Paper Território Indígena Brasileiro Pec 215-2000

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO BACHARELADO EM DIREITO TERRITÓRIO INDÍGENA BRASILEIRO Impactos da PEC 215/2000 no ordenamento jurídico brasileiro Disciplina JUR1420 Teoria da Política e do Estado Professor Dr. Manoel Uchôa Turma: ND27.0 - Curso: Bacharelado em Direito Acadêmico: Edson José Piuco - Matrícula: 201417072-8 Recife 2015.1

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO BACHARELADO EM DIREITO

TERRITÓRIO INDÍGENA BRASILEIRO

Impactos da PEC 215/2000

no ordenamento jurídico brasileiro

Disciplina JUR1420 – Teoria da Política e do Estado

Professor Dr. Manoel Uchôa

Turma: ND27.0 - Curso: Bacharelado em Direito

Acadêmico: Edson José Piuco - Matrícula: 201417072-8

Recife

2015.1

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TERRITÓRIO INDÍGENA BRASILEIRO

Impactos da PEC 215/2000

no ordenamento jurídico brasileiro

Acadêmico: Édson José Piuco

Orientador: Prof. Dr. Manoel Uchôa

Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP

Curso: Direito – Matéria: Teoria da Política e do Estado

Outono 2015

RESUMO – O presente artigo trata de um breve estudo sobre os possíveis impactos que

a PEC 215/2000 poderá trazer ao ordenamento jurídico brasileiro, através de sua

proposta em redefinir a competência constitucional na demarcação territorial indígena

brasileira, bem como, reacende as discussões relativas à preservação dos remanescentes

espaços indígenas versus a crescente demanda do agronegócio nacional.

Palavra-chave: PEC 215/2000. Normatização territorial indígena. Política indígena

brasileira. Preservação étnica e cultural do índio brasileiro. Agronegócio.

1. INTRODUÇÃO

Nesta breve análise sobre o tema relativo ao território indígena brasileiro,

buscamos através dos referenciais teóricos e doutrinários sobre o assunto, bem como, a

coleta de opiniões de congressistas, juristas e defensores da causa indígena brasileira,

construir uma sucinta discussão sobre os possíveis impactos que a proposta de emenda à

constitucional nº 215/2000, apresentada pelo então Deputado Federal Sr. Almir Sá / RR,

ressurge diante dos conflitos e opiniões contrárias já existentes entre a importância da

preservação do remanescente espaço étnico e cultural do índio brasileiro, versus a

constante demanda capitalista orquestrada pela expansão do agronegócio e sua bancada

ruralista.

Observa-se neste estudo, por conseguinte, a proposta original reformatória

constitucional e suas diversas emendas parlamentares apresentadas, como também, as

visões das principais partes interessadas neste tema, bem como, de um lado, a opinião

de juristas e instituições de interesse na proteção ao índio brasileiro e, do outro, os

argumentos da ala expansionista do agronegócio nacional.

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Por fim, neste diapasão, esperamos que esta breve reflexão permita uma melhor

compreensão da importância em compreender a função da proteção do território

indígena como forma de preservação da própria história nacional, como também,

compreender as pressões que o capital impõe sobre o território na busca de sua

expansão como métrica do homem “globalizado”.

2. DA PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL 215/2000.

O tema territorial indígena brasileiro deste presente trabalho possui como ponto

de partida a proposta de Emenda Constitucional nº 215/2000, apresentada pelo então

Deputado Federal Sr. Almir Sá, filiado ao PPB/RR. Nesta proposta, definida com base

nos termos do art. 60 da Constituição Federal, propõe-se a promulgação da seguinte

emenda ao texto constitucional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...)

XVIII - aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios e ratificar as demarcações já homologadas;

Art. 231 (...)

§ 4º As terras de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada

ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis e indisponíveis, e os

direitos sobre elas, imprescritíveis.

(...)

§ 8º Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas Indígenas

deverão ser regulamentados por lei. (grifos nossos).

Nesta propositura de alteração, como justificativa utilizada pelo seu formulador,

encontramos presente o argumento onde destaca a existência de um desequilíbrio entre

os poderes da república, destacando que ao poder executivo, ocorre prevalência na

emissão de medidas provisórias cujos temas passam a serrem antecipados ou até mesmo

determinando a iniciativa legislativa do congresso. Argumenta-se assim, conforme

relata o autor desta emenda, uma intromissão de um poder em outro, no qual passaria a

ser sanado através da presente PEC como tema a demarcação de terras indígenas no

Brasil.

Além disso, a autoria destaca a falta de consulta ao congresso nacional diante

das situações concretas que dizem respeito aos estados-membros circunscritos no pacto

federativo. Desta forma, devido à ausência de critérios estabelecidos em lei, tornaria a

demarcação unilateral, como bem discorreu sobre o tema o Deputado propositor:

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“No caso da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios, verifica-se que implementada a atribuição pela União Federal no

caso, por meio do Poder Executivo - sem nenhuma consulta ou

consideração aos interesses e situações concretas dos estados-membros,

tem criado insuperáveis obstáculos aos entes da Federação. No fim e ao

cabo, a demarcação das terras indígenas consubstancia-se em verdadeira

intervenção em território estadual, com a diferença fundamental de que,

neste caso e ao contrário da intervenção prevista no inciso IV do art. 49,

nenhum mecanismo há para controlá-la, ou seja, a falta de critérios

estabelecidos em lei torna a demarcação unilateral. Por isso, e valendo-se

do próprio precedente constitucional, que exige a aprovação congressual

para a intervenção federal, é que se propõe a presente emenda à

Constituição, para que o Congresso, em conjunto com as partes

interessadas na demarcação, passem a aprovar a demarcação das terras

indígenas”.(grifos nossos).

Pelo exposto, podemos exercitar a interpretação dos elementos apresentados na

peça que propõe a EC 215/2000, destacando-se, em sua gênese, dois pontos basilares.

Em seu primeiro ponto, observa-se que a proposta busca corrigir a competência

dos poderes da união quanto às demarcações dos territórios indígenas. Neste campo

recorrente dos argumentos congressistas sobre as questões que envolvem a separação

dos poderes e a invasão de competências, nas quais, afrontam o princípio nuclear

contido no Art. 2 da Carta Magna, destaca-se também, a necessidade de conduzir a

apreciação e chancela, ao congresso nacional, corrigindo assim o rito atual onde o poder

executivo possui competência, construindo desta forma, uma espécie de mecanismo de

co-validação ao desempenho concreto desta atividade.

Como segundo ponto apresentado, a autoria da proposta conduz seu argumento

para que o Congresso ratifique as demarcações já homologadas, buscando com isso,

promover a outorga de inédito nível de segurança jurídica às demarcações das terras

indígenas, na medida em que, tendo-se pronunciado sobre elas o Poder que representa o

povo e as unidades federativas, ficarão absolutamente isentas de qualquer

questionamento.

3. O DEBATE E O CONTRADITÓRIO NA PROPOSITURA DA PEC 215/2000

Como medida combativa ao proposto, encontra-se tramitado no STF a Medida

Cautelar em Mandado de Segurança sob nº 32.262 impetrado por Mariton Benedito de

Holanda e outros Deputados Federais, contra atos dos Presidentes da Câmara dos

Deputados e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania daquela Casa,

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relativos à tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215/2000.

Nesta propositura, pode-se observar que os impetrantes alegam que a tramitação

da mencionada PEC seria incompatível com o art. 60, § 4º, IV, da Constituição, que

veda a deliberação de propostas de emenda tendentes a abolir direitos individuais.

Segundo a inicial, estariam aqui incluídos os direitos dos índios, previstos no art. 231 da

Carta da República. Sustentam que a PEC procuraria promover fins econômicos de

Estados-membros e de particulares interessados na exploração das terras. Afirmam além

que, a tramitação da proposta promoveria um vedado retrocesso e ofenderia o princípio

da proporcionalidade/razoabilidade, em sua vertente de proibição de proteção

deficiente.

No entanto, o Ministro Roberto Barroso indeferiu o pedido de liminar,

fundamentando a ausência de periculum in mora, e, concluindo o exame do mérito,

assim relatou:

“No caso específico em exame, acaba de ser constituída a comissão especial

destinada a examinar a PEC nº 215/2000. Esse deve ser um espaço

democrático e dialético para serem ouvidas as comunidades indígenas e as

autoridades públicas envolvidas, assim como os titulares de interesses

fundiários e negociais. Considero precipitado e, mais do que isso, uma

interferência indevida proibir o funcionamento de uma comissão deliberativa

do Congresso Nacional. Seria igualmente impensável presumir que os

parlamentares atentariam de forma deliberada contra a Constituição. Em

vez disso, assumo a premissa de que o debate na Comissão será plural,

permitindo que os diferentes pontos de vista sejam vocalizados e

apreciados”.(grifo nosso).

Como visto, a questão trazida no presente mandado de segurança envolve um

aspecto extremamente sensível da teoria constitucional contemporânea. Assim

asseverou o relatório do Ministro Roberto Barroso onde, discorre que as Constituições

desempenham dois grandes papéis: (1) o de preservar os direitos fundamentais,

inclusive e, sobretudo, o das minorias; e (2) o de assegurar o governo da maioria, cujos

representantes foram livremente eleitos. Não é incomum, no mundo plural e complexo

em que vivemos que surjam tensões entre esses dois polos, vale dizer, entre os direitos

fundamentais de uma minoria e a vontade da maioria. É disso, precisamente, que trata a

presente demanda, na qual se contrapõem interesses dos povos indígenas e a vontade

(ao menos potencial) do Congresso Nacional.

No entanto, outros argumentos ainda pairam sobre a improcedência da

propositura que emenda a Carta Magna. Nesta, temos a participação do jurista Dalmo

Dallari, onde discorre que esta proposta fere a Constituição federal por desrespeitar a

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separação dos poderes e submeter ao Congresso "ato administrativo perfeito" exclusivo

do Executivo, assim, segundo Dallari:

"A meu ver, ela é escancaradamente inconstitucional. Ela está afetando uma

regra fundamental da organização política e jurídica brasileira, que é a

separação dos poderes. Aprovar e ratificar demarcação é atividade

administrativa do Poder Executivo”.

Além do jurista, o presidente da Comissão de Legislação Participativa, deputado

Lincoln Portela (PR-MG), apresentou nota técnica da Associação Nacional dos

Procuradores da República, que também classifica a proposta de inconstitucional. Na

mesma linha, o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marisvaldo

Pereira, disse ainda que a proposta pode acirrar os conflitos fundiários1.

Associando-se a este raciocínio do jurista Dallari, adere o pensamento de Egydio

Schwade2, filósofo e teólogo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS, fundador

do Conselho Indigenista Missionário – CIMIE, onde discorre sobre as implicações da

PEC-215 para as comunidades indígenas. Nesta questão, Schwade disserta3:

“Quando trabalhamos no Secretariado do CIMI sempre lutamos para que a

questão indígena não mais permanecesse ligada a um Ministério do governo,

mas passasse a ser responsabilidade direta da Presidência da República, isto

para impedir a sua submissão a um jogo de interesses entocados nos

ministérios. Ora, a PEC 215 quer transferir a responsabilidade ao

Congresso Nacional, onde sempre vencem as forças anti-indígenas. Além de

nenhuma representação indígena no Congresso, este atualmente está

dominado pela Bancada Ruralista, agressivamente anti-indígena. A PEC 215

é um retrocesso para além da Ditadura Militar”. (grifo nosso)

Como bem destaca a fala do filósofo Schwade, a grande preocupação na

tramitação e aprovação desta PEC, encontra o seu ponto crítico na influência da bancada

ruralista existente no congresso nacional, onde, através de fortes articulações políticas e

agro empresariais, a questão do índio passaria a ser uma questão que necessita ser

“superada”, assim comungando com os interesses lastreados na expansão e fomento do

agronegócio e demais interesses latifundiários ainda fortemente presentes nesta

1 Fonte: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-

permanentes/clp/noticias/para-jurista-pec-que-passa-para-o-legislativo-demarcacao-de-terras-indigenas-e-

inconstitucional 2 Egydio Schwade é um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário ─ CIMI.

3 Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541357-o-legado-de-pe-iasi-e-a-critica-a-politica-

indigenista-brasileira-entrevista-especial-com-egydio-schwade. Acessado em 24/05/2015.

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república brasileira.

Nesta senda, Egydio Schwade demonstra a questão através da seguinte alegoria

romana:

“O velho senador romano, Sêneca, ia todos os dias ao Parlamento Romano

para verberar contra uma comunidade indígena do Norte da África:

Cartago. “Caeterum censeo Cartaginem delendam esse!” Traduzindo: “De

resto, eu penso, Cartago deve ser destruída!” Tal e qual procede a bancada

ruralista hoje no Congresso contra os povos indígenas brasileiros. É hora de

pensarmos às avessas: “De resto, eu penso, Roma, o paradigma romano,

deve ser destruído!” Os povos indígenas e o seu modelo de vida devem

viver!”

Como visto até este ponto, são diversas as divergências que envolvem a

tramitação desta PEC 215/2000, no entanto, como o STF já se manifestou através do

indeferimento da Medida Cautelar em Mandado de Segurança sob nº 32.262, demonstra

que o tema necessita de amadurecimento, através do esgotamento da matéria, em esteira

democrática, promovido pela assembleia legislativa e sociedade brasileira.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto nesta breve análise de proposta, tramitação e opiniões

controvertidas sobre o tema que circundam a PEC 215/2000, encontramos na questão da

demarcação territorial indígena brasileira uma importante e remanescente esperança em

preservamos a memória histórica de nosso país, na imagem do índio brasileiro.

No entanto, ao longo destes cinco séculos de ocupação do homem branco

europeu, a cultura indígena passou a fazer parte indissociável do que hoje é o brasileiro,

porém, o seu espaço natural precisa ser respeitado e protegido por toda a sociedade, e,

de forma inequívoca, salvaguardada pelo diploma constitucional brasileiro.

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6. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Ana Valéria. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença.

Coleção Educação para Todos, 2006. Disponível em:

http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154567POR.pdf. Acesso em 25 maio de

2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF, Senado, 1998.

FUNAI. As Terras Indígenas. Artigo on line. Disponível em:

http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/demarcacao-de-terras-indigenas

Acesso em 25 maio de 2015.

IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Disponível em:

Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/541357-o-legado-de-pe-iasi-e-a-critica-a-

politica-indigenista-brasileira-entrevista-especial-com-egydio-schwade. Acessado em 24

de maio de 2015.

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO 215, de 28 de março de 2000.

Disponível

em:http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562

Acessado em 24 de maio de 2015.

STF – Demarcação de Terras Indígenas. Secretaria de documentação. Bibliografia,

Legislação e Jurisprudência Temáticas – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaBibliografia/ane

xo/DemarcacaoTerras_mar2009.pdf. Acesso em 25 maio de 2015.