PEDRA DO PEIXE E MERCADO DE FERRO DO VER-O ......5 Pedra cantaria é a técnica construtiva de pedra...

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PEDRA DO PEIXE E MERCADO DE FERRO DO VER-O-PESO: Uma etnografia das relações sociais existentes entre balanceiros e peixeiros envolvidos na comercialização do pescado na feira da madrugada em Belém do Pará. SILVA, Luiz de Jesus Dias 1 RESUMO Este trabalho tem o objetivo de discutir as relações sociais entre duas categorias de trabalhadores, dentre outras existentes, envolvidas na comercialização e circulação do pescado, em evento que ocorre nas madrugadas do Ver-o-Peso em Belém do Pará. A primeira categoria é dos balanceiros, responsáveis pela venda do pescado por atacado na Pedra do Peixe e a segunda categoria é dos peixeiros do Mercado de Ferro, os quais compram o pescado dos balanceiros, e são os responsáveis pela comercialização desse produto a varejo, no Mercado de Peixe do Ver-o-Peso. Uma relação que poderia ser somente comercialização, tem outros desdobramentos indo da sociabilidade à formação de redes sociais em um sistema de mercado onde o que importa não é só troca, mas, sem desmerecer o sistema econômico, também estão presentes confiança, amizade, parceria, a dádiva aí existente, chegando algumas vezes ao conflito, necessariamente administrado. Para dar suporte teórico à pesquisa foram consultados Polanyi (2012), Sahlins (1979), Simmell (2006), Mauss (2003), Barnes (1972; 2003; 2010), Wasserman e Faust (2009). Na metodologia adotada, que vai além do aporte oferecido pelo referencial teórico utilizado, estão contidas a observação direta e a observação participante que resultaram na etnografia, descrição detalhada, diálogos e entrevistas informais com perguntas abertas a interlocutores partícipes do evento, de onde é possível, nas considerações finais, observar que são atividades que se complementam e que potencializam a circulação de pescado do atacado ao varejo para abastecer parte da população de Belém, o que se dá em forma de redes sociais imbricadas nessas relações, onde cada sujeito é um nó da rede e cada balanceiro é um nó central de uma rede parcial. Os resultados retratam uma realidade local e fazem parte da pesquisa, em andamento, iniciada em janeiro de 2012 e que está prevista para encerrar em outubro de 2015. Palavras chaves: Relações sociais, balanceiros, peixeiros, pescado, Ver-o-Peso. 1 SILVA, Luiz de Jesus Dias é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia- PPGSA, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCH, da Universidade Federal do Pará –UFPA, Docente da Faculdade de Arquitetura do ITEC/UFPA.

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PEDRA DO PEIXE E MERCADO DE FERRO DO VER-O-PESO: Uma

etnografia das relações sociais existentes entre balanceiros e peixeiros envolvidos

na comercialização do pescado na feira da madrugada em Belém do Pará.

SILVA, Luiz de Jesus Dias1

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de discutir as relações sociais entre duas categorias de

trabalhadores, dentre outras existentes, envolvidas na comercialização e circulação do

pescado, em evento que ocorre nas madrugadas do Ver-o-Peso em Belém do Pará. A

primeira categoria é dos balanceiros, responsáveis pela venda do pescado por atacado na

Pedra do Peixe e a segunda categoria é dos peixeiros do Mercado de Ferro, os quais

compram o pescado dos balanceiros, e são os responsáveis pela comercialização desse

produto a varejo, no Mercado de Peixe do Ver-o-Peso. Uma relação que poderia ser

somente comercialização, tem outros desdobramentos indo da sociabilidade à formação

de redes sociais em um sistema de mercado onde o que importa não é só troca, mas, sem

desmerecer o sistema econômico, também estão presentes confiança, amizade, parceria,

a dádiva aí existente, chegando algumas vezes ao conflito, necessariamente administrado.

Para dar suporte teórico à pesquisa foram consultados Polanyi (2012), Sahlins (1979),

Simmell (2006), Mauss (2003), Barnes (1972; 2003; 2010), Wasserman e Faust (2009).

Na metodologia adotada, que vai além do aporte oferecido pelo referencial teórico

utilizado, estão contidas a observação direta e a observação participante que resultaram

na etnografia, descrição detalhada, diálogos e entrevistas informais com perguntas abertas

a interlocutores partícipes do evento, de onde é possível, nas considerações finais,

observar que são atividades que se complementam e que potencializam a circulação de

pescado do atacado ao varejo para abastecer parte da população de Belém, o que se dá

em forma de redes sociais imbricadas nessas relações, onde cada sujeito é um nó da rede

e cada balanceiro é um nó central de uma rede parcial. Os resultados retratam uma

realidade local e fazem parte da pesquisa, em andamento, iniciada em janeiro de 2012 e

que está prevista para encerrar em outubro de 2015.

Palavras chaves: Relações sociais, balanceiros, peixeiros, pescado, Ver-o-Peso.

1 SILVA, Luiz de Jesus Dias é Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia- PPGSA, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCH, da Universidade Federal do Pará –UFPA, Docente da Faculdade de Arquitetura do ITEC/UFPA.

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Introdução

A rede em torno do pescado na cidade de Belém envolve grupos diversos,

entre pescadores distantes, donos de embarcações e seus tripulantes, os profissionais que

atuam na Pedra, os compradores, os consumidores finais e o Estado que tenta controlar

essa trama; possibilitando assim, investigações e pesquisas sobre as relações aí existentes,

antes da Pedra, na Pedra e na distribuição depois da Pedra.

A trama abrangendo diversos atores sociais2 envolvidos na recepção e

distribuição do pescado na Pedra do Peixe ou simplesmente Pedra3, que só pode ocorrer

na madrugada, para não conflitar com a comercialização no varejo que se dá

tradicionalmente no Mercado de Ferro4, pela manhã, é um evento muito importante no

Complexo Ver-o-Peso, por diversos motivos.

Primeiramente marca sua temporalidade, mostrando que a feira tem vida

própria em diversos momentos do dia, durante todo o dia, com público diversificado e

específico nesses períodos; segundo, marca sua paisagem, porque as embarcações

carregadas de pescado compõem e complementam muito bem o cenário que mais

simboliza a cidade de Belém, no qual esses veículos aquáticos estão ancorados na margem

da pequena enseada margeada pelo cais, construído de pedra cantaria5, tendo ao fundo o

Mercado de Ferro, que é o cenário preferido como cartão postal e imagem da cidade; e,

terceiro, também marca a circulação do pescado na cidade e outras localidades para onde

é distribuído esse produto, tão apreciado na culinária regional.

O pescado é trazido pelos trabalhadores embarcados e o proprietário do barco

ou encarregado, que é de sua confiança, a essa altura, já está acordado com outro sujeito

que atua na Pedra para representa-lo na venda desse pescado vindo de rios ou da foz do

rio Amazonas e que será oferecido aos compradores. Na Pedra existe uma trama diária

para valorar o pescado nessa venda por atacado, como uma verdadeira economia de

mercado, sendo desse modo, um sistema auto–regulável de mercado, que “é uma

2 Atores sociais, aqui sendo visto segundo Goffman (2013, p.29) “ o papel que cada indivíduo representa na sociedade”. 3 Pedra ou Pedra do Peixe é o entreposto pesqueiro que se localiza na enseada das embarcações à margem da baía do Guajará, em frente ao Mercado de Ferro ou Mercado de Peixe no Complexo Ver-o-Peso, 4 Mercado de Ferro ou Mercado de Peixe, é o prédio do Ver-o-Peso destinado a comercialização do pescado, a varejo, para a população em geral. 5 Pedra cantaria é a técnica construtiva de pedra sobre pedra, as quais tem formas de prismas para os encaixes apropriados na construção, como o sistema usado no Ver-o-peso.

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economia dirigida pelos preços do mercado e nada além dos preços do mercado”

(POLANYI, 2000, p.63).

Dentre os sujeitos que atuam individualmente, mas dentro de categorias de

trabalhadores que fazem os acontecimentos nesse local, estão os balanceiros6 e os

peixeiros7, onde se encontram de modo específico os peixeiros do Mercado de Ferro, os

quais compram o pescado dos balanceiros por atacado e são responsáveis pela

comercialização desse produto a varejo, no Mercado de Peixe do Ver-o-Peso. Uma

relação que poderia ser somente sociação8, como o é a comercialização, tem outros

desdobramentos que vão de sociabilidade9 à formação de redes sociais10, onde cada

indivíduo representa um nó11 dessa rede que se liga com outro e vai se ampliando cada

vez mais.

Assim, esse trabalho tem o objetivo de discutir as relações sociais entre essas

duas categorias de trabalhadores, envolvidos na comercialização e circulação do pescado,

nesse evento das madrugadas do complexo Ver-o-Peso em Belém do Pará.

Em um recorte mais específico, nesse sentido, está a relação entre o

balanceiro Tetéo e o peixeiro Pedro Sá, em etnografia empreendida numa madrugada de

junho de 2014, que pode representar muito bem o modo como essas categorias atuam na

compra e venda, na relação de confiança, de solidariedade, na administração de conflitos

e na relação com outras categorias de trabalhadores que atuam nessa trama utilizando

performances linguísticas, gestuais e corporais, próprios para o local e às vezes só

compreendidos entre eles, sendo necessário esforço para uma interpretação externa ou

interpretação da interpretação como fala Gertz (1998, p.16).

Para dar suporte teórico à pesquisa foram consultados Polanyi (2000),

Sahlins (1978), Simmell (2006), Mauss (2003), Barnes (1972; 2003; 2010) e Wasserman

6 Balanceiros são os comerciantes que vendem o pescado que sai das embarcações, representando o dono do barco, em venda por atacado, aos compradores em geral. 7 Peixeiros são os vendedores de pescado, pode ser os do Mercado de Ferro ou de outros recantos de Belém e de outros municípios. 8 Sociação “é a forma (que se realiza de inúmeras maneiras distintas) na qual os indivíduos, em razão de seus interesses – sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscientes, movidos pela casualidade ou teleologicamente determinados – se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual esses interesses se realizam. Esses interesses formam a base da sociedade humana” (SIMMEL, 2006, p.60). 9 Sociabilidade, é um fenômeno social que vai além da simples sociação, como é a reunião econômica existente na Pedra, mas [...]“em sua pura efetividade, se desvencilha das realidades da vida social e do mero processo de sociação como valor e como felicidade [...] (SIMMEL, 2006, p.64). 10 Rede social nesta pesquisa é visto teoricamente segundo Barnes (2003 e 2010). 11 Nó da rede é o ponto de ligação entre atores e entre esses e eventos (WASSERMAN e FAUST, 2009, p. 77).

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e Faust (2009). Na metodologia adotada, que vai além do aporte oferecido pelo referencial

teórico utilizado, estão contidas as observações direta e participante que resultaram na

etnografia, mais entrevistas com perguntas abertas a interlocutores partícipes do evento,

de onde é possível, nas considerações finais observar que são atividades que se

complementam e que potencializam a circulação de pescado do atacado ao varejo, para

parte da população de Belém e ainda, que essas relações vão caracterizar a formação de

redes sociais, onde cada sujeito envolvido é um nó da rede e cada balanceiro é um nó de

centralidade12 ou pessoa alfa13 e como há todo um entrelaçamento entre redes sociais

parciais, há a formação de uma rede social total14 , dentro dos princípios teóricos

empreendidos por Barnes (2010) e Wasserman e Faust (2009).

Inicialmente há uma contextualização da pesquisa, através da categorização

dos sujeitos envolvidos na circulação do pescado a partir da Pedra, chegando ao recorte

do trabalho em que há o envolvimento de dois atores sociais, o balanceiro Tetéo e o

peixeiro Pedro Sá, os quais representam a relação existente entre duas categorias bem

representativas de trabalhadores ali atuantes, numa madrugada na Pedra, onde é possível

perceber que essa relação entre balanceiros e peixeiros é complementar e está imbricada

na relação com outros atores sociais, dentro das suas especialidades para fazer fluir a

circulação do produto.

Essa mesma analogia reflete de um modo geral as relações sociais existentes

entre as demais categorias que realizam as atividades de recepção e comercialização de

pescado na Pedra, o que pode ser sintetizado visualmente em um sociograma15 expresso

em uma figura que representa parte da rede social tecida em função dessas atividades.

12 Nó de centralidade ou nó central é o indivíduo ou evento que possui maior ligação com outros em uma rede social (WASSERMAN e FAUST 2009, p. 77). 13 Alfa é a pessoa ou nó de uma rede tomada como referência (BAENES, 2010, p.180), que pode ser o nó de central. 14 Rede social total é aquela rede que contém a maior parte possível da informação sobre a totalidade da vida da comunidade correspondente (BARNES, 2010, p.179). 15 Sociogramas são representações gráficas, que se traduzem em ferramentas efetivamente úteis no sentido de avaliar as relações entre um número limitado de nós. (WASSERMAN e FAUST, 2009, p.71)

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Atores sociais no fluxo: Categorização dos sujeitos envolvidos na comercialização do

pescado na Pedra.

A Pedra do Ver-o-Peso ou simplesmente Pedra, é o local onde atracam as

embarcações carregadas de pescados para serem comercializados pelos balanceiros, a

figura 1 mostra imagem de parte do Complexo Ver-o-Peso, onde é possível visualizar ao

centro o Mercado de Peixe, à direita a Doca e as embarcações geleiras ancoradas na Pedra,

que é a calçada que margeia essa parte da Baia do Guajará e fica situada muito próximo

ao Mercado de Peixe.

Figura 1. Parte do Ver-o-Peso com o Mercado de Ferro ao centro e a Pedra a direita.

Fonte: FAU/UFPA.2011

Há nitidamente a divisão do trabalho com alta predominância do gênero

masculino nas diversas atividades empreendidas na Pedra. “A divisão do trabalho,

fenômeno tão antigo como a sociedade, origina-se de diferenças inerentes a fatos como

sexo, geografia e capacidade individual” (POLANYI, 2000, p. 63). Nesse caso, as

atividades de recepção e distribuição do pescado exige força, destreza e habilidade

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corporal, sendo tradicionalmente absorvidas por trabalhadores do sexo masculino desde

sua origem.

Os balanceiros comercializam o pescado trazido pelos barqueiros e o fazem

somente por atacado, a maioria dos balanceiros vendem a partir de 10 quilos aos

chamados compradores16, dentre os quais se encontram os peixeiros que atuam no

Mercado de Ferro. Para que o balanceiro possa vender o pescado do barqueiro17, há

necessidade de contar com o trabalho de outras categorias, como a do virador18 e do

carregador19, sendo que esse último tem como função profissional, carregar o pecado em

caixa de madeira com dimensões proporcionais para caber 100 quilos do produto in

natura, da balança até o carro indicado pelo comprador.

O Mercado de Peixe fica ao lado da Pedra (Figura 1), é só atravessar a

Avenida Portugal, que inicia nesse ponto do Ver-o-Peso. Esse mercado é um bem

simbólico à cidade de Belém do Pará; é o ponto preferido para captar imagem, fotos que

representem a cidade.

A Pedra é o local onde ocorre o evento diário – entre 1h e 6h – da distribuição

do pescado para toda Belém e outras localidades. Para Carlos (1997, p. 28) “um espaço é

uma relação que se materializa formalmente em algo passível de ser apreendido,

entendido e aprofundado”. A Pedra é o palco de atuação dos personagens que formam a

rede social em volta do pescado que chega no Ver-o-Peso.

Para este artigo se acompanhou a venda do balanceiro Tetéo para o peixeiro

Pedro Sá e os trabalhadores que contribuíram para que isso pudesse ser realidade. Nesta

essa pesquisa, alguns personagens permitiram que se usassem seu nome ou apelidos, no

entanto foi respeitado o direito de outros trabalhadores que pediram que fosse mudado o

seu nome ou apelido, como foi o caso do Tetéo e do Pedro Sá.

Ressalta-se que apesar de haver um horário estabelecido através de Decreto

Municipal, que prevê o intervalo de 1 h às 6h para comercialização na Pedra, há

diariamente um prolongamento das atividades locais, através dos vendedores dos

caixotes, os quais são trabalhadores que vendem pescado a varejo, na Pedra, sobre

caixotes de madeira revestidos de papelão na parte de cima, onde são expostas as espécies

16 Compradores são os sujeitos que adquirem o pescado por atacado para fazer chegar ao consumidor final. 17 Barqueiro ou geleiro é o dono da embarcação, muitas das vezes é também o comandante dessa. 18 Virador o profissional responsável por receber o pescado da embarcação – em basquetas de plásticos- e virar na caixa do carregador sobre a balança do balanceiro, ajudando a levantar essa caixa para o carregador leva-la na cabeça até o carreteiro (carro que transporta até ao local da venda no varejo). 19 Carregador é o profissional contratado pelo comprador para levar o pescado adquirido, da balança até o carro que vai levar o produto ao seu destino.

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oferecidas a preço bem menor que os praticados no Mercado, sendo que algumas dessas

espécies tidas como inferior ou “peixe de segunda”, nem chegam a ser vendidas no

Mercado de Peixe.

No entanto esse pescado aí oferecido é vendido clandestinamente e tem fama

de ser de má qualidade ou no mínimo de peixe de segunda20. Já houve inúmeras ações do

Poder Público no sentido de coibir essa atividade, mas assim que há um relaxamento

dessas ações pontuais, os vendedores dos caixotes voltam a atuar na Pedra a partir de

5h:30 ou 6h e ficam vendendo até 8h ou até serem retirados pela fiscalização do Poder

Público Municipal, por vezes é comum ficarem até às 12h. Afinal eles têm uma clientela

que os prestigia diariamente, comprando seus produtos oferecidos geralmente em lotes21.

O Francisco Silva, que tem 29 anos de idade, vende com o pai, desde os 15 anos e disse

depender da venda de pescado na calçada, que vive “[...] disso, se isso acabar como eu

fico, como fica as pessoas que só pode comprar aqui, no lote?”

Mas de um modo geral, assim como o vendedor Francisco Silva, estão

envolvidos na atividade de circulação do pescado, diversos atores sociais em classes ou

categorias específicas, onde em cada barco atracado está um barqueiro ou geleiro22; no

caso o barco que estava servindo ao Tetéo, era o Deusa do Mar II (figura 3), onde se

encontrava presente o dono da embarcação Juramí; por vezes um encarregado23 substitui

o barqueiro. No barco ancorado estão os tripulantes24 que dão apoio à venda, seja só

vigiando para não haver furto de pescado ou pegando o pescado no convés, que é retirado

das urnas25, as quais estão no porão do barco e colocando-as nas basquetas26.

O Juramí tem dois barcos, com sede em Soure27 e pesca mais dourada

(Brachyplathystoma flavicans) e gurijuba (Apistor luniscutis), passando cerca de vinte a

20 Peixe de segunda ou de segunda qualidade é aquele de espécies menos apreciadas pela maioria dos consumidores. 21 Lote é uma quantidade de pescado que pode variar de um quilo até 5 quilos dependendo de circunstancias como procura, oferta, tamanho, espécie e qualidade do pescado. 22 Barqueiro ou geleiro é o proprietário da embarcação, o qual muitas das vezes assume o comando do barco por questão de não confiar seu barco a outrem. 23 Encarregado é o comandante do barco contratado pelo geleiro para substitui-lo, inclusive na comercialização do pescado com o balanceiro. 24 Tripulantes são os pescadores que trabalham embarcados, dentre esses estão um cozinheiro e um gelador, que no caso tem atividades especializadas. O cozinheiro não fica no barco atracado, geralmente ele é liberado de outras tarefas. 25 Urnas são as divisões físicas nas duas laterais do barco, as quais são compartimentalizadas com paredes de madeira a cada dois metros aproximadamente, é nesses depósitos que o gelador vai colocando o pescado tirado das águas sob gelo, por camada e por espécies. 26 Basquetas, são caixas de polipropileno nas quais são depositados os pescados que saem das urnas para a Pedra. 27 Soure é um município do arquipélago do Marajó a Noroeste de Belém.

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vinte e cinco dias pescando, vem de mês em mês no Ver-o-Peso e prefere escoar o pescado

pelo Tetéo, o que já faz há cerca de nove anos. “Quando eu ancoro aqui (no Ver-o-Peso),

passo de dois a cinco dias, até acabar o peixe da urnas e o meu irmão, (Juca), já está

tirando peixe lá no ponto28 pra trazer pro Tetéo.”(Jumamí, 42 anos, junho/2014). Para o

barqueiro, a tripulação e boa parte dos atores sociais envolvidos nesse trabalho, o pescado

tem valor de troca, semelhante ao que o sal representava para os Baruya da Nova Guiné,

no século passado, “ é um produto destinado antes de tudo à troca, portanto uma

mercadoria (GODELIER, 1981, p. 139).

No barco do Juramí trabalham com ele seis tripulantes, mas nesse dia estavam

três tripulantes auxiliando o barqueiro Jurami, um no porão (o gelador Tom) e dois no

convés (Gato e Bena); o pescado é retirado das urnas que estão cheias de gelo - para

garantir sua conservação - e em seguida é jogado do porão da embarcação para cima, pelo

gelador29 Tom.

O Tom, lá fora, já armazena cada espécie nas urnas com gelo em camadas,

de modo que ele sabe onde está cada espécie por tamanho; ele retira o pescado com

destreza, fazendo vários movimentos corporais. Primeiramente o Tom se abaixa para

pegar o peixe retirando-o do gelo, levanta e na maioria das vezes – quando o peixe é de

tamanho médio ou até 80 centímetros - pega o peixe pelo rabo com a mão direita,

apoiando a cabeça do pescado com a mão esquerda, estica o braço para cima ao mesmo

tempo em que impulsiona o corpo, flexionando ligeiramente o joelho, joga o pescado para

do porão para o convés, rapidamente. Quando o pescado é menor (40 ou 50 cm), basta

uma mão para arremessa-lo ao convés; mas quando o pescado é maior que 80 cm é mais

demorada a operação, pois de início são necessárias as duas mãos para retirá-lo do gelo e

arremessa-lo para cima.

Chegando no convés, o pescado é catado pelo pegador 30vai para as

basquetas, as quais são direcionadas à rampa31 (figura 3A), que liga o barco à Pedra, onde

é recebida pelo virador Mendes.

O trabalho no convés é feito com certa sincronia entre o Gato e o Bena, que

se revezam entre apanhar o peixe no convés, encher as basquetas, arrumando para caber

28 Ponto é o local geográfico na foz do rio Pará ou do Amazonas, de onde é retirado o pescado citado. 29 Gelador é o tripulante encarregado de gelar o pescado e, em terra, ele retira o pescado do porão para o convés, onde é depositado nas basquetas para em seguida serem conduzidas à Pedra. 30 Pegador é a denominação que o tripulante recebe nesse momento em que ele pega o peixe no convés para arrumar na basqueta e conduzir para fora da embarcação. 31 Rampa nesse sentido, descrito, é uma tábua de madeira de lei, forte com no mínimo 5 cm de espessura usada para ligação do barco à Pedra, onde esse está ancorado.

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o máximo de pescado, empurra-las para fora do barco através da rampa e ao mesmo tempo

vigiando para não haver furto de peixe.

O gelador Tom, está atuando lá no porão, o qual está abarrotado de gelo

recobrindo o pescado, mais o gelo que fica no corredor; embora esteja de botas, luvas e

todo vestido com roupa sobre roupa, ele sente o efeito da baixa temperatura que gira em

torno de 5 a 8 Graus Celsius, mas diz que “já estou acostumado, é 8 anos nessa vida” [...],

O tom se chama Antônio Silva, tem 32 anos, nasceu e mora em Belém, na Vila da Barca32

e pescava com o tio (Osvaldo) desde garoto, só parando para entrar no Serviço Militar;

quando saiu da Marinha, [...] “ O tio Valdo não pescava mais, não tinha mais peixe aqui

por perto, aí eu tinha 21 anos, fui trabalhar embarcado, primeiro como tripulante

(pescador) e depois como gelador”, [...] “ganho bem mais, aqui”.

O cozinheiro é um tipo de tripulante especial, que só aparece nos barcos com

mais de seis pessoas, aqueles com capacidade acima de 20 toneladas, nos barcos menores

há um revezamento ou um dos tripulantes é escolhido para o preparo da comida, a qual

deve ser de arranjo pratico, de preferência seca. Normalmente, quando a embarcação

chega ao Ver-o-Peso, o cozinheiro é dispensado para ir a sua casa, quando mora em

Belém, pois ele é um profissional que recebe um valor pré-estabelecido que gira entre um

e dois salários mínimos, por viagem, assim como o gelador que recebe em torno de quatro

salários mínimos por viagem, podendo ser mais conforme o barco.

Os demais tripulantes se revezam no trabalho de apoio à venda e vigia do

pescado, enquanto uns descansam ou vão para suas casas ou casa de parentes, nos dias

em que a embarcação está ancorada na Pedra, outros trabalham; quando sai da Pedra, sem

carga, a embarcação vai para um estaleiro ou um porto determinado para a devida

manutenção e aí os tripulantes ajudam para os preparativos da próxima viagem,

consertando redes, pequenos reparos ou comprando e carregando mantimentos

necessários para a próxima jornada lá fora.

Quanto à remuneração, os tripulantes dependem do quanto foi apurado na

venda do pescado; do valor apurado são retirados 6% (do valor bruto) para remunerar o

balanceiro e do percentual de 94% bruto restante, é retirado a metade para pagar os

tripulantes e a outra metade para as despesas de manutenção da embarcação, compra de

peças, materiais, equipamentos, insumos; enfim, despesas com a viagem (muitas das

vezes a que se encerrou e parte ou totalidade da próxima).

32 Vila da Barca é uma comunidade, originalmente ribeirinha, localizada nas margens da baía do Guajará, no bairro do Telégrafo, em Belém.

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Em um exemplo simulado dessa contabilidade, onde uma embarcação traz 20

mil quilos de pescado a ser comercializado no valor de R$8,00 poderia obter uma recita

bruta de R$160.000,00 e nesse caso 6% equivale a R$9.600,00; que seria o que cabe ao

balanceiro para comercializar esse pescado, restando R$150.400,00; cuja metade é R$

75.200,00 para o barqueiro pagar despesas com a viagem e manutenção da embarcação e

esse mesmo montante de recurso é utilizado para pagar a tripulação. Desse valor de

R$75.200,00 o barqueiro paga mais ao encarregado e ele entra nessa partilha, algo como

30% e os 70% restante finalmente vão para os pescadores, que no caso se autodenominam

tripulantes, para diferenciar dos demais pescadores artesanais; para eles pescador é o

anzoleiro33.

Quando a despesa da viagem é menor que 50% do valor que resta, após o

pagamento do balanceiro, é ótimo para o proprietário da embarcação (o barqueiro ou

geleiro), pois é sinal de lucro no seu negócio, mas se a despesa for maior que esses 50%,

aí em geral é garantido ou priorizado o valor (a metade) que vai remunerar a tripulação,

incluindo aí o encarregado da embarcação e nesse caso o barqueiro deve arcar com o

déficit para completar os valores que cubram as despesas (barco/viagem), pois ele é o

dono da embarcação. Caso o barqueiro não tenha esse valor, ele aciona o balanceiro, o

qual normalmente lhe empresta tal valor, sem embaraço.

O Juramí falou que atualmente o peixe está cada vez mais raro, “ a gente vai

lá fora34, passa três, quatro semanas é nem vem com as urnas cheias mais, é muito difícil

a gente voltar com o barco cheio e as despesas estão cada vez maior; a metade do apurado

nunca dá pras despesas”. Concluiu: “Quando o peixe dá35 é bom”.

O Tetéo sempre é pautado para fazer esse tipo de empréstimo aos barqueiros

com os quais ele trabalha e isso gera a fidelidade do barqueiro ao balanceiro, aumenta

seu vínculo de confiança, de sociabilidade e lhe dá mais prestígio no meio. O balanceiro

usa seu prestígio como marketing para ampliar seus negócios, para aumentar seu capital

e seu poderio.

Quando um barqueiro deve muito a um balanceiro, ele é capaz de vender seu

barco para pagar a dívida com o capitalista que está lhe emprestando dinheiro e a dívida

se acumula muito, desse modo ele sai honrado da relação. Eu entrevistei um ex-tripulante

33 Anzoleiro é o termo usado para definir o pescador que utiliza o anzol para a pesca, geralmente para seu consumo e pequenas vendas nos seus locais de mordia ou nas localidades de pesca. 34 Lá fora é um termo nativo que significa que o pescado é capturado distante de Belém, nos pontos específicos onde estão os grandes cardumes. 35 Quando dá o peixe é um termo que significa que a pesca foi boa com muito pescado capturado.

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de nome Welington, o qual narrou a história do seu tio, que é de Abaetetuba e ficou

devendo muito a um balanceiro X, de modo que veio a entregar seu barco para saldar a

dívida e o balanceiro aceitou, mandou reformar o barco, o maquinário e vendeu por um

valor equivalente ao dobro do que investiu.

O tio do Welington devia um certo valor ao balanceiro X, que pôs na

negociação de encontro de contas e o balanceiro X lhe devolveria uma certa quantia em

dinheiro quando vendesse o barco, mandou o barco para um estaleiro e a reforma geral

demorou oito meses, quando saiu do estaleiro já estava vendido para outro balanceiro

que também é proprietário de barcos.

Cada balanceiro é um nó forte ou nó de centralidade de uma rede parcial36, a

qual faz parte da rede social em torno do pescado. A figura 2 apresenta um sociograma

com a rede parcial que tem o balanceiro Tetéo como nó central.

Figura 2 – Sociograma com a rede social parcial tendo o Tetéo(A) na centralidade e os

demais personagens envolvidos na trama narrada neste artigo.

Fonte 2 – Autor, 2014 a partir de Barnes (2012).

36 Rede social parcial para Barnes (2010, p.179), é qualquer delimitação de uma rede social.

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Esse sociograma, representa um fragmento da grande rede social do pescado,

onde os “nós” “A” e “G” representam respectivamente os balanceiros Tetéo(A) e o

Jambu(B), que recebem pescado do barqueiro Juramí(H), o qual é sócio do seu irmão

Juca(I), o comprador/ peixeiro Pedro Sá(D) compra pescado do Jambu (G) e do Tetéo(A)

e esse último vende para o comprador Sérgio(J), para o peixeiro Zé Piaba(C) e para

peixeiro Sapo(B) que por sua vez vende para dona Neide, que é dona de pequeno

restaurante(E); Tetéo(A) tem com ele uma rede onde está o virador Mendes(F), que é um

auxiliar essencial no seu trabalho; nesse sociograma não aparece o virador “Rato” que

auxilia o balanceiro Jambu(G); o comprador Sérgio (J) vende para o que revende para o

Carlos (K), que revende no varejo. Esse sociograma é só um fragmento ou “representação

parcial de uma rede total” (BARNES, 2010, p. 179), bem maior, como já foi frisado

anteriormente. É um modelo passível de análise etnográfico.

Como pode ser observado nesse sociograma, cada balanceiro é um nó forte

da rede parcial, portanto que tem maior número de ligação na rede, pois o Tetéo se liga

com o barqueiro Juramí ou com o irmão desse, o Juca, e outros barqueiros que lhe

confiam o pescado para venda aos compradores em geral, cada comprador desse é um nó,

alguns são fiéis ao Tetéo, outros tantos se ligam com outros balanceiros, como o Jambu,

o Gouveia, o Lelé, ou o Antônio, para adquirir pescado in natura. O Tetéo também tem

seus ajudantes, como o virador Mendes, as vezes é o virador Jó, ou outro contratado.

Liga-se ainda a muitos carregadores, mas sem haver compromisso, pois esses são

contatados pelos compradores. “A rede pode ser vista ou analisada a partir de cada um

dos seus membros (BARNES, 2010, p. 180) ”, tomando-o como pessoa alfa.

A rede tecida para receber e distribuir o pescado é organizada tacitamente,

dentro da micro-economia capitalista praticada culturalmente na Pedra, que é auto

regulável e interdependente, quase sem apoio ou intervenção do Poder Público; pois a

Secretaria de Economia da Prefeitura de Belém se atém a fiscalizar horários de

funcionamentos e a coibir venda a varejo na Pedra, além da cobrança de uma taxa anual

de R$27,50 de cada trabalhador cadastrado e a Vigilância Sanitária faz esporadicamente

uma fiscalização por amostragem.

Ao analisar aspectos da sociedade ocidental enquanto cultura, Sahlins (1979,

p. 185) afirma que a estrutura da economia surge “como a consequência objetivada do

comportamento prático, em vez de uma organização social de coisas, pelos meios

institucionais do mercado, mas de acordo com um projeto cultural de pessoas e bens”;

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indo ao encontro da pratica na Pedra.

Uma etnografia na Pedra: Balanceiros e Peixeiros numa relação de muitos atores

envolvidos na circulação do pescado.

Na madrugada do dia 03 de junho de 2014, uma terça-feira bem agitada,

estive acompanhando o movimento na Pedra, desde 1h até às 6h, fiquei próximo ao

balanceiro Tetéo e pude observar que ele vende bastante para os peixeiros do Mercado

de Ferro e me chamou atenção a amizade que ele tem com o Pedro Sá, peixeiro dos

antigos, que tem 73 anos de idade, nasceu em Abaetetuba37, como Tetéo e fala com ele

em tom forte mas de total cordialidade, às vezes em tom de brincadeira, com frases e

gestos que muitas das vezes só os dois entendem, por exemplo, nesse dia o Pedro Sá

esteve lá por volta de 4h e falou para o Tetéo “Tira oitenta dourada na têta; vou lá no

Jambu brigar com ele; ele agora só quer me [...] (falando uma pornofonia) fez um gesto

com a mão direita aberta batendo algumas vezes na lateral da mão esquerda fechada em

punho e foi embora no meio da multidão.

O Tetéo traduziu, falando compassadamente com sua voz grave e baixa,

dizendo “vai ver que o Jambu deve tá querendo enganar o parceiro com besteira; não

precisa isso, claro que ele ia descobrir, ele (Pedro Sá) é macaco velho, vai já se deixar ser

roubado, assim na cara dura”. Eu perguntei “em que ele (Jambu) está roubando” e o

Tetéo disse lentamente, “deve ser no peso, mesmo que seja um quilo, meio quilo menos

que seja, não é negócio, porque não vai bater na conta dele (Pedro Sá); é melhor dar um

peixe a mais pra quem compra todo dia de ti, porque pra ti não faz diferença, mas pro

peixeiro com o tempo pesa”.

O Tetéo parou a conversa, fazendo um gesto com a mão para eu esperar,

dando atenção a um comprador que se aproximou. “ O que vai hoje, tem dourada fresca

que chegou agorinha mesmo. Gurijuba, vai ?” . O senhor (comprador) de nome Sérgio,

pegou na Dourada que estava na basqueta ao lado do Tetéo, abriu uma das guelras38,

apertou o pescado com o dedo indicador direito como quem quer furar algo, verificando

assim a densidade da carne e gostou. Chamaram (gritando) rápido um carregador de

37 Abaetetuba é município da região do baixo Tocantins, estado do Pará. Tem forte nas suas tradições, a construção naval, dentre outras. 38 Guelras é o termo popular das brânquias, são os órgãos de respiração dos peixes, a coloração quanto mais vermelha, indica que o peixe está fresquinho, novo, na visão popular.

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apelido Musa, ou Zé da Musa, como o chamaram depois, que colocou a caixa de madeira

na balança do Tetéo e o virador Mendes que servia ao Tetéo, virou a primeira basqueta

na caixa do Musa, arrumando o peixe um por um para caber mais, sob o olhar atento do

comprador, depois foi virando basquetas até completar 100 quilos.

Atendeu atenciosamente ao freguês conversando com esse sobre custo de

vida, só parando para pesar o peixe, receber e conferir o valor de cem quilos, equivalente

a oitocentos reais naquele dia; o Tetéo agradeceu se despedindo do comprador e continuou

a conversa comigo, onde parou, como se fosse um parêntese em uma escrita; colocou a

mão direita ao lado da boca, como quem vai cochichar e falou pausadamente: “Ô

professor, ele (Pedro Sá) confia na gente, compra de mim na cega – o senhor tá vendo -

mas eu não vou enganar ele, primeiro que não é meu feitio e outro que mais cedo ou mais

tarde ele vai descobrir e aí como é que eu fico, eu não sou mercosul”.

Perguntei que significava o termo “oitenta dourada na têta” e o Tetéo me

falou: “É oitenta quilo de dourada graúda, fresca, da melhor que eu tiver, quer dizer que

na têta, é que nem mamando na têta. Não é bom mamar na têta, professor? (Dando uma

gargalhada breve). Quer dizer que ele tá usando do direito que ele tem de comprar tanto

tempo comigo e eu dou peixe bom pra ele sim; ele não fica em cima, mas eu não vou

enganar ele não, nem ninguém, não precisa todos tenham que ganhar, não é só eu não”.

“Só tu qué quer é?”39

O tempo passou com outros eventos no local; logo depois, por volta de 5h, o

Pedro Sá voltou com o Tetéo e disse, “já pode mandar pelo Hildebrando (carreador). Eu

vou apurar hoje pra ti; tá?. Mais tardar amanhã, tá?” Nesse caso o Pedro Sá disse que iria

apurar, no sentido de garantir, separar o valor que devia ao Tetéo, para ser pago no dia

seguinte. Isso é muito comum entre os peixeiros e os balanceiros, nesse caso o balanceiro

anota o valor da divida no seu caderninho, foi o que fez o Tetéo.

O Pedro Sá saiu no meio da multidão, mas logo voltou no minuto seguinte, e

falou em tom alto e se gabando: “O Jambu devolveu foi trinta, ele não é besta. Eu fiz foi

poupança nele”. Quis dizer que o balanceiro Jambu devolveu a ele (Pedro Sá) o que o

mesmo declarou que ficou faltando em vários dias, de fornecimento; ele deixou

acumular, mas nesse dia foi cobrar o que lhe era de direito, trinta quilos de pescado. O

Pedro Sá saiu na direção do mercado e nesse dia não mais voltou na balança do Tetéo,

que pesou a encomenda do Pedro Sá e mandou pelo carregador Hildebrando.

39 A frase: Só tu qué quer é? É termo nativo de Abaetetuba, significando egoísmo; é pronunciado unindo as três últimas palavras, dando ênfase aos fonemas finais “e” agudo, tornando-se “só tu quéquéé ”?

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Quando o Pedro Sá saiu, um carregador, que eu não pude identificar, gritou

com voz alta e aguda: “Mas o Pedro Sá tá chorando? E quando ele faz isso com os

fregueses dele?”. Isso provocou uma gargalhada geral naquele microcosmo da balança do

Tetéo.

Esse carregador estava no meio de muitos outros que ficam se ajudando

mutuamente a levantar a caixa na cabeça do companheiro, quando não estão carregando

as suas próprias caixas; ao ato de levantar a caixa para um companheiro que vai fazer o

carreto eles chamam na Pedra de dá o canto. Assim, o virador e o carregador antes de

iniciarem o levantamento da caixa que estava na balança, fazem o pedido “dá o canto”,

e dois homens que estejam por perto, ajudam ao virador e carregador a levantar a caixa

até a cabeça desse último, que ajeita melhor e sai carregando no meio na multidão gritanto

frases de efeito como “abre ala!” ou “abre, abre, abre, abre!” ou “tá pingando, tá

pingando, tá pingando!”.

Quando o Tetéo falou que não é mercosul, ele se referiu a uma classe de

balanceiro que é conhecida por enganar aos compradores desavisados ou eventuais.

Nesse meu percurso de pesquisa eu classifiquei cinco tipos de balanceiros o primeiro, é

o caso do Tetéo, é aquele que compra de barqueiro ou encarregado desse e o financia no

momento que em que esse precisar; o segundo é o que compra do barqueiro, mas não o

financia ou porque não tem capital ou porque o barqueiro nunca o aciona para tal; o

terceiro é o que além da balança é possuidor de embarcações e nesse caso ele serve a ele

mesmo e o quarto tipo é o chamado mercosul, que é aquele balanceiro que não tem capital

e compra de outro balanceiro ou do barqueiro para vender nas proximidades desses,

geralmente esses ficam na beira da calçada, próximo do leito da rua, ou se instalam na

via, por não ter opção ou porque não necessitam ficar próximo de embarcações como a

maioria dos balanceiros que se abastecem dessas.

O mercosul é um termo pejorativo da Pedra, que se refere ao balanceiro que

fere às normas tácitas locais, enganando no peso ou na qualidade do pescado, eles

compram fiado e ao final do expediente pagam às pessoas que lhes forneceram pescado.

Segundo o balanceiro Tetéo, “ [...] os mercosul tem como tento (meta) roubar em 10%,

ou ele rouba no peso, ou tira um peixe, ou troca por um fraco40, ele dá um jeito de enganar

o comprador; quer dizer que ele tá ali é pra enganar mesmo, na cara dura; só os

compradores que não tão acostumado na Iida é que compram deles”.

40 Peixe fraco é aquele pescado que já está fora ou quase fora da boa qualidade de conservação, pode ser porque está muito tempo fora do gelo ou saiu do gelo e voltou para ser vendido no outro dia seguinte.

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Tentei há muito tempo organizar um texto, com toda essa etnografia, pois

havia material gravado, outros escritos na caderneta de campo, outros em fotografia e

outros que escaparam desses registros, mas ficaram na memória que vez em quando eram

recordados e anotados como perguntas para serem revistas em outra oportunidade. Ou

seja, tentei explicar fazendo um novo arranjo etnográfico, como ensina Magnani (2002),

“em suma”:

“A natureza da explicação pela via etnográfica tem como base um insight que permite organizar dados percebidos como fragmentários, informações ainda dispersas, indícios soltos, num novo arranjo que não é mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi suscitado por ele) nem aquele com o qual o pesquisador iniciou a pesquisa. Este novo arranjo carrega as marcas de ambos: mais geral do que a explicação nativa, presa às particularidades de seu contexto, pode ser aplicado a outras ocorrências; no entanto, é mais denso que o esquema teórico inicial do pesquisador, pois tem agora como referente o concreto vivido” (MAGNANI, 2002, p. 17). Quase um ano depois desse acontecimento, eu voltei para a busca do novo

arranjo e perguntei ao Tetéo se ele lembrava desse fato ocorrido naquela madrugada de

junho de 2014, eu precisava colher alguns detalhes necessários à composição desse artigo

e fiquei surpreso com sua memória e a riqueza de informações que eu deixei de observar

ou gravar naquela ocasião, como nomes dos sujeitos envoltos naquele cenário dinâmico,

termos usados na conversa e outros detalhes que a etnografia requer como essencial.

Quando fui entrevistar novamente o Pedro Sá, em maio de 2015, ele não

lembrava mais desse fato descrito, mas disse, como naquela madrugada, que “ninguém

engana” ele e que isso ele já fez várias vezes, “tentam me enganar, mas quem se engana

são eles”... “eu peso lá e peso aqui (Mercado de Peixe), se tiver errado o peso, eu não falo

nada, eu deixo acumular. É que nem poupança, fica guardadinho, quando eu precisar eu

vou lá e tiro o peixe que ficou faltando, nem que seja um quilo eu vou atrás”. Quando

perguntei sobre a amizade com o Tetéo, ele primeiramente disse que trata “todo muito

bem”, que “se dá bem com todo mundo”, depois refletiu um pouco e sorrindo afirmou:

“ele é atencioso e conversa com a gente, ele é amigo, além de parceiro é amigo, vale a

pena comprar com o Tetéo”. Eu traduzi como eu gosto de estar na presença do Tetéo, ou

seja, de socializar com o Tetéo.

A relação do peixeiro Pedro Sá com o balanceiro Tetéo, com o balanceiro

Jambu e os demais atores sociais, reflete a trama econômica e social que acontece em

volta do pescado formando uma grande rede, onde os trabalhadores envolvidos nessa

trama aqui representada pela rede onde o nó central é o Tetéo, se ligam com outras redes

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sociais parciais e participam da tecedura dessa rede, cada autor dentro de sua

especificidade, faz o seu papel seja na captura, na recepção ou na comercialização do

pescado.

Na relação social entre Tetéo e Pedro Sá, além da economia, está presente o

princípio da sociabilidade citada por Simmel (2006, p. 69), onde: cada indivíduo deve

garantir ao outro aquele máximo de valores sociáveis (alegria, liberação, vivacidade)

compatível com o máximo de valores recebidos por esse indivíduo”. Mas também uma

relação comercial baseada nos sistemas de relações totais (MAUSS, 2003, p.191), por

meio de amizade, confiança e benefícios que vão além de um contrato, criando um

vínculo de obrigatoriedade entre esses sujeitos da relação díade, enfim cria uma relação

de reciprocidade.

A figura 3 sintetiza a imagem de dois momentos na Pedra, onde na figura 3A

aparece a cena dos preparativos do desembarque do pescado para ser comercializado na

Pedra, ponde se observa as pranchas de ligação do Barco com a Pedra, um limiar água e

terra. Na Figura 3B há o cenário final por volta de 06h da manha, quando estão encerrando

as atividades.

Figura 3 – (A) Organização do desembarque do pescado; (B) Final da feira na Pedra, pela manhã.

Fonte – Autor, 2014.

Considerações finais

As relações sociais entre duas categorias de trabalhadores das mais influentes,

que participam das atividades de comercialização e circulação do pescado, nas

madrugadas do complexo Ver-o-Peso, não se encerram nessa dualidade, pois para que o

peixeiro compre do balanceiro ou de outro modo o balanceiro venda para o peixeiro é

necessária, sumariamente, a participação de outros atores sociais aí atuantes; de modo

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que a discussão quanto a essa relação, a qual este trabalho propunha fazer só foi possível

a partir da etnografia realizada, onde os demais sujeitos, representando as demais

categorias de trabalhadores aparecem de modo sincronizado, trabalhando como em uma

rede social, na qual cada partícipe representa um nó na interligação, um complementando

o trabalho do outro.

A relação econômica desenvolvida, que gera outros tipos de relacionamentos,

como amizade, parceria, confiança, fidelidade e reciprocidade encontrada entre o

balanceiro Tetéo e o peixeiro Pedro Sá ou de conflito, logo administrado, como ocorreu

entre esse último e o balanceiro Jambu, é que faz com que haja um equilíbrio na rede em

torno do pescado, é uma constante para fazer circular o pescado na Pedra e a partir dessa

para os demais locais até que chegue no consumidor final.

Essa relação, tomada como recorte, entre um balanceiro e um peixeiro do

mercado de ferro, pode representar, assim a relação vivente entre as demais categorias de

trabalhadores da Pedra, as quais estão interligadas e são interdependentes. Os resultados

obtidos são de caráter qualitativos, advindos da interpretação do que foi observado

diretamente no campo, mais ainda, das entrevistas gravadas e processadas

interpretativamente, mas sempre havendo uma tentativa de neutralidade da minha parte

como pesquisador. Velho (2013, p. 69) afirma ser preciso “que o pesquisador veja com

olhos imparciais a realidade, evitando envolvimento que possam obscurecer ou deformar

seus julgamentos e conclusões”.

No entanto na continuação da pesquisa, em andamento, optou-se por levantar

dados quantitativos através de aplicação de questionários entre as duas categorias, com

pesquisa entre vinte peixeiros do Mercado de Ferro e vinte balanceiros que atuam na

Pedra, todos escolhidos de modo aleatório.

Foi procedido o levantamento de dados entre os peixeiros, mas faltava

concluir o levantamento entre os balanceiros, ao o fechamento deste artigo. Assim será

possível observar de modo mais isento e com amostragem mais representativa, sobre o

que uma categoria pensa e como age em relação à outra, pois embora não seja um

pensamento unânime no meio acadêmico, “a valorização de métodos quantitativos seria

por natureza mais neutros e científicos (VELHO, 2013, p. 69).

Mas, os resultados obtidos e sistematizados neste artigo é um indicativo de

que as categorias atuantes nesse cenário que se repete e ao mesmo tempo se renova

diariamente na Pedra, vivem numa interdependência marcante, onde o que acontece com

um pode se refletir no outro e isso faz com que todos os sujeitos se organizem dentro de

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suas categorias para agirem em rede social e manterem a dinâmica que faz existir suas

atividades e os objetivos da Pedra.

Desse modo a partir do que foi observado in loco, foi possível perceber o

modo como os sujeitos se tratam, suas frases de efeitos e seus significados, as

performances corporais, gestuais e linguísticas utilizadas; tudo isso contribui para essa

afirmativa que tende a uma analogia relacional. .

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