de Confúcio encarna-se na prática docente como ―um
Anjo engravidante, que para engravidar, tem antes de ser Anjo Sedutor‖ (ALVES, 1999,
p.18) que torna o aprendizado fecundo. O professor tem que amar sua disciplina, assim
seu entusiasmo contagiará a sala onde estiver e os corredores por onde passar. O
fundador do Programa Filosofia para Crianças-Educação para o Pensar, afirma que os
professores não podem ser indiferentes à disciplina que ensinam:
Tem de amá-la, pois somente assim amarão descobri-las a cada vez que
ensinarem. E agora com esse prazer em redescobrir é que surgirá aquele
entusiasmo contagiante que faz vibrar as crianças, e que as motiva como
poucas outras coisas; podem fazer, pois elas reconhecem aí o convite para
participar de uma experiência de entendimento ou de encontro com
significado. As crianças só acham a educação uma aventura irresistível, se os
professores também a acharem; se as escolas de educação não são aptas a
formar professores com esse amor pelas disciplinas que lecionam, temos que
achar outros modos de preparar professores. ( LIPMAN, 1999, p. 45).
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Sabemos que ensinar nos tempos atuais é um desafio: professores mal
remunerados, violência e indisciplina nas escolas, infraestrutura em condições precárias,
desinteresse dos alunos em aprender, motivados em grande parte por uma sociedade
midiática e repleta de informações que seduzem e anestesiam a possibilidade dos jovens
pensarem de forma autônoma e crítica. É justamente em contrapartida a essas provações
que o professor deve encher-se de energia e não perder o ânimo e a paixão de ensinar.
Muitas vezes ouvimos professores que se queixam de sua profissão na frente dos
próprios alunos. Entram em sala como se lecionar fosse um suplício (e algumas vezes o
é). Quando não dizem nada, o próprio corpo revela um semblante cansado, insatisfeito,
frustrado. Não há como essa imagem não afetar negativamente o aluno e
consequentemente aprendizado. Se o professor não se encantar por seu ofício, não
cativará nenhum aluno. O aluno deseja sentir no professor uma alegria, uma paixão pelo
que faz:
Pois o que vocês ensinam não é um deleite para a alma? Se não fosse, vocês
não deveriam ensinar. E se é, então é preciso que aqueles que recebem, os
seus alunos, sintam prazer igual ao que vocês sentem. Se isso não acontecer,
vocês terão fracassado na sua missão, como a cozinheira que queria oferecer
prazer, mas a comida saiu salgada e queimada... O mestre nasce da
exuberância da felicidade. E, por isso mesmo, quando perguntados sobre a
sua profissão, os professores deveriam ter coragem para dar uma absurda
resposta: ―Sou um pastor da alegria‖... Mas, é claro, somente os alunos
poderão atestar a verdade da sua declaração. (ALVES, 1994, p.10).
Nessa perspectiva, deve-se evitar o discurso: ―Sou o novo(a) professor(a) de
filosofia. E já vou avisando que a matéria é chata mesmo, mas nós vamos ter que
aprender!‖. Felizmente essa declaração representa muito pouco do corpo docente de
filosofia. Ela macula todo um esforço de recuperar a importância da filosofia no Ensino
Médio e da educação em geral. A palavra tem muito poder. E é ainda mais eficaz se
quem a pronuncia tem a plena convicção do que diz. Quanto a isso, o pensamento
judaico cristão é sábio: ―A boca fala daquilo que o coração está cheio‖. Se os mestres
demonstrarem paixão pelo que ensinam, deixarão impresso na memória de seus alunos
o testemunho e, principalmente, o valor de sua profissão, a importância de sua
profissão. É uma grande responsabilidade como afirma Rubem Alves: ―ensinar é um
exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos
aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre
jamais.‖ (ibid. ,1994, p.4).
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4 Possíveis caminhos - Gestão em sala de aula: uma questão de técnica
Tendo pontuado algumas posturas quanto às relações entre professor-aluno e
professor-matéria, focaremos agora em algumas breves técnicas que se estiverem
presente no cotidiano da sala que podem proporcionar ao professor conduzir melhor sua
aula. Pois são práticas, as ações que podem levar os professores ao aperfeiçoamento
constante de como ensinar melhor.
A primeira delas que destacamos é o planejamento. O planejamento de uma aula
de filosofia deve objetivar propostas que criam condições para envolver professor e
aluno nos debates e a consequente formação de raciocínio, espírito participativo e
crítico, hábito de reflexão e da produção própria conceitual.
As estratégias que apontamos anteriormente e as técnicas que iremos abordar
devem estar contempladas no planejamento, que precisa estar adequando à faixa etária,
às condições de aprendizagem da turma, aos casos particulares de dificuldades de
aprendizagem, às relações de disciplina e relacionamento com a turma, bem como aos
casos de necessidades especiais, a fim de favorecer a inclusão social.
O aluno espera que o mestre esteja disposto a estabelecer uma relação de
acolhimento, de ir ao encontro dele, de querer construir conhecimento. Por isso,
destacamos a pontualidade como segunda prática. Ser pontual é sinal de compromisso,
tanto do professor quanto do aluno. O atraso do professor pode predispor o aluno a
atitudes de desinteresse e descompromisso.
Quando os alunos se habituam ao atraso do professor, com as faltas do
mestre, a espera de sua aula é sempre a espera da conversa, bagunça, festa,
alegria. [...] Melhor mesmo é ninguém esperar por atraso e nem imaginar a
falta; nesse caso o cérebro já se organiza para a aula e as atitudes corporais
para a placidez. Um grande passo foi dado! (ANTUNES, 2002b, p.24).
Já em contato com os alunos, é de extrema importância que o professor divulgue
o cronograma da aula, nossa terceira prática. Deve evidenciar o que vai ser trabalhado,
em que momento, em quantas partes, e, claro, o objetivo da aula. Com essa perspectiva
de planejamento, o professor predispõe o aluno ao aprendizado e ao compromisso do
que se propôs a fazer.
Seja claro quanto aos objetivos da aula. Os alunos têm um melhor
desempenho quando compreendem tanto o propósito da aula com suas
expectativas de como devem agir e se comportar dentro de sua sala de aula.
Normalmente ocorrem problemas quando os alunos não têm clareza quanto
àquilo que devem fazer, como devem fazer e o que acontecerá se não
fizerem! As aulas devem ser contextualizadas – o que foi feito na aula
passada? O que se fará nesta aula? Onde isso levará o grupo e por que é
importante nesta disciplina especifica? (BUTT, 2006, p.77).
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No processo de aprendizagem, estabelecer um diálogo com o aluno sem saber
sua identidade, seu nome, seus anseios, pode transformar a conversa em algo maçante e
formal. A quarta prática é, então, conhecer o discente. Alguns alunos acham que seus
professores não os percebem em sala. Quanto interpelados pelo nome, sentem-se
valorizados, pois sabem que o professor não os ignora e que não é indiferente quanto a
sua existência. Isso cria um clima de atenção e interesse por parte dos alunos.
Em vez de fazer uma pergunta para toda a classe ou chamar somente quem
levanta a mão, o professor, chamando pelo nome, escolhe quem vai dar a resposta. Isso
ajuda a checar se os alunos aprenderam e, acima de tudo, se estão atentos:
Tente aprender e se dirigir aos alunos pelo nome (um mapa da sala de aula
ajudará). Alguns nomes você aprenderá rapidamente (talvez por razões
óbvias!). A gestão de sala de aula se torna muito mais fácil uma vez que você
possa se dirigir diretamente aos alunos pelo nome em vez de apresentar
comentários vagos ao grupo de alunos [ou chamá-los por menino, menina, ei
você!] (ibid, 2006, p.77).
A quinta prática é a relação do olhar. Além de afetuosa, é sinal de que o
professor encara seus alunos sem nenhuma insegurança. Todos os olhos devem estar
voltados para o professor. Isso é mais eficiente para controlar quem está prestando
atenção do que repetir um milhão de vezes ―prestem atenção agora, isso é importante‖
pelo simples fato de que o professor enxerga os olhos dos alunos. Um dos maiores
problemas enfrentados no cotidiano dos professores é que nem todos os alunos seguem
suas orientações. Sejam orientações de como realizar um exercício ou mesmo de um
aviso. Olhar nos olhos permite estabelecer vínculo com o aluno (LEMOV, 2011, p.181):
O quadro-negro é importante e não existe aula bem planejada que não o
utilize com sabedoria, mas constitui erro primário "grudar-se ao mesmo"
como quem fala apenas para um público distante. Dê aula com um olhar no
quadro e dois nos alunos. Olhos nos olhos não é apenas síndrome de paixão,
é procedimento didático de imenso valor. (ANTUNES, 2002b, p.27).
O movimento que o professor realiza durante a explicação do conteúdo pode
favorecer para uma aula mais atrativa. Sexta técnica. Enquanto explica a matéria ou
quando resolve um exercício, ele circula pela sala. Ao quebrar a barreira imaginária que
existe entre ele e os alunos, demonstra proximidade. Durante a caminhada, aproveita
para fazer perguntas individuais, corrigir ou elogiar um caderno, sugerir informações,
tirar dúvidas. Circular pela sala é ainda uma boa oportunidade para descobrir o que
acontece quando o professor está virado de costas para a turma, ao flagrar um álbum de
figurinhas aberto, um caderno sem registro ou um celular ligado (ibid, 2011, p.103).
Essa atitude mostra que o professor está atento a todos. Não se trata de ficar sempre
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vigiando os alunos, mas sim de perceber o que acontece com todos, não focando
somente naqueles que se sentam nos primeiros lugares da sala de aula.
Sétima prática: ―Não vale não tentar‖. Quando o professor dirige-se a um aluno
e lhe faz uma pergunta, é muito comum ouvirmos a resposta ―não sei‖. Essa resposta é
sinal de que muitas vezes o aluno não está atento à aula ou até mesmo de que não tenha
assimilado determinado conceito. O professor pode criar condições para não aceitar
―não sei‖ como resposta. Deve conduzir o aluno à resposta certa ou à melhor possível.
A cultura do ―não sei, do não consigo‖ é prejudicial, pois passa a impressão de que
alguns alunos não são capazes e pode indicar para aquele que não respondeu que ele não
precisa se esforçar, afinal, o professor vai deixar por isso mesmo. Com flexibilidade o
mestre, com a ajuda de outros colegas e contextualizando novamente a pergunta, volta
ao aluno inicial a fim de que ele responda, mantendo a expectativa de que todos na sala,
a qualquer momento, podem ser interpelados e deste modo contribuir para o bom
andamento da aula.
Existe ainda a organização da sala de aula. Destacamos aqui a penúltima prática.
Para que o professor circule livremente pela sala e contemple a todos com sua presença
é preciso que o espaço seja favorável. Por isso, as carteiras podem estar em círculo ou
organizadas de modo que se possa transitar entre os alunos. Um ambiente organizado
predispõe para uma organização mental. Permitir que os alunos sentem de qualquer jeito
em qualquer lugar, não indica nenhum compromisso com o saber. Ao ser indiferente a
isso, o professor pode deseducar. Com a orientação do professor, alunos passam a
entender que certas posturas como debruçar-se na mesa, colocar os pés onde quiser,
além de ser falta de educação, tende facilmente a levá-los à desmotivação. É bom que
eles assimilem essas orientações não como proibições, mas como condições para um
bom aprendizado. O corpo também precisa se dispor a aprender. Tudo isso precisa ser
compreendido como postura para a aprendizagem:
Desordem no espaço que se ocupa ocasiona desordem na cabeça! E essa
ordenação, esse "mapa de sala" - não necessariamente desenhado no papel,
mas por todos conhecidos - constitui fator central da boa disciplina. E sinta
que para a ele se chegar não é necessário autoritarismo e prepotência. Não
pode nascer de "fora para dentro". Uma boa conversa onde o professor coloca
o que pretende, mas acolhe sugestões dos alunos, pode fazer com que estes
descubram que regras se constroem e que democracia e civismo também se
treina. (ANTUNES, 2002b, p.26).
Nossa oitava e ultima técnica é estimular o registro no caderno. Existe a
tendência por parte dos alunos de não registrarem no caderno as informações passadas
no quadro ou as que forem surgindo ao longo das aulas, a partir do confronto de várias
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ideias. Acham que sua memória é capaz de guardar tudo, quando isso não é uma
desculpa para não registrarem ou elaborarem novas ideias. Isso fica ainda mais
recorrente quando os alunos têm acesso a livros didáticos. O registro possui uma
importância fundamental porque desenvolve a habilidade de selecionar e organizar
informações, bem como a de se preparar para discussões a partir do que foi anotado ou
criado por meio de perguntas instigantes. A ideia do ―todo mundo escreve‖ funciona
como planejamento mental: ―ponha seus alunos na trilha do argumento rigoroso, dando
a eles a oportunidade de pensar primeiro por escrito antes, de discutir. Como diz a
autora Joan Didion, escrevo para saber o que penso‖ (LEMOV, 2011, p.157). Dentre as
vantagens do registro destaca-se que: ―escrever refina os pensamentos, um processo que
desafia intelectualmente os alunos, engaja-os a melhorar a qualidade de suas ideias e de
sua redação‖ (ibid., 2011, p.158). É muito interessante e produtivo que o professor
estimule nos alunos a prática da anotação. Ele pode combinar com os alunos que todas
as aulas deverão ser registradas e que todo início de aula, seja feita a socialização dos
registros anteriores. No primeiro momento pode parecer imperativo, mas aos poucos a
naturalidade pode se estabelecer e a prática tornar-se uma grande ferramenta de
aprendizado para aluno e professor.
5 Conclusão
O ensino de filosofia não pode se desvincular dos elementos pedagógicos e
estratégicos do ensino em geral. Nessa perspectiva, ensinar levando apenas em conta as
teorias dos pensadores ao longo da História da Filosofia é no mínimo imprudente. Isso
acontece porque muitos professores de filosofia egressos da universidade dominam os
conteúdos filosóficos, mas são incapazes de articulá-los com a realidade dos alunos e de
gerir suas aulas. É preciso conhecimento filosófico, habilidades e estratégias ao
trabalhar os conteúdos requeridos pela disciplina, mas também é importante empregar
uma forma atraente para que o aluno seja cativado ao longo das aulas, a fim de criar seu
próprio pensamento. É importante considerar os procedimentos metodológicos
adequados, os instrumentos condizentes com a aprendizagem dos adolescentes e jovens.
As estratégias e técnicas aqui abordadas aproximam muitos mais da prática do que da
teoria. Como isso não foi ensinado na faculdade, o professor pode recorrer a elas sempre
que preciso. A educação, o aprendizado parece que acontece de fato em sala de aula, nas
interações entre professor e aluno, nos erros e acertos, na ação propriamente dita. Por
isso, requer do professor uma postura comprometida, um saber bem fundamentado, um
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saber fazer. É pela prática que se chega à excelência. Acreditamos que isso pode nos
ajudar a abrir caminhos para o ensino de filosofia com mais qualidade e maior
engajamento dos alunos.
6 Referências
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1999.p.18.
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Disponível em:<http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_28_ p227-252_c.pdf>.
Acesso em: 28 julho de 2011.
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TRANSFORMAR-SE EM POESIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIDÁTICA,
VIVÊNCIAS, PEDAGOGIA
Rubia Helena Naspolini Coelho Yatsugafu (PPGE/UFMT)
Resumo
São diversas as tomadas possíveis quando se pretende estudar os processos de formação
que se desenvolvem em uma sala de aula na Educação Superior. Na presente pesquisa
escolheu-se experimentar um novo gesto que se cria em uma articulação entre as
vivências de uma professora-pesquisadora e sua classe e os estudos realizados no Grupo
Estudos de Filosofia e Formação - EFF/UFMT, especialmente a investigação
otobiográfica. Este método de pesquisa, inaugurado por Silas Monteiro, a partir da
leitura cruzada de Nietzsche e Derrida, propõe-se a ouvir a vida a partir das produções
realizadas em múltiplos contextos, tomando como ponto a formação, entendida como
constituição de si: as vivências que ressoam ao longo deste processo e se fazem nele
presentes em forma de palavras, gestos, compreensões, significados. Para realizar a
pesquisa, foram trazidos aos encontros presenciais textos de literatura que provocassem,
a partir de dinâmicas, estudantes a pensarem sobre seus pensamentos, a saírem dos
gestos mecânicos que são reproduzidos na academia, a assumirem vozes localizadas na
primeira pessoa do singular e do plural. Não há planos predeterminados, apenas
conceitos que, conjuntamente, formam mapas e trilhas, a serem percorridas e
experimentadas em diferentes traçados e possibilidades. A analítica destas produções,
feitas em textos orais e escritos produzidos pelos sujeitos (estudantes e professora)
sugere/cria/indica rastros, ecos, ressonâncias de vivências de educandos/as-
educadores/as em formação; vivências que, embora muitas vezes ignoradas na proposta
pedagógica de curso, comparecem, decisivamente, no percurso de formação de cada
uma das pessoas e dos currículos vivenciados/criados/compreendidos.
Palavras-chave: Investigação otobiográfica. Pedagogia. Educação Superior.
1 Prelúdio
Pesquisar em ciências humanas com o compromisso de ultrapassar concepções
positivistas de educação é um desafio aos/às professores/as-pesquisadores/as. Como
lidar com aquilo que não está registrado evidentemente nas linhas? Como trabalhar com
aquilo que extravasa o papel e diz respeito às vivências das pessoas implicadas na
pesquisa? Como assumir-se enquanto criador/a de sentidos? Estas e outras questões se
colocam cotidianamente no pesquisar em educação.
Acredito que a investigação otobiográfica representa um dos caminhos
metodológicos que podem proporcionar àqueles envolvidos na pesquisa
perceber/escutar/interpretar as vivências que estão latentes nos textos e nas demais
expressões humanas a serem incorporadas na pesquisa. Daí decorre meu interesse em
estudá-la e, neste processo, estudar com ela. Por se tratar de um método relativamente
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novo na pesquisa em educação e devido a sua complexidade teórico-prática conceitual
(afinal a investigação otobiográfica se dá no encontro da Filosofia, da Literatura, do
Currículo, da Arte, da Pedagogia, da Psicologia…, enfim, da vida), este se constitui
como um campo fértil de estudo e como uma alternativa potente de pesquisa nas
ciências humanas.
As pesquisas que tenho desenvolvido têm ressonâncias diretas da minha
atividade no Grupo de Estudos de Filosofia e Formação (EFF/UFMT); do Doutorado
em Educação que realizo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); do
Doutorado em Literatura que frequentei na Universidade da Geórgia (UGA) nos
Estados Unidos; do Mestrado em Educação, da Especialização em Organização do
Trabalho Pedagógico Escolar e da Licenciatura em Pedagogia que cursei na
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, finalmente, da minha experiência de
educadora, especialmente na UFPR, UGA e UFMT, na qual cotidianamente, com meus
alunos e minhas alunas, deparo-me com limites e possibilidades, gestos mecânicos e
potência, medo e sedução pelo novo.
Assim, a minha atividade de professora-pesquisadora, sujeito histórico que se
forma em um fluxo de vivências, dá-se a partir do encontro da Pedagogia, da Literatura,
da Psicologia e da Filosofia e das (minhas) traduções de conceitos destes campos a
partir dos embates travados cotidianamente com a teoria e dos diálogos estabelecidos
com meus pares. Assumo que pesquisar, como compreendido por Ghedin e Franco
(2015), ―é sempre navegar com direção‖, mas com cuidado, pois ―[c]ontentar-se com a
chegada é perder os significados que se vão engendrando nas paisagens multiformes do
trajeto‖ (p. 8-9). Ter direção, deste modo, não significa seguir traçados ou esquemas
engessados, mas sim dispor de um método e de uma metodologia de pesquisa que
possibilitem ao pesquisador e ao pesquisar perceber, operar, interpretar e criar com e a
partir do real. Retorno a palavra aos cientistas: ―Produzir conhecimento por meio de
uma pesquisa sistemática é criar as possibilidades de interpretar o mundo no seu
instante de criação. Ao produzir conhecimento, criamos o mundo, os mundos, as
interpretações, os significados, os sentidos e a própria existência de um modo de ser‖
(p.13). Retomo a palavra: ao fazê-los, nos fazemos; ao criá-los, nos criamos.
Ainda que sentidos sejam propostos/sugeridos/inventados, o que busco/amos
com maior apetite são as perguntas — quais questões podem orientar percurso/s
repleto/s de meandros e também de subjetividade/s, a partir do/s qual/is e no/s qual/is
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nós — esta professora-pesquisadora e os/as alunos/as — constroem coletivamente uma
prática pedagógica e, nela/com ela, se constroem.
2 Investigação otobiográfica: otobiografar, otobiogrifar, otobiocriar
Em suas pesquisas, Monteiro (2004, 2007, 2013, 2015) parte do conceito
derridiano de otobiografias, compreendendo que as vivências das pessoas podem ser
encontradas em seus escritos; para ouvi-las, realiza investigações otobiográficas, nas
quais procura pelas vivências de formação presentes nestes textos. A questão que
inicialmente movimentou o pesquisador foi uma interrogação deleuziana ―o que quer?‖
e, a partir dela, ―o que querem as forças das vivências ao produzir um texto, um escrito,
um conceito, uma idéia, uma teoria, uma interpretação etc.?‖ Ao pesquisador caberia
perguntar, então: ―Qual é a vida, a vontade, as vivências que são postas em movimento?
Quem fala? O que se quer, quando algo é dito?‖ (MONTEIRO, 2007, p. 478).
Nós, pesquisadores do EFF, em nossos movimentos, temos trabalhado no
sentido de superar a pergunta presente no pensamento de Deleuze e compor indagações
com o conceito derridiano de otobiografias: como é/seria ouvir? e como a vida é
grafada? Para ensaiar respostas a estas interrogações é preciso que o pesquisador aceite
o convite para entrar no labirinto da escritura, (algo que me parece) uma espécie de
(des)caminho, já que um espaço/tempo de se perder, sem um mapa pré-determinado,
para tentar encontrar alguma coisa tendo, para tanto, apenas chaves (conceitos) e
ouvidos.
O primeiro gesto otobiográfico de Monteiro em seu doutoramento — a escuta de
vivências de nove formandas do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade
Federal de Mato Grosso em seus trabalhos de conclusão de curso (―dossiês‖), tomou a
formação como constituição de si. A partir de sua leitura de Ecce homo de Nietzsche, o
pesquisador realizou a escuta das vivências das pedagogas em formação,
otobiografando-as em movimento — em vibração — com aquilo que chamou de
ressonâncias da Pedagogia, do Curso de Pedagogia da UFMT, da Filosofia e do
pesquisador.
A metáfora recriada por Monteiro é aquela que aparece em Nietzsche e é
reinventada por Derrida: o ouvido que escuta as vivências. Dois labirintos que se
interpenetram: o do ouvido humano e o do mito do Minotauro. Audição: ouvido, escuta,
percepção, sentido; interpretação. Escutar, na investigação otobiográfica, ―é percorrer o
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labirinto das significações das forças presentes na produção humana, nos escritos, na
autobiografia‖ (Idem, p. 481). Assim, aos meus ouvidos, investigar é, a partir das
vivências que se tem ou teve, dar sentidos, realizar gestos, criar interpretações;
traduções.
Aproprio-me da investigação otobiográfica inaugurada e transformo-a em gesto
de meu cotidiano em sala de aula. Professora-pesquisadora, crio uma ponte entre
didática e investigação otobiográfica, assumindo e imprimindo minhas/nossas
ressonâncias em meu/nosso fazer pedagógico ao otobiografar (verbo que invenciono)
em sala de aula, aceitando o convite de entrar nos textos orais e escritos de alunos e
alunas e, neles, ouvir ecos de vivências em labirintos duplos,
encontrando/criando/traçando caminhos, com o auxílio de conceitos reinventados a
partir da produção teórica de Nietzsche, Derrida, Monteiro (e Monteiro e EFF). No
percurso, cabe assumir que os ouvidos que escutam são de uma pesquisadora e que,
devido às ressonâncias, ao se otobiografar, autobiografa-se, auto/otobiogrifa-se,
auto/otobiocria-se; autografa-se.
3 Transforma-se em poesia na Educação Superior
No EFF, temos procurado indagar não o que é o currículo, mas ―o que ele
pode?‖, ―quem?‖, ―como?‖ e, a partir destas questões, nos aventurado nos labirintos da
escritura dos/as educadores/as em formação. Nesta prática, a literatura, como arte, tem
comparecido em sua potência: desestabilizadora de pensamentos e gestos mecânicos e
provocadora de assunção/criação de novos modos de ser e pensar. Ela, como escritura,
também é expressão de modos de ser e de se tornar o que se é. Por isso, em minhas
práticas educativas tomo com grande frequência textos literários como disparadores,
ainda que outros tipos de textos também sejam utilizados.
Na turma em que a presente pesquisa se desenvolveu tivemos um primeiro
encontro que foi chamado de ―Tornar-se poesia‖. Dele participaram alunos e alunas dos
terceiros e quartos anos do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato
Grosso. Em um primeiro momento, nos apresentamos brevemente. Em seguida, livros
de poetas e poetisas (como Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros, Vinícius
de Moraes, Fernando Pessoa e Florbela Espanca, dentre outros) foram distribuídos pela
nossa grande mesa de trabalho, de modo que cada aluno/aluna escolhesse ler o/s livro/s
que desejasse/m, percorrendo cada uma das obras livremente e podendo, caso achasse/m
conveniente, optar por outros títulos. Algumas das alunas revelaram ao fim do encontro,
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no meio de risos, mas quase em tom de confissão, que inicialmente, quando viram a
grande quantidade de livros disponibilizados, pensaram: ―lá vem a leitura!‖, ―lá vem a
tarefa!‖.
Por algum tempo, manipulamos as obras e lemos mentalmente alguns poemas.
Em seguida, solicitei que escolhessem um texto ou um trecho e lessem o mesmo para
todos nós. Cada um/a, inclusive eu, leu um ou dois trechos/poemas. As emoções de
quem lia e ouvia vinham à tona: risos, comentários, ouvidos que se espichavam, vozes
embargadas, mãos trêmulas e olhos cheios d‘água ou que, medrosos, desviavam-se.
Poesias escolhidas quase que por acaso e que, como toda boa literatura, como todo bom
texto, falam de/com todos nós.
Fiz, então, um convite: que se transformassem em poesia e, a partir dela, se
apresentassem ao grupo. Choveram perguntas do tipo ―como é pra fazer?‖, ―tem que
rimar?‖, ―tá certo assim?‖ e ―tá bom assim?‖, todas respondidas mais ou menos da
mesma forma: ―a poesia é sua/é você e você a faz como quiser‖. Todos aceitaram o
convite de produzir o texto, ainda que algumas alunas tenham expressado verbalmente
que não sabiam como fazer ou que não sabiam escrever; outras mencionaram a
dificuldade de escrever (em) ―eu‖. Entretanto, após poucos minutos, todos tinham
virado poesia. Propus, logo após, que cada um/a lesse em voz alta seu texto, conforme o
desejasse. Aceitaram novamente o convite. Eu também fui convidada pela turma a virar
poesia — e virei, ainda que de improviso.
Os rastros/traços da formação e da história de vida de cada um dos sujeitos
estava presente nos textos lidos e as vivências dos demais ressoavam junto com os ecos
que ouviam. Não tenho espaço para trazer aqui todos os textos, mas gostaria de
mencionar algumas das criações do encontro, a serem comentadas conjuntamente
devido à brevidade desta comunicação. Cabe destacar que o anonimato da autora do
primeiro poema é resguardado com a marca x:
Texto 1:
Essa sou eu
Chuto a porta e entro na sala
Bem se vê que nada me cala
A intensidade permeia a minha fala
Chocante, inquietante, por vezes
intransigente
Mas parto da premissa de que
A paixão é minha sina
O tesão é o que me inspira
Prazer eu sou a x.
Texto 2:
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CARREIRA
(os pontos da blusa)
Tempo, ela estica o tempo
T E M P O
Tempo tranquilo
Tempo leve
Tempo feito
Costura o tempo.
Texto 3:
Meu nome é Norma Alina
Não vem de menina marina
Ou de Normalinda
Ou de cara de lamparina […]
Esse nome é apenas
Uma herança
Vinda da minha avó.
Até já quis trocá-lo
Mas depois o aceitei
Pois herança é coisa
Chick e com ela me sinto rei. […]
Texto 4:
Sou ponta
ponto
laço
lança
traço
trança
Estes são apenas quatro dos quinze textos produzidos no encontro.
Compreendemos que os textos não estão prontos ao serem escritos, pois se constituem
no movimento da leitura, ou seja, na empatia, no embate, na luta entre as palavras e os
sentidos que lhe são dados, entre os sons e a escuta, a partir das possibilidades dos jogos
de palavras e de seus leitores; dos textos e dos contextos que somos/temos. Por isso,
quando lidos em voz alta pelos/as treze autores/as e por duas colegas quando faltaram a
voz para duas das autoras, os textos criados pela escrita foram recriados no momento
que foram declamados pelo/a leitor/a(-autor/a). Em cada leitura, ecos das vivências dos
autores ressoaram com repercussões de vivências dos/as educandos/as-educadores/as
em formação.
Ora, nas perspectivas de Derrida e Monteiro, são as vivências, a partir do
pensamento de Friedrich Nietzsche, que tornam os objetos do mundo acessíveis,
interpretáveis, traduzíveis. Além disso, se concordarmos com Barthes (2013) que ―a
nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só resta, por assim dizer,
trapacear com a língua, trapacear a língua‖ e que ―[e]ssa trapaça salutar, essa esquiva,
esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor permanente
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da linguagem‖ é justamente o que se chama ―literatura‖ (p. 17), podemos vislumbrar
que nos textos (literários, assinados por discentes e docentes e etc.), em função dos
disparos que podem ser/ter sido promovidos a partir dos textos provocativos com os
quais tiveram contato ou se relacionaram, em função mesmo da especificidade do
trabalho de escrever e da autoria, pode-se encontrar vontades de potência que falam de
suas superações (NIETZSCHE, 2008, p. 7) e, mesmo, escrituras que, para Barthes
(2013), são textos produtivos. Todos os textos produzidos em nosso encontro, não
apenas os até então citados, são potentes e trazem marcas de superações de seus autores,
como os fragmentos a seguir: 1) ―porque o conflito que há entre o que sou e o que
preciso ser, quem preciso me tornar, requer tamanha transformação‖; 2) ―fugindo de si;
/ sem ao menos saber onde ir‖; 3) ―Em meio a tantas escolhas, me escolhi. / Me conheci,
me cuidei e me apaixonei. Me apaixonei por / Mim‖; 4) ―Desde pequena era a vara / de
cutucar estrelas‖.
Ao ouvirmos os textos, colocamos nossas vivências em movimento, em
ressonância com os sons que reverberam no ar, o que indica alguma identidade entre o
que somos/estamos sendo, afinal, a partir ainda do pensamento de Nietzsche,―ninguém
pode ouvir nas coisas, inclusive nos livros, mais do que já sabe‖, pois ―[p]ara aquilo a
que não se tem acesso por vivência, não se tem ouvido‖ (1995, p. 53). Assim, a
literatura e nossos exercícios literários foram disparadores que trouxeram as nossas
vivências e as colocaram a ressoar com os conteúdos da prática educativa, resgatando-as
e recriando-as e, a partir disso, ampliando nossos repertórios e nossas capacidades de
escuta.
Nossa escolha pela literatura tem uma intencionalidade. Jacques Derrida disse,
em uma entrevista concedida a Evando Nascimento, que ―[o] espaço da literatura não é
somente o de uma ficção instituída, mas também o de uma instituição fictícia, a qual,
em princípio, permite dizer tudo‖ (2014, p. 49). Assim, um texto literário permite a
seu/sua autor/a ser e não ser e, como já apontamos em outro momento, se se pode, com
ele ou a partir dele, tudo dizer, pode-se, também, nada ou muito pouco dizer, afinal o
que um texto diz, ou melhor, o que se pode dele ou a partir dele dizer depende dos
ouvidos do/de um leitor ou, segundo Corazza (2013), do/de um escrileitor
(YATSUGAFU, 2015). Noutras palavras, as possíveis leituras de um texto dependem
das regras de seu jogo; dependem do phármakon (DERRIDA, 2005). Ler, no jogo
derridiano contém em si um gesto de escritura, pois escrita e leitura são cosidas e
descosidas, tendo sempre algo de quem escreve e algo de quem lê (YATSUGAFU,
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2015). O jogo da escritura se dá no jogo da vida — na vida inaugurada em Nietzsche:
pulsante e pululante (2008). A escritura é vida e phármakon.
Pensando ainda na escritura, vem-me à mente um trabalho escrito por Monteiro
e por mim (2014) no qual mencionamos a possibilidade dos sujeitos, na prática
pedagógica, descobrirem, desenvolverem, potencializarem os autores dentro de si,
incorporando os ecos de suas vozes ao conjunto de vozes/ecos que as precedem e as
sucedem. Destarte, é urgente renovar/revitalizar/(trans)criar os elementos do currículo e,
ao fazê-lo, revigorar nossas práticas e (trans)criar a nós mesmos; deformar-nos,
desconformar-nos, transformar-nos; formar-nos em meio à vida.
Nesse processo de formação, currículo e didática representam limites e
possibilidades; reprodução, desafio e (re)criação de conteúdos, arte, formação, vida…
4 Interlúdio
Finalizo esta comunicação com um interlúdio: um entre — entreato, interregno.
Lidar com textos e escuta otobiográfica implica em assumir que as possibilidades de
criação de sentidos são múltiplas e provisórias, pois se constroem no jogo próprio da
escritura. Neste sentido, a investigação otobiográfica foi a escolha metodológica para a
presente pesquisa justamente porque defendo que ela permite que nós, professores/as-
pesquisadores/as, estudemos os processos de formação que se desenvolvem em nossas
salas de aula, tomando os processos de constituição de si dos sujeitos da prática
pedagógica e ressoando, nos/a partir dos textos produzidos, os ecos de suas vivências,
de modo a colocar em xeque gestos mecanicamente reproduzidos ao longo da formação.
A partir da analítica dos quinze textos produzidos encontrei, assim como nas
demais atividades de pesquisa que desenvolvemos no/com o Grupo EFF, rastros/traços
de vivências dos sujeitos, no caso educandos/as, educadores/as em formação inicial e/ou
continuada. Isso indica que, ainda que usualmente as vivências sejam ignoradas nos
currículos e nas propostas de cursos realizadas nas instituições, tanto do ensino superior
como dos outros níveis de educação, suas ressonâncias precisam estar presentes de
forma consciente e intencional nas práticas pedagógicas, pois o percurso formativo de
cada um dos sujeitos faz parte do jogo de construção do currículo que por ele/a é
vivenciado/criado/compreendido.
Destarte, este texto é uma tentativa de compartilhar o ensaio de gestos
otobiográficos de uma professora-pesquisadora que procura convidar seus/suas
alunos/as a saírem da ―mesmice‖, a se arriscarem, a se aventurem, assumindo o risco da
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criação e da frustração como potências próprias da formação — formação em meio à
vida.
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24
DIDÁTICA PARA FORMAÇÃO PROFISSIONAL: CONTEXTUALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR
Sandra Stockli Arantes (PPGE/UFMT)
RESUMO
O tema surgiu da vivência e observações em sala de aula, e da troca e compartilhamento
de informações e experiências com professores sobre a dificuldade de aprendizado dos
discentes na área de conhecimento da administração. Ensino estruturado e ofertado no
âmbito do capitalismo – regime baseado no lucro e propriedade privada – visualizado
pelas instituições muitas vezes como um negócio lucrativo em detrimento da melhora
da qualidade do ensino e aprendizagem. No contexto do tema, emergiu o problema da
pesquisa: A didática praticada no curso de Administração tem proporcionado formação
satisfatória para as necessidades do mundo do trabalho? Pesquisa realizada em uma
instituição de ensino superior inserida na cidade de Várzea Grande - MT restrita ao
curso de administração. Adotou-se em tal contexto a metodologia do estudo de caso. A
coleta de dados foi feita por meio de entrevista com questões abertas feitas junto ao
coordenador do curso, com a finalidade de conhecer a qualidade do processo de ensino
e aprendizagem. Pesquisa documental também foi realizada nos: PPC- Projeto
Pedagógico do Curso; Planos de Ensino e, Diretrizes Curriculares Nacionais-DCN’s.
Também foi realizada pesquisa bibliográfica para a construção do arcabouço teórico
com o intuito de dar entendimento à questão da formação para o mundo do trabalho. O
seguinte objetivo de pesquisa foi definido: Entender como o curso de Administração, da
área de conhecimento das ciências sociais aplicadas trabalha a didática para a formação
para o mundo do trabalho. Constatou-se que a despeito da didática operacionalizada,
ainda não é possível constatar o efetivo alcance do perfil do egresso construído por meio
de competências, portanto, existem dúvidas da eficácia da didática na formação para o
mundo do trabalho
Palavras - chave: Didática. Curso de Administração. Formação para o mundo do trabalho.
1 INTRODUÇÃO
Os cursos de Administração integrantes da área de conhecimento das ciências
sociais aplicadas que estão sendo ofertados em especial pelas instituições de ensino
superior privadas, estão em um contexto de massificação de ensino no âmbito do
sistema capitalista. Temos assim em um âmbito contemporâneo a adequação das
universidades a uma ótica economicista influenciada pelo novo paradigma produtivo.
(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI 2009).
O tema para elaboração da pesquisa surgiu da vivência na docência e
observações em sala de aula no âmbito do ensino, e da troca e compartilhamento de
informações e experiências com outros professores sobre a dificuldade de aprendizado
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dos alunos com atenção a didática aplicada destacando-se a atuação professor em tal
situação face à necessidade de preparar adequadamente para o mundo do trabalho.
Ensino estruturado e ofertado no âmbito do capitalismo – regime baseado no
lucro e propriedade privada – visualizado pelas instituições muitas vezes como um
negócio lucrativo em detrimento da melhora da didática.
É preciso entender no âmbito da didática de ensino a necessidade de
entendimento e atendimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,
CNE/CES, 2005) o alcance das 8 (oito) competências previstas nas referidas diretrizes
que contemplam obrigatoriamente, o perfil do egresso. Assim a didática é efetiva com o
alcance desse perfil o que significa certificar no processo as competências estabelecidas.
Além de que, competências significam avaliar e estabelecer métricas para:
conhecimento, saber fazer e saber agir, tal situação, implica em aulas teóricas e
práticas, portanto o uso de metodologias ativas. Mas, o mais importante professores
preparados para o uso dessas metodologias.
A partir do tema definiu-se o seguinte problema de pesquisa: A didática
praticada no curso de Administração tem proporcionado formação satisfatória para as
necessidades do mundo do trabalho?
Emerge, portanto, a seguinte hipótese: A didática de ensino por meio da
aplicação de metodologias ativas com professores preparados aplicando avaliações, para
a certificação das competências previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais garante
o alcance do perfil do egresso e, consequentemente o atendimento das necessidades
profissionais do mundo do trabalho.
O seguinte objetivo foi definido: Entender como o curso de Administração da
área de conhecimento das ciências sociais aplicadas trabalha a didática para a formação
para o mundo do trabalho.
Justifica-se pesquisar sobre a didática, uma vez que nos remete ao
aprofundamento e detalhamento do processo envolvendo desde a definição do perfil do
egresso por meio das orientações emanadas das DCN‘s a definição e aplicação de
metodologias e avaliações para a garantia da formação do futuro administrador e o
papel do professor no processo como mediador e facilitador dele. Como também, o
cuidado no preparo do professor pela instituição de ensino para eficácia dos resultados
efetivamente esperados no processo.
É relevante pesquisar a didática no ensino, pois contempla a análise se ocorre
efetivamente o alcance do perfil do egresso definido no PPC – Projeto Pedagógico do
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Curso e, portanto, que a formação de um administrador é efetiva para o mundo do
trabalho.
Para efeito da pesquisa adotou-se o método do estudo de caso em uma
instituição de ensino superior inserida na cidade de Várzea Grande - MT, restrita a um
curso integrante da área de conhecimento das ciências sociais aplicadas.
O resultado da pesquisa não pode ser transportado para uma definição de
ocorrência em âmbito maior do que foi contemplado. Procurou-se entender melhor a
didática aplicada no curso de Administração de forma a verificar se ocorre formação
efetiva para o mundo do trabalho para atender o perfil dos egressos previstos no PPC –
Projeto Pedagógico de Curso.
O artigo está estruturado em cinco grandes tópicos, sendo o primeiro, que
contempla a introdução. O segundo, o referencial teórico. O terceiro, referente à
metodologia. O quarto contempla os resultados das pesquisas. O quinto contempla as
considerações finais do estudo.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO E O PROBLEMA DO PROFESSOR
A partir da forte expansão da educação superior nacional tendo como referência
a instituição da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) ocorre a mercantilização do ensino
brasileiro com a efetividade da privatização isto é, a ênfase em instituições de ensino
particulares que atendem à demanda de massa por educação a preço acessível. Demanda
que implica em um recrutamento acentuado de professores. Mas uma consequência da
ação é a degradação do trabalho na educação a precarização das relações de trabalho
entre professores e a instituições de ensino superior.
A educação torna-se mais um produto de mercado tornando-se um processo de
subordinação da educação aos interesses de mercado. A opção brasileira para o
crescimento de seu ensino superior foi feita por meio de instituições de ensino
particulares. Mas as práticas das relações de trabalho entre as instituições e os
professores são reflexos das políticas neoliberais e mercantilistas.
O compromisso de uma instituição superior de ensino desloca-se para obstinação
do lucro e detrimento a qualidade de ensino. No caso das grandes fusões de instituições
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de ensino particulares os professores tornam-se reféns dos processos de vendas e fusão
(NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2015).
O certo é que as condições de expansão do ensino superior sem atenção e
qualidade da ação do professor não produz um professor reflexivo que se aperfeiçoa o
qual Perrenoud (2002, p. 43-44) define como: ―Um ‗professor reflexivo‘ não para de
refletir a partir do momento em que consegue sobreviver na sala de aula, no momento
em que consegue entender melhor sua tarefa e em que sua angústia diminui‖.
Os cursos de Administração no Brasil que estão entre os maiores da área de
conhecimento das ciências sociais aplicadas, na análise de De Paula e Rodrigues (2006),
são os que tem conteúdos e métodos pedagógicos no que se refere à ―mercantilização‖
do ensino.
Nas últimas décadas no território brasileiro ocorreu massificação no ensino,
relacionada em grande parte pela expansão do setor privado ocasionando o que
podemos chamar de universidade mercantil. Tal contexto impõe-se severa crítica em
especial aos professores que passam a entreter os alunos com metodologias não
confiáveis. A ênfase que deveria ser em gestão é pouco respaldada por pesquisas
científicas oriundas das publicações na área, portanto, sofre críticas devido
superficialidade. Predomina as produções estrangeira o que ocasiona referenciais sem
sintonia com a realidade brasileira.
Má qualidade é a acusação recorrente do ensino em administração, mas faltam
dados concretos para que se possam entender as efetivas causas dessa imagem
(FLEURY, 1983). Para sair da acusação de má qualidade o ensino de administração no
Brasil precisa ser reinventado passando a questão pelo professor em sala de aula. Khan
(2013, p.39) contempla que, ―A falha em relacionar tópicos do currículo escolar com
sua eventual aplicação no mundo real é uma das deficiências centrais do nosso
fragmentado modelo de sala de aula [...]‖.
Diferenças de qualidade entre cursos de graduação em administração remetem o
questionamento se todos são capazes de formar pessoas qualificadas para os cargos
gerenciais das organizações. Assim se fez necessária dentre as inúmeras estratégias a
serem adotadas unidades curriculares críticas na formação do administrador como
também, materiais didáticos e metodologias de ensino que sejam eficientes ao ministrar
tais unidades curriculares com os resultados esperados (CASTRO, 1981).
2.2 A DIDÁTICA: METODOLOGIAS ATIVAS E COMPETÊNCIAS
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Na didática aplicada para o alcance do perfil do egresso constituído de
competências a serem alcançado em um curso em consonância com o que estabelece o
PPC e operacionalizado pelos planos de ensino das unidades curriculares, verificamos
que as metodologias adotadas pelo professor são um instrumento facilitador nesse
processo de construção entre elas as metodologias ativas que são formas de
desenvolvimento da aprendizagem com experiências reais com o intuito de solucionar
com sucesso os desafios apresentados em diferentes contextos que leva em consideração
a aprendizagem para a autonomia discente (BERBEL, 2011).
Como exemplos de metodologias ativas, podemos pontuar duas: a aprendizagem
baseada em projetos e o ensino por meio de solução de problemas onde nossa prática
enquanto professores é favorecer para os alunos nas atividades de ouvir, perguntar,
discutir, fazer e ensinar, pois a aprendizagem ativa ocorre por meio da interação do
aluno com o assunto em estudo ocorrendo, portanto, a construção do conhecimento e
não somente a transferência de informação do professor ao aluno (BARBOSA;
MOURA, 2013).
No âmbito da didática aplicada no que tange à construção de competências as
metodologias ativas centradas no aluno são formas eficazes de construção (KULLER;
RODRIGO, 2013). Os autores complementam que ―Para o desenho da metodologia de
desenvolvimento de competências, foi considerado o conjunto de métodos ativos‖.
(p.75)
Temos em Perrenoud (1999, p.35) um entendimento e reflexão para o alcance de
competência no contexto das metodologias ativas, ―Uma competência pressupõe a
existência de recursos mobilizáveis, mas não se confunde com eles, pois se acrescentam
aos mesmos ao assumir sua postura em sinergia com vistas a uma ação eficaz em
determinada situação complexa‖.
Entender a dinâmica da didática, o processo de ensino e aprendizagem com o
uso de metodologias ativas para a construção do perfil do egresso baseado em
competências é termos a certeza do preparo para o mundo do trabalho.
3 METODOLOGIA
O método do estudo de caso foi usado e, de acordo com Lima (2008, p. 34), ―[...]
corresponde a uma das formas de realizar pesquisas empíricas de caráter qualitativo
sobre um fenômeno em curso e em seu contexto real‖. A autora complementa que ―[...]
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a adoção desse método [...] viabiliza imersão integral, profunda e minuciosa do
pesquisador na realidade social investigada‖ (p.34).
Técnica de coleta de dados: adotou-se entrevista com o coordenador do curso de
graduação em Administração, caracterizada como totalmente estruturada. O
questionário para a entrevista constou de questões abertas. A entrevista proporcionou
explorar a experiência profissional e acadêmica do coordenador de curso no ensino de
administração que também é membro do NDE – Núcleo Docente Estruturante do curso,
avaliador bem como INEP/MEC para autorização, reconhecimento e revalidação de
reconhecimento de cursos a nível Brasil.
A pesquisa foi realizada no curso de graduação em Administração pertencente a
um centro universitário de ensino particular baseada na Grande Cuiabá – MT, com
oferta de vagas tanto para o período matutino e noturno. A pesquisa foi realizada
durante o mês de fevereiro de 2016.
Para análise histórica foi feita uma pesquisa documental que para Lima (2008, p.
57) ―[...] figura recurso metodológico indispensável quando o pesquisador necessita
explorar temas ou aspectos do tema que recuperam dimensões históricas da realidade‖.
Três foram os documentos analisados: as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Administração bacharelado (2005), o PPC – Projeto Pedagógico de
Curso (2016) e, a estrutura do Plano de Ensino (2016) aplicado nas unidades
curriculares do curso.
Também foi feita a pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (1996, p. 48) ―[...] é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de principalmente de livros e
artigos científicos‖.
E ainda observações das práticas educacionais no âmbito do plano de ensino:
junto aos professores e membros do NDE – Núcleo Docente Estruturante e sobre a
didática na prática com foco nas metodologias ativas.
4 R
ESULTADOS DAS PESQUISAS
4.1 ENTREVISTA COM O COORDENADOR DO CURSO
- Como se concretiza a didática no curso de graduação Administração?
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―No âmbito de um curso de Administração é preciso entender alguns aspectos, pois tudo
emana do PPC – Projeto Pedagógico do Curso construído tomando-se com ponto
fundamental as DCN’s - Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em
Administração bacharelado definida pelo CNE conforme Resolução N° 4, de 13 de
julho de 2005. E o alinhamento do documento é feito com dois documentos estratégicos
da nossa instituição de ensino o PDI – Projeto de Desenvolvimento Institucional o seu
‗planejamento estratégico‘ e, o PPI – Projeto Pedagógico Institucional que define a
filosofia educacional da instituição isto é, a forma como ela entende e pratica a
educação.‖
- Qual a efetiva importância do perfil do egresso definido no PPC – Projeto Pedagógico
do curso de graduação em Administração?
―Ele contempla as condições mínimas para que o administrador possa ingressar
preparado para o mundo do trabalho e o viver em sociedade no âmbito de uma profissão
regulamentada por Lei, uma vez que sua carreira profissional irá adquirir novas
competências ao longo da vida profissional que são aquelas exigidas em determinados
contextos organizacionais em um mundo do trabalho em constantes mudanças e
incertezas, como por exemplo, a crise econômica que estamos vivenciando.‖
- Você tem certeza que a didática no curso de graduação em Administração é bem
sucedida no alcance do perfil do egresso?
―Não é uma resposta simples nem posso fazer uma afirmativa concreta a despeito de
termos projetado em nosso curso uma estrutura curricular inovadora que alia teoria com
a prática, ênfase em empreendedorismo, com especial destaque para os projetos
integradores 6 (seis) durante o curso, além do uso de metodologias ativas, temos
projetada uma boa formação para o mundo do trabalho e o viver em sociedade que é a
formação integral. Mas é importante frisar que a determinação do processo de ensino é
feita pelo professor da unidade curricular com sua ‗experiência‘ em metodologias ativas
e no ensino de Administração.
4.2 ANÁLISE DOCUMENTAL
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4.2.1 Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração,
bacharelado
Descritas bases suficientes para a construção de um PPC – Projeto Pedagógico
de Curso, proporcionando as condições de se estabelecer a didática para um curso de
graduação em Administração.
4.2.2 PPC – Projeto Pedagógico de Curso, grades: 2012/2° e 2016/1º.
As (quinze) competências planejadas e descritas no projeto estão identificadas
ao longo dos (quatro) anos do curso, em cada intenção formativa anual. As 8 (oito)
definidas nas diretrizes curriculares estão identificadas nos projetos.
No que se refere ao perfil do egresso, o projeto explicita o mesmo por
competências, tanto das diretrizes como as emanadas no referido projeto.
As condições permitem, com segurança, a identificação e implementação dos
processos de ensino e aprendizagem, nas duas grades.
4.2.3 Plano de Ensino
As metodologias adotadas aula a aula, são definidas pelo professor da unidade
curricular.
Campos para adição das competências previstas nas diretrizes curriculares
nacionais e as previstas no PPC, são definidos. Observou-se no desenvolvimento dos
conteúdos aula a aula, obrigatoriedade de desmembramento do saber conceitualmente
(qualificação) – conhecimento; saber fazer (experiência funcional) – habilidade; saber
agir (capacidade de obter resultados) – atitude, conforme o conceito de competência
apregoado por Fleury e Fleury (2001) e, adotado pelo curso de Administração. Como
também, o conteúdo dividido em teoria (%) e prática (%).
4.3 OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS EDUCACIONIAS
4.3.1 Plano de ensino
- Observaram-se dificuldades dos professores em sua elaboração e preenchimento.
- Os membros do NDE – Núcleo Docente Estruturantes possuem duas dificuldades: 1)
para validação de muitos planos de ensino; 2) não conseguem validar no tempo previsto
para o semestre letivo.
4.3.2 Metodologias ativas
- Uma parcela significativa dos professores não consegue colocar em prática, com
efetividade, metodologias ativas.
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- Somente nos projetos integradores, a metodologia ativa, aprendizagem baseada em
projeto, ocorre com efetividade, entretanto, ainda não existe métrica confiável, para a
certificação das competências previstas.
- Nem todos os professores conhecem a prática de metodologias ativas e/ou, foram
capacitados nelas, a despeito de programa de capacitação implementado pela instituição
de ensino e as reuniões de trabalho organizado e conduzido pela coordenação de curso.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de entrarmos no mérito dos resultados da pesquisa é fundamental
entendermos o contexto do ensino de Administração no Brasil, que a despeito de sua
grandiosidade em termos de cursos ofertados e números de alunos – uma dimensão
numérica representativa - são considerados excetuando-se casos isolados, ensino de
qualidade educacional duvidosa em especial os ofertados pela iniciativa privada que
representa a sua maioria. Inserem-se na chamada massificação de ensino e a
mercantilização com um agravante da fraca tentativa de recorrer-se a pedagogia crítica
no ensino de administração. Trata-se, portanto, de uma inserção na educação como
simples negócios. A questão possui agravante em especial quando se trata dos
professores que ministram aulas no ensino de administração, nem sempre com boa
formação e capacitação para as práticas e metodologias que deveriam ser usadas – uma
relação profissional nem sempre pautada para o objetivo da qualidade de ensino -
Talvez seja à hora do ensino de administração desestrutura-se como ensina (DEMO,
2012, p.1), ―Aprendi com teorias da aprendizagem e, sobretudo, com práticas
pedagógicas [...] que, para aprender, é preciso desestruturar-se, desconstruir-se, refazer-
se‖.
O problema da pesquisa, assim definido: A didática praticada no curso de
Administração tem proporcionado formação satisfatória para as necessidades do mundo
do trabalho? Na resultante da pesquisa pelos resultados obtidos, conduzem que não
existe total garantia que a didática aplicada a despeito dos esforços feitos, tem
proporcionado formação satisfatória para o mundo do trabalho.
Em tal contexto a hipótese desenvolvida: A didática no curso de Administração
por meio da aplicação metodologias ativas com professores preparados aplicando
avaliações para a certificação das competências previstas nas Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Administração bacharelado garante o alcance do
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perfil do egresso e consequentemente, o atendimento das necessidades profissionais do
mundo do trabalho não se concretiza.
Deve ser ressaltado que a pesquisa feita no curso de Administração revelou a
atenção e cuidados que são considerados tanto com relação às DCN’s do Curso de
Administração bacharelado incorporadas ao PPC. Como o perfil do egresso sendo
importante para o exercício profissional do administrador ao ingressar no mundo do
trabalho
O curso contempla sólidas informações no seu PPC documento gestor do curso
que serve para orientar os planos de ensino das unidades curriculares no dia a dia em
sala de aula.
O curso também contempla avaliação aos moldes do ENADE definidas em
consonância com resolução institucional específica não somente para preparar seus
alunos para o ENADE, mas também porque tais questões são idealizadas tomando-se a
atenção as competências das diretrizes curriculares nacionais servindo também, como
instrumento de avaliação e certificação das competências previstas no perfil do egresso.
Assim pela pesquisa constatou-se que o objetivo do estudo foi alcançado:
Entender como o curso de Administração da área de conhecimento das ciências sociais
aplicadas trabalha a didática para a formação para o mundo do trabalho. Foi alcançado
uma vez que foi possível entendimento total das práticas educacionais que são feitas.
A didática aplicada com processo de ensino e aprendizagem com o uso de
metodologias ativas e perfil do egresso construído por competências revela ser uma
tarefa difícil, pois envolve entendimento conceitual, usos de metodologias de ensino que
propiciem o equacionamento de teoria com a prática para o mundo do trabalho,
docentes com experiência e capacitados e instrumentos de avaliação com eficácia para a
certificação de competência, isto é, a garantia do seu alcance pelo aluno.
A pesquisa não teve a pretensão de esgotar a questão sobre a didática aplicada,
projetada e implementada por meio do PPC. Portanto, a pesquisa possui limitações
recomendando-se, portanto, novos estudos com outras amplitudes que envolvam os
professores e alunos do curso.
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