Pedido à Atena

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Pedido à Atena Duas dúzias, o resultado fatorial de 4, o período que a Terra demora para dar uma volta completa ao redor do seu eixo, 24 horas. É essa a duração de um dia, muito para quem existe, pouco para quem vive. Pouco? Pouquíssimo. Nas traiçoeiras linhas da minha agenda o dia parece ser tão simples, tão lógico, tão previsível. Mas quando o vejo passar pelo relógio, logo percebo que é ledo engano meu. Afinal, as linhas em que confio meus compromissos certamente riem-se às minhas custas, enquanto corro tentando acompanhar os ponteiros, já que nenhum deles é cavalheiro o suficiente a ponto de me esperar. Muito ocupada ou de férias, verdade seja dita, sou muito mais Kairos que Chronos. O primeiro é o chamado “tempo divino” que é como cada um o sente, com sua ausência de exatidão e irreverência nada lembra o maçante Chronos, seu pai segundo a mitologia grega. Falando em mitologia, se eu pudesse fazer algum pedido aos moradores do Monte Olimpo, pediria à Atena 4 horas a mais na rotação terrestre, gostaria de umas 6, mas nem tanto ao Céu nem tanto à Terra, 4 horas já seria um presente justo. E olha que de justiça a deusa da sabedoria entende. Se o pôr-do-sol demorasse mais, se nos desse tal deleite, se a Lua ocupasse seu lugar com a mesma sonolência de um domingo chuvoso, se nos permitisse tal delonga, aí as 4 horas seriam ajustadas da maneira mais providencial possível, à noite. Não que a energia que o dia possui seja menos importante, de modo algum, ela é essencial, mas creio que é relativamente suficiente. Já a da noite não. Que atire a primeira pedra quem nunca implorou por mais 5 minutos de sono, quem nunca quis mais 1 hora de festa, quem nunca planejou um sábado à noite e quem nunca desejou que uma madrugada fosse eterna. É muito provável que além de boêmios, noivas, músicos, dj’s e poetas, mais gente tenha deixado as pedras imóveis, e mais gente ainda concorde comigo quanto à superioridade hierárquica da noite sobre o dia. Nela a facilidade com que os acontecimentos se tornam lúdicos me encanta, o desembaraço com que as oportunidades aparecem me deixa perplexa, a fluidez com que as palavras e os sentimentos brotam me apavora, a capacidade de transformar comportamentos rotineiros em acontecimentos heróicos ou burlescos me intriga, a velocidade que as horas atingem nesse período me desespera e a

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Crônica realizada no segundo semestre de 2011

Transcript of Pedido à Atena

Pedido à AtenaDuas dúzias, o resultado fatorial de 4, o período que a Terra demora para dar uma volta

completa ao redor do seu eixo, 24 horas. É essa a duração de um dia, muito para quem

existe, pouco para quem vive.

Pouco? Pouquíssimo. Nas traiçoeiras linhas da minha agenda o dia parece ser tão

simples, tão lógico, tão previsível. Mas quando o vejo passar pelo relógio, logo percebo

que é ledo engano meu. Afinal, as linhas em que confio meus compromissos certamente

riem-se às minhas custas, enquanto corro tentando acompanhar os ponteiros, já que

nenhum deles é cavalheiro o suficiente a ponto de me esperar.

Muito ocupada ou de férias, verdade seja dita, sou muito mais Kairos que Chronos. O

primeiro é o chamado “tempo divino” que é como cada um o sente, com sua ausência de

exatidão e irreverência nada lembra o maçante Chronos, seu pai segundo a mitologia

grega. Falando em mitologia, se eu pudesse fazer algum pedido aos moradores do Monte

Olimpo, pediria à Atena 4 horas a mais na rotação terrestre, gostaria de umas 6, mas nem

tanto ao Céu nem tanto à Terra, 4 horas já seria um presente justo. E olha que de justiça a

deusa da sabedoria entende.

Se o pôr-do-sol demorasse mais, se nos desse tal deleite, se a Lua ocupasse seu lugar

com a mesma sonolência de um domingo chuvoso, se nos permitisse tal delonga, aí as 4

horas seriam ajustadas da maneira mais providencial possível, à noite. Não que a energia

que o dia possui seja menos importante, de modo algum, ela é essencial, mas creio que é

relativamente suficiente. Já a da noite não. Que atire a primeira pedra quem nunca

implorou por mais 5 minutos de sono, quem nunca quis mais 1 hora de festa, quem nunca

planejou um sábado à noite e quem nunca desejou que uma madrugada fosse eterna.

É muito provável que além de boêmios, noivas, músicos, dj’s e poetas, mais gente tenha

deixado as pedras imóveis, e mais gente ainda concorde comigo quanto à superioridade

hierárquica da noite sobre o dia. Nela a facilidade com que os acontecimentos se tornam

lúdicos me encanta, o desembaraço com que as oportunidades aparecem me deixa

perplexa, a fluidez com que as palavras e os sentimentos brotam me apavora, a

capacidade de transformar comportamentos rotineiros em acontecimentos heróicos ou

burlescos me intriga, a velocidade que as horas atingem nesse período me desespera e a

possibilidade de ter mais 14400 segundos para isso tudo me ilude. Só me ilude.

Um raio de sol parece querer entrar por entre as brechas da minha janela até então

desprovida de luz alguma, é um recado de Atena. Pedido negado.

Pâmela Carbonari