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Patrimnio Cultural do Esprito Santo

GOVERNO DO ESTADO DO ESPRITO SANTOPAULO CESAR HARTUNG GOMES Governador RICARDO DE REZENDE FERRAO Vice Governador SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA DAYSE MARIA OSLEGHER LEMOS Secretria ANNA LUZIA LEMOS SAITER Subsecretria VALDIR CASTIGLIONI FILHO Gerente de Memria e Patrimnio CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA Criado pela lei delegada n 06 de 09/11/1967 Reestruturado pela Lei complementar n 421 de 04/12/2007

GOVERNO DO ESTADO DO ESPRITO SANTO SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA VITRIA, ESPRITO SANTO, 2009

Lugares do TempoPaulo HartungGovernador do Estado do Esprito Santo Onde esto o passado e o futuro, se que existem?, perguntou Santo Agostinho, na encruzilhada da problematizao do que seria o tempo. Um dos mais conhecidos doutores da Igreja, Agostinho concluiu que a conceituao do tempo das mais difceis, apesar de todos saberem o que . Em verdade, por experincia, sabemos o que o tempo, ou pelo menos temos impresses do que seja. Afinal, este ente invisvel da nossa cultura implacvel em sua concretude, materializando-se em ponteiros, rugas, nascimentos, mortes, projetos... E como tambm d as caras no campo das percepes simblicas, ainda se revela em recordaes, dores, alegrias, angstias, esperanas... O que este livro, que temos a satisfao de apresentar aos capixabas, busca fazer oferecer aos estudiosos, pesquisadores e leitores em geral um retrato do tempo que passou nas terras capixabas. Feies do tempo fixado em casas, palcios, edifcios, conjuntos urbanos, pontes, escolas, igrejas, estaes ferrovirias e outros tantos sinais das eras vividas pelos que nos precederam. Sinalizador do futuro, o tempo tambm deixa vestgios do que foram os dias por ele concedidos e agendados. Preservadas as suas marcas, ele coloca o passado na pauta do presente, que, juntos, combinam o horizonte dos tempos novos. A viabilizar tal interface, est memria, pois, no jogo da lembrana e do esquecimento, as marcas do tempo dizem presente ou ausentam-se, asilandose no ostracismo ou extinguindo-se pelas mos da ignorncia e do descaso. Em nossa luta humana por dominar o tempo, perdemos quase todas. Mas descobrimos que a valorizao das lembranas, se no pode faz-lo parar, pelo menos possibilita a preservao de suas obras. Descobrimos mais: ao enxergar o passado, e dele extrair lies, visualizar conexes, anotar causase-conseqncias, aprendemos que podemos, em alguma medida, domar o

futuro. Afinal, o nosso presente o futuro do passado. O hoje diz muito do que fomos e se olharmos nossos passos at aqui e refletirmos sobre a caminhada que empreendemos, podemos desenhar, na imensido do tempo, um caminho histrico, e no-natural ou involuntrio, na direo de outros futuros. O Governo do Estado do Esprito Santo tem no olhar sobre o tempo um de seus pontos estratgicos. Busca aprender com o passado, pensar o presente, planejar o futuro. O lanamento da srie Patrimnio Cultural do Esprito Santo, cujo volume inicial trata dos bens imveis tombados, um esforo de preservao das marcas dos tempos que nos trouxeram at aqui. uma mostra do valor que damos memria como um agente propulsor da histria que estamos escrevendo. A restaurao do Palcio Anchieta, que vamos abrir a visitao, e o revigoramento de museus so outros exemplos. Mas como a promoo do esquecimento sempre foi uma ttica da dominao e mesmo de naturalizao da Histria, que seria presidida pelo destino e pelo acaso e no pela deciso dos homens, ainda h muito o que fazer. Nas pginas seguintes, temos verdadeiros lugares de memria do ser capixaba. Nossas razes, emoes, aparncias, gostos, desgostos, crenas, descrenas, enfim, nosso jeito de existir tem sua matriz nestes que foram os espaos da vida no Esprito Santo de antes. Infelizmente, por descaso, omisso e at mesmo em funo da fragilidade das construes erguidas num tempo de tmida produo econmica, do passado s restam alguns lugares. E para que eles no desapaream de vez que nos lanamos em empreendimentos como esta publicao. Aqui esto retratos de obras que, ao nos oferecer vestgios da nossa identidade, ajudam-nos a tomar conscincia da nossa caminhada, auxiliam-nos a saber o que somos nossas fortalezas, nossas fragilidades, nossas aptides e vocaes.

E se o passado escreveu o futuro que vivemos, nada melhor que nos aproximarmos dos seus monumentos para nos conhecer cada vez mais e, assim, nos tornarmos cada vez mais fortes e preparados para escrever um futuro sempre mais digno, justo, fraterno e igualitrio um futuro do nosso melhor jeito capixaba de ser. Onde esto o passado e o futuro, se que existem?, iniciamos, perguntando juntamente com Santo Agostinho. Como se poder verificar a seguir, e pelo pouco que refletimos nos pargrafos anteriores, podemos nos arriscar a responder que eles esto nas marcas e vestgios deixados pelo tempo. Nos nossos lugares de memria, fontes de aprendizados, emoes e verdades sobre o que fomos, somos e podemos ser.

Passado vivoO lanamento do primeiro volume da coleo Patrimnio Cultural do Esprito Santo marca um momento importante da gesto pblica na rea da cultura na atual administrao. Uma das tarefas, s quais temos nos dedicado com muito empenho, refere-se recuperao de obras histricas e memria de fatos e pessoas, cuja atuao tenha contribudo decisivamente para a nossa formao como unidade poltica e como comunidade cultural. Com essa finalidade publicamos recentemente as obras Viagem de D. Pedro II ao Esprito Santo de Levy Rocha e Histria do Estado do Esprito Santo de Jos Teixeira de Oliveira, em parceria com a Secretaria de Estado da Educao. O presente volume de uma srie de quatro contm todos os bens imveis tombados pelo Estado e pela federao existentes no Esprito Santo. Os outros trs tero como tema os bens naturais, os bens mveis e as tradies populares respectivamente. Aqui veremos igrejas e palcios, casarios e casares, estaes e runas, fazendas e fachadas, caladas e alpendres, que mostram a diversidade tnica e cultural presentes na construo do Estado do Esprito Santo. Influncias europias e afro-brasileiras se manifestam em nossa concepo de espao mantendo vivas em nossa arquitetura as variadas origens que, ao longo de nossa histria, foram compondo o povo esprito-santense. Das Runas da Igreja de So Jos do Queimado, na Serra, Casa de Pedra de Perletti, em Nova Vencia; dos ncleos histricos de So Pedro de Itabapoana, Santa Leopoldina e So Mateus, ao Palcio das guias, em Maratazes, vamos montando como em um quebra-cabea a cara do Esprito Santo, a partir dos vestgios das vrias comunidades humanas que fizeram dessa parte do pas a sua terra e a sua moradia. Nessa coleo separamos o material do imaterial, o mvel do imvel, o natural do edificado, apenas como necessidade didtica, pois sabemos que as edificaes, os espaos pblicos e as comunidades vo se formando pela ao simultnea de inmeros atores sociais, tanto por aqueles que as concebem e as constroem, como por aqueles que as utilizam. Afinal, na dinmica da

Dayse LemosSecretria de Estado da Cultura

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vida, todos participam ativamente da construo de seu significado e de sua importncia social. Por isso, o patrimnio cultural pertence a todos e todos nos orgulhamos dele. Queremos torna-lo ainda mais conhecido para que todos tenham interesse em preserva-lo e em assumi-lo como seu. Queremos divulga-lo e torna-lo acessvel atravs dessa publicao. As novas concepes de salvaguarda do patrimnio cultural so estabelecidas a partir da ao integrada de diferentes polticas pblicas que envolvem turismo, meio ambiente, desenvolvimento urbano e educao, por exemplo. So abordagens transversais mais compatveis ao mundo globalizado, no qual predominam as convivncias interculturais, as relaes e trocas virtuais e os mltiplos pertencimentos. Nesse sentido, uma das tarefas pblicas mais complexas e dispendiosas a revitalizao dos stios e edificaes histricas. Uma misso difcil, mas necessria e urgente, face ao natural do tempo e rapidez com que mudam hbitos e costumes nesse nosso mundo informatizado. A preservao do patrimnio histrico edificado no somente uma obrigao das secretarias de cultura, mas uma ao de governo, que exige o envolvimento permanente de todos, setor pblico e sociedade civil. com orgulho que passamos ento s mos do leitor o primeiro volume da coleo Patrimnio Cultural do Esprito Santo para que identifiquemos nele a nossa histria, o nosso passado vivo e as infinitas possibilidades do presente.

Sumrio15 Introduo 30 Alegre31 Escola de Primeiro Grau Professor Lellis

78 Domingos Martins79 Casa da Cultura 85 Igreja Evanglica de Confisso Luterana

88 Fundo89 Casa Agostini

34 Alfredo Chaves35 Estao Ferroviria de Matilde

92 Guarapari93 Igreja Nossa Senhora da Conceio 99 Radium Hotel 103 Runa da Igreja de Guarapari

40 Anchieta41 Igreja e Residncia de Nossa Senhora da Assuno

108 Linhares109 Farol do Rio Doce

52 Aracruz53 Casa de Cmara e Cadeia 55 Igreja Catlica de Santa Cruz

Maratazes110 Trapiche e Palcio das guias

56 Cachoeiro de Itapemirim59 Escola Bernadino Monteiro 63 Igreja Nosso Senhor dos Passos

123 Mimoso do Sul125 Ncleo Histrico de So Pedro de Itabapoana

68 Castelo69 Fazenda do Centro 75 Igreja Nossa Senhora da Penha

152 Nova Vencia153 Casa de Pedra

155 Presidente Kennedy156 Igreja de Nossa Senhora das Neves

166 Santa Leopoldina165 Ncleo Histrico 171 Rua do Comrcio n 1 173 Rua do Comrcio n 2 175 Rua do Comrcio n 3 177 Rua do Comrcio n 11 179 Rua do Comrcio n 13 181 Rua do Comrcio ns 14,16,18 e 20 183 Rua do Comrcio n 15 185 Museu do Colono 191 Rua do Comrcio n 24 193 Rua do Comrcio n 26 195 Rua do Comrcio n 27 197 Rua do Comrcio n 34 e 36 198 Rua do Comrcio n 43 201 Rua do Comrcio n 45 e 47 203 Rua do Comrcio n 51 e 53 205 Rua do Comrcio n 54 207 Rua do Comrcio n 55 209 Rua do Comrcio n 57 e 59 211 Rua do Comrcio n 58, 60 e 62 215 Rua do Comrcio n 63 217 Bernardino Monteiro n 14 219 Bernardino Monteiro n 16 221 Bernardino Monteiro n 18

223 Prefeitura Municipal de Santa Leopoldina 225 Imveis da rua Jernimo Monteiro n 8 227 Imveis da rua Jernimo Monteiro n 10 229 Imveis da rua Jernimo Monteiro n 16 231 Imveis da rua Jernimo Monteiro n 43 233 Imveis da rua Jernimo Monteiro n 59 235 Rua Baro de Rio Branco, n 10 e 26 239 Imvel rua Porfrio Furtado, s/n. 241 Igreja do Tirol 245 Casa Paroquial do tirol 247 Casaro Holanda I 249 Casaro Holanda II 253 Casaro em Luxemburgo 259 Fazenda Bela Vista 261 Fazenda da Fumaa 264 Casaro Regncia I 267 Casaro Regncia II

270 Santa Teresa271 Capela de N S da Conceio 277 Residncia V Lamber 287 Residncia Augusto Rusch

291 So Mateus292 Porto de So Mateus

304 Serra305 Capela de So Joo Batista 311 Fazenda Natividade 316 Igreja dos Reis Magos 332 Runa da Igreja de So Jos do Queimado

336 Venda Nova do Imigrante337 Casaro de Dona Yolanda Scabelo

342 Viana343 Igreja da Nossa Senhora da Ajuda 353 Igreja de Nossa Senhora da Conceio 359 Igreja de Nossa Senhora de Belm

362 Vila Velha363 Convento de Nossa Senhora da Penha 377 Estao Ferroviria Pedro Nolasco - MVRD 385 Igreja do Rosrio 393 Museu Homero Massena

397 Vitria399 Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo 403 Capela Santa Luzia 411 Capela de Nossa Senhora das Neves 417 Catedral Metropolitana de Vitria 424 Chafariz da Capixaba 429 Concha Acstica 433 Convento do Carmo 439 Escola Maria Ortiz 445 FAFI - Escola de Artes 451 Forte So Joo 456 Frontispcio do Convento de So Francisco 467 Igreja do Rosrio 477 Igreja So Gonalo 487 Imvel Rua Muniz Freire 491 Jardim de Infncia Ernestina Pessoa 495 Maes - Museu de Arte do Esprito Santo 499 Mercado da Capixaba 505 Palcio Anchieta 513 Palcio Domingos Martins 519 Ponte Florentino vidos 523 Relgio da Praa Oito de Setembro 527 Residencial Jos Marcelino 530 Runas do Palcio Nestor Gomes 535 Solar MonJardim 543 Teatro Carlos Gomes

INTRODUO

15A Salvaguarda dos Bens Patrimoniais e a Scio-Espao-TemporaisO conjunto de bens constituintes do Patrimnio Cultural do Esprito Santo1 apresentado neste Catlogo no corresponde totalidade da nossa herana. H muito mais. Produto de um contnuo fazer e refazer, construir e reconstruir, plantar e replantar; expresso de projetos, sonhos, idealizaes e interesses diversos, o territrio esprito-santense uma paisagem de acontecimentos2. De sua condio original, predominantemente natural, onde circulavam, em nmade experincia, os Aimors, os Tupinambs, os Botocudos, pouco, ou quase nada, pode-se reconhecer. Transformada pelo contnuo agir humano, ao ser encoberta por camadas de substratos produzidos pelas sedimentaes milenares; ampliada por aterros sobre guas de mar; re-configurada por terraplenagem, explorao mineral, atividade agrcola, instalaes porturias; conectada por sendas, trilhas, caminhos de ferro e de cho; a natureza se fez espao. Transformada pelas tcnicas, a natureza se fez uma antropolgica paisagem. Uma rugosa paisagem, para ser interpretada com a razo, munida dos dados e fatos objetivos, e nem sempre assertivos, representados pela Histria; mas, tambm, para ser percebida com os sentidos, conduzidos pela matria mvel, instvel e sempre em construo da Memria. Por isso, pela larga escala temporal que nos afasta de seu nascer histrico; pelo impossvel reconhecimento do cenrio original vislumbrado pelo domesticado olhar ocidental de vertente europia; pela inexistncia de documentao totalmente abrangente e segura; os objetos preservados e aqui apresentados merecem um olhar interessado e aberto. Um olhar movido por uma intuitiva razo. Atento e emocionado, o folhear das pginas seguintes pode conduzir a territrios erguidos em stios sistemtica e rigorosamente escolhidos; pode permitir penetrar no interior de corredores, naves e capelas, terreiros de caf, pensados para abrigar homens e produtos; pode movimentar um olhar sobreConvento da Penha, Vila Velha

Tessitura de TerritorialidadesRenata Hermanny de AlmeidaArquiteta e urbanista

INTRODUO

curvas, relevos, molduras, frisos; pode aprofundar o tatear sobre camadas de coberturas, de pisos, de caladas; pode alongar o percepto, alm de janelas e terraos, varandas e alpendres, e ligar o corpo ao territrio. As sensaes e percepes despertas pelo denso e diverso espao geogrfico e histrico do Esprito Santo, no pelas mesmas motivaes e valoraes, podem, ento, ser igualmente constituintes de uma produtiva conscincia individual e coletiva. Elas podem representar a diferena entre a incluso e a excluso, a destruio e a proteo, a articulao local e a explorao vertical. Sustentada pelas conexes histricas e artsticas, sociais e tecnolgicas, a conscincia se faz envolvente e comprometida quando constituda pela complexa e mltipla rede memorial, quando conduzida pela espessura de nossa durao interna. Com ela, possvel estabelecer passagens entre o lugar e o mundo, operar conexes entre a diferena e a identidade, articular o passado ao presente e ao futuro. Ser durao. Mas, preciso relembrar, nem tudo o que foi produzido, construdo, imaginado e manifesto foi preservado. Nem tudo resistiu s transformaes associadas s mutaes tecnolgicas, econmicas e sociais promovidas no territrio da capitania do Esprito Santo a partir de 1535. Como um sistema de aes e objetos3, o espao antes de tudo o produto de decises e valores muito diferenciados. Alm do mais, at a terceira dcada do sculo XX, no Brasil, a conscincia do valor do passado resultou em uma desigual negociao entre a modernizao e a conservao das cidades. A valorizao da novidade conduzia a ao transformadora. No Esprito Santo, esse tempo ainda mais longo. Instaurada na dcada de 1960, a proteo do patrimnio histrico e artstico4 se materializa no tombamento do Stio Histrico do Porto de So Mateus, em 1976. Expressa no ato do tombamento4 de bens imveis erguidos no Esprito Santo, a ao preservacionista do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN e do Conselho Estadual de Cultura CEC deve ser reconhecida como a verso institucionalizada da conservao da nossa herana patrimonial. Particularmente um produto do olhar tcnico, por sua vez dominantemente objetivo e relativamente convergente, as inscries dos imveis nos livros do tombo revelam uma face da nossa Histria. Ainda assim, as significaes so diversas.Conjunto urbano Araguaia, Domingos Martins Ncleo Histrico do Porto de So Mateus, So Mateus Convento da Penha e territrio envolvente, Vila Velha Reis Magos e territrio envolvente, Nova Almeida

17Nessa perspectiva, importante considerar a existncia de um outro Patrimnio, relevado e protegido por um outro tipo de seleo. Individual ou familiar, grupal ou comunitria, sua particularidade est em ser a representao de uma voluntria escolha, conduzida por aes e experincias concretas e imanentemente relacionadas a prticas sociais, econmicas, culturais, religiosas, entre outras. Nessa condio, em geral, o objeto da proteo signo e sinal a interpelar a memria de quem faz a eleio. Expresso de muitos outros olhares, esses outros bens so salvos da destruio por meio de uma ao invisvel, cotidiana, promovida por pequenos gestos; nem sempre deliberada. Destituda do filtro racionalizado do conhecimento objetivo, ela movida pela afeco despertada pela matria ao corao dos homens. Um tipo de relao essencialmente constituda e constituinte do nosso Ser, sem a qual perderamos a capacidade de nos reconhecer espacial e temporalmente, sobretudo, mas tambm, socialmente. Sem a qual no saberamos quem somos. Convergentes, as duas selees podem impulsionar o re-conhecimento do territrio por meio de uma participao social ativa. Essa perspectiva apresenta considerveis positividades, pois potencializa uma ampla e diversificada interpretao das significaes do Patrimnio. Simblicos e culturais, econmicos e sociais, histricos e artsticos, em conjunto ou parcialmente, os valores aderidos ao Patrimnio implicam diferentes interesses e comprometimentos. Contudo, diversos, eles devem ter em comum a salvaguarda da herana a ns legada pelos que nos precederam. Alm do mais, a seleo institucionalizada no implica, por princpio, o comprometimento com o zelo, a manuteno, a proteo por parte dos usurios, proprietrios ou moradores; da mesma maneira, ela no pressupe o envolvimento dos indivduos ou grupos no momento das definies seguintes, condio que far efetivamente toda a diferena entre a sobrevivncia e a destruio, a lembrana e o esquecimento. Pois, ainda que a sociedade reconhea nos bens patrimoniais documentos histricos, polticos, econmicos, religiosos; identifique as particularidades construtivas e artsticas impregnadas na materialidade fsica; e apreenda o transcorrer temporal, preciso zelar, fazer funcionar, cuidar para que as paredes se mantenham erguidas, que as telhas sejam substitudas antes das infiltraes, que as esquadrias sejam reparadas e repintadas continuamente. Porque toda herana uma produo objetiva daquele que nos precedeu, s vezes solitrio, em sua maioria pertencente a um grupo, a uma tribo, a umaIgreja do Rosrio, Vitria Moinho de milho, Fazenda Scabelo, Venda Nova do Imigrante

INTRODUO

comunidade; conhecer as motivaes, especialmente, pode fazer a diferena entre se conectar ou no com o dado objetivo. Sim, porque para alm do objeto, o importante a motivao. Analisada desde o campo dos valores, a narrativa discursiva emergente dos conjuntos urbanos, edifcios, pontes, farol, estaes ferrovirias, escolas, palcios, teatro, mas tambm igrejas e seu acervo, pintura e imaginria, revela um patrimnio como um conjunto de objetos, mas, acima de tudo, como uma trama de significados sociais e culturais, to relevantes quanto as bases materiais e tecnolgicas, as expresses e linguagens artsticas herdadas ao longo da histria. Conhecer cada um dos stios histricos do Esprito Santo pode significar mergulhar no passado onde se revelam sonhos, esperanas, desafios. Materializados e sustentados em pedra, barro, cal, tijolo, madeira, ferro, vidro, eles so pontos luminosos. Conectados, no permitem uma compreenso totalizante. Justapostos, no configuram uma temporalidade histrica contnua. Sobrepostos, no conformam uma estratigrafia de escrita espao-temporal coerente. No. H muita lacuna, muita ruptura, muita descontinuidade. Como a configurao social e econmica do Esprito Santo, dominada pela diferena, o tecido histrico e geogrfico resultante da acumulao de aes e experincias fragmentado. Mas, luminosos, cada um deles possibilita um remontar de partes de um hbrido quebra-cabea. E a diferena no se relaciona durao histrica, no est representada em maior ou menor apuro artstico ou tecnolgico. Apesar de ser possvel reconhecer diferenciaes, no final, a preciosidade de cada um advm de uma unidade potencialmente articulada pelos acontecimentos, pelos personagens envolvidos, pelas localizaes territoriais, pelas manifestaes tecnolgicas. Num percurso delineado a partir dos assentamentos humanos, dos ncleos de povoamento e ocupao do territrio, encontramos a primeira vila da capitania, a vila do Esprito Santo, a vila de Nossa Senhora da Vitria, e os aldeamentos jesuticos. Datados do sculo XVI, com a exceo da primeira vila, foram todos erguidos em stios muitos semelhantes geograficamente. Em todos eles, os homens so religiosos severos e persistentes. Destemidos, acima de tudo. Pois, vencer o estranho e desconhecido mundo natural dos trpicos, e erguer, com o mnimo de meios e materiais, residncias e igrejas, para nelas reunir numa mesma lngua o habitante nativo, obra das mais impressionantes.

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Nossa Senhora da Conceio, So Joo, Nossa Senhora da Assuno e Reis Magos, as aldeias, foram sistematicamente posicionadas ao longo da costa atlntica, entre os rios Santa Cruz, ao norte, e Benevente, ao sul. Logo depois, vieram as fazendas. Muribeca e Araatiba: gado e acar para abastecer o Colgio e a Residncia de So Tiago de Vitria e as demais residncias. O elevado recinto, sempre emoldurado por uma rochosa linha de fundo, devia possibilitar fcil chegada e penetrao no territrio. Era preciso chegar ao nmade habitante original. E como souberam escolher os religiosos! Contra o verde e o azul, como viglias, podiam ver e ser vistos distncia. Num percurso delineado pelo mundo humano, o territrio do Esprito Santo tecido pela ao, devota e destemida, de homens como os padres jesutas Afonso Brs e Simo Gonalves, Antnio e Manuel Dias, Diogo Fernandes, Pedro da Costa e Diogo Jcome, e Anchieta, o mais destacado pela Histria. Entre os franciscanos, Pedro Palcios logo se fez presente na vila do Esprito Santo, enquanto no convento de Vitria, se fixam os frades Antnio dos Mrtires e Antnio das Chagas. Alm das ordens, so as irmandades e confrarias as mais importantes associaes religiosas e sociais dos primeiros trs sculos. Nominadas segundo as santas e os santos invocados, Misericrdia, Nossa Senhora dos Remdios, Nossa Senhora do Rosrio, Nossa Senhora da Boa Morte e Assuno, So Benedito; elas representaram o primeiro espao de socializao e expresso de negros escravos e libertos, homens livres e humildes, como Manoel dos Remdios e Maturino, Domingos do Rosrio, os libertos Joo Moreira da Mota, e Elias de Abreu. Entre os numerosos indgenas, dois irmos da tribo Temimin, Maracaiaguau ou Gato Grande e Co Grande, foram os responsveis pela fundao dos aldeamentos de Nossa Senhora da Conceio da Serra e de Guarapari, respectivamente.

Igreja dos Reis Magos e territrio envolvente, Nova Almeida

Igreja do Rosrio, Vila Velha

Igreja da Conceio, Guarapari

INTRODUO

Em um desvio, podemos conectar uma outra ao, menos simblica e mais pragmtica, uma verso laica do empreendimento dos trs primeiros sculos. Ampliado ao longo dos sculos XVII e XVIII com a extenso da ocupao ainda junto linha da costa, na direo sul, e de sua fronteira interior promovida com a fundao do ncleo de So Mateus ao norte, o territrio totalmente re-configurado ao longo de todo o sculo XIX. A ao, iniciada ainda nas primeiras dcadas do Oitocentos, com a fundao de So Pedro do Itabapoana, se intensifica com a poltica imperial de colonizao, por meio da imigrao, da segunda metade desse sculo. Associada ao esforo de conexo nacional e regional, por meio da abertura de estradas de ferro, no final do sculo a produo de caf, em grandes e pequenas propriedades, inicialmente comercializada por portos situados junto foz dos rios, entre os quais Itapemirim, Benevente, e Santa Maria da Vitria. Nesse momento, a fundao dos assentamentos humanos se concentra ao longo de uma linha interior, entre as colnias de Santa Teresa, na regio centro-norte, Santa Leopoldina, na regio central, e Domingos Martins na regio centro-sul. Anterior, a colnia de Viana, fundada em 1814, marca o incio da poltica de colonizao em terras interiores da provncia do Esprito Santo. Impulsionados pela produo cafeeira, esses ncleos de povoamento se tornam os principais espaos da segunda territorialidade scio-espaotemporal do Esprito Santo. Diferenciados em sua composio tnica e social, essencialmente comerciais, esses centros de urbanidade concentram riqueza. Escoada pelos caminhos fluviais, em um primeiro momento, e por ferrovias e estradas de rodagem posteriormente, a produo cafeeira sustenta a mutao social, econmica e poltica desse sculo. Alm dos ncleos de povoamento, as fazendas de caf so os registros mais contundentes desse momento. Lugar da produo, elas se tornam espao de um instvel amlgama cultural, onde participam escravos africanos, proprietrios luso-brasileiros e imigrantes europeus. Em Santa Leopoldina, entre as fazendas, arquitetura rural de feio lusobrasileira, as mais antigas so robustas, pequenas, de vos menores e esquadrias em madeira em folhas duplas. Diferente, a mais nova delas, Holanda II, apresenta esquadrias em caixilho de vidro colorido, clarabia, jardim lateral, entre outros elementos indicativos da atualizao de sistemas e materiais construtivos.Fazenda Regncia I, Santa Leopoldina Ferrovia Leopoldina Railway, Alfredo Chaves Porto, Rio S. Maria da Vitria, Santa Leopoldina Trapiche, Rio Itapemirim, Maratazes

21Em Castelo, a Fazenda do Centro remanescente dos mais preciosos. Erguida e ampliada em vrias fases, alm de importante documento tcnicoconstrutivo, casa de fazenda destacada por uma impressionante caixilharia de fechamento do avarandado do piso superior. Em Santa Teresa e em Domingos Martins, o percurso nos leva a conhecer cinco imveis, dois religiosos e trs residenciais, todos com histria marcada por homens e mulheres em ao. Os irmos Antnio e Virglio Lambert, na cidade de colonizao italiana, queriam fabricar a seda e para isso trouxeram casulos de sua terra de origem; o pastor Heinrich Eger, os colonos Nicolau Wilibrot Simmer e Maria Agnes Haar, queriam fazer erguer e chegar igreja os sinos de harmnicas badaladas. Alm deles, j no sculo XX, Joo Ricardo Hermann Schorling, o arteso do relgio da igreja luterana e do relgio da Praa Oito de Setembro, em Vitria. Erguida por homens estimulados pela viso da liberdade, a igreja de So Jos, da vila do Queimado, um pequenino aglomerado fundado no sculo XIX na margem esquerda do rio Santa Maria da Vitria, tem seu passado vinculado ao mais importante movimento insurrecional da provncia do Esprito Santo, protagonizado por Chico Prego, Joo da Viva Monteiro, Elisirio e Carlos. Solitrio, contudo ser o ato de bravura de Bernardo Jos dos Santos, o Caboclo que saiu diretamente de Regncia, em Linhares, para ser homenageado pela princesa Isabel. Sua vida, esquecida, se liga movimentada navegao do rio Doce, e importncia da pequena vila litornea na sinalizao das embarcaes de passagem pela regio, possibilitada pelo farol, nela erguido. O desbravamento do territrio norte, ao longo do rio Doce, encontrou bravos indgenas, defensores de sua terra. Entre eles, os Botocudos, os mais combativos, sero dizimados na primeira metade do sculo XX. Voltando pelas cidades, no percurso de norte a sul, encontramos os trs stios urbanos tombados pelo Conselho Estadual de Cultura: So Mateus, Santa Leopoldina, e So Pedro do Itabapoana. Interessante observar uma conjuno entre as datas de tombamento no Esprito Santo, e a ampliao cronolgica de abrangncia do campo patrimonial. O primeiro conjunto, o Ncleo Histrico de So Mateus, o mais colonial dos trs. Considerado uma das cidades mais antigas do Estado, e ncleo regional at o incio da segunda metade do sculo XX, o stio original da cidade de So Mateus o produto de uma fundao tipicamente luso-brasileira: junto ao rio Cricar, desenvolve-se segundo aPorto de So Mateus, So Mateus Famlia de Botocudos em viagem Maximiliano, Prncipe de Wied-Neuwied, 1989, p.280. Farol, Linhares Igreja Luterana, Interior da torre sineira, Domingos Martins Fazenda do Centro, Castelo

INTRODUO

urbanstica tradicional, a partir de duas reas distintas, configuradoras de uma cidade alta e outra cidade baixa. Desde ento, a transformao pode ser considerada o processo caracterizador da configurao do ncleo colonial. Ainda assim, a larga escala de sua durao temporal est presente em marcas de sutis e frgeis imanncias como o traado de ruas, o largo do pelourinho, a parede da falsia que separa o rio do planalto. O segundo, o Conjunto de Edificaes de Santa Leopoldina, localizado na sede do municpio, tpico ncleo urbano produzido pelo segundo momento de ocupao do territrio esprito-santense, a segunda metade do sculo XIX: a colonizao europia em torno da cultura do caf. Na Santa Leopoldina urbana, so os alemes, adaptados e aculturados, os construtores de uma arquitetura muito mais portuguesa do que germnica. Assim mesmo, em sua diversidade, essa est dominada pelo modo colonial de erguer cidades: sobrados justapostos segundo o alinhamento das vias, predominantemente dominados pela regularidade e singeleza de seus detalhes. Quando se destacam desse quadro, as edificaes so resultados de adaptaes modernizantes, como a insero de platibandas e adornos de inspirao historicista. O terceiro e ltimo tombamento de conjunto, abrange edificaes do Ncleo Histrico de So Pedro do Itabapoana, situado no municpio de Mimoso do Sul. Sua localizao prxima s divisas com o Rio de Janeiro e Minas Gerais foi um fator decisivo no surgimento e na funo econmica desempenhada pela freguesia de So Pedro de Alcntara de Itabapoana. Originado do primeiro fluxo migratrio ocorrido no sul do Esprito Santo em torno do cultivo do caf, So Pedro do Itabapoana talvez seja o stio urbano, no Esprito Santo, onde os traos urbansticos e arquiteturais brasileiros, de influncia mineira e fluminense, foram mais integralmente conservados. O territrio geogrfico, determinante das configuraes urbanas, em geral est marcado pelas diferenas topogrficas, pela presena impactante de afloramentos rochosos e sua vegetao arbrea, e cursos de gua fluvial. Os rios, importantes canais de deslocamento humano e transporte de mercadorias, e um dos principais personagens fsicos de nossa longa histria, nos fascinam ao delinearem longos panoramas curvilneos; ao conduzir nossa imaginao atravs do tempo. Em suas margens, se localizaram preferencialmente aldeias, vilas e fazendas; sobre eles ergueram-se pontes. Em passagem por Vitria, uma delas, a ponte Florentino vidos, um elemento infra-estrutural herdado do processo econmico e poltico empreendido a partir da Repblica, de consolidao da capital-cidade-porto exportador, emPonte Florentino Avidos, Vitria Rio Santa Maria da Vitria, Santa Leopoldina Ncleo histrico de So Pedro do Itabapoana, Mimoso do Sul Rua do Comrcio, Santa Leopoldina

23um territrio de localizaes e dimenses cada vez mais amplas e complexas. Atravessar a baa de Vitria sobre esse metlico objeto pode significar realizar um passeio emocionado pelas mars do passado7. Alm da belssima paisagem aquosa do entorno, ela nos leva s estaes Pedro Nolasco, em Vila Velha, e Matilde, em Alfredo Chaves. As conexes so econmicas e tecnolgicas. Na capital, Vitria, ponte, estao e porto sustentam a mais ampla remodelao da paisagem antrpica herdada do passado colonial. Conquistadas em nome de sua primeira sociedade propriamente urbana, a higiene, a beleza, e a fluidez se transmutam em estruturas arquitetnicas e urbansticas representadas em linguagem especialmente referenciada na tradio clssica e nos novos estilemas de inspirao romntico-culturalista. Assim, o caminhar pelas ruas do Centro de Vitria experimentao de contundente simultaneidade temporal, espacializada em ruas, praas, edifcios da Cidade-Prespio8. As edificaes, produtos de investimentos pblicos, espelham a modernizao da capital empreendida pelos governos de Muniz Freire (1892-1896 e 1900-1904), Jernimo Monteiro (1908-1912) e Florentino Avidos (1924-1928). Como obras de arquitetura, o valor a elas vinculado se refere ao mbito da histria da cidade. Mas no s. Como obras urbanas, elas constituem snteses espaciais nicas, onde o circuito temporal se faz por luminosos pontos, mais ou menos articulados. Num deles, da Praa Joo Clmaco Praa da Catedral, eles so a residncia da rua Muniz Freire, a antiga Assemblia Legislativa, o Palcio Anchieta, a Escola Maria Ortiz, o Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo, e a Catedral Metropolitana. Descendo, chegamos ao ncleo temporal da Praa Costa Pereira Avenida Capixaba, onde esto o Teatro Carlos Gomes, o Museu de Arte do Esprito Santo, a Escola de Artes FAFI e o Mercado da Capixaba. Recinto historicamente destinado experincia da sociabilidade urbana de carter social e cultural, a praa uma atualizao do largo da Conceio, onde ficava a pequena e singela capela de Nossa Senhora da Conceio, padroeira dos pescadores ali residentes. Nele, ficava o primeiro teatro da cidade, o Melpmene. J a avenida, a mais longa e retilnea via do Centro de Vitria, a expresso mais contundente da transposio do modelo francs, a partir da capital federal, Rio de Janeiro. Iguala-se, assim, na idia geradora de sua configurao, a tantas outras avenidas de cidades brasileiras, da mesma maneira destitudasEscola de Artes FAFI, Vitria Teatro Carlos Gomes, Vitria Palcio Domingos Martins, Vitria Caixa dgua e Estao de Matilde, Alfredo Chaves

INTRODUO

de sua imagem tradicional, de linhagem portuguesa, pelas picaretas modernizadoras. Mas, ali esto, prximas, muito prximas, capela e igrejas coloniais. Vestgios preciosos de nosso passado mais remoto, a capela de Santa Luzia, especialmente, mas tambm as igrejas de Nossa Senhora do Rosrio, Carmo e So Gonalo, guardam relquias trazidas para fazer lembrar aos homens a f e a devoo de sua ptria original. Sob a guarda da irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte e Assuno, as imagens de So Francisco Xavier e Santo Incio de Loyola, do sculo XVII, originalmente pertencentes igreja de So Tiago dos jesutas de Vitria, so de valor artstico inestimvel; assim como a imagem de Nossa Senhora do Convento da Penha, do mesmo sculo. Tambm no convento dos franciscanos de Vila Velha, perto da belssima dourada imagem de Santana, o quadro de Nossa Senhora das Alegrias, o mais antigo do Estado, de que se tem notcia. No entanto, o percurso pela arte escultrica e pictrica no Esprito Santo no pode prescindir de um deslocamento at Nova Almeida. Ali, o quadro A adorao dos Reis Magos, uma erudita expresso artstica de origem europia, compe uma obra de talha considerada a pea [escultrica] mais importante feita no Esprito Santo: o retbulo da Igreja de Reis Magos9 . Executado com a participao de ndios da regio polarizada pela aldeia de Reis Magos, com seu traado erudito, o retbulo a revelao material mais contundente da aculturao resultante do encontro do religioso europeu com o nativo indgena na terra da capitania do Esprito Santo. No conjunto dos percursos, a coexistncia temporal e social domina a espacialidade territorial dos diferentes stios histricos. Inicialmente na forma do edifcio isolado urbano e rural, ela se amplia incorporando ao edifcio o seu entorno, constituindo, assim, o conjunto urbano, at, finalmente, abranger o ncleo histrico e sua estrutura vital, o ambiente total. Herana de cada um de ns, o conjunto patrimonial do Esprito Santo uma das expresses das polticas de preservao nacional e estadual. Implantada no Brasil com a criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPHAN, pela Lei n 378, de 13 de janeiro de 193710 , institucionalizou-se no tombamento dos[...] bens imveis cuja conservao [for considerada] de interesse pblico, quer por sua vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou artstico.

Detalhe do altar-mor com imagem de N. S. da Penha, Convento da Penha, Vila Velha

Solar Monjardim, Vitria

25No Esprito Santo, o primeiro tombamento tem por coisa de interesse o Solar Monjardim, residncia-sede de fazenda construda no sculo XVIII, inscrito, em 1940, no Livro do Tombo das Belas Artes. Transcorridos trs anos, so inscritas no Livro do Tombo Histrico, as igrejas e residncias erguidas pelos padres jesutas ao longo dos trs sculos de ocupao e colonizao da capitania. Ainda na transio das dcadas de 1940 para 1950, quatro tombamentos consolidam a nfase na arquitetura colonial religiosa e residencial, especialmente na primeira tipologia. Os trs primeiros incidem sobre monumentos localizados em Vitria: em 1946, a capela de Santa Luzia e a igreja de Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos; e em 1948, a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assuno, conhecida como igreja de So Gonalo. O quarto, em 1950, protege a igreja de Nossa Senhora do Rosrio, de Vila Velha. Fechando esse primeiro ciclo de identificao e reconhecimento do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional no Esprito Santo, o IPHAN inscreve, em 1967, tambm no Livro Histrico, duas residncias situadas rua Jos Marcelino, na Cidade Alta, Centro de Vitria, e, em 1970, a igreja de Nossa Senhora da Conceio de Guarapari. Frente ao federal, o valor da atuao do Conselho Estadual de Cultura se deve, especialmente, por ampliar, triplamente, as escalas temporal, geogrfica e tipolgica nas quais se inscrevem os monumentos. Aps o primeiro tombamento, realizado em 1976, do Ncleo Histrico do Porto de So Mateus, a ao estadual retomada nos primeiros anos da dcada de 1980. Em 1983, a proteo atinge 20 (vinte) imveis isolados e o ncleo de Santa Leopoldina. Concentrado, o tombamento inclui: 09 (nove) imveis em Vitria; 02 (dois) em Viana; e, em Santa Leopoldina, 09 (nove) imveis e o ncleo sede, constitudo por sobrados, edifcios trreos, residenciais e comerciais, em sua maioria. Ainda na dcada de 1980, entre 1984 e 1987, 20 (vinte) imveis e um conjunto urbano, o terceiro e ltimo, So Pedro do Itabapoana. Em conjunto, escolas, fazenda, igreja, estaes ferrovirias, concha acstica, trapiche, residncias urbanas e rurais, casa de cmara e cadeia, capela, representam expressiva ampliao tipolgica. Mas no s. A ampliao cronolgica inclui agora dois documentos da arquitetura moderna no Esprito Santo da melhor qualidade: a Concha Acstica e a Escola Ernestina Pessoa, no romntico Parque Moscoso.

Residncias rua Jos Marcelino, Vitria

Concha Acstica, Vitria

INTRODUO

H, tambm, ampliao geogrfica. Os imveis reconhecidos por tombamento se localizam nos municpio de Castelo, Cachoeiro do Itapemirim, Mimoso do Sul e Alfredo Chaves, ao sul; Domingos Martins, na regio centro-sul, Viana, Vila Velha, Fundo e Santa Cruz, na Regio Metropolitana, junto com a capital; e Santa Teresa, na regio centro-norte. Tombado no ano de 1984, o Museu Homero Massena reconhecimento de um artista que escolheu a Prainha como seu lugar no mundo. A casa, uma singela residncia praiana situada em Vila Velha, essencialmente uma caixa de jias, protetora da expresso artstica de Massena. No final da dcada de 1990, 11 (onze) anos depois, 07 (sete) bens foram tombados entre 1998 e 1999: uma casa de fazenda, uma igreja, uma runa religiosa, um trapiche e duas residncias, um hotel e um farol. O ltimo imvel tombado, a Escola Professor Lllis, em Alegre, trabalho de um educador esquecido, testemunha de tempo de fazer escolas como nobres espaos da educao e formao de geraes para o porvir. No sculo XX, ainda foram tombados pelo CEC o Relgio da Praa Oito e o Clube Saldanha da Gama, em Vitria; a Casa de Pedra, em Nova Vencia, e a fazenda Natividade, na Serra. Sem proteo legal, a igreja Nossa Senhora das Neves, em Muribeca, no municpio de Presidente Kennedy, aguarda a institucionalizao do reconhecimento de seu valor. A tripla ampliao, tipolgica, cronolgica e geogrfica presente na histria da poltica de preservao do Patrimnio Histrico, Artstico e Cultural do Esprito Santo pode ser considerada um reflexo de seu momento cultural. Existe nela uma ntida inclinao para o resgate de valores relacionados aos grupos sociais em sua relao com o ambiente social e ambiental. Nessa perspectiva, se os bens tombados pelo IPHAN revelam a dominncia de valores relacionados excepcionalidade histrica e artstica, e especialmente relacionados rememorao; no conjunto patrimonial reconhecido, destacado e legalmente preservado pelo CEC, transparece um quadro de valores ligados ao passado e, tambm, valores de contemporaneidade, ligados ao valor de arte. Assim, possvel reconhecer na poltica estadual de final do sculo XX uma sintonia com o enfoque mundialmente disseminado nos anos sessenta e dominante nos anos oitenta. No entanto, na legislao federal, especificamente na Constituio de 1988, aEscola de Primeiro Grau Professor Lelis, Alegre

27conceituao do patrimnio histrico e artstico indica sintonia com o discurso internacional. Segundo seu Art. 216:Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. ...11

No Esprito Santo, a tendncia em resgatar e ressaltar testemunhos histricos e memoriais vinculados diversidade de nossa formao cultural, se apresenta especialmente dominante a partir da segunda metade dos anos 1980, e se consolida ao longo da dcada seguinte. Nesse sentido, podemos verificar, na proteo de edificaes menores, testemunhas da pequena histria, de escala modesta, uma orientao direcionada afirmao de grupos minoritrios e homens annimos. Por exemplo, as runas da igreja de So Jos do Queimado, na Serra; a Casa de Pedra, em Nova Vencia; a capela de Nossa Senhora da Conceio e a Casa da Famlia Ruschi, em Santa Teresa tm sua significao vinculada no representatividade ou exemplaridade da condio material, tcnica e artstica do que temos, mas determinao e ao envolvimento das atitudes dos que contriburam para o que somos. Nesse sentido, instaurada em clara sintonia com a prtica conservacionista consagrada com a institucionalizao do Patrimnio Histrico no sculo XIX, os suportes materiais da histria do Esprito Santo, inscritos nos livros do tombo, so elementos balizadores da construo de uma narrativa histrica em que a arquitetura, isolada ou em conjunto, tece o fio do passado ao futuro. Possui, portanto, em potncia, o poder de nos situarmos em nosso tempo e em nosso espao em criativa e crtica atitude. Como pensamos a cultura, no como uma soma de objetos que se tem para o consumo, mas como o fruto de um trabalho, por meio do qual entendemos quem somos, acreditamos em sua existncia como um processo, em constante transformao. De certa maneira, isso implica um deslocamento do objetivo para a motivao, mas tambm, e, sobretudo, uma prtica balizada por uma constante negociao entre a ruptura e a continuidade, a tradio e a novidade, o futuro e o passado . Porque precisamos, sim, nos situar no presente, mas, num presente no qual o passado seja compreendido no como o que TIL, mas, sim, como o que . No princpio de novo milnio, acreditamos ser fundamental uma atualizao das complexas conexes entre matria histrica e existncia individualPintura teto da Capela da Conceio, Santa Teresa

INTRODUO

e coletiva. Adotando as palavras de Pelbart12 , precisamos tecer um territrio existencial capaz de envolver uma humanidade de interessados e dispostos a se comprometer com o universal, mas, tambm, e, sobretudo, com o seu lugar. Precisamos uma coletividade consciente de valores estticos, construtivos, histricos, mas, sobretudo, precisamos uma coletividade conectada por nexos advindos de uma tica humana.

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Notas1

Estamos nos referindo ao conjunto patrimonial tombado pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN, e pelo Conselho Estadual de Cultura CEC, da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Esprito Santo, ao longo do sculo XX e princpio do seguinte, respectivamente, entre 1940 e 2007, e entre 1976 e 2007. VIRILIO, Paul. Advertencia de paso, Um paisaje de acontecimientos. IN Quaderns dArquitectura i Urbanisme. Bucles: tiempo elstico, tiempo flexible; Loops: elastic time, flexible time. Barcelona: Collegi dArquitectes de Catalunya, n 223, 1999, p. 19.

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pelo Decreto-lei n 25/1937, necessrio para produo dos efeitos do ato do tombamento. O primeiro a notificao ao proprietrio do bem objeto do tombamento. Castro, 1991, op. cit., p. 96. Pelo IPHAN, o bem pode ser inscrito em quatro livros: Livro do Tombo Arqueolgico e Etnogrfico, Livro do Tombo Histrico, Livro do Tombo das Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas. Pelo processo estadual, tambm em nmero de quatro, eles so: Livro do Tombo Arqueolgico, Etnogrfico, Paisagstico e Cientfico, Livro do Tombo Histrico, Livro do Tombo das Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas ou Decorativas.7

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SANTOS, Milton. A natureza do espao. Tcnica e tempo. Razo e emoo. 2 ed., So Paulo: Hucitec, 1997. A reviso dos paradigmas de progresso e desenvolvimento dominantes na era moderna, especialmente no sculo XX, iniciada na dcada de 1960, repercute, nos anos de 1980, no deslocamento da nfase do futuro para o passado. No que se refere ao mbito do conceito de bem patrimonial, a valorizao das particularidades espaciais se rebate na incorporao das dimenses da cultura, da memria e da identidade.5

BRAUDEL, Fernand. A Identidade da Frana. Espao e histria. Rio de Janeiro: Globo, 1989. Em pesquisa sobre a revelao da imagem da cidade de Vitria, Peter Ribon Monteiro investiga a validade de seu apelido CidadePrespio cognome recebido por Vitria, segundo esse autor, pela primeira vez, em uma crnica dos anos vinte do sculo XX. MONTEIRO, Peter R.. Vitria: Cidade e Prespio. Os vazios visveis da capital capixaba. So Paulo, 2002. Dissertao (Mestrado). Faculdade de Arquitetura, Universidade de So Paulo. CARVALHO, Jos Antnio. A arte no Esprito Santo no perodo colonial IV: pintura e escultura. IN Revista de Cultura da Universidade Federal do Esprito Santo. N 32, 1985, pp. 5-26.

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O tombamento o meio posto disposio do Poder Pblico para a efetiva tutela do patrimnio cultural e natural do Pas. por meio do tombamento que o Poder Pblico cumpre a obrigao constitucional de proteger os documentos, as obras e os locais de valor histrico ou artstico, os monumentos e paisagens naturais notveis, bem como as jazidas arqueolgicas. Jos Celso de Mello Filho, apud Sonia Rabelo de Castro. Como ato do Poder Executivo, o tombamento tem como finalidade a imposio de delimitao a propriedades pblicas e privadas, tornando-as tuteladas pelo poder pblico em virtude de seu valor cultural. CASTRO, Sonia Rabelo de. O Estado na preservao de bens culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 5 e 93.6

Aps a sua criao, em 1937, a instituio federal teve sua identificao vezes alterada por vrias vezes. Na ltima, vigente, denomina-se Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN.10 11 12

Apud CASTRO, op. cit., p. 9.

BORHEIM, Gerd A. O conceito de tradio; BOSI, Alfredo. Cultura como tradio. IN BORHEIM, Gerd A., et. al. Cultura brasileira. Tradio/Contradio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. PELBART, Peter Pl. Excluso e biopotncia no corao do imprio. IN Seminrio Internacional Estudos Territoriais das Desigualdades Sociais: Em busca de uma topografia social das cidades. So Paulo, 16 e 17 de maio de 2001, PUC/SP. Ncleo de Seguridade Social, PUC/ SP: Centro de Estudos das Desigualdades Scio-territoriais CEDEST.13

A inscrio dos bens no Livro do Tombo corresponde ao segundo momento, previsto pelo Decreto-lei n 25/1937, necessrio para tornar efetivo o ato administrativo do tombamento. Esse se torna definitivo com a inscrio do bem no Livro do Tombo. No processo, a inscrio corresponde ao segundo momento, previsto

Alegre

ESCOLA DE PRIMEIRO GRAU PROFESSOR LLIS. Avenida Olvio Correa Pedrosa, s/n, Centro, Alegre Proteo Legal: Resoluo n 02/2000 Conselho Estadual de Cultura Inscrio no Livro do Tombo Histrico, n 190, folhas 31v e 32.

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Escola de Primeiro Grau Professor LelisPercorrendo a histria da cidade de Alegre, chama ateno o interesse de seus habitantes pela cultura e, em especial, pela educao. Um envolvimento presente entre seus primeiros povoadores, esse se estende para a esfera pblica municipal. Quando Alegre se torna municpio, todos os seus dirigentes, sem exceo, criam escolas pblicas municipais e subvencionam escolas particulares em troca de vagas para alunos sem recursos. Como resultado dessa poltica, em 1911, Alegre considerado o municpio mais alfabetizado do Esprito Santo. nesse contexto que o advogado e jurista, Dr. Vicente Caetano, assume a gesto de Alegre para o binio 1924-1926, iniciando um perodo administrativo dos mais fecundos. No mbito da educao, esse se revela na apresentao cmara municipal de um projeto desapropriando terrenos existentes na avenida Rodrigues Alves, atual avenida Olvio Correa Pedrosa, a serem destinados construo de um futuro grupo escolar. A edificao, iniciada no final da dcada de 1920 durante a administrao de Florentino Avidos, ento presidente do Estado, fica pronta em outubro de 1930, durante a gesto do presidente Aristeu Aguiar. Contudo, no dia 14 do mesmo ms, ele ocupado pelas tropas da foras revolucionrias liberais, que militavam contra o governo do presidente Washington Luiz. Durante esse episdio, o prdio transformado em quartel. A retomada do edifcio para as atividades de ensino ocorre em fevereiro de 1931, com o incio das aulas no majestoso edifcio do grupo escolar. Denominada Aristeu Borges de Aguiar, anos mais tarde, a escola recebe o nome de Professor Llis em homenagem ao professor Jos Francisco de Llis Horta, considerado um dos mais emritos professores no Esprito Santo. Jos Francisco de Llis Horta nasceu em 21 de setem-

ALEGRE

bro de 1830, filho do casal Camilo e Ana Llis. Aluno do Seminrio do Rio Comprido, no Rio de Janeiro, desistiu da carreira sacerdotal tornando-se professor em Vitria durante 53 anos. Com seu refinado estilo neocolonial, o edifcio est implantado no centro do terreno, cercado por muro baixo e vazado. Originalmente uma quadra inteira, hoje o terreno da escola est dividido e ocupado com outras construes de menor significado. Sua planta retangular e apresenta dois pavimentos. No pavimento trreo, o acesso feito por uma escadaria pela qual se alcana uma varanda com balaustrada encimada por pilaretes arredondados que sustentam trs arcos plenos sobre os quais se apia o piso da sacada do segundo pavimento. O corpo central coroado por fronto barroco, ornado com pinculos. No volume central, que abriga o vestbulo e a entrada principal, h trs portas com vergas de arco pleno no trreo, e outras trs com verga em arco abatido no segundo pavimento. Os dois volumes laterais so simtricos e cada um possui, em sua poro central, trs janelas com vergas em arco pleno sobrepostas por outras trs com vergas em arco abatido e balces de alvenaria. Nas extremidades dos blocos laterais h, nos dois pavimentos, janelas em arco abatido encimadas por ornamentos horizontais revestidos com azulejos. Os volumes laterais tambm so ornados com frontes e pinculos e, assim como o fronto central, so revestidos com azulejos portugueses. As aberturas so todas vedadas por esquadrias em vidro e madeira. Internamente, o edifcio est organizado a partir do vestbulo e da escada de acesso ao pavimento superior de onde, simetricamente, saem dois corredores e se distribuem as doze salas de aula. A, mais uma vez, somos impressionados pela amplitude das dimenses da escola, perceptvel no alargado vestbulo, na ampla escada e na extensa circulao. Num tempo de escolas projetadas para simbolizar cultura e progresso, a Escola Professor Llis construda com solidez e refino. Seus materiais

foram escolhidos para durar e seu acabamento para ser admirado. Os azulejos azuis, os ornamentos pintados, o piso em ladrilho hidrulico, o geomtrico gradil metlico da escada, o amarelo vitral de fechamento da parede da escada, o cimento dos balastres, a cermica das telhas francesas, tudo revela a original inteno de erguer um monumento ao ensino. Um desejo revelado na qualidade de sua construo e arte, mas tambm, na preocupao de conferir adequadas condies tcnicas de conforto no interior das salas e dos corredores. Assim, ganha importncia a moderna clarabia sobre a circulao, no pavimento de cima. Ali, ela acompanha o caminho dos alunos, acentuando, ainda, o colorido desenho do ladrilho do piso.

REFERNCIAS FERRAZ, Manoel Pedro. Alegre, a terra e o povo: resenha histrica do municpio de Alegre. Vitria: Jornal Mensagem Editora, 1986. ESPRITO SANTO (Estado). Processo de tombamento. Vitria: Conselho Estadual de Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, n. 07, 1986. MUNICPIO de Alegre Estado do Esprito Santo. Revista Viva Alegre. Alegre, jun. 1995.

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Alfredo Chaves

ESTAO FERROVIRIA DE MATILDE Matilde, Alfredo Chaves Proteo Legal: Resoluo n 02/86 publicada em 24/01/1986 Inscrio no Livro do Tombo Histrico, n125 pginas 23v e 24 Livro de Tombo de Belas Artes n 62, pginas 14v e 15.

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Estao Ferroviria de MatildeO buclico e pacato distrito de Matilde fundado por imigrantes italianos, oriundos de Treviso, Udine, Beluno e Cremona, por volta de 1884. Nessa poca, denominado Tero, pois era a terceira parada, o vilarejo era habitado por imigrantes em sua maioria alfabetizados, apreciadores de msica, dentre os quais alguns comeam a fazer fortuna. Transformado em distrito em 1919, est dividido em trs partes: Matilde Velha, Matilde Nova e Matilde. At o final da dcada de 1950 um povoado com significativo centro comercial, estimulado pela ferrovia e rico em caf, condio alterada a partir dos anos devido poltica nacional de erradicao dos cafezais. O vilarejo levou este nome porque o engenheiro ingls, Carlos Bloomer Reeve, responsvel pelas obras da Estrada de Ferro Sul do Esprito Santo, quis homenagear sua esposa emprestando seu nome ao povoado. Devido a uma briga com um dos moradores de Matilde Velha, Reeve mudou o traado da ferrovia, que deveria passar por aquela regio. Os trilhos foram transferidos para Matilde, onde atualmente est a estao ferroviria. Relatada por Derenzi, essa histria nos fala de um tempo e de um lugar marcados pelo encontro entre passado e futuro. Vale a pena conhecla em sua narrativa:A celebrada Estrada de Ferro Sul do Esprito Santo, [...], com a finalidade de ligar Vitria a Cachoeiro, estancou em Matilde, quando da crise de 1900. Meu pai foi o primeiro tarefeiro admitido pelo famoso engenheiro Caetano Lopes, chefe da construo. Acampou margem da ponte sobre o rio Benevente, que logo adiante, 500 metros talvez, se despeja em belssimo salto de mais de sessenta metros de altura. Foi um sorriso em nossa angustiosa vida de garimpeiros. Depois do salto belssimo, a paisagem que o rio descreve [...] empresta um bucolismo tranqilo ao povoado que estacionara com a crise do caf do fim do sculo e com a paralisao da construo da estrada de ferro. Dividia-se em Matilde Velha e Matilde Nova, onde por primeiro se localizaram os italianos, a uns trs quilmetros acima da cachoeira. Matilde era distrito e centro de convergncia de outros ncleos a nordeste. Meia dzia de casas, igrejinha, venda, padaria. [...]. A Matilde Nova esboou-se junto ponte e estao da estrada de ferro, que se chamava Engenheiro Reeve, em homenagem pstuma ao profissional ingls, tocaiado com dois tiros de espingarda. Eram poucos os moradores de Matilde Nova.

A construo da Estrada de Ferro Sul do Esprito Santo foi muito significativa no direcionamento scioeconmico da regio, contribuindo, por exemplo, na expanso populacional na regio de Araguaia, Matilde, Carolina, Urnia, entre outras localidades atendidas pela ferrovia. Ela era parte integrante da mais tarde denominada Linha do Litoral, uma estrada de ferro construda por diversas companhias em pocas distintas, e pela qual trens chegam a transportar passageiros de Niteri a Vitria, passando por Matilde. Quanto Estao Ferroviria Engenheiro Rive propriamente dita, h controvrsia quanto sua inaugurao, sendo duas as datas conhecidas. A primeira delas coincide com o dia 15 de maro de 1902 e a segunda com o ano de 1910, momento marcado

A L F R E D O C H AV E S

37pela presena do ento presidente da Repblica Nilo Peanha no evento de sua abertura. Contudo, sua importncia histrica est delineada com preciso. Afinal, ela facilitou o transporte da produo cafeeira at o porto de Vitria e substituiu o uso do porto de Benevente. Assim, com sua denominao alterada para Matilde, em referncia ao povoado no qual est localizada, no trecho de estrada de ferro que liga Vitria a Cachoeiro de Itapemirim, ela a maior estao construda, constituindo-se em marco da engenharia ferroviria nacional, principalmente por seu arrojo. Erguida entre a linha de ferro e o rio Benevente, a estao est localizada nas cercanias da vila de Matilde, mas em situao isolada e prxima ponte da ferrovia sobre o mesmo rio. Naquele tempo, junto com a estao, so construdos uma caixa dgua, posicionada na cabeceira da ponte, e um virador, localizado em sua proximidade. Erguidos em pedra associada ao ferro, em conjunto, eles constituem importante registro tecnolgico e artstico de um dos empreendimentos mais significativos da histria do Esprito Santo, em primrdios do ltimo sculo. A caixa dgua est conservada intacta, em sua solidez e apuro construtivo e formal; sorte no desfrutada pelo virador, com sua parede circundante em pedra parcialmente destruda, e com sua integridade funcional comprometida pela retirada do mecanismo responsvel pelo deslocamento da locomotiva: um eixo posicionado no centro da circunferncia e uma plataforma que, na forma de um ponteiro de relgio, girava em torno do mesmo. Implantada ao longo do caminho delineado pelos trilhos, e identificada em suas empenas com a inscrio de seu nome em madeira, a estao desenvolve-se em edifcio projetado para abrigar o ir-e-vir de passageiros, o armazenamento e o embarque do caf, e a residncia do chefe da estao, atividades nitidamente separadas. Situada em posio intermediria, a rea de deslocamento de passageiros se constitui de dois vestbulos, um interno, junto porta de entrada, e outro externo, junto plataforma. A rea de armazenagem, por sua vez, articula-se diretamente com o exterior e com a plataforma por meio de duas grandes portas. J a residncia est distribuda em generoso espao, dotado de toda a comodidade da poca: sala, quartos, cozinha, banheiro e uma rea externa onde seus ocupantes um dia devem ter cultivado horta. Ali, localiza-se, ainda, o que deve ter sido um banheiro de uso pblico. A edificao apresenta relevante interesse arquitetnico e tecnolgico, resultante da associao entre escala e proporo de suas dimenses, pragmatismo de sua espacialidade, e rigor e refino de sua construo. Essa ltima, executada em pedra e tijolo aparentes, alm da expressividade de sua slida materialidade, chama a ateno pela plasticidade de sua execuo. Presente no embasamento e parte das paredes externas, a pedra apresenta-se valorizada por aparelho ao mesmo tempo grosseiro e preciso, perceptvel no acabamento e no assentamento. Contudo, o tijolo a matria-prima dominante, ao mesmo tempo, na estrutura e na aparncia da Estao de Matilde. Assim, ele utilizado para erguer paredes e pilares e para arrematar aberturas e arcos. Com a mesma qualidade construtiva so executados o forro e o piso, em madeira, e a cobertura, com de telhas de barro do tipo francesa. A madeira est presente, ainda, nas janelas com caixilharia em veneziana, pela parte externa, e folha de madeira, internamente. Mas na cobertura da plataforma, destacada do edifcio, onde se apresenta o material mais novo, o ferro. Executado na forma de trilho dobrado, ele utilizado nas mos-francesas de apoio da cobertura. J a plataforma em si, est terminada em mureta, tambm em pedra, e com piso revestido com cimento, o mesmo utilizado no armazm.

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A Estao de Matilde, a nica estao ferroviria tombada pelo Conselho Estadual, alm de apresentar atributos arquitetnicos peculiares a edifcios erguidos em perodo posterior Revoluo Industrial, junto com a plataforma e o virador de locomotivas, constitui expressivo documento histrico de momento tcnico relacionado histria do transporte ferrovirio no Esprito Santo.

REFERNCIAS ACHIAM, F. A. de Moraes; BETTARELLO, F. A. de Barros; SANCHOTENE, F. Lima (Org.). Catlogo de bens culturais tombados no Esprito Santo. Vitria, Conselho Estadual de Cultura/Secretaria de Estado da Educao e Cultura/Universidade Federal do Esprito Santo: Massao Ohno, 1991. DEPES, Maria Isabel Marinho. Preservao e revitalizao da Estao Ferroviria de Cachoeiro de Itapemirim. Monografia (Graduao). Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Esprito Santo, Vitria, 1990. INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Projeto, pesquisa e documentao. Reconstituio da memria histrica dos municpios do Sul do Esprito Santo, 1850-1950. Vitria: [s.n.], 1982. MATILDE. Disponvel em: . Acesso em: jul. 2006. MUNICPIOS do Esprito Santo. A Gazeta, Vitria, Caderno especial, 26 set. 1994. Apoio Departamento Estadual de Estatstica DEE.

AnchietaIGREJA E RESIDNCIA DE NOSSA SENHORA DA ASSUNO Centro, Anchieta Proteo Legal: Tombamento em 21/09/1943 pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional Inscrio no Livro do Tombo Histrico, n 222, folha 37.

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Igreja e Residcia

Nossa Senhora de AssunoEntre as aldeias jesuticas fundadas do Esprito Santo no sculo XVI, Reritiba se destaca como um importante centro de fixao e difuso do projeto da Companhia de Jesus no sul da capitania. Contrariando a estratgia fundacional adotada nas demais aldeias, os padres se instalam em um aldeamento indgena pr-existente, um entre os vrios de uma regio onde residia numerosa populao. Sua localizao, contudo, seguiu os mesmos parmetros de escolha o stio relativamente elevado, est prximo ao mar e junto foz de um rio. Permitia, portanto, privilegiada visibilidade, fcil acesso por via martima e conexo fluvial direta com o territrio interior, atributos reconhecidos por Auguste de SaintHilaire, em sua passagem no incio do sculo XIX:O mais aprazvel panorama se oferece aos olhos de quem se coloca diante de alguma das janelas do claustro; avistamse a um s tempo o rio, a mata majestosa que o margeia, sua embocadura, o oceano, a cidade de Benevente e os campos das cercanias.

sepultamento do padre Jos de Anchieta no colgio de Vitria, em 1597, considerado indcio de que a igreja s estaria concluda em princpios do sculo XVII. Na residncia, ficava a cela de Jos de Anchieta, o jesuta mais destacado pela histria do Esprito Santo. Sua importncia para o aprendizado e a difuso da lngua tupi-guarani outro relevante aspecto da histria da aldeia. Presente na capitania em 1587, na poca da concluso das obras do colgio de So Tiago de Vitria, Anchieta considerado o residente mais famoso de Reritiba. Contudo, foi o padre Diogo Fernandes quem ali permaneceu por mais tempo. Nascido na capitania, ingressou na ordem aos 16 anos, em So Paulo, onde foi discpulo de Jos de Anchieta. Morto em 1604, seu sepultamento em Reritiba indica que a igreja de Nossa Senhora da Assuno estava ento concluda. Pouco conhecido, Fernandes atuou intensamente na defesa e ampliao dos limites do domnio colonial. Com indgenas, participou, ainda, na instalao de novos aldeamentos. A elevao da aldeia jesutica categoria de vila portuguesa, uma iniciativa da Metrpole datada de primeiro de janeiro de 1759, antecipa e prepara a expulso dos jesutas nesse mesmo ano. Em 1761, renomeada por ordem real como Vila Nova de Benevente, nome que tambm foi dado ao rio que ali desgua e que mantm at hoje. Acontecimento decisivo para todas as instalaes

Quanto ao perodo de sua fundao, a maioria dos historiadores a situa entre 1565 e 1569. Contrrio a essas datas, e baseado em registros de visita aldeia, Serafim Leite defende que ela estivesse fundada em 1581. Como em So Tiago de Vitria e Reis Magos de Nova Almeida, em Reritiba os padres adotaram o programa da quadra erguida em torno de um claustro. Teve, portanto, alm da igreja, sua residncia. Para alguns historiadores, a igreja, estaria erguida em 1565 e a residncia em 1567. Outros indicam 1587 como o ano em que a igreja teria sido concluda. Contudo, o

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jesuticas no Brasil, na Vila de Nova Almeida a expulso de seus fundadores promove o esvaziamento e a destruio de sua herana. Na aldeia do sul, os residentes no passavam de duzentos e cinqenta famlias. Ao mesmo tempo, a igreja de Nossa Senhora da Assuno alada condio de matriz. Na residncia, segundo registro, teria se abrigado uma famlia, at o incio do sculo XIX. Nesse momento, na descrio do viajante francs Auguste de Saint-Hilaire, a Vila de Benevente se apresenta impregnada das singulares qualidades paisagsticas de seu stio.No ngulo formado por essa curva [do rio] que se ergue a cidade de Benevente, tambm chamada Vila Nova, ou Vila Nova de Benevente. Compem-se de cerca de 100 casas, umas cobertas de telhas e outras de palha, muitas das quais tm um andar alm do trreo. Em torno do grupo principal de casas, [...], o terreno se eleva, formando rpido declive onde a rocha se mostra nua. Esse declive termina numa plataforma muito larga, que domina no apenas a campina, como ainda o mar; e l se acham o antigo convento dos Jesutas e sua igreja [...].

Impulsionada pelo retorno dos padres da Companhia de Jesus em 1928, e intensificada com sua reutilizao, ela se fundamenta na afirmao do papel de padre Jos de Anchieta para a histria do Esprito Santo. Materializada na capela, espao resultante da transformao da cela em que ele teria vivido e morrido, essa tem motivado uma crescente visitao Anchieta. Nesse contexto, em 1965 inaugurada a Cela do Padre Anchieta, um museu onde so expostos objetos litrgicos, imaginria, indumentria, mobilirio, e objetos de uso cotidiano. A quadra jesutica de Reritiba estava completa quando os jesutas foram expulsos em 1759. Nessa condio, a igreja foi construda sobre o quarto norte da quadra, com seu frontispcio voltado para o mar. sua direita, ocupando os quartos leste, sul e oeste, a residncia se desenvolveu a partir do prolongamento da fachada do edifcio destinado ao culto. No lado posto, esquerda da igreja, ergue-se a torre sineira. Contudo, da residncia s se pode conhecer o quarto do leste, com dois pavimentos, o do sul, com um nico pavimento, e os restos do quarto do oeste. Posicionado em um pequeno plat, o conjunto de Nossa Senhora da Assuno tem sua frente um amplo adro parcialmente murado e dominado por frondosa castanheira. O muro, baixo, favorece estratgica viso do aquoso entorno: a ampla superfcie da praia de Anchieta, frente, e a linha dgua do Benevente, direita. Atrs, a plancie do manguezal e a linha das montanhas do oeste, ao fundo. Elevado, o conjunto jesutico pode ser alcanado por trs escadarias, uma orientada para a fachada do mar, a partir de uma ladeira; outra posicionada na fachada do rio, a partir da cidade; e na direo da fachada das montanhas, a partir do porto. Pelas duas primeiras, chega-se diretamente ao adro, enquanto pela terceira, prolongada numa larga passagem, entra-se lateralmente na nave da igreja. O adro, regular e plano, se estende ao encontrar com a passagem lateral, ampliando os limites

da primeira metade do sculo XIX a significativa renovao funcional da antiga residncia de Nossa Senhora da Assuno e, em conseqncia, sua mais profunda transformao arquitetnica. Nesse perodo, foi utilizada como cmara, priso, corregedoria e abrigo para estrangeiros honestos de passagem, e com cmodos do trreo transformados em cavalarias. Em meados do sculo, o edifcio residencial passa a abrigar o cemitrio da cidade, em seu claustro. Contudo, a falta de manuteno e as restries financeiras do governo provincial sero as principais causas do arruinamento parcial da quadra jesutica, at que, em 1862, uma orientao tcnica prope seu abandono, com exceo parcial das alas leste e sul. O cemitrio foi transferido em fins do sculo. Quanto vila, elevada categoria de cidade, em 1887, passa a ser denominada Anchieta. Ser necessrio esperar o novo sculo para a recuperao da residncia e igreja de Nossa Senhora de Assuno.

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45do religioso ambiente. Nele, alm da castanheira e um busto do padre Anchieta, disposto sobre grantico pedestal, h palmeiras plantadas junto ao muro. Construdo no sistema dominante no perodo colonial da histria brasileira, o conjunto uma das mais significativas expresses do trabalho penoso e constante realizado pelos padres da ordem jesutica no Esprito Santo. Ao mesmo tempo genrica e nica, sua arquitetura repete e inova tecnolgica e artisticamente elementos adotados nos edifcios erguidos em aldeias e fazendas durante os sculos XVI a XVIII. A igreja de Nossa Senhora da Assuno, uma baslica, foi erguida para o encontro e a reunio de muitos irmos, religiosos e ndios. Um amplo salo, ela a nica com trs naves no Esprito Santo. No incio, alm da nave, havia apenas a capela-mor, com a qual se comunicava por um grandioso arco cruzeiro. Ampliada, em fins do sculo XVIII, com o acrscimo de uma sacristia alm do limite oeste, a igreja rompe com a relativa regularidade da quadra jesutica. Por outro lado, ligadas pelos corredores laterais, de largura e alturas aproximadas, nave e sacristia formam volume de fragmentada composio. Em conjunto fechado por paredes estruturais espessas e opacas, o templo foi feito para durar. No entanto, nem sempre durveis, os meios exigiram substituies. Na capela, pisos em terra batida foram revestidos com tabuado de madeira e tijoleira de barro cozido. Na nave, provavelmente, pilares de madeira precederam os de tijolo que apiam a seqncia de arcadas. Na sacristia e na cela, um singelo prolongamento do madeiramento do telhado em balano precedeu o beiral em beira-seveira. Na cobertura da igreja, ao contrrio, houve uma simplificao de sua salincia. Restaurada entre janeiro de 1994 a junho de 1997, a igreja de Nossa Senhora de Assuno foi amplamente recuperada por uma obra em que foram executados servios nas paredes, nos pisos, nos telhados, nas alvenarias, nas esquadrias e na pintura. Ao final, robusta e singela, sua arquitetura a expresso da fuso tcnica e artstica empreendida ao longo de sua histria.[...] A edificao [...] forma um conjunto de volumes e de superfcies que se interligam com variedade de propores e com ritmo nos vos portas, seteiras e janelas. A elegante unidade do conjunto resulta de arestas e molduras na prpria alvenaria caiada [...].

Assim, com sua absoluta e contnua planimetria, destituda de ornatos, curvas e contracurvas, a fachada da igreja parece ter sido inspirada na mais primitiva representao do abrigo humano uma cobertura unida por cumeeira e apoiada em suportes verticais. Para adentrar, como usual nos templos maiores, os padres abriram duas portas: uma principal, sobre o frontispcio, e uma na fachada lateral. Uma exceo entre as fachadas das igrejas jesuticas no Esprito Santo, em Assuno duas janelas foram dispostas, uma de cada lado da porta, no pavimento trreo, e uma centralizada, foi posicionada sobre o coro. Tambm de maneira pouco usual, todos esses vos, assim como a janela da torre, tiveram seus quadros em madeira compostos por verga reta. Em conjunto, a fachada estranhamente larga, horizontal. Sensao reforada pela robusta e relativamente baixa torre sineira.

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Posicionada direita da fachada, nica e externa, a torre tem plana quadrangular e eleva-se sobre trs macios arcos plenos, at encontrar a base da cpula. Nesse plano, quatro coruchus foram dispostos sobre suas arestas. Sem comunicao com o interior da nave pelo trreo, se abre para o coro por uma porta interna. A cpula, semiesfrica, foi construda tambm em tijolos macios, e revestida com argamassa de cal. Sob ela, sinos foram dispostos em cada uma de suas quatro aberturas. Comparado igreja, o edifcio residencial relativamente menor e mais poroso. Pouco extensa, sua fachada apresenta equilibrada relao entre cheios e vazios muros de parede e vos de janela, no pavimento superior. Em nmero de seis, as janelas foram emolduradas por quadro com verga reta e fechadas por esquadrias de caixilho em madeira e vidro. No trreo, h duas janelas e duas portas, uma delas posicionada junto parede lateral direita da igreja. Justaposto parede da sacristia, o quarto do oeste apresenta avarandada fachada. Importante centro de ensinamento laico e religioso, Nossa Senhora da Assuno teve sua igreja ornada com elementos decorativos, pintura e escultura. Do conjunto deles, nenhum se destaca tanto quanto a pintura mural da parede do altar. Exemplar nico na arte brasileira, sua execuo, provavelmente do sculo XVII, parece ter sido inspirada em motivos presentes na azulejaria portuguesa. Da imaginria, pelo carter erudito de sua feitura, destaca-se a Nossa Senhora da Assuno, imagem posicionada em um nicho, na parte superior da parede do altar-mor, e as imagens de So Francisco Xavier e Santo Incio de Loiola, venerados pela Companhia de Jesus, todas provavelmente datadas do sculo XVIII. Entre os elementos decorativos, as pias so os mais representativos. Na sacristia, h uma de parede e com caixa dgua. Em lioz marchetado de vermelho, sua parte superior, onde se encontra a caixa dgua e duas torneiras de boca, contornada com curvas e contracurvas, com acabamento em volutas, e tem, no centro, uma concha. A parte inferior uma pea nica, com a face de cima ligeiramente inclinada e perfil com forma sinuosa dos frontes do sculo XVIII. Na igreja, do tipo bacia pura e simples, h uma de p, de pedra, e duas de parede: uma diante da porta lateral, tambm de pedra, onde foram inscritas as iniciais adotadas pela Companhia de Jesus, I. H. S. (Iesus Hominis Salvador Jesus Salvador dos Homens); e outra, de mrmore marchetado de vermelho, sobre a primeira coluna da esquerda da nave e com forma em concha.

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REFERNCIAS

ABREU, Carol de (Org.). Anchieta a restaurao de um santurio. Rio de Janeiro: 6 C. R./IPHAN, 1998. ACHIAM, F. A. de Moraes; BETTARELLO, F. A. de Barros; SANCHOTENE, F. Lima (Org.). Catlogo de bens culturais tombados no Esprito Santo. Vitria, Conselho Estadual de Cultura / Secretaria de Estado da Educao e Cultura / Universidade Federal do Esprito Santo: Massao Ohno, 1991. CARVALHO, Jos Antnio. A Arte no Esprito Santo no perodo colonial II. Arquitetura religiosa. Revista de Cultura da Universidade Federal do Esprito Santo, Vitria, n. 30, p. 31-50, 1984. A Arte no Esprito Santo no perodo colonial IV. Pintura e escultura. Revista de Cultura da Universidade Federal do Esprito Santo. Vitria, n. 32, p. 05-26, 1985. O Colgio e as residncias dos jesutas no Esprito Santo. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura, 1982. COSTA, Lcio. A Arquitetura jesutica no Brasil. In: Arquitetura religiosa. So Paulo: Ministrio da Educao e da Cultura, Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional / Universidade de So Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 1978, p. 10-98.

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AracruzO imvel foi construdo em 1860 para abrigar o imperador Dom Pedro II em sua passagem pela provncia do Esprito Santo. Aps esse episdio, ao longo dos anos vrios usos ocuparam o espao da casa como frum, cmara e prefeitura municipal, servios de estatstica e cadeia. Tambm j abrigou as atividades de posto de correio, posto telefnico e escola pr-primria. O prdio foi reformado em 1970 pela prefeitura municipal, tendo como construtor o Sr. Jos Baslio Gomes. Algumas das alteraes foram a abertura de duas portas nas fachadas laterais, onde, originalmente, havia duas janelas e o acrscimo das separaes internas para comportar trs usos simultneos. Em 1998, o prdio abrigou duas famlias que ficaram desalojadas devido a um temporal. A visibilidade da construo favorecida, j que ela est localizada em uma esquina e as construes vizinhas so trreas. Na fachada frontal, o acesso ao imvel ocorre por uma escada centralizada composta por dois planos de degraus unidos por patamar retilneo, como todo o conjunto. Essa ocupa toda largura do passeio, fechando-o pelo lado externo por meio de parede de inclinao correspondente da escada. Os acessos laterais, abertos na reforma de 1970, tambm so alcanados por meio de escadas. Desenhada segundo tipologia tradicionalmente adotada durante o perodo colonial da arquitetura brasileira, a Casa de Cmara e Cadeia de Santa Cruz um singelo edifcio erguido a partir de volume regular de base quadrada, e singelamente composto com a utilizao de elementos mnimos dominados pelas linhas da cimalha e da platibanda, marcados em discreta modenatura. A construo foi realizada com paredes de alvenaria de pedras e de tijolos. Tais paredes tm espessura de aproximadamente 60 centmetros. As aberturas apresentam verga em arco abatido e fechamento com esquadrias em folhas secas em madeira. Internamente, as ombreiras, a verga e a soleira da entrada principal so confeccionadas em cantaria, os batentes das portas so em madeira e as vergas em arco pleno. Externamente, vestgios de bandeiras em madeira e de veneziana em algumas janelas sugerem anterior presena de um segundo plano de esquadria, desaparecido no tempo. As fachadas so emolduradas por cunhais e cornijas, alm de serem coroadas por uma platibanda, responsvel pelo encobrimento da cobertura. Estruturado em madeira, o telhado composto por quatro guas cobertas com telhas francesas importadas de Marselha. Em 1985, chega ao Conselho Estadual de Cultura a solicitao para o tombamento da casa. Tal pedido justificado devido ao fato de o imvel fazer parte da histria de Santa Cruz, ter sido utilizado por vrias geraes e por ser um marco na paisagem urbana.

REFERNCIAS ACHIAM, F. A. de Moraes; BETTARELLO, F. A. de Barros; SANCHOTENE, F. Lima (Org.). Catlogo de bens culturais tombados no Esprito Santo. Vitria, Conselho Estadual de Cultura / Secretaria de Estado da Educao e Cultura / Universidade Federal do Esprito Santo: Massao Ohno, 1991. ESPRITO SANTO (Estado). Processo de tombamento. Vitria: Conselho Estadual de Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, n 23/1985.

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Casa de Cmara e Cadeia

CASA DE CMARA E CADEIA Avenida Presidente Vargas com Rua Coronel Simes, n 239, Santa Cruz, Aracruz Proteo legal: Resoluo n 11 / 1986 Conselho Estadual de Cultura Inscrio no Livro do Tombo Histrico, sob o n 130, s Folhas 23v e 24; Livro do Tombo das Belas Artes, sob o n 65, s Folhas 15v e 16.

ARACRUZ

IGREJA CATLICA DE SANTA CRUZ Avenida Presidente Vargas, n 239 Santa Cruz, Aracruz Proteo legal: Resoluo n 01/1987 Conselho Estadual de Cultura Inscries no Livro do Tombo Histrico, n 131, folhas 24v e 25; e no Livro do Tombo das Belas Artes, n 66, folhas 15v e 16.

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Igreja Catlica Santa CruzA primeira igreja construda no territrio aracruzense foi a de Santa Cruz, quando alguns padres jesutas se estabeleceram no litoral para fundar um ncleo de catequese indgena. Em 1837, a vila de Santa Cruz passou a ser sede de freguesia. Uma igreja havia sido construda no ano anterior. Muito humilde, possua paredes de taipa, esteios de madeira e cobertura de folhas de palmeira. Em frente a ela, foi construda, em 1857, uma definitiva fachada. Contudo, a nave continuaria a ser a da pequena capela. Trs anos aps o incio das obras da igreja substitutiva da palhoa existente, a fachada estava concluda. Situada em um lote circundado por duas ruas nas laterais, uma encosta de morro aos fundos e uma praa frente, a igreja possui boa visibilidade, pois a vizinhana constituda por casas trreas. O acesso se d por uma escada de largura correspondente fachada principal. A planta retangular e abriga nave, capela-mor, sacristia e campanrio externo de altura menor que a igreja. A sacristia localiza-se na parte posterior do edifcio dividindo espao com outros ambientes. Aos fundos, h um muro de pedra com cerca de 60 centmetros de largura, em pedra assentada com leo de baleia. As paredes so em alvenaria caiada e a cobertura, em duas guas, apresenta tesouras de madeira e as telhas so do tipo capa-canal. O piso confeccionado com ladrilho hidrulico. O campanrio possua dois sinos. Para toclos, o sineiro tinha que subir em andaimes improvisados encostados na parede frontal. O frontispcio encimado por quatro vasos, que lembram pinculos, e uma cruz, alm de exibir uma abertura circular. A nica porta de acesso, composta por verga em arco abatido e ombreiras em madeira, sobreposta por trs janelas com vergas ogivais e fechadas por folhas de madeira. Tais janelas seriam do coro e so vedadas com tijolos. O frontispcio emoldurado por cunhais e cornija. Antigamente, o imponente frontispcio era sustentado por estrados de madeira, que mantinham os sinos no alto. Os recursos para sua construo foram conseguidos atravs de contribuio dos exportadores de madeira da regio. Entretanto, a idia de completar uma igreja naquelas propores foi abandonada, pois se chegou concluso de que ela seria gigantesca demais para a pobre realidade da pequena vila. Tanto a torre, quanto a fachada podiam ser vistas de

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longe por quem navegasse na baa. O trabalho ficou to bem acabado que causou profunda admirao e surpresa a Dom Pedro II, quando este visitou Santa Cruz, em 1860. Da enseada, quando se preparava para aproar, o imperador espantou-se com a possibilidade de to imponente igreja estar localizada em lugar to modesto. Mas, ao constatar que a imponncia se reduzia apenas parede frontal, enquanto o corpo da igreja era uma velha construo, o monarca chegou a rir da prpria curiosidade e ingenuidade. Dom Pedro anotou: O frontispcio da igreja maior do que esta, iludindo de longe a quem a v de frente. O frontispcio estava implantado de maneira que s se conseguia v-lo bem de frente. Da barra, portanto, no se percebia o que havia atrs dele. Esta mesma surpresa acometeu muitos viajantes em passagem pela regio, entre eles o pintor francs Franois Biard. Esse, em 1858, registrou em seu livro de viagem o engano a que tinha sido induzido. Biard aproveitou para desenhar a fachada e a pequena palhoa e escreveu:Como no me informaram que eu ia para um lugar importante e como eu pensava que Santa Cruz fosse simplesmente uma aldeia indgena, no foi sem surpresa que vi uma igreja de aparncia imponente. Foi preciso atravessar a mata para chegar vila, e, quando desembocamos na plancie, vi muitos pescadores, e tambm mulheres da cor de po queimado, vestidas de amarelo, rosa, laranja, os ps descalos; aqui e ali, alguns senhores de terno preto, gravata branca e mos sujas. (...) O campanrio, porm, desaparecera e, no entanto, como podia ter-me enganado? Tinha a mesma forma dos campanrios espanhis, portugueses e brasileiros em geral. De longe, com a ajuda desse sol que permite distinguir uma mosca a cem passos, tinha-o visto perfeitamente, pintado de branco, com ornamentos, vasos esculpidos e sinos; estava certo da existncia dos sinos, ainda mais porque os tinha ouvido tocar. Que pensar da ausncia de um objeto que certamente no havia imaginado? No podendo permanecer nessa incerteza, decidi pedir ao meu companheiro que me esclarecesse

esse enigma: mostrou-me ento uma parede de trs ps de largura que, por ser muito alta, no me passara despercebida, no lhe dando mais ateno porque estava procura do monumento desaparecido. Preparava-me para questionar o meu vizinho quando, tendo-nos aproximado mais, um poema inteiro se desenrolou diante dos meus olhos, revelando-se a mais completa obra-prima de orgulho, na sua mais ingnua expresso. Essa parede era efetivamente a igreja destinada a causar efeito sobre o povo, porque, se de perfil, s tinha trs ps de largura, de frente tinha a forma de uma fachada. Atravs das janelas superiores viam-se dois sinos que deixavam pressupor os que no se viam. Ornamentos e vasos esculpidos davam a esse monumento um exterior grandioso, preldio das riquezas da arte que no podia deixar de decorar o interior. Eis a o que eu tinha entrevisto; e eis aqui o que vi de outro ngulo. Essa parede to bem ornamentada de frente era solitria; apoiava-se em contrafortes que a defendiam do vento; os que subiam os degraus dessa catedral passavam pelo vo aberto da parede e desciam por trs para entrar na igreja, uma barraca triste pouco maior que as outras cabanas. Quanto aos sinos, podia-se ver agora um andaime onde comodamente se instalara o sineiro para tocar o carrilho. Tudo fora feito para atender as aparncias, pois a prpria parede s recebera reboco e caiao na parte da frente; a parte de trs s exibia pedras brutas, mas que importa? A honra, ou antes, o orgulho, estava satisfeito.

Conta-se que importantes bens foram doados igreja. Uma delas uma imagem de Jesus Cristo, em tamanho natural, que pode ser desmontada para compor qualquer um dos 14 quadros da Via Sacra. Esta imagem teria sido doada por uma famlia portuguesa, juntamente com outros valiosos bens, dentre os quais um colar de ouro macio para a imagem da padroeira, Nossa Senhora da Conceio, a quem a igreja foi consagrada. O colar se encontra nos cofres do Bispado de Vitria, recolhimento resultante das sucessivas mudanas de zeladores da igreja, segundo alguns falsamente bem intencionados. Posteriormente a essa providncia, no apareceram mais pessoas interessadas em zelar pela igreja. Assim, ela ficou muito tempo abandonada, raramente encontrando a preocupao e a dedicao das pessoas.

57Ao longo do tempo, a igreja foi modificada. Na dcada de 1970, passou por uma reforma, na qual consta a reconstituio de toda a lateral direita que havia cado, a troca do telhado e da estrutura, a execuo do coro, a troca do piso de cimento por ladrilho hidrulico decorado, a cobertura da sacristia com telhas de cimentoamianto e a troca da porta frontal, alm das demais portas e janelas. Nessa reforma, muitos elementos originais foram alterados. Outra restaurao ocorreu no ano de 2000. Para alguns, a igreja no carrega valores artsticos ou arquitetnicos que a marquem como um exemplar singular. No entanto, em sua simplicidade e em seu despojamento, a igreja de Santa Cruz um marco na paisagem do lugar, fazendo parte da cultura e da vida locais.

REFERNCIAS ACHIAM, F. A. de Moraes; BETTARELLO, F. A. de Barros; SANCHOTENE, F. Lima (Org.). Catlogo de bens culturais tombados no Esprito Santo. Vitria, Conselho Estadual de Cultura / Secretaria de Estado da Educao e Cultura / Universidade Federal do Esprito Santo: Massao Ohno, 1991. ARACRUZ. Site institucional. Disponvel em: . Acesso em: out. 2006. ARACRUZ e seus encantos. A Gazeta, Vitria, Encarte Especial, 2 abr. 2006. BIARD, Auguste-Franois. Viagem Provncia do Esprito Santo. Coleo Jos Costa. Vol. 8. Vitria: Secretaria Municipal de Cultura, 2002. CRUZ, Maurilin de Paulo. Faa-se, Aracruz. Serra: Edies Tempo Novo, 1997. ESPRITO SANTO (Estado). Processo de tombamento. Vitria: Conselho Estadual de Cultura, Secretaria de Estado da Cultura, n 23, 1985. ROCHA, Levy. Viagem de Pedro II ao Esprito Santo. 2. ed. Braslia: Revista Continente Editorial / INL-MEC, 1980.

Cachoeiro de Itapemirim

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Escola Bernadino MonteiroAs obras do edifcio onde inicialmente funcionou a Escola Bernardino Monteiro tm incio no governo Jernimo Monteiro, entre 1908 e 1912, que termina seu mandato deixando-o em adiantado estgio de construo. Contudo, ele s inaugurado em 15 de fevereiro de 1913, no governo Marcondes Alves de Souza. A denominao dada ao grupo escolar uma homenagem a Bernardino de Souza Monteiro, irmo de Jernimo Monteiro, e que tambm foi presidente do Estado do Esprito Santo, entre 1916 e 1920. Senador poca, Bernardino inclui-se entre as autoridades na solene instalao da escola, ao lado dos representantes da Assemblia Legislativa, do municpio, da Justia e pessoas de destaque social, inclusive Jernimo Monteiro. Uma das metas do governo Jernimo Monteiro era a reforma do ensino pblico. Para isso foi buscar, em So Paulo, o educador Carlos Alberto Gomes Cardim, que chega a Vitria em 1908. Sob a orientao do professor Gomes Cardim, reorganiza-se a Escola Normal e funda-se a Escola Modelo, atual Escola Maria Ortiz, alm de diversas escolas isoladas entre as quais o grupo escolar de Cachoeiro de Itapemirim. nesse ambiente renovador e durante um momento de valorizao da cultura e do civismo que entendemos a criao desse estabelecimento de ensino o grupo escolar de Cachoeiro de Itapemirim. Palco de pioneiras experincias pedaggicas, sua importncia est vinculada ao papel desempenhado no ensino capixaba. Nessa construo slida e de arquitetura requintada, realizavam-se come