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Seminário: Estatuto da Metrópole e desafios das cidade brasileiras Seminário: Estatuto da Metrópole e desafios das cidade brasileiras Painel 2: Estatuto da Metrópole, um instrumento de cidadania Rosa Moura Observatório das Metrópoles-INCT/CNPq; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA-PNPD e-mail: [email protected] Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino Observatório das Metrópoles-INCT/CNPq; Centro de Habitação e Urbanismo – Ministério Público do Estado do Paraná e-mail: [email protected] Curitiba, 23 de outubro de 2015

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Seminário: Estatuto da Metrópole e desafios das cidade brasileiras Seminário: Estatuto da Metrópole e desafios das cidade brasileiras

Painel 2: Estatuto da Metrópole, um instrumento de cidadania

Rosa Moura Observatório das Metrópoles-INCT/CNPq; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA-PNPD e-mail: [email protected]

Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino Observatório das Metrópoles-INCT/CNPq; Centro de Habitação e Urbanismo – Ministério Público do Estado do Paraná e-mail: [email protected]

Curitiba, 23 de outubro de 2015

Seminário: Estatuto da Metrópole e desafios das cidade brasileiras

Inúmeras tentativas: • Constituição de 1967, competência da União, criação de

Rms para a realização de serviços comuns (art. 164); • Leis Complementares Federais 14/73 e 20/74 instituem 9

RMs, com conselhos consultivo e deliberativo; • Constituição Federal de 1988, competência dos Estados

(art. 25, §3º).

Criar RMs: ação política nos estados (verdadeira “metropolização institucional”), ineficaz para os desafios de gestão das FPICs, que exigem atuação coordenada entre municípios, instâncias de governo, e sociedade.

Pós 88: esvaziamento do planejamento metropolitano, das autarquias estaduais e emergência de um vazio institucional; proliferam unidades metropolitanas e arranjos como os consórcios setoriais.

TRAJETÓRIA

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PROCESSOS SOCIOESPACIAIS X ARCABOUÇO INSTITUCIONAL

FONTE: IBGE 2015 Elaboração: Autores

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• Aglomeração urbana: unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de 2 ou mais Municípios limítrofes, caracterizada por complementaridade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas (art.2, I);

• Quando envolve municípios pertencentes a mais de um estado será formalizada mediante leis complementares aprovadas pelas assembleias legislativas de cada um dos Estados envolvidos (art. 4);

• As disposições se aplicam às RIDEs com características de RM ou AU, criadas por lei complementar federal (art.22)

• A União manterá ações voltadas à integração entre cidades gêmeas (faixa de fronteira com outros países), em relação à mobilidade urbana e a outras políticas públicas afetas ao desenvolvimento urbano (art.16).

PROCESSOS SOCIOESPACIAIS X ARCABOUÇO INSTITUCIONAL

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Sancionado em janeiro de 2015 - Lei Federal 13.089/2015, após mais de 10 anos de debates e tramitação no Congresso Nacional.

Sancionado com vetos lastimáveis, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado.

Relator: Zezéu Ribeiro, membro da Frente Parlamentar pela Reforma Urbana, e em estreito diálogo com o FNRU e outras entidades da sociedade civil organizada.

Em que medida seus dispositivos oferecem avanços ou mantém as limitações existentes no trato da metropolização brasileira e na luta pelo direito à cidade, na sua dimensão de direito à metrópole e à cidadania metropolitana?

O ESTATUTO DA METRÓPOLE

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Estabelece diretrizes gerais para o planejamento, gestão e execução das FPICs em unidades territoriais urbanas supramunicipais, como RMs e AUs instituídas pelos Estados;

Disciplina os conceitos e os critérios para sua definição, e clarifica a finalidade de sua criação: a gestão das FPICs;

Estabelece normas sobre o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) e outros instrumentos de governança interfederativa, mediante planejamento integrado do desenvolvimento urbano;

Dispõe que os Planos Diretores Municipais devem ser compatibilizados ao PDUI;

Exige o exercício da gestão plena para apoio do governo federal a essas unidades, com penalidades ao seu descumprimento.

DE QUÊ DÁ CONTA O ESTATUTO DA METRÓPOLE?

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Se disciplina a “metropolização institucional” ou a proliferação de “unidades metropolitanas” pelo país afora...

• relevante arcabouço conceitual (aglomeração urbana, metrópole, região metropolitana, função pública de interesse comum, plano de desenvolvimento urbano integrado, gestão plena, governança interfederativa); recebem definição legal e passam a ser institutos jurídicos, além de categorias teóricas (art. 2º);

• metrópole: no mínimo capital regional, conforme classificação do IBGE;

• região metropolitana: aglomeração urbana que configure uma metrópole;

• a RM instituída que não atenda a este requisito será enquadrada como AU para efeito das políticas públicas a cargo da União (art. 15).

EM QUE AVANÇAMOS?

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O foco é centrado no exercício das FPICs

• Conceito de FPIC como “política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em municípios limítrofes” (art. 2º, II.);

• limites ao consorciamento e à cooperação entre distintos entes federativos, com urgência em racionalizar os custos (não apenas financeiros, mas também políticos e de tempo) das inúmeras tentativas de associação voluntária;

• Prevalência do interesse comum sobre o local, com respeito às peculiaridades e à autonomia dos entes, o compartilhamento de responsabilidades e a busca do desenvolvimento sustentável (Cap. III).

EM QUE AVANÇAMOS?

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Priorizar na agenda o planejamento e a estruturação para um formato de gestão plena

• LC estaduais devem prever, além dos municípios integrantes, as FPICs, a estrutura mínima de governança interfederativa e os meios de controle social da organização, planejamento e execução das FIPCs (art. 5º, I a IV);

• Instrumentos: PDUI com conteúdo mínimo (art.12), planos setoriais interfederativos, fundos públicos, operações urbanas consorciadas interfederativas, consórcios públicos, convênios de cooperação, contratos de gestão, parcerias público-privadas interfederativas (art. 9º);

• Engloba macrozoneamento da unidade territorial urbana no conteúdo mínimo do PDUI (art. 12, §1º, II).

EM QUE AVANÇAMOS?

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Dar prazos e estipular punições

• PDUI é o único instrumento obrigatório: ser elaborado e aprovado por lei estadual em até 3 anos da instituição da unidade, ser revisto a cada 10 anos (arts. 10 e 11), passando previamente pela aprovação da instância colegiada deliberativa da RM ou AU;

• Incisivo quanto à omissão ou mora na elaboração e aprovação do PDUI, com o ineditismo do art. 21, no que incorre em improbidade administrativa o governador ou agente público, que atue na estrutura de governança interfederativa, que deixar de tomar as providências necessárias;

• A mesma penalidade poderia ter sido estabelecida para a hipótese de negligência na institucionalização da governança interfederativa.

EM QUE AVANÇAMOS?

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Mais um passo por um pacto federativo

• Estrutura básica da governança interfederativa (RMs e Aus): instância executiva, instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil, organização pública com funções técnico-consultivas e sistema integrado de alocação de recursos e prestação de contas (art. 8);

• Ainda esbarra no descompasso entre o atual estágio da urbanização brasileira e o modelo de federação da Constituição de 1988 - tema de repactuação federativa constantemente adiado;

• Alavancagem da governança interfederativa a nível urbano-regional, que implica em enfrentar a fragmentação jurisdicional do Estado (cidade real/fronteiras político-administrativas) e as tensões político partidárias e de grupos de interesse local.

EM QUE AVANÇAMOS?

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Mais um passo pela democracia

• Os PDUIs devem respeitar a mesma metodologia de democracia participativa aplicável aos Planos Diretores Municipais, conforme o Estatuto da Cidade de 2001;

• Canais de diálogo com a população terão de ser reinventados (espacialidade mais complexa);

• Participação popular na construção política da escala metropolitana requer considerar movimentos e organizações populares, atores do mercado imobiliário e da exploração dos serviços urbanos, entre outros;

• A metrópole como condição, meio e produto à/da reprodução do capital (Lencioni);

• Um reescalonamento consiste no conflito entre realização das necessidades sociais e monopolização dos mercados regionais; o resultado dependerá da capacidade de agenciamento dessas novas escalas pelos movimentos sociais na luta pelo direito à cidade.

EM QUE AVANÇAMOS?

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Estrutura de gestão plena

• É um dos principais contributos que a nova lei oferece, pois a criação de RMs ou AUs não terá significado algum sem a instalação e funcionamento da estrutura de gestão plena;

• A lei pressupõe: a) formalização e delimitação das RMs e Aus

mediante lei complementar estadual; b) estrutura de governança interfederativa própria

(instância executiva, instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil, organização pública com funções técnico- consultivas e sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas); e

c) plano de desenvolvimento urbano integrado aprovado (art.2, III).

EM QUE AVANÇAMOS?

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Acompanhamento do Ministério Público

• Insere expressamente o acompanhamento do Ministério Público na elaboração do PDUI (art 12, § 2o, III), como reconhecimento do protagonismo que a Instituição tem provado, em inúmeras oportunidades;

• Junto com a sociedade, o Ministério Público terá efetivo papel no controle e fiscalização da ação pública, fundamentalmente quanto ao cumprimento das exigências (e penalidades) impostas pelo art.21, ao governador e agentes públicos, agora implicados e legalmente comprometidos com o planejamento urbano.

EM QUE AVANÇAMOS?

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Lacunas da lei: unidades existentes

• Destino das mais de 60 unidades criadas: como competência dos estados-membros, a eles cabe sua manutenção, adequação ou revogação;

• Independente de corresponderem aos conceitos estabelecidos, como unidades territoriais urbanas institucionalizadas terão direito a apoio governamental, desde que comprovem a realização da gestão plena;

• Indefinição quanto à porção que representa o aglomerado (fenômeno socioespacial) da unidade: persistirão imprecisões e equívocos das leis estaduais vigentes, ao não se determinar expressamente sua revisão quanto à delimitação das RMs e AUs;

• Casos para reflexão: as RMs no PR institucionalizadas no mesmo dia da sanção do EM; as RMs que cobrem 100% dos municípios de SC.

AINDA CORREMOS RISCOS?

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Lacunas da lei: o que é o “interesse comum”?

• Regulação do uso do solo: uma FPIC (nível supralocal, CF, art.25, §3º) ou uma matéria de “interesse local” (CF, art.30, VIII)? “Metropolitano”: em uma escala que se contrapõe à “local”? (ex.: áreas limítrofes de expansão, de abrangência de grandes projetos regionais etc.)

• A regulação supramunicipal colide com a autonomia constitucional dos municípios para o ordenamento territorial?

• Imprecisões quanto ao macrozoneamento: nas RMs e Aus torna-se ainda mais conflituosa a normatização do controle do uso e ocupação do solo urbano, que dentro de um único município;

• Qual o grau aceitável de direcionamento e detalhe de um macrozoneamento metropolitano, agora vinculante para os demais entes? Ou, no inverso, o que se enquadraria como de interesse metropolitano em um zoneamento municipal?

AINDA CORREMOS RISCOS?

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O perigo dos planos de prateleira

• Reprodução de planos executados por consultorias meramente comerciais, sem envolvimento de técnicos ou da comunidade, e sem estrutura e comprometimento para a implantação;

• Não previstos recursos humanos e financeiros para as necessidades relativas à elaboração do PDUI, montagem e manutenção de sistemas de informação, estrutura técnica da entidade metropolitana, implementação e atualização, entre outras ações;

• Das RMs dos anos 70, poucos órgãos técnicos sobreviveram; entre as unidades criadas posteriormente, são poucas as que dispõem de estruturas para planejamento e gestão;

• Risco de estruturas de gestão meramente formais (80% das 15 RMs analisadas pelo IPEA possuem conselho deliberativo constituído, mas apenas 33% preveem a participação da sociedade civil).

AINDA CORREMOS RISCOS?

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Ausência de dotações orçamentárias, fundos (veto)

• Fundo de finalidade específica seria o mais recomendável para garantir transparência e controle social;

• Processos regionais vêm sendo relevados diante de demandas setoriais;

• Remota a priorização de recursos orçamentários às funções públicas de interesse comum;

• Mais remota ainda a definição de recursos para as ações de promoção do processo de planejamento e gestão.

• Mesmo com fundos previstos, 73% das unidades analisadas pelo IPEA possuem fundo de contribuição, porém 60% destes nunca foram alimentados.

AINDA CORREMOS RISCOS?

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O descaso com outros arranjos espaciais

• O campo de aplicação da nova lei (RMs, AUs e MRs) ainda não dá conta da dinâmica da metropolização brasileira;

• Espacialidades complexas (arranjos espaciais, cidades em rede, configurações difusas, aglomerações transfronteiriças, entre outras) desenvolvem relações que transcendem os limites da porção mais adensada da aglomeração;

• Necessidade de que se incorporem novas escalas urbano-regionais, que mesclam as naturezas urbana, metropolitana e regional em arranjos híbridos;

• Mas... coloca RMs e AUs em destaque na agenda das ações sobre o urbano, o que pode desencadear o debate sobre configurações mais complexas da metropolização brasileira e abrir diálogo com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional;

AINDA CORREMOS RISCOS?

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O recém-sancionado Estatuto da Metrópole perdeu a chance de ser mais incisivo: não somente facultar, mas determinar aos Estados a oficialização de RMs e/ou AUs quando, comprovadamente, elas estivessem consolidadas enquanto processos socioespaciais;

De estipular prazos também para a organização do arranjo interfederativo e a implantação da gestão plena dessas unidades;

De ordenar a compatibilização, no que couber, dos demais planos setoriais ao seu PDUI (a lei deve apenas observar as normas gerais e diretrizes...);

Chega com estofo conceitual e um cabedal acumulado de discussão pública e de envolvimento de diversos segmentos da sociedade em sua maturação.

EM SÍNTESE:

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A implementação do Estatuto da Metrópole será conflituosa e acordará antigas animosidades, tirando os atores políticos de suas posições de conforto; o que daí emergirá ninguém pode prever com exatidão.

As leis não mudam o mundo, mas podem causar bastante problema aos que pretendem conservá-lo como está.

A luta pelo direito à cidade em sua dimensão de direito à metrópole está apenas começando.

EM SÍNTESE: