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NYAU - GULE WAMKULUPatrimónio Oral e Intangível

da Humanidade

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Ficha Técnica:

Título: Nyau - Gule Wamkulu: Património Oral e Intangível da HumanidadeAutor: Fernando ManjateDirecção: Fernando DavaColaboração: Fernando Dava, Agnelo Navaia, Alda Damas, Angélica João, Arrissis Mudender, Célio Tiane, Marílio Wane e Vasco Nyusi (em memória)Designer: Cândido NhaquilaEdição: ARPAC - Instituto de Investigação Sócio-CulturalImpressão: AcadémicaTiragem: 1000 ExemplaresNúmero de Registo: 8114/RLINLD/2014

Colecção Embondeiro, 32

Junho, 2014

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Índice

Introdução........................................................................ 4

1. O Povo Chewa como Guardião do Nyau – Gule

Wamkulu...................................................................... 6

1.1. As origens do povo Chewa................................... 6

1.2. Organização Sócio-Política dos Chewa.............. 11

2. Origens do Nyau – Gule Wamkulu............................. 15

3. O Carácter Multifacetado do Nyau............................. 21

3.1. Nyau como rito de iniciação e/ou de passagem.. 22

3.1.1. O Chinamwali, o Maliro e o M’bona................. 28

3.2. O Nyau como expressão artística....................... 31

3.2.1. Indumentária do Nyau...................................... 31

3.2.2. Os Instrumentos do Nyau................................ 39

3.2.3. As Canções do Nyau........................................ 43

3.2.4. O Nyau como dança........................................ 48

3.3. O Nyau como meio de contestação contra a

ordem e política colonial..................................... 55

4. Nyau – Gule Wamkulu: ameaças e desafios.............. 61

Bibliografia................................................................. 63

ANEXOS................................................................... 65

Lista de Entrevistados............................................... 65

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Introdução

Moçambique é caracterizado por uma grande diversidade cultural resultante da miscigenação de vários povos, que ao longo dos séculos aportaram por estas terras. O Nyau é uma das expressões artísticas que corporizam o rico mosaico cultural nacional, sendo simultaneamente uma dança e um ritual.

O Nyau é praticado pelo povo Chewa, que se encontra radicado em três países da África Austral, nomeadamen-te, Moçambique, Malawi e Zâmbia. Em Moçambique esta expressão cultural tem maior concentração dos seus pra-ticantes na Província Central de Tete.

Revelando o seu carácter singular, o Nyau extravasa a dimensão de espectáculo que proporciona em virtude dos valores que ele insere nos domínios das artes e das téc-nicas, da história e da cultura, valores esses transmitidos ao longo dos séculos, por gerações. Aliado ao carácter ritualístico, que se traduz na realização de um conjunto de discursos e práticas rígidas, carregadas de grande simbo-lismo, esta manifestação comporta outra dimensão de va-lor ao nível da educação dos jovens, servindo como meio de integração social e ajustamento dos comportamentos dos indivíduos às suas raízes culturais.

Em reconhecimento do grande valor histórico e sócio-cul-tural do Nyau, Moçambique, Malawi e Zâmbia submete-ram à UNESCO a candidatura a Património Cultural, tendo sido proclamada a 25 de Novembro de 2005, Obra-Prima do Património Oral e Intangível da Humanidade.

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Em Moçambique, a proclamação do Nyau e da Timbila, como “Património da Humanidade”, vieram associar-se à Ilha de Moçambique que teve, igualmente, o mais alto reconhecimento e distinção por parte da UNESCO, em 1991.

Estes actos elevaram o nome de Moçambique ao mais alto nível no concerto das Nações. No entanto, estes fei-tos trazem desafios e responsabilidades ao país, no senti-do de desenvolver acções com vista a preservação e sal-vaguarda deste património.

O presente trabalho insere-se nas actividades desenvolvi-das pelo ARPAC – Instituto de Investigação Sócio-Cultu-ral, com o objectivo de pesquisar, documentar, preservar e divulgar o legado histórico e cultural nacional, visando a integração da dimensão cultural nos planos de desenvol-vimento.

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1. O Povo Chewa como Guardião do Nyau –

Gule Wamkulu

1.1. As origens do povo Chewa

A origem do povo Chewa tem sido objecto de alguma con-trovérsia devido ao facto de as fontes usadas na reconsti-tuição do seu passado serem, sobretudo, orais. No entan-to, existem dois tipos de abordagem, a saber, a mitológica e a histórico-arqueológica.

Do ponto de vista mitológico, afirma-se que foi na extensa Cordilheira de Dzaranyama, localizada na região de Ma-canga, Província de Tete, que Deus (Mulungo ou Chauta, na língua local), gerou o Homem e os animais num bosque sagrado ali existente. Esta lenda, descrita por Rita-Fer-reira (1966), acrescenta que esses primeiros indivíduos teriam pisado, durante a sua movimentação, uma laje, ainda fluida, deixando assim pegadas, ainda hoje visíveis.

Configuração de um pé humano na cordilheira de Dzaranyama.

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Esta lenda, igualmente, conhecida por Kaphirintiwa, é dis-crita por Schoffeleers e Roscoe (1985) no livro “Terra de Fogo”, citado por Calvert (2009), nos seguintes termos:

“No princípio havia o Chauta (Deus) e a terra. Chauta vivia no céu e debaixo dele estava a terra, sem água, inanimada e sem vida. Um dia, nuvens escuras surgiram e cobriram o céu. Um raio flamejou e cortou os céus em direcção à terra. O céu abriu-se e uma grande chuva se abateu sobre a terra. Dessa chuva, desceram à terra o Chauta, o primeiro homem, a mulher, e todos os animais. Pousaram em Kaphirin-tiwa, no topo achatado de uma colina das mon-tanhas de Dzaranyama. Depois, o chão onde eles pousaram virou uma rocha, e as pegadas e os rastos de muitos animais podem ser vistos ainda hoje. As pegadas do homem são maio-res que as da mulher, e também podem-se ver as impressões de uma enxada, uma cesta, e um pilão. Plantas e árvores cresceram na terra, dando comida abundante, e Deus, o homem, e os animais viviam juntos em felicidade e paz.

Um dia, o homem estava brincando com duas varas, uma macia e outra dura, friccionou-as, e sem querer, inventou o fogo. Todo o mundo o advertiu para parar, mas não escutou. O capim pegou fogo e houve grande confusão. Entre os animais, o cachorro e a cabra correram para jun-to do homem em busca de abrigo. Mas o elefan-te, o leão, e outros fugiram cheios de raiva con-tra o homem. O camaleão escapou escalando o topo de uma árvore, tendo chamado Deus para

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o seguir, mas este respondeu-o dizendo que já era muito velho para subir a árvore. Quando a aranha ouviu isto, girou a sua teia forte em vol-ta de Deus e o ergueu em segurança. Assim, Deus foi impelido a deixar a terra pela malda-de do homem, e como ele havia ascendido ao céu, Ele determinou que dali em diante, o ho-mem teria que morrer e se unir a Ele nos céus.”

O discurso lendário aqui apresentado, mostra-se carre-gado de simbolismo, que enfatiza a relação entre Deus, o Homem e a natureza. Estabelece uma forte ligação com o discurso bíblico sobre a existência de paz e harmonia primordiais entre Deus e os homens, e entre estes e os animais, e com a natureza, de uma forma geral.

De igual modo, como veremos mais adiante, remete-nos para a compreensão de uma contínua ligação ou fidelida-de dos Chewa às suas origens, manifestamente pelo uso de figuras zoomórficas que na época, se tornaram selva-gens devido à acção maléfica do Homem.

A abordagem histórico-arqueológica remete-nos à região Central de África como local da origem dos Chewa. Em-bora seja aceite que a maioria dos povos estabelecidos na África Austral tenha a sua ascendência na região dos Grandes Lagos, núcleo central das migrações Bantu, a partir do século II d.C, não existe unanimidade entre os investigadores quanto a procendência dos Chewa.

A título de exemplo, enquanto Marwick (1963), Phiri (1975) e Newitt (1982) identificam a região de Luba, na actual Re-pública Democrática do Congo, como berço deste povo; Amaral (1990) defende que os Chewa são provenientes

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do deserto de Sahara, numa antiga povoação de Tum-buctu1, junto ao rio Níger. Este autor aventa a hipótese de na sua migração para o Sul, este povo ter se estabelecido em Choma, região da actual Zâmbia, onde terá adopta-do o nome de Chewa. Posteriormente, numa altura pouco precisa, este povo teria feito uma extensão, tendo se fixa-do, junto ao rio Kapoche, no actual Distrito de Marávia, na Província de Tete.

Refira-se que a origem do termo Chewa não reúne consenso entre os pesquisadores. Rita-Ferreira (1966), levanta três hipóteses: a primeira está relacionada com o monte Nceu situado no Malawi; a segunda, deriva do nome da residência do régulo Nkanda, chamada pelos locais de Cewa, e; a terceira hipótese, está relacionada com a expressão cewa, que significa “olhar para trás”, o que correspondia dizer “olhar para o Norte”. De facto, os Chewa tinham por costume subir às montanhas para con-templar as regiões à Norte, de onde tinham vindo os seus antepassados. Muitos defuntos desta comunidade são sepultados com a cabeça voltada para o Norte.

Uma outra hipótese é nos trazida por Nthala (2009), que cita o primeiro Presidente da República do Malawi, Has-tings Kamuzu Banda, dizendo que a terminologia Chewa provém da palavra Cheva ou Seva, que foi atribuída pe-los povos autóctones a este grupo emigrante, e contém o significado de “estrangeiro”. Esta denotação pode estar a confirmar o facto dos Chewa terem a sua origem na re-gião dos Grandes Lagos, considerada longínqua.

1Por vezes, escrita Timbuktu.

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Mapa ilustrando a região de Luba. Fonte: google image.

Uma vez na África Austral, especificamente na região da Zâmbia, estes emigrantes miscigenaram-se com os povos autóctones, conhecidos por Kafula (ou Akafula). A concor-dar com Rita-Ferreira (1966), os Chewa herdaram dos Kafula importantes tradições culturais, tais como a irman-dade do Nyau, os cultos de Kaphirintiwa (mito de origem) e M’bona (cerimónia relativa aos defuntos).

Na região Austral, o grupo etno-linguístico Chewa distri-bui-se por Malawi, Zâmbia e Moçambique. Neste último território, este grupo encontra-se na zona Norte da Pro-víncia de Tete (Distritos de Angónia, Chifunde, Chiúta,

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Macanga, Marávia, Moatize, Tsangano e Zumbo) e parte Ocidental da Província de Niassa.

Mapa: Dispersão territorial dos Chewa. Fonte: http://lidemo.net/nyanja/

1.2. Organização Sócio-Política dos Chewa

Os Chewa, à semelhança da maioria dos povos situados à Norte do rio Zambeze, são matrilineares, o que signi-fica que os descendentes e as relações de parentesco seguem a via materna. No que se refere à residência, são uxorilocais, pois, os cônjuges fixam-se junto do parentes-co da mulher. Neste sistema social, cabe ao tio materno, geralmente o mais velho (Nkhoswe), a responsabilidade pela socialização das crianças. Este exerce o papel de tutor dos filhos das irmãs, guardião da linhagem, detendo um controlo sócio-político de toda a linhagem.

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Este povo mantém uma organização política erguida des-de tempos imemoriais. Com efeito, apesar de estar dis-tribuído, como referido, sobretudo por três países, eles continuam com relações firmes, na sua estrutura hierár-quica do poder, caracterizada pela presença de um rei, estabelecido na Zâmbia, e súbditos, noutros países. Este poder, coexistente ao dos Estados, continua bastante for-te, mantendo, inclusive, uma relativa hegemonia sobre os súbditos espalhados por Moçambique e Malawi.

A sua organização compreende três órgãos administrati-vos, nomeadamente, a Realeza, a Família Real e o Con-selho Tradicional. A Realeza é o corpo administrativo do reino, e obedece a uma sucessão por dinastias2, está es-tabelecida em Mkaika, no Distrito de Katete, Província de Chipata, República da Zâmbia. Inclui o executivo, presidi-do pelo Kalonga Gawa Undi. Em ciChewa, kalonga signi-fica “Príncipe”, “Senhor” ou “Rei”3.

A Família Real tem como figura notável, a Nyangu, rai-nha-mãe, venerada e glorificada pelos Chewa. O Conse-lho Tradicional é o órgão consultivo do rei e integra os mambo dos três países e os conselheiros do rei. Reúne-se mensalmente, debatendo-se entre outros assuntos, a cobrança de impostos. A entrada para este órgão é por nomeação, excepto para a família real, que é com base no direito consuetudinário. Abaixo do rei, estão os mambo, chefes que governam regiões, assegurando a descentra-lização administrativa, sendo guardiões do conhecimen-to tradicional. A seguir a estes, encontram-se os m’fumu,

2Actualmente está-se na XI Dinastia.3Quando o Rei aparece para se juntar aos membros do Conselho Tradicional, é comum ouvir-se expressões como “nkosi ya makosi”, que pode ser interpretado como rei dos reis ou régulo supremo, aquele que entre os Chewa, está acima de qualquer outro.

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responsáveis pela gestão político-administrativa de terri-tórios mais pequenos.

O actual Kalonga Gawa Undi

Os mecanismos de subordinação pressupõem o paga-mento regular de um tributo e submissão ao seu chefe máximo, um processo que ocorre em cadeia, e hierar-quicamente. Constituem seus direitos, o usufruto de uma parte da colecta dos impostos, entre outros benefícios. A expressão sublime da manifestação deste poder, são encontros anuais, conhecidos por Kulamba. Trata-se de uma cerimónia tradicional que se realiza na Zâmbia, em finais do mês de Agosto, no Distrito de Katete, com a du-ração de 4 a 5 dias, sendo o Nyau a manifestação só-cio-cultural mais representativa neste acto. Este evento incorpora cerimónias do encerramento da iniciação de ra-parigas, seleccionadas nos três países. No passado, era nestas cerimónias, onde o rei escolhia uma nova rainha, uma tradição que tende a esmorecer, como resultado das dinâmicas societárias.

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2. Origens do Nyau – Gule WamkuluNa língua ciChewa, o termo Gule Wamkulu significa “Grande Dança”. De facto, o Nyau é uma das mais popu-lares e apreciadas danças da região Norte da Província de Tete, que atrai molduras humanas pelo espectáculo que proporciona e pelo seu elevado valor técnico e artís-tico-cultural. Enquanto em Moçambique, o termo “Nyau” é comummente usado para se referir ao dançarino, este, na Zâmbia e Malawi é tratado por “Gule”.

As origens do Nyau são explicadas, essencialmente, a partir de três versões, nomeadamente, a exibição do poder político, a fome e as brincadeiras infantis. No que diz respeito ao poder, refere-se que a origem do Nyau é associada à formação do Estado Undi, por volta do séc. XVI, altura em que se supõe ter sido adoptado como uma forma de manifestação do seu poderio perante os povos conquistados. Como mencionado, a presença dos Chewa resulta de um longo processo migratório que culminou com a absorção do Nyau, uma dança tradicionalmente pertença dos Kafula, há mais tempo estabelecidos na re-gião.4

Este processo migratório nos parece ser confirmado atra-vés da prática do Nyau em vários locais que rodeiam a região de origem dos kafula. Com efeito, encontramos se-melhanças entre o Nyau, praticado nos três países e algu-mas manifestações, como a dança Nkaan dos Bushongs da República Democrática do Congo, a dança Makishi5 do povo Chokwe da Zâmbia e ainda, o Mapiko6 dos Makon-4Gabinete de Organização do 1° Festival de Dança Popular, 1978.5O baile de máscaras Makishi é realizado no final do mukanda, um ritual de iniciação para os meninos com idades compreendidas entre os oito e doze anos. Este ritual é celebrado pelos Chokwe que vivem nas províncias do Noroeste e Oeste da Zâmbia.6A dança Mapiko está ligada aos ritos de iniciação masculino e é a mais importante

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de de Moçambique. Importa salientar que estas danças, tal como o Nyau, são marcadas, igualmente, por ritos de iniciação.

Dança Mapiko dos Makonde

No que tange à associação entre as origens do Nyau e a fome, refira-se que esta explica várias crises sociais, pois, provoca a instabilidade e consequentemente repercute-se, negativamente, sobre a ordem social. Este factor terá pesado bastante para a génese do Nyau, uma vez que a escassez de alimentos terá afectado a harmonia social entre as mulheres e os homens, a ponto destes últimos enveredarem por práticas ardilosas, como se fazerem passar por animais selvagens, inspirando-se na lenda kaphirintiwa, em que os animais ficaram desavindos com o Homem, ameaçando as mulheres, em busca de alimen-dança dos Makonde. Nela são usadas máscaras com o mesmo nome. Esta dança é muito importante na vida dos Makonde havendo uma aura de mistério e segredo ro-deando a preparação das máscaras e a dança propriamente dita, sendo por exemplo importante que não se saiba a identidade do dançarino, aliás, tal como acontece na dança Nyau.

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tos. Assim, o Nyau surge como um mecanismo de gestão de conflitos sociais tendo, posteriormente, se transforma-do em manifestação cultural comunitária. A este respeito, Schoffeleers (1968), reproduzindo a tradição oral, refere o seguinte:

“...as mulheres escondiam comida para si mesmas e mandavam os homens para o mato em busca de sua própria sobrevivência e em retaliação, os homens no mato mascaravam-se e voltavam para a povoação, disfarçadamente e amedrontavam as mulheres para lhes roubar a comida das panelas. E numa outra altura, os homens voltavam para a povoação e no lugar de lhes ameaçar, optavam por dançar para elas, que por sua vez acabavam oferecendo comida e moedas, para que estes as deixas-sem em paz.”

No que diz respeito à versão sobre as brincadeiras infan-tis, sustenta-se que o Nyau teria sido criado antes de 1500 d.C. por pastores de gado bovino e caprino, que durante a pastorícia construíam figuras denominadas nyama com materiais tais como paus, bambu e capim, imitando os seus animais. Esta brincadeira de crianças acabou atrain-do a atenção dos adultos, os quais incorporaram estas práticas nas suas tradições.7

Os termos Nyau e Gule Wamkulu são usados comummen-te para designar a dança, os dançarinos, a sociedade, o culto e algumas figuras zoomórficas tal como o ngombe (boi), njovu (elefante) ou o chilembwe (antílope). O indiví-duo mascarado é, também, designado chirombo ou dzwi-rombo, o que quer dizer animal, pelo facto de imitarem os movimentos característicos do mesmo. 7UNESCO, 2005:27.

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Em Moçambique, o Nyau é executado na Província de Tete onde tem forte influência nos Distritos de Angónia, Macanga, Tsangano, Chifunde, Zumbo, Marávia (Fíngoè), Chiúta (Cazula), e partes de Moatize (Zóbuè). Há refe-rências que também é praticado nas províncias da Zam-bézia (Distrito de Milange, levado a esta parte por alguns indivíduos Chewa nas suas migrações à procura de me-lhores condições de vida), Niassa (Distritos de Mecanhe-las, Mandimba e Lago) e Nampula8 (Distrito de Erati). É, igualmente, praticado na Província de Maputo, Distrito de Boane, trazido para esta região por cidadãos oriundos, sobretudo, da Província de Tete.

Há ainda menção de ser praticado em algumas regiões do Norte do Zimbabwe, Tanzania (na região Sudoeste, junto ao Lago Niassa, em Songea) e na República Democrática do Congo (em algumas comunidades da região Sudeste).

8Na Província de Nampula, por exemplo, que durante o século XVII foi conquistada pelo Estado Undi, o Nyau passou a ser dançado. In: 10.Festival Nacional de Dança popular, citado, p. 55.

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3. O Carácter Multifacetado do Nyau

A dimensão multifacetada do Nyau é expressa através de duas maneiras evidentes: o carácter ritualístico, que se traduz na realização de um conjunto de práticas simbóli-cas rígidas, entre elas, os ritos de iniciação e ritos fúne-bres (o maliro e m’bona) e a dimensão artística, manifesta por meio da indumentária e fabrico dos instrumentos, a música e a dança. Estas duas dimensões características do povo Chewa afiguram-se relevantes para a compreen-são das suas práticas emblemáticas, bem como aspectos que nos remetem ao interacionismo simbólico abordado por sociólogos como Ervin Goffman.

Analisando o interacionismo, Cristiano Bodart9 refere que os indivíduos ao participarem de um acontecimento de natureza social absorvem as experiências dos seus an-cestrais, porém incorporando novos valores em face das dinâmicas societárias. Com efeito, no caso dos Chewa, encontramos no Nyau um legado do povo Kafula, seus predecessores, bem como novos aspectos resultantes da sua miscigenação, no período pós-fixação nas novas re-giões, conforme as evidências que irão a seguir. Por ou-tras palavras, dir-se-ia que no Nyau estão representadas as origens históricas, por um lado, e por outro, a criativi-dade dos Chewa.

9In:http://www.cafecomsociologia.com/2012/09/goffman-e-o-interacionismo-simbolico.html. acessado em 06/06/2014.

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3.1. O Nyau como rito de iniciação e/ou de pas-

sagem

O homem sempre procurou criar mecanismos para regu-lar a vida em sociedade, ou seja, as relações sociais.De entre vários aspectos estruturantes, destacam-se os ritos.

Para Dava (1998), citando Durkheim, rito designa regras de comportamento ou modos de acção determinados. Para outros, rito é um tipo de cerimónia pela qual, à manei-ra de agir, às regras, as formulas, os gestos e os símbolos usados, se atribuem virtudes ou poderes, susceptíveis de produzir determinados efeitos ou resultados. Encontra-se, não só na vida religiosa, mas também em todas as esfe-ras culturais. A sua origem remete-nos à criação e sobre-tudo a evolução do próprio Homem. No entanto, o estudo sistemático e científico dos ritos surge com a génese da antropologia, no século XIX.

Os ritos de iniciação, por sua vez, são, de um modo geral, celebrações que marcam mudanças de status e formação de um indivíduo no seio da sua comunidade. Efectivamen-te, acredita-se que é através da iniciação, que as pessoas transmitem a sua carga cultural de uma geração para a outra. Trata-se, pois, de um conjunto de ritos complexos que marcam a passagem dos jovem à maturidade. Neste último processo, ocorrem fenómenos como a preservação da marca identitária, o autoritarismo, entre outros aspec-tos, evidenciados no Nyau, sobretudo pelo seu secretis-mo, aliás aspectos aflorados mais adiante.

Com efeito, o Nyau enquanto rito de iniciação reveste-se de características peculiares, assumindo relevância na educação dos jovens e na preservação dos valores sócio-

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culturais da comunidade. A sua prática compreende vá-rias fases, dentre as quais se destacam: 1) a candidatura; 2) as provas de resistência e sacrifício; 3) a aprendiza-gem dos preceitos da irmandade secreta e da comunida-de (instrução) e; 4) a integração na irmandade (membro de pleno direito).

A candidatura de um indivíduo na sociedade secreta do Nyau incorpora características de uma iniciação de ado-lescentes à vida adulta, sendo voluntária e limitada a in-divíduos do sexo masculino. O processo deste ritual co-meça com os sinais fisiológicos da puberdade, entre os 8 e os 12 anos de idade, tais como, a tonalidade da voz, o aparecimento da barba e dos pêlos púbis e a emissão precoce de esperma. Seguidamente, uma vez na posse destas indicações, os pais do adolescente socorrem-se de um padrinho (phungo), para a entrada do seu filho nos ritos de iniciação.

Logo que aceite, este adolescente ganha a categoria de iniciando (namwali), porém, à saída, passa a usar outro nome, que lhe confere, o estatuto de adulto. Cabe ao phungo, prestar informação ao mwini mzinda10, também conhecido por mkulu ku dambwe, o responsável do local secreto onde se realiza a iniciação (dambwe11), a respeito deste iniciando.

10O personagem de maior relevo na orgânica da irmandade, que determina as oca-siões em que o Nyau deve apresentar-se, é o «senhor do local secreto». 11Dambwe – local secreto onde são efectuadas as reuniões que antecedem a apresentação do Nyau. Situa-se no mato cerrado, longe das povoações. Os caminhos que levam ao dambwe, são atravessados por alguns ramos, para dar a conhecer aos transeuntes que devem manter-se afastados. Para o efeito, penduram-se panos colori-dos, no topo de grandes árvores das cercanias. O dambwe pode mudar de localização de harmonia com a necessidade de se encontrar sempre situado entre mata densa e recôndita, onde abundem plantas indispensáveis ao fabrico de figuras animalescas.

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Mwini mzinda com os seus instruendos num dambwe. fonte: google image.

As provas de resistência e sacrifício12 constituem o mo-mento de testagem da coragem e aptidão do iniciando de modo a transitar para as etapas posteriores. Para o efeito, o namwali é conduzido da sua aldeia ao dambwe de olhos vendados13, pelo respectivo phungo. Acredita-se que a venda nos olhos expressa a “morte” não só destes ór-gãos vitais estratégicos, mas igualmente, a personalidade de criança, significando o renascimento do adolescente num outro contexto sagrado, carregado de simbolismos, aspecto que explica, grosso modo, o carácter secreto da sua nova vida.

12Há uma referência nos arquivos do ARPAC - Delegação de Tete, onde um informador, Cuicui Fumulani, afirma que além de serem açoitados, os iniciandos tinham que comer tripas cruas de galinhas. 13Esta acção mostra o quão é dada importância aos locais de iniciação. No caso de reprovação de um iniciando, este não tinha como chegar ao local de iniciação.

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Um dos membros da sociedade chicoteia um novato, uma das pro-vas de sacrifício . (Foto de Vlad Sokhin) 14

Sequencialmente, o namwali é deixado sozinho numa mata, durante uma semana ou mais, e quando menos espera, é surpreendido por alguns jovens, já iniciados, com gritarias e zombarias, bem como agressões físicas. Esta fase inclui, igualmente, a ginástica acrobática, como o trepar postes e a locomoção em fios suspensos, segura-dos por estacas, e ainda, o domínio de cobras venenosas e gibóias. Com estas acções, espera-se que o iniciando se mostre capaz de se comportar como um adulto, sem medo e que consiga ser o provedor da tranquilidade do seu futuro lar, pai corajoso, que possa defender a sua fa-mília de qualquer perigo.

14In: Projects - The Spirits of Mozambique: Nyau. Pode ser visualizado em http://www.vladsokhin.com/projects/spirits-mozambique/nyau

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Recém-iniciado ao culto do Nyau (a direita), preparando-se para comer carne crua de galinha misturada com algumas ervas. (Foto de

Vlad Sokhin)

A fase da aprendizagem dos preceitos da irmandade se-creta e da sua comunidade consiste na aquisição de vá-rios ensinamentos edificantes de uma nova personalida-de. De facto, a concordar com Letiasse Chinvuo, cabe ao phungo, transmitir ao iniciando as normas de conduta so-cial vigentes na comunidade, a ética, as regras e os tabús ligados à cerimónias fúnebres e à vida sexual, a importân-cia da conservação dos recursos naturais comunitários, a jurisprudência e a resolução de conflitos. Recebem, igual-mente, conhecimentos sobre a religião, os mitos, a músi-ca e a dança tradicionais15.

São ainda ensinados os procedimentos e habilidades para a construção de casas, o fabrico de enxadas e esteiras, 15Entrevista a Letiasse Chinvuo, Macanga, Agosto de 2011.

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de modo que depois de casados se sintam capazes de enfrentar as dificuldades que possam surgir no susten-to das suas famílias. A instrução, que pode durar meses, comporta outros ensinamentos úteis relativos à caça, a actividades artesanais e às proibições ritualísticas (absti-nência de certos alimentos).16

A integração na irmandade do Nyau ocorre após a admi-nistração desta série de ensinamentos, a partir da qual o iniciando passa a ser um Gule, membro de pleno direito da irmandade. Para o efeito, os respectivos pais têm a obri-gação de fazer uma contribuição17, que fica sob a gestão do mwini mzinda.18 De um modo geral, as contribuições servem, para a alimentação dos membros do Nyau reuni-dos no dambwe ou para serem divididas entre o mwini mzi da, o lumbwe19 e a nankungwi.20 O namwali deve, após o término da sua formação, angariar fundos na sua comuni-16É frequente ouvir entre os praticantes desta manifestação cultural frases como “mor-re-se quando se conta os segredos do Nyau!” Embora seja uma inverdade, esta serve como forma de se preservar o secretismo desta manifestação. Contudo, grande parte dos praticantes segue à risca esta advertência em virtude da coercividade das regras consuetudinárias neste tipo de comunidades, sendo por isso, difícil obter seja o que for sem o consentimento de uma autoridade do Nyau.17Acerca da quantia e do destino dado à esta contribuição, constatam-se, igualmente, variações de região para região. Na verdade, em alguns locais pode chegar até sete galináceos, ou o correspondente em numerário. Na falta de dinheiro, o iniciando podia entregar enxadas, machados, agulha para se fazer esteiras.18Finda a iniciação, o namwali é levado para a sua casa, e perante os seus pais, os membros mais velhos da irmandade comunicam o que de positivo e de negativo acon-teceu no local secreto de iniciação. 19Outro personagem de bastante importância na orgânica interna do Nyau. É o orien-tador e o coordenador das actividades dos membros da irmandade, quando se encon-tram reunidos no dambwe ou efectuam exibições públicas. Entrevista os estranhos que encontrando-se de passagem, e que pretendam ser recebidos no dambwe, alegando filiação na irmandade. Normalmente, é um individuo de grande envergadura física, capaz de inspirar temor e disciplinar – e se necessário punir corporalmente – os jovens desordeiros e desobedientes (Rita-Ferreira, 1966:72)20A namkungwi do Nyau é outra personagem de certa importância. É a única mulher que está autorizada a penetrar no dambwe, com o fim exclusivo de transportar alimen-tos e água para os membros da irmandade que ali se encontram reunidos.

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dade para agradecer ao phungo pela paciência que teve durante a sua iniciação21.

3.1.1. O Chinamwali, o Maliro e o M’bona

No seio da comunidade Chewa, para além do Nyau, rea-lizam-se outras três grandes cerimónias nomeadamente: 1) o Chinamwali (cerimónia de iniciação feminina); 2) o Maliro (ritual fúnebre) e; 3) o M’bona (cerimónia de recor-dação dos mortos). Estes rituais visam incutir no indiví-duo, as suas tradições, o ensino dos costumes e a busca de equilíbrio, tranquilidade e paz entre o mundo dos vivos e dos mortos. O pressuposto destes aspectos, fundamen-ta-se na percepção cosmológica de que os mortos estão presentes na orientação dos vivos, em grande parte das suas atitudes e comportamentos.

O chinamwali é o rito de iniciação feminino, realizado após a primeira menstruação das raparigas e tem como princi-pal objectivo educar as jovens para o seu papel de futu-ras esposas e mães, bem como o seu posicionamento e relacionamento dentro da comunidade. Às iniciandas são ensinados os deveres domésticos, tais como cozinhar, la-var, acender uma fogueira e cobrir e alisar o chão de uma casa. São instruídas sobre como se dirigir aos seus ma-ridos uma vez casadas, a vestirem-se respeitosamente, usando roupas que cubram o seu corpo, particularmente as partes acima do joelho.

Em virtude do carácter restrito do Chinamwali, as inician-das, à semelhança do Nyau, são instruídas a guardar se-gredo de tudo o que acontece durante a cerimónia. Após esta instrução, a rapariga deixa, simbolicamente, de ser

21Letiasse Chinvuo, entrevista citada.

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mwana (criança), e passa a ser namwali (iniciada ou adul-ta). Esta cerimónia relaciona-se com o Nyau pelo facto das suas canções serem usadas para reforçar os ensina-mentos durante a iniciação feminina.

Uma das principais figuras animalescas que aparece nes-ta cerimónia é o kasiya maliro, uma máscara que repre-senta fertilidade e renascimento. Simbolicamente, kasiya maliro significa que a namwali se tornará uma mulher fér-til, e tal como alude a tradição Chewa, “é do útero que gerações futuras virão”.

Kasiya maliro

O maliro é um ritual fúnebre que ocorre no período entre a morte e o enterro, para qualquer individuo da comunida-de. No entanto, quando se trata da morte de um membro da irmandade, esta cerimónia é acompanhada pela dança Nyau, em que se roga a Deus supremo para que receba o defunto e que a sua alma descanse em paz.

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Para os membros da irmandade, este rito “é considerado a transição que propicia a entrada no reino dos mortos e garante o retorno futuro ao mundo dos vivos”. A compa-rência no maliro dos filiados é obrigatória. Para o efeito, o corpo do defunto, é retirado da sua palhota por dois mem-bros do Nyau mascarados de kapoli (máscara de pluma-gem) e por eles conduzido durante um pequeno trajecto até ser entregue aos coveiros, adzukulo (sing. madzuku-lo).

Máscara Kapoli. (Foto de Vlad Sokhin)

O m’bona é uma cerimónia em memória dos defuntos, que se realiza passados seis meses ou um ano, com a finali-dade de retirar as restrições associadas ao luto, permitin-do a volta à vida normal dos parentes. Por esta ocasião, suplica-se o “espírito do morto para que não atormente os vivos”22.22Entrevista a Clemente Martinho Cueza, Zóbuè (Moatize), Setembro de 2012. Segun-

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3.2. O Nyau como expressão artística

O Nyau como expressão artística, comporta dimensões desenvolvidas ao nível da: (1) indumentária; (2) fabrico dos instrumentos; (3) música e a dança. Estas dimensões, reflectem a forma como povo Chewa expressa as suas emoções, história e cultura, socorrendo-se dos seus valo-res estéticos em termos de beleza, harmonia e equilíbrio.

3.2.1. Indumentária do Nyau

A maioria dos materiais usados para a confecção da indu-mentária é encontrada localmente, em espaços públicos, porém, a sua recolha é feita por um iniciado, sem des-pertar suspeitas, quanto à sua origem e finalidade. Nesta produção artística, nota-se o interacionismo através da combinação dos valores ancestrais e, novos, decorrentes de dinâmicas sociais. No caso concreto, espelham tradi-ções do povo Kafula, dos Chewa e da actualidade, uns resultantes da interacção com diversos povos e, outros da degradação do meio ambiente e consequente escassez de recursos.

Na confecção das máscaras do Nyau resultam três tipos, a saber: kapoli (máscaras de plumagem), kampini (más-caras de madeira) e dzwirombo (figuras zoomórficas). O tempo que dura o fabrico de uma máscara depende do seu tipo, levando em média três dias. A função da más-cara, em primeiro lugar, é identificar os membros da so-ciedade secreta e esconder o rosto do mascarado para preservar a sua identidade. No entanto, os membros da irmandade vão mais longe, ao acreditar que a máscara do este entrevistado, esta cerimónia é uma exigência do espírito do morto. Sem ela, os familiares sonham com o defunto que não os deixa dormir durante a noite.

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pode absorver as forças mágicas dos espíritos dos ante-passados.

As máscaras kapoli são das mais representativas do Nyau, pois, os iniciandos aprendem-nas, durante os ritos de iniciação. No seu fabrico, usa-se um saco de serapi-lheira ou na sua falta, de fibra sintética, a partir da qual corta-se uma banda, com cerca de 60 cm de comprimento e 30 cm de largura, suficiente para envolver a cabeça do mascarado. Sobre esta banda, são presas penas de aves com fios do próprio saco, de modo a cobri-la totalmen-te. De seguida, costuram-se as extremidades com uma agulha artesanal, feita de arame, ligando-as de modo a formar um cilindro.

Finalmente, com um pano, fecha-se uma das extremida-des, formando uma espécie de cone. A abertura na base deste cone é por onde o dançarino introduz a cabeça e, para permitir alguma visibilidade e respiração, são feitos quatro buracos, ao nível dos olhos e das narinas. Devido aos movimentos frenéticos durante a sua exibição, esta máscara é solidamente fixa à cabeça do dançarino, atra-vés de fios que passam pela frente da cara e nuca, circun-dando a cabeça. Adicionalmente, outros fios são fixados nas extremidades da banda de um e do outro lado da ca-beça, sendo de seguida fortemente amarrados à base do queixo.

O dançarino com esta máscara apresenta-se besuntado com lama, ornamenta-se com simplicidade, recorrendo a fibras ou pedaços de panos, formando, como descrito aci-ma, pequenos saiotes que se amarram à cintura, antebra-ços, abaixo dos joelhos e tornozelos.

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Máscara Kapoli

As máscaras kampini são faciais, feitas de madeira da ár-vore mulula (ou mupepu), devido às suas propriedades tais como resistência, maleabilidade e leveza. São escul-pidas por um artesão especializado, que para o efeito, se submete a um processo de purificação, onde faz pedidos de orientação aos espíritos ancestrais. Acredita-se que tal prática transfere os poderes destas entidades para a más-cara durante o processo do seu fabrico, e para o dançari-no no momento de actuação.

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As kampini possuem variadíssimas dimensões e forma-tos, representando figuras humanas, de animais e, su-postamente, de espíritos. Podem, igualmente, variar em função da cor, que indica a passividade ou agressividade da figura que se pretende representar. Por exemplo, a cor branca, representa o renascimento, a mutação de um ser, e sendo por isso, consideradas pacíficas. Por sua vez, as máscaras da cor preta, são consideradas as mais perigo-sas, por serem conotadas com a maldição, a feitiçaria e o anti-social.

O vermelho é ambivalente, pois representa o sangue, o fogo, o sol (calor) mas também a reintegração de um ser marginal, a fecundidade e o poder. O vermelho mais escuro representa as forças agressivas e o sangue impuro.

Existem vários tipos de máscaras kampini entre eles, a chadzunda, chimbano, chabwera kumanda, entre outras. Para a percepção dos diferentes passos do fabrico das máscaras kampini, descreve-se a seguir, a máscara cha-dzunda, que representa um idoso. O seu fabrico com-preende processo como o uso do mbadzo (machado) com que se corta longitudinalmente o tronco e de seguida se toma uma das metades para remover a casca e iniciar o desbaste, para dar a forma côncava à estrutura da más-cara.

Tendo bem presente as dimensões e feições da figura a ser representada, com carvão, são desenhados os olhos, o nariz, a boca e as orelhas, para depois com ntsemo (enxó), escavar a superfície convexa da estrutura, para dar relevo à face. Note-se que as feições são grosseira-mente esculpidas, não havendo preocupação em tornar as formas perfeitas ou realísticas. Esculpem-se a boca, o

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nariz, as bochechas, os olhos e as orelhas. Com o mucu-luzo (ferro aguçado) aquecido ao rubro, furam-se as nari-nas e os olhos.

Chadzunda

A seguir, procede-se à pintura da máscara recorrendo-se a uma mistura de pó de carvão vegetal e água, para formar uma tinta. A completar o processo de fabrico, são usadas fibras vegetais para representar o cabelo, a barba e as sobrancelhas. Em alguns casos, a máscara é ador-nada com cabelos humanos.

Os dzwirombo representam não só figuras de animais selvagens conhecidos da fauna local, como, igualmente, animais imaginários, fruto do grande poder criativo dos artesãos. Estas figuras acentuam os traços mais caracte-rísticos dos animais que representam – orelhas, chifres, trombas, etc.

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Uma figura zoomórfica – dzwirombo

Um dos aspectos marcantes na dimensão artística do Nyau é, igualmente, o fabrico de figuras zoomórficas. Com efeito, depois de decidida a figura a ser representada e, reunidos os respectivos materiais, o mwini mzinda orienta na definição da sua confecção. Por exemplo, para a cons-tituição da base, formam-se a partir de ripas de bambu ou varas, várias estruturas ovaladas no número e tamanho que possibilite erguer a construção até a altura desejada. Com o auxílio de ripas, colocadas na vertical, estas es-truturas ovaladas são dispostas paralelamente uma em relação a outra e amarradas com cordas nas junções.

Terminada a construção da estrutura, segue-se o reves-timento que é, igualmente, feito com materiais diversos, em função do animal pretendido. Quando se trata de um animal peludo, como boi ou búfalo, o material usado é constituído por fibras de serapilheira ou sintética, adquiri-da a partir de sacos desfiados e posteriormente pintados

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de preto ou castanho. No caso de animais não peludos, o revestimento pode ser constituído de tecido de serapilhei-ra besuntado de lama ou de tinta.

Estrutura animalesca em construção. (Foto de Vlad Sokhin)

Este processo envolve a participação de mais de um ar-tesão, devido ao seu tamanho e complexidade. Importa, igualmente, referir que tal como nas kampini, existe nos dzwirombo, tamanhos e formatos diferentes, suficiente-mente largos para permitir a mobilidade dos artistas no seu interior, cujo número pode variar de um a quinze ho-mens. Assim, enquanto os dzwirombo chaching’ono, re-presentam animais de pequeno porte, como macacos, avestruzes, hienas, etc., os dzwirombo dzikulu, simbo-lizam animais de grande porte, tais como elefantes, ze-bras, búfalos, girafas e até imaginários, como ilustra a fi-gura abaixo.

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A máscara do Nyau possui uma carga mágica muito forte para quem a utiliza e para quem a vê, influenciando os comportamentos de uns e de outros. De facto, o dançari-no visto no dia-a-dia como uma pessoa comum, quando em exibição, age como que possuído por uma força so-brenatural, que o impele a fazer o impossível, o inacre-ditável. Para a comunidade, esta mesma máscara é en-carada como sendo o próprio espírito, inspirando medo, obediência, reverência.

Nyau, representando um ser mitológico

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3.2.2. Os Instrumentos do Nyau

De entre os principais instrumentos exibidos no Nyau, figu-ram tambores (ng’oma), tais como o mjidiko, o kamkumbe, o mpanje, o gunda, o mbalule, e o ndewele.23 Estes são classificados de acordo com o som que produzem e a fun-ção que desempenham na orquestra. Executados exclusi-vamente por homens, os tambores variam de tamanhos e sua denominação, de região para região, assim como os ritmos executados. Outro instrumento associado ao Nyau é o silamba, chocalho de mão, que serve para orientar o dançarino, que tem pouca visibilidade dentro da máscara ou figura zoomórfica.

O mjidiko é usado para dar o ritmo fundamental e fixar o tempo para a dança. Marca o início da dança, antes de qualquer outro tambor ser introduzido. O seu nome pro-vém da sua função kujidika (fixar o passo). Igualmente, é conhecido por mbitembite, mbandambanda, ou guba-guba, expressões onomatopaicas que descrevem o som do mjidiko.

O kamkumbe é o tambor de apoio ao mjidiko. O seu nome deriva da sua natureza rítmica de revelar (kukumba). Este tambor tem um ritmo estático, sem qualquer variação.

O mpanje é o tambor que ajusta o ritmo básico da dan-ça. A sua batida alterna para promover variações rítmicas que são fundamentais para um passo de dança particu-lar. Este está em contratempo em relação ao mjidiko e o kamkumbe que têm ritmos estáticos.

23Em grande parte de Tete, somente são utilizados o mpange, gunda e mbalule, normalmente duplos de cada tipo. Francisco Bazul. Entrevista citada.

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O gunda é responsável por manter uma batida fixa, ne-cessária para o bom acompanhamento do mpanje, cujo ritmo muda ao longo do desempenho. É redondo, normal-mente acoplado a um segundo, afirman-se por isso,ter “duas cabeças”. O tocador do gunda senta-se por cima dele, tocando-o com as duas mãos, podendo, às vezes, tocá-lo com paus (baquetas).

O mbalule é o tambor fundamental para acompanhar a actuação dos kapoli e kampini. O seu nome deriva da pa-lavra ciChewa “kuwalula” (gritar bem alto, ou cantar alto descontroladamente). O tocador do mbalule parece, para quem não conhece o Nyau, estar a tocar sons aparente-mente discordantes em relação aos outros tambores, mas que são bem entendidos pelo dançarino. De facto, há uma sincronia entre as batidas do mbalule e os movimentos do dançarino, num contexto de improviso, mas que tem uma lógica artística, inteligível, entre ambos.

O ndewele é o tambor do mestre. É usado para o acompanhamento dos dzirombo dzikulu, cuja aparição só acontece com a autorização expressa do mwini mzin-da ou, esporadicamente, em ocasiões especiais, em que participam os dançarinos veteranos. A sua função é seme-lhante a do mbalule, tendo apenas como particularidade, o facto de ser tocado mais lentamente, para acompanhar os movimentos também lentos dos dzirombo dzikulu.

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Alguns tambores do Nyau

Para a confecção dos tambores do Nyau usa-se, prefe-rencialmente, a pele de antílopes (gazela ou cudo24), por possuir propriedades únicas, tais como, consistência, du-rabilidade e boa sonoridade, capaz de se projectar a gran-des distâncias 25.

Actualmente, devido a escassez deste tipo de pele, a mais usada na produção dos tambores é a de gado bo-vino. Esta traz consigo implicações negativas por ser de fraca durabilidade e não produzir um som genuíno. Para colmatar esta situação, os instrumentistas raspam os pê-los da epiderme. Esta pele passa por um processo antes de ser armada no cilindro de madeira, como podemos de-preender do seguinte depoimento:

Antes de se fixar a pele na armação do tambor, esta é esticada e deixada secar durante alguns dias, normalmente uma semana, para ficar mais forte. Posteriormente, é encharcada durante uma noite para a amolecer e a tornar flexível. Depois, é posta pouco tempo ao sol para permitir que a água

24O cudo (Tragelaphus strepsiceros) é um grande antílope africano, de longos chifres espiralados e coloração avermelhada com listras verticais brancas. Também chamado de goma em Moçambique.25Entrevista a Carlos Baptista, Zóbuè (Moatize), Setembro de 2012.

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evapore completamente. A seguir é cortada a por-ção da pele necessária (ligeiramente maior que a cabeça do tambor) e são feitos cortes à volta por onde são introduzidas as cavilhas de bambu ou de madeira, que vão esticar a pele. Há casos em que não se usam cavilhas, mas uma tira da própria pele, colada e por fim fixada com pregos.26

Depois de fixada a pele, segue-se o processo de afina-ção, que consiste na exposição da parte da pele ao fogo por alguns segundos, dando-se algumas palmadas até que se obtenha o som desejado. Para se melhorar o som, aos tambores é acrescentado um piche27 (phula em língua local), feito de seiva de uma árvore especial, localmente chamada nkhonde ou cera de abelha untada no centro do tambor. O propósito do piche é fazer com que o tambor tenha um som mais agudo e a ressonância desejada. De-pois de afinado, o tambor é besuntado com óleo de rícino (nsatsi) para uma melhor preservação da madeira.

Com a afinação, é ajustado e aperfeiçoado o som de cada tambor, produzindo altura desde o mais agudo ao mais grave. Alguns tambores permitem ao percussionista con-trolar a altura do som produzido, alterando com as mãos a tensão da pele.

26Carlos Baptista. Entrevista citada. 27Substância negra, mole e gomosa; é o resíduo da destilação de alcatrão ou de pe-tróleo. O piche é altamente adesivo e repelente à água. In: http://www.dicio.com.br/piche_2/. Acessado em 14/09/2011. Esta citação serve para advertir que hoje em dia, devido à escassez das árvores especiais, o phula é feito à base de pneus de carro, segundo Francisco Bazul, entrevista de 17/07/2011.

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Afinação de tambores

Em relação à disposição dos percursionistas na arena, estes posicionam-se em forma de meia-lua. Colocam os tambores no chão, entre as pernas e inclinados, vão executando com as mãos os instrumentos.

3.2.3. As Canções do Nyau

A canção é entendida como uma composição musical para a voz humana, geralmente, acompanhada por ins-trumentos musicais e possuindo uma letra. O Nyau como expressão artística insere a componente da canção tra-dicional, a qual se refere, geralmente, à canção própria de um povo, numa determinada região geográfica e num determinado contexto social. De facto, esta manifestação sócio-cultural tem raízes num passado remoto e reflecte, para além das origens do povo Chewa, as experiências adquiridas ao longo do tempo, na sua interacção com ou-

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tros povos. O conteúdo das canções do Nyau revela di-ferentes aspectos da vida dos Chewa, tais como, a sua história, cultura e mesmo o erotismo.

Coro de Mulheres, acompanhando um Nyau

As canções do Nyau são executadas por um coro for-mado somente por mulheres iniciadas, variando de dez a quinze, que durante a exibição se posicionam por trás dos instrumentistas. Geralmente, as letras são curtas e repetitivas, possuíndo características musicais bastante particulares em relação à estrutura melódica, harmónica e rítmica. As canções podem ser de tristeza, de alegria e de humor, como se pode depreender da letra que se transcreve a seguir:

Ananga dakalila,

dakalila nkalanga daie sanje

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Tradução

Uma mulher não respeita o seu marido,

e este aborrecido,

manda-a embora de casa, ela se

arrepende e chora28

Algumas canções são de profundo significado erótico29, principalmente as entoadas durante o chinamwali, e emo-cional, mas transmitindo uma série de ensinamentos, que muitas vezes se confundem com insultos, provocações e zombarias, podendo subentender aspectos íntimos por via de eufemismo e metáfora. Veja-se o seguinte exemplo:

Mnzako akati ndaima ndaimandaima

Pholokoto wa mtengo wa pa dambo

Kubala akuti wirira

Kugwa akuti lakata

Tandiuza chidalakata

Idalakata ndi nkhole

Nhole ikana ukulu

Phungu ndati miyambo tsiling’inthu

Kafundze kafundze miyambo30

28Canção cedida por Rafel Calenço, Zóbuè (Moatize), Setembro de 2012.29Rita-Ferreira (1966:74) diz que considera-se recomendável o uso de linguagem obs-cena. Há quem defenda que evocar a mulher ou fenómenos fisionómicos femininos criticados por muitos é uma forma de evocar a vida, pois, a mulher dá uma outra alegria à vida.30Van Breugel 2001: 192-193

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Tradução

Quando seu companheiro diz: estou de pé

Estou de pé como uma árvore vertical no dambo

As mulheres dizem: é áspero como capim esguio

As mulheres quando estão de período dizem: está a cair

Diga-me por que está a cair

O que cai é o sangue menstrual

O sangue menstrual recusa a gravidez

O meu padrinho contou-nos as tradições que devem ser

seguidas

Temos que estudar as tradições

Constate-se que nas canções entoadas usando metáfo-ras, há uma conversação entre o dançarino e as coristas no início de todas elas. O dançarino entoa a melodia da canção que pretende, e de seguida, as mulheres acompa-nham-no, respondendo em coro. Note-se que quando os dançarinos envergam as máscaras kampini e dzwirombo não emitem qualquer som, pois, este seria abafado pela própria máscara.

É importante frisar que as letras das canções foram mudando ao longo do tempo. De facto, durante o período colonial, algumas criticavam e ridicularizavam as diferen-tes figuras do regime e a ideologia, tornando-se assim, um instrumento de contestação e luta pela preservação da sua cultura e identidade. Com a proclamação da inde-

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pendência, as canções passaram a transmitir mensagens de mobilização para a nova realidade voltada a constru-ção da nação.

Actualmente, o conteúdo das canções trazidas ao público, tendem a reflectir acontecimentos de natureza social, po-lítico e cultural, conforme os três exemplos abaixo, per-tencentes ao repertório do grupo de Zóbuè, no distrito de Moatize:

(1) Frelimo yawina, yawina, Frelimo yawina, yawina dzico

a Guebuza awina, awina, awina, aGuebuza awina dzico

Tradução

A Frelimo ganhou, ganhou, a Frelimo ganhou o país

Guebuza ganhou, ganhou, Guebuza ganhou o país

(2) Chiri cumai adapita yéééé

Chiri cumai adapita anabaia ncondo

Chicumuai anapita anabaia ncondo

Tradução

A mãe foi morta com uma azagaia,

está no cemitério,

tão perto mas não volta

(3) Kujoni chaico, chaico, yéééé, chaico, chaico chaicon-damoio

Kujoni chaico, chaico, chaico, chaico chaicondamoio

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Tradução

Johannesburg (África do Sul) é tão longe,

mas mesmo assim, quem vai retorna

A maioria das canções do Nyau são criadas individual-mente, isto é, qualquer membro da irmandade pode pro-por uma letra e passos de dança. Numa etapa posterior, são avaliadas no dambwe, montadas, melhoradas e en-saiadas para que sejam interiorizadas, sem a presença das mulheres que compõem o coro. Na criação dessas canções, o artista tem já em mente o tipo de máscara com a qual irá dançar.

3.2.4. O Nyau como dança A componente dança do Nyau é a dimensão mais visível e espectacular desta manifestação cultural. É uma ex-pressão essencialmente masculina, onde os passos de dança são marcados pelo ritmo acelerado e estonteante dos tambores, acompanhados pelas vozes de um coro, essencialmente feminino.

Para as apresentações em público é envolvida uma sé-rie de pessoas, desde a parte executiva, os artistas e a audiência. A parte executiva é composta pelo chefe da aldeia, que é também o mwini mzinda, o wakunjira, o tsa-bwalo, e o tsang’oma.

O mwini mzinda é quem decide quando e onde terá lugar a cerimónia do Nyau. O wakunjira é a pessoa encarregue por supervisionar e monitorar toda a operação relativa ao desempenho do Nyau, sendo este pode decidir a se-quência da dança e em quanto tempo uma máscara pode permanecer na arena. O tsabwalo, que numa tradução

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directa, significa “o capitão da arena”, é quem trata des-te lugar, dos detalhes relacionados, para que não falhe nada, incluindo cercar o bwalo e, se for necessário, fazer o abrigo para as individualidades locais. Por fim, temos o tsang’oma, o encarregado pelos tambores e pela sua afinação.

Compõem a orquestra, os dançarinos, os percussionistas e as coristas, enquanto a audiência é formada por um pú-blico diversificado. Refira-se, no entanto, que no passado a assistência era bem restrita, fazendo parte, mulheres, crianças com menos de 10 anos de idade e homens ini-ciados. O local onde se executa a dança é chamado bwa-lo, geralmente, um espaço aberto e com um chão de terra, permitindo que todos possam ter uma boa visibilidade e desfrutar do espectáculo. Adicionalmente, os anciãos, o coro e a audiência são posicionados e agrupados segun-do uma determinada ordem, de acordo com o esquema abaixo.

Estrutura do bwalo

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Como se pode observar no esquema acima, à entrada do bwalo ficam posicionados os anciãos (pessoas idosas conhecedoras do Nyau, que assumem posições de desta-que na aldeia31). O seu papel é de sinalizar o momento de entrada de cada máscara ou figura zoomórfica e inspecio-nar a fantasia da mesma antes de se fazerem à audiência. Próximo a eles, estão os percussionistas, virados de fren-te para a audiência. A parte frontal destes está reservada aos dançarinos e figuras zoomórficas. Por trás dos toca-dores de tambores, posiciona-se o coro, e do lado direito dos tocadores, ficam sentados os homens de acordo com o seu estatuto social.

Esta disposição reflecte a divisão do género e de idade, onde homens e mulheres ocupam lugares e papeis bem definidos. Espelha, igualmente, a hierarquia vigente na qual, neste caso, os homens iniciados ocupam uma po-sição de destaque, sendo que todo o corpo executivo é constituído por elementos do sexo masculino. De realçar que o elemento de separação entre o espaço masculino e o feminino são os tocadores de tambores, sendo que as pessoas de destaque posicionam-se próximo dos instru-mentistas.

Do ponto de vista coreográfico, os dançarinos apresen-tam-se individualmente, aos pares (como o par Chadzun-da e Maria) ou em grupo cujo número de dançarinos varia de dois a cinco. Os pés seguem o ritmo musical, acom-panhados pelos braços que equilibram o balanço do cor-po. O dançarino desloca-se no bwalo de um canto para o outro, levantando poeira, alternando e deslizando os pés, movimento típico de uma galinha esgravatando frenetica-

31Alguns destes já foram mwini mzinda. Os anciãos são colocados ao lado dos chefes, como sinal de prestígio. Eles tem autoridade para criticar o evento após a performance.

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mente, como se estivesse à procura de algo para comer. O contacto contínuo dos pés nus com a terra é funda-mental, uma vez que se crê que serve para absorver as energias que deste lugar se propagam32. Com as mãos, vão fazendo movimentos contínuos para frente e para trás, por vezes, afugentando com varas as pessoas que assistem, principalmente mulheres e crianças.

Um Nyau afugentando os assistentes

Além de efeito visual, os movimentos de um dançarino de Nyau procuram imitar o comportamento da figura repre-sentada pela máscara, parecendo trazer consigo a sua essência. Por exemplo, as assustadoras máscaras kampi-ni têm movimentos agressivos, e aparecem perseguindo e ameaçando a audiência. Um máscara kampini represen-tando um homem arrogante ou egoísta, terá movimentos correspondentes. A título de exemplo, erguerá a cabeça para mostrar desdém e seus gestos retratam alguém con-32Entrevista a Filipe Zangado, Macanga Março de 2010.

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vencido, petulante; um mulherengo irá estar sempre perto das mulheres; uma máscara de chefe ou aspirante a che-fe incorporará os símbolos de poder, dançando com mo-vimentos rápidos como um insecto em movimento, como que mostrando a influência que tem sobre uma comunida-de inteira. Os dançarinos mancam, saltam, rolam no chão, correm, imitando certamente alguém ou um animal.

Para que os dançarinos não fiquem atordoados durante os seus movimentos frenéticos, são-lhes feitos pequenos cortes nos joelhos e cotovelos, onde são friccionados com uma pomada, feita à base da libélula (sambisambi) e terra extraída do ninho da andorinha (nsamzeze). Trata-se de um ritual que, segundo os praticantes do Nyau, tem em vista passar para os dançarinos a rapidez e agilidade des-ses animais.

As penas, fibras e quaisquer materiais que se desagre-guem das máscaras, devem ser prontamente apanhadas pelos adolescentes membros da irmandade e entregues aos dançarinos, pois, acredita-se que “as mulheres po-dem adoecer se as pisarem33”.

O desempenho de um dançarino de Nyau é medido atra-vés do seu movimento no bwalo, a sua locomoção em fios suspensos, acrobacia em postes, actuação com cobras venenosas e jiboias gigantes, o actuar sobre andas34, a poeira que levanta, os gritos que dá durante a actuação e, por vezes, pelo pandemónio que causa. Neste momento, “não há nenhum equívoco de que os antepassados estão

33Entrevista a Samissone Livissone, Moatize, Setembreo de 201234Andas são pernas altas de pau utilizadas pelos Nyau durante a dança. Em tempos idos, as andas chegavam a ter mais de 3 metros de altura, mas actualmente para

segurança e mobilidade dos dançarinos, as andas são mais curtas.

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presentes na aldeia. Por esta via, as pessoas mostram o seu agrado colocando dinheiro em notas ou moedas nas mãos dos dançarinos ou entregando o dinheiro ao chefe do grupo em questão35”.

Nyau, locomovendo-se num fio suspenso

Para o caso dos dzwirombo dzikulu, os movimentos são simples e limitados, devido ao enorme tamanho da sua estrutura e número de dançarinos nela incorporados. Es-ses movimentos na sua maioria, direcionam-se para fren-te e para trás e giram em torno de si mesmos, quando 35Samissone Livissone, entrevista citada.

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podem. Temos como exemplo a estrutura kasiya maliro (o antílope) que segundo os membros da irmandade, repre-senta a mãe do Nyau, o mkango (leão), que também se move girando de vez em quando em torno do seu eixo e se agachando.

No passado, estas figuras apresentavam-se somente à noite, dançando afastadas da assistência, para que se pensasse tratar-se de animais verdadeiros. As aparições fantasmagóricas surgidas das penumbras da noite con-tribuíam para firmar na mente das mulheres e crianças, a origem sobrenatural destas figuras. A finalidade é man-tê-las em permanente estado de temor perante as acti-vidades viris dos membros do Nyau. Em caso de apre-sentações diurnas, proibia-se a assistência feminina, para fortalecer este mito.

Durante a exibição das figuras zoomórficas, não é per-mitida a aproximação de indivíduos não iniciados. Caso se contrarie esta regra, a pessoa é ameaçada com cho-calhos e, em caso de persistência é empurrada violenta-mente pelos membros da irmandade que andam em volta da figura em acção.

Importa referir que existe uma linguagem específica entre os membros da irmandade que constitui uma “linguagem estranha” para os demais. Os assistentes habituados, po-dem ser vistos a interagir com os dançarinos mascara-dos, indicando entender a linguagem. É por essa razão que exprimem vários sentimentos como, emoção, humor, e fazendo gestos provocatórios. Ademais, algumas más-caras são tão impressionantes, que chegam a fazer a as-sistência correr em debandada, com choro por parte das crianças.

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Desta forma, esta dança é muito mais que uma exibição de máscaras e figuras zoomórficas. É realmente, um códi-go secreto, onde a exclusividade da irmandade é trazida à tona, marcando uma certa fronteira visível entre esta e a população em geral.

Mascara de Nyau Makanja dançando com andas.

3.3. O Nyau como meio de contestação contra a ordem e política colonial

O Nyau constituiu desde o início da ocupação portugue-sa um importante instrumento de resistência à ideologia colonial, particularmente a que era transmitida através das igrejas e missões. Foi através da introdução de no-vas máscaras que este aspecto tornou-se mais visível. Como afirma Dava (2007), a interpretação do Nyau não era algo pacífico e dependia em larga medida da capaci-dade de descodificação dos símbolos e gestos exibidos,

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quando contextualizados histórica e culturalmente. A título de exemplo, a administração colonial demorou muito tem-po para compreender o significado desta manifestação. A sua leitura inicial era de que estas figuras e símbolos sig-nificavam a hospitalidade, condescendência, apreciação e apoio aos dirigentes coloniais e à ordem eclesiástica.

Neste contexto, foram introduzidas máscaras como o Simione (um colono, tendo o corpo pintado de branco e máscara da mesma cor ou vermelha); o Makombe (militar colonial, com uma máscara avermelhada, vestuário euro-peu e um lenço servindo de bandeira atado na ponta de um pau comprido); o Manuel (o cantineiro), os macacos pretos, que de acordo com certos informantes, ridicula-rizavam a ordem colonial, e o macaco branco de óculos, que satirizava a presença da Igreja Católica, que se su-punha pretender substituir-se à religião tradicional local; a Maria “Chadzunda” (com grandes seios pendentes) pro-curava trazer uma nova reflexão, sobre a Virgem Maria, que deu à luz Jesus Cristo, contudo, continuando a man-ter a virgindade.

Depois de descodificado o carácter contestatário do Nyau, seguiu-se a sua repressão, desencadeada por missioná-rios, auxiliados por catequistas e professores. São muito recordadas, ainda hoje, situações em que alguns padres desesperados, agrediam ou mandavam agredir violenta-mente os dançarinos pelo facto destes preferirem o Nyau à Igreja. Outras vezes, pediam aos administradores que mandassem os seus cipaios prender e chicotear as pes-soas que se dedicavam ao Nyau, enviando-as, depois, ao chibalo36.

36A mesma situação aconteceu nas ex-colónias britânicas, como no Malawi, onde a sua prática viria a ser relançada e encorajada por Kamuzu Banda, quando ascendeu a

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Nyau, ridicularizando a ordem colonial

Este movimento teve resposta imediata por parte da po-pulação, a qual reforçou as acções de protesto. Conse-quentemente, foi se assistindo a generalização dos ritos e iniciação, o que provocou o esvaziamento de catequeses e missões. Em face da contínua repressão, as comunida-des viram-se obrigadas a praticar o Nyau nas matas, às escondidas, longe da vista das autoridades coloniais, da Igreja Católica e de alguns chefes tradicionais aliados ao regime. Quando descobertos, os seus praticantes tinham que pagar aos chefes tradicionais valores em dinheiro ou em espécie37 para que estes se mantivessem calados e não os denunciassem às autoridades coloniais, facto que contribuiu, sobremaneira, para que se acentuasse o ca-rácter secreto desta instituição.

presidência deste país, em 1964. 37Podia ser em galinhas, cabritos, etc.

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Para além desta contestação ao poder colonial, o Nyau contribuiu para a disseminação das mensagens revolucio-nárias à favor da descolonização ajudando, deste modo, a passar informações sobre as acções da Frente de Liberta-ção de Moçambique (FRELIMO). Nas Zonas Libertadas38, o Nyau entretinha os combatentes e o povo em geral, aju-dava na consolidação da Unidade Nacional, pois, partici-pava em espetáculos onde todos os grupos etnolinguísti-cos de Moçambique estavam representados.

Nyau nas alturas, em exibição

38Zonas livres da dominação colonial, durante a Luta Armada de Libertação Nacional.

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4. Nyau – Gule Wamkulu: ameaças e desafios À luz da Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial, adoptada pela UNESCO em 2003, com o ob-jectivo de proteger manifestações culturais em risco de desaparecimento, o Nyau foi reconhecido, em Novembro de 2005, como Obra-Prima do Património Oral e Intan-gível da Humanidade. A elevação desta manifestação à categoria de património mundial trouxe consigo a necessi-dade de elaboração de um Plano de Salvaguarda, do qual consta uma avaliação das ameaças, desafios e perspecti-vas para a preservação do Nyau.

As principais ameaças para o Nyau, prendem-se com a fraca adesão juvenil, o êxodo rural, o fraco registo e do-cumentação desta manifestação sócio-cultural, aspectos que se associam, pela negativa, ao seu carácter secreto. Com efeito, o acesso a novas formas de entretenimento, tais como a televisão, o cinema, a internet, e mesmo a música de massas, tem atraído o interesse da camada juvenil, geralmente, ávida de novidades, em detrimento da cultura local.

No entanto, não se deve entender que estas práticas se-jam nocivas à sociedade, mas o mais importante é o esta-belecimento de uma interacção profícua entre a tradição e a modernidade. Em termos mais concretos, referimo-nos a prossecução de acções, tais como:

• Promoção de debates sobre a dança entre pratican-tes de Nyau e a sociedade em geral;

• Promoção de sessões de debates e auscultação aos professores, líderes dos grupos da dança e a socie-dade civil para identificação e promoção dos valores positivos do Nyau;

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• Pesquisa, documentação e divulgação desta expres-são para fins de salvaguarda;

• Promoção de Intercâmbios entre grupos da dança Nyau e praticantes de outras danças;

• Capacitação dos líderes da dança Nyau com o intuito de diminuir a desistência escolar nas suas áreas;

• Elaboração de brochuras, manuais e outros mate-riais didácticos a serem utilizados nas escolas;

• Construção de um Museu ou Centro onde será ex-posto todo material relativo ao Nyau (máscaras, figu-ras, instrumentos musicais, incluindo documentos es-critos, áudios e vídeos);

• Inclusão dos conteúdos do Nyau no Sistema Nacio-nal de Educação e sua promoção, especialmente, ao nível do curruculum local;

Nyau Chadzunda e Maria, em actuação

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ANEXOS

Lista de Entrevistados

- Anselmo Modiasse. Distrito de Macanga.

- António da Silva. Distrito de Moatize.

- António José Rocha. Distrito de Moatize.

- Arzinha John Maenda. Distrito de Moatize.

- Batias Laissone Cizala. Distrito de Moatize.

- Bonita Gimo kanguleta. Distrito de Moatize.

- Carlos Baptista. Distrito de Moatize.

- Clemente Martinho Cueza. Distrito de Moatize.

- Djemusse Noa. Distrito de Macanga.

- Erineu Samu Efremu. Distrito de Macanga.

- Filipe Zangado. Distrito de Macanga.

- Francisco Bazul. Distrito Distrito de Macanga.

- Juliasse Kabango. Distrito de Angónia.

- Letiasse Chinvuo. Distrito de Macanga.

- Manuel Kabando. Distrito de Moatize.

- Manuel Kangiri. Distrito de Macanga.

- Samissone Livissone. Distrito de Moatize.

- Taimo Maida Juliasse. Distrito de Moatize.

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