Panorama

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PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSÃO SOCIAL Conceitos e estratégias

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Exclusão - panorama

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PANORAMA DA LUTACONTRA A EXCLUSO SOCIALConceitos e estratgiasO Programa global Estratgias e Tcnicas contra a Excluso Social e a Pobreza(STEP) da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) intervm em duas reastemticas interdependentes: a extenso da proteco social aos excludos e osmecanismos integrados de incluso social.O STEP apoia a concepo e a difuso de sistemas inovadores destinados a es-tender a proteco social s populaes excludas, em especial as da economia in-formal. Ocupa-se, em particular, de sistemas baseados na participao e organi-zao dos excludos. O programa STEP contribui, igualmente, para o reforo doslaos entre estes sistemas e os demais mecanismos de proteco social. Desta forma,o STEP apoia o estabelecimento de sistemas nacionais de proteco coerentes, fun-dados nos valores de eficcia, equidade e solidariedade.O programa STEP situa a sua aco na rea da proteco social no mais amplocontexto da luta contra a pobreza e a excluso social. Coloca especial empenhonuma maior compreenso dos fenmenos de excluso social e no maior reforo, noplano metodolgico, dos mecanismos integrados que visam minorar este problema.O STEP outorga especial ateno articulao entre o nvel local e o nvel nacional,contribuindo, em simultneo, para o agendamento internacional destas questes.O STEP combina diferentes tipos de actividades: realizao de estudos e investi-gaes, produo de ferramentas metodolgicas e documentos de referncia, for-mao, execuo de projectos no terreno, apoio tcnico definio e aplicaode polticas e fomento do trabalho em rede com os agentes.A aco do programa integra-se na interveno do Servio de Polticas e Desen-volvimento da Segurana Social da OIT e, em particular, na sua Campanha Mun-dial de segurana social e cobertura para todos.Programa Estratgias e Tcnicas contra a Excluso e a PobrezaServio de Polticas e Desenvolvimento da Segurana SocialBureauInternacional do Trabalho4,route des MorillonsCH-1211 Genebra 22SuaTel:(+41 22) 799 6544Fax:(+41 22) 799 6644E-mail:[email protected]://www.ilo.org/stepPANORAMA DA LUTACONTRA A EXCLUSO SOCIALConceitos e estratgiasBureauInternacional do Trabalho STEP/PortugalJordi EstivillCopyright Organizao I nternacional do Trabalho 2003Primeira edio 2003Todos os direitos das publicaes do Bureau I nternacional do Trabalho so reservados deacordo com o Protocolo 2 da Conveno Universal dos Direitos de Autor. No entanto, podemser reproduzidos pequenos excertos das mesmas, sem autorizao, na condio de que a fonteseja indicada. Para direitos de reproduo ou traduo, devem submeter-se os pedidos aoGabinete de Publicaes (Direitos e Autorizaes), cuja morada I nternational Labour Office,CH-1211 Genebra 22, Sua. Estes pedidos sero bem recebidos pelo Bureau I nternacional doTrabalho.As livrarias, instituies e outros utilizadores registados no Reino Unido na Copyright LicensingAgency, 90 Tottenham Court Road, London W1P 9HE (Fax: + 44 171 436 3986), nos EstadosUnidos, no Copyright Clearence Center, 222 Rosewood Drive, Danvers, MA 01923 (Fax: + 1 508750 4470) ou noutros pases em Organizaes de Reproduo de Direitos associadas, podemfazer fotocpias de acordo com as licenas que lhes forem emitidas para esse fim.Panorama da luta contra a excluso social. Conceitos e estratgias.Genebra, BureauI nternacional do Trabalho, Programa Estratgias e Tcnicascontra a Excluso Social e a Pobreza, 2003I SBN 92-2-813652-9Fotografia da capa: Brunet CyrilVerso original em espanhol: Panorama de la lucha contra la exclusin social. Conceptos y estrate-gias(ISBN 92-2-313652-0), Genebra, 2003. Publicado tambm em ingls: Concepts and strategiesfor combating social exclusion. An overview, Genebra, 2003 (I SBN 92-2-113652), e em francsPanorama de la lutte contre lexclusion sociale. Concepts et stratgies (I SBN 92-2-213652-7),Genebra, 2003.As designaes utilizadas nas publicaes do Bureau I nternacional do Trabalho, que esto emconformidade com a prtica das Naes Unidas, e a apresentao dos dados a descritos noimplicam da parte do BI T nenhuma tomada de posio no que diz respeito ao estatuto jur-dico de determinado pas, zona ou territrio ou das suas autoridades, nem no que diz respeitoao traado das suas fronteiras.Os artigos, estudos e outros textos assinados comprometem, unicamente, os seus autores, nosignificando a publicao dos mesmos que o BI T subscreva as opinies neles expressas.A meno ou omisso de determinada empresa ou de determinado produto ou processo comer-cial no implica da parte do BI T nenhuma apreciao favorvel ou desfavorvel.I mpresso na Espanha WEI /POLvPrlogoA excluso social simultaneamente um fenmeno do passado e do presentee, se no for solucionado, pertencer tambm ao futuro. Recai sobre milhes depessoas que tentam sobreviver, nas mais duras condies de vida e de trabalho. Aolongo da histria, as formas de excluso social evoluram, tanto no que respeita ssuas caractersticas como na concepo que se tem delas. Actualmente, apresentadiversas formas nos vrios continentes, e dentro destes, existem tambm diferenasde acordo com as regies e pases. Mas a todos afecta. Da mesma forma, as me-didas e os programas necessrios para combat-la foram mudando e no so osmesmos nos quatro cantos do mundo. O conjunto de actores no representa omesmo papel neste esforo de combater e erradicar a excluso.Por isso mesmo, era e importante conhecer melhor a excluso social. Saberde onde partiu este conceito, como a sua utilizao, que teve origem na Europa,foi alastrando e atravessou mares e continentes para ser cada vez mais usado naAmrica Latina, em frica e na sia. A excluso ao mesmo tempo visvel e opaca,por isso necessrio identific-la. Tambm pode ser til examinar quais so as po-sies e as atitudes individuais e colectivas relativas a este problema. Cada vez mais,o conjunto dos actores, os governos e a administrao pblica, as organizaes deempregadores e de trabalhadores, as instncias e as redes internacionais, o volun-tariado, a economia social, as iniciativas citadinas e comunitrias se interessam, seposicionam e adoptam estratgias para combater a excluso social. A grandemaioria adopta princpios de orientao e no seu meio distinguem-se as estrat-gias reprodutoras, paliativas, preventivas e emancipadoras.Este o contedo bsico desta publicao que, alm disso, inclui a apresen-tao de uma diversidade de experincias e exemplos, o que pode supor um valoracrescentado ao debate internacional sobre a excluso social.A Organizao Internacional do Trabalho no podia ficar alheia a este debatee s consequncias da resultantes. Por isso, preocupao histrica pela justiasocial, pelos direitos humanos, pela melhoria das condies de trabalho e pela ex-tenso da proteco social, junta-se um conjunto de esforos que se articulam emredor da ideia do trabalho decente.No centro destes esforos nasceu, em Janeiro de 1998, o programa Estratgiase Tcnicas de Luta contra a Pobreza e a Excluso (STEP) que apoiou a concepoe difuso de sistemas inovadores destinados proteco social das populaes ex-cludas e, em especial, da economia informal, reforando os mecanismos baseadosna sua participao e organizao. Este trabalho comeou a dar os seus frutos nacriao e desenvolvimento das mutualidades de sade e dos micro-seguros.PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIALviAgora, o objectivo articular da melhor forma estes modelos de proteco so-cial de base comunitria com as polticas nacionais de extenso da proteco so-cial. Esse vai ser tambm o objectivo da actual Campanha Mundial de seguranasocial e cobertura para todos, nascida na Conferncia Internacional do Trabalhoda OIT de 2001.Esta publicao articula-se com estas actividades e fomenta um Centro Infor-mtico de Aprendizagem e Recursos (CIARIS) destinado aos projectos locais quelutam contra a excluso. Com ela, a OIT faz tambm uma contribuio, coorde-nada com as iniciativas das outras agncias internacionais, os governos, os actoresscio-econmicos e a sociedade civil, para a construo de um mundo menos ex-cludente e mais justo.Gostaria, por fim, de agradecer a contribuio prestada pelo Governo de Por-tugal ao Programa no seu conjunto e a esta publicao.Assane Diop,Director ExecutivoSector da Proteco SocialAgradecimentosEste Panorama da luta contra a excluso social foi escrito por J ordi Estivill.A sua concepo e elaborao fundamentam-se no trabalho de um grupo inter-nacional integrado por Luciano dAndrea, Alain Bernier, Michaela Balke, SenoCornely, Benedicte Fonteneau, Jos Manuel Henriques, Philippe Marcadent e ElsioRodrigues. Christine Bockstal e Elza Chambel tambm contribuiram para estetrabalho.Pedro Crocco, J os Figueiredo, Ginette Forgues, Hugh Frazer, Carlos San-greman, Damienne Verguin e J an Vranken realizaram significativas observaes verso preliminar do texto.Este livro beneficiou do conhecimento e das experincias de um conjunto depessoas proveniente de trs continentes. A elas se agradece a sua colaborao.viiixIndiceIntroduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Captulo 1. O significado conceptual e real da excluso social. . . . . . . . . . . . . . . . . 51.1. A evoluo contextual e a emergncia do conceito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2. Uma questo terminolgica?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.3. O significado e a utilizao da excluso social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.4. Excluso e pobreza. A extenso da sua utilizao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.5. A irradiao atravs das instncias europeias e internacionais. . . . . . . . . . . . 25Captulo 2. As manifestaes da excluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372.1. Como identificar a excluso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372.1.1. A relatividade da excluso e os seus paradigmas. . . . . . . . . . . . . . . . . . 372.1.2. O processo excludente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392.1.3. A excluso prtica e simblica das instituies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 432.2. Pistas para a anlise e medio da excluso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 522.2.1. Medir e compreender a excluso. A sua opacidade. . . . . . . . . . . . . . . . 532.2.2. Algumas vias metodolgicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55Captulo 3. As estratgias que enfrentama excluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 633.1. As posies e atitudes de uma multiplicidade de actores. . . . . . . . . . . . . . . . . 633.1.1. Uma nova cultura do voluntariado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 633.1.2. As razes colectivas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 663.2. O papel dos actores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 683.2.1. A conscincia cvica e a sociedade civil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.2.2. O terceiro sector e a economia social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 703.2.3. O mundo sindical, empresarial e financeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 733.2.4. Possibilidades e limites da interveno pblica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 833.3. Para uma tipologia de estratgias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 963.3.1. Tempo e espao. Duas coordenadas clssicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 963.3.2. Estratgias e representaes sociais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 983.3.3. Estratgias reprodutoras, paliativas, preventivas e emancipadoras. . . . 1053.3.4. A coerncia estratgica entre objectivos e meios. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1083.4. Princpios estratgicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110Captulo 4. Emtomde concluso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121Bibliografia utilizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1271IntroduoEm todo o mundo, milhes de pessoas sobrevivem submetidas pobreza e excluso social e pouco provvel que estas condies desapaream nos prximosanos. Esta grave situao afecta toda a humanidade que no pode nem deve fecharos olhos perante este problema. Enquanto continuar, estamos todos um pouco maispobres e somos de certa forma excludos.O objectivo deste documento tentar juntar um gro de areia ao conjunto deanlises e reflexes que esto a ser realizadas sobre a excluso social e convidar areagir perante esta situao, partindo do pressuposto de que possvel atenuar,melhorar e transformar a situao dos homens e das mulheres que se encontramnestas circunstncias. Embora seja uma tarefa difcil e complexa, tambm ur-gente e plausvel. Sem ignorar a importncia das outras dimenses nas estratgiasde luta contra a excluso e pela promoo da incluso, d-se mais destaque s ac-es locais, uma vez que so um ponto de partida, uma condio necessria, em-bora no suficiente, de qualquer esforo que se inscreva nesta perspectiva.Tal como se expe nesta publicao, excluso e pobreza so conceitos consi-derados concomitantes, sobrepostos e frequentemente complementares. Mas nestetrabalho focamos o primeiro conceito. No entanto, algumas das consideraes re-lativas excluso apresentadas pelo documento tambm so vlidas para a po-breza. Na realidade, a origem do conceito provm da Europa e neste continenteonde conhece o maior desenvolvimento. Isso explica que o ponto de partida e amaioria das anlises mencionem este continente e, de forma mais especfica, ospases da Europa ocidental, embora, quando a informao e os conhecimentos opermitam, o panorama se extenda a outros continentes. No foi possvel incluirum maior nmero de referncias relativamente sia. Talvez isso possa ser feitonuma publicao posterior.A excluso social , simultaneamente, um fenmeno do passado e do presentee, se no for solucionado, pertencer tambm ao futuro. Ao longo da histria, evo-luiu no que respeita s suas caractersticas e concepo. E, embora exista um co-nhecido patrimnio comum da humanidade sobre o seu significado, inegvel quea excluso apresenta diversos rostos nos vrios continentes e, dentro deles, nas re-gies e pases. Da mesma forma, as medidas e as estratgias necessrias para com-bat-la foram evoluindo e no so as mesmas nos quatro cantos do mundo. As pes-soas, os movimentos sociais, os actores scio-econmicos e os diversos mbitos daadministrao pblica, tambm no actuam em consonncia.Este documento pretende abordar estas questes, tentando responder s se-guintes perguntas:PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL2 Porqu e em que contexto aparece o conceito de excluso social, qual a dife-rena em relao ao conceito de pobreza e outros e, como se alargou a suautilizao? Como ocorre a excluso, quais so as suas principias manifestaes, como podeser analisada? Qual o sentido de lutar pela sua erradicao e pela incorporao dos colec-tivos excludos, qual o papel do conjunto dos actores ? Quais so as principais estratgias que pretendem abord-la, dando mais des-taque s aces locais e a um conjunto de princpios bsicos?Para efectuar esta reflexo, este documento foi dividido em quatro captulos.O primeiro descreve o percurso da emergncia do conceito de excluso e a suaresposta s circunstncias geradas pelas mutaes scio-econmicas dos anos se-tenta. Este termo vai ter uma rpida influncia sobre as polticas e programas quese desenvolvem na Europa, para depois se estender aos outros continentes. Mas asua implantao progressiva e desigual no deve fazer esquecer a criao de ou-tros conceitos como a marginalizao, pobreza, privao, precariedade, vulnera-bilidade, que tambm podem ajudar a entender a realidade.No por acaso que as instituies e organismos internacionais, comeandopela OIT, mas tambm a ONU, a UNESCO, o Banco Mundial, etc., e as instn-cias europeias (a Unio Europeia, o Conselho da Europa), assim como as redestransnacionais das organizaes scio-voluntrias, utilizam cada vez mais este vo-cbulo. A excluso como produto social cada vez mais visvel, embora se tornetambm mais opaca devido, entre outros factores, dificuldade de identificar ascausas mais profundas que a originam. A inteno no descrev-las exaustiva-mente, e sim situar a excluso como um fenmeno inscrito no centro da organi-zao estrutural das sociedades e das economias actuais. Tambm a sua dimensopoltica importante e deve ser analisada.O segundo captulo centra-se na caracterizao da excluso e nos traos co-muns e divergentes das suas manifestaes individuais, nos grupos, na sociedade eno territrio. As dificuldades so examinadas para medir e analisar este fenmeno,ao mesmo tempo que so indicadas algumas pistas metodolgicas que permitemavanar neste sentido.O terceiro captulo aborda a multiplicidade de estratgias desenvolvidas peloconjunto dos actores. Assim, possvel examinar a sua aco e propor uma tipo-logia que permita ilustrar a sua heterogeneidade no tempo e no espao. Destaforma, o objectivo confrontar os principais argumentos sobre a inevitabilidadeda excluso ou a sua negao, sobre o seu desaparecimento em funo do desen-volvimento econmico, sobre as dicotomias que opem o mbito nacional ao local,o social ao econmico, etc.Por fim, estabelecem-se princpios estratgicos para apoiar os esforos de lutacontra a excluso, analisando os seus pontos fortes e fracos: a dimenso local, oINTRODUO3partenariado, a integralidade e globalidade das aces, a participao, parecem jter passado a prova de fogo da aplicao em muitos pases. No final, so apresen-tadas algumas concluses abertas que relembram o percurso efectuado e que su-gerem alguns dos objectivos e das tarefas do futuro.Este um panorama conceptual e estratgico sobre a excluso social. Por isso,no inclui anlises estatsticas e quantitativas sobre a situao actual deste fen-meno, nem aborda de forma especfica as variveis relacionadas com a identidade,raa, etnia, idade entre outras , incluindo o gnero, embora a multiplicidade deexperincias e exemplos apresentados, juntamente com a vasta bibliografia, per-mitam ao leitor aprofundar os seus conhecimentos.Este panorama faz parte do Centro Informtico de Aprendizagem e de Re-cursos para a Incluso Social (CIARIS)1, instrumento produzido pelo programaEstratgias e Tcnicas contra a Excluso social e a Pobreza (STEP) da Organi-zao Internacional do Trabalho (OIT), sob os auspcios de Portugal.1http://www.ciaris.ilo.org5Captulo 1.O significado conceptual e realda excluso social1.1. A evoluo contextuale a emergncia do conceitoTodos os autores esto de acordo ao reconhecer que a publicao do livro deRen Lenoir, Les exclus, em 1974, um marco na origem do conceito de excluso.Mas, como sucede habitualmente, o autor no tinha noo da utilizao que a pa-lavra iria ter no futuro e para ele representava apenas um grito de alerta em relaoincapacidadesentidanumaeconomiaexpansivaparaincluirdeterminadosgrupos, diminudos fsicos, psquicos e sociais. Calculava que um em cada dez fran-ceses ficava margem dos resultados econmicos e sociais e esta era a principalrazo da sua preocupao.Convm, no entanto, reparar, nesta primeira referncia noo de ficar margem e que, de certa forma, o momento da sua publicao marca um ponto deinflexo, no que foi classificado como os trinta gloriosos anos (de 1945 a 1975) deum perodo crtico das economias ocidentais, para uma nova fase que se inicia pre-cisamente naquele momento, com a chamada crise do petrleo.Mas seria errado pensar que a realidade expressa por este conceito no temum vasto antecedente histrico. Pois, ainda que em sentido literal, pode-se afirmarque excluso e excludos sempre existiram desde que os homens e as mulheres vivemde forma colectiva e quiseram dar um sentido a esta vida em comunidade. O os-tracismo em Atenas, a proscrio em Roma, as castas inferiores na ndia, as v-rias formas de escravatura, de exlio e desterro, de guetoizao, de excomunho,so manifestaes histricas (apenas?) de rejeio, com as quais cada sociedadetratou os indesejveis, os no reconhecidos, os proscritos da terra, como referiauma velha cano. Tentava fazer-se na Europa uma distino, uma separao, entrehomens e mulheres situados dentro e fora, entre aqueles que tm um estatuto depleno direito e aqueles que tm um estatuto diminudo ou simplesmente os que noo tm de todo. Estes modos de excluso no eram reconhecidos com tal; porm,integravam-se na ordem humana ou religiosa vigente e eram aceites moralmente.Alm disso, cumpriam funes econmicas, sociais, culturais e polticas, porquepermitiam redimir, fazendo caridade, os pecados e os vcios, funcionavam comotravo e dissuaso em relao a possveis excessos e comportamentos desviadose eram um estmulo diferencial para os que viviam de acordo com as normas e osPANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL6valores dominantes. As mulheres, que constituem pelo menos a metade da popu-lao, estiveram submetidas a estas circunstncias.Este tipo de excluses no desapareceu da face da terra e os processos ascen-dentes de racismo, integrismo e de tratamento punitivo da alteridade continuamde forma explcita, ao lado de processos mais indirectos de separao e diferen-ciao urbana; de determinados mecanismos selectivos de produo e de consumo;de estratificao social; de estigmatizao e culpabilizao dos colectivos mais vul-nerveis. Mas tambm preciso reconhecer a diminuio da sua aceitao moral,social e poltica. As revolues do sculo XVIII e os combates dos sculos XIX eXX, onde se afirmaram os direitos civis, polticos e sociais, os processos de desco-lonizao e a procura de uma sociedade mais igualitria e menos excludente, noforam em vo.De qualquer forma, nestes sculos e depois do chamado grande encerramento(Foucault, M. 1963), a expresso mxima da excluso, a problemtica social na Eu-ropa no tanto a do pauperismo quanto as pssimas condies de vida e de tra-balho a que so submetidos assalariados e assalariadasque vo entrando no mundoindustrial e nas grandes cidades. Os velhos ordenamentos e dispositivos assisten-ciais, assim como as leis nacionais e locais de pobres, que privavam de certos direitoscivis a troco de um benefcio de assistncia social, so transformados e submetidos dinmica do mercado. A incorporao no trabalho a principal referncia e quemdele se v excludo engrossa as fileiras da maior privao. Doentes, loucos, entre-vados, rfos, nmadas, compem uma populao deriva que preocupa apenasalgumas vozes excepcionais e a filantropia civil e eclesistica do Velho Continente.Por outro lado, a colonizao dos pases europeus nos outros continentes iracentuar o processo de excluso escala planetria. Os povos colonizados perdemo poder de decidir sobre o seu prprio destino e, no raro, o direito de viver deacordo com a sua cultura e as suas crenas. Vem-se igualmente excludos dos be-nefcios da explorao dos seus recursos naturais que vo parar ao velho conti-nente e s mos das oligarquias locais. Tudo isso provoca um empobrecimento dascondies de vida destes pases.Desta forma, quando nos finais do sculo XI X, na Alemanha de Bismark, secriaram os primeiros seguros pblicos e obrigatrios, que comeam a concretizaros direitos sociais, esta medida transforma-se numa novidade mundial. As dife-rentes formas de proteco social entram na Europa Ocidental e na Escandinvia,comeando a alargar-se e a generalizar-se a partir das propostas de Beveridge emI nglaterra, depois da I IGuerra Mundial. I nicia-se, assim, um novo perodo, emque o modelo keynesiano do chamado Estado do Bem-estar cobre as principaisnecessidades e riscos da populao dos Estados centrais da Europa. Ao mesmotempo, ocorre uma fase, indita at ento, de crescimento econmico centradonos recursos abundantes e a baixo preo que os pases industrializados obtinhamem grande parte dos pases em vias de desenvolvimento. Praticamente no existedesemprego e os baixos indces devem-se ao desemprego friccional e reconversodealgunssectoresindustriais. Agrandemaioriadapopulaoeuropeiatem1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL7assegurado elevados nveis de consumo, de bem-estar material com o seu trabalho,e fica protegida desde o bero at ao cemitrio por uma proteco que abrange adoena, os acidentes de trabalho, a velhice, o desemprego, a escola, alguns aspectosda residncia e mesmo a situao de determinados colectivos no ligados ao tra-balho ou que se encontram abaixo de certos nveis de subsistncia. A implantaodas medidas de rendimento mnimo acaba de construir este edifcio. As organi-zaes sindicais e patronais, juntamente com o Estado, chegam a acordos para re-partir a riqueza criada. A evoluo dos direitos civis, polticos e sociais consi-dervel e so poucos os colectivos que no acedem em pleno a estes direitos. Odebate centra-se na integrao da classe operria neste sistema e a pobreza surgecomo algo residual, dos que se situam margemou dos que no entram total-mente no sistema, como sejam aquelesque vivem em determinados subrbios dascidades, algumas zonas rurais, imigrantes, diversos colectivos pouco socializadose desviados. Nesta sociedade, cuja mobilidade e organizao vertical e hori-zontal no so colocadas em dvida, a pobreza encontra-se colocada a um cantoe est submersa, sendo o seu tratamento deixado nas mos da assistncia pblicaou das entidades de beneficncia privadas de cariz eclesistico ou civil. Apenas deforma excepcional, erguem-se algumas vozes na Europa e nos Estados Unidospara denunciar as situaes de pobreza, iniciando, este ltimo pas, uma guerracontra ela. E se existe excluso, esta parece encontrar-se afastada e escondidanasinstituies de recluso. At certo ponto, isso tambm ocorre nos pases da Eu-ropa de Leste, onde o trabalho a principal via para a obteno de rendimentose de reconhecimento poltico e social. Nestes pases, elimina-se e oculta-se a dis-sidncia (cultural e poltica).Nas mesmas dcadas, nos ento denominados pases de terceiro mundo,abre-se uma via de esperana com a rpida descolonizao poltica e com o esp-rito da Conferncia de Bandung, que reuniu os principais pases no alinhados, naqual se acreditou numa via autnoma de desenvolvimento poltico (neutralismoface guerra fria) e econmico que deveria terminar com a sua excluso do pa-norama mundial. Mas esta esperana vai-se desvanecendo na maioria dos casos.Entre outras razes, porque os dois blocos presentes no permitem a criao deum espao de neutralismo activo e obrigam estes pases a penderem a favor de umou do outro. Segundo, porque as relaes reais de intercmbio vo tornando aseconomias dos pases do Sul mais dependentes e empobrecidas, e a expectativa deum desenvolvimento econmico e social rpido e autnomo vai desaparecendo.Terceiro, porque em muitos destes pases, as burocracias e as oligarquias que do-minam os Estados no esto interessadas numa promoo dos recursos locais edas economias autctones. Quarto, porque fracassam as relaes bilaterais, trila-terais, regionais e ainda se activam mais os conflitos e as guerras entre eles. Almdisso, em muitos deles, os perodos de tolerncia poltica e cultural so curtos e ra-pidamente substitudos pelo monopartidarismo, as ditaduras militares e formasmais ou menos despticas de governo, que anulam todo o tipo de direitos da po-pulao, aumentando assim a sua excluso poltica e institucional.PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL8Desta forma, a constituio e cristalizao do mundo em dois blocos poltico-militares, acompanhada por uma crescente bipolarizao de um conjunto depases que ainda no encontraram uma sada para a sua situao perifrica e ummundo ocidental onde atravs do mercado de trabalho, da segurana social e dofuncionamento das instituies de socializao como a famlia, a escola, a sade,encontramos a grande maioria da populao integrada nos padres dos Estadosdo Bem-estar e na sociedade da opulncia.Mas esta situao vai mudar. No ano de 1968, os acontecimentos que ocorremem vrios pases como a Frana, o Mxico ou a Checoslovquia so premonit-rios de algumas alteraes ideolgicas e culturais, que vo incidir nas formas queadopta a excluso e as respostas a esta situao. Mas a repentina subida dospreos do petrleo que marca, de certa forma, esta nova fase com o reapareci-mento e instalao da pobreza e da excluso.Na verdade, a crise econmica que surge na dcada de setenta faz cair as basesdo modelo anterior. J no possvel pensar em crescimento econmico, com opleno emprego que utiliza matrias-primas e energias abundantes e baratas. Os re-cursos encarecem e expande-se a conscincia da escassez dos recursos naturais. Aindstria de base deixa de ser considerada como o sector chave do desenvolvimento.As reconverses industriais, a deslocao febril e a descentralizao produtiva estona ordem do dia. E grandes grupos da classe operria industrial vem-se afastadosdos seus lugares de trabalho. Alm disso, dificilmente conseguem adaptar-se in-troduo das novas tecnologias que, por outro lado, aumentam o peso do capitalna inverso e no produto final em detrimento do custo do trabalho. O mercado detrabalho transforma-se e expulsa os grupos mais fracos, que depois tambm sentemmais dificuldades na reintegrao laboral. Ressurge o velho fantasma do desem-prego, alcanando uma grande percentagem da populao que pensava estar pro-tegida e afastada de tais riscos.Por outro lado, independentemente da discusso sobre a legitimidade e viabi-lidade do Estado do Bem-estar, os ataques que so lanados de diversas vertentes,mas encobertos principalmente pela onda neoliberal, traduzem-se em polticas emedidas que pem em causa algumas iniciativas destes Estados e, em especial, aproteco social pblica. Estas limitaes no atingem todos os pases da mesmaforma, mas realam os efeitos perversos de algumas polticas sociais, os buracosdos esquemas da segurana social por onde passam milhares de pessoas que ficamem situaes ainda mais precrias e a necessidade de transformar o financiamento,os pagamentos dos servios e das prestaes, evitando os dfices pblicos, encon-trando mecanismos de sustentabilidade a longo prazo, modificando a relao entreo sector pblico e o privado e procurando novos caminhos de legitimao entre oscidados e os Estados. Em resumo, procurando uma articulao mais diversifi-cada entre o Estado e a sociedade.A sociedade tambm se ressente com estes processos e desestabilizao doassalariado juntam-se as transformaes da unidade familiar, o isolamento demuitas pessoas, as crescentes dificuldades dos canais de socializao, o desmem-1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL9bramento dos laos e da organizao social, especialmente evidentes nas grandescidades dos pases centrais da Europa, onde maior diversificao e liberdade cor-responde uma maior difuso dos riscos e uma menor coeso social.A queda do muro de Berlim traz grandes esperanas sobre o desaparecimentodos blocos e a criao de novas condies para um novo desenvolvimento econ-mico, social e poltico. Mas os mais recentes e graves acontecimentos no inciodeste novo milnio marcam um salto qualitativo na problemtica da excluso. Ointegrismo e o fundamentalismo, adoptados pelos atacantes e atacados, colocamo conjunto da humanidade num maniquesmo, bons e maus, que no fazem maisque aumentar a excluso (dos outros). Super-los a partir do mbito domsticopara o internacional cada vez mais necessrio e urgente.Tudo isto leva a rever as palavras e os conceitos que tinham sido utilizados paradenominar e explicar a pobreza e a excluso, abrindo um debate sobre os seus sig-nificados e a sua utilizao para elaborar estratgias de interveno. No seio destecontexto e deste debate abriu-se um caminho para a noo de excluso social.1.2. Uma questo terminolgica?As palavras que designam os fenmenos e a realidade que circunda o gnerohumano permitem a sua compreenso e o seu dilogo, mas tambm esto repletasde armadilhas que mascaram e disfaram o que se pretende denominar. Quando,alm disso, estes termos remetem para noes polissmicas, a complexidade au-menta, como o caso da pobreza e da excluso. Por isso, importante tentar de-limitar o seu significado e alcance, comeando pelo termo pobreza que historica-mente precedeu o termo excluso social.O termo pobrezaderiva de pobre que, como nas outras lnguas latinas, en-contra a sua origem no adjectivo pauper-eris. Atravs dos 1.044 documentos doArquivo Histrico da Real Academia espanhola, estudaram-se (Casado, D., 1990a)as diferentes funes e acepes desta palavra. Em 37 por cento dos casos -lheatribuda uma funo substantiva que identifica aquelas pessoas que carecem debens materiais. Em 13 por cento dos casos, o substantivo pobre utilizado comooposio a rico e em 4 por cento dos casos as palavras so associadas no plural,ricos e pobres, mostrando assim que esta anttese tem um valor totalizador, doqual deriva a universalidade da varivel riqueza-pobreza como elemento de ca-racterizao social. No entanto, o substantivo pobres atinge, neste caso, todosaqueles que no so ricos e esses so muitos mais do que a designao da palavrapobres quando tomada de forma isolada. Em 39 por cento dos casos, pobre utilizado de forma imediata, com um sentido de comiserao, e com menos fre-quncia de desprezo, por exemplo pobre homem, utilizando-se mais em relaoa experincias como escassez, ausncia de valor, modstia. A sua utilizao maisaplicada com referncia a entidades geopolticas como povos pobres, regiesPANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL10pobres, pases pobres. Quando pobre aparece como um atributo mediato,qualificando um substantivo ou um verbo, costume aplicar os verbos ser e estar.No primeiro caso ser pobre adquire um carcter estrutural. Por fim, encontram-se as expresses como os pobres voluntrios, os pobres de esprito, a pobreza evan-glica e as expresses exclamativas pobre de ti (ameaante), pobre de mim (au-tocompassiva).Sintetizando estes significados, a palavra pobre expressa trs tipos de ca-rncias: ter pouco, valer pouco, ter pouca sorte. Esta carncia pode ser es-trutural, ser pobre; circunstancial, estar pobre; excludente, no ser rico; vo-luntria, tornar-se pobre; fingida fazer-se de pobre.No existe, por agora, um exerccio semelhante para a palavra excluso, entreoutros motivos, porque a sua utilizao relativamente recente. J foi citado o nomede Lenoir e chegado o momento de referir Secretan (1959), que lhe d um sen-tido prximo ao da pobreza voluntria, do qual se exclui automaticamente pormotivos ticos e religiosos, e Klanfer (1965), que na perspectiva do quarto mundo,associa-a aos sobreviventes da sociedade pr-industrial. Mas estas so excepes,enquanto a utilizao do conceito pobreza, da sua representao social e das me-didas que o acompanham, tal como mostraram muitos historiadores e, mais re-centemente, Gieremek, B. (1987), Sassier, Ph. (1990) e Castel, R. (1995), tem umlongo itinerrio que provm da Idade Mdia.O objectivo aqui no resumir este itinerrio, mas, sim, assinalar que atravsdele as palavras indigncia, precariedade, misria, privao, marginalizao, voadquirindo sentidos, s vezes equivalentes, s vezes paralelos e outras vezes dis-tantes do significado da pobreza.Convm sublinhar que no sculo XIX, a interpretao do pauperismo resul-tante do produto das relaes que os homens e as mulheres estabelecem para so-breviver. E isso levava, por um lado, como no caso dos autores britnicos, Booth(1889, 1892), Rowntree (1901), e Stitt, S., Grant, D. (1993), a estabelecer valoresmnimos alimentcios, expressos em termos biolgicos e fisiolgicos; e por outrolado, a destacar o carcter desigual da propriedade dos meios de produo e dis-tribuio das riquezas produzidas. At certo ponto, estas duas interpretaes sologo retomadas como pobreza absoluta epobreza relativa. A primeira evoca, comorecorda Milano, S. (1988), um nvel mnimo de vida, semelhante em qualquer pase poca. Para avali-la costume utilizar como parmetro o mnimo de caloriasnecessrias, o que se traduz nos produtos alimentares que contm estas calorias.Este o processo que se utiliza nos Estados Unidos desde 1965 e que serve, calcu-lado em preos, para identificar o valor mnimo de rendimentos, abaixo do qual se considerado pobre. Na mesma dcada, a Comisso Indiana do Planeamento fi-xava o nvel mnimo em 2.250 calorias por dia, enquanto outros estudos determi-navam 2.150 para o Paquisto e 2.122 para o Bangladesh (Milano, S., 1992). Mastanto a lista e o tipo de produtos que se escolhem em funo do consumo das fa-mlias no pobres, como o clculo sobre os ndices de preo, colocam esta noode pobreza absoluta num plano relativo. Alm disso, as pessoas que no dispem1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL11de um mnimo alimentar vital nos pases desenvolvidos vivem em condies queos impedem de morrer de fome; esse no , porm, o caso dos pases do Sul. Porisso se referiu que a noo de pobreza absoluta seria mais conveniente para definira situao destes pases.Townsend, P. (1975) (1993), nas suas anlises sobre a pobreza na Gr-Bretanhae escala internacional, estabeleceu em torno do conceito de privao, no s umalista de bens e de servios necessrios como tambm em relao ao nvel de vidada sociedade. Contrapondo ao conceito de Sen, A. (1985) (1992), que defendia queo pobre no apenas aquele que tem menos que os outros, mas sim aquele que nodispe do mnimo de meios para viver, o socilogo ingls responde que esta po-sio tende a subestimar a importncia das necessidades no alimentares, no snos pases ricos, mas especialmente, nos pases de terceiro mundo. De qualquermodo, a crise que se abate nos anos setenta vai obrigar, mesmo nos pases ricos, aque centenas de milhar de pessoas tenham de fazer pela vida para sobreviver.Tal como j foi dito, nesta dcada, comeam a despontar novos fenmenosque exigem novos conceitos para identific-los. Marginal e nova pobreza voser os dois termos mais utilizados no contexto europeu. No caso do primeiro, po-demos sugerir que a sua utilizao provm dos termos margin e marginal dalngua inglesa e que entram, posteriormente, nas lnguas latinas. De forma maisconcreta, Vincent, B. (1979) situa a utilizao destes vocbulos em 1972 e 1973, emFrana, para designar os grupos de jovens sem classe, meio bomios, que se recu-savam a ser assimilados e participavam pontualmente nas revoltas posteriores aoMaio de 68. Do adjectivo gente marginal transforma-se em substantivo quequalifica um grupo, os marginalizados, e pode ser utilizado no feminino, margem; no masculino, marginal; e mesmo como neutro, marginal, paraacabar por designar um processo, a marginalizao e os que a sofrem ou os quea procuram. Estes seriam os que esto afastados do centro, mas esto dentro dapgina da histria. Uma margem geogrfica e incmoda que podia identificar osque partiam das cidades para viver em comunidades, os estudantes revoltosos, onmero crescente de insubmissos, os que no se conformam com os valores e cos-tumes dominantes e que, por vezes, procuram formas mais ou menos alternativas(Castel, R., 1996). assim que estas palavras vo ser utilizadas, em parte, para des-classificar estes movimentos porque no so representativos, porque se afastam nasua desconformidade dos ncleos centrais. No entanto, em Itlia, Espanha, Por-tugal e Irlanda, a palavra marginalizao continua a ser utilizada para expressar oprocesso pelo qual passam, momentaneamente, determinados grupos (jovens embusca de trabalho) ou mais cronicamente (itinerantes, ciganos) afastados docentro. Neste sentido, o marginalizado seria um ponto intermdio, uma fase maisou menos passageira, entre a integrao e a excluso mais definitiva, combinando-se tambm uma marginalizao voluntria e outra imposta.Na Amrica Latina, o conceito da marginalizao emergiu nos anos cinquentapara designar os habitantes das favelas, das colnias e dos pequenos ranchos, re-sultantes das migraes massivas (Stavenhaguen, R., 1970) em direco s grandesPANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL12cidades. Mas de forma diferente do que acontece na Europa, estes marginalizadosno escolhem a sua marginalizao, no so marginais, dado que constituem umamaioria crescente da populao, nem participaram na economia central e formal,nem sequer existem muitas esperanas relativamente sua possvel insero a curtoprazo nas pautas culturais sociais e econmicas dominantes. So uma consequnciada crescente dependncia interna e externa e aumentam o sector informal, con-ceito que na dcada de setenta vai ser elaborado no seio da Organizao Interna-cional do Trabalho. At certo ponto, a revalorizao posterior deste sector informalvai deslocar a categoria de marginalizao (Fassin, D., 1996), que fica relegada paraum olhar depreciativo do poder: so uns marginalizados. No entanto, convmlembrar que na Amrica Latina, na Europa e em todo o mundo as notas que se in-seremna margemdo texto acabam por qualific-lo.No final dos anos setenta e incio dos oitenta, aqueles que viviam margemdesaparecem das pginas dos jornais e das preocupaes da ordem pblica, en-quanto aumentam as capas com aqueles que vo sendo vtimas das consequnciasda crise econmica e, muito especialmente, da remodelao do mercado de tra-balho. Isto afecta as populaes que nunca pensaram vir a ser afectadas pela pre-cariedade. Talvez as figuras mais representativas do que se chamava nova pobrezaso os trabalhadores qualificados expulsos do seu trabalho devido s reconversesindustriais e s alteraes tecnolgicas;alguns pequenos empresrios, comerciantes,artesos e profissionais sem possibilidade de adaptao;pessoas, especialmente mu-lheres, que tendo responsabilidades familiares no podem obter trabalho ou que operdem; pessoas que se endividam para alm das suas posses. No se trata de in-divduos inconformistas como no caso anterior; ou inaptos para o trabalho e semrelaes sociais; so, sim, pessoas com dificuldades relacionadas com o emprego ecom os seus rendimentos. Os termos da nova pobreza vo encontrar um certo ecoemEspanha(Candel, F., 1988), emI nglaterra(Room, G., 1990), emFrana(Paugam, S., 1991), em Itlia (Saraceno, C., 1990), e foram mesmo objecto de de-bates transnacionais, mas no chegaram a passar de forma massiva.Na realidade, esta perspectiva da nova pobreza foi submetida a duras crticaspor parte dos que lhe atribuam uma utilizao poltica, um desvio em relao pobreza estrutural e permanente, um disfarce de origem mais ou menos neoliberal,com um regresso s prticas de assistncia social de tipo individual e que acaboupor ser rapidamente eliminada pelo conceito de excluso. Mas no podemos es-quecer que foi capaz de chamar a ateno para as novas caractersticas do pano-rama social dos anos oitenta na Europa ocidental.1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL131.3. O significado e a utilizaoda excluso socialParaalmdestasincursessemnticaseterminolgicas, serconvenienteabordar, neste momento, o significado e a utilizao da excluso social.Em primeiro lugar, ser necessrio fazer uma advertncia contra a utilizaoe o abuso deste conceito, que foi qualificado de saco fundo, onde cabe tudo; deloja de convenincia, onde se vende de tudo; de balladeur, porque serve paraqualquer ocasio; de chiclete porque se pode esticar e alargar segundo a von-tade do utilizador. Chegou mesmo a dizer-se que de tal forma vulgarizado queacaba por ficar saturado de sentido, ou sem sentido ou um contra-senso (Freund,J., na Introduo a Xiberras, M., 1996). Mas alguma coisa representar, porque,h vinte anos atrs, quase ningum o utilizava e agora todos o pronunciam: desdeo mais alto dignitrio das organizaes mundiais at ao mais pequeno operadorde um projecto local no norte da Europa, na selva americana, na mais remota ilhado Pacfico ou no deserto africano.Em segundo lugar, a sua utilizao, ao lado do nome pobreza ou de outras de-signaes, obriga tambm sua delimitao, aplica-lhe fronteiras. Uma tarefa tantoou mais perigosa quanto a noo in itinere: difusa, equvoca, polivalente e poli-mrfica. Fica assim, pois, o registo do perigo de criar uma barreira e assim a obri-gao de uma aproximao gradual para que se diferencie dos outros e sirva delugar de encontro, como uma encruzilhada.Porqu e para qu a excluso social?Talvez fosse necessrio comear por constatar que a excluso est relacionadacom a insatisfao, o mal-estar de todo o ser humano quando se encontra em si-tuaes nas quais no pode realizar aquilo que deseja e ambiciona para si prprioe para a sua famlia. Partindo deste ponto de vista, a excluso teria uma certa cargasubjectiva, apoiada em aces materiais. Ser igualmente necessrio recordar que,por vezes, a excluso que segue determinadas modas, hbitos ou ideias dominantes,pode ser vivida de forma positiva por uma pessoa, um grupo, uma comunidade,reforando assim a sua coeso interna. Noutras ocasies, a auto excluso pode seruma das condies para estimular a criatividade artstica e intelectual ou uma vidae reflexo mais filosfico-religiosas.Seria este o caso de uma parte do povo cigano, excludo e perseguido durante s-culos, que afirmava a sua identidade distanciando-se de alguns valores da socie-dade no cigana (a obsesso pelo trabalho ou a falta de respeito pelos ancios, porexemplo).Ao mesmo tempo, incontestvel que a grande maioria poderia afirmar queest, ou , ou foi, excluda de alguma coisa (Estivill, J., 1998a) e com certeza, paraPANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL14aqueles que lem a Bblia, os primeiros excludos foram Ado e Eva e o segundoCaim. Mas nem hoje estamos no Paraso, nem as condutas dos nossos primeirospais transferidas actualidade recebem aqueles castigos. Do mesmo modo, o cai-nismo no actualmente muito habitual. Embora possa ser til manter o sentidoprofundo da norma transgredida geradora de excluso. Qualquer sociedade, qual-quer grupo, mesmo qualquer indivduo, cria e possui as suas regras, mais ou menosexplcitas, e ao faz-lo estabelece uma diferenciao que permite definir, com ousem razo, as categorias do eu, do ns e do vs e eles-elas. No h, assim, exclusosem incluso. Geralmente, as duas permitem a filiao, a identificao de uns emrelao aos outros. Definir-se a si mesmo tambm definir a alteridade. E quantomais restringimos esta definio mais excludentes nos tornamos, o que, aplicados sociedades, significa que quanto mais restritas e fechadas forem, mais iro ex-cluir. E este , ao mesmo tempo, um processo real e simblico. Por isso, esta nootem possibilidades de enriquecimento a partir da sociologia, da psicologia e da an-tropologia. Existe igualmente um esforo para encontrar referncias nas teoriassobre a organicidade, a anomia e o desvio dos clssicos destas cincias sociais comoDurkheim, Simmel, Tonnies, Max Weber ou na escola de Chicago que, j nosanos trinta do sculo passado, sublinhava os factores agregativos e de desagre-gao das grandes cidades na coeso social dos imigrantes.I ndivduos, grupos e comunidades podem encerrar-se gradualmente, levan-tando muros cada vez mais altos, afirmando os seus valores de forma autoritriae dogmaticamente e isso pode levar expulsodos que no as aceitam ou daquelesque no so reconhecidos. A histria est repleta de exemplos nos quais, por mo-tivos religiosos, ideolgicos, polticos, culturais e tnicos, se originam processos su-cessivos de excluso, cujo objectivo ltimo o aniquilamento dos outros e o seugenocdio.Outra possibilidade a criao de espaos fechados, mais ou menos distantes,e desligados da comunidade e estatutos especiais, sempre inferiores, concedidos adeterminados grupos.Todas as formas de apartheid e muito especificamente o apartheid praticado, ath pouco tempo, na frica do Sul, seria uma demonstrao deste tipo de excluso.Ela baseou-se em grande medida nas polticas colonizadoras da sia, frica e Am-rica do Norte e do Sul, quando era concedido um territrio s populaes indgenase aos grupos autctones (as reservas para os ndios americanos) e/ou uma funoinstitucionalmente definida nos nveis mais baixos da hierarquia social.Estes exemplos mais histricos no podem fazer esquecer os termos em que sebaseia a actual e crescente excluso social, na qual, tanto os caminhos da estig-matizao (Goffman, E., 1975), como os da interaco entre a sociedade e os gruposexcludos, so mais fluidos, mais complexos, por vezes, menos aparentes. Assim, aprimeira tende a considerar os segundos como culpados/responsveis pela sua ex-1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL15cluso, censurando-lhes as condutas e a sua falta de compromisso com o pacto so-cial. Enquanto os segundos, tentam encontrar uma posio no seu prprio lequede relaes ou se decidem e podem lutar contra as circunstncias da sua excluso,criticando a falta do seu reconhecimento por parte da sociedade. Existem aqui rup-turasdos laos simblicos e potenciais conflitos nos respectivos esquemas de re-presentao social. Tudo se complica ainda mais com o aumento do individualismoe da individualizao, que levam ao isolamento das pessoas, e com a multiplici-dade e heterogeneidade dos valores dominantes. Isto dificulta substancialmente acoeso colectiva, por um lado, e, por outro, a sensao de integrao para homense mulheres e a pertena a uma nica identidade.Desta forma, ao desmembramento das redes sociais existentes e fragmentaoda sociedade (Mingione, E., 1993), junta-se a heterogeneidade dos valores e imagenscentrais, a dificuldade de constituir outros ncleos de confluncia e identificao ede encontrar respostas colectivas transversais que superem as sucessivas rupturas edistncias. Esta seria a base da excluso social, que seria manifestada escala indi-vidual (micro), nas relaes entre os homens e as mulheres e destes com os grupos einstituies intermdias (meso) e destes com o conjunto da sociedade (macro).No entanto, resta saber at que ponto esta viso aplicvel aos pases do Sul,onde a famlia, a vizinhana, os conterrneos, a comunidade local ou tribal e ossistemas simblicos que os acompanham, ainda tm tanta fora. A resposta nopode ser definitiva nem homognea, tendo em conta a diversidade de situaes,embora se possa sugerir que estes pases tambm esto submetidos aos ataques dasociedade tradicional, s imagens e valores provenientes dos seus centros urbanose, at certo ponto, do mundo ocidental, assim como aos diversos obstculos quese opem reconstituio de novas mediaes internas que no passem pelos cir-cuitosdaeconomiamercantilnempelospoderesinstitudos. Pode-semesmoafirmar que a sua vulnerabilidade em relao a este tipo de ataques crescente, ex-cepto, em casos extremos, verificados nas comunidades muito isoladas ou muitofechadas. Isto no significa que aceitem estes modelos de forma acrtica e que nolevem os seus prprios modelos consigo (migraes internas e externas).De qualquer forma, no se deve cair no erro de uma imagem idlica, com ten-dncia a apresentar uma viso harmoniosa destas sociedades. A excluso no surgeapenas devido s influncias ocidentais, mas tambm devido s estruturas e normasespecficasdestascomunidades, cujatransgressoindividualecolectivapodechegar a ser fortemente penalizada. Mas a questo central da excluso nestes pases a dificuldade em aceder a grande nmero de bens materiais, aos servios sociais,educativos, sanitrios, proteco social, assim como participao activa nas de-cises que influenciam as suas vidas.Evidentemente, esta concepo da excluso social stricto sensuno pode serseparada da excluso poltica e econmica. frequente que estes tipos de exclu-ses se acumulem, se complementem noutros casos, ocorram de forma paralelanos restantes, ou ento, em determinadas situaes, que o eixo que as articula secentre mais numa ou noutra.PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL16Na publicao de Gore, Ch. e Figueiredo, J.B. (1997), resultante do Frumde Poltica sobre a Excluso Social, do Instituto Internacional de Estudos Labo-rais da OIT, denota-se a preocupao da grande maioria dos autores provenientesdos pases do Sul (Peru, ndia, Tailndia) e em transio (Rssia) pela dimensopoltica da exclusoe, na anterior contribuio da OIT na Cimeira Mundial parao Desenvolvimento Social de 1995 (Rodgers, G., 1995), tambm se manifestava amesma preocupao em relao a outros pases (Imen, Mxico) e aos restantescontinentes. Ou seja, partida, a noo de excluso na sua dimenso poltica, seriamais significativa nesses pases. Sem cair no eurocentrismo, preciso reconhecerque as liberdades civis, polticas e sociais foram violadas mais frequentemente nestespases que na Europa ocidental, embora a histria do Velho Continente no possaser considerada um modelo exemplar.A noo de excluso polticaconduz ao campo dos direitos da cidadania, aoseu acesso, usufruto e s mltiplas barreiras que se lhe opem. Nos pases ociden-tais (Marshall, T.H., 1964), frequente distinguir trs etapas no desenvolvimentodestes direitos. Primeiro, definiram-se os direitos civis (liberdade pessoal, direito propriedade, livre circulao), depois os direitos polticos (de reunio, asso-ciao, expresso, de participao) e, posteriormente, os direitos sociais (pro-teco social, insero). Embora esta evoluo possa ser alvo de crticas emPortugal, Espanha, Itlia e Grcia, os perodos ditatoriais supunham a sua anu-lao, quando j se tinha alcanado uma parte dos trs tipos de direitos, mas a his-tria est repleta de regresses , vlida para distinguir a noo de excluso e si-tuar a condio de cidadania nos termos do desenvolvimento poltico e das rela-es com o Estado. Convm lembrar que a modelagem jurdica de muitos direitosocorreu devido s reivindicaes dos movimentos sociais e aos cidados que noaceitavam a sua excluso poltica. Este foi o caso dos movimentos femininos queem vrias regies do mundo e da Europa combateram e, continuam a faz-lo, parater um tratamento mais igualitrio. No entanto, verifica-se que nos Estados doBem-estar se deu a passagem dos direitos-liberdades para os direitos-obrigao,pelo que as autoridades pblicas devem garantir e cobrir um bom nmero de riscose necessidades. Da mesma forma, muitas das polticas sociais, sanitrias, educa-tivas, urbansticas, laborais, foram selectivas, benficas para uns e prejudiciais paraoutros, tiveram efeitos negativos e contriburam para uma desigualdade que podiaconduzir excluso. E se isso aconteceu na Europa ocidental, o que se poderdizer dos pases do leste europeu, que abrangidos por um suposto igualitarismoescondiam frequentemente a opresso de muitas minorias nacionais e tnicas e,daqueles que, numa fase de transio actual, continuam a aplicar uma exclusodramticadedeterminadosgrupos(ciganos, crianas, idosos, camponeses),assim como a sentir muita dificuldade em moldar o conjunto de direitos.Nos pases do Sul, a excluso poltica foi durante muito tempo o po nosso decada dia. No s pela frequncia dos regimes ditatoriais ou pelo domnio exclu-dente dos circuitos de poder das etnias, dos cls, dos grupos religiosos, das oligar-quias locais, como tambm, e, sobretudo, porque muitos estados ps-coloniais1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL17foram impostos e no puderam libertar-se do peso das suas heranas coloniais de-pois da independncia, o que contribuiu para atrasar ou acentuar a excluso pol-tica. Nestas condies, a noo de cidadania e os direitos polticos, embora nos l-timos anos tenham sido feitos esforos notveis, tm estado longe de uma total im-plantao, assim como do seu conhecimento e possibilidades de reclamao.Certamente, devido a isto, nestes pases, a noo de excluso poltica baseia-se na real falta de participao da maioria da populao nos mecanismos institu-cionais, embora ocorra em muitos deles uma interveno activa na sua comuni-dade local e nos circuitos mais prximos. Mas tambm partilham estas circuns-tncias, em grande parte, com os pases mais avanados, onde se verifica que odfice de representao da sociedade real na sociedade poltica no s grande,como mostra sinais de crescimento, apesar da passagem do estado interventor parao chamado estado animador (Donzelot, J., 1994). Daqui resulta, por um lado, aemergncia da preocupao pela capacidade de governao e, por outro lado, ocrescente peso da sociedade civil, da dinmica dos grupos locais, de base e comu-nitrios, das organizaes scio-voluntrias e da fora renovada da economia so-cial (Defourny, J., Develter, P., 2000), que ocorre em todo o mundo (Anheier, H.K.;Salamon, L.M., 1998). Esta nova dinmica permite-lhes abordar no s as suasfunes clssicas de defesa dos interesses dos seus membros, de fornecedor de ser-vios e de reivindicaes, (Beveridge, W., 1948), como tambm no mbito da par-ticipao social e de luta contra qualquer tipo de excluso.As micro-seguradoras de Sade Comunitria (associaes de mutualidades) soiniciativas com capacidade para responder s dificuldades financeiras do paga-mento dos servios de sade, atravs de um sistema de partilha e permuta de riscos.Constata-seque,emcertoscasos,aspessoasquepertencemsmutualidadespodem valer-se de certos direitos nos centros de sade, fazendo com que superemas dificuldades e os medos criados por estes centros. Por isso, as micro-segura-doras no servem apenas para financiar alguns cuidados sanitrios, mas tambmpara superar as barreiras dos centros de sade, apresentando outras condies departicipao.Apesar da importncia destas duas dimenses, a social e a poltica, convmno esquecer que a noo de excluso surge e alimenta-se da de excluso econ-mica. Foi para identificar as consequncias das alteraes que ocorriam nas eco-nomias ocidentais que esta noo se tornou mais habitual e popular. Isso significaque, de alguma forma, outras palavras, outros conceitos, no eram to adequadospara qualificar e explicar o que estava a acontecer.A excluso no um conceito da teoria econmica (Gazier, B., 1996). Estacincia tem alguma dificuldade em encontrar uma explicao para a conjugaode processos que separam os indivduos, grupos e territrios dos centros produ-tivos e de consumo e o seu paradigma central, baseado na escassez, obriga a co-locar a questo em termos de pobreza/riqueza, igualdade/desigualdade na pose ePANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL18uso dos bens produzidos. Alm disso, os excludos so uma procura no solventeou os inteis e supernumerrios (surnumraires) do sculo XIX ou os resduosdo desenvolvimento, a misria do mundo (Bourdieu, P., 1993) ou os underclassda literatura norte-americana das dcadas de sessenta e setenta do sculo XX(Wilson, J., 1987) ou os losersapagados da cena econmica, todos dificilmente ca-talogveis nas categorias da racionalizao econmica.Mas a dimenso econmica do fenmeno inegvel e a contribuio destaaproximao tambm til.Uma delas destaca o esquema vertical de classes que se opem em funo dasua posio nas relaes produtivas, mas bastaria justapr-lhe um esquema hori-zontal para que a oposio fizesse a mudana dos que se encontram dentro (insi-ders) do mercado de trabalho com aqueles que esto de fora (outsiders). Algumaspessoas tm emprego, outras no. Esta interpretao, que est relacionada com adualidade do mercado de trabalho que abrange os homens e mulheres que benefi-ciam das vantagens do estado protector e os outros que no beneficiam, tem comoprincipal interesse marcar as oposies reais e crescentes entre assalariados e de-socupados, entre a economia emergida e a subterrnea, entre o sector formal e oinformal e entre os actores dos dois lados. Mas no deixa de ser insuficiente na suaanlise dicotmica, sendo cada vez mais difcil determinar os limites entre ambose a crescente mobilidade entre um e outro.O fenmeno econmico da excluso separador, mas tambm consecutivoe acumulativo. Assim, se, por exemplo, cruzarmos emprego e proteco social te-ramos a seguinte tipologia: pessoas que tm trabalho e proteco social, aqueles que no tm trabalho mas sim proteco (desempregados subsidiados,pensionistas, incapacitados), aqueles que tm trabalho mas no tm proteco (economia subterrnea, sectorinformal), homens e mulheres que no tm nem uma coisa nem outra.Se o que se cruzam so as variveis trabalho assalariado e laos sociais, entosurge tambm um esquema de quatro situaes, que a base daquele utilizado porCastel e pelos seus seguidores (desafiliao/afiliao, vulnerabilidade/no vul-nerabilidade). Mas a dificuldade apoia-se no facto de no se tratar apenas de es-tabelecer tipologias, mas sim caracterizar um processo de expulso que se encontrano corao da sociedade e da economia e que se separa de forma rpida e brusca.Neste sentido, necessrio referir a deslocao fabril, a segmentao do mer-cado de trabalho, as diferenciaes que esta introduz nos estatutos de trabalhadorese trabalhadoras(trabalho indefinido, temporal, precrio, sazonal, submerso), adiversidade de acesso aos bens de consumo, os equipamentos e servios econmicos,sociais, educativos, sanitrios, culturais, etc. E por fim, a segregao urbana e es-pacial. O objectivo relacionar a excluso com o sistema produtivo gerador da pre-1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL19cariedade laboral e de um novo tipo de desemprego, por vezes chamado de de-semprego de excluso (Wuhl, S., 1992), que so incapazes de compensar certas po-lticas laborais e sociais, o que impede o aproveitamento crescente de um bom n-mero de bens e servios comuns aos restantes cidados e cidads. importante assinalar (Bhalle, A., Lapeyre, F., 1995) que a distribuio daacumulao e dos recursos desigual, em funo das relaes de foras, da capa-cidade de presso corporativa e/ou reivindicativa de cada grupo e do estabeleci-mento das prioridades polticas e das medidas alvo (targeting policy). E que, porisso, o crescimento econmico pode ser uma condio necessria, mas no sufi-ciente, para prevenir, aliviar e lutar contra a excluso, e pode-se mesmo formulara hiptese pela qual determinado tipo de crescimento econmico pode gerar ex-cluso, quando os seus resultados so monopolizados por determinados grupos.Aqui tambm existe uma vertente espacial porque, normalmente, um bairro, umazona, uma comarca, uma regio, um pas, os que no participam neste tipo de cres-cimento e vo ficando de fora e debaixo da hierarquia territorial e da diviso in-ternacional do trabalho. Os centros histricos, as zonas no reabilitadas, os su-brbios degradados, as reas urbanas envolventes, as zonas de antiga industriali-zao, as regies e os pases rurais e isolados vo ficando na periferia e abandonados sorte, constituindo, assim, as reas de uma excluso econmico-espacial. Nestecontexto, as suas populaes muito dificilmente podem sair destes espaos-circuitosde excluso, excepo dos mais activos, a quem resta emigrarA emigrao um bom exemplo das alteraes na condio das pessoas de acordocom o contexto em que se encontram. Frequentemente, quem emigra no so aspessoas mais excludas, nem as mais pobres de uma determinada zona, mas simaquelas que tiveram uma formao, que tm aptides que exercem no seu pas e,normalmente, tm laos com emigrantes anteriores (cadeia migratria). Por outrolado, numa perspectiva internacional e do ponto de vista do pas de acolhimento,so consideradas pobres e muitas vezes so excludas. Quando chegam, encon-tram-se, muito provavelmente, numa situao de precariedade (em relao ao nvelde vida do pas) e, quase de certeza, de excluso, dado que no dominam nem oidioma, nem os costumes, nem os mecanismos de relacionamento e os cdigosculturais.Uma das dificuldades deste tipo de anlise deve-se internacionalizao dosintercmbios, com o desvanecimento, at certo ponto, dos centros de poder eco-nmico e com a chamada globalizao (Sousa Santos, B., 2001), sendo cada vezmais difcil detectar onde se situam estes centros, embora seja muito fcil verificaras suas consequncias. Alm disso, o saber d poder e com a introduo das novastecnologias e, em especial, da informtica, assiste-se a outro tipo de excluso destemundo que d uma imagem virtual de incluso aos que tm computador e se ligam Internet, embora a excluso cultural avance (domnio de idiomas, pautas cultu-rais e de consumo, etc.).PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL20Desta forma, a excluso social pode ser entendida como uma acumulao deprocessos confluentes com rupturas sucessivas que, despoletada no centro da eco-nomia, da poltica e da sociedade, vo afastando e inferiorizando pessoas, grupos,comunidades e territrios em relao aos centros de poder, aos recursos e aos va-lores dominantes.Esta aproximao, proveniente da experincia europeia mas aplicvel a outrospases, deveria ser contrastada e aprofundada com as formas adoptadas pela ex-cluso social noutros continentes. Uma vez que em certos pases uma grande parteda populao est posicionada num nvel de sobrevivncia, ou os direitos das cida-danias no se aplicam, ou as populaes no tm acesso a muitos servios, quandoestes existem, convm, ento, sugerir a necessidade de estabelecer definies queevidenciem de forma mais precisa estas situaes de excluso social. Que fique, ento,registada esta necessidade de contraste e adaptao desta noo a outras realidades.1.4. Excluso e pobreza.A extenso da sua utilizaoNeste aspecto, trata-se de examinar as relaes entre as noes de excluso epobreza, as razes pelas quais, nos ltimos tempos, se alargou a utilizao do pri-meiro conceito e ver at que ponto a noo de excluso tem validade para alm daEuropa ocidental.Efectivamente, excluso e pobreza no so equivalentes. possvel ser pobree no excludo e, o contrrio, nem todos os excludos so pobres, embora todas asinvestigaes e trabalhos mostram que existe um vasto crculo onde coincidem ospobres e excludos.De acordo com a Amnistia Internacional, existem 70 pases onde os homossexuaisdos dois gneros so perseguidos. Em muitos destes pases, so incriminados,aprisionados e penalizados. Imagina-se que entre estes, existir algum ou algumaque tenha rendimentos e bens em nvel superior aos dos seus compatriotas. Te-ramos assim um exemplo de uma pessoa excluda, mas que no pobre.Em muitos pases do Sul, existem muitas pessoas que vivem em situaes degrande carncia mas contribuem com o seu esforo para os trabalhos colectivos,so ajudadas pelos seus familiares e vizinhos e medida que envelhecem, os seusconselhos tambm so ouvidos e estas pessoas so respeitadas, da mesma formaque respeitam as pessoas com uma idade mais avanada. Constituiriam assim,um exemplo de pessoas pobres, mas no excludas da sua comunidade. Mas seestas pessoas vivem afastadas da metrpole, com recursos muito escassos, numaeconomia de sobrevivncia e autoconsumo, com valores prprios menosprezadospelos crculos dominantes da cidade, ento podemos dizer que essas pessoas par-tilham pobreza e excluso.1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL21As noes de pobreza e excluso conjugam-se na relatividade, porque os quevivem, tanto uma situao como a outra, so designados dessa forma em funodas representaes e normas que definem o bem-estar material e o grau de rele-gao que est em vigor em cada sociedade numa determinada poca (Paugam, S.,1996). De certa forma, so o reverso da medalha social, a face escondida (Hier-naux, J.P., 1981) e, neste sentido, os que sofrem com isso so o contrrio dos ar-qutipos das figuras triunfantes (Gaulejac, V., Taboada, I., 1994) na sociedade dacompetncia, da moda, dos meios de comunicao, da informtica. Mas temos deficar apenas com as concepes mais substancialistas, tipolgicas e estticas da po-breza e da excluso, para ver que ambas partilham a ideia de processo, que ambasencontram a explicao das suas causas nas estruturas centrais e que ambas soacumulativas e pluridimensionais.No so palavras sinnimas mas sim complementares, que exigem uma utili-zao rigorosa e copulativa para no cair no risco de aplicar uma, ignorar a outrae perder, assim, a capacidade de caracterizao, explicao e interveno.De qualquer forma, continua a fazer sentido responder pergunta, que no apenas retrica, do porque existem as duas e porque que a excluso parece impor-se pobreza na Europa.As hipteses, algumas ambivalentes, que explicariam porque que a noo depobreza no est a ser to utilizada como antes na Europa ocidental, so as se-guintes:a) foi a referncia histrica das atitudes e medidas mais caritativas e particulares;b) foi contemplada, frequentemente, apenas como falta de meios e foi limitadaao campo econmico e, mais concretamente, em relao aos rendimentos ;c) pretendeu-se atribuir-lhe um carcter conjuntural, passageiro, ao mesmo tempoque definitivo de uma situao inamovvel;d) foi rejeitada porque remetia, por um lado, para um passado que se pensava ul-trapassado, e, por outro, para uma presena incomodativa e da qual no sequeria admitir a sua persistncia;e) o seu contrrio a riqueza e isso remete para a dificuldade de realizar a suadistribuio;f) a sua visibilidade entrava em contradio com os discursos mediticos, comdeterminados princpios constitucionais, com vises optimistas sobre as con-sequncias indiscutivelmente positivas do desenvolvimento econmico;g) a sua quantificao, sujeita a debates metodolgicos, permite mais a identifi-cao que a compreenso, mais a gesto que a transformao e quando alcanaum volume elevadssimo desanima os responsveis polticos e faz emergir ocepticismo frente a qualquer aco que resume bem a frase sempre existirampobres e continuaro a existir.No entanto, a noo de excluso foi-se impondo at certo ponto, porque:PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL22a) tinha o valor da novidade e podia aparecer como uma inovao conceptual e ter-minolgica e permitia relanar um debate que parecia relativamente estagnado;b) pretendia-se superar noes como a privao, misria, penria, que evocavamrapidamente o sofrimento e o mal-estar dos que se encontram submetidos aestas situaes;c) permitia fazer uma reinterpretao, apontando de forma mais evidente paraas caractersticas estrutural, pluridimensional e dinmica;d) era mais explicativa do novo panorama resultante das consequncias da criseda dcada de setenta e da conscincia da necessidade de incorporar conceitos,como periferia, fractura, estigmatizao, etc.e) dava uma ideia mais precisa do processo. A excluso , ao mesmo tempo, causae consequncia. Em contraste com a fotografia da pobreza, mostrava-se o filmeda excluso;f) a sua polivalncia e fluidez permitiam, por um lado, constituir-se como umaresposta necessidade de ter em conta a sua dimenso poltica e, por outrolado, era mais aceitvel para os gestores;g) tinha uma carga menos estigmatizante que a da pobreza e por isso tambm eramais aceitvel pela opinio pblica e pelos prprios afectados;h) o seu contrrio a incluso e, nesse sentido, permite no analisar, at certoponto, a questo da desigualdade. Palavras antnimas, como insero, incor-porao, integrao, tambm ajudaram a alargar a noo de excluso;i) as dificuldades da sua quantificao e operacionalidade permitem falar delasem demasiado compromisso;j) no parece fazer muito sentido lutar contra a riqueza, e sim contra uma de-terminada distribuio da mesma, enquanto que lutar contra a excluso ou poruma sociedade inclusiva no cria grandes temores. Politicamente, pode ser acei-tvel por um vasto espectro de opes polticas;k) toda a gente se pode identificar com esta noo, porque bvio que sempre seest excludo de alguma coisa, de algumDe qualquer forma, tanto a definio de pobreza, como as suas representa-es sociais, foram-se modificando e as produes e debates dos anos noventa mos-tram bem que se aceita, cada vez mais, uma concepo dinmica, pluridimensional,estrutural e inclusivepoltica (Alcock, P., 1993) da pobreza. Esta forma de con-ceb-la tem uma grande aceitao pelas organizaes internacionais e vai sendo,cada vez mais, utilizada pelos operadores de terreno. Isso no impede a progres-siva utilizao da noo de excluso social, que ocorreu atravs de alguns passose canais que convm rever.Tendo em conta os antecedentes j assinalados, podemos perguntar at queponto, a excluso no apenas uma problemtica francesa e, por extenso, da1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL23Europa ocidental. Alguns autores tentaram responder a estas perguntas. I on, J.(1995) comea por afirmar que se esta noo foi adoptada pela Unio Europeia,embora auspiciada por uma Direco General (DGV) maioritariamente franc-fona, isso uma marca da sua irradiao para alm do territrio francs, aler-tando de qualquer forma que as palavras mudam de sentido quando passam asfronteiras, que o termo insero no existe em alemo ou em sueco e que, emqualquer caso, a problemtica do mercado de trabalho e da coeso social se es-truturariam de outra forma, noutros pases da Unio Europeia. Assim, nos paseseuropeus da periferia mediterrnea (Estivill, J., 2000a), o quadro resultante dariauma cor mais forte persistncia dos laos familiares e sociais, a um desenvolvi-mento importante da economia subterrnea, capacidade de amortecer o de-semprego atravs dos corpos intermedirios e das polticas regionais e locais, menor estigmatizao dos desocupados, que na Grcia e no sul de I tlia, Espanhae Portugal ou esto integrados em circuitos clientelares ou pertencem aos sistemasseculares (desemprego sazonal, trabalhos precrios) do mundo laboral e social.Por outro lado, os estados de providncia esto menos desenvolvidos, so maisfragmentados e desempenharam e desempenham, at certo ponto, um papel sub-sidirio em relao I greja que, tal como aconteceu na I rlanda, pelo menos anvel histrico, ocupou, hegemonicamente, o espao social (Ferrera, M., 1996).Esse o motivo pelo qual a tradio republicana francesa e o papel central doEstado, que no ocorre nos pases anteriores, nem sequer nos pases mais ao norte,se desequilibra quando se sente uma ruptura na coeso social, ao supor que sexistem cidados e cidadslivres e iguais, sem ligaes primrias, e surgem falhasnos elementos mais importantes da socializao (escola, sanidade). Por isso, a ex-cluso seria o novo rosto da questo social em Frana. Em contrapartida, nem aorganizao e a gesto do mercado de trabalho na Alemanha, com a implicaoempresarial na formao e com a co-gesto tripartida, nos pases escandinavos,atravs da concertao, ou na I nglaterra, nem a forma de conceber a integraosocial e poltica, neste ltimo pas, a partir das diferentes comunidades, vem aexcluso da mesma forma como a excepo francesa. Mesmo na Blgica, umpas to prximo, existiriam diferenas (Ypez del Castillo, I ., 1994) resultantesdas lgicas dos pilares, da sua progressiva federalizao e de uma estruturaourbana diferente.Outra linha da diversificao seria a que marca o domnio, em certos pasesdo centro e norte da Unio Europeia, da matriz protestante. A partir desta viso,a tica do trabalho e o dever de trabalhar no tm razo para serem premiados oucastigados, da a ausncia do direito insero nos seus rendimentos mnimos (Gui-bentif, P., Bouget, P., 1997) e da sua concepo do compromisso individual com acomunidade. Neste sentido, a excluso no vai constituir uma invalidao to dra-mtica, como quando vista como um impedimento para a realizao da cha-mada solidariedade cvica e nacional.Mas para alm do caso francs, necessrio constatar que a noo de exclusoinfiltrou-se, estabeleceu-se e popularizou-se na Europa do sul, do norte (Hill, J., LePANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL24Grand, J., Piachaud, D., 2002), de leste e est a entrar na Amrica Latina e frica,ainda que talvez um pouco menos na sia. Chega mesmo a atingir a Amrica doNorte (Barry, B., 1998), auspiciada sobretudo pelos francfonos canadianos (Gau-thier, M., 1995), adoptando neste pas um significado de finalizao extrema deum processo de marginalizao dentro da Comunidade e sendo, por vezes, rela-cionada com a situao das populaes autctones (J acoud, M., 1995).At que ponto esta irradiao transcontinental no mais um produto da ex-portao cultural do eurocentrismo? At que ponto a utilizao da noo de ex-cluso pode ser uma mscara dos problemas mais urgentes e dramticos que estoa ocorrer nos pases que esto fora dos circuitos centrais? E ser que esta noopode ser aplicada fora da Europa?Estas desconfianas e possveis cepticismos no s ocorrem fora da Europa,como tambm j se tm efectuado crticas consistentes no velho continente (Messu,M., 1993), em relao utilizao da excluso. J foi referido: 1) a heterogenei-dade da sua utilizao, que permite designar situaes dspares, obter consensospolticos, aceitaes contraditrias, minorando, ao mesmo tempo, o estudo das si-tuaes-limite da excluso, e a anlise das causas e dos processos que a provocam;2) a dificuldade em generalizar os pontos e as fases de ruptura e de identificar econjugar os vrios processos que confluem e conseguir dar-lhe um sentido opera-tivo; e 3) o possvel desvio em relao s situaes mais extremas de penria e pre-cariedade individual e colectiva.Uma segunda reflexo consiste em verificar que, quando esta noo foi apli-cada em investigaes, em programas ou em projectos operativos, parece ter tra-zido uma mais valia, no s para a compreenso dos fenmenos (Rodgers, G., Gore,Ch., Figueiredo, J.B., 1995), como tambm das estratgias desenvolvidas (Devel-tre, P., 2002).O terceiro argumento pode desdobrar-se em dois. Por um lado, afirmou-seque na Europa se assistia a uma latino-americanizao da vida econmica, coma passagem de uma sociedade produtiva para uma sociedade de mercado (Tou-raine, A., 1992) e que, tanto a Amrica Latina, com uma parte da sia e frica,se constituram de forma moderna sobre um colonialismo que exclua as popula-es indgenas e os modos de produo pr-capitalistas. Por outro lado, a cres-cente inter-relao econmica, social e cultural, escala mundial, aproximam rea-lidades que antes pareciam muito afastadas. Na realidade, a crise dos anos setentaafecta de forma notvel no s a Europa, como todos os continentes. Em todosos continentes se agravaram as desigualdades, em todos se sentiu um aumento eum alastramento da pobreza, todos adoptaram polticas mais ou menos duras deajuste econmico sem que tenha havido, em geral, medidas sociais de compensao(Gaudier, M., 1993).A quarta resposta indica que, ao adoptar a aproximao feita da excluso so-cial, esta, ao sublinhar a articulao das dimenses polticas, sociais, econmicase territoriais, poderia ser igualmente aplicvel aos pases em vias de desenvolvi-mento, nos quais existe uma maior tendncia para analisar, desde a dimenso plural1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL25a uma realidade que tambm mais mvel e inorgnica e que no sofre a com-partimentao que existe na Europa ocidental.A quinta resposta insiste no facto de que todos os pases se encontram sub-metidos a objectivos semelhantes, como os de criar as condies de um desen-volvimento econmico e social duradouro e sustentvel, potenciar o capital so-cial (Putnam, R.D., 1993), respeitar o patrimnio natural e cultural, aprofundaras democracias e os sistemas de participao, alargar a proteco social, criandosociedades mais tolerantes e mais justas. Tambm existe, cada vez mais, uma cons-cincia que se generaliza e alguns direitos humanos universais que se podemtornar, at certo ponto, como um marco de referncia que vai mais alm de cadaEstado. Neste sentido, utilizar a excluso e os seus contrrios, como a integrao,a incluso e a insero, poderia ter uma permutabilidade global, o que no querdizer que as estratgias concretas tenham de ser iguais e homogneas em todosos lados.Por fim, transferir a noo de excluso do Norte para o Sul (de Haan, A.,1998) significa coloc-la prova, verificar a sua capacidade de leitura da realidadee, ao mesmo tempo, provar que os seus atributos (mltipla dimenso, processual,estrutural) e os seus complementos (participao, incorporao, globalidade,partenariado) se convertem em estratgias teis e vlidas.1.5. A irradiao atravs das instnciaseuropeias e internacionaisNingumdvidadonascimentodanoonaEuropalatina, assimcomotambm no parece ser posto em causa que no seio das polticas sociais da UnioEuropeiaque recebe um primeiro e considervel impulso. No entanto, no se deveignorar que, para o nascimento desta noo e para a evoluo das suas sucessivascristalizaes, contriburam, como em tantas outras, milhares de pessoas e degrupos que vivem ou partilham ou tratam de combater a excluso.Sintetizando a histria deste impulso (Estivill, J., 1998b; Bruto da Costa, A.,1998), necessrio comear por referir, mais uma vez, a dcada de setenta, alu-dindo deciso do Conselho, de 21 de J aneiro de 1974, quando adopta o primeiroPrograma de Aco Social que reconhece uma certa funo social que transcendeo que fazem os Estados-membros e se articula com os esforos que realizava oFundo Social Europeu. No ano de 1975, coloca-se em funcionamento o PrimeiroPrograma Europeu de Luta contra a Pobreza, que consistia na realizao de umgrande nmero de micro projectos e na elaborao de panoramas sobre a pobrezaem cada pas. Mas, o mais importante o debate que gera sobre a sua definio eextenso (Comisso Europeia, 1981). O Conselho adopta, logo aps o lanamentodo programa, a j clssica definio: entende-se por pessoas pobres, as famlias eos grupos de pessoas, cujos recursos materiais, culturais e sociais so to escassos quePANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL26se encontram excludosdas formas de vida minimamente aceitveis no estado-membroem que vivem. graas presso da Presidncia Irlandesa que se vencem os obstculos quemarcam o intervalo entre o fim do primeiro programa, 1980, e o incio do segundo,em 1985. Para preparar o primeiro programa, o Conselho adoptou, na sua sessode 19 de Dezembro de 1984, esta segunda definio:consideram-se pobres aquelaspessoas que dispem de rendimentos inferiores aos rendimentos mdios per capitado pas onde vivem.A primeira definio destaca a falta de recursos, mas amplia o contedo e re-conhece que a pobreza pode afectar grupos e famlias; porm, dificulta a sua quan-tificao e a comparabilidade, introduzindo a ideia de condies de vida minima-mente aceitveis, de difcil determinao. Introduz a noo de excluso, que ci-tada num documento da Comisso, no ano de 1988, e obtm o reconhecimentooficial no texto adoptado pelo Conselho de Ministros, em Setembro de 1989. NoII Programa (1985-1989) (Hartman, H., 1990), foram financiados: 1) 91 projectosque actuaram em grupos especficos da populao (Target Population), mais 29 deEspanha e Portugal, devido entrada na Comunidade em 1986;2) o centro de coor-denao, avaliao e visibilidade, situado no ISG de Colnia, e 3) investigaescomparativas sobre as diferentes definies e medidas da pobreza (legal, rendi-mentos, subjectiva) (Deleeck, H., 1992). O segundo programa que trabalhou comconceitos como a marginalizao, insegurana de existncia, pobreza relativa e ab-soluta e privao, acentuou a ideia de que a pobreza era um fenmeno que afec-tava todos os pases da Unio (Service Social dans le Monde, n1-2. de 1992).A segunda definio que provm da tradio britnica remete para o conceitode pobreza relativa. Tem a capacidade de ser mensurvel, quantificvel, compa-rvel territorialmente e remete para a distribuio de rendimentos. Mas determinamelhor a desigualdade de rendimentos do que as situaes reais de pobreza, nopermite distinguir a pobreza extrema e aplica-se com dificuldade nas economiasagrrias, e nas zonas onde a economia informal, subterrnea e o intercmbio nomonetrio so importantes, no incluindo outros aspectos sociais, culturais e po-lticos que incidem sobre a pobreza.O terceiro programa, esotericamente denominado por Programa Comunitriopara a Integrao Econmica e Social dos Grupos Menos Favorecidos, mas co-nhecido como Pobreza-3, que se desenvolveu entre 1989 e 1994, englobava 41 acespiloto e 12 iniciativas inovadoras. As aces piloto deviam actuar numa base terri-torial com importantes meios e aplicar os princpios da pluridimensionalidade, daparticipao e do partenariado, e as iniciativas deviam continuar com a intervenodirigida a determinados grupos. O programa funcionou com um elevado nvel deimplicao da Comisso, juntamente com uma Unidade Central e 12 Unidades deInvestigao e Desenvolvimento, que acompanhavam os projectos locais e faziam aponte com a Comisso. Deste modo, financiou investigaes e criou um Observa-trio Europeu sobre a Luta contra a Excluso Social (1991-1994). Esta noo es-teve cada vez mais presente medida que avanava o programa (Estivill, J., 1998b).1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL27No ms de Abril de 1990, na cidade italiana de Alghero onde se fala catalo, de-correu um seminrio cujo ttulo era significativo: Pobreza, marginalizao e ex-cluso social na Europa dos anos noventa. Neste seminrio, sentiram-se duastenses:uma,adiversificadaaproximaoaestasnoespelosperitosdospases mais centrais da Europa em relao aos do Sul e perifricos e a outra, atradio mais pragmtica e quantitativa do mundo anglo-saxo e a mais tericae estratgica de origem latina. O debate no terminou, mas identificaram-se de-terminadas perguntas chave: De que forma a pobreza diferente da excluso?Estas noes so equivalentes, contraditrias ou complementares? Ser a po-breza material mais prpria dos pases menos desenvolvidos e a excluso dospases mais desenvolvidos?No primeiro relatrio de 1991, o Observatrio relacionava a excluso com aideia do no acesso aos direitos sociais (Observatrio Europeu, 1991) e a anlisedas polticas sectoriais (habitao, sade, emprego, educao). O segundo, eradedicado ao campo especfico dos servios sociais, e no terceiro e ltimo, confes-sava-se que esta noo ainda era discutida apesar dos avanos produzidos em Por-tugal, Luxemburgo e Irlanda (Observatrio Europeu, 1994), e, como na Blgica, aaceitao era mais evidente na parte francfona que na Flandres.Mas a noo continuava a avanar no interior e no exterior do Programa.No interior, porque tentou-se a sua aplicao nos projectos. Alguns adoptaramuma viso mais tradicional, levando a cabo actuaes mais relacionadas com aassistncia social, argumentando que a pobreza, para eles basicamente mone-tria, era ou o incio ou o final da excluso. Outros interessavam-se mais peloscolectivos que empobreciam, em detrimento dos que viviam submetidos croni-camente pobreza e pelas suas causas. Por fim, os mais afastados colocaram emevidncia os efeitos desorganizadores da excluso social, poltica e econmica,com base numa perspectiva integral. Esta viso foi ganhando adeptos, contri-buindo para isso os vrios Seminrios e Encontros, como os celebrados em Lon-dres, em 1994 (P.S.I ., 1994) e em Bruxelas, em 1995 (Comisso Europeia, 1995),e, no final do perodo, a proposta do novo programa englobava esta perspectivainclusive no ttulo. Contudo, no foi adoptada devido oposio e reticnciasde alguns governos.No exterior, mas dentro das instncias da Unio, a excluso foi citada e in-corporada no Tratado de Maastricht e no seu protocolo, na modificao do ter-ceiro objectivo do Fundo Social, nas diversas recomendaes do Parlamento Eu-ropeu, nos Programas de Aco Social da Comisso (95-97, 98-99) e nos LivrosVerde e Branco da Poltica Social Europeia.Assim, por exemplo, a Comunicao da Comisso, no dia 23 de Dezembro de 1992,tinha por ttulo Em direco a uma Europa da solidariedade: intensificar a lutacontra a excluso, promover a integrao.PANORAMA DA LUTA CONTRA A EXCLUSO SOCIAL28Outro exemplo referido pelo Livro Verde de 1993, quando sublinha que se a po-breza e a marginalizao no so fenmenos novos, agora, o destaque deve serorientado para a natureza estrutural do processo que separa uma parte da popu-lao das oportunidades econmicas e sociais e que no se trata apenas da dis-tncia entre os de cima e os de baixo, mas a distncia que existe entre aquelesquetm um lugar na sociedade e aqueles que esto excludos, para concluir com a afir-mao de que a viso mais integral da excluso no significa apenas rendimentosinsuficientes. Vai para alm da participao no mundo do trabalho, manifesta-seem mbitos como a habitao, a educao, a sade, o acesso aos servios e no relativo apenas aos indivduos que tiveram graves dificuldades, como tambm aosgrupossubmetidosdiscriminao,segregaoouaoenfraquecimentodasformas tradicionais das relaes sociais (Comisso Europeia, 1994).A ideia de mainstreaming, ou seja, integrar a noo de excluso no conjuntode polticas da Unio, proporcionou a integrao desta ideia nas recomendaese orientaes referentes: 1) aos direitos sociaisque se definiram na Carta Social Eu-ropeia de 1961, na Carta Comunitria dos Direitos Sociais dos Trabalhadores de1989 e na Carta Europeia dos Direitos Sociais, proclamada na recente cimeira deNice; 2) aos rendimentos mnimos e proteco social, com as Recomendaes de1992 e os diversos estudos e resolues da Comisso sobre a harmonizao da pro-teco; 3) s polticas de desenvolvimento local (Capital Social Local) e urbans-ticas (Urban I, Urban II); 4) potenciao da investigao com o V e VI ProgramaMarco (Qualidade de vida e gesto dos recursos), e 5) s medidas contra a discri-minao (novos programas de luta contra a discriminao e pela igualdade de opor-tunidades), etc.Convm recordar, para finalizar este percurso, que esta noo continuou a seradoptada em diversas iniciativas comunitrias, como Horizon, Now, Integra, noTratado de Amesterdo, na Estratgia Europeia para o Emprego. Tambm se re-flecte na ltima iniciativa, Equal, sobre a excluso do mercado de trabalho e, nasrecentes cimeiras de Lisboa (relacionada com a sociedade de informao) e de Nice,relacionada com os planos que cada Estado deve apresentar em concordncia como novo Programa de Aco Comunitrio, que se deve fomentar a cooperao entreos estados-membros para lutar contra a excluso social, actualmente, na fase delanamento (DOCE, 23.3.2001). O actual mtodo aberto de coordenao ofereceum melhor espao de colaborao entre as diversas instncias da Unio. Esta me-dida teria, sem dvida, consequncias positivas para o combate da excluso, nos para os pases membros, como tambm para os que vo entrar, que j esto aelaborar os seus memorandos sobre a incluso (J oint Inclusion Memorandum).Como lgico, as instncias que operam na Unio Europeia preocuparam-secom a excluso e este o caso do Comit Econmico e Social (CES, 1998) e doComit de Regies e Municpios. Da mesma forma, a Confederao Europeia deSindicatos no s denunciou frequentemente a excluso laboral, como tambm de-fendeu uma sociedade mais integradora (CES, 1994). Tambm a Fundao Euro-1. O SIGNIFICADO CONCEPTUAL E REAL DA EXCLUSO SOCIAL29peia para a Melhoria das Condies de Vida e de Trabalho realizou vrias inves-tigaes sobre a pobreza e a excluso. Devemos assinalar o esforo desta insti-tuio em mostrar o papel do desenvolvimento comunitrio escala local (Chanan,G., 1992) e o desenvolvimento do partenariado (Geddes, M., 1996).Resultante desta crescente aceitao (no isenta de dificuldades e retrocessos),por parte das instncias da Unio, as mltiplas redes nacionais (UNIOPSS 2001)e europeias das organizaes voluntrias foram utilizando, cada vez mais, a noode excluso e fizeram presso para que fosse largamente discutida e assumida, semabandonar a de pobreza.Desde o seu nascimento em 1990, a EAPN (European Anti-Poverty Network) queagrupa associaes e grupos dos 15 Estados-membros, incorporo