Pcns ensino fundamental 5.2 ao 8.2

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71 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE GEOGRAFIA Geografia no ensino fundamental A produção acadêmica em torno da concepção de Geografia passou por diferentes momentos, geran- do reflexões distintas acerca dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essas reflexões influenciaram e ainda influenciam muitas das práticas de ensino. Em linhas gerais, suas principais tendências podem assim ser apresentadas. As primeiras tendências da Geografia no Brasil nasceram com a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo e do Departamento de Geografia, quando, a partir da década de 40, a discipli- na Geografia passou a ser ensinada por professores licenciados, com forte influência da escola francesa de Vidal de La Blanche. Essa Geografia era marcada pela explicação objetiva e quantitativa da realidade que fundamentava a escola francesa de então. Foi essa escola que imprimiu ao pensamento geográfico o mito da ciência asséptica, não-politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico. Tinha como meta abordar as rela- ções do homem com a natureza de forma objetiva, buscando a formulação de leis gerais de interpretação. Essa tendência da Geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas de Geografia Tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produ- ção do espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza sem priorizar as relações sociais. Por exem- plo, estudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relações sociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção. Ou seja, não se discutiam as relações intrínsecas à sociedade, abstraindo assim o homem de seu caráter social. Era baseada, de forma significativa, em estudos empíricos, articulada de forma fragmentada e com forte viés naturalizante. No ensino, essa Geografia se traduziu, e muitas vezes ainda se traduz, pelo estudo descritivo das paisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada do espaço vivido pela sociedade e das relações contraditórias de produção e organização do espaço. Os procedimentos didáticos adotados promoviam principalmente a descrição e a memorização dos elementos que compõem as paisagens sem, contudo, esperar que os alunos estabelecessem relações, analogias ou generalizações. Pretendia-se ensinar uma Geografia neutra. Essa perspectiva marcou também a produção dos livros didáticos até meados da década de 70 e, mesmo hoje em dia, muitos ainda apresentam em seu corpo idéias, interpretações ou até mesmo expectativas de aprendizagem defendidas pela Geografia Tradicional. No pós-guerra, a realidade tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do capitalismo afastou-se cada vez mais da fase concorrencial e penetrou na fase monopolista do grande capital; a urbanização acentuou-se e megalópoles começaram a se constituir; o espaço agrário sofreu as modificações estruturais comandadas pela Revolução Verde, em função da industrialização e da mecanização das atividades agrícolas em várias partes do mundo; as realidades locais passaram a estar articuladas em uma rede de escala mundial. Cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo. Os métodos e as teorias da Geografia Tradicional tornaram-se insuficientes para apreender essa complexidade e, principalmente, para explicá-la. O levantamento feito por meio de estudos apenas empíricos tornou-se insuficiente. Era preciso realizar estudos voltados para a análise das relações mundiais, análises essas também de ordem econômica, social, política e ideológica. Por outro lado, o meio técnico e científico passou a exercer forte influência nas pesquisas realizadas no campo da Geografia. Para estudar o espaço geográfico globalizado, começou-se a recorrer às tecnologias aeroespaciais, tais como o sensoriamento remoto, as fotos de satélite e o computador como articulador de massa de dados: surgem os SIG (Sistemas Geográficos de Informações).

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CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE GEOGRAFIA

Geogra fia no ensino fundamenta l

A produção acadêmica em torno da concepção de Geografia passou por diferentes momentos, geran-do reflexões distintas acerca dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essasreflexões influenciaram e ainda influenciam muitas das práticas de ensino. Em linhas gerais, suas principaistendências podem assim ser apresentadas.

As primeiras tendências da Geografia no Brasil nasceram com a fundação da Faculdade de Filosofia

da Universidade de São Paulo e do Departamento de Geografia, quando, a partir da década de 40, a discipli-na Geografia passou a ser ensinada por professores licenciados, com forte influência da escola francesa deVidal de La Blanche.

Essa Geografia era marcada pela explicação objetiva e quantitativa da realidade que fundamentava aescola francesa de então. Foi essa escola que imprimiu ao pensamento geográfico o mito da ciência asséptica,

não-politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico. Tinha como meta abordar as rela-ções do homem com a natureza de forma objetiva, buscando a formulação de leis gerais de interpretação.

Essa tendência da Geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas de GeografiaTradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico, propunha-se, na análise da produ-ção do espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza sem priorizar as relações sociais. Por exem-plo, estudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relaçõessociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção. Ou seja, não se discutiamas relações intrínsecas à sociedade, abstraindo assim o homem de seu caráter social. Era baseada, de formasignificativa, em estudos empíricos, articulada de forma fragmentada e com forte viés naturalizante.

No ensino, essa Geografia se traduziu, e muitas vezes ainda se traduz, pelo estudo descritivo daspaisagens naturais e humanizadas, de forma dissociada do espaço vivido pela sociedade e das relaçõescontraditórias de produção e organização do espaço. Os procedimentos didáticos adotados promoviamprincipalmente a descrição e a memorização dos elementos que compõem as paisagens sem, contudo, esperarque os alunos estabelecessem relações, analogias ou generalizações. Pretendia-se ensinar uma Geografianeutra. Essa perspectiva marcou também a produção dos livros didáticos até meados da década de 70 e,mesmo hoje em dia, muitos ainda apresentam em seu corpo idéias, interpretações ou até mesmo expectativasde aprendizagem defendidas pela Geografia Tradicional.

No pós-guerra, a realidade tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do capitalismo afastou-secada vez mais da fase concorrencial e penetrou na fase monopolista do grande capital; a urbanizaçãoacentuou-se e megalópoles começaram a se constituir; o espaço agrário sofreu as modificações estruturaiscomandadas pela Revolução Verde, em função da industrialização e da mecanização das atividades agrícolasem várias partes do mundo; as realidades locais passaram a estar articuladas em uma rede de escalamundial. Cada lugar deixou de explicar-se por si mesmo.

Os métodos e as teorias da Geografia Tradicional tornaram-se insuficientes para apreender essacomplexidade e, principalmente, para explicá-la. O levantamento feito por meio de estudos apenas empíricostornou-se insuficiente. Era preciso realizar estudos voltados para a análise das relações mundiais, análisesessas também de ordem econômica, social, política e ideológica. Por outro lado, o meio técnico e científicopassou a exercer forte influência nas pesquisas realizadas no campo da Geografia. Para estudar o espaçogeográfico globalizado, começou-se a recorrer às tecnologias aeroespaciais, tais como o sensoriamentoremoto, as fotos de satélite e o computador como articulador de massa de dados: surgem os SIG (SistemasGeográficos de Informações).

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A partir dos anos 60, sob influência das teorias marxistas, surge uma tendência crítica àGeografia Tradicional, cujo centro de preocupações passa a ser as relações entre a sociedade, otrabalho e a natureza na produção do espaço geográfico. Ou seja, os geógrafos procuraram estudara sociedade por meio das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza para produzire distribuir os bens necessários às condições materiais que a garantem. Critica-se a GeografiaTradicional, do Estado e das classes sociais dominantes, propondo-se uma Geografia das lutassociais. Num processo quase militante de importantes geógrafos brasileiros, difunde-se a GeografiaMarxista.

Essa nova perspectiva considera que não basta explicar o mundo, é preciso transformá-lo.

Assim a Geografia ganha conteúdos políticos que são significativos na formação do cidadão. Astransformações teóricas e metodológicas dessa Geografia tiveram grande influência na produçãocientífica das últimas décadas. Para o ensino, essa perspectiva trouxe uma nova forma de seinterpretar as categorias de espaço geográfico, território e paisagem, e influenciou, a partir dos

anos 80, uma série de propostas curriculares voltadas para o segmento de quinta a oitava séries.Essas propostas, no entanto, foram centradas em questões referentes a explicações econômicas ea relações de trabalho que se mostraram, no geral, inadequadas para os alunos dessa etapa da

escolaridade, devido a sua complexidade. Além disso, a prática da maioria dos professores e demuitos livros didáticos conservaram a linha tradicional, descritiva e descontextualizada herdadada Geografia Tradicional, mesmo quando o enfoque dos assuntos estudados era marcado pelaGeografia Marxista.

Tanto a Geografia Tradicional quanto a Geografia Marxista ortodoxa negligenciaram arelação do homem e da sociedade com a natureza em sua dimensão sensível de percepção domundo: o cientificismo positivista da Geografia Tradicional, por negar ao homem a possibilidadede um conhecimento que passasse pela subjetividade do imaginário; o marxismo ortodoxo, portachar de idealismo alienante qualquer explicação subjetiva e afetiva da relação da sociedade coma natureza.

Uma das características fundamentais da produção acadêmica da Geografia desta últimadécada é justamente a definição de abordagens que considerem as dimensões subjetivas e, portanto,singulares que os homens em sociedade estabelecem com a natureza. Essas dimensões sãosocialmente elaboradas — fruto das experiências individuais marcadas pela cultura na qual seencontram inseridas — e resultam em diferentes percepções do espaço geográfico e sua construção.É, essencialmente, a busca de explicações mais plurais, que promovam a interseção da Geografiacom outros campos do saber, como a Antropologia, a Sociologia, a Biologia, as Ciências Políticas,por exemplo. Uma Geografia que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens,tampouco pautada exclusivamente na interpretação política e econômica do mundo; que trabalhetanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos físicos e biológicos que delafazem parte, investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição de umespaço: o espaço geográfico.

As sucessivas mudanças e debates em torno do objeto e método da Geografia como ciência,presentes no meio acadêmico, tiveram repercussões diversas no ensino fundamental. Positivas decerta forma, já que foram um estímulo para a inovação e a produção de novos modelos didáticos.Mas também negativas, pois a rápida incorporação das mudanças produzidas pelo meio acadêmicoprovocou a produção de inúmeras propostas didáticas, descartadas a cada inovação conceitual e,principalmente, sem que existissem ações concretas para que realmente atingissem o professorem sala de aula, sobretudo o professor das séries iniciais que, sem apoio técnico e teórico, continuou

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e continua, de modo geral, a ensinar Geografia apoiando-se apenas na descrição dos fatos e ancorando-se quase que exclusivamente no livro didático.

Mas não apenas a prática do professor se encontra permeada por essa indefinição e confusão,muitas propostas de ensino também o estão. Segundo a análise feita pela Fundação Carlos Chagas,observa-se, sobretudo nas propostas curriculares produzidas nas últimas décadas, que o ensino deGeografia apresenta problemas tanto de ordem epistemológica e de pressupostos teóricos comooutros referentes à escolha dos conteúdos. No geral, são eles:

• abandono de conteúdos fundamentais da Geografia, tais como ascategorias de nação, território, lugar, paisagem e até mesmo de espaçogeográfico, bem como do estudo dos elementos físicos e biológicos quese encontram aí presentes;

• são comuns modismos que buscam sensibilizar os alunos para temáticasmais atuais, sem uma preocupação real de promover uma compreensãodos múltiplos fatores que delas são causas ou decorrências, o que provocaum “envelhecimento” rápido dos conteúdos. Um exemplo é a adaptaçãoforçada das questões ambientais em currículos e livros didáticos que aindapreservam um discurso da Geografia Tradicional e não têm como objetivouma compreensão processual e crítica dessas questões, vindo a setransformar na aprendizagem de slogans;

• há uma preocupação maior com conteúdos conceituais do que comconteúdos procedimentais. O objetivo do ensino fica restrito, assim, àaprendizagem de fenômenos e conceitos, desconsiderando a aprendiza-gem de procedimentos fundamentais para a compreensão dos métodose explicações com os quais a própria Geografia trabalha;

• as propostas pedagógicas separam a Geografia humana da Geografia físicaem relação àquilo que deve ser apreendido como conteúdo específico:ou a abordagem é essencialmente social e a natureza é um apêndice, umrecurso natural, ou então se trabalha a gênese dos fenômenos naturaisde forma pura, analisando suas leis, em detrimento da possibilidadeexclusiva da Geografia de interpretar os fenômenos numa abordagemsocioambiental;

• a memorização tem sido o exercício fundamental praticado no ensino de

Geografia, mesmo nas abordagens mais avançadas. Apesar da proposta

de problematização, de estudo do meio e da forte ênfase que se dá ao

papel dos sujeitos sociais na construção do território e do espaço, o que

se avalia ao final de cada estudo é se o aluno memorizou ou não os

fenômenos e conceitos trabalhados e não aquilo que pôde identificar e

compreender das múltiplas relações aí existentes;

• a noção de escala espaço-temporal muitas vezes não é clara, ou seja, nãose explicita como os temas de âmbito local estão presentes naqueles deâmbito universal e vice-versa, e como o espaço geográfico materializadiferentes tempos (da sociedade e da natureza).

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O ensino de Geografia pode levar os alunos a compreenderem de forma mais ampla a realidade,

possibilitando que nela interfiram de maneira mais consciente e propositiva. Para tanto, porém, é

preciso que eles adquiram conhecimentos, dominem categorias, conceitos e procedimentos básicos

com os quais este campo do conhecimento opera e constitui suas teorias e explicações, de modo a

poder não apenas compreender as relações socioculturais e o funcionamento da natureza às quais

historicamente pertence, mas também conhecer e saber utilizar uma forma singular de pensar sobre

a realidade: o conhecimento geográfico.

Conhecimento geográfico:características e importância social

A Geografia estuda as relações entre o processo histórico que regula a formação das sociedadeshumanas e o funcionamento da natureza, por meio da leitura do espaço geográfico e da paisagem.

A divisão da Geografia em campos de conhecimento da sociedade e da natureza tem propiciadoum aprofundamento temático de seus objetos de estudo. Essa divisão é necessária, como um recursodidático, para distinguir os elementos sociais ou naturais, mas é artificial, na medida em que oobjetivo da Geografia é explicar e compreender as relações entre a sociedade e a natureza, e comoocorre a apropriação desta por aquela. Na busca dessa abordagem relacional, a Geografia tem quetrabalhar com diferentes noções espaciais e temporais, bem como com os fenômenos sociais, culturaise naturais que são característicos de cada paisagem, para permitir uma compreensão processual edinâmica de sua constituição. Identificar e relacionar aquilo que na paisagem representa as herançasdas sucessivas relações no tempo entre a sociedade e a natureza é um de seus objetivos.

Nesse sentido, a análise da paisagem deve focar as dinâmicas de suas transformações e não adescrição e o estudo de um mundo estático. A compreensão dessas dinâmicas requer movimentosconstantes entre os processos sociais e os físicos e biológicos, inseridos em contextos particularesou gerais. A preocupação básica é abranger os modos de produzir, de existir e de perceber osdiferentes espaços geográficos; como os fenômenos que constituem as paisagens se relacionamcom a vida que as anima. Para tanto, é preciso observar, buscar explicações para aquilo que, numadeterminada paisagem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elementos do passado e dopresente que nela convivem e podem ser compreendidos mediante a análise do processo de produção/organização do espaço.

O espaço geográfico é historicamente produzido pelo homem enquanto organiza econômicae socialmente sua sociedade. A percepção espacial de cada indivíduo ou sociedade é também marcadapor laços afetivos e referências socioculturais. Nessa perspectiva, a historicidade enfoca o homemcomo sujeito construtor do espaço geográfico, um homem social e cultural, situado para além eatravés da perspectiva econômica e política, que imprime seus valores no processo de construçãode seu espaço.

Assim, o estudo de uma totalidade, isto é, da paisagem como síntese de múltiplos espaços etempos deve considerar o espaço topológico — o espaço vivido e o percebido — e o espaço produzidoeconomicamente como algumas das noções de espaço dentre as tantas que povoam o discurso daGeografia.

Pensar sobre essas noções de espaço pressupõe considerar a compreensão subjetiva dapaisagem como lugar: a paisagem ganhando significados para aqueles que a vivem e a constroem.As percepções que os indivíduos, grupos ou sociedades têm do lugar nos quais se encontram e asrelações singulares que com ele estabelecem fazem parte do processo de construção das

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representações de imagens do mundo e do espaço geográfico. As percepções, as vivências e amemória dos indivíduos e dos grupos sociais são, portanto, elementos importantes na constituiçãodo saber geográfico.

No que se refere ao ensino fundamental, é importante considerar quais são as categorias daGeografia mais adequadas para os alunos em relação à sua faixa etária, ao momento da escolaridadeem que se encontram e às capacidades que se espera que eles desenvolvam. Embora o espaçogeográfico deva ser o objeto central de estudo, as categorias paisagem, território e lugar devemtambém ser abordadas, principalmente nos ciclos iniciais, quando se mostram mais acessíveis aosalunos, tendo em vista suas características cognitivas e afetivas.

O conceito de território foi originalmente formulado nos estudos biológicos do final do séculoXVIII. Nessa definição inicial, ele é a área de vida de uma espécie, onde ela desempenha todas assuas funções vitais ao longo do seu desenvolvimento. Portanto, para animais e plantas, o territórioé o domínio que estes têm sobre porções da superfície terrestre. Foi por meio dos estudoscomportamentais que Augusto Comte incorporou o conceito de território aos estudos geográficos,como categoria fundamental para as explicações geográficas. Na concepção ratzeliana de Geogra-fia1 esse conceito define-se pela propriedade, ou seja, o território para as sociedades humanasrepresenta uma parcela do espaço identificada pela posse. É dominado por uma comunidade oupor um Estado. Na geopolítica, o território é o espaço nacional ou área controlada por um Estado-nacional: é um conceito político que serve como ponto de partida para explicar muitos fenômenosgeográficos relacionados à organização da sociedade e suas interações com as paisagens. O território é umacategoria importante quando se estuda a sua conceitualização ligada à formação econômica e socialde uma nação. Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica o espaço, gerando o território.Território não é apenas a configuração política de um Estado-Nação, mas sim o espaço construídopela formação social.

Para estudar essa categoria é necessário que os alunos compreendam que os limites territoriaissão variáveis e dependem do fenômeno geográfico considerado. Hoje, por exemplo, quando seestudam os blocos econômicos, o que se entende por território vai muito além do Estado-nacional.Além disso, compreender o que é território implica também compreender a complexidade daconvivência em um mesmo espaço, nem sempre harmônica, da diversidade de tendências, idéias,crenças, sistemas de pensamento e tradições de diferentes povos e etnias. É reconhecer que,apesar de uma convivência comum, múltiplas identidades coexistem e por vezes se influenciamreciprocamente, definindo e redefinindo aquilo que poderia ser chamado de uma identidade naci-onal. No caso específico do Brasil, o sentimento de pertinência ao território nacional envolve acompreensão da diversidade de culturas que aqui convivem e, mais do nunca, buscam oreconhecimento de suas especificidades, daquilo que lhes é próprio.

A categoria território possui uma relação bastante estreita com a de paisagem. Pode atémesmo ser considerada como o conjunto de paisagens contido pelos limites políticos eadministrativos de uma cidade, estado ou país. É algo criado pelos homens, é uma instituição. Acategoria paisagem, porém, tem um caráter específico para a Geografia, distinto daquele utilizadopelo senso comum ou por outros campos do conhecimento. É definida como sendo uma unidadevisível, que possui uma identidade visual, caracterizada por fatores de ordem social, cultural enatural, contendo espaços e tempos distintos; o passado e o presente. A paisagem é o velho nonovo e o novo no velho!

1. A Geografia ratzeliana valoriza o homem abrindo frentes de estudo referentes à história e ao espaço, tais como a formação do território,as migrações e a colonização. Seus estudos, no entanto, privilegiaram a visão das influências naturais sobre a evolução das sociedades;portanto, a Geografia ratzeliana mantém uma visão naturalista da sociedade. O principal livro de Ratzel, publicado em 1882, denomina-seAntropoGeografia — fundamentos da apl icação da Geografia à Histór ia.

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Assim, por exemplo, quando se fala da paisagem de uma cidade, dela fazem parte seu relevo,a orientação dos rios e córregos da região, sobre os quais se implantaram suas vias expressas, oconjunto de construções humanas, a distribuição da população que nela vive, o registro das tensões,sucessos e fracassos da história dos indivíduos e grupos que nela se encontram. É nela que estãoexpressas as marcas da história de uma sociedade, fazendo, assim, da paisagem uma soma de temposdesiguais, uma combinação de espaços geográficos.

A categoria paisagem, por sua vez, está relacionada à categoria de lugar. Pertencer a um territórioe sua paisagem significa fazer deles o seu lugar de vida e estabelecer uma identidade com eles.Nesse contexto, a categoria lugar traduz os espaços com os quais as pessoas têm vínculos maisafetivos e subjetivos que racionais e objetivos: uma praça, onde se brinca desde menino, a janela deonde se vê a rua, o alto de uma colina, de onde se avista a cidade. O lugar é onde estão as referênciaspessoais e o sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e constituir apaisagem e o espaço geográfico.

Além disso, espaço geográfico, paisagem, território e lugar, atualmente, estão associados àforça da imagem, tão explorada pela mídia. Pela imagem, a mídia traz à tona valores a seremincorporados e posturas a serem adotadas. Retrata, por meio da paisagem, as contradições em que sevive, confundindo no imaginário aquela que é real e a que se deseja como ideal; toma para si a tarefade impor e inculcar um modelo de mundo, de reproduzir o cotidiano por meio da imagem massificanterepetida pelo bombardeamento publicitário, sobrepondo-se às percepções e interpretações subjetivase/ou singulares por outras padronizadas e pretensamente universais. A Geografia estaria, então,identificada como a ciência que busca decodificar as imagens presentes no cotidiano, impressas eexpressas nas paisagens e em suas representações, numa reflexão direta e imediata sobre o espaçogeográfico e o lugar.

Nessa abrangência, a Geografia contribui para que se compreenda como se estabelecem asrelações locais com as universais, como o contexto mais próximo contém e está contido em umcontexto mais amplo e quais as possibilidades e implicações que essas dimensões possuem.

No mundo atual, o meio técnico-científico informacional adquiriu um papel fundamental e, emmeio ao processo de globalização e massificação, o mundo convive com novos conflitos e tensões,tais como o declínio dos estados-nações, a formação de blocos comerciais, as novas políticaseconômicas, a desterritorialidade e outros temas que recuperam a importância do saber geográfico.Há uma multiplicidade de questões que, para serem entendidas, necessitam de um conhecimentogeográfico bem estruturado.

O estudo de Geografia possibilita, aos alunos, a compreensão de sua posição no conjunto dasrelações da sociedade com a natureza; como e por que suas ações, individuais ou coletivas, emrelação aos valores humanos ou à natureza, têm conseqüências — tanto para si como para a sociedade.Permite também que adquiram conhecimentos para compreender as diferentes relações que sãoestabelecidas na construção do espaço geográfico no qual se encontram inseridos, tanto em nívellocal como mundial, e perceber a importância de uma atitude de solidariedade e de comprometimentocom o destino das futuras gerações. Além disso, seus objetos de estudo e métodos possibilitam quecompreendam os avanços na tecnologia, nas ciências e nas artes como resultantes de trabalho eexperiência coletivos da humanidade, de erros e acertos nos âmbitos da política e da ciência, porvezes permeados de uma visão utilitarista e imediatista do uso da natureza e dos bens econômicos.

Desde as primeiras etapas da escolaridade, o ensino da Geografia pode e deve ter como objetivomostrar ao aluno que cidadania é também o sentimento de pertencer a uma realidade na qual asrelações entre a sociedade e a natureza formam um todo integrado — constantemente emtransformação — do qual ele faz parte e, portanto, precisa conhecer e sentir-se como membroparticipante, afetivamente ligado, responsável e comprometido historicamente.

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APRENDER E ENSINAR GEOGRAFIANO ENSINO FUNDAMENTAL

Independentemente da perspectiva geográfica, a maneira mais comum de se ensinar Geografiatem sido pelo discurso do professor ou pelo livro didático. Este discurso sempre parte de algumanoção ou conceito chave e versa sobre algum fenômeno social, cultural ou natural que é descrito eexplicado, de forma descontextualizada do lugar ou do espaço no qual se encontra inserido. Apósa exposição, ou trabalho de leitura, o professor avalia, pelos exercícios de memorização, se osalunos aprenderam o conteúdo.

Abordagens atuais da Geografia têm buscado práticas pedagógicas que permitam apresentaraos alunos os diferentes aspectos de um mesmo fenômeno em diferentes momentos da escolaridade,de modo que os alunos possam construir compreensões novas e mais complexas a seu respeito.Espera-se que, dessa forma, eles desenvolvam a capacidade de identificar e refletir sobre diferentesaspectos da realidade, compreendendo a relação sociedade-natureza. Essas práticas envolvem pro-cedimentos de problematização, observação, registro, descrição, documentação, representação epesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou naturais que compõem a paisagem e o espaçogeográfico, na busca e formulação de hipóteses e explicações das relações, permanências e trans-formações que aí se encontram em interação.

Para tanto, o estudo da sociedade e da natureza2 deve ser realizado de forma conjunta. Noensino, professores e alunos deverão procurar entender que ambas — sociedade e natureza —constituem a base material ou física sobre a qual o espaço geográfico é construído.

É fundamental, assim, que o professor crie e planeje situações nas quais os alunos possamconhecer e utilizar esses procedimentos. A observação, descrição, experimentação, analogia esíntese devem ser ensinadas para que os alunos possam aprender a explicar, compreender e atémesmo representar os processos de construção do espaço e dos diferentes tipos de paisagens eterritórios. Isso não significa que os procedimentos tenham um fim em si mesmos: observar,descrever, experimentar e comparar servem para construir noções, espacializar os fenômenos,levantar problemas e compreender as soluções propostas, enfim, para conhecer e começar a operarcom os procedimentos e as explicações que a Geografia como ciência produz.

A paisagem local, o espaço vivido pelos alunos deve ser o objeto de estudo ao longo dos doisprimeiros ciclos. Entretanto, não se deve trabalhar do nível local ao mundial hierarquicamente: oespaço vivido pode não ser o real imediato, pois são muitos e variados os lugares com os quais osalunos têm contato e, sobretudo, que são capazes de pensar sobre. A compreensão de como arealidade local relaciona-se com o contexto global é um trabalho que deve ser desenvolvido durantetoda a escolaridade, de modo cada vez mais abrangente, desde os ciclos iniciais.

Além disso, o estudo da paisagem local não deve se restringir à mera constatação e descriçãodos fenômenos que a constituem. Deve-se também buscar as relações entre a sociedade e a naturezaque aí se encontram presentes, situando-as em diferentes escalas espaciais e temporais, comparando-as, conferindo-lhes significados, compreendendo-as. Estudar a paisagem local ao longo dos primeiroe segundo ciclos é aprender a observar e a reconhecer os fenômenos que a definem e suas carac-terísticas; descrever, representar, comparar e construir explicações, mesmo que aproximadas esubjetivas, das relações que aí se encontram impressas e expressas.

2. O conceito de natureza deve ser compreendido tanto como o de primeira natureza — os elementos biofísicos de uma paisagem —como o de segunda natureza — a natureza transformada pelo trabalho humano.

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Nos ciclos subseqüentes, o ensino de Geografia deve intensificar ainda mais a compreensão,por parte dos alunos, dos processos envolvidos na construção do espaço geográfico. A territorialidadee a temporalidade dos fenômenos estudados devem ser abordadas de forma mais aprofundada, poisos alunos já podem construir compreensões e explicações mais complexas sobre as relações queexistem entre aquilo que acontece no dia-a-dia, no lugar no qual se encontram inseridos, e o queacontece em outros lugares do mundo. Os problemas socioambientais e econômicos — como adegradação dos ecossistemas, o crescimento das disparidades na distribuição da riqueza entre paísese grupos sociais, por exemplo — podem ser abordados a fim de promover um estudo mais amplo dequestões sociais, econômicas, políticas e ambientais relevantes na atualidade. O próprio processode globalização pelo qual o mundo de hoje passa demanda uma compreensão maior das relações deinterdependência que existem entre os lugares, bem como das noções de espacialidade eterritorialidade intrínsecas a esse processo.

Tal abordagem visa favorecer também a compreensão, por parte do aluno, de que ele próprioé parte integrante do ambiente e também agente ativo e passivo das transformações das paisagensterrestres. Contribui para a formação de uma consciência conservacionista e ambiental, na qual sepensa sobre o ambiente não somente em seus aspectos naturais, mas também culturais, econômicose políticos.

Para tanto, as noções de sociedade, cultura, trabalho e natureza são fundamentais e podemser abordadas por meio de temas nos quais as dinâmicas e determinações existentes entre a sociedadee a natureza sejam estudadas de forma conjunta. Porém, para além de uma abordagem descritivada manifestação das forças materiais, é possível também nos terceiro e quarto ciclos propor estudosque envolvam o simbólico e as representações subjetivas, pois a força do imaginário social participasignificativamente na construção do espaço geográfico e da paisagem.

A Geografia, ao pretender o estudo dos lugares, suas paisagens e território, tem buscado umtrabalho interdisciplinar, lançando mão de outras fontes de informação. Mesmo na escola, a relaçãoda Geografia com a Literatura, por exemplo, tem sido redescoberta, proporcionando um trabalhoque provoca interesse e curiosidade sobre a leitura do espaço e da paisagem. É possível aprenderGeografia desde os primeiros ciclos do ensino fundamental pela leitura de autores brasileiros con-sagrados — Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, entre outros —cujas obras retratam diferentes paisagens do Brasil, em seus aspectos sociais, culturais e naturais.Também as produções musicais, a fotografia e até mesmo o cinema são fontes que podem serutilizadas por professores e alunos para obter informações, comparar, perguntar e inspirar-se parainterpretar as paisagens e construir conhecimentos sobre o espaço geográfico.

A Geografia trabalha com imagens, recorre a diferentes linguagens na busca de informaçõese como forma de expressar suas interpretações, hipóteses e conceitos. Pede uma cartografiaconceitual, apoiada numa fusão de múltiplos tempos e numa linguagem específica, que faça dalocalização e da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos.

Na escola, assim, fotos comuns, fotos aéreas, filmes, gravuras e vídeos também podem serutilizados como fontes de informação e de leitura do espaço e da paisagem. É preciso que o professoranalise as imagens na sua totalidade e procure contextualizá-las em seu processo de produção: porquem foram feitas, quando, com que finalidade, etc., e tomar esses dados como referência naleitura de informações mais particularizadas, ensinando aos alunos que as imagens são produtos dotrabalho humano, localizáveis no tempo e no espaço, cujas intencionalidades podem ser encontradasde forma explícita ou implícita.

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O estudo da linguagem cartográfica, por sua vez, tem cada vez mais reafirmado sua importância,desde o início da escolaridade. Contribui não apenas para que os alunos venham a compreender eutilizar uma ferramenta básica da Geografia, os mapas, como também para desenvolver capacidadesrelativas à representação do espaço.

A cartografia é um conhecimento que vem se desenvolvendo desde a pré-história até os diasde hoje. Por intermédio dessa linguagem é possível sintetizar informações, expressar conhecimentos,estudar situações, entre outras coisas — sempre envolvendo a idéia da produção do espaço: suaorganização e distribuição.

As formas mais usuais de se trabalhar com a linguagem cartográfica na escola é por meio desituações nas quais os alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes de rios ou cidades,memorizar as informações neles representadas. Mas esse tratamento não garante que eles constru-am os conhecimentos necessários, tanto para ler mapas como para representar o espaço geográfico.Para isso, é preciso partir da idéia de que a linguagem cartográfica é um sistema de símbolos queenvolve proporcionalidade, uso de signos ordenados e técnicas de projeção. Também é uma formade atender a diversas necessidades, das mais cotidianas (chegar a um lugar que não se conhece,entender o trajeto dos mananciais, por exemplo) às mais específicas (como delimitar áreas de plan-tio, compreender zonas de influência do clima). A escola deve criar oportunidades para que osalunos construam conhecimentos sobre essa linguagem nos dois sentidos: como pessoas querepresentam e codificam o espaço e como leitores das informações expressas por ela.

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OBJETIVOS GERAIS DE GEOGRAFIAPARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Espera-se que, ao longo dos oito anos do ensino fundamental, os alunos construam umconjunto de conhecimentos referentes a conceitos, procedimentos e atitudes relacionados àGeografia, que lhes permitam ser capazes de:

• conhecer a organização do espaço geográfico e o funcionamento danatureza em suas múltiplas relações, de modo a compreender o papeldas sociedades em sua construção e na produção do território, dapaisagem e do lugar;

• identificar e avaliar as ações dos homens em sociedade e suas conseqü-ências em diferentes espaços e tempos, de modo a construir referenciaisque possibilitem uma participação propositiva e reativa nas questõessocioambientais locais;

• compreender a espacialidade e temporalidade dos fenômenos geográ-ficos estudados em suas dinâmicas e interações;

• compreender que as melhorias nas condições de vida, os direitospolíticos, os avanços técnicos e tecnológicos e as transformaçõessocioculturais são conquistas decorrentes de conflitos e acordos, queainda não são usufruídas por todos os seres humanos e, dentro de suaspossibilidades, empenhar-se em democratizá-las;

• conhecer e saber utilizar procedimentos de pesquisa da Geografia paracompreender o espaço, a paisagem, o território e o lugar, seus processos deconstrução, identificando suas relações, problemas e contradições;

• fazer leituras de imagens, de dados e de documentos de diferentes fontesde informação, de modo a interpretar, analisar e relacionar informaçõessobre o espaço geográfico e as diferentes paisagens;

• saber utilizar a linguagem cartográfica para obter informações erepresentar a espacialidade dos fenômenos geográficos;

• valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a sociodiversidade,reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e um elemen-to de fortalecimento da democracia.

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CRITÉRIOS DE SELEÇÃO E ORGANIZAÇÃODOS CONTEÚDOS DE GEOGRAFIA

Adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade,em particular para o desempenho das funções de cidadania: cada cidadão, ao conhecer ascaracterísticas sociais, culturais e naturais do lugar onde vive, bem como as de outros lugares, podecomparar, explicar, compreender e espacializar as múltiplas relações que diferentes sociedades emépocas variadas estabeleceram e estabelecem com a natureza na construção de seu espaçogeográfico. A aquisição desses conhecimentos permite uma maior consciência dos limites e res-ponsabilidades da ação individual e coletiva com relação ao seu lugar e a contextos mais amplos, deescala nacional e mundial. Para tanto, a seleção de conteúdos de Geografia para o ensino fundamentaldeve contemplar temáticas de relevância social, cuja compreensão, por parte dos alunos, se mostraessencial para sua formação como cidadão.

Pelo estudo da Geografia os alunos podem desenvolver hábitos e construir valores importan-tes para a vida em sociedade. Os conteúdos selecionados devem permitir o pleno desenvolvimentodo papel de cada um na construção de uma identidade com o lugar onde vive e, em sentido maisabrangente, com a nação brasileira, valorizando os aspectos socioambientais que caracterizam seupatrimônio cultural e ambiental. Devem permitir também o desenvolvimento da consciência deque o território nacional é constituído por múltiplas e variadas culturas, que definem grupos sociais,povos e etnias distintos em suas percepções e relações com o espaço, e de atitudes de respeito àsdiferenças socioculturais que marcam a sociedade brasileira.

Outro critério importante na seleção de conteúdos refere-se às categorias de análise da própriaGeografia. Procurou-se delinear um trabalho a partir de algumas categorias consideradas essenciais:espaço geográfico, paisagem, território e lugar sintetizam aspectos da organização espacial epossibilitam a interpretação dos fenômenos que a constituem em múltiplos espaços e tempos. Apartir delas, pode-se identificar a singularidade do saber geográfico, ou seja, a realidade como umatotalidade de processos sociais e naturais numa dimensão histórica e cultural. Os conteúdos a seremestudados devem promover a compreensão, por parte dos alunos, de como as diferentes sociedadesestabeleceram relações sociais, políticas e culturais que resultaram numa apropriação histórica danatureza pela sociedade, por meio das diferentes formas de organização do trabalho, de perceber esentir a natureza, de nela intervir e transformá-la.

Foram considerados também critérios que atendem ao desenvolvimento das capacidadescognitivas dos alunos relativas às noções de espaço e de tempo, seu uso em múltiplas situaçõescotidianas e de pesquisa. A Geografia trabalha com a espacialidade dos fenômenos em suatemporalidade, porém é importante estudar a extensão de uma paisagem e o papel histórico de suaposição geográfica, não apenas sua localização. Tais noções — espacialidade e temporalidade —,passíveis de serem ampliadas a partir do conhecimento geográfico, podem ser trabalhadas medianteinterface com outras áreas, tais como a Matemática, a Arte e a Educação Física, entre outras.

Questões relativas aos procedimentos de pesquisa da Geografia também foram consideradasna seleção e organização de conteúdos. Para que os alunos possam ler e interpretar as informaçõesque recebem e compreendê-las do ponto de vista geográfico é preciso que construam procedimentosde análise com os quais o próprio saber geográfico opera. A observação, a descrição, o registro e adocumentação, a representação, a analogia, a explicação e a síntese são procedimentos que devemser trabalhados ao longo de toda a escolaridade, essenciais na construção do instrumental necessáriopara uma compreensão de como a Geografia trabalha e se constitui como um campo de conhecimento.

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GEOGRAFIAGEOGRAFIA

2ª PARTE

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PRIMEIRO CICLO

Ensino e aprendizagem deGeografia no primeiro ciclo

No primeiro ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente questões relativas àpresença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de

forma geral, da sociedade na construção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e oespaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho.

O estudo das manifestações da natureza em suas múltiplas formas, presentes na paisagem

local, é ponto de partida para uma compreensão mais ampla das relações entre sociedade e natureza.É possível analisar as transformações que esta sofre por causa de atividades econômicas, hábitosculturais ou questões políticas, expressas de diferentes maneiras no próprio meio em que os alunosestão inseridos. Por exemplo, por meio da arquitetura, da distribuição da população, dos hábitos

alimentares, da divisão e constituição do trabalho, das formas de lazer e inclusive por suas própriascaracterísticas biofísicas pode-se observar a presença da natureza e sua relação com a vida doshomens em sociedade. Do mesmo modo, é possível também compreender por que a natureza

favorece o desenvolvimento de determinadas atividades e não de outras e, assim, conhecer asinfluências que uma exerce sobre outra, reciprocamente.

Quando se estuda a paisagem local, deve-se procurar estabelecer relações com outraspaisagens e lugares distantes no tempo ou no espaço, para que elementos de comparação possam

ser utilizados na busca de semelhanças e diferenças, permanências e transformações, explicaçõespara os fenômenos que aí se encontram presentes. Inicia-se, assim, um processo de compreensãomais ampla das noções de posição, sítio, fronteira e extensão, que caracterizam a paisagem local e

as paisagens de forma geral.

É fundamental também que o professor conheça quais são as idéias e os conhecimentos queseus alunos têm sobre o lugar em que vivem, sobre outros lugares e a relação entre eles. Afinal,mesmo que ainda não tenham tido contato com o conhecimento geográfico de forma organizada,os alunos são portadores de muitas informações e idéias sobre o meio em que estão inseridos esobre o mundo, têm acesso ao conhecimento produzido por seus familiares e pessoas próximas e,muitas vezes, às informações veiculadas pelos meios de comunicação.

Esses conhecimentos devem ser investigados para que o professor possa criar intervençõessignificativas que provoquem avanços nas concepções dos alunos. O principal cuidado é ir alémdaquilo que já sabem, evitando estudos restritos às idéias e temas que já dominam e pouco promo-vem a ampliação de seus conhecimentos e hipóteses acerca da presença e do papel da natureza napaisagem local.

Desde o primeiro ciclo é importante que os alunos conheçam alguns procedimentos quefazem parte dos métodos de operar da Geografia. Observar, descrever, representar e construirexplicações são procedimentos que podem aprender a utilizar, mesmo que ainda o façam com

pouca autonomia, necessitando da presença e orientação do professor. Por exemplo, em relação àobservação, o professor pode levá-los a compreender que não se trata apenas de olhar um poucomais detidamente, mas sim de olhar intencionalmente, em busca de respostas, nem sempre visíveis

de imediato, disparadas pelo assunto ou problema em estudo. A descrição, por sua vez, não deve

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ser apenas uma listagem aleatória do que se observa, mas sim a seleção das informações quesugerem certas explicações e possuem relação com as hipóteses daquele que observa e descreve.

Vale lembrar que esse ciclo é, na maioria das vezes, o momento de ingresso da criança na

escola. Ensinar os alunos a ler uma imagem, a observar uma paisagem ou ainda a ler um texto —

mesmo que a leitura não seja realizada diretamente por eles — para pesquisar e obter informações

faz parte do trabalho do professor desse ciclo. Do mesmo modo, cabe a ele estimular e intermediar

discussões entre os próprios alunos, para que possam aprender a compartilhar seus conhecimentos,elaborar perguntas, confrontar suas opiniões, ouvir seus semelhantes e se posicionar diante dogrupo.

Assim, mesmo os alunos estando em processo de alfabetização3 , fontes escritas devem estarpresentes nos estudos realizados, da mesma forma que o conhecimento construído expresso pormeio de textos. Propor que os alunos registrem por escrito, individual ou coletivamente, aquiloque observaram ou aprenderam é uma maneira de aproximá-los de procedimentos essenciais —ler e escrever — não apenas para o campo da Geografia, mas também para o desenvolvimento deprocedimentos importantes na vida de todo estudante.

A imagem como representação também pode estar presente. Desenhar é uma maneira de seexpressar característica desse segmento da escolaridade e um procedimento de registro utilizadopela própria Geografia. Além disso, é uma forma interessante de propor que os alunos comecem autilizar mais objetivamente as noções de proporção, distância e direção, fundamentais para acompreensão e uso da linguagem cartográfica.

O trabalho com a construção da linguagem cartográfica, por sua vez, deve ser realizadoconsiderando os referenciais que os alunos já utilizam para se localizar e orientar no espaço. Apartir de situações nas quais compartilhem e explicitem seus conhecimentos, o professor podecriar outras nas quais possam esquematizar e ampliar suas idéias de distância, direção e orientação.

O início do processo de construção da linguagem cartográfica acontece mediante o trabalhocom a produção e a leitura de mapas simples, em situações significativas de aprendizagem nas quaisos alunos tenham questões a resolver, seja para comunicar, seja para obter e interpretar informações.E como na construção de outras linguagens mesmo inicialmente não se deve descaracterizá-la nemna produção, nem na leitura. É importante, assim, que o professor desse ciclo trabalhe com diferentestipos de mapas, atlas, globo terrestre, plantas e maquetes — de boa qualidade e atualizados —,mediante situações nas quais os alunos possam interagir com eles e fazer um uso cada vez mais

preciso e adequado deles.

O estudo do meio, o trabalho com imagens e a representação dos lugares são recursos didáticosinteressantes pelos quais os alunos poderão construir e reconstruir, de maneira cada vez maisampla e estruturada, as imagens e as percepções que têm da paisagem local, conscientizando-sede seus vínculos afetivos e de identidade com o lugar no qual se encontram inseridos.

Além disso, a interface com a História é essencial. A Geografia pode trabalhar com recortestemporais e espaciais distintos dos da História, embora não possa construir interpretações de umapaisagem sem buscar sua historicidade. Uma abordagem que pretende ler a paisagem local,estabelecer comparações, interpretar as múltiplas relações entre a sociedade e a natureza de umdeterminado lugar, pressupõe uma inter-relação entre essas disciplinas, tanto nas problematizaçõesquanto nos conteúdos e procedimentos. Com a área de Ciências também há uma afinidade pecu-liar nos conteúdos desse ciclo, uma vez que o funcionamento da natureza e suas determinações na

3. Ver concepção de alfabetização definida no documento de Língua Portuguesa.

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vida dos homens devem ser estudados. Sem perder de vista as especificidades de cada uma dasáreas, o professor pode aproveitar o que há em comum para tratar um mesmo assunto sob váriosângulos.

Objetivos de Geografia para o primeiro ciclo

Espera-se que ao final do primeiro ciclo os alunos sejam capazes de:

• reconhecer, na paisagem local e no lugar em que se encontram inseridos,as diferentes manifestações da natureza e a apropriação e transforma-ção dela pela ação de sua coletividade, de seu grupo social;

• conhecer e comparar a presença da natureza, expressa na paisagem local,com as manifestações da natureza presentes em outras paisagens;

• reconhecer semelhanças e diferenças nos modos que diferentes grupossociais se apropriam da natureza e a transformam, identificando suasdeterminações nas relações de trabalho, nos hábitos cotidianos, nasformas de se expressar e no lazer;

• conhecer e começar a utilizar fontes de informação escritas e imagéticasutilizando, para tanto, alguns procedimentos básicos;

• saber utilizar a observação e a descrição na leitura direta ou indireta dapaisagem, sobretudo por meio de ilustrações e da linguagem oral;

• reconhecer, no seu cotidiano, os referenciais espaciais de localização,orientação e distância de modo a deslocar-se com autonomia e repre-sentar os lugares onde vivem e se relacionam;

• reconhecer a importância de uma atitude responsável de cuidado com omeio em que vivem, evitando o desperdício e percebendo os cuidadosque se deve ter na preservação e na manutenção da natureza.

Blocos temáticos e conteúdos:o estudo da paisagem local

São muitos e variados os temas que podem ser pesquisados a partir do estudo da paisagemlocal. Embora cada unidade escolar e cada professor possa propor os seus, a depender das

necessidades e problemáticas que julgarem importantes de serem abordadas, aqueles selecionados

devem tratar da presença e do papel da natureza e sua relação com a vida das pessoas — seja em

sociedade, coletiva ou individualmente — na construção do espaço geográfico.

Seguem sugestões de blocos temáticos que podem ser estudados com os alunos, apresentados

de modo amplo, pois se configuram como sugestões e não devem ser compreendidos como uma

seqüência de assuntos a serem aprendidos ou ainda como blocos isolados que não se comunicam

entre si. O professor pode, por exemplo, trabalhar com um ou mais blocos ao mesmo tempo, reunidos

no estudo da paisagem local.

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T U D O É N A T U REZA

A principal noção a ser trabalhada por este tema é a presença da natureza em tudo que está

visível ou não na paisagem local. Por meio da observação e descrição, os alunos podem reconhecer

essa presença em seus hábitos cotidianos, na configuração e localização de seu bairro e de sua

cidade ou ainda nas atividades econômicas, sociais e culturais com as quais têm contato direto ou

indireto. Essa percepção pode ser ampliada mediante a comparação com a presença da natureza

em outros bairros, em diferentes regiões do Brasil e em outros lugares do mundo. A visão global de

natureza expressa na paisagem local pode ser realizada por meio dos hábitos de consumo,

pesquisando os produtos que participam da vida cotidiana, como são feitos e qual a origem dos

recursos naturais que estão envolvidos em sua produção. É possível, ainda, aproximar os alunos do

papel do trabalho na transformação da natureza, investigando como pessoas de diferentes espaços

e tempos utilizam técnicas e instrumentos distintos de trabalho na apropriação e transformação dos

elementos naturais disponíveis na paisagem local. Entretanto, a dimensão utilitária da natureza

como recurso natural pode ser ultrapassada ao se abordarem também suas características biofísicase as relações afetivas e singulares que as pessoas estabelecem com ela e manifestam por meio dasartes e das formas de lazer, por exemplo.

CON SERV A N D O O A M BI EN T E

Este tema proporciona a compreensão das diferentes relações que indivíduos, grupos sociaise sociedades estabelecem com a natureza no dia-a-dia. Por meio de problematizações de situaçõesvividas no lugar no qual os alunos se encontram inseridos — seja ele o bairro, a cidade ou o país —pode-se discutir o comportamento social e suas relações com a natureza. Devem ser estudados omodo de produzir e fazer do cotidiano, as tecnologias e as possibilidades de novas formas de serelacionar com a natureza, como as atitudes conservacionistas em relação ao lixo, saneamentobásico, abastecimento de água, produção e conservação de alimentos, por exemplo. É possívelainda introduzir os modos de produzir considerados alternativos, como a produção de energia solare as técnicas agrícolas alternativas. Pode-se também abordar a categoria território ao se tratar daquestão ambiental como política de conservação e apresentar aos alunos o conceito de ÁreasProtegidas e Unidades de Conservação4 por meio da pesquisa sobre suas tipologias e seus objetivos,identificando como elas estão próximas ou distantes de seu cotidiano e quais as suas implicaçõesna vida das pessoas.

T RA N SF ORM A N D O A N A T U REZA :D I F EREN T ES PA I SA GEN S

Este tema proporciona um estudo sobre os motivos, as técnicas e as conseqüências datransformação e do uso da natureza. Pode-se integrá-lo ao estudo da História no que se refere àsrelações sociais, culturais e econômicas. Por meio da leitura de imagens, pode-se conhecer a traje-tória da constituição da paisagem local e compará-la com a trajetória de diferentes paisagens elugares, enfocando as múltiplas relações e determinações dos homens em sociedade com a naturezanessa trajetória. Este tema evoca também pesquisas sobre como diferentes grupos sociais — índios,

negros, imigrantes, caiçaras, dentre os muitos que fazem parte da sociedade brasileira —

relacionaram-se ao longo de suas trajetórias com a natureza na construção do lugar e da paisagem

onde vivem, podendo-se inclusive eleger como objeto de estudo grupos sociais inseridos em pai-

sagens distintas daquelas características do Brasil.

4. Ver definição apresentada no documento de Meio Ambiente.

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O LU GAR E A PAISAGEM

Este tema trata das relações mais individualizadas dos alunos com o lugar em que vivem.

Quais foram as razões que os fizeram morar ali (vínculos familiares, proximidade do trabalho,

condições econômicas, entre outras) e quais são as condições do lugar em que vivem (moradia,

asfalto, saneamento básico, postos de saúde, escolas, lugares de lazer, tratamento do lixo). Pode-se

aprofundar a compreensão desses aspectos a partir da forma como percebem a paisagem local em

que vivem e procurar estabelecer relações entre o modo como cada um vê seu lugar e como cada

lugar compõe a paisagem. Outro ponto a ser discutido são as normas dos lugares: como é que se

deve agir na rua, na escola, na casa; como essas regras são expressas de forma implícita ou explícita

nas relações sociais e na própria paisagem local; como as crianças percebem e lidam com as regras

dos diferentes lugares. É importante discutir tentando encontrar as razões pelas quais elas são

estabelecidas dessa forma e não de outra, sua utilidade, legitimidade e como alteram e determinam

a configuração dos lugares.

Esses blocos temáticos contemplam conteúdos de diferentes dimensões: conceituais,

procedimentais e atitudinais que, segundo esta proposta de ensino, são considerados como

fundamentais para atingir as capacidades definidas para esse segmento da escolaridade. A seguir,

são apresentados em forma de lista, de modo a destacar suas dimensões e as principais relações que

existem entre eles:

• observação e descrição de diferentes formas pelas quais a natureza seapresenta na paisagem local: nas construções e moradias, na distribuiçãoda população, na organização dos bairros, nos modos de vida, nas formasde lazer, nas artes plásticas;

• identificação de motivos e técnicas pelos quais sua coletividade e asociedade de forma geral transforma a natureza: por meio do trabalho,da tecnologia, da cultura e da política, no passado e no presente;

• caracterização da paisagem local: suas origens e organização, asmanifestações da natureza em seus aspectos biofísicos, as transforma-ções sofridas ao longo do tempo;

• conhecimento das relações entre as pessoas e o lugar: as condições devida, as histórias, as relações afetivas e de identidade com o lugar ondevivem;

• identificação da situação ambiental da sua localidade: proteção epreservação do ambiente e sua relação com a qualidade de vida e saúde;

• produção de mapas ou roteiros simples considerando características dalinguagem cartográfica como as relações de distância e direção e osistema de cores e legendas;

• leitura inicial de mapas políticos, atlas e globo terrestre;

• valorização de formas não-predatórias de exploração, transformação euso dos recursos naturais;

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• organização, com auxílio do professor, de suas pesquisas e das conquis-

tas de seus conhecimentos em obras individuais ou coletivas: textos,

exposições, desenhos, dramatizações, entre outras.

Critérios de avaliação de Geografiapara o primeiro ciclo

Ao final do primeiro ciclo, os alunos devem ter avaliadas suas conquistas numa perspectiva de

continuidade aos seus estudos. A avaliação deve ser planejada, assim, relativamente aos

conhecimentos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores. Para isso é neces-

sário estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles:

• Reconhecer algumas das manifestações da relação entre soci edade e naturezapresentes na sua vida cotidiana e na paisagem local

Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apropriou da idéia de interdependência entre

a sociedade e a natureza e se reconhece aspectos dessa relação na paisagem local e no lugar em

que se encontra inserido. Também deve-se avaliar se conhece alguns dos processos de transformação

da natureza em seu contexto mais imediato.

• Reconhecer e localizar as características da paisagem local e compará-las com asde outras paisagens

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir, por meio da observação e da

descrição, alguns aspectos naturais e culturais da paisagem, percebendo nela elementos que

expressam a multiplicidade de tempos e espaços que a compõe. Se é capaz também de

comparar algumas das diferenças e semelhanças existentes entre diferentes paisagens.

• L er, interpretar e representar o espaço por meio de map as simples

Com este critério avalia-se se o aluno sabe utilizar elementos da linguagem cartográfica

como um sistema de representação que possui convenções e funções específicas, tais como cor,

símbolos, relações de direção e orientação, função de representar o espaço e suas características,

delimitar as relações de vizinhança.

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SEGUNDO CICLO

Ensino e aprendizagem deGeografia no segundo ciclo

No segundo ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente as diferentes relaçõesentre as cidades e o campo em suas dimensões sociais, culturais e ambientais e considerando opapel do trabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação e do transporte. O objetivocentral é que os alunos construam conhecimentos a respeito das categorias de paisagem urbana epaisagem rural, como foram constituídas ao longo do tempo e ainda o são, e como sintetizam múltiplosespaços geográficos.

A paisagem local pode conter elementos fundamentais para os alunos observarem, comparareme compreenderem essas relações. É possível, a partir de um estudo nessa escala, perceber como aspaisagens urbanas e rurais foram se configurando e estão profundamente interligadas. Entretanto,outras escalas podem ser abordadas e analisadas, já não apenas como fator de comparação — talcomo foi proposto para o primeiro ciclo — mas sim como conteúdos a serem aprendidos. Diferentespaisagens regionais devem ser apresentadas e trabalhadas com os alunos, de modo que venham aconstruir uma noção mais ampla sobre o território brasileiro, suas paisagens, regiões e, de modogeral, sobre as determinações político-administrativas que o caracterizam.

É importante ressaltar que o urbano e o rural são tradicionalmente trabalhados na escola.Entretanto, costuma-se estudar apenas suas características de forma descritiva e isolada, semaprofundar temáticas que explicitem as relações de interdependência e de determinação que exis-tem entre eles e enfocando-se quase que exclusivamente seus aspectos econômicos.

Atualmente, o urbano e o rural são compreendidos para além de seus aspectos econômicosou da descrição compartimentada dos fenômenos sociais e naturais que os caracterizam. As múltiplasdinâmicas existentes entre as cidades e o campo; as semelhanças e diferenças entre os modos de

vida que aí se constituem; as formas de trabalho e a produção e percepção do espaço e da paisagem;os relógios naturais e mecânicos que controlam a vida nas cidades e no campo e impõem ritmos devida diferentes tornaram-se temas de investigação da própria Geografia e, na escola, se mostram

interessantes e pertinentes de serem trabalhados, inclusive ao longo do segundo ciclo.

A configuração territorial igualmente pode ser tratada, pois as relações entre as paisagensurbanas e rurais estão permeadas por decisões político-administrativas promovidas não apenas porinstâncias regionais, mas sobretudo federais, explicitando-se a predominância do urbano sobre orural. Questões relativas à posição, localização, fronteira e extensão das paisagens são, assim,

retomadas, o que garante a possibilidade de os alunos ampliarem as noções e conhecimentos quehaviam anteriormente construído a respeito.

O estudo das tecnologias permite compreender como as sociedades, em diferentes momentosde sua história, buscaram superar seus problemas cotidianos, de sobrevivência, transformando anatureza, criando novas formas de organização social, política e econômica e construindo paisagens

urbanas e rurais. As possibilidades advindas do desenvolvimento tecnológico e do aprimoramentotécnico para o processo de urbanização, agrarização e industrialização e as transformações ocorridasno próprio conceito de trabalho devem ser apresentadas aos alunos desse ciclo. Assim, o conceito

de trabalho pode ser construído por eles mediante compreensões mais amplas do que aquelacomumente presente nessa etapa da escolaridade: a do trabalho apenas como profissão.

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Nesse sentido, é importante promover também situações nas quais os alunos percebam e

compreendam a tecnologia em seu próprio cotidiano, pela observação e comparação da presençadela em seu meio familiar e em seu dia-a-dia de forma geral. Os instrumentos, os modos de fazer,as tecnologias que os alunos conhecem e/ou dominam podem gerar temas de estudo, e até mesmoas vivências diretas ou indiretas que possuem com o mundo do trabalho compartilhadas a fim de

ampliar seus conhecimentos sobre o seu papel na estruturação do espaço, do tempo e da sociedadena qual se encontram inseridos.

Nas escalas regional e nacional, é possível ainda estudar como diferentes grupos sociais sevaleram de tecnologias singulares na construção e definição de seu espaço: como grupos indígenas,caiçaras, ribeirinhos, imigrantes japoneses — entre outros — construíram, no passado, técnicassingulares e as utilizaram como instrumentos de trabalho na estruturação de seu espaço geográfico;e, no presente, como se encontram esses mesmos grupos diante do avanço tecnológico, comoincorporam outras técnicas em seu dia-a-dia de trabalho e de lazer.

O estudo da informação, da comunicação e do transporte, por sua vez, ao superar umaabordagem descritiva de seus meios — televisão, rádio, automóvel, trem, etc. — permite umacompreensão dos processos, intenções e conseqüências das relações entre os lugares, em escalaregional, nacional e até mesmo mundial. Quando abordado por meio da escala local e do território,permite aproximar os alunos das dinâmicas existentes entre as paisagens urbanas e rurais. Apreocupação fundamental é que os alunos construam as primeiras noções sobre o papel da informa-ção, da comunicação e dos transportes na constituição dessas paisagens e nas múltiplas relaçõesque existem entre o local, o regional e o mundial.

No segundo ciclo, as possibilidades de aprendizagem dos alunos ampliam-se em váriosaspectos. A maior autonomia em relação à leitura e à escrita e o domínio crescente dosprocedimentos de observação, descrição, explicação e representação permitem que eles sejamcapazes de consultar e processar fontes de informação com maior independência e construamcompreensões mais complexas, realizando analogias e sínteses mais elaboradas, expressas por meiode trabalhos mais completos, escritos ou apoiados em múltiplas linguagens — como ilustração,mapas, maquetes, seminários, por exemplo.

Além disso, a familiaridade com a rotina escolar e com o conhecimento escolarizado tambémtorna possível desenvolver estudos e pesquisas mais complexos, e permite que os alunos trabalhemde forma mais independente da mediação do professor, embora este ainda deva atuar comointermediário entre o conhecimento dos alunos e o conhecimento geográfico, criando situaçõessignificativas de aprendizagem que aproximem os alunos das categorias de espaço geográfico,território, paisagem e lugar e dos procedimentos básicos do fazer geográfico.

Essas situações de aprendizagem, como no ciclo anterior, podem estar apoiadas em diferentesfontes de informação e recursos didáticos — como os estudos do meio, os relatos, as entrevistas, anarrativa literária, a pintura, a música, o estudo de diferentes culturas, a cartografia —, promovendouma compreensão mais ampla e crítica da realidade, bem como um posicionamento mais propositivoperante questões relativas às condições de vida (saúde, meio ambiente, transporte, educação, lazer,etc.) da coletividade.

O estudo sobre a representação do espaço segue de modo semelhante ao primeiro ciclo,embora seja possível abordar de forma mais aprofundada as noções de distância, direção e orientaçãoe iniciar um trabalho mais aprofundado com as noções de proporção e escala. Já se pode esperarque os alunos compreendam que para representar o espaço é preciso obedecer a certas regras econvenções postuladas pela linguagem cartográfica e comecem a dominá-las na produção de mapas

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simples, relacionados com o espaço vivido e outros mais distantes. Atividades nas quais os alunostenham que refletir, questionar, comunicar e compreender informações expressas por meio dessasregras e convenções — e não apenas descrevê-las e memorizá-las — podem ser planejadas peloprofessor para que as conheçam e aprendam a utilizá-las. Os referenciais de localização, os pontoscardeais, as divisões e contornos políticos dos mapas, o sistema de cores e legendas podem edevem ser trabalhados.

Também no que se refere à leitura, a prática do professor deve favorecer uma autonomiacrescente na consulta e obtenção de informações por meio de mapas, atlas, globo terrestre e atémesmo de maquetes, plantas e fotos aéreas. Nesse sentido, os diferentes tipos de mapas, os múl-tiplos temas que são representados por meio dessa linguagem e as razões que determinam arelevância de seu mapeamento podem ser temas de discussão e estudo. Estudar conceitosfundamentais, tradicionalmente representados pela linguagem cartográfica — como relevo, vege-tação, clima, população, tamanho, distribuição —, não só passa a ser pertinente como tambémfundamental para que os alunos ampliem seus conhecimentos sobre essa linguagem.

Nesse momento da escolaridade passa a ser interessante também discutir com os alunos alinguagem cartográfica como uma produção humana, marcada pelos alcances e limites dos recursostécnicos e das intenções dos sujeitos e das épocas que dela se valem para representar o espaçogeográfico. Estudar a história da cartografia é uma forma adequada de aproximar a História e aGeografia num estudo sobre como diferentes sociedades em tempos e espaços distintos percebiame representavam seu entorno e o mundo: as técnicas e os conhecimentos, o imaginário, as intençõespolíticas e econômicas, os medos e desejos.

Continua sendo papel fundamental do professor considerar os conhecimentos que os alunos já possuempara planejar situações de ensino e aprendizagem significativas e produtivas. Para isso, é preciso conheceros avanços e os problemas de seus alunos, bem como a adequação de suas propostas, de modo aaperfeiçoar sua ação pedagógica. A interface com as demais disciplinas também deve ser observada,de modo a proporcionar estudos mais completos sobre um tema cuja compreensão, por parte dosalunos, tanto a Geografia, como a História, as Ciências, a Arte e a Matemática podem ampliar, pormeio de suas abordagens e explicações.

Objetivos de Geografia para o segundo cic lo

Espera-se que ao final do segundo ciclo os alunos sejam capazes de:

• reconhecer e comparar o papel da sociedade e da natureza na constru-ção de diferentes paisagens urbanas e rurais brasileiras;

• reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidadese do campo, relativas ao trabalho, às construções e moradias, aos hábitoscotidianos, às expressões de lazer e de cultura;

• reconhecer, no lugar no qual se encontram inseridos, as relaçõesexistentes entre o mundo urbano e o mundo rural, bem como as rela-ções que sua coletividade estabelece com coletividades de outros lugarese regiões, focando tanto o presente e como o passado;

• conhecer e compreender algumas das conseqüências das transformações danatureza causadas pelas ações humanas, presentes na paisagem local eem paisagens urbanas e rurais;

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• reconhecer o papel das tecnologias, da informação, da comunicação edos transportes na configuração de paisagens urbanas e rurais e naestruturação da vida em sociedade;

• saber utilizar os procedimentos básicos de observação, descrição,registro, comparação, análise e síntese na coleta e tratamento da infor-mação, seja mediante fontes escritas ou imagéticas;

• utilizar a linguagem cartográfica para representar e interpretar informaçõesem linguagem cartográfica, observando a necessidade de indicações dedireção, distância, orientação e proporção para garantir a legibilidade dainformação;

• valorizar o uso refletido da técnica e da tecnologia em prol da preserva-ção e conservação do meio ambiente e da manutenção da qualidade devida;

• adotar uma atitude responsável em relação ao meio ambiente, reivindi-cando, quando possível, o direito de todos a uma vida plena num ambientepreservado e saudável;

• conhecer e valorizar os modos de vida de diferentes grupos sociais, comose relacionam e constituem o espaço e a paisagem no qual se encontraminseridos.

Blocos temáticos e conteúdos:as paisagens urbanas e rurais,suas características e relações

São muitos e variados os temas que podem ser pesquisados a partir do estudo de paisagensurbanas e rurais, suas características e relações. Embora cada unidade escolar e cada professorpossa propor os seus, a depender das necessidades e problemáticas relevantes para os alunos, aescola ou a comunidade na qual se encontram inseridos, aqueles selecionados devem abordar asdimensões sociais, culturais e ambientais que aí se encontram presentes, bem como o papel dotrabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação e do transporte. Até mesmo o territóriono qual essas paisagens se inserem deve ser considerado, a fim de que possam ser abordadas asdeterminações político-administrativas que aí se encontram presentes.

Seguem sugestões de blocos temáticos que podem ser estudados com os alunos e, como noprimeiro ciclo, são apresentados de modo amplo, pois se configuram como sugestões e não devemser compreendidos como uma seqüência de assuntos a serem aprendidos ou ainda como blocosisolados, que não se comunicam entre si. O professor pode aqui, também, trabalhar com um oumais blocos ao mesmo tempo, reunidos no estudo de paisagens urbanas e rurais.

O PA PEL D A S T ECN OL OGI A S N A CON ST RU ÇÃ O D EPA I SA GEN S U RBA N A S E RU RA I S

Este tema enfoca o papel das tecnologias na configuração das paisagens urbanas e rurais.Pelo estudo comparativo de como diferentes grupos sociais utilizam e elaboram técnicas e

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tecnologias para superar seus problemas cotidianos e garantir sua sobrevivência, os alunos podemcompreender como o trabalho humano e as diferentes formas de apropriação da natureza constitueme diferenciam espaços geográficos.

O trabalho e as tecnologias influem nos ritmos da cidade e do campo, nas suas formas, na suaorganização. Como se relacionam com a vida cotidiana, qual seu papel: o conforto e desconforto que trazem,os benefícios e malefícios. É possível comparar técnicas e tecnologias antigas e modernas — como, porexemplo, o martelo e a serra elétrica, a colheita manual e a industrializada — e avaliar se o que é maismoderno é realmente melhor. Pode-se estudar como as tecnologias aparecem distribuídas naspaisagens e nas diferentes atividades: onde estão, por quem são utilizadas, quem tem acesso a elas.Por exemplo, que mudanças ocorreram com a invenção da geladeira ou da energia elétrica. Comodiferentes setores da sociedade usam e abusam das tecnologias e quais suas responsabilidadesperante o meio ambiente, nos desmatamentos, no lançamento de poluentes para a atmosfera. Quemsão os atores sociais que definem quais e como se utilizam as tecnologias e quem sofre os prejuízosde seu uso indevido.

I N F ORM A ÇÃ O, COM U N I CA ÇÃ O E I N T ERA ÇÃ O

Este tema refere-se às alterações que o fluxo de informações fez e faz na vida em sociedade.É possível estudar a história dos meios de comunicação, sua criação e seu significado social; comoa invenção do rádio, da TV, do telefone, do jornal modificaram a vida das pessoas; como podemcriar novas e múltiplas relações entre os lugares. É possível analisar as alterações que o uso doscomputadores trouxe na relação entre os lugares, nas relações sociais e econômicas e nos hábitosculturais. Como expressam as paisagens urbanas e rurais, como as paisagens são influenciadasumas pelas outras por meio das imagens veiculadas na televisão, nos jornais, nas revistas, etc. Umaabordagem crítica, analisando a descaracterização que os meios de comunicação podem ocasionar,principalmente no comportamento, na fala, no estímulo ao consumo é fundamental para umacompreensão mais ampla deste tema. Analisá-lo a partir das diferenças entre os meios decomunicação, sua influência no mundo urbano e no mundo rural — que lugares a mídia trata, quaisignora e por que são formas interessantes de discutir com os alunos a informação e a comunicaçãocomo fruto do trabalho humano, permeado por decisões político-administrativas.

D I ST Â N CI A S E V EL OCI D A D ES N O M U N D O U RBA N O E N O M U N D O RU RA L

Este tema diz respeito ao transporte e sua influência na vida em sociedade, as alterações queimprimem nas paisagens. Também as semelhanças e as diferenças entre o urbano e o rural podemser aqui tratadas: discutir o espaço que alguns meios de transporte ocupam, como, por exemplo, oautomóvel, e as implicações de seu uso na configuração das cidades mediante a construção de vias,viadutos, pontes, túneis, etc.; em contraposição, o papel dos transportes coletivos no passado e nopresente. Pode-se estudar a utilização do automóvel sob o ponto de vista do trabalho, da indústriaou da comunicação, assim como dos meios de transporte fluviais, predominantes em muitas regiõesdo Brasil.

Nesse sentido, é interessante discutir e comparar as permanências e transformações dosmeios de transporte em regiões diferentes: lugares onde se anda a cavalo, de barco ou a pé; lugaresonde existem problemas sociais ligados aos meios de transporte, tais como trânsito, acidentes,atropelamentos, de saúde e ambientais; ou ainda abordar a questão energética, estudando-se oscombustíveis utilizados pelo transporte.

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U RBA N O E RU RA L : M OD OS D E V I D A

Através deste tema é possível organizar estudos nos quais os alunos pesquisem e comparemcomo as paisagens urbanas e rurais definem e possibilitam diferentes modos de vida. No entanto,os mundos urbano e rural não devem ser focados sem seus sujeitos: os grupos sociais que neles seencontram presentes devem também ser abordados. Afinal, o modo de vida dos habitantes daregião da floresta amazônica, por exemplo, não pode ser definido segundo um único padrão:ribeirinhos vivem de forma distinta dos grupos indígenas, embora ambos possam ser localizadosem zonas rurais dessa região. Questões relativas ao trabalho, às tecnologias e até mesmo àcomunicação que existe entre os modos de vida dos grupos sociais estudados podem ser enfocadas,tanto do ponto de vista do presente como do passado.

Esses blocos temáticos contemplam conteúdos de diferentes dimensões: conceituais,procedimentais e atitudinais que, segundo esta proposta de ensino, são considerados comofundamentais para atingir as capacidades definidas para esse segmento da escolaridade. A seguir,são apresentados em forma de lista, de modo a destacar suas dimensões e as principais relaçõesque existem entre eles:

• identificação de processos de organização e construção de paisagensurbanas e rurais ao longo do tempo;

• caracterização e comparação entre as paisagens urbanas e rurais dediferentes regiões do Brasil, considerando os aspectos da espacializaçãoe especialização do trabalho, a interdependência entre as cidades e ocampo, os elementos biofísicos da natureza, os limites e as possibilidadesdos recursos naturais;

• comparação entre o uso de técnicas e tecnologias por meio do trabalhohumano nas cidades e no campo, envolvendo modos de vida de diferen-tes grupos sociais, aproximando-se do debate entre o moderno e o tradi-cional;

• reconhecimento do papel das tecnologias na transformação e apropria-ção da natureza e na construção de paisagens distintas;

• reconhecimento do papel da informação e da comunicação nas dinâmicasexistentes entre as cidades e o campo;

• compreensão das funções que o transporte assume nas relações entre ascidades e o campo, observando seu papel na interdependência que existeentre ambos;

• comparação entre os diferentes meios de transporte presentes no lugaronde se vive, suas implicações na organização da vida em sociedade enas transformações da natureza;

• levantamento, seleção e organização de informações a partir de fontesvariadas, como fotografias, mapas, notícias de jornal, filmes, entrevis-tas, obras literárias, músicas, etc.;

• representação em linguagem cartográfica das características das paisagensestudadas por meio da confecção de diferentes tipos de mapas, obser-vando a necessidade de indicar a direção, a distância, a proporção paragarantir a legibilidade das informações;

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• leitura e compreensão das informações expressas em linguagemcartográfica e em outras formas de representação do espaço, como foto-grafias aéreas, plantas maquetes, entre outras;

• organização de pesquisas e reapresentação dos conhecimentos adquiri-dos em obras individuais ou coletivas: textos, exposições, desenhos,dramatizações, seminários, etc.;

• valorização do uso refletido da técnica e da tecnologia em prol dareabilitação e conservação do meio ambiente e da manutenção da quali-dade de vida;

• respeito e tolerância por modos de vida e valores de outras coletivida-des distantes no tempo e no espaço.

Critérios de avaliação de Geografiapara o segundo ciclo

Ao final do segundo ciclo, os alunos devem ter avaliadas suas conquistas numa perspectiva decontinuidade aos seus estudos. A avaliação deve ser planejada, assim, relativamente aos conhecimen-tos que serão recontextualizados e utilizados em estudos posteriores. Para isso é necessário estabeleceralguns critérios. De modo amplo, são eles:

• Reconhecer e comparar os elementos sociais e naturais que c ompõem paisagensurbanas e rurais brasileiras, explicando alguns dos proce ssos de interação existentesentre elas

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de distinguir diferentes paisagens urbanas erurais brasileiras e de explicar algumas das dinâmicas existentes entre elas. O conhecimento dourbano e do rural pode ser avaliado também a partir daquilo que o aluno é capaz de observar,descrever, relacionar e compreender de suas manifestações na paisagem local ou na região na qualele se encontra inserido e as relações que sua coletividade estabelece com o campo e/ou outrascidades.

• Reconhecer semelhanças e diferenças entre os modos de vida das cidades e do campo

Com este critério avalia-se se o aluno reconhece, relaciona e compreende modos de vida dascidades e do campo, focando aspectos relativos aos tipos e ritmos de trabalho, às formas de moradiae organização e distribuição da população, aos hábitos cotidianos, às expressões culturais e delazer.

• Reconhecer o papel das tecnologias, da informação, da co municação e dos transportes naconfiguração de paisagens urbanas e rurais e na estruturação da vida em sociedade

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de reconhecer e comparar os modos e as razõesque levam diferentes grupos sociais, inclusive o seu próprio, a produzir conhecimentos técnicos etecnológicos, sendo capaz de discernir benefícios e prejuízos por eles causados, localizar algunslugares e sujeitos que deles podem dispor. Avalia-se também, se é capaz de perceber e compreendero papel desses conhecimentos na construção de paisagens urbanas e rurais.

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• Estabelecer algumas relações entre as ações da socieda de e suas conseqüênciaspara o ambiente

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de conhecer e compreender algumas dasconseqüências das transformações da natureza causadas pelas ações humanas, presentes na paisagemlocal e em paisagens urbanas e rurais.

• R epresentar e interpretar informações sobre diferentes p aisagens utilizandoprocedimentos convencionais da linguagem cartográfica

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de utilizar algumas das convenções na produçãoe na leitura de mapas simples, maquetes e roteiros: direção, distância, orientação, proporção, osistema de cores e de legendas, a divisão e o contorno dos mapas políticos, os pontos cardeais, etc.Também, se é capaz de interpretar informações de mapas com diferentes temáticas — relevo,clima, distribuição da população, dos bens econômicos, etc. —, realizando comparações esobreposições entre essas informações.

• Observar, descrever, explicar, comparar e representar paisagens urbanas e rurais

Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de utilizar procedimentos básicos do fazergeográfico de observar, descrever, explicar, comparar e representar paisagens urbanas e rurais.Isso corresponde às capacidades que ele desenvolveu para ler uma imagem e a paisagem comouma imagem, entendendo que essa leitura não deve ser apenas uma reprodução daquilo que estávisível de imediato, mas também uma primeira interpretação daquilo que se vê. Saber questionar,relacionar, comparar e compreender a necessidade de pesquisar em outras fontes de informaçãosão algumas das capacidades que deve ter desenvolvido, já possuindo autonomia para realizá-las.

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ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS

O ensino de Geografia, de forma geral, é realizado por meio de aulas expositivas ou daleitura dos textos do livro didático. Entretanto, é possível trabalhar com esse campo do conhecimentode forma mais dinâmica e instigante para os alunos, mediante situações que problematizem osdiferentes espaços geográficos materializados em paisagens, lugares e territórios; que disparemrelações entre o presente e o passado, o específico e o geral, as ações individuais e as coletivas; epromovam o domínio de procedimentos que permitam aos alunos “ler” a paisagem local e outraspaisagens presentes em outros tempos e espaços.

Na sala de aula, o professor pode planejar essas situações considerando a própria leitura da paisagem,a observação e a descrição, a explicação e a interação, a territorialidade e a extensão, a análise e o trabalhocom a representação do espaço. Nestas orientações didáticas, procurou-se explicitar como e por que taisaspectos podem ser utilizados pelo professor no planejamento de seu trabalho.

Leitura da paisagem

A abordagem dos conteúdos da Geografia insere-se na perspectiva da leitura da paisagem, oque permite aos alunos conhecerem os processos de construção do espaço geográfico. Conheceruma paisagem é reconhecer seus elementos sociais, culturais e naturais e a interação existenteentre eles; é também compreender como ela está em permanente processo de transformação ecomo contém múltiplos espaços e tempos.

A leitura da paisagem pode ocorrer de forma direta — mediante a observação da paisagem deum lugar que os alunos visitaram — ou de for-ma indireta — por meio de fotografias, da literatura, devídeos, de relatos.

Uma maneira interessante de iniciar a leitura da paisagem é por intermédio de uma pesquisaprévia dos elementos que a constituem. Essa pesquisa pode ocorrer apoiada em material fotográfico,textos ou pela sistematização das observações que os alunos já fizeram em seu cotidiano. Por esselevantamento inicial, o professor e os alunos podem problematizar, formular questões e levantarhipóteses que impliquem investigações mais aprofundadas, demandem novos conhecimentos.

A partir dessa pesquisa inicial, consultar diferentes fontes de informação, tais como obrasliterárias, músicas regionais, fotografias, entrevistas ou relatos, torna-se essencial na busca de novasinformações que ampliem aquelas que já se possui. A compreensão geográfica das paisagens significaa construção de imagens vivas dos lugares que passam a fazer parte do universo de conhecimentosdos alunos, tornando-se parte de sua cultura. Os trabalhos práticos com maquetes, mapas mentaise fotografias aéreas podem também ser utilizados.

O desenvolvimento da leitura da paisagem possibilita ir ao encontro das necessidades domundo contemporâneo no qual o apelo às imagens é constante. No processo de leitura, um aspectofundamental é a aquisição de habilidades para ler diferentes tipos de imagens, tais como a fotografia,o cinema, os grafismos, as imagens da televisão e a própria observação a olho nu tomada dediferentes referenciais (angulares e de distância). Uma mesma imagem pode ser interpretada demuitas maneiras. Por exemplo, a imagem de um condomínio de prédios pode ser lida de mododiferente por um engenheiro construtor, um engenheiro de tráfego, um ecologista, um político, umfavelado ou ainda por uma criança do meio rural. Ao se introduzir a leitura da paisagem, a comparaçãodas diferentes leituras de um mesmo objeto é muito importante, pois permite o confronto de idéias,interesses, valores socioculturais, estéticos, econômicos, enfim, das diferentes interpretaçõesexistentes e a constatação das intencionalidades e limitações daquele que observa.

Além disso, possibilita a elaboração de questionamentos fundamentais sobre o que prevalecenuma paisagem, pois sua história é marcada pelas decisões que venceram e determinaram a sua

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imagem. É importante comparar uma mesma paisagem em tempos diferentes e descobrir como epor que mudou, quem decidiu mudar, a quem beneficiou ou prejudicou. No trabalho comparativoé que sobressaem as intencionalidades daqueles que agiram.

A leitura da paisagem por meio da identificação de suas estruturas auxilia também a perceberque muitos problemas enfrentados no bairro, na cidade, no município e em outras paisagens sãoresultados de ações. Quando se compara uma paisagem rural de agricultura comercial em confron-to com outra de agricultura ecológica, rios poluídos ou não, grandes e pequenas cidades, pode-sever e avaliar os resultados dessas ações, pois estão impressos na paisagem.

O trabalho de observação da paisagem deve iniciar pelas características que mais tocam cadaum. Uma mesma paisagem pode ser comunicada oralmente, textualmente ou em desenho deforma distinta por cada pessoa que a tente representar. Isso reforça a idéia de que, quando seobserva a paisagem, busca-se identificar os aspectos que fazem cada um se aproximar dela.

Descrição e observação

A observação e a descrição como procedimentos do processo do conhecimento não sãoexclusivas da Geografia. Outras ciências as utilizam, principalmente as Ciências Naturais.

No caso da Geografia, muitos generalizam a descrição como único procedimento deinterpretação, definindo-a como sendo a “descrição da Terra”. Porém, a descrição é somente umdos momentos que caracterizam sua metodologia. A observação e a descrição são os pontosde partida básicos para início da leitura da paisagem e construção de sua explicação.

A descrição é fundamental, porque a paisagem não é experimental e sim visual. Assim, asexcursões de reconhecimento, o uso das imagens aéreas, das fotografias comuns, das imagenscotidianas da televisão, dos mapas, etc., são recursos que podem ajudar o professor. Aulas descritivasde paisagem não atingem o objetivo de dar ao estudante a capacidade de realizar levantamentosdas características visíveis na paisagem, fazer sua documentação, sistematizando assim a observação.

Explicação e interação

A explicação para a Geografia é o procedimento que permite responder o porquê das coisase dos fenômenos lidos numa paisagem.

É sabido que a simples descrição dos lugares não esgota a análise do seu objeto. É necessárioexplicar como aqueles fatores que a constituem se organizaram, para lhe permitir uma identidade.Ou seja, a explicação é o momento da compreensão das interações dos fatos. Por exemplo, seapenas fosse descrita a paisagem urbana da cidade de uma capital brasileira, isso levaria a contemplá-la e não ao entendimento da sua presença e de sua essência como cidade; ou, ainda, como ahistória e a natureza interagiram para permitir seu aparecimento e expansão.

A explicação, na análise de qualquer objeto, procura sempre decompô-lo em partes. Caminhado particular para o geral. Isso significa dizer: induz e deduz sobre a realidade. No caso da Geografia,como o objeto da análise é o território e a paisagem, caracterizados tanto pelos elementos sociaisquanto pelos naturais, essa análise deverá estar sempre atenta para as interações entre esses doiselementos da realidade.

Como uma ciência social, porém com especificidade de trabalhar a sociedade e a natureza, aanálise torna-se complexa, pois deve explicar como dois conjuntos de elementos interagem semdeixar de lembrar que tanto a natureza como a sociedade guardam níveis de interações que lhes

são específicas internamente.

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Territoria lidade e extensão

Nenhum estudo geográfico das formas de interações entre a sociedade e a natureza poderáestar desvinculado da territorialidade ou extensão do fato estudado. Os lugares têm, por exemplo,fronteiras territoriais. O território é a base física e material da paisagem, expressa-se numa deter-minada extensão, permitindo, assim, que se estabeleça alguma forma de fronteira.

As fronteiras se estabelecem por meio de diferentes relações de comércio, de comunicação,de circulação de pessoas, e, pela sua natureza concreta, serão passíveis de uma representaçãocartográfica porque sempre definem uma extensão. Por exemplo: a área de influência de umacidade, até onde ela pode ser considerada como centro importante dos fluxos comerciais ou depessoas, poderá ser territorialmente representada em mapas.

O princípio da territorialidade dos fenômenos geográficos definidos pelo processo deapropriação de natureza pela sociedade garante a possibilidade de se estabelecerem os limites e asfronteiras desses fenômenos, sua extensão e tendências espaciais. São, portanto, fenômenoslocalizáveis e concretos. Isso facilita sua representação cartográfica.

Hoje, mais do que nunca, com o auxílio da computação gráfica, a cartografia, como uma dasimportantes disciplinas no estudo da Geografia, vem elaborando uma variedade muito grande demapas temáticos, perm itindo estudos sobre fluxos econômicos, formas de ocupação do solo,distribuição dos recursos naturais, etc. A representação cartográfica, inclusive dos territórios emconflito, permite a visualização das fronteiras em estado de tensão política.

Ana logia

A palavra “analogia” significa comparação, semelhança de relações. A Geografia tem porobjetivo buscar a explicação das diferentes paisagens, territórios e lugares como resultado decombinações próprias que marcam suas singularidades. Por analogias, pode-se chegar a definir anatureza dessas diferenças. Pode-se dizer que o que caracteriza o espaço mundial são as significativasdiferenças entre os lugares.

Assim sendo, é preciso reconhecer a singularidade e a especificidade dos lugares, o que,entretanto, não limita a possibilidade de se buscar soluções para os diferentes problemas que possamexistir em cada um deles, aproveitando-se das experiências dos outros.

A representação do espaço noestudo da Geografia

O espaço é, simultaneamente, noção e categoria. É noção no sentido de estrutura mentalque se constrói desde o nascimento até a formalização do pensamento e é categoria como objetode estudo da Geografia. Sem dúvida, trata-se de dois aspectos de uma mesma questão, cada umguardando suas especificidades, mas, ao mesmo tempo, com suas contribuições para que os alunosampliem seus conhecimentos a respeito do espaço como noção e do espaço como categoria daGeografia, o espaço geográfico.

A aquisição da noção de espaço é um processo complexo e progressivo de extrema importânciano desenvolvimento das pessoas. Não se pode consolidá-la, portanto, apenas por meio de umprocesso que parte de noções simples e concretas para as mais abstratas, como se sua aquisiçãofosse linear e monolítica. Na escolaridade isso significa dizer que não há apenas uma maneira de

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construir essa noção: ela não se restringe apenas aos conteúdos da Geografia, mas permeiapraticamente todas as áreas, não sendo um conteúdo em si, mas algo inerente ao desenvolvimentodos alunos. Entretanto, as experiências de aprendizagem vividas pelos alunos, nas quais tenhamque refletir sobre essa noção nas mais diversas áreas e num ambiente rico em informações, contribuempara a construção de uma noção espacial mais abrangente e mais complexa.

A categoria de espaço geográfico, como objeto de estudo dos geógrafos, deve ter umtratamento didático que possibilite a interação dos alunos. Por um lado, a compreensão do espaçogeográfico será trabalhada sempre que se estudar a paisagem, o território e o lugar; por outro, aquestão da representação espacial, no contexto dos estudos, é um caminho importante paracompreender a espacialidade dos fenômenos (ampliando a noção de espaço), para entender afunção social da linguagem cartográfica, bem como os processos histórico-sociais de sua construção.

Sendo assim, o professor deve abordar, simultaneamente, dois eixos: a leitura e a produçãoda linguagem cartográfica. A compreensão desse sistema de representação ocorre quando hásucessivas aproximações dos dois eixos, não sendo o primeiro condição para o segundo, isto é,para se fazer mapas não é necessário que se aprenda a lê-los antes. Sem dúvida, essa é uma linguagemcomplexa que envolve diferentes aspectos e não é possível aos alunos dar conta de todos,principalmente nos primeiros ciclos, quando ainda têm muita dificuldade em definir outrosreferenciais espaciais que não estejam vinculados a si mesmos. Isso quer dizer que muitas vezesfarão mapas que não respeitam um sistema único de projeções (vertical ou oblíqua), não mantêm aproporcionalidade, não sistematizam símbolos, etc. Assim, cabe ao professor criar diferentes situ-ações nas quais os alunos tenham de priorizar um ou outro aspecto, tanto na produção quanto naleitura, para que, gradualmente, consigam coordená-los, apropriando-se tanto das convenções comodo funcionamento dessa linguagem.

O professor deve também considerar as idéias que seus alunos têm sobre a representação doespaço. As crianças sabem fazer coisas como descrever os trajetos que percorrem, organizar umcômodo com seus móveis, ou desenhar um “mapa do tesouro”, entre outras. A partir desse tipo deconhecimento, o professor pode pensar em problematizações que explicitem a necessidade de serepresentar o espaço e, ao fazê-lo, novas exigências poderão se evidenciar: criar legendas, manteralgum tipo de proporcionalidade, respeitar um sistema de projeção, esclarecer orientação, direçãoe distância entre os fatos representados. Também, ao fazer a leitura de mapas, deve-se considerarque os alunos são capazes de deduzir muitas informações, principalmente se a leitura estivercontextualizada e eles estiverem em busca de alguma informação. Por exemplo, ler um mapafísico da região em que vivem e tentar descobrir quais são os lugares mais altos, mais baixos,planos ou não planos a partir do conhecimento que têm sobre o lugar e da interpretação das legendas.

Não se pode perder de vista que a função social da linguagem cartográfica é de comunicaçãode informações sobre o espaço, ou seja, deve haver situação comunicativa, para que a atividadeseja significativa e ocorra aprendizagem. A situação caracteriza-se dessa forma quando há algumainformação espacial sendo representada e comunicada para algum interlocutor dentro de umcontexto social. Nesse caso, as crianças podem tanto ser os usuários, leitores, quanto os produtores,que comunicam algo.

Compreender e utilizar a linguagem cartográfica, sem dúvida alguma, amplia as possibilidadesdos alunos de extrair, comunicar e analisar informações em vários campos do conhecimento —além de contribuir para a estruturação de uma noção espacial flexível, abrangente e complexa.Compreender a espacialidade dos fenômenos estudados, no presente e no passado, e compará-lapor meio de suas sobreposições é algo que a própria Geografia busca fazer e os alunos dos ciclosiniciais também podem realizar. Ler em mapas como a população de uma região está distribuída ecomo o clima e a vegetação também o estão para comparar as informações obtidas e formularhipóteses variadas sobre suas relações é uma forma de se aproximar e compreender os procedimentospelos quais este campo do conhecimento se constitui.

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FICHA TÉCNICA

CoordenaçãoAna Rosa Abreu, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria Tereza Perez Soares, Neide Nogueira.

ElaboraçãoAloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Ana Rosa Abreu, Antonia Terra, Célia M. CarolinoPires, Circe Bittencourt, Cláudia R. Aratangy, Flávia I. Schilling, Karen Muller, Kátia L. Bräkling,Marcelo Barros da Silva, Maria Amábile Mansutti, Maria Cecília Condeixa, Maria Cristina RibeiroPereira, Maria F. R. Fusari, Maria Heloisa C.T. Ferraz, Maria Isabel I. Soncini, Maria TerezaPerez Soares, Marina Valadão, Neide Nogueira, Paulo Eduardo Dias de Melo, Regina Machado,Ricardo Breim, Rosaura A. Soligo, Rosa Iavelberg, Rosely Fischmann, Silvia M. Pompéia, Sueli A.Furlan, Telma Weisz, Thereza C. H. Cury, Yara Sayão, Yves de La Taille.

ConsultoriaCésar CollDélia Lerner de Zunino

A ssessoriaAdilson O. Citelli, Alice Pierson, Ana M. Espinosa, Ana Teberosky, Artur Gomes de Morais,Guaraciaba Micheletti, Helena H. Nagamine Brandão, Hermelino M. Neder, Iveta M. B. ÁvilaFernandes, Jean Hébrard, João Batista Freire, João C. Palma, José Carlos Libâneo, Ligia Chiappini,Lino de Macedo, Lúcia L. Browne Rego, Luis Carlos Menezes, Osvaldo Luiz Ferraz, Yves de LaTaille e os 700 pareceristas - professores de universidades e especialistas de todo o País, quecontribuíram com críticas e sugestões valiosas para o enriquecimento dos PCN.

Projeto gráficoVitor Nozek

Revisão e Copydesk

110

AGRADECIMENTOS

Alberto Tassinari, Ana Mae Barbosa, Anna Maria Lamberti, Andréa Daher, Antônio José Lopes,Aparecida Maria Gama Andrade, Barjas Negri, Beatriz Cardoso, Carlos Roberto Jamil Curi, CelmaCerrano, Cristina F. B. Cabral, Elba de Sá Barreto, Eunice Durham, Heloisa Margarido Salles,Hércules Abrão de Araújo, Jocimar Daolio, Lais Helena Malaco, Lídia Aratangy, Márcia da SilvaFerreira, Maria Cecília Cortez C. de Souza, Maria Helena Guimarães de Castro, Marta Rosa Amo-roso, Mauro Betti, Paulo Machado, Paulo Portella Filho, Rosana Paulillo, Sheila Aparecida Pereirados Santos Silva, Sonia Carbonel, Sueli Teixeira Mello, Théa Standerski, Vera Helena S. Grellet,Volmir Matos, Yolanda Vianna, Câmara do Ensino Básico do CNE, CNTE, CONSED e UNDIME.

A poioPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

Projeto BRA 95/014

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO

Fundo Nacional do Desenvolvimento da EducaçãoFNDE

ARTEARTE

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

Secretaria de Educação FundamentalI ara Glória A reias Prado

Departamento de Política da Educação FundamentalV irgínia Zélia de A zevedo Rebeis F arha

Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação FundamentalM aria I nês L aranjeira

PA RÂ M ET ROS CU RRI CU L A RES N A CI ON A I S (1ª A 4ª SÉRI E)

Volume 1 - I ntrodução aos Parâmetros Curriculares N acionaisVolume 2 - L íngua PortuguesaVolume 3 - M atemáticaVolume 4 - Ciências N aturaisVolume 5 - H istória e GeografiaVolume 6 - A rteVolume 7 - Educação F ísicaVolume 8 - A presentação dos T emas T ransversais e ÉticaVolume 9 - M eio A mbiente e SaúdeVolume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual

B823p Brasil. Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros curriculares nacionais : arte / Secretaria de

Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.130p.

1. Parâmetros curriculares nacionais. 2. Arte :Ensino de primeira à quarta série. I. Título.

CDU: 371.214

Brasília1997

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTOSECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

ARTEARTE

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

AO PROFESSOR

É com alegria que colocamos em suas mãos os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes àsquatro primeiras séries da Educação Fundamental.

Nosso objetivo é auxi l iá-lo na execução de seu trabalho, comparti lhando seu esforço diár iode fazer com que as cr ianças dominem os conhecimentos de que necessi tam para crescerem comocidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade.

Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursosculturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto os domínios do sabertradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas com o meio am-biente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidadedo ser humano e à solidariedade.

Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação e do Desporto, ao consolidar os Parâmetros,é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Para fazer chegar os Parâmetros à sua casa um longo caminho foi percorrido. Muitos participaramdessa jornada, orgulhosos e honrados de poder contribuir para a melhoria da qualidade do Ensino Fun-damental. Esta soma de esforços permitiu que eles fossem produzidos no contexto das discussões pedagógi-cas mais atuais. Foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu trabalho, respeitando a suaconcepção pedagógica própria e a pluralidade cultural brasileira. Note que eles são abertos e flexíveis,podendo ser adaptados à realidade de cada região.

Estamos certos de que os Parâmetros serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicasem sua escola, na elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobrea prática educativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles, estar contribuin-do para a sua atualização profissional — um direito seu e, afinal, um dever do Estado.

Paulo Renato Souza

Ministro da Educação e do Desporto

OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTA L

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamental que osalunos sejam capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim comoexercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outroe exigindo para si o mesmo respeito;

• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferen-tes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitose de tomar decisões coletivas;

• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noçãode identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferençasculturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras carac-terísticas individuais e sociais;

• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindoativamente para a melhoria do meio ambiente;

• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento deconfiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética,de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseveran-ça na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitossaudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindocom responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plásticae corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suasidéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos pú-blicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de co-municação;

• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicospara adquirir e construir conhecimentos;

• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, acapacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificandosua adequação.

ESTRUTURADOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Os quadrinhos não-sombreados correspondem aos itens que serão trabalhados nos

Parâmetros Curriculares Nacionais de quinta a oitava série.

SUMÁRIO

Apresentação i ...........................................................................................................15

1ª PARTE

Caracterização da área de Arte i .............................................................................19

Introdução .............................................................................................................19

A arte e a educação .............................................................................................21

Histórico do ensino de Arte no Brasil e perspectivas ................................................24

Teoria e prática em Arte nas escolas brasileiras ......................................................31

A arte como objeto de conhecimento ..................................................................32

O conhecimento artístico como produção e fruição .......................................35

O conhecimento artístico como reflexão .........................................................43

Aprender e ensinar Arte no ensino fundamental i ...................................................47

Objetivos gerais de Arte para o ensino fundamental i ...........................................53

Os conteúdos de Arte no ensino fundamental i .......................................................55

Critérios para a seleção de conteúdos ...................................................................56

Conteúdos gerais de Arte .......................................................................................56

2ª PARTEArtes Visuais i ............................................................................................................ 61

Expressão e comunicação na prática dos alunos em artes visuais .........................62

As artes visuais como objeto de apreciação significativa .......................................63

As artes visuais como produto cultural e histórico ....................................................64

Dança i ........................................................................................................................67

A dança na expressão e na comunicação humana ..............................................70

A dança como manifestação coletiva ...................................................................71

A dança como produto cultural e apreciação estética .........................................72

Música i .......................................................................................................................75

Comunicação e expressão em música: interpretação,

improvisação e composição ..................................................................................78

Apreciação significativa em música: escuta, envolvimento e

compreensão da linguagem musical .....................................................................79

A música como produto cultural e histórico: música e sons do mundo ..................80

Teatro i .........................................................................................................................83

O teatro como expressão e comunicação ............................................................86

O teatro como produção coletiva .........................................................................87

O teatr o co mo p roduto cu lt ural e ap rec iação es téti ca ......................................... 88

Conteúdos relativos a valores, normas e atitude ss i ..................................................91

Critérios de avaliação i ..............................................................................................95

Critérios de avaliação em Arte ...............................................................................95

Avaliação de Artes Visuais .................................................................................95

Avaliação de Dança ........................................................................................97

Avaliação de Música ........................................................................................97

Avaliação de Teatro .........................................................................................99

Orientações para avaliação em Arte ...................................................................100

Orientações didáticas i .............................................................................................105

Criação e aprendizagem .....................................................................................106

A organização do espaço e do tempo de trabalho ......................................108

Os instrumentos de registro e documentação das atividades dos alunos ....... 109

A pesquisa de fontes de instrução e de comunicação em arte ..................... 109A história da arte ............................................................................................. 110

A percepção de qualidades estéticas ........................................................... 110

A produção do professor e dos alunos ........................................................... 110

As atitudes dos alunos ..................................................................................... 113

Arte e os Temas Transversais .................................................................................. 113

Trabalho por projetos ............................................................................................ 117

Bibliografia i ............................................................................................................... 121

ARTEARTE

15

APRESENTAÇÃO

A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracterizaum modo particular de dar sentido às experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia asensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender arte envolve, basicamente, fazertrabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletirsobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintasculturas e épocas.

O documento de Arte expõe uma compreensão do significado da arte na educação,explicitando conteúdos, objetivos e especificidades, tanto no que se refere ao ensino e àaprendizagem, quanto no que se refere à arte como manifestação humana.

A primeira parte do documento contém o histórico da área no ensino fundamental e suascorrelações com a produção em arte no campo educacional; foi elaborada para que o professorpossa conhecer a área na sua contextualização histórica e ter contato com os conceitos relativos ànatureza do conhecimento artístico.

A segunda parte busca circunscrever as artes no ensino fundamental, destacando quatrolinguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Nela, o professor encontrará as questões relativasao ensino e à aprendizagem em arte para as primeiras quatro séries, objetivos, conteúdos, critériosde avaliação, orientações didáticas e bibliografia.

Ambas as partes estão organizadas de modo a oferecer um material sistematizado para asações dos educadores, fornecendo subsídios para que possam trabalhar com a mesma competênciaexigida para todas as disciplinas do projeto curricular.

A leitura do documento pode ser feita a partir de qualquer das linguagens, em consonânciacom o trabalho que estiver sendo desenvolvido. Entretanto, recomenda-se sua leitura global, a fimde que, no tratamento didático, o professor possa respeitar a seleção e a seriação das linguagens.

Secretaria de Educação F undamental

ARTEARTE

1ª PARTE

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CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ARTE

Introdução

Na proposta geral dos Parâmetros Curriculares Nacionais, Arte1 tem uma função tãoimportante quanto a dos outros conhecimentos no processo de ensino e aprendizagem. Aárea de Arte está relacionada com as demais áreas e tem suas especificidades.

A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepçãoestética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana:o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao realizar formasartísticas quanto na ação de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas,pela natureza e nas diferentes culturas.

Esta área também favorece ao aluno relacionar-se criadoramente com as outrasdisciplinas do currículo. Por exemplo, o aluno que conhece arte pode estabelecer relaçõesmais amplas quando estuda um determinado período histórico. Um aluno que exercita conti-nuamente sua imaginação estará mais habilitado a construir um texto, a desenvolver estraté-gias pessoais para resolver um problema matemático.

Conhecendo a arte de outras culturas, o aluno poderá compreender a relatividade dosvalores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo desentido para a valorização do que lhe é próprio e favorecer abertura à riqueza e à diversidadeda imaginação humana. Além disso, torna-se capaz de perceber sua realidade cotidiana maisvivamente, reconhecendo objetos e formas que estão à sua volta, no exercício de uma ob-servação crítica do que existe na sua cultura, podendo criar condições para uma qualidade devida melhor.

Uma função igualmente importante que o ensino da arte tem a cumprir diz respeito àdimensão social das manifestações artísticas. A arte de cada cultura revela o modo de perceber,sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre osindivíduos na sociedade. A arte solicita a visão, a escuta e os demais sentidos como portas deentrada para uma compreensão mais significativa das questões sociais. Essa forma de comu-nicação é rápida e eficaz, pois atinge o interlocutor por meio de uma síntese ausente naexplicação dos fatos.

A arte também está presente na sociedade em profissões que são exercidas nos maisdiferentes ramos de atividades; o conhecimento em artes é necessário no mundo do trabalhoe faz parte do desenvolvimento profissional dos cidadãos.

O conhecimento da arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensãodo mundo na qual a dimensão poética esteja presente: a arte ensina que é possível transformarcontinuamente a existência, que é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível.Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição funda-mental para aprender.

O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada,escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridadeinstigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscamo sentido da vida.1. Quando se trata da área curricular, grafa-se Arte; nos demais casos, arte.

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A arte e a educação

Desde o início da história da humanidade a arte sempre esteve presente em praticamentetodas as formações culturais. O homem que desenhou um bisão numa caverna pré-histórica teveque aprender, de algum modo, seu ofício. E, da mesma maneira, ensinou para alguém o queaprendeu. Assim, o ensino e a aprendizagem da arte fazem parte, de acordo com normas e valoresestabelecidos em cada ambiente cultural, do conhecimento que envolve a produção artística emtodos os tempos. No entanto, a área que trata da educação escolar em artes tem um percursorelativamente recente e coincide com as transformações educacionais que caracterizaram o séculoXX em várias partes do mundo.

A mudança radical que deslocou o foco de atenção da educação tradicional, centrado apenasna transmissão de conteúdos, para o processo de aprendizagem do aluno também ocorreu no âmbitodo ensino de Arte.

As pesquisas desenvolvidas a partir do início do século em vários campos das ciências humanastrouxeram dados importantes sobre o desenvolvimento da criança, sobre o processo criador, sobre a arte deoutras culturas. Na confluência da antropologia, da filosofia, da psicologia, da psicanálise, da crítica de arte,da psicopedagogia e das tendências estéticas da modernidade surgiram autores que formularam os princípiosinovadores para o ensino de artes plásticas, música, teatro e dança2 . Tais princípios reconheciam a arte dacriança como manifestação espontânea e auto-expressiva: valorizavam a livre expressão e a sensibilizaçãopara a experimentação artística como orientações que visavam o desenvolvimento do potencial criador, ouseja, eram propostas centradas na questão do desenvolvimento do aluno.

É importante salientar que tais orientações trouxeram uma contribuição inegável no sentidoda valorização da produção criadora da criança, o que não ocorria na escola tradicional. Mas oprincípio revolucionário que advogava a todos, independentemente de talentos especiais, a ne-cessidade e a capacidade da expressão artística foi aos poucos sendo enquadrado em palavras deordem, como, por exemplo, “o que importa é o processo criador da criança e não o produto querealiza” e “aprender a fazer, fazendo”; estes e muitos outros lemas foram aplicados mecanicamen-te nas escolas, gerando deformações e simplificações na idéia original, o que redundou nabanalização do “deixar fazer” — ou seja, deixar a criança fazer arte, sem nenhum tipo de intervenção.

Ao professor destinava-se um papel cada vez mais irrelevante e passivo. A ele não cabiaensinar nada e a arte adulta deveria ser mantida fora dos muros da escola, pelo perigo da influênciaque poderia macular a “genuína e espontânea expressão infantil”.

O princípio da livre expressão enraizou-se e espalhou-se pelas escolas, acompanhado pelo“imprescindível” conceito de criatividade, curioso fenômeno de consenso pedagógico, presença obrigatóriaem qualquer planejamento, sem que parecesse necessário definir o que esse termo queria dizer.

O objetivo fundamental era o de facilitar o desenvolvimento criador da criança. No entanto,o que se desencadeou como resultado da aplicação indiscriminada de idéias vagas e imprecisassobre a função da educação artística foi uma descaracterização progressiva da área. Tal estrutura

2. Esses princípios influenciaram o que se chamou “Movimento da Educação através da Arte”. Fundamentado principalmente nas idéias dofilósofo inglês Herbert Read, esse movimento teve como manifestação mais conhecida a tendência da livre expressão que, ao mesmotempo, foi largamente influenciada pelo trabalho inovador de Viktor Lowenfeld, divulgado no final da década de 40. V. Lowenfeld, entreoutros, acreditava que a potencialidade criadora se desenvolveria naturalmente em estágios sucessivos desde que se oferecessem condições

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conceitual foi perdendo o sentido, principalmente para os alunos. Além disso, muitos dos objetivosarrolados nos planejamentos dos professores de Arte poderiam também compor outras disciplinasdo currículo, como, por exemplo, desenvolver a criatividade, a sensibilidade, o autocontrole, etc.

Na entrada da década de 60, arte-educadores, principalmente americanos, lançaram as basespara uma nova mudança de foco dentro do ensino de Arte, questionando basicamente a idéia dodesenvolvimento espontâneo da expressão artística da criança e procurando definir a contribuiçãoespecífica da arte para a educação do ser humano.

A reflexão que inaugurou uma nova tendência, cujo objetivo era precisar o fenômeno artísticocomo conteúdo curricular, articulou-se num duplo movimento: de um lado, a revisão crítica dalivre expressão; de outro, a investigação da natureza da arte como forma de conhecimento.

Como em todos os momentos históricos, o pensamento produzido por esses autores estavaestreitamente vinculado às tendências do conhecimento da época, manifestadas principalmentena lingüística estrutural, na estética, na pedagogia, na psicologia cognitivista, na própria produçãoartística, entre outras.

Assim, a crítica à livre expressão questionava a aprendizagem artística como conseqüênciaautomática do processo de maturação da criança.

No início da década de 70 autores responsáveis pela mudança de rumo do ensino de Artenos Estados Unidos3 afirmavam que o desenvolvimento artístico é resultado de formas complexasde aprendizagem e, portanto, não ocorre automaticamente à medida que a criança cresce; é tarefado professor propiciar essa aprendizagem por meio da instrução. Segundo esses autores, ashabilidades artísticas se desenvolvem por meio de questões que se apresentam à criança no decorrerde suas experiências de buscar meios para transformar idéias, sentimentos e imagens num objetomaterial. Tal experiência pode ser orientada pelo professor e nisso consiste sua contribuição paraa educação da criança no campo da arte.

Atualmente, professores de todos os cantos do mundo se preocupam em responder perguntasbásicas que fundamentam sua atividade pedagógica: “Que tipo de conhecimento caracteriza aarte?”, “Qual a função da arte na sociedade?”, “Qual a contribuição específica que a arte traz paraa educação do ser humano?”, “Como as contribuições da arte podem ser significativas e vivasdentro da escola?” e “Como se aprende a criar, experimentar e entender a arte e qual a função doprofessor nesse processo?”.

As tendências que se manifestaram no ensino de Arte a partir dessas perguntas geraram ascondições para o estabelecimento de um quadro de referências conceituais solidamentefundamentado dentro do currículo escolar, focalizando a especificidade da área e definindo seuscontornos com base nas características inerentes ao fenômeno artístico.

A partir desse novo foco de atenção, desenvolveram-se muitas pesquisas, dentre as quais seressaltaram as que investigam o modo de aprender dos artistas. Tais trabalhos trouxeram dadosimportantes para as propostas pedagógicas, que consideram tanto os conteúdos a serem ensinadosquanto os processos de aprendizagem dos alunos. As escolas brasileiras têm manifestado a influênciadas tendências ocorridas ao longo da história do ensino de Arte em outras partes do mundo.

3. E. B. Feldman, Thomas Munro e Elliot Eisner, ancorados em John Dewey, trataram das mudanças conceituais desse período.

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Histórico do ensino de Arte no Brasile perspectivas

Ao recuperar, mesmo que brevemente, a história do ensino de Arte4 no Brasil, pode-seobservar a integração de diferentes orientações quanto às suas finalidades, à formação e atuaçãodos professores, mas, principalmente, quanto às políticas educacionais e os enfoques filosóficos,pedagógicos e estéticos.

O ensino de Arte é identificado pela visão humanista e filosófica que demarcou as tendênciastradicionalista e escolanovista5 . Embora ambas se contraponham em proposições, métodos e entendimentodos papéis do professor e do aluno, ficam evidentes as influências que exerceram nas ações escolares deArte. Essas tendências vigoraram desde o início do século e ainda hoje participam das escolhas pedagógicase estéticas de professores de Arte.

Na primeira metade do século XX, as disciplinas Desenho, Trabalhos Manuais, Música e CantoOrfeônico faziam parte dos programas das escolas primárias e secundárias, concentrando o conhecimentona transmissão de padrões e modelos das culturas predominantes. Na escola tradicional, valorizavam-seprincipalmente as habilidades manuais, os “dons artísticos”, os hábitos de organização e precisão, mostrandoao mesmo tempo uma visão utilitarista e imediatista da arte. Os professores trabalhavam com exercícios emodelos convencionais selecionados por eles em manuais e livros didáticos. O ensino de Arte era voltadoessencialmente para o domínio técnico, mais centrado na figura do professor; competia a ele “transmitir”aos alunos os códigos, conceitos e categorias, ligados a padrões estéticos que variavam de linguagem paralinguagem mas que tinham em comum, sempre, a reprodução de modelos.

A disciplina Desenho, apresentada sob a forma de Desenho Geométrico, Desenho do Natural eDesenho Pedagógico, era considerada mais por seu aspecto funcional do que uma experiência em arte; ouseja, todas as orientações e conhecimentos visavam uma aplicação imediata e a qualificação para o trabalho.

As atividades de teatro e dança somente eram reconhecidas quando faziam parte das festividadesescolares na celebração de datas como Natal, Páscoa ou Independência, ou nas festas de final de períodoescolar. O teatro era tratado com uma única finalidade: a da apresentação. As crianças decoravam ostextos e os movimentos cênicos eram marcados com rigor.

Em Música, a tendência tradicionalista teve seu representante máximo no Canto Orfeônico, projetopreparado pelo compositor Heitor Villa-Lobos, na década de 30. Esse projeto constitui referência importantepor ter pretendido levar a linguagem musical de maneira consistente e sistemática a todo o País. O CantoOrfeônico difundia idéias de coletividade e civismo, princípios condizentes com o momento político de então.

Entre outras questões, o projeto Villa-Lobos esbarrou em dificuldades práticas na orientação deprofessores e acabou transformando a aula de música numa teoria musical baseada nos aspectos matemáticose visuais do código musical com a memorização de peças orfeônicas, que, refletindo a época, eram decaráter folclórico, cívico e de exaltação.

Depois de cerca de trinta anos de atividades em todo o Brasil, o Canto Orfeônico foi substituído pelaEducação Musical, criada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, vigorando efeti-vamente a partir de meados da década de 60.

5. Sobre tendências pedagógicas, ver “A tradição pedagógica brasileira”, na Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais.

4. Faz-se referência às modalidades artísticas ligadas às imagens, sons, movimentos, cenas. A arte literária não está diretamenteabordada neste texto porque se apresenta nos currículos escolares, vinculada ao ensino de Língua Portuguesa.

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Entre os anos 20 e 70, as escolas brasileiras viveram outras experiências no âmbito do ensinoe aprendizagem de arte, fortemente sustentadas pela estética modernista e com base na tendênciaescolanovista. O ensino de Arte volta-se para o desenvolvimento natural da criança, centrado norespeito às suas necessidades e aspirações, valorizando suas formas de expressão e de compreensãodo mundo. As práticas pedagógicas, que eram diretivas, com ênfase na repetição de modelos e noprofessor, são redimensionadas, deslocando-se a ênfase para os processos de desenvolvimento doaluno e sua criação.

As aulas de Desenho e Artes Plásticas assumem concepções de caráter mais expressivo,buscando a espontaneidade e valorizando o crescimento ativo e progressivo do aluno. As atividadesde artes plásticas mostram-se como espaço de invenção, autonomia e descobertas, baseando-seprincipalmente na auto-expressão dos alunos.

Os professores da época estudam as novas teorias sobre o ensino de Arte divulgadas noBrasil e no exterior, as quais favorecem o rompimento com a rigidez estética, marcadamentereprodutivista da escola tradicional6 .

Com a Educação Musical, incorporaram-se nas escolas também os novos métodos que estavamsendo disseminados na Europa7. Contrapondo-se ao Canto Orfeônico, passa a existir no ensino de músicaum outro enfoque, quando a música pode ser sentida, tocada, dançada, além de cantada. Utilizando jogos,instrumentos de percussão, rodas e brincadeiras buscava-se um desenvolvimento auditivo, rítmico, a expressãocorporal e a socialização das crianças que são estimuladas a experimentar, improvisar e criar.

No período que vai dos anos 20 aos dias de hoje, faixa de tempo concomitante àquela em que seassistiu a várias tentativas de se trabalhar a arte também fora das escolas, vive-se o crescimento demovimentos culturais, anunciando a modernidade e vanguardas. Foi marcante para a caracterizaçãode um pensamento modernista a “Semana de Arte Moderna de São Paulo”, em 1922, na qualestiveram envolvidos artistas de várias modalidades: artes plásticas, música, poesia, dança, etc.

Em artes plásticas, acompanhou-se uma abertura crescente para as novas expressões e osurgimento dos museus de arte moderna e contemporânea em todo o País. A encenação do “Vestidode Noiva” (1943), de Nelson Rodrigues, introduz o teatro brasileiro na modernidade. Em música,o Brasil viveu um progresso excepcional, tanto na criação musical erudita, como na popular. Naárea popular, traça-se a linha poderosa que vem de Pixinguinha e Noel Rosa e chega, hoje, aomovimentado intercâmbio internacional de músicos, ritmos, sonoridades, técnicas, composição,etc., passando pelo momento de maior penetração da música nacional na cultura mundial, com aBossa Nova.

Em fins dos anos 60 e na década de 70 nota-se uma tentativa de aproximação entre as manifestaçõesartísticas ocorridas fora do espaço escolar e a que se ensina dentro dele: é a época dos festivais dacanção e das novas experiências teatrais, quando as escolas promovem festivais de música e teatrocom grande mobilização dos estudantes.

Esses momentos de aproximação — que já se anunciaram quando algumas idéias e a estéticamodernista influenciou o ensino de Arte — são importantes, pois sugerem um caminho integrado àrealidade artística brasileira, considerada mundialmente original e rica.

6. Entre outras, é importante citar as influências do norte-americano John Dewey, do suíço Emile Jacques Dalcroze, do artista vienenseFranz Cisek, do austríaco Viktor Lowenfeld, do inglês Herbert Read e dos brasileiros Augusto Rodrigues e Noemia Varela.7. São as influências do húngaro Zoltan Kodály, do alemão Karl Orff, do belga Edgard Willems, dos brasileiros Antonio de Sá Pereira, LiddyChiafarelli Mignone, Gazzy de Sá e do alemão naturalizado brasileiro H. J. Koelheutter.

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Mas o lugar da arte na hierarquia das disciplinas escolares corresponde a um desconhecimentodo poder da imagem, do som, do movimento e da percepção estética como fontes de conhecimento.Até os anos 60, existiam pouquíssimos cursos de formação de professores nesse campo, e professoresde quaisquer matérias ou pessoas com alguma habilidade na área (artistas e estudiosos de cursosde belas-artes, de conservatórios, etc.) poderiam assumir as disciplinas de Desenho, DesenhoGeométrico, Artes Plásticas e Música.

Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a arte é incluída no currículoescolar com o título de Educação Artística, mas é considerada “atividade educativa” e não disciplina.

A introdução da Educação Artística no currículo escolar foi um avanço, principalmente se seconsiderar que houve um entendimento em relação à arte na formação dos indivíduos, seguindo osditames de um pensamento renovador. No entanto, o resultado dessa proposição foi contraditórioe paradoxal. Muitos professores não estavam habilitados e, menos ainda, preparados para o domíniode várias linguagens, que deveriam ser incluídas no conjunto das atividades artísticas (Artes Plásticas,Educação Musical, Artes Cênicas). Para agravar a situação, durante os anos 70-80, tratou-se dessaformação de maneira indefinida: “... não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e semcontornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses”. A Educação Artística demonstrava, em sua concepção e desenrolar, que o sistema educacional vigente estava enfrentandodificuldades de base na relação entre teoria e prática.

Os professores de Educação Artística, capacitados inicialmente em cursos de curta duração,tinham como única alternativa seguir documentos oficiais (guias curriculares) e livros didáticos emgeral, que não explicitavam fundamentos, orientações teórico-metodológicas ou mesmo bibliografiasespecíficas. As próprias faculdades de Educação Artística, criadas especialmente para cobrir omercado aberto pela lei, não estavam instrumentadas para a formação mais sólida do professor,oferecendo cursos eminentemente técnicos, sem bases conceituais. Desprestigiados, isolados einseguros, os professores tentavam equacionar um elenco de objetivos inatingíveis, com atividadesmúltiplas, envolvendo exercícios musicais, plásticos, corporais, sem conhecê-los bem, que eramjustificados e divididos apenas pelas faixas etárias.

De maneira geral, entre os anos 70 e 80, os antigos professores de Artes Plásticas, Desenho,Música, Artes Industriais, Artes Cênicas e os recém-formados em Educação Artística viram-seresponsabilizados por educar os alunos (em escolas de ensino médio) em todas as linguagensartísticas, configurando-se a formação do professor polivalente em Arte. Com isso, inúmerosprofessores deixaram as suas áreas específicas de formação e estudos, tentando assimilarsuperficialmente as demais, na ilusão de que as dominariam em seu conjunto. A tendência passoua ser a diminuição qualitativa dos saberes referentes às especificidades de cada uma das formas dearte e, no lugar destas, desenvolveu-se a crença de que bastavam propostas de atividades expressivasespontâneas para que os alunos conhecessem muito bem música, artes plásticas, cênicas, dança,etc.

Pode-se dizer que nos anos 70, do ponto de vista da arte, em seu ensino e aprendizagemforam mantidas as decisões curriculares oriundas do ideário do início a meados do século 20(marcadamente tradicional e escolanovista), com ênfase, respectivamente, na aprendizagemreprodutiva e no fazer expressivo dos alunos. Os professores passam a atuar em todas as áreasartísticas, independentemente de sua formação e habilitação. Conhecer mais profundamente cadauma das modalidades artísticas, as articulações entre elas e conhecer artistas, objetos artísticos esuas histórias não faziam parte de decisões curriculares que regiam a prática educativa em Artenessa época.

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A partir dos anos 80 constitui-se o movimento Arte-Educação, inicialmente com a finalidadede conscientizar e organizar os profissionais, resultando na mobilização de grupos de professoresde arte, tanto da educação formal como da informal. O movimento Arte-Educação permitiu que seampliassem as discussões sobre a valorização e o aprimoramento do professor, que reconhecia oseu isolamento dentro da escola e a insuficiência de conhecimentos e competência na área. Asidéias e princípios que fundamentam a Arte-Educação multiplicam-se no País por meio de encon-tros e eventos promovidos por universidades, associações de arte-educadores, entidades públicase particulares, com o intuito de rever e propor novos andamentos à ação educativa em Arte.

Em 1988, com a promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões sobre a nova Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional, que seria sancionada apenas em 20 de dezembro de1996. Convictos da importância de acesso escolar dos alunos de ensino básico também à área deArte, houve manifestações e protestos de inúmeros educadores contrários a uma das versões dareferida lei, que retirava a obrigatoriedade da área.

Com a Lei n. 9.394/96, revogam-se as disposições anteriores e Arte é considerada obrigatóriana educação básica: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversosníveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (art. 26, §2o).

Vê-se que da conscientização profissional que predominou no início do movimento Arte-Educação evoluiu-se para discussões que geraram concepções e novas metodologias para o ensinoe a aprendizagem de arte nas escolas.

É com este cenário que se chegou ao final da década de 90, mobilizando novas tendênciascurriculares em Arte, pensando no terceiro milênio. São características desse novo marco curricularas reivindicações de identificar a área por Arte (e não mais por Educação Artística) e de incluí-la naestrutura curricular como área, com conteúdos próprios ligados à cultura artística e não apenascomo atividade.

Dentre as várias propostas que estão sendo difundidas no Brasil na transição para o séculoXXI, destacam-se aquelas que têm se afirmado pela abrangência e por envolver ações que, semdúvida, estão interferindo na melhoria do ensino e da aprendizagem de arte. Trata-se de estudossobre a educação estética, a estética do cotidiano, complementando a formação artística dos alunos.Ressalta-se ainda o encaminhamento pedagógico-artístico que tem por premissa básica a integraçãodo fazer artístico, a apreciação da obra de arte e sua contextualização histórica8 .

Teoria e prática em Arte nasescolas brasileiras

A questão central do ensino de Arte no Brasil diz respeito a um enorme descompasso entrea produção teórica, que tem um trajeto de constantes perguntas e formulações, e o acesso dosprofessores a essa produção, que é dificultado pela fragilidade de sua formação, pela pequenaquantidade de livros editados sobre o assunto, sem falar nas inúmeras visões preconcebidas quereduzem a atividade artística na escola a um verniz de superfície, que visa as comemorações dedatas cívicas e enfeitar o cotidiano escolar.

8. As idéias de integração entre o fazer, a apreciação e a contextualização artística são indicações da “Proposta Triangular para o Ensinoda Arte”, criada por Ana Mae Barbosa e difundida no País por meio de projetos como os do Museu de Arte Contemporânea de São Pauloe o Projeto Arte na Escola da Fundação Iochpe.

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Em muitas escolas ainda se utiliza, por exemplo, o desenho mimeografado com formasestereotipadas para as crianças colorirem, ou se apresentam “musiquinhas” indicando ações paraa rotina escolar (hora do lanche, hora da saída). Em outras, trabalha-se apenas com a auto-expres-são; ou, ainda os professores estão ávidos por ensinar história da arte e levar os alunos a museus,teatros e apresentações musicais ou de dança. Há outras tantas possibilidades em que o professorpolivalente inventa maneiras originais de trabalhar, munido apenas de sua própria iniciativa epesquisa autodidata.

Essa pluralidade de ações individuais representa experiências isoladas que têm poucaoportunidade de troca, o que se realiza nos eventos, congressos regionais, onde cada vez maisprofessores se reúnem, mas aos quais a grande maioria não tem acesso.

O que se observa, então, é uma espécie de círculo vicioso no qual um sistema extremamenteprecário de formação reforça o espaço pouco definido da área com relação às outras disciplinas docurrículo escolar. Sem uma consciência clara de sua função e sem uma fundamentação consistentede arte como área de conhecimento com conteúdos específicos, os professores não conseguemformular um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica;não há material adequado para as aulas práticas, nem material didático de qualidade para darsuporte às aulas teóricas.

A partir dessas constatações procurou-se formular princípios que orientem os professores nasua reflexão sobre a natureza do conhecimento artístico e na delimitação do espaço que a área deArte pode ocupar no ensino fundamental, a partir de uma investigação do fenômeno artístico e decomo se ensina e como se aprende arte.

A arte como objeto de conhecimento

O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o ser humano produza partir das perguntas fundamentais que desde sempre se fez com relação ao seu lugar no mundo.

A manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico seucaráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de conhecimento,estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num constante processo detransformação do homem e da realidade circundante. O produto da ação criadora, a inovação, é resultantedo acréscimo de novos elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela necessidade básicade ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir por meio de manifestaçõesdiversas.

O ser humano sempre organizou e classificou os fenômenos da natureza, o ciclo das estações,os astros no céu, as diferentes plantas e animais, as relações sociais, políticas e econômicas, paracompreender seu lugar no universo, buscando a significação da vida.

Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante a construção deobjetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemasfilosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura.Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações imaginárias das distintasculturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própriaidéia de ciência como disciplina autônoma, distinta da arte, é produto recente da cultura ociden-tal. Nas antigas sociedades tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava a vida dos gruposhumanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos de uso cotidiano; a ciência era exercida porcurandeiros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão da realidade.

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Mesmo na cultura moderna, a relação entre arte e ciência apresenta-se de diferentes maneiras,do início do mundo ocidental até os dias de hoje. Nos séculos que se sucederam ao Renascimento,arte e ciência eram cada vez mais consideradas como áreas de conhecimento totalmente diferen-tes, gerando uma concepção falaciosa, segundo a qual a ciência seria produto do pensamento racionale a arte, pura sensibilidade. Na verdade, nunca foi possível existir ciência sem imaginação, nemarte sem conhecimento. Tanto uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano.O próprio conceito de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória, o que muitoaproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte.

Os dinamismos do homem que apreende a realidade de forma poética e os do homem que apensa cientificamente são vias peculiares e irredutíveis de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmotempo, são dois aspectos da unidade psíquica. Há uma tendência cada vez mais acentuada nasinvestigações contemporâneas no sentido de dimensionar a complementaridade entre arte e ciência,precisando a distinção entre elas e, ao mesmo tempo, integrando-as numa nova compreensão doser humano. Nova, mas nem tanto. Existem muitas obras sobre o fenômeno da criatividade quecitam exemplos de pessoas que escreveram a respeito do próprio processo criador. Artistas ecientistas relatam ocorrências semelhantes, tornando possível a sistematização de certas invariantes,como por exemplo, o ponto culminante da ação criadora, a famosa “Eureka!”: o instante súbito do“Achei!” pode ocorrer para o matemático na resolução repentina de um problema, num momentoem que ele não esteja pensando no assunto. Da mesma forma, um músico passeava a pé depois doalmoço, quando lhe veio uma sinfonia inteira na cabeça; só precisou sentar depois para escrevê-la.É claro que nos dois casos, tanto o matemático quanto o músico estiveram durante um longotempo anterior maturando questões, a partir de um processo contínuo de levantamento de dados,investigando possibilidades.

Parece que, em geral, esse caráter de “iluminação súbita” é comum à arte e à ciência, comoalgo que se revela à consciência do criador, vindo à tona independentemente de sua vontade, querseja naquele ou noutro momento, mas sendo posterior a um imprescindível período de trabalhoárduo sobre o assunto.

Malba Tahan, um dos mais importantes educadores brasileiros no campo da matemática, disse,no início da década de trinta, que a solução de um problema matemático é um verdadeiro poema debeleza e simplicidade.

Para um cientista, uma fórmula pode ser “bela”; para um artista plástico, as relações entre aluz e as formas são “problemas a serem resolvidos plasticamente”. Parece que há muito maiscoisas em comum entre estas duas formas de conhecimento do que sonha nossa vã filosofia.

Esta discussão interessa particularmente ao campo da educação, que manifesta umanecessidade urgente de formular novos paradigmas que evitem a oposição entre arte e ciência,para fazer frente às transformações políticas, sociais e tecnocientíficas que anunciam o ser humanodo século XXI.

Apenas um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estéticados alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qualconhecer é também maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipótesesousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas.

Com o objetivo de relacionar a arte com a formação dos alunos do ensino fundamental, serãoapresentadas algumas características do fenômeno artístico.

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O CON H ECI M EN T O A RT Í ST I CO COM OPROD U ÇÃ O E F RU I ÇÃ O

— A obra de arte situa-se no ponto de encontro entre o par ticular e o universal daexperiência humana.

“ Até mesmo asa branca/ Bateu asas do sertão/ Então eu disse adeus Rosinha/ Guarda contigo meucoração” (Luís Gonzaga e Humberto Teixeira).

No exemplo da canção “Asa Branca”, o vôo do pássaro (experiência humana universal) retrataa figura do retirante (experiência particular de algumas regiões).

Cada obra de arte é, ao mesmo tempo, um produto cultural de uma determinada época e umacriação singular da imaginação humana, cujo valor é universal.

Por isso, uma obra de arte não é mais avançada, mais evoluída, nem mais correta do queoutra qualquer.

— A obra de arte revela para o artista e para o espe ctador uma possibilidade de existênciae comunicação, além da realidade de fatos e relações hab itualmente conhecidos .

O conhecimento artístico não tem como objetivo compreender e definir leis gerais queexpliquem por que as coisas são como são.

“Tudo certo como dois e dois são cinco” (Caetano Veloso).

As formas artísticas apresentam uma síntese subjetiva de significações construídas por meiode imagens poéticas (visuais, sonoras, corporais, ou de conjuntos de palavras, como no texto literárioou teatral). Não é um discurso linear sobre objetos, fatos, questões, idéias e sentimentos. A formaartística é antes uma combinação de imagens que são objetos, fatos, questões, idéias e sentimentos,ordenados não pelas leis da lógica objetiva, mas por uma lógica intrínseca ao domínio do imaginário.O artista faz com que dois e dois possam ser cinco, uma árvore possa ser azul, uma tartaruga possavoar. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é realidade percebida de um outro ponto devista.

O artista desafia as coisas como são, para revelar como poderiam ser, segundo um certo modo designificar o mundo que lhe é próprio. O conhecimento artístico se realiza em momentos singulares, intraduzíveis,do artista ou do espectador com aquela obra particular, num instante particular.

— O que distingue essencialmente a criação artística das o utras modalidades deconhecimento humano é a qualidade de comunicação entre os seres humanos que a obra de artepropicia, por uma utilização particular das formas de li nguagem .

A corporificação de idéias e sentimentos do artista numa forma apreensível pelos sentidoscaracteriza a obra artística como produto da criação humana.

O produto criado pelo artista propicia um tipo de comunicação no qual inúmeras formas designificações se condensam pela combinação de determinados elementos, diferentes para cadamodalidade artística, como, por exemplo: linhas, formas, cores e texturas, na forma plástica; altura,timbre, intensidade e ritmo, na forma musical; personagens, espaço, texto e cenário, na formateatral; e movimento, desenho no espaço, ritmo e composição, na forma da dança.

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O que seria essa utilização particular das formas da linguagem? Num texto jornalístico, amatéria pode informar sobre uma peça teatral de fim de ano ocorrida na escola X, feita por um grupode alunos, descrevendo e relatando o acontecimento. Seu objetivo é informar o leitor sobre o fato.

No conto “Pirlimpsiquice”, Guimarães Rosa também fala de um acontecimento semelhante,de um modo completamente diferente. É um texto poético que se inicia com a seguinte frase:“Aquilo em nosso teatrinho foi de Oh!”. Nessa frase, o texto não dá apenas uma informação aoleitor, mas concretiza uma multiplicidade de significações relativas à experiência de um grupo dealunos que fizeram uma peça de final de ano num colégio de padres. A expressão “foi de Oh!” éuma síntese poética que ganha sentido para o leitor dentro do conjunto do texto e contém tudo oque é relatado a seguir, ao mesmo tempo que lhe propicia conferir a este “Oh!” suas própriassignificações. Essa expressão quer dizer o quê? Espanto, maravilha, embevecimento, susto, medo emuitas outras coisas para cada leitor. O que importa é que, em vez de descrever minuciosamente oque foi a experiência, Guimarães Rosa condensa toda essa experiência numa única frase sínteseque, como imagem poética, é um modo particular de utilização das possibilidades da linguagem,criando um tipo diferenciado de comunicação entre as pessoas.

Assim como cada frase ganha sentido no conjunto do texto, realizando o todo da forma literária,cada elemento visual, musical, dramático ou de movimento tem seu lugar e se relaciona com osdemais daquela forma artística específica.

— A forma artística fala por si mesma, independe e vai a lém das intenções do artista .

A “Guernica”, de Picasso, contém a idéia do repúdio aos horrores da guerra. Uma pessoa quenão conheça as intenções conscientes de Picasso pode ver a “Guernica” e sentir um impactosignificativo; a significação é o produto revelado quando ocorre a relação entre as imagens da obrade Picasso e os dados de sua experiência pessoal.

A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciaçãode cada um. Seja na forma de alegoria, de formulação crítica, de descoberta de padrões formais, depropaganda ideológica, de pura poesia, a obra de arte ganha significado na fruição de cada espectador.

— A percepção estética é a chave da comunicação artístic a.

No processo de conhecimento artístico, do qual faz parte a apreciação estética, o canalprivilegiado de compreensão é a qualidade da experiência sensível da percepção. Diante de umaobra de arte, habilidades de percepção, intuição, raciocínio e imaginação atuam tanto no artistaquanto no espectador. Mas é inicialmente pelo canal da sensibilidade que se estabelece o contatoentre a pessoa do artista e a do espectador, mediado pela percepção estética da obra de arte.

O processo de conhecimento advém de relações significativas, a partir da percepção dasqualidades de linhas, texturas, cores, sons, movimentos, etc.

Quando Guimarães Rosa escreveu: “Nuvens, fiapos de sorvete de coco”, criou uma formaartística na qual a metáfora, uma maneira especial de utilização da linguagem, reuniu elementosque, na realidade, estavam separados, mas se juntaram numa frase poética pela ação criadora doartista. Nessa apreciação estética importa não apenas o exercício da habilidade intelectiva mas,principalmente, que o leitor seja capaz de se deixar tocar sensivelmente para poder perceber, porexemplo, as qualidades de peso, luz, textura, densidade e cor contidas nas imagens de nuvens efiapos de sorvete de coco; ao mesmo tempo, a experiência que essa pessoa tem ou não de observarnuvens, de gostar ou não de sorvete de coco, de saber ou não o que é uma metáfora fazem ressoar

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as imagens do texto nas suas próprias imagens internas e permitem que crie a significação particularque o texto lhe revela. A significação não está, portanto, na obra, mas na interação complexa denatureza primordialmente imaginativa entre a obra e o espectador.

— A personalidade do artista é ingrediente que se transfo rma em gesto criador, fazendoparte da substância mesma da obra .

Van Gogh disse: “Quero pintar em verde e vermelho as paixões humanas”. Os dados dasensibilidade se convertem em matéria expressiva de tal maneira que configuram o próprio conteúdoda obra de arte: aquilo que é percebido pelos sentidos se transforma em uma construção feita derelações formais por meio da criação artística. O motor que organiza esse conjunto é a sensibilidade:a emoção (emovere quer dizer o que se move) desencadeia o dinamismo criador do artista. A emoçãoque provoca o impacto no apreciador faz ressoar, dentro dele, o movimento que desencadeia novascombinações significativas entre as suas imagens internas em contato com as imagens da obra dearte. Mas a obra de arte não é resultante apenas da sensibilidade do artista, assim como a emoçãoestética do espectador não lhe vem unicamente do sentimento que a obra suscita nele. Na produçãoe apreciação da arte estão presentes habilidades de relacionar e solucionar questões propostas pelaorganização dos elementos que compõem as formas artísticas: conhecer arte envolve o exercícioconjunto do pensamento, da intuição, da sensibilidade e da imaginação.

— A imaginação criadora transforma a existência humana atravé s da pergunta que dásentido à aventura de conhecer: “Já pensou se fosse possíve l?”.

“O mestre Nasrudin estava sentado à beira de um lago muito grande. O prefeito da cidadepassava por ali naquele momento e viu quando Nasrudin jogou um pouco de iogurte nas águas ecomeçou a mexê-las com uma vareta. Perguntou-lhe o que fazia e o outro respondeu:

— Estou fazendo iogurte.

— Mas isto é um absurdo — disse o prefeito. — É impossível fazer iogurte dessa maneira,água não vira iogurte.

— Já pensou se fosse possível? — respondeu Nasrudin”9.

A imaginação criadora permite ao ser humano conceber situações, fatos, idéias e sentimentosque se realizam como imagens internas, a partir da manipulação da linguagem. É essa capacidadede formar imagens que torna possível a evolução do homem e o desenvolvimento da criança;visualizar situações que não existem, mas que podem vir a existir, abre o acesso a possibilidadesque estão além da experiência imediata.

A emoção é movimento, a imaginação dá forma e densidade à experiência de perceber, sentir epensar, criando imagens internas que se combinam para representar essa experiência. A faculdade imaginativaestá na raiz de qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico. A flexibilidade é oatributo característico da atividade imaginativa, pois é o que permite exercitar inúmeras composições entreimagens, para investigar possibilidades e não apenas reproduzir relações conhecidas.

No caso do conhecimento artístico, o domínio do imaginário é o lugar privilegiado de sua atuação: é noterreno das imagens que a arte realiza sua força comunicativa.

“Oi, meu patrão, a gente num deve de levá os negoço de arranco, lá cumo quem diz a ferroe fogo.

9. Ver Grillo, N., 1994.

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Quem num arranja de bons modo, de cum força é que num vai.

Corda munto esticada rebenta.

Ancê já viu cumo é que se tempera viola? Pois arrepare.

Caboclo pega da viola cum jeito, cumo quem corre a mão na crina de burro chocro.

Puxa pras cavera de devagá.

Aperta elas leve leve.

Passa os dedo nas corda, experimenta.

Bombeia o bordão.

Entesa as tripa do meio: ipa! Não vai rebentá.

Destroce, torna a experimentá.

Tempera a prima na afinação, sorta um espiricado e cumeça a ponteá.

Por daí um poco viola tá chorano cumo gente.

Magina ancê se o violero de um arranco apertasse as cravera numa vezada.

Num ficava uma corda só.

Era um desastre dos diabo.

A gente, meu patrão, decede os negoço cumo quem tá temperano viola”10.

A qualidade imaginativa é um elemento indispensável na apreensão dos conteúdos,

possibilitando que a aprendizagem se realize por meio de estratégias pessoais de cada aluno.

O CON H ECI M EN T O A RT Í ST I CO COM O REF L EX Ã O

Além do conhecimento artístico como experiência estética direta da obra de arte, o universoda arte contém também um outro tipo de conhecimento, gerado pela necessidade de investigar ocampo artístico como atividade humana. Tal conhecimento delimita o fenômeno artístico:

— como produto das culturas;

— como parte da História;

— como estrutura formal na qual podem ser identificados os elementos que compõem os trabalhosartísticos e os princípios que regem sua combinação.

É função da escola instrumentar os alunos na compreensão que podem ter dessas questões, em cadanível de desenvolvimento, para que sua produção artística ganhe sentido e possa se enriquecer também pelareflexão sobre a arte como objeto de conhecimento.

Em síntese o conhecimento da arte envolve:

• a experiência de fazer formas artísticas e tudo que entra em jogo nessaação criadora: recursos pessoais, habilidades, pesquisa de materiais e

10. Ver Gomes, L., 1985.

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técnicas, a relação entre perceber, imaginar e realizar um trabalho dearte;

• a experiência de fruir formas artísticas, utilizando informações equalidades perceptivas e imaginativas para estabelecer um contato, umaconversa em que as formas signifiquem coisas diferentes para cadapessoa;

• a experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento,onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foirealizado, a história da arte e os elementos e princípios formais queconstituem a produção artística, tanto de artistas quanto dos própriosalunos.

Assim, a partir desse quadro de referências, situa-se a área de Arte dentro dos ParâmetrosCurriculares Nacionais como um tipo de conhecimento que envolve tanto a experiência deapropriação de produtos artísticos (que incluem as obras originais e as produções relativas à arte,tais como textos, reproduções, vídeos, gravações, entre outros) quanto o desenvolvimento dacompetência de configurar significações por meio da realização de formas artísticas. Ou seja,entende-se que aprender arte envolve não apenas uma atividade de produção artística pelos alunos,mas também a conquista da significação do que fazem, pelo desenvolvimento da percepção estética,alimentada pelo contato com o fenômeno artístico visto como objeto de cultura através da históriae como conjunto organizado de relações formais. É importante que os alunos compreendam osentido do fazer artístico; que suas experiências de desenhar, cantar, dançar ou dramatizar não sãoatividades que visam distraí-los da “seriedade” das outras disciplinas. Ao fazer e conhecer arte oaluno percorre trajetos de aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos sobre sua rela-ção com o mundo. Além disso, desenvolvem potencialidades (como percepção, observação,imaginação e sensibilidade) que podem alicerçar a consciência do seu lugar no mundo e tambémcontribuem inegavelmente para sua apreensão significativa dos conteúdos das outras disciplinasdo currículo.

Por meio do convívio com o universo da arte, os alunos podem conhecer:

• o fazer artístico como experiência poética (a técnica e o fazer comoarticulação de significados e experimentação de materiais e suportesvariados);

• o fazer artístico como desenvolvimento de potencialidades: percepção,reflexão, sensibilidade, imaginação, intuição, curiosidade e flexibilidade;

• o fazer artístico como experiência de interação (celebração esimbolização de histórias grupais);

• o objeto artístico como forma (sua estrutura ou leis internas deformatividade);

• o objeto artístico como produção cultural (documento do imagináriohumano, sua historicidade e sua diversidade).

A aprendizagem artística envolve, portanto, um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, quevisam à criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação

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do ser humano. Além disso, encarar a arte como produção de significações que se transformam notempo e no espaço permite contextualizar a época em que se vive na sua relação com as demais.

A arte é um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de culturasdistintas, pois favorece o reconhecimento de semelhanças e diferenças expressas nos produtosartísticos e concepções estéticas, num plano que vai além do discurso verbal: uma criança da cidade,ao observar uma dança indígena, estabelece um contato com o índio que pode revelar mais sobre ovalor e a extensão de seu universo do que uma explanação sobre a função do rito nas comunidadesindígenas. E vice-versa.

Nessa perspectiva, a área de Arte tem uma função importante a cumprir. Ela situa o fazerartístico como fato e necessidade de humanizar o homem histórico, brasileiro, que conhece suascaracterísticas tanto particulares, tal como se mostram na criação de uma arte brasileira, quantouniversais, tal como se revelam no ponto de encontro entre o fazer artístico dos alunos e o fazer dosartistas de todos os tempos, que sempre inauguram formas de tornar presente o inexplicável.

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APRENDER E ENSINAR ARTE NOENSINO FUNDAMENTAL

Aprender arte é desenvolver progressivamente um percurso de criação pessoal cultivado, ouseja, alimentado pelas interações significativas que o aluno realiza com aqueles que trazem infor-mações pertinentes para o processo de aprendizagem (outros alunos, professores, artistas, especia-listas), com fontes de informação (obras, trabalhos dos colegas, acervos, reproduções, mostras,apresentações) e com o seu próprio percurso de criador.

Fazer arte e pensar sobre o trabalho artístico que realiza, assim como sobre a arte que é e foiconcretizada na história, podem garantir ao aluno uma situação de aprendizagem conectada com osvalores e os modos de produção artística nos meios socioculturais.

Ensinar arte em consonância com os modos de aprendizagem do aluno, significa, então, nãoisolar a escola da informação sobre a produção histórica e social da arte e, ao mesmo tempo, garan-tir ao aluno a liberdade de imaginar e edificar propostas artísticas pessoais ou grupais com base emintenções próprias. E tudo isso integrado aos aspectos lúdicos e prazerosos que se apresentamdurante a atividade artística.

Assim, aprender com sentido e prazer está associado à compreensão mais clara daquilo que éensinado. Para tanto, os conteúdos da arte não podem ser banalizados, mas devem ser ensinadospor meio de situações e/ou propostas que alcancem os modos de aprender do aluno e garantam aparticipação de cada um dentro da sala de aula. Tais orientações favorecem o emergir de formulaçõespessoais de idéias, hipóteses, teorias e formas artísticas. Progressivamente e por meio de trabalhoscontínuos essas formulações tendem a se aproximar de modos mais elaborados de fazer e pensarsobre arte. Introduzir o aluno do primeiro ciclo do ensino fundamental às origens do teatro ou aostextos de dramaturgia por meio de histórias narradas pode despertar maior interesse e curiosidadesem perder a integridade dos conteúdos e fatos históricos.

Cabe ao professor escolher os modos e recursos didáticos adequados para apresentar asinformações, observando sempre a necessidade de introduzir formas artísticas, porque ensinar artecom arte é o caminho mais eficaz. Em outras palavras, o texto literário, a canção e a imagem trarãomais conhecimentos ao aluno e serão mais eficazes como portadores de informação e sentido. Oaluno, em situações de aprendizagem, precisa ser convidado a se exercitar nas práticas de aprendera ver, observar, ouvir, atuar, tocar e refletir sobre elas.

É papel da escola incluir as informações sobre a arte produzida nos âmbitos regional, nacionale internacional, compreendendo criticamente também aquelas produzidas pelas mídias parademocratizar o conhecimento e ampliar as possibilidades de participação social do aluno.

Ressalta-se que o percurso criador do aluno, contemplando os aspectos expressivos econstrutivos, é o foco central da orientação e planejamento da escola.

O ensino fundamental configura-se como um momento escolar especial na vida dos alunos,porque é nesse momento de seu desenvolvimento que eles tendem a se aproximar mais das questõesdo universo do adulto e tentam compreendê-las dentro de suas possibilidades. Ficam curiosossobre temas como a dinâmica das relações sociais, as relações de trabalho, como e por quem ascoisas são produzidas.

No que se refere à arte, o aluno pode tornar-se consciente da existência de uma produçãosocial concreta e observar que essa produção tem história.

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O aluno pode observar ainda que os trabalhos artísticos envolvem a aquisição de códigos ehabilidades que passa a querer dominar para incorporar em seus trabalhos. Tal desejo de domínioestá correlacionado à nova percepção de que pode assimilar para si formas artísticas elaboradas porpessoas ou grupos sociais, ao trilhar um caminho de trabalho artístico pessoal. Esse procedimentodiminui a defasagem entre o que o aluno projeta e o que quer alcançar.

Assim sendo, é no final desse período que o aluno, desenvolvendo práticas de representaçãomediante um processo de dedicação contínua, dominará códigos construídos socialmente em arte,sem perder seu modo de articular tais informações ou sua originalidade.

A aprendizagem em arte acompanha o processo de desenvolvimento geral da criança e dojovem desse período, que observa que sua participação nas atividades do cotidiano social estãoenvoltas nas regularidades, acordos, construções e leis que reconhece na dinâmica social da comu-nidade à qual pertence, pelo fato de se perceber como parte constitutiva desta.

Também cabe à escola orientar seu trabalho com o objetivo de preservar e impulsionar adinâmica do desenvolvimento e da aprendizagem, preservando a autonomia do aluno e favorecendoo contato sistemático com os conteúdos, temas e atividades que melhor garantirão seu progresso eintegração como estudante.

Tal conjunto de considerações sobre os modos de aprender e ensinar arte possibilitam umarevisão das teorias sobre a arte da criança e do adolescente.

A ação artística também costuma envolver criação grupal: nesse momento a arte contribuipara o fortalecimento do conceito de grupo como socializador e criador de um universo imaginário,atualizando referências e desenvolvendo sua própria história. A arte torna presente o grupo para simesmo, por meio de suas representações imaginárias. O aspecto lúdico dessa atividade é fundamental.

Quando brinca, a criança desenvolve atividades rítmicas, melódicas, fantasia-se de adulto,produz desenhos, danças, inventa histórias. Mas esse lugar da atividade lúdica no início da infânciaé cada vez mais substituído, fora e dentro da escola, por situações que antes favorecem a reprodu-ção mecânica de valores impostos pela cultura de massas em detrimento da experiência imaginativa.

Embora o jovem tenha sempre grande interesse por aprender a fazer formas presentes noentorno, mantém o desenvolvimento de seu percurso de criação individual, que não pode se perder.O aluno pode e quer criar suas próprias imagens partindo de uma experiência pessoal particular, dealgo que viveu ou aprendeu, da escolha de um tema, de uma técnica, ou de uma influência, ou deum contato com a natureza e assim por diante.

Cabe também ao professor tanto alimentar os alunos com informações e procedimentos deartes que podem e querem dominar quanto saber orientar e preservar o desenvolvimento do trabalhopessoal, proporcionando ao aluno oportunidade de realizar suas próprias escolhas para concretizarprojetos pessoais e grupais.

A qualidade da ação pedagógica que considera tanto as competências relativas à percepçãoestética quanto aquelas envolvidas no fazer artístico pode contribuir para o fortalecimento daconsciência criadora do aluno.

O aluno fica exigente e muito crítico em relação à própria produção, justamente porque nesse momentode seu desenvolvimento já pode compará-la, de modo mais sistemático, às do círculo de produção social aoqual tem acesso. Essa caracterização do aluno tem levado à crença de que nesse período a criançaé menos espontânea e menos criativa nas atividades artísticas que no período anterior à escolaridade.

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O aluno de primeira a quarta série do ensino fundamental busca se aproximar da produçãocultural de arte. Entretanto, tais interesses não podem ser confundidos com submissão aos padrõesadultos de arte. A vivência integral desse momento autorizará o jovem a estruturar trabalhospróprios, com marca individual, inaugurando proposições poéticas autônomas que assimilaminfluências e transformam o trabalho que desenvolvem dentro do seu percurso de criação nasdiversas formas da arte. No período posterior, de quinta a oitava séries, essa vivência propiciarácriar poéticas próprias, concretizadas com intencionalidade.

A área deve ser incorporada com objetivos amplos que atendam às características dasaprendizagens, combinando o fazer artístico ao conhecimento e à reflexão em arte. Esses objetivosdevem assegurar a aprendizagem do aluno nos planos perceptivo, imaginativo e produtivo.

Com relação aos conteúdos, orienta-se o ensino da área de modo a acolher a diversidade dorepertório cultural que a criança traz para a escola, a trabalhar com os produtos da comunidade naqual a escola está inserida e também que se introduzam informações da produção social a partir decritérios de seleção adequados à participação do estudante na sociedade como cidadão informado.

A formação em arte, que inclui o conhecimento do que é e foi produzido em diferentescomunidades, deve favorecer a valorização dos povos pelo reconhecimento de semelhanças econtrastes, qualidades e especificidades, o que pode abrir o leque das múltiplas escolhas que ojovem terá que realizar ao longo de seu crescimento, na consolidação de sua identidade.

O fenômeno artístico está presente em diferentes manifestações que compõem os acervos da culturapopular, erudita, modernos meios de comunicação e novas tecnologias.

Além disso, a arte nem sempre se apresenta no cotidiano como obra de arte. Mas pode ser observadana forma dos objetos, no arranjo de vitrines, na música dos puxadores de rede, nas ladainhas entoadas portapeceiras tradicionais, na dança de rua executada por meninos e meninas, nos pregões de vendedores, nosjardins, na vestimenta, etc. O incentivo à curiosidade pela manifestação artística de diferentesculturas, por suas crenças, usos e costumes, pode despertar no aluno o interesse por valoresdiferentes dos seus, promovendo o respeito e o reconhecimento dessas distinções; ressalta-seassim a pertinência intrínseca de cada grupo e de seu conjunto de valores, possibilitando ao alunoreconhecer em si e valorizar no outro a capacidade artística de manifestar-se na diversidade.

O ensino de Arte é área de conhecimento com conteúdos específicos e deve ser consolidadacomo parte constitutiva dos currículos escolares, requerendo, portanto, capacitação dos professorespara orientar a formação do aluno.

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OBJETIVOS GERAIS DE ARTEPARA O ENSINO FUNDAMENTAL

No transcorrer do ensino fundamental, o aluno poderá desenvolver sua competência estéticae artística nas diversas modalidades da área de Arte (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), tantopara produzir trabalhos pessoais e grupais quanto para que possa, progressivamente, apreciar,desfrutar, valorizar e julgar os bens artísticos de distintos povos e culturas produzidos ao longo dahistória e na contemporaneidade.

Nesse sentido, o ensino de Arte deverá organizar-se de modo que, ao final do ensinofundamental, os alunos sejam capazes de:

• expressar e saber comunicar-se em artes mantendo uma atitude de buscapessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção,a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir produções artísticas;

• interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes(Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os econhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais;

• edificar uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoale conhecimento estético, respeitando a própria produção e a dos colegas,no percurso de criação que abriga uma multiplicidade de procedimentose soluções;

• compreender e saber identificar a arte como fato histórico contextualizadonas diversas culturas, conhecendo respeitando e podendo observar asproduções presentes no entorno, assim como as demais do patrimôniocultural e do universo natural, identificando a existência de diferençasnos padrões artísticos e estéticos;

• observar as relações entre o homem e a realidade com interesse ecuriosidade, exercitando a discussão, indagando, argumentando eapreciando arte de modo sensível;

• compreender e saber identificar aspectos da função e dos resultados dotrabalho do artista, reconhecendo, em sua própria experiência deaprendiz, aspectos do processo percorrido pelo artista;

• buscar e saber organizar informações sobre a arte em contato comartistas, documentos, acervos nos espaços da escola e fora dela (livros,revistas, jornais, ilustrações, diapositivos, vídeos, discos, cartazes) eacervos públicos (museus, galerias, centros de cultura, bibliotecas,fonotecas, videotecas, cinematecas), reconhecendo e compreendendoa variedade dos produtos artísticos e concepções estéticas presentes nahistória das diferentes culturas e etnias.

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OS CONTEÚDOS DE ARTE NOENSINO FUNDAMENTAL

Os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam o ensino e a aprendizagem de conteúdosque colaboram para a formação do cidadão, buscando igualdade de participação e compreensãosobre a produção nacional e internacional de arte. A seleção e a ordenação de conteúdos gerais deArte têm como pressupostos a clarificação de alguns critérios, que também encaminham a elaboraçãodos conteúdos de Artes Visuais, Música, Teatro e Dança e, no conjunto, procuram promover aformação artística e estética do aprendiz e a sua participação na sociedade.

Não estão definidas aqui as modalidades artísticas a serem trabalhadas a cada ciclo, mas sãooferecidas condições para que as diversas equipes possam definir em suas escolas os projetoscurriculares (ver em Orientações Didáticas deste documento a questão da organização do espaçoe do tempo de trabalho).

Sabe-se que, nas escolas e nas comunidades onde elas estão inseridas, há uma diversidadede recursos humanos e materiais disponíveis; portanto, considerando a realidade concreta dasescolas, ressaltam-se alguns aspectos fundamentais para os projetos a serem desenvolvidos.

É desejável que o aluno, ao longo da escolaridade, tenha oportunidade de vivenciar o maiornúmero de formas de arte; entretanto, isso precisa ocorrer de modo que cada modalidade artísticapossa ser desenvolvida e aprofundada.

Partindo dessas premissas, os conteúdos da área de Arte devem estar relacionados de talmaneira que possam sedimentar a aprendizagem artística dos alunos do ensino fundamental. Talaprendizagem diz respeito à possibilidade de os alunos desenvolverem um processo contínuo ecada vez mais complexo no domínio do conhecimento artístico e estético, seja no exercício do seupróprio processo criador, por meio das formas artísticas, seja no contato com obras de arte e comoutras formas presentes nas culturas ou na natureza. O estudo, a análise e a apreciação das formaspodem contribuir tanto para o processo pessoal de criação dos alunos como também para oconhecimento progressivo e significativo da função que a arte desempenha nas culturas humanas.

O conjunto de conteúdos está articulado dentro do contexto de ensino e aprendizagem emtrês eixos norteadores: a produção, a fruição e a reflexão.

A produção refere-se ao fazer artístico e ao conjunto de questões a ele relacionadas, no âmbitodo fazer do aluno e dos produtores sociais de arte.

A fruição refere-se à apreciação significativa de arte e do universo a ela relacionado. Talação contempla a fruição da produção dos alunos e da produção histórico-social em sua diversidade.

A reflexão refere-se à construção de conhecimento sobre o trabalho artístico pessoal, doscolegas e sobre a arte como produto da história e da multiplicidade das culturas humanas, comênfase na formação cultivada do cidadão.

Os três eixos estão articulados na prática, ao mesmo tempo que mantêm seus espaços próprios.Os conteúdos poderão ser trabalhados em qualquer ordem, segundo decisão do professor, emconformidade com o desenho curricular de sua equipe.

Critérios para a seleção de conteúdosTendo em conta os três eixos como articuladores do processo de ensino e aprendizagem

acredita-se que, para a seleção e a ordenação dos conteúdos gerais de Artes Visuais, Música,Teatro e Dança por ciclo, é preciso considerar os seguintes critérios:

• conteúdos compatíveis com as possibilidades de aprendizagem do aluno;

• valorização do ensino de conteúdos básicos de arte necessários àformação do cidadão, considerando, ao longo dos ciclos de escolaridade,

manifestações artísticas de povos e culturas de diferentes épocas,incluindo a contemporaneidade;

• especificidades do conhecimento e da ação artística.

Conteúdos gerais de ArteOs conteúdos gerais de Arte estão propostos para serem trabalhados de primeira a oitava

séries, seguindo os critérios para seleção e ordenação dos conteúdos circunscritos neste documento.Os conteúdos de primeira a quarta séries serão definidos nas modalidades artísticas específicas.

Assim, os conteúdos gerais do ensino fundamental em Arte são:

• a arte como expressão e comunicação dos indivíduos;

• elementos básicos das formas artísticas, modos de articulação formal,técnicas, materiais e procedimentos na criação em arte;

• produtores em arte: vidas, épocas e produtos em conexões;

• diversidade das formas de arte e concepções estéticas da culturaregional, nacional e internacional: produções, reproduções e suashistórias;

• a arte na sociedade, considerando os produtores em arte, as produçõese suas formas de documentação, preservação e divulgação em diferentesculturas e momentos históricos.

O s conteúdos de Arte para pr im eir o e segundo c icl os, a qu i r elaci onados , estão descr it os

separada m en te para garant ir p resença e profund idade das for m as artísticas nos pro jetos educac iona is.

N o en tanto , o p rofessor poderá reconhecer as poss ib ili dades de in terseção entre e las para o seu

tra balho e m sala de au la, assi m com o co m as de m ais d isci p li nas do curr íc u lo.

T endo e m v ista não have r de fi n ições para a presença das d iversas for m as artísticas no curr íc u lo

e o p rofessor das séries iniciais não ter vivenciado u m a for m ação m ais acurada nesta área , op tou-

se por u m a propos ição de conteúdos se m d if erenc iações por c icl os esco lares. A critério das escolas

e respect ivos professores , é p reciso variar as for m as artísticas p ropostas ao longo da esco lari dade ,

quando serão traba lhadas Artes V is uais, D ança , M ús ica ou T eatro (ver e m O ri en tações D idát icas

a organ ização do te m po e do espaço dos traba lhos) .

N as m oda li dades art ísticas es pec íficas buscou-se exp licitar, para m aior clareza do trabalho

pedagóg ico de Arte, os conteúdos e m do is grupos , o p ri m eir o re lati vo a cada m oda li dade art ística

e o segundo re lati vo a nor m as, valores e atitudes, co m um a todas .

ARTEARTE

2ª PARTE

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ARTES VISUAIS

As artes visuais, além das formas tradicionais (pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura,artefato, desenho industrial), incluem outras modalidades que resultam dos avanços tecnológicose transformações estéticas a partir da modernidade (fotografia, artes gráficas, cinema, televisão,vídeo, computação, performance).

Cada uma dessas visualidades é utilizada de modo particular e em várias possibilidades decombinações entre imagens, por intermédio das quais os alunos podem expressar-se e comunicar-se entre si de diferentes maneiras.

O mundo atual caracteriza-se por uma utilização da visualidade em quantidades inigualáveisna história, criando um universo de exposição múltipla para os seres humanos, o que gera anecessidade de uma educação para saber perceber e distinguir sentimentos, sensações, idéias equalidades. Por isso o estudo das visualidades pode ser integrado nos projetos educacionais. Talaprendizagem pode favorecer compreensões mais amplas para que o aluno desenvolva suasensibilidade, afetividade e seus conceitos e se posicione criticamente.

A educação em artes visuais requer trabalho continuamente informado sobre os conteúdos eexperiências relacionados aos materiais, às técnicas e às formas visuais de diversos momentos dahistória, inclusive contemporâneos. Para tanto, a escola deve colaborar para que os alunos passempor um conjunto amplo de experiências de aprender e criar, articulando percepção, imaginação,sensibilidade, conhecimento e produção artística pessoal e grupal.

A educação visual deve considerar a complexidade de uma proposta educacional que leveem conta as possibilidades e os modos de os alunos transformarem seus conhecimentos em arte,ou seja, o modo como aprendem, criam e se desenvolvem na área.

Criar e perceber formas visuais implica trabalhar freqüentemente com as relações entre oselementos que as compõem, tais como ponto, linha, plano, cor, luz, movimento e ritmo. Asarticulações desses elementos nas imagens dá origem à configuração de códigos que se transformamao longo dos tempos. Tais normas de formação das imagens podem ser assimiladas pelos alunoscomo conhecimento e aplicação prática recriadora e atualizada em seus trabalhos, conforme seusprojetos demandem e sua sensibilidade e condições de concretizá-los permitam. O aluno tambémcria suas poéticas onde gera códigos pessoais.

Além disso, é preciso considerar as técnicas, procedimentos, informações históricas,produtores, relações culturais e sociais envolvidas na experiência que darão suporte às suasrepresentações (conceitos ou teorias) sobre arte. Tais representações transformam-se ao longo dodesenvolvimento à medida que avança o processo de aprendizagem.

Os blocos de conteúdos de Artes Visuais para o primeiro e o segundo ciclos são:

EX PRESSÃ O E COM U N I CA ÇÃ O N A PRÁ T I CAD OS A L U N OS EM A RT ES V I SU A I S

• As artes visuais no fazer dos alunos: desenho, pintura, colagem,escultura, gravura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia, históriasem quadrinhos, produções informatizadas.

• Criação e construção de formas plásticas e visuais em espaços diversos(bidimensional e tridimensional).

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• Observação e análise das formas que produz e do processo pessoal nassuas correlações com as produções dos colegas.

• Consideração do elementos básicos da linguagem visual em suasarticulações nas imagens produzidas (relações entre ponto, linha, pla-no, cor, textura, forma, volume, luz, ritmo, movimento, equilíbrio).

• Reconhecimento e utilização dos elementos da linguagem visualrepresentando, expressando e comunicando por imagens: desenho,pintura, gravura, modelagem, escultura, colagem, construção, fotografia,cinema, vídeo, televisão, informática, eletrografia.

• Contato e reconhecimento das propriedades expressivas e construtivasdos materiais, suportes, instrumentos, procedimentos e técnicas naprodução de formas visuais.

• Experimentação, utilização e pesquisa de materiais e técnicas artísticas(pincéis, lápis, giz de cera, papéis, tintas, argila, goivas) e outros meios(máquinas fotográficas, vídeos, aparelhos de computação e dereprografia).

• Seleção e tomada de decisões com relação a materiais, técnicas,instrumentos na construção das formas visuais.

A S A RT ES V I SU A I S COM O OBJET O D EA PRECI A ÇÃ O SI GN I F I CA T I V A

• Convivência com produções visuais (originais e reproduzidas) e suasconcepções estéticas nas diferentes culturas (regional, nacional einternacional).

• Identificação dos significados expressivos e comunicativos das formasvisuais.

• Contato sensível, reconhecimento e análise de formas visuais presentesna natureza e nas diversas culturas.

• Reconhecimento e experimentação de leitura dos elementos básicosda linguagem visual, em suas articulações nas imagens apresentadaspelas diferentes culturas (relações entre ponto, linha, plano, cor, textura,forma, volume, luz, ritmo, movimento, equilíbrio).

• Contato sensível, reconhecimento, observação e experimentação deleitura das formas visuais em diversos meios de comunicação da imagem:fotografia, cartaz, televisão, vídeo, histórias em quadrinhos, telas decomputador, publicações, publicidade, desenho industrial, desenhoanimado.

• Identificação e reconhecimento de algumas técnicas e procedimentosartísticos presentes nas obras visuais.

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• Fala, escrita e outros registros (gráfico, audiográfico, pictórico, sonoro,dramático, videográfico) sobre as questões trabalhadas na apreciaçãode imagens.

A S A RT ES V I SU A I S COM O PROD U T OCU L T U RA L E H I ST ÓRI CO

• Observação, estudo e compreensão de diferentes obras de artes visuais,artistas e movimentos artísticos produzidos em diversas culturas(regional, nacional e internacional) e em diferentes tempos da história.

• Reconhecimento da importância das artes visuais na sociedade e navida dos indiví- duos.

• Identificação de produtores em artes visuais como agentes sociais dediferentes épocas e culturas: aspectos das vidas e alguns produtosartísticos.

• Pesquisa e freqüência junto das fontes vivas (artistas) e obras parareconhecimento e reflexão sobre a arte presente no entorno.

• Contato freqüente, leitura e discussão de textos simples, imagens einformações orais sobre artistas, suas biografias e suas produções.

• Reconhecimento e valorização social da organização de sistemas paradocumentação, preservação e divulgação de bens culturais.

• Freqüência e utilização das fontes de informação e comunicação artísticapresentes nas culturas (museus, mostras, exposições, galerias, ateliês, oficinas).

• Elaboração de registros pessoais para sistematização e assimilação dasexperiências com formas visuais, informantes, narradores e fontes deinformação.

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DANÇA

A arte da dança faz parte das culturas humanas e sempre integrou o trabalho, as religiões e as

atividades de lazer. Os povos sempre privilegiaram a dança, sendo esta um bem cultural e uma

atividade inerente à natureza do homem.

Toda ação humana envolve a atividade corporal. A criança é um ser em constante mobilidade

e utiliza-se dela para buscar conhecimento de si mesma e daquilo que a rodeia, relacionando-se

com objetos e pessoas. A ação física é necessária para que a criança harmonize de maneira integradora

as potencialidades motoras, afetivas e cognitivas.

A criança se movimenta nas ações do seu cotidiano. Correr, pular, girar e subir nos objetos

são algumas das atividades dinâmicas que estão ligadas à sua necessidade de experimentar o corpo

não só para seu domínio, mas na construção de sua autonomia. A ação física é a primeira forma de

aprendizagem da criança, estando a motricidade ligada à atividade mental. Ela se movimenta não

só em função de respostas funcionais (como ocorre com a maioria dos adultos), mas pelo prazer do

exercício, para explorar o meio ambiente, adquirir melhor mobilidade e se expressar com liberdade.

Possui, nesta etapa de sua vida, um vocabulário gestual fluente e expressivo.

A atividade da dança na escola pode desenvolver na criança a compreensão de sua capacidade

de movimento, mediante um maior entendimento de como seu corpo funciona. Assim, poderá usá-

lo expressivamente com maior inteligência, autonomia, responsabilidade e sensibilidade.

Tal visão está de acordo com as pesquisas mais recentes feitas pelos neurocientistas que

estudam as relações entre o desenvolvimento da inteligência, os sentimentos e o desempenho

corporal. Essas novas teorias criam um desafio à visão tradicional que separa corpo e mente, razão

e emoção.

U m dos ob jetivos educac iona is da dança é a co m preensão da estrutura e do func iona m en to

corpora l e a inves ti gação do mov im ento hu m ano .

E sses conhec im en tos deve m ser artic u la dos co m a percepção do espaço , peso e te m po . A

dança é u m a for m a de in tegração e expressão tanto ind iv idua l quan to co letiva, e m que o a luno

exerc ita a atenção, a percepção , a colaboração e a so li dar iedade . A dança é ta m bé m um a fonte de

co m un icação e de cr iação in f or m ada nas cu lt uras . C om o at iv i dade l úd ica a dança pe rm it e a

exper i m en tação e a cr i ação , no exe rcício da espontane i dade . C on tri bu i ta m bé m para o

desenvo lv im en to da cr ia nça no que se refere à consc iênc ia e à construção de sua im agem corpora l,

aspectos que são funda m en tais para seu cresc im en to individual e sua consciência social.

N as atividades coletivas, as i m p rov isações e m dança darão oportun idade à cr iança de

expe ri m en tar a plastici dade de seu corpo , de exe rcitar s uas potenc iali dades m otoras e express ivas

ao se relacionar co m os outros . N essa interação poderá reconhecer se m elhanças e contrastes ,

buscando co m preender e coordenar as d iversas expressões e hab ili dades co m respe it o e cooperação .

Ao p la ne jar as a u las, o p rofessor deve cons ide rar o desenvo lv im en to m otor da criança, observar

suas ações f ísicas e hab ili dades natura is. D eve est im u lar a pesqu isa consciente a fi m de a m p liar o

repertório gestual, capacitar o corpo para o m ov i m en to, dar sent ido e o rgan ização às suas

po tenc iali dades . D eve est im u lar o aluno a reconhecer rit m os — corpora is e externos — , exp lorar

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o espaço, inventar seqüências de movimento, explorar sua imaginação, desenvolver seu sentido

de forma e linha e se relacionar com os outros alunos buscando dar forma e sentido às suas pesquisas

de movimento. Esses são elementos básicos para introduzir o aluno na linguagem da dança.

A ação física é parte da aprendizagem da criança. Essa atividade, necessária para o seu

desenvolvimento, é permeada pela curiosidade e pelo desejo de conhecimento. Por isso é

importante que a dança seja desenvolvida na escola com espírito de investigação, para que a

criança tome consciência da função dinâmica do corpo, do gesto e do movimento como uma

manifestação pessoal e cultural.

O aluno deve observar e apreciar as atividades de dança realizadas por outros (colegas e

adultos), para desenvolver seu olhar, fruição, sensibilidade e capacidade analítica, estabelecendo

opiniões próprias. Essa é também uma maneira de o aluno compreender e incorporar a diversidade

de expressões, de reconhecer individualidades e qualidades estéticas. Tal fruição enriquecerá sua

própria criação em dança.

A atitude do professor em sala de aula é importante para criar climas de atenção e

concentração, sem que se perca a alegria. As aulas tanto podem inibir o aluno quanto fazer com

que atue de maneira indisciplinada. Estabelecer regras de uso do espaço e de relacionamento

entre os alunos é importante para garantir o bom andamento da aula. A adequação da roupa para

permitir mais mobilidade é indispensável. É preciso dar condições para o aluno criar confiança

para explorar movimentos, para estimular a inventividade e a coordenação de suas ações com a

dos outros.

Os temas devem ser escolhidos considerando o desenvolvimento do aluno. Podem ser

propostas de pesquisa de movimentos, de estímulos rítmicos, de criação de movimentos em duplas

ou grupos e de composição com a área de música. Nem sempre a originalidade é necessária em

cada aula, pois os alunos gostam e necessitam da repetição de atividades. Essa experimentação

possibilita que descubram suas capacidades e adquiram segurança ao se movimentar e possam

atuar e recriar a partir de suas descobertas.

Não é necessário que as aulas sejam acompanhadas por estímulos sonoros criados, pois no

silêncio existem ritmos (internos e externos) que podem e devem ser explorados.

Os jogos populares de movimento, cirandas, amarelinhas e muitos outros são importantes

fontes de pesquisa. Essas manifestações populares devem ser valorizadas pelo professor e estar

presentes no repertório dos alunos, pois são parte da riqueza cultural dos povos, constituindo

importante material para a aprendizagem.

A dança, assim como é proposta pela área de Arte, tem como propósito o desenvolvimento

integrado do aluno. A experiência motora permite observar e analisar as ações humanas propiciando

o desenvolvimento expressivo que é o fundamento da criação estética. Os aspectos artísticos da

dança, como são aqui propostos, são do domínio da arte.

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A D A N ÇA N A EX PRESSÃ O E N ACOM U N I CA ÇÃ O H U M A N A

• Reconhecimento dos diferentes tecidos que constituem o corpo (pele,

músculos e ossos) e suas funções (proteção, movimento e estrutura).

• Observação e análise das características corporais individuais: a forma, o

volume e o peso.

• Experimentação e pesquisa das diversas formas de locomoção,

deslocamento e orientação no espaço (caminhos, direções e planos).

• Experimentação na movimentação con-siderando as mudanças de

velocidade, de tempo, de ritmo e o desenho do corpo no espaço.

• Observação e experimentação das relações entre peso corporal e

equilíbrio.

• Reconhecimento dos apoios do corpo explorando-os nos planos (os

próximos ao piso até a posição de pé).

• Improvisação na dança, inventando, registrando e repetindo seqüências

de movimentos criados.

• Seleção dos gestos e movimentos observados em dança, imitando,

recriando, mantendo suas características individuais.

• Seleção e organização de movimentos para a criação de pequenas

coreografias.

• Reconhecimento e desenvolvimento da expressão em dança.

A D A N ÇA COM O M A N I F EST A ÇÃ O COL ET I V A

• Reconhecimento e identificação das qualidades individuais de

movimento, observando os outros alunos, aceitando a natureza e o

desempenho motriz de cada um.

• Improvisação e criação de seqüência de movimento com os outros alunos.

• Reconhecimento e exploração de espaço em duplas ou outros tipos de

formação em grupos.

• Integração e comunicação com os outros por meio dos gestos e dos

movimentos.

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• Criação de movimentos em duplas ou grupos opondo qualidades de

movimentos (leve e pesado, rápido e lento, direto e sinuoso, alto e

baixo).

• Observação e reconhecimento dos movimentos dos corpos presentes

no meio circundante, distinguindo as qualidades de movimento e as

combinações das características individuais.

A D A N ÇA COM O PROD U T O CU L T U RA L EA PRECI A ÇÃ O EST ÉT I CA

• Reconhecimento e distinção das diversas modalidades de movimento

e suas combinações como são apresentadas nos vários estilos de dança.

• Identificação e reconhecimento da dança e suas concepções estéticas

nas diversas culturas considerando as criações regionais, nacionais e

internacionais.

• Contextualização da produção em dança e compreensão desta como

manifestação autêntica, sintetizadora e representante de determinada cultura.

• Identificação dos produtores em dança como agentes sociais em diferentes

épocas e culturas.

• Pesquisa e freqüência às fontes de informação e comunicação presentes

em sua localidade (livros, revistas, vídeos, filmes e outros tipos de

registro em dança).

• Pesquisa e freqüência junto dos grupos de dança, manifestações culturais

e espetáculos em geral.

• Elaboração de registros pessoais para sistematização das experiências

observadas e documentação consultada.

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MÚSICA

A música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época. Atualmente, odesenvolvimento tecnológico aplicado às comunicações vem modificando consideravelmente as referênci-as musicais das sociedades pela possibilidade de uma escuta simultânea de toda produção mundial por meiode discos, fitas, rádio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema, publicidade, etc.

Qualquer proposta de ensino que considere essa diversidade precisa abrir espaço para oaluno trazer música para a sala de aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso aobras que possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades de apreci-ação e produção. A diversidade permite ao aluno a construção de hipóteses sobre o lugar de cadaobra no patrimônio musical da humanidade, aprimorando sua condição de avaliar a qualidade daspróprias produções e as dos outros.

Composições, improvisações e interpretações são os produtos da música.

O processo de criação de uma composição é conduzido pela intenção do compositor a partirde um projeto musical. Entre os sons da voz, do meio ambiente, de instrumentos conhecidos, deoutros materiais sonoros ou obtidos eletronicamente, o compositor pode escolher um deles,considerar seus parâmetros básicos (duração, altura, timbre e intensidade), juntá-lo com outrossons e silêncios construindo elementos de várias outras ordens e organizar tudo de maneira aconstituir uma sintaxe. Ele pode também compor música pela combinação com outras linguagens,como acontece na canção, na trilha sonora para cinema ou para jogos eletrônicos, no jingle parapublicidade, na música para dança e nas músicas para rituais ou celebrações. Nesse tipo de produçãoo compositor considera os limites que a outra linguagem estabelece.

Uma vez que a música tem expressão por meio dos sons, uma obra que ainda não tenha sidointerpretada só existe como música na mente do compositor que a concebeu. O momento dainterpretação é aquele em que o projeto ou a partitura se tornam música viva. As interpretaçõessão importantes na aprendizagem, pois tanto o contato direto com elas quanto a sua utilizaçãocomo modelo são maneiras de o aluno construir conhecimento em música. Além disso, asinterpretações estabelecem os contextos onde os elementos da linguagem musical ganham signi-ficado.

As improvisações situam-se entre as composições e as interpretações. São momentos decomposição coincidindo com momentos de interpretação. Na aprendizagem, as atividades deimprovisação devem ocorrer em propostas bem estruturadas para que a liberdade de criação possaser alcançada pela consciência dos limites.

Um olhar para toda a produção de música do mundo revela a existência de inúmeros processose sistemas de composição ou improvisação e todos eles têm sua importância em função das atividadesna sala de aula.

Do ponto de vista da organização das alturas dos sons, o sistema modal/tonal11 , que está nabase das músicas de praticamente todas as culturas até o século XIX, permanece até hoje como agrande referência, inclusive para compositores que criaram seus próprios sistemas. Sua inclusãocomo conteúdo neste documento tem a finalidade de garantir a presença, no ensino fundamental,dando ao aluno maiores oportunidades para o desenvolvimento de uma inteligência musical.

Estudar o sistema modal/tonal no Brasil, por meio das culturas locais, regionais, nacionais einternacionais, colabora para conhecer a nossa língua musical materna.11. A escolha dessa expressão que integra os sistemas modal e tonal está em consonância com tendências contemporâneas de estudá-losem função de suas interseções. Ver Persichetti, V., 1965.

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Figurando entre as mais importantes tradições musicais, as canções são composições produzidasnesse sistema, sendo responsáveis por parcela significativa da produção musical do País, incluindoas veiculadas no mercado. As canções brasileiras constituem um manancial de possibilidades para oensino da música com música e podem fazer parte das produções musicais em sala de aula, permitindoque o aluno possa elaborar hipóteses a respeito do grau de precisão necessário para a afinação,ritmo, percepção de elementos da linguagem, simultaneidades, etc.

Nas produções musicais em sala de aula, é importante compreender claramente a diferençaentre composição e interpretação. Numa canção, por exemplo, elementos como melodia ou letrafazem parte da composição, mas a canção só se faz presente pela interpretação, com todos osdemais elementos: instrumentos, arranjos em sua concepção formal, arranjos de base com seuspadrões rítmicos, características interpretativas, improvisações, etc. O intérprete experiente sabepermitir que as mais sutis nuanças da canção interpretada inscrevam-se na sua voz, que passa a serportadora de uma grande quantidade de elementos da linguagem musical. Para que possa ser capazde fazer o mesmo, o aluno necessita das interpretações como referência e de tempo para sedesenvolver por meio delas, até que adquira condições de incorporar a canção com todos os seuselementos.

A canção oferece ainda a possibilidade de contato com toda a riqueza e profusão de ritmos doBrasil e do mundo, que nela se manifestam principalmente por meio de um de seus elementos: oarranjo de base. Nas atividades com esse elemento é importante lembrar que se considera música,por exemplo, tanto uma batucada de samba quanto uma canção que a utilize como arranjo de base.

Para que a aprendizagem da música possa ser fundamental na formação de cidadãos é necessárioque todos tenham a oportunidade de participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositorese improvisadores, dentro e fora da sala de aula. Envolvendo pessoas de fora no enriquecimento doensino e promovendo interação com os grupos musicais e artísticos das localidades, a escola podecontribuir para que os alunos se tornem ouvintes sensíveis, amadores talentosos ou músicosprofissionais. Incentivando a participação em shows, festivais, concertos, eventos da cultura populare outras manifestações musicais, ela pode proporcionar condições para uma apreciação rica e amplaonde o aluno aprenda a valorizar os momentos importantes em que a música se inscreve no tempoe na história.

COM U N I CA ÇÃ O E EX PRESSÃ O EM M Ú SI CA :I N T ERPRET A ÇÃ O, I M PROV I SA ÇÃ O E COM POSI ÇÃ O

• Interpretações de músicas existentes vivenciando um processo deexpressão individual ou grupal, dentro e fora da escola.

• Arranjos, improvisações e composições dos próprios alunos baseadas noselementos da linguagem musical, em atividades que valorizem seusprocessos pessoais, conexões com a sua própria localidade e suasidentidades culturais.

• Experimentação e criação de técnicas relativas à interpretação, àimprovisação e à composição.

• Experimentação, seleção e utilização de instrumentos, materiais sonoros,equipamentos e tecnologias disponíveis em arranjos, composições eimprovisações.

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• Observação e análise das estratégias pessoais e dos colegas ematividades de produção.

• Seleção e tomada de decisões, em produções individuais e/ou grupais,com relação às idéias musicais, letra, técnicas, sonoridades, texturas,dinâmicas, forma, etc.

• Utilização e elaboração de notações musicais em atividades de produção.

• Percepção e identificação dos elementos da linguagem musical ematividades de produção, explicitando-os por meio da voz, do corpo, demateriais sonoros e de instrumentos disponíveis.

• Utilização e criação de letras de canções, parlendas, raps, etc., comoportadoras de elementos da linguagem musical.

• Utilização do sistema modal/tonal na prática do canto a uma ou mais vozes.

• Utilização progressiva da notação tradicional da música relacionada àpercepção da linguagem musical.

• Brincadeiras, jogos, danças, atividades diversas de movimento e suasarticulações com os elementos da linguagem musical.

• Traduções simbólicas de realidades interiores e emocionais por meioda música.

A PRECI A ÇÃ O SI GN I F I CA T I V A EM M Ú SI CA :ESCU T A , EN V OL V I M EN T O E COM PREEN SÃ O

D A L I N GU A GEM M U SI CA L

• Percepção e identificação dos elementos da linguagem musical (motivos,forma, estilos, gêneros, sonoridades, dinâmica, texturas, etc.) ematividades de apreciação, explicitando-os por meio da voz, do corpo, demateriais sonoros disponíveis, de notações ou de representações diver-sas.

• Identificação de instrumentos e materiais sonoros associados a idéiasmusicais de arranjos e composições.

• Percepção das conexões entre as notações e a linguagem musical.

• Observação e discussão de estratégias pessoais e dos colegas ematividades de apreciação.

• Apreciação e reflexão sobre músicas da produção, regional, nacional einternacional consideradas do ponto de vista da diversidade, valorizando asparticipações em apresentações ao vivo.

• Discussão e levantamento de critérios sobre a possibilidade dedeterminadas produções sonoras serem música.

• Discussão da adequação na utilização da linguagem musical em suascombinações com outras linguagens na apreciação de canções, trilhas sonoras,jingles, músicas para dança, etc.

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• Discussão de características expressivas e da intencionalidade decompositores e intérpretes em atividades de apreciação musical.

• Explicitação de reações sensoriais e emocionais em atividades deapreciação e associação dessas reações a aspectos da obra apreciada.

A M Ú SI CA COM O PROD U T O CU L T U RA LE H I ST ÓRI CO: M Ú SI CA E SON S D O M U N D O

• Movimentos musicais e obras de diferentes épocas e culturas, associadosa outras linguagens artísticas no contexto histórico, social e geográfico,observados na sua diversidade.

• Fontes de registro e preservação (partituras, discos, etc.) e recursos deacesso e divulgação da música disponíveis na classe, na escola, nacomunidade e nos meios de comunicação (bibliotecas, midiatecas, etc.).

• Músicos como agentes sociais: vidas, épocas e produções.

• Transformações de técnicas, instrumentos, equipamentos e tecnologiana história da música.

• A música e sua importância na sociedade e na vida dos indivíduos.

• Os sons ambientais, naturais e outros, de diferentes épocas e lugares esua influência na música e na vida das pessoas.

• Músicas e apresentações musicais e artísticas das comunidades, regiõese País consideradas na diversidade cultural, em outras épocas e nacontemporaneidade.

• Pesquisa e freqüência junto dos músicos e suas obras parareconhecimento e reflexão sobre a música presente no entorno.

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TEATRO

A arte tem sido proposta como instrumento fundamental de educação, ocupando historicamentepapéis diversos, desde Platão, que a considerava como base de toda a educação natural.

O teatro, como arte, foi formalizado pelos gregos, passando dos rituais primitivos dasconcepções religiosas que eram simbolizadas, para o espaço cênico organizado, como demonstraçãode cultura e conhecimento. É, por excelência, a arte do homem exigindo a sua presença de formacompleta: seu corpo, sua fala, seu gesto, manifestando a necessidade de expressão e comunicação.

O ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um, como uma necessidade decompreender e representar uma realidade. Ao observar uma criança em suas primeiras manifesta-ções dramatizadas, o jogo simbólico, percebe-se a procura na organização de seu conhecimento domundo de forma integradora. A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança como umamanifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter deinteração e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogoespontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo.

Dramatizar não é somente uma realização de necessidade individual na interação simbólicacom a realidade, proporcionando condições para um crescimento pessoal, mas uma atividade cole-tiva em que a expressão individual é acolhida. Ao participar de atividades teatrais, o indivíduo tema oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável,legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre o individual e ocoletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações,com a finalidade de organizar a expressão de um grupo.

O teatro tem como fundamento a experiência de vida: idéias, conhecimentos e sentimento.A sua ação é a ordenação desses conteúdos individuais e grupais.

A criança, ao começar a freqüentar a escola, possui a capacidade da teatralidade como umpotencial e como uma prática espontânea vivenciada nos jogos de faz-de-conta. Cabe à escolaestar atenta ao desenvolvimento no jogo dramatizado oferecendo condições para o exercícioconsciente e eficaz, para aquisição e ordenação progressiva da linguagem dramática. Deve tornarconsciente as suas possibilidades, sem a perda da espontaneidade lúdica e criativa que é característicada criança ao ingressar na escola.

O teatro, no processo de formação da criança, cumpre não só função integradora, mas dáoportunidade para que ela se aproprie crítica e construtivamente dos conteúdos sociais e culturaisde sua comunidade mediante trocas com os seus grupos. No dinamismo da experimentação, dafluência criativa propiciada pela liberdade e segurança, a criança pode transitar livremente portodas as emergências internas integrando imaginação, percepção, emoção, intuição, memória eraciocínio.

As propostas educacionais devem compreender a atividade teatral como uma combinação deatividade para o desenvolvimento global do indivíduo, um processo de socialização consciente ecrítico, um exercício de convivência democrática, uma atividade artística com preocupações deorganização estética e uma experiência que faz parte das culturas humanas.

A escola deve viabilizar o acesso do aluno à literatura especializada, aos vídeos, às atividadesde teatro de sua comunidade. Saber ver, apreciar, comentar e fazer juízo crítico devem ser igualmentefomentados na experiência escolar.

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O teatro no ensino fundamental proporciona experiências que contribuem para o crescimentointegrado da criança sob vários aspectos. No plano individual, o desenvolvimento de suas capacidadesexpressivas e artísticas. No plano do coletivo, o teatro oferece, por ser uma atividade grupal, oexercício das relações de cooperação, diálogo, respeito mútuo, reflexão sobre como agir com oscolegas, flexibilidade de aceitação das diferenças e aquisição de sua autonomia como resultado dopoder agir e pensar sem coerção.

A criança, ao iniciar o ciclo básico, está na idade de vivenciar o companheirismo como umprocesso de socialização, de estabelecimento de amizades. Compartilhar uma atividade lúdica ecriativa baseada na experimentação e na compreensão é um estímulo para a aprendizagem.

A organização de grupos para a realização de uma tarefa é um exercício desafiador paraintegrar os componentes. Cabe ao professor proceder de maneira a incentivar essas relações. Anecessidade de colaboração torna-se consciente para a criança, assim como a adequação de falar,ouvir, ver, observar e atuar. Assim, liberdade e solidariedade são praticadas.

O professor deve conhecer as etapas de desenvolvimento da linguagem dramática da criançae como ela está relacionada ao processo cognitivo. Por volta dos sete anos, a criança se encontra nafase do faz-de-conta, em que a realidade é retratada da maneira que é entendida e vivenciada. Elaainda não é capaz de refletir sobre temas gerais, distantes do seu cotidiano. Também não se preocupacom a probabilidade dos fatos. Próximo aos oito, nove anos, preocupa-se em mostrar os fatos deforma realista. Está mais consciente e comprometida com o que dizer por meio do teatro.

Inicialmente, os jogos dramáticos têm caráter mais improvisacional e não existe muito cuidadocom o acabamento, pois o interesse reside principalmente na relação entre os participantes e noprazer do jogo.

Gradualmente, a criança passa a compreender a atividade teatral como um todo, o seu papel

de atuante e observa um maior domínio sobre a linguagem e todos os elementos que a compõem.A elaboração de cenários, objetos, roupas, organização e seqüência de história é mais acurada. Esseprocesso precisa ser cuidadosamente estimulado e organizado pelo professor. Os cenários pintadosnão mostram a representação da perspectiva, mas na maioria das vezes apresentam proporções

adequadas.

Compete à escola oferecer um espaço para a realização dessa atividade, um espaço mais livree mais flexível para que a criança possa ordenar-se de acordo com a sua criação. Deve ainda oferecermaterial básico, embora os alunos geralmente se empenhem em pesquisar e coletar materiais

adequados para as suas encenações.

O professor deve organizar as aulas numa seqüência, oferecendo estímulos por meio de jogospreparatórios, com o intuito de desenvolver habilidades necessárias para o teatro, como atenção,observação, concentração e preparar temas que instiguem a criação do aluno em vista de um pro-gresso na aquisição e domínio da linguagem teatral. É importante que o professor esteja conscientedo teatro como um elemento fundamental na aprendizagem e desenvolvimento da criança e nãocomo transmissão de uma técnica.

Levar para o aluno textos dramáticos e fatos da evolução do teatro são importantes para queele adquira uma visão histórica e contextualizada em que possa referenciar o seu próprio fazer. Épreciso estar consciente da qualidade estética e cultural da sua ação no teatro. Os textos devem serlidos ou recontados para os alunos como estímulo na criação de situações e palavras.

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No ensino fundamental o aluno deve desenvolver um maior domínio do corpo, tornando-oexpressivo, um melhor desempenho na verbalização, uma melhor capacidade para responder àssituações emergentes e uma maior capacidade de organização e domínio de tempo.

O T EA T RO COM O EX PRESSÃ O E COM U N I CA ÇÃ O

• Participação e desenvolvimento nos jogos de atenção, observação,improvisação, etc.

• Reconhecimento e utilização dos elementos da linguagem dramática:espaço cênico, personagem e ação dramática.

• Experimentação e articulação entre as expressões corporal, plástica esonora.

• Experimentação na improvisação a partir de estímulos diversos (temas,textos dramáticos, poéticos, jornalísticos, etc., objetos, máscaras,situações físicas, imagens e sons).

• Experimentação na improvisação a partir do estabelecimento de regraspara os jogos.

• Pesquisa, elaboração e utilização de cenário, figurino, maquiagem,adereços, objetos de cena, iluminação e som.

• Pesquisa, elaboração e utilização de máscaras, bonecos e de outrosmodos de apresentação teatral.

• Seleção e organização dos objetos a serem usados no teatro e daparticipação de cada um na atividade.

• Exploração das competências corporais e de criação dramática.

• Reconhecimento, utilização da expressão e comunicação na criaçãoteatral.

O T EA T RO COM O PROD U ÇÃ O COL ET I V A

• Reconhecimento e integração com os colegas na elaboração de cenas ena improvisação teatral.

• Reconhecimento e exploração do espaço de encenação com os outrosparticipantes do jogo teatral.

• Interação ator-espectador na criação dramatizada.

• Observação, apreciação e análise dos trabalhos em teatro realizadospelos outros grupos.

• Compreensão dos significados expressivos corporais, textuais, visuais,sonoros da criação teatral.

• Criação de textos e encenação com o grupo.

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O T EA T RO COM O PROD U T O CU L T U RA LE A PRECI A ÇÃ O EST ÉT I CA

• Observação, apreciação e análise das diversas manifestações de teatro.As produções e as concepções estéticas.

• Compreensão, apreciação e análise das diferentes manifestaçõesdramatizadas da região.

• Reconhecimento e compreensão das propriedades comunicativas eexpressivas das diferentes formas dramatizadas (teatro em palco e emoutros espaços, circo, teatro de bonecos, manifestações popularesdramatizadas, etc.).

• Identificação das manifestações e produtores em teatro nas diferentesculturas e épocas.

• Pesquisa e leitura de textos dramáticos e de fatos da história do teatro.

• Pesquisa e freqüência junto aos grupos de teatro, de manifestaçãopopular e aos espetáculos realizados em sua região.

• Pesquisa e freqüência às fontes de informação, documentação ecomunicação presentes em sua região (livros, revistas, vídeos, filmes,fotografias ou qualquer outro tipo de registro em teatro).

• Elaboração de registros pessoais para sistematização das experiênciasobservadas e da documentação consultada.

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CONTEÚDOS RELATIVOS A VALORES,NORMAS E ATITUDES

• Prazer e empenho na apreciação e na construção de formas artísticas.

• Interesse e respeito pela produção dos colegas e de outras pessoas.

• Disposição e valorização para realizar produções artísticas, expressando

e comunicando idéias, sentimentos e percepções.

• Desenvolvimento de atitudes de autoconfiança nas tomadas de deci-

sões em relação às produções pessoais.

• Posicionamentos pessoais em relação a artistas, obras e meios de

divulgação das artes.

• Cooperação com os encaminhamentos propostos nas aulas de Arte.

• Valorização das diferentes formas de manifestações artísticas como meio

de acesso e compreensão das diversas culturas.

• Identificação e valorização da arte local e nacional.

• Atenção, valorização e respeito em relação a obras e monumentos do

patrimônio cultural.

• Reconhecimento da importância de freqüentar instituições culturais

onde obras artísticas estejam presentes.

• Interesse pela História da Arte.

• Valorização da atitude de fazer perguntas relativas à arte e às questões

a ela relacionadas.

• Valorização da capacidade lúdica, da flexibilidade, do espírito de inves-

tigação como aspectos importantes da experiência artística.

• Autonomia na manifestação pessoal para fazer e apreciar a arte.

• Formação de critérios para selecionar produções artísticas mediante o

desenvolvimento de padrões de gosto pessoal.

• Gosto por compartilhar experiências artísticas e estéticas e manifestação

de opiniões, idéias e preferências sobre a arte.

• Sensibilidade para reconhecer e criticar ações de manipulação contrárias

à autonomia e ética humanas, veiculadas por manifestações artísticas.

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• Reconhecimento dos obstáculos e desacertos como aspectos integrantes

do processo criador pessoal.

• Atenção ao direito de liberdade de expressão e preservação da própria

cultura.

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CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Avaliar é uma ação pedagógica guiada pela atribuição de valor apurada e responsável que oprofessor realiza das atividades dos alunos. Avaliar é também considerar o modo de ensinar osconteúdos que estão em jogo nas situações de aprendizagem.

Avaliar implica conhecer como os conteúdos de Arte são assimilados pelos estudantes a cadamomento da escolaridade e reconhecer os limites e a flexibilidade necessários para dar oportunida-de à coexistência de distintos níveis de aprendizagem, num mesmo grupo de alunos. Para isso, oprofessor deve saber o que é adequado dentro de um campo largo de aprendizagem para cada nívelescolar, ou seja, o que é relevante o aluno praticar e saber nessa área.

Critérios de avaliação em Arte

Da mesma maneira que na apresentação dos conteúdos, as indicações para a avaliação nãoestão divididas por ciclos, em face da possibilidade das indicações das linguagens artísticas a critériodas escolas e da sua seqüência no andamento curricular. Assim, estão apresentadas separadamenteas indicações para cada modalidade artística.

No transcorrer das quatro séries do ensino fundamental, espera-se que os alunos,progressivamente, adquiram competências de sensibilidade e de cognição em Artes Visuais, Dança,Música e Teatro, perante a sua produção de arte e o contato com o patrimônio artístico, exercitandosua cidadania cultural com qualidade.

A V A L I A ÇÃ O D E A RT ES V I SU A I S

• Criar formas artísticas demonstrando algum tipo de capaci dade ou habilidade

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno produz formas no espaço bi e tridimensional,desenvolvendo um percurso de criação individual ou coletivo articulando percepção, imaginação, emoções eidéias, na experimentação com materiais e suportes, sabendo utilizar técnicas e procedimentos, mostrandoempenho em superar-se. O professor poderá observar se o aluno busca aperfeiçoar seus conhecimentosapesar de suas dificuldades e se valoriza suas conquistas.

• Estabelecer relações com o trabalho de arte produzido por si e por outras pessoassem discriminações estéticas, artísticas, étnicas e de gênero

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno sabe identificar e argumentar sobre valor egosto em relação às imagens produzidas por si mesmo, pelos colegas e por outros, respeitando oprocesso de criação pessoal e social, ao mesmo tempo que participa cooperativamente na relaçãode trabalho com colegas, professores e outros grupos.

• I dentificar alguns elementos da linguagem visual que se encontr am em múltiplasrealidades

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno reconhece alguns elementos da linguagemvisual em objetos e imagens que podem ser naturais ou fabricados. A identificação de tais elementosconcretiza-se quando o aluno percebe, analisa e produz formas visuais.

• Reconhecer e apreciar vários trabalhos e objetos de ar te por meio das própriasemoções, reflexões e conhecimentos

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Com este critério pretende-se avaliar se o aluno conhece, sabe relacionar e apreciar comcuriosidade e respeito vários trabalhos e objetos de arte — na sua dimensão material e de significação—, criados por distintos produtores, conhecendo sua história, usos e costumes, incluindo a variedadedas diferentes regiões e grupos étnicos, observando contrastes e semelhanças.

• V alorizar as fontes de documentação, preservação e acer vo da produção artística

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno valoriza, respeita e reconhece o direito àpreservação da própria cultura e das demais e se percebe a necessidade da existência e a importânciada freqüentação às fontes de documentação, espaços de cuidados e acervo de trabalhos e objetosartísticos em diferentes ambientes (museus, galerias, oficinas de produtores de arte, bibliotecas,midiatecas, videotecas).

A V A L I A ÇÃ O D E D A N ÇA

• Compreender a estrutura e o funcionamento do corpo e os eleme ntos que compõemo seu movimento

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno reconhece o funcionamento de seu corpo nomovimento, demonstra segurança ao movimentar-se, empenha-se na pesquisa de uso do corpo noespaço, nas variantes de peso e velocidade e se articula esses conhecimentos.

• I nteressar-se pela dança como atividade coletiva

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno se empenha na criação em grupo de formasolidária, se é capaz de improvisar e criar seqüências de movimento em grupo, se interage com oscolegas respeitando as qualidades individuais de movimento, cooperando com aqueles que têmdificuldade, aceitando as diferenças, valorizando o trabalho em grupo e empenhando-se na obtençãode resultados de movimentação harmônica, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo professor.

• Compreender e apreciar as diversas danças como manifestaç ões culturais

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno é capaz de observar e avaliar as diversasdanças presentes tanto na sua região como em outras culturas, em diferentes épocas. Refere-se aosaber ver, distinguir, compreender, relacionar, analisar e argumentar sobre a dança.

A V A L I A ÇÃ O D E M Ú SI CA

• I nterpretar, improvisar e compor demonstrando alguma capaci dade ou habilidade

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno cria e interpreta com musicalidade,desenvolvendo a percepção musical, a imaginação e a relação entre emoções e idéias musicais emproduções com a voz, com o corpo, com os diversos materiais sonoros e instrumentos. Avalia-se seo aluno tolera pequenas frustrações em relação ao seu próprio desempenho e se é capaz de colaborarcom os colegas, buscando soluções musicais, não ficando à margem das atividades e valorizandosuas conquistas.

• Reconhecer e apreciar os seus trabalhos musicais, de cole gas e de músicos pormeio das próprias reflexões, emoções e conhecimentos, sem preconceitos estéticos,artísticos, étnicos e de gênero

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Com este critério pretende-se avaliar se o aluno identifica e discute com discernimento valore gosto nas produções musicais e se percebe nelas relações com os elementos da linguagem musical,características expressivas e intencionalidade de compositores e intérpretes.

• Compreender a música como produto cultural histórico em evoluç ão, sua articulaçãocom as histórias do mundo e as funções, valores e finalidad es que foram atribuídas aela por diferentes povos e épocas

Co m este critério pretende-se avaliar se o aluno relaciona estilos, movimentos artísticos,períodos, músicos e respectivas produções no contexto histórico, social e geográfico. Avalia-setambém se conhece, valoriza e sabe utilizar registros de obras musicais, tais como partituras, discos,fitas, etc., e os locais em que podem ser encontrados, tais como bibliotecas, videotecas, midiatecas,etc., respeitando as diferentes realidades culturais.

• Reconhecer e valorizar o desenvolvimento pessoal em música nas atividades deprodução e apreciação, assim como na elaboração de conhec imentos sobre a músicacomo produto cultural e histórico

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno valoriza o caminho de seu desenvolvimento,priorizando suas conquistas no tempo e se lida com a heterogeneidade de capacidades e habilidadesdemonstradas pelos seus colegas.

A V A L I A ÇÃ O D E T EA T RO

• Compreender e estar habilitado para se expressar na ling uagem dramática

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno desenvolve capacidades de atenção,

concentração, observação e se enfrenta as situações que emergem nos jogos dramatizados. Se o

aluno articula devidamente o discurso falado e o escrito, a expressão do corpo (gesto e movimento),

as expressões plástica, visual e sonora na elaboração da obra teatral. Se compreende e sabe obedecer

às regras de jogo, se tem empenho para expressar-se com adequação e de forma pessoal ao contexto

dramático estabelecido.

• Compreender o teatro como ação coletiva

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno sabe organizar-se em grupo, ampliando as

capacidades de ver e ouvir na interação com seus colegas, colaborando com respeito e solidariedade,

permitindo a execução de uma obra conjunta. Se tem empenho na construção grupal do espaço

cênico em todos os seus aspectos (cenário, figurino, maquiagem, iluminação), assim como na ação

dramática. Se sabe expressar-se com adequação, tendo o teatro como um processo de comunicação

entre os participantes e na relação com os observadores. Se apresenta um processo de evolução da

aquisição e do domínio dramático.

• Compreender e apreciar as diversas formas de teatro pr oduzidas nas culturas

Com este critério pretende-se avaliar se o aluno é capaz de observar e apreciar as diversas

formas de teatro em espaços cênicos distintos (bonecos, sombras, circo, manifestação regional

dramatizada, etc.). Se identifica as informações recebidas, assimilando-as como fonte de conheci-

mento e cultura; se compreende e aprecia as diversas formas de teatro presentes em sua região e

em outras culturas e épocas, ampliando as capacidades de ver, relacionar, analisar e argumentar.

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Orientações para avaliação em Arte

Os objetivos e os procedimentos didáticos devem ser considerados em conexão com osconteúdos e os modos de aprendizagem dos alunos.

Ao avaliar, o professor precisa considerar a história do processo pessoal de cada aluno e suarelação com as atividades desenvolvidas na escola, observando os trabalhos e seus registros (sonoros,textuais, audiovisuais). O professor deve guiar-se pelos resultados obtidos e planejar modos criativosde avaliação dos quais o aluno pode participar e compreender: uma roda de leitura de textos dosalunos, ou a observação de pastas de trabalhos, escuta de músicas ou vídeos de dramatizaçõespodem favorecer a compreensão sobre os conteúdos envolvidos na aprendizagem.

Os alunos devem participar da avaliação de processo de cada colega, inclusive manifestandoseus pontos de vista, o que contribuirá para ampliar a percepção do processo de cada um em suascorrelações artísticas e estéticas. Aprender ao ser avaliado é um ato social em que a sala de aula ea escola devem refletir o funcionamento de uma comunidade de indivíduos pensantes e responsáveis.

Cabe à escola promover também situações de auto-avaliação para desenvolver a reflexão doaluno sobre seu papel de estudante. É interessante que a auto-avaliação seja orientada, pois umaestrutura totalmente aberta não garantirá que o aluno do ensino fundamental reconheça os pontosrelevantes de seu percurso de aprendizagem. Dentro de um roteiro flexível, o aluno poderá expressarsuas idéias e posteriormente comparar, reconhecer semelhanças e diferenças entre suas observaçõese as dos colegas.

Quanto aos conteúdos trabalhados, a avaliação poderá ser feita por meio de imagens,dramatizações ou composições musicais articuladas pelos alunos, assim como por pequenos textosou falas que eles abordem sobre os conteúdos estudados. O professor deve observar se o alunoarticula uma resposta pessoal com base nos conteúdos estudados, que apresente coerência ecorrespondência com sua possibilidade de aprender.

A análise do conjunto de respostas em grupo é a melhor maneira para que o aluno reflita sobre suashipóteses, teorias e raciocínios em relação aos temas e conteúdos abordados.

Uma situação de aprendizagem pode consolidar uma situação de avaliação e o inverso tambémé verdadeiro. Por exemplo, um professor, ao perguntar a um grupo de crianças de dez anos o queera uma paisagem, obteve a seguinte resposta de um dos alunos: “Paisagem é uma coisa bonita”.Percebendo uma aproximação entre o conceito de paisagem e o de beleza, pôde avaliar o nível deconhecimento do aluno que emitiu essa idéia, e propôs outras perguntas para desequilibrar a res-posta, tais como: “Então, um caderno bonito é uma paisagem?”. Com isso, pôde informar mais essacriança, apresentando imagens e exercícios sobre paisagens e discutindo a idéia de beleza. Apromoção da discussão entre os alunos, nessa hora, fez da avaliação uma situação de aprendizagemexcepcional.

A avaliação em Arte constitui uma situação de aprendizagem em que o aluno pode verificaro que aprendeu, retrabalhar os conteúdos, assim como o professor pode avaliar como ensinou e oque seus alunos aprenderam.

A avaliação pode remeter o professor a observar o seu modo de ensinar e apresentar osconteúdos e levá-lo a replanejar uma tarefa para obter aprendizagem adequada. Portanto, a avaliaçãotambém leva o professor a avaliar-se como criador de estratégias de ensino e de orientações didáticas.

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Duas situações extremas costumam chamar a atenção sobre os critérios de avaliação: quando todosos alunos sempre vão bem e quando todos sempre vão mal. Nos dois casos é bom repensar sobre osmodos de ensinar e as expectativas em relação aos resultados.

Outro aspecto a ser considerado na avaliação é o conhecimento do professor sobre a articulaçãodos saberes pela criança e seus modos de representação dos conteúdos. A formulação autêntica dacriança e as relações construídas por ela, a partir do contato com a própria experiência de criação ecom as fontes de informação, valem mais como conhecimento estruturado para ela mesma do quea repetição mecânica de frases ditas pelo professor ou escritas em textos a ela oferecidos.

É importante que o aluno sinta no professor um aliado do seu processo de criação, um professorque quer que ele cresça e se desenvolva, que se entusiasma quando seus alunos aprendem e osanima a enfrentar os desafios do processo artístico. O acolhimento pessoal de todos os alunos éfator fundamental para a aprendizagem em Arte, área na qual a marca pessoal é fonte de criação edesenvolvimento. A função de avaliar não pode se basear apenas e tão-somente no gosto pessoaldo professor, mas deve estar fundamentada em certos critérios definidos e definíveis e os conceitosemitidos pelo professor não devem ser meramente quantitativos. O aluno, que é julgadoquantitativamente, sem conhecer a correspondência qualitativa e o sentido dos conceitos ou valoresnuméricos emitidos, passa a se submeter aos desígnios das notas, sem autonomia, buscandocondicionar sua ação para corresponder a juízos e gostos do professor. Esse tipo de avaliação podeaté se constituir como controle eficaz sobre o comportamento e a obtenção de atitudes heterônomas(guiadas por outrem), mas não colabora para a construção do conhecimento.

A avaliação precisa ser realizada com base nos conteúdos, objetivos e orientação do projetoeducativo em Arte e tem três momentos para sua concretização:

• a avaliação pode diagnosticar o nível de conhecimento dos alunos. Nessecaso costuma ser prévia a uma atividade;

• a avaliação pode ser realizada durante a própria situação deaprendizagem, quando o professor identifica como o aluno interage comos conteúdos;

• a avaliação pode ser realizada ao término de um conjunto de atividadesque compõem uma unidade didática para analisar como a aprendizagemocorreu.

A atitude dos alunos e professores em situação de avaliação é muito importante, por isso oclima ou a condução da escola em relação à avaliação corresponde à cultura escolar de cada centroeducativo. Uma analogia interessante para a avaliação é uma situação de negociação: as partesenvolvidas estão cientes sobre os critérios e sobre a necessidade de sua função.

Finalmente, é fundamental que o professor discuta seus instrumentos, métodos eprocedimentos de avaliação junto com a equipe da escola. O professor precisa ser avaliado sobreas avaliações que realiza, pois a prática pedagógica é social, de equipe de trabalho da escola e darede educacional como um todo.

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ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS

Orientações didáticas para os cursos escolares de Arte referem-se ao modo de realizar as

atividades e às intervenções educativas junto dos estudantes nos domínios do conhecimento artístico

e estético. São idéias e práticas sobre os métodos e procedimentos para viabilizar o aperfeiçoamen-

to dos saberes dos alunos em Arte. Mas não são quaisquer métodos e procedimentos e sim aqueles

que possam levar em consideração o valor educativo da ação cultural da arte na escola. As orientações

didáticas referem-se às escolhas do professor quanto aos conteúdos selecionados para o trabalho

artístico em sala de aula. Referem-se aos direcionamentos para que os alunos possam produzir,

compreender e analisar os próprios trabalhos e apreender noções e habilidades para apreciação

estética e análise crítica do patrimônio cultural artístico.

A didática do ensino de Arte manifesta-se em geral em duas tendências: uma que propõe

exercícios de repetição ou a imitação mecânica de modelos prontos, outra que trata de atividades

somente auto-estimulantes. Ambas favorecem tipos de aprendizagens distintas que deixam um

legado empobrecido para o efetivo crescimento artístico do aluno.

Em arte as estratégias individuais para a concretização dos trabalhos são um fato; além disso, os

produtos nunca coincidem nos seus resultados. Para o aluno compreender e conhecer arte e seus processos

de criação, torna-se portanto um excelente modelo de referência e faz parte da orientação didática.

As atividades propostas na área de Arte devem garantir e ajudar as crianças e jovens a

desenvolverem modos interessantes, imaginativos e criadores de fazer e de pensar sobre a arte,

exercitando seus modos de expressão e comunicação.

Os encaminhamentos didáticos expressam, por fim, a seriação de conteúdos da área e as

teorias de arte e de educação selecionadas pelo docente.

Criação e aprendizagem

O processo de conhecimento na área artística se dá especialmente por meio da resolução deproblemas, assim como nas outras disciplinas do currículo escolar. Quais questões devem serpropostas para os alunos durante sua aprendizagem artística, ou, dito de outro modo, o que é resol-ver problemas em arte? A partir da reflexão sobre essa pergunta, são apresentados alguns pontosque visam orientar os professores de Arte na compreensão das tarefas e papéis que podemdesempenhar a fim de instrumentalizar o processo de aprendizagem dos alunos. Pode-se identificarduas classes de problemas que fazem parte do conjunto de atividades da área artística:

— Problemas inerentes ao percurso criador do aluno, ligados à construção da forma artística,ou seja, à criação, envolvendo questões relativas às técnicas, aos materiais e aos modos pessoais dearticular sua possibilidade expressiva às técnicas e aos materiais disponíveis, organizados numaforma que realize sua intenção criadora. No percurso criador específico da arte, os alunos estabelecemrelações entre seu conhecimento prévio na área artística e as questões que um determinado trabalhodesperta, entre o que querem fazer e os recursos internos e externos de que dispõem, entre o queobservam nos trabalhos dos artistas, nos trabalhos dos colegas e nos que eles mesmos vêm realizando.Estabelecem relações entre os elementos da forma artística que concorrem para a execução daqueletrabalho que estão fazendo, como, por exemplo, as relações entre diferentes qualidades visuais,sonoras, de personagens, de espaço cênico, etc. Além disso, tomam decisões e fazem escolhas

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quanto a materiais, técnicas, instrumentos musicais, tipos de personagens e formas de caracterizá-los e assim por diante.

São questões que se apresentam durante sua atividade individual ou grupal, que mobilizamo conhecimento que têm dos conteúdos de Arte, suas habilidades em desenvolvimento, suacuriosidade, segurança ou insegurança interna para experimentar e correr riscos, suas possibilida-des de avaliar resultados, o contato significativo com suas necessidades expressivas, sua percepçãocom relação aos passos de seu processo de criação, sua sensibilidade para observar e refletir sobreseu trabalho e seguir os caminhos que este lhe suscita, sua disponibilidade para conviver com aincerteza e o resultado não-desejado e muitas outras possibilidades que fazem parte de todo processode criação.

O professor precisa compreender a multiplicidade de situações-problema que podem ocorrerdas mais diversas maneiras e se apresentam a cada aluno em particular, segundo seu nível decompetência e as determinações internas e externas de um momento singular de criação, dentrode seu processo de aprender a realizar formas artísticas.

— A aprendizagem dos alunos também pode se dar por meio de uma outra classe de problemas,inerente às propostas feitas pelo professor, que caracterizam uma intervenção fundamentada emquestionamentos como parte da atividade didática. Tal intervenção pode ocorrer em vários aspectos dessaatividade, antes e durante o processo de criação artística dos alunos e também durante as atividades deapreciação de obras de arte e de reflexão sobre artistas e outras questões relativas aos produtos artísticos.É importante esclarecer que a qualidade dessa intervenção depende da experiência que o professor tem,tanto em arte quanto de seu grupo de alunos. É fundamental que o professor conheça, por experiênciaprópria, as questões que podem ocorrer durante um processo de criação, saiba formular para si mesmoperguntas relativas ao conhecimento artístico e saiba observar seus alunos durante as atividades que realizam,para que esse conjunto de dados conduza suas intervenções e reflexões.

É nisso que reside a diferença entre uma intervenção mecânica, artificial, “programada”, ouque visa apenas testar o nível de conhecimento imediato dos alunos, que é, enfim, fruto da aplicaçãode uma técnica que por si mesma orienta o trabalho dos alunos para a vivência de problemas e umoutro tipo de interferência que leva em consideração o conjunto de dados, fazendo parte, portanto,da interação entre o professor e seus alunos na produção de um conhecimento vivo e significativopara ambos.

A intervenção do professor abarca diferentes aspectos da ação pedagógica e caracteriza-secomo atividade criadora, tendo como princípio que ele é antes de mais nada um educador queintencionalmente cria, sente, pensa e transforma. Estão relacionadas a seguir algumas situaçõesem que a intervenção do professor pode se dar, apresentadas como orientações didáticas para seutrabalho.

A ORGA N I ZA ÇÃ O D O ESPA ÇO E D OT EM PO D E T RA BA L H O

É importante que o espaço seja concebido e criado pelo professor a partir das condiçõesexistentes na escola, para favorecer a produção artística dos alunos. Tal concepção diz respeito:

• à organização dos materiais a serem utilizados dentro do espaço detrabalho;

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• à clareza visual e funcional do ambiente;

• à marca pessoal do professor a fim de criar “a estética do ambiente”,incluindo a participação dos alunos nessa proposta;

• à característica mutável e flexível do espaço, que permita novosremanejamentos na disposição de materiais, objetos e trabalhos, deacordo com o andamento das atividades.

Um espaço assim concebido convida e propicia a criação dos alunos. Um espaço desorganizado,impessoal, repleto de clichês, como as imagens supostamente infantis, desmente o propósitoenunciado pela área. A criação do espaço de trabalho é um tipo de intervenção que “fala” a respeitodas artes e de suas características por meio da organização de formas manifestadas no silêncio, emruídos, sons, ritmos, luminosidades, gestos, cores, texturas, volumes, do ambiente que recebe osalunos, em consonância com os conteúdos da área.

Um bom planejamento precisa garantir a cada modalidade artística no mínimo duas aulassemanais, em seqüência, a cada ano, para que o aluno possa observar continuidade e estabelecerrelações entre diversos conteúdos, tanto em relação aos conceitos da área quanto ao próprio per-curso de criação pessoal. Por exemplo, se Artes Visuais e Teatro forem eleitos respectivamente naprimeira e segunda séries, as demais formas de arte poderão ser abordadas em alguns projetosinterdisciplinares, em visitas a espetáculos, apresentações ou apreciação de reproduções em vídeos,pôsteres, etc. A mesma escola trabalhará com Dança e Música nas terceira e quarta séries, invertendoa opção pelos projetos interdisciplinares.

OS I N ST RU M EN T OS D E REGI ST RO ED OCU M EN T A ÇÃ O D A S A T I V I D A D ES D OS A L U N OS

Neste plano, o professor também é um criador de formas de registrar e documentar atividades.Tais registros desempenham um papel importante na avaliação e no desenvolvimento do trabalho,constituindo-se em fontes e recursos para articular a continuidade das aulas. São, dentre outros,relatos de aula, as observações sobre cada aluno e sobre as dinâmicas dos grupos, a organizaçãodos trabalhos realizados pelos alunos segundo critérios específicos, as perguntas surgidas a partirdas propostas, descobertas realizadas durante a aula, os tipos de documentação, propostas deavaliação trabalhadas durante as aulas e as propostas de registros sugeridas pelos alunos, tais comofichas de observação, cadernos de percurso, “diários de bordo” e instrumentos pessoais de avaliação.

A PESQU I SA D E F ON T ES D E I N ST RU ÇÃ OE D E COM U N I CA ÇÃ O EM A RT E

Outra vez se estabelece o caráter criador da atividade de pesquisa do professor. Trata-se danecessidade de buscar elementos disponíveis na realidade circundante que contribuam para oenriquecimento da aprendizagem artística de seus alunos: imagens, textos que falem sobre a vida deartistas (seus modos de trabalho, a época, o local), levantamento sobre artistas e artesãos locais,revistas, vídeos, fitas de áudio, cassetes, discos, manifestações artísticas da comunidade, exposições,apresentações musicais e teatrais, bem como acolhimento dos materiais trazidos pelos alunos.

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A H I ST ÓRI A D A A RT E

O professor precisa conhecer a História da Arte para poder escolher o que ensinar, com oobjetivo de que os alunos compreendam que os trabalhos de arte não existem isoladamente, masrelacionam-se com as idéias e tendências de uma determinada época e localidade. A apreensão daarte se dá como fenômeno imerso na cultura, que se desvela nas conexões e interações existentesentre o local, o nacional e o internacional.

A PERCEPÇÃ O D E QU A L I D A D ES EST ÉT I CA S

O professor precisa criar formas de ensinar os alunos a perceberem as qualidades das formasartísticas. Seu papel é o de propiciar a flexibilidade da percepção com perguntas que favoreçamdiferentes ângulos de aproximação das formas artísticas: aguçando a percepção, incentivando acuriosidade, desafiando o conhecimento prévio, aceitando a aprendizagem informal que os alunostrazem para a escola e, ao mesmo tempo, oferecendo outras perspectivas de conhecimento.

A PROD U ÇÃ O D O PROF ESSOR E D OS A L U N OS

O professor na sala de aula é primeiramente um observador de questões como: o que osalunos querem aprender, quais as suas solicitações, que materiais escolhem preferencialmente,que conhecimento têm de arte, que diferenças de níveis expressivos existem, quais os mais e osmenos interessados, os que gostam de trabalhar sozinhos e em grupo, e assim por diante. A partirda observação constante e sistemática desse conjunto de variáveis e tendências de uma classe, oprofessor pode tornar-se um criador de situações de aprendizagem. A prática de aula é resultanteda combinação de vários papéis que o professor pode desempenhar antes, durante e depois decada aula.

Antes da aula:

• o professor é um pesquisador de fontes de informação, materiais e técnicas;

• o professor é um apreciador de arte, escolhendo obras e artistas a serem estudados;

• o professor é um criador na preparação e na organização da aula e seu espaço;

• o professor é um estudioso da arte, desenvolvendo seu conhecimento artístico;

• o professor é um profissional que trabalha junto com a equipe da escola.

Durante a aula:

• o professor é um incentivador da produção individual ou grupal; o professor propõe ques-tões relativas à arte, interferindo tanto no processo criador dos alunos (com perguntas,sugestões, respostas de acordo com o conhecimento que tem de cada aluno, etc.) quantonas atividades de apreciação de obras e informações sobre artistas (buscando formas demanter vivo o interesse dos alunos, construindo junto com eles a surpresa, o mistério, ohumor, o divertimento, a incerteza, a questão difícil, como ingredientes dessas atividades);

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• o professor é estimulador do olhar crítico dos alunos com relação às formas produzidas poreles, pelos colegas e pelos artistas e temas estudados, bem como às formas da natureza edas que são produzidas pelas culturas;

• o professor é propiciador de um clima de trabalho em que a curiosidade, o constantedesafio perceptivo, a qualidade lúdica e a alegria estejam presentes junto com a paciência,a atenção e o esforço necessários para a continuidade do processo de criação artística;

• o professor é inventor de formas de apreciação da arte — como, por exemplo, apresenta-ções de trabalhos de alunos — e de formas de instrução e comunicação: visitas a ateliês eoficinas de artesãos locais, ensaios, maneiras inusitadas de apresentar dados sobre artistas,escolha de objetos artísticos que chamem a atenção dos alunos e provoquem questões,utilizando-os como elementos para uma aula, leitura de notícias, poemas e contos durantea aula;

• o professor é acolhedor de materiais, idéias e sugestões trazidos pelos alunos (um familiarartesão, um vizinho artista, um livro ou um objeto trazido de casa, uma história contada,uma festa da comunidade, uma música, uma dança, etc.);

• o professor é formulador de um destino para os trabalhos dos alunos (pastas de trabalhos, exposições,apresentações, etc.);

• o professor é descobridor de propostas de trabalho que visam sugerir procedimentos eatividades que os alunos podem concretizar para desenvolver seu processo de criação, dereflexão ou de apreciação de obras de arte. Assim, exercícios de observação de elementosda natureza ou das culturas, por exemplo, podem desenvolver a percepção de linhas,formas, cores, sons, gestos e cenas, o que contribuirá para o enriquecimento do trabalhoartístico dos alunos;

• o professor é reconhecedor do ritmo pessoal dos alunos, o que envolve seu conhecimentoda faixa etária do grupo e de cada criança em particular;

• o professor analisa os trabalhos produzidos pelos alunos junto com eles, para que a apren-dizagem também possa ocorrer a partir dessa análise, na apreciação que cada aluno faz porsi do seu trabalho com relação aos dos demais.

Depois da aula:

• o professor é articulador das aulas, umas com relação às outras, de acordo com o propósitoque fundamenta seu trabalho, podendo desenvolver formas pessoais de articulação entreo que veio antes e o que vem depois;

• o professor é avaliador de cada aula particular (contando com instrumentos de avaliaçãoque podem ocorrer também durante o momento da aula, realizados por ele e pelos alunos)e do conjunto de aulas que forma o processo de ensino e aprendizagem; tal avaliação deveintegrar-se no projeto curricular da sua unidade escolar;

• o professor é imaginador do que está por acontecer na continuidade do trabalho, com baseno conjunto de dados adquiridos na experiência das aulas anteriores.

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A S A T I T U D ES D OS A L U N OS

Durante o trabalho, o professor mostra a necessidade de desenvolvimento de atitudes nãocomo regras exteriores, mas como condições que favorecem o trabalho criador dos alunos e aaprendizagem significativa de conteúdos.

O respeito pelo próprio trabalho e pelo dos outros, a organização do espaço, o espírito curiosode investigar possibilidades, a paciência para tentar várias vezes antes de alcançar resultado, orespeito pelas diferenças entre as habilidades de cada aluno, o saber escutar o que os outros dizemnuma discussão, a capacidade de concentração para realização dos trabalhos são atitudes necessáriaspara a criação e apreciação artísticas. É importante que o professor descubra formas de comunicaçãocom os alunos em que ele possa evidenciar a necessidade e a significação dessas atitudes duranteo processo de trabalho dos alunos.

Arte e os Temas Transversais

A área de Arte, dada a própria natureza de seu objeto de conhecimento, apresenta-se comoum campo privilegiado para o tratamento dos temas transversais propostos nestes ParâmetrosCurriculares Nacionais.

As manifestações artísticas são exemplos vivos da diversidade cultural dos povos e expressama riqueza criadora dos artistas de todos os tempos e lugares. Em contato com essas produções, oaluno do ensino fundamental pode exercitar suas capacidades cognitivas, sensitivas, afetivas e

imaginativas, organizadas em torno da aprendizagem artística e estética. Ao mesmo tempo, seucorpo se movimenta, suas mãos e olhos adquirem habilidades, o ouvido e a palavra se aprimoram,enquanto desenvolve atividades nas quais relações interpessoais perpassam o convívio social o

tempo todo. Muitos trabalhos de arte expressam questões humanas fundamentais: falam de problemassociais e políticos, de relações humanas, de sonhos, medos, perguntas e inquietações de artistas,documentam fatos históricos, manifestações culturais particulares e assim por diante. Neste sentido,

podem contribuir para uma reflexão sobre temas como os que são enunciados transversalmente,propiciando uma aprendizagem alicerçada pelo testemunho vivo de seres humanos que transformaramtais questões em produtos de arte.

Com relação ao tema Pluralidade Cultural, por exemplo, o professor poderá investigar comointegrá-lo na apreciação estética dos alunos, buscando maneiras de estudar as manifestações artísticascomo exemplos de diversidade cultural.

Assim como no plano da experiência mais imediata dos alunos, uma classe é feita de diferentescrianças; no plano da realidade estética, um trabalho de arte é feito da articulação entre os elementos

diversos que o compõem. Do mesmo modo, no plano da realidade sociocultural, o Brasil é um país ondeexistem diferentes regiões, cada uma com sua cultura local. E o mundo é feito de diferentes países com suasformas culturais específicas. A partir dessa visão, que universaliza a questão em estudo, os alunos

podem transitar de sua experiência particular para outras e vice-versa, compreendendo o conceitode pluralidade cultural como parte da vida das comunidades humanas. É importante mobilizar acuriosidade dos alunos sobre contrastes, contradições, desigualdades e peculiaridades que integramas formações culturais em constante transformação e as distinguem entre si, por meio da escolha de

trabalhos artísticos que expressem tais características.

O universo da arte popular brasileira, por exemplo, envolve cantigas e folguedos, contostradicionais, danças, textos escritos (como a literatura de cordel), cerâmica utilitária e ornamental,

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tecidos e uma infinidade de objetos que são diferentes em cada região do Brasil. São formas dearte que expressam a identidade de um grupo social e não são nem mais nem menos artísticas doque as obras produzidas pelos grandes mestres da humanidade. O professor pode descobrir, emprimeiro lugar para si mesmo, o valor e a riqueza das manifestações artísticas brasileiras na suavariedade. Além disso, pode encontrar, na arte local de sua comunidade, uma fonte inestimável deaprendizagem para seus alunos.

O professor pode tanto apresentar formas artísticas a partir de sua pesquisa pessoal comosolicitar dos alunos dados sobre a arte produzida na sua comunidade. Esse tipo de trabalho podedar condições para que os alunos se percebam como produtores de cultura, ao mesmo tempo quedesenvolvem uma compreensão de códigos culturais. Uma atividade de intercâmbio entre escolasde diferentes regiões brasileiras possibilitará aos alunos criarem conjuntos de textos e imagenspara contar às crianças de outros lugares como é seu repertório cultural: suas brincadeiras, suascantigas ou que tipo de arte se desenvolve na sua comunidade.

Na tarefa de seleção dos trabalhos de arte a serem utilizados, tanto brasileiros quanto deoutros povos, contemporâneos ou de outras épocas, é importante que o professor tenha em mentea vinculação de tais trabalhos com os grupos humanos que os produziram, ressaltando os compo-nentes culturais neles expressos: os diversos modos de elaboração de artistas, diferentes materiais,valores, época, lugar, costumes, crenças e outras características que se manifestam nesses trabalhos.

Uma constante na história de arte é a representação da figura humana. As obras de arte queapresentam relações humanas entre homens e mulheres, mães/pais e filhos, meninos e meninas,existem nas mais variadas formas: pinturas, gravuras, esculturas, canções sobre heróis e heroínas,pontos, peças de teatro. Por meio da apreciação dessas obras, o professor poderá nortear discussõescom os alunos, tendo como referência perguntas tais como: “O que é um menino? Uma menina?Um pai? Uma mãe?”, “Existem atributos masculinos e femininos?”, “Como se expressam nasobras observadas?”. Poderia observar como as crianças experimentam e expressam esses atributoscorporalmente, como dão significados, na sua faixa etária, às diferenças sexuais, como represen-tam essas diferenças nas suas atitudes, conversas e produções artísticas. A partir dessas observações,poderá nortear tanto a escolha de obras a serem trazidas para a classe, como também propostas detrabalho a serem desenvolvidas pelos alunos. É importante a escolha de produções de arte quepossibilitem um diálogo entre os alunos a partir do que as obras provocam neles; se uma obramostra, por exemplo, um casal de namorados, pode trazer à tona a concepção que têm de umhomem e uma mulher, possibilitando que sua aprendizagem inclua as dimensões culturais, afetivase sociais da sexualidade. Cria-se um espaço onde os alunos possam formular questões, dentro desua experiência pessoal, em conversa com a experiência do artista, ressignificando valorestransmitidos pelo processo de socialização no que diz respeito a esse tema.

As obras de arte podem também contribuir para ampliar as dimensões da compreensão dosalunos sobre a sexualidade humana, quando documentam ações de homens e mulheres emdiferentes momentos da história e em culturas diversas: no intercruzamento do tema PluralidadeCultural com o de Orientação Sexual, outra vez os alunos podem transitar pelas diferenças, o quecontribui para o aprofundamento de conceitos e a formação da opinião particular de cada um.

Uma outra dimensão que faz parte das manifestações artísticas é a expressão das característicasdo ambiente em que foram produzidas.

O ponto de partida do professor, focalizando genericamente a relação dos seres vivos comseu meio, tal como se expressa nas manifestações artísticas, abre perspectivas para a escolha depropostas para produção e apreciação de obras artísticas nas quais:

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• haja elementos para uma reflexão sobre ambientes naturais e construídos,urbanos e rurais, físicos e sociais;

• esses elementos permitam uma discussão sobre a harmonia e o equilíbrionecessários para a preservação da vida no planeta;

• seja possível reconhecer modos como as manifestações artísticas intervêmno ambiente natural;

• seja possível observar espaços, formas, sons, cores, movimentos, gestos,relacionados ao ambiente em que foram produzidos: em cidades do suldo Brasil as casas são réplicas de construções européias; os povosnômades e os esquimós produzem um tipo de arte que resulta tambémdas condições do seu ambiente.

Trabalho por projetos

Uma das modalidades de orientação didática em Arte é o trabalho por projetos. Cada equipede trabalho pode eleger projetos a serem desenvolvidos em caráter interdisciplinar, ou mesmoreferentes a apenas uma das formas artísticas (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro).

O projeto tem um desenvolvimento muito particular, pois envolve o trabalho com muitosconteúdos e organiza-se em torno de uma produção determinada.

Um projeto caracteriza-se por ser uma proposta que favorece a aprendizagem significativa, pois aestrutura de funcionamento dos projetos cria muita motivação nos alunos e oportunidade de trabalho comautonomia.

Em um projeto, professores e alunos elegem os produtos a serem realizados que se relacionamaos conteúdos e objetivos de cada ciclo. Os professores planejam situações de aprendizagem parao grupo, seguindo alguns critérios:

• eleição de projetos em conjunto com os alunos;

• participação ativa dos alunos em pesquisas e produções de referenciaisao longo do projeto em formas de registro que todos possam compartilhar;

• práticas de simulação de ações em sala de aula que criam correspondênciacom situações sociais de aplicação dos temas abordados, por exemplo,dar um seminário como se fosse um crítico de arte, opinar sobre umapeça apresentada como se estivesse falando para uma emissora de TVem programa de notícias culturais;

• eleição de projetos relacionados aos conteúdos trabalhados, com oobjetivo de estruturar um produto concreto, como um livro de arte, umfilme, a apresentação de um grupo de música.

Os projetos também são muito adequados para que se abordem as formas artísticas que nãoforam eleitas no currículo daquele ciclo.

Um cuidado a ser tomado nos trabalhos por projetos é não deixar que seu desenvolvimentoocupe todas as aulas de um semestre; deve-se circunscrever seu espaço nos planejamentos, pois

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projetos lidam com conteúdos variados e não permitem o trabalho aprofundado com todos osconteúdos necessários a serem abordados em cada grau de escolaridade.

Na prática, os projetos podem envolver ações entre disciplinas, como, por exemplo, LínguaPortuguesa e Arte, ou Matemática e Arte e assim por diante. Os conteúdos dos temas transversaistambém são favoráveis para o trabalho com projetos em Arte.

O ensino fundamental permite que as áreas se incorporem umas às outras e o aluno possa sero principal agente das relações entre as diversas disciplinas, se os educadores estiverem abertospara as relações que eles fazem por si. Os projetos devem buscar nexos na seleção dos conteúdospor série, enquanto as relações entre os distintos conhecimentos são realizadas pelo aluno. Cabe àescola dar-lhe essa oportunidade de liberdade e de autonomia cognitiva.

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FICHA TÉCNICA

CoordenaçãoAna Rosa Abreu, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria Tereza Perez Soares, Neide Nogueira.

ElaboraçãoAloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Ana Rosa Abreu, Antonia Terra, Célia M. CarolinoPires, Circe Bittencourt, Cláudia R. Aratangy, Flávia I. Schilling, Karen Muller, Kátia L. Bräkling,Marcelo Barros da Silva, Maria Amábile Mansutti, Maria Cecília Condeixa, Maria Cristina RibeiroPereira, Maria F. R. Fusari, Maria Heloisa C.T. Ferraz, Maria Isabel I. Soncini, Maria TerezaPerez Soares, Marina Valadão, Neide Nogueira, Paulo Eduardo Dias de Melo, Regina Machado,Ricardo Breim, Rosaura A. Soligo, Rosa Iavelberg, Rosely Fischmann, Silvia M. Pompéia, SueliA. Furlan, Telma Weisz, Thereza C. H. Cury, Yara Sayão, Yves de La Taille.

ConsultoriaCésar CollDélia Lerner de Zunino

A ssessoriaAdilson O. Citelli, Alice Pierson, Ana M. Espinosa, Ana Teberosky, Artur Gomes de Morais,Guaraciaba Micheletti, Helena H. Nagamine Brandão, Hermelino M. Neder, Iveta M. B. ÁvilaFernandes, Jean Hébrard, João Batista Freire, João C. Palma, José Carlos Libâneo, Ligia Chiappini,Lino de Macedo, Lúcia L. Browne Rego, Luis Carlos Menezes, Osvaldo Luiz Ferraz, Yves de LaTaille e os 700 pareceristas - professores de universidades e especialistas de todo o País, quecontribuíram com críticas e sugestões valiosas para o enriquecimento dos PCN.

Projeto gráficoVitor Nozek

Revisão e CopydeskCecilia Shizue Fujita dos Reis e Lilian Jenkino.

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AGRADECIMENTOS

Alberto Tassinari, Ana Mae Barbosa, Anna Maria Lamberti, Andréa Daher, Antônio José Lopes,Aparecida Maria Gama Andrade, Barjas Negri, Beatriz Cardoso, Carlos Roberto Jamil Curi, CelmaCerrano, Cristina F. B. Cabral, Elba de Sá Barreto, Eunice Durham, Heloisa Margarido Salles,Hércules Abrão de Araújo, Jocimar Daolio, Lais Helena Malaco, Lídia Aratangy, Márcia da SilvaFerreira, Maria Cecília Cortez C. de Souza, Maria Helena Guimarães de Castro, Marta RosaAmoroso, Mauro Betti, Paulo Machado, Paulo Portella Filho, Rosana Paulillo, Sheila AparecidaPereira dos Santos Silva, Sonia Carbonel, Sueli Teixeira Mello, Théa Standerski, Vera Helena S.Grellet, Volmir Matos, Yolanda Vianna, Câmara do Ensino Básico do CNE, CNTE, CONSED eUNDIME.

A poioPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

Projeto BRA 95/014

O rgan ização das N ações U n idas para a E d u cação , a C iênc ia e a C ult u ra UNESCO

Fundo Nacional do Desenvolvimento da EducaçãoFNDE

EDUCAÇÃO FÍSICAEDUCAÇÃO FÍSICA

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

Secretaria de Educação FundamentalI ara Glória A reias Prado

Departamento de Política da Educação FundamentalV irgínia Zélia de A zevedo Rebeis F arha

Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação FundamentalM aria I nês L aranjeira

PA RÂ M ET ROS CU RRI CU L A RES N A CI ON A I S (1ª A 4ª SÉRI E)

Volume 1 - I ntrodução aos Parâmetros Curriculares N acionaisVolume 2 - L íngua PortuguesaVolume 3 - M atemáticaVolume 4 - Ciências N aturaisVolume 5 - H istória e GeografiaVolume 6 - A rteVolume 7 - Educação F ísicaVolume 8 - A presentação dos T emas T ransversais e ÉticaVolume 9 - M eio A mbiente e SaúdeVolume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual

B823p Brasil. Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros curriculares nacionais : Educação física /

Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília :MEC/SEF, 1997.

96p.

1. Parâmetros curriculares nacionais. 2. Educaçãofísica : Ensino de primeira à quarta série. I. Título.

CDU: 371.214

Brasília1997

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTOSECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

EDUCAÇÃO FÍSICAEDUCAÇÃO FÍSICA

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

AO PROFESSOR

É com alegria que colocamos em suas mãos os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes àsquatro primeiras séries da Educação Fundamental.

Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazercom que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamentereconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade.

Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursosculturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto os domínios do sabertradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas com o meio am-biente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidadedo ser humano e à solidariedade.

Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação e do Desporto, ao consolidar os Parâmetros,é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Para fazer chegar os Parâmetros à sua casa um longo caminho foi percorrido. Muitos participaramdessa jornada, orgulhosos e honrados de poder contribuir para a melhoria da qualidade do EnsinoFundamental. Esta soma de esforços permitiu que eles fossem produzidos no contexto das discussões peda-gógicas mais atuais. Foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu trabalho, respeitando asua concepção pedagógica própria e a pluralidade cultural brasileira. Note que eles são abertos e flexíveis,podendo ser adaptados à realidade de cada região.

Estamos certos de que os Parâmetros serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicas emsua escola, na elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a práticaeducativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles, estar contribuindo para a suaatualização profissional — um direito seu e, afinal, um dever do Estado.

Paulo Renato Souza

Ministro da Educação e do Desporto

OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTA L

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamental que osalunos sejam capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim comoexercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, nodia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferen-tes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitose de tomar decisões coletivas;

• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noçãode identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classesocial, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuaise sociais;

• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamentepara a melhoria do meio ambiente;

• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento deconfiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética,de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverançana busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitossaudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindocom responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plásticae corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias,interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos eprivados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;

• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicospara adquirir e construir conhecimentos;

• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, acapacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificandosua adequação.

ESTRUTURADOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Os quadrinhos não-sombreados correspondem aos itens que serão trabalhados nos

Parâmetros Curriculares Nacionais de quinta a oitava série.

SUMÁRIO

Apresentação i .......................................................................................................... 15

1ª PARTE

Caracterização da área de Educação Física i ........................................................ 19

Histórico ................................................................................................................. 19

Educação Física: concepção e importância social .............................................. 25

A Educação Física como cultura corporal ...................................................... 26

Cultura corporal e cidadania ........................................................................... 28

Aprender e ensinar Educação Física no ensino fundam ental i .............................. 33

Automatismos e atenção ...................................................................................... 34

Afetividade e estilo pessoal .................................................................................... 37

Portadores de deficiências físicas .......................................................................... 40

Objetivos gerais de Educação Física para o ensino f undamental i ........................ 43

Os conteúdos de Educação Física no ensino fundament a l i ...................... 45

Critérios de seleção e organização dos conteúdos .............................................. 45

Blocos de conteúdos ............................................................................................. 46

Conhecimentos sobre o corpo ........................................................................ 46

Esportes, jogos, lutas e ginásticas ..................................................................... 48

Atividades rítmicas e expressivas ...................................................................... 51

Critérios de Avaliação i ............................................................................................. 55

2ª PARTE

Primeiro c ic lo i ......................................................................................................... 59

Ensino e aprendizagem de Educação Física no primeiro ciclo ............................. 59

Objetivos de Educação Física para o primeiro ciclo ............................................. 63

Conteúdos de Educação Física para o primeiro ciclo .......................................... 63

Critérios de avaliação de Educação Física para o primeiro ciclo ......................... 67

Segundo ciclo i ......................................................................................................... 69

Ensino e aprendizagem de Educação Física no segundo ciclo ............................ 69

Objetivos de Educação Física para o segundo ciclo ............................................ 71

Conteúdos de Educação Física para o segundo ciclo ......................................... 72

Critérios de avaliação de Educação Física para o segundo ciclo ........................ 76

Orientações didáticas i .............................................................................................. 79

Introdução ............................................................................................................. 79

Orientações gerais ................................................................................................ 82

Organização social das atividades e atenção à diversidade .......................... 82

Diferenças entre meninos e meninas ............................................................... 83

Competição & competência .......................................................................... 84

Problematização das regras ............................................................................ 85Uso do espaço................................................................................................. 86

Conhecimentos prévios ................................................................................... 87

Apreciação/crítica ........................................................................................... 88

Bibliografia ................................................................................................................. 91

EDUCAÇÃO FÍSICAEDUCAÇÃO FÍSICA

14

15

APRESENTAÇÃO

Para boa parte das pessoas que freqüentaram a escola, a lembrança das aulas de EducaçãoFísica é marcante: para alguns, uma experiência prazerosa, de sucesso, de muitas vitórias; paraoutros, uma memória amarga, de sensação de incompetência, de falta de jeito, de medo de errar...

O documento de Educação Física traz uma proposta que procura democratizar, humanizar ediversificar a prática pedagógica da área, buscando ampliar, de uma visão apenas biológica, para umtrabalho que incorpore as dimensões afetivas, cognitivas e socioculturais dos alunos. Incorpora, deforma organizada, as principais questões que o professor deve considerar no desenvolvimento deseu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e as avaliações da prática da EducaçãoFísica nas escolas.

A primeira parte do documento descreve a trajetória da disciplina através do tempo, localizandoas principais influências históricas e tendências pedagógicas, e desenvolve a concepção que se temda área, situando-a como produção cultural. A seguir, aponta suas contribuições para a formação dacidadania, discutindo a natureza e as especificidades do processo de ensino e aprendizagem eexpondo os objetivos gerais para o ensino fundamental.

A segunda parte aborda o trabalho das primeiras quatro séries, indicando objetivos, conteúdose critérios de avaliação. Os conteúdos estão organizados em blocos inter-relacionados e foramexplicitados como possíveis enfoques da ação do professor e não como atividades isoladas. Essaparte contempla, também, aspectos didáticos gerais e específicos da prática pedagógica em EducaçãoFísica que podem auxiliar o professor nas questões do cotidiano das salas de aula e servem comoponto de partida para discussões.

O trabalho de Educação Física nas séries iniciais do ensino fundamental é importante, poispossibilita aos alunos terem, desde cedo, a oportunidade de desenvolver habilidades corporais e departicipar de atividades culturais, como jogos, esportes, lutas, ginásticas e danças, com finalidadesde lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções.

Secretaria de Educação F undamental

EDUCAÇÃO FÍSICAEDUCAÇÃO FÍSICA

1ª PARTE

18

19

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREADE EDUCAÇÃO FÍSICA

Histórico

Para que se compreenda o momento atual da Educação Física é necessário considerar suas origens

no contexto brasileiro, abordando as principais influências que marcam e caracterizam esta disciplina e os

novos rumos que estão se delineando.

No século passado, a Educação Física esteve estreitamente vinculada às instituições militares e à

classe médica. Esses vínculos foram determinantes, tanto no que diz respeito à concepção da disciplina e

suas finalidades quanto ao seu campo de atuação e à forma de ser ensinada.

Visando melhorar a condição de vida, muitos médicos assumiram uma função higienista e buscaram

modificar os hábitos de saúde e higiene da população. A Educação Física, então, favoreceria a educação do

corpo, tendo como meta a constituição de um físico saudável e equilibrado organicamente, menos suscetível

às doenças. Além disso havia no pensamento político e intelectual brasileiro da época uma forte preocupa-

ção com a eugenia1 . Como o contingente de escravos negros era muito grande, havia o temor de uma

“mistura” que “desqualificasse” a raça branca. Dessa forma, a educação sexual associada à Educação

Física deveriam incutir nos homens e mulheres a responsabilidade de manter a “pureza” e a “qualidade” da

raça branca.

Embora a elite imperial estivesse de acordo com os pressupostos higiênicos, eugênicos e físicos,havia uma forte resistência na realização de atividades físicas por conta da associação entre o trabalhofísico e o trabalho escravo. Qualquer ocupação que implicasse esforço físico era vista com maus olhos,considerada “menor”. Essa atitude dificultava que se tornasse obrigatória a prática de atividadesfísicas nas escolas.

Dentro dessa conjuntura, as instituições militares sofreram influência da filosofia positivista,o que favoreceu que tais instituições também pregassem a educação do físico. Almejando a ordeme o progresso, era de fundamental importância formar indivíduos fortes e saudáveis, que pudessemdefender a pátria e seus ideais.

No ano de 1851 foi feita a Reforma Couto Ferraz, a qual tornou obrigatória a Educação Física nasescolas do município da Corte. De modo geral houve grande contrariedade por parte dos pais em ver seusfilhos envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual. Em relação aos meninos, a tolerância eraum pouco maior, já que a idéia de ginástica associava-se às instituições militares; mas, em relação àsmeninas, houve pais que proibiram a participação de suas filhas.

Em 1882, Rui Barbosa deu seu parecer sobre o Projeto 224 — Reforma Leôncio de Carvalho,Decreto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública —, no qual defendeu a inclusão da ginásticanas escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Nesse parecer, eledestacou e explicitou sua idéia sobre a importância de se ter um corpo saudável para sustentar a atividadeintelectual.

No início deste século, a Educação Física, ainda sob o nome de ginástica, foi incluída noscurrículos dos Estados da Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo.

1. A eugenia é uma ação que visa o melhoramento genético da raça humana, utilizando-se para tanto de esterilização de deficientes, examespré-nupciais e proibição de casamentos consangüíneos.

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Nessa mesma época a educação brasileira sofria uma forte influência do movimento escola-novista,que evidenciou a importância da Educação Física no desenvolvimento integral do ser humano.Essa conjuntura possibilitou que profissionais da educação na III Conferência Nacional de Educação,em 1929, discutissem os métodos, as práticas e os problemas relativos ao ensino da EducaçãoFísica.

A Educação Física que se ensinava nesse período era baseada nos métodos europeus — osueco, o alemão e, posteriormente, o francês —, que se firmavam em princípios biológicos. Faziamparte de um movimento mais amplo, de natureza cultural, política e científica, conhecido como

Movimento Ginástico Europeu, e foi a primeira sistematização científica da Educação Física noOcidente.

Na década de 30, no Brasil, dentro de um contexto histórico e político mundial, com a ascensãodas ideologias nazistas e fascistas, ganham força novamente as idéias que associam a eugenizaçãoda raça à Educação Física. O exército passou a ser a principal instituição a comandar um movimento

em prol do “ideal” da Educação Física que se mesclava aos objetivos patrióticos e de preparaçãopré-militar. O discurso eugênico logo cedeu lugar aos objetivos higiênicos e de prevenção de doenças,estes sim, passíveis de serem trabalhados dentro de um contexto educacional.

A finalidade higiênica foi duradoura, pois instituições militares, religiosas, educadores da“escola nova” e Estado compartilhavam de muitos de seus pressupostos.

Mas a inclusão da Educação Física nos currículos não havia garantido a sua implementação

prática, principalmente nas escolas primárias. Embora a legislação visasse tal inclusão, a falta derecursos humanos capacitados para o trabalho com Educação Física escolar era muito grande.

Apenas em 1937, na elaboração da Constituição, é que se fez a primeira referência explícitaà Educação Física em textos constitucionais federais, incluindo-a no currículo como prática educativa

obrigatória (e não como disciplina curricular), junto com o ensino cívico e os trabalhos manuais, emtodas as escolas brasileiras. Também havia um artigo naquela Constituição que citava o adestramentofísico como maneira de preparar a juventude para a defesa da nação e para o cumprimento dosdeveres com a economia.

Os anos 30 tiveram ainda por característica uma mudança conjuntural bastante significativa

no país: o processo de industrialização e urbanização e o estabelecimento do Estado Novo. Nessecontexto, a Educação Física ganhou novas atribuições: fortalecer o trabalhador, melhorando suacapacidade produtiva, e desenvolver o espírito de cooperação em benefício da coletividade.

Do final do Estado Novo até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de1961, houve um amplo debate sobre o sistema de ensino brasileiro. Nessa lei ficou determinada aobrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio. A partir daí, o esporte passoua ocupar cada vez mais espaço nas aulas de Educação Física. O processo de esportivização daEducação Física escolar iniciou com a introdução do Método Desportivo Generalizado, quesignificou uma contraposição aos antigos métodos de ginástica tradicional e uma tentativa deincorporar esporte, que já era uma instituição bastante independente, adequando-o a objetivos epráticas pedagógicas.

Após 1964, a educação, de modo geral, sofreu as influências da tendência tecnicista. O ensinoera visto como uma maneira de se formar mão-de-obra qualificada. Era a época da difusão doscursos técnicos profissionalizantes. Nesse quadro, em 1968, com a Lei n. 5.540, e, em 1971, com a5.692, a Educação Física teve seu caráter instrumental reforçado: era considerada uma atividadeprática, voltada para o desempenho técnico e físico do aluno.

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Na década de 70, a Educação Física ganhou, mais uma vez, funções importantes para amanutenção da ordem e do progresso. O governo militar investiu na Educação Física em função dediretrizes pautadas no nacionalismo, na integração nacional (entre os Estados) e na segurançanacional, tanto na formação de um exército composto por uma juventude forte e saudável como natentativa de desmobilização das forças políticas oposicionistas. As atividades esportivas tambémforam consideradas como fatores que poderiam colaborar na melhoria da força de trabalho para o“milagre econômico brasileiro”. Nesse período estreitaram-se os vínculos entre esporte enacionalismo. Um bom exemplo é o uso que se fez da campanha da seleção brasileira de futebol,na Copa do Mundo de 1970.

Em relação ao âmbito escolar, a partir do Decreto n. 69.450, de 1971, considerou-se a EducaçãoFísica como “a atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora forçasfísicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando”. A falta de especificidade do decretomanteve a ênfase na aptidão física, tanto na organização das atividades como no seu controle eavaliação. A iniciação esportiva, a partir da quinta série, tornou-se um dos eixos fundamentais deensino; buscava-se a descoberta de novos talentos que pudessem participar de competições inter-nacionais, representando a pátria. Nesse período, o chamado “modelo piramidal” norteou asdiretrizes políticas para a Educação Física: a Educação Física escolar, a melhoria da aptidão físicada população urbana e o empreendimento da iniciativa privada na organização desportiva para acomunidade comporiam o desporto de massa que se desenvolveria, tornando-se um desporto deelite, com a seleção de indivíduos aptos para competir dentro e fora do país.

Na década de 80 os efeitos desse modelo começaram a ser sentidos e contestados: o Brasilnão se tornou uma nação olímpica e a competição esportiva da elite não aumentou o número depraticantes de atividades físicas. Iniciou-se então uma profunda crise de identidade nos pressupos-tos e no próprio discurso da Educação Física, que originou uma mudança significativa nas políticaseducacionais: a Educação Física escolar, que estava voltada principalmente para a escolaridade dequinta a oitava séries do primeiro grau, passou a priorizar o segmento de primeira a quarta e tambéma pré-escola. O enfoque passou a ser o desenvolvimento psicomotor do aluno, tirando da escola afunção de promover os esportes de alto rendimento.

O campo de debates se fertilizou e as primeiras produções surgiram apontando o rumo dasnovas tendências da Educação Física. A criação dos primeiros cursos de pós-graduação em EducaçãoFísica, o retorno de professores doutorados fora do Brasil, as publicações de um número maior delivros e revistas, bem como o aumento do número de congressos e outros eventos dessa naturezaforam fatores que também contribuíram para esse debate.

As relações entre Educação Física e sociedade passaram a ser discutidas sob a influência dasteorias críticas da educação: questionou-se seu papel e sua dimensão política. Ocorreu então umamudança de enfoque, tanto no que dizia respeito à natureza da área quanto no que se referia aos seusobjetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. No primeiro aspecto,se ampliou a visão de uma área biológica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas,sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. No segundo, seabarcaram objetivos educacionais mais amplos (não apenas voltados para a formação de um físico quepudesse sustentar a atividade intelectual), conteúdos diversificados (não só exercícios e esportes) epressupostos pedagógicos mais humanos (e não apenas adestramento).

Atualmente se concebe a existência de algumas abordagens para a Educação Física escolarno Brasil que resultam da articulação de diferentes teorias psicológicas, sociológicas e concepçõesfilosóficas. Todas essas correntes têm ampliado os campos de ação e reflexão para a área e a

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aproximado das ciências humanas, e, embora contenham enfoques científicos diferenciados entresi, com pontos muitas vezes divergentes, têm em comum a busca de uma Educação Física quearticule as múltiplas dimensões do ser humano.

Nas escolas, embora já seja reconhecida como uma área essencial, a Educação Física ainda étratada como “marginal”, que pode, por exemplo, ter seu horário “empurrado” para fora do períodoque os alunos estão na escola ou alocada em horários convenientes para outras áreas e não deacordo com as necessidades de suas especificidades (algumas aulas, por exemplo, são no últimohorário da manhã, quando o sol está a pino). Outra situação em que essa “marginalidade” semanifesta é no momento de planejamento, discussão e avaliação do trabalho, no qual raramente aEducação Física é integrada. Muitas vezes o professor acaba por se convencer da “pequenaimportância” de seu trabalho, distanciando-se da equipe pedagógica, trabalhando isoladamente.Paradoxalmente, esse professor é uma referência importante para seus alunos, pois a EducaçãoFísica propicia uma experiência de aprendizagem peculiar ao mobilizar os aspectos afetivos, sociais, éticos ede sexualidade de forma intensa e explícita, o que faz com que o professor de Educação Física tenha umconhecimento abrangente de seus alunos. Levando essas questões em conta e considerando a importânciada própria área, evidencia-se cada vez mais, a necessidade de integração.

A Lei de Diretrizes e Bases promulgada em 20 de dezembro de 1996 busca transformar ocaráter que a Educação Física assumiu nos últimos anos ao explicitar no art. 26, § 3o, que “a EducaçãoFísica, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da Educação Básica,ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursosnoturnos”. Dessa forma, a Educação Física deve ser exercida em toda a escolaridade de primeira aoitava séries, não somente de quinta a oitava séries, como era anteriormente.

A consideração à particularidade da população de cada escola e a integração ao projetopedagógico evidenciaram a preocupação em tornar a Educação Física uma área não-marginalizada.

Educação Física: concepçãoe importância social

O trabalho na área da Educação Física tem seus fundamentos nas concepções de corpo emovimento. Ou, dito de outro modo, a natureza do trabalho desenvolvido nessa área tem íntimarelação com a compreensão que se tem desses dois conceitos.

Por suas origens militares e médicas e por seu atrelamento quase servil aos mecanismos demanutenção do status quo vigente na história brasileira, tanto a prática como a reflexão teórica nocampo da Educação Física restringiram os conceitos de corpo e movimento — fundamentos de seutrabalho — aos seus aspectos fisiológicos e técnicos.

Atualmente, a análise crítica e a busca de superação dessa concepção apontam a necessidadede que, além daqueles, se considere também as dimensões cultural, social, política e afetiva,presentes no corpo vivo, isto é, no corpo das pessoas, que interagem e se movimentam comosujeitos sociais e como cidadãos.

Buscando uma compreensão que melhor contemple a complexidade da questão, a propostados Parâmetros Curriculares Nacionais adotou a distinção entre organismo — um sistemaestritamente fisiológico — e corpo — que se relaciona dentro de um contexto sociocultural2 — eaborda os conteúdos da Educação Física como expressão de produções culturais, como

2. Ver documento de Orientação Sexual.

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conhecimentos historicamente acumulados e socialmente transmitidos. Portanto, a presenteproposta entende a Educação Física como uma cultura corporal.

A ED U CA ÇÃ O F Í SI CA COM O CU L T U RA CORPORA L

O ser humano, desde suas origens, produziu cultura. Sua história é uma história de cultura,na medida em que tudo o que faz está inserido num contexto cultural, produzindo e reproduzindocultura. O conceito de cultura é aqui entendido como produto da sociedade, da coletividade à qualos indivíduos pertencem, antecedendo-os e transcendendo-os.

“É preciso considerar que não se trata, aqui, do sentido mais usual do termo cultura,empregado para definir certo saber, ilustração, refinamento de maneiras. No sentido antropológicodo termo, afirma-se que todo e qualquer indivíduo nasce no contexto de uma cultura, não existehomem sem cultura, mesmo que não saiba ler, escrever e fazer contas. É como se se pudessedizer que o homem é biologicamente incompleto: não sobreviveria sozinho sem a participação daspessoas e do grupo que o gerou.

A cultura é o conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis pelo grupo: neles o indivíduo éformado desde o momento da sua concepção; nesses mesmos códigos, durante a sua infância,aprende os valores do grupo; por eles é mais tarde introduzido nas obrigações da vida adulta, damaneira como cada grupo social as concebe”3.

A fragilidade de recursos biológicos fez com que os seres humanos buscassem suprir asinsuficiências com criações que tornassem os movimentos mais eficazes, seja por razões “militares”,relativas ao domínio e uso de espaço, seja por razões econômicas, que dizem respeito às tecnologiasde caça, pesca e agricultura, seja por razões religiosas, que tangem aos rituais e festas ou porrazões apenas lúdicas. Derivaram daí inúmeros conhecimentos e representações que setransformaram ao longo do tempo, tendo ressignificadas as suas intencionalidades e formas deexpressão, e constituem o que se pode chamar de cultura corporal.

Dentre as produções dessa cultura corporal, algumas foram incorporadas pela EducaçãoFísica em seus conteúdos: o jogo, o esporte, a dança, a ginástica e a luta. Estes têm em comum arepresentação corporal, com características lúdicas, de diversas culturas humanas; todos elesressignificam a cultura corporal humana e o fazem utilizando uma atitude lúdica.

A Educação Física tem uma história de pelo menos um século e meio no mundo ocidentalmoderno, possui uma tradição e um saber-fazer e tem buscado a formulação de um recorteepistemológico próprio.

Assim, a área de Educação Física hoje contempla múltiplos conhecimentos produzidos eusufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento. Entre eles, se consideramfundamentais as atividades culturais de movimento com finalidades de lazer, expressão de senti-mentos, afetos e emoções, e com possibilidades de promoção, recuperação e manutenção dasaúde.

Trata-se, então, de localizar em cada uma dessas manifestações (jogo, esporte, dança,ginástica e luta) seus benefícios fisiológicos e psicológicos e suas possibilidades de utilizaçãocomo instrumentos de comunicação, expressão, lazer e cultura, e formular a partir daí as propostaspara a Educação Física escolar.

3. Trecho do documento Pluralidade Cultural.

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A Educação Física escolar pode sistematizar situações de ensino e aprendizagem que garantamaos alunos o acesso a conhecimentos práticos e conceituais. Para isso é necessário mudar a ênfasena aptidão física e no rendimento padronizado4 que caracterizava a Educação Física, para umaconcepção mais abrangente, que contemple todas as dimensões envolvidas em cada prática corporal.É fundamental também que se faça uma clara distinção entre os objetivos da Educação Físicaescolar e os objetivos do esporte, da dança, da ginástica e da luta profissionais, pois, embora sejauma referência, o profissionalismo não pode ser a meta almejada pela escola. A Educação Físicaescolar deve dar oportunidades a todos os alunos para que desenvolvam suas potencialidades, deforma democrática e não seletiva, visando seu aprimoramento como seres humanos. Nesse sentido,cabe assinalar que os alunos portadores de deficiências físicas não podem ser privados das aulas deEducação Física5.

Independentemente de qual seja o conteúdo escolhido, os processos de ensino eaprendizagem devem considerar as características dos alunos em todas as suas dimensões (cognitiva,corporal, afetiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social). Sobre o jogo da amare-linha, o voleibol ou uma dança, o aluno deve aprender, para além das técnicas de execução, adiscutir regras e estratégias, apreciá-los criticamente, analisá-los esteticamente, avaliá-loseticamente, ressignificá-los e recriá-los.

É tarefa da Educação Física escolar, portanto, garantir o acesso dos alunos às práticas da culturacorporal, contribuir para a construção de um estilo pessoal6 de exercê-las e oferecer instrumentos para quesejam capazes de apreciá-las criticamente.

CULTURA CORPORAL E CIDADANIA

A concepção de cultura corporal amplia a contribuição da Educação Física escolar para o plenoexercício da cidadania, na medida em que, tomando seus conteúdos e as capacidades que se propõe adesenvolver como produtos socioculturais, afirma como direito de todos o acesso a eles. Além disso adotauma perspectiva metodológica de ensino e aprendizagem que busca o desenvolvimento da autonomia, acooperação, a participação social e a afirmação de valores e princípios democráticos. O trabalho de EducaçãoFísica abre espaço para que se aprofundem discussões importantes sobre aspectos éticos e sociais, algunsdos quais merecem destaque.

A Educação Física permite que se vivenciem diferentes práticas corporais advindas das mais diversasmanifestações culturais e se enxergue como essa variada combinação de influências está presente na vidacotidiana7 . As danças, esportes, lutas, jogos e ginásticas compõem um vasto patrimônio cultural que deveser valorizado, conhecido e desfrutado. Além disso, esse conhecimento contribui para a adoção de umapostura não-preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e expressões dos diferentes gruposétnicos e sociais e às pessoas que dele fazem parte.

A prática da Educação Física na escola poderá favorecer a autonomia dos alunos para monitorar aspróprias atividades, regulando o esforço, traçando metas, conhecendo as potencialidades e limitações esabendo distinguir situações de trabalho corporal que podem ser prejudiciais.

6. Esse conceito está desenvolvido no item “Afetividade e estilo pessoal” deste documento.7. Entende-se por “vida cotidiana” tudo aquilo que existe no entorno dos indivíduos, que está presente materialmente no ambiente em queconvivem: produtos culturais como escrita, números, hábitos sociais, objetos de uso, emprego de conhecimentos científicos; ou tudo aquiloque chega até os indivíduos pelos meios de comunicação: transmissões culturais, técnicas, saberes e mentalidades, provenientes de tempose espaços diferentes.

4. Tradicionalmente, a “aptidão física” é um conjunto de capacidades, tais como força, resistência e velocidade, que o indivíduodeveria ter para estar apto a praticar atividades físicas. O “rendimento padronizado” diz respeito às metas de desempenho corporalque todos os alunos, independentemente de suas características, deveriam atingir.5. O trabalho de Educação Física para portadores de deficiências está desenvolvido no item “Portadores de deficiências físicas” destedocumento.

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A possibilidade de vivência de situações de socialização e de desfrute de atividades lúdicas,sem caráter utilitário, são essenciais para a saúde8 e contribuem para o bem-estar coletivo. Sabe-se, por exemplo, que a mortalidade por doenças cardiovasculares vem aumentando e entre osprincipais fatores de risco estão a vida sedentária e o estresse.

O lazer e a disponibilidade de espaços para atividades lúdicas e esportivas são necessidadesbásicas e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que os esportes e as demaisatividades corporais não devem ser privilégio apenas dos esportistas ou das pessoas em condiçõesde pagar por academias e clubes. Dar valor a essas atividades e reivindicar o acesso a elas paratodos é um posicionamento que pode ser adotado a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulasde Educação Física.

Os conhecimentos sobre o corpo, seu processo de crescimento e desenvolvimento, que sãoconstruídos concomitantemente com o desenvolvimento de práticas corporais, ao mesmo tempoque dão subsídios para o cultivo de bons hábitos de alimentação, higiene e atividade corporal epara o desenvolvimento das potencialidades corporais do indivíduo, permitem compreendê-loscomo direitos humanos fundamentais.

A formação de hábitos de autocuidado e de construção de relações interpessoais colaborampara que a dimensão da sexualidade seja integrada de maneira prazerosa e segura.

No que tange à questão do gênero, as aulas mistas de Educação Física podem dar oportunidadepara que meninos e meninas convivam, observem-se, descubram-se e possam aprender a sertolerantes, a não discriminar e a compreender as diferenças, de forma a não reproduzirestereotipadamente relações sociais autoritárias.

No âmbito da Educação Física, os conhecimentos construídos devem possibilitar a análisecrítica dos valores sociais, tais como os padrões de beleza e saúde, que se tornaram dominantes nasociedade, seu papel como instrumento de exclusão e discriminação social e a atuação dos meiosde comunicação em produzi-los, transmiti-los e impô-los; uma discussão sobre a ética do esporteprofissional, sobre a discriminação sexual e racial que existe nele, entre outras coisas, pode favorecera consideração da estética do ponto de vista do bem-estar, as posturas não-consumistas, não-preconceituosas, não-discriminatórias e a consciência dos valores coerentes com a ética democrática.

Nos jogos, ao interagirem com os adversários, os alunos podem desenvolver o respeito mútuo,buscando participar de forma leal e não violenta. Confrontar-se com o resultado de um jogo e coma presença de um árbitro permitem a vivência e o desenvolvimento da capacidade de julgamentode justiça (e de injustiça). Principalmente nos jogos, em que é fundamental que se trabalhe emequipe, a solidariedade pode ser exercida e valorizada. Em relação à postura diante do adversáriopodem-se desenvolver atitudes de solidariedade e dignidade, nos momentos em que, por exemplo,quem ganha é capaz de não provocar e não humilhar, e quem perde pode reconhecer a vitória dosoutros sem se sentir humilhado.

Viver os papéis tanto de praticante quanto de espectador e tentar compreender, por exemplo,por que ocorrem brigas nos estádios que podem levar à morte de torcedores favorece a construçãode uma atitude de repúdio à violência.

Em determinadas realidades, o consumo de álcool, fumo ou outras drogas já ocorre em idademuito precoce. A aquisição de hábitos saudáveis, a conscientização de sua importância, bem comoa efetiva possibilidade de estar integrado socialmente (o que pode ocorrer mediante a participação

8. Esse conceito está plenamente desenvolvido no documento de Saúde.

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em atividades lúdicas e esportivas), são fatores que podem ir contra o consumo de drogas. Quandoo indivíduo preza sua saúde e está integrado a um grupo de referência com o qual compartilhaatividades socioculturais e cujos valores não estimulam o consumo de drogas, terá mais recursospara evitar esse risco.

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APRENDER E ENSINAR EDUCAÇÃO FÍSICANO ENSINO FUNDAMENTAL

Embora numa aula de Educação Física os aspectos corporais sejam mais evidentes, maisfacilmente observáveis, e a aprendizagem esteja vinculada à experiência prática, o aluno precisaser considerado como um todo no qual aspectos cognitivos, afetivos e corporais estão inter-relaci-onados em todas as situações.

Não basta a repetição de gestos estereotipados, com vistas a automatizá-los e reproduzi-los.É necessário que o aluno se aproprie do processo de construção de conhecimentos relativos aocorpo e ao movimento e construa uma possibilidade autônoma de utilização de seu potencial gestual.

O processo de ensino e aprendizagem em Educação Física, portanto, não se restringe aosimples exercício de certas habilidades e destrezas, mas sim de capacitar o indivíduo a refletirsobre suas possibilidades corporais e, com autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmentesignificativa e adequada.

Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e estilos pessoais dentrode linguagens e contextos sociais, pois um mesmo gesto adquire significados diferentes conformea intenção de quem o realiza e a situação em que isso ocorre. Por exemplo, o chutar é diferente nofutebol, na capoeira, na dança e na defesa pessoal, na medida em que é utilizado com intençõesdiferenciadas e em contextos específicos; é dentro deles que a habilidade de chutar deve serapreendida e exercitada. É necessário que o indivíduo conheça a natureza e as características decada situação de ação corporal, como são socialmente construídas e valorizadas, para que possaorganizar e utilizar sua motricidade na expressão de sentimentos e emoções de forma adequada esignificativa. Dentro de uma mesma linguagem corporal, um jogo desportivo, por exemplo, énecessário saber discernir o caráter mais competitivo ou recreativo de cada situação, conhecer oseu histórico, compreender minimamente regras e estratégias e saber adaptá-las. Por isso, éfundamental a participação em atividades de caráter recreativo, cooperativo, competitivo, entreoutros, para aprender a diferenciá-las.

Aprender a movimentar-se implica planejar, experimentar, avaliar, optar entre alternativas,coordenar ações do corpo com objetos no tempo e no espaço, interagir com outras pessoas, enfim,uma série de procedimentos cognitivos que devem ser favorecidos e considerados no processo deensino e aprendizagem na área de Educação Física. E embora a ação e a compreensão sejam umprocesso indissociável, em muitos casos, a ação se processa em frações de segundo, parecendoimperceptível, ao próprio sujeito, que houve processamento mental. É fundamental que as situaçõesde ensino e aprendizagem incluam instrumentos de registro, reflexão e discussão sobre as experi-ências corporais, estratégicas e grupais que as práticas da cultura corporal oferecem ao aluno.

Automatismos e atenção

No ser humano, constata-se uma tendência para a automatização do controle na execução demovimentos, desde os mais básicos e simples até os mais sofisticados. Esse processo se constrói a partir daquantidade e da qualidade do exercício dos diversos esquemas motores e da atenção nessas execuções.Quanto mais uma criança tiver a oportunidade de saltar, girar ou dançar, mais esses movimentos tendem aser realizados de forma automática. Menos atenção é necessária no controle de sua execução e essa demandaatencional pode dirigir-se para o aperfeiçoamento desses mesmos movimentos e no enfrentamento de outrosdesafios. Essa tendência para a automatização é favorável aos processos de aprendizagem das

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práticas da cultura corporal desde que compreendida como uma função dinâmica, mutável, comoparte integrante e não como meta do processo de aprendizagem.

Por exemplo, quanto mais automatizados estiverem os gestos de digitar um texto, mais oautor pode se concentrar no assunto que está escrevendo. No basquetebol, se o aluno já conseguebater a bola com alguma segurança, sem precisar olhá-la o tempo todo, pode olhar para os seuscompanheiros de jogo, situar-se melhor no espaço, planejar algumas ações e isso o torna um jogadormelhor, mais eficiente, capaz de adaptar-se a uma variedade maior de situações.

No entanto, a repetição pura e simples, realizada de forma mecânica e desatenta, além de ser

desagradável, pode resultar num automatismo estereotipado. Dessa forma, em cada situação, é necessário

que o professor analise quais dos gestos envolvidos já podem ser realizados automaticamente sem prejuízo de

qualidade, e quais solicitam a atenção do aluno no controle de sua execução. A intervenção do professor se

dá a fim de criar situações em que os automatismos sejam insuficientes para a realização dos movimentos e

a atenção seja necessária para o seu aperfeiçoamento.

A quantidade de execuções justifica-se pela necessidade de alimentar funcionalmente os

mecanismos de controle dos movimentos, e se num primeiro momento é necessário um esforço

adaptativo para que a criança consiga executar um determinado movimento ou coordenar uma

seqüência deles, em seguida essa realização pode ser exercida e repetida, por prazer funcional, de

manutenção e de aperfeiçoamento. Além disso, os efeitos fisiológicos decorrentes do exercício,

como a melhora da condição cardiorrespiratória e o aumento da massa muscular, são partes do

processo da aprendizagem de esquemas motores, e não apenas um aspecto a ser trabalhado

isoladamente.

Em relação à atenção, estão envolvidos complexos processos de ajuste neuromuscular e de

equilíbrio, regulações de tônus muscular, interpretação de informações perceptivas, que são postos

em ação sempre que os automatismos já construídos forem insuficientes para a execução de

determinado movimento ou seqüência deles.

O processo de ensino e aprendizagem deve, portanto, contemplar essas duas variáveis

simultaneamente, permitindo que o aluno possa executar cada movimento ou conjunto de

movimentos o maior número de vezes e criando solicitações adequadas para que essa realização

ocorra da forma mais atenta possível.

Tome-se como exemplo um jogo de amarelinha. Quando uma criança depara pela primeira

vez com esse jogo, em princípio já dispõe de alguns esquemas motores solicitados, ou seja, saltar e

aterrissar sobre um ou dois pés e equilibrar-se sobre um dos pés são conhecimentos prévios e sua

execução já ocorre de forma mais ou menos automática. No entanto, a coordenação desses

movimentos nas circunstâncias espaciais propostas pela amarelinha constitui um problema a ser

resolvido, e esse problema solicita toda a atenção da criança durante as execuções iniciais. Com a

prática atenta, e à medida que as execuções ocorrerem de forma cada vez mais satisfatória e eficiente,

a criança será capaz de realizá-las de forma cada vez mais automática. Nesse momento, uma proposta

de jogar amarelinha em duplas, com as casas mais distantes umas das outras, ou até de olhos vendados,

constitui um problema a ser resolvido que “chama a atenção” do aluno para a reorganização de

gestos que já estavam sendo realizados de forma automática.

As situações lúdicas, competitivas ou não, são contextos favoráveis de aprendizagem, pois

permitem o exercício de uma ampla gama de movimentos que solicitam a atenção do aluno na

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tentativa de executá-los de forma satisfatória e adequada. Elas incluem, simultaneamente, a possi-

bilidade de repetição para manutenção e por prazer funcional e a oportunidade de ter diferentes

problemas a resolver. Além disso, pelo fato de o jogo constituir um momento de interação social

bastante significativo, as questões de sociabilidade constituem motivação suficiente para que o

interesse pela atividade seja mantido.

Nesse sentido, uma atividade só se tornará desinteressante para a criança quando não

representar mais nenhum problema a ser resolvido, nenhuma possibilidade de prazer funcional

pela repetição e nenhuma motivação relacionada à interação social.

A interação e a complementaridade permanente entre a atenção e o automatismo no controle

da execução de movimentos poderiam ser ilustradas pela imagem de uma pessoa andando de

bicicleta. Na roda de trás e nos pedais flui uma dinâmica repetitiva, de caráter automático e cons-

tante, responsável pela manutenção do movimento e da impulsão. No guidão e na roda da frente

predomina um estado de atenção, um alerta consciente que opta, decide, direciona, estabelece

desafios e metas, resolve problemas de trajetória, enfim, que dá sentido à força pulsional e cons-

tante que o pedalar representa.

Afetividade e estilo pessoal

Neste item pretende-se refletir de que forma os afetos, sentimentos e sensações do alunointeragem com a aprendizagem das práticas da cultura corporal e, ao mesmo tempo, de que maneiraa aprendizagem dessas práticas contribui para a construção de um estilo pessoal de atuação erelação interpessoal dentro desses contextos.

Alguns fatores serão considerados para essa reflexão: os riscos de segurança física, o grau deexcitação somática, as características individuais e vivências anteriores do aluno (como vivencia asatisfação e a frustração de seus desejos de aprendizagem) e a exposição do indivíduo num contextosocial.

A aprendizagem em Educação Física envolve alguns riscos do ponto de vista físico inerentesao próprio ato de se movimentar, como, por exemplo, nas situações em que o equilíbrio corporal ésolicitado, a possibilidade de desequilíbrio estará inevitavelmente presente. Dessa forma, mesmoconsiderando que escorregões, pequenas trombadas, quedas, impacto de bolas e cordas não possamser evitados por completo, cabe ao professor a tarefa de organizar as situações de ensino eaprendizagem, de forma a minimizar esses pequenos incidentes. O receio ou a vergonha do alunoem correr riscos de segurança física é motivo suficiente para que ele se negue a participar de umaatividade, e em hipótese alguma o aluno deve ser obrigado ou constrangido a realizar qualqueratividade. As propostas devem desafiar e não ameaçar o aluno, e como essa medida varia de pessoapara pessoa, a organização das atividades tem que contemplar individualmente esse aspecto relativoà segurança física.

Uma outra característica da maioria das situações de prática corporal é o grau elevado deexcitação somática que o próprio movimento produz no corpo, particularmente em danças, lutas,jogos e brincadeiras. A elevação de batimentos cardíacos e de tônus muscular, a expectativa deprazer e satisfação, e a possibilidade de gritar e comemorar, configuram um contexto em quesentimentos de raiva, medo, vergonha, alegria e tristeza, entre outros, são vividos e expressos demaneira intensa. Os tênues limites entre o controle e o descontrole dessas emoções são postos àprova, vivenciados corporalmente e numa intensidade que, em muitos casos, pode ser inédita para

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o aluno. A expressão desses sentimentos por meio de manifestações verbais, de riso, de choro ou deagressividade deve ser reconhecida como objeto de ensino e aprendizagem, para que possa serpautada pelo respeito por si e pelo outro.

As características individuais e as vivências anteriores do aluno ao deparar com cada situaçãoconstituem o ponto de partida para o processo de ensino e aprendizagem das práticas da culturacorporal. As formas de compreender e relacionar-se com o próprio corpo, com o espaço e os obje-tos, com os outros, a presença de deficiências físicas e perceptivas, configuram um aluno real e nãovirtual, um indivíduo com características próprias, que pode ter mais facilidade para aprender umaou outra coisa, ter medo disso ou vergonha daquilo ou ainda julgar-se capaz de realizar algo que, narealidade, ainda não é.

Deparar com suas potencialidades e limitações para buscar desenvolvê-las é parte integrantedo processo de aprendizagem das práticas da cultura corporal e envolve sempre um certo risco parao aluno, pois o êxito gera um sentimento de satisfação e competência, mas experiências sucessivasde fracasso e frustração acabam por gerar uma sensação de impotência que, num limite extremo,inviabiliza a aprendizagem.

O êxito e o fracasso devem ser dimensionados tendo como referência os avanços realizadospelo aluno em relação ao seu próprio processo de aprendizagem e não por uma expectativa dedesempenho predeterminada.

Por isso, as situações de ensino e aprendizagem contemplam as possibilidades de o alunoarriscar, vacilar, decidir, simular e errar, sem que isso implique algum tipo de humilhação ouconstrangimento. A valorização no investimento que o indivíduo faz contribui para a construção deuma postura positiva em relação à pesquisa corporal, mesmo porque, a rigor, não existe um gestocerto ou errado e sim um gesto mais ou menos adequado para cada contexto.

No âmbito das práticas coletivas da cultura corporal com fins de expressão de emoções,sentimentos e sensações, as relações de afetividade se configuram, em muitos casos, a partir deregras e valores peculiares a determinado contexto estabelecido pelo grupo de participantes. Assim,é a partir do fato de uma atividade se revestir de um caráter competitivo ou recreativo, se a eficiênciaou a plasticidade estética serão valorizadas, ou se as regras serão mais ou menos flexíveis, que serãodeterminadas as relações de inclusão e exclusão do indivíduo no grupo. Na escola, portanto, quemdeve determinar o caráter de cada dinâmica coletiva é o professor, a fim de viabilizar a inclusão detodos os alunos. Esse é um dos aspectos que diferencia a prática corporal dentro e fora da escola.

Gradualmente, ao longo do processo de aprendizagem, a criança concebe as práticas culturaisde movimento como instrumentos para o conhecimento e a expressão de sensações, sentimentos eemoções individuais nas relações com o outro.

Em paralelo com a construção de uma melhor coordenação corporal ocorre uma construçãode natureza mais sutil, de caráter mais subjetivo, que diz respeito ao estilo pessoal de se movimentardentro das práticas corporais cultivadas socialmente.

Essas práticas corporais permitem ao indivíduo experimentar e expressar um conjunto decaracterísticas de sua personalidade, de seu estilo pessoal de jogar, lutar, dançar e brincar. Maisainda, de sua maneira pessoal de aprender a jogar, a lutar, a dançar e a brincar. Pode-se falar emestilo agressivo, irreverente, obstinado, elegante, cerebral, ousado e retraído, entre outros. Nessaspráticas o aluno explicita para si mesmo e para o outro como é, como se imagina ser, como gostariade ser e, portanto, conhece e se permite conhecer pelo outro.

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Quanto mais domínio sobre os próprios movimentos o indivíduo conquistar, quanto maisconhecimentos construir sobre a especificidade gestual de determinada modalidade esportiva, dedança ou de luta que exerce, mais pode se utilizar dessa mesma linguagem para expressar seussentimentos, suas emoções e o seu estilo pessoal de forma intencional e espontânea. Dito de outraforma, a aprendizagem das práticas da cultura corporal inclui a reconstrução dessa mesma técnicaou modalidade, pelo sujeito, por meio da criação de seu estilo pessoal de exercê-las, nas quais aespontaneidade deve ser vista como uma construção e não apenas como a ausência de inibições.

Portadores de deficiências físicas

Por desconhecimento, receio ou mesmo preconceito, a maioria dos portadores de deficiênciasfísicas foram (e são) excluídos das aulas de Educação Física. A participação nessa aula pode trazermuitos benefícios a essas crianças, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento dascapacidades afetivas, de integração e inserção social.

É fundamental, entretanto, que alguns cuidados sejam tomados. Em primeiro lugar, deve-seanalisar o tipo de necessidade especial que esse aluno tem, pois existem diferentes tipos e grausde limitações, que requerem procedimentos específicos. Para que esses alunos possam freqüentaras aulas de Educação Física é necessário que haja orientação médica e, em alguns casos, a supervisãode um especialista em fisioterapia, um neurologista, psicomotricista ou psicólogo, pois as restri-ções de movimentos, posturas e esforço podem implicar riscos graves.

Garantidas as condições de segurança, o professor pode fazer adaptações, criar situações demodo a possibilitar a participação dos alunos especiais. Uma criança na cadeira de rodas podeparticipar de uma corrida se for empurrada por outra e, mesmo que não desenvolva os músculos ouaumente a capacidade cardiovascular, estará sentindo as emoções de uma corrida. Num jogo defutebol, a criança que não deve fazer muito esforço físico pode ficar um tempo no gol, fazer papelde técnico, de árbitro ou mesmo torcer. A aula não precisa se estruturar em função desses alunos,mas o professor pode ser flexível, fazendo as adequações necessárias.

Outro ponto importante é em relação a situações de vergonha e exposição nas aulas deEducação Física. A maioria das pessoas portadoras de deficiências tem traços fisionômicos, alteraçõesmorfológicas ou problemas de coordenação que as destacam das demais. A atitude dos alunosdiante dessas diferenças é algo que se construirá na convivência e dependerá muito da atitude queo professor adotar. É possível integrar essa criança ao grupo, respeitando suas limitações, e, aomesmo tempo, dar oportunidade para que desenvolva suas potencialidades.

A aula de Educação Física pode favorecer a construção de uma atitude digna e de respeitopróprio por parte do deficiente e a convivência com ele pode possibilitar a construção de atitudesde solidariedade, de respeito, de aceitação, sem preconceitos.

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OBJETIVOS GERAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICANO ENSINO FUNDAMENTAL

Espera-se que ao final do ensino fundamental os alunos sejam capazes de:

• participar de atividades corporais, estabelecendo relações equilibradas econstrutivas com os outros, reconhecendo e respeitando características físicase de desempenho de si próprio e dos outros, sem discriminar por característicaspessoais, físicas, sexuais ou sociais;

• adotar atitudes de respeito mútuo, dignidade e solidariedade em situações lúdicase esportivas, repudiando qualquer espécie de violência;

• conhecer, valorizar, respeitar e desfrutar da pluralidade de manifesta-ções de cultura corporal do Brasil e do mundo, percebendo-as comorecurso valioso para a integração entre pessoas e entre diferentes grupossociais;

• reconhecer-se como elemento integrante do ambiente, adotando hábitos saudáveisde higiene, alimentação e atividades corporais, relacionando-os com os efeitossobre a própria saúde e de recuperação, manutenção e melhoria da saúdecoletiva;

• solucionar problemas de ordem corporal em diferentes contextos,regulando e dosando o esforço em um nível compatível com as possibi-lidades, considerando que o aperfeiçoamento e o desenvolvimento dascompetências corporais decorrem de perseverança e regularidade edevem ocorrer de modo saudável e equilibrado;

• reconhecer condições de trabalho que comprometam os processos decrescimento e desenvolvimento, não as aceitando para si nem para os outros,reivindicando condições de vida dignas;

• conhecer a diversidade de padrões de saúde, beleza e estética corporalque existem nos diferentes grupos sociais, compreendendo sua inserçãodentro da cultura em que são produzidos, analisando criticamente os pa-drões divulgados pela mídia e evitando o consumismo e o preconceito;

• conhecer, organizar e interferir no espaço de forma autônoma, bem comoreivindicar locais adequados para promover atividades corporais de lazer,reconhecendo-as como uma necessidade básica do ser humano e um direito docidadão.

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OS CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NOENSINO FUNDAMENTAL

Critérios de seleção e organizaçãodos conteúdos

Com a preocupação de garantir a coerência com a concepção exposta e de efetivar os objetivos,foram eleitos os seguintes critérios para a seleção dos conteúdos propostos:

• Relevância socialForam selecionadas práticas da cultura corporal que têm presençamarcante na sociedade brasileira, cuja aprendizagem favorece a amplia-ção das capacidades de interação sociocultural, o usufruto das possibili-dades de lazer, a promoção e a manutenção da saúde pessoal e coletiva.

Considerou-se também de fundamental importância que os conteúdos da área contemplemas demandas sociais apresentadas pelos Temas Transversais.

• Características dos alunosA definição dos conteúdos buscou guardar uma amplitude que possibilitea consideração das diferenças entre regiões, cidades e localidadesbrasileiras e suas respectivas populações. Além disso tomou-se tambémcomo referencial a necessidade de considerar o crescimento e aspossibilidades de aprendizagem dos alunos nesta etapa da escolaridade.

• Características da própria áreaOs conteúdos são um recorte possível da enorme gama de conhecimentosque vêm sendo produzidos sobre a cultura corporal e estão incorporadospela Educação Física.

Blocos de conteúdos

Os conteúdos estão organizados em três blocos, que deverão ser desenvolvidos ao longo detodo o ensino fundamental, embora no presente documento sejam especificados apenas os conteúdosdos dois primeiros ciclos.

Essa organização tem a função de evidenciar quais são os objetos de ensino e aprendizagemque estão sendo priorizados, servindo como subsídio ao trabalho do professor, que deverá distribuiros conteúdos a serem trabalhados de maneira equilibrada e adequada. Assim, não se trata de umaestrutura estática ou inflexível, mas sim de uma forma de organizar o conjunto de conhecimentosabordado, segundo os diferentes enfoques que podem ser dados:

Esportes, jogos, lutas e ginásticas Atividades rítmicas e expressivas

Conhecimentos sobre o corpo

Os três blocos articulam-se entre si, têm vários conteúdos em comum, mas guardamespecificidades. O bloco “Conhecimentos sobre o corpo” tem conteúdos que estão incluídos nos

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demais, mas que também podem ser abordados e tratados em separado. Os outros dois guardamcaracterísticas próprias e mais específicas, mas também têm interseções e fazem articulações entresi.

CON H ECI M EN T OS SOBRE O CORPO

Este bloco diz respeito aos conhecimentos e conquistas individuais que subsidiam as práticascorporais expressas nos outros dois blocos e dão recursos para o indivíduo gerenciar sua atividadecorporal de forma autônoma. O corpo é compreendido como um organismo integrado e não comoum amontoado de “partes” e “aparelhos”, como um corpo vivo, que interage com o meio físico ecultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc. Para se conhecer o corpo abordam-se os conhe-cimentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dosprogramas de atividade física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realizaçãoque regulem as próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer. São tratadosde maneira simplificada, abordando-se apenas os conhecimentos básicos. No ciclo final daescolaridade obrigatória, podem ser ampliados e aprofundados. É importante ressaltar que osconteúdos deste bloco estão contextualizados nas atividades corporais desenvolvidas.

Os conhecimentos de anatomia referem-se principalmente à estrutura muscular e óssea esão abordados sob o enfoque da percepção do próprio corpo, sentindo e compreendendo, porexemplo, os ossos e os músculos envolvidos nos diferentes movimentos e posições, em situaçõesde relaxamento e tensão.

Os conhecimentos de fisiologia são aqueles básicos para compreender as alterações queocorrem durante as atividades físicas (freqüência cardíaca, queima de calorias, perda de água e saisminerais) e aquelas que ocorrem a longo prazo (melhora da condição cardiorrespiratória, aumentoda massa muscular, da força e da flexibilidade e diminuição de tecido adiposo).

A bioquímica abordará conteúdos que subsidiam a fisiologia: alguns processos metabólicosde produção de energia, eliminação e reposição de nutrientes básicos. Os conhecimentos debiomecânica são relacionados à anatomia e contemplam, principalmente, a adequação dos hábitosposturais, como, por exemplo, levantar um peso e equilibrar objetos.

Estes conteúdos são abordados principalmente a partir da percepção do próprio corpo, isto é,o aluno deverá, por meio de suas sensações, analisar e compreender as alterações que ocorrem emseu corpo durante e depois de fazer atividades. Poderão ser feitas análises sobre alterações a curto,médio ou longo prazos. Também sob a ótica da percepção do próprio corpo, os alunos poderãoanalisar seus movimentos no tempo e no espaço: como são seus deslocamentos, qual é a velocidadede seus movimentos, etc.

As habilidades motoras deverão ser aprendidas durante toda a escolaridade, do ponto devista prático, e deverão sempre estar contextualizadas nos conteúdos dos outros blocos. Do pontode vista teórico, podem ser observadas e apreciadas principalmente dentro dos esportes, jogos,lutas e danças.

Também fazem parte deste bloco os conhecimentos sobre os hábitos posturais e atitudescorporais. A ênfase deste item está na relação entre as possibilidades e as necessidades biomecânicase a construção sociocultural da atitude corporal, dos gestos, da postura. Por que, por exemplo, osorientais sentam-se no chão, com as costas eretas? Por que as lavadeiras de um determinado lugarlavam a roupa de uma maneira? Por que muitas pessoas do interior sentam-se de cócoras? Observar,analisar, compreender essas atitudes corporais são atividades que podem ser desenvolvidasjuntamente com projetos de História, Geografia e Pluralidade Cultural.

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Além da análise dos diferentes hábitos, pode-se incluir a questão da postura dos alunos emclasse: as posturas mais adequadas para fazer determinadas tarefas, para diferentes situações e porquê.

ESPORT ES, JOGOS, L U T A S E GI N Á ST I CA S

Tentar definir critérios para delimitar cada uma destas práticas corporais é tarefa arriscada,pois as sutis interseções, semelhanças e diferenças entre uma e outra estão vinculadas ao contextoem que são exercidas. Existem inúmeras tentativas de circunscrever conceitualmente cada umadelas, a partir de diferentes pressupostos teóricos, mas até hoje não existe consenso.

As delimitações utilizadas no presente documento têm o intuito de tornar viável ao professore à escola operacionalizar e sistematizar os conteúdos de forma mais abrangente, diversificada earticulada possível.

Assim, consideram-se esporte as práticas em que são adotadas regras de caráter oficial ecompetitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que regulamentam aatuação amadora e a profissional. Envolvem condições espaciais e de equipamentos sofisticadoscomo campos, piscinas, bicicletas, pistas, ringues, ginásios, etc. A divulgação pela mídia favorecea sua apreciação por um diverso contingente de grupos sociais e culturais. Por exemplo, os JogosOlímpicos, a Copa do Mundo de Futebol ou determinadas lutas de boxe profissional são vistos ediscutidos por um grande número de apreciadores e torcedores.

Os jogos podem ter uma flexibilidade maior nas regulamentações, que são adaptadas emfunção das condições de espaço e material disponíveis, do número de participantes, entre outros.São exercidos com um caráter competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, co-memorativas, de confraternização ou ainda no cotidiano, como simples passatempo e diversão.Assim, incluem-se entre os jogos as brincadeiras regionais, os jogos de salão, de mesa, de tabuleiro,de rua e as brincadeiras infantis de modo geral.

As lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), mediante técnicas eestratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço nacombinação de ações de ataque e defesa. Caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fimde punir atitudes de violência e de deslealdade. Podem ser citados como exemplo de lutas desde asbrincadeiras de cabo-de-guerra e braço-de-ferro até as práticas mais complexas da capoeira, do judôe do caratê.

As ginásticas são técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um caráterindividualizado com finalidades diversas. Por exemplo, pode ser feita como preparação para outrasmodalidades, como relaxamento, para manutenção ou recuperação da saúde ou ainda de formarecreativa, competitiva e de convívio social. Envolvem ou não a utilização de materiais e aparelhos,podendo ocorrer em espaços fechados, ao ar livre e na água. Cabe ressaltar que são um conteúdoque tem uma relação privilegiada com “Conhecimentos sobre o corpo”, pois, nas atividadesginásticas, esses conhecimento se explicitam com bastante clareza. Atualmente, existem váriastécnicas de ginástica que trabalham o corpo de modo diferente das ginásticas tradicionais (deexercícios rígidos, mecânicos e repetitivos), visando a percepção do próprio corpo: ter consciênciada respiração, perceber relaxamento e tensão dos músculos, sentir as articulações da coluna vertebral.

Uma prática pode ser vivida ou classificada em função do contexto em que ocorre e dasintenções de seus praticantes. Por exemplo, o futebol pode ser praticado como um esporte, deforma competitiva, considerando as regras oficiais que são estabelecidas internacionalmente (que

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incluem as dimensões do campo, o número de participantes, o diâmetro e peso da bola, entreoutros aspectos), com platéia, técnicos e árbitros. Pode ser considerado um jogo, quando ocorre napraia, ao final da tarde, com times compostos na hora, sem árbitro, nem torcida, com fins puramenterecreativos. Pode ser vivido também como uma luta, quando os times são compostos por meninosde ruas vizinhas e rivais, ou numa final de campeonato, por exemplo, entre times cuja rivalidade éhistórica. Em muitos casos, esses aspectos podem estar presentes simultaneamente.

Os esportes são sempre notícia nos meios de comunicação e dentro da escola; portanto,podem fazer parte do conteúdo, principalmente nos dois primeiros ciclos, se for abordado sob oenfoque da apreciação e da discussão de aspectos técnicos, táticos e estéticos. Nos ciclos posteriores,existem contextos mais específicos (como torneios e campeonatos) que possibilitam que os alunosvivenciem uma situação mais caracterizada como esporte.

Incluem-se neste bloco as informações históricas das origens e características dos esportes,jogos, lutas e ginásticas, valorização e apreciação dessas práticas.

A gama de esportes, jogos, lutas e ginásticas existentes no Brasil é imensa. Cada região, cadacidade, cada escola tem uma realidade e uma conjuntura que possibilitam a prática de uma parceladessa gama. A lista a seguir contempla uma parcela de possibilidades e pode ser ampliada ou reduzida:

• jogos pré-desportivos: queimada, pique-bandeira, guerra das bolas, jogospré-desportivos do futebol (gol-a-gol, controle, chute-em-gol-rebatida-drible, bobinho, dois toques);

• jogos populares: bocha, malha, taco, boliche;

• brincadeiras: amarelinha, pular corda, elástico, bambolê, bolinha de gude,pião, pipas, lenço-atrás, corre-cutia, esconde-esconde, pega-pega, coelho-sai-da-toca, duro-ou-mole, agacha-agacha, mãe-da-rua, carrinhos derolimã, cabo-de-guerra, etc.;

• atletismo: corridas de velocidade, de resistência, com obstáculos, derevezamento; saltos em distância, em altura, triplo, com vara; arremessosde peso, de martelo, de dardo e de disco;

• esportes coletivos: futebol de campo, futsal, basquete, vôlei, vôlei depraia, handebol, futvôlei, etc.;

• esportes com bastões e raquetes: beisebol, tênis de mesa, tênis de campo,pingue-pongue;

• esportes sobre rodas: hóquei, hóquei in-line, ciclismo;

• lutas: judô, capoeira, caratê;

• ginásticas: de manutenção de saúde (aeróbica e musculação); depreparação e aperfeiçoamento para a dança; de preparação e aperfeiço-amento para os esportes, jogos e lutas; olímpica e rítmica desportiva.

A T I V I D A D ES RÍ T M I CA S E EX PRESSI V A S

Este bloco de conteúdos inclui as manifestações da cultura corporal que têm comocaracterísticas comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e a presença deestímulos sonoros como referência para o movimento corporal. Trata-se das danças e brincadeirascantadas.

O enfoque aqui priorizado é complementar ao utilizado pelo bloco de conteúdo “Dança”,que faz parte do documento de Arte. O professor encontrará, naquele documento, mais subsídios

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para desenvolver um trabalho de dança, no que tange aos aspectos criativos e à concepção dadança como linguagem artística.

Num país em que pulsam o samba, o bumba-meu-boi, o maracatu, o frevo, o afoxé, a catira,o baião, o xote, o xaxado entre muitas outras manifestações, é surpreendente o fato de a EducaçãoFísica ter promovido apenas a prática de técnicas de ginástica e (eventualmente) danças européiase americanas. A diversidade cultural que caracteriza o país tem na dança uma de suas expressõesmais significativas, constituindo um amplo leque de possibilidades de aprendizagem.

Todas as culturas têm algum tipo de manifestação rítmica e/ou expressiva. No Brasil existeuma riqueza muito grande dessas manifestações. Danças trazidas pelos africanos na colonização,danças relativas aos mais diversos rituais, danças que os imigrantes trouxeram em sua bagagem,danças que foram aprendidas com os vizinhos de fronteira, danças que se vêem pela televisão. Asdanças foram e são criadas a todo tempo: inúmeras influências são incorporadas e as dançastransformam-se, multiplicam-se. Algumas preservaram suas características e pouco se transforma-ram com o passar do tempo, como os forrós que acontecem no interior de Minas Gerais, sob a luzde um lampião, ao som de uma sanfona. Outras, recebem múltiplas influências, incorporam-nas,transformando-as em novas manifestações, como os forrós do Nordeste, que incorporaram os ritmoscaribenhos, resultando na lambada.

Nas cidades existem danças como o funk, o rap, o hip-hop, as danças de salão, entre outras,que se caracterizam por acontecerem em festas, clubes, ou mesmo nas praças e ruas. Existemtambém as danças eruditas como a clássica, a contemporânea, a moderna e o jazz, que podem àsvezes ser apreciadas na televisão, em apresentações teatrais e são geralmente ensinadas em escolase academias. Nas cidades do Nordeste e Norte do país, existem danças e coreografias associadas àsmanifestações musicais, como a timbalada ou o olodum, por exemplo.

A presença de imigrantes no país também trouxe uma gama significativa de danças das maisdiversas culturas. Quando houver acesso a elas, é importante conhecê-las, situá-las, entender o querepresentam e o que significam para os imigrantes que as praticam.

Existem casos de danças que estão desaparecendo, pois não há quem as dance, quem conheçasuas origens e significados. Conhecê-las, por intermédio das pessoas mais velhas da comunidade,valorizá-las e revitalizá-las é algo possível de ser feito dentro deste bloco de conteúdos.

As lengalengas9 são geralmente conhecidas das meninas de todas as regiões do país.Caracterizam-se por combinar gestos simples, ritmados e expressivos que acompanham uma músicacanônica. As brincadeiras de roda e as cirandas também são uma boa fonte para atividades rítmicas.

Os conteúdos deste bloco são amplos, diversificados e podem variar muito de acordo com olocal em que a escola estiver inserida. Sem dúvida alguma, resgatar as manifestações culturaistradicionais da coletividade, por intermédio principalmente das pessoas mais velhas é de funda-mental importância. A pesquisa sobre danças e brincadeiras cantadas de regiões distantes, comcaracterísticas diferentes das danças e brincadeiras locais, pode tornar o trabalho mais completo.

Por meio das danças e brincadeiras os alunos poderão conhecer as qualidades do movimentoexpressivo como leve/pesado, forte/fraco, rápido/lento, fluido/interrompido, intensidade, duração,direção, sendo capaz de analisá-los a partir destes referenciais; conhecer algumas técnicas de exe-cução de movimentos e utilizar-se delas; ser capazes de improvisar, de construir coreografias, e,por fim, de adotar atitudes de valorização e apreciação dessas manifestações expressivas.

9. Por exemplo: “Quando eu era nenê, quando eu era nenê, eu era assim, eu era assim; quando eu era criança, quando eu era criança, eu eraassim, eu era assim; quando eu era mocinha, quando eu era mocinha, eu era assim, eu era assim; quando eu era mamãe, quando eu era mamãe,eu era assim, eu era assim; quando eu era vovó, quando eu era vovó, eu era assim, eu era assim; quando eu era caveira, quando eu era caveira,eu era assim, eu era assim”.

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A lista a seguir é uma sugestão de danças e outras atividades rítmicas e/ou expressivas quepodem ser abordadas e deverão ser adaptadas a cada contexto:

• danças brasileiras: samba, baião, valsa, quadrilha, afoxé, catira, bumba-meu- boi, maracatu, xaxado, etc.;

• danças urbanas: rap, funk, break, pagode, danças de salão;

• danças eruditas: clássicas, modernas, contemporâneas, jazz;

• danças e coreografias associadas a manifestações musicais: blocos deafoxé, olodum, timbalada, trios elétricos, escolas de samba;

• lengalengas;

• brincadeiras de roda, cirandas;

• escravos-de-jó.

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CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃOEM EDUCAÇÃO FÍSICA

Os Parâmetros Curriculares Nacionais consideram que a avaliação deve ser algo útil, tantopara o aluno como para o professor, para que ambos possam dimensionar os avanços e as dificuldadesdentro do processo de ensino e aprendizagem e torná-lo cada vez mais produtivo.

Tradicionalmente, as avaliações dentro desta área se resumem a alguns testes de força,resistência e flexibilidade, medindo apenas a aptidão física do aluno. O campo de conhecimentocontemplado por esta proposta vai além dos aspectos biofisiológicos. Embora a aptidão possa serum dos aspectos a serem avaliados, deve estar contextualizada dentro dos conteúdos e objetivos,deve considerar que cada indivíduo é diferente, que tem motivações e possibilidades pessoais.Não se trata mais daquela avaliação padronizada que espera o mesmo resultado de todos. Issosignifica dizer que, por exemplo, se um dos objetivos é que o aluno conheça alguns dos seuslimites e possibilidades, a avaliação dos aspectos físicos estará relacionada a isso, de forma que oaluno possa compreender sua função imediata, o contexto a que ela se refere e, de posse dessainformação, traçar metas e melhorar o seu desempenho. Além disso, a aptidão física é um dosaspectos a serem considerados para que esse objetivo seja alcançado: o conhecimento de jogos,brincadeiras e outras atividades corporais, suas respectivas regras, estratégias e habilidades envol-vidas, o grau de independência para cuidar de si mesmo ou para organizar brincadeiras, a forma dese relacionar com os colegas, entre outros, são aspectos que permitem uma avaliação abrangentedo processo de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, os critérios explicitados para cada um dos ciclos de escolaridade têm por objetivoauxiliar o professor a avaliar seus alunos dentro desse processo, abarcando suas múltiplas dimensões.Também buscam explicitar os conteúdos fundamentais para que os alunos possam seguiraprendendo.

EDUCAÇÃO FÍSICAEDUCAÇÃO FÍSICA

2ª PARTE

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PRIMEIRO CICLO

Ensino e aprendizagem deEducação Física no primeiro ciclo

Ao ingressarem na escola, as crianças já têm uma série de conhecimentos sobre movimento, corpo e

cultura corporal, frutos de experiência pessoal, das vivências dentro do grupo social em que estão inseridas e

das informações veiculadas pelos meios de comunicação.

As diferentes competências com as quais as crianças chegam à escola são determinadas pelas

experiências corporais que tiveram oportunidade de vivenciar. Ou seja, se não puderam brincar, conviver

com outras crianças, explorar diversos espaços, provavelmente suas competências serão restritas. Por outro

lado, se as experiências anteriores foram variadas e freqüentes, a gama de movimentos e os conhecimentos

sobre jogos e brincadeiras serão mais amplos. Entretanto, tendo mais ou menos conhecimentos, vivido muitas

ou poucas situações de desafios corporais, para os alunos a escola configura-se como um espaço diferenciado,

onde terão que ressignificar seus movimentos e atribuir-lhes novos sentidos, além de realizar novas

aprendizagens.

Cabe à escola trabalhar com o repertório cultural local, partindo de experiências vividas, mas também

garantir o acesso a experiências que não teriam fora da escola. Essa diversidade de experiências precisa ser

considerada pelo professor quando organiza atividades, toma decisões sobre encaminhamentos individuais e

coletivos e avalia procurando ajustar sua prática às reais necessidades de aprendizagem dos alunos.

Nesse momento da escolaridade, os alunos têm grande necessidade de se movimentar e estão ainda se

adaptando à exigência de períodos mais longos de concentração em atividades escolares. Entretanto, afora o

horário de intervalo, a aula de Educação Física é, muitas vezes, a única situação em que têm essa oportunidade.

Tal peculiaridade freqüentemente gera uma situação ambivalente: por um lado, os alunos apreciam e anseiam

por esse horário; por outro, ficam em um nível de excitação tão alto que torna difícil o andamento da aula. Acapacidade dos alunos em se organizar é também objeto de ensino e aprendizagem; portanto, distribuir-se no

espaço, organizar-se em grupos, ouvir o professor, arrumar materiais, entre outras coisas, são procedimentosque devem ser trabalhados para favorecer o desenvolvimento dessa capacidade. Tomar todas as decisõespelos alunos ou deixá-los totalmente livre para resolver tudo, dificilmente contribuirá para a construção dessaautonomia.

Se for o professor polivalente quem ministra as aulas de Educação Física abre-se a possibilidade

de, além das aulas já planejadas na rotina semanal, programar atividades em momentos diferenciados,por exemplo, logo após alguma atividade que tenha exigido das crianças um grau muito grande deconcentração, de forma a balancear o tipo de demanda solicitada.

Mesmo sendo o professor quem faz as propostas e conduz o processo de ensino e aprendizagem,ele deve elaborar sua intervenção de modo que os alunos tenham escolhas a fazer, decisões a

tomar, problemas a resolver, assim os alunos podem tornar-se cada vez mais independentes eresponsáveis.

A maneira de brincar e jogar sofre uma profunda modificação no que diz respeito à questão dasociabilidade. Ocorre uma ampliação da capacidade de brincar: além dos jogos de caráter simbólico,

nos quais as fantasias e os interesses pessoais prevalecem, as crianças começam a praticar jogoscoletivos com regras, nos quais têm de se ajustar às restrições de movimentos e interesses pessoais.

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Essa restrição é a própria regra, que garante a viabilidade da interação de interesses pessoais numadinâmica coletiva. A possibilidade e a necessidade de jogar junto com os outros, em função do

movimento dos outros, passa pela compreensão das regras e um comprometimento com elas. Issoé algo que leva todo o primeiro ciclo para ser construído. Significa também que o professor devediscutir o sentido de tais regras, explicitando quais são suas implicações nos jogos e brincadeiras.

Nos casos em que houver desentendimentos, é importante lembrar como as regras foramestabelecidas e quais suas funções, tentando fazer com que as crianças cheguem a um acordo. Casoisso não ocorra, o professor pode assumir o papel de juiz, explicitando que essa é uma formasocialmente legítima de se atuar em competições, e então arbitrar uma decisão. É essencial que,em situações de conflito, as crianças tenham no adulto uma referência externa que garanta oencaminhamento de soluções.

No início da escolaridade, durante os jogos e brincadeiras os alunos se agrupam em apenasalguns espaços da quadra ou do campo. Isso fica claro quando, em alguns jogos coletivos, todos seaglutinam em torno da bola, inviabilizando a utilização estratégica e articulada do espaço. Com avivência de variadas situações em que tenham que resolver problemas relativos ao uso do espaço,a forma de atuação das crianças modifica-se paulatinamente e elas podem, então, construir uma boarepresentação mental de seus deslocamentos e posicionamentos10.

Todas as crianças sabem pelo menos uma brincadeira ou um jogo que envolva movimentos.Esse repertório de manifestações culturais pode vir de fontes como família, amigos, televisão,entre outros, e é algo que pode e deve ser compartilhado na escola. É fundamental que o aluno sesinta valorizado e acolhido em todos os momentos de sua escolaridade e, no ciclo inicial, em queseus vínculos com essa instituição estão se estabelecendo, o fato de poder trazer algo de seucotidiano, de sua experiência pessoal, favorece sua adaptação à nova situação.

Ao desafio apresentado, acrescenta-se que, principalmente no que diz respeito às habilidadesmotoras, os alunos devem vivenciar os movimentos numa multiplicidade de situações, de modoque construam um repertório amplo. A especialização mediante treinamento não é adequada paraa faixa etária que se presume para esta etapa da escolaridade, pois não é momento de restringir aspossibilidades dos alunos. Além disso, o contexto da aula de Educação Física deve poder contemplaras diferentes competências de todos os alunos, não apenas daqueles que têm mais facilidades paradeterminados desafios, de modo que todos possam desenvolver suas potencialidades. O trabalhocom as habilidades motoras e capacidades físicas deve estar contextualizado em situações signifi-cativas e não ser transformado em exercícios mecânicos e automatizados. Mais do que objetos deaprendizagem para os alunos, são um recurso para o professor poder olhar, analisar e criar intervençõesque auxiliem o desenvolvimento e a aprendizagem de seus alunos.

Nas aulas de Educação Física, as crianças estão muito expostas: nos jogos, brincadeiras,desafios corporais, entre outros, umas vêem o desempenho das outras e já são capazes de fazeralgumas avaliações sobre isso. Não leva muito tempo para que descubram quem são aqueles quetêm mais familiaridade com o manuseio de uma bola, quem é que corre mais ou é mais lento equem tem mais dificuldade em acertar um arremesso, por exemplo. Por isso, é fundamental que setome cuidado com as discriminações e estigmatizações que possam ocorrer. Se, no início de suaescolaridade, a criança é tachada de incompetente por ter algum tipo de dificuldade, é improvávelque supere suas limitações, que busque novos desafios e se torne mais competente. Nesse sentido,é função do professor dar oportunidade para que os alunos tenham uma variedade de atividades emque diferentes competências sejam exercidas e as diferenças individuais sejam valorizadas erespeitadas.

10. Outras referências sobre a noção de espaço estão desenvolvidas nos documentos de Matemática, de História e de Geografia.

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Um outro aspecto dessa mesma questão que merece destaque neste ciclo é a diferença entreas competências de meninos e meninas. Normalmente, por razões socioculturais, ao ingressar naescola, os meninos tiveram mais experiências corporais, principalmente no que se refere ao manuseiode bolas e em atividades que demandam força e velocidade. As meninas, por sua vez, tiveram maisexperiências, portanto têm mais competência, em atividades expressivas e naquelas que exigemmais equilíbrio, coordenação e ritmo. Tradicionalmente, a Educação Física valoriza as capacidadese habilidades envolvidas nos jogos, nas quais os meninos são mais competentes, e a defasagementre os dois sexos pode aumentar. Duas mudanças devem ocorrer para alterar esse quadro: primei-ro, às meninas devem ser dadas oportunidades de se apropriarem dessas competências em situaçõesem que não se sintam pressionadas, diminuídas, e tenham tempo para adquirir experiência; emsegundo lugar, com a incorporação das atividades rítmicas e expressivas às aulas de EducaçãoFísica, os meninos poderão também desenvolver novas competências.

Objetivos de Educação Física parao primeiro ciclo

Espera-se que ao final do primeiro ciclo os alunos sejam capazes de:

• participar de diferentes atividades corporais, procurando adotar umaatitude cooperativa e solidária, sem discriminar os colegas pelo desem-penho ou por razões sociais, físicas, sexuais ou culturais;

• conhecer algumas de suas possibilidades e limitações corporais de formaa poder estabelecer algumas metas pessoais (qualitativas e quantitati-vas);

• conhecer, valorizar, apreciar e desfrutar de algumas das diferentesmanifestações de cultura corporal presentes no cotidiano;

• organizar autonomamente alguns jogos, brincadeiras ou outras ativida-des corporais simples.

Conteúdos de Educação Físicapara o primeiro ciclo

No primeiro ciclo, em função da transição que se processa entre as brincadeiras de carátersimbólico e individual para as brincadeiras sociais e regradas, os jogos e as brincadeiras privilegiadosserão aqueles cujas regras forem mais simples. Jogos do tipo mãe-da-rua, esconde-esconde, pique-bandeira, entre muitos outros, permitem que a criança vivencie uma série de movimentos dentro

de certas delimitações. Um compromisso com as regras inclui a aprendizagem de movimentos

como, por exemplo, frear antes de uma linha, desviar de obstáculos ou arremessar uma bola a uma

determinada distância.

É característica marcante desse ciclo a diferenciação das experiências e competências de

movimento de meninos e meninas. Os conteúdos devem contemplar, portanto, atividades que

evidenciem essas competências de forma a promover uma troca entre os dois grupos. Atividades

lúdicas e competitivas, nas quais os meninos têm mais desenvoltura, como, por exemplo, os jogos

com bola, de corrida, força e agilidade, devem ser mescladas de forma equilibrada com atividades

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lúdicas e expressivas nas quais as meninas, genericamente, têm uma experiência maior; por exem-

plo, lengalengas, pequenas coreografias, jogos e brincadeiras que envolvam equilíbrio, ritmo e

coordenação.

Os jogos e atividades de ocupação de espaço devem ter lugar de destaque nos conteúdos,

pois permitem que se amplie as possibi- lidades de se posicionar melhor e de compreender os

próprios deslocamentos, construindo representações mentais mais acuradas do espaço. Também

nesse aspecto, a referência é o próprio corpo da criança e os desafios devem levar em conta essa

característica, apresentando situações que possam ser resolvidas individualmente, mesmo em ati-

vidades em grupo.

No plano especificamente motor, os conteúdos devem abordar a maior diversidade possível

de possibilidades, ou seja, correr, saltar, arremessar, receber, equilibrar objetos, equilibrar-se,

desequilibrar-se, pendurar-se, arrastar, rolar, escalar, quicar bolas, bater e re bater com diversas

partes do corpo e com objetos, nas mais diferentes situações.

Cabe ainda ressaltar que essas explorações e experiências devem ocorrer inclusive

individualmente. Equivale dizer que, no primeiro ciclo, é necessário que o aluno tenha acesso aos

objetos como bolas, cordas, elásticos, bastões, colchões, alvos, em situações não-competitivas,

que garantam espaço e tempo para o trabalho individual11 . A inclusão de atividades em circuitos

de obstáculos é favorável ao desenvolvimento de capacidades e habilidades individuais.

Ao longo do primeiro ciclo serão abordados uma série de conteúdos, nas dimensões

conceituais, procedimentais e atitudinais. Tais conteúdos são referentes aos blocos explanados no

item “Critérios de seleção e organização dos conteúdos” do presente documento, mas estão colo-

cados de maneira integrada, sem divisões. Explicita-se a seguir a lista daqueles a serem trabalhados

nesse ciclo que poderão ser retomados e aprofundados e/ou tornarem-se mais complexos nos ciclos

posteriores:

• participação em diversos jogos e lutas, respeitando as regras e não

discriminando os colegas;

• explicação e demonstração de brincadeiras aprendidas em contextos

extra-escolares;

• participação e apreciação de brincadeiras ensinadas pelos colegas;

• resolução de situações de conflito por meio do diálogo, com a ajuda do

professor;

• discussão das regras dos jogos;

• utilização de habilidades em situações de jogo e luta, tendo como

referência de avaliação o esforço pessoal;

• resolução de problemas corporais individualmente;

• avaliação do próprio desempenho e estabelecimento de metas com o

auxílio do professor;

11. Sabe-se que muitas das escolas brasileiras não têm recursos, o que pode limitar os materiais da aula de Educação Física. Entretanto,embora não seja o ideal, muitos deles podem ser adaptados ou criados aproveitando-se dos recursos que estiverem disponíveis na localidadeonde a escola estiver inserida.

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• participação em brincadeiras cantadas;

• criação de brincadeiras cantadas;

• acompanhamento de uma dada estrutura rítmica com diferentes partesdo corpo;

• apreciação e valorização de danças pertencentes à localidade;

• participação em danças simples ou adaptadas, pertencentes amanifestações populares, folclóricas ou de outro tipo que estejam pre-sentes no cotidiano;

• participação em atividades rítmicas e expressivas;

• utilização e recriação de circuitos;

• utilização de habilidades (correr, saltar, arremessar, rolar, bater, reba-ter, receber, amortecer, chutar, girar, etc.) durante os jogos, lutas, brin-cadeiras e danças;

• desenvolvimento das capacidades físicas durante os jogos, lutas,brincadeiras e danças;

• diferenciação das situações de esforço e repouso;

• reconhecimento de algumas das alterações provocadas pelo esforçofísico, tais como excesso de excitação, cansaço, elevação de batimentoscardíacos, mediante a percepção do próprio corpo.

Critérios de avaliação de EducaçãoFísica para o primeiro ciclo

• E nfrentar desafios corporais em diferentes contextos como circuitos, jogos ebrincadeiras

Pretende-se avaliar se o aluno demonstra segurança para experimentar, tentar e arriscar emsituações propostas em aula ou em situações cotidianas de aprendizagem corporal.

• Participar das atividades respeitando as regras e a organização

Pretende-se avaliar se o aluno participa adequadamente das atividades, respeitando as regras,a organização, com empenho em utilizar os movimentos adequados à atividade proposta.

• I nteragir com seus colegas sem estigmatizar ou discriminar por razões físicas, sociais,culturais ou de gênero

Pretende-se avaliar se o aluno reconhece e respeita as diferenças individuais e se participade atividades com seus colegas, auxiliando aqueles que têm mais dificuldade e aceitando ajudados que têm mais competência.

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SEGUNDO CICLO

Ensino e aprendizagem de EducaçãoFísica no segundo ciclo

No segundo ciclo é de se esperar que os alunos já tenham incorporado a rotina escolar, atuemcom maior independência e dominem uma série de conhecimentos. No que se refere à EducaçãoFísica, já têm uma gama de conhecimentos comum a todos, podem compreender as regras dosjogos com mais clareza e têm mais autonomia para se organizar. Desse modo, podem aprofundar etambém fazer uma abordagem mais complexa daquilo que sabem sobre os jogos, brincadeiras,esportes, lutas, danças e ginásticas.

Já devem ter consolidado um repertório de brincadeiras e jogos que deverá ser transformadoe ampliado. A possibilidade de compreensão das regras do jogo é maior, o que permite que percebamas funções que elas têm, de modo a sugerir alterações para tornar os jogos e brincadeiras maisdesafiantes. É comum nesse ciclo que as crianças comecem a organizar as atividades e brincadeirasvivenciadas nas aulas de Educação Física em horários de recreio e de entrada e saída da escola.

A compreensão das regras e a autonomia para a organização das atividades permitem aindaque os aspectos estratégicos dos jogos passem a fazer parte dos problemas a serem resolvidos pelogrupo e, nesse sentido, o professor pode interromper os jogos em determinados momentos,solicitando uma reflexão e uma conversa sobre qual estratégia mais adequada para cada situação,auxiliando assim para que novos aspectos tornem-se observáveis.

O grau de dificuldade e complexidade dos movimentos pode aumentar — um pouco maisespecíficos, com desafios que visem um desempenho mais próximo daquele requerido nas atividadescorporais socialmente construídas. Por exemplo, correr quicando uma bola de basquete, saltar earremessar em suspensão, receber em deslocamento, chutar uma bola de distâncias mais longas,etc.

Em relação à utilização do espaço e à organização das atividades, deve-se lançar mão dedivisões em pequenos grupos (por habilidade, afinidade pessoal, conhecimentos específicos, idades),

alternando-as com situações coletivas de toda a classe. Por exemplo: a quadra — ou o espaço

disponível — pode ser dividida em quatro partes, nas quais os subgrupos trabalhem com atividades

diferenciadas. Isso permite que os alunos tenham tempo de experimentar determinados movimentos,

treiná-los, perceber seus avanços e dificuldades, criar novos desafios para si mesmos, etc.

O conhecimento e o controle do corpo permite que comecem a monitorar seu desempenho,

adequando o grau de exigência e de dificuldade de algumas tarefas. Podem também, pela percepção

do próprio corpo, começar a compreender as relações entre a prática de atividades corporais, o

desenvolvimento das capacidades físicas e os benefícios que trazem à saúde.

Nessa etapa da escolaridade a apreciação das mais diversas manifestações da cultura corporal

pode ocorrer com a incorporação de mais aspectos e detalhes. Ao assisti-las, os alunos podem

apreciar a beleza, a estética, discutir o contexto de sua produção, avaliar algumas técnicas e

estratégias, observar os padrões de movimento, entre inúmeras outras possibilidades. Podem,

principalmente, aprender a contemplar essa diversidade e perceber as inúmeras opções que existem,

tanto para praticar como para apreciar.

A questão das discriminações e do preconceito deve abarcar dimensões mais amplas do que

as da própria classe. Ao se tratar das manifestações corporais das diversas culturas, deve-se salientar

a riqueza da diferença e a dimensão histórico-social de cada uma.

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Se tiver havido um trabalho para diminuir as diferenças entre as competências de meninos e

meninas no primeiro ciclo, o desempenho será quantitativamente mais semelhante. Nesse momento,

também, as crianças estão mais cientes das diferenças entre os sexos; portanto, há que se tomar

cuidado em relação às estereotipias, principalmente no que se refere aos tipos de movimento

tradicionalmente considerados.

Depois de um período em que têm mais interesse em se relacionar com as crianças de seu

próprio sexo, no segundo ciclo meninos e meninas voltam a se aproximar. Antes dos meninos, as

meninas começam a sofrer as alterações físicas e psicológicas da puberdade e do início da adoles-

cência. Iniciam-se os primeiros namoros, as primeiras aproximações, num momento em que convivem

a necessidade de se exibir corporalmente e, simultaneamente, a vergonha de expor seu corpo e

seu desempenho. É importante que o professor esteja atento a isso, buscando responder às questões

sobre a puberdade que venham a surgir, interpretando atitudes de vergonha, receio e insegurança

como manifestações desse momento, tomando cuidado para não expor seus alunos a situações de

constrangimento, humilhação ou qualquer tipo de violência.

Objetivos de Educação Físicapara o segundo ciclo

Espera-se que ao final do segundo ciclo os alunos sejam capazes de:

• participar de atividades corporais, reconhecendo e respeitando algumasde suas características físicas e de desempenho motor, bem como as deseus colegas, sem discriminar por características pessoais, físicas, sexuaisou sociais;

• adotar atitudes de respeito mútuo, dignidade e solidariedade em situaçõeslúdicas e esportivas, buscando solucionar os conflitos de forma não-violenta;

• conhecer os limites e as possibilidades do próprio corpo de forma a podercontrolar algumas de suas atividades corporais com autonomia e avalorizá-las como recurso para manutenção de sua própria saúde;

• conhecer, valorizar, apreciar e desfrutar de algumas das diferentes

manifestações da cultura corporal, adotando uma postura não-preconceituosa

ou discriminatória por razões sociais, sexuais ou culturais;

• organizar jogos, brincadeiras ou outrasatividades corporais, valorizan-

do-as como recurso para usufruto do tempo disponível;

• analisar alguns dos padrões de estética, beleza e saúde presentes no

cotidiano, buscando compreender sua inserção no contexto em que são

produzidos e criticando aqueles que incentivam o consumismo.

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Conteúdos de Educação Físicapara o segundo ciclo

Os conteúdos abordados para o segundo ciclo serão, na realidade, desdobramentos e

aperfeiçoamentos dos conteúdos do ciclo anterior.

As habilidades e capacidades podem receber um tratamento mais específico, na medida em

que os alunos já reúnem condições de compreender determinados recortes que podem ser feitos

ao analisar os tipos de movimento envolvidos em cada atividade. É possível sugerir brincadeiras e

jogos em que algumas habilidades mais específicas sejam trabalhadas, dentro de contextos

significativos. É possível ainda solicitar que as crianças criem brincadeiras com esse objetivo.

As habilidades corporais devem contemplar desafios mais complexos. Por exemplo, correr-

quicar uma bola, saltar-arremessar, saltar-rebater, girar-saltar, equilibrar objetos-correr.

Em relação à percepção do corpo os alunos podem fazer análises simples, percebendo a

própria postura e os movimentos em diferentes situações do cotidiano, buscando encontrar aqueles

mais adequados a cada momento. Perceber as características de movimento de sua coletividade,

por meio da observação e do conhecimento da história local é um trabalho que pode ser desenvolvido

junto com os conteúdos de História, Geografia e Pluralidade Cultural.

Nas atividades rítmicas e expressivas é possível combinar a marcação do ritmo com

movimentos coordenados entre si. As manifestações culturais da própria coletividade ou aquelas

veiculadas pela mídia podem ser analisadas a partir de alguns conceitos de qualidade de movimento

como ritmo, velocidade, intensidade e fluidez; podem ser aprendidas e também recriadas. Da

mesma forma, as noções de simultaneidade, seqüência e alternância poderão também subsidiar a

aprendizagem e a criação de pequenas coreografias.

As crianças geralmente estão muito motivadas pelo esportes porque os conhecem por meio

da mídia e pelo convívio com crianças mais velhas e adultos. Por isso, os jogos pré-desportivos e

os esportes coletivos e individuais podem predominar nesse ciclo.

A construção das noções de espaço e tempo se desenvolverá em conjunto com as aquisições

feitas no plano motor; localização no espaço já não é mais tão egocentrada, podendo incluir o

ponto de vista dos outros, o que permite a realização de antecipações mentais a partir da análise

de trajetórias e de cálculos de deslocamento de pessoas e objetos.

De posse desses instrumentos, a análise e a compreensão das regras mais complexas e das

estratégias de jogo tornam-se um conhecimento que ajuda a criança a jogar melhor e a ampliar

suas possibilidades de movimento.

As informações sobre aspectos históricos, contextos sociais em que os jogos foram criados,

as regras e as estratégias básicas de cada modalidade podem e devem ser abordados. A reflexão, a

apreciação e a crítica desses aspectos passam a ser incluídas como conteúdos, o que pode ser feito

a partir das informações veiculadas pelos meios de comunicação.

Ao longo do segundo ciclo serão abordados conteúdos nas dimensões conceituais,

procedimentais e atitudinais. Como no primeiro ciclo, os conteúdos estão integrados e não separados

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por blocos. Explicita-se a seguir a lista daqueles que continuam a ser abordados além dos que

deverão começar a ser desenvolvidos nesse ciclo e pode- rão ser aprofundados e/ou tornarem-se

mais complexos nos ciclos posteriores:

• participação em atividades competitivas, respeitando as regras e não

discriminando os colegas, suportando pequenas frustrações, evitando

atitudes violentas;

• observação e análise do desempenho dos colegas, de esportistas, de

crianças mais velhas ou mais novas;

• expressão de opiniões pessoais quanto a atitudes e estratégias a serem

utilizadas em situações de jogos, esportes e lutas;

• apreciação de esportes e lutas considerando alguns aspectos técnicos, táticos

e estéticos;

• reflexão e avaliação de seu próprio desempenho e dos demais, tendo

como referência o esforço em si, prescindindo, em alguns casos, do auxílio

do professor;

• resolução de problemas corporais individualmente e em grupos;

• participação na execução e criação de coreografias simples;

• participação em danças pertencentes a manifestações culturais da

coletividade ou de outras localidades, que estejam presentes no cotidi-

ano;

• apreciação e valorização de danças pertencentes à localidade;

• valorização das danças como expressões da cultura, sem discriminações

por razões culturais, sociais ou de gênero;

• acompanhamento de uma dada estrutura rítmica com diferentes partes

do corpo, em coordenação;

• participação em atividades rítmicas e expressivas;

• análise de alguns movimentos e posturas do cotidiano a partir de elementos

socioculturais e biomecânicos;

• percepção do próprio corpo e busca de posturas e movimentos não-

prejudiciais nas situações do cotidiano;

• utilização de habilidades motoras nas lutas, jogos e danças;

• desenvolvimento de capacidades físicas dentro de lutas, jogos e danças,

percebendo limites e possibilidades;

• diferenciação de situações de esforço aeróbico, anaeróbico e repouso;

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• reconhecimento de alterações corporais, mediante a percepção do próprio

corpo, provocadas pelo esforço físico, tais como excesso de excitação,

cansaço, elevação de batimentos cardíacos, efetuando um controle dessas

sensações de forma autônoma e com o auxílio do professor.

Critérios de avaliação de Educação Físicapara o segundo ciclo

• Enfrentar desafios colocados em situações de jogos e co mpetições, respeitando asregras e adotando uma postura cooperativa

Pretende-se avaliar se o aluno aceita as limitações impostas pelas situações de jogo, tanto no

que se refere às regras quanto no que diz respeito à sua possibilidade de desempenho e à interação

com os outros. Espera-se que o aluno tolere pequenas frustrações, seja capaz de colaborar com os

colegas, mesmo que estes sejam menos competentes, e participe do jogo com entusiasmo.

• Estabelecer algumas relações entre a prática de ativid ades corporais e a melhora dasaúde individual e coletiva

Pretende-se avaliar se o aluno reconhece que os benefícios para a saúde decorrem da realização

de atividades corporais regulares, se tem critérios para avaliar seu próprio avanço e se nota que

esse avanço decorre da perseverança.

• V alorizar e apreciar diversas manifestações da cultura corporal, identificando suaspossibilidades de lazer e aprendizagem

Pretende-se avaliar se o aluno reconhece que as formas de expressão de cada cultura são

fontes de aprendizagem de diferentes tipos de movimento e expressão. Espera-se também que o

aluno tenha uma postura receptiva, não discrimine produções culturais por quaisquer razões sociais,

étnicas ou de gênero.

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ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS

Introdução

No ensino tradicional todas as áreas do conhecimento tratavam do intelecto e a aula de

Educação Física tratava exclusivamente das questões ligadas ao corpo e ao movimento. Entretanto,

no que diz respeito à concepção de aprendizagem, tanto a Educação Física como as demais áreas

do currículo partiam dos mesmos princípios e estruturavam sua metodologia de ensino na repetição,

memorização e reprodução de conhecimentos e comportamentos.

Se aprender Matemática consistia em repetir fórmulas até decorá-las, aprender Educação

Física consistia em repetir exercícios mecânicos e padronizados e reproduzir gestos estereotipados.

Mesmo em atividades como a dança, a metodologia utilizada dava mais ênfase ao aspecto técnico

em si do que ao aspecto expressivo.

Dentro do universo de conhecimentos que a Educação Física procura abordar, quando a

metodologia utilizada é a de ensino por condicionamento, o resultado é uma aprendizagem restrita

e limitada. Isso ocorre basicamente por dois motivos: o movimento corporal não pode ser esvazi-

ado ou fragmentado a ponto de perder seu significado pessoal, social e cultural, e o movimento

corporal deve refletir uma intenção do sujeito e não depender exclusivamente de um estímulo

externo.

Por exemplo: ao sistematizar a aprendizagem do basquete, a metodologia consistia em eleger

os movimentos mais comuns, mais freqüentes nesse esporte (chamados “fundamentos”) e treiná-

los em separado, visando uma automatização, na equivocada esperança de que bastava ao aluno

conhecer os “pedaços” do movimento presente nessa modalidade para poder praticá-la. Fazendo

uma rudimentar analogia com a alfabetização, seria acreditar que decorar as letras e as sílabas fosse

condição suficiente para se aprender a ler e a escrever. Na situação de jogo, os movimentos de

arremessar, passar, receber e bater a bola acontecem num contexto dinâmico de deslocamentos,

de coordenação de trajetórias da bola e dos jogadores, em que cada movimento precisa ser

executado em função de uma situação específica que contém muitas variáveis. Quando fora desse

contexto, a repetição pura e simples perde o sentido, torna-se enfadonha e cansativa e não

necessariamente promove um aprimoramento do desempenho na situação de jogo.

Além disso, os exercícios ocupavam a maior parte da aula, sendo reservados os dez minutos finais

para a prática do jogo, mesmo assim condicionado ao grau de organização e disciplina que o grupo

demonstrasse durante a aula. Ou seja, muitas vezes nem mesmo uma pequena prática

contextualizada do que havia sido treinado era possibilitada.

O resultado prático dessa metodologia é de conhecimento de todos: um processo de seleção

dos indivíduos aptos (legitimando uma concepção fortemente inatista), produzindo um grande

contingente de frustrados em relação às próprias capacidades e habilidades corporais. Mesmo as

atividades de caráter expressivo como a dança eram consideradas sob a ótica do preconceito e da

marginalidade e, muitas vezes, quando ensinadas repetiam as mesmas fórmulas seletivas de ensino

e aprendizagem.

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A presente proposta firma-se numa concepção de aprendizagem que parte das situações

globais, amplas e diversificadas em direção às práticas corporais sociais mais significativas, que

exigem movimentos mais específicos, precisos e sistematizados. É necessário ainda incluir no

processo de aprendizagem, para além das questões relativas ao movimento em si, os contextos

pessoais, culturais e sociais em que ele ocorre, para que a ação corporal adquira um significado que

extrapole a própria situação escolar.

A justificativa da presença da Educação Física no ensino tem sido vinculada à formação do

homem integral, que ocorreria por meio do exercício físico e da disciplina do corpo. Entretanto, na

prática, a amplitude das questões referentes às relações entre o corpo e a mente, dentro de um

contexto sociocultural, não foram amplamente abordadas. Falava-se de “enobrecer o caráter”,

mas não existiam conteúdos dentro das aulas que tratassem desse assunto. Pregava-se que o esporte

afastava o indivíduo das drogas, mas não se abordava esse assunto na sua dimensão afetiva,

psicológica, política, econômica ou sociocultural. Separavam-se meninos e meninas para a prática

esportiva ou ginástica, considerando apenas as diferenças de rendimento físico, sem questionar se

não haveria situações em que a diferença entre os sexos pudesse ser enfocada de maneira provei-

tosa. Alardeava-se o mérito quase exclusivo dos esportes na integração social, mas não se enxergavam

os alunos que ficavam excluídos por não terem capacidades a priori, sendo que era função da

própria área promover essas capacidades.

Sabe-se, hoje, que exercitar ou disciplinar o corpo não resulta obrigatoriamente na formação

completa do ser humano. Sabe-se, por exemplo, que o caráter pode ser corrompido pelas glórias do

esporte, favorecendo a atitude de obter a vitória a qualquer custo e até mesmo com o uso de

drogas. Sabe-se, ainda, que a integração social pode transformar-se em desintegração, com guerras

entre torcidas e brigas dentro de campos e quadras.

Nesse sentido, a presente proposta aborda a complexidade das relações entre corpo e mente

num contexto sociocultural, tem como princípio a igualdade de oportunidades para todos os alunos

e o objetivo de desenvolver as potencialidades, num processo democrático e não seletivo. Assim,

nas aulas de Educação Física o professor deverá sempre contextualizar a prática, considerando as

suas várias dimensões de aprendizagem, priorizando uma ou mais delas e possibilitando que todos

seus alunos possam aprender e se desenvolver.

Orientações gerais

ORGA N I ZA ÇÃ O SOCI A L D A S A T I V I D A D ESE A T EN ÇÃ O À D I V ERSI D A D E

Se um dos objetivos da educação é ajudar as crianças a conviverem em grupo de maneiraprodutiva, de modo cooperativo, é preciso proporcionar situações em que aprender a dialogar, aouvir o outro, ajudá-lo, pedir ajuda, trocar idéias e experiências, aproveitar críticas e sugestõessejam atitudes possíveis de serem exercidas. Levando em conta o fato de que as experiências ecompetências corporais são muito diversificadas, não se pode querer que todo o grupo realize amesma tarefa, ou que uma atividade resulte numa mesma aprendizagem para todos.

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Deve-se, portanto, favorecer a troca de repertórios e os procedimentos de resolução deproblemas de movimento, fazendo uso de variadas formas de organização das atividades. Por

exemplo, ao se organizar uma aula em que o conteúdo gire em torno do voleibol, pode-se dividir aclasse em três grupos, tendo como critério o grau de habilidade dos alunos. Um grupo com os maishábeis, outro com os médios e outro com os menos hábeis. Essa organização permite ao professor

visualizar em que ponto estão as habilidades de cada grupo e propor um desafio adequado para cadaum. Além disso, aqueles que têm menos habilidade podem arriscar algumas tentativas sem se exporemfrente ao grupo dos mais habilidosos. Numa aula posterior com a mesma classe, o professor pode

dividir o grupo, usando os mais hábeis como “cabeças de chave”, distribuindo-os entre os trêsgrandes grupos. Nessa situação, a natureza da aprendizagem estará vinculada à troca de informaçõese à cooperação, e na tentativa de se superar, enfrentando um grau maior de desafio, as criançaspodem avançar nas suas conquistas.

Tendo ainda como referência a diversidade que as crianças apresentam em relação às competências

corporais, um outro aspecto a ser considerado na organização das atividades deve ser o de contemplar

essa mesma diversidade valorizando as diferenças. Ao distribuir, ao longo do planejamento, atividades

com ênfase nas capacidades de equilíbrio, força, velocidade, coordenação, agilidade e ritmo de

forma eqüitativa, ou que exijam que diferentes habilidades sejam colocadas em prática, o professor

viabiliza que as características individuais sejam valorizadas.

A diversidade de competências corporais a serem consideradas inclui a facilidade e a dificuldade para

lidar com situações estratégicas, de simulação, de cooperação, de competição, entre outras.

O trabalho em duplas e grupos, em que a cooperação seja fundamental e haja coordenação de

diferentes competências é algo valioso para se perceber que todos, sem exceção, têm algum tipo

de conhecimento.

As atividades de caráter expressivo constituem um outro recurso para atender a diversidade de com-

petências no processo de ensino e aprendizagem. Incluir as experiências e conhecimentos que as crianças

têm de dança é extremamente interessante por se tratar de um contexto em que a ênfase não está na

competição.

A consideração das diversidades de conhecimento promove, em última análise, a construção de um

estilo pessoal de exercer as práticas da cultura corporal propostas como conteúdos.

D I F EREN ÇA S EN T RE M EN I N OS E M EN I N A S

Particularmente no que diz respeito às diferenças entre as competências de meninos e meninas

deve-se ter um cuidado especial. Muitas dessas diferenças são determinadas social e culturalmente

e decorrem, para além das vivências anteriores de cada aluno, de preconceitos e comportamentos

estereotipados. As habilidades com a bola, por exemplo, um dos objetos centrais da cultura lúdica,

estabelecem-se com a possibilidade de prática e experiência com esse material. Socialmente essa

prática é mais proporcionada aos meninos que, portanto, desenvolvem-se mais do que meninas e,

assim, brincar com bola se transforma em “brincadeira de menino”.

O raciocínio inverso também poderia ser feito, pois existem habilidades que as meninas acabam

por aperfeiçoar em função de uma maior experiência; mas o fundamental é que existe um estilo

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diferenciado entre meninos e meninas, como também existe entre diferentes pessoas de praticar

uma mesma atividade lúdica ou expressiva. São modos diferentes de ser e atuar que devem se

completar e se enriquecer mutuamente, ao invés de entrar em conflitos pautados em estereótipos

e preconceitos.

As intervenções didáticas podem propiciar experiências de respeito às diferenças e de

intercâmbio: dividir um grupo de primeiro ciclo em trios, cada um deles contendo pelo menos uma

menina, e colocar para elas a tarefa de ensinar uma seqüência do jogo de elástico; ou ainda atribuir

aos meninos o papel de técnicos num jogo de futebol disputado por times de meninas.

COM PET I ÇÃ O & COM PET ÊN CI A

Nas atividades competitivas as competências individuais se evidenciam e cabe ao professor

organizá-las de modo a democratizar as oportunidades de aprendizagem. É muito comum acontecer,

em jogos pré-desportivos e nos esportes, que as crianças mais hábeis monopolizem as situações de

ataque, restando aos menos hábeis os papéis de defesa, de goleiro ou mesmo a exclusão. O professor

deve intervir diretamente nessas situações, promovendo formas de rodízio desses papéis, criando

regras nesse sentido. Por exemplo, a cada ponto num jogo de pique-bandeira, o grupo de crianças

que ficou no ataque deve trocar de posição com o grupo que ficou na defesa, ou simplesmente

observando a regra do rodízio do voleibol, que foi instituída exatamente com esse propósito. Cabe

ainda ao professor localizar quais as competências corporais em que alguns alunos apresentem

dificuldades e promover atividades em que possam avançar.

É utópico pretender que todos os avanços de aprendizagem sejam homogêneos e simultâneos

entre os alunos, uma vez que a diversidade traduz uma realidade de histórias de vivências corporais,

interesses, oportunidades de aprimoramento fora da escola e o convívio em ambientes físicos

diferenciados. A aula de Educação Física, para alcançar todos os alunos, deve tirar proveito dessas

diferenças ao invés de configurá-las como desigualdades. A pluralidade de ações pedagógicas

pressupõe que o que torna os alunos iguais é justamente a capacidade de se expressarem de forma

diferente.

Ao longo da escolaridade fundamental ocorre, em paralelo com a possibilidade de ampliação

das competências corporais, um processo de escolha cada vez mais independente por parte do

aluno, de quais competências satisfazem suas necessidades de movimento para a construção de seu

estilo pessoal.

O que se quer ressaltar é que as atividades competitivas realizadas em grupos ou times constituem

uma situação favorável para o exercício de diversos papéis, estilos pessoais, e, portanto, numa

situação que promove um melhor conhecimento e respeito de si mesmo e dos outros.

Essa construção, que envolve estilos e preferências pessoais, torna-se mais complexa à medida

que as possibilidades de reflexão sobre as competências pessoais e coletivas se ampliam e as

situações competitivas sejam compreendidas como um jogo de cooperação de competências.

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PROBL EM A T I ZA ÇÃ O D A S REGRA S

Geralmente os alunos conhecem as regras do convívio escolar, mas pouco compreendem a

sua natureza, o modo e as razões pelas quais foram estabelecidas.

No caso da Educação Física existe a possibilidade de se abordarem diferentes jogos e

atividades e se discutirem as regras em conjunto com os alunos, tentando encontrar as razões que as

originaram, propondo modificações, testando-as, repensando sobre elas e assim por diante. A com-

preensão das normas que pode advir daí é completamente diferente de quando as regras são

consideradas absolutas, inquestionáveis e imutáveis.

Os jogos, esportes e brincadeiras são contextos favoráveis para a intervenção do professornesse sentido, por várias razões. A primeira delas diz respeito ao próprio desenvolvimento dos

conhecimentos relativos à cultura corporal. Mover-se dentro de limites espaciais, ges- tuais, de

relação com objetos e com os outros constitui um problema a ser resolvido, ou seja, não é qualquer

tipo de movimento que vale, mas um certo tipo que se ajuste àquelas delimitações que a regra

impõe.

Nos jogos pré-desportivos e nas brincadeiras, nem sempre as regras prevêem regulamentação

para todas as situações que surgem; nesses casos, é necessário discutir e legislar a respeito e essa

prática deve ser incentivada pelo professor.

Além disso, as regras dos jogos podem ser adaptadas para diferentes situações e contextos.

Numa situação recreativa pode-se considerar válida uma série de movimentos e procedimentos

que, numa situação de competição, não seriam adequados.

U SO D O ESPA ÇO

Sabe-se que na realidade das escolas brasileiras os espaços disponíveis para a prática e a

aprendizagem de jogos, lutas, danças esportes e ginásticas não apresentam a adequação e a qualidade

necessárias. Alterar esse quadro implica uma conjugação de esforços de comunidade e poderes

públicos.

Essa situação, no entanto, não exclui a possibilidade de uma potencialização de uso dos espaços

já disponíveis.

Mesmo que não se tenha uma quadra convencional, é possível adaptar espaços para as aulas de

Educação Física. As crianças fazem isso cotidianamente e é comum vê-las jogando gol-a-gol na porta de aço

de uma garagem, ou usando um portão como rede para um jogo de voleibol adaptado. O professor

pode utilizar um pátio, um jardim, um campinho, dentro ou próximo à escola, para realizar as

atividades de Educação Física.

Estender cordas entre árvores, para que as crianças se pendurem e se equilibrem, ou organizem

voleibol em pequenos grupos, pendurar pneus e aros nas árvores para funcionarem como alvos em jogos de

arremesso e basquete em pequenos grupos, utilização de desníveis de terreno como parte dos circuitos com

materiais diversos e obstáculos são sugestões de formas de utilização do espaço físico.

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Mesmo em se tratando de quadras convencionais, o professor pode e deve, conforme a

exigência da situação, dividi-las de diferentes formas, possibilitando a execução de atividades de

natureza diferenciada, simultaneamente.

CON H ECI M EN T OS PRÉV I OS

As crianças, ao iniciarem o ensino fundamental, trazem de sua experiência pessoal uma série

de conhecimentos relativos ao corpo, ao movimento e à cultura corporal. Partindo disso, a escola

deve promover a ampliação desses conhecimentos, permitindo sua utilização em situações sociais.

O professor deve criar situações que coloquem esses conhecimentos em questão, ou seja, situações

que solicitem da criança a resolução de um problema, seja no plano motor, na organização do

espaço e do tempo, na utilização de uma estratégia ou na elaboração de uma regra.

Na prática, representa fazer o seguinte: ao constatar que uma conduta corporal é exercida deuma forma estável e segura pelas crianças, o professor deve interferir, criando uma pequenadificuldade, um obstáculo a ser superado, que mobilize os conhecimentos disponíveis ao sujeito e

solicite uma reorganização deles. Por exemplo: se um grupo de crianças consegue pular corda comsegurança e eficiência, o professor pode solicitar, como desafio, que as crianças entrem na cordapelo lado oposto, ou ainda que os saltos sejam realizados em duplas, trios e pequenos grupos.

A PRECI A ÇÃ O/CRÍ T I CA

Assistir a jogos de futebol, olimpíadas, apresentações de dança, capoeira, entre outros, é uma prática

muito corrente fora da escola; entretanto, dentro das aulas de Educação Física isso não acontece.

Ao se apreciarem essas diferentes manifestações da cultura corporal, o aluno poderá não sóaprender mais sobre corpo e movimento de uma determinada cultura, como também a valorizaressas manifestações.

O professor, portanto, poderá criar situações em que a atividade seja assistir e comentar osdiferentes movimentos, estratégias, posturas, etc. Isso pode ser feito assistindo a vídeos, televisão

ou mesmo pessoas da própria comunidade escolar: alunos de outras classes, professores ou ospróprios pais.

Prestar atenção aos próprios colegas em ação também é uma situação interessante. O professor,

em todas essas ocasiões, deve, juntamente com seus alunos, pontuar quais os aspectos que devem

ser observados, para que depois se façam comentários, sistematizando o que pode ser aprendido e

contribuindo com aqueles que foram assistidos.

É possível que uma pessoa goste de praticar um ou outro esporte, fazer uma ou outra atividade

física; entretanto, apreciar é algo que todos podem fazer e amplia as possibilidades de lazer e

diversão.

A crítica está bastante vinculada à apreciação; entretanto, trata-se de uma avaliação mais

voltada à questão da mídia.

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Nesse sentido, o professor pode questionar a forma como os meios de comunicação apresentam

padrões de beleza, saúde, estética, bem como aspectos éticos. Assim, pode, por exemplo, fazer

leituras dos cadernos esportivos e discutir termos como “inimigos”, “guerra”, “batalha de morte”,

que são empregados para descrever jogos entre dois times ou seleções e quais as implicações dessa

utilização. Pode também pesquisar os tipos físicos em evidência nas propagandas, novelas, etc., e

sua relação com o consumo de produtos e serviços.

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FICHA TÉCNICA

CoordenaçãoAna Rosa Abreu, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria Tereza Perez Soares, Neide Nogueira.

ElaboraçãoAloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Ana Rosa Abreu, Antonia Terra, Célia M. CarolinoPires, Circe Bittencourt, Cláudia R. Aratangy, Flávia I. Schilling, Karen Muller, Kátia L. Bräkling,Marcelo Barros da Silva, Maria Amábile Mansutti, Maria Cecília Condeixa, Maria Cristina RibeiroPereira, Maria F. R. Fusari, Maria Heloisa C.T. Ferraz, Maria Isabel I. Soncini, Maria TerezaPerez Soares, Marina Valadão, Neide Nogueira, Paulo Eduardo Dias de Melo, Regina Machado,Ricardo Breim, Rosaura A. Soligo, Rosa Iavelberg, Rosely Fischmann, Silvia M. Pompéia, Sueli A.Furlan, Telma Weisz, Thereza C. H. Cury, Yara Sayão, Yves de La Taille.

ConsultoriaCésar CollDélia Lerner de Zunino

A ssessoriaAdilson O. Citelli, Alice Pierson, Ana M. Espinosa, Ana Teberosky, Artur Gomes de Morais,Guaraciaba Micheletti, Helena H. Nagamine Brandão, Hermelino M. Neder, Iveta M. B. ÁvilaFernandes, Jean Hébrard, João Batista Freire, João C. Palma, José Carlos Libâneo, Ligia Chiappini,Lino de Macedo, Lúcia L. Browne Rego, Luis Carlos Menezes, Osvaldo Luiz Ferraz, Yves de LaTaille e os 700 pareceristas - professores de universidades e especialistas de todo o País, quecontribuíram com críticas e sugestões valiosas para o enriquecimento dos PCN.

Projeto gráficoVitor Nozek

Revisão e CopydeskCecilia Shizue Fujita dos Reis e Lilian Jenkino.

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AGRADECIMENTOS

Alberto Tassinari, Ana Mae Barbosa, Anna Maria Lamberti, Andréa Daher, Antônio José Lopes,Aparecida Maria Gama Andrade, Barjas Negri, Beatriz Cardoso, Carlos Roberto Jamil Curi, CelmaCerrano, Cristina F. B. Cabral, Elba de Sá Barreto, Eunice Durham, Heloisa Margarido Salles,Hércules Abrão de Araújo, Jocimar Daolio, Lais Helena Malaco, Lídia Aratangy, Márcia da SilvaFerreira, Maria Cecília Cortez C. de Souza, Maria Helena Guimarães de Castro, Marta Rosa Amo-roso, Mauro Betti, Paulo Machado, Paulo Portella Filho, Rosana Paulillo, Sheila Aparecida Pereirados Santos Silva, Sonia Carbonel, Sueli Teixeira Mello, Théa Standerski, Vera Helena S. Grellet,Volmir Matos, Yolanda Vianna, Câmara do Ensino Básico do CNE, CNTE, CONSED e UNDIME.

A poioPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

Projeto BRA 95/014

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO

Fundo Nacional do Desenvolvimento da EducaçãoFNDE

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

ÉTICA

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

ÉTICA

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

Secretaria de Educação FundamentalI ara Glória A reias Prado

Departamento de Política da Educação FundamentalV irgínia Zélia de A zevedo Rebeis F arha

Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação FundamentalM aria I nês L aranjeira

PA RÂ M ET ROS CU RRI CU L A RES N A CI ON A I S (1ª A 4ª SÉRI E)

Volume 1 - I ntrodução aos Parâmetros Curriculares N acionaisVolume 2 - L íngua PortuguesaVolume 3 - M atemáticaVolume 4 - Ciências N aturaisVolume 5 - H istória e GeografiaVolume 6 - A rteVolume 7 - Educação F ísicaVolume 8 - A presentação dos T emas T ransversais e ÉticaVolume 9 - M eio A mbiente e SaúdeVolume 10 - Pluralidade Cultural e Orientação Sexual

B823p Brasil. Secretaria de Educação Fundamental.Parâmetros curriculares nacionais : apresentação dos

temas transversais, ética / Secretaria de EducaçãoFundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.

146p.

1. Parâmetros curriculares nacionais. 2. Ética : Ensinode primeira à quarta série. I. Título.

CDU: 371.214

Brasília1997

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTOSECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

ÉTICA

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

ÉTICA

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

PARÂMETROSCURRICULARES

NACIONAIS

AO PROFESSOR

É com alegria que colocamos em suas mãos os Parâmetros Curriculares Nacionais referentes àsquatro primeiras séries da Educação Fundamental.

Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu esforço diário de fazercom que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamentereconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade.

Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursosculturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto os domínios do sabertradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas com o meio am-biente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidadedo ser humano e à solidariedade.

Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação e do Desporto, ao consolidar os Parâmetros,é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.

Para fazer chegar os Parâmetros à sua casa um longo caminho foi percorrido. Muitos participaramdessa jornada, orgulhosos e honrados de poder contribuir para a melhoria da qualidade do EnsinoFundamental. Esta soma de esforços permitiu que eles fossem produzidos no contexto das discussões peda-gógicas mais atuais. Foram elaborados de modo a servir de referencial para o seu trabalho, respeitandoa sua concepção pedagógica própria e a pluralidade cultural brasileira. Note que eles são abertos e flexí-veis, podendo ser adaptados à realidade de cada região.

Estamos certos de que os Parâmetros serão instrumento útil no apoio às discussões pedagógicas emsua escola, na elaboração de projetos educativos, no planejamento das aulas, na reflexão sobre a práticaeducativa e na análise do material didático. E esperamos, por meio deles, estar contribuindo para a suaatualização profissional — um direito seu e, afinal, um dever do Estado.

Paulo Renato Souza

Ministro da Educação e do Desporto

OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamental que osalunos sejam capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim comoexercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, nodia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentessituações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos ede tomar decisões coletivas;

• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noçãode identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;

• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferençasculturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras carac-terísticas individuais e sociais;

• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindoativamente para a melhoria do meio ambiente;

• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento deconfiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética,de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseveran-ça na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitossaudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindocom responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plásticae corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suasidéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos pú-blicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de co-municação;

• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicospara adquirir e construir conhecimentos;

• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, acapacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificandosua adequação.

ESTRUTURADOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

PARA O ENSINO FUNDAMENTAL

Os quadrinhos não-sombreados correspondem aos itens que serão trabalhados nos

Parâmetros Curriculares Nacionais de quinta a oitava série.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DOS TEMAS TRANSVERSAIS

Apresentação s ........................................................................................................... 15

Introdução s............................................................................................................... 19

Justificativa s.............................................................................................................. 25

Os Temas Transversais s............................................................................................ 29

Critérios adotados para a eleição dos Temas Transversais ..................................... 30

Temas Transversais .................................................................................................. 31Ética ............................................................................................................ 31Pluralidade Cultural .......................................................................................... 32Meio Ambiente ................................................................................................ 33Saúde ............................................................................................................ 33Orientação Sexual ........................................................................................... 34Temas Locais ................................................................................................... 35

A transversalidade .................................................................................................. 36Transversalidade e interdisciplinaridade ........................................................... 39Como a transversalidade se apresenta nos ParâmetrosCurriculares Nacionais ...................................................................................... 41

Ensino e aprendizagem de questões sociais s ........................................................ 43

O ensino e a aprendizagem de valores e atitudes ................................................. 43A perspectiva da autonomia ........................................................................... 46Os materiais usados nas situações didáticas .................................................... 48

O ensino e a aprendizagem de procedimentos .................................................... 49

O ensino e a aprendizagem de conceitos ............................................................ 50

O convívio escolar ................................................................................................. 50

A interação da escola com a comunidade e com outras instituições .................. 51

O educador como cidadão ................................................................................. 52

A inserção dos Temas Transversais nos Parâmetros Cu rricularesNacionais s .......................................................................................................... 55

Os objetivos dos Temas Transversais ........................................................................ 55

Os conteúdos dos Temas Transversais .................................................................... 55Tratamento dos conteúdos por blocos ............................................................ 56

Avaliação ............................................................................................................ 56

Orientações didáticas s ............................................................................................ 59

Participação .......................................................................................................... 59

Normas e regras ..................................................................................................... 60

Projetos ............................................................................................................ 61

ÉTICA

Apresentação s .........................................................................................................65

1ª PARTEImportância do tema s ...............................................................................................69

Legitimação dos valores e regras morais s ..............................................................75

Afetividade .............................................................................................................75

Racionalidade ........................................................................................................80

Desenvolvimento moral e socialização ....................................................................83

Ética e currículo ..........................................................................................................89

Experiências educacionais .....................................................................................89

Transversalidade .....................................................................................................93

Objetivos gerais de Ética para o ensino fundamental s ..........................................97

2ª PARTEOs conteúdos de Ética para o primeiro e segundo cic los s .................................. 101

Respeito mútuo ..................................................................................................... 102

Justiça ................................................................................................................. 106

Diálogo ................................................................................................................. 109

Solidariedade ....................................................................................................... 111

Critérios de avaliação s........................................................................................... 115

Orientações didáticas .............................................................................................. 119

Respeito mútuo ..................................................................................................... 119

Justiça ................................................................................................................. 126

Diálogo ................................................................................................................. 130

Solidariedade ....................................................................................................... 131

Bibliografia

Apresentação dos Temas Transversais .................................................................. 135

Ética ..................................................................................................................... 143

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAISAPRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

14

15

APRESENTAÇÃO

O compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacionalvoltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação àvida pessoal, coletiva e ambiental. Nessa perspectiva é que foram incorporadas como TemasTransversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde e daOrientação Sexual.

Isso não significa que tenham sido criadas novas áreas ou disciplinas. Como você poderáperceber pela leitura deste documento, os objetivos e conteúdos dos Temas Transversais devemser incorporados nas áreas já existentes e no trabalho educativo da escola. É essa forma de organizaro trabalho didático que recebeu o nome de transversalidade.

Amplos o bastante para traduzir preocupações da sociedade brasileira de hoje, os TemasTransversais correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas, navida cotidiana. O desafio que se apresenta para as escolas é o de abrirem-se para este debate.

Este documento discute a amplitude do trabalho com problemáticas sociais na escola e apre-senta a proposta em sua globalidade, isto é, a explicitação da transversalidade entre temas e áreascurriculares assim como em todo o convívio escolar.

Há também um documento para cada tema, expondo as questões que cada um envolve eapontando objetivos, conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas, para subsidiá-lo nacriação de um planejamento de trabalho eficiente para o desenvolvimento de uma prática educativacoerente com seus objetivos mais amplos.

Secretaria de Educação F undamental

APRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAISAPRESENTAÇÃO DOSTEMAS TRANSVERSAIS

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INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, pela primeira vez na

história, inicia a explicitação dos fundamentos do Estado brasileiro elencando os direitos civis,

políticos e sociais dos cidadãos. Também coloca claramente que os três poderes constituídos, o

Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, são meios — e não fins — que existem

para garantir os direitos sociais e individuais.

Os fundamentos do Estado Democrático de Direito são: a soberania, a cidadania, a dignidade

da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político (art. 1o

da Constituição Federal).

Constituem objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre, justa e

solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3o da Constituição Federal).

Esses são os fundamentos e os princípios: longe de serem expressão de realidades vigentes,

correspondem muito mais a metas, a grandes objetivos a serem alcançados. Sabe-se da distância

entre as leis e sua aplicação, e da distância entre aquelas e a consciência e a prática dos

direitos por parte dos cidadãos. O fundamento da sociedade democrática é a constituição e o

reconhecimento de sujeitos de direito. Porém, a definição de quem é ou deve ser reconhecido

como sujeito de direito (quem tem direito a ter direitos) é social e histórica e recebeu diferentes

respostas no tempo e nas diferentes sociedades. Por histórico não se entenda progressivo, linear,

mas processos que envolveram lutas, rupturas, descontinuidades, avanços e recuos. A ampliação

do rol dos direitos a serem garantidos constitui o núcleo da história da modernidade. Dos direitos

civis à ampliação da extensão dos direitos políticos para todos, até a conquista dos direitos sociais:

este foi (e é) um longo e árduo processo.

Assim, a cidadania deve ser compreendida como produto de histórias vividas pelos grupos

sociais, sendo, nesse processo, constituída por diferentes tipos de direitos e instituições. O debate

sobre a questão da cidadania é hoje diretamente relacionado com a discussão sobre o significado e

o conteúdo da democracia, sobre as perspectivas e possibilidades de construção de uma sociedade

democrática.

A democracia pode ser entendida em um sentido restrito como um regime político. Nessa

concepção restrita, a noção de cidadania tem um significado preciso: é entendida como abrangendo

exclusiva- mente os direitos civis (liberdade de ir e vir, de pensamento e expressão, direito à

integridade física, liberdade de associação) e os direitos políticos (eleger e ser eleito), sendo que

seu exercício se expressa no ato de votar.

Entendida em sentido mais amplo, a democracia é uma forma de sociabilidade que penetra

em todos os espaços sociais. Nessa concepção, a noção de cidadania ganha novas dimensões.

A conquista de significativos direitos sociais, nas relações de trabalho, previdência social,

saúde, educação e moradia, amplia a concepção restrita de cidadania. Os movimentos sociais revelam

as tensões que dizem respeito à desigualdade social, tratam das questões sobre a crescente eqüidade

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na participação ou ampliação dos direitos, assim como da relação entre os direitos individuais e os

coletivos e da relação entre os direitos civis, políticos, sociais e econômicos com os Direitos

Humanos.

Novos atores, novos direitos, novas mediações e novas instituições redefinem o espaço das

práticas de cidadania, propondo o desafio da superação da marcante desigualdade social e econômica

da sociedade brasileira, com sua conseqüência de exclusão de grande parte da população na parti-

cipação dos direitos e deveres. Trata-se de uma noção de cidadania ativa, que tem como ponto de

partida a compreensão do cidadão como portador de direitos e deveres, mas que também o vê

como criador de direitos participando na gestão pública.

A sociedade brasileira carrega uma marca autoritária: já foi uma sociedade escravocrata, além

de ter uma larga tradição de relações políticas paternalistas e clientelistas, com longos períodos de

governos não-democráticos. Até hoje é uma sociedade marcada por relações sociais hierarquizadas

e por privilégios que reproduzem um altíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão social.

Na medida em que boa parte da população brasileira não tem acesso a condições de vida digna,

encontra-se excluída da plena participação nas decisões que determinam os rumos da vida social

(suas regras, seus benefícios e suas prioridades). É nesse sentido que se fala de ausência de cida-

dania, cidadania excludente ou regulada, caracterizando a discussão sobre a cidadania no Brasil.

Assim, tanto os princípios constitucionais quanto a legislação daí decorrente (como o Estatuto

da Criança e do Adolescente) tomam o caráter de instrumentos que orientam e legitimam a busca

de transformações na realidade. Portanto, discutir a cidadania do Brasil de hoje significa apontar a

necessidade de transformação das relações sociais nas dimensões econômica, política e cultural,

para garantir a todos a efetivação do direito de ser cidadãos.

Essa tarefa demanda a afirmação de um conjunto de princípios democráticos para reger a

vida social e política. No âmbito educativo, são fundamentos que permitem orientar, analisar,

julgar, criticar as ações pessoais, coletivas e políticas na direção da democracia.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao propor uma educação comprometida com a

cidadania, elegeram, baseados no textoconstitucional, princípios segundo os quais orientar a

educação escolar:

• D ignidade da pessoa humanaImplica respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de

qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas

relações interpessoais, públicas e privadas.

• I gualdade de direitosRefere-se à necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e

possibilidade de exercício de cidadania. Para tanto há que se considerar

o princípio da eqüidade, isto é, que existem diferenças (étnicas,

culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas, etc.) e desigualdades

(socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igual-

dade seja efetivamente alcançada.

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• Participação

Como princípio democrático, traz a noção de cidadania ativa, isto é, da

complementaridade entre a representação política tradicional e a

participação popular no espaço público, compreendendo que não se trata

de uma sociedade homogênea e sim marcada por diferenças de classe,

étnicas, religiosas, etc.

• Co-responsabilidade pela vida socialImplica partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais,

organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva.

É, nesse sentido, responsabilidade de todos a construção e a ampliação

da democracia no Brasil.

22

23

JUSTIFICATIVA

Eleger a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar implica colocar-seexplicitamente contra valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios,comprometendo-se com as perspectivas e decisões que os favoreçam. Isso refere-se a valores, mastambém a conhecimentos que permitam desenvolver as capacidades necessárias para a participaçãosocial efetiva1 .

Uma pergunta deve então ser respondida: as áreas convencionais, classicamente ministradaspela escola, como Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, não sãosuficientes para alcançar esse fim? A resposta é negativa.

Dizer que não são suficientes não significa absolutamente afirmar que não são necessárias. Épreciso ressaltar a importância do acesso ao conhecimento socialmente acumulado pela humanidade.Porém, há outros temas diretamente relacionados com o exercício da cidadania, há questões urgentesque devem necessariamente ser tratadas, como a violência, a saúde, o uso dos recursos naturais, ospreconceitos, que não têm sido diretamente contemplados por essas áreas. Esses temas devem sertratados pela escola, ocupando o mesmo lugar de importância.

Ao se admitir que a realidade social, por ser constituída de diferentes classes e grupos sociais,é contraditória, plural, polissêmica, e isso implica a presença de diferentes pontos de vista e projetospolíticos, será então possível compreender que seus valores e seus limites são também contraditórios.Por outro lado, a visão de que a constituição da sociedade é um processo histórico permanentepermite compreender que esses limites são potencialmente transformáveis pela ação social. E aquié possível pensar sobre a ação política dos educadores. A escola não muda a sociedade, mas pode,partilhando esse projeto com segmentos sociais que assumem os princípios democráticos, articulando-se a eles, constituir-se não apenas como espaço de reprodução mas também como espaço detransformação.

Essa possibilidade não é dada, nem é automaticamente decorrente da vontade. É antes umprojeto de atuação político-pedagógica que implica avaliar práticas e buscar, explícita e sistemati-camente, caminhar nessa direção.

A concretização desse projeto passa pela compreensão de que as práticas pedagógicas sãosociais e políticas e de que não se trata de educar para a democracia — para o futuro. Na açãomesma da educação, educadores e educandos estabelecem uma determinada relação com o trabalhoque fazem (ensinar e aprender) e a natureza dessa relação pode conter (em maior ou menor medida)os princípios democráticos.

A relação educativa é uma relação política, por isso a questão da democracia se apresentapara a escola da mesma forma que se apresenta para a sociedade. Essa relação se define na vivênciada escolaridade em sua forma mais ampla, desde a estrutura escolar, em como a escola se insere ese relaciona com a comunidade, nas relações entre os trabalhadores da escola, na distribuição deresponsabilidades e poder decisório, nas relações entre professor e aluno, na relação com oconhecimento.

A eleição de conteúdos, por exemplo, ao incluir questões que possibilitem a compreensão ea crítica da realidade, ao invés de tratá-los como dados abstratos a serem aprendidos apenas para

1. No documento de Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais encontram-se explicitados a fundamentação e os princípiosgerais dessa proposta. Nos documentos de Áreas e Temas Transversais, essa questão reaparece na especificidade de cada um deles.

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“passar de ano”, oferece aos alunos a oportunidade de se apropriarem deles como instrumentospara refletir e mudar sua própria vida. Por outro lado, o modo como se dá o ensino e a aprendizagem,isto é, as opções didáticas, os métodos, a organização e o âmbito das atividades, a organização dotempo e do espaço que conformam a experiência educativa, ensinam valores, atitudes, conceitos epráticas sociais. Por meio deles pode-se favorecer em maior ou menor medida o desenvolvimentoda autonomia e o aprendizado da cooperação e da participação social. Entretanto, é preciso observarque a contradição é intrínseca a qualquer instituição social e, ainda que se considerem todas essasquestões, não se pode pretender eliminar a presença de práticas e valores contraditórios na atuaçãoda escola e dos educadores. Esse não é um processo simples: não existem receitas ou modelosprefixados. Trata-se de um fazer conjunto, um fazer-se na cumplicidade entre aprender e ensinar,orientado por um desejo de superação e transformação. O resultado desse processo não é controlávelnem pela escola, nem por nenhuma outra instituição: será forjado no processo histórico-social.

A contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de educação comprometidacom o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na realidade para transformá-la. Umprojeto pedagógico com esse objetivo poderá ser orientado por três grandes diretrizes:

• posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefaeducativa como uma intervenção na realidade no momento presente;

• não tratar os valores apenas como conceitos ideais;

• incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conheci-mento escolar.

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OS TEMAS TRANSVERSAIS

A educação para a cidadania requer, portanto, que questões sociais sejam apresentadas para

a aprendizagem e a reflexão dos alunos.

A inclusão de questões sociais no currículo escolar não é uma preocupação inédita. Essas

temáticas já têm sido discutidas e incorporadas às áreas ligadas às Ciências Sociais e Ciências

Naturais, chegando mesmo, em algumas propostas, a constituir novas áreas, como no caso dos

temas Meio Ambiente e Saúde.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais incorporam essa tendência e a incluem no currículo de

forma a compor um conjunto articulado e aberto a novos temas, buscando um tratamento didático

que contemple sua complexidade e sua dinâmica, dando-lhes a mesma importância das áreas

convencionais. O currículo ganha em flexibilidade e abertura, uma vez que os temas podem ser

priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais e outros

temas podem ser incluídos.

O conjunto de temas aqui proposto (Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde eOrientação Sexual) recebeu o título geral de Temas Transversais, indicando a metodologia propostapara sua inclusão no currículo e seu tratamento didático2 .

Esse trabalho requer uma reflexão ética como eixo norteador, por envolver posicionamentose concepções a respeito de suas causas e efeitos, de sua dimensão histórica e política.

A ética é um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico contemporâneo, mas étambém um tema presente no cotidiano de cada um, que faz parte do vocabulário conhecido porquase todos.

A reflexão ética traz à luz a discussão sobre a liberdade de escolha. A ética interroga sobre alegitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelo costume. Abrange tanto a críticadas relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e perante elas, quanto a dimensão dasações pessoais. Trata-se portanto de discutir o sentido ético da convivência humana nas suas relaçõescom várias dimensões da vida social: o ambiente, a cultura, a sexualidade e a saúde.

Critérios adotados para aeleição dos Temas Transversais

Muitas questões sociais poderiam ser eleitas como temas transversais para o trabalho escolar,

uma vez que o que os norteia, a construção da cidadania e a democracia, são questões que envolvem

múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social. Foram então estabelecidos os seguintes

critérios para defini-los e escolhê-los:

• U rgência socialEsse critério indica a preocupação de eleger como Temas Transversais

questões graves, que se apresentam como obstáculos para a concretização

2. Há mais um Tema Transversal proposto sob o título provisório “Trabalho, Consumo e Cidadania”, cujo documento está ainda emelaboração.

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da plenitude da cidadania, afrontando a dignidade das pessoas e deterio-

rando sua qualidade de vida.

• A brangência nacionalPor ser um parâmetro nacional, a eleição dos temas buscou contemplar

questões que, em maior ou menor medida e mesmo de formas diversas,

fossem pertinentes a todo o País. Isso não exclui a possibilidade e a

necessidade de que as redes estaduais e municipais, e mesmo as escolas,

acrescentem outros temas relevantes à sua realidade.

• Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamentalEsse critério norteou a escolha de temas ao alcance da aprendizagemnessa etapa da escolaridade. A experiência pedagógica brasileira, aindaque de modo não uniforme, indica essa possibilidade, em especial noque se refere à Educação para a Saúde, Educação Ambiental e Orienta-ção Sexual, já desenvolvidas em muitas escolas.

• F avorecer a compreensão da realidade e a participação socialA finalidade última dos Temas Transversais se expressa neste critério:que os alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diantedas questões que interferem na vida coletiva, superar a indiferença,intervir de forma responsável. Assim, os temas eleitos, em seu conjunto,devem possibilitar uma visão ampla e consistente da realidade brasileirae sua inserção no mundo, além de desenvolver um trabalho educativoque possibilite uma participação social dos alunos.

Temas Transversais

A seguir, serão descritos em linhas gerais os temas escolhidos. Para cada um deles existe umdocumento específico no qual são aprofundados e apresentados seus objetivos, conteúdos eorientações didáticas.

ÉT I CA

A Ética diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas. A pergunta ética por excelênciaé: “Como agir perante os outros?”. Verifica-se que tal pergunta é ampla, complexa e sua respostaimplica tomadas de posição valorativas. A questão central das preocupações éticas é a da justiçaentendida como inspirada pelos valores de igualdade e eqüidade. Na escola, o tema Ética encontra-se, em primeiro lugar, nas próprias relações entre os agentes que constituem essa instituição: alunos,professores, funcionários e pais. Em segundo lugar, o tema Ética encontra-se nas disciplinas docurrículo, uma vez que, sabe-se, o conhecimento não é neutro, nem impermeável a valores de todotipo. Finalmente, encontra-se nos demais Temas Transversais, já que, de uma forma ou de outra,tratam de valores e normas. Em suma, a reflexão sobre as diversas faces das condutas humanasdeve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação para a cidadania.Partindo dessa perspectiva, o tema Ética traz a proposta de que a escola realize um trabalho quepossibilite o desenvolvimento da autonomia moral, condição para a reflexão ética. Para isso forameleitos como eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo eSolidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentosda Constituição brasileira.

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PLURALIDADE CULTURA L

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar osdiferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada nãosó por diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes países. Além disso, asmigrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileirastêm características culturais bastante diversas e a convivência entre gruposdiferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceitoe pela discriminação. O grande desafio da escola é investir na superação dadiscriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnoculturalque compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetóriaparticular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse sentido, a escola deve ser localde diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando asdiferentes formas de expressão cultural.

MEIO AMBIENTE

A vida cresceu e se desenvolveu na Terra como uma trama, uma grande rede deseres interligados, interdependentes. Essa rede entrelaça de modo intenso eenvolve conjuntos de seres vivos e elementos físicos. Para cada ser vivo quehabita o planeta existe um espaço ao seu redor com todos os outros elementos eseres vivos que com ele interagem, por meio de relações de troca de energia: esseconjunto de elementos, seres e relações constitui o seu meio ambiente. Explicadodessa forma, pode parecer que, ao se tratar de meio ambiente, se está falandosomente de aspectos físicos e biológicos. Ao contrário, o ser humano faz partedo meio ambiente e as relações que são estabelecidas — relações sociais, econômicas e culturais— também fazem parte desse meio e, portanto, são objetos da área ambiental. Ao longo da história,o homem transformou-se pela modificação do meio ambiente, criou cultura, estabeleceu relaçõeseconômicas, modos de comunicação com a natureza e com os outros. Mas é preciso refletir sobrecomo devem ser essas relações socioeconômicas e ambientais, para se tomar decisões adequadas acada passo, na direção das metas desejadas por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida eo equilíbrio ambiental.

SA Ú D E

O nível de saúde das pessoas reflete a maneira como vivem, numa interação dinâmica entrepotencialidades individuais e condições de vida. Não se pode compreender ou transformar a situaçãode um indivíduo ou de uma comunidade sem levar em conta que ela é produzida nas relações como meio físico, social e cultural. Falar de saúde implica levar em conta, por exemplo, a qualidade doar que se respira, o consumismo desenfreado e a miséria, a degradação social e a desnutrição,formas de inserção das diferentes parcelas da população no mundo do trabalho, estilos de vidapessoal.

28

Atitudes favoráveis ou desfavoráveis à saúde são construídas desde a infância pela identificaçãocom valores observados em modelos externos ou grupos de referência. A escola cumpre papeldestacado na formação dos cidadãos para uma vida saudável, na medida em que o grau de escolaridadeem si tem associação comprovada com o nível de saúde dos indivíduos e grupos populacionais. Masa explicitação da educação para a Saúde como tema do currículo eleva a escola ao papel de forma-dora de protagonistas — e não pacientes — capazes de valorizar a saúde, discernir e participar dedecisões relativas à saúde individual e coletiva. Portanto, a formação do aluno para o exercício dacidadania compreende a motivação e a capacitação para o autocuidado, assim como a compreensãoda saúde como direito e responsabilidade pessoal e social.

ORI EN T A ÇÃ O SEX U A L

A Orientação Sexual na escola deve ser entendida como um processo de intervençãopedagógica que tem como objetivo transmitir informações e problematizar questões relacionadas àsexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados. Tal intervenção ocorreem âmbito coletivo, diferenciando-se de um trabalho individual, de cunho psicoterapêutico eenfocando as dimensões sociológica, psicológica e fisiológica da sexualidade. Diferencia-se tambémda educação realizada pela família, pois possibilita a discussão de diferentes pontos de vista associadosà sexualidade, sem a imposição de determinados valores sobre outros.

O trabalho de Orientação Sexual visa propiciar aos jovens a possibilidade do exercício de suasexualidade de forma responsável e prazerosa. Seu desenvolvimento deve oferecer critérios para odiscernimento de comportamentos ligados à sexualidade que demandam privacidade e intimidade,assim como reconhecimento das manifestações de sexualidade passíveis de serem expressas naescola. Propõem-se três eixos fundamentais para nortear a intervenção do professor: Corpo Humano,Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS.

A abordagem do corpo como matriz da sexualidade tem como objetivo propiciar aos alunosconhecimento e respeito ao próprio corpo e noções sobre os cuidados que necessitam dos serviçosde saúde. A discussão sobre gênero propicia o questionamento de papéis rigidamente estabelecidos

a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um e a flexibilização desses papéis. Otrabalho de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS possibilita oferecer informaçõescientíficas e atualizadas sobre as formas de prevenção das doenças. Deve também combater a

discriminação que atinge portadores do HIV e doentes de AIDS de forma a contribuir para a adoçãode condutas preventivas por parte dos jovens.

T EM A S L OCA I S

O trabalho com temas sociais na escola, por tratar de conhecimentos diretamente vinculadosà realidade, deve estar aberto à assimilação de mudanças apresentadas por essa realidade. As

mudanças sociais e os problemas que surgem pedem uma atenção especial para se estar sempreinteragindo com eles, sem ocultá-los. Assim, embora os temas tenham sido escolhidos em funçãodas urgências que a sociedade brasileira apresenta, dadas as grandes dimensões do Brasil e as

diversas realidades que o compõem, é inevitável que determinadas questões ganhem importânciamaior em uma região. Sob a denominação de Temas Locais, os Parâmetros Curriculares Nacionaispretendem contemplar os temas de interesse específico de uma determinada realidade a seremdefinidos no âmbito do Estado, da cidade e/ou da escola. Uma vez reconhecida a urgência social de

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um problema local, este poderá receber o mesmo tratamento dado aos outros Temas Transversais.Tomando-se como exemplo o caso do trânsito, vê-se que, embora esse seja um problema que

atinge uma parcela significativa da população, é um tema que ganha significação principalmentenos grandes centros urbanos, onde o trânsito tem sido fonte de intrincadas questões de naturezaextremamente diversa. Pense-se, por exemplo, no direito ao transporte associado à qualidade de

vida e à qualidade do meio ambiente; ou o desrespeito às regras de trânsito e a segurança demotoristas e pedestres (o trânsito brasileiro é um dos que, no mundo, causa maior número demortes). Assim, visto de forma ampla, o tema trânsito remete à reflexão sobre as características demodos de vida e relações sociais.

A transversalidade

Por tratarem de questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreasconvencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficientepara abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes camposdo conhecimento. Por exemplo, a questão ambiental não é compreensível apenas a partir dascontribuições da Geografia. Necessita de conhecimentos históricos, das Ciências Naturais, daSociologia, da Demografia, da Economia, entre outros. Por outro lado, nas várias áreas do currículoescolar existem, implícita ou explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais, istoé, todas educam em relação a questões sociais por meio de suas concepções e dos valores queveiculam. No mesmo exemplo, ainda que a programação desenvolvida não se refira diretamente àquestão ambiental e a escola não tenha nenhum trabalho nesse sentido, Geografia, História eCiências Naturais sempre veiculam alguma concepção de ambiente e, nesse sentido, efetivamuma certa educação ambiental.

Considerando esses fatos, experiências pedagógicas brasileiras e internacionais de trabalhocom educação ambiental, orientação sexual e saúde têm apontado a necessidade de que tais questõessejam trabalhadas de forma contínua e integrada, uma vez que seu estudo remete à necessidadede se recorrer a conjuntos de conhecimentos relativos a diferentes áreas do saber.

Diante disso optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se chama detransversalidade: pretende-se que esses temas integrem as áreas convencionais de forma a estarempresentes em todas elas, relacionando-as às questões da atualidade.

As áreas convencionais devem acolher as questões dos Temas Transversais de forma queseus conteúdos as explicitem e seus objetivos sejam contemplados. Por exemplo, na área de CiênciasNaturais, ao ensinar sobre o corpo humano, incluem-se os principais órgãos e funções do aparelhoreprodutor masculino e do feminino, relacionando seu amadurecimento às mudanças no corpo e nocomportamento de meninos e meninas durante a puberdade e respeitando as diferençasindividuais.

Dessa forma o estudo do corpo humano não se restringe à dimensão biológica, mas colocaesse conhecimento a serviço da compreensão da diferença de gênero (conteúdo de OrientaçãoSexual) e do respeito à diferença (conteúdo de Ética).

A integração, a extensão e a profundidade do trabalho podem se dar em diferentes níveis,segundo o domínio do tema e/ou a prioridade que se eleja nas diferentes realidades locais. Isso seefetiva mediante a organização didática eleita pela escola. É possível e desejável que conheci-

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mentos apreendidos em vários momentos sejam articulados em torno de um tema em questão demodo a explicitá-lo e dar-lhe relevância. Para se saber o que é saúde e como esta se preserva, épreciso ter alguns conhecimentos sobre o corpo humano, matéria da área de Ciências. É tambémpreciso ter conhecimentos sobre Meio Ambiente, uma vez que a saúde das pessoas depende daqualidade do meio em que vivem. Conhecimentos de Língua Portuguesa e Matemática tambémcomparecem: questões de saúde são temas de debates na imprensa, informações importantes sãoveiculadas por meio de folhetos; a leitura e a compreensão de tabelas e dados estatísticos sãoessenciais na percepção da situação da saúde pública. Portanto, o tema Saúde tem como especificidadeo fato de, além de conhecimentos inerentes a ele, nele convergirem conhecimentos de áreas distintas.Ao invés de se isolar ou de compartimentar o ensino e a aprendizagem, a relação entre os TemasTransversais e as áreas deve se dar de forma que:

• as diferentes áreas contemplem os objetivos e os conteúdos (fatos, conceitose princípios; procedimentos e valores; normas e atitudes) que os temas daconvivência social propõem;

• haja momentos em que as questões relativas aos temas sejam explicita-mente trabalhadas e conteúdos de campos e origens diferentes sejamcolocados na perspectiva de respondê-las.

Caberá ao professor mobilizar tais conteúdos em torno de temáticas escolhidas, de forma queas diversas áreas não representem continentes isolados, mas digam respeito aos diversos aspectosque compõem o exercício da cidadania.

Indo além do que se refere à organização dos conteúdos, o trabalho com a proposta da

transversalidade se define em torno de quatro pontos:

• os temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamentointegrado nas diferentes áreas;

• a proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir eatuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas asáreas, garantindo que a perspectiva político-social se expresse no

direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de obje-tivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas maisgerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as orientações didáticas;

• a perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógi-ca, pois rompe a limitação da atuação dos professores às atividades formaise amplia a sua responsabilidade com a sua formação dos alunos. Os TemasTransversais permeiam necessariamente toda a prática educativa queabarca relações entre os alunos, entre professores e alunos e entre dife-rentes membros da comunidade escolar;

• a inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático econtínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará umtratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas. Por exem-plo, se é desejável que os alunos desenvolvam uma postura de respeitoàs diferenças, é fundamental que isso seja tratado desde o início da esco-laridade e continue sendo tratado cada vez com maiores possibilidadesde reflexão, compreensão e autonomia. Muitas vezes essas questões

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são vistas como sendo da “natureza” dos alunos (eles são ou não sãorespeitosos), ou atribuídas ao fato de terem tido ou não essa educaçãoem casa. Outras vezes são vistas como aprendizados possíveis somentequando jovens (maiores) ou quando adultos. Sabe-se, entretanto, que éum processo de aprendizagem que precisa de atenção durante toda aescolaridade e a contribuição da educação escolar é de natureza com-plementar à familiar: não se excluem nem se dispensam mutuamente.

T RA N SV ERSA L I D A D E E I N T ERD I SCI PL I N A RI D A D E

A proposta de transversalidade pode acarretar algumas discussões do ponto de vista conceitual,como, por exemplo, a da sua relação com a concepção de interdisciplinaridade, bastante difundidano campo da pedagogia. Essa discussão é pertinente e cabe analisar como estão sendo consideradasnos Parâmetros Curriculares Nacionais as diferenças entre os dois conceitos, bem como suasimplicações mútuas.

Ambas — transversalidade e interdisciplinaridade — se fundamentam na crítica de umaconcepção de conhecimento que toma a realidade como um conjunto de dados estáveis, sujeitosa um ato de conhecer isento e distanciado. Ambas apontam a complexidade do real e a necessidadede se considerar a teia de relações entre os seus diferentes e contraditórios aspectos. Mas diferemuma da outra, uma vez que a interdisciplinaridade refere-se a uma abordagem epistemológica dosobjetos de conhecimento, enquanto a transversalidade diz respeito principalmente à dimensão dadidática.

A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimentoproduzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles —questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como éconhecida, historicamente se constituiu. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas.

A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, umarelação entre aprender na realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados(aprender sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade).

Na prática pedagógica, interdisciplinaridade e transversalidade alimentam-se mutuamente,pois o tratamento das questões trazidas pelos Temas Transversais expõe as inter-relações entreos objetos de conhecimento, de forma que não é possível fazer um trabalho pautado natransversalidade tomando-se uma perspectiva disciplinar rígida. A transversalidade promove umacompreensão abrangente dos diferentes objetos de conhecimento, bem como a percepção daimplicação do sujeito de conhecimento na sua produção, supe rando a dicotomia entre ambos. Poressa mesma via, a transversalidade abre espaço para a inclusão de saberes extra-escolares, possibili-tando a referência a sistemas de significado construídos na realidade dos alunos.

Os Temas Transversais, portanto, dão sentido social a procedimentos e conceitos própriosdas áreas convencionais, superando assim o aprender apenas pela necessidade escolar.

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COM O A T RA N SV ERSA L I D A D E SE A PRESEN T A N OSPA RÂ M ET ROS CU RRI CU L A RES N A CI ON A I S

A problemática trazida pelos temas transversais está contemplada nas diferentes áreascurriculares. Está presente em seus fundamentos, nos objetivos gerais, nos objetivos de ciclo, nosconteúdos e nos critérios de avaliação das áreas. Dessa forma, em todos os elementos do currículohá itens selecionados a partir de um ou mais temas. Com a transversalidade, os temas passam a serpartes integrantes das áreas e não externos e/ou acoplados a elas, definindo uma perspectiva parao trabalho educativo que se faz a partir delas.

É preciso atentar para o fato de que a possibilidade de inserção dos Temas Transversais nasdiferentes áreas (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte eEducação Física) não é uniforme, uma vez que é preciso respeitar as singularidades tanto dosdiferentes temas quanto das áreas.

Existem afinidades maiores entre determinadas áreas e determinados temas, como é o casode Ciências Naturais e Saúde ou entre História, Geografia e Pluralidade Cultural, em que atransversalidade é fácil e claramente identificável. Não considerar essas especificidades seria cairnum formalismo mecânico.

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ENSINO E APRENDIZAGEM DE

QUESTÕES SOCIAIS

A inclusão dos Temas Transversais exige a tomada de posição diante de problemasfundamentais e urgentes da vida social.

O ensino e a aprendizagemde valores e atitudes

Uma tomada de posição implica necessariamente eleger valores, aceitar ou questionar normas,

adotar uma ou outra atitude — e essas capacidades podem ser desenvolvidas por meio da aprendi-

zagem. Entretanto, considerar atitudes, normas e valores como conteúdos requer uma reflexão

sobre sua natureza e sua aprendizagem.

É necessário compreender que atitudes, normas e valores comportam uma dimensão social e

uma dimensão pessoal. Referem-se a princípios assumidos pessoalmente por cada um a partir dos

vários sistemas normativos que circulam na sociedade.

As atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto a cognição (conhecimentos e

crenças) quanto os afetos (sentimentos e preferências), derivando em condutas (ações e declarações

de intenção).

Normas e regras, por sua vez, são aqui entendidas como dispositivos que orientam padrões

de conduta a serem definidos e compartilhados pelos membros de um grupo. Os valores orientam

as ações e possibilitam fazer juízo crítico sobre o que se toma como objeto de análise. Vale lembrar

que existem diferenças e até conflitos entre sistemas de normas na sociedade, que respondem de

maneiras diversas às diferentes visões e interpretações do mundo.

Há valores e atitudes que dizem respeito aos conteúdos específicos das diferentes áreas(como, por exemplo, a valorização da literatura regional brasileira no tratamento de LínguaPortuguesa), cuja aprendizagem acontece simultaneamente à dos conceitos e prcedimentos daquelasáreas, por meio de atividades sistematizadas e planejadas.

No entanto, outros não se restringem à especificidade das áreas; estão presentes no convíviosocial mais amplo que ocorre na escola, como é o caso do respeito às diferenças étnicas e culturaisentre as pessoas, da escolha do diálogo para esclarecer conflitos, do cuidado com o espaço escolare no próprio exercício do papel de estudante (como, por exemplo, no cuidado com o material, nacooperação com outros alunos nas ativi-dades escolares, no empenho nas atividades para realizá-las o melhor possível).

A aprendizagem de valores e atitudes é pouco explorada do ponto de vista pedagógico. Háestudos que apontam a importância da informação como um fator de formação e transformação devalores e atitudes. Conhecer os problemas ambientais e saber de suas conseqüências desastrosaspara a vida humana é importante para promover uma atitude de cuidado e atenção a essas questões,valorizar ações preservacionistas e aquelas que proponham a sustentabilidade como princípio paraa construção de normas que regulamentem as intervenções econômicas. Para cuidar de sua saúde,uma pessoa que não tenha saneamento básico onde mora precisa saber que esse é um direito seupara poder reivindicá-lo. Outras vezes, a informação é necessária para poder concretizar uma atitu-

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de de forma eficaz, como é o caso da solidariedade com alguém que se acidentou e necessita deprimeiros socorros: é preciso saber como prestá-los.

Mas é verdade também que somente a informação não é suficiente para ensinar valores eatitudes. Sabe-se, por exemplo, que o conhecimento de que a AIDS é uma doença sexualmentetransmissível não faz com que as pessoas tomem os cuidados necessários nas relações sexuais.

Existem fatores culturais importantes que determinam a impossibilidade de existência deuma relação direta entre informação-mudança de atitudes; é fundamental considerá-los na práticade ensino e aprendizagem de valores. É necessário atentar para as dimensões culturais que envolvemas práticas sociais. As dimensões culturais não devem ser nunca descartadas ou desqualificadas,pois respondem a padrões de identificação coletivos que são importantes. Eles são o ponto departida do debate e da reflexão educacional.

Além disso, tanto os conceitos e procedimentos quanto as ações pedagógicas mobilizam afetosdos educadores e dos alunos que se manifestam por meio de preferências e rejeições pelos diferentesconteúdos escolares. Daí a necessidade de se levar em conta os conhecimentos (e sentimentos)prévios dos alunos em relação aos conteúdos eleitos para o ensino.

Pensar sobre atitudes, valores e normas leva imediatamente à questão do comportamento. Asatitudes, alvo da atenção educativa, são disposições pessoais que tendem a se expressar por meiode comportamentos. Entretanto, há que se considerar que inúmeros fatores interferem nessa ex-pressão e um comportamento, em si, não reflete necessariamente a atitude de alguém. Tem-se porvezes, no cotidiano, comportamentos incoerentes, contraditórios, distanciados das atitudes e valoresque se acredita corretos. Isso significa que a coerência absoluta não existe, e na formação de atitudesvive-se um processo não-linear. Assim, o fato de duas crianças brigarem não significa que sejamviolentas ou que estejam desenvolvendo a atitude da violência como traço de sua personalidade.Ou ainda, quando uma criança quebra uma planta para brincar, não se pode deduzir imediatamenteque tenha uma atitude de desrespeito à natureza.

Nas relações interpessoais, não só entre professor e aluno, mas também entre os própriosalunos, o grande desafio é conseguir se colocar no lugar do outro, compreender seu ponto de vistae suas motivações ao interpretar suas ações. Isso desenvolve a atitude de solidariedade e a capaci-dade de conviver com as diferenças.

Essas considerações são especialmente importantes na educação fundamental, já que os alunosestão conhecendo e construindo seus valores e sua capacidade de gerir o próprio comportamento apartir deles.

Incluir explicitamente o ensino de valores e o desenvolvimento de atitudes no trabalho escolarnão significa, portanto, tomar como alvo, como instrumento e como medida da ação pedagógica ocontrole de comportamento dos alunos, mas sim intervir de forma permanente e sistemática nodesenvolvimento das atitudes. Apesar de ser um trabalho complexo, é necessário acompanhar deforma cuidadosa o processo dos alunos para compreender seus comportamentos no contexto amplodo desenvolvimento moral e social.

A PERSPECT I V A D A A U T ON OM I A

A autonomia refere-se, por um lado, a um nível de desenvolvimento psicológico (conformedesenvolvido no documento de Ética), implicando dessa forma uma dimensão individual, e, por

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outro lado, a uma dimensão social. A autonomia pressupõe uma relação com os outros. Não existea autonomia pura, como se fosse uma capacidade absoluta de um sujeito isolado. Nesse sentido,trata-se da perspectiva da construção de relações de autonomia. Por isso só é possível realizá-lacomo processo coletivo que implica relações de poder não-autoritárias.

Lembrando que a dimensão ética da democracia consiste na afirmação daqueles valores quegarantem a todos o direito a ter direitos, é preciso fazer uma distinção entre afirmação e imposiçãode valores.

A imposição, por si própria, contraria o princípio democrático da liberdade e, com isso, omáximo que se consegue é que as pessoas tenham “comportamentos adequados” quando sobcontrole externo, o que é essencialmente diferente da perspectiva da autonomia na construção devalores e atitudes.

O comportamento pessoal se articula com inúmeros outros fatores sociais, seja na manutenção,seja na transformação desses valores e das relações que os sustentam. Portanto, o desenvolvimentode atitudes pressupõe conhecer diferentes valores, poder apreciá-los, experimentá-los, analisá-loscriticamente e eleger livremente um sistema de valores para si.

Concretizar essa intenção exigirá que os valores eleitos e a intenção de ensiná-los sejamexplicitados para todos, principalmente para os alunos, e o trabalho pedagógico inclua a possibilidadede discussão e questionamento e a não-ocultação de contradições, conflitos e confrontos. Pressupõecompreender que conflitos são inerentes aos processos democráticos, são o que os fazem avançare, portanto, não são algo negativo a ser evitado. O fato de os alunos serem crianças e adolescentesnão significa que sejam passivos e recebam sem resistência ou contestação tudo o que implícita ouexplicitamente se lhes quer transmitir.

Isso significa valorizar positivamente a capacidade de questionar e propor mudanças, buscandoconstruir situações didáticas que potencializem tal capacidade e possibilitem o aprendizado demodo a utilizá-lo de forma conseqüente, responsável e eficaz. Como exemplos temos experiênciaseducativas de construção coletiva de regras de convívio escolar, de discussão coletiva de situações-problema na classe e na escola, de projetos de intervenção no espaço escolar e extra-escolar quepodem ser adaptadas aos níveis de escolaridade de acordo com a possibilidade dos alunos. Mesmonas séries iniciais é possível oferecer informações, vivências e reflexão sobre as causas e as nuançasdos valores que orientam os comportamentos e tratá-los como produtos de relações sociais, quepodem ser transformados.

Outra questão fundamental para o contexto escolar é a da relação entre autonomia eautoridade: permitir que valores e normas sejam discutidos, avaliados e reformulados não significaabolir, negar ou qualificar negativamente a autoridade dos educadores. Pelo contrário, reconhecê-la é fundamental, uma vez que é nela que se apóia a garantia de direitos e deveres no contextoescolar. Estabelecer relações de autonomia, necessárias à postura crítica, participativa e livre pres-supõe um longo processo de aprendizagem até que os alunos sejam capazes de atuar segundo seuspróprios juízos. Esse processo não dispensa a participação da autoridade dos adultos na sua orientação.O que se coloca é a necessidade de essa autoridade ser construída mediante a assunção plena daresponsabilidade de educar, de intervir com discernimento e justiça nas situações de conflito, de sepautar, coerentemente, pelos mesmos valores colocados como objetivo da educação dos alunos ede reconhecer que a autoridade dos educadores na escola se referenda numa sociedade que sequer democrática.

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OS M A T ERI A I S U SA D OS N A S SI T U A ÇÕESD I D Á T I CA S

Os materiais que se usam como recurso didático expressam valores e concepções a respeitode seu objeto. A análise crítica desse material pode representar uma oportunidade para sedesenvolverem os valores e as atitudes com os quais se pretende trabalhar.

Discutir sobre o que veiculam jornais, revistas, livros, fotos, propaganda ou programas de TVtrará à tona suas mensagens — implícitas ou explícitas — sobre valores e papéis sociais.

Várias análises já mostraram que na maioria dos livros didáticos, por exemplo, a mulher érepresentada apenas como dona de casa e mãe, enquanto o homem participa do mundo do trabalhoextradoméstico e nunca aparece em situações de relação afetiva com os filhos ou ocupado noscuidados da casa. Nesse exemplo, fica subentendida a concepção a respeito do papel que é e deveser desempenhado pelos diferentes sexos. A discussão dessa concepção esclarecerá sobre mensa-gens contraditórias com os valores e as atitudes que se escolheu trabalhar.

Portanto, a análise crítica dos diferentes materiais usados em situações didáticas, discutindo-os em classe, contrapondo-os a outras possibilidades e contextualizando-os histórica, cultural esocialmente, favorecerá evidenciar os valores que expressam, mostrando as formas como o fazem.

Isso é mais interessante do que simplesmente rejeitá-los quando negativos, porque favoreceo desenvolvimento da capacidade de analisá-los criticamente, de tal forma que os alunos, na medidade suas possibilidades e cada vez mais, os compreendam, percebam sua presença na sociedade efaçam escolhas pessoais e conscientes a respeito dos valores que elegem para si.

O ensino e a aprendizagemde procedimentos

Embora menos complexo que o trabalho com valores e atitudes, o ensino e a aprendizagemde procedimentos referentes ao trabalho com questões sociais merece atenção e definição dediretrizes por parte dos educadores.

Conforme definido na Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais, procedimentossão conteúdos que se referem a como atuar para atingir um objetivo e requerem a realização deuma série de ações de forma ordenada e não aleatória.

No caso das temáticas sociais trata-se de contemplar aprendizagens que permitam efetivar oprincípio de participação e o exercício das atitudes e dos conhecimentos adquiridos. Algunsexemplos: ao se tomar o Meio Ambiente como foco de preocupação fica clara a necessidade deque, ao aprender sobre essa temática, os alunos possam também aprender práticas que concorrampara sua preservação, tais como a organização e a participação em campanhas contra o desperdício.Nas temáticas relativas à Pluralidade Cultural a pesquisa em diferentes tipos de fonte permitereconhecer as várias formas de expressão ligadas às tradições culturais, assim como a consulta adocumentos jurídicos é necessária ao aprendizado das formas de atuação contra discriminações.

Também em relação a procedimentos o aprendizado é longo e processual. Aprende-se apraticar ações cada vez mais complexas, com maior autonomia e maior grau de sociabilidade. Durantea escolaridade fundamental é possível que os alunos atuem de forma cada vez mais elaborada, demodo que, ao final do processo, tenham desenvolvido ao máximo possível suas capacidades. Ascapacidades dos alunos das primeiras séries para planejar e desenvolver atividades coletivas (como

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campanhas ou edição de jornal) são extremamente dependentes da ajuda do professor. Essaspráticas produzem aprendizagens que, retomadas ao longo da escolaridade com desafios crescentes,permitirão ao final da oitava série que os alunos tenham ampliado suas possibilidades de ação no quese refere à autonomia, organização, capacidade de análise e planejamento.

A inclusão de tais conteúdos permite, portanto, tomar a prática como objeto de aprendizagem,o que contribui com o desenvolvimento da potencialidade e da competência dos alunos, condiçõesnecessárias à participação ativa, propositiva e transformadora, como requer a concepção de cidada-nia em que se baseiam estes Parâmetros Curriculares Nacionais.

O ensino e a aprendizagem de conceitos

No tratamento de questões sociais, da perspectiva aqui adotada, aprender a formular questõesa respeito da realidade e das relações que a compõem apresenta-se como fundamental. Essa étambém uma meta de longo prazo e seu ensino demanda um trabalho sobre conceitos, ainda queessa abordagem não seja acadêmica. A compreensão das questões sociais, o pensar sobre elas,analisá-las, fazer proposições e avaliar alternativas exigem a capacidade de representar informaçõese relacioná-las. Assim, as temáticas sociais, além de atitudes e procedimentos, propõem tambémconteúdos de natureza conceitual.

O convívio escolar

O convívio escolar refere-se a todas as relações e situações vividas na escola, dentro e forada sala de aula, em que estão envolvidos direta ou indiretamente todos os sujeitos da comunidadeescolar.

A busca de coerência entre o que se pretende ensinar aos alunos e o que se faz na escola (eo que se oferece a eles) é também fundamental. Não se terá sucesso no ensino de autocuidado ehigiene numa escola suja e abandonada. Nem se poderá esperar uma mudança de atitudes emrelação ao desperdício (importante questão ambiental) se não se realizarem na escola práticas quese pautem por esse valor. Trata-se, portanto, de oferecer aos alunos a perspectiva de que taisatitudes são viáveis, exeqüíveis, e, ao mesmo tempo, criar possibilidades concretas de experienciá-las.

É certo que muitas medidas estão fora do alcance dos educadores, mas há muitas delas quesão possíveis e, quando for o caso, a reivindicação aos responsáveis em torno da solução deproblemas é um importante ensinamento das atitudes de auto-estima, co-responsabilidade e par-ticipação.

O trabalho com os temas sociais se concretizará nas diversas decisões tomadas pelacomunidade escolar, o que aponta a necessidade de envolvimento de todos no processo de definiçãodo trabalho e das prioridades a serem eleitas. Assim, a opção por esse trabalho precisa mobilizartoda a comunidade escolar no processo de definição das propostas e das prioridades a seremeleitas para o seu desenvolvimento. O fundamental é que todos possam refletir sobre os objetivosa serem alcançados, de forma a que se definam princípios comuns em torno do trabalho a serdesenvolvido. Cada um — alunos, professores, funcionários e pais — terá sua função nesse trabalho.Para isso, é importante que as instâncias responsáveis pelas escolas criem condições, que a direção

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da escola facilite o trabalho em equipe dos professores e promova situações favoráveis à comuni-cação, ao debate e à reflexão entre os membros da comunidade escolar.

Para os professores polivalentes de primeiro e segundo ciclos, essas situações serãoespecialmente valiosas para que possam definir a forma de trabalhar com os Temas Transversais apartir da realidade de cada um e dentro das possibilidades da escola. Para os professores das diversasáreas, de terceiro e quarto ciclos, essas situações serão fundamentais para que possam coordenar aação de cada um e de todos em torno do trabalho conjunto com os Temas Transversais.

A interação da escola com acomunidade e com outras instituições

No que se refere às problemáticas sociais, além do que está continuamente sendo produzidono âmbito da Ciência, existem outros saberes produzidos em diversas instituições sociais.

O contato com as instituições e organizações (tais como postos de saúde, bibliotecas,organizações não-governamentais, grupos culturais, etc.), compromissadas com as questõesapresentadas pelos Temas Transversais, que desenvolvem atividades de interesse para o trabalhoeducativo, é uma rica contribuição, principalmente pelo vínculo que estabelece com a realidade daqual se está tratando. Por outro lado, representa uma forma de interação com o repertóriosociocultural, permitindo o resgate, no interior do trabalho escolar, da dimensão de produção cole-tiva do conhecimento e da realidade.

O educador como cidadão

Propor que a escola trate questões sociais na perspectiva da cidadania coloca imediatamentea questão da formação dos educadores e de sua condição de cidadãos. Para desenvolver sua práticaos professores precisam também desenvolver-se como profissionais e como sujeitos críticos narealidade em que estão, isto é, precisam poder situar-se como educadores e como cidadãos, e,como tais, participantes do processo de construção da cidadania, de reconhecimento de seus direi-tos e deveres, de valorização profissional.

Tradicionalmente a formação dos educadores brasileiros não contemplou essa dimensão. Asescolas de formação inicial não incluem matérias voltadas para a formação política nem para otratamento de questões sociais. Ao contrário, de acordo com as tendências predominantes em cadaépoca essa formação voltou-se para a concepção de neutralidade do conhecimento e do trabalhoeducativo.

Porém, o desafio aqui proposto é o de não esperar por professores que só depois de “prontos”ou “formados” poderão trabalhar com os alunos. Sem desconhecer a necessidade de investir naformação inicial e de criar programas de formação continuada, é possível afirmar-se que o debatesobre as questões sociais e a eleição conjunta e refletida dos princípios e valores, assim como aformulação e implementação do projeto educativo já iniciam um processo de formação e mudança.

Para o professor a escola não é apenas lugar de reprodução de relações de trabalho alienadase alienantes. É, também, lugar de possibilidade de construção de relações de autonomia, de criaçãoe recriação de seu próprio trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua relaçãocom a instituição, com o Estado, com os alunos, suas famílias e comunidades.

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A INSERÇÃO DOS TEMAS TRANSVERSAIS NOS PARÂMETROSCURRICULARES NACIONAIS

Os objetivos dos Temas Transversais

Ao lado do conhecimento de fatos e situações marcantes da realidade brasileira, de informaçõese práticas que lhe possibilitem participar ativa e construtivamente dessa sociedade, os objetivos doensino fundamental apontam a necessidade de que os alunos se tornem capazes de eleger critériosde ação pautados na justiça, detectando e rejeitando a injustiça quando ela se fizer presente, assimcomo criar formas não- violentas de atuação nas diferentes situações da vida. Tomando essa idéiacentral como meta, cada um dos temas traz objetivos específicos que os norteiam.

Os conteúdos dos Temas Transversais

Embora a transversalidade implique que os conteúdos dos Temas Transversais sejam con-templados pelas áreas e não configurem um aprendizado à parte delas, todos os temas têm,explicitados em seus documentos, o conjunto de conceitos, procedimentos, atitudes e valores aserem ensinados e aprendidos. Com isso buscou-se garantir que cada tema seja compreendidointegralmente, isto é, desde sua fundamentação teórica até sua tradução em elementos curriculares.Por um lado, para possibilitar que as equipes pedagógicas façam novas conexões entre eles e asáreas e/ou outros temas; por outro lado, porque o trabalho didático com as áreas não é suficientepara cobrir toda a demanda dos Temas Transversais. Há um sério trabalho educativo a ser feito noâmbito do convívio escolar e a especificação dos conteúdos de cada tema favorece a reflexão e oplanejamento desse trabalho. Além disso o trabalho com questões sociais exige que os educadoresestejam preparados para lidar com as ocorrências inesperadas do cotidiano. Existem situaçõesescolares não programáveis, emergentes, às quais devem responder, e, para tanto, necessitam terclareza e articular sua ação pontual ao que é sistematicamente desenvolvido com os alunos.

Além dessa apresentação, os conteúdos dos Temas Transversais fazem parte dos conteúdosdas áreas. Buscou-se contemplar a amplitude de cada tema mediante sua inserção no conjunto dasáreas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e EducaçãoFísica. Foram transversalizados, com a preocupação de respeitar as especificidades de cada temae de cada área.

Os conteúdos dos T emas T ransversais não estão apresentado s por ciclo.

Quanto à divisão dos conteúdos por ciclos, considerou-se que nos Temas Transversais nãohá nada que, a priori, justifique uma seqüenciação dos conteúdos. Ao contrário, os conteúdospodem ser abordados em qualquer ciclo, variando apenas o grau de profundidade e abrangênciacom que serão trabalhados. O que servirá para diferenciar os conteúdos e seqüenciá-los serão asquestões particulares de cada realidade, a capacidade cognitiva dos alunos e o próprio tratamentodidático dado aos conteúdos das diferentes áreas. A transversalidade possibilita ao professordesenvolver o trabalho com uma abordagem mais dinâmica e menos formalista.

T RA T A M EN T O D OS CON T EÚ D OS POR BL OCOS

Os conteúdos de cada tema receberam um tratamento por blocos, isto é, foram organizadosde forma a reunir os diversos conteúdos em função dos principais eixos de cada tema. Com isso,

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pretendeu-se garantir o equilíbrio e a coerência interna entre os conteúdos, apresentando-os dentrode um contexto que permita ao professor perceber as possíveis articulações e inter-relaçõesexistentes entre eles e, então, programá-los de acordo com a sua realidade. Assim, ainda que seincluam outros conteúdos, a presença desses eixos em qualquer proposta pode garantir queinformações e discussões fundamentais sejam contempladas.

Avaliação

Todos os Temas Transversais trazem um conjunto de conteúdos que, de acordo com aproposta de transversalidade, fazem parte do ensino de Língua Portuguesa, Matemática, História,Geografia, Ciências Naturais, Arte e Educação Física. Portanto, sua avaliação não é outra além daque é feita nessas áreas.

Entretanto, é preciso atentar para o fato de que a avaliação de valores, normas, atitudes e

procedimentos, que têm presença marcante entre os conteúdos dos Temas Transversais, é bastantedifícil.

Ao colocar a possibilidade da avaliação de atitudes não se pode deixar de salientar os limitesda atuação da escola nessa formação. Vale lembrar que a educação não pode controlar todos osfatores que interagem na formação do aluno e não se trata de impor determinados valores, mas de

ser coerente com os valores assumidos e de permitir aos alunos uma discussão sobre eles.

Embora se possa saber como, quando e onde intervir e que essa intervenção produz mudanças,sabe-se também que tais mudanças não dependem apenas das ações pedagógicas. As atitudes dascrianças não dependem unicamente da ação da escola, mas têm intrincadas implicações de naturezatanto psicológica quanto social, nas relações de vida familiar e comunitária. Pode-se, entretanto,intencionalmente direcionar e redirecionar a ação pedagógica em função dos objetivos e concepçõesdefinidas. Um papel essencial da avaliação será responder: “O que está sendo produzido com essaintervenção? Em que medida as situações de ensino construídas favoreceram a aprendizagem dasatitudes desejadas?”.

Em função disso, deve-se ter presente que a finalidade principal das avaliações é ajudar oseducadores a planejar a continuidade de seu trabalho, ajustando-o ao processo de seus alunos,buscando oferecer-lhes condições de superar obstáculos e desenvolver o autoconhecimento e aautonomia — e nunca de qualificar os alunos.

Capacidades como dialogar, participar e cooperar são conquistas feitas paulatinamente emprocessos nem sempre lineares, que necessitam ser reafirmados e retomados constantemente. Aqualificação, ou rotulação dos alunos, seja negativa ou positiva, tende a estigmatizá-los, a gerarcomportamentos estereotipados e obstaculizar o desenvolvimento, além de ser uma atitude autoritáriae desrespeitosa.

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ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS

A formação da cidadania se faz, antes de mais nada, pelo seu exercício. A escola possuicondição especial para essa tarefa e os Temas Transversais têm um papel diferenciado por tratarde assuntos diretamente vinculados à realidade e seus problemas. Essa especificidade apresentaalgumas questões para a escola que deverão ser observadas.

Participação

A participação é um princípio da democracia que necessita ser trabalhado: é algo que seaprende e se ensina. A escola será um lugar possível para essa aprendizagem, se promover aconvivência democrática no seu cotidiano, pois aprende-se a participar, participando. No entanto,se a escola negar aos alunos a possibilidade de exercerem essa capacidade, estará, ao contrário,ensinando a passividade, a indiferença e a obediência cega. É aqui que a importância do convívioescolar ganha amplitude, a fim de tomar a escola como espaço de atuação pública dos alunos.

O ensino e a aprendizagem da participação têm como suporte básico a realidade escolar parao uso efetivo dos procedimentos aprendidos, para a promoção das capacidades que se querdesenvolver. Assim, devem ser eleitos métodos e atividades que ofereçam experiências de apren-dizagem ricas em situações de participação, nas quais os alunos possam opinar, assumirresponsabilidades, colocar-se, resolver problemas e conflitos e refletir sobre as conseqüências deseus atos. Situações que envolvam atividades como seminários, exposição de trabalhos, organizaçãode campanhas, monitoria de grupos de estudos, eleição e desenvolvimento de projetos, etc.favorecem essa aprendizagem. No mesmo sentido se apresenta a possibilidade de conhecerinstituições públicas e privadas existentes na comunidade para pedir e oferecer apoio ao desenvol-vimento de projetos conjuntos em Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Culturale Ética.

É importante levar em consideração que a participação deve ser dimensionada a partir doslimites de possibilidade dos alunos e da complexidade das situações. Crianças pequenas têm, emgeral, maiores possibilidades de participar produtivamente em situações simples nas quais possamperceber com clareza as conseqüências de sua intervenção. À medida que sua autonomia e suacapacidade de abstração e reflexão aumentam e seu pensamento, capacidade de ação e sociabilidadese ampliam, podem tomar como desafio situações mais complexas e de maior abrangência. Aexistência de grêmio estudantil ou de grupos de atividade extraclasse (como os de teatro, porexemplo) incentiva e fortalece a participação dos alunos e amplia os limites da vida escolar.

Para garantir que as possibilidades de participação se desenvolvam, é necessária umaintervenção sistemática dos professores, de forma planejada, que vá se transformando de acordocom o desenvolvimento da autonomia dos alunos.

Normas e regras

A colocação das regras de funcionamento e das normas de conduta, de forma clara e explícita,é necessária ao convívio social na escola. Por outro lado, o esclarecimento de sua função é essencialpara que os alunos percebam o significado de segui-las e não as tomem como questão de meraobediência aos adultos. Entretanto, é preciso considerar que essa compreensão não aconteceespontaneamente e, portanto, deve ser objeto de ensino organizado e sistemático.

Uma das maneiras de favorecer a compreensão da natureza social das normas e regras éaprender a formulá-las no convívio escolar, dentro dos limites da instituição, enfatizando-as comoorganização coletiva.

Da mesma forma, a discussão e a avaliação de normas estabelecidas e sua possível reformulaçãopossibilitam aos alunos compreender seu caráter temporal e conjuntural. Entretanto, para que tenhasentido para os alunos, esse trabalho precisa estar contextualizado na vivência da comunidadeescolar, referindo-se a questões pertinentes ao trabalho pedagógico ou aos problemas do cotidiano,fazendo com que os alunos possam compreender os vários aspectos da instituição, perceber-se co-participantes e aprender a tomar decisões considerando outros motivos além de seus próprios.

ProjetosA organização dos conteúdos em torno de projetos, como forma de desenvolver atividades

de ensino e aprendizagem, favorece a compreensão da multiplicidade de aspectos que compõem arealidade, uma vez que permite a articulação de contribuições de diversos campos de conhecimen-to. Esse tipo de organização permite que se dê relevância às questões dos Temas Transversais,pois os projetos podem se desenvolver em torno deles e ser direcionados para metas objetivas oupara a produção de algo específico (como um jornal, por exemplo). Professor e alunos comparti-lham os objetivos do trabalho e os conteúdos são organizados em torno de uma ou mais questões.Uma vez definido o aspecto específico de um tema, os alunos têm a possibilidade de aplicar osconhecimentos que já possuem sobre o assunto; buscar novas informações e utilizar os conhecimentose os recursos oferecidos pelas diversas áreas para dar um sentido amplo à questão.

Para isso é importante que o professor planeje uma série de atividades organizadas edirecionadas para a meta preestabelecida, de forma que, ao realizá-las, os alunos tomem,coletivamente, decisões sobre o desenvolvimento do trabalho (no caso de um jornal, por exemplo,os assuntos que deverá conter, como se organizarão para produzir as matérias, o que cada matériadeverá abordar, etc.), assim como conheçam e discutam a produção uns dos outros.

Ao final do projeto, seu resultado pode ser exposto na forma de alguma atividade de atuaçãono meio, isto é, de uso no âmbito coletivo daquilo que foi produzido (seja no interior da classe, noâmbito da escola ou fora dela). Assim, os alunos sabem claramente o que e por que estão fazendo,aprendem também a formular questões e a transformar os conhecimentos em instrumento de ação.Para conduzir esse processo é necessário que o professor tenha clareza dos objetivos que queralcançar e formule claramente as etapas do trabalho.

A organização das etapas do projeto deverá ser previamente planejada de forma a comportaras atividades que se pretende realizar dentro do tempo e do espaço que se dispõe. Além disso,devem ser incluídas no planejamento saídas da escola para trabalho prático, para contato cominstituições e organizações. Deve-se ter em conta que essa forma de organização dos conteúdosnão representa um aumento de carga horária ou uma atividade extra.

ÉTICAÉTICA

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APRESENTAÇÃO

É ou não ético roubar um remédio, cujo preço é inacessível, para salvar alguém que, semele, morreria? Colocado de outra forma: deve-se privilegiar o valor “vida” (salvar alguém da morte)ou o valor “propriedade privada” (não roubar)? Seria um erro pensar que, desde sempre, os homenstêm as mesmas respostas para questões desse tipo. Com o passar do tempo, as sociedades mudame também mudam os homens que as compõem. Na Grécia antiga, por exemplo, a existência deescravos era perfeitamente legítima: as pessoas não eram consideradas iguais entre si, e o fato deumas não terem liberdade era considerado normal. Hoje em dia, ainda que nem sempre respeitados,os Direitos Humanos impedem que alguém ouse defender, explicitamente, a escravidão comoalgo legítimo.

O tema do documento de Ética, portanto, não é novo, mas é novo ter um documento quepossibilite abrir discussões sobre este assunto no contexto escolar.

Na primeira parte define-se o tema, descrevendo-o historicamente e referenciando-o aosvalores que orientam o exercício da cidadania numa sociedade democrática. Defende-se aimportância da escola na formação ética das novas gerações, na perspectiva da transversalidade,situando-a no contexto das diversas influências que a sociedade exerce sobre o desenvolvimentodas crianças. Após essas reflexões de cunho geral, são feitas considerações de ordem psicológica,procurando apontar o papel da afetividade e da racionalidade no desenvolvimento moral da criançae analisar o processo de socialização do aluno e as diversas fases de seu desenvolvimento.Finalizando a primeira parte, destinada a todo o ensino fundamental, são apresentados os objetivosgerais da proposta de formação ética dos alunos.

A segunda parte do documento, voltada para as quatro primeiras séries desse nível deensino, trata de conteúdos relacionados a respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo, discutea característica complexa da avaliação e apresenta orientações didáticas gerais.

Secretaria de Educação F undamental

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ÉTICAÉTICA

1ª PARTE

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IMPORTÂNCIA DO TEMA

O homem vive em sociedade, convive com outros homens e, portanto, cabe-lhe pensar e

responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de uma pergunta

fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. Ora, esta é a questão central da Moral e da

Ética.

Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como sinônimos: conjunto de princípios ou

padrões de conduta. Ética pode também significar Filosofia da Moral, portanto, um pensamento

reflexivo sobre os valores e as normas que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética

pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que um grupo estabelece para seu exercício

profissional (por exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, dos psicólogos, etc.).

Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distinção entre princípios que dão rumo ao pensar

sem, de antemão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras precisas e fechadas (moral).

Finalmente, deve-se chamar a atenção para o fato de a palavra “moral” ter, para muitos, adquirido

sentido pejorativo, associado a “moralismo”. Assim, muitos preferem associar à palavra ética os

valores e regras que prezam, querendo assim marcar diferenças com os “moralistas”.

Como o objetivo deste trabalho é o de propor atividades que levem o aluno a pensar sobre sua conduta

e a dos outros a partir de princípios, e não de receitas prontas, batizou-se o tema de Ética, embora freqüentemente

se assuma, aqui, a sinonímia entre as palavras ética e moral e se empregue a expressão clássica na área de

educação de “educação moral”. Parte-se do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, mais

ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses valores para nortear as ações em sociedade. Situações

dilemáticas da vida colocam claramente essa necessidade. Por exemplo, é ou não ético roubar um remédio,

cujo preço é inacessível, para salvar alguém que, sem ele, morreria? Colocado de outra forma: deve-se

privilegiar o valor “vida” (salvar alguém da morte) ou o valor “propriedade privada” (no sentido de não

roubar)?

Seria um erro pensar que, desde sempre, os homens têm as mesmas respostas para questõesdesse tipo. Com o passar do tempo, as sociedades mudam e também mudam os homens que ascompõem. Na Grécia antiga, por exemplo, a existência de escravos era perfeitamente legítima: aspessoas não eram consideradas iguais entre si, e o fato de umas não terem liberdade era consideradonormal. Outro exemplo: até pouco tempo atrás, as mulheres eram consideradas seres inferiores aoshomens, e, portanto, não merecedoras de direitos iguais (deviam obedecer a seus maridos). Outroexemplo ainda: na Idade Média, a tortura era considerada prática legítima, seja para a extorsão deconfissões, seja como castigo. Hoje, tal prática indigna a maioria das pessoas e é considerada imoral.Portanto, a moralidade humana deve ser enfocada no contexto histórico e social. Por conseqüência,um currículo escolar sobre a ética pede uma reflexão sobre a sociedade contemporânea na qual estáinserida a escola; no caso, o Brasil do século XX.

Tal reflexão poderia ser feita de maneira antropológica e sociológica: conhecer a diversidade devalores presentes na sociedade brasileira. No entanto, por se tratar de uma referência curricularnacional que objetiva o exercício da cidadania, é imperativa a remissão à referência nacional brasileira:a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Nela, encontram-se elementosque identificam questões morais.

Por exemplo, o art. 1o traz, entre outros, como fundamentos da República Federativa doBrasil a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. A idéia segundo a qual todo ser humano,sem distinção, merece tratamento digno corresponde a um valor moral. Segundo esse valor, a perguntade como agir perante os outros recebe uma resposta precisa: agir sempre de modo a respeitar a

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dignidade, sem humilhações ou discriminações em relação a sexo ou etnia. O pluralismo político,embora refira-se a um nível específico (a política), também pressupõe um valor moral: os homenstêm direito de ter suas opiniões, de expressá-las, de organizar-se em torno delas. Não se deve,portanto, obrigá-los a silenciar ou a esconder seus pontos de vista; vale dizer, são livres. E, natural-mente, esses dois fundamentos (e os outros) devem ser pensados em conjunto. No art. 5o, vê-seque é um princípio constitucional o repúdio ao racismo, repúdio esse coerente com o valor dignidadehumana, que limita ações e discursos, que limita a liberdade às suas expressões e, justamente,garante a referida dignidade.

Devem ser abordados outros trechos da Constituição que remetem a questões morais. Noart. 3o, lê-se que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (entreoutros): I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; III) erradicar a pobreza e a marginalizaçãoe reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos, sem preconceitos deorigem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não é difícil identificarvalores morais em tais objetivos, que falam em justiça, igualdade, solidariedade, e sua coerênciacom os outros fundamentos apontados. No título II, art. 5o, mais itens esclarecem as bases moraisescolhidas pela sociedade brasileira: I) homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; (...)III) ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) VI) éinviolável a liberdade de consciência e de crença (...); X) são invioláveis a intimidade, a vidaprivada, a honra e a imagem das pessoas (...).

Tais valores representam ótima base para a escolha de conteúdos do tema Ética.

Porém, aqui, três pontos devem ser devidamente enfatizados.

O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de “núcleo” moral de uma sociedade, ouseja, valores eleitos como necessários ao convívio entre os membros dessa sociedade. A partirdeles, nega-se qualquer perspectiva de “relativismo moral”, entendido como “cada um é livrepara eleger todos os valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira não é permitido agirde forma preconceituosa, presumindo a inferioridade de alguns (em razão de etnia, raça, sexo oucor), sustentar e promover a desigualdade, humilhar, etc. Trata-se de um consenso mínimo, de umconjunto central de valores, indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto central,cai-se na anomia, entendida seja como ausência de regras, seja como total relativização delas (cadaum tem as suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a democracia, ou, no casodo Brasil, impede-se a construção e o fortalecimento do país.

O segundo ponto diz respeito justamente ao caráter democrático da sociedade brasileira. Ademocracia é um regime político e também um modo de sociabilidade que permite a expressãodas diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade. Portanto, para além do quese chama de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tolerância, a sabedoria deconviver com o diferente, com a diversidade (seja do ponto de vista de valores, como de costumes,crenças religiosas, expressões artísticas, etc.). Tal valorização da liberdade não está em contradi-ção com a presença de um conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, justamente,a possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe fronteiras precisas para que todos possam usufruirdela, para que todos possam preservá-la.

O terceiro ponto refere-se ao caráter abstrato dos valores abordados. Ética trata de princípiose não de mandamentos. Supõe que o homem deva ser justo. Porém, como ser justo? Ou como agirde forma a garantir o bem de todos? Não há resposta predefinida. É preciso, portanto, ter claro quenão existem normas acabadas, regras definitivamente consagradas. A ética é um eterno pensar,refletir, construir. E a escola deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa construção,serem livres e autônomos para pensarem e julgarem.

Mas será que cabe à escola empenhar-se nessa formação? Na história educacional brasileira, aresposta foi, em várias épocas, positiva. Em 1826, o primeiro projeto de ensino público apresentado

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à Câmara dos Deputados previa que o aluno deveria ter “conhecimentos morais, cívicos e econômi-cos”. Não se tratava de conteúdos, pois não havia ainda um currículo nacional com elenco dematérias. Quando tal elenco foi criado (em 1909), a educação moral não apareceu como conteúdo,mas havia essa preocupação quando se tratou das finalidades do ensino. Em 1942, a Lei Orgânica doEnsino Secundário falava em “formação da personalidade integral do adolescente” e em acentuaçãoe elevação da “formação espiritual, consciência patriótica e consciência humanista” do aluno. Em1961, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional colocava entre suas normas a “formação morale cívica do aluno”. Em 1971, pela Lei n. 5.692/71, institui-se a Educação Moral e Cívica como áreada educação escolar no Brasil.

Porém, o fato de, historicamente, verificar-se a presença da preocupação com a formaçãomoral do aluno ainda não é argumento bastante forte. De fato, alguns poderão pensar que a escola,por várias razões, nunca será capaz de dar uma formação moral aceitável e, portanto, deve abster-se dessa empreitada. Outros poderão responder que o objetivo da escola é o de ensinarconhecimentos acumulados pela humanidade e não preocupar-se com uma formação mais amplade seus alunos. Outros ainda, apesar de simpáticos à idéia de uma educação moral, poderão perma-necer desconfiados ao lembrar a malfadada tentativa de se implantar aulas de Moral e Cívica nocurrículo.

Mesmo reconhecendo tratar-se de uma questão polêmica, a resposta dada por estes ParâmetrosCurriculares Nacionais é afirmativa: cabe à escola empenhar-se na formação moral de seus alunos. Porisso, apresenta-se uma proposta diametralmente diferente das antigas aulas de Moral e Cívica e explica-seo porquê.

As pessoas não nascem boas ou ruins; é a sociedade, quer queira, quer não, que educa moralmenteseus membros, embora a família, os meios de comunicação e o convívio com outras pessoas tenhaminfluência marcante no comportamento da criança. E, naturalmente, a escola também tem. É precisodeixar claro que ela não deve ser considerada onipotente, única instituição social capaz de educarmoralmente as novas gerações. Também não se pode pensar que a escola garanta total sucesso emseu trabalho de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia, tal diagnóstico não justificauma deserção. Mesmo com limitações, a escola participa da formação moral de seus alunos. Valorese regras são transmitidos pelo professores, pelos livros didáticos, pela organização institucional,pelas formas de avaliação, pelos comportamentos dos próprios alunos, e assim por diante. Então, aoinvés de deixá-las ocultas, é melhor que tais questões recebam tratamento explícito. Isso significaque essas questões devem ser objeto de reflexão da escola como um todo, ao invés de cada professortomar isoladamente suas decisões. Daí a proposta de que se inclua o tema Ética nas preocupaçõesoficiais da educação.

Acrescente-se ainda que, se os valores morais que subjazem aos ideais da Constituição brasileira nãoforem intimamente legitimados1 pelos indivíduos que compõem este país, o próprio exercício da cidadaniaserá seriamente prejudicado, para não dizer, impossível. É tarefa de toda sociedade fazer com que essesvalores vivam e se desenvolvam. E, decorrentemente, é também tarefa da escola.

Para saber como educar moralmente é preciso, num primeiro momento, saber o que a CiênciaPsicológica tem a dizer sobre os processos de legitimação, por parte do indivíduo, de valores e regras morais.

1. Entende-se por legitimados: conhecidos, plenamente aceitos e considerados válidos e necessários.

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LEGITIMAÇÃO DOS VALORESE REGRAS MORAIS

Diz-se que uma pessoa possui um valor e legitima as normas decorrentes quando, sem controleexterno, pauta sua conduta por elas. Por exemplo, alguém que não rouba por medo de ser presonão legitima a norma “não roubar”: apenas a segue por medo do castigo e, na certeza da impunidade,não a seguirá. Em compensação, diz-se que uma pessoa legitima a regra em questão ao segui-laindependentemente de ser surpreendida, ou seja, se estiver intimamente convicta de que essaregra representa um bem moral.

Mas o que leva alguém a pautar suas condutas segundo certas regras? Como alguns valorestornam-se traduções de um ideal de Bem, gerando deveres?

Seria mentir por omissão não dizer que falta consenso entre os especialistas a respeito decomo um indivíduo chega a legitimar determinadas regras e conduzir-se coerentemente com elas.Para uns, trata-se de simples costume: o hábito de certas condutas validam-nas. Para outros, aequação deveria ser invertida: determinadas condutas são consideradas boas, portanto, devem serpraticadas; neste caso, o juízo seria o carro-chefe da legitimação das regras. Para outros ainda,processos inconscientes (portanto, ignorados do próprio sujeito, e, em geral, constituídos durantea infância) seriam os determinantes da conduta moral. E há outras teorias mais.

Serão apresentadas a seguir algumas considerações norteadoras para o entendimento dosprocessos psicológicos presentes na legitimação de regras morais: a afetividade e a racionalidade.

Afetividade

Toda regra moral legitimada aparece sob a forma de uma obrigação, de um imperativo:deve-se fazer tal coisa, não se deve fazer tal outra. Como essa obrigatoriedade pode se instalar naconsciência? Ora, é preciso que os conteúdos desses imperativos toquem, em alguma medida, asensibilidade da pessoa; vale dizer, que apareçam como desejáveis. Portanto, para que um indivíduose incline a legitimar um determinado conjunto de regras, é necessário que o veja como traduzindoalgo de bom para si, como dizendo respeito a seu bem-estar psicológico, ao que se poderia chamarde seu “projeto de felicidade”2 . Se vir nas regras aspectos contraditórios ou estranhos ao seu bem-estar psicológico pessoal e ao seu projeto de felicidade, esse indivíduo simplesmente não legitimaráos valores subjacentes a elas e, por conseguinte, não legitimará as próprias regras. Poderá, àsvezes, comportar-se como se as legitimasse, mas será apenas por medo do castigo. Na certeza denão ser castigado, seja porque ninguém tomará conhecimento de sua conduta, seja porque nãohaverá algum poder que possa puni-lo, se comportará segundo seus próprios desejos. Em resumo,as regras morais devem apontar para uma possibilidade de realização de uma “vida boa”3 ; docontrário, serão ignoradas.

Porém, fica uma pergunta: sendo que os projetos de felicidade são variados, que dependeminclusive dos diferentes traços de personalidade, e sendo também que as regras morais devemvaler para todos (se cada um tiver a sua, a própria moral desaparece), como despertar o sentimentode desejabilidade para determinadas regras e valores, de forma que não se traduza em meroindividualismo?

2. Entende-se por “projeto de felicidade” um projeto de vida orientado pela busca da realização de um estado afetivo satisfatório,sentido como bom pela pessoa.3. A expressão “vida boa” é entendida aqui como a realização do “projeto de felicidade”.

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De fato, as condições de bem-estar e os projetos de felicidade são variados. Para alguns, porexemplo, o verdadeiro bem-estar nunca será usufruído na terra, mas sim alhures, após a morte. Taispessoas legitimam determinadas regras de conduta, inspiradas por certas religiões, como as deorigem cristã, porque, justamente, correspondem a um projeto de felicidade: ficar ao lado de Deuspara a eternidade. Aqui na terra, podem até aceitar viver distantes dos prazeres materiais, pois seubem-estar psicológico está em se preparar para uma “vida” melhor, após a morte física do corpo.Outros, pelo contrário, pensam que a felicidade deve acontecer durante a vida terrena, econseqüentemente não aceitam a idéia de que devam privar-se. E assim por diante. Verifica-se,portanto, que as formas de desejabilidade, derivadas de seus conteúdos, são variadas. No entanto,há um desejo que parece valer para todos e estar presente nos diversos projetos de felicidade: oauto-respeito.

A idéia básica é bastante simples. Cada pessoa tem consciência da própria existência, temconsciência de si. Tal consciência traduz-se, entre outras coisas, por uma imagem de si, ou melhor,imagens de si — no plural, uma vez que cada um tem várias facetas e não se resume a uma sódimensão. Ora, as imagens que cada um tem de si estão intimamente associadas a valores. Raramentesão meras constatações neutras do que se é ou não se é. Na grande maioria das vezes, as imagenssão vistas como positivas ou negativas. Vale dizer que é inevitável cada um pensar em si mesmocomo um valor. E, evidentemente, cada um procura ter imagens boas de si, ou seja, ver-se comovalor positivo. Em uma palavra, cada um procura se respeitar como pessoa que merece apreciação.É por essa razão que o auto-respeito, por ser um bem essencial, está presente nos projetos de bem-estar psicológico, nos projetos de felicidade, como parte integrante. Ninguém se sente feliz se nãomerecer mínima admiração, mínimo respeito aos próprios olhos.

O êxito na busca e construção do auto-respeito é fenômeno complexo. Quatro aspectoscomplementares são essenciais.

O primeiro diz respeito ao êxito dos projetos de vida que cada pessoa determina para si. Osprojetos variam muito de pessoa para pessoa, vão dos mais modestos empreendimentos até os maisousados. Mas, seja qual for o projeto escolhido, o mínimo êxito na sua execução é essencial aoauto-respeito. Raramente se está “de bem consigo mesmo” quando há fracassos repetidos. Avergonha decorrente, assim como a frustração, podem levar à depressão ou à cólera.

O segundo aspecto refere-se à esfera moral. Cada um tem inclinação a legitimar os valores enormas morais que permitam, justamente, o êxito dos projetos de vida e o decorrente auto-respeito.E, naturalmente, tenderá a não legitimar aqueles que representarem um obstáculo; aqueles queforem contraditórios com a busca e manutenção do auto-respeito. Assim, é sensato pensar que asregras que organizem a convivência social de forma justa, respeitosa e solidária têm grandes chancesde serem seguidas. De fato, a justiça permite que as oportunidades sejam iguais para todos, semprivilégios que, de partida ou no meio do caminho, favoreçam alguns em detrimento de outros. Seas regras forem vistas como injustas, dificilmente serão legitimadas.

O terceiro aspecto refere-se ao papel do juízo alheio na imagem que cada um tem de si.Pode-se afirmar o seguinte: a imagem e o respeito que uma pessoa tem de si mesma estão,naturalmente, referenciados em parte nos juízos que os outros fazem dela. Algumas podem serextremamente dependentes dos juízos alheios para julgar a si próprias; outras menos. Porém, ninguémé totalmente indiferente a esses juízos. São de extrema importância, pois alguém que nunca ouça acrítica alheia — positiva ou negativa — corre o risco de enganar-se sobre si mesmo. Então, a críticaé necessária. Todavia, há uma dimensão moral nesses juízos: é o reconhecimento do valor dequalquer pessoa humana, que não pode ser humilhada, violentada, espoliada, etc. Portanto, o respeito

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próprio depende também do fato de ser respeitado pelos outros. A humilhação — forma não rara derelação humana — freqüentemente leva a vítima a não legitimar qualquer outra pessoa como juiz ea agir sem consideração pelas pessoas em geral. As crianças conhecem esse mecanismo psicológico.Uma delas, perguntada a respeito dos efeitos da humilhação, afirmou que um aluno assim castigadoteria mais chances de reincidir no erro, pois pensaria: “Já estou danado mesmo, posso fazer o queeu quiser”. Em resumo, serão legitimadas as regras morais que garantirem que cada um desenvolvao respeito próprio, e este está vinculado a ser respeitado pelos outros.

O quarto e último aspecto refere-se à realização dos projetos de vida de forma puramente egoísta. Avalorização do sucesso profissional, coroado com gordos benefícios financeiros, o status social elevado, abeleza física, a atenção da mídia, etc., são valores puramente individuais (em geral relacionados à glória),que, para uma minoria, podem ser concretizados pela obtenção de privilégios (por exemplo, conhecer aspessoas certas que fornecem emprego ou acesso a instituições importantes), pela manipulação de outraspessoas (por exemplo, mentir e trapacear para passar na frente dos outros), e pela completa indiferençapelos outros membros da sociedade. Diz-se que se trata de uma minoria, pois é mero sonho pensar que todospodem ter carro importado, sua imagem na televisão, acesso aos corredores do poder político, etc. Mas ofato é que a valorização desse tipo de sucesso é traço marcante da sociedade atual (não só no Brasil, mas noOcidente todo) e tende a fazer com que as pessoas o procurem mesmo que o preço a ser pago seja o depassar por cima dos outros, das formas mais desonestas e até mesmo violentas. Resultado prático: a pessoaperderá o respeito próprio se não for bem-sucedida nos seus planos pessoais, mas não se, por exemplo,mentir, roubar, desprezar o vizinho, etc.

Ora, para que as regras morais sejam efetivamente legitimadas, é preciso que sejam partes integrantesdo respeito próprio, ou seja, que o auto-respeito dependa, além dos diversos êxitos na realização dos projetosde vida, do respeito pelos valores e regras morais. Assim, a pessoa que integrar o respeito pelas regrasmorais à sua identidade pessoal, à imagem positiva de si, com grande probabilidade agirá conforme taisregras.

Em resumo, a dimensão afetiva da legitimação dos valores e regras morais passa, de um lado, poridentificá-los como coerentes com a realização de diversos projetos de vida e, de outro, pela absorção dessesvalores e regras como valor pessoal que se procura resguardar para permanecer respeitando a si próprio.Assim, o auto-respeito articula, no âmago de cada um, a busca da realização dos projetos de vida pessoais eo respeito pelas regras coerentes com tal realização.

Na busca de maior clareza desta exposição, podem ser estabelecidas desde já duas decorrênciascentrais para a educação moral. São elas:

• A escola deve ser um lugar onde cada aluno encontre a possibilidade de seinstrumentalizar para a realização de seus projetos; por isso, a qualidade doensino é condição necessária à formação moral de seus alunos. Se não promoveum ensino de boa qualidade, a escola condena seus alunos a sérias dificuldadesfuturas na vida e, decorrentemente, a que vejam seus projetos de vida frustrados.

• Ao lado do trabalho de ensino, o convívio dentro da escola deve ser organizadode maneira que os conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivificadose compreendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de uma “vida boa”.Dessa forma, não somente os alunos perceberão que esses valores e as regrasdecorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade como serão integra-dos às suas personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los.

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Racionalidade

Se é verdade que não há legitimação das regras morais sem um investimento afetivo, étambém verdade que tal legitimação não existe sem a racionalidade, sem o juízo e a reflexão sobrevalores e regras. E isso por três razões, pelo menos.

A primeira: a moral pressupõe a responsabilidade, e esta pressupõe a liberdade e o juízo.Somente há responsabilidade por atos se houver a liberdade de realizá-los ou não. Cabem, portanto,o pensamento, a reflexão, o julgamento para, então, a ação. Em resumo, agir segundo critérios eregras morais implica fazer uma escolha. E como escolher implica, por sua vez, adotar critérios, aracionalidade é condição necessária à vida moral.

A segunda: a racionalidade e o juízo também comparecem no processo de legitimação dasregras, pois dificilmente tais valores ou regras serão legítimos se parecerem contraditórios entre siou ilógicos, se não sensibilizarem a inteligência. É por essa razão que a moral pode ser discutida,debatida, que argumentos podem ser empregados para justificar ou descartar certos valores. E,muitas vezes, é por falta dessa apreensão racional dos valores que alguns agem de forma impensa-da. Se tivessem refletido um pouco, teriam mudado de idéia e agido diferentemente. Após melhorjuízo, arrependem-se do que fizeram. É preciso também sublinhar o fato de que pensar sobre amoralidade não é tarefa simples: são necessárias muita abstração, muita generalização e muitadedução.

Tomando-se o exemplo da mentira, verifica-se que poucas pessoas pensaram de fato sobreo que é a mentira. A maioria limita-se a dizer que ela corresponde a não dizer, intencionalmente,a verdade. Na realidade, mentir, no sentido ético, significa não dar uma informação a alguém quetenha o direito de obtê-la. Com essa definição, pode-se concluir que mentir por omissão nãosignifica trair a verdade, mas não revelá-la a quem tem direito de sabê-la.

Portanto, pensar, apropriar-se dos valores morais com o máximo de racionalidade é condiçãonecessária, tanto à legitimação das regras e ao emprego justo e ponderado delas, como à construçãode novas regras.

Finalmente, há uma terceira razão para se valorizar a presença da racionalidade na esferamoral: ter a capacidade de dialogar, essencial à convivência democrática. De fato, viver emdemocracia significa explicitar e, se possível, resolver conflitos por meio da palavra, da comunicação,do diálogo. Significa trocar argumentos, negociar. Ora, para que o diálogo seja profícuo, para quepossa gerar resultados, a racionalidade é condição necessária. Os interlocutores precisam expressar-se com clareza — o que pressupõe a clareza de suas próprias convicções — e serem capazes deentender os diferentes pontos de vista. Essas capacidades são essencialmente racionais, dependemdo pleno exercício da inteligência.

Aqui também são estabelecidas duas conseqüências centrais para a educação:

• A escola deve ser um lugar onde os valores morais são pensados,refletidos, e não meramente impostos ou frutos do hábito.

• A escola deve ser o lugar onde os alunos desenvolvam a arte do diálogo.

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DESENVOLVIMENTO MORALE SOCIALIZAÇÃO

Tanto a afetividade como a racionalidade desenvolvem-se a partir das interações sociais, desde ainfância e durante a vida toda. Como representam a base da moral, esta também se desenvolve.

Quanto ao respeito próprio, sua necessidade está presente em crianças ainda bem pequenas. Umacriança que passa por violências, por constantes humilhações, estará inclinada a se desvalorizar, a ter muitopouca confiança em si mesma; vale dizer que sua afetividade será provavelmente muito marcada por essasexperiências negativas. Vários autores já apontaram as desastrosas conseqüências dos sentimentos dehumilhação e vergonha para o equilíbrio psicológico. Isso não significa que sempre se devam fazer avaliaçõespositivas das condutas das crianças. Pelo contrário. Se a criança perceber que, seja qual for sua realização,ela recebe elogios, chegará facilmente à conclusão que tais elogios são falsos, sem valor. E pior ainda:acabará justamente por atribuir pouco valor a si mesma por pensar que os elogios representam uma formade consolá-la por seus fracassos reais. Portanto, não se trata em absoluto de, a todo momento, dar sinais deadmiração à criança, ou de induzi-la a pensar que é perfeita. A crítica de suas ações é necessária.Trata-se, isto sim, de dar-lhe todas as possibilidades de ter êxito no que empreender, e demons-trar interesse por esses empreendimentos, ajudando-a a realizá-los.

Embora o respeito próprio represente uma necessidade psicológica constante, ele se traduz de formasdiferentes nas diversas idades. Em linhas gerais, pode-se dizer que, entre oito e onze ou doze anos deidade4 , ele se traduz por pequenas realizações concretas. Não existe ainda um projeto de vida (ser ou fazertal coisa quando crescer) que justificaria um paciente trabalho de preparação. Os objetivos são mais imediatos,seu êxito deve ser rapidamente verificado. Pode-se dizer da criança que ela “é o que faz”, ou seja, aimagem que ela tem de si mesma está intimamente relacionada com suas ações. Sua autoconfiança dependedo êxito de suas ações. A partir dos onze ou doze anos, o respeito próprio torna-se mais abstrato: começaa basear-se nos traços de sua personalidade, traços que não necessariamente se traduzem em açõesconcretas. Projetos de vida começam a ser vislumbrados, e, por volta dos quinze anos (correspondente aofim do ensino fundamental), poderão já estar claramente equacionados. Portanto, o respeito próprio começaa ser baseado não apenas em sucessos momentâneos, mas sim em perspectivas referentes ao que é ser umhomem ou uma mulher de valor.

Os juízos e condutas morais também se desenvolvem com a idade, já que estão assentadosna afetividade e na racionalidade.

A primeira etapa do desenvolvimento moral da criança é chamada de heteronomia. Começapor volta dos três ou quatro anos e vai até oito anos em média. Nessa fase, a criança legitima asregras porque provêm de pessoas com prestígio e força: os pais (ou quem desempenha esse papel).Por um lado, se os pais são vistos como protetores e bons, a criança, por medo de perder seu amor,respeita seus mandamentos; se, por outro, são vistos como poderosos, seres imensamente maisfortes e sábios que ela, seus ditames são aceitos incondicionalmente. Vale dizer que a criança nãoprocura o valor intrínseco das regras: basta-lhe saber que quem as dita é uma pessoa “poderosa”.É neste sentido que se fala de moral heterônoma: a validade das regras é exterior a elas, estáassociada à fonte de onde provêm. Quatro características complementares da moral da criança sãodecorrência dessa heteronomia. A primeira é julgar um ato não pela intencionalidade que o presidiu,mas pelas suas conseqüências. Por exemplo, a criança julgará mais culpado alguém que tenha

4. A referência às idades apontadas no texto devem ser consideradas realmente como referências aproximadas. Sabe-se, pela investigaçãocientífica, que as etapas do desenvolvimento não são pontualmente marcadas e cada momento é sempre mesclado pela etapa que se iniciae pela anterior.

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quebrado dez copos sem querer do que outra pessoa que quebrou um só num ato proposital. Otamanho do dano material, no caso, é, para ela, critério superior às razões de por que os coposforam quebrados. A segunda característica é a de a criança interpretar as regras ao pé da letra, e nãono seu espírito. Assim, se uma regra afirma que não se deve mentir, sempre condenará qualquertraição à verdade, sem levar em conta que, no espírito dessa regra, é o respeito pelo bem-estar daoutra pessoa que está em jogo, e não o ato verbal em si. A terceira característica refere-se àscondutas morais: embora a criança, quando ouvida a respeito, defenda o valor absoluto das regrasmorais, freqüentemente comporta-se de forma diferente e até contraditória a elas. Esse fato provémdo não-entendimento da verdadeira razão de ser das regras; às vezes, sem saber, age de formaestranha a elas, mas pensando que as está seguindo. A quarta e última característica é o fato de acriança não conceber a si própria como pessoa legítima para criar e propor novas regras (caberia aela apenas conhecer e obedecer aquelas que já existem). Em uma palavra, todas as característicasdesta primeira fase do desenvolvimento moral decorrem da não-apropriação racional dos valores edas regras. A criança as aceita porque provêm dos pais “todo-poderosos”, e não procura descobrir-lhes a razão de ser. Ora, será justamente o que procurará fazer na próxima fase de seudesenvolvimento moral, a da autonomia.

Nesta etapa — a partir de oito anos em média — a criança inicia um processo no qual podecada vez mais julgar os atos levando em conta essencialmente a intencionalidade que os motivou,começar a compreender as regras pelo seu espírito (não mais ao pé da letra) e legitimá-las não maisporque provêm de seres prestigiados e poderosos, mas porque se convence racionalmente de suavalidade. O respeito que antes era unilateral — no sentido de respeitar as “autoridades”, mas semexigir a recíproca — torna-se mútuo: respeitar e ser respeitado. O medo da punição e da perda doamor, que inspirava as condutas na fase heterônoma, é substituído pelo medo de perder a estimados outros, perder o respeito dos outros, e perder o respeito próprio, moralmente falando. Finalmente,a criança se concebe como tendo legitimidade para construir novas regras, e colocá-las à apreciaçãode seus pares.

A conquista da autonomia não é imediata. Durante um tempo, o raio de ação dessa autonomiaainda está limitado ao grupo de amigos e pessoas mais próximas; mais tarde a criança passa aperceber-se como membro de uma sociedade mais ampla, com suas leis e instituições. É então,nessa época, que poderá refletir sobre os princípios que organizam um sistema moral humano(portanto, mais amplo que sua comunidade, como o grupo de amigos e conhecidos). No entanto, épreciso que fique claro que um sujeito, ao alcançar a possibilidade de exercer a autonomia moral,não necessariamente torna-se autônomo em todas as situações da vida. Os contextos sociais eafetivos em que está inserido podem contribuir ou mesmo impedir a autonomia moral.

Assim, é importante refletir sobre o que faz uma criança passar de um estado de heteronomiamoral, característico da infância, para um estado de autonomia moral.

Durante muito tempo, pensou-se que educação moral deveria ocorrer pela associação entrediscursos normatizadores, modelos edificantes a serem copiados, repressão, interdição e castigo.Hoje, sabe-se que o desenvolvimento depende essencialmente de experiências de vida que ofavoreçam e estimulem. No que se refere à moralidade, o mesmo fenômeno acontece. Por exemplo,na racionalidade: uma criança a quem nunca se dá a possibilidade de pensar, de argumentar, dediscutir, acaba freqüentemente por ter seu desenvolvimento intelectual embotado, nunca ousandopensar por si mesma, sempre refém das “autoridades” que tudo sabem por ela. Em relação ao auto-respeito: uma criança a quem nunca se dê a possibilidade de se afirmar, de ter êxito nos seusmenores empreendimentos, uma criança sempre humilhada, dificilmente desenvolverá alguma formade respeito próprio. Ora, sendo que o desenvolvimento moral depende da afetividade, notadamente

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do respeito próprio, e da racionalidade, e sendo que a qualidade das relações sociais tem forteinfluência sobre estas, a socialização também tem íntima relação com o desenvolvimento moral.Sendo que as relações sociais efetivamente vividas, experienciadas, têm influência decisiva noprocesso de legitimação das regras, se o objetivo é formar um indivíduo respeitoso das diferençasentre pessoas, não bastam belos discursos sobre esse valor: é necessário que ele possa experienciar,no seu cotidiano, esse respeito, ser ele mesmo respeitado no que tem de peculiar em relação aosoutros. Se o objetivo é formar alguém que procure resolver conflitos pelo diálogo, deve-se propor-cionar um ambiente social em que tal possibilidade exista, onde possa, de fato, praticá-lo. Se oobjetivo é formar um indivíduo que se solidarize com os outros, deverá poder experienciar o convívioorganizado em função desse valor. Se o objetivo é formar um indivíduo democrático, é necessárioproporcionar-lhe oportunidades de praticar a democracia, de falar o que pensa e de submeter suasidéias e propostas ao juízo de outros. Se o objetivo é que o respeito próprio seja conquistado peloaluno, deve-se acolhê-lo num ambiente em que se sinta valorizado e respeitado. Em relação aodesenvolvimento da racionalidade, deve-se acolhê-lo num ambiente em que tal faculdade sejaestimulada. A escola pode ser esse lugar. Deve sê-lo.

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ÉTICA E CURRÍCULO

Para situar a presente proposta curricular, é preciso começar por comentar algumas experiências— aqui classificadas por tendências — de formação moral que já foram tentadas, no Brasil e noexterior.

Experiênc ias educac iona is

T endência filosófica

Essa tendência tem por finalidade os vários sistemas éticos produzidos pela Filosofia (asidéias dos antigos filósofos gregos, por exemplo, ou aquelas do século XVIII, dito da Ilustração).Não se procura, portanto, apresentar o que é o Bem e o que é o Mal, mas as várias opções depensamento ético, para que os alunos os conheçam e reflitam sobre eles. E, se for o caso, queescolham o seu.

T endência cognitivista

A similaridade entre esta tendência e a anterior é a importância dada ao raciocínio e à reflexãosobre questões morais, e também a não-apresentação de um elenco de valores a serem “aprendidos”pelos alunos. A diferença está no conteúdo. Enquanto na primeira os alunos são convidados apensar sobre os escritos de grandes autores dedicados ao tema, na segunda apresentam-se dilemasmorais a serem discutidos em grupo. Um exemplo, já comentado anteriormente: pede-se aos alunosque discutam sobre a correção moral do ato de um marido que rouba um remédio para salvar amulher (que sofre de câncer), sendo que ele não tem dinheiro para comprá-lo e o farmacêutico,além de cobrar um preço muito alto, não quer de forma alguma facilitar as formas de pagamento.Verifica-se que tal dilema opõe dois valores: o respeito à lei ou à propriedade privada (não roubar)e à vida (a mulher à beira da morte). A ênfase do trabalho é dada na demonstração do porquê umaou outra opção é boa, e não na opção em si. Mas alguém poderá dizer que não se deve roubarporque senão se vai para a cadeia; outro poderá argumentar que as leis devem sempre ser seguidas,independentemente de haver ou não sanções. No primeiro caso, trata-se de medo da punição; nosegundo, de um espírito “legalista”. A opção final é a mesma (não roubar) mas o raciocínio étotalmente diferente. Ora, é justamente esse raciocínio que a tendência metodológica quer trabalhare desenvolver.

T endência afetivista

Trata-se de procurar fazer os alunos encontrarem seu equilíbrio pessoal e suas possibilidadesde crescimento intelectual mediante técnicas psicológicas. Procura-se fazer com que cada um tomeconsciência de suas orientações afetivas concretas, na esperança de que, de bem consigo mesmo,possa conviver de forma harmoniosa com seus semelhantes. Ao invés de se discutirem dilemasabstratos, como na proposta cognitivista, apreciam-se questões concretas acontecidas na vida dosalunos e procura-se pensar sobre as reações afetivas de cada um nas situações relatadas.

T endência moralista

A grande diferença entre esta tendência e as anteriores é que ela tem um objetivo claramentenormatizador: ensinar valores e levar os alunos a atitudes consideradas corretas de antemão. Enquanto aspropostas anteriores de certa forma esperam que os alunos cheguem a legitimar valores não claramente

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colocados pelos educadores, a tendência moralista evidencia tais valores e os impõe. Trata-se,portanto, de uma espécie de doutrinação. No Brasil, a proposta de Educação Moral e Cívica seguiuesse modelo.

T endência da escola democrática

Uma última tendência a ser destacada é a da escola democrática, que, contrariamente àsanteriores, não pressupõe espaço de aula reservado aos temas morais. Trata-se de democratizar asrelações entre os membros da escola, cada um podendo participar da elaboração das regras, dasdiscussões e das tomadas de decisão a respeito de problemas concretamente ocorridos na instituição.

São necessárias algumas reflexões sobre essas tendências. A tendência moralista tem avantagem de ser explícita: os alunos ficam sabendo muito bem quais valores os educadores queremque sejam legitimados. Sabem o que se espera deles. Porém, dois graves problemas aparecem. Umde nível ético: o espírito doutrinador dessa forma de se trabalhar. A autonomia dos alunos e suaspossibilidades de pensar ficam descartadas, pois a moralidade tende a ser apresentada como conjuntode regras acabadas. Em uma palavra, trata-se de um método autoritário, fato que, aliás, explica asreferências negativas que se fazem às antigas aulas de Moral e Cívica, que, por bastante tempo,desencorajou a educação moral nas escolas. Outro grave problema, conseqüência desse autoritarismo,é de nível pedagógico: o método não surte efeito, pois ouvir discursos, por mais belos que sejam,não basta para se convencer de que são válidos. A reflexão e a experiência são essenciais. O queacaba acontecendo freqüentemente com os métodos moralistas é que afastam os alunos dos valoresa serem aprendidos. As aulas tornam-se maçantes, não sensibilizam os alunos, não os convencem eacabam por desenvolver uma espécie de ojeriza pelos valores morais. O verbalismo desse tipo demétodo não dá resultado, assim como, aliás, não dá resultado em disciplina alguma: os alunos ouvem,repetem e esquecem. O único aspecto desse método a ser resguardado é a explicitação dos valores.O educador não deve “fazer de conta” que não tem valores, escondê-los. Estes devem ficar claros,transparentes. Mas, para isso, não é necessário montar um palanque para belos discursos.

Essas críticas apontam para métodos que procuram sensibilizar de alguma forma os alunospara as questões morais. A tendência afetivista faz isso, e acerta ao levar em conta os sentimentosdos alunos (as regras devem ser desejáveis para serem legitimadas, e isso leva ao campo afetivo).Porém, tal tendência apresenta três problemas. Um deles é, ao priorizar o trabalho com a afetividade,corre-se o risco de chegar a uma moral relativista: cada um é um e tem seus próprios valores. Esseindividualismo é incompatível com a vida em sociedade. Deve-se, é evidente, respeitar as diversasindividualidades, mas, em contrapartida, cada individualidade deve conviver com outras, portanto,deve haver regras comuns. O segundo problema diz respeito ao trabalho de sensibilização em si: éessencialmente trabalho — delicado — de psicólogo; pede formação específica que não é a doeducador em geral. Terceiro problema: pode levar a invasões da intimidade, os alunos sendo levadosa falar de si em público, sem as devidas garantias de sigilo.

Assim como a virtude da tendência afetivista é não menosprezar o lugar da afetividade nalegitimação das regras morais, a virtude das tendências filosofistas e cognitivistas é sublinhar opapel decisivo da racionalidade. Seu defeito é justamente limitarem-se ao objeto eleito. Conhecera filosofia é edificante, raciocinar sobre dilemas é atividade inteligente. Mas não é suficiente paratornar desejáveis as regras aprendidas e pensadas. Nem sempre excelentes argumentos racionaisfazem vibrar a corda da sensibilidade afetiva.

A virtude da escola democrática está em focalizar a qualidade das relações entre os agentesda instituição escolar. De fato, as relações sociais efetivamente vividas, experienciadas, são osmelhores e mais poderosos “mestres” em questão de moralidade. Para que servem belos discursossobre o Bem, se as relações internas à escola são desrespeitosas? De que adianta raciocinar sobre a

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paz, se as relações vividas são violentas? E assim por diante. Então, o cuidado com a qualidade dasrelações interpessoais na escola é fundamental. Pesquisas psicológicas levam a essa conclusão. Emais ainda: relações de cooperação, de diálogo, levam à autonomia, ou seja, à capacidade depensar, sem a coerção de alguma “autoridade” inquestionável. Relações de cooperação são relaçõesentre iguais, baseadas e reforçadoras do respeito mútuo, condição necessária ao convíviodemocrático. A democracia é, portanto, um modo de convivência humana e os alunos devemencontrar na escola a possibilidade de vivenciá-la. Daí a importância de se promoverem experiênciasde cooperação no seu seio.

Todavia, nem por isso as virtudes das outras tendências devem ser descartadas. Daí a presenteproposta inspirada na idéia de transversalidade5, que, além de resgatar a importância das experiênciasefetivamente vividas no ambiente escolar, também leva em conta a necessidade de deixar clarosalguns valores centrais (ver blocos de conteúdos), a apreensão racional da moral e a base afetivade sua legitimação.

Transversalidade

A proposta parte de observações e princípios relativamente simples de serem explicitados.

- Questões éticas encontram-se a todo momento em todas as disciplinas. Vale dizer quequestões relativas a valores humanos permeiam todos os conteúdos curriculares. É fácil verificaresse fato em História: as guerras, as diversas formas de poder político, as revoluções industriais eeconômicas, as colonizações, etc., dizem diretamente respeito às relações entre os homens. Emais ainda: o passado histórico é de extrema importância para se compreender o presente, osvalores contemporâneos, as atuais formas de relacionamento entre os homens, entre as comunida-des, entre os países. Em relação à Língua Portuguesa, deve-se considerar que a linguagem é oveículo da cultura do país onde é falada, que carrega os valores, portanto. Por exemplo, comparara chamada “norma culta” às outras formas de falar não é apenas comparar duas formas de secomunicar seguindo o critério do “certo” e do “errado”. É, sobretudo, pensar sobre as diversasformas de o homem se apoderar da cultura, suas possibilidades objetivas de fazê-lo.

O mesmo raciocínio pode ser feito em relação às Ciências Naturais e aos Temas Transversais.Por exemplo, ao se abordar a sexualidade — tema que suscita discussões éticas, uma vez que serefere a relações entre pessoas — e as doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS, pode-se abordar a questão do respeito pelo outro: preservar-se dessas doenças não se justifica apenaspelo zelo pela própria saúde e sobrevivência, mas também pelo respeito pela vida alheia, uma vezque o parceiro pode ser contaminado. Em relação ao Meio Ambiente, temas como a preservaçãoda natureza dizem respeito diretamente à vida humana, pois poluir rios causa problemas de doençasem quem depende de suas águas. Ou seja, desrespeitar a natureza significa desrespeitar as pessoasque dela dependem.

Em resumo, verifica-se que questões relacionadas à Ética permeiam todo o currículo. Portanto,não há razão para que sejam tratadas em paralelo, em horário específico de aula. Pelo contrário,passar ao lado de tais questões seria, justamente, prestar um desserviço à formação moral do aluno:induzi-lo a pensar que ética é uma “especialidade”, quando, na verdade, ela diz respeito a todas asatividades humanas.

5. Ver no documento de Apresentação dos Temas Transversais a exposição sobre transversali- dade.

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- A própria função da escola — transmissão do saber — levanta questões éticas. Para que ea quem servem o saber, os diversos conhecimentos científicos, as várias tecnologias? É necessáriorefletir sobre essa pergunta. Além do mais, sabe-se que um conhecimento totalmente neutro nãoexiste. É portanto necessário pensar sobre sua produção e divulgação. O ato de estudar tambémenvolve questões valorativas. Afinal, para que se estuda? Apenas na perspectiva de se garantircerto nível material de vida? Tal objetivo realmente existe, porém, estudar também é exercícioda cidadania: é por meio dos diversos saberes que se participa do mundo do trabalho, das variadasinstituições, da vida cotidiana, articulando-se o bem-estar próprio com o bem-estar de todos.

- As relações sociais internas à escola são pautadas em valores morais. Como devo agir commeu aluno, com meu professor, com meu colega? Eis questões básicas do cotidiano escolar. Aprática dessas relações formam moralmente os alunos. Como já apontado, se as relações foremrespeitosas, equivalerão a uma bela experiência de respeito mútuo. Se forem democráticas, nosentido de os alunos poderem participar de decisões a serem tomadas pela escola, equivalerão auma bela experiência de como se convive democraticamente, de como se toma responsabilidade,de como se dialoga com aquele que tem idéias diferentes das nossas. Do contrário, corre-se orisco de transmitir aos alunos a idéia de que as relações sociais em geral são e devem ser violentase autoritárias.

- As relações da escola com a comunidade também levantam questões éticas. De fato, aescola não é uma ilha isolada do mundo, da cidade ou do bairro. Ela ocupa lugar importante nasdiversas comunidades, pois envolve as famílias. Cada lugar tem especificidades que devem serrespeitadas e contempladas. Algumas das atividades de professores e alunos estão relacionadascom questões e problemas do lugar onde está a escola. Como participar da vida da comunidade?Como articular conhecimentos com as necessidades de um bairro ou de uma região? Eis questõesque envolvem decisões pautadas em valores que devem ser explicitados e refletidos.

Em suma, o tema Ética diz respeito a praticamente todos os outros temas tratados pelaescola. E mais ainda: diz respeito às relações humanas presentes no interior da escola e àquelasdos membros da escola com a comunidade. A proposta de transversalidade aparece como justificadapor várias razões, dentre as quais destacam-se três.

A primeira: não refazer o erro da má experiência da Moral e Cívica, que partia do pressupostoque a formação moral corresponde a uma “especialidade” e deveria ser isolada no currículo pormeio de aulas específicas.

A segunda: a problemática moral está presente em todas as experiências humanas e, portanto, deveser enfocada em cada uma dessas experiências que ocorrem tanto durante o convívio na escola como noembate com as diversas matérias.

A terceira: ajuda o aluno a não dividir a moral num duplo sistema de valores, aqueles que sefalam e aqueles que, de fato, inspiram as ações. Infelizmente, tal duplo sistema existe em nossasociedade. Associar a educação moral a discursos sobre o Bem e Mal nada mais faz do que reforçaro divórcio entre discurso e prática. Ao ancorar a educação moral na vivência social, reatam-se oslaços entre falar e agir.

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OBJETIVOS GERAIS DE ÉTICAPARA O ENSINO FUNDAMENTAL

O trabalho a ser realizado em torno do tema Ética durante o ensino fundamental deve organizar-se de forma a possibilitar que os alunos sejam capazes de:

• compreender o conceito de justiça baseado na eqüidade e sensibilizar-se pela necessidade da construção de uma sociedade justa;

• adotar atitudes de respeito pelas diferenças entre as pessoas, respeitoesse necessário ao convívio numa sociedade democrática e pluralista;

• adotar, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio àsinjustiças e discriminações;

• compreender a vida escolar como participação no espaço público,utilizando e aplicando os conhecimentos adquiridos na construção deuma sociedade democrática e solidária;

• valorizar e empregar o diálogo como forma de esclarecer conflitos etomar decisões coletivas;

• construir uma imagem positiva de si, o respeito próprio traduzido pelaconfiança em sua capacidade de escolher e realizar seu projeto de vida epela legitimação das normas morais que garantam, a todos, essarealização;

• assumir posições segundo seu próprio juízo de valor, considerandodiferentes pontos de vista e aspectos de cada situação.

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ÉTIC AÉTIC A

2ª PARTE

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OS CONTEÚDOS DE ÉTICA PARA OPRIMEIRO E SEGUNDO CICLOS

Uma vez que os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental destinam-se atodos os brasileiros e objetivam alcançar e fortalecer a meta maior que é a formação do cidadão,foram escolhidos temas morais que, necessariamente, devem ser contemplados paraque essa formação tenha êxito (o chamado “conjunto central” de valores). Os conteúdosapresentados aqui estão referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamen-tos da Constituição brasileira.

Cada sociedade, cada país é composto de pessoas diferentes entre si. Não somente sãodiferentes em função de suas personalidades singulares, como também o são relativamente acategorias ou grupos de pessoas: elas podem ser classificadas por sexo, etnia, classe social, opçãopolítica e ideológica, etc. É grande a diversidade das pessoas que compõem a população brasileira:diversas etnias, diversas culturas de origem, profissões, religiões, opiniões, etc.

Essa diversidade freqüentemente é alvo de preconceitos e discriminações, o que resulta emconflitos e violência. Assim, alguns acham que determinadas pessoas não merecem consideração,seja porque são mulheres, porque são negras, porque são nordestinas, cariocas, gaúchas, pobres,doentes, etc. Do ponto de vista da Ética, o preconceito pode traduzir-se de várias formas. A maisfreqüente é a não-universalização dos valores morais. Por exemplo, alguém pode considerar quedeve respeitar as pessoas que pertencem a seu grupo, ser honesto com elas, não enganá-las, nãoviolentá-las, etc., mas o mesmo respeito não é visto como necessário para com as pessoasde outros grupos. Mais ainda: mentir para membros de seu grupo pode ser considerado desonroso,mas enganar os “estranhos”, pelo contrário, pode ser visto como um ato merecedor de admiração.Outra tradução dos preconceitos é a intolerância: simplesmente não se aceita a diferença e tenta-se, de toda forma, censurá-la, silenciá-la. Finalmente, é preciso pensar na indiferença: o outro, pornão ser do mesmo grupo, é ignorado e não merecedor da mínima solidariedade.

O preconceito é contrário a um valor fundamental: o da dignidade humana. Segundo essevalor, toda e qualquer pessoa, pelo fato de ser um ser humano, é digna e merecedora de respeito.Portanto, não importa seu sexo, sua idade, sua cultura, sua raça, sua religião, sua classe social, seugrau de instrução, etc.: nenhum desses critérios aumenta ou diminui a dignidade de uma pessoa.Toda pessoa tem, em princípio, direito ao respeito de seus semelhantes, a uma vida digna (nosentido de boas condições de vida), a oportunidades de realizar seus projetos. Sem opção moral,uma sociedade democrática, pluralista por definição, é totalmente impossível de ser construída e oconceito de cidadania perde seu sentido. É portanto imperativo que a escola contribua para que adignidade do ser humano seja um valor conhecido e reconhecido pelos seus alunos.

Dois outros critérios nortearam a escolha dos conteúdos: a possibilidade de serem trabalhadosna escola e sua relevância tanto para o ensino das diversas áreas e temas quanto para o convívioescolar.

Foram organizados blocos de conteúdos, os quais correspondem a grandes eixos queestabelecem as bases de diversos conceitos, atitudes e valores complementares. Os blocos deconteúdos, assim como toda a proposta de Ética, referem-se a todo o ensino fundamental. Osconteúdos de cada bloco serão detalhados para os dois primeiros ciclos e já se encontram expressosnas áreas, transversalizados. Por impregnarem toda a prática cotidiana da escola, os conteúdos deÉtica priorizam o convívio escolar. São eles:

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• Respeito mútuo.

• Justiça.

• Diálogo.

• Solidariedade.

Cada um dos blocos de conteúdo está intimamente relacionado com os demais, assim comocom o princípio de dignidade do ser humano.

Respeito mútuo

O tema respeito é central na moralidade. E também é complexo, pois remete a várias dimensõesde relações entre os homens, todas “respeitosas”, mas em sentidos muito diferentes. Pode-se associar

respeito à idéia de submissão. É o caso quando se fala que alguma pessoa obedece incondicionalmentea outra. Tal submissão pode vir do medo: respeita-se o mais forte, não porque mereça algumreconhecimento de ordem moral, mas simplesmente porque detém o poder. Porém, também pode

vir da admiração, da veneração (porque é mais velho ou sábio, por exemplo), ou da importânciaatribuída a quem se obedece ou escuta (diz-se “respeito muito as opiniões de fulano”). Nessesexemplos, o respeito é compreendido de forma unilateral: consideração, obediência, veneração deum pelo outro, sem que a recíproca seja verdadeira ou necessária. Um intelectual observou bem a

presença desse respeito unilateral na sociedade brasileira, por meio de uma expressão popularmentefreqüente: “Sabe com quem está falando?”. Essa expressão traduz uma exigência de respeitounilateral: “Eu sou mais que você, portanto, respeite-me”. É a frase que muitas “autoridades”

gostam de empregar quando se sentem, de alguma forma, desacatadas no exercício de seu poder.

Porém, outra expressão popular também conhecida apresenta uma dimensão diferente do respeito:“Quem você pensa que é?”. Tal pergunta traduz a destituição de um lugar imaginariamente superiorque o interlocutor pensa ocupar. Essa expressão é a afirmação de um ideal de igualdade, ou melhor,de reciprocidade: se devo respeitá-lo, você também deve me respeitar; não é a falta de respeito,mas sim a negação de sua associação com submissão. Trata-se de respeito mútuo. E o predicadomútuo faz toda a diferença.

Ora, é claro que tanto a dignidade do ser humano quanto o ideal democrático de convívio socialpressupõem o respeito mútuo, e não o respeito unilateral.

A criança pequena (de até sete ou oito anos em média) concebe o respeito como unilateral,portanto, dirigido a pessoas prestigiadas, vistas por ela como poderosas. Com a socialização, aaprendizagem e o desenvolvimento psicológico decorrente, essa assimetria tende a ser substituídapela relação de reciprocidade: respeitar e ser respeitado: ao dever de respeitar o outro, articula-se odireito (e a exigência) de ser respeitado. Considerar o respeito mútuo como dever e direito é desuma importância, pois ao permanecer apenas um dos termos, volta-se ao respeito unilateral: “Devorespeitar, mas não tenho o direito de exigir o mesmo” ou “Tenho o direito de ser respeitado, masnão o dever de respeitar os outros”.

O respeito mútuo expressa-se de várias formas complementares. Uma delas é o dever dorespeito pela diferença e a exigência de ser respeitado na sua singularidade. Tal reciprocidadetambém deve valer entre pessoas que pertençam a um mesmo grupo. Deve valer quando se fazemcontratos que serão honrados, cada um respeitando a palavra empenhada e exigindo a recíproca. Orespeito pelos lugares públicos, como ruas e praças, também deriva do respeito mútuo. Como taisespaços pertencem a todos, preservá-los, não sujá-los ou depredá-los é dever de cada um, porquetambém é direito de cada um poder desfrutá-los.

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O respeito mútuo também deve valer na dimensão política. Embora política não se confundacom ética, a primeira não deve ser contraditória com a segunda. Logo, as diversas leis que regem opaís devem ser avaliadas também em função de sua justeza ética: elas devem garantir o respeitomútuo, pois o regime político democrático pressupõe indivíduos livres que, por intermédio de seusrepresentantes eleitos, estabelecem contratos de convivência que devem ser honrados por todos;portanto, o exercício da cidadania pressupõe íntima relação entre respeitar e ser respeitado.

Os seguintes conteúdos devem ser trabalhados para que o aluno evolua em sua formação, deacordo com os objetivos propostos:

• as diferenças entre as pessoas, derivadas de sexo, cultura, etnia, valores,opiniões ou religiões;

• o respeito a todo ser humano independentemente de sua origem social,etnia, religião, sexo, opinião e cultura;

• o respeito às manifestações culturais, étnicas e religiosas;

• o respeito mútuo como condição necessária para o convívio socialdemocrático: respeito ao outro e exigência de igual respeito para si;

• o respeito ao direito seu e dos outros ao dissenso;

• a coordenação das próprias ações com as dos outros, por meio do traba-lho em grupo;

• o respeito à privacidade como direito de cada pessoa;

• o contrato como acordo firmado por ambas as partes;

• a identificação de situações em que é ferida a dignidade do ser humano;

• o repúdio a toda forma de humilhação ou violência na relação com ooutro;

• as formas legais de lutar contra o preconceito;

• a utilização das normas da escola como forma de lutar contra o precon-ceito;

• a compreensão de lugar público como patrimônio de todos, cujo zelo édever de todos;

• o zelo pelo bom estado das dependências da escola;

• a valorização do patrimônio cultural e o zelo por sua conservação.

Justiça

O tema da justiça sempre atraiu todos aqueles que pensaram sobre a moralidade, desde osfilósofos gregos. Belíssimas páginas foram escritas, idéias fortes foram defendidas. O tema da justiça

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encanta e inquieta todos aqueles que se preocupam com a pergunta “Como devo agir perante osoutros?”. A rigor, ela poderia ser assim formulada: “Como ser justo com os outros?”, ou seja,“Como respeitar seus direitos? Quais são esses direitos? E os meus?”.

O conceito de justiça pode remeter à obediência às leis. Por exemplo, se a lei prevê que osfilhos são os herdeiros legais dos pais, deserdá-los será considerado injusto. Um juiz justo seráaquele que se atém à lei, sem feri-la. Será considerado injusto se, por algum motivo, resolverignorá-la.

Porém, o conceito de justiça vai muito além da dimensão legalista. De fato, uma lei pode serjusta ou não. A própria lei pode ser, ela mesma, julgada com base em critérios éticos. Por exemplo,no Brasil, existiu uma lei que proibia os analfabetos de votarem. Cada um, intimamente ligado àsua consciência, pode se perguntar se essa lei era justa ou não; se os analfabetos não têm o direitode participar da vida pública como qualquer cidadão; ou se o fato de não saberem ler e escrever ostorna desiguais em relação aos outros. Portanto, a ética pode julgar as leis como justas ou injustas.

As duas dimensões da definição de justiça são importantes. A dimensão legal da justiça deveser contemplada pelos cidadãos. Muitos, por não conhecerem certas leis, não percebem que sãoalvo de injustiças. Não conhecem seus direitos; se os conhecessem, teriam melhores condições delutar para que fossem respeitados. Porém, a dimensão ética é insubstituível, precisamente paraavaliar de forma crítica certas leis, para perceber como, por exemplo, privilegiam alguns emdetrimento de outros. E os critérios essenciais para se pensar eticamente sobre a justiça são igualdadee eqüidade.

A igualdade reza que todas as pessoas têm os mesmos direitos. Não há razão para algunsserem “mais iguais que os outros”. Eis um bolo a ser dividido: cada um deve receber parte igual. Eas crianças, desde cedo, pensam assim.

Porém, o conceito de igualdade deve ser sofisticado pelo de eqüidade. De fato, na grandemaioria das vezes, as pessoas não se encontram em posição de igualdade. Nascem com diferentestalentos, em diferentes condições sociais, econômicas, físicas, etc. Seria injusto não levar em contaessas diferenças e, por exemplo, destinar a crianças e adultos os mesmos trabalhos braçais pesados(infelizmente, no Brasil, tal injustiça acontece). As pessoas também não são iguais no que dizrespeito a seus feitos, e, da mesma forma, seria considerado injusto dar igual recompensa ou sançãoa todas as ações (por exemplo, punir todo crime, da menor infração ao assassinato, com pena deprisão). Portanto, fazer justiça deve, em vários casos, derivar de cálculo de proporcionalidade (porexemplo, pena proporcional ao crime). Nesses casos, o critério é o da eqüidade que restabelece aigualdade respeitando as diferenças: o símbolo da justiça é, precisamente, uma balança.

A importância do valor justiça para a formação do cidadão é evidente. Em primeiro lugar,para o convívio social, sobretudo quando se detém algum nível de poder que traz a responsabilidadede decisões que afetam a vida de outras pessoas. Um pai ou uma mãe, que têm poder sobre osfilhos e responsabilidade por eles, a todo momento devem se perguntar se suas decisões são justasou não. Numa escola, o professor também deve se fazer essa pergunta para julgar a atitude de seusalunos.

Em segundo lugar, para a vida política: julgar as leis segundo critérios de justiça, julgar adistribuição de renda de um país segundo o mesmo critério, avaliar se há igualdade de oportunidadesoferecidas a todos, se há impunidade para alguns, se o poder político age segundo o objetivo daeqüidade, se os direitos dos cidadãos são respeitados, etc. A formação para o exercício da cidadaniapassa necessariamente pela elaboração do conceito de justiça e seu constante aprimoramento.Uma sociedade democrática tem como principal objetivo ser justa, inspirada nos ideais de igualdade

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e eqüidade. Tarefa difícil que pede de todos, governantes e governados, muito discernimento emuita sensibilidade. Se um regime democrático não conseguir aproximar a sociedade do ideal dejustiça, se perdurarem as tiranias (nas quais o desejo de alguns são leis e os privilégios são normas),se os direitos de cada um (baseados na eqüidade) não forem respeitados, a democracia terá vidacurta. Por essa razão, apresentam-se nos conteúdos itens referentes ao exercício político dacidadania: embora ética e política sejam domínios diferentes, com suas respectivas autonomias, otema da justiça os une na procura da igualdade e da eqüidade.

Conteúdos a serem trabalhados:

• o reconhecimento de situações em que a eqüidade represente justiça(como, por exemplo, algumas regras diferenciadas para as criançasmenores, das séries iniciais, em função de sua idade, altura, capacidades,etc.);

• o reconhecimento de situações em que a igualdade represente justiça(como, por exemplo, as regras de funcionamento da classe, o cumpri-mento de horários);

• a identificação de situações em que a injustiça se faz presente; repúdioà injustiça;

• o conhecimento da importância e da função da Constituição brasileira;

• a compreensão da necessidade de leis que definem direitos e deveres;

• o conhecimento e compreensão da necessidade das normas escolaresque definem deveres e direitos dos agentes da instituição;

• o conhecimento dos próprios direitos de aluno e os respectivos deveres;

• a identificação de formas de ação diante de situações em que os direi-tos do aluno não estiverem sendo respeitados;

• a atitude de justiça para com todas as pessoas e respeito aos seuslegítimos direitos.

Diá logo

A comunicação entre os homens pode ser praticada em várias dimensões, que vão desde a

cultura como um todo, até a conversa amena entre duas pessoas. Ela pode ser fonte de riquezas e

alegrias: o contato que o artista estabelece com seu público, a discussão científica sobre algum

tema relevante, o debate caloroso sobre questões complexas, o silencioso diálogo de olhares entre

amantes. Não há dúvida de que um dos objetivos fundamentais da educação é fazer com que o

aluno consiga participar do universo da comunicação humana, apreendendo por meio da escuta, da

leitura, do olhar, as diversas mensagens (artísticas, científicas, políticas e outras) emitidas de diversas

fontes; e fazer com que seja capaz de, por meio da fala, da escrita, da imagem, emitir suas próprias

mensagens.

As Ciências Humanas e a Filosofia sempre refletiram muito sobre os comportamentos

agressivos do homem, que se traduzem tanto de forma verbal (por exemplo, os insultos) quanto de

forma física (surrar, bater, matar), tanto de forma individual quanto social (como no caso das guer-

ras civis ou entre países). Para alguns, a agressividade em relação ao outro é traço natural do

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homem, e o estabelecimento de uma sociedade onde as pessoas convivam com um mínimo de

harmonia e paz somente pode ser realizado mediante formas de repressão dessa agressividade.

Para outros, os comportamentos violentos são essencialmente causados por fatores sociais que

levariam inelutavelmente a condutas agressivas. Há, certamente, verdades nas duas posições.

De fato, é ter uma visão demasiadamente romântica do homem pensar que sua inclinação natural o

leva necessariamente a ter simpatia pelos outros homens e a solidarizar-se com eles. Tendências

agressivas existem. Mas não são as únicas. Verificam-se também tendências inatas para a compai-

xão, para a simpatia, para a reciprocidade. Na verdade, para maior clareza da questão, deve-se

abandonar a visão naturalista do homem (a natureza humana) e pensar sobre seus desejos e ações

de forma contextualizada.

A agressividade humana e seus comportamentos violentos decorrentes dependem em alto

grau de fatores sociais, de contextos culturais, de sistemas morais. Por exemplo, antigamente, era

habitual um homem defender sua honra matando o ofensor. Hoje, a defesa da honra tende a se dar

de forma indireta, por meio da justiça. Não muito tempo atrás, para alguns países (e ainda para

muitos), matar e morrer pela pátria era considerado normal, necessário e até glorioso. Após duas

terríveis guerras mundiais, em vários lugares, tal tradução do ideal patriótico arrefeceu. O homem

mudou e tal mudança somente pode ser compreendida levando-se em conta os fatores psicológicos

e sociais. Não foi o homem que se tornou menos agressivo, mas é a sociedade que reserva lugares

e valores diferentes à expressão dessa agressividade. Algumas pesquisas apontam para o fato de

que há maior violência nos lugares onde a desigualdade entre as pessoas (medida em termos de

qualidade de vida) é grande. Tal fenômeno é até fácil de ser compreendido: a dignidade de uma

pessoa será cruelmente ferida se vir que nada possui num lugar onde outros desfrutam do mais alto

luxo. E tal situação é freqüente no Brasil. Portanto, a violência não pode ser vista como qualidade

pessoal, mas como questão social diretamente relacionada à justiça.

A democracia é um regime político e um modo de convívio social que visa tornar viável uma

sociedade composta de membros diferentes entre si, tornar realidade o convívio pacífico numa

sociedade pluralista. Nela é garantida a expressão de diversas idéias, sejam elas dominantes ou não

(defendidas pela maioria). Vale dizer, a democracia dá espaço ao consenso e ao dissenso. Portanto,

o conflito entre pessoas é dimensão constitutiva da democracia. O diálogo é um dos principais

instrumentos desse sistema. É uma das razões pelas quais a democracia é um sistema complexo.

Dialogar pede capacidade de ouvir o outro e de se fazer entender. Sendo a democracia composta

de cidadãos, cada um deles deve valorizar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e também

saber dialogar. A escola é um lugar privilegiado onde se pode ensinar esse valor e aprender a

traduzi-lo em ações e atitudes.

Conteúdos a serem trabalhados:

• o uso e valorização do diálogo como instrumento para esclarecer conflitos;

• a coordenação das ações entre os alunos, mediante o trabalho em grupo;

• o ato de escutar o outro, por meio do esforço de compreensão do sentidopreciso da fala do outro;

• a formulação de perguntas que ajudem a referida compreensão;

• a expressão clara e precisa de idéias, opiniões e argumentos, de forma aser corretamente compreendido pelas outras pessoas;

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• a disposição para ouvir idéias, opiniões e argumentos alheios e reverpontos de vista quando necessário.

Solidariedade

A palavra “solidariedade” pode ser enganosa. De fato, os membros de uma quadrilha deestelionatários, por exemplo, podem ser solidários entre si, ajudando-se e protegendo-semutuamente. A mesma coisa pode acontecer com os membros de uma corporação profissional:alguns podem encobrir o erro de um colega para evitar que a imagem da profissão seja comprometida.Nesses casos, a solidariedade nada tem de ético. Pelo contrário, é condenável, pois só ocorre embenefício próprio: se a quadrilha ou a corporação correr perigo, cada membro em particular seráafetado. Portanto, ajuda-se os outros para salvar a si próprio.

O enfoque a ser dado para o tema solidariedade é muito próximo da idéia de “generosidade”:doar-se a alguém, ajudar desinteressadamente. A rigor, se todos fossem solidários nesse sentido,talvez nem se precisasse pensar em justiça: cada um daria o melhor de si para os outros.

A força da virtude da solidariedade dispensa que se demonstre sua relevância para as relações

interpessoais. Porém, o que pode às vezes passar despercebido são as formas de ser solidário. Não

se é solidário apenas ajudando pessoas próximas ou engajando-se em campanhas de socorro a

pessoas necessitadas (como depois de um terremoto ou enchente, por exemplo). Essas formas são

genuína tradução da solidariedade humana, mas há outras. Uma delas, que vale sublinhar aqui,

diretamente relacionada com o exercício da cidadania é a da participação no espaço público, na

vida política. O exercício da cidadania não se traduz apenas pela defesa dos próprios interesses e

direitos (embora tal defesa seja legítima), mas passa necessariamente pela solidariedade (por exem-

plo, atuar contra injustiças ou injúrias que outros estejam sofrendo). É pelo menos o que se espera

para que a democracia seja um regime político humanizado e não mera máquina burocrática.

Conteúdos a serem trabalhados:

• identificação de situações em que a solidariedade se faz necessária;

• as formas de atuação solidária em situações cotidianas (em casa, naescola, na comunidade local) e em situações especiais (calamidadespúblicas, por exemplo);

• a resolução de problemas presentes na comunidade local, por meio devariadas formas de ajuda mútua;

• as providências corretas, como alguns procedimentos de primeiros socorros,para problemas que necessitam de ajuda específica;

• o conhecimento da possibilidade de uso dos serviços públicos existentes, comopostos de saúde, corpo de bombeiros e polícia, e formas de acesso a eles;

• a sensibilidade e a disposição para ajudar as outras pessoas, quando issofor possível e desejável.

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CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Os critérios para avaliação aqui propostos destinam-se a explicitar o essencial a ser aprendido pelo

aluno, de modo a garantir a continuidade do trabalho. Serão referência tanto para o professor quanto

para o aluno. Deverão balizar o trabalho do professor na criação de situações de aprendizagem que

busquem garantir aos alunos o desenvolvimento das capacidades necessárias à construção progressiva

de conhecimentos para uma atuação pautada por princípios da ética democrática. Também deverão

informar o aluno sobre seus avanços e suas dificuldades e orientar os investimentos que ele deverá

fazer no seu processo de aprendizagem. De forma alguma deverão ser entendidos como índices de

qualificação moral do aluno.

• Perceber e respeitar diferentes pontos de vista nas si tuações de convívio

Espera-se que o aluno seja capaz de perceber e respeitar o fato de existirem, num grupo,

diferentes opiniões, desejos e idéias; diferentes formas de expressão e participação e diferentes

processos de aprendizagem, sendo o seu próprio um deles.

• U sar o diálogo como instrumento de comunicação na produção co letiva de idéias ena busca de solução de problemas

Espera-se que o aluno seja capaz de expor seus pensamentos e opiniões de forma a ser

entendido, colocar-se “no lugar do outro” para compreender seus sentidos e razões e posicionar-se

de maneira flexível.

• Buscar a justiça no enfrentamento das situações de conflito

Espera-se que o aluno seja capaz de acatar, dentre as possíveis soluções para os conflitos e

disputas que vivencia, a mais justa do ponto de vista ético, como critério de decisão — ainda que

mediante a intervenção do professor.

• A tuar de forma colaborativa nas relações pessoais, bem como sensibilizar-se porquestões sociais que demandam solidariedade

Espera-se que o aluno perceba situações cotidianas em que pode prestar ajuda — seja mate-

rial, moral ou compartilhando esforços com outras pessoas. Espera-se também que possa tomar

para si questões que se revertem em benefício de outros mais distantes, como, por exemplo, a

proteção ambiental para as novas gerações ou a garantia de direitos às minorias.

• Conhecer os limites colocados pela escola e participar da construção coletiva deregras que organizam a vida do grupo

Espera-se que o aluno saiba quais são os limites da escola, quem os determina e qual a sua

finalidade, compreendendo que as regras devem ser instrumentos tanto para organizar a vida cole-

tiva quanto para assegurar critérios de justiça e democracia. Da mesma forma, espera-se que, num

processo de construção coletiva, e com ajuda do professor, o aluno seja capaz de propor, avaliar e

acatar regras para o convívio escolar da classe e da escola.

• Participar de atividades em grupo com responsabilidade e colaboração

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Espera-se que o aluno seja capaz de assumir responsabilidades na execução de tarefas pla-

nejadas coletivamente, percebendo suas responsabilidades e limites em relação às diversas formas

de contribuição possíveis e necessárias, solicitando o mesmo de seus companheiros de trabalho.

Espera-se também que possa colocar seus pontos de vista e sugestões, argumentar em favor deles

e acatar outros, tendo em vista o objetivo comum — ainda que com ajuda do professor.

• Reconhecer diferentes formas de discriminação e injustiça

Espera-se que o aluno seja capaz de analisar, orientado pelo professor, situações que vivenciam

dentro e fora da escola e/ou divulgadas pela mídia, detectando discriminações de vários tipos,

avaliando-as e contrapondo-as à idéia de justiça.

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ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS

O presente item visa propor diretrizes gerais no que tange ao trabalho a ser realizado na escola.Um ponto central deve ser lembrado. A proposta parte da afirmação de que a formação moralconstrói-se a partir das experiências de vida. Tais experiências devem ser, portanto, captadas erefletidas pelo aluno, e isso, evidentemente, com a ajuda do professor. Assim, dois grandes momentosde experiências escolares devem ser destacados: 1o) a aprendizagem das diversas áreas e temas, 2o)o convívio escolar. São complementares: um conceito aprendido em sala de aula pode ser retomadono convívio escolar e vice-versa. Todavia, para maior clareza, para cada bloco de conteúdo, primeirose focará o convívio escolar e, em seguida, as demais áreas e temas transversais. Note-se ainda que,para não tornar o texto demasiadamente pesado, apenas serão citados as áreas e os temas que maisdiretamente têm relação com os conteúdos.

Respeito mútuo

Convívio escolar

A escola, sobretudo a escola pública, costuma receber um público heterogêneo. Para muitascrianças, a escola é a primeira oportunidade de conviver com pessoas diferentes. Uns são brancos,outros negros, outros mestiços, há meninos e meninas, pessoas de renda familiar desigual, oriun-das de famílias de diversas religiões e opiniões políticas, etc. Todos os alunos estão na sala de aulausufruindo do mesmo direito à educação. É excelente oportunidade para que aprendam que todossão merecedores de serem tratados com dignidade, cada um na sua singularidade.

Para isso, é necessário, antes de mais nada, que assim sejam tratados pelos professores edemais funcionários da escola. Isso se traduz tanto pelo tratamento respeitoso que recebem quantopelo empenho para que aprendam os conteúdos das diversas matérias. Para crianças que, talvez,não recebam o mesmo tratamento em outros lugares, a vivência de um relacionamento respeitoso,sem discriminações, será riquíssima aprendizagem: dar-lhes-á consciência e força para se indignaremquando acontecer de serem desrespeitadas na vida cotidiana.

O sentimento de que as diversas origens sociais não se traduzem por discriminações de todo

tipo tenderá a fazer com que os alunos também ajam de acordo com o valor da dignidade humana.Porém, é inevitável acontecer que, inspirados por preconceitos expressos aqui e ali, alguns alunosse mostrem agressivos e desrespeitosos com colegas diferentes deles. Aqui, deve ser feito umdestaque para preconceitos e desrespeitos freqüentes entre alunos: aqueles que estigmatizam

deficientes físicos ou simplesmente os gordos, os feios, os baixinhos, etc., em geral traduzidos porapelidos pejorativos. Nesses casos, o professor não deve admitir tais atitudes. Não se trata depunir os alunos; trata-se de explicar-lhes com clareza o que significa dignidade do ser humano,

demonstrar a total impossibilidade de se deduzir que alguma raça é melhor que outra, que um sexoé superior ao outro, que determinada cultura é a única válida, que atributos físicos determinampersonalidades, e assim por diante. Trata-se de fazer os alunos pensarem, refletirem a respeito de

suas atitudes. Porém, não está em jogo aceitarem-se possíveis preconceitos. Daí, a necessidade defirmeza na intervenção do professor. Tal firmeza é importante para que os alunos percebam que adignidade do ser humano não é mera opinião, mas princípio fundamental da ética e do convíviodemocrático. No entanto, é importante considerar que a firmeza se transmite também e sobretudo

pela coerência entre o discurso do professor e suas atitudes no convívio escolar. Dificilmente o

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professor conseguirá comunicar a importância do que diz, se não demonstrar a mesma firmeza emsuas próprias atitudes cotidianas.

A relação da escola com a comunidade é também fonte rica de convivência com pessoas deorigens variadas. Ao se fazer os alunos conhecerem os diversos aspectos da comunidade, preocupar-se com seus problemas e até ajudar na resolução deles, criam-se excelentes condições para queapreciem as diversas formas do viver humano, compreendam e valorizem o conceito de dignidade,traduzindo-o pela cooperação.

Quanto aos diversos ciclos, pode-se estabelecer o que segue. O conceito de ser humano, compreendidopara além de suas especificidades culturais, é demasiadamente abstrato para ser assimilado pelosalunos dos dois primeiros ciclos. É com exemplos concretos, notadamente aqueles retirados de suasexperiências de vida, que a idéia de dignidade poderá, pouco a pouco, tomar lugar. Portanto, comcrianças menores, não se trata de dar aulas filosóficas a respeito do tema, mas de fazê-las experienciaro respeito decorrente do princípio da dignidade.

A qualidade do convívio escolar para a compreensão e valorização da dignidade, evidentementevale para o respeito mútuo: o aluno deve sentir-se respeitado e também sentir que dele exigemrespeito. O convívio respeitoso na escola é a melhor experiência moral que o aluno pode viver.

Ao lado da garantia de convivência respeitosa geral, devem ser sublinhados três objetivosespecíficos e bem particulares da escola: garantir a aprendizagem, o convívio em grandes grupos ezelo pelas dependências escolares.

Algumas normas de condutas, tanto de professores como de alunos, têm a finalidade de garantirque o processo de ensino e aprendizagem ocorra com sucesso. Por exemplo, não falar ou falar baixopode, em certas circunstâncias, ser conduta necessária para que os demais colegas possam concentrar-se, refletir, estudar. Se alunos estiverem no pátio, sem aula, pode-se exigir deles que não gritem oufaçam algum tipo de barulho alto, porque, do contrário, atrapalhariam os colegas. Fazer silêncio nãoé, portanto, um imperativo absoluto, e os alunos podem perfeitamente compreender que assimrespeitam as atividades dos outros e são respeitados nas suas. O erro didático seria o professorexigir silêncio “porque ele quer” ou “porque ele mandou”, como se sua vontade pessoal legitimassetal exigência. Diz-se que é erro didático porque não revela ao aluno a razão de ser da regra e, piorainda, desperta nele o desejo de desobedecê-la. Em resumo, algumas regras disciplinares encontramseu sentido no favorecimento do ensino e da aprendizagem e seu cumprimento traduz o respeitomútuo. Crianças do primeiro ciclo são perfeitamente capazes de entender isso. Basta que o professordeixe clara tal razão de ser dessas regras, ou seja, deixe claro que não “caem do céu”, que nãorepresentam uma tirania de alguém que quer impor sua vontade.

Algumas regras disciplinares referem-se ao convívio em grandes grupos: por exemplo, fazerfila. Tal regra não faz sentido em casa, com a família, mas pode fazer na escola, se o número dealunos for grande e se as dependências, pela sua configuração, ocasionarem riscos para as criançasmenores (serem atropeladas na correria) ou um atraso no início das aulas (desorganização na volta àssalas de aula). Portanto, os alunos devem compreender que fazer fila (e outras regras desse tipo)possibilita o convívio respeitoso e pacífico em grandes grupos. Aliás, esse aprendizado é de grandeimportância, pois em várias ocasiões os alunos se encontrarão em situação semelhante (estádios defutebol, por exemplo).

Finalmente, há regras cuja finalidade é preservar as dependências escolares, como não jogarlixo no chão, não colocar a sola do pé nas paredes, não entupir privadas, etc. Mais uma vez, essasregras não devem ser vistas, pelo alunos, como imposições arbitrárias, mas sim como tradução dorespeito mútuo: cuidar do que é de todos. Tal aprendizado ajudará a criança a construir o conceito

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de patrimônio público, coletivo, tão importante para o exercício da cidadania. O zelo pelaconservação das dependências escolares é um dos primeiros passos a serem dados, já por criançasdo primeiro ciclo. À medida que crescerem, o conceito de espaço “público” será generalizado aespaços mais amplos (como a cidade) e mais abstratos (como as instituições políticas).

Em suma, a escola pode trabalhar o respeito mútuo nas suas traduções específicas do convívioescolar, e isso, evidentemente, sem prejuízo de se trabalharem regras gerais de convívio, como,por exemplo, não bater no colega, não insultá-lo, não humilhá-lo. Aliás, a humilhação merece umarápida reflexão.

Curiosamente, a Ciência Psicológica tem dedicado pouca atenção ao sentimento de humilhaçãoe, também, ao sentimento de vergonha. Mesmo quando se trata de violência contra a criança,pouco se fala da humilhação. Estudos recentes têm mostrado claramente que os sentimentos dehumilhação e vergonha podem ser extremamente fortes, levando a problemas psicológicos graves.A decorrência pedagógica é óbvia: deve-se ter muito cuidado em não despertar esses sentimentosnos alunos. Infelizmente, a prática da humilhação é freqüente, não apenas quando se praticamformas aviltantes de humilhação, como, por exemplo, na frente de todos, fazer zombarias a respeitodas capacidades intelectuais de determinado aluno, chamá-lo de “burro”, referir-se a ele comosímbolo da incompetência escolar ou sacudir uma prova com a ponta dos dedos, perguntando peloseu autor; mas também nas atitudes, às vezes sem intenção explícita, que machucam, como, porexemplo, desprezar (não dar ouvidos) as intervenções de certos alunos, colocar e empregar apelidosdepreciativos ou tecer comentários como: “Você não fez a lição de novo”. E assim por diante. Taisatitudes — que alguns acreditam ser inofensivas — podem trazer resultados nefastos. Em primeirolugar para as vítimas das humilhações, cujo respeito próprio é fragilizado; e, em segundo lugar, paraos demais alunos que acabam por pensar que humilhar os outros é forma normal de relacionamento.

Não há dúvidas de que as atitudes respeitosas devem partir do professor, pois serão vistascomo modelos, sobretudo pelas crianças menores. A virtude dos modelos não está na possibilidadede cópia por parte dos alunos, mas sim na concretização dos discursos que ouvem em condutasadultas. Porém, é erro acreditar que apenas bons modelos são suficientes para educar moralmente.Outro fator importante é o próprio relacionamento entre os alunos.

Um tipo essencial é a cooperação entendida como operar conjuntamente, agir junto, trabalharem grupo. Trabalhando em grupo na sala de aula, as crianças — que se concebem como iguaisentre si — aprendem paulatinamente a fazer contratos, a honrar a palavra empenhada, acomprometer-se na elaboração de projetos coletivos, a estabelecer relações de reciprocidade.Trabalhos em grupo podem ser realizados em qualquer matéria ou área de conhecimento. Trata-sede uma orientação didática geral cujos efeitos não apenas são ricos do ponto de vista da aprendiza-gem dos diversos conteúdos, como também no desenvolvimento do respeito mútuo: somente hápossibilidade de trabalho em grupo se cada um levar em conta o ponto de vista do outro e coordená-lo com o seu próprio.

Não se deve pensar que a capacidade de cooperar é espontânea na criança. Crianças dos doisprimeiros ciclos aprendem gradativamente a participar desse tipo de relação social. Portanto, umaintervenção do professor é importante. Se ele se limitar a propor aos alunos que trabalhem emgrupo e se ausentar, é bem provável que os alunos se dispersem ou que alguns deixem o trabalhopara os outros ou se submetam à liderança de um colega. Portanto, o professor deve intervir,explicando as regras de uma relação de cooperação, em que todos devem participar, opinar, per-guntar, ouvir, ajudar.

Um fenômeno social quase que onipresente na vida de cada um são os meios de comunicação,notadamente a televisão. Praticamente todos os alunos assistem televisão, e falam entre si sobre o

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que viram. Programas de televisão mostram valores de todo tipo, nem sempre referenciados norespeito mútuo e na dignidade do ser humano. Tais valores acabam por impregnar tanto acompreensão das diversas áreas e temas (por exemplo, o lugar reservado na mídia, notadamentenas novelas, às relações entre homens e mulheres) quanto o relacionamento entre alunos, professo-res e funcionários da escola. Ao invés de deixar tais valores funcionarem com uma espécie decurrículo oculto, é preciso esclarecê-los e refletir sobre eles. É preciso ensinar o aluno a tomarconsciência dos pressupostos que, à sua revelia, guiam seus julgamentos. E também ensiná-lo aperceber os valores subjacentes naquilo que ele ouve e vê nos meios de comunicação.

H istória, Geografia, L íngua Portuguesa, M eio A mbiente, Or ientação Sexual, EducaçãoF ísica

Aulas de História e Geografia tratam diretamente de pessoas e de suas diferenças, sejamestas devidas ao tempo (as pessoas de antigamente eram diferentes das de agora), seja com referênciaao lugar onde moram. Nesse sentido, trazem ricas informações sobre as diversas etnias e culturashumanas. Conhecê-las, assimilar suas especificidades, suas qualidades é poderoso alimento para orespeito com o ser humano. Às vezes, o preconceito se mantém pela completa ignorância das carac-terísticas dos grupos visados. Os preconceitos são julgamentos prévios, ou seja, fazem as pessoasemitirem juízos de valor negativo sobre o que não conhecem. O estudo das diferentes expressõesculturais oferece a oportunidade de apreciá-las e respeitá-las. Portanto, o ensino de História nãopode, ele mesmo, ser preconceituoso, mostrando desprezo por certas regiões, culturas ou épocas.Deve, pelo contrário, mostrar toda complexidade e singularidade de cada uma.

Em relação à Língua Portuguesa, é freqüente pensar que há apenas uma forma de se falar oportuguês. Todo o resto seria errado. Porém, no Brasil há uma grande diversidade das formas de sefalar. Por exemplo, para se dirigir a outra pessoa, o gaúcho emprega o pronome “tu” enquanto opaulista emprega “você”. É, portanto, preciso fazer com que o aluno conheça e aprecie essadiversidade de formas de falar e não considere que expressar-se diferente seja um erro de português.Trata-se de, também nessa área, superar o preconceito.

O estudo do meio ambiente, de cuja qualidade todos dependem, pode explicitar umadimensão do respeito mútuo: cuidar do que é de todos, portanto, respeitar, ser respeitado. Quantoà sexualidade, ela naturalmente envolve relações pessoais que devem ser baseadas no respeito departe a parte. A expressão “abuso sexual”, por exemplo, significa servir-se de outra pessoa para abusca egoísta de prazer. Nesse sentido, não se traduz apenas pelas formas violentas, como o estupro,mas pode também se fazer presente de maneiras mais corriqueiras como, por exemplo,desprezar o desejo de carinho e prazer do parceiro. A grave doença sexualmente transmissível, aAIDS, também levanta de maneira precisa o valor moral do respeito mútuo. Preservar-se da doençanão é apenas compromisso com a própria saúde, mas também com a do parceiro sexual, uma vezque é passível de contaminação. Não se cuidar pode significar também não cuidar do outro, nãorespeitá-lo.

Finalmente, em relação à Educação Física, por se tratar de uma atividade que expõe deforma clara as competências e dificuldades dos alunos, todo o cuidado é pouco para que fracassosnão se transformem em motivo de zombaria e desprezo (notadamente numa sociedade que valorizasobremaneira as competências físicas e a beleza corporal). As atividades de jogos também representamexcelentes oportunidades de experiência de respeito mútuo, a começar pelo estabelecimento dasregras. Crianças pequenas tendem a pensar que as regras dos jogos são imutáveis, portanto, quenão provêm de contratos entre os jogadores. Promover jogos nos quais os próprios alunos podemcombinar as regras de comum acordo será também promover rica experiência moral. A trapaça serávista não tanto como entorse a uma regra geral vinda de não se sabe onde, mas principalmentecomo quebra de contrato e desrespeito aos outros.

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Voltando-se aos meios de comunicação, especialmente aos jogos de futebol televisionados,assiste-se a atitudes incompatíveis com o respeito mútuo: faltas desleais, tentativa de enganar ojuiz (cavar uma falta), insultos, etc. E tais atitudes são, às vezes, glorificadas: um jogador que forjaum gol com a mão ou cava um pênalti acaba por ser considerado herói e valorizado na sua esperteza.Ou, de um jogador que cometa falta desleal para salvar seu time de um gol, diz-se que agiucorretamente, que não tinha alternativa, etc. Em resumo, no futebol, acaba valendo a sentença “osfins justificam os meios”. Dada a importância desse esporte na sociedade brasileira, refletircriticamente sobre todos os valores e atitudes nele presentes é imperativo para a conscientizaçãomoral dos alunos.

Justiça

Convívio escolar

A orientação didática referente ao ensino e à aprendizagem do conceito de justiça é a mesmados itens anteriores, dignidade e respeito mútuo: a escola deve ser uma sociedade justa. Deve-sesalientar que, desde cedo, as crianças são muito sensíveis às expressões de justiça e injustiça,embora, até oito anos de idade em média, não saibam expressar verbalmente sua aceitação ou seurepúdio. Por interpretarem a legitimidade das normas como dependentes do prestígio ou do poderde quem as impõem, as crianças pequenas tendem a culpar a si mesmas por injustiças que secometem contra elas: pensam que são elas as culpadas pela situação desfavorável em que a injustiçaas coloca. A partir dos oito anos (sempre em média), começam a questionar as injustiças e a revoltar-se contra elas. Porém, como sempre, tal desenvolvimento não depende do simples fator tempo. Seelas forem sistematicamente submetidas a situações de autoritarismo, a mandamentos não explicadosracionalmente ou arbitrários, tenderão a permanecer heterônomas. Pelo contrário, vivendo situa-ções nas quais os critérios de justiça sejam aplicados, tomam consciência deles, assimilam-nos e ostornam seus. Nessas experiências de socialização, a convivência em grupos de crianças — sem apresença de adultos, em que as crianças são, de direito e de fato, iguais entre elas, devendo construirnormas que garantam o respeito mútuo e façam valer os direitos de todas — representa ricaaprendizagem que deve ser permitida e estimulada pela escola. Trazer à reflexão situações em

que a igualdade se impõe como representante daquilo que é justo (como, por exemplo, as regrasde funcionamento da classe: todos devem igualmente cumpri-las) e situações em que as condiçõesdiferenciadas de uns e outros determinam a eqüidade como representante daquilo que é justo(como, por exemplo, nas situações que envolvem turmas de idades diferentes para uma mesma

atividade: nessas situações, o que se define para os menores e os maiores, em geral, não é igual emfunção das capacidades diferenciadas), é uma forma de a criança ampliar a noção de justiça queestá construindo.

No que diz respeito ao convívio escolar entre o aluno, o professor e o ensino, alguns aspectos

específicos devem ser salientados.

Em primeiro lugar, as normas referentes às condutas dos alunos e ao que deles se exigem em

termos de aprendizagem devem ser claras e conhecidas dos alunos; e devem apresentar os deverese os direitos desses alunos. Devem ser claras porque normas ambíguas impedem as pessoas desaber exatamente o que delas se espera e se cobra; e devem ser conhecidas pelos mesmos motivos:

é injusto cobrar alguém pelo que ignora ser seu dever. Todavia, é preciso lembrar que a simplesexposição verbal (oral ou escrita) não é suficiente para que as normas sejam conhecidas ecompreendidas: explicá-las e discuti-las com os alunos é condição necessária à sua boa assimilação.

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As normas de condutas não devem apenas falar dos deveres dos alunos: devem também esclarecê-los sobre seus direitos. Tal fato é essencial para que os alunos saibam exatamente quando estãosendo injustiçados e possam defender seus direitos.

Em segundo lugar, deve-se pensar nos critérios de avaliação. A avaliação escolar é uma

forma de julgamento que deve ser justa. Para isso, deve-se ter certeza de que os instrumentos deavaliação realmente revelam a aprendizagem dos alunos. Além disso, para que a avaliação possaser percebida como justa pelos alunos, é necessário que a escola, ao eleger os critérios de avaliação

e seus indicadores, informe aos alunos quais são eles e explicite a razão de ser da avaliação.

Em terceiro lugar, deve-se pensar nas sanções. Evidentemente devem ser justas, punindoos culpados e não os inocentes (como não optar por castigar uma classe toda simplesmente porquenão se conhece o autor de algum delito); devem ser proporcionais aos delitos (como não optar porsanções severas demais apenas para que sirvam de exemplo). As sanções mais justas, que maispromovem aprendizagem e desenvolvimento moral, são as chamadas “sanções por reciprocidade”:elas guardam alguma relação com a ação repreensível do aluno. Um exemplo geral: como punir aspessoas que picham paredes e monumentos? Colocando-as na prisão ou obrigando-as a limpar oque fizeram e até outras pichações? A segunda solução é a melhor: assim as pessoas tomamconsciência das dimensões e conseqüências de seus atos. E reparam o que fizeram, restabelecendoo equilíbrio.

Finalmente, é preciso levar em conta aspectos da sensibilidade moral das crianças e dosadolescentes. Na verdade, são iguais às de um adulto.

Qualquer um se sente injustiçado se reparar que certas pessoas usufruem de privilégios. Amesma coisa vale para crianças ainda pequenas. Tanto que a expressão “queridinho do professor”é bem conhecida dos alunos (quem sabe até inventada, um dia, não se sabe onde — existe emvários idiomas —, por algum deles). A injustiça dessa forma de privilégio se faz sentir tanto nosexcluídos quanto no próprio eleito. Os excluídos percebem bem a arbitrariedade que com eles écometida — uma vez que, de direito, todos merecem o mesmo tratamento. E o eleito acaba porsofrer o desprezo de seus colegas, por achar-se excluído por eles. Acaba até tendo vergonha peranteseus colegas da situação de destaque na qual o professor o colocou. Um filósofo do século XVIII,Kant, já escrevia que uma grande virtude da escola era justamente ser um lugar onde ninguém temprivilégios, apenas direitos.

Qualquer pessoa também se sente injustiçada se os outros não reconhecem sua competência,

seu valor, seus esforços. Ora, o mesmo raciocínio vale para alunos de qualquer idade. Todos sofremse sentem que os professores os desprezam, não apostam em sua capacidade de êxito, ignoramsuas tentativas de aprender. E tais injustiças os levam, seja ao abandono da busca da aprendizagem,seja à revolta, seja aos dois juntos. E mais ainda: passa-lhes a idéia de que a justiça é impossível,

mero sonho; afasta-os desse valor moral.

Também tendem a desprezar o valor justiça quando percebem que neles não se depositaconfiança alguma. Desde bem pequenas, as crianças apreciam muito os sinais de confiança que osadultos lhes dão (quando mostram que acreditam nelas). E ficam tristes e infelizes quando inces-

santemente reparam sobre elas olhares suspeitosos, quando percebem que são, sem mais nemmenos, consideradas desonestas, sem palavra, sem caráter. Sentem-se — e de fato são — injustiçadasnesse ambiente de suspeição. Para alguém ter e permanecer tendo confiança em si (elementoimportante do respeito próprio), nada melhor do que sentir que os outros acreditam em sua palavra.

Com a criança também é assim. Negar-lhe — de antemão — esse direito resulta em afastá-la do

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convívio social, privá-la da vontade de ser franca e respeitosa. É transformá-la em um ser cabisbaixo

ou violento. Ela deve perceber que confiam nela e será cobrada no sentido de merecer tal crédito.

Em resumo, não privilegiar alunos, não desprezar suas competências e esforços, não considerá-los apriori desonestos e fingidos são atitudes necessárias ao desenvolvimento e legitimação do valor da justiça.

H istória e Geografia

Todas as matérias, uma vez que são expressões da cultura, podem ser objeto de reflexão sobrejustiça. Porém, conteúdos de História e Geografia devem ser sublinhados por duas razões pelo menos.

A primeira: estudando realidades de outros tempos e lugares, o aluno pode comparar sua situaçãoespecífica, aquela de seu país e avaliá-la à luz de outras possibilidades da justiça humana; poderácompreender, por exemplo, que limitações que lhe são impostas não existem em outros lugares e,

por conseguinte, tomar melhor consciência de seus direitos de ser humano.

A segunda: estudar as leis de seu país (constitucionais e outras — notadamente o Estatuto da Criançae do Adolescente) e tomar consciência crítica de seus direitos.

Diá logo

Convívio escolar

Coloca-se novamente o desenvolvimento da cooperação como elemento fundamental doensino e da aprendizagem morais. De fato, para se cooperar efetivamente, é preciso saber ouvir esaber expressar-se. Em uma palavra, é preciso saber dialogar. O fato de as crianças se considera-rem iguais entre si facilita tal aprendizado.

Todavia, a relação professor-aluno também tem fundamental importância. De um lado, quandofala aos alunos, o professor deve mostrar-se claro, objetivo. Sua fala não deve ser ambígua, mas omáximo possível transparente. De outro, deve exigir de seus alunos a conquista da mesma clareza,que não se contentem com expressões vagas que deixam muita margem de interpretação. O diálogoé uma arte que deve ser ensinada e cultivada.

Quanto ao desenvolvimento da atitude de valorização do diálogo para procurar esclarecer e,se possível, superar conflitos, é necessário que, cada vez que um conflito apareça, se empregue odiálogo para equacioná-lo e resolvê-lo. O valor atribuído ao diálogo está intimamente relacionadocom os demais valores já abordados. Qualquer pessoa é digna de ser ouvida e de ouvir, portanto,de ser eleita como interlocutor, mesmo que suas opiniões sejam diferentes daquelas da maioria. Odiálogo somente é possível quando as pessoas envolvidas se respeitam mutuamente. O objetivodo diálogo, em situações de conflito, é encontrar a solução justa, ou seja, evitar que se imponha alei do mais forte, fazer com que os direitos de cada um sejam respeitados.

Nesse sentido, ele será um instrumento importante não apenas para que o aluno consigaesclarecer os conflitos e resolvê-los, mas também para que possa interagir com o professor e comos colegas e realizar aprendizagens.

L íngua Portuguesa e M atemática

A aprendizagem de todas as disciplinas contribui para desenvolver, no aluno, a capacidadede dialogar. São conhecimentos cuja posse expande o horizonte do pensar, relativiza pontos devista particulares. E são conhecimentos que, como tais, podem ser avaliados, discutidos, trocados,

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falados. Não há nem reais descobertas, nem real aprendizagem se estas não forem fruto de ricacomunicação entre indivíduos. Portanto, as aulas de todas as disciplinas poderiam ser citadas comoexcelentes oportunidades de se valorizar e exercer o diálogo. Destacam-se aqui Língua Portuguesae Matemática pelo fato de essas áreas de co-nhecimento conterem aspectos de grande relevânciapara o aprendizado do diálogo.

A área de Língua Portuguesa, na medida em que trabalha com a linguagem oral e com osprocedimentos de fala e escuta ativa, contribui de maneira fundamental para a aprendizagem e avalorização do diálogo. Um bom diálogo, um diálogo produtivo pressupõe precisão nos termos quese empregam. Ora, o ensino da linguagem é fundamental também nesse ponto, na medida em quetrabalha para desenvolver no aluno o desejo de saber empregar as palavras a serviço da clareza daexposição das idéias.

Quanto à Matemática, ela serve para revelar o valor da demonstração: explicitação do caminhoe precisão do raciocínio, do encadeamento dos argumentos.

Solidariedade

Convívio escolar e demais áreas

A solidariedade está naturalmente relacionada com os outros valores até aqui abordados. Naverdade, todos eles estão interligados: trabalhando-se um, necessariamente trabalham-se os outros.A moral (e isto vale para todo domínio intelectual) não é uma somatória de regras e valores. Antes,é um sistema dentro do qual os diversos elementos estão inter-relacionados. Ao se enfatizar adignidade do ser humano, realça-se a necessidade de se fazer justiça, de se respeitarem direitos, oque implica o respeito mútuo. Ao se falar de justiça, de direitos, fala-se de igualdade e, portanto, dedignidade. Ao se incentivar o respeito mútuo, incentiva-se o diálogo. E assim por diante. Não é

diferente para a solidariedade: o ideal de dignidade do ser humano a move, o respeito mútuo a

reforça, o senso de justiça lhe dá rumos, o diálogo a enriquece.

No que diz respeito ao convívio escolar, as orientações didáticas gerais também são as mesmas

para a solidariedade e para os demais valores: a prática e a reflexão são essenciais. Portanto, em se

tratando de solidariedade, deve-se levar os alunos a praticá-la e a pensar sobre ela em conjunto

com os outros valores. Oportunidades não faltam, na escola e fora dela, para tal prática.

Em sala de aula, por exemplo, ao invés de incentivar a competição entre os alunos ou a

sistemática comparação entre seus diversos desempenhos, é preferível fazer com que eles se ajudem

mutuamente a ter sucesso nas suas aprendizagens: aquele que já sabe pode explicar àquele que

ainda não sabe, aquele que não sabe deve poder sentir-se à vontade para pedir ajuda, para perguntar,

sem temer a vergonha de ser sistematicamente comparado com os outros e colocado em posição

de inferioridade. O aluno que apresenta dificuldades não deve ser zombado ou humilhado; antes,

deve ser incentivado por todos.

Fora da sala de aula, é também possível fazer muitas coisas que reforcem a solidariedade,

sentimento que toda criança, ainda pequena, tem na sua bagagem afetiva. Cada comunidade deve

escolher quais as ações que os alunos de sua escola podem realizar para participar de forma solidária

dos problemas existentes. Mas a solidariedade não deve ser apenas apresentada e incentivada

como valor desejável: deve-se também instrumentalizar os alunos para que possam, de fato, traduzi-

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la em ações. Um belo exemplo pode ser dado no tema de Saúde. Alguém está passando mal ou teve

um acidente. O mínimo sentimento de solidariedade exige que se o ajude. Porém, como fazer? O

que fazer? Se for o caso, a quem chamar? Para onde transportar a pessoa? Sem esses conhecimentos

básicos, a solidariedade fica apenas na intenção. Portanto, é imperativo que a escola instrumentalize

seu aluno. No exemplo dado, que lhe dê noções de primeiros socorros, conhecimentos sobre a rede

de saúde (postos, hospitais, pronto-socorros, etc.). E essa atuação deve ser generalizada para outros

conteúdos. Assim, sem prejuízo da formação geral, sem prejuízo da aprendizagem de conhecimentos

que transcendem o dia-a-dia, a escola sensibilizará e instrumentalizará os alunos para o convívio do

cotidiano. Estará, na prática, articulando formação escolar e cidadania.

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FICHA TÉCNICA

CoordenaçãoAna Rosa Abreu, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria Tereza Perez Soares, Neide Nogueira.

ElaboraçãoAloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Ana Rosa Abreu, Antonia Terra, Célia M. CarolinoPires, Circe Bittencourt, Cláudia R. Aratangy, Flávia I. Schilling, Karen Muller, Kátia L. Bräkling,Marcelo Barros da Silva, Maria Amábile Mansutti, Maria Cecília Condeixa, Maria Cristina RibeiroPereira, Maria F. R. Fusari, Maria Heloisa C.T. Ferraz, Maria Isabel I. Soncini, Maria Tereza PerezSoares, Marina Valadão, Neide Nogueira, Paulo Eduardo Dias de Melo, Regina Machado, RicardoBreim, Rosaura A. Soligo, Rosa Iavelberg, Rosely Fischmann, Silvia M. Pompéia, Sueli A. Furlan,Telma Weisz, Thereza C. H. Cury, Yara Sayão, Yves de La Taille.

ConsultoriaCésar CollDélia Lerner de Zunino

A ssessoriaAdilson O. Citelli, Alice Pierson, Ana M. Espinosa, Ana Teberosky, Artur Gomes de Morais,Guaraciaba Micheletti, Helena H. Nagamine Brandão, Hermelino M. Neder, Iveta M. B. ÁvilaFernandes, Jean Hébrard, João Batista Freire, João C. Palma, José Carlos Libâneo, Ligia Chiappini,Lino de Macedo, Lúcia L. Browne Rego, Luis Carlos Menezes, Osvaldo Luiz Ferraz, Yves de LaTaille e os 700 pareceristas - professores de universidades e especialistas de todo o País, quecontribuíram com críticas e sugestões valiosas para o enriquecimento dos PCN.

Projeto gráficoVitor Nozek

Revisão e CopydeskCecilia Shizue Fujita dos Reis e Lilian Jenkino.

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AGRADECIMENTOS

Alberto Tassinari, Ana Mae Barbosa, Anna Maria Lamberti, Andréa Daher, Antônio José Lopes,Aparecida Maria Gama Andrade, Barjas Negri, Beatriz Cardoso, Carlos Roberto Jamil Curi, CelmaCerrano, Cristina F. B. Cabral, Elba de Sá Barreto, Eunice Durham, Heloisa Margarido Salles,Hércules Abrão de Araújo, Jocimar Daolio, Lais Helena Malaco, Lídia Aratangy, Márcia da SilvaFerreira, Maria Cecília Cortez C. de Souza, Maria Helena Guimarães de Castro, Marta Rosa Amo-roso, Mauro Betti, Paulo Machado, Paulo Portella Filho, Rosana Paulillo, Sheila Aparecida Pereirados Santos Silva, Sonia Carbonel, Sueli Teixeira Mello, Théa Standerski, Vera Helena S. Grellet,Volmir Matos, Yolanda Vianna, Câmara do Ensino Básico do CNE, CNTE, CONSED e UNDIME.

A poioPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

Projeto BRA 95/014

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO

Fundo Nacional do Desenvolvimento da EducaçãoFNDE