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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA PARECER 1486/2017 RHC Nº 88.432/AP - 6ª TURMA (217/0209639-5) RECORRENTES: MANOEL MOURA FERREIRA RONALDO SILVA LIMA RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RELATOR: MINISTRO NEFI CORDEIRO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS, CONSUMADOS E TENTADOS, COMETIDOS POR BRASILEIROS NO EXTERIOR. PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE. ACORDO DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL ENTRE O BRASIL E A FRANÇA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CPP, ART. 88. DOMICÍLIO DE PRESOS. 1. Os recorrentes são acusados na ação penal originária (autos n.º 0004449- 23.2015.4.01.3100) de homicídios tentados (dezesseis vezes) e consumados (duas vezes), praticados na Guiana Francesa em face de agentes das Forças Armadas da Guiana Francesa e da Gendarmaria Nacional Francesa. 2. Mérito: Pleito de declaração de incompetência da Justiça Federal para apreciar o feito e, subsidiariamente, com o fim de que seja declarada a incompetência territorial da Seção Judiciária do Amapá para julgar o caso, com o consequente envio dos autos para a Subseção Judiciária de São Luiz/MA. Impossibilidade. 3. Quanto à aplicação da lei penal no espaço, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da territorialidade temperada, uma vez que se aplica a lei brasileira ao crime cometido no território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional. No entanto, em casos excepcionais, a lei brasileira poderá extrapolar os limites do território, alcançando crimes cometidos exclusivamente no estrangeiro, fenômeno da extraterritorialidade. A naturalidade brasileira dos paciente (sujeitos ativos) faz incidir exceção à regra da territorialidade (extraterritorialidade da lei penal), e implica a incidência da lei penal brasileira por extraterritorialidade condicionada, SAF Sul Qd. 4 – Lt. 3 – Bl. “B” – 5º Andar, Sala 513 – CEP: 70.050-900 – Brasília /DF – Tel: (61) 3105- 5240 Documento assinado via Token digitalmente por LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, em 04/12/2017 18:59. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 72457FC8.7D32E4E0.A7FD817E.F52A1721

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

PARECER 1486/2017RHC Nº 88.432/AP - 6ª TURMA (217/0209639-5)RECORRENTES: MANOEL MOURA FERREIRA RONALDO SILVA LIMARECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALRELATOR: MINISTRO NEFI CORDEIRO

RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS,CONSUMADOS E TENTADOS, COMETIDOSPOR BRASILEIROS NO EXTERIOR. PRINCÍPIODA EXTRATERRITORIALIDADE. ACORDO DECOOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIAPENAL ENTRE O BRASIL E A FRANÇA.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CPP, ART. 88.DOMICÍLIO DE PRESOS.1. Os recorrentes são acusados na ação penaloriginária (autos n.º 0004449-23.2015.4.01.3100) de homicídios tentados(dezesseis vezes) e consumados (duas vezes),praticados na Guiana Francesa em face deagentes das Forças Armadas da GuianaFrancesa e da Gendarmaria Nacional Francesa.2. Mérito: Pleito de declaração de incompetênciada Justiça Federal para apreciar o feito e,subsidiariamente, com o fim de que sejadeclarada a incompetência territorial da SeçãoJudiciária do Amapá para julgar o caso, com oconsequente envio dos autos para a SubseçãoJudiciária de São Luiz/MA. Impossibilidade.3. Quanto à aplicação da lei penal no espaço, oordenamento jurídico brasileiro adotou oprincípio da territorialidade temperada, uma vezque se aplica a lei brasileira ao crime cometidono território nacional, sem prejuízo deconvenções, tratados e regras de direitointernacional. No entanto, em casosexcepcionais, a lei brasileira poderá extrapolaros limites do território, alcançando crimescometidos exclusivamente no estrangeiro,fenômeno da extraterritorialidade. Anaturalidade brasileira dos paciente (sujeitosativos) faz incidir exceção à regra daterritorialidade (extraterritorialidade da leipenal), e implica a incidência da lei penalbrasileira por extraterritorialidade condicionada,

SAF Sul Qd. 4 – Lt. 3 – Bl. “B” – 5º Andar, Sala 513 – CEP: 70.050-900 – Brasília /DF – Tel: (61) 3105- 5240

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com fulcro no artigo 7º, inciso II, alínea b(princípio da nacionalidade ativa), do CódigoPenal. A extraterritorialidade condicionadaalcança os crimes trazidos pelo inciso II. Comovisto, nesses casos, faz-se necessário oconcurso com as condições previstas no §2º. Nocaso em tela, as condições previstas no §2ºforam implementadas, na medida em que osagentes entraram e foram detidos em territóriobrasileiro, o homicídio – crime que lhes éimputado – é punido também no paísestrangeiro, a natureza do delito não obsta aextradição e os agentes não foram penalmenteperseguidos no local onde cometeram o delito.4. O art. 1º, item 1, do Acordo de CooperaçãoJudiciária em Matéria Penal entre o Governo daRepública Federativa do Brasil e o Governo daRepública Francesa, promulgado pelo Decreton.º 3.324/1999, impõe a obrigação geral derepressão a quaisquer infrações penais decompetência do Estado requerente. Logo, há aobrigação de repressão, no âmbito do acordobilateral, isto é, quando houver pedido decooperação internacional, a todos os crimesprevistos nas leis nacionais das partes, a fim deevitar ressalvas, reservas ou escusascasuísticas. As exceções à cooperação estãoexpressamente previstas no próprio tratado,mas nenhuma delas se apresenta no caso emjulgamento.5. Precedente da 2ª CCR/MPF que, acolhendopedido de revisão do Secretário de CooperaçãoJurídica Internacional, declarou a competênciada Procuradoria da República do Amapá.6. Competência do domicílio dos recorrentes noBrasil à época do conhecimento dos fatos pelasautoridades brasileiras. Recorrentes presos noEstado do Amapá à época pela prática doscrimes previstos nos artigos 16 e 18 da Lei10826/2003.7. Parecer pelo desprovimento do recurso.

Exmo. Sr. Ministro Relator e demais integrantes da Turma,

I – Relatório

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com

pedido de liminar, interposto em favor de MANOEL MOURA

FERREIRA e RONALDO SILVA LIMA contra acórdão proferido pelo

Tribunal Regional Federal da 1ª Região no habeas corpus n.º

0023021-78.2016.4.01.0000/AP.

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Dos fatos

Consta dos autos, em breve síntese, que o Ministério

Público Federal ofereceu denúncia em face de MANOEL MOURA

FERREIRA e RONALDO SILVA LIMA, imputando-lhes a suposta prática dos

crimes previstos nos artigos 121, §2º, inciso IV e V, c.c. artigo 14, II, e artigo

62, inciso I, todos do Código Penal, por seis vezes; e artigo 121, §2º, inciso

IV e V, c.c. artigo 62, inciso I, todos do Código Penal, por 2 vezes na

modalidade consumada e 16 vezes na modalidade tentada.

Narra a denúncia que:

“(...) No dia 27 de junho de 2012, por volta das 9 h e55 min, na localidade de Dorlin, Município deMaripasoula, na Guiana Francesa (territórioultramarino da República Francesa), os denunciadosMANOEL e RONALDO, com vontade livre econsciente, tent aram matar Jacques HEIN, MichelJOLLY, Jean-Philippe GUILLET, Laurent CHAUVET,Vincent COROUGE, Ludovic ADEUX1, com desígniosautônomos em relação a cada uma das vítimas e emconcurso de agentes, sob a direção do denunciadoMANOEL, cometendo esses crimes em circunstânciade emboscada e de forma a dificultar a defesa dosofendidos e para assegurar a execução, a ocultação,a impunidade e a vantagem de outros crimes.

Mais tarde, no mesmo dia, por voltadas 13 h e 4 0 min , os denunciados, com vontade livree consciente, mat aram Stéphane MORALIA eSébastien PISSOT2, com desígnios autônomos emrelação a cada uma das vítimas e em concurso deagentes, sob a direção do denunciado MANOEL,cometendo esses crimes em circunstância deemboscada e de forma a dificultar a defesa dosofendidos e para assegurar a execução, a ocultação,a impunidade e a vantagem de outros crimes.

Nesse mesmo contexto de espaço e tempo,os denunciados tent aram matar FletcherROSENBERG, Vincent COROUGE, RaphaelPERRIRAZ, Cyril MAZET, Fabrice CRUNCHANT,Alexis DER SARKISSIAN, Stéphane SICLAY, LaurentCHAUVET, Sébastien LEXCELLENT, Maxime

1Todos os seis de nacionalidade francesa e militares da Gendarmaria Nacional(Gendarmerie Nationale), órgão policial francês de natureza semelhante à polícia militar noBrasil, mas que frequentemente atua em colaboração com as forças armadas francesas.2Ambos de nacionalidade francesa e militares das Forças Armadas da Guiana, unidade dasForças Armadas francesas.

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AHAMADA, Bérengére BRUNETTI, Hervé FLAMAND,Licinio PINHEIRO, Ludovic ADEUX, Guillaume CUNY,Sébastien LANSON3, com desígnios autônomos emrelação a cada uma das vítimas e em concurso deagentes sob a direção do denunciado MANOEL,cometendo esses crimes em circunstância deemboscada e de forma a dificultar a defesa dosofendidos e para assegurar a execução, a ocultação,a impunidade e a vantagem de outros crimes.

DO CONTEXTO HISTÓRICO E FÁTICO DOSCRIMES

A Atividade de Mineração de Ouro na GuianaFrancesa

Após o ano de 2000, localidadesconfinadas no interior das florestas da GuianaFrancesa, território ultramarino da França, que fazfronteira com o Brasil, mais precisamente com oEstado do Amapá, passaram a ser o destino deinúmeros brasileiros que se aventuraramclandestinamente na garimpagem do ouro, bem comona prestação de serviços para atender aosgarimpeiros, comércio de víveres, mantimentos eequipamentos, prostituição, etc.

Ações policiais visando àdesarticulação dessa atividade eram relativamentefrequentes, mas insuficientes para dar fim a essecomplexo cenário, que se tornou um dos maispreocupantes problemas socioeconômicos da GuianaFrancesa à época.

Além disso, o isolamento geográfico ea falta de presença estatal propiciaram a formação deum caldo de cultura para a gênese de uma forma debanditismo4 violento, num grau inédito esurpreendente para as autoridades da GuianaFrancesa, assemelhado, mutatis mutandis, aocangaço5, aos outlaws do Velho Oeste norte-americano, aos briganti da Itália do séc. XIX ou,mesmo, aos bucaneiros e piratas que assolavam osmares daquela região caribenha, há alguns séculos.

Em 2008, empresas mineradoras queprospectavam e extraíam ouro foram atacadas eexpulsas da região, que começou a ser invadida pormineiros clandestinos. Um levantamento realizado àépoca pelas autoridades francesas contabilizou entre

3Todos os 16 têm nacionalidade francesa, sendo uns integrantes da Gendarmaria Nacional e outrosmilitares das Forças Armadas da Guiana.4Expressão utilizada sem nenhuma referência aos fenômenos do banditismo social e revolucionárioapontados por Eric Hobsbawn.5Ocorrido nos sertões do Nordeste brasileiro entre meados do séc. XIX e fins da década de 30 do séc.XX.

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1000 e 1500 garimpeiros ilegais na região,principalmente brasileiros. Logo, grupos decriminosos passaram a tomar o controle de garimposclandestinos e a ameaçar, a agredir e a assassinarfriamente garimpeiros, exigindo-lhes, por extorsão,parte do ouro extraído.

Das Façanhas do Bando de Manoelzinho

O denunciado, conhecido pela alcunha de“Manoelzinho”, então com apenas 24 anos, era ochefe do bando criminoso mais notório da região.Conhecida como “os meninos” ou “os camuflados”,sua milícia aterrorizava os garimpeiros clandestinosda localidade de Dorlin e redondezas, Município deMaripasoula, Oeste da Guiana Francesa, distantecerca de 190 km da capital Caiena, valendo-se dearmamento de guerra, coletes balísticos e vestimentacamuflada, semelhante à utilizada por tropas oficiais.

Até janeiro de 2012, esses garimpos eramdominados pelo “bando de Felipe” (Fernando GomesPacífico), que tomou vários poços do então “patrão”do garimpo, Benedito Mendes de Lima, conhecido por“Careca Rico”. Expulso de lá, Careca Rico contratou obando de Manoelzinho para retomar o controle sobreDorlin, prometendo dividir com ele os lucros.

No dia 21/1/2012, o bando de Felipe foimassacrado numa emboscada armada porManoelzinho. Todos os seus integrantes foram mortose tiveram seus bens despojados, incluindo armamentopesado e coletes balísticos. A polícia francesa jálocalizou pelo menos seis cadáveres, mastestemunhas chegam a mencionar 11 mortos nessaocasião.

Para afirmar seu domínio sobre a região,Manoelzinho imediatamente circula pelosacampamentos anunciando e assumindo a autoria domassacre, com o intuito de atemorizar os garimpeiros,que foram compelidos a entregar todas as armas defogo, de qualquer tipo, que possuíssem.

O porte ilegal de arma de fogo era condutausual nos garimpos clandestinos, mas, em Dorlin, dalipor diante, apenas Manoelzinho e seu comparsaspoderiam andar armados. E, de fato, eles estavampermanentemente armados com espingardas, fuzisautomáticos6, metralhadoras, revólveres e pistolas.

6Em diversas passagens dos documentos constantes do inquérito, os tradutores confundema nomenclatura de armas de fogo utilizada no Brasil com a adotada em Portugal, redigindo“espingardas” quando se referem a armas que, no Brasil, são conhecidos como “fuzis”(armas longas com canos raiados e com munição de alta energia, como AR-15, AK-47, FAL,FAMAS, etc, de calibres .556 mm (ou .223 Remington) e .762 mm, por exemplo). No Brasil,espingardas são consideradas as armas longas com canos de alma lisa, de retrocarga,como a conhecida calibre 12, e as armas de antecarga, como bacamartes, arcabuzes emosquetes.

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Várias testemunhas, inclusive comparsas, relatam acrueldade com que Manoelzinho era capaz de matarum desafeto, sem pestanejar.

Em 12/4/2012, os garimpeiros conhecidoscomo Fofão e Neto foram assassinados porManoelzinho e seu comparsa Ronaldo Silva Lima,vulgo “Brabo”, por haverem contrariado o líder dobando. Os denunciados já respondem por esse crimena Ação Penal n.º 16428-16.2014.4.01.3100, quetramita nessa 4ª Vara Federal.

No dia 19/5/2012, em um barco de patrulha,uma equipe da Gendarmaria Nacional avistou umacanoa em que vinha parte do bando, no rio Innini,setor de Saut Sonelle. Ao perceber que o barco dapolícia vinha em sua direção, Manoelzinho e Baixadadispararam seus fuzis contra a equipe dosgendarmes, que precisou recuar, ante o poder de fogoe a periculosidade dos dois.

Diante do intolerável quadro de violência aque chegou a região dominada por Manoelzinho,afrontando até mesmo a Gendarmaria Nacional, asautoridades francesas resolveram preparar umaoperação, com a participação das Forças Armadas,com o objetivo de pacificar a região, acabar com agarimpagem clandestina e permitir a exploraçãolegalizada de ouro na região, com a instalação deuma mineradora. Do planejamento da operação jáconstava relatório destacando expressamente osriscos de confronto armado com o bando deManoelzinho ali instalado.

Entre os dias 21 e 24/6/2012, o acusadoMANOEL empreendeu viagem a Paramaribo, noSuriname, país vizinho, onde matou, por vingança, obrasileiro Antônio Gomes de Araújo, vulgo “Goiano”, oqual, tempos antes, havia assassinado Sérgio MouraFerreira, irmão de Manoelzinho.

De volta a Dorlin, Manoelzinho resolveueliminar seu próprio aliado Careca Rico, em razão dedivergências quanto à divisão do ouro. No dia26/6/2012, três outros integrantes do bando –“Boiadeiro”, “Riba” e Itamar – executaram o crime amando do líder.

Da Narrativa dos Crimes Ora Denunciados

Na manhã do dia 27/6/2012, foi deflagradauma operação conjunta entre as Forças Armadas daGuiana Francesa e a Gendarmaria Nacional francesa,com o objetivo de enfrentar a criminalidade na regiãoe acabar com a atividade de mineração clandestina.Um efetivo de 40 agentes, entre militares das ForçasArmadas e gendarmes, transportado por quatrohelicópteros, chegou a Dorlin. Após um sobrevoosobre a área de garimpagem, as aeronaves pairaram

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sobre um local próximo, com o objetivo dedesembarcar os soldados.

Antes mesmo que o desembarquepudesse começar, por volta das 9 h e 50 min, aaeronave da Gendarmaria foi atingida por setedisparos de fuzil. Um deles perfura a fuselagem, oassento e o cinto de guarnição de um policial,atingindo-lhe as costas, causando-lhe uma lesão naderme e hemorragia.

Outro projétil atingiu e destruiu umaturbina do helicóptero. Por sorte, a aeronave possuíaduas turbinas, de modo que a que sobrou foi capaz desustentar o voo de volta até a base. Diante dos riscos,dos danos à aeronave, do ferimento do gendarme epor não ser possível identificar de onde vinham ostiros, decidiu-se recuar até a base em Maripasoula.

Nesse ínterim, num acampamentopróximo aos garimpos de Dorlin, Manoelzinho surgiuem companhia de parte de seu bando, narrando queacabara de atingir um helicóptero da polícia e queestava disposto a sustentar seu domínio sobre aregião e impedir a chegada das tropas. Osdenunciados MANOEL e RONALDO, acompanhadosde outros integrantes do bando, haviam atirado contrao helicóptero.

Realizado o socorro do gendarmeferido, deliberou-se retomar a operação. Os trêshelicópteros retornaram a Dorlin pousando numazona um pouco mais afastada do local do ataque.Inicialmente, uma equipe de 18 agentes, sendo oitomilitares e dez gendarmes, desembarcou e marchouem direção à área de garimpo, por volta de 13 h e 13min.

Percebendo que as forças desegurança retornavam à região, os denunciadosadentraram a mata, armados com fuzis automáticos eprepar ar am uma emboscada , escondendo-se próximoà estrada que deva acesso aos garimposclandestinos.

No meio do percurso, por volta das 13h e 40 min, quando andavam por uma estrada dequadriciclo (veículo mais utilizado pelos garimpeirosda região), antes de uma curva, num lugar em que avegetação não os cobria e os deixava expostos, osagentes públicos foram recebidos com diversos tirosde fuzil disparados pelos denunciados. Foram váriosminutos de tiros cadenciados e visados que atingiramcinco integrantes da equipe.

Dentre as cinco vítimas dos tiros,morreram em decorrência disso os militaresStéphane Moralia e Sébastien Pissot. Os três feridosque sobreviveram eram gendarmes: VincenteCorouge levou um tirou de raspão no antebraço,Raphaël Perriraz teve uma perna e um braço

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baleados e Laurent Chauvet sofreu um disparo nabarriga, num primeiro momento, depois mais doistiros também no abdômen. Em meio aos tiros, osdemais conseguiram resgatar as vítimas e recuar atéo helicóptero, sendo socorridos e levados de volta àbase em Maripasoula.

Instantes depois, os denunciadosretornaram aos acampamentos, e passaram avangloriar-se perante diversas testemunhas porhaverem atirado e matado os agentes públicos. Osdenunciados ainda permaneceram por alguns diasem Dorlin, até resolver empreender fuga em direçãoao Brasil. No trajeto, o bando se subdividiu e tomourumos diferentes. Um grande contingente de oficiaisfranceses foi destacado para tentar capturar o bando.

Depois desses fatos, váriosgarimpeiros foram denunciar à polícia francesa oscrimes do bando de Manoelzinho, muitos apareceramespontaneamente. Alguns integrantes importantes dobando foram presos poucos dias depois na GuianaFrancesa e no Suriname. Outros, como o conhecidopor Baixada, continuam foragidos.

Dos Crimes Cometidos na Fuga para o Brasil

Em 11/7/2012, Manoelzinho, Brabo ealguns comparsas fugiam numa canoa a remo.Tentaram, então, roubar o barco a motor em quevinham José Onivaldo Lacerda Ferreira e RicardoUmeniuk, os quais foram feridos a tiros, disparadospor Manoelzinho e Brabo. Os canoeiros, porém,mesmo baleados, conseguiram manobrar aembarcação e fugir em busca de socorro.

No dia 21/7/2012, numa estrada nasproximidades do Município de Regina, ainda naGuiana Francesa, Manoelzinho e Brabo tentaram, semsucesso, roubar um carro ocupado por PhilippeKastler e Jean Christophe Concy, efetuando tiroscontra o veículo.

Chegando ao Brasil, Manoelzinho e Brabohospedaram-se no Oiapoque/AP e, dias depois, nocentro de Macapá/AP. Avisados pela Gendarmariafrancesa de que eles haviam conseguido fugir para oBrasil, a Polícia Militar do Amapá, em 27/7/2012,localizou e prendeu os dois em flagrante por porteilegal e tráfico internacional de armas de fogo. Cadaum deles portava uma pistola Glock, calibre 9 mm, deuso restrito. Eles informaram à polícia queesconderam seus fuzis ainda em solo do GuianaFrancesa, o que denota sua pretensão de aindaretornar àquele país.”

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A denúncia foi recebida em 09.10.2015 e, como os

acusados, embora devidamente citados, deixaram transcorrer in albis o

prazo para apresentação de resposta à acusação, foram os autos

encaminhados à Defensoria Pública da União.

A DPU apresentou Exceção de Incompetência para que

fosse declarada a incompetência da Justiça Federal e/ou incompetência da

Seção Judiciária do Amapá. No entanto, os pedidos foram julgados

improcedentes pelo Juízo de origem, que entendeu estar a causa fundada

em tratado da União com Estado estrangeiro (artigo 109, inciso III, da CF), o

que atrairia a competência para a Justiça Federal.

Foi, então, impetrada ordem de habeas corpus, com pedido

de liminar, perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região na qual pleiteia

a defesa a declaração de incompetência absoluta da Justiça Federal para

julgar e processar a ação penal ajuizada em face dos recorrentes e a

remessa dos autos a uma das varas do Tribunal do Júri da Comarca de São

Luiz-MA, ou, subsidiariamente, pela remessa dos autos à Seção Judiciária

do Maranhão ou do Distrito Federal.

A Terceira Turma do TRF1ª Região, por unanimidade,

denegou a ordem de habeas corpus. O acórdão restou assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.HOMICÍDIOS, CONSUMADOS E TENTADOS,COMETIDOS POR BRASILEIROS NOEXTERIOR. PRINCÍPIO DAEXTRATERRITORIALIDADE. ACORDO DECOOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIAPENAL ENTRE O BRASIL E A FRANÇA.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.COMPETÊNCIA TERRITORIAL. CPP, ART. 88.DOMICÍLIO DE PRESOS. ORDEM DENEGADA.1. A competência da Justiça Federal vemestabelecida no art. 109 da Constituição daRepública e, diante de todas as informaçõestrazidas aos presentes autos, é certo que apresente hipótese está enquadrada no incisoIII, que dispõe, in verbis: "as causas fundadasem tratado ou contrato da União com Estadoestrangeiro ou organismo internacional".2. No Capítulo VIII do Título V do Livro I doCódigo de Processo Penal, sob a rubrica"disposições especiais", vem disciplinada aquestão relativa à competência territorial que,na hipótese de processo por crimes praticados

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fora do território brasileiro, é o Juízo da Capitaldo Estado onde por último houver residido oacusado (art. 88).3. Na hipótese, embora alegado pelaImpetrante que os Pacientes teriam residido emSão Luiz do Maranhão antes da consumaçãodos fatos aqui tratados, não há prova quereferende tal afirmação, razão pela qual há dese concluir pela competência do. MM. Juiz da.Seção Judiciária do Amapá para oprocessamento da Ação Penal 0004449-23.2015.4.01.3100.4. Ordem denegada.

Foi, então, interposto o presente recurso ordinário, no qual

pleiteia a concessão da ordem para que seja declarada a incompetência da

Justiça Federal para apreciar o feito e, subsidiariamente, com o fim de que

seja declarada a incompetência territorial da Seção Judiciária do Amapá

para julgar o caso, com o consequente envio dos autos para a Subseção

Judiciária de São Luiz/MA.

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões às

fls. 314/326.

Vieram os autos ao Ministério Público Federal (fls. ).

Por meio de pesquisa realizada ao andamento

processual da ação penal de origem (autos n.º 0004449-

23.2015.4.01.3100), verificou-se que os autos encontram-se em fase de

instrução, tendo a denúncia sido recebida em 09.10.2015 sob o rito

especial do Júri e com decretação de prisão preventiva de ambos os

réus. Constatando dificuldades em se viabilizar a instrução probatória

com videoconferência em locais distintos diante da necessidade de

oitiva de testemunhas localizadas fora da competência territorial do

Juízo da 4ª Vara Federal de Macapá/AP, em 27.10.2017, foi expedido

ofício ao Juízo da 5ª Vara de Execuções Penais Criminais – Subseção

Judiciária de Campo Grande/MS, para consultá-lo a respeito da

possibilidade de transferir RONALDO SILVA LIMA para a Penitenciária

de Porto Velho/RO, mesmo local onde se encontra recolhido MANOEL

MOURA FERREIRA. Em 23.10.2017, foi comunicada a transferência do

preso, conforme solicitado.

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É o relatório do necessário.

II – DO MÉRITO:

O presente recurso ordinário não merece provimento.

Conforme exposto, insurge-se a DEFENSORIA PÚBLICA

DA UNIÃO contra o acórdão do TRF1ª Região, que denegou a ordem de

habeas corpus n.º 0023021-78.2016.4.01.0000/AP. Em suas razões de

recurso ordinário, a recorrente pleiteia a concessão da ordem para que seja

declarada a incompetência da Justiça Federal para apreciar a hipótese e,

em último caso, seja declarada a incompetência territorial da Seção

Judiciária do Amapá, passando o caso a ser apreciado pela Subseção

Judiciária de São Luiz/MA ou do Distrito Federal.

Sustenta a defesa que os homicídios foram praticados pelos

pacientes com todo o seu iter criminis desenvolvido no estrangeiro (Guiana

Francesa), não se subsumindo a qualquer dos incisos do art. 109 da

Constituição da República. Alega, também, que o último domicílio dos

pacientes foi no Maranhão, o que atrairia a competência da Subseção

Judiciária de São Luiz/MA para examinar os autos, sendo a única relação

com o Estado do Amapá o fato de estarem recolhidos no Instituto de

Administração Penitenciária do Amapá (por porte ilegal e tráfico

internacional de armas de fogo) quando do conhecimento dos crimes de

homicídios pelo MPF.

Depreende-se dos autos que Manoel Moura Ferreira e

Ronaldo Silva Lima são acusados na ação penal originária (autos n.º

0004449-23.2015.4.01.3100) de homicídios tentados (dezesseis vezes) e

consumados (duas vezes), praticados na Guiana Francesa em face de

agentes das Forças Armadas da Guiana Francesa e da Gendarmaria

Nacional Francesa.

Como cediço, quanto à aplicação da lei penal no espaço, o

ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da territorialidade

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temperada, uma vez que se aplica a lei brasileira ao crime cometido no

território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito

internacional. No entanto, em casos excepcionais, a lei brasileira poderá

extrapolar os limites do território, alcançando crimes cometidos

exclusivamente no estrangeiro, fenômeno da extraterritorialidade.

O artigo 7º do Código Penal enuncia quais crimes e em

quais hipóteses será aplicada a lei brasileira, embora cometidos no

estrangeiro:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, emboracometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Leinº 7.209, de 1984)

I - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de11.7.1984)

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente daRepública; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União,do Distrito Federal, de Estado, de Território, deMunicípio, de empresa pública, sociedade deeconomia mista, autarquia ou fundação instituída peloPoder Público; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) contra a administração pública, por quem estáa seu serviço; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) de genocídio, quando o agente for brasileiroou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de1984)

II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de11.7.1984)

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil seobrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº7.209, de 1984)

c) praticados em aeronaves ou embarcaçõesbrasileiras, mercantes ou de propriedade privada,quando em território estrangeiro e aí não sejamjulgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punidosegundo a lei brasileira, ainda que absolvido oucondenado no estrangeiro.(Incluído pela Lei nº 7.209, de1984)

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da leibrasileira depende do concurso das seguintescondições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

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a) entrar o agente no territórionacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) ser o fato punível também no país em quefoi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) estar o crime incluído entre aqueles pelosquais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluídopela Lei nº 7.209, de 1984)

d) não ter sido o agente absolvido noestrangeiro ou não ter aí cumprido apena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

e) não ter sido o agente perdoado noestrangeiro ou, por outro motivo, não estar extintaa punibilidade, segundo a lei maisfavorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crimecometido por estrangeiro contra brasileiro fora doBrasil, se, reunidas as condições previstas noparágrafo anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) não foi pedida ou foi negada aextradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) houve requisição do Ministro daJustiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

A naturalidade brasileira dos pacientes (sujeitos ativos) faz

incidir exceção à regra da territorialidade (extraterritorialidade da lei penal), e

implica a incidência da lei penal brasileira por extraterritorialidade

condicionada, com fulcro no artigo 7º, inciso II, alínea b (princípio da

nacionalidade ativa), do Código Penal.

A extraterritorialidade condicionada alcança os crimes

trazidos pelo inciso II. Como visto, nesses casos, faz-se necessário o

concurso com as condições previstas no §2º. No caso em tela, as condições

previstas no §2º foram implementadas, na medida em que os agentes

entraram e foram detidos em território brasileiro, o homicídio – crime que

lhes é imputado – é punido também no país estrangeiro, a natureza do delito

não obsta a extradição e os agentes não foram penalmente perseguidos no

local onde cometeram o delito.

Feitas tais considerações e rechaçando quaisquer dúvidas

acerca da jurisdição brasileira, passa-se à análise da competência para

julgar os delitos imputados aos recorrente.

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De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, compete à

Justiça Estadual a aplicação da lei brasileira, salvo se, no caso específico,

se fizer presente uma das hipóteses constitucionais que atraem a

competência da Justiça Federal (CC 115.375, Terceira Seção, Rel. Min.

Laurita Vaz, DJe 29.02.2012).

É sabido que a competência da Justiça Federal encontra-se

delineada no art. 109 da Constituição Federal, do qual se extrai que:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar ejulgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ouempresa pública federal forem interessadas nacondição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,exceto as de falência,as de acidentes de trabalho eas sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismointernacional e Município ou pessoa domiciliada ouresidente no País;

III - as causas fundadas em tratado ou contrato daUnião com Estado estrangeiro ou organismointernacional;

IV - os crimes políticos e as infrações penaispraticadas em detrimento de bens, serviços ouinteresse da União ou de suas entidades autárquicasou empresas públicas, excluídas as contravenções eressalvada a competência da Justiça Militar e daJustiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convençãointernacional, quando, iniciada a execução no País, oresultado tenha ou devesse ter ocorrido noestrangeiro, ou reciprocamente;

V-A as causas relativas a direitos humanos a que serefere o§ 5º deste artigo;

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, noscasos determinados por lei, contra o sistemafinanceiro e a ordem econômico-financeira;

VII - os habeas corpus, em matéria criminal de suacompetência ou quando o constrangimento provier deautoridade cujos atos não estejam diretamentesujeitos a outra jurisdição;

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VIII - os mandados de segurança e os habeas datacontra ato de autoridade federal, excetuados os casosde competência dos tribunais federais;

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ouaeronaves,ressalvada a competência da JustiçaMilitar;

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular deestrangeiro, a execução de carta rogatória, após o"exequatur", e de sentença estrangeira, após ahomologação,as causas referentes à nacionalidade,inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI - a disputa sobre direitos indígenas. (Sem grifo nooriginal)(…)§ 5º Nas hipóteses de grave violação dedireitos humanos, o Procurador-Geral da República,com a finalidade de assegurar o cumprimento deobrigações decorrentes detratados internacionais dedireitos humanos dos quais o Brasil seja parte,poderá suscitar, perante o Superior Tribunal deJustiça, em qualquer fase do inquérito ou processo,incidente de deslocamento de competência para aJustiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucionalnº 45,de 2004)

O juízo de origem fundamentou sua decisão fazendo alusão

ao compromisso internacional firmado pelo Estado Brasileiro de respeitar e

garantir o direito à vida, aduzindo que tal compromisso enseja a

repressão do crime de homicídio. É cediço que a Constituição Federal

baseia as relações institucionais do Brasil em face de vários princípios,

dentre eles o da cooperação entre os povos para o progresso da

humanidade:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nassuas relações internacionais pelos seguintesprincípios: (...)IX - cooperação entre os povos para o progresso dahumanidade.

Ademais, como bem ressaltou o Ministério Público Federal

em suas contrarrazões recursais (fls. 314/326), o art. 1, item 1, do Acordo de

Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República

Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, promulgado pelo

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Decreto n.º 3.324/1999, impõe a obrigação geral de repressão a

quaisquer infrações penais de competência do Estado requerente:

Artigo 11. Os dois Estados se comprometem aprestar-se mutuamente, de acordo com asdisposições do presente Acordo, a cooperaçãojudiciária mais ampla possível em todo processo quetenha por objeto infrações cuja repressão seja, nomomento em que a ajuda for pedida, da competênciadas autoridades judiciárias do Estado requerente.

Logo, há a obrigação de repressão, no âmbito do

acordo bilateral, isto é, quando houver pedido de cooperação

internacional, a todos os crimes previstos nas leis nacionais das

partes, a fim de evitar ressalvas, reservas ou escusas casuísticas . As

exceções à cooperação estão expressamente previstas no próprio tratado,

mas nenhuma delas se apresenta no caso em julgamento, conforme se

depreende de fls. 320/321.

Ademais, no caso em tela, houve iniciativa da República

Francesa, no âmbito da relação entre estados soberanos, de requerer

formalmente, com fundamento em tratados em pleno vigor, a cooperação

internacional para garantir a tutela de bens jurídicos penalmente protegidos

e efetivamente violados em seu território, uma vez que não poderá julgar ou

punir os brasileiros autores do crime que aqui se encontram, já que fugiram

para o solo pátrio e a nossa Constituição veda a extradição de nacionais.

Como bem ressaltou o Ministério Público Federal às fls.

323, para se evitar a ausência de punição, há no Direito Internacional um

princípio de cooperação entre as nações conhecido como cláusula “aut

dedere aut iudicare” ou “extraditare vel iudicare”, segundo a qual os países

que recusarem a extradição de um réu devem, ao menos, comprometer-se a

julgar os crimes por ele cometidos fora de seu território, pelo que ganha luz

também o já citado art. 4º, IX, da CF. De modo que o país que recebe o

pedido de cooperação não processará o réu, como faz ordinariamente,

pela agressão aos bens jurídicos domésticos, mas o fará para atender

a uma necessidade de estado estrangeiro de garantir a proteção dos

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bens jurídico s deste, em caso de não extraditabilidade do autor do

crime.

Neste ponto, cumpre transcrever trecho do parecer

ministerial ofertado pela Procuradoria Regional da República da 1ª Região

no bojo do habeas corpus originário:

“(...) Nesse contexto, não se pode olvidar que aConstituição Federal de 1988 ao traçar a divisão decompetências entre os entes federativos ressaltou que àUnião caberão as matérias e questões de predominanteinteresse geral e nacional, enquanto que temas deinteresse regional serão de competência dos estados-membros. Nesse passo, o inciso I do art. 21 da CFdispõe competir à União manter relações com estadosestrangeiros, sendo atribuição do Presidente daRepública, conforme o previsto nos incisos VII e VIII doart. 84 também da Constituição, celebrar tratados,convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo doCongresso Nacional: (…) Logo, indubitável que no planodas relações internacionais, compete à União, nacondição de representante exclusivo da RepúblicaFederativa do Brasil, manter relações com Estadosestrangeiros e cumprir os tratados que firmou.

Por consequência – e não poderia ser de outra forma- o ônus de agir e de suportar a responsabilidadeinternacional por eventual omissão do Brasil quandodo descumprimento de sua obrigação de dar início eprosseguimento ao processo penal é da União e nãodos Estados federativos, os quais não poderão seracionados.

Logo, a responsabilidade pela observância doprincípio aut dedere aut judicare é unicamente daUnião, uma vez que envolve a República Federativa doBrasil enquanto sujeito de direito internacional. Havendo,como há, compromisso internacional com a França depromover a persecução penal na hipótese, a partir de seupedido formal de cooperação, não se tem mera cortesiado Brasil, mas verdadeira obrigação jurídicainternacional sujeita a constrangimentos e sançõespor cortes internacionais ou outras consequênciasprevistas no tratado ou no Direito Internacional.

Dessa forma, à luz do art. 18, caput, da CF, que prevê aautonomia dos entes que compõem a organizaçãopolítico-administrativa da República Federativa do Brasil,o cumprimento do compromisso firmado com aRepública Francesa não pode ser transferido aosestados-membros da nossa Federação, os quais nãopodem estabelecer relações internacionais, eis queesta é de competência exclusiva da União, no termos

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do já citado art. 21, I, da CF, e, portanto, não podemtambém se responsabilizar pelas obrigações delasdecorrente.

Além disso, tratando-se não de iniciativa punitivabrasileira (cooperação ativa), mas de pedido decooperação internacional (cooperação passiva), umeventual adimplemento dessa obrigação acarretarianecessariamente a responsabilização da União.

Ademais, reforça a competência da Justiça Federal, oinciso X, do art. 109, da CF, o qual confere ao juízesfederais a competência de executar as cartas rogatóriase, no caso em epígrafe, é forçoso compreender que opedido de cooperação judiciária francês tem anatureza de uma verdadeira carta rogatória latosensu, embora possua trâmite específico,consubstanciando-se em pedido de assistênciapassiva em matéria penal, de interesse da União.

Dessa forma, à luz do inciso III do art. 109 daConstituição, conjugado com os incisos IV, V e X, acompetência criminal da Justiça Federal brasileira,impõe-se no presente caso, sobretudo em face daextrema importância no âmbito da cooperação jurídicainternacional.” (fls. 115/116)

Rechaçando quaisquer dúvidas sobre o tema, cumpre trazer

à baila entendimento firmado pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do

MPF no caso em tela.

Inicialmente, a 2ª CCR homologou o declínio de atribuições

para o Ministério Público do Estado do Maranhão, acolhido, à unanimidade,

o voto n.º 7025/2013, da lavra do Subprocurador-Geral da República José

Bonifácio Borges de Andrada, de cujo inteiro teor se extrai:

Peças de informação. Crimes de homicídio (CP, art.121) praticados por dois nacionais no território daGuiana Francesa. Revisão de declínio (Enunciado nº33 – 2ª CCR/MPF). Constata-se que o fato já constituiobjeto de apuração pelas autoridades francesas,entretanto, mostra-se necessária, também, apersecução no âmbito nacional, a fim de evitar que oeventual ingresso de nacionais no território brasileiroconstitua manobra para conferir impunidade aoscrimes praticados no exterior. Isso porque, no casoem questão, os suspeitos são brasileiros, razão pelaqual não cabe extradição, quer para responder aprocesso, quer para cumprir pena (CF, art. 5º, incisoLI). Ademais, eventual condenação penal denacionais, com a imposição de pena privativa deliberdade, pela Justiça Francesa, não produzirá efeitosno Brasil, uma vez que a sentença estrangeira

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somente pode ser homologada no Brasil para: i)obrigar o condenado à reparação do dano, arestituições e a outros efeitos civis; ii) sujeitá-lo amedida de segurança; tratando-se pois, de roltaxativo, nos termos disposto no art. 9, incisos I e II doCódigo Penal. Todavia, tendo em vista que oscrimes foram inteiramente praticados em territóriofrancês, não constatado o caráter transnacional docrime, não se vislumbra a competência da JustiçaFederal para a persecução penal dos fatos (CF, art.109, inc. V). Ausência de elementos de informaçãocapazes de justificar a atribuição do Ministério PúblicoFederal para a persecução penal. Homologação dodeclínio de atribuições ao Ministério Público Estadual.

Assim, afastada a competência da Justiça Federal, o

processo foi distribuído para a 24ª Promotoria de Justiça Criminal, 2ª

Promotoria do Júri da Capital do Estado do Maranhão, que, por sua vez,

pugnou pela remessa do presente a esta 2ª Câmara de Coordenação e

Revisão do MPF, para intimar de sua decisão de homologação de

declínio o Secretário de Cooperação Jurídica Internacional – PGR.

Em manifestação encartada nos autos do PA nº

1.00.000.005283/2014-34, e verbis: “considerando que no caso em tela o

crime cometido no exterior deverá ser julgado pela justiça brasileira, pois

inextraditável o suspeito, e tendo em vista que a competência é da Justiça

Federal”, o Secretário de Cooperação Jurídica Internacional solicitou a

revisão de posicionamento adotado no VOTO nº 7025/2013 adotado pela 2ª.

CCR/MPF.

Aduziu, para isto, os argumentos de fls. 1 a 5 do expediente

(PA nº 1.00.000.005283/2014-34) em que afirma:

“A controvérsia surge quando o caso se refere a crime praticadointeiramente no exterior. Os tribunais têm afirmado a competênciaestadual. Foi assim no caso E. D. N., brasileiro inextraditável, no qual oTJ/SP entendeu que a ação penal deveria tramitar no tribunal do júri dacomarca da capital paulista. Nesse sentido, decidiu a 3a. Seção do STJno Conflito de Competência 104.342/SP (26.8.2009):

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. CRIMESPERPETRADOS POR BRASILEIRO, JUNTAMENTECOM ESTRANGEIROS, NA CIDADE DE RIVERA -REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI. REGIÃOFRONTEIRIÇA.VÍTIMAS. POLICIAIS CIVISBRASILEIROS. RESIDENTES EM SANTANA DO

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LIVRAMENTO/RS. EXTRATERRITORIALIDADE.AGENTE BRASILEIRO, QUE INGRESSOU NO PAÍS.ÚLTIMO DOMICÍLIO. CIDADE DE RIBEIRÃOPRETO/SP. O ITER CRIMINIS OCORREU NOESTRANGEIRO.1. Os crimes em análise teriam sido cometidos porbrasileiro, juntamente com uruguaios, na cidade deRivera - República Oriental do Uruguai, que fazfronteira com o Brasil.2. Aplica-se a extraterritorialidade prevista no art. 7.º,inciso II, alínea b, e § 2.º, alínea a, do Código Penal,se o crime foi praticado por brasileiro no estrangeiro e,posteriormente, o agente ingressou em territórionacional.3. Nos termos do art. 88 do Código de ProcessoPenal, sendo a cidade de Ribeirão Preto/SP o últimodomicílio do indiciado, é patente a competência doJuízo da Capital do Estado de São Paulo.4. Afasta-se a competência da Justiça Federal, tendoem vista a inexistência de qualquer hipótese previstano art. 109 da Carta da República, principalmente,porque todo o iter criminis dos homicídios ocorreu noestrangeiro.5. Conflito conhecido para declarar a competência deuma das Varas do Júri da Comarca de São Paulo/SP.(CC 104342/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ,TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe26/08/2009)” - (grifou-se)

Acrescentou ainda o Secretário de Cooperação JurídicaInternacional que:

“Apesar disto, num caso com premissas muitosemelhantes, julgado em 2002, a 6ª. Turma do STJdecidira em sentido oposto:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL.COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO CUJA EXECUÇÃO SEINICIOU NO BRASIL E O RESULTADO SE ULTIMOUNO EXTERIOR. PRINCÍPIO DAEXTRATERRITORIALIDADE. COMPETÊNCIA DAJUSTIÇA FEDERAL.1. O crime cometido, no estrangeiro, contra brasileiroou por brasileiro, é da competência da JustiçaBrasileira e, nesta, da Justiça Federal, a teor danorma inserta no inciso IV do artigo 109 daConstituição Federal, por força dos princípios dapersonalidade e da defesa, que, ao lado do princípioda justiça universal, informam a extraterritorialidade dalei penal brasileira (Código Penal, artigo 7º, inciso II,alínea "b", e parágrafo 3º) e são, em ultima ratio,expressões da necessidade do Estado de proteger etutelar, de modo especial, certos bens e interesses. Oatendimento dessa necessidade é, precisamente, oque produz o interesse da União, em detrimento do

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qual o crime cometido, no estrangeiro, contra ou porbrasileiro é também praticado.2. Por igual, compete à Justiça Federal julgar oscrimes "previstos em tratado ou convençãointernacional, quando, iniciada a execução no País, oresultado tenha ou devesse ter ocorrido noestrangeiro, ou reciprocamente." (ConstituiçãoFederal, artigo 109, inciso V).3. Julgados já os executores do homicídio, acompetência para o julgamento do mandante, quandoquestionada isoladamente, resta insulada no tema dacontinência.4. Ordem denegada.(HC 18307/MT, Rel. MinistroHAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgadoem 18/04/2002, DJ 10/03/2003, p. 313)”.

Em síntese, argumentou, ainda, que os casos de

cooperação passiva são de competência federal e que a mesma vinculação

processual deve ocorrer em razão da vedação de extradição de nacionais e

que “a cláusula do inciso III do art. 109 da CF não costuma ser invocada

para firmar a competência criminal federal, mas este é exatamente o

caso aqui porque a causa (penal) a ser proposta perante o Poder

Judiciário brasileiro se viabiliza em razão dos tratados que o País

firmou neste campo, no caso, o Tratado de Extradição entre o Brasil e a

França (art. 3º. § 2º do Decreto nº. 5258/04)”.

Considerando as razões expostas pelo Secretário de

Cooperação Jurídica Internacional, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão

do MPF acolheu, à unanimidade, o voto-vista da então Coordenadora da

2ªCCR e atual Procuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira

Dodge, para devolver os autos à Procuradoria da República no Amapá. O

acórdão restou assim ementado:

VOTO-VISTA. NOTÍCIA DE FATO. HOMICÍDIOPRATICADO EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO PORBRASILEIRO. REVISÃO DE DECLÍNIO(ENUNCIADO Nº 32). CRIME PRATICADO CONTRAINTERESSE DA UNIÃO. ATRIBUIÇÃO DOMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. Notícia de Fato instaurada para apurar a prática docrime de Homicídio (CP, art. 121), supostamentepraticado na Guiana Francesa, cuja autoria éatribuída a brasileiros.2. O Procurador da República oficiante promoveu odeclínio de atribuições ao Ministério Público Estadual.

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3. Remessa à 2ª Câmara para fins do art. 62-IV da LCn. 75/93.4. A responsabilidade pela observância doprincípio aut dedere aut iudicare (extraditare veliudicare) é da União, pois é a República Federativado Brasil quem tem personalidade de direitointernacional público.5. No Brasil, todos os casos de cooperaçãopassiva são de competência federal, à luz doartigo 105 c/c o artigo 109-X da Constituição, quedá aos juízes federais a tarefa de executarrogatórias recebidas pelo Brasil, após a chancelado STJ. Se o Estado nacional é o responsávelperante a comunidade das nações, é do interesseda União a persecução criminal.6. Além disso, o processo penal contra um cidadãobrasileiro que não tenha sido extraditado em funçãode sua nacionalidade (CF, art. 5º-LI) é uma “causareferente à nacionalidade”, o que faz valer acompetência da Justiça Federal, com base no art.109-X da Constituição.7. Comunicação de reconsideração do ato sobrevisão. Perda do objeto.8. Retorno dos autos à origem. (Voto-vista 85/2014 da2ª CCR nos procedimentos 1.00.000.005283/2014-34e Nº. 1.00.000.006469/2014-19 e Nº.1.12.000.000567/2013-32, Relator: Raquel EliasFerreira Dodge)

O mesmo entendimento foi aplicado pela 2ªCCR/MPF em

20.09.2016 no julgamento do processo n.º 1.00.000.014551/2016-71, cujo

acórdão restou assim ementado:

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CRIMES DEHOMICÍDIOS (CP, ART. 121), DENTRE OUTROS,PRATICADOS POR BRASILEIRO CONTRA TRÊSBRASILEIRAS, EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO.MPF: DECLÍNIO. DISCORDÂNCIA DO JUIZFEDERAL. REVISÃO (APLICAÇÃO ANALÓGICA DOART. 28 DO CPP). EXTRATERRITORIALIDADE DALEI PENAL. EXISTÊNCIA DE INTERESSE DAUNIÃO. DESIGNAÇÃO DE OUTRO MEMBRO DOMPF PARA PROSSEGUIR NA INVESTIGAÇÃO.1. Representação formulada pela autoridade policial,requerendo autorização judicial para prisão temporáriae busca e apreensão nos autos de Inquérito Policialinstaurado para apurar a prática, dentre outros, decrimes de homicídio (CP, art. 121), por brasileirocontra três brasileiras, fatos ocorridos em Portugal.2. Instado a se manifestar, o Ministério PúblicoFederal requereu o declínio de competência, com aremessa dos autos à Vara de Inquéritos da Comarcade Belo Horizonte, por entender que, apesar daextraterritorialidade da lei brasileira ao caso, nãohaveria incidência de nenhuma das hipóteses

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constitucionais que atrairiam a competência da JustiçaFederal.3. O Juiz Federal discordou do declínio decompetência, por considerar que há interesse daUnião, visto caber ao referido ente federado responderperante a comunidade internacional pelos ilícitos nosquais incorre.4. A respeito do tema, cabe ressaltar o entendimentodo Secretário de Cooperação Jurídica Internacional(SCI) da Procuradoria Geral da República, no sentidode que “nos crimes cometidos no exterior ou noestrangeiro e transferidos, por qualquer motivo (sejapor denegação de extradição ou em nome da boaadministração da Justiça), para a jurisdição brasileira,a competência para o processo e julgamento será daJustiça Federal (art. 109, III e X, CF)”.5. De fato, a responsabilidade pela observância doprincípio aut dedere aut iudicare (extraditare veliudicare) é da União, pois é a República Federativa doBrasil quem tem personalidade de direito internacionalpúblico.6. Verifica-se, ainda, interesse da União, visto caberao referido ente federado responder perante acomunidade internacional pelos ilícitos nos quaisincorre. Os estados-membros não se relacionamdiretamente com países estrangeiros e, conformedisposto no art. 21, I, da CF, a prática de um crime noexterior, mas que será julgado pela Justiça brasileira,afeta interesse da União, fazendo incidir o disposto noart. 109, IV, da CF. Além do que, o art. 109, III, da CFprevê a competência da Justiça Federal para ascausas fundadas em tratados internacionais da Uniãocom Estado Estrangeiro, sendo que, havendoassistência jurídica recíproca, as investigaçõestransferidas para o Brasil devem ser realizadas pelaPolícia Federal e pelo MPF, perante a Justiça Federal.7. Além do mais, o processo penal contra um cidadãobrasileiro que não tenha sido extraditado em funçãode sua nacionalidade (CF, art. 5º, LI, CF/88) é umacausa referente à nacionalidade, o que faz valer acompetência da Justiça Federal, com base no art.109, X, CF. Precedentes da 2ª CCR/MPF:procedimento nº 1.00.000.015077/2013-51 e InquéritoPolicial nº 00337/2014.8. Por fim, confirmando o interesse da União no casoconcreto, a Secretaria de Cooperação Internacional daProcuradoria Geral da República encaminhou a esta2ª Câmara e-mail contendo respostas aosquestionamentos realizados por autoridadeportuguesa, em que consta expressamente que “éentendimento desta PGR que a competência materialpara o julgamento desta espécie de delito é da JustiçaFederal do Brasil”.9. Designação de outro membro do MPF paraprosseguir na investigação.

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Demais disso, o acórdão impugnado deve ser mantido,

também, no que diz respeito à competência territorial do Juízo Federal

impetrado (Seção Judiciária do Estado do Amapá).

Isso porque, o art. 88 do CPP estabelece regra de

competência territorial processual penal e, portanto, se submete ao princípio

geral da perpetuatio jurisdictionis e à definição da competência conforme o

estado de coisas no momento de propositura da ação:

Art. 88. No processo por crimes praticados fora doterritório brasileiro, será competente o juízo da Capitaldo Estado onde houver por último residido o acusado.Se este nunca tiver residido no Brasil, serácompetente o juízo da Capital da República.

A expressão “o juízo da Capital do Estado onde houver por

último residido o acusado”, sem especificar qual referência temporal a que

se deve retroagir, se refere, pois, à morada do réu no momento de

ajuizamento da denúncia.

Segundo consta nos autos, quando do início da persecução

penal, os réus estavam presos por outros crimes no Estado do Amapá,

incidindo, portanto, a regra do domicílio necessário prevista no artigo 76,

parágrafo único, do Código Civil:

Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, oservidor público, o militar, o marítimo e o preso.Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seurepresentante ou assistente; o do servidor público, olugar em que exercer permanentemente suasfunções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinhaou da Aeronáutica, a sede do comando a que seencontrar imediatamente subordinado; o do marítimo,onde o navio estiver matriculado; e o do preso, olugar em que cumprir a sentença.

Como acertadamente ressaltou o Ministério Público Federal

em suas contrarrazões recursais (fls. 314/326), quando do conhecimento

pelo Ministério Público Federal dos crimes cometidos pelos acusados

no exterior os mesmos já se encontravam recolhidos no Instituto de

Administração Penitenciária do Amapá, em razão de prisão em

flagrante delito por transgressão dos arts. 16 e 18 da Lei 10.826/2003.

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Resta patente, portanto, que, havendo residência atual - in

casu, no Estado do Amapá -, não há que se falar em último domicílio do réu

ou em competência da Capital Federal.

Sendo assim, no âmbito das relações internacionais,

compete à União, na condição de representante exclusivo da República

Federativa do Brasil, manter relações com Estados estrangeiros e cumprir

os tratados que firmou, o que justifica a manutenção da competência da

Justiça Federal. Considerando, ainda, que os recorrentes possuíam

domicílio necessário no Amapá em razão de estarem presos naquele

Estado da Federação na época do conhecimento dos fatos pelas

autoridades brasileiras, a Seção Judiciária do Amapá é competente para o

processamento e julgamento da ação penal originária.

Por todo o exposto, o recurso deve ser desprovido.

III – CONCLUSÃO:

Do exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo

desprovimento do presente recurso.

Brasília, 04 de dezembro de 2017.

LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISENSUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA

VFL

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