Estudos patrimonio
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N. 1 2001Publicao semestral
NA CAPA
Alcalar, monumento n. 7
PRODUO EDITORIAL
IPPAR Departamento de Estudos
DIRECTOR
Lus Ferreira Calado
COORDENAO EDITORIAL
IPPAR/DEManuel LacerdaMiguel SoromenhoAna Lusa QuintaMaria de Magalhes Ramalho
COLABORAM NESTE NMERO
Ana C. Dias (DRE/IPPAR), Carlos Severo, CludiaUmbelino, Deolinda Folgado (DE/IPPAR), Ditza Reis,Elena Mran, Elvira Rebelo (DRP/IPPAR), Eugnia Cunha,Fernanda Garo (DPG/IPPAR), Fernando Galhano,Fernando Marques (DRC/IPPAR), M. Filomena Barata(DRE/IPPAR), Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva,Irene Frazo (DCR/IPPAR), Isabel Melo (DC/IPPAR), Joo M. Ribeiro, Joo Marques (DRE/IPPAR), Joo Santa Rita, Joaquim Sampaio, Jordi P. Werner,Jorge Croft, M. Antnia Amaral (DRC/IPPAR), Manel M. Alaix, Manuel Lacerda (DE/IPPAR), Marcelo Martn,Margarida Lencastre (DRP/IPPAR), Maria M. Ramalho(DE/IPPAR), Miguel Soromenho (DE/IPPAR), N. BrunoSoares, Nuno Simes, Paula Santos, Paulo Pereira(IPPAR), Paulo S. Pinto, Pedro S. Alves, Rafael Alfenim(DRE/IPPAR), Richard Edwards, Rita Gonalves (DRL, DOCR/IPPAR), Rosa Vouga, Rui Parreira (FS/IPPAR),Sofia Salema (DE/IPPAR), Susana Correia (DRE/IPPAR),Teresa Marques (GIF/IPPAR), Teresa Tavares, Vasco Freitas, Victor Mestre
DESIGN GRFICO
Artlndia
REVISO
A. Miguel Saraiva
PR-IMPRESSO E IMPRESSOTextype
TIRAGEM: 3000 exemplares
ISSN: 1645-2453
Depsito legal n. 170 293/01
Estudos/PatrimnioPublicao do IPPAR Instituto Portugus do Patrimnio ArquitectnicoPalcio Nacional da Ajuda 1349-021 LisboaTel.: +351-21 361 4336Fax: +351-21 362 8472www.ippar.pte-mail: [email protected]
C A D E R N OI N T E R P R E T A O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
5 Interpretao de monumentos e stios
Manuel Lacerda
6 Lugares de passagem e o resgate do tempo
Paulo Pereira
17 Mmoire et nouvel usage: du monument au projet
Richard Edwards
25 Sobre el necesario vnculo entre el patrimonio y la sociedad
Reflexiones crticas sobre la Interpretacin del Patrimonio
Marcelo Martn
38 Patrimonio y Territorio: una reflexin sobre los proyectos de
puesta en valor del patrimonio Manel Mir Alaix y Jordi Padr Werner
I T I N E R R I O S A R Q U E O L G I C O S D O A L E N T E J O
E A L G A R V E
43 Estruturas de Acolhimento e Interpretao
Programa Itinerrios Arqueolgicos do Alentejo e Algarve
Manuel Lacerda e Maria Filomena Barata
46 O Stio Arqueolgico de Mirbriga Maria Filomena Barata
49 Centro de Acolhimento e Interpretao de Mirbriga Paula Santos
53 Circuito Arqueolgico da Cola
Susana Correia e Rafael Alfenim
55 Centro de Acolhimento e Interpretao do Circuito da Cola
Sofia Salema
59 Conjunto Arqueolgico do Escoural Joo Antnio Marques
61 Centro de Interpretao da Gruta do Escoural Carlos Severo
65 Centro de Acolhimento da Gruta do Escoural Nuno Simes
68 O Stio Arqueolgico de So Cucufate Rafael Alfenim
70 Centro de Acolhimento e Interpretao de So Cucufate
Nuno Bruno Soares
73 Povoado Pr-Histrico de Santa Vitria (Campo Maior)
Ana Carvalho Dias
76 Estrutura de observao do Povoado Pr-Histrico
de Santa Vitria (Campo Maior) Jorge Croft
79 Villa Romana de Torre de Palma Ana Carvalho Dias
82 Centro de Acolhimento e Interpretao de Torre de Palma
Victor Mestre e Sofia Aleixo
86 Runas de Milreu Rui Parreira
87 Centro de Acolhimento e Interpretao de Milreu
Ditza Reis e Pedro Serra Alves
90 Villa Romana de Cerro da Vila
91 Ncleo Museolgico da Villa Romana de Cerro da Vila
Fernando Galhano
94 Alcalar: estudo, salvaguarda e valorizao de uma paisagem
cultural do III milnio a.C. Elena Morn e Rui Parreira
99 Centro de Acolhimento e Interpretao de Alcalar Joo Santa-Rita
PATRIMNIOe s t u d o s
-
S A LVA G UA R D A103 Falando com franqueza: a salvaguarda do Patrimnio
e os seus (enormes) problemas
Lus Ferreira Calado, Paulo Pereira e Joaquim Passos Leite
108 A Proteco do Patrimnio Paisagista 1. parte
Rita Maria Theriaga Gonalves
116 A pessoa, as comunidades e os patrimnios: reflexes em torno
da histria de uma necessidade Elvira Rebelo
M E M R I A123 Segunda pedra de traaria do Convento de So Francisco
de Santarm Paulo Pereira e Maria de Magalhes Ramalho
129 A Necrpole de So Pedro de Marialva. Estudo arqueolgico
Maria Antnia de Castro Athayde Amaral
139 A Necrpole de So Pedro de Marialva. Dados antropolgicos
Eugnia Cunha, Cludia Umbelino e Teresa Tavares
I N T E R V E N E S145 Igreja de So Pedro de Marialva: interveno de conservao
e restauro 1995-2001, o ressurgir de um novo templo...
Fernando Marques e Maria Antnia Athayde Amaral
151 Interveno na pintura a fresco da Igreja de So Pedro de Marialva
Irene Frazo
153 Restauro do retbulo da capela-mor, do tecto e dos retbulos
da nave da Igreja de So Pedro de Marialva Rosa Vouga
156 Conservao e restauro das pinturas do tecto
da capela-mor da Igreja de So Pedro de Marialva (sculo XVIII)
Fundao Ricardo do Esprito Santo Silva
159 O Mosteiro de So Salvador de Grij Margarida Lencastre
161 O Mosteiro e a Igreja de So Salvador de Grij
Interveno de consolidao estrutural Joaquim C. Sampaio
166 Rebocos base de cal em edifcios antigos. Uma experincia
no Mosteiro de So Salvador de Grij
Vasco P. Freitas e Paulo da Silva Pinto
173 Projecto para uma Casa de Ch no Castelo de Montemor-o-Velho
Joo Mendes Ribeiro
A C T UA L181 Sistema de Informao do IPPAR. Acesso ao Patrimnio Cultural
Digitalizado Teresa Marques
183 Aco-Piloto de Cooperao Portugal-Espanha-Marrocos
Miguel Soromenho
185 Projecto de levantamento da Arquitectura Industrial Contempornea
em Portugal (1920-1965) Manuel Lacerda e Deolinda Folgado
186 Inventrio do Patrimnio Industrial da Covilh Deolinda Folgado
187 A actividade editorial do IPPAR Manuel Lacerda
189 Implementao da rede de lojas do IPPAR Isabel Melo
190 Candidaturas do IPPAR a Fundos Comunitrios
Fernanda Garo
-
Ainterveno em patrimnio hoje umprocesso complexo que congrega uma soma de conhecimentos tcnicos altamente
especializados, nas mais variadas reas do saber.
A fundamentao cientfica de trabalhos desta
natureza no se limita, porm, sua informao
prvia. De facto, ela continua no decurso das
intervenes e, at que monumentos e stios
estejam completamente aptos para a divulgao
pblica, h ainda um longo caminho a percorrer.
A publicao peridica que o IPPAR agora inicia
pretende dar a conhecer os esforos multidis-
ciplinares no conhecimento do patrimnio, bem
como responder exigncia de proporcionar uma
informao actualizada sobre as tarefas que
incumbem a este Instituto, consignadas nas suas
mltiplas atribuies funcionais de classificao,
salvaguarda, recuperao, valorizao, e gesto dos
principais monumentos e stios classificados.
A ateno, neste primeiro nmero, concentra-se
privilegiadamente na temtica da Interpretao de
monumentos e stios, divulgando um conjunto de
reflexes que foram apresentadas em Encontro
promovido pelo IPPAR, e no Programa Itinerrios
Arqueolgicos do Alentejo e Algarve, merc dos
importantes trabalhos que tm decorrido nalguns
dos mais relevantes stios arqueolgicos daquelas
regies, no sentido de proporcionar as condies
de acolhimento e interpretao indispensveis a
um pblico crescente. nesta perspectiva que
os Itinerrios Arqueolgicos so apresentados
neste nmero, fundamentalmente atravs da
documentao de projectos e obras das estruturas
de acolhimento e interpretao, realando-se que
esta apenas uma das componentes mais visveis
de todo este Programa.
A vocao reflexiva e teortica da publicao
revela-se tambm em artigos ligados rea da
salvaguarda, da Histria e da Histria da Arte, ou
ainda em contributos cientficos do mais largo
espectro sobre intervenes em curso, pressupondo
a continuidade de um projecto aberto, capaz de
acolher a diversidade de entendimentos sobre o
patrimnio construdo.
3
e d i t o r i a l
Lus Fer re i ra Ca ladoPresidente do IPPAR
Claustro Principal do Conventode Cristo, TomarArquivo IPPAR
-
Centro de Acolhimento de MirbrigaIPPAR/H. Ruas
-
Acrescente importncia dos bens culturais no mundocontemporneo conduz a novas exigncias nasformas de gesto do patrimnio, de forma a respon-
der eficazmente s mltiplas solicitaes que a socie-
dade impe.
O desenvolvimento do Turismo Cultural, a maior cons-
ciencializao do Patrimnio enquanto recurso para o
desenvolvimento, a exigncia de rigor no conhecimento
do passado, implicam tambm novas formas de ges-
to desses valores, onde a articulao e contratuali-
zao entre diferentes actores assume cada vez maior
importncia.
Cruzando trs tarefas fundamentais e indissociveis,
Conhecer/Investigar, Proteger/Conservar, e Valorizar/
/Divulgar, o IPPAR, no mbito das suas atribuies,
desenvolve formas de mediao entre o patrimnio e
o seu pblico, atravs da criao de estruturas de
Acolhimento e Interpretao, qualificao de percur-
sos de visita, instalao de sinaltica interpretativa, e
divulgao em diferentes suportes.
Com o intuito de promover a reflexo e o debate,
em particular acerca de uma das componentes deste
complexo processo a Interpretao (e toda a
problemtica que lhe est associada) o IPPAR promo-
veu em vora, em Julho de 2000, um Encontro sobre
Interpretao de Monumentos e Stios, largamente
participado, do qual se publicam aqui algumas das
comunicaes.
Torna-se especialmente oportuno associar a apresen-
tao destas reflexes com a apresentao de projec-
tos para os Centros de Acolhimento e Interpretao
previstos no Programa Itinerrios Arqueolgicos do
Alentejo e Algarve, cuja abertura e entrada em fun-
cionamento possibilita desde j uma avaliao dos con-
ceitos que estiveram na base e no desenvolvimento
das estruturas de Acolhimento.
5
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
Interpretao de monumentos e stios Manuel Lacerda
Arquitecto Director do Departamento de Estudos do IPPAR
1. Monumento n. 7 de AlcalarIPPAR/H. Ruas
2. Villa Romana de PisesIPPAR/H. Ruas
-
1. Os lugares de passagem
Considero que o patrimnio cultural, e em especial o
patrimnio imvel, seja ele constitudo por monumentos
clssicos (como por exemplo, os palcios ou os
grandes conjuntos monsticos), seja ele constitudo
por monumentos e stios arqueolgicos (como por
exemplo, as runas, paisagens monumentalizadas ou
arqueopaisagens), possuem uma capacidade de evo-
cao que motivam uma espcie de experincia de
passagem, uma experincia no apenas esttica mas
existencial1.
Sei que estas palavras podem soar um tanto ou quanto
filosficas em excesso, seno mesmo poticas, talvez
mesmo denunciadoras de um romantismo eventual-
mente descabido. Mas creio que, se analisadas as
circunstncias fenomenolgicas em que tais passa-
gens se do que so passagens no tempo e pas-
sagens no espao poderemos todos perceber que
o que est aqui em causa uma sada da ordem
reconhecvel das coisas ou seja, da ordem quotidiana,
comum e banal das coisas que nos rodeiam e que
constituem o nosso quadro de vida , e uma entrada
numa espcie de falha ou cesura temporal e espacial,
por vezes inesperada e inslita, muitas vezes estranha
dentro da categoria daquilo que em alemo se diria o
uneimlich e em ingls o uncanny2.
Quero dizer com isto que a nossa experincia perante
um monumento arquitectnico ou um stio arqueol-
gico nos obriga a um exerccio racional, de abstrac-
o, de tentativa de entendimento e de procura de
uma espcie de objectividade perdida mas que seria
possvel reconstituir. Simultaneamente, obriga-nos
a um exerccio de afectividade, de entrega do
sujeito pela estesia (pela sensao), isto , de pura
subjectividade.
Entre estes dois plos situa-se a coisa. A coisa,
neste caso, o objecto patrimonial e aquilo que o
rodeia. E quanto mais esta coisa se afasta de um
padro reconhecvel, ou seja, quanto menos clssico
o monumento, maior a dimenso da nossa expe-
rincia de passagem, maior a estranheza, maior o
abismo que nos separa dessa coisa, maior tambm
o eventual sentimento de incmodo que se experi-
menta, maior a aura do monumento ou do stio
arqueolgico. Maiores e muitas mais sero, tambm,
as nossas interrogaes sobre o objecto3.
Da a necessidade de o interpretarmos e de aceder-
mos, porventura, s diversas possibilidades e discursos
interpretativos que o mesmo motiva. Assinale-se que
no nos encontramos perante um discurso em que o
edifcio ou o imvel se encontra plenamente resga-
tado e reutilizado, nem perante um discurso museo-
6
Lugares de passagem e o resgatedo tempo
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
Paulo PereiraHistoriador de Arte
Vice-Presidente do [email protected]
1. Edgar-Pierre Jacobs, Les Aventures de Blake & Mortimer, SOS Mtores Editions Blake et Mortimer
-
grfico em que os objectos se encontram agrupados,
sistematizados, passando a fazer parte de uma nova
ordem, de uma espcie de taxinomia das coisas do
mundo e que muitas vezes no deixam de induzir a
sua dose de confuso, tal a acumulao de tempos
diferentes e de objectos dspares que se encontram no
espao-museu.
Encontramo-nos, isso sim, perante monumentos, objec-
tos, coisas, a meio caminho entre o nosso real e
uma nova realidade, sabendo ns que essa nova
realidade ter que ser construda note-se que eu
no escrevi reconstruda , apoiada em sistemas expli-
cativos que nos subtraiam do desconhecimento, que
nos subtraiam do medo em conhecer mais e em saber
melhor os porqus que uma larga e quase inson-
dvel distncia instaurada pelo tempo instaurada
entre cada um de ns e aquela coisa que ali esperou
por ns ; algo, enfim, que consiga extrair-nos de uma
mera e desorientada interrogao desapossada, e que
por persistir, nos desapossa do objecto e nos aliena.
Um monumento ou um stio de carcter patrimonial
coloca-nos portanto, fora deste mundo e situa-nos
noutro mundo. Ns passamos para esse outro
mundo atravs dessa aparente falha do espao e do
tempo que o monumento instaura. Esta condio de
exterioridade do monumento ou do stio resulta do
facto do monumento ou do stio da coisa em si
se situar completamente fora da ordem contempor-
nea, isto , fora da nossa ordem econmica (no sen-
tido de oikos ou oikomene): no serve para nada, a
no ser para ser fruda, caso a saibamos fruir. O que
, em suma, a interpretao de um monumento de
um stio? Nada mais nada menos do que o primeiro
passo para reintegrar, sem perda de aura, sem
alienao do objecto, o monumento ou o stio nessa
ordem contempornea: conservando o monumento,
valorizando o monumento, explicando e interpretando
o monumento, para lhe conferir apenas esta pequena
dose de utilidade e de interaco. Uma pequena dose
de utilidade, que se esgueira em filigrana perante a
inutilidade absoluta de qualquer runa, de qualquer
stio que j foi.
Como resgatar o tempo? Como vencer a distncia?
Insisto que a nica forma de o fazer atravs da inter-
pretao, atravs da constituio de lugares de pas-
sagem. Esses lugares de passagem constituiro como
que pequenas mquinas do tempo, capacitadas para
nos darem conta de que possvel entender e ler o
passado, perceber um objecto, com a certeza porm
que desse objecto que nos oferecido ao entendimento,
desse objecto apenas iremos perceber um segmento,
uma fraco dele, uma infinitsima fraco alis.
Esses lugares de passagem constituem, por fim, essas
pequenas e singelas mquinas do tempo, muito
imperfeitas como evidente, mas que nos permitem
olhar o passado, e passar dele para o presente, sem
o desproporcionado esforo das coisas secretas e
obtusas: abrindo uma pequena porta ou lanando
uma tnue pista, por pequena que seja, mas que por
isso mesmo seja suficiente para o encaminhamento
do sujeito para o conhecimento. Com a subtileza
possvel.
2. Os monumentos clssicos
Com os monumentos ditos clssicos os problemas
que se colocam sua interpretao tm essencialmente
a ver com os diversos estados em que se encontram.
Para o caso portugus podemos desde logo tipificar
trs circunstncias patrimoniais, relativas a grandes
monumentos ditos clssicos, que so absolutamente
distintas e que se situam, at, em plos opostos no
que respeita interpretao que motivam:
Os Palcios Nacionais, por essncia lugares de pres-
tgio, mais ou menos equipados e mobilados, em que
a fruio do espao arquitectnico, por este se encon-
trar completo e homogeneizado, se faz de forma
7
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
2. Edgar-Pierre Jacobs, Les Aventures de Blake & Mortimer, Le Mystre de la Grande Pyramide, vol. 1 Editions Blake et Mortimer
-
relativamente simples, porque se impe por si mesma
(so quase que museus informais; e eis os exemplos
dos Palcios de Sintra, da Pena, da Ajuda, de Queluz,
de Guimares, etc.).
Os grandes conjuntos monsticos, desafectos das
suas funes por fora da extino das ordens reli-
giosas em Portugal e em grande parte desapossados
dos seus bens que se extraviaram, salvando-se apenas
os respectivos templos, que mantiveram afectao paro-
quial ao culto (os casos de Tibes, Rendufe, Pombeiro,
Tarouca, e muitos outros, a maior parte dos quais em
vias de recuperao e resgate por parte do IPPAR).
Distinguem-se de entre estes os conjuntos que mere-
ceram h mais tempo o seu reconhecimento em ter-
mos de estatuto de excepcionalidade e que, por isso
mesmo, sem se encontrarem melhor explicados ou
passveis de interpretao, nos surgem como as gran-
des e maiores evidncias do patrimnio arquitectnico
no seu estado mais puro (e eis os casos dos mega-
monumentos, ou supermosteiros, da Batalha, de Tomar,
de Alcobaa ou dos Jernimos). Trata-se, s por si, dos
monumentos mais visitados de Portugal, o que diz bem
da sua fortuna pblica, que foi naturalmente prece-
dida de uma grande fortuna crtica e cientfica que
remonta, como bem o sabemos, a meados do sculo XIX
e ao romantismo. So, em si mesmo, os smbolos da
ideologia do patrimnio em Portugal.
Os castelos e fortalezas, essas velhas mquinas de
poder, hoje obsoletas, sem qualquer funo, esque-
letos abandonados ou runas puras, algumas delas
apropriadas e habitadas no seu interior, outras
completamente isoladas e espera de um visitante
curioso que procure desentranhar a sua histria. Nestes
casos haver que entender que muitos castelos se
encontram isolados dos centros histricos, sem qual-
quer conexo com essas partes habitadas da cidade
que, esperemos, no se encontrem desertificadas
por qualquer programa de reabilitao demasiado
profiltico.
No caso dos palcios, os prprios percursos encerram
em si uma componente explicativa. O esforo do tra-
balho em termos interpretativos tem sido endereado
no sentido de melhorar a sinaltica desses espaos e
de, em casos seleccionados, iniciar a construo de
pequenos plos explicativos por vezes, mesmo, como
uma componente museolgica light, de modo a
enquadrar o visitante na histria arquitectnica do
imvel, e na sucesso de patrimnio mvel que cons-
titui o seu acervo. Os casos mais crticos so os que
se detectam nos palcios, que so objecto de uma
eroso turstica mais evidente (como so os casos da
Pena e de Sintra). A resolveu-se instalarem-se espaos
de reteno de pblicos como sejam as cafetarias,
restaurantes ou lojas, que contm a virtude no s de
aumentar a receita prpria da entidade gestora, mas
tambm a virtude de encaminharem pblico e de o
reorientar em termos de fluxos de visita, o que se torna
extremamente importante na melhoria da oferta.
No caso dos conjuntos monsticos desafectos partiu-
-se, a mais das vezes, de uma situao praticamente
inerte, ou seja, de uma situao de devassa quase total,
em que imperava a repartio de propriedade e de
ocupaes indevidas. O IPPAR, nestes casos, procedeu
ao resgate de partes do monumento e dos edifcios
ocupados e usados (ou abandonados) por diferentes
proprietrios de modo a conceder homogeneidade
ao conjunto. Sempre que possvel avanou para a
aquisio de parcelas de partes rsticas de modo a
resgatar, igualmente, a zona de interaco econmica
e social, produtiva e de modelagem paisagstica que
constitui a antiga cerca monstica e conventual. Ainda,
por se tratar de monumentos literalmente escanca-
rados que a pouco e pouco foram ganhando a sua
dignidade perdida (o caso de Tibes paradigmtico
do trabalho neste domnio), vo adquirindo, gradual-
mente, componentes explicativas, como seja pequenos
plos ou mesmo reas museolgicas abertas (consti-
tudas por percursos, reconstruindo nexos entretanto
perdidos desde que devidamente equipados).
Os supermonumentos tm merecido outro tipo de
preocupaes: trata-se, tambm aqui, de reforar a
sinaltica e de fornecer informao ao pblico. Muito
se encontra por fazer, e nestes monumentos coloca-se
desde j o mesmo problema que se identifica para
os palcios, ou seja, a necessidade da criao de espa-
os pblicos, de fruio e consumo bilheteiras,
cloakrooms, lojas, cafetarias que retenham e
8
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
reencaminhem os fluxos de visita. As carncias expli-
cativas ainda subsistem, especialmente em monumentos
como Tomar e Alcobaa, mas encontram-se j em fase
de projecto muitas das componentes acima enuncia-
das, ou at parte delas j executadas.
Os castelos e fortalezas representam modalidades dife-
rentes entre si, consoante o monumento se encontra,
como se referiu atrs, mais ou menos integrado na
cidade ou no centro histrico. O importante, evidente-
mente, manter o imvel com capacidade de merecer
a ateno do pblico, naturalmente a espaos, refor-
ando a sua capacidade evocativa e introduzindo-lhe,
controladamente (o que nem sempre foi feito, desig-
nadamente no ciclo de trabalho que vai de 1990 a
1995 e com resultados nem sempre bem-vindos), novas
valncias de utilizao (espaos explicativos, cafeta-
rias), tudo, como natural, com uma preocupao
suplementar mas decisiva: a da viabilidade de gesto
destes equipamentos novos, que tm que ver assegu-
radas a sua dignidade e capacidade de funcionamento.
Diria, sem medo de errar, que estes monumentos
impem estratgias perfeitamente consolidadas, conhe-
cidas e experimentadas, com uma maior ou menor
margem de variao e de inovao.
Os problemas maiores colocam-se, quase sempre, numa
diversa tipologia de patrimnio imvel, por se tratar
de bens eventualmente mais frgeis, mais difceis de
reconhecer, por conterem residualmente apenas
uma condio arquitectnica mais ou menos diluda:
trata-se dos monumentos e stios arqueolgicos.
A maneira de resolver as questes de entendimento e
de interpretao decorrem, naturalmente, do salva-
mento, da conservao, do restauro e da valorizao
desses monumentos e stios. E para tal necessrio
conhecer as diversas frentes de trabalho que se nos
apresentam, caracterizando-as mediante aquele
que o entendimento e a experincia do IPPAR neste
domnio4.
3. Os monumentos e stios arqueolgicos
De facto, a valorizao dos stios arqueolgicos
compe-se de duas vertentes principais, que decorrem
da aplicao de programas a mdio e longo prazo
destinados a conferir dignidade de fruio a imveis
arqueolgicos afectos ao IPPAR, ou resgatados pelo IPPAR
devido sua importncia em termos patrimoniais,
a saber5:
Programa Itinerrios Arqueolgicos do Alentejo
e Algarve, co-financiado pelo ex-Fundo de Turismo e
pelo IPPAR mediante protocolo de colaborao;
Programas de valorizao dos imveis arqueo-
lgicos afectos ou adquiridos pelo IPPAR (em regra,
exteriores s regies abrangidas pelo programa refe-
rido no ponto anterior);
Outros programas pontuais, em regime de parce-
ria com autarquias e entidades diversas.
3.1. A condio patrimonial.
A titularidade dos bens
Naturalmente que estes programas levam em linha de
conta um dos aspectos fundamentais para a valoriza-
o do patrimnio arqueolgico nacional: a respectiva
titularidade.
Muitos dos imveis intervencionados so propriedade
do Estado ou das autarquias, garantindo, mediante
esta sua condio patrimonial, o envolvimento de pode-
res pblicos na sua conservao, restauro e valoriza-
o em nome do interesse pblico.
Outros imveis, porm, no so propriedade do Estado
e, por isso, encontram-se em condies bastante mais
precrias de conservao, pese embora o facto de mui-
tos deles se encontrarem classificados e dotados de
zonas de proteco (ou seja, dotados de uma servido
administrativa que os protege e reserva).
Assinalo, todavia, que os problemas da real eficcia
das servides administrativas muito maior nos im-
veis arqueolgicos tendo em conta as caractersticas
prprias desta tipologia patrimonial, que frgil
(ou potencialmente mais frgil que as demais) e, muitas
vezes, no revelada, o que pode conduzir sua
destruio por desconhecimento, negligncia ou
m-f.
Podemos assim discriminar os seguintes tipos de
imveis arqueolgicos consoante a sua titularidade:
Stios arqueolgicos propriedade do Estado
e afectos ao IPPAR
Trata-se da parte mais significativa de monumentos e
stios arqueolgicos identificados e adquiridos pelo
Estado (ou que se situam em terrenos na sua posse).
9
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
-
Tm vindo, gradualmente, a ser afectos ao IPPAR de
modo a assegurar a sua integridade, inviolabilidade,
reserva, conservao, restauro e, eventualmente, a sua
valorizao.
Stios arqueolgicos propriedade do Estado,
afectos a outras entidades
So escassos os exemplos, uma vez que na maior parte
dos casos se trata de stios ou lugares com potencial
arqueolgico que se encontram em zonas protegidas
ou em terrenos afectos a entidades do Estado com
tradies no domnio da ocupao e regramento do
territrio, geralmente na dependncia do Ministrio
da Agricultura (DGF, designadamente) ou do Ministrio
do Ambiente (ICN, nomeadamente). Incluem-se neste
lote os terrenos com potencial arqueolgico que
integram instalaes do Estado. Exceptuam-se os casos
de instalaes pblicas e equipamentos a executar
em partes contguas de imveis classificados ou em
vastas reas de proteco, mormente as que compreen-
dem sectores salvaguardados de cidades (o que recai
nessa peculiar categoria que a da arqueologia
urbana).
Stios arqueolgicos propriedade das autarquias
So inmeros os casos que se inscrevem nesta cate-
goria, de resto, muito generalizada.
S t io s a rqueo lg i cos (ou monumentos )
propriedade do Estado, nsitos em domnio
pblico, dotados de um regime mais flutuante
em termos de responsabilidade
O seu estatuto em muito semelhante (ou de carc-
ter misto) se comparado com os casos atrs descritos,
embora a tutela jurisdicional se cinja ao facto de se
encontrarem ou no classificados. Se no o estiverem,
a tutela indirecta desses mesmo stios compete ao
Instituto Portugus de Arqueologia, que pode propor
a sua classificao.
Stios arqueolgicos propriedade de associaes
So raros os casos que se encontram nestas circuns-
tncias e, em rigor, no fosse pela componente asso-
ciativa, em pouco ou em nada se distinguiriam dos
casos descritos no ponto seguinte.
Stios arqueolgicos nsitos em propriedade
privada
A maioria dos stios arqueolgicos ou de parte de stios
arqueolgicos.
3.2. A poltica de aquisies
como poltica de resgate
Daqui fcil de concluir que a poltica de valorizao
dos stios arqueolgicos deve ser flexvel atendendo a
todas estas categorias. Porm, quando o que se encon-
tra em causa so avultados investimentos ou quando
necessrio optimizar, inclusivamente, o quadro de
financiamento, garantindo simultaneamente uma actua-
o mais substantiva e clere em termos de interven-
o patrimonial, necessrio assegurar que os stios
arqueolgicos, se possvel na sua totalidade, estejam
na posse de entidades pblicas, ou seja, do Estado ou
das autarquias. A experincia neste domnio dita as
suas razes, uma vez que no caso dos monumentos e
stios arqueolgicos, poucas vezes o interesse privado
ou individual coincide com o interesse pblico.
por isso que nos stios arqueolgicos afectos ao IPPAR
que possuam ainda significativas parcelas do seu
territrio arqueolgico (ou do seu potencial), bem como
envolventes prximas ou distantes em posse de
particulares, se tem levado a cabo uma poltica de
aquisies (e/ou de expropriaes). Somente deste
modo se poder garantir que a interveno a efectuar
seja, efectivamente, global, completa e destinada a
um futuro de fruio pblica logo que a oportunidade
de gesto se nos apresente. Nos casos em que
possvel interessar a autarquia ou que a mesma j dili-
genciou no sentido de adquirir essa parcela patrimo-
nial, o IPPAR estabelece protocolos de colaborao
de modo a estabelecer parmetros de interveno
e a fomentar o financiamento das operaes (o que
o leva a ter em conta, tambm, a oportunidade de
gesto).
Diga-se, em abono da verdade, que no existe, pra-
ticamente, um nico exemplo em que o imvel
intervencionado (mesmo sendo, partida, afecto ao
IPPAR) no tenha sido objecto de um processamento
especial desta natureza, pelo que vale a pena relem-
brar, entre outros, Mirbriga, Escoural, Santa Vitria
de Campo Maior, Santa Vitria do Ameixial, Pises,
So Cucufate, Castro da Cola, Milreu, Alcalar, Castelo
Velho de Freixo de Numo, Centum Cellas, Freixo/
/Tongbriga, So Gio da Nazar, prevendo-se aces
deste tipo para imveis como, por exemplo, a Torre
de Almofala.
10
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
Mas os regimes de tomada de posse ou de aquisio
e afectao variam, evidentemente, conforme as
circunstncias patrimoniais j descritas e consoante as
disponibilidades e o posicionamento dos proprietrios
ou afectatrios originais. Assim temos:
a) Aquisies por compra directa (Mirbriga, Milreu,
Alcalar, Ameixial, Campo Maior, Freixo);
b) Aquisies por expropriao (Alcalar, So Gio
da Nazar);
c) Aquisies por doao do proprietrio (Castelo
Velho, doao da CELBI);
d) Posse transitria atravs de contratos de como-
dato (So Cucufate, Pises);
e) Aluguer.
Naturalmente que para levar a bom termo todos estes
processos necessria uma mquina administrativa
bem oleada e um relacionamento aberto e lmpido
com outras entidades, entre as quais sobressaem as
autarquias locais.
3.3. A arqueologia monumental
e os stios arqueolgicos
Em bom rigor, para o IPPAR, qualquer monumento ,
obviamente, um stio arqueolgico e vice-versa6. Porm,
por razes de nomenclatura, comum inscrever as
intervenes arqueolgicas em monumentos de grande
porte no quadro daquilo a que se usa chamar arqueo-
logia monumental (os casos, por exemplo, das inter-
venes nos grandes conjuntos monsticos ou nas ss).
Ora, a essncia do stio arqueolgico tem a ver com
estruturas e contextos, tal qual qualquer outra obra
do homem que objecto de interveno e valorizao
patrimonial. Ou seja, a componente arquitectnica
dos stios (a componente puramente arquitectnica),
prevalece sobre o mtodo de revelao do monumento
(a arqueologia)7 o que aqui, mais do que em qualquer
outro caso, se torna mais agudo, porque a arquitec-
tura se encontra ela prpria subsumida na condio
de arch do bem a intervencionar. Importa a estru-
tura; importa o contexto, o que igualmente vlido
mesmo nos stios compostos maioritariamente por
paisagens construdas.
Na poltica de valorizao de monumentos do IPPAR no
existe, alis, um nico caso que no seja precedido de
prospeces arqueolgicas, de trabalhos de campo em
extenso e durao, e de trabalhos arqueolgicos de
laboratrio e de estudo. Neste interim, e de acordo
alis com as convenes internacionais e com a dou-
trina mais recente, indistinto o stio arqueolgico do
monumento. Um e outro so a mesma coisa8.
No entanto, vale dizer que a actividade do IPPAR no
mbito da arqueologia nada tem de excepcional. Trata-
-se apenas de dar objectividade s orientaes que
devem presidir s intervenes em monumentos e que
deveriam constituir uma posio normativa generalizada
(e no apenas imposta pelo domnio da salvaguarda,
como acontece em muitos casos). No IPPAR existe,
portanto, uma coerncia entre as aces do mbito
da salvaguarda (que condicionam, tantas vezes, a apro-
vao de projectos realizao prvia de trabalhos
arqueolgicos em zonas classificadas) e as obras de
conservao, restauro, reabilitao e valorizao que
o prprio IPPAR leva a cabo.
A maior parte das vezes, tambm, os monumentos do
IPPAR sob interveno constituem-se em grandes esta-
leiros de arqueologia, sendo, de entre os maiores, Santa
Clara-a-Velha, hoje o maior stio arqueolgico medie-
val europeu. Registe-se que, a maior parte das vezes,
as intervenes arqueolgicas constituem um dado
essencial para o prosseguimento e elaborao dos
projectos de restauro e conservao de monumentos,
podendo determinar, inclusivamente, o partido pro-
jectual adoptado (o caso, por exemplo, da FRESS, que
viu o seu projecto totalmente remodelado em funo
do potencial arqueolgico descoberto).
Hoje em dia, alis, prevalece entre os arquelogos da
arqueologia dita monumental uma estratgia de tra-
balho, de leitura e de registo que amplifica o conceito
11
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
3. Edgar-Pierre Jacobs, Les Aventures de Blake & Mortimer, Le Pige Diabolique Editions Blake et Mortimer
-
de arqueologia de modo a estend-lo arquitectura
propriamente dita ou, melhor dizendo, arqui-
tectnica. o caso da aplicao dos mtodos de
arqueologia da arquitectura que constitui, hoje ainda,
uma espcie de especialidade confinada aos monu-
mentos medievais, mas que tende a ampliar-se para
contextos mais antigos, como o perodo romano e
mesmo anteriores a este, abrangendo j a pr-histria
recente monumentalizada (Idade do Ferro, Idade do
Bronze, Calcoltico, Megalitismo).
Mas evidente que a valorizao dos stios arqueol-
gicos se prende, essencialmente, com aquilo a que
poderemos chamar stios arqueolgicos clssicos e
que, mal ou bem, se definem pela sua expresso arqui-
tectnica de runa. Uma runa posta a descoberto,
revelada, atravs do mtodo arqueolgico. No pro-
priamente residual como a runa correntemente
associada ao ideal romntico, tardo-romntico ou
revivalista da runa artstica e aurtica mas antes
a runa escondida, desvendada pela escavao.
Naturalmente que se alinham no contexto portugus
vrias tipologias de runas ou de stios arqueolgicos
mais ou menos reconhecveis arquitectonicamente.
Por exemplo:
a) a runa do perodo romano, de uma uilla, de um
vicus ou de uma cidade (Torre de Palma ou Mirbriga,
por exemplo);
b) a runa de um Castro da Idade do Ferro (como por
exemplo a Citnia de Santa Luzia);
c) as runas de arquitecturas castrejas da pr-his-
tria recente ou de paisagens ritualizadas e monu-
mentalizadas do calcoltico ou do neoltico (como
sejam o caso do Castro calcoltico de Campo Maior,
do Zambujal ou de Vila Nova de So Pedro);
d) as runas (porque de runas se trata) de monu-
mentos funerrios da Idade do Bronze (como Atalaia,
em Ourique), calcolticos (como os da necrpole de
Alcalar) ou do neoltico tardio as antas ou dlmens,
reconhecveis nesse amplo e polimrfico contexto cul-
tural a que consensualmente se chama megalitismo.
So obviamente estas por serem as mais vulgares e
melhor reconhecidas patrimonialmente , as tipologias
que tm sido objecto de maior ateno por parte do IPPAR.
A escolha ou seleco dos stios no se faz, porm,
mediante uma grelha objectiva de anlise peridica ou
cultural diga-se em abono da verdade. Faz-se antes
por critrios de natureza patrimonial que levam em
linha de conta aspectos de preservao outrance
(nalguns casos) ou de gesto global. Assim, so objecto
preferencial de interveno os stios arqueolgicos que
apresentem:
Necessidades imperiosas de interveno de emer-
gncia de modo a assegurar o seu salvamento
(e que podem evoluir depois para um projecto de
valorizao).
Possibilidades de valorizao oferecidas pela
caracterstica do bem em causa (monumentalidade,
apresentao e evidenciao na paisagem, memria
muito activa entre as populaes).
Condies de valorizao por motivos de ordem
poltica, uma vez que o IPPAR deve acompanhar o
interesse de todos os outros agentes que se lhe
apresentem, e que tornam os stios aptos a serem
objecto de programas de trabalho desenvolvidos e
consistentes (propostas, que nascem, a mais das vezes,
das autarquias).
Janelas de oportunidade que decorrem da
existncia de condies momentneas (quase sem-
pre irrepetveis) para se produzir um programa de valo-
rizao como sejam, possibilidades de financiamento,
conjunturas de condio de titularidade favorveis,
imperiosidade por motivos de interesse pblico dada
a relevncia do bem, colocao do bem venda, etc.).
Em suma, no h que procurar uma espcie de objec-
tividade tcnica o que constituir sempre um argu-
mento arriscado, porque quase irracional para fun-
damentar esta ou aquela interveno de valorizao
em arqueologia, mas antes sim uma subjectividade
produtiva e dinmica que pode at resultar da
convergncia dos factores discriminados mais acima:
a escolha sempre poltico-cultural.
A nica objectividade possvel e que temos
perseguido decorre, essa sim, da necessidade em
equilibrar em termos regionais o investimento.
Na valorizao dos stios arqueolgicos a distribui-
o dos stios intervencionados pelo IPPAR faz eco, tanto
quanto possvel, de uma conjuntura de alargamento
territorial das intervenes e da sua desconcentrao.
12
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
3.4. Filosofias de interveno
As filosofias de interveno so sempre melhor
explicitadas atravs de exemplos concretos. Mas, em
termos gerais, as intervenes de valorizao dos stios
arqueolgicos por parte do IPPAR obedecem aos seguin-
tes princpios, quase sempre por esta ordem de prio-
ridades, embora nem sempre necessariamente:
a) Preservao, conservao e restauro;
b) Pesquisa arqueolgica, efectuada em regime de
continuidade, sem esgotamento do potencial se for
caso disso, mantendo-se reservadas reas sem pros-
peco por escavao);
c) Oferta fruio pblica, asseguradas que foram
as etapas anteriores;
d) Constituio de bases para acolhimento do
pblico;
e) Insero dos stios arqueolgicos na ordem econ-
mica contempornea como recurso cultural (turismo).
Para se conseguirem estes desiderata, o IPPAR procede
a aces como as que se descreveram, uma grande
parte das quais preparada antes de qualquer traba-
lho de valorizao propriamente dito (por exemplo, a
aquisio precede a valorizao, o mesmo acontecendo
com o fomento da investigao, a consolidao das
condies de titularidade, a eventual contratualizao
que tais condies podem acarretar). Desenvolve depois
programas individuais e autnomos em que cada caso
um caso.
Todavia, percebe-se uma linha geral, j firmada, no
que respeita valorizao dos stios, consoante a sua
graduao em termos monumentais e em importn-
cia cientfica cultural, comunicacional e informativa
(e formativa):
Proteco das estruturas;
Salvaguarda do esplio;
Tratamento do esplio;
Estudo do esplio;
Restauro das estruturas;
Recomposio cientfica, por anastilose ou outros
mtodos, das estruturas para assegurar a sua leitura
e entendimento;
Arranjo paisagstico das estruturas visitveis;
Vedao, em termos qualificados das estruturas;
Construo de:
casas ou facilidades de guardaria permanente;
observatrios simples;
observatrios de paisagem;
centros explicativos e de acolhimento;
centros interpretativos;
museus de stio.
Esta graduao reflecte a faceta multimodal das
intervenes.
A guardaria parece ser, para uma grande parte dos
exemplos, uma condio sine qua non para a preser-
vao do stio. De facto, somente atravs de uma
presena que tutele em permanncia estruturas e
contextos por essncia vulnerveis que a disponibli-
zao pblica desses bens pode ser assegurada. Falta,
porm, dar um salto qualitativo nesta rea, e que se
prende, quase que exclusivamente, com a formao
profissional da guardaria a que preferimos chamar
recepcionistas , o que no tem sido facilitado pelas
conjunturas de emprego, pese embora a explorao
exaustiva, por parte do IPPAR , de programas sediados
no Instituto de Emprego e Formao Profissional ou
no Fundo Social Europeu.
A existncia de observatrios permite estabelecer com
o stio arqueolgico uma relao contextual, quer de
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I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
4. Ted Benoit/Van Hamme(daprs Edgar-Pierre Jacobs)Les Aventures de Blake & Mortimer, LAffaire FrancisBlake Editions Blake et Mortimer
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dentro para fora (ou seja, para observao e escrut-
nio da paisagem circundante, em si mesma contextual
apesar de alterada como se pensa fazer em Vila Nova
de So Pedro), quer de fora para dentro (para leitura
e interpretao do stio arqueolgico-ele-mesmo o
caso da torre helicoidal de Campo Maior, por exem-
plo). Trata-se de uma opo de maior leveza arqui-
tectnica mas que no deixa de ter os seus desafios,
precisamente por isso , mas que conceptualmente
mais pesada nos termos em que um observatrio de
paisagem obriga necessariamente ao cruzamento de
diversas disciplinas aparentemente extrapatrimoniais,
que conduzem explicao global do stio, tais como
a antropologia, a biologia, a ecologia ambiental, etc.
A instalao de centros explicativos e de acolhi-
mento impe-se sempre que existam preexistncias
que possam acolher um conjunto de material infor-
mativo, que capacite o visitante a perceber o lugar e
as sucessivas fases de transformao por que passou
(como o caso de Panias), encaminhando-o. Note-se
que a maior parte das vezes os centros explicativos e
de acolhimento so constitudos por adaptaes de
pequenas casas de arquitectura vernacular j existente
que assim se preservam ou de casas ou endereos
que constituam parte integrante de um tecido urbano
consolidado, ajudando, inclusivamente, sua salva-
guarda e sua fruio, uma vez que atrai e fixa
pblicos, no apenas em funo do monumento ou
stio nuclear, mas tambm em funo do territrio
habitado circundante, animando-o.
A construo de centros interpretativos acumula as
caractersticas dos centros explicativos com a possibi-
lidade, amplificada, de melhor interagirem com os
visitantes: explica, procede a (ou oferece) uma inter-
pretao, mas tambm regula e disciplina os fluxos de
visita, associando-se-lhe uma componente cientfica
uma vez que estes centros se encontram dotados de
gabinetes de trabalho, de centro de documentao e
de reservas. Trata-se quase sempre de obra nova de
raiz (o caso de Mirbriga, Milreu, Alcalar, So Cucufate)
ou de adaptaes de edifcios antigos (o caso de
So Cucufate-villa ou do Escoural-gruta e do Freixo).
A escala das intervenes substancialmente maior,
e a sua responsabilidade tambm, uma vez que implica
uma estrutura de gesto mais forte, com uma capa-
cidade continuada de trabalho, gerando, por isso, a
instituio de servios dependentes (eis os casos de
Tarouca, Mirbriga, Freixo do Marco [Tongobriga] e,
presumivelmente, outros lugares).
Os museus de stio, de que se possui apenas, por
enquanto, o exemplo de Conmbriga (gerido pelo IPM)
constitui obviamente uma mais-valia, mais-valia esta
que tem vindo a ser recentemente ultrapassada pela
maior flexibilidade dos modelos anteriormente descri-
tos mas que se impe em circunstncias de grande
monumentalidade, como ser o caso de Santa Clara-
-a-Velha.
Concluso
Esta passagem em revista da poltica patrimonial rela-
tiva aos monumentos e stios arqueolgicos do IPPAR
na sua componente interpretativa no se cingiu, natu-
ralmente, arqueologia ou aos seus avatares.
Efectivamente, porque a circunstncia do patrimnio
imvel transversal e no exclusora, especialmente
quando se afirma com cada vez maior nfase a
interdisciplinaridade das aces naquele domnio.
Claro est que so as intervenes em stios (prefe-
riria chamar-lhes lugares) arqueolgicos que se
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C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
5. Franois Schuitten/BenoitPeeters Editions Casterman
-
1 As experincia de passagem atravs de lugares qualificados ou considerados mgicos constitui um leitmotif da literatura antiga e contem-
pornea, podendo alinhar-se, para os tempos mais recentes e num elenco forosamente restrito, autores como Jlio Verne, Jorge Luis Borges,
Bloy Casares ou Italo Calvino, mas tambm, no domnio do ensasmo, Walter Benjamin (esta lista , em rigor, inesgotvel e estende-se, claro
est, ao cinema, assumindo papel de relevo filmes como A Zona, de Andrei Tarkovsky; em rigor bem possvel estabelecer uma espcie de topo-
grafia sobre os lugares de passagem no imaginrio ocidental, no fosse a tarefa considerada eventualmente pueril). Naturalmente, merece
uma chamada de ateno toda a literatura de banda desenhada, ficcionada e com referentes literrios e visuais muito recortados, como seja a
obra do tandem Luc Schuiten/Benoit Peeters com o ciclo As Cidades Obscuras (vide tambm www. urbicande @ be). A se teorizam os luga-
res de passagem; e a se colocam ao servio da fico e da esttica (vide ainda Schuiten/Peeters, Le Guide des Cits, Paris, 1999).2 Neste domnio, veja-se a obra de Anthony Vidler, The Architectural Uncanny, MIT, 1996, que descreve com a clareza possvel esta categoria esttica,
que se encontra aquem da ordem do sublime, mas que dele se aproxima para logo se afastar atendendo estranheza dos fenmenos ou das coisas
observadas. O que estar em causa no a beleza mas antes a percepo de uma fundura psquica latente em determinados objectos que fogem
a uma definio mais estvel do ponto de vista axiolgico, para se revelarem na sua fundura psicolgica (seno mesmo psicanaltica).3 Sobre a aura dos monumentos vide a obra clssica de Franoise Choay, Lallgorie du patrimoine, Paris, 2. ed., 1997; tambm Paulo Pereira,
(Re)trabalhar o passado, in Arquitectura. Portugal, Frankfurt (catlogo da exposio); Cidade como Patrimnio, in A Cidade Portuguesa
(dir. Walter Rossa), Crculo de Leitores (em preparao).4 Vide a este respeito, e sobretudo em termos da definio das polticas de interveno do IPPAR, a obra Intervenes no Patrimnio. Balano e
Perspectivas, 2000-2006, Lisboa, IPPAR, 2000.5 Uma verso mais sinttica deste texto aparece in op. cit.6 Adoptamos os conceitos correntes. Citando o n. 1 do art. 37. da Lei 13/85 obtm-se, no mbito do Regime especfico do patrimnio arqueo-
lgico (Captulo IV): Para os efeitos do presente diploma, entendem-se por trabalhos arqueolgicos todas as investigaes que tenham por
finalidade a descoberta de bens de carcter arqueolgico, no caso das investigaes implicarem uma escavao do solo ou uma explorao
sistemtica da sua superfcie, bem como no caso de se realizarem no leito ou no subsolo de guas interiores ou territoriais. Naturalmente que
esta definio dos trabalhos arqueolgicos e, concomitantemente, a noo de bens arqueolgicos em termos gerais, enquanto bens imveis
ou mveis no contende, pelo contrrio complementa, o Regime especfico dos bens imveis (Captulo II, no mbito do Subttulo I, Dos
bens materiais) contemplado no mesmo diploma. Esta filosofia foi igualmente adoptada na Proposta da Nova Lei de Bases do Patrimnio Cultural.7 A Conveno de Londres, revista em La Valetta, subordinada ao tema A Proteco do Patrimnio Arqueolgico, Conselho da Europa, 16 de
Janeiro de 1992, ao discriminar o que patrimnio arqueolgico, parte de um pressuposto (na nossa opinio) inverso ao da actual proposta de
Decreto-Lei, visando integrar e incluir (e no desintegrar e excluir) os bens arqueolgicos face a outras tipologias de bens culturais. Leia-se o
n. 2 do art. 1: A cette fin, sont considers comme lements du patrimoine archologique tous les vestiges, et bien autres traces dexistence
de lhumanit dans le pass, dont la fois: / i. la sauvegarde et ltude permettent de retracer le dveloppement de lhistoire de lhumanit et
la rlation avec lenvironnement naturel; / ii. Les principaux moyens dinformation sont constitus par des fouilles ou des dcouvertes ainsi que
par dautres mthodes de recherche concernant lhumanit et son environnement; / iii. Limplantation se situe dans tout espace relevant de la
jurisdiction des Parties. Leia-se, ainda, o n. 3 do mesmo artigo, que precisa o alcance do que acima se expende: Sont inclus dans le patri-
moine archologique les structures, constructions, ensembles architecturaux, sites amnags, tmoins mobiliers, monuments dautre nature, ainsi
que leur contexte, quils soient situs dans le sol ou sous les eaux. O carcter deste artigo , repetimo-lo, inclusivo e no exclusivo, uma vez
que o que importa salvaguardar a informao arqueolgica, assim como os bens arqueolgicos, independentemente da sua natureza fsica.
Ou seja, o patrimnio arqueolgico integra categorias mais vastas de bens culturais imveis e mveis, mas no exclui uns em termos de gesto,
em benefcio dos outros, no os entende desintegradamente do contexto em que vm luz. Isto no impede que desde 1992 at hoje,
passados mais de sete anos, outros critrios de avaliao patrimonial no tenham feito o seu prprio caminho, obrigando a uma reflexo crtica
sobre os dispositivos instalados pela Conveno de Londres/La Valetta, mormente o que diz respeito s paisagens culturais e extenso ambien-
tal, ou distino artificial entre patrimnio corrente e patrimnio arqueolgico, como se este fosse, apenas, aquele que se encontra cota 0;
hoje em dia, os mtodos de arqueologia da arquitectura fundem o contexto enterrado com o contexto revelado, puramente arquitectnico,
15
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
recortam com maior nitidez neste contexto, contexto
em que fazemos a interpretao depender do res-
gate das coisas e do resgate do tempo.
Concebemos cada monumento e cada stio como um
lugar de passagem entre dimenses. E acreditamos
na capacidade regeneradora do patrimnio, pelo que
as intervenes no se esgotam em aces pontuais ou
na resoluo estreita de um problema. Pelo contr-
rio, a interveno no patrimnio implica sempre uma
projeco do futuro, uma perspectiva de gesto global
(antes, durante, e depois dos trabalhos de recuperao).
Motiva, ainda, uma interpretao permanente, que
dinmica em si mesma, e que nos coloca a todos em
contacto com aquilo a que costumamos chamar a
quarta dimenso do patrimnio. essa, obviamente,
a passagem mais importante: a passagem de um
mundo tridimensional e reconhecvel, relativamente
codificado e fsico, para esse outro mundo, feito de
memria, e conhecimento, muitas vezes imaterial e incor-
preo, o da cultura, simbolizado pela aura do lugar.
-
o que vlido no apenas para a arqueologia do perodo moderno e medieval, mas tambm para a arqueologia da pr-histria recente. Ignorar
este facto insistir num entendimento, a nosso ver, redutor da arqueologia. Refira-se ainda que a noo de patrimnio arqueolgico no
recobre a noo de bens imveis: sendo realidades distintas, encontram-se porm intimamente interligadas.8 Discordamos claramente da afirmao de carcter corporativo mesmo que involuntria que se detecta por detrs desse novo (e, a nosso
ver, inslito) conceito, segundo o qual tudo arqueologia o que no limite verdade, como tudo o que existe feito pelo homem ,
tambm, antropologia. O que h que distinguir a natureza fsica do bem e no o seu mtodo de percepo cientfica, sempre dependente
de contributos interdisciplinares. E se assim para o entendimento puramente cientfico do bem arqueolgico, ainda o mais quando o que
est em causa condio patrimonial (e cultural) do bem no propriamente reduzida sua dimenso de objecto puro de aplicao de uma
putativa cientificidade tendente para a exactido , o que tambm pode muito legitimamente ser posto em causa, sobretudo para a arqueolo-
gia, que colocamos decididamente no mbito das cincias humanas e sociais e for a da esfera das cincias aplicadas ou da natureza, con-
tendo dados presumivelmente mensurveis. As tendncias ps-estruturalistas no mbito da arqueologia e a prpria arqueologia ps-processual
e os seus praticantes e crticos (Shanks, Tilley, Sherratt, Thomas) para no falar da escolas, ainda frgeis certo, como as da, algo radical,
arqueologia terica reconduzem a disciplina a horizontes bastante mais profcuos do que aqueles que decorrem de pretensas objectividades,
objectividades que no so seno formas inteligentemente disfaradas de neopositivismo. Acresce, ainda, a deformao que decorre de vises
estritas como as da existncia, nunca confessada, de especialidades dentro da prpria disciplina, que distingue arquelogos pr-historiadores
e os arquelogos historiadores, o que alimenta a falha ou o fosso entre tipologias patrimoniais com processamento arqueolgico.
16
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
Lorsquun monument connat un projet de r-usage,
il peut devenir un acteur contemporain de la mmoire
en devenir, le monument prenant alors tout son sens
partir du moment o lusage le rend quotidien et
accessible.
Trois rflexions guident mon travail sur le terrain: celle
dAndr CHASTEL invite relier luvre au lieu,
larchitecture au site, le site lespace du vivant; celle
de Pierre NORA enracine la mmoire dans le concret,
dans lespace, le geste, limage et lobjet; celle de Paul
VIRILIO commande de penser le pass partir du
futur.
Trois questions se posent alors:
1. La question du REMPLOI dun difice devenu
Monument Historique, en se gardant de deux
extrmes (mortels sils sont exclusifs): la stricte
conservation (embaumement, sans valeur dusage),
la vulgarisation (forme de cannibalisme virtuel et
collectif). Cette question est la premire parce
quelle subordonne la protection et la sauvegarde du
monument.
2. La question dun NOUVEL USAGE pour redonner du
sens l o la fonction dorigine ne peut plus tre
reproduite.
3. La question de lEXPRIENCE ESTHTIQUE, savoir
organiser les conditions du parcours initiatique.
Informer, tmoigner et former pour donner voir
17
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
Mmoire et nouvel usage: du monument au projet Richard Edwards
Autor, realizador e editor de projectos culturais no domnio do patrimnio e do ordenamento do territrio
Avertissement:
Conseiller culturel, concepteur, matre duvre, spcialis dans lusage contemporain du patrimoine bti
et non bti, en milieu rural et urbain, jinterviens, en France et en Europe, auprs des matres douvrage,
pour dabord poser la question du projet: quel avenir choisir, comment et pourquoi. Ni architecte,
ni urbaniste, historien ou ingnieur, jexerce en structure prive, au service des lus, tat et collectivits
territoriales, un mtier nouveau, la jonction de plusieurs mutations, qui enrichit les missions des
conservateurs, des architectes, des historiens Jy suis venu en ayant eu, pendant sept ans (1983-1990),
la direction de la Fondation Claude-Nicolas Ledoux dans lancienne Saline Royale dArc-et-Senans1, o jai
men une rflexion particulire sur le nouvel usage des monuments, influenc autant par le trait de
C.-N. Ledoux: LArchitecture considre sous le rapport de lArt, des Murs et de la Lgislation, paru en
1804, que par cette immense architecture. Ma dmarche de passeur et de praticien se nourrit de
rencontres, de recherches et dtudes2; elle privilgie le regard et lcoute, en choisissant de tenter
dinventer la suite.
1. Vue arienne de la SalineRoyale dArc-et-Senans Georges Fessy
-
et vivre: la valeur pratique dusage correspond
la valeur esthtique de nouveaut3.
Aller du Monument au Projet: dabord traiter le
monument, le monument historique, avec la mmoire;
ensuite concevoir le projet, en inventant la suite.
I. La Mmoire: le monument
et le monument historique
Il y a deux choses dans un monument,
son usage et sa beaut.
Son usage appartient au propritaire,
sa beaut appartient tout le monde.
Victor Hugo
Avant le monument historique existe le monument4:
un difice en rapport avec la mmoire et le temps
vcu; selon Riegl par monument, au sens le plus
ancien et vritablement originel du terme, on entend
une uvre cre de la main de lhomme et difie
dans le but prcis de conserver toujours prsent et
vivant dans la conscience des gnrations futures, le
souvenir de telle action ou telle destine (ou des
combinaisons de lune et de lautre).
Cette rfrence au souvenir, la mmoire, est devenue
aujourdhui moins vidente alors mme que sa
ncessit est plus grande car on tend lui prfrer la
valeur esthtique (la valeur dart), valeur relative,
moderne, qui peut lui faire perdre la valeur de
remmoration du monument au profit dune valeur
actuelle dconnecte du concept de monument.
Comment sengager dans un monument atypique
comme lancienne Saline Royale, btiment industriel
du XVIIIme sicle, install dans une campagne, saline
sans sa mine de sel, architecture unique: on navait
pas dexemple opposer, point de comparaison
donner nous dit Ledoux (1736-1806) dans son
trait5. Cette usine semblait ne plus pouvoir tre
autre chose quun monument intentionnel pour sa
valeur de commmoration, selon lanalyse quen fait
Riegl dans le culte moderne des monuments, ou
mme, poursuit lauteur, un monument ancien
cration de lhomme ayant subi l preuve du
temps . Ou ne garderait-on quune rfrence
sublime (ce sublime qui conduit lmotion, selon
les termes dEmmanuel Kant dans Observations sur
le sentiment du beau et du sublime paru en 1764:
Le sublime meut, le beau charme, lme se sent
mue la reprsentation du sublime dans la nature,
alors que le jugement esthtique sur le beau lui
donne le calme de la contemplation), rfrence
rserve quelques privilgis, tant les vicissitudes
lavaient marque: usine dchue, ainsi que son
architecte, architecture abandonne, foudroye,
dynamite, jusqu faire tenir ce propos Julien
Green dans son carnet de voyages en 1922: Une
des merveilles de la France va bientt devenir un
nom dans un livre darchitecture et peut-tre un
lieu-dit sur une carte.
Et le Convento de Nossa Senhora da Saudao,
couvent de la Salutation (dbut XVIme sicle), log dans
le chteau de Montemor-o-Novo (XIIme sicle)6 allait-il
rester une curiosit dominant la ville et attirant le
touriste, dans une rgion en pleine expression, alors
que lquipe de crateurs mise en place offre de faire
vivre, laune de lEurope, ce monument endormi?
Et le Domaine de Randan7, ancienne proprit
(XIXme sicle) dAdlade, sur de Louis-Philippe
(Roi des Franais de 1830 1848), uvre majeure de
Pierre-Franois Lonard Fontaine (1762-1853)8, allait-il
rester comme une ruine, un domaine labandon,
alors quil offre dtre lincroyable sige de lexpression
de la naissance de la modernit en Europe?
Ces difices taient-ils, sont-ils rests Monuments,
Monuments Historiques?
La lecture de louvrage dAlos Riegl (1806-1905) est
dun apport capital dans cette relation qui nous occupe
entre mmoire et projet et que Franoise Choay a
remise jour: on ne peut se pencher sur le miroir du
patrimoine ni interprter les images quil nous renvoie
prsent sans chercher, au pralable, comprendre
comment la grande surface lisse de ce miroir a t
peu peu constitue par laddition et la fusion de
fragments dabord appels antiquits, puis monuments
historiques9.
Pour Riegl, le monument est une cration dlibre
(gewollte) dont la destination a t assume a priori et
demble, alors que le monument historique nest pas
immdiatement voulu (ungewollte) et cr comme tel:
il est constitu a posteriori par les regards convergents
18
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
de lhistorien et de lamateur qui le slectionnent
dans la masse des difices existants. Franoise Choay
renforce ce propos quand elle crit: un difice ne
devient historique qu la condition dtre peru
comme appartenant la fois deux mondes, lun
prsent et immdiatement donn, lautre pass et
inappropriable ( noter quau Moyen-ge, les
crations de lAntiquit ne jouent pas le rle de
monument historique: lhomme du Moyen-ge en
prend possession sans en prendre ncessairement
connaissance, car, comme Philippe Aris la montr,
leur pass nest jamais considr comme mort).
Les gens daujourdhui ont-ils prendre connaissance
du pass du monument historique dans lequel ils sont
de passage? Doit-on leur faire adopter un statut
dhabitant, mme provisoire pour les impliquer, sils
doivent ltre? Et comment, dans le mme temps rester
en distance par rapport celui-ci?
Passer du monument son nouvel usage, cest passer
du monument au projet, cest permettre, par un
nouvel usage dans un monument devenu historique,
dinscrire la mmoire dans laction contemporaine.
II. Du monument au projet
Le monde de lart nest pas celui de limmortalit,
cest celui de la mtamorphose.
Andr Malraux
Sengager dans une tel le dmarche, passer du
monument au projet, cest chercher conjuguer
linappropriable et le disponible: lINAPPROPRIABLE le
pass reprsent par ldifice qui est l aujourdhui, ou
ce quil en reste et le DISPONIBLE le nouvel usage qui
peut en tre fait, l o la reprise de lusage dorigine
nest pas possible ou envisageable.
Quatre exigences structurent un projet conu et mis en
uvre dans un monument:
1. Le projet se conoit partir du monument, du
monument historique.
2. Le pass du monument fait partie du projet: il doit
tre signifi et reprsent.
3. Lamnagement (les investissements) qui sert le
projet nocculte pas ldifice, il sen nourrit.
4. Toute intervention dans le monument doit garder un
caractre de rversibilit.
Pierre Nora crit: la mmoire saccroche des lieux
comme lhistoire des vnements10. Le projet se
conoit partir du monument, contrairement un
porteur de projet qui le fonde sur sa propre dmarche;
son projet pourra se dplacer, tre dplac selon les
rencontres, les opportunits (celles des institutions, des
publics, des volonts, etc). Ici nous interrogeons
dabord ldifice: quel est-il? que raconte-t-il? Son
histoire fixera une part majeure, pralable, des
conditions du projet, histoire signifiante qui devra tre
signifie. Concrtement, cette ncessit entrane une
rflexion sur les limites de lintervention, pose la
question du choix dimiter, dinventer, de reproduire,
de reprsenter
Beaucoup de monuments restent figs car ils sont
considrs comme objets de culte valeur de relique:
la valeur dorigine. Cela peut se concevoir peut-tre
pour un monument rig spcifiquement pour se
souvenir (Arc de Triomphe), mais pas pour un difice
pour lequel le pass acquiert une valeur de
contemporanit au regard de la vie et de la cration
moderne nous dit encore Riegl. Cest rellement aprs
la seconde guerre mondiale, quen Europe se pose ce
quon appellera la rhabilitation des monuments
historiques; La Charte dAthnes, en 1931, fait tat de
propositions, mais cest la convention culturelle
europenne du Conseil de lEurope, en 1954, qui fait
entrer cette question dans la responsabilit des tats
membres: restaurer, pour quoi faire, au-del des
mesures ncessaires la sauvegarde et la protection,
au-del de la conservation.
Lengagement culturel viendra plus tard, la fin des
annes 60, en mme temps que va se poser la
question de la dmocratisation11 de la culture. Il faut
souligner que, ni le Trait de Rome, en 1957, ni le
Trait de Maastricht, en 1992, ne dveloppent
dambitions sur ce terrain l.
Cet engagement pour la remise en vie des
monuments se fera dabord sous la forme de muses:
il faut montrer, exposer ce qui a t et justifier les
travaux de conservation et de restauration entrepris par
ceux quon appelle justement les conservateurs et les
architectes des monuments historiques. Pour les
collectivits publiques, plus que pour lEtat, louverture
aux publics est une manire de prouver le bien fond
19
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
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de lengagement maintenir et sauvegarder ce
patrimoine bti; nous sommes loin de la dmarche de
projet mais cest pourtant comme cela quon en parle.
Le dbat de la fin du XIXme sicle et du dbut du XXme si-
cle, tellement bien repr grce aux oppositions qui
saffirment avec John Ruskin (1819-1900) dune part,
pour lcole anglaise, et Eugne-Emmanuel Viollet-le-
Duc (1814-1879) dautre part, pour lcole franaise,
dbat pour savoir sil faut restaurer ou (et) conserver
(dbat arbitr par litalien Camillo Boito (1814-1914)
dans un dialogue clbre12) va progressivement se
dplacer vers celui de sauvegarder ou (et) animer.
Ce dbat est dautant moins clos aujourdhui que lon
assiste un dplacement des fonctions des profes-
sionnels concerns: tel conservateur ne souhaite-t-il
pas sengager dans une dmarche de projet con-
temporain, tel architecte en chef des monuments
historiques ne cherchera-t-il pas engager des travaux
destins servir une action contemporaine? Les
propritaires ne cherchent-ils pas, en leur qualit de
propritaires de monuments vouloir des projets
directement utilisables in situ, au profit de projets plus
exactement touristiques?
Mais i l reste que ces ruti l isations ne sont pas
considres, dans bien des cas, comme suffisantes.
Comment donner une nouvelle valeur dusage qui
puisse tre perue comme cohrente avec la valeur
historique? Comment faire du monument historique
non plus une finalit, mais lobjectif ou le moyen dun
projet directement agissant aujourdhui?
Pour lancienne Saline dArc-et-Senans, chacun stait
employ vouloir remplir des btiments vides, selon
des opportunits immdiates: haras, silos grains,
foyer rural, caserne, entrept, rsidences secondaires.
Ni chteau fort, ni abbaye, ni rsidence de prince, donc
au fond, sans mmoire obligatoire, lancienne usine
navait dautre dignit que son architecture dite monu-
mentale. Rien ne permettait de parler de projet.
Pour lancien domaine de Randan, rien de plus simple
que de se dire que 100 hectares de proprit
pourraient faire un lieu touristique facile, avec de la
fort parcourir (et aprs tout quimporte quelle ait
fait lobjet dune savante composition) et un village
du cheval (sic) install l puisque des chevaux, il y en a
dans la rgion: le marketing au dtriment dune offre
nourrie de mmoire: faire de largent le plus rapi-
dement possible!
La fin des annes 60 et les annes 70 ont vu spanouir
ce qui tait considr comme un excellent moyen
danimation des monuments: les sons et lumires, avec
ou sans reconstitution historique, de prfrence en
priode touristique, mettant nu des lieux et des
btiments dont on sait que, lorsquon les a construits,
tout ntait pas fait pour tre montr; lon tend
ramener le monument historique au monument, cest
dire un objet commmoratif.
Depuis, ce triste privilge perdure, samplifie: les
monuments ne sont plus quun prtexte denjeux
financiers, colors culturels: coller la demande
prdomine, nous retrouvons les lois du march: cest
ainsi que lon peut parler de tourisme culturel,
manag ou conu par les ingnieurs culturels que
lon laisse occuper le terrain, tant est forte labsence de
rflexion des politiques et des responsables dans ce
domaine, tant est flagrant le manque de professionnels
de la culture pour concevoir et conduire des projets
chappant ces bourrasques. La mondialisation, la
perte de repres, les inquitudes, ne sont sans doute
pas trangers cet activisme culturo-patrimonial.
Il nous semble donc que la mise en uvre dun projet
contemporain doit tre engage dans et partir du
monument considr: nous appelons cela le choix du
Bernard lermite13. A cela sajoute la dure, comme
existe la dure de lhistoire du monument, comme doit
exister la dure du projet culturel.
Partir du monument, cest sinterroger sur le pourquoi
de la cration de ldifice, sur le comment de sa
construction. Quels effets y a-t-il eu du temps de son
fonctionnement, effets directs, indirects, induits,
pervers? pourquoi, quand la ou les fonctions
premires ont-elles disparues? comment cela sest-il
modifi, sous quelles influences? Il ne sagit cependant
pas de rechercher les causes originelles qui pourraient
reproduire aujourdhui les mmes effets, mais de
reprer les conditions dune remise en vie qui pro-
duiraient des effets semblables.
Se dispenser de ces pralables, de cet tat des lieux,
cest aller au devant de difficults de cohrences entre
le monument et le projet, lorsque se poseront les
questions doccupation des lieux, damnagements,
20
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
-
dorganisation des espaces et de transformation
du bti.
tre en mesure de sortir de la stricte contrainte
conservatrice dun monument devient, particuli-
rement aujourdhui, un atout du devenir du
monument, par le projet. En effet, la manie con-
servatrice cette mortelle vitrinification du muse []
ne se dveloppe quau moment o une civilisation
devient consciente de son impuissance inventer le
prsent prcise Pierre Ryckmans (dans Su Rensham, 1970).
Nous assistons, aujourdhui, la gnralisation de ce
phnomne de vitrinification14 dans les centres villes
en Europe quelle soit occidentale, centrale ou orien-
tale: le centre-ville se vide au profit de faades, de
btiments et de monuments restaurs: le cur de ville
disparat et se dplace dans les centres commerciaux
en bordure des villes15.
Cet tat des lieux, cet tat des incertitudes nous
permet denvisager avec ouverture cet usage
contemporain, ce nouvel usage dont parle Franoise
Choay, usage que le premier inspecteur franais des
monuments historiques rejette violemment: lusage
est un genre de vandalisme lent, insensible, inaperu,
qui ruine et dtriore autant quune brutale
dvastation16. Le nouvel usage, plutt que de craindre
lusure, revient sinterroger sur quelle production de
sens engager, dans une poque o il est plus question
de chercher survivre individuellement, en restant
politiquement correct, face au virtuel, nouvelle
panace, nouvelle ralit, grande illusion lec-
trooptique et acoustique annonce Paul Virilio17, dans
un contexte o lon cherche obstinment et sans cesse
se rfrer La mmoire (mme Disney): on ne
parle tant de mmoire que parce quil ny en a plus
nous dit Pierre Nora. Ce nest pas tant quil ny en ait
plus, mais plutt que la mmoire est artificiellement
dconnecte de notre prsent et quon la regrette
plutt quon ne la vit, quon la met porte de main
pour se souvenir, do cette inflation de muses o
lon va regarder des objets la recherche de sa propre
histoire, de sa propre image. Le succs des co-
muses, des muses darts et traditions populaires, des
centres dinterprtation du patrimoine est, ce titre,
significatif. Andr Chastel et Jean-Pierre Babelon
lexpliquent ainsi: lobjet visuel dsaffect prend une
valeur de signe attachant [], la
ferme, latel ier, la boutique
dautrefois, deviennent mainte-
nant ce quavaient t, pour les
gnrations antrieures, lglise,
le site, le chteau18.
Ce retour aux sources, aux
origines, aux valeurs fondatrices,
sa propre identit passe, coupe du prsent, est
dangereux: les thses dveloppes par lextrme-
droite, les nationalistes, sur maintenant tous les
continents montrent combien cela conduit aux
ruptures, la fracture.
Mais la rupture a dj eu lieu, nous sommes entrs
dans le temps instantan, le live prcise Paul Virilio,
ce temps qui fait perdre la mesure de la distance et qui
provoque la perte de la mmoire (ce qui peut donner
toute facilit pour rcrire lhistoire), et dautre part
nous sommes aussi entrs dans une dmarche
substitutive, une mtamorphose, un changement de
forme. Cette mtamorphose se manifeste dans la prise
en compte du monument: si la protection nest plus
une exigence, son usage doit tre utile et le monument
devient un prtexte.
Ldifice parfaitement circonscrit se substitue au profit
du seul espace culturel reu ou prsent comme
nouvel espace vital: rel ier l uvre au l ieu,
larchitecture au site, le site lespace du vivant
nous dit pourtant Andr Chastel (Le Monde, 1974).
Substitution du vrai pour le faux et le faux vrai. Il ne
sagit pas ici de mettre en cause la dmarche de
Viollet-le-Duc, qui avec son travail de restauration du
chteau de Pierrefonds, en Picardie (nord de Paris)
par exemple, nous conduit plutt, force de vrit
cratrice vers un vrai faux magistral: restaurer un
difice, ce nest pas lentretenir, le rparer ou le refaire,
cest le rtablir dans un tat complet qui peut navoir
jamais exist un moment donn19. Alors de quel
faux sagit-il? Les Amricains sont de ceux qui le
matrisent avec talent, par ncessit sans doute, et
souvent jusqu lincohrence: construire un faux vrai
en Europe, en exportant des tats-Unis un produit
import et nourri de la culture europenne, un comble
que ce Disneyland Paris. Utopie dgnre selon
les termes du sociologue Louis Marin, quintessence de
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I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
2. Vue arrire du chteau de Randan Atlante/R. Edwards
-
lidologie de la consommation. Il est admis que tout
est faux mais doit tre pris pour vrai (loffre) afin de se
connecter lenvie de consommer du consommateur
(la demande) qui, elle, est vraie. Ainsi la boucle est
boucle: loffre est conforme la demande et la
rejoint; tel est le but.
Ainsi en est-il de Lascaux II par exemple, ou de la
Vnus de Milo au Palace of living arts de Buena park
prs de Los Angeles, dont la philosophie est: nous
vous donnons la reproduction pour que vous nayez
plus besoin de loriginal; Vnus de Milo porte la
vie comme elle ltait du temps o elle posa pour le
sculpteur inconnu, en Grce, peu prs deux cents
ans avant J.C. dit la lgende inscrite dans le cartel20;
et que dire du pavillon de Mies van der Rohe (1886-
1969) Barcelone, construit en 1929 pour lexposi-
tion universelle, dtruit ensuite, puis reconstruit
lidentique avec de nouveaux matriaux, au mme
endroit, plus dun demi-sicle aprs?
Si nous insistons sur ce dernier point liant le vrai et le
faux, cest quil nous semble que la mise en uvre
dun projet engageant le nouvel usage dans un
monument historique est un enjeu posant la question
du continuum entre le pass et le prsent. Engager le
monument historique vers un nouvel usage, cest faire
de la mmoire un moteur de la production de sens
et permettre au monument dtre un acteur con-
temporain de la mmoire en devenir. Pierre Nora,
nouveau: la mmoire est la vie, [], elle est en
volution permanente, [], susceptible de longues
latences et de soudaines ralisations, [], la mmoire
est un phnomne toujours actuel, un lien vcu au
prsent ternel []. La mmoire senracine dans le
concret, dans lespace, le geste, limage et lobjet.
Dans Eupalinos, Paul Valry (1871-1945) fait dire
Socrate: un temple, joint ses abords, ou bien
lintrieur de ce temple, forme pour nous une sorte de
grandeur complte dans laquelle nous vivons Nous
sommes, nous nous mouvons alors dans luvre de
lhomme21.
Le monument pour le monument noffre pas ici
dintrt: son architecture va compter autant dans sa
reprsentation que dans son bti lui-mme, la
reprsentation offerte, celle que chacun se fait, sont
porteuses de sens dans le projet en train de se faire,
de cette mmoire prospective. Cela peut devenir trs
sensible lorsquil faut intervenir dans une ville nouvelle,
de surcrot celle qui accueille Disneyland: quel est
le patrimoine porteur dune mmoire capable de
continuer devenir? Paul Delouvrier, grand am-
nageur, disait quune ville nexiste que lorsque son
cimetire entre en activit. Comment concevoir un
projet culturel, sans dabord avoir t? Disney a
rsolu le problme de la mmoire: il la fabrique
videmment partir de ce qui lintresse. Lorsquon
leur pose la question de labsence au gnrique du film
Le Bossu de Notre-Dame du nom de Victor Hugo,
la rponse vient sans dlai: combien cela rapporterait-il
de plus?
Quelque soit le projet engag et install dans un
monument historique, son pass sera signifi et
reprsent, pas de faon accessoire mais dans le projet
lui-mme. Sinscrire dans la dure, suppose pour le
projet et le projet culturel den porter, den transporter
la mmoire en permanence. Les raisons de la
transformation dun difice seront dautant mieux
comprises que lon pourra faire le lien entre difice et
projet. Il est donc utile de comprendre comment se
lient ou se rompent la valeur dusage originelle et la
nouvelle valeur dusage que lon a choisi de donner au
monument. Le risque est grand de faire du monument
un accessoire, utile et prestigieux sans doute, mais un
accessoire secondaire eu gard un objectif qui en est
dconnect. Il devient alors tentant et facile docculter
tout ou partie du lieu sil gne le projet que lon
veut mettre en place (Mac Donalds, Paradores,
Pousadas...). Comment traiter la signaltique, les
parkings, les circulations, les amnagements extrieurs
en lien avec la cit, lenvironnement, les activits
agricoles, commerciales ou industrielles
Il nous semble que la force dun projet contemporain
dans un monument historique est celle capable de
gnrer un nouvel difice conserv, reconnu et
rappropriable dans ses nouvelles fonctions par celles
et ceux qui le ctoient, loccupent, lutilisent ou le
visitent.
De monument, ldifice a pu devenir monument
historique parce quil a t choisi, regard: la mise
en avant, dlibre, de sa valeur dorigine fait sa
22
C A D E R N O I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S
3. Intrieur du clotre du couvent de Montemor-o-Novo
-
reconnaissance. Le projet culturel que lon y implante,
que lon y greffe dlibrment, apporte une nouvelle
valeur dusage qui supple celle de lorigine,
manquante, en intgrant, sans locculter, le pass,
signifi.
Ne pourrait-on supposer que la russite de la mise en
vie dun monument historique est celle qui permet
dacqurir, par le projet, une valeur contemporaine qui
deviendra indissociable de son support?
Et le monument, comme tel, rintgrant la mmoire,
cdera alors la place une nouvelle entit perue
consciemment ou inconsciemment par celles et ceux
qui en ont la responsabilit ou lusage, comme
constitutive de la mmoire venir.
Sous forme de conclusion
Cette analyse, ce manifeste, conduit un mode
demploi qui, aprs discussions avec les matres
douvrage, sert russir la remise en vie du patrimoine,
au service des habitants, dans un esprit servant le
dveloppement et lamnagement du territoire.
Si cet article na pas ici pour objet dexposer la
mthodologie de la dmarche retenue, on peut
cependant en prsenter ce qui la structure:
Etat des lieux
1. identifier et analyser les constituants et les diffrents
enjeux du projet partir, dune part, des tudes
existantes ou mener et dautre part, des entretiens
conduits auprs des partenaires, des experts et des
acteurs concerns
2. rvler la spcificit des diffrents monuments, sites,
de loffre culturelle, des initiatives locales, des donnes
et caractristiques historiques, socio-conomiques,
touristiques
3. associer les acteurs et partenaires engags
sur dautres projets et ralisations, en dautres lieux,
dont limpact sur le projet venir est prendre en
compte
4. analyser (situation et possibilit) les donnes
financires existantes
Conception et mise en oeuvre du projet
1. conception du projet, rencontres, dbats
2. mise en relation des porteurs du projet avec les
acteurs socio-conomiques, socio-culturels locaux;
constitution de comits techniques, vrification de la
faisabilit technique et financire du projet, actions de
sensibilisation
3. tablissement des moyens de mise en uvre du
projet: prfiguration, programmation, expri-
mentation
4. assistance auprs du matre douvrage dans la
ralisation du projet, constitution dun comit de
pilotage, concertation et validation des propositions
et des actions mises en uvre, communication
Suivi et valuation
Depuis dix ans que nous parcourons les villes et
les rgions22, cette remise en vie du patrimoine
que nous pratiquons, la demande de ltat ou des
collectivits territoriales, aura permis que le monument,
par un nouvel usage, rintgre la communaut des
vivants et participe fortement de lidentit dun
quartier, dun village, dune ville, dune rgion, en
mme temps que de son dveloppement, et de
lamnagement du territoire.
23
I N T E R P R E TA O D E M O N U M E N T O S E S T I O S C A D E R N O
1 La Saline Royale, construite de 1773 1778, se situe Arc-et-Senans dans le Doubs, en Franche-Comt, entre Dole, Besanon et Salins-les-Bains;
Monument historique, elle est inscrite sur la liste du Patrimoine mondial de lUNESCO depuis 1983.2 Mon travail dditeur, au sein des ditions de lImprimeur (maison que jai cre en 1994, spcialise en architecture, patrimoine, arts urbains,
jardins et paysages, design et arts graphiques), ainsi que celui de formateur nourrissent galement la dmarche prsente.3 Alos RIEGL, in Le culte moderne des monuments (Der modern Denkmallkultus, texte de 1903), introduction de Franoise CHOAY, Seuil, 1984. 4 Le monument sera entendu ici selon le sens qui lui est donn dans la charte internationale sur la conservation des monuments historiques, dite
Charte de Venise, Icomos, Venise 1966 et celui de la charte relative la sauvegarde des jardins historiques, dite Charte de Florence, Icomos,
Florence, 1982.5 Claude-Nicolas LEDOUX, in LArchitecture considre sous le rapport de lArt, des Murs et de la Lgislation, Paris, 1804.6 Le couvent et son chteau sont installs au dessus de la ville sus-nomme, entre Lisboa et vora, dans lAlentejo au Portugal; on parle ici de ce
monument parce que ltat et la municipalit ont propos Rui HORTA, chorgraphe, assist dEva NUNES, de sinstaller l: ce qui ne devait tre quun
lieu parmi dautres pour un projet dartistes est devenu, en lhabitant, un projet artistique nourri de lesprit du lieu. 7 Lancien Domaine royal de Randan, construit et amnag partir de 1831 sur le site dune ancienne proprit dorigine mdivale ( ltat de
traces), est situ entre Vichy et Clermont-Ferrand, en Auvergne.8 Pierre-Franois Lonard Fontaine est, entre autres, larchitecte de la rue de Rivoli, du Caroussel, Paris.
-
9 Franoise CHOAY, in Lallgori