Para Entender Gestao Sus v.3

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3 coleção Para Entender a Gestão do SUS | 2011

Transcript of Para Entender Gestao Sus v.3

  • 3coleo Para Entender a Gesto do SUS | 2011

  • Brasil. Conselho Nacional de Secretrios de Sade. Ateno Primria e Promoo da Sade / Conselho Nacional de Secretrios de Sade. Braslia : CONASS, 2011.

    197 p. (Coleo Para Entender a Gesto do SUS 2011, 3)

    ISBN: 978-85-89545-63-1

    1. SUS (BR). 2. Ateno Bsica. I Ttulo.

    NLM WA 525

    CDD 20. ed. 362.1068

    Copyright 2011 1 Edio Conselho Nacional de

    Secretrios de Sade - CONASS

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    9 788589 545631

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    Diretoria Conass - Gesto 2010/2011PreSidente

    Beatriz dobashi

    Vice-PreSidenteS Regio Centro-Oesteirani ribeiro de Moura

    Regio NordesteHerbert Motta de almeida

    Regio Norteosvaldo Leal

    Regio Sudesteantnio Jorge de Souza Marques

    Regio Sulroberto eduardo Hess de Souza

    coMiSSo FiScaL

    George antunes de oliveiraraimundo Jos arruda Barros

    Milton Luiz Moreira

    Secretrio executiVoJurandi Frutuoso

    coordenadora de ncLeoSrita de cssia Berto cataneli

    coordenador de deSenVoLViMentoinStitucionaL

    ricardo F. Scotti

    osvaldo de Souza Leal Junior Suely de Souza Melo da costa Herbert Motta de almeidaalexandre de Melo toledoagnaldo Gomes da costa Wilson alecrim eupdio dias de carvalho evandro costa GamaJorge Jos Santos Pereira Sollaraimundo Jos arruda BastosFabola de aguiar nunes rafael de aguiar Barbosa anselmo toziJos tadeu Marinoirani ribeiro de Mouraantonio FaleirosJos Mrcio Soares Leitericardo Muradantnio Jorge de Souza Marques Beatriz Figueiredo dobashiaugusto carlos Patti do amaral Pedro Henry netoMaria Silvia Martins comaru Lealcludio nascimento ValleHlio Franco de Macedo JniorJos Maria de FranaMrio toscano de Brito FilhoFrederico da costa amncioantnio carlos dos Santos Figueiratelmo Gomes MesquitaLilian de almeida Veloso nunes Martinscarlos augusto Moreira JniorMichele caputo neto Srgio Luiz crtesGeorge antunes de oliveiradomcio arruda Milton Luiz Moreiraalexandre carlos Macedo Mullerrodolfo PereiraLeocdio Vasconcelos Filho arita Gildaciro carlos emerim Simoniroberto eduardo Hess de Souzadalmo claro de oliveiraMnica Sampaio de carvalhoantonio carlos Guimares Souza PintoLuiz roberto Barradas Baratanilson Ferraz PaschoaGiovanni Guido cerriFrancisco Melquades netoarnaldo alves nunes

  • coordenao da coLeo Ren Santos

    reViSo e atuaLizao do LiVroMaria Jos Evangelista

    coLaBoradoreS* Antnio Dercy Silveira FilhoEliana DouradoErno HarzheimGisele BahiaGustavo Diniz Ferreira GussoHeloiza Machado de SouzaLus Fernando Rolim SampaioRoberto ViannaSilvia Takeda

    reViSo tcnica Ren Santos

    reViSo ortoGrFicaRoberto Arreguy Maia (coord.)

    edioTatiana Rosa

    ProJeto GrFicoFernanda Goulart

    deSiGner aSSiStenteThales Amorim

    iLuStraeSJos Mrcio Lara

    diaGraMao Ad Hoc Comunicao

    * Os crditos referem-se s edies de 2007 e de 2011.

  • Apresentao 7

    1 O papel da Ateno Primria na construo do SUS 101.1 Introduo 101.2 O papel da Ateno Primria na construo do SUS 101.3 A ateno sade nos sistemas nacionais e a importncia da APS 111.4 A evoluo do termo Ateno Primria Sade (APS) 131.5 A viso do CONASS sobre a APS e a Sade da Famlia 141.6 Ateno Primria Sade 161.7 Entendendo o que APS no sistema de sade 171.8 O que queremos com a APS 211.9 Desafios para a Sade da Famlia 22

    2 Os fundamentos da Ateno Primria Sade 282.1 Introduo 282.2 As caractersticas da Ateno Primria Sade 28

    3 A operacionalizao da Ateno Primria Sade 383.1 Necessidades em sade 383.2 Planejamento e programao 453.3 Diretrizes e aes programticas 49

    4 A Estratgia Sade da Famlia 544.1 Integralidade, responsabilidade clnica e territorial da Estratgia Sade da Famlia (ESF) 544.2 Estrutura e processo de trabalho na ESF 574.3 Insero da ESF na rede de ateno sade 70

    5 As responsabilidades das esferasde governo e o papel da SES na Ateno Primria Sade 765.1 Introduo 765.2 Princpios gerais da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) 76

    6 O financiamento da Ateno Primria Sade 1006.1 Bases legais para o financiamento no SUS 1006.2 O financiamento na Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) 1006.3 O Piso da Ateno Bsica (PAB) 100

  • 6.4 O Piso da Ateno Bsica Fixo (PAB Fixo) 1016.5 O Piso da Ateno Bsica Varivel (PAB Varivel) 1026.6 Requisitos mnimos para manuteno da transferncia do PAB 1156.7 Indicadores de monitoramento e avaliao para a APS 1176.8 Recursos de estruturao 1206.9 Incentivos estaduais em Sade da Famlia 123

    7 A Ateno Primria Sade e as Redes de Ateno Sade 1347.1 As Redes de Ateno Sade 1367.2 O papel das SES na organizao das Redes de Ateno Sade 139

    8 A planificao da Ateno Primria Sade nos estados 1428.1 Introduo 1428.2 Oficinas sobre Redes de Ateno Sade 1428.3 Objetivos gerais das oficinas da planificao da Ateno Primria Sade 1438.4 Metodologia 1448.5 Das responsabilidades institucionais 1448.6 Pblico-alvo 1458.7 As oficinas 145

    9 Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS) 1589.1 Aspectos conceituais da Promoo da Sade 1589.2 Os determinantes sociais da sade 1629.3 A Poltica Nacional de Promoo da Sade 1649.4 Outros atos normativos importantes para a implementao da PNPS 1669.5 O financiamento da Promoo da Sade 167

    10 Ateno Sade da Populao Indgena 17210.1 Introduo 17210.2 O subsistema de Ateno Sade Indgena 17410.3 Poltica Nacional de Sade dos Povos Indgenas 17610.4 Caractersticas organizacionais dos servios de ateno a Sade Indgena e organizao do modelo de ateno 17710.5 Monitoramento das Aes Desenvolvidas 18010.6 O Controle Social no Subsistema de Sade Indgena 18010.7 Financiamento 18110.8 A Secretaria Especial de Sade Indgena Sesai 18210.9 Consideraes finais 183 Referncias Bibliogrficas 185

  • 7Regulao em Sade

    apresentao

    O CONASS, no I Seminrio para Construo de Consensos (Sergipe, julho de 2003), elegeu como prioridade o fortalecimento da Ateno Primria Sade nas Secretarias Estaduais de Sade, entendo-a como eixo fundamental para a mudana do modelo as-sistencial.

    A velocidade de expanso da Estratgia Sade da Famlia (ESF) comprova a adeso de gestores estaduais e municipais aos seus princpios. A consolidao dessa estratgia, entretanto, precisa de processos que envolvam gestores, equipes tcnicas e profissionais de sade. Para firm-la necessria a aquisio constante de conhecimento tcnico-cientfico, a substituio da viso curativa pela viso prognstica (no sentido da preven-o e promoo da sade individual e coletiva) e a capacidade de produzir resultados positivos que impactem sobre os principais indicadores de sade e de qualidade de vida da populao.

    Ciente da necessidade do fortalecimento da Ateno Primria Sade (APS), tendo como eixo estruturante a Sade da Famlia, o CONASS desencadeou aes visando subsi-diar os estados nesse fortalecimento, entre elas, a parceria com o Conselho Governamen-tal da Universidade de Toronto Programa Internacional do Departamento de Medicina da Famlia e Comunitria da Faculdade de Medicina para o desenvolvimento de uma proposta metodolgica de capacitao para as equipes estaduais de APS/ESF e o projeto Aperfeioamento da Gesto da Ateno Primria (AGAP), este ltimo, desenvolvido em quatro estados do Nordeste brasileiro. Foram tambm realizadas: uma parceria com a Faculdade de Enfermagem Bloomberg Nursing, com o curso de especializao para enfermeiros da APS nos estados do Mato Grosso do Sul e Acre; a constituio da Cmara Tcnica de APS do CONASS; as Oficinas de Redes de Ateno Sade e a consequente Planificao da APS, com 11 oficinas, como proposta para reorganizar a ateno primria nos estados brasileiros, dentro da lgica das redes de ateno sade.

    Tratar desse tema na Coleo para Entender a Gesto do SUS 2011 demonstra a im-

  • 8 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    portncia dada pelo CONASS APS, principalmente se considerarmos as discusses j desencadeadas nas SES para a conformao de redes de ateno sade, entendendo a organizao horizontal dos servios como centro dinamizador de reorientao do mode-lo assistencial do SUS.

    Ressalte-se que a Promoo da Sade no SUS aqui entendida como um dos eixos da APS. Inserimos, ainda, neste livro, dois temas importantes: Sade Indgena e Promoo da Sade, visando contribuir para o aprofundamento das discusses, resgatando a importncia de uma e o valor determinante da outra para a qualidade de vida da populao.

    Entendemos que o momento oportuno para discutirmos o fortalecimento da APS como ao fundamental para a implantao das redes de ateno sade e a consolidao do SUS. Este livro oferece a oportunidade de aprofundarmos essa discusso.

    Boa leitura.

    Beatriz Dobashi - Presidente do Conass

  • 1 O papel da atenO primria na cOnstruO dO sus 1.1 Introduo

    1.2 O papel da Ateno Primria na construo do SUS

    1.3 A ateno sade nos sistemas nacionais e a importncia da Ateno Primria Sade

    1.4 A evoluo do termo Ateno Primria Sade (APS)

    1.5 A viso do CONASS sobre a APS e a Sade da Famlia

    1.6 Ateno Primria Sade e Promoo da Sade

    1.7 Entendendo o que APS no sistema de sade

    1.8 O que queremos com a APS

    1.9 Desafios para a Sade da Famlia

  • 10 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    1 O papel da atenO primria na cOnstruO dO sus

    1.1 Introduo

    Este captulo introdutrio aborda o conceito da Ateno Primria Sade (APS) ou Ateno Bsica (AB), contextualizando o cenrio que levou adoo do termo AB no Brasil e explicitando o entendimento de que Ateno Bsica e Ateno Primria Sade tm o mesmo significado. Sero apresentados os princpios da APS, detalhados no segun-do captulo, e inicia-se a discusso da importncia da Ateno Primria para a eficincia e efetividade dos sistemas de sade, independentemente do estgio de desenvolvimento do pas, trazendo algumas recentes evidncias da importncia da APS publicadas na lite-ratura. Apresenta-se um breve histrico da APS no Brasil e a importncia do seu fortale-cimento neste momento especfico da histria do SUS, apontando evidncias de sucesso da estratgia brasileira para APS, que a Sade da Famlia. Finaliza-se com o destaque de alguns desafios agrupados em temas, entre os quais a valorizao do espao da APS, recursos humanos, gesto da APS e prtica das equipes e financiamento.

    1.2 O papel da Ateno Primria na construo do SUS

    A construo do Sistema nico de Sade avanou de forma substantiva nos ltimos anos, e a cada dia se fortalecem as evidncias da importncia da Ateno Primria Sa-de (APS) nesse processo. Os esforos dos governos nas diferentes esferas administrativas (federal, estaduais e municipais), da academia, dos trabalhadores e das instituies de sade vm ao encontro do consenso de que ter a Ateno Primria Sade como base dos sistemas de sade essencial para um bom desempenho destes.

    Nos pases com sistemas de sade universais, como os da Europa, o Canad e a Nova Zelndia, o tema APS est na pauta poltica dos governos, fazendo um contraponto fragmentao dos sistemas de sade, superespecializao e ao uso abusivo de tecno-logias mdicas, que determina necessidades questionveis de consumo de servios de sade. Assim, mesmo considerando que tais sistemas tm diferentes arranjos operati-vos, pode-se identificar princpios similares, quais sejam: primeiro contato, coordenao, abrangncia ou integralidade e longitudinalidade. Esses princpios vm sendo reforados pelo acmulo de publicaes, em especial nos pases desenvolvidos, que demonstram o

  • 11Ateno Primria e Promoo da Sade

    impacto positivo da APS na sade da populao, no alcance de maior equidade, na maior satisfao dos usurios e nos menores custos para o sistema de sade.

    O Brasil tambm j apresenta estudos que demonstram o impacto da expanso da APS, baseada, sobretudo, na estratgia de sade da famlia (MACINKO; GUANAIS; SOUZA, 2006; MINISTRIO DA SADE, 2005). Alm desses, muitos outros estudos esto em curso, seja na esfera federal ou nos estados, financiados em sua maioria com recursos do Proesf1.

    Outra vertente de discusso que vem ocorrendo concomitantemente implementao e ao aperfeioamento da APS como base do sistema de sade (SUS) o fortalecimento da promoo da sade no SUS. Como parte desse movimento o Ministrio da Sade publi-cou a Poltica Nacional de Promoo da Sade. Por se considerar a APS o locus privilegia-do para a operacionalizao da promoo da sade, tratar-se- deste tema no captulo 9.

    1.3 A ateno sade nos sistemas nacionais e a importncia da APS

    A noo de proteo social como uma necessidade das populaes inclui a desigual-dade social e a ampliao das brechas existentes entre os mais ricos e os mais pobres, em especial na Amrica Latina (BAZZANI, R. et al., 2006). Entretanto, a capacidade de resposta dos sistemas de sade s necessidades da populao questionvel, em especial dentro do modelo centrado no mdico e no hospital. Exemplo disso pode ser visto em trabalhos que apontam que uma reduo de cerca de 6 a 12 meses na expectativa de vida da populao dos Estados Unidos pode ser creditada iatrogenia mdica, sendo essa a terceira causa de bito naquele pas (STARFIELD, 2000; KAWASHI apud Dubot, 2006). Por isso, h que se garantir a universalizao do acesso, mas com ateno ao consumo indiscriminado e mercadolgico dos servios de sade.

    Entendendo que a sustentabilidade dos sistemas de sade baseados nos modelos m-dico-hospitalocntricos tem demonstrado evidentes sinais de esgotamento, aponta-se a necessidade de traar estratgias claras, empiricamente suportadas, para o avano na melhoria dos indicadores de sade da populao.

    Nesse sentido, surgiu, na primeira metade dos anos 1990 nos Estados Unidos, a pro-posta de redes de ateno sade, que avanou pelos sistemas pblicos da Europa Oci-dental e Canad e depois atingiu alguns pases em desenvolvimento (MENDES 2009).

    1_ O Proesf um projeto em curso, com durao total prevista de oito anos, realizado pelo governo brasileiro com parte dos recursos de emprstimo do Banco Mundial, que inclui a disponibilizao de recursos especficos para as SES, em especial para os componentes de educao permanente e monitoramento e avaliao (para sa-ber mais, ver www.saude.gov.br/proesf).

  • 12 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    Shortell et al. (1993) propem superar a fragmentao existente nos sistemas de aten-o sade que configurem um contnuo coordenado de servios para uma populao definida. Todd (1996) identificou que os fatores-chave na integrao dos sistemas em uma experincia americana foram eficcia dos sistemas de informao, integrao clni-ca, aumento da produtividade dos servios hospitalares, realinhamento dos incentivos financeiros, especialmente a superao do pagamento por unidade de servios ou por procedimentos, e o reforo da ateno primria sade. Alm disso, redefiniu o conceito de cadeia de valor na ateno sade, tirando o foco das condies agudas e dirigindo--o para as condies crnicas, o que significa dar centralidade s aes promocionais e preventivas (MENDES 2009). Griffith (1997) estudou a transformao de hospitais co-munitrios em organizaes integradas de ateno sade e chegou concluso que os fatores de sucesso foram a combinao de liderana interna e externa, a maior participa-o dos mdicos, o fortalecimento da ateno primria sade e a introduo da gesto da cnica, a partir de diretrizes clnicas.

    Pointer et al. (1997) elaboraram uma sntese histrica dos sistemas integrados de sade e identificaram os elementos centrais nesses sistemas: a responsabilizao por uma populao, o foco na melhoria dos nveis de sade dessa populao, a oferta de um cont-nuo de servios, a coordenao dos cuidados pela ateno primria sade, a integrao clnica e o pagamento por capitao.

    Segundo Mendes (2009), no sistema pblico de ateno sade do Canad, a experi-ncia de redes de ateno sade desenvolveu-se, em geral, sob a forma de sistemas in-tegrados de sade, em que a porta de entrada so os mdicos de famlia e o planejamento tem como base a necessidade da populao. Na Europa Ocidental, a introduo das redes de ateno sade vem crescendo constantemente. O trabalho precursor foi o clssico Relatrio Dawson, produzido em 1920 (DAWSON, 1964), cujos pontos essenciais foram a integrao da medicina preventiva e curativa, o papel central do mdico generalista, a porta de entrada na ateno primria sade, a ateno secundria prestada em unida-des ambulatoriais e a ateno terciria nos hospitais.

    Como se pode observar, a APS vem demonstrando ser um elemento-chave na cons-tituio dos sistemas nacionais de sade, com capacidade de influir nos indicadores de sade e com grande potencial regulador da utilizao dos recursos de alta densidade tecnolgica2, garantindo o acesso universal aos servios que tragam reais benefcios sade da populao.

    2_ O termo alta densidade tecnolgica refere-se a equipamentos e instrumentais mdico-hospitalares, via de regra de alto custo.

  • 13Ateno Primria e Promoo da Sade

    1.4 A evoluo do termo Ateno Primria Sade (APS)

    As diferentes interpretaes da abrangncia e do escopo da ateno primria nos di-versos pases e continentes, sua complexidade conceitual e a evoluo de sua implemen-tao levaram utilizao de diferentes termos para nomear essa forma de organizao dos sistemas de servios de sade. Tal polissemia vista tanto na literatura internacional quanto na nacional.

    Da ateno primria proposta em Alma-Ata3 at hoje, surgiram derivaes que apon-tam o que se considerava avano ou especificidade em relao proposta original. Nesse sentido tem-se: ateno primria sade, ateno primria seletiva4, ateno primria orientada para a comunidade e, mais recentemente, a ateno primria renovada5.

    No processo histrico brasileiro, tambm so apresentadas diferentes interpretaes para a APS. A noo de que os cuidados primrios de sade, ao assumirem, na primeira metade da dcada de oitenta, um carter de programa de medicina simplificada para os pobres de reas urbanas e rurais, em vez de uma estratgia de reorientao do sistema de servios de sade acabou por afastar o tema do centro das discusses poca (PAIM, 1998). interessante observar que a utilizao pelo Ministrio da Sade do termo aten-o bsica para designar ateno primria apresenta-se como reflexo da necessidade de diferenciao entre a proposta da sade da famlia e a dos cuidados primrios de

    3_ A Conferncia de Alma-Ata, promovida pela OMS, aprovou, por unanimidade, como meta de seus pases membros a sade para todos no ano 2000, tendo como definio de ateno primria uma ateno sade essencial, baseada em mtodos e tecnologias prticas, cientificamente comprovadas e socialmente aceitveis, cujo acesso seja garantido a todas as pessoas e famlias da comunidade mediante sua plena participao, a um custo que a comunidade e o pas possam suportar, em todas as etapas de seu desenvolvimento, com esprito de auto-responsabilidade e auto-determinao. A ateno primria parte integrante tanto do sistema nacional de sade, do qual constitui-se como funo central e ncleo principal, como do desenvolvimento social e econmico global da comunidade. Representa o primeiro nvel de contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema de sade, levando a ateno sade o mais prximo possvel de onde residem e trabalham as pessoas, constituindo o primeiro elemento de um processo permanente de assistncia sanitria (OMS, 1979).4_ Na APS seletiva, o conjunto de atividades e servios so os seguintes: identificao e controle de doenas pre-valentes, preveno e controle de doenas endmicas, monitoramento do crescimento, tcnicas de reidratao oral, amamentao e imunizao; algumas vezes incluam ainda complementao alimentar, alfabetizao de mulheres e planejamento familiar, educao em sade, promoo da sade mental, proviso de drogas. Deve ser diferenciada da ateno primria orientada para a comunidade, que uma terminologia utilizada para uma abordagem de ateno primria surgida em reas rurais da frica do Sul na dcada de 1940, que busca prover servios integrados de sade pblica e assistncia. A partir de alguns pressupostos: definio de uma populao-alvo, definio dos programas comunitrios a serem desenvolvidos, uso complementar de habilidades clnicas e epidemiolgicas; acessibilidade; envolvimento da comunidade na promoo de sua sade; coordenao das ati-vidades incluindo a integrao de diferentes tipos de cuidado, especialidades, servios e instituies; abordagem da ateno sade de largo escopo e inclusiva (Kark & Kark, 1983).5_ Para saber mais consulte: Opas - Renovao da Ateno Primria nas Amricas, disponvel em. http://www.paho.org/portuguese/gov/cd/cd46-13-p.pdf.

  • 14 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    sade, interpretados como poltica de focalizao e ateno primitiva sade (TESTA, 1987). Dessa forma, criou-se no Brasil uma terminologia prpria, importante naquele momento histrico. Atualmente, alguns autores (MENDES, 2002; TAKEDA, 2004), o pr-prio CONASS e alguns documentos e eventos do Ministrio da Sade j vm utilizando a terminologia internacionalmente reconhecida de Ateno Primria Sade. Assim, claro que, no Brasil, o Ministrio da Sade adotou a nomenclatura de ateno bsica para definir APS, tendo como sua estratgia principal a Sade da Famlia (SF).

    Para alm da terminologia empregada, esto as prprias concepes e prticas de APS, que ainda hoje variam desde assistncia pobre para pobres a base para qualquer reforma de um sistema de sade, ou a chave para alcanar a sade para todos6. Em-bora exista um conceito nacional que vem trazendo contribuies para a evoluo con-ceitual e prtica da APS mundialmente, identifica-se, nos mais de cinco mil municpios brasileiros, uma enorme gama de prticas sob a designao de Ateno Bsica ou Sade da Famlia. Assim, mesmo considerando uma ateno bsica ampliada, abrangente e inclusiva, como pensada pelos formuladores de forma tripartite, pode-se ver, em alguns locais, a APS focalizada ou excludente acontecendo, na prtica, no pas. Atentando para essa questo, pode-se corrigir os rumos para a construo do ideal de Ateno Primria Sade proposto.

    1.5 A viso do CONASS sobre a APS e a Sade da Famlia

    Ao longo dos ltimos anos, o CONASS tem contribudo efetivamente para o fortaleci-mento da APS e para a consolidao da Estratgia Sade da Famlia (ESF). Nos pargrafos a seguir destacam-se os principais consensos publicados nas sries CONASS Documenta.

    a. CONASS Documenta 2

    Este documento, intitulado Ateno Primria Seminrio do CONASS para Constru-o de Consensos, resultante das propostas aprovadas no 2 Seminrio do CONASS para a Construo de Consensos, realizado em Salvador, Bahia, nos dias 27 e 28 de novembro de 2003, contando com a presena das Secretarias Estaduais dos 27 estados brasileiros, cujo tema foi a Ateno Primria Sade. No seu conjunto, os Secretrios Estaduais de Sade propuseram que o Programa de Sade da Famlia (PSF) deveria ser estabelecido como a estratgia prioritria para o desenvolvimento da APS no SUS, sendo fundamental a promoo de sua articulao, integrao e negociaes entre gestores e equipes do PSF.

    6_ Apresentado por Hannu Vuori no II Seminrio Internacional da Ateno Primria, em Fortaleza, Cear, 2006. Disponvel no endereo http://dtr2004.saude.gov.br/dab.

  • 15Ateno Primria e Promoo da Sade

    Nesse documento, ficou clara a viso do CONASS sobre a Ateno Primria Sade como estratgia de reorientao do modelo de ateno e no como um programa limita-do de aes em sade de baixa resolubilidade. Ao incorporar em seus documentos a viso do PSF como uma estratgia de APS, o CONASS deu passo importante na qualificao dessa estratgia. O PSF foi considerado como

    uma estratgia de reorientao do modelo assistencial tendo como princpios: a fa-

    mlia como foco de abordagem, territrio definido, adscrio de clientela, trabalho em

    equipe interdisciplinar, corresponsabilizao, integralidade, resolutividade, interseto-

    rialidade e estmulo participao social.

    um processo dinmico que permite a implementao dos princpios e diretrizes da Ateno Primria, devendo constituir-se como ponto fundamental para a organizao da rede de ateno, o (primeiro) contato preferencial com a clientela do SUS.

    Contudo, essa defesa da ESF como a estratgia para reorganizao do SUS por meio da APS no impediu o CONASS de apresentar uma viso crtica sobre a ESF naquele mo-mento de sua implantao. Foi realada a necessidade de ampliar a capacitao de gesto e execuo de aes em sade na ESF, a fim de criar condies necessrias para incorpo-rao dos conjuntos de conhecimentos necessrios para que as equipes de SF realmente mudassem sua prtica assistencial e se promovesse maior integrao com outros nveis e reas do sistema. Para tanto, foram realizadas propostas relacionadas s competncias das Secretarias Estaduais de Sade (SES) em diversos mbitos, como descrito a seguir:

    definio de diretrizes para implantao das equipes pelas SES;

    definio do nmero mximo de 750 habitantes por Agente Comunitrio de Sade;

    processo de qualificao e educao permanente de responsabilidade das Secreta-rias Estaduais de Sade e Secretarias Municipais de Sade pelos Polos de Educao Permanente independentemente do tamanho da populao de cada municpio;

    criao de formas de garantir a articulao das Unidades Bsicas de Sade (UBS) e Unidades de SF com o restante da rede assistencial.

    Algumas das propostas originadas desse consenso do CONASS foram posteriormente integradas Poltica Nacional da Ateno Bsica (por exemplo, nmero mximo de ha-bitantes por ACS).

    b. CONASS Documenta 7

    Em 2004, seguindo a tendncia de produo de consensos, o CONASS publicou do-cumento intitulado Acompanhamento e Avaliao da Ateno Primria com objetivo de

  • 16 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    apresentar um levantamento da rea de Ateno Primria nas Secretarias Estaduais de Sade, principalmente relacionado ao processo de monitoramento e avaliao. Alm dis-so, esse documento tambm apresentava dois textos com objetivo de subsidiar as equipes estaduais para elaborao de instrumentos e metodologias de monitoramento e avaliao da rea de Ateno Primria, a fim de fortalecer a cooperao tcnica entre municpios e Secretarias Estaduais. Esse documento integrava esforos do CONASS dentro do Projeto de Fortalecimento das Secretarias Estaduais de Sade para Cooperao Tcnica com os Municpios, com nfase na Regionalizao da Assistncia e na Gesto da Ateno Prim-ria. No captulo 3 deste livro, discute-se de forma aprofundada as responsabilidades e papel das SES na Ateno Primria Sade, especialmente a questo de monitoramento e avaliao.

    c. Seminrio para a Construo de Consensos do CONASS: Sustentabilidade da Ateno Primria Sade no Brasil

    Em 26 de maio de 2009, foi realizado em Braslia um seminrio para construo de consensos no CONASS, que teve como objetivo geral discutir e propor estratgias para sustentabilidade da Ateno Primria Sade (APS) no Brasil e como objetivos especfi-cos: discutir estratgias para a implementao da APS no Brasil, propor outras formas de financiamento da APS relacionadas ao custeio e ao investimento, discutir estratgias para formao profissional, educao permanente e fixao de profissionais na APS e o papel da Secretarias Estaduais de Sade (SES) na organizao da APS.

    1.6 Ateno Primria Sade

    A Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB) est regulamentada pela Portaria n. 648, de 28 de maro de 2006, que estabeleceu a reviso de diretrizes e normas para a organizao da Ateno Bsica, para o Programa Sade da Famlia (PSF) e para o Pro-grama Agentes Comunitrios de Sade (Pacs).

    A PNAB ressalta que a Ateno Bsica caracteriza-se por um conjunto de aes de sade no mbito individual e coletivo que abrangem a promoo e proteo da sade, preveno de agravos, diagnstico, tratamento, reabilitao e manuteno da sade. desenvolvida por meio do exerccio de prticas gerenciais e sanitrias democrticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populaes de territrios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitria, considerando a dina-micidade existente no territrio em que vivem essas populaes. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de sade de maior frequncia e relevncia em seu territrio. o contato preferencial dos usurios

  • 17Ateno Primria e Promoo da Sade

    com os sistemas de sade. Orienta-se pelos princpios da universalidade, acessibilidade e coordenao, vnculo e continuidade, integralidade, responsabilizao, humanizao, equidade e participao social.

    A Ateno Primria Sade (APS) considera o sujeito em sua singularidade, com-plexidade, integralidade e insero sociocultural e busca a promoo de sua sade, a preveno e tratamento de doenas e a reduo de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudvel.

    A APS tem como fundamentos, segundo a PNAB:

    possibilitar o acesso universal e contnuo a servios de sade de qualidade e resolu-tivos, caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de sade, com territrio adscrito a fim de permitir o planejamento e a programao descentraliza-dos, e em consonncia com o princpio da equidade;

    efetivar a integralidade em seus vrios aspectos, a saber: integrao de aes pro-gramticas e demanda espontnea; articulao das aes de promoo sade, preveno de agravos, tratamento e reabilitao; trabalho de forma interdisciplinar e em equipe e a coordenao do cuidado na rede de servios;

    desenvolver relaes de vnculo e responsabilizao entre as equipes e a populao adscrita, garantindo a continuidade das aes de sade e a longitudinalidade do cuidado;

    valorizar os profissionais de sade por meio do estmulo e acompanhamento cons-tante de sua formao e capacitao;

    realizar avaliao e acompanhamento sistemtico dos resultados alcanados, como parte do processo de planejamento e programao;

    estimular a participao popular e o controle social.

    Para operacionalizao da poltica no Brasil, utiliza-se de uma estratgia nacional prio-ritria que a Sade da Famlia de acordo com os preceitos do Sistema nico de Sade.

    O entrelaamento dessas duas polticas vai ocorrer no campo das prticas, nos muni-cpios e nas equipes de APS, como j se tem demonstrado nas experincias em curso no pas (MINISTRIO DA SADE, 2006).

    1.7 Entendendo o que APS no sistema de sade

    De acordo com Mendes (2009), os sistemas de ateno sade constituem respos-tas sociais, deliberadamente organizadas, para responder s necessidades, demandas e preferncias das sociedades, devendo ser articulados pelas necessidades de sade da populao, que se expressam em situaes demogrficas e epidemiolgicas singulares.

  • 18 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    Os Sistemas de Ateno Sade podem apresentar-se, na prtica social, por meio de diferentes formas organizacionais. Na experincia internacional contempornea, a tipo-logia mais encontrada de sistemas fragmentados e Redes de Ateno Sade.

    Os sistemas fragmentados de ateno sade, fortemente hegemnicos, so aqueles que se (des)organizam por meio de um conjunto de pontos de ateno sade isolados e incomunicados uns dos outros e que, por consequncia, so incapazes de prestar ateno contnua populao. Em geral, no h uma populao adscrita de responsabilizao. Neles, a APS no se comunica fluidamente com a Ateno Secundria Sade, e esses dois nveis tambm no se comunicam com a Ateno Terciria Sade. Diferentemente dos sistemas integrados de ateno sade, as Redes de Ateno Sade so aquelas organizadas em uma rede integrada polirquica de pontos de ateno sade que presta assistncia contnua e integral a uma populao definida, com comunicao fluida entre os diferentes nveis de ateno sade (MENDES, 2009).

    Nos sistemas fragmentados de ateno sade, vige uma viso de uma estrutura hierr-quica, definida por nveis de complexidades crescentes e com relaes de ordem e graus de importncia entre os diferentes nveis, o que caracteriza uma hierarquia. Essa concep-o de sistema hierarquizado vige no SUS, que se organiza segundo suas normativas em ateno bsica, ateno de mdia e de alta complexidade. Tal viso tem srios problemas. Ela se fundamenta em um conceito de complexidade equivocado, ao estabelecer que a APS menos complexa do que a ateno no nvel secundrio e no tercirio (MENDES, 2009).

    Tal viso distorcida de complexidade leva, consciente ou inconscientemente, a uma banalizao da APS e a uma sobrevalorizao, seja material, seja simblica, das prticas que exigem maior densidade tecnolgica e que so exercitadas no nvel secundrio e no tercirio de ateno sade. Nas Redes de Ateno Sade, essa concepo de hierar-quia substituda pela de poliarquia, e o sistema organiza-se sob a forma de uma rede horizontal de ateno sade.

    Assim, nas Redes de Ateno Sade, no h hierarquia entre os diferentes pontos de ateno sade, mas a conformao de uma rede horizontal de pontos de ateno sade de distintas densidades tecnolgicas, sem ordem e sem grau de importncia entre eles. Todos os pontos de ateno sade so igualmente importantes para que se cum-pram os objetivos das Redes de Ateno Sade; apenas se diferenciam pelas diferentes densidades tecnolgicas que caracterizam os diversos pontos de ateno sade.

    No contexto brasileiro e internacional, estudos voltados a entender as necessidades de sade da populao e seus determinantes, bem como conhecer os padres de utilizao

  • 19Ateno Primria e Promoo da Sade

    dos servios de sade, demonstraram que algumas caractersticas so comuns s mais diversas populaes7, e outras so muito particulares.

    A anlise das caractersticas comuns8 s diversas populaes orienta a organizao de sistemas de servios de sade, conformando sistemas. Com base nessas caractersticas, foi sistematizada uma proposta que vem sendo aperfeioada nos ltimos 30 anos (qua-dro 2) e que atualmente vem sendo adotada por um nmero cada vez maior de pases que justamente a Ateno Primria Sade (APS).

    A anlise das caractersticas particulares9 a cada populao (os aspectos ambientais, socio-econmicos, demogrficos, culturais e de sade) orienta a organizao local de cada servio.

    A APS , ento, uma forma de organizao dos servios de sade que responde a um modelo de ateno (com valores, princpios e elementos prprios ver quadro 1), por meio da qual se busca integrar todos os aspectos desses servios e que tem por perspectiva as ne-cessidades de sade da populao. Em sua forma mais desenvolvida, a ateno primria o primeiro contato com o sistema de sade e o local responsvel pela organizao do cuidado sade dos indivduos, suas famlias e da populao ao longo do tempo e busca proporcio-nar equilbrio entre as duas metas de um sistema nacional de sade: melhorar a sade da populao e proporcionar equidade na distribuio de recursos (STARFIELD, 2002).

    A APS tambm uma concepo de sistema de sade, uma filosofia que permeia todo o sistema de sade. Um pas s pode afirmar que tem um sistema de sade baseado na APS, no sentido mais profundo da expresso, quando seu sistema de sade se carac-teriza por: justia social e equidade; autorresponsabilidade; solidariedade internacional e aceitao de um conceito amplo de sade. Enfatiza a compreenso da sade como um direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e polticos mais am-plos da sade. No difere, nos princpios, de Alma-Ata, mas sim na nfase sobre as impli-

    7_ Embora os diferentes pases/territrios tenham uma imensa diversidade cultural (por exemplo, raa, etnia, situao socioeconmica, estado de sade, afiliaes religiosas e polticas), existem aspectos comuns entre as pessoas e suas preocupaes com sade.8_ Caractersticas comuns s diversas populaes: (a) embora seja ampla a variedade de problemas de sade das populaes, existem alguns muito frequentes, responsveis por cerca da metade de toda a demanda trazida pela populao; (b) os problemas de sade apresentados por qualquer populao so de diversas naturezas, de todos os rgos e sistemas e com frequncia no estritamente mdicos; (c) entre os problemas mais frequentes em qualquer populao, encontram-se alguns de grande complexidade, exigindo intervenes sobre indivduos, fa-mlias e grupos sociais, bem como englobando elementos cognitivo-tecnolgicos de diferentes disciplinas, como biomedicina, sociologia, antropologia, psicologia, educao etc. Apesar disso, tais problemas implicam menor custo financeiro, pois exigem menor densidade tecnolgica (equipamentos) para sua resoluo.9_ para responder s caractersticas particulares de cada populao que o modo de fazer APS se modifica: a lista de problemas mais comuns pode variar nos diferentes territrios e consequentemente pode variar o tipo de profissional a compor a equipe multidisciplinar, bem como as habilidades necessrias; o acolhimento pode ser um enfoque mais ou menos necessrio, assim como outras formas de organizao dos servios.

  • 20 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    caes sociais e polticas na sade. Defende que o enfoque social e poltico da APS deixou para trs aspectos especficos das doenas e que as polticas de desenvolvimento devem ser mais inclusivas, dinmicas, transparentes e apoiadas por compromissos financeiros e de legislao, se pretendem alcanar mais equidade em sade.

    A ateno primria tem aspectos nicos, prprios dela, que a caracterizam e diferen-ciam dos demais nveis de ateno. Para realmente se entender o que a APS, deve-se conhecer os elementos que a constituem (quadro 1) e como se articulam.

    No Brasil, pode-se dizer que o sistema de sade que se busca, com os avanos e con-quistas prprias, est perfeitamente afinado com a APS, pois se identificam os valores e princpios essenciais para estabelecer as prioridades nacionais (quadro 1) de um sistema de sade voltado a enfatizar a equidade social, a corresponsabilidade entre populao e setor pblico e a solidariedade, utilizando um conceito amplo de sade.

    Quadro 1 VAlORES, PRINCPIOS E ElEMENtOS DE uM MODElO DE SADE BASEADO NA APS E DO

    MODElO DE SADE ADOtADO PElO BRASIl. MODIFICADO DO quADRO DA OPS.

    SUS - BrASIl - A SADE DA FAmlIA

    VAlORES

    Expressam os valores dominantes em uma sociedade. So a ncora moral para as polticas e programas de interesse pblico.

    UniversidadeEqidadeIntegralidadeParticipao e controle social

    PRINCPIOS

    Provm as bases para a legislao, os critrios para a avaliao, critrios para a alocao de recursos.

    TerritorializaoIntersetorialidadeCarater substitutivo (baseado na pessoa e no na doena)Equipes multiprofissionais

    Baseado nas necessidades e expectativas das populaes

    Voltado para a qualidade de vida

    AtRIButOS (Ou ElEMENtOS Ou CARACtERStICAS DA APS)

    So a base estrutural e funcional do sistema de sade. Permitem operacionalizar as polticas, os programas e os servioes.

    NICOS DA APS:

    Primeiro contatointegralidadelongitudinalidadecoordenao

    Derivados dos anterioresEnfoque na pessoa (no na doena) e na famliaValorizao dos aspectos culturaisOrientado para a comunidadeNo nicos da APS, mas essenciais:

    Resgitro adequado

    continuidade de pessoal

    ComunicaoQualidade clnicaDefesa da clientela (advocacia)

  • 21Ateno Primria e Promoo da Sade

    Quadro 2 AS DIFERENtES INtERPREtAES DA AtENO PRIMRIA SADE

    INTErPrETAES DE APS DEFINIO OU CONCEITO DE APS

    APS seletivaUm conjunto especfico de atividades e servies de sade voltados populao pobre

    A APS constitui-se em um conjunto de atividades e servies de alto impacto para enfrentar alguns dos desafios de sade mais prevalentes nos pases em desenvolvimetno (Gofin; Gofin, 2005).*

    Um nvel de Atenoem um sistema de servios de sade.

    APS refere-se ao ponto de entrada no sistema de sade quando se apresenta um problema de sade, assim como o local de cuidados contnuos da sade para a maioria das pessoas. Esta a concepo mais comum da APS na Europa e em outros pases industrializados.

    Uma estratgia para organizar os sistemas de ateno sade **

    Para que a APS possa ser entendida como uma estratgia para organizar o sistema de sade, este sistema deve estar baseado em alguns princpios estratgicos simples: funcionalmente integrados (coordenao); baseados na participao da comunidade, custo-efetivos, e caracterizados por colaborao intersetorial.

    Uma concepo de sistema de sade, uma filosofia que permeia todo o sistema de sade.

    Um pas s pode proclamar que tem um sistema de sade baseado na APS, no sentido mais profundo da expresso, quando seu sistema de sade se caracteriza por: justia social e equidade; autoresponsabilidade; solidariedade internacional e aceitao de um conceito amplo de sade. Enfatiza a compreenso da sade como um direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e polticos mais amplos da sade (Ministrio da Sade, 2006).

    No diferente nos princpios de Alma-Ata, mas sim na nfase sobre as implicaes sociais e polticas na sade. Defende que o enfoque social e poltico da APS deixaram para trs aspectos especficos das doenas e que as polticas de desenvolvimento devem ser mais indusivas, dinmicas, transparentes e apoiadas por compromissos financeiros e de legislao, se pretendem alcanar mais eqidade em sade.

    1.8 O que queremos com a APS

    Muitas mudanas foram empreendidas nas duas ltimas dcadas do sculo XX, por meio de reformas em estruturas de governo/estado. Uma das mais amplas foi a Reforma Sanitria. No caminho de sua redemocratizao, o pas desencadeou um processo que procurou romper as antigas formas de oferecer servios de sade populao para um modelo baseado em princpios gerais de ordem doutrinria, como universalidade, inte-gralidade e equidade, que passaram a constituir um direito fundamental do povo bra-sileiro na rea da sade. Para a consecuo de seus objetivos, a prpria reforma previu mudanas por meio de princpios organizativos, permeados por mecanismos de descen-tralizao, hierarquizao de servios e estrutura de gerenciamento. Isso exigiu mudan-as profundas nas estruturas organizacionais, nos servios de sade e no atendimento, suscitando novas formas de prestao de aes e servios de sade populao.

    O movimento da reforma sanitria, cujos esforos centraram-se em questes mais gerais das polticas de sade, culminou na 8 Conferncia Nacional de Sade, que foi

  • 22 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    fundamental para a construo do texto da sade da Constituio promulgada em 1988 e a criao do Sistema nico de Sade (SUS), organizado em princpios e diretrizes que definiram a APS como diretriz norteadora e articuladora para a transformao do modelo de ateno sade vigente.

    Uma caracterstica marcante no sistema foi a descentralizao da gesto e competn-cia da prestao dos servios aos municpios, com o suporte tcnico e financeiro dos esta-dos e governo federal. Nesse contexto, os municpios apresentam um papel relevante na execuo dos servios de assistncia sade e, mais amplamente, da gesto do nvel de APS (GIL, 2006; OLIVEIRA et al., 2007). Nesse sentido a estratgia brasileira para APS, que a Sade da Famlia, tem sido positiva. A pesquisa Sade da Famlia no Brasil Uma anlise de indicadores para a ateno bsica (MINISTRIO DA SADE, 2006) descreve comparativamente, no perodo de 1998 a 2004, a evoluo de oito indicadores de sade, segundo estratos e cobertura da Sade da Famlia no Brasil, considerando o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), renda e porte populacional dos municpios. Como ten-dncia geral, o grande impacto do PSF no sentido de melhorar os indicadores de sade foi observado nos agrupamentos de municpios com IDH baixo (< 0,7). Essa observao muito importante por traduzir que a Estratgia de Sade da Famlia um fator de ge-rao de equidade. Ao demonstrar melhores resultados no agrupamento de municpios de IDH mais baixo, conseguiu aproximar os indicadores destes aos dos municpios de renda e IDH mais alto, reduzindo a brecha existente entre os dois grupos de municpios. Tambm o estudo de Macinko, Guanais e Souza em que foram avaliadas variveis para reduo da mortalidade infantil, a Sade da Famlia apresentou-se como a segunda va-rivel mais importante, somente causando menor impacto que os anos de escolaridade materna. O estudo demonstrou que a SF superou o acesso gua tratada como fator de reduo da mortalidade. Tambm confirmou que o nmero de leitos hospitalares per capita tem um peso pequeno nesse indicador.

    1.9 Desafios para a Sade da Famlia

    Ao longo deste livro, sero levantados alguns desafios para a Estratgia Sade da Famlia (ESF) que vm sendo apontados em encontros nacionais e internacionais, discus-ses de grupos e oficinas sobre o tema, promovidos pelo Ministrio da Sade, CONASS, Conasems, Organizao Pan-Americana da Sade (Opas), Secretarias Estaduais e Muni-cipais e instituies acadmicas, a partir de notas dos autores. Todos os pontos aqui apon-tados sero discutidos nos captulos subsequentes de forma mais detalhada, incluindo propostas em implantao no pas.

  • 23Ateno Primria e Promoo da Sade

    1.9.1 Valorizao poltica e social do espao da Ateno Primria Sade

    O desafio central, do qual derivam muitos outros, o da valorizao poltica e social do espao da APS junto a gestores, academia, trabalhadores, populao, mdia e todos os segmentos que, de uma maneira ou de outra, influem na definio dos rumos do pas. A ESF, apesar dos enormes avanos e conquistas nos ltimos anos, ainda enfrenta muitos desafios para se tornar hegemnica como uma proposta capaz de mudar o sistema de sade e fazer frente ao modelo fragmentado existente.

    A fragmentao coerente com o paradigma flexneriano, de disciplinas isoladas, que domina as escolas mdicas e praticamente todas as escolas do campo da sade. Esse modelo fragmentado tambm se mostra muito mais coerente com as demandas do mer-cado do que com uma proposta abrangente de ateno primria. Felizmente, seja pelo caminho de reduo e racionalizao dos custos, seja pelo caminho das evidncias de melhores resultados, da busca da equidade e da maior solidariedade na sociedade, h um reforo e valorizao mundial da APS. Tambm importante que o Brasil avance na cons-truo desse campo de conhecimento e de prtica, ainda pouco explorado pela academia brasileira, deixando ao largo preconceitos e ideias pr-formatadas, ainda no superadas, dos pacotes assistenciais dos anos 1980 e 1990.

    A ttulo de exemplo, a desvalorizao da APS reflete-se na dificuldade de captao de mdicos nas residncias de medicina de famlia, nas dificuldades de muitos atores de deixar de tratar a APS como o postinho de sade e dos usurios de reconhecer que esse espao crucial para apoi-los no emaranhado de servios e tecnologias disponveis nos sistemas de sade.

    1.9.2 recursos humanos

    Um segundo grupo de desafios, e talvez o mais importante como componente estru-tural, refere-se aos recursos humanos. Esse desafio inicia-se na gesto da APS nos nveis centrais das trs esferas de governo e chega ponta do sistema como uma dificuldade patente de contratao pelo setor pblico, de profissionais com perfil adequado ao que se pretende e se espera da APS.

    Esse grupo de desafios tem razes no processo de formao dos profissionais que, ape-sar dos esforos de mudana, consequente em especial expanso da SF, persiste distante das necessidades do SUS de integrao de conhecimentos clnicos e de sade coletiva. urgente, tambm, a necessidade de qualificao do processo de educao permanente dentro da perspectiva de atendimento demanda social, de um sistema de sade resolu-tivo e eficiente, aumentando a presena das universidades na estratgia de SF. Outro foco

  • 24 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    o da capacitao e educao permanente de gestores municipais e locais, que muitas vezes no contempla aspectos da APS, cruciais para o cotidiano das aes desses atores.

    Uma importante estratgia nesse sentido foi a deciso do CONASS de oferecer, em parceria com o Ministrio da Sade e a Universidade de Toronto no Canad, formao para as equipes estaduais de gesto da APS e o Projeto Aperfeioamento da Gesto da Ateno Primria Sade (Agap), que est sendo desenvolvido em quatro estados do Nordeste brasileiro, Alagoas, Piau, Paraba e Cear, com 41 projetos de interveno na rea da ateno primria. Tambm so parceiros nesse projeto a Sociedade Brasileira de Medicina de Famlia e Comunidade (SBMFC), a Bireme e a Opas.

    Vale destacar que o n crtico mais citado pelos gestores a falta de mdicos de fa-mlia e comunidade com perfil e capacidade tcnica e em quantidade suficiente para atender o processo de expanso em curso. Mesmo com o esforo do aumento de vagas de residncia em Medicina de Famlia e Comunidade (MFC), muitas delas nem mesmo so preenchidas. O que se espera so passos concretos dos rgos formadores para a criao de estruturas que sejam o espao desses profissionais nas universidades. Nesse sentido, aponta-se que as experincias internacionais mais recentes, como Canad e Espanha, passaram pela criao de departamentos de medicina de famlia nas faculdades de medi-cina como um importante definidor da deciso poltica de se avanar na consolidao e reconhecimento desses profissionais.

    Pensando ainda no desafio da valorizao do espao da APS, que em relao aos recursos humanos espelha-se na valorizao dos profissionais, fundamental buscar es-tratgias diversas que considerem a complexidade dos problemas. Certamente no s por meio dos salrios que se vai resolver a questo. O reconhecimento social desses profissionais, a possibilidade de educao permanente, a melhoria da infraestrutura das unidades, a possibilidade de participao em congressos e eventos e o estmulo produ-o intelectual so cruciais para a fixao dos profissionais e a possibilidade de viabili-zarem-se os princpios da APS. Tambm se deve atentar para as formas de contratao que garantam a perenidade dos profissionais da APS, com adoo de planos de carreira e remunerao adequados para todos os profissionais da ESF, respeitando os arranjos locais garantidos em lei.

    Um terceiro grupo de desafios est na insero da APS, com todo o seu potencial or-ganizador nos sistemas municipais de sade, no seu papel de coordenao do cuidado na rede de ateno sade.

    Em primeiro lugar, estamos falando de uma rede de servios que ultrapassa 50 mil unidades, quase que exclusivamente pblicas. Essa magnitude, por si s, demonstra a complexidade da integrao e coordenao da rede a partir da APS. Tambm no se deve

  • 25Ateno Primria e Promoo da Sade

    esperar que um dos processos mais complexos na construo de um sistema de sade, que a articulao dos pontos de ateno em rede, seja solucionado rapidamente com a implantao de uma nica estratgia.

    Responsabilizar univocamente a Sade da Famlia um erro. Sem dvida, precisa-se ampliar a insero da ESF no sistema, melhorando a articulao, a comunicao e a ca-pacidade de coordenao do cuidado pela ESF nos diversos pontos do sistema de sade, bem como necessrio manter a ampliao da cobertura, pois j existem evidncias que grupos de municpios com coberturas superiores a 70% apresentam melhores resultados (MINISTRIO DA SADE, 2006), mas sem perder de vista a observncia dos critrios de implantao previstos na PNAB.

    1.9.3 Duplicao das redes de ateno

    Outra questo derivada dessa discusso a duplicao de redes de ateno com uni-dades tradicionais e unidades de sade da famlia que atuam em um mesmo territrio, gerando, entre outros problemas, competio pela clientela, dificultando a vinculao da populao, conflitos entre as equipes com desqualificao do trabalho destas diante da populao usuria e gastos adicionais desnecessrios. Soma-se a isso a fragilidade da gesto na maioria dos mais de cinco mil municpios, muitos dos quais nem mesmo possuem estruturas organizadas de gesto em sade, bem como a baixa capacidade de apoio tcnico de muitas das SES e, em especial, de suas estruturas regionais, que so, em ltima instncia, o primeiro ponto de contato do gestor municipal com o sistema regional e estadual de sade.

    1.9.4 Prtica das equipes

    Um quarto grupo de desafios localiza-se na prtica das equipes. Promover a integrali-dade do cuidado em suas diversas vertentes um enorme desafio para as equipes. Pode-se entender a integralidade inicialmente pela capacidade da equipe em se articular interna-mente, em um trabalho em equipe e no em grupo. Isso significa mudar a prtica cotidia-na. Um segundo aspecto a capacidade das equipes de atuar integrando as diversas reas programticas com a demanda espontnea, respondendo de forma equilibrada a essas duas demandas. O terceiro aspecto a necessidade de prover servios para tratamento e reabilitao e tambm atuar no controle dos riscos e danos em seu territrio, prevenindo agravos e promovendo a sade com aes de cunho individual, de grupos e populacional. O quarto ponto diz respeito interao com a comunidade e capacidade de ao inter-setorial em seu territrio. Temos que atentar para que no sejam transferidas s equipes de Sade da Famlia responsabilidades de aes intersetoriais que so do gestor.

  • 1.9.5 Financiamento

    Um quinto grupo est relacionado ao financiamento. Como todas as outras aes e polticas no SUS, a APS no conta com os recursos suficientes. Destaca-se que alguns estados j implantaram incentivos especficos para ateno primria e para a sade da fa-mlia, alguns deles vinculados ao desempenho, o que extremamente positivo nesse mo-mento de qualificao da APS. Em relao reduo de custos, criticada por alguns auto-res como o eixo de prioridades da APS, claro que s ser possvel com a racionalizao da utilizao e do consumo de servios de custo elevado. Entretanto, ainda estamos em um movimento nacional de universalizao do acesso, dentro do processo de construo do SUS, e muitos gestores apontam que a sade da famlia tem ampliado despesas e no as reduzido. O que se espera nesse momento qualificar a porta de entrada para que se possa cumprir o papel de dar acesso, de forma racional, a todos.

    1.9.6 Avaliao e instrumentos de gesto

    Para finalizar, existem os desafios da avaliao e da utilizao de uma gama im-portante de instrumentos de gesto disponveis, como o Sistema de Informaes da Ateno Bsica (Siab), a Pactuao de Prioridades, Objetivos, Metas e Indicadores do Pacto pela Sade para o binio 2010/2011, de acordo com a Portaria GM/MS n. 2669, de 3 de novembro de 2009, a Avaliao para Melhoria da Qualidade (AMQ) e a Programao para Gesto por Resultados (Prograb). Esses so instrumentos cons-trudos em parceria do Ministrio da Sade com o CONASS e as Secretaria Estaduais de Sade, com o Conasems, as Secretarias Municipais de Sade e outros atores po-dem ser utilizados no processo de qualificao.

    Vrias estratgias vm sendo usadas na busca da superao dessas dificuldades. Transformar a sade da famlia de um programa a uma estratgia dentro de uma poltica nacional um desses avanos.

  • 2 Os fundamentOs da atenO Primria sade 2.1 Introduo

    2.2 As caractersticas da Ateno Primria Sade

  • 28 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    2 Os fundamentOs da atenO Primria sade

    2.1 Introduo

    Nos ltimos anos, acumularam-se evidncias de que um sistema de sade baseado na Ateno Primria10 (APS) alcana melhores resultados sade das populaes. As evi-dncias provm de estudos realizados em diversos pases (MACINKO; GUANAIS; SOU-ZA, 2006; ALMEIDA; BARROS, 2005; STARFIELD, 2004; WYKE; CAMPBEL; MACIVER, 1992; BOWLING; BOND, 2001), incluindo o Brasil, e apontam quais caractersticas da APS podem levar um sistema de sade a ser mais efetivo, ter menores custos e ser mais satisfatrio populao e mais equnime, mesmo diante de adversidades sociais.

    Este captulo abordar, na primeira seo, as caractersticas da Ateno Primria que esto relacionadas a oportunidades de melhores resultados em sade, discutindo concei-tos, vantagens e limitaes em cumpri-las.

    Embora no haja dvidas da contribuio dos servios de sade e da sua forma de organizao para a qualidade de vida dos indivduos e das populaes, essa contribuio encontra seus limites. Equidade e maior qualidade de vida exigem que se enfrente o con-junto de determinantes da sade, o que requer polticas pblicas saudveis, uma efetiva articulao intersetorial e a mobilizao da populao.

    2.2 As caractersticas da Ateno Primria Sade

    A APS uma forma de organizao dos servios de sade, uma estratgia para in-tegrar todos os aspectos desses servios, tendo como perspectiva as necessidades em sade da populao. Esse enfoque est em consonncia com as diretrizes do SUS e tem como valores a busca por um sistema de sade voltado a enfatizar a equidade social, a corresponsabilidade entre populao e setor pblico, a solidariedade e um conceito de sade amplo (BRASIL, 2006; TAKEDA, 2004). Em sua forma mais desenvolvida, a Ateno Primria a porta de entrada ao sistema de sade e o local responsvel pela

    10_ A Ateno Primria no Brasil denominada Ateno Bsica. Para maiores detalhes, ver captulo introdutrio.

  • 29Ateno Primria e Promoo da Sade

    organizao do cuidado sade dos indivduos, suas famlias e da populao, ao longo do tempo (STARFIELD, 1994; VUORI, 1982).

    As evidncias demonstram que a Ateno Primria tem capacidade para responder a 85% das necessidades em sade (STARFIELD, 1994), realizando servios preventivos, curativos, reabilitadores e de promoo da sade; integrando os cuidados quando existe mais de um problema; lidando com o contexto de vida e influenciando as respostas das pessoas aos seus problemas de sade.

    A Ateno Primria diferencia-se da secundria e da terciria por diversos aspectos, entre eles: dedica-se aos problemas mais frequentes (simples ou complexos) que se apre-sentam, sobretudo em fases iniciais, e que so, portanto, menos definidos11. Nas unida-des de sade, consultrios comunitrios, escolas ou asilos e nos espaos comunitrios, observam-se grande variedade de necessidades em sade, forte componente dedicado preveno de doenas, alta proporo de pacientes j conhecidos pela equipe de sade e maior familiaridade dos profissionais, tanto com as pessoas quanto com seus problemas.

    A Ateno Primria tem, portanto, qualidades nicas que a caracterizam e diferen-ciam dos demais nveis de ateno. Para realmente entendermos o que a APS, devemos conhecer os elementos que a constituem (quadro 1). Para fins didticos, essas caracters-ticas so, a seguir, apresentadas separadamente, mas se salienta que elas so interdepen-dentes e complementares.

    2.2.1 Primeiro contato (porta de entrada ao sistema de sade)

    Primeiro contato12 significa acesso e utilizao do servio de sade para cada novo evento de sade ou novo episdio de um mesmo evento. Um servio porta de entrada

    11_ Mdicos de famlia e comunidade so procurados em estgios iniciais dos sintomas (febre, dores de cabe-a, mal estar etc.), e frequentemente esses sintomas nunca evoluem para uma patologia. Diferentemente dos especialistas em enfermidades (cardiologistas, neurologistas, gastroenterologistas etc.) que mais comumente recebem pacientes quando os problemas se encontram em estgios avanados e, portanto, em fases em que a patologia encontra-se mais definida. Equipes de APS tm capacidade para lidar com vrios problemas ao mesmo tempo. Exemplo: mulher, 45 anos, com diabete, hipertenso e obesidade, cujo marido etilista encontra-se de-sempregado e o filho menor enfrenta dificuldades escolares a situao em seu conjunto caracteriza-se como de grande complexidade, exigindo atuao de uma equipe que atue interdisciplinarmente, o que no ocorre na ateno secundria.12_ O conceito de porta de entrada ou primeiro contato aqui utilizado encontra-se no contexto da orga-nizao de sistemas de servios de sade em ateno primria, secundria e terciria/quaternria. A ateno primria, capaz de responder a cerca de 85% das necessidades de sade das populaes, considerada a mais adequada porta de entrada ao sistema de sade para virtualmente todas as demandas. Servios de emergncia no se caracterizam como um nvel de ateno sade e a proporo de necessidades a que foram desenha-dos para responder (as emergncias) pequena no conjunto de necessidades das populaes. Portanto, no so considerados porta de entrada dentro desse conceito ampliado.

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    quando a populao e a equipe identificam-no como o primeiro recurso de sade a ser buscado quando h uma necessidade/problema de sade. Para isso, deve ser de fcil acesso e disponvel. Se no o for, a procura ser adiada, talvez a ponto de afetar negati-vamente o diagnstico e o manejo do problema (STARFIELD, 2004).

    O acesso tem dois componentes:

    a. o acesso geogrfico, que envolve caractersticas relacionadas distncia e aos meios de transporte a serem utilizados para obter o cuidado;

    b. o acesso scio-organizacional, que inclui aquelas caractersticas e recursos que fa-cilitam ou impedem os esforos das pessoas em receber os cuidados de uma equipe de sade. Por exemplo, o horrio de funcionamento, a forma de marcao de consulta, a presena de longas filas podem significar barreiras ao acesso. O mesmo ocorre com: as horas de disponibilidade da unidade de sade; a oferta de cobertura aps o horrio de funcionamento e a explicitao dos servios a serem utilizados pela populao quando a unidade de sade no est disponvel; a facilidade de acesso para idosos e portadores de deficincias fsicas; o tempo mdio gasto na sala de espera; a ausncia de dificuldades com linguagem; as barreiras relacionadas a gnero; as acomodaes; a aceitabilidade das diferenas culturais; a disponibilidade de brechas para consultas de emergncias; o intervalo de tempo entre marcar e consultar; a disponibilidade para visitas domiciliares; a oferta de cuidados para grupos que no procuram espontaneamente o servio; a busca ativa etc. A organizao da agenda para garantir consultas programadas permite que as aes de promoo e preveno em sade, tais como acompanhamento pr-natal e acon-selhamento em doenas crnicas, sejam realizadas.

    A utilizao dos servios de APS pela populao depende da boa resolutividade das equipes, do acolhimento, da capacidade de delimitar os recursos necessrios para resol-ver os problemas e de uma prtica baseada na pessoa (e no na doena), na famlia e na comunidade.

    As equipes de Sade da Famlia tm inovado na busca de formas que garantam acessi-bilidade e maior utilizao da APS como primeiro contato com o sistema de sade. O aco-lhimento13, a exposio de cartazes com horrios de funcionamento e disponibilidade dos integrantes da equipe, os turnos vespertinos e agenda aos sbados so alguns exemplos de esforos nesse sentido. O trabalho em parceria com as comunidades para diminuir as barreiras de acesso e melhorar a utilizao dos servios essencial.

    13_ Acolhimento uma proposta de organizao do atendimento da demanda espontnea nos servios de sa-de, de forma que todas as pessoas que procurarem os servios tenham suas demandas ouvidas e encaminhadas a alternativas de soluo de forma humanizada.

  • 31Ateno Primria e Promoo da Sade

    As diretrizes da Estratgia Sade da Famlia buscam a ampliao do acesso e da uti-lizao dos servios de APS como porta de entrada ao sistema, ao proporem que as uni-dades de sade sejam prximas ao local de moradia das pessoas, bem como a vinculao populacional e a responsabilidade pelo territrio.

    2.2.1.1 AS VANTAGENS DO PRIMEIRO CONTATO

    A utilizao de um servio de APS como o primeiro recurso de sade por uma determi-nada populao traz as seguintes vantagens (FORREST; STARFIELD, 1996; STARFIELD, 1985; FIHN; WICHER, 1988; HURLEY; FREUND; GAGE, 1991; MOORE, 1979; MOORE; MARTIN; RICHARDSON, 1979; OTOOLE et al., 1996; ROOS, 1979):

    a. ocorre reduo dos seguintes aspectos: nmero de hospitalizaes, tempo de permanncia no hospital quando ocorre hospitalizao, nmero de cirurgias, uso de especialistas em doen-as, nmero de consultas para um mesmo problema e nmero de exames complementares;

    b. so maiores: o nmero de aes preventivas, a adequao do cuidado, a qualidade do servio prestado e a oportunidade da ateno (maior chance que ocorra no tempo certo);

    c. as equipes de sade, especialistas em APS, lidam melhor com problemas de sade em estgios iniciais, utilizando a adequada abordagem: ver, esperar e acompanhar (STAR-FIELD, 1994) em contraposio aos especialistas em doenas que, acostumados a ver problemas em fases mais adiantadas, solicitam mais exames complementares e realizam mais procedimentos.

    2.2.1.2 OS DESAFIOS DA PORTA DE ENTRADA NO SUS

    A utilizao da Ateno Primria Sade como porta de entrada ao sistema de sade brasileiro melhorou muito desde a criao da Estratgia Sade da Famlia, seja amplian-do o acesso das populaes aos servios, seja disponibilizando uma gama maior de aes de promoo, preveno e tratamento. Porm, muitos desafios precisam ainda ser en-frentados para que se alcance mais equidade e observem-se, traduzidos nos indicadores de morbimortalidade, melhores resultados em sade. Entre esses desafios, destacam-se a valorizao da APS na rede de servios de sade, o aumento da resolutividade da APS e o cuidado de enfocar as necessidades em sade da populao.

    Os servios de emergncia so ainda inadequadamente utilizados por grande parcela da populao. Embora sejam as melhores portas de entrada na ocorrncia de emergn-cias14, no contemplam a integralidade da ateno, a longitudinalidade do cuidado e a coordenao das aes.

    14_ Emergncia: situao imprevista de agravo sade com ou sem risco de vida e/ou sofrimento intenso que exija atendimento mdico em 24 horas ou de forma imediata (Ministrio da Sade, 2001).

  • 32 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    A cultura da busca pelo especialista e da livre demanda, prprias do modelo mdico hospitalocntrico, j questionada. Vrios pases restringem o acesso a especialistas ao encaminhamento do mdico da ateno primria, com repercusses positivas nos custos e na eficincia do sistema (SAMPAIO; SOUZA, 2002).

    2.2.2 Longitudinalidade do cuidado (ou vnculo e responsabilizao)

    A essncia da longitudinalidade uma relao pessoal que se estabelece ao longo do tempo, independentemente do tipo de problemas de sade ou mesmo da presena de um problema de sade, entre indivduos e um profissional ou uma equipe de sade. Uma equipe de APS tem a oportunidade de acompanhar os diversos momentos do ciclo de vida dos indivduos, de suas famlias, da prpria comunidade e assim, por intermdio dessa relao, a equipe conhece as pessoas, suas famlias e comunidade, e estes conhe-cem a equipe de sade. O vnculo e a responsabilizao, contidos na proposta brasileira, referem-se a esse conceito.

    A longitudinalidade pressupe a existncia de uma fonte regular de ateno e seu uso ao longo do tempo, o que significa uma unidade de sade com equipes estveis. A rotatividade de pessoal nas equipes de sade um fator impeditivo do alcance da longi-tudinalidade.

    A continuidade do cuidado, por outro lado, significa o acompanhamento durante um episdio de doena. No uma particularidade da APS, ocorrendo tambm nos demais nveis de ateno.

    2.2.2.1 AS VANTAGENS DA LONGITUDINALIDADE

    A longitudinalidade est associada a diversas vantagens (WASSON et al., 1984; STEWART et al., 1997; BAKER, 1996; BAKER; STREATFIELD, 1996; RODEWALD et al., 1997), incluindo a menor utilizao de servios de sade, melhor cuidado preventivo, atendimentos mais precoces e adequados, menor frequncia de doenas prevenveis, maior satisfao das pessoas com o atendimento e custo total mais baixo.

    Quando h estabilidade dos profissionais e dos servios, observa-se com maior fre-quncia que:

    os tratamentos institudos so completados;

    so realizadas mais aes de preveno, h melhor utilizao dos servios de sa-de pela populao que compreende e respeita os alcances e os limites das equipes de sade;

  • 33Ateno Primria e Promoo da Sade

    ocorre menor proporo de hospitalizaes;

    aumenta a capacidade dos profissionais em avaliar adequadamente as necessidades das pessoas;

    h maior integralidade do cuidado e coordenao das aes e servios;

    h maior satisfao dos usurios.

    A longitudinalidade especialmente vantajosa para pessoas com doenas crnicas e em comorbidades, situaes muito frequentes e que exigem da APS uma reestruturao dos servios, cuja tradio organizarem-se para o enfrentamento de problemas agudos.

    2.2.2.2 OS DESAFIOS DA LONGITUDINALIDADE NO SUS

    Os desafios da longitudinalidade no Brasil esto especialmente relacionados rotati-vidade de profissionais nas equipes de sade e qualidade do registro das informaes em pronturios.

    2.2.3 Integralidade

    Cuidado integral a capacidade da equipe de sade em lidar com a ampla gama de necessidades em sade do individuo, da famlia ou das comunidades, seja resolvendo-os, o que pode ocorrer em 85% das situaes (STARFIELD, 1994), por meio da oferta de um conjunto de aes e servios, descritos no captulo 3, ou referindo-se aos outros pontos de ateno sade, que podem ser aos cuidados secundrios, tercirios ou a outros setores (educao, saneamento, habitao etc.).

    A integralidade pressupe um conceito amplo de sade, no qual necessidades biop-sicossociais, culturais e subjetivas so reconhecidas; a promoo, a preveno, e o tra-tamento so integrados na prtica clnica e comunitria e a abordagem voltada para o indivduo, sua famlia e seu contexto. A integralidade depende da capacidade de identi-ficar as necessidades percebidas e as no percebidas pelos indivduos, da abordagem do ciclo vital e familiar e da aplicao dos conhecimentos dos diversos campos de saberes.

    Uma condio essencial para a integralidade a atuao interdisciplinar das equipes de sade: cotidianamente se apresentam nas unidades de sade e territrios das equipes de APS situaes cuja complexidade exige a interveno coordenada de profissionais de diversas disciplinas.

    A condio estrutural para que a integralidade se d a disponibilidade de uma va-riedade de servios, incluindo recursos que normalmente no so utilizados nos cui-dados secundrios, tais como visitas domiciliares, aes em organizaes comunitrias

  • 34 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    (creches, clubes de mes, grupos de apoio etc.) e articulaes intersetoriais para es-tratgias de promoo da sade e preveno de doenas. Decidir quais so os servios adequados uma importante atividade e deve estar baseada no conhecimento das ne-cessidades da populao.

    2.2.3.1 AS VANTAGENS DA INTEGRALIDADE

    A integralidade do cuidado est associada a mais aes de preveno, maior adeso aos tratamentos recomendados e maior satisfao das pessoas (RUSSELL, 1986; SIMP-SON; KOREMBROT; GREENE, 1997).

    2.2.3.2 OS DESAFIOS DA INTEGRALIDADE NO SUS

    Os desafios da integralidade no Brasil esto menos relacionados ao conceito amplo de sade e mais relacionados a problemas estruturais, que limitam a gama de servios oferecidos, e a problemas na organizao dos servios.

    2.2.4 Coordenao do cuidado (ou organizao das respostas ao conjunto de necessidades)

    Coordenao15, o quarto componente, essencial para o sucesso dos demais. Um con-ceito amplo de sade permite que as vrias necessidades dos indivduos, suas famlias e comunidades sejam identificadas, e a ao de uma equipe multidisciplinar necessria para responder a tais necessidades. Contudo, fundamental que haja coordenao das aes/respostas. Sem coordenao, a longitudinalidade perde muito de seu potencial, a integralidade no vivel e o primeiro contato torna-se uma funo puramente admi-nistrativa.

    A essncia da coordenao a informao: a disponibilidade de informao (sobre a pessoa, sua histria, seus problemas, as aes realizadas, os recursos disponveis, propi-ciada pelos sistemas de informao, mecanismos de transmisso da informao e comu-nicao) e a utilizao da informao, possibilitada pela fcil obteno das informaes, por registros facilmente disponveis, por reconhecimento de informaes prvias, p o r mecanismos de referncia e contrarreferncia e recomendaes escritas aos pacientes.

    Os desafios da coordenao fazem-se em diferentes contextos:

    a. na unidade de sade, quando vrios membros da equipe dispem de diferentes aspec-tos da informao do paciente;

    15_ A coordenao tem sido equivocadamente confundida com gerenciamento da Ateno Primria.

  • 35Ateno Primria e Promoo da Sade

    b. entre diferentes servios nos casos de referncia e contrarreferncia;

    c. entre diferentes setores, tais como educao, saneamento, transporte etc.

    A melhora da coordenao do cuidado um desafio crucial para que a APS ocupe seu papel no sistema de sade (APS como base, estrutura do sistema de sade).

    2.2.4.1 AS VANTAGENS DA COORDENAO

    Muitas vantagens esto associadas coordenao do cuidado (STARFIELD et al., 1977; SIMBORG et al., 1876; VIERHOUT et al., 1995): melhor identificao dos problemas de sade; melhor adeso a tratamentos, dietas, execuo de exames e consultas de encami-nhamento; menos hospitalizaes e menor solicitao de exames complementares.

    2.2.4.2 OS DESAFIOS DA COORDENAO NO SUS

    Esse componente da APS ainda precisa ser fortalecido no Brasil, salientando-se alguns desafios:

    melhora da qualidade da informao nos pronturios de sade, para permitir que haja coordenao do cuidado dentro da equipe multidisciplinar de sade;

    implantao de pronturios eletrnicos;

    constituio de redes de ateno, otimizando o acesso e a utilizao dos demais recursos de sade da rede, assegurando os mecanismos de comunicao, o que qua-lifica o cuidado (a referncia e a contrarreferncia);

    informatizao dos sistemas de informaes, permitindo que o acompanhamento das informaes relativas aos pacientes esteja disponvel em qualquer ponto da rede de ateno sade16.

    O quadro 1 descreve o conjunto das caractersticas da APS, segundo Starfield (2004).

    16_ O Carto Nacional de Sade foi enunciado pela Norma Operacional Bsica (NOB) de 1996 como forma de identificar a clientela do Sistema nico de Sade, explicitando ao mesmo tempo sua vinculao a um gestor e a um conjunto de servios bem definido, cujas atividades devem cobrir, integralmente, todo o escopo de ateno sade do cidado, como estipula a Constituio. O Carto deve identificar o cidado, garantindo seu atendimento em todo territrio nacional. Alm dessas finalidades, espera-se, ainda, que ele instrumentalize outros processos relacionados s atividades de gesto, a fim de: possibilitar um acompanhamento das referncias intermunicipais e interestaduais; possibilitar o acompanhamento do fluxo dos usurios no sistema de sade; subsidiar o planeja-mento e a definio das prioridades nas aes de sade e o acompanhamento das polticas realizadas, por meio da mensurao da cobertura das atividades desenvolvidas e deteco de pontos de estrangulamento do sistema de sade; facilitar a integrao dos dados dos Sistemas de Informaes de Base Nacional gerenciados pelo Minis-trio da Sade, estados e municpios; permitir o aporte de outros dados importantes para sua anlise e subsidiar processos de regulamentao do sistema de sade e de racionalizao da utilizao de recursos humanos, fsicos e financeiros.

  • 36 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    Nesse texto, foram enfocadas as quatro caractersticas prprias da APS, mas registramos ainda duas caractersticas que so derivadas das j descritas:

    a competncia cultural, que trata da capacidade das equipes de sade em reconhe-cer as mltiplas particularidades e necessidades especficas de subpopulaes, que podem estar afastadas dos servios pelas peculiaridades culturais, como diferenas tnicas e raciais, entre outras;

    a orientao comunitria, que se refere ao entendimento de que as necessidades em sade dos indivduos/famlias/populaes relacionam-se ao contexto social e que o reconhecimento dessas necessidades pressupe o conhecimento do contexto social.

    Essas duas caractersticas tm os agentes comunitrios de sade como atores impor-tantes para sua viabilizao na experincia brasileira.

    Para finalizar esta seo, destacamos a coerncia da opo brasileira, traduzida na Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB), com os valores, os princpios e os atributos da APS como entendida internacionalmente (OPS/OMS, 2005).

  • 3 A operAcionAlizAo dA Ateno primriA SAde3.1 Necessidades em sade

    3.2 Planejamento e programao

    3.3 Diretrizes e aes programticas

  • 38 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    3 A operAcionAlizAo dA Ateno primriA SAde

    Este captulo abordar a operacionalizao da Ateno Primria, com enfoque princi-pal na relao entre as equipes de sade da famlia com a gesto e vice-versa.

    As questes que permearo o captulo so: por que planejar as aes, como faz-lo e quais os passos necessrios para se colocar o plano em prtica. A tnica a relao das demandas dos pacientes e das equipes de sade da famlia com a gesto. caracterstica singular do SUS a diviso de responsabilidades entre as trs esferas de gesto e, para o cumprimento adequado das macrofunes da gesto estadual na APS (formulao da poltica, planejamento, cofinanciamento, formao, capacitao e desenvolvimento de recursos humanos, cooperao tcnica e de avaliao, no mbito do territrio regional e estadual), fundamental ao gestor estar preparado para auxiliar os municpios nas suas funes de gesto e de execuo das aes e servios de APS e na identificao das necessidades de sua populao.

    3.1 Necessidades em sade

    O Sistema nico de Sade (SUS) um sistema de acesso universal implementado em um pas de dimenses continentais, o que o torna complexo e difcil de ser gerido. O gestor precisa trabalhar com planejamento, estimativas e metas. Quando uma determi-nada ao prevista pelo gestor, imediatamente h repercusses na ponta do sistema, que passa a consider-la uma necessidade. Por outro lado, quando o gestor no prev a necessidade da ao, pode ser pego de surpresa por uma demanda que no havia plane-jado. Isso pode levar a um embate com as equipes de sade sobre a real necessidade de tal ao. Tal embate tem implicaes legais, cientficas e socioculturais.

    3.1.1 Rastreamentos

    Nos ltimos anos, aps o controle de grande parte das doenas infecciosas e o cres-cente envelhecimento da populao, as aes voltadas para a preveno primria e se-cundria, como mudanas de hbitos de vida e deteco precoce de doenas, passaram a ser protagonistas e aumentaram sua participao no nmero de aes e no custo global do sistema de sade. As aes em sade tiveram seu enfoque modificado desde a

  • 39Ateno Primria e Promoo da Sade

    ateno aos doentes para a ateno a toda a populao (doentes e no doentes). Atual-mente, as crianas fazem puericultura, as mulheres fazem exame de Papanicolau e pr--natal, e todos os adultos so convidados para rastreamentos de rotina periodicamente. Assim, as aes de rastreamento passaram a ser preocupao das pessoas, dos mdicos e dos gestores.

    Como se origina uma ao de rastreamento? Tomemos como exemplo a mamografia. Quando o mamgrafo foi desenvolvido, no era nada mais do que uma mquina. Depois, aventou-se a hiptese de us-la para deteco precoce de cncer de mama e, para tal propsito, foi feito um estudo ainda na dcada de 1950 (LERNER, 2003). A mamografia mostrou-se eficaz na deteco de cncer antes da possibilidade de sua palpao e tam-bm se mostrou efetiva, pois poderia ser usada no sistema de sade por diferentes radio-logistas. Porm, para uma ao ser colocada em prtica, ela deve ser tambm eficiente e vivel financeiramente. A anlise de custo-efetividade traz tona toda a complexidade da operacionalizao das aes.

    Com o exponencial desenvolvimento tecnolgico e o consequente aumento de custo, mandatrio para o gestor priorizar aes. A anlise de custo complexa, pois depende das prioridades locais e do quanto se est disposto a gastar para prolongar ou melhorar a qualidade de um determinado nmero de vidas. Com a enorme variedade de aes possveis, alguma priorizao fundamental. Esse raciocnio, essencial para o planeja-mento das aes de carter coletivo, soa cruel para os pacientes como indivduos e leva os profissionais da ponta a uma encruzilhada. Eles devem levar em conta que todo o ar-senal disponvel no pode ser usado em todos os pacientes e que ele, por si s, tambm um gestor de uma populao definida e deve saber manejar adequadamente os recursos (WHINNEY, 2003).

    A difcil relao entre sade individual e sade coletiva tem nos trabalhos de Geoffrey Rose (1985) um excelente ponto de partida. Nem sempre uma ao benfica a um indi-vduo homogeneamente benfica para toda a populao. Sabe-se, por exemplo, que um antecedente de infarto ou de um acidente vascular cerebral o maior preditor de nova ocorrncia desses eventos, seguido do fator idade, sendo a presso arterial menos relevan-te que os anteriores (LAW; WALD; MORRIS, 2004; LEWINGTON; CLARKE; QIZILBASH; PETO; COLLINS, 2002). O benefcio de uma mesma medida preventiva, como o controle da presso arterial, mais facilmente obtido em uma populao idosa do que jovem.

    3.1.2 Medicina baseada em evidncias

    Como decidir qual ao, ou quais aes, devem ser incentivadas e promovidas? O cres-cimento do nmero de publicaes ao longo do sculo XX ocorreu concomitantemente

  • 40 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    organizao dos sistemas de sade. Os governos deixaram de se ocupar apenas de aes campanhistas e passaram a ser protagonistas do mercado emergente e os sis-temas de sade, configurados, em muitos pases, inclusive no Brasil, como os maiores compradores e produtores de servios. Paralelamente, a iniciativa privada ocupou-se de produzir e fornecer a tecnologia dura (do ingls hard technology) a ser utilizada pelos servios de sade privados e pblicos.

    Diante de tantas opes, as informaes disponveis em jornais e revistas cientficas passaram a ter papel relevante no s para as decises dos profissionais com relao aos pacientes, mas tambm para o gestor com relao ao conjunto da populao sob sua responsabilidade. Para melhor sistematizao das informaes, pesquisadores ca-nadenses desenvolveram o que passou a ser conhecido como Medicina Baseada em Evidncias. Essa sistematizao tem como objetivo primordial classificar os artigos e suas concluses em um nvel hierrquico, constituindo as meta-anlises (anlises de um conjunto de ensaios clnicos randomizados) o nvel mais alto, e a opinio de espe-cialista o nvel mais baixo, qualificando a opinio dos profissionais da sade em relao aos estudos disponveis.

    As consequncias do advento da medicina baseada em evidncias esto sendo viven-ciadas pela sociedade. A mais visvel delas a dvida que passou a pairar sobre muitas decises que se tinham como certas e benficas. Menos visvel o incontvel nmero de intervenes desnecessrias que se deixou de fazer por no serem baseadas em evidn-cias. Cada vez mais se conclui, com a ajuda dessa tecnologia, que poucas intervenes so de fato efetivas quando se tem como desfecho a morte evitada ou a melhoria da qualidade de vida. Portanto, a medicina baseada em evidncias, quando usada com os propsitos advogados pelos seus organizadores e no como uma artimanha da indstria farmacutica, a maior aliada da mxima hipocrtica do primo non nocere (primeiro no prejudicar), especialmente quando se trata de aes de rastreamento. Porm, o nmero de informaes disponveis extremamente elevado e apenas a sistematizao represen-tada pela medicina baseada em evidncias no suficiente para poder ser usada no dia a dia, tanto por profissionais da ponta quanto por gestores. Assim, formaram-se incont-veis grupos de pesquisa com o objetivo de sistematizar essas informaes e entreg-las prontas para os interessados. Dois exemplos desses grupos de trabalho so o The Cochra-ne Collaboration (2006) e a Rede de Evidncias em Sade (Health Evidence Network, 2006), este ltimo ligado ao brao europeu da Organizao Mundial da Sade. As per-guntas que eles procuram responder so de diversas reas e de diversas naturezas. O ob-jetivo de muitos desses grupos de trabalho estabelecer diretrizes para a prtica clnica em substituio aos antigos consensos, que eram baseados na opinio de especialistas.

  • 41Ateno Primria e Promoo da Sade

    As diretrizes interessam tanto aos profissionais da ponta que vo executar a ao quan-to ao gestor que precisa prever ou mesmo promover tal ao e, portanto, garantir recursos.

    Dois grupos de estudos que tm sido muito utilizados por profissionais da ponta e gestores: os US Task Force e o Canadian Task Force. Esses dois grupos tambm se cons-tituram para sistematizar a enorme quantidade de informaes disponveis; porm, focados no tema rastreamento. O canadense foi o pioneiro nesse tipo de trabalho e o que goza de maior reputao. Em geral, eles procuram responder questo: o que devo oferecer para a populao que no tem sinal, sintoma ou histria pessoal que leva a pensar em um diagnstico especfico?. Ou seja, o enfoque neste caso na preveno primria e secundria que, com o envelhecimento da populao, passou a ter papel pre-ponderante nos sistemas de sade, respondendo por boa parte da demanda dos servios e das pessoas, com repercusses nos custos. Um mero hemograma que se oferece a toda a populao de forma sistemtica pode representar um enorme desperdcio de recursos se for desnecessrio.

    Diversos estudos mostram que grande parte da demanda da populao por preven-o primria e secundria. O medo de morrer ou de ficar doente e a expectativa de evitar eventos mrbidos por meio da interveno do sistema de sade esto cada vez mais di-fundidos. Um estudo holands que analisou mais de 500 mil consultas com os mdicos de famlia mostrou que o primeiro motivo para se procurar o sistema de sade foi avaliao mdica e o diagnstico mais comum anotado pelos mdicos foi preveno/no doena (TRANSITION PROJECT, 2006). Um estudo australiano mostrou resultados semelhantes (BRITT; MILLER; KNOX; CHARLES; PAN; HENDERSO et al., 2005). Esses dados so rele-vantes, pois trazem tona a responsabilidade do gestor e sua relao com a populao e com os profissionais da ponta para a deciso do que deve ou no ser oferecido de rotina.

    Porm, toda a informao disponvel nunca substitui a relao do indivduo com o profissional e impossvel prever todas as decises que sero tomadas e todos os recursos que sero necessrios. As relaes so, acima de tudo, humanas, o que impe um desafio enorme aos gestores do mundo todo que precisam planejar e (tentar) prever o que ocor-rer, uma vez que todo oramento limitado. Portanto, o tringulo gestorprofissional de sadepopulao decisivo no sucesso dessa tarefa.

    3.1.3 Desejo e sofrimento

    Os gestores, quando planejam uma ao, devem ter como foco as necessidades em sade da populao. Porm, a populao constituda de pessoas que tm desejos. O limite do que desejo e necessidade dos indivduos e, em seu conjunto, da populao

  • 42 CONASS Para entender a gesto do SUS / 2011

    torna-se rapidamente confuso e tnue, configurando um perigo e uma armadilha para o gestor. O mundo capitalista atual torna a relao dessas duas caractersticas humanas ainda mais confusas. Quando o telefone celular foi inventado, era um desejo realizado apenas por parte da populao, mas no configurava uma necessidade. Em pouco tem-po, todas as pessoas passaram a adquirir essa tecnologia e ela rapidamente passou a ser considerada necessidade pelas pessoas. Assim foi com o rdio, televiso, geladeira etc.

    O binmio desejo-necessidade o motor do capitalismo; porm, no pode ser o motor do sistema de sade. Um sistema de sade deve ser universal e equnime, e esse binmio pode levar falncia qualquer sistema com essas caractersticas. mais fcil compreen-der pela frmula: desejos > necessidades > recursos (ou desejos levam a falsas necessi-dades que levam a recursos insuficientes).

    O medo de estar doente ou de ficar doente tem especificidades que no podem ser desprezadas. Nesse caso, o termo doente usado para sofrimento, o que inclui, por exemplo, a preocupao com a aparncia. Muitas vezes h o desejo de aliviar o sofrimen-to sem esforo ou por meio de recursos como medicao. papel da ateno primria lidar com situaes de tal complexidade, exercendo o papel de filtro do sistema de sade. Porm, para que esse papel seja exercido, importante acolher de forma eficaz todo tipo de sofrimento das pessoas e o mdico de famlia e comunidade, juntamente com a equi-pe multiprofissional, pea fundamental para o bom desempenho dessa tarefa (GR-VAS; PREZ; FERNNDEZ, 2005). Essencial tambm manter um nmero adequado de pessoas por equipe. A economia em exames desnecessrios permite o investimento em recursos humanos adequadamente treinados para atender a demanda de grande parte da populao (em pases com ateno primria bem organizada, apenas de 5% a 10% das pessoas que procuram uma unidade de sade so referenciadas a outro esp